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9 7 8 8 5 7 3 3 5 1 3 0 9 ISBN 85-7335-130-6 HISTÓRIA NATURAL E CONSERVAÇÃO DA ILHA DO MEL Reitor Carlos Augusto Moreira Júnior Vice-Reitora Maria Tarcisa Silva Bega Diretor da Editora UFPR Luís Gonçales Bueno de Camargo Conselho editorial Elias Karam Júnior EnEida Kuchpil José antonio GEdiEl José carlos cifuEntEs luís lopEs diniz filho luiz ErnandEs KozicKi marcus lEvy albino bEncostta maria bEniGna m. dE olivEira marilEnE WEinhardt ricardo mEndEs Júnior Wilson da silva spinosa HISTÓRIA NATURAL E CONSERVAÇÃO DA ILHA DO MEL MÁRCIA C. M. MARQUES E RICARDO MIRANDA DE BRITEZ (ORGS.) ALEXANDRE SALINO CARINA KOZERA CARLOS BRUNO REISSMANN FERNANDO CÉSAR VIEIRA ZANELLA LUCIANA A. PIRES MÁRCIA C. M. MARQUES MARIA CRISTINA SOUZA PAULO EUGÊNIO A. M. OLIVEIRA RICARDO MIRANDA DE BRITEZ RICARDO R. RODRIGUES ROBERTO XAVIER DE LIMA RODOLFO ÂNGULO RODRIGO DE ANDRADE KERSTEN SANDRO MENEZES SILVA SERGIO NEREU PAGANO SIMONE ATHAYDE VALÉRIA DOS SANTOS MORAES VINÍCIUS ANTONIO DE OLIVEIRA DITTRICH © Organizadores Márcia C. M. Marques & Ricardo Miranda de Britez HISTÓRIA NATURAL E CONSERVAÇÃO DA ILHA DO MEL Coordenação Editorial Marildes Rocio Artigas Santos Projeto Gráfico e Capa Rachel Cristina Pavim Revisão: Patrícia Domingues Ribas Revisão Final: dos Organizadores Editoração Eletrônica: Alquimia Estúdio de Arte-final Ilustração da Capa: Fotografias de Zig Koch Série Pesquisa, n. 110 Coordenação de Processos Técnicos. Sistema de Biblioteca. UFPR ISBN 85-7335-131-4 Ref. 407 Direitos desta edição reservados à Editora UFPR Centro Politécnico – Jardim das Américas Tel./fax (41) 3361-3380 Caixa Postal 19.029 81531-980 – Curitiba – Paraná – Brasil editora@ufpr.br www.editora.ufpr.br 2005 História Natural e conservação da Ilha do Mel / organizadores H 673 Márcia C. M. Marques e Ricardo Miranda de Britez; [colaboradores] Alexandre Salino...[et al.].—[Curitiba] : Editora UFPR, [2005]. 271p. : il.; grafs., tabs. (Pesquisa; n.110) Inclui bibliografia 1. Comunidades vegetais. 2. Ecologia vegetal. 3. Vegetação- Mel, Ilha do(PR) – Classificação. 4. Recursos naturais – Conservação. Mel, Ilha do(PR) – Descrições e viagens. I. Marques, Márcia C.M. II.Britez, Ricardo Miranda de. III. Salino, Alexandre. Série. CDD 20.ed. 918.162 ________________________________________________________ Samira Elias Simões CRB-9 / 755 aprEsEntação A Ilha do Mel é certamente uma das mais belas paisagens do litoral paranaense. A geologia, o relevo, a proximidade do continente e o regime climático determinaram a ocorrência de ecossistemas diversificados e importantes dentro do Bioma Mata Atlântica, fato este que contribuiu para a inclusão da Ilha, juntamente com o litoral norte paranaense, dentro da Reserva da Bioesfera da Mata Atlântica estabelecida pela Unesco. Aliado a isso, a Ilha do Mel foi cenário de importantes fatos históricos regionais, que resultaram na construção da Fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres, no século XVIII, e do Farol das Conchas no século XIX. Por todos estes motivos, desde o início da década de 1980 o fluxo de turistas tem aumentado vertiginosamente na Ilha, o que gerou pressão sobre os recursos naturais, com incremento de áreas ocupadas por construção de edificações, principalmente voltadas à indústria do turismo. A partir de reivindicações de profissionais ligados ao meio ambiente e da motivação política do governo estadual, nos anos de 1982 e 2002, respectivamente, foram criados a Estação Ecológica e o Parque Estadual da Ilha do Mel, instrumentos legais que propiciam a conservação da maior parte dos ecossistemas da Ilha. No entanto, sabe-se que, além de estabelecer as áreas de proteção, a efetiva conservação se alcança a partir do conhecimento dos processos que mantêm o ecossistema, para que se possa predizer as implicações da pressão proporcionada pelo homem sobre a biota. No início da década de 1980, a partir principalmente da iniciativa de pesquisadores e estudantes da Universidade Federal do Paraná, foram iniciadas várias pesquisas que procuraram avaliar os componentes físico, biológico e social da Ilha do Mel. Ao longo destes 20 anos, várias dissertações, teses e monografias foram realizadas, resultando num vasto volume de informações. A execução desta quantidade ímpar de pesquisas focadas em um só local foi possível devido ao apoio, em diferentes épocas, da própria Universidade Federal do Paraná, de financiadores de projetos (CNPq e Capes), mas principalmente de iniciativas dos próprios pesquisadores que na maior parte dos casos trabalharam de forma voluntária. Além do fantástico conjunto de dados gerados, de importância no contexto dos estudos sobre Floresta Atlântica, os trabalhos na Ilha do Mel permitiram a capacitação de profissionais que nos dias de hoje atuam em diferentes campos das ciências ambientais. História Natural e Conservação da Ilha do Mel disponibiliza grande parte destas informações técnicas, na maioria inéditas, resultando em trabalhos que abordam o meio físico, o meio biológico e a conservação da Ilha do Mel. Certamente as informações servirão de base tanto para comparações com outros trabalhos acadêmicos em áreas semelhantes no litoral brasileiro, quanto para direcionar os futuros procedimentos que possam de alguma forma garantir a conservação, com um turismo controlado na Ilha do Mel. Os organizadores ColaboradorEs ALEXANDRE SALINO Departamento de Botânica, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Caixa Postal 486 - 30123-970 Belo Horizonte, MG salino@icb.ufmg.br CARINA KOZERA Av. Senador Salgado Filho, 4876, Uberaba - Curitiba, PR. kozera23@yahoo.com CARLOS BRUNO REISSMANN Departamento de Solos e Fitotecnia, Setor de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Paraná Rua dos Funcionários, 1540 - 80035-050 Curitiba, PR reissman@ufpr.br FERNANDO CÉSAR VIEIRA ZANELLA Departamento de Engenharia Florestal, Universidade Federal de Campina Grande, Caixa Postal 64 - 58700-970 Patos, PB fzanella@cstr.ufcg.edu.br LUCIANA ANDRÉA PIRES Pós-graduação em Biologia Vegetal, Departamento de Botânica, Universidade Estadual Paulista, Caixa Postal 199 - 13506-900 Rio Claro, SP luapires@hotmail.com MÁRCIA CRISTINA MENDES MARQUES Laboratório de Ecologia Vegetal, Departamento de Botânica, Setor de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná Caixa Postal 19031 - 81531-970 Curitiba, PR MARIA CRISTINA DE SOUZA Pós-Graduação em Geologia, Laboratório de Estudos Costeiros - LECOST, Departamento de Geologia, Setor de Ciências da Terra, Universidade Federal do Paraná Caixa Postal 19001 - 81531-990 Curitiba, PR cristinasouza@ufpr.br PAULO EUGÊNIO A. M. DE OLIVEIRA Departamento de Biociências, Instituto de Biociências, Universidade Federal de Uberlândia Caixa Postal 593 - 38400-902 Uberlândia, MG poliveira@ufu.br RICARDO MIRANDA DE BRITEZ Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental. Rua Gutemberg, 296, Batel - 80420-030 Curitiba, PR cachoeira@spvs.org.br. RICARDO RIBEIRO RODRIGUES Departamento de Ciências Biológicas, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, Caixa Postal 9 - 13418-900 Piracicaba, SP, rrr@esalq.usp.br ROBERTO XAVIER DE LIMA Ministério do Meio Ambiente SAS QD 05 lote 05 Bl “H” 3º andar sala 305 - 70070914 Brasília, DF roberto.lima@mma.gov.br RODOLFO JOSÉ ANGULO Laboratório de Estudos Costeiros LECOST, Departamentode Geologia, Setor de Ciências da Terra da Universidade Federal do Paraná UFPR, Jardim das Américas, Caixa Postal 19001 - 81531-990 Curitiba, PR angulo@ufpr.br RODRIGO DE ANDRADE KERSTEN Rua José de Alencar 158 apto. 124 80050-240 Curitiba, Paraná, Brasil kersten@bol.com.br SANDRO MENEZES SILVA Fundação O Boticário de Proteção a Natureza Rua Gonçalves Dias, 225 - 80240-340 Curitiba, PR sandros@fundacaoboticario.com.br SÉRGIO NEREU PAGANO Departamento de Botânica, Universidade Estadual Paulista, Caixa Postal 199 - 13506-900 Rio Claro, SP SIMONE FERREIRA DE ATHAYDE R. Amintas de Barros, 93 apto 502 80060-200 Curitiba, PR simone@socioambiental.org VALÉRIA DOS SANTOS MORAES Sociedade Paranaense de Ensino e Informática (SPEI) R. Carlos de Carvalho, 256 - 80410-180, Curitiba, PR Endereço atual: R. Simão Álvares, 137 - 05417-020, São Paulo, SP valerias.moraes@uol.com.br VINÍCIUS ANTONIO DE OLIVEIRA DITTRICH Pós-graduação em Biologia Vegetal, Departamento de Botânica, Universidade Estadual Paulista, Caixa Postal 199 - 13506-900 Rio Claro, SP vinarc@ig.com.br sumário Meio FísiCo 13 Caracterização geral Ricardo Miranda de Britez & Márcia C. M. Marques 19 Geologia e Geomorfologia Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 35 Solos Ricardo Miranda de Britez Meio BiológiCo 49 A Vegetação da Planície Costeira Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 85 Flora pteridofítica Alexandre Salino, Sandro Menezes Silva, Vinícius Antônio de Oliveira Dittrich & Ricardo Miranda de Britez 103 Floresta Ombrófila Densa Submontana: florística e estrutura do estrato inferior Carina Kozera & Ricardo Ribeiro Rodrigues 125 Florística e estrutura de comunidades de epífitas vasculares da planície litorânea Rodrigo de Andrade Kersten & Sandro Menezes Silva 145 Ciclagem de nutrientes na planície costeira Ricardo Miranda de Britez, Luciana A. Pires, Carlos Bruno Reissmann, Sergio Nereu Pagano, Sandro Menezes Silva, Simone Ferreira de Athayde & Roberto Xavier de Lima 169 Características reprodutivas das espécies vegetais da planície costeira Márcia C. M. Marques & Paulo Eugênio A. M. Oliveira 189 Abelhas da Ilha do Mel: estrutura da comunidade, relações biogeográficas e variação sazonal Fernando César Vieira Zanella 209 Aves Valéria dos Santos Moraes Conservação 229 As unidades de conservação Simone Ferreira de Athayde & Ricardo Miranda de Britez 249 Conhecimento Etnobotânico Roberto Xavier de Lima mEio físico 13 Caracterização geral Ricardo Miranda de Britez & Márcia C. M. Marques Localização, dimensões, toponímia e jurisdição A Ilha do Mel localiza-se na entrada da baía de Paranaguá, centro do litoral do Estado do Paraná (Figura 1), estando separada do continente (Ponta Inácio Dias, em Pontal do Paraná) por aproximadamente 2.800 metros. Em sua porção oriental afronta o oceano Atlântico, onde encontram-se as Ilhas das Palmas e da Galheta. Ao norte encontram-se as Ilhas das Peças e Superagüi; a oeste é banhada pelo chamado Mar de Dentro e avizinha-se das Ilhas das Cobras, da Cotinga e Rasa da Cotinga (Figura 1). Tem o formato de um oito mal traçado, mais largo ao Norte que ao Sul, sendo essas duas porções unidas por um istmo atualmente bastante reduzido. O perímetro é de 35 quilômetros e a área total de 2894 hectares. Os pontos extremos são, ao norte, a Ponta do Hospital (25o 29’ S, 48o 21’ 18’’ W), a leste a Ponta do Morro do Farol das Conchas (25o 32’ 17’’ S, 48o 17’ 15’’ W), ao sul a Ponta do Morro das Encantadas (25o 34’ 32’’ S, 48o 18’ 21’’ W) e a oeste a Ponta Oeste ou da Coroazinha (25o 30’ S, 48o 23’ 16’’ W) (Figura 2). A maior parte da ilha encontra-se ao nível do mar, sendo poucas as regiões com elevações (Figura 2). As maiores são o Morro Bento Alves (também chamado Morro do Miguel ou da Nhá Pina) com 148 m, o Morro do Meio (ou Morro do Belo) com 101 m, Morro da Fortaleza (ou Baleia) com 82 m, o Morro das Encantadas (ou Morro Principal) com 70 m, o Morro do Joaquim com 62 metros e o Morro do Farol das Conchas com 50 m (Figueiredo 1956). No perímetro da Ilha destacam-se as praias das Conchas (ou do Farol) e da Fortaleza, além da praia de Fora, a praia Grande, a praia do Miguel e a praia do Belo, na porção sul da Ilha. Ao norte e oeste destacam-se as localidades denominadas Ponta do Bicho e a Ponta do Cassual (onde encontra-se o rio com o mesmo nome). A região voltada para o continente, no sudoeste da Ilha, é conhecida como Saco do Limoeiro (Figura 2). Ricardo Miranda de Britez & Márcia C. M. Marques 14 A Ilha pertence ao município de Paranaguá e sua jurisdição está a cargo do Instituto Ambiental do Paraná, vinculado à Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Paraná. O acesso à Ilha é feito de barco a partir do terminal de embarque localizado no Balneário de Pontal do Sul, em Pontal do Paraná, ou da cidade de Paranaguá. Clima O Brasil caracteriza-se por duas áreas climáticas: a zona temperada na região sul e a zona tropical. O clima do litoral paranaense está na transição entre essas duas zonas, sendo considerado por Maack (1981) como de transição entre a região tropical e subtropical, incluindo-se, segundo a classificação Köppen, na zona climática Af. Este autor acrescentou a letra “t” para indicar essa transição. As cartas climáticas elaboradas pelo Iapar (1978) caracterizam o clima como mesotérmico, superúmido, sem estação seca e isento de geada. O clima da região é fortemente influenciado pela corrente marítima quente do Brasil e pelos constantes avanços e recuos de massas polares e tropicais, resultando em modificações severas no clima nas diferentes estações do ano (Maack 1981). Os meses de maior precipitação equivalem ao período no qual Figura 1 - Localização da Ilha do Mel no Brasil, Estado do Paraná e no litoral. Meio Físico – Caracterização Geral 15 existem descontinuidades entre a massa de ar tropical marítima proveniente do Atlântico Sul e a massa de ar polar proveniente da região polar sul da América do Sul. Nesse período, em que há grande interação entre essas duas massas polares, são freqüentes fortes chuvas diárias (Nimer 1977). A partir dos dados climáticos obtidos na Estação Meteorológica de Paranaguá-PR (25o31’S e 48o31’W, 4,4 m s.n.m., a cerca de 20 km da Ilha) para o período de 1948 a 1988, observa-se um padrão climático bem definido para esse período de 41 anos (Figura 3). A temperatura média anual foi de 21,09 oC, sendo a média mensal mais alta registrada em fevereiro (25,14 o C), e a mais baixa em julho (17,26o C). A precipitação anual média do período foi de 1959 mm, sendo que os meses de janeiro a março tiveram as maiores médias de pluviosidade (272 mm a 286 mm), enquanto em julho e agosto registraram-se as menores (72 mm e 73 mm). Esses dados denotam um padrão sazonal, no qual os meses de verão Figura 2 - Contorno geral, esboço planialtimétrico, toponímia e localização das unidades de conservação. Ricardo Miranda de Britez & Márcia C. M. Marques 16 (janeiro a março) apresentam as maiores temperaturas e pluviosidades. Nessa região, além da alta pluviosidade, a freqüência de chuvas também é bastante elevada, com uma média de dias de ocorrência de chuva por ano de 180 dias (média dos anos de 1985 a 1988), ou seja, em quase metade do ano ocorrem chuvas (Silva 1990). A umidade relativa do ar é alta, com médias acima de 80% durante o ano todo, sendo os valores mais altos registrados em agosto e setembro, indicando uma grande quantidade de vapor d’água trazido pelos ventos úmidos dos quadrantes S, SW e SE (dados de 41 anos, Silva 1990). Segundo Moraes (1993), as chuvas orográficas que ocorrem na costa brasileira associada à Floresta Atlântica são formadas pela grande quantidade de vapor d’água queos ventos alísios do sudeste, constantes na direção do oceano para o continente, trazem e que, ao encontrar a Serra do Mar, resultam em densos nevoeiros e precipitação. Embora o clima para a região de Paranaguá seja superúmido, sem estação seca e normalmente haja excedente hídrico no solo (Silva 1990), em alguns anos é possível a ocorrência de invernos mais secos, com menores valores de precipitação, principalmente nos meses de julho e agosto, levando à ocorrência de deficiência hídrica. Tal fato foi verificado nos anos de 1989, 1991 e 1993 (Britez 1994). Figura 3 - Distribuição mensal das médias de precipitação (mm) e temperatura (ºC) para a região de Paranaguá no período de 1948-1988. Fonte: 7º Disme/Inmet - Paranaguá. Fonte: Silva (1990). Meio Físico – Caracterização Geral 17 Referências BRITEZ, R.M. 1994. Ciclagem de nutrientes minerais em duas florestas da planície litorânea da Ilha do Mel. Dissertação de Mestrado em Agronomia, Universidade Federal do Paraná, Paranaguá. FIGUEIREDO, J.C. 1954. Contribuição à geografia da Ilha do Mel (Litoral do Paraná). Tese de Doutorado em Geografia, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. IAPAR. 1978. Cartas climáticas básicas do Paraná. Instituto Agronômico do Paraná. MAACK, R. 1981. Geografia física do Estado do Paraná. 2. ed. José Olympio, Rio de Janeiro. NIMER, E. Clima. In Geografia do Brasil - Região Sul (E. Nimer). IBGE, 1977. SILVA, S.M. 1990. Composição florística e fitossociologia de um trecho de floresta de restinga na Ilha do Mel, município de Paranaguá, PR. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas 19 Geologia e Geomorfologia Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza A Ilha do Mel, localizada na desembocadura da Baía de Paranaguá, é formada principalmente por morros rochosos e planícies arenosas, semelhantes às que constituem a planície costeira paranaense. Dentre os trabalhos que abordam aspectos da geologia e geomorfologia da Ilha do Mel destacam-se os trabalhos pioneiros de Bigarella (1946) e Figueiredo (1954), o mapeamento geológico da Comissão da Carta Geológica do Paraná (Rivereau et al. 1968), o trabalho de síntese sobre o litoral paranaense de Bigarella et al. (1978) e as contribuições de Martin et al. (1988), Angulo (1992a, b, 1999), Paranhos Filho et al. (1994), Angulo et al. (1996), Araújo (2001) e Giannini et al. (2004). Os morros da Ilha do Mel concentram-se na parte sul da ilha e têm alturas variáveis que podem alcançar 148 metros, como no Morro Bento Alves (Figura 2 em Britez & Marques deste volume). Os morros são constituídos por rochas do embasamento cristalino, principalmente migmatitos estromáticos com paleossoma de biotita-hornblenda gnaisse, mica-quartzo xisto, ultrabasitos, metabasitos e anfibolitos do Complexo Gnáissico Migmático Costeiro do Proterozóico Inferior (Mineropar 1989). Essas rochas estão cortadas por enxames de diques basálticos, microdioritos, quartzo- microdiorito e diorito pórfiro, do Juro-Cretáceo (Mineropar 1989), relacionados à abertura do Oceano Atlântico Sul. A erosão diferencial entre as rochas do Complexo Costeiro e dos diques gerou quebras nas vertentes dos morros e reentrâncias e grutas nos costões da ilha, tais como a Gruta de Encantadas (Figura 1). As planícies têm relevo suave ondulado por causa da presença de cordões litorâneos (Figura 2) e altitudes predominantes entre 1 e 4 metros sobre o nível médio do mar, podendo alcançar 25 metros em locais onde ocorrem dunas eólicas. As planícies são constituídas por sedimentos arenosos do Quaternário, principalmente areias finas bem selecionadas, com diversas estruturas sedimentares, tais como estratificação cruzada de baixo ângulo com laminação plano-paralela suborizontal; laminação cruzada de migração de marcas onduladas assimétricas, Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 20 Figura 1 - Gruta de Encantadas, na parte sul da Ilha do Mel, originada por erosão diferencial entre migmatitos e pequeno dique basáltico, visível na parte superior da gruta. Figura 2 - Foto aérea vertical de 1980 na qual se observam, ressaltados pela vegetação, os cordões litorâneos próximos ao Morro da Fortaleza na Ilha do Mel. Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 21 às vezes acrescionais; estruturas de corte e preenchimento de canal e icnofósseis Ophiomorpha atribuídos a tubos de Callichirus major. Essas estruturas sugerem que a deposição desses sedimentos ocorreu em ambiente de face praial (beach face) (Angulo 1992a). Na base de afloramentos próximos ao Saco do Limoeiro foram observadas estratificações cruzadas de grande porte que foram atribuídas a dunas subaquosas em ambiente de delta de maré enchente (Araújo 2001). Os sedimentos que formam a planície costeira freqüentemente apresentam um horizonte com diagênese precoce e coloração castanho-escura, conhecido popularmente como piçarra (Figura 3), que é originado principalmente por enriquecimento epigenético em matéria orgânica relacionado a processos pedogenéticos em Espodossolo (Angulo 1992b). Completam a geologia da Ilha do Mel os ambientes de sedimentação atuais, tais como praias, planícies de maré, dunas frontais e deltas de maré. Figura 3 - Falésia em sedimentos arenosos do Holoceno próxima à Ponta Oeste da Ilha do Mel. Na parte inferior da falésia os sedimentos apresentam enriquecimento epigenético em matéria orgânica, formando um horizonte conhecido popularmente como piçarra. A parte superior da falésia é formada por areias brancas com lâminas escuras devidas à concentração de minerais pesados. Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 22 Evolução geológica e paleogeográfica Para compreender as evoluções geológica e paleogeográfica das zonas costeiras durante o Quaternário, deve-se lembrar que estas foram comandadas pelas variações do nível do mar relacionadas aos ciclos glacial-interglacial ocorridos no período. Essas variações podem ser identificadas por meio de indicadores de paleoníveis marinhos a partir dos quais podem ser construídas curvas de variação do nível relativo do mar. Na costa paranaense foram encontrados diversos indicadores de paleoníveis marinhos que contribuíram para o conhecimento dessas variações (Angulo et al. 2002) (Figura 4). Especificamente na Ilha do Mel foram descritos indicadores espaciais de paleoníveis marinhos, tais como paleotômbolos erosivos, paleopilares marinhos (Figura 5), icnofósseis Ophiomorpha atribuídos a Callichirus major, locas de ouriço e limites de fácies sedimentares (Angulo 1993a, 1994). Também foram descritos indicadores espaço-temporais correspondentes a restos de recifes formados por gastrópodes fixos da espécie Petaloconchus (Macrophragma) varians (Angulo 1993a). A partir do conhecimento atual, a evolução geológica e paleogeográfica do litoral paranaense e especificamente da Ilha do Mel pode sintetizar-se como segue: a) Durante o último interglacial, no Pleistoceno Tardio, o mar teria subido até alcançar uma elevação de 8 ± 2 m acima do nível atual aproximadamente 120.000 anos antes do presente (a.p.) (Martin et al. 1988). Durante esse máximo a costa paranaense apresentava configuração recortada, estando a Serra do Mar em contato com o mar. Em alguns locais podem ter existido ilhas barreiras associadas a lagunas e estuários. Nesse período, a Ilha do Mel estava reduzida a um pequeno arquipélago de ilhas rochosas correspondentes aos morros que atualmente fazem parte da ilha (Figura 6a). Entre os morros das Encantadas e Caraguatá, provavelmente existia um tômbolo erosivo (Figura 6a’). b) Durante a fase regressiva subseqüente ao máximo, formaram-se na região extensas barreiras regressivas, que se estendiam em direção à plataforma, muito além de sua atual faixa de afloramento. Na atual localização da Ilha do Mel provavelmente existiam planíciesregressivas, semelhantes às existentes em outros setores da costa paranaense, que posteriormente foram erodidas. c) Durante o período de mar baixo, correspondente ao último período glacial, que teve seu máximo entre 21.500 e 18.000 anos a.p. (Pirazzoli 1996), o nível do mar esteve em torno de 130 metros abaixo do atual, Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 23 -5 -4 -3 -2 -1 0 1 2 3 4 5 0500100015002000250030003500400045005000550060006500 Idade (anos A.P.) Pa le on ív el (m ) (1) (2) (3) Figura 4 - Paleoníveis marinhos holocênicos no litoral paranaense e na Ilha do Cardoso, no sul paulista, e curva de variação do nível relativo do mar a partir de tubos de vermetídeos (Angulo et al. 2002). (1) paleonível com margem de erro inferida a partir de tubos de vermetídeos; (2) paleonível mínimo inferido a partir de conchas de moluscos com predominância de Anomalocardia brasiliana; (3) paleonível mínimo inferido a partir de indicadores compostos, principalmente estruturas associadas a fragmentos de madeira ou conchas. Figura 5 - Paleopilar no Morro do Joaquim, na Ilha do Mel, formado provavelmente durante o último máximo transgressivo no Holoceno. Note-se a concentração de matacões no sopé da encosta, entre 2 e 3 m acima do nível de preamar atual, atribuída ao retrabalhamento de colúvios pela ação das ondas durante nível relativo do mar superior ao atual (Angulo 1994). Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 24 estabelecendo-se na região uma rede de drenagem fluvial que dissecou a planície costeira e cujas evidências são freqüentes em diversos setores da costa paranaense e norte catarinense. Durante esse período a Ilha do Mel deixou de existir, tornando- se parte de uma extensa planície que se estendia entre a Serra do Mar e a atual borda da plataforma continental. d) Durante o último pós-glacial o mar subiu aceleradamente, até aproximadamente 6.000 anos a.p. para posteriormente ter relativa estabilização. O máximo da transgressão pós-glacial teria ocorrido no Holoceno, entre 5.000 e 5.400 anos a.p., e alcançado altitude em torno de 3,5 ± 1,0 m acima do atual (Angulo & Souza 1999). Nesse período, teriam existido na região ilhas-barreira e amplos estuários (Lessa et al. 2000). Durante a ascensão do nível do mar, os terraços do Pleistoceno Superior foram erodidos e afogados e, durante o máximo da transgressão, poucos vestígios deles tinham restado. Poderiam ser do Pleistoceno Figura 6 - Evolução paleogeográfica da Ilha do Mel durante o Quaternário até o máximo da transgressão pós-glacial (modificado de Angulo 1992b, Araújo 2001). (a) Arquipélago do Mel durante o máximo da transgressão do Pleistoceno Tardio, ocorrido aproximadamente 120.000 anos a.p.; (b) Arquipélago do Mel durante o período de mar alto no Holoceno, cujo máximo ocorreu entre 5.400 e 5.000 anos a.p. Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 25 Tardio, apenas, dois pequenos terraços existentes em Encantadas e o terraço subjacente às dunas entre os morros do Meio e do Miguel, mas as idades desses depósitos precisam ser confirmadas (Figura 6b’). Durante a subida do nível do mar provavelmente existiam na região campos de dunas transgressivas, cujos últimos remanescentes seriam as dunas existentes na Ilha do Mel entre os morros do Meio e do Miguel; contudo, datações dessas dunas seriam necessárias para confirmar essa hipótese (Figura 6b’). Durante o período de mar alto existia, na área correspondente à parte oeste da ilha, um delta de maré enchente (Figura 6b), cujos depósitos afloram na ilha e foram detectados em subsuperfície por meio de sondagens (Araújo 2001). e) A partir do máximo da transgressão, ou talvez 1.000 anos antes, formaram-se na região extensas barreiras regressivas com cordões litorâneos. A descida do nível relativo do mar também propiciou a diminuição do tamanho dos estuários. Durante o período também formaram-se esporões arenosos que migravam para norte sob o efeito das correntes de deriva litorânea, deslocando as desembocaduras dos estuários na mesma direção. As barreiras regressivas constituem a maior parte da Ilha do Mel. Inicialmente, formou-se a parte mais ocidental, que progradou para norte-nordeste (Figura 7a); posteriormente, os cordões litorâneos migraram para nordeste, leste-nordeste e finalmente para leste, sendo provável que tenham ocorrido períodos de retrogradação, como evidenciam os truncamentos dos feixes de cordões litorâneos (Figuras 7b e 7c). À medida que os cordões progradavam para leste, a ilha formada pelo Morro da Fortaleza começou a funcionar como um anteparo, provocando a refração das ondas e a conseqüente inflexão dos cordões em direção ao morro, até formar um tômbolo (Figura 7c). A barreira, cujos depósitos foram identificados por sondagens, estendia-se para o sul, e foi erodida pelas ondas e correntes existentes no Saco do Limoeiro (Araújo 2001). Posteriormente, formou-se a planície que liga as partes noroeste e sudeste da ilha (Figura 7d). f) Nas últimas centenas de anos até o presente, num período em que o mar já apresentava nível semelhante ao atual, ocorreram processos de progradação, com a formação de cordões litorâneos aproximadamente paralelos à linha de costa atual, e de retrogradação, evidenciados pelas superfícies de truncamento entre os cordões (Figura 7e). Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 26 Figura 7 - Evolução paleo-geográfica das barreiras regressivas na Ilha do Mel durante o Holoceno (modificado de Angulo 1992b, Araújo 2001). (a) primeiro estágio; (b) segundo estágio; (c) terceiro estágio; (d) quarto estágio; (e) formação de cordões litorâneos nas últimas centenas de anos com nível do mar semelhante ao atual. Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 27 Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 28 Ambientes atuais de sedimentação Na Ilha do Mel e área próxima podem ser reconhecidos cinco ambientes de sedimentação principais: praias, dunas frontais, planícies de maré, deltas de maré enchente e deltas de maré vazante. Praias As praias da Ilha do Mel são constituídas predominantemente por areia fina a média, com diâmetro médio entre 3,6 e 2,1 phi, bem selecionada, composta por quartzo e subsidiariamente biodetritos calcários e minerais pesados, tais como ilmenita, zircão, rutilo e turmalina (Paranhos Filho 1996, Giannini et al. 2004). As praias ocorrem ao longo de quase todo o perímetro da ilha, exceto onde as rochas do embasamento alcançam o mar e onde as ondas não possuem energia suficiente para remover os sedimentos finos. A dinâmica das praias da Ilha do Mel é fortemente influenciada pela dinâmica das desembocaduras da Baía de Paranaguá, especificamente pelas correntes de maré e pelos deltas de maré que ocorrem associados. Segundo Angulo (1993c), as praias da ilha apresentam grande mobilidade, sendo comuns rápidos e intensos processos de erosão e sedimentação. Ainda não existem estudos sobre a morfodinâmica dessas praias. Dunas frontais As dunas frontais são freqüentes na Ilha do Mel. Elas são formadas pela acumulação de areia retirada pelo vento da praia e depositada junto à linha de costa com o auxílio da vegetação. Na Praia do Forte (Figura 2 do Capítulo 1.1) são freqüentes os campos de dunas dômicas de altura inferior a 1 metro (Figura 8); nas praias de Fora, Grande, do Miguel e de Fora em Encantadas (Figura 2 do Capítulo 1.1) são comuns cordões de dunas frontais que podem alcançar 2 a 4 metros de altura (Angulo 1993b). Planícies de maré As planícies de maré da Ilha do Mel estão restritas à margem voltada para a baía, destacando-se a existente entre o morro do Miguel e o istmo. Elas incluem ecossistemas de manguezais, marismas e bancos não vegetados. Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 29 Figura 8 - Dunas dômicas próximasao Morro do Farol das Conchas, na Ilha do Mel. Figura 9 - Imagem Landsat-7 ETM+ de 1999, composição colorida RBG (processada no Laboratório da Oceanografia Costeira e Geoprocessamento do CEM/UFPR) da desembocadura do complexo estuarino de Paranaguá, na qual se observam bancos e zonas de arrebentação de ondas correspondentes aos deltas de maré vazante associados às desembocaduras. Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 30 Figura 10 - Fotografia aérea vertical do Saco do Limoeiro ou Mar de Dentro, na Ilha do Mel, de 1980, interpretado como delta de maré enchente e no qual se observam ondas de areia (sand waves) e dunas subaquosas (Angulo 1999). Figura 11 - Vista aérea de ondas de areia (sand waves) durante a maré baixa, no Saco do Limoeiro, na Ilha do Mel. Estas dunas migram para oeste (seta) sob o efeito das correntes de maré enchente (Angulo 1999). Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 31 Deltas de maré Os bancos arenosos que existem associados às desembocaduras dos complexos estuarinos da costa paranaense foram caracterizados como deltas de maré por Angulo (1992a, 1999). Dois grandes deltas de vazante ocorrem associados às desembocaduras da Baía de Paranaguá (Figura 9). A mobilidade desses deltas é responsável por importantes processos de erosão e sedimentação nas costas da ilha. O Saco do Limoeiro foi caracterizado como um delta de maré enchente, no qual ocorrem campos de ondas de areia (sand waves) e dunas subaquosas (Angulo 1999) e cuja dinâmica foi estudada por Araújo (2001) (Figuras 10 e 11). Variações da linha de costa e erosão costeira As costas da Ilha do Mel apresentam rápidas variações da linha de costa e intensos processos de erosão e sedimentação, que já foram identificados nos trabalhos pioneiros da década de 1950 (Figueiredo 1954). Nos anos 1950, o istmo da ilha tinha 152 metros de largura, medido entre as linhas de preamares (Figueiredo 1954). Nessa mesma área, na década de 1980, iniciou-se processo Figura 12 - Esporão arenoso ancorado no Morro do Farol das Conchas formado durante a década de 1990, simultaneamente ao processo de erosão no istmo. Anteriormente à formação do esporão, a linha de costa localizava-se aproximadamente junto à linha de vegetação arbórea. Rodolfo José Angulo & Maria Cristina de Souza 32 Figura 13 - Variação da linha de costa na Ilha do Mel (Angulo et al. 2004). erosivo que se intensificou nos anos 1990. Em 2001 existia no istmo um trecho de 300 metros de comprimento sem qualquer remanescente da planície do Holoceno, existindo comunicação entre as águas da baía e as do mar. A intensificação da erosão na década de 1990 foi simultânea à formação de um esporão arenoso ancorado na Ponta do Farol das Conchas, cuja velocidade de crescimento longitudinal média foi estimada em 100 m.ano-1 (Giannini et al. 2004) (Figura 12). Em outros locais da ilha foram identificadas variações de dezenas de metros nas últimas décadas (Angulo et al. 2004) (Figura 13). Meio Físico – Geologia e Geomorfologia 33 Referências ANGULO, R.J. 1992a. Ambientes de sedimentação da planície costeira com cordões litorâneos no Estado do Paraná. Boletim Paranaense de Geociências 40:69-114. ANGULO, R.J. 1992b. Geologia da Planície Costeira do Estado do Paraná. Tese de Doutorado, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, São Paulo. ANGULO, R.J. 1993a. 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A Ilha do Mel apresenta essas duas conformações, sendo que a planície litorânea representa cerca de 93,8% (2714 ha) e os morros 6,3% (180 ha) da área total da ilha. Conforme o mapa do Levantamento de Reconhecimento dos Solos do Estado do Paraná, elaborado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e pelo Serviço Nacional de Levantamentos e Conservação de Solos (SNLCS) (1984 e escala 1:600.000), os solos de maior expressão no litoral paranaense são: Latossolos Vermelho-amarelo Álicos; Podzóis; Solos Indiscrimi- nados de Mangue; Cambissolos Álicos; Podzólicos Vermelho-amarelo Distróficos; Cambissolos Distróficos; Solos Hidromórficos Gleyzados Indiscriminados, e Afloramentos de Rocha. No presente capítulo são descritos os solos que ocorrem na Ilha do Mel, considerando-se as descrições regionais feitas pela Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa 1994) e principalmente os trabalhos de Sema (1996), Britez (1994), Britez et al. (1997) e Pires (2001) e algumas observações de campo. Ricardo Miranda de Britez 36 Os solos da Ilha do Mel São encontradas quatro ordens e dez subordens de solos na Ilha do Mel (Tabela 1), denominados segundo o Sistema Brasileiro de Classificação de Solos (Embrapa 1999). Os Neossolos compreendem os solos constituídos por material mineral ou por material orgânico pouco espesso em conseqüência da baixa intensidade de atuação dos processos pedogenéticos, que não conduziram, ainda, a modificações expressivas do material de origem. Tal situação ocorre em virtude de diversos aspectos, como as características do próprio material, resistência ao intemperismo, composição química e relevo, os quais podem impedir ou limitar a evolução desses solos. Os Neossolos Litólicos são solos com horizonte A ou O hístico com menos de 40 centímetros de espessura, em contato direto com a rocha, sobre um horizonte C ou Cr ou sobre material com predomínio de fragmentos de rocha com diâmetro maior que 2 milímetros (cascalhos, calhaus e matacões) e que apresentam um contato lítico dentro de 50 centímetros da superfície do solo. Admitem um horizonte B em início de formação cuja espessura não satisfaz a qualquer tipo de horizonte B diagnóstico. Os Neossolos Quartzarênicos têm como seqüência de horizontes A-C, sem contato lítico dentro de 50 centímetros de profundidade. Apresentam textura areia ou areia franca nos horizontes até, no mínimo, a profundidade de 150 centímetros a partir da superfície do solo ou até um contato lítico. O material é essencialmente quartzoso, tendo nas frações areia grossa e areia fina 95% ou mais Tabela 1 - Principais ordens e subordens de solos encontrados na Ilha do Mel, de acordo com a nomenclatura adotada por Embrapa (1999), e suas respectivas localizações. Meio Físico – Solos 37 de quartzo, calcedônia e opala e, praticamente, ausência de minerais primários alteráveis (menos resistentes ao intemperismo). Os Cambissolos são constituídos por material mineral, e apresentam horizonte A ou hístico com espessura de 40 centímetros seguido de horizonte B incipiente. Têm seqüência de horizontes A ou hístico, Bi, C, com ou sem R. Por causa da heterogeneidade do material de origem, das formas de relevo e das condições climáticas, as características desses solos variam muito de um local para outro. Assim, a classe comporta desde solos fortemente até imperfeitamente drenados, de rasos a profundos, de cor bruna ou bruno-amarelada até vermelho escuro, e de alta a baixa saturação por bases e atividade química da fração coloidal. Cambissolos hísticos são solos com horizonte O hístico com menos de 40 centímetros de espessura, ou menos de 60 centímetros quando 50% ou mais do material orgânico for constituído de ramos finos, raízes finas, casca de árvores e folhas, parcialmente decompostos. Já o Cambissolo Húmico apresenta horizonte A húmico e os Cambissolos Háplicos são os demais solos com características de Cambissolo que não se enquadram nas subordens anteriores. Argissolos compreendem solos constituídos por material mineral, que têm como características diferenciais argila de atividade baixa e horizonte B textural (Bt), imediatamente abaixo de qualquer tipo de horizonte superficial, exceto o hístico. Parte dos solos desta classe apresenta um evidente incremento no teor de argila, do horizonte B para baixo do perfil. A transição entre os horizontes A e Bt é usualmente clara, abrupta ou gradual. São de profundidade variável, desde forte a imperfeitamente drenados, de cores avermelhadas ou amareladas e, mais raramente, brunadas ou acinzentadas. A textura varia de arenosa a argilosa no horizonte A e de média a muito argilosa no horizonte Bt, sempre havendo aumento de argila daquele para este. São forte a moderadamente ácidos, com saturação por bases alta ou baixa, predominantemente caulinítico. As subordens se distinguem principalmente em função da cor, e as principais são Argissolos Acinzentados (matiz mais amarelo que 5 YR e valor 5 ou maior e croma < 4 na maior parte dos primeiros 100 cm do horizonte B), Argissolos Amarelos (matiz mais amarelo que 5 YR na maior parte dos primeiros 100 cm do horizonte B) e os Argissolos Vermelho-Amarelos (matiz 5 YR ou mais vermelho e mais amarelo que 2.5 YR na maior parte dos primeiros 100 cm do horizonte B). Os Espodossolos são solos constituídos por material mineral, apresentando horizonte B espódico, imediatamente abaixo de horizonte E ou A, dentro de 200 centímetros da superfície do solo, ou de 400 centímetros de Ricardo Miranda de Britez 38 profundidade, se a soma do horizonte A + E ultrapassa 200 centímetros de profundidade. Os Espodossolos são chamados de Cárbicos quando apresentam acúmulo, principalmente de carbono orgânico e alumínio, no horizonte B espódico, com presença só de horizonte Bh, e de Ferrocárbicos quando apresentam acúmulo, principalmente, de carbono orgânico e ferro. As Unidades Fisiográficas Áreas de Morro Nos morros, apesar da pequena elevação (entre 50 e 148 metros; ver Britez & Marques neste volume), em função de condições topográficas os solos estão sujeitos a forte ação erosiva. O relevo variando desde suave ondulado (nos topos) ao montanhoso e escarpado resulta em um material de origem associado ao complexo gnaissico-migmatítico costeiro (Mineropar 1989). Apesar de não terem sido realizados estudos sistematizados dos solos dos morros, com base em Sema/Iap (1996) foram identificadas as ordens, de Cambissolo e Argissolo. Nas porções mais dissecadas da paisagem de quase todos os morros da Ilha, observam-se afloramentos rochosos associados a Neo-solos Litólicos, onde o material orgânico é pouco espesso, por causa da dificuldade de fixar-se nas porções de alta declividade. Esses solos apresentam-se bastante heterogêneos, com variações na seqüência de horizontes (A/R ou A/C/R) e com o horizonte superficial (h A) em geral moderado. Também próximo aos costões sobre influência direta do mar é comum encontrar uma camada fina de solo sobre as rochas, em uma sucessão gradativa de rocha exposta para solos cada vez mais profundos, à medida que ocorre um desenvolvimento mais acentuado da vegetação. Onde houve condições para um melhor desenvolvimento dos solos, surgem os Cambissolos, que podem apresentar variações quanto à fertilidade (álicos ou distróficos), estrutura e textura (em geral argilosa), podendo exibir pedregosidade (seixos subangulosos e cascalhos) ao longo do perfil. Além disso, há variações na permeabilidade interna e grau de hidromorfismo do solo. No morro do Joaquim, onde ocorre acúmulo de água, foi observada a presença significativade Cambissolo com caráter intermediário para solo Glei Pouco Húmico, ou seja, Cambissolo Gleico (Sema/Iap 1996). Segundo Embrapa (1984), também ocorre nos morros solo Podzólico Vermelho Amarelo latossólico. Meio Físico – Solos 39 Áreas de Planície Quase toda a área da planície é constituída por um sistema de diferentes tipos de Espodossolos. Ocorrem ainda, ocupando uma área bem menor, o Neo- solo Quartzarênico e os Solos Indiscriminados de Mangue (Sema/Iap 1996). Os Neossolos Quartzarênicos ocorrem nas áreas onde a deposição de sedimentos é recente, em alguns pontos da costa da Ilha e sobre formações eólicas (terraços da parte sul). Nesses casos há uma descontinuidade entre o material que formou a planície costeira original e os sedimentos novos, com horizonte A fraco sobre horizonte C inconsolidado, podendo apresentar lentes de material máfico ao longo do perfil do solo. Destacam-se também áreas de marismas onde ocorrem Neossolos Quartzarênicos hidromórficos com caráter solódico e/ou tiomórfico, intermediárias para Solos de Mangue (Sema/Iap 1996). Os Solos Indiscriminados de Mangue não são muito representativos na Ilha, e sua ocorrência está relacionada com a presença da vegetação dos mangues, que ocorrem no Saco do Limoeiro e na parte noroeste da Ilha (área da Estação Ecológica), na região da Ponta Oeste, Ponta do Hospital e rio Cassual (ver Britez & Marques e Silva & Britez neste volume). Estes estão sujeitos à influência direta do fluxo e refluxo das marés, localizando-se nas desembocaduras dos rios, reentrâncias da costa e margens de lagoas, onde as águas são mais calmas e o substrato é de aspecto lodoso. Os sedimentos da planície de maré são argilo-arenosos, com altos teores de matéria orgânica. A diminuição da corrente de água favorece a deposição de sedimentos finos argilosos ou argilo-siltosos, mas não exclui a possibilidade da presença de depósitos arenosos. Portanto, são solos de textura variável, dependente da natureza do substrato e com conteúdos variáveis de sais, principalmente de Na+, Mg++, Ca++, K+ e outros; a concentração desses sais no solo também é dependente da maior ou menor influência da água do mar. Nesses locais, há uma grande variação nas características definidoras das classes de solo, com gradações intermediárias entre os Solos de Mangue e Espodossolos. As principais variações observadas em campo são o tipo de horizonte A (moderado até hístico), caráter tiomórfico, textura (arenosa até siltosa, com diferenciações na granulometria da fração areia) e seqüência de horizontes/suborizontes subsuperficiais. Apesar de sua importância ecológica, as áreas transicionais para manguezais são pouco expressivas em termos geográficos (Sema/Iap 1996). Os Espodossolos ocupam a maior área da ilha, com cerca de 80% da área total. De acordo com a Embrapa (1984), estes ocorrem no litoral do Estado do Paraná numa extensão de 855 quilômetros quadrados (0,43% da área do Ricardo Miranda de Britez 40 Estado). A sua característica mais marcante é a presença de um horizonte espódico, de acúmulo de material de natureza orgânica e mineral. Ao contrário dos demais tipos de solo, esses solos foram mais estudados na ilha. Figueiredo (1954) analisou cinco amostras de solo em diferentes locais na Ilha do Mel, caracterizou os solos como sendo originários de sedimentos quaternários recentes, constituídos de alto teor de areia grossa uniforme com pouco húmus e insignificante porcentagem de argila; em alguns locais eram providos de Ca e P, por causa da presença nas amostras de fragmentos de conchas. Silva (1990), ao analisar as características dos solos em uma área da planície arenosa da Ilha do Mel, identificou os solos da restinga como oligotróficos, com baixa CTC e poucos sítios para retenção de íons, alta potencialidade de lixiviação, distróficos, fortemente ácidos e, portanto, com limitações para o estabelecimento e desenvolvimento vegetal. Pires (2001) descreveu um Espodossolo Cárbico Órtico Espessarênico, na Praia Grande, porção sul da Ilha, paralelamente à linha da praia, na vertente interna das dunas eólicas do primeiro cordão, e Britez et al. (1997), um Espodossolo Cárbico Órtico e um Espodossolo Cárbico hidromórficos na Estação Ecológica da Ilha do Mel. Cabe salientar que, embora não tenha havido um estudo específico sobre outros Espodossolos, foi observada a ocorrência de Ferrocárbicos órticos dúricos típicos e Ferrocárbicos hidromórficos, inclusive com a ocorrência de inclusões de Organossolos. A situação típica da planície litorânea pode ser representada pelo estudo de Britez et al. (1997) no qual duas áreas florestais (Floresta não inundável e Floresta inundável, de acordo com Silva & Britez neste volume) com estruturas diferenciadas (Menezes-Silva 1998) localizadas ao nordeste da Ilha foram analisadas (Figura 1). Nas áreas onde o relevo é mais elevado, a vegetação é mais baixa e o lençol freático é mais profundo. A profundidade do horizonte B iluvial também está relacionada com a faixa de oscilação do lençol freático. Ocorrem também dois compartimentos distintos de nutrientes, um no horizonte A1 e outro no B iluvial. Segundo os autores, a disponibilidade de água e de nutrientes do horizonte B deve influenciar na estrutura das duas florestas. Na Floresta inundável (mais alta), tanto o lençol freático como o horizonte B estão mais próximos da superfície, possibilitando que essa formação esteja menos sujeita ao estresse hídrico provocado pela falta de água no sistema radicial, que é superficial, além de poder aproveitar mais facilmente os nutrientes acumulados no horizonte B (Britez et al. 1997, Figura 1). Já na Floresta não inundável, nos períodos de seca o solo não tem capacidade Meio Físico – Solos 41 de reter a água por causa do seu caráter arenoso, e nesse sistema a absorção de nutrientes ocorre principalmente nos primeiros centímetros da superfície do solo, provavelmente influenciando na produtividade do sistema e conseqüentemente na estrutura da floresta (Britez 1994). Na parte central da Ilha na Estação Ecológica, também na planície litorânea, em algumas regiões o lençol permanece sobre a superfície do solo boa parte do ano, propiciando o desenvolvimento de uma vegetação de maior porte (Menezes-Silva 1998). Com exceção de pequenas elevações no terreno, de onde estabelecem-se as árvores, nas depressões, o afloramento do lençol freático provoca a formação de pequenos canais de escorrimento de água, fazendo com que o microrrelevo da área seja bastante irregular. Nessas áreas ocorrem os Espodossolos Cárbicos hidromórficos. A descrição morfológica e a classificação de um perfil característico de Espodossolo da planície litorânea da Ilha do Mel são exemplificadas abaixo (Britez 1994). Ricardo Miranda de Britez 42 Os Espodossolos apresentam uma classe textural arenosa, com muito pouca quantidade de argila, e valores mais elevados de silte no horizonte A1, como pode ser observado na Tabela 1 referente ao perfil de solo descrito acima. A textura arenosa confere-lhe boa aeração e drenagem e promove uma baixa capacidade de retenção de nutrientes e água; a alta pluviosidade da região tende a lixiviar a maior parte dos nutrientes (Britez et al. 1997). Em relação às características químicas dos Espodossolos, exemplificadas na Tabela 2, os valores de pH em CaCl2 são muito baixos, variando de 3,4 a 4,2. Pires (2001) e Silva (1990) também encontraram a mesma faixa de valores para esse solo em outra porção da Ilha. A forte acidez do solo propicia o aparecimento de alumínio trocável, o que é comprovado pelas altas porcentagens de saturação em alumínio. Em contrapartida, os valores de V são menores que 20 %, indicando que apenas pequenas quantidades de bases trocáveis ocupam os sítios de carga negativa, e que a maior parte delas está sendosaturada pelo Al (Britez 1994). A matéria orgânica é a principal responsável pela retenção de cátions nos solos estudados. Além do carbono, os elementos trocáveis, a soma de bases, a capacidade de troca catiônica, cálcio, magnésio, potássio e o fósforo apresentam valores mais elevados no horizonte A1. O acúmulo de matéria orgânica na superfície do solo origina-se da deposição da serapilheira, o que propicia que os horizontes superficiais acumulem uma quantidade maior de nutrientes. Hay & Lacerda (1980) e Hay et al. (1981) obtiveram correlações altas entre matéria orgânica e capacidade de troca catiônica em solos de restinga. Silva (1990), além da correlação da matéria orgânica e capacidade de troca catiônica em espodossolos na Ilha do Mel, obteve correlações significativas entre matéria orgânica e P, K, Mg e Ca. Também Pires (2001) correlacionou o conteúdo de Mg, S, Na, SB (soma de bases) e CTC (capacidade de troca catiônica) com a porcentagem de argila, Tabela 2 - Análise granulométrica de um perfil de Espodossolo na planície litorânea da Ilha do Mel (Britez 1994). Meio Físico – Solos 43 que, no entanto, trata-se de partículas mais finas de matéria orgânica, o que foi detectado na análise granulométrica como argila. Também ocorre um acúmulo de matéria orgânica e outros nutrientes no horizonte B iluvial proveniente da translocação do horizonte E (Britez 1994). O Espodossolo caracteriza-se pela remoção do Fe do horizonte E, sendo transferido para a parte mais inferior do horizonte B, precipitando-se junto com o Al e o Mn (Vieira 1988). Ocorrem algumas diferenças em termos de teores de alguns nutrientes no solo relativas à distância do mar. Comparando os solos localizados mais distantes do mar (Moraes 1993, Britez et al. 1997) com os valores de Pires (2001), todos os elementos trocáveis, principalmente Ca, K e P, foram mais elevados no horizonte A1 dos solos mais próximos do mar, provavelmente por causa da influência de aerossóis marinhos na deposição de nutrientes no solo. A relação direta entre diversos atributos da comunidade, inclusive nível de nutrientes no solo com a proximidade do mar, foi comentada por Henriques & Hay (1992). Segundo Clayton (1972), os íons Ca e K não são transportados até muito distante do oceano, pelo fato de estarem em concentrações baixas na água do mar. O nível alto encontrado para o elemento Ca pode exercer um efeito positivo na retenção dos demais cátions, possibilitando uma maior capacidade de troca catiônica. Embora a fertilidade do solo seja considerada muito baixa, vários autores que estudaram comunidades vegetacionais também estabelecidas em solos oligotróficos (Jordan 1985, Moraes 1993, Britez 1994) salientam que a eficiência na ciclagem de nutrientes compensa essa restrição para o desenvolvimento das plantas. Também existem diferenças específicas das plantas quanto às suas exigências nutricionais, capacidade de absorção de nutrientes e desenvolvimento radicial, e dos vários mecanismos de adaptação, tais como a tolerância ao alumínio, Tabela 3 - Análise química de um perfil de solo da planície litorânea da Ilha do Mel. Ricardo Miranda de Britez 44 por mecanismos de exclusão das raízes, aumento do pH da rizosfera, excreção de mucilagens na zona apical do meristema de raízes e complexação do alumínio, eficiência na utilização dos nutrientes, principalmente P, Ca e Mg, pela associação com micorrizas (Marchner 1986, Britez 2001). Figura 1 - Desenho esquemático da localização dos perfis nas Floresta não inundável e Floresta inundável, de acordo com Britez et al. (1997). Os horizontes são definidos da seguinte maneira: A - horizonte superficial, E - horizonte eluvial, Bhs - horizonte com acúmulo de matéria orgânica e ferro, Bs - horizonte com acúmulo de ferro. Meio Físico – Solos 45 Referências BRITEZ, R.M. 1994. Ciclagem de nutrientes minerais em duas florestas da planície litorânea da Ilha do Mel, Paranaguá. Dissertação de Mestrado em Agronomia, Setor de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. BRITEZ, R.M. et al. 1997. 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Encontram-se na literatura desde relatos genéricos sobre os seus principais aspectos fitofisionômicos até listagense descrições detalhadas de diferentes regiões do litoral, além de várias propostas de mapeamento e denominação dos seus diferentes tipos e/ou comunidades vegetacionais. O objetivo deste capítulo é, com base nas descrições e relatos disponíveis na literatura e em um extenso trabalho de levantamento em campo, apresentar um proposta de classificação para a vegetação da planície costeira da Ilha do Mel, bem como uma descrição de cada tipo vegetacional ocorrente na área. Esta proposta de classificação tem a característica de poder ser adaptada para outros trechos de planície costeira no Brasil, pois tem uma abordagem hierarquizada e flexível. A vegetação das planícies costeiras brasileiras Na primeira tentativa de classificação fitogeográfica do Brasil, elaborada por Karl P. Von Martius em 1824, a região litorânea foi incluída na província denominada “Dryas”, representada principalmente pela conhecida “floresta atlântica”, sem distinção entre a vegetação das planícies costeiras e das encostas da serra (Martius 1951). Outros naturalistas que passaram pelo Brasil deram contribuições importantes para o conhecimento da vegetação litorânea, além de Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 50 aspectos geográficos da costa, principalmente porque muitas das áreas descritas atualmente encontram-se completamente descaracterizadas (Lacerda et al. 1982; Araujo 1987). Alguns desses relatos foram traduzidos e lançados no Brasil, destacando-se os trabalhos de Avé-Lallemant (1980), Gardner (1942), Saint Hillaire (1935, 1936, 1941, 1974), Spix & Martius (1938), Wettstein (1970) e Wied-Neuwied (1958), entre outros. Até aproximadamente meados do século passado, diversos naturalistas e pesquisadores mencionaram a região costeira em trabalhos sobre a vegetação brasileira, em geral referindo-se a esse conjunto de tipos de vegetação como um “complexo”, dada a sua grande heterogeneidade (Campos 1912, Sampaio 1934, Santos 1943, Azevedo 1950, Rizzini 1963, Romariz 1964, Kuhlmann 1956, Andrade-Lima 1966, Veloso 1966, entre outros) Foi a partir do trabalho clássico de Rizzini (1979) que a vegetação da zona costeira do Brasil passou a ter um tratamento mais detalhado, considerando a diversidade de tipos fisionômicos encontrados nessa região. Alguns termos que ficaram bastante conhecidos para referenciar tipos costeiros de vegetação foram inicialmente empregados por esse autor, tais como “floresta paludosa”, “floresta esclerófila”, “thicket” e “scrub”. Eiten (1983), misturando termos universalizados com outros de uso regional e considerando características climáticas e fisionômicas, reconheceu no litoral a “restinga costeira”, diferenciada em “arbórea, arbustiva fechada, arbustiva aberta, savânica e campestre”, e os “campos praianos”. Seguindo a tendência de reconhecer o solo como um fator condicionador importante na vegetação litorânea, e procurando adequar a classificação da vegetação brasileira a um sistema internacional, a equipe do projeto Radam, posteriormente Radambrasil, realizou diferentes tentativas de classificação fitogeográfica do espaço brasileiro, sumarizadas por Veloso & Góes-Filho (1982) e Veloso et al. (1991), que, embora passíveis de críticas, principalmente no que diz respeito à escala de trabalho, apresentam critérios objetivos de classificação. As planícies litorâneas brasileiras incluem áreas representativas de diferentes unidades fitoecológicas, como a Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas (região da Floresta Ombrófila Densa) e as Formações pioneiras com influência marinha, flúvio-marinha ou fluvial/lacustre (Sistemas Edáficos de Primeira Ocupação). Dentro das Formações pioneiras com influência marinha, às quais também denominaram de “restinga”, Veloso et al. (1991) reconheceram os tipos Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 51 arbóreo, arbustivo e herbáceo de vegetação, procurando contemplar as suas principais variações fisionômicas. A denominação empregada para designar e classificar a vegetação litorânea e para diferenciar as suas respectivas fitofisionomias é bastante diversa, e em alguns casos um tanto quanto confusa. A chamada “restinga” e também os “manguezais”, ambos tipos vegetacionais expressivos da planície costeira, são reconhecidos praticamente em todos os trabalhos citados, mas a definição das suas diferentes “comunidades”, “fisionomias” e/ou “formações” ainda é pouco clara, e muitas vezes carece de critérios de classificação mais objetivos e flexíveis. Desde os trabalhos clássicos de Löfgren (1896) para o litoral paulista, de Ule (1901) para a região de Cabo Frio (RJ) e de Lindman (1906) para o Rio Grande do Sul, algumas propostas foram feitas por outros autores, destacando-se Rawischter (1944), que apresentou uma proposta para o litoral brasileiro como um todo, e de Dansereau (1947), Hueck (1955) e Reitz (1961), para as regiões litorâneas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Santa Catarina, respectivamente. Vale ainda mencionar os estudos realizados por Stellfeld (1949b), Romariz (1964), Klein (1980) e Roderjan & Kunyoshi (1988), além de outros com enfoques mais regionais, destacando-se os estudos de Araujo & Henriques (1984) para o Rio de Janeiro e Waechter (1985, 1990) para o Rio Grande do Sul. Várias publicações posteriores a estas utilizaram a classificação proposta por Araujo & Henriques (1984), às vezes com algumas adequações, dentre os quais destacam- se Henriques et al. (1986), Araujo & Oliveira (1988), Pereira (1990), Sá (1992) e Pereira & Gomes (1994), entre outros. Araujo (1992), baseando-se em todo o conjunto de informações produzidas em quase 10 anos de pesquisa nas “restingas” fluminenses, propôs uma primeira aproximação de classificação da vegetação das planícies costeiras arenosas do Brasil que, embora de grande valor, não se aplica integralmente a todo o litoral brasileiro em função de sua grande diversidade de ambientes. Atualmente pode-se dizer que a vegetação ocorrente nas planícies costeiras arenosas do Brasil, notadamente das regiões sul e sudeste, onde essas feições são mais características, tem vários dos seus aspectos relativamente bem conhecidos, notando-se um grande incremento nos trabalhos produzidos nos últimos 20 anos. Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 52 A vegetação da planície costeira no Paraná A planície costeira no Paraná, conforme definida por Angulo (1992), é bem desenvolvida em relação aos estados vizinhos, chegando a cerca de 50 km de largura; sua delimitação é o Oceano Atlântico a leste e a Serra do Mar a oeste, incluindo sedimentos de naturezas distintas. Os trabalhos pioneiros abordando de forma mais definida a vegetação costeira paranaense, principalmente com uma abordagem fitogeográfica clássica, podem ser creditados a Maack (1949, 1950, 1981) e Stellfeld (1949a, 1949b), além de menções genéricas à cobertura vegetal da planície litorânea como Bigarella (1947), Fernandes (1946-47) e Figueiredo (1954), este último na própria Ilha do Mel. O primeiro trabalho de caráter ecológico feito na região litorânea do Paraná foi efetuado por Hertel (1959), que, além de ter abordado aspectos conceituais acerca de fitoecologia e fitogeografia, avaliou determinadas condições ambientais sob as quais a vegetação desenvolve-se e apontou as espécies mais típicas de cada situação, embora o trabalho não tivesse o propósito de uma caracterização florística da região litorânea. Trata-se sem dúvida de um trabalho muito interessante, de consulta obrigatória aos interessados na vegetação litorânea paranaense, embora seja pouco conhecido e referenciado. Outros trabalhos que preocuparam-se em descrever os diferentes tipos de vegetação instalados sobre a planície costeira paranaense, com ênfase e abordagens distintas, foram realizados por Roderjan & Kunyoshi (1988),Bòlos et al. (1991), Ziller (1992) e Jaster (1995), entre outros. Os tipos vegetacionais da planície litorânea da Ilha do Mel Os sistemas de classificação fitogeográfica propostos para o território brasileiro, notadamente aqueles associados a propostas de mapeamento (Rizzini 1963, 1979, Romariz 1964, Andrade-Lima 1966, e Veloso et al. 1991, entre outros), utilizaram escalas de trabalho incompatíveis com a variedade de tipos vegetacionais observada nas planícies costeiras, cujo conjunto é comumente designado como “restinga”. Essa heterogeneidade fica evidenciada pelo tratamento dado por alguns desses autores ao referirem-se a esta como um “complexo” ou “mosaico” de vegetação (Azevedo 1950, Rizzini 1963, 1979, Romariz 1964). Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 53 Estudos de abrangência regional, realizados em escalas de trabalho mais adequadas a este tipo de vegetação, conseguiram obter resultados mais satisfatórios, pois foi possível o reconhecimento de tais variações fisionômicas (v. Pfadenhauer & Ramos 1979, Henriques et al. 1986, Oliveira-Filho & Carvalho 1993). No entanto, à medida que se obtêm resultados mais detalhados, surge o problema de designação nomenclatural dada às diferentes fitofisionomias, muito variável entre as diferentes regiões estudadas. É grande a variedade de critérios, nomes e propostas de classificação da “restinga”, sendo muitas destas com aplicação eminentemente regional, como pode ser visto nos estudos de Waechter (1985, 1990) no Rio Grande do Sul, Reitz (1961) em Santa Catarina, Hueck (1955) em São Paulo, Araujo & Henriques (1984) para o Rio de Janeiro, Pereira (1990) no Espírito Santo, Oliveira-Filho & Carvalho (1993) na Paraíba e Bastos et al. (1995) no Pará, para citar somente os de maior área de abrangência. Com base em observações em campo, estudos florísticos e estruturais (Silva et al. 1994, Menezes-Silva 1998), estudos descritivos de solo (Britez et al. 1987) e análises de imagens de satélite, ao longo de mais de 18 anos (1985 a 2003), foi possível sugerir uma proposta de classificação para a vegetação da planície litorânea da Ilha do Mel. Conforme já observado em outras regiões do litoral brasileiro, a vegetação da planície litorânea da Ilha do Mel também mostra muitas variações, sendo representada por formações campestres, arbustivas e florestais, com cobertura e altura da sinúsia dominante muito variáveis entre os diferentes locais. Uma síntese das formações, com as respectivas denominações empregadas, critérios usados para o reconhecimento e localização na planície litorânea da Ilha, pode ser vista na Tabela 1. Formações campestres Predominam espécies herbáceas (rizomatosas, cespitosas e reptantes), com pequenos arbustos e árvores de ocorrência isolada e pouco expressiva; tais formações foram denominadas de “campos”, termo de conotação puramente fisionômica, cujo uso normalmente é direcionado para formações mais extensas e contínuas de localização planáltica, e com predomínio fisionômico de espécies “graminóides”. As formações campestres descritas na planície costeira da Ilha do Mel têm variações nas suas respectivas fisionomias e composições, assim como nos seus graus de cobertura, além de ocorrerem em ambientes com condições bastante Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 54 Tabela 1 - Principais formações vegetais ocorrentes na planície litorânea da Ilha do Mel, Paranaguá, PR. Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 55 diferenciadas. O substrato nos locais de ocorrência dos campos variam desde areia quartzosa marinha exposta e praticamente desprovida de cobertura orgânica, passando por locais inundados por água doce ou salobra, até áreas inundáveis por água do salgada, afetadas pelo regime diário de marés. Foram reconhecidos quatro tipos de formações campestres: campo aberto não inundável, campo aberto inundável, campo fechado não inundável e campo fechado inundável. Campo aberto não inundável Vegetação com altura inferior a 50 cm, onde espécies herbáceas reptantes e cespitosas constituem as formas biológicas predominantes, com cobertura proporcionada pela sinúsia dominante variável, desde valores em torno de 10%, nas partes mais próximas ao mar e sujeitas ao alcance episódico das marés, até mais de 50% em locais mais afastados. Arbustos baixos podem ocorrer de forma isolada, aumentando em densidade à medida em que se afastam da atual linha de maré. Sua principal região de ocorrência são as partes superiores das praias e as chamadas “antedunas”, em locais com substrato arenoso, de formação relativa- mente recente (Figura 1). As áreas de praia, em alguns casos associadas a pequenas dunas e faixas mais ou menos extensas de “antedunas”, são bem representadas na Ilha do Mel; circundam cerca de 80% de sua área, na sua maior parte delimitando a Estação Ecológica (Sema/Iap 1996). O processo erosivo que atinge diferencial- mente a costa da Ilha destruiu parte das áreas de ocorrência dos campos não inundáveis mas, em contraposição a este fato, em locais próximos aos pontos intensamente erodidos, como no canto do Farol, nas praias Grande, do Cedro e do Bicho, observou-se nos últimos 15 anos um intenso processo deposicional, na primeira claramente notado pelo avanço de um banco de areia em forma de esporão, com cerca de 100 m, em direção ao mar (ver Angulo & Souza neste volume). A formação desses depósitos sedimentares é acompanhada pelo desenvolvimento dessa formação, e em locais próximos às desembocaduras dos pequenos canais de águas escuras, por formações arbustivas dominadas por Dalbergia ecastophylla, descritas na seqüência. Como espécies características dos campos não inundáveis podem ser mencionadas Blutaparon portulacoides, Alternanthera maritima e Ipomoea pescaprae, além de várias poáceas (Paspalum distichum, Spartina ciliata, Sporobolus virginicus, Andropogon arenarius, Cenchrus echinatus e Digitaria connivens) e ciperáceas (Cyperus ligularis, Cyperus polystachyos e Cyperus sesquiflorus), Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 56 que nas pequenas depressões mais úmidas e afastadas do mar constituem os elementos dominantes na formação. Espécies herbáceas reptantes e eretas de outras famílias, como Asteraceae e Fabaceae, podem destacar-se em alguns locais, sem constituírem, no entanto, elementos importantes fisionomicamente. Dalbergia ecastophylla, arbusto baixo com ramos prostrados, pode ocorrer isoladamente nesta formação, tornando-se mais expressivo nos locais onde faz vizinhança ao fruticeto fechado inundável, no qual é a espécie dominante. A distinção entre o que muitos autores denominaram de “comunidades halófitas” e “comunidades psamófitas” é imprecisa, não só estrutural como floris- ticamente, sendo estas muitas vezes tratadas em conjunto, conforme pode ser visto em Thomaz & Monteiro (1992). O fator principal nessa diferenciação deve ser a suscetibilidade ao alcance das marés, e por conseqüência a(s) espécie(s) dominante(s), além do estado sucessional local, uma vez que áreas mais recentemente colonizadas pela vegetação normalmente são compostas por um número menor de espécies e têm menor cobertura. A halofitia, isto é, a afinidade ou tolerância de uma determinada planta a um ambiente salino, freqüentemente referida para as plantas típicas desta formação, deve ser vista com ressalvas. Hertel (1959) analisou a salinidade da água subterrânea nestas áreas e concluiu que trata-se de um “halofitismo relativo”, chegando mesmo a afirmar que não existe formação verdadeiramente halófita na costa arenosa brasileira. O que na verdade ocorre são plantas psamófitas que toleram temporariamente a presença da água do mar. Pfadenhauer (1978) chegou a conclusão semelhante, embora tenha apontado a salinidade, juntamente com o transporte eólico da areia, comoos principais responsáveis pela zonação observada em uma área de dunas e áreas alagáveis no Rio Grande do Sul. Uma revisão da literatura sobre a “comunidade halófila-psamófila” na costa brasileira foi realizada por Thomaz & Monteiro (1992), e enfatizou a falta de estudos florísticos e estruturais sobre essa comunidade, embora ainda seja o tipo vegetacional costeiro mais estudado no Brasil. Provavelmente isso deve-se ao fato de esta formação ocorrer praticamente ao longo de todo o litoral brasileiro e das facilidades de estudo conseqüentes do hábito e porte das espécies. Apesar disso, as pressões antrópicas no sentido de ocupação e urbanização da zona costeira já suprimiram muitas áreas representativas desta formação em vários pontos no litoral brasileiro. Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 57 Campo fechado inundável Formação típica das áreas abertas ao longo dos pequenos cursos d’água próximos à costa voltada para o interior da baía de Paranaguá, onde espécies herbáceas cespitosas de até 2 m de altura são dominantes, e responsáveis pelo aspecto mais característico da vegetação. Arbustos e árvores são raros, e normalmente ocorrem somente em áreas transicionais para outras formações, mais comumente com os manguezais, aqui denominados de florestas fechadas inundáveis halófilas. Os locais de ocorrência mais representativos desta formação localizam-se nas proximidades das zonas de praia onde os pequenos riachos de águas escuras nascidos na planície costeira deságuam, voltados para a zona estuarina. Os solos estão sujeitos à saturação hídrica durante praticamente todo o tempo, mesmo nos períodos menos chuvosos, e normalmente apresentam gradações tanto para áreas mais salinas, nas quais geralmente ocorrem manguezais e formações associadas, como para locais com substratos arenosos de melhor drenagem, onde predominam formações arbustivas e/ou arbóreas não inundáveis. Como espécie mais característica desta fisionomia pode ser citada Cladium mariscus subsp jamaicensis, herbácea cespitosa de grande porte, freqüentemente associada a outras ciperáceas, como Fuirena robusta, Scirpus maritimus, Scirpus californicus e Rynchospora marisculus, além de espécies de outras famílias, como Typha domingensis e, eventualmente, Acrostichum danaefolium, pteridófita de folhas grandes e muito conspícuas na fisionomia geral da formação, e Hibiscus tiliaceus, arbusto mais comum nas transições para os manguezais. Campo aberto inundável Esta formação está associada às depressões situadas entre os cordões litorâneos e áreas abertas úmidas em geral, normalmente em locais mais interiores da planície costeira. As diferenças básicas entre este tipo campestre e o anteriormente descrito são a cobertura e o porte geral da vegetação, menores, e a expressão fisionômica de formas biológicas “não graminóides”, como herbáceas rizomatosas, eretas e reptantes. Como estas formações estão, via de regra, associadas às depressões intercordões, estão sujeitas a um ritmo sazonal de inundação, à semelhança do que ocorre em outras formações inundáveis na planície costeira da Ilha. Quando ocorrentes nas proximidades das desembocaduras dos pequenos rios, o período Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 58 de inundação é coincidente com as áreas intercordões, mas esse processo ocorre por causa da elevação do nível do rio que funciona como um “corredor” para a água acumulada no interior da planície. Espécies comuns nesta formação são Bacopa monnieri, Xyris jupicai var. jupicai, Fymbristylis diphylla, Cyperus ligularis, entre outras, notadamente quando mais próxima às zonas de praia. Eventualmente, alguns indivíduos em início de desenvolvimento de Laguncularia racemosa podem ocorrer nestes locais, como resultado da sua eficiente estratégia de dispersão hidrocórica. Nas depressões entre os cordões localizadas nas porções mais interiores da planície, em áreas mais abertas, são comuns Blechnum serrulatum, espécie dominante nestes locais, associada a várias ciperáceas e poáceas, além de outras, como Drosera capillaris, Lycopodiella caroliniana e Utricularia tricolor. Campo aberto inundável halófilo Sob esta denominação foi incluída a formação de fisionomia herbácea, comumente associada aos manguezais, conhecida habitualmente com o nome de “marisma” ou “salt marsh”. Está sujeita a um ritmo mais ou menos definido de alagamento pela água estuarina, permanecendo a maior parte do tempo completamente submersa. Para fins de mapeamento, normalmente esta formação é referenciada simplesmente como “manguezal” (Angulo 1990). Na Ilha, a ocorrência desta formação é restrita à porção voltada para o interior da baía de Paranaguá, notadamente nas proximidades das pontas Oeste e do Hospital, onde ocorrem as áreas mais expressivas de manguezais. Assim como os manguezais, esta formação tem riqueza muito baixa, ocorrendo quase que exclusivamente as espécies herbáceas cespitosas Spartina alterniflora e, menos freqüentemente, Spartina densiflora. Indivíduos jovens e plântulas das espécies lenhosas características das florestas halófilas (manguezais) podem ocorrer em meio à baixa cobertura proporcionada pelas espécies cespitosas típicas. Este tipo de formação tem composição florística pouco variável ao longo de toda sua zona de ocorrência na costa brasileira (Soriano-Serra 1990). Formações arbustivas A predominância fisionômica é de espécies de hábito arbustivo, eventual- mente com elementos arbóreos isolados que não chegam a formar um estrato contínuo. Os termos “scrub”, “thicket” e “escrube” já foram empregados para Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 59 designar comunidades e/ou formações desta natureza, notadamente na região litorânea. Neste trabalho preferiu-se o termo “fruticeto”, conforme sugerido por Waechter (1990) e Carvalho (1995), nome de origem latina, a mesma de grande parte dos termos utilizados na fitogeografia descritiva (frútice: do latim frutice, qualquer planta lenhosa de pequeno porte, com caule lenhoso e ramificado desde a base - Ferreira 1975; planta arbustiva ou subarbustiva - Michaelis 1998). As principais formações arbustivas reconhecidas na planície costeira da Ilha do Mel foram as seguintes: Fruticeto fechado inundável Predominam arbustos baixos associados a espécies herbáceas cespitosas, eretas e reptantes, com cobertura geralmente superior a 60%, especialmente nos locais mais bem drenados e mais afastados da atual linha de praia. Na transição para o campo aberto não inundável, formação com a qual normalmente ocorre associado, os arbustos ocorrem de forma mais esparsa, e conseqüentemente as espécies herbáceas, e até mesmo áreas abertas tornam-se mais evidentes. A altura predominante nesta formação é variável (0,5-2 m), dependendo da distância do mar. As áreas onde a altura predominante é maior, comumente mais interiores, correspondem a locais cuja ocupação pela vegetação é mais antiga, evidenciando o forte caráter sucessional da formação. O substrato é constituído basicamente por areia, algumas vezes misturada a sedimentos mais finos, e está sujeito a maior umidade em função de sua ocorrência estar freqüentemente associada à desembocadura dos pequenos rios de água escura, característicos da planície costeira. Sua principal área de distribuição na Ilha é o esporão recentemente formado no canto do Farol da praia das Conchas, analisado quantitativamente em Menezes-Silva (1998), e nas proximidades das pontas do Bicho, do Cassual e do Hospital, em direção à parte norte da Estação Ecológica, em áreas transicionais entre a praia e as formações arbustivo-arbóreas altas da planície, ou então entre estas e os manguezais. O regime de inundação nestes locais é variável, pois, em função do constante deslocamento da desembocadura dos pequenos rios, muitos já estãomais afastados destas e portanto apresentam melhor drenagem superficial. A espécie dominante nesta formação, tanto por sua alta cobertura como pela sua fisionomia muito característica, é Dalbergia ecastophylla, um arbusto de ramos prostrados a decumbentes, cujos diásporos são freqüentemente encontrados nas praias da Ilha, a partir de onde iniciam a constituição deste fruticeto. Outras Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 60 espécies, notadamente herbáceas cespitosas, reptantes e eretas, ocorrem associadas a esta, com maior desenvolvimento nas áreas onde a formação é mais baixa e aberta. Podem ser citadas como espécies mais comuns Andropogon arenarius, Cyperus ligularis, Androtrichum trigynum, Fymbristylis spathacea, Hydrocotile bonariensis, Polygala cyparissias, Eupatorium sp1 e Sebastiania corniculata. Fruticeto fechado não inundável Formação com aspecto muito característico, na qual arbustos de alturas variadas, nos locais mais abertos associados a espécies herbáceas rizomatosas, cespitosas e eretas, formam a sinúsia dominante. Com fisionomia bastante típica, sua ocorrência é restrita às vertentes externa e interna do primeiro cordão, nas praias voltadas para o seu lado leste-sudeste-sul, como a de Fora, Grande, do Miguel e das Encantadas (Figura 1). Em alguns desses locais os episódios erosivos recentemente ocorridos suprimiram áreas consideráveis desta formação. Normalmente, na vertente externa do primeiro cordão, o porte geral da formação é menor, e ainda não é possível detectar-se uma estratificação nítida. Nesses locais são freqüentes espécies de formas não arbustivas (herbáceas e trepadeiras, principalmente), e os arbustos são mais baixos. Muitas espécies herbáceas típicas dos campos não inundáveis ocorrem nesta formação, notadamente nas áreas transicionais entre ambas. Já na vertente interna, podendo interiorizar-se mais em alguns locais, o fruticeto assume aspecto bastante fechado, onde arbustos e arvoretas, com alta densidade e copas justapostas ou sobrepostas, constituem a sinúsia dominante, com altura de 3 a 5 metros. A estratificação da vegetação é mais evidente, podendo ser reconhecido um estrato inferior, formado principalmente por espécies herbáceas rosuladas e rizomatosas, menos freqüentemente reptantes e eretas, com cobertura média geralmente superior a 50%, e altura variável, raramente maior a 1,0 m; são característicos neste estrato agrupamentos extensos e fechados de bromeliáceas terrícolas (Figura 2). Pode-se dizer que tratam-se de duas facies da formação, determi- nadas basicamente pelos seus respectivos posicionamentos em relação às feições geomórficas predominantes. Como a principal distinção fisionômica entre estas é a altura predominante, foram denominadas neste trabalho de “baixa” e “alta”, correspondendo às vertentes externa e interna do primeiro cordão, respectivamente. As copas dos arbustos nesta formação têm disposição densa, e são evidentes os sinais da ação dos ventos predominantes, o que confere a esta Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 61 uma certa “homogeneidade fisionômica”. Hertel (1959) referiu-se a este tipo de vegetação como sendo típico de locais diretamente expostos aos ventos predominantes na região, o que na Ilha representa as praias voltadas para a sua porção leste-sudeste-sul. Ocorre de forma expressiva ao longo das praias Grande, do Miguel e das Encantadas, e também nas praias das Conchas e da Fortaleza, em áreas que estão sendo bastante erodidas pelo mar nos últimos anos, e esta faz formação vizinhança direta com a parte não vegetada da praia. Na facies baixa, destaca-se uma mistura de espécies com diferentes formas biológicas, muitas das quais constituem os chamados “elementos de escrube” definidos por Eiten (1968), representando justamente uma transição entre as formações campestres das zonas de praia e as arbustivo/arbóreas típicas das áreas interiores da planície costeira. Como arbustos mais comuns podem ser citados Psidium cattleianum (Figura 2), Ocotea pulchella, Myrsine parvifolia, Cordia verbenacea, Schinus terebinthifolius, além de várias espécies de Myrtaceae. A espécie herbácea mais abundante é Rumorha adiantiformis, destacando-se ainda as cespitosas Ischaemum minus e Imperata cf. contracta, além de Aechmea nudicaulis e Smilax campestris, que, combinadas às copas dos arbustos baixos densamente dispostas e às demais espécies típicas, formam um emaranhado de difícil transposição, conforme já destacado por outros autores (Araujo & Henriques 1984, Fabris et al 1990, Araujo 1992, entre outros) em formações semelhantes em outras regiões costeiras do Brasil. Na facies alta, com dois estratos mais definidos, as espécies arbustivas e arbóreas mais típicas da sinúsia dominante são, além das já citadas para a facies baixa, Guapira opposita, Ternstroemia brasiliensis, Pera glabrata, Tapirira guianensis, Maytenus robusta, Eugenia umbelliflora, Heteropteris aenea, Ilex theezans, Gomidesia fenzliana e Myrsine venosa. Na composição destas formações, as mirtáceas têm uma importância destacada, tanto florística como estruturalmente, representando em alguns casos metade dos indivíduos no estrato superior. No estrato inferior são freqüentes agrupamentos mais ou menos extensos de bromeliáceas, notadamente Aechmea pectinata, Aechmea ornata, Bromelia antiacantha, Ananas bracteatus e Aechmea nudicaulis, esta última comumente encontrada também no ambiente epifítico desta e de outras formações da planície costeira. Outras espécies que podem ser importantes nesta sinúsia são Coccocypselum guianense, Neomarica candida, Peperomia glabela, Anthurium sp, Geophila repens, Pecluma paradisiae e Chioccoca alba. Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 62 Como espécies trepadoras lenhosas mais comuns nesta facies podem ser citadas Davilla rugosa, Passiflora jilekii, Hippocratea volubilis, Paullinia trigonia, Gonioanthella axillaris e Oxypetalum banksii, enquanto entre as epífitas, ocorrentes sobre a maioria dos indivíduos lenhosos, destacaram-se Microgramma vaccinifolia, Codonanthe gracilis, Aechmea nudicaulis, Peperomia glabella, Peperomia cf. elongata e Epidendrum latilabre. Considerando-se que Myrtaceae constitui um grupo muito importante tanto florística como estruturalmente nas formações arbustivas e arbóreas da planície costeira do sul e sudeste brasileiro, conforme já salientado por Araujo & Henriques (1984), não parece muito adequado utilizá-la como um parâmetro denominativo para um tipo vegetacional específico, e sim como um importante elemento florístico descritor dessas comunidades. Fruticeto aberto não inundável Nas áreas mais afastadas do 1o cordão, ao menos nos locais onde este é bem definido e facilmente reconhecível, é comum na planície litorânea da Ilha do Mel a ocorrência de uma formação arbustiva aberta e com alturas que variam entre 1,5 e 4 m, onde também foram reconhecidos dois estratos. Tanto o estrato superior, constituído basicamente pelas copas dos arbustos, como o inferior, formado por espécies com menor porte e de diferentes formas biológicas, são descontínuos. Normalmente estabelece limites nítidos com a facies alta do fruticeto fechado não inundável descrito anteriormente, e transições graduais com as áreas inundáveis. É comum nesta formação a ocorrência de áreas praticamente desprovidas de espécies vasculares, o que em muitos casos expõe diretamente o substrato arenoso. Algumas vezes o substrato é recoberto por uma camada de briófitas − Bryopsida − e/ou líquens arborescentes − Cladoniaceae. O aspecto geral da formação é de um conjunto de “moitas” arbustivas de extensão e forma variadas, em meio às quais ocorrem áreas abertas, com espécies herbáceas rizomatosas, eretas e cespitosas. O termo“moita” aqui empregado segue definição dada por Ribas et al. (1994), como um “aglomerado” de plantas de hábito arbustivo e/ou arbóreo, com copas separadas de outras plantas por espécies de outras formas de vida, principalmente com hábito herbáceo, ou mesmo por áreas desnudas. O estrato superior é formado principalmente pelas copas abertas e baixas de arbustos e pequenas árvores, como Psidium cattleianum, Ternstroemia brasiliensis, Ocotea pulchella, Erythroxylum amplifolium, Abarema brachystachya, Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 63 Clusia criuva e Gomidesia fenzliana. O número de espécies lenhosas componentes de cada aglomerado é variável, e em alguns locais foram observadas moitas constituídas por somente um arbusto, com diâmetros de até 3 m. O estrato inferior dentro das moitas é formado por muitas espécies que também ocorrem na facies alta do fruticeto fechado não inundável, tais como Peperomia glabela, Neomarica candida, Geophila repens e Oplismenus setarius. Destaca-se nesta sinúsia a orquídea terrícola de belas flores róseas Cleistes paranaensis, encontrada somente em um período relativamente curto, durante os meses mais quentes e chuvosos do ano. O epifitismo nos arbustos componentes das moitas não é muito acentuado, sendo mais desenvolvido nas moitas mais extensas e altas; como espécies mais freqüentes podem ser citadas Microgramma vaccinifolia, Peperomia glabela, Codonanthe gracilis e Aechmea nudicaulis. As áreas abertas entre as moitas têm cobertura vegetal heterogênea, constituída tanto por espécies herbáceas como por “tapetes” mais ou menos extensos de musgos − Bryopsida−, ou então de agrupamentos de líquens arborescentes da família Cladoniaceae. As espécies mais típicas destas áreas são Rumorha adiantiformis e Blechnum serrulatum, duas pteridófitas freqüentes e geralmente com altos valores de cobertura no estrato inferior de formações florestais e nas áreas mais abertas da Ilha, associadas a Smilax campestris, Epidendrum fulgens, Cyrtopodium polyphyllum, Chioccoca alba, Stylosanthes viscosa, Paspalum arenarium e Imperata cf. contracta. A espécie que mais chama a atenção nesta formação é sem dúvida a camarinha (Gaylussacia brasiliensis), tanto nas áreas mais abertas, onde forma adensamentos com alturas de até 1,5 m, como nas margens dos agrupamentos arbustivos, onde forma uma “paliçada” delimitando as moitas. Observações de campo realizadas em diferentes locais na Ilha detectaram que a camarinha apresenta uma eficiente estratégia de propagação vegetativa por estruturas subterrâneas, e que tais agrupamentos são, ao menos em parte, devidos a esta característica. Algumas áreas de planície observadas na Ilha, anteriormente ocupadas por formações arbustivas fechadas ou florestais que sofreram algum tipo de degradação mais acentuada, atualmente apresentam fisionomia semelhante à desta comunidade, e podem ser observadas sobretudo nas proximidades das habitações. Salimon (1996) descreveu estrutural e floristicamente uma área de planície costeira em Santa Catarina, com vegetação secundária resultante de atividades agrícolas, Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 64 e apontou várias características comuns com esta formação, tais como algumas espécies dominantes (Psidium cattleianum e Ternstroemia brasiliensis, p. ex.), a importância do hábito arbustivo na fisionomia da vegetação, a presença de áreas abertas com vegetação baixa, briófitas e líquens, entre outras. Araujo & Oliveira (1988), em levantamento realizado na Reserva Biológica Estadual da Praia do Sul, Ilha Grande (RJ), também relacionaram a ocorrência de moitas a áreas florestais que sofreram alguma alteração, sendo portanto formações secundárias. O reconhecimento de formações ou comunidades vegetais arbustivas com padrão de distribuição em moitas nas planícies costeiras do sul e sudeste do Brasil foi realizado por Araujo & Henriques (1984), ao descreverem o “scrub de Clusia”, o “scrub de Palmae” e o “scrub de Ericaceae” nas restingas do Rio de Janeiro, conforme já dito anteriormente com base no trabalho clássico de Ule (1901). Conforme a própria denominação empregada sugere, há dominância de determinadas espécies ou grupos supra-específicos na composição das “moitas”, embora estes autores salientem que conservaram os nomes propostos inicialmente e reconheceram que outras espécies podem dominar em certas situações. Nas áreas de fruticeto aberto não inundável observadas na Ilha do Mel não foi detectado nenhum agrupamento caracterizado pela dominância de somente uma espécie ou outro grupo taxonômico qualquer, motivo pelo qual denominações relacionadas à dominância destes não foram empregadas neste estudo. Ericaceae, apontada como um desses elementos descritores, foi repre-sentada na Ilha somente por Gaylussacia brasiliensis, que, embora abundante em alguns locais, não é adequada para caracterizar somente uma formação. Clusia, outro elemento taxonômico usado pelos autores citados acima como um descritor das formações arbustivas abertas, foi representada somente por Clusia criuva, que não chega a destacar-se estruturalmente nas formações arbustivas agrupadas ocorrentes na Ilha. Hertel (1959), em estudo ecológico pioneiro no litoral paranaense, mencionou que a “fácies heteropsamófita”, dependendo das condições de desenvolvimento, pode apresentar-se com o aspecto de “moitas” intercaladas por “clareiras”, enfatizando que é mais comum a ocorrência desta em locais mais protegidos dos ventos predominantes. A tendência apontada por este autor para estes aglomerados, com o passar do tempo, é de unirem-se, desaparecendo as áreas abertas, e constituindo assim a “mata costeira”. Ele ressaltou ainda que em tais moitas ocorre o processo de “auto-humificação” (acúmulo de material vegetal na base dos arbustos bastante ramificados), importante para propiciar condições adequadas para o estabelecimento e desenvolvimento de espécies mais exigentes. Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 65 Fruticeto aberto inundável Em alguns locais na planície costeira da Ilha, notadamente na praia Grande e em alguns pontos da praia de Fora das Encantadas, é típica a ocorrência de formações de fisionomia predominantemente arbustiva, com alguns indivíduos arbóreos mais ou menos isolados praticamente de uma única espécie, Myrsine intermedia. Os arbustos têm alturas entre 3 e 5 m, enquanto as árvores atingem alturas maiores (até 7 m), destacando-se bastante fisionomicamente. O fator ambiental mais notório nesta comunidade é o ritmo cíclico de inundação ao qual está sujeita durante os meses de verão, quando há maior incidência de chuvas na região; parte expressiva da área fica coberta por uma lâmina d’água, que em alguns locais, durante períodos com chuvas mais copiosas, pode chegar até 0,5 m de profundidade. Somente pequenas elevações permanecem descobertas. Da mesma forma que no fruticeto aberto não inundável, podem ser reconhecidos dois estratos descontínuos: um superior, formado pelas copas dos arbustos e emergentes de Rapanea intermedia, e um inferior, que, apesar de diferenciado entre áreas abertas e aquelas ocupadas por arbustos, é bastante conspícuo, principalmente por causa da ocorrência de aglomerados de briófitas (Sphagnaceae), em meio aos quais desenvolvem-se espécies vasculares que não chegam a formar uma cobertura contínua. Como espécies mais típicas na composição dos agregados lenhosos destacam-se, além de Myrsine intermedia, espécies arbustivas como Ocotea pulchella, Ternstroemia brasiliensis, Clusia criuva e Tibouchina trichopoda, esta mais freqüente em locais abertos, muitas vezes de forma isolada. A caxeta (Tabebuia cassinoides), espécie florestal muito característica das áreas alagáveis no litoral brasileiro (Ziller 1992), raramente ocorre nesta formação, sendoporém comum em florestas mais desenvolvidas da planície costeira da Ilha. Assim como no fruticeto aberto não inundável, o epifitismo nesta fisionomia não é muito pronunciado, sendo mais comum a ocorrência de Microgramma vaccinifolia e Epidendrum latilabre. As espécies que compõem o estrato inferior, na sua maioria herbáceas rizomatosas e cespitosas, apresentam cobertura descontínua, sendo a mais freqüente Blechnum serrulatum, que, conforme observado por Behar & Viegas (1992) no Espírito Santo, tem grande variação morfológica na folha de acordo com o ambiente onde se desenvolve; são maiores e com pinas mais patentes nas áreas úmidas e sombreadas, enquanto nas áreas abertas e mais secas, são menores, com textura mais coriácea e pinas “dobradas”, quase fechadas. Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 66 Paspalum pumilum e Eleocharis nana também são espécies comuns nestas formações, formando em alguns locais uma cobertura contínua, de um verde intenso após o período em que a formação permanece inundada. Outras espécies cespitosas características nesta formação são Rynchospora holoschoenoides e Rynchospora marisculus, ambas características das áreas mais abertas e com ocorrência menos freqüente. A camarinha (Gaylussacia brasiliensis) também ocorre nestes locais, com menores valores de cobertura e freqüência quando comparada aos fruticetos abertos não inundáveis, preferencialmente nas áreas mais elevadas e conseqüentemente menos sujeitas ao alagamento temporário. Uma espécie interessante e típica nesta formação é Solanum sp, uma herbácea ereta com altura de até 1 m, que forma agrupamentos densos nas áreas mais abertas sujeitas ao encharcamento; em muitos locais, a distribuição espacial desses agrupamentos pode ser usada para definir a área que permanece inundada por períodos mais prolongados. Embora algumas características referidas pelos trabalhos acima citados sejam semelhantes ao fruticeto aberto inundável descrito na Ilha, o termo “brejo”, empregado para designar tais formações, indica predomínio de espécies herbáceas, o que não ocorre nesta formação. É possível que se trate de um tipo vegetacional com ocorrência restrita nas planícies costeiras brasileiras, e ainda insuficientemente conhecido, dificultando assim o estabelecimento de relações com outros já descritos. Formações florestais As florestas ocorrentes na planície litorânea da Ilha do Mel ocupam área expressiva, variando de um local para outro tanto nos seus aspectos florísticos como estruturais, variações supostamente atribuídas às diferentes condições de drenagem do substrato. O uso do termo “floresta” está associado a tipos vegetacionais com predomínio de plantas arbóreas, que podem apresentar-se organizadas em estratos mais ou menos definidos, mas com plantas de vários outros hábitos associadas, como trepadeiras, epífitas e herbáceas. Embora “mata” seja uma denominação comum para designar formações florestais, não só na planície costeira como também no interior do Brasil, neste trabalho esta não é usada. Segundo Hertel (1969), a palavra tem origem gótica, cuja forma original é maitan, e traz em seu conceito uma idéia limitante quanto ao número de espécies (“... A mata, que vem a ser grande área de terreno ocupado mais ou menos densamente por árvores da mesma espécie ou poucas espécies.”). Desta forma, é inadequada para designar formações florestais Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 67 com riqueza específica mais elevada, como é o caso da maioria destas nas regiões litorâneas brasileiras. Na planície costeira da Ilha do Mel, mais notadamente na área da Estação Ecológica, onde em alguns pontos é claramente visível o alinhamento dos cordões litorâneos, é típica a ocorrência de florestas fechadas baixas nas partes altas dos cordões, com altura média em torno dos 6 a 8 m, e florestas altas nas depressões entre estes, com dossel em torno dos 15 m (Figura 3), muitas vezes associadas a solos hidromórficos e/ou orgânicos. Em Silva et al. (1994) foi descrita uma área na planície da Ilha onde essas duas florestas ocorrem lado a lado, e que ilustra bem essa zonação. Nas porções mais interiores da planície costeira, em terrenos mais deprimidos e nas proximidades dos morros, ambos locais com solos saturados em água e com uma espessa camada orgânica superficial, ocorrem florestas altas mais desenvolvidas, semelhantes florística e estruturalmente àquelas situadas nas depressões entre os cordões. São áreas que permanecem com o solo encharcado o ano todo, mesmo durante a época menos chuvosa, quando, embora alguns locais aparentemente “sequem”, ao serem pisados percebe-se que a camada orgânica superficial continua saturada de água (Figura 4). Os manguezais representam outro tipo florestal da planície costeira na Ilha do Mel; são sujeitos a uma forte influência do regime de marés e têm ocorrência pouco expressiva na Ilha, restritos ao Saco do Limoeiro e à porção voltada para o interior do estuário (Figura 5); ainda não foram devidamente estudados estrutu- ralmente na Ilha. Em seguida são descritas as principais formações florestais da planície litorânea da Ilha do Mel, com ênfase às suas características relacionadas à área de ocorrência, composição florística e estrutura fisionômica. Floresta fechada baixa halófila Corresponde aos manguezais, que, conforme dito anteriormente, são pouco representativos em área ocupada na Ilha do Mel. Ocorrem de forma mais ou menos contínua no Saco do Limoeiro, entre o morro do Miguel e a Nova Brasília, e nas proximidades das desembocaduras dos pequenos rios com águas escuras que percorrem a planície costeira, em sua porção voltada para os quadrantes oeste e norte, sujeitos ao regime diário das marés (Figura 5). Os elementos dominantes são 3 espécies arbóreas dotadas de notáveis adaptações ao ambiente salino, com ocorrência praticamente ao longo de todos Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 68 os manguezais da costa brasileira, a saber: Laguncularia racemosa, Avicennia schaueriana e Rhizophora mangle. Em alguns locais, em meio aos rizóforos e pneumatóforos, chega a constituir-se um estrato inferior formado exclusivamente por Spartina alterniflora e/ou Spartina densiflora, muitas vezes associadas a plantas jovens das espécies arbóreas. Espécies trepadoras e epífitas são raras nestas formações na Ilha, e são mais comumente encontradas nas proximidades de áreas transicionais para outros tipos florestais ou arbustivos da planície costeira. Entre as primeiras, destaca-se Stygmaphyllon ciliatum e Stygmaphyllon arenicola como as mais comuns, e entre as epífitas até o momento só foi registrada a ocorrência de Pleopeltis angusta e Bilbergia zebrina. Esta importante formação vegetal litorânea, com ocorrência em toda a costa tropical brasileira, não foi alvo de maiores estudos neste trabalho, pois na Ilha ocupa área pouco expressiva; no litoral paranaense tem grande importância nas zonas estuarinas das baías de Paranaguá e Guaratuba. Quanto às denominações empregadas para designar esta formação, continua prevalecendo o nome genérico e bastante simples de “manguezal”, “manguezal arbóreo” ou ainda “mangue”, embora este último seja mais usado para denominar vulgarmente as suas espécies típicas. Floresta fechada não inundável Trata-se de uma formação com sinúsia dominante formada principalmente por árvores com copas justapostas, cujas alturas ficam, na sua maioria, entre 6 e 8 m, sob as quais desenvolve-se um sub-bosque formado tanto por espécies típicas, na sua maioria arbustivas, como por indivíduos jovens das espécies do estrato superior. No estrato inferior, de constituição basicamente herbácea, predominam espécies rizomatosas, reptantes e eretas, que proporcionam cobertura descontínua e diversificada de um local para outro.Pode apresentar áreas transicionais tanto para os fruticetos abertos como para os manguezais, notáveis por mudanças graduais na fisionomia e na dominância das espécies lenhosas. O aumento na densidade e freqüência de Myrsine intermedia, pode ser um indicativo de transição para o fruticeto inundável, enquanto o surgimento de Erythrina speciosa e Hibiscus tiliaceus, normalmente em áreas mais abertas, indica transição para o manguezal. As áreas com floresta fechada baixa ocorrem mais extensivamente nas partes altas dos cordões litorâneos e, conforme já mencionado, intercaladas com Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 69 florestas fechadas inundáveis (Figura 3). Como espécies arbóreas mais abundantes nesta formação podem ser apontadas Ocotea pulchella, Ternstroemia brasiliensis, Clusia criuva, Ilex pseudobuxus, Myrcia multiflora e Tapirira guianensis. No estrato intermediário são típicos Geonoma schottiana, Rudgea villiflora, Miconia hymenonervia, e em locais mais úmidos, Trichipteris atrovirens, além de muitos inidivíduos jovens das espécies do estrato superior. Dentre as espécies herbáceas do estrato inferior destacam-se as pteridófitas, notadamente Blechnum serrulatum, Rumorha adiantiforme, Polypodium latipes, Pecluma paradiseae, Nephrolepis rivularis e Nephrolepis biserrata, associadas a várias magnoliófitas, mais freqüentemente Coccocypselum guianense, Anthurium sp e Psychotria barbiflora, entre outras. As espécies trepadoras mais comuns nestas formações são Davilla rugosa, Smilax campestris, abundante em áreas mais abertas, Gonioanthella axillaris, Mikania trinervis e Paullinia trigonia. Não chegam a constituir emaranhados fechados de caules, como se observam nas florestas mais úmidas da planície e nas áreas transicionais para formações arbustivas. O epifitismo vascular é bem desenvolvido, tanto em abundância como em riqueza, e nele destacam-se as Orchidaceae, Bromeliaceae e Polypodiaceae. As espécies mais freqüentes são Microgramma vaccinifolia, Codonanthe gracilis, Epidendrum latilabre, Epidendrum rigidum, Peperomia glabella, e Cattleya forbesii. Em recente levantamento quali-quantitativo das epífitas vasculares realizado numa área de floresta baixa na Estação Ecológica, Kersten (1998) encontrou 76 espécies distribuídas em 16 famílias, sendo as mais numerosas Orchidaceae (35), Bromeliaceae (16) e Polypodiaceae (8). Os gêneros mais ricos foram Vriesea, com 11 espécies, Epidendrum e Pleurothallis, cada uma com 5, e Encyclia, com 4 espécies. Floresta fechada inundável Formação arbórea cujo dossel tem altura variando geralmente entre 15 e 20 m, às vezes mais, com estrato intermediário constituído por arvoretas e arbustos de alturas variando de 4 a 10 m, e um estrato inferior, descontínuo e predomi- nantemente herbáceo, no qual espécies herbáceas cespitosas e rizomatosas são mais comuns. Espécies trepadoras e epífiticas também estão bem representadas, notadamente nas áreas mais abertas e/ou transicionais para outras formações mais baixas da planície costeira. Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 70 A ocorrência desta formação é marcadamente influenciada pelas feições topográficas do terreno, ora correspondendo às depressões entre os cordões litorâneos das porções mais interiores da Ilha (Figura 3), normalmente sujeitas a um ritmo sazonal de alagamento por ascensão do lençol freático na época mais chuvosa, ora em locais onde o alinhamento dos cordões não é tão evidente, e predominam terrenos rebaixados, saturados de água praticamente durante todo o ano, e com uma espessa camada orgânica superficial. Nestas geralmente a vegetação tem maior diversidade e porte, enquanto naquelas estes descritores têm valores relativamente mais baixos. A extensão e o período de alagamento em ambas as situações variam não só espacial como temporalmente, pois já foi observado que, em anos menos chuvosos, muitas áreas intercordões que habitualmente ficam alagadas permanecem com o solo não saturado hidricamente. Pode-se dizer que a distinção básica entre estes locais é o período durante o qual as camadas superiores do solo permanecem inundadas, sendo no primeiro restrito aos meses mais chuvosos do ano (dezembro- março) e no segundo estendendo-se durante praticamente todo o ano, mesmo nos anos em que foram observados curtos períodos de deficiência hídrica. As espécies de árvores mais características do dossel nas áreas cuja inundação é menos prolongada são Tapirira guianensis, Calophyllum brasiliense, Ocotea pulchella, Alchornea triplinervia, Myrcia insularis, Gomidesia schaueriana e Dydimopanax angustissimum, entre outras. Embora o conjunto de espécies não varie substancialmente de um local para o outro, algumas variações na abundância destas podem ser notadas entre locais mais ou menos úmidos, ou seja, que permanecem mais ou menos tempo inundados. Nos locais em que a inundação é mais prolongada, a sinúsia dominante deste tipo florestal é composta por espécies arbóreas representantes de um pequeno número de espécies mais abundantes, dentre as quais destacam-se principalmente a caxeta − Tabebuia cassinoides − e o guanandi − Calophyllum brasiliense −, associadas a Pouteria beaurepairei, Ocotea tristis e Protium kleinii, entre outras já citadas acima. No estrato intermediário, formado sobretudo por arvoretas de troncos finos e alturas de até 10 m, associadas a arbustos menores, são típicas Faramea marginata, espécie dominante neste estrato nas áreas inundáveis por períodos mais curtos, Rudgea villiflora, Alibertia concolor, Amaioua guianensis, Guarea macrophylla, Xylopia langsdorffiana, Guatteria australis, Myrcia racemosa e Geonoma schottiana. Nos locais que permanecem inundados por períodos mais prolongados, Marlierea tomentosa e Marlierea reitzii são características, com Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 71 arbustos altos cujos galhos formam densos emaranhados, muitas vezes inclinados sobre as poças de água. Indivíduos jovens das espécies componentes do dossel também são abundantes neste estrato. O estrato inferior, descontínuo e com baixa cobertura, é formado por um pequeno número de espécies dominantes, principalmente herbáceas, dentre as quais destacam-se espécies de Pteridophyta, notadamente Polybotria cylindrica, Campyloneuron wacketii, Thelypteris maxoniana, Asplenium serra, Lindsaea spp e Hymenophyllum caudiculatum, associadas a magnoliófitas, principalmente poáceas, aráceas e bromeliáceas. Dentre estas destaca-se Nidularium innocentii, que em alguns locais forma agregados mais ou menos extensos, e Becquerelia muricata, uma herbácea cespitosa que também forma agregados característicos dos locais mais úmidos citados anteriormente, onde Marlierea tomentosa e Marlierea reitzii são características. Dentre as espécies trepadoras, Doliocarpus schottianus é a mais freqüente, formando densos emaranhados em alguns locais, além de Smilax elastica, Gonioanthella axillaris, Dioscorea sp e Mikania trinervis. O componente epifítico vascular, embora ainda não estudado sistematicamente, mostra-se tão desenvolvido estruturalmente como nas florestas não inundáveis, sendo as espécies mais conspícuas Peperomia emarginella, Marcgravia polyantha, Polybotria cylindrica e Philodendron bipinatifidum, as duas últimas hemiepífitas, além de várias espécies de Orchidaceae e Bromeliaceae. A composição florística e estrutura destes dois importantes componentes nestas florestas ainda carecem de investigações mais detalhadas. As observações e coletas realizadas na Ilha durante os últimos anos evidenciaram muitas semelhanças entre essas florestas, diferenciadas basicamente pelas condições de drenagem do solo, sendo muitas vezes tarefa difícil distinguí- las em campo. Existem gradações no grau e duração da inundação,dependendo, entre outras coisas, da maior ou menor proximidade de pequenos córregos, da microtopografia do terreno e da profundidade do lençol freático. Levantamentos e análises mais detalhadas, tanto da vegetação como das suas respectivas condições de desenvolvimento, poderão contribuir para a elucidação dessas questões. Os “caxetais”, ambientes inundáveis com predomínio de caxeta (Tabebuia cassinoides) e com ocorrência típica em terrenos inundáveis da planície costeira, parecem representar, ao menos quando têm fisionomia predominantemente arbórea, florestas inundáveis por períodos mais prolongados. Araujo (1992) Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 72 mencionou que as florestas paludosas (swamp forest) podem variar de abertas a fechadas, e em ambas é típica a ocorrência dessa espécie, associada a outras, como Calophyllum brasiliense, ambas muito representativas na Ilha do Mel. A delimitação florística e estrutural entre as florestas não inundáveis de maior porte da planície costeira, reconhecidas comumente como “formações da restinga”, e as florestas mais desenvolvidas e antigas estabelecidas em condições de solo mal drenado é imprecisa, e muitos autores, como Silva (1990), Barros et al. (1991) e Jaster (1995), entre outros, destacaram que estas representam transições entre a “restinga” propriamente dita e a “floresta atlântica” ocorrente sobre as planícies, denominada por Veloso et al. (1991) de “floresta ombrófila densa das terras baixas”. Em Negrelle (1995), essa distinção foi realizada com base em características geomórficas, principalmente relacionadas à idade dos sedimentos; as formações vegetais da “restinga” se restringiriam aos terrenos holocênicos, enquanto a “Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas” ocuparia os terrenos pleistocênicos, ao menos nos locais onde esses dois “pacotes” geológicos são bem definidos. Embora muitas das características florísticas e estruturais apontadas por diversos autores para essas florestas em diferentes áreas do litoral brasileiro sejam coincidentes entre si e em relação à Ilha do Mel, alguns aspectos do conhecimento sobre essas formações ainda permanecem obscuros, faltando uma análise conjunta e mais detalhada desses trabalhos para definir melhor suas respectivas características composicionais, estruturais e funcionais. REFERÊNCIAS ANDRADE-LIMA, D. 1966. Atlas geográfico do Brasil. IBGE, Rio de Janeiro. ANGULO, R.J. 1990. O manguezal como unidade dos mapas geológicos. In Anais do II Simpósio de Ecossistemas da Costa Sul e Sudeste Brasileira, Águas de Lindóia. Aciesp, São Paulo, v.3, p.54-62. ANGULO, R.J. 1992. Geologia da planície costeira do Estado do Paraná. Tese de Doutorado, Instituto de Geociências, Universidade de São Paulo, São Paulo. ANGULO, R.J. & MULLER, A.C.P. 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Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 80 Tabela 2 - continuação. Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 81 Tabela 2 - continuação. Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 82 Figura 1 - Vista aérea da Praia Grande, sudeste da Ilha do Mel, mostrando a transição entre o campo aberto não inundável e o fruticeto fechado não inundável. Foto: Zig Koch Figura 2 - Vista interna do fruticeto fechado não inundável. No primeiro plano um indivíduo de Psidium catleianum. Foto: Zig Koch Meio Biológico - A VegetAção dA PlAnície costeirA 83 Figura 3 - Vista aérea da região nordeste da Ilha do Mel (Estação Ecológica da Ilha do Mel), onde é possível observar variação na altura da vegetação em função da posição nos cordões litorâneos. A faixa central, com dossel mais elevado, representa a floresta fechada inundável, e as regiões de dossel mais baixo, a floresta fechada não inundável. Foto: Zig Koch Sandro Menezes Silva & Ricardo Miranda de Britez 84 Figura 4 - Vista interna da floresta fechada inundável. Foto: Zig Koch Figura 5 - Aspecto da floresta fechada baixa halófita (manguezal). Foto: Zig Koch Flora pteridofítica Alexandre Salino, Sandro Menezes Silva, Vinícius Antônio de Oliveira Dittrich & Ricardo Miranda de Britez Introdução As pteridófitas constituem as plantas vasculares sem sementes, sendo geralmente classificadas em quatro divisões – Lycopodiophyta, Equisetophyta, Psilotophyta e Pterophyta. Com base na literatura existente, estima-se que haja atualmente entre 10.500 e 11.300 espécies de pteridófitas (Ross 1996). Entretanto, o mesmo autor acredita que o número de espécies possa chegar a 12.000 – 15.000, das quais 10.000 – 12.000 estariam nos trópicos do Velho e Novo Mundo. Aproximadamente 75% das espécies ocorrem em duas grandes regiões: uma, de maior riqueza, que compreende o sudeste da Ásia e a Australásia, com cerca de 4.500 espécies, e outra que abrange as Grandes Antilhas, o sudeste do México, a América Central e os Andes do oeste da Venezuela ao sul da Bolívia, onde ocorrem cerca de 2.250 espécies (Tryon & Tryon 1982). As pteridófitas ocorrem nos mais variados ecossistemas, em uma grande variedade de micro-hábitats: do nível do mar a elevadas altitudes, de regiões ártico- alpinas ao interior de florestas tropicais úmidas, de áreas subdesérticas no interior dos continentes até regiões rochosas costeiras e mangues (Page 1979). No entanto, sua maior diversidade está nos trópicos úmidos e nas montanhas subtropicais (Tryon & Tryon 1982). Formam um importante componente da flora de florestas tropicais úmidas, compreendendo geralmente cerca de 10% do total do número de espécies de plantas vasculares (Grayum & Churchill 1987). Além disso, nessas florestas as pteridófitas apresentam-se em maior número do que qualquer família de angiospermas herbáceas (Foster 1990, Foster & Hubbel 1990, Hamell 1990, Poulsen & Pendry 1995, Poulsen 1996, Kozera 2001, Poulsen & Balslev 1991). Alexandre Salino et al. 86 Na América Tropical, quatro regiões de alta diversidade reúnem cerca de 40% de espécies endêmicas: as Grandes Antilhas, com 900 espécies; o sudeste do México e a América Central, também com cerca de 900 espécies; a região dos Andes, com cerca de 1.500 espécies; e o Sudeste e Sul do Brasil, com 600 espécies, das quais 40 % são endêmicas (Tryon & Tryon 1982, Tryon 1986) talvez uma subestimativa, já que somente o estado de São Paulo conta com mais de 500 espécies. Conforme estimativa de Moran (1995a), há na América do Sul aproximadamente 3.000 espécies de pteridófitas. No Brasil deve haver de 1.200 a 1.300 espécies (Prado 1998) e no estado do Paraná devem ocorrer entre 390 e 420 espécies. Existem poucos levantamentos florísticos de pteridófitas no Paraná, destacando-se Dombrowski (1972), Cervi et al. (1987), Cislinski (1996), Dittrich (1999), Dittrich et al. (1999), Kozera (2001) e Kersten & Silva (2001). Com relação a levantamentos em áreas costeiras no Brasil, podem ser destacados alguns trabalhos que apresentam listagens mais abrangentes, como os de Reitz (1961), Pontual (1972), Lindeman et al. (1975), Araujo & Henriques (1984), Citadini- Zanette (1984), Waechter (1986), Barros et al. (1988), Behar & Viégas (1992, 1994), Sylvestre (1997a, 1997b), Mynssen (2000) e Prado & Labiak (2001). Para a Ilha do Mel há três levantamentos parciais de pteridófitas. Um com as espécies epífitas da planície litorânea (Kersten & Silva neste volume), outro incluindo todas as pteridófitas ocorrentes em um hectare de Floresta Ombrófila Densa Submontana localizado entre o Morro Bento Alves e o Morro do Miguel (Dittrich 1999) e o terceiro em uma área de Floresta Ombrófila Densa Submontana situada no Morro Bento Alves (Kozera 2001). Visando a ampliar os conhecimentos da composição florística da vegeta- ção da Ilha do Mel, este trabalho teve como objetivo listar as espécies de pteridófitas, bem como apresentar sua distribuição nas diversas formações vegetacionais da Ilha, contribuindo para o conhecimento da flora pteridofítica das formações vegetacionais da planície litorânea e da Floresta Ombrófila Densa do Paraná. Material e Métodos As coletas foram realizadas em toda a Ilha do Mel (planície e morros), em todos os tipos vegetacionais (campos, fruticetos e florestas, segundo Silva & Britez, neste volume), sendo iniciadas em 1985 e intensificadas a partir de 1992. As amostras foram preparadas segundo as técnicas usuais de herborização (Silva 1984). Meio Biológico - Flora PteridoFítica 87 As identificações foram feitas com base na literatura especializada, por comparação com material determinado e por meio de consultas a especialistas. O material coletado encontra-se depositado principalmente nos seguintes herbários: Herbário do Departamento de Botânica da Universidade Federal de Minas Gerais (BHCB), Universidade Estadualde Londrina (FUEL), Herbário do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ICN), Herbário do Museu Botânico Municipal de Curitiba (MBM), Herbário Perl Karl Dusén (PKDC) – incorporado ao MBM −, Herbário do Departamento de Botânica da Universidade Estadual de Campinas (UEC) e Herbário do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Paraná (UPCB). Além das amostras coletadas pelos autores, também foi analisado material adicional depositado nesses herbários. São citados apenas espécimens testemunhos para cada espécie. Os táxons foram listados em ordem alfabética e o sistema de classificação usado foi o de Moran (1995b), exceto para as famílias Vittariaceae e Gleicheniaceae, nas quais utilizou-se a classificação genérica de Crane (1997) e foi aceito o gênero Gleichenella, respectivamente. Para as abreviações dos nomes dos autores das espécies adotou-se o trabalho de Pichi-Sermolli (1996). As siglas dos herbários estão citadas segundo Holmgren et al. (1990). Resultados Foram identificadas 114 espécies, distribuídas em 21 famílias e 51 gêneros, que são listadas na Tabela 1, com indicação das suas respectivas formas de crescimento e ambientes preferenciais de ocorrência. Tabela 1 - Relação das famílias e espécies de pteridófitas ocorrentes na Ilha do Mel, Paranaguá, PR, com as respectivas formas de crescimento e formações preferenciais de ocorrência. Forma de Crescimento: terrestre – TR; rupícola – RP; holoepífita – EP; hemiepífita – HE, trepadeira – TP. Ocorrência: Campos − C; Fruticetos − R; Florestas − F; Formações secundárias − FS. Alexandre Salino et al. 88 Meio Biológico - Flora PteridoFítica 89 Alexandre Salino et al. 90 Meio Biológico - Flora PteridoFítica 91 Alexandre Salino et al. 92 As famílias mais representativas em número de espécies foram Polypodiaceae (16 espécies), Thelypteridaceae (14), Pteridaceae (12), Hymenophyllaceae (12), Lomariopsidaceae (oito), Aspleniaceae (seis) e Schizaeaceae (seis). Essas sete famílias abrigam 63% das espécies de pteridófitas ocorrentes na Ilha. Os gêneros mais representativos foram Thelypteris, com 13 espécies, Asplenium e Trichomanes, com sete, Elaphoglossum, com seis, Hymenophyllum e Adiantum, com cinco espécies cada, Blechnum, Campyloneurum e Polypodium, com quatro espécies cada, Cyathea, Lindsaea, Lycopodiella, Microgramma e Pteris, com três espécies cada, Nephrolepis, Huperzia, Pecluma, Pleopeltis, Actinostachys, Schizaea, Tectaria e Diplazium, com duas espécies cada. Esses 22 gêneros congregam 74% das espécies ocorrentes na Ilha. Os outros 29 gêneros estão representados por uma espécie cada, totalizando 26% do total de espécies. As espécies com distribuição mais ampla na ilha foram Blechnum serrulatum e Rumohra adiantiformis, que ocorrem em todos os ambientes (Tabela 1). Já Cyathea leucofolis, Dicranoglossum furcatum, Polytaenium cajenense, Huperzia flexibilis e Thelypteris decussata var. brasiliensis são espécies de rara ocorrência na Ilha do Mel. Nas florestas da encosta (Floresta Ombrófila Densa Submontana) foram encontradas 57 espécies, das quais 43 restritas a esse ambiente. Já nas florestas da planície (Florestas não inundável e inundável) foram registradas 44 espécies, destas 29 exclusivas. Nos campos (praias, dunas e costões) e nas formações pioneiras com influência flúvio-marinha (manguezais) foram registradas quatro espécies. Nos fruticetos, incluindo brejos herbáceos, foram encontradas 13 espécies e nos ambientes antrópicos (formações secundárias) foram registradas nove espécies, das quais sete exclusivas (Tabela 1). A grande maioria das espécies (95%) era herbácea, quatro eram arborescentes (Alsophila setosa, Cyathea atrovirens, C. corcovadensis e C. leucofolis) e uma subarborescente (Blechnum brasiliense). Das 114 espécies, 84 eram exclusivas quanto à forma de crescimento, sendo 53 terrestres, 22 holoepífitas, três rupícolas, quatro hemiepífitas e duas trepadeiras. As outras 30 espécies apresentaram forma de crescimento variada, sendo 17 espécies terrestres/ holoepífitas, seis espécies terrestres/rupícolas, quatro espécies terrestres/rupícolas/ epífitas e três espécies rupícolas/epífitas. Meio Biológico - Flora PteridoFítica 93 Discussão Considerando as 54 espécies registradas na planície litorânea da Ilha do Mel e comparando com as listagens apresentadas por Reitz (1961), Dombrowski (1972), Pontual (1972), Lindeman et al. (1975), Araujo & Henriques (1984), Citadini-Zanette (1984), Waechter (1986) e Behar & Viégas (1992, 1994), nota-se que 34 espécies são freqüentemente encontradas em áreas da planície litorânea do Brasil: Asplenium serra, Blechnum brasiliense, B. serrulatum, Cyathea atrovirens, Nephrolepis biserrata, Lindsaea lancea, L. quadrangularis, Pteridium arachnoideum, Polybotrya cylindrica, Rumohra adiantiformis, Tectaria incisa, Trichomanes cristatum, Huperzia mandiocana, Lycopodiella alopecuroides, L. camporum, L. caroliniana, Osmunda cinnamomea, Campyloneurum minus, Microgramma geminata, M. vacciniifolia, Pecluma paradiseae, Pleopeltis angusta, P. astrolepis, Polypodium chnoophorum, P. latipes, Acrostichum danaeifolium, Pityrogramma calomelanos, Anemia phyllitidis, Lygodium volubile, Schizaea elegans, Actinostachys pennula, Thelypteris interrupta, T. opposita e T. serrata. Merece destaque a ocorrência na planície litorânea da Ilha do Mel dos gêneros Actinostachys e Schizaea, ambos com duas espécies cada. Aproximadamente 58% das espécies registradas por Behar & Viégas (1992) para a restinga de Setiba, no Espírito Santo, também foram encontradas na Ilha do Mel, sendo a maioria de formações florestais. Esses autores registraram Polypodium brasiliense (= Polypodium triseriale Sw.) como uma das espécies mais comuns. Já na Ilha do Mel, P. triseriale não foi encontrada. Polypodium brasiliense parece ser comum a partir das restingas do litoral norte do estado de São Paulo, sendo bastante rara nas restingas do Sul do Brasil. As 57 espécies ocorrentes na vegetação arbórea da encosta dos morros da Ilha do Mel são freqüentemente encontradas em áreas de Floresta Ombrófila Densa (A. Salino, dados não publicados). Nos brejos herbáceos foram registradas sete espécies: Lycopodiella alopecuroides, L. camporum, L. caroliniana, Osmunda cinnamomea, Pityrogramma calomelanos, Thelypteris interrupta e T. opposita. Polypodiaceae e Thelypteridaceae, as famílias de maior riqueza dentre as 17 presentes na Ilha do Mel, também foram comuns em outros levantamentos realizados na região costeira do Brasil (Reitz 1961, Araujo & Henriques 1984, Behar & Viégas 1992, 1994, Labiak & Prado 1998). Na ilha, as espécies de Polypodiaceae geralmente são epífitas, obrigatórias ou facultativas, quase sempre rizomatosas; Alexandre Salino et al. 94 Microgramma vacciniifolia é a mais comum e ocorre em praticamente todos os tipos vegetacionais estudados. Trata-se de uma espécie bastante freqüente, e até mesmo abundante no ambiente epifítico, e ocorre desde as formações arbustivas próximas ao mar, muitas vezes ainda como terrestre, até as partes mais altas das árvores nas formações florestais, sendo muitas vezes a espécie dominante, conforme demonstrado em Kersten & Silva (neste volume). Outras espécies dessa família que também se destacaram no ambiente epifítico foram Polypodium catharinae e Polypodium hirsutissimum. Estudos abordando epífitas vasculares no sul do Brasil ainda são escassos, mas mostram que algumas espécies de pteridófitas ocorrentes na Ilha, notadamente representantes de Polypodiaceae, podem ocorrer em outras formações vegetais com relativa importância. Microgramma vacciniifolia, por exemplo, foi uma das espécies mais freqüentes em levantamento realizado no Rio Grande do Sul, em Floresta Estacional Decidual (Aguiar et al.1981). Na região litorânea de Santa Catarina, Labiak & Prado (1998) também destacaram essa espécie como uma das mais comuns em área de floresta sobre a planície costeira. Ainda nessa família, como espécies herbáceas características dos estratos inferiores dos Fruticetos e da Floresta não inundável da planície litorânea da Ilha, podem ser salientadas Pecluma paradiseae e Polypodium latipes. Na Floresta inundável, as espécies que se destacaram foram Campyloneurum acrocarpon e Polypodium chnoophorum. No levantamento das espécies herbáceas terrestres de uma área de planície costeira no Rio Grande do Sul, realizado por Citadini-Zanette (1984), P. latipes e P. chnoophorum também foram registradas, sendo que a primeira era mais rara na área e a segunda destacou-se em áreas encharcadas. Thelypteris foi o gênero com maior riqueza específica entre as pteridófitas ocorrentes na planície da Ilha do Mel. Na sua maioria são espécies herbáceas terrestres características dos ambientes florestais, sendo Macrothelypteris torresiana e Thelypteris dentata (ambas espécies introduzidas no Brasil) típicas de áreas alteradas, e Thelypteris serrata preferencial de áreas mais abertas e úmidas, como os campos inundáveis. Em Lomariopsidaceae, com oito espécies, a maior parte terrestres e/ ou holoepífitas facultativas, destacou-se Elaphoglossum com maior número de espécies (seis), características das formações florestais fechadas, onde ocorrem como espécies terrestres ou epífitas nas partes inferiores das árvores. Rumohra adiantiformis é uma herbácea abundante nas áreas abertas, tanto situadas próximas ao mar como em locais mais interiores da planície costeira; em formações Meio Biológico - Flora PteridoFítica 95 fechadas e úmidas, a espécie tem ocorrência rara ou então é ausente. Polybotrya cylindrica é uma espécie comum no estrato inferior das florestas altas e úmidas, onde freqüentemente ocorre como hemiepífita. Em Blechnaceae, representada por cinco espécies, destacou-se Blechnum serrulatum, espécie terrestre de Pteridophyta mais freqüente na Ilha, chegando mesmo a ser abundante nos Fruticetos e na Floresta não inundável, onde caracteriza o estrato inferior; na Floresta fechada inundável não chega a ser abundante. Essa espécie já foi registrada por Araujo & Henriques (1984) no Rio de Janeiro e por Behar & Viegas (1992, 1994) para o Espírito Santo, sendo sem dúvida um elemento característico da vegetação nas planícies costeiras do sudeste brasileiro. Em Barros et al. (1991), a espécie é citada com destaque nas descrições florístico-fisionômicas das formações apresentadas, embora neste trabalho não seja apresentada uma listagem das espécies de pteridófitas. Na família Dennstaedtiaceae destacou-se o gênero Lindsaea, representado por três espécies, das quais L. quadrangularis e L. portoricensis são características das Florestas fechadas inundáveis. Pteridium arachnoideum é característica de áreas abertas e degradadas e, embora tenha sido registrada no levantamento, não foi abundante; sua ocorrência é restrita a áreas de planície próximas aos morros, anteriormente cultivadas em sistema de “roças” temporárias. Algumas áreas degradadas nos morros, hoje em adiantado processo de recomposição da vegetação, ainda apresentam alguns agrupamentos pouco densos e extensos dessa espécie. Hymenophyllaceae, com 12 espécies, está representada principalmente por epífitas características das formações florestais, enquanto Dennstaedtiaceae, Schizaeaceae e Thelypteridaceae são todas tipicamente terrestres, com boa representatividade específica neste levantamento (cinco, seis e 14 espécies, respectivamente). As filicíneas arborescentes, comuns nos estratos inferiores de florestas úmidas da região leste do Brasil, foram representadas na planície costeira da Ilha do Mel somente por Cyathea atrovirens (Cyatheaceae), embora nas áreas de morro tenham sido registradas outras espécies. Trata-se de uma espécie muito típica dos estratos inferiores das formações florestais, inundáveis ou não. Silva et al. (1994), em levantamento realizado em floresta acompanhando o curso de um pequeno rio na Estação Ecológica da Ilha do Mel, verificaram que a espécie figurou entre as mais importantes, principalmente em locais de transição entre os sítios inundáveis e os mais bem drenados. Alexandre Salino et al. 96 Behar & Viégas (1992) listaram nove espécies de pteridófitas como características das formações vegetais costeiras, a saber: Blechnum serrulatum, Thelypteris interrupta, Osmunda cinnamomea, Actinostachys pennula, Microgramma vacciniifolia, Pteridium arachnoideum, Polybotrya cylindrica, Lycopodiella alopecurioides e Osmunda regalis. Destas, somente a última não foi registrada na Ilha até o momento. Os morros da Ilha do Mel têm maior heterogeneidade ambiental e aparentemente são mais ricos em espécies de pteridófitas, tanto terrestres como rupícolas e epífitas. No morro Bento Alves, poucas espécies de pteridófitas têm freqüência elevada como, p. ex., Lindsaea lancea var. lancea e Thelypteris paranaensis, bastante comuns em área sombreada no interior da floresta. Thelypteris paranaensis é uma espécie que foi recentemente descrita (Salino 2002), cujo holótipo é da Ilha do Mel. Essa espécie é endêmica da Floresta Ombrófila Densa do Paraná, com registros para a Ilha do Mel e áreas da porção norte do litoral do Paraná. A maioria das espécies é muito pouco freqüente, como, p. ex., Rumohra adiantiformis, Campyloneurum nitidum, Polytaenium cajenense, Hymenophyllum asplenioides, Thelypteris dentata, Asplenium serratum, Blechnum serrulatum e Trichomanes cristatum (um indivíduo ou alguns crescendo em área contígua numa área de pouco mais de um hectare em cada espécie). É interessante notar que algumas dessas espécies, sobretudo R. adiantiformis e B. serrulatum, são muito abundantes nas áreas de planície da Ilha, o que deve estar ligado às grandes diferenças de tipos de solo. Outras têm uma freqüência intermediária, contando com alguns indivíduos mais uniformemente distribuídos nesse mesmo hectare: Blechnum binervatum subsp. acutum, Cyathea corcovadensis e Trichomanes rigidum. A preferência por substrato é bastante diversificada, com espécies preferencialmente rupícolas (e. g. Asplenium triquetrum – só observada em rochas de rio –, Hymenophyllum caudiculatum e Campyloneurum minus), terrestres (e. g. Cyathea corcovadensis – arborescente –, Lindsaea lancea var. lancea, Thelypteris paranaensis, Trichomanes rigidum, T. cristatum, Schizaea elegans e Salpichlaena volubilis – trepadeira volúvel), holoepífitas preferenciais (e. g. Hymenophyllum asplenioides, Microgramma percussa, M. vacciniifolia, Asplenium serratum, Trichomanes polypodioides e Polytaenium cajenense), hemiepífita secundária (Blechnum binervatum subsp. acutum) e sem preferência clara por substrato (e. g. Elaphoglossum ornatum, comportando-se como epífita, terrestre ou rupícola, sem aparente preferência por um dos dois tipos). É interessante notar que algumas espécies epifíticas aparentemente têm preferência por forófito, como é o caso Meio Biológico - Flora PteridoFítica 97 de Trichomanes polypodioides, que só foi observado crescendo sobre caules de Cyathea corcovadensis e de Blechnum binervatum subsp. acutum. Asplenium mucronatum também cresce preferencialmente sobre caules de Cyatheaceae, ocorrendo, esporadicamente, sobre espécies de Magnoliophyta. Ambrósio & Barros (1997) também constataram a preferência de pteridófitas epifíticas por determinados forófitos num remanescente de Floresta Atlântica na região Nordeste do Brasil. Outro fato digno de menção é o comportamento de Rumohra adiantiformis, que é espécie tipicamente terrestre nas planícies da Ilha, e teve como único exemplar constatado no Morro Bento Alves um indivíduo de hábito epifítico. Essa espécie possui comportamentovariado, podendo ser encontrada como epífita, terrestre ou ainda rupícola (Sehnem 1979, Tryon & Stolze 1991, Senna & Waechter 1997, Labiak & Prado 1998, Dittrich et al. 1999). Numa análise rápida na floresta, é notório que algumas espécies necessitam de bastante luz para crescer, como é o caso de Blechnum brasiliense e de Salpichlaena volubilis, só encontradas em clareiras (observações pessoais). Outra espécie que parece requerer bastante luz é a epífita Microgramma vacciniifolia, como verificado por Labiak & Prado (1998) em Santa Catarina. A maioria das espécies, entretanto, parece ter preferência por locais úmidos e sombreados no interior da floresta, como constatado por Salino (1996) no estado de São Paulo e por Ambrósio & Barros (1997) em Pernambuco. As Hymenophyllaceae, por exemplo, ocorrem quase que exclusivamente nesse tipo de ambiente, assim como as espécies de Elaphoglossum. Dittrich (1999), comparando a composição florística de pteridófitas epifíticas de um hectare de Floresta Ombrófila Densa Submontana da Ilha do Mel com outros levantamentos de pteridófitas das regiões Sudeste e Sul do Brasil, concluiu que a Ilha apresenta maior similaridade florística com a Reserva Volta Velha, no extremo litoral norte de Santa Catarina (Labiak & Prado 1998), coberta por Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas. Quando apenas espécies terrestres são consideradas, a similaridade é maior com uma área, também de um hectare, do Parque Estadual Pico do Marumbi, no município de Morretes, estado do Paraná (Dittrich 1999), coberta por Floresta Ombrófila Densa Montana (espécies terrestres não foram inventariadas por Labiak & Prado 1998). Dittrich (1999) ressalta que a proximidade geográfica é um fator importante no aumento da similaridade florística, mas que há outros fatores a serem considerados, como similaridade de precipitação e de temperatura e, sobretudo para as espécies terrestres, a composição mineral dos solos. Alexandre Salino et al. 98 Considerando-se a distribuição geográfica, a maior parte das espécies enquadra-se em três padrões: 1) Espécies de ampla distribuição na região Neotropical − aproximadamente 49%; 2) Espécies com distribuição restrita às regiões Sudeste e Sul do Brasil − 19% das espécies; 3) Espécies que ocorrem nas regiões Sudeste e Sul do Brasil e nos países da porção sul da América do Sul − 15% das espécies. Alguns estudos realizados nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, como os de Sylvestre (1997a), Labiak & Prado (1998) e Salino (dados não publicados), obtiveram porcentagens de espécies levemente superiores para os mesmos padrões de distribuição. Referências AGUIAR, L.W. et al. 1981. 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VELOSO, H.P., RANGEL FILHO, A.L.R. & LIMA, J.C.A. 1991. Classificação da vegetação brasileira, adaptada a um sistema universal. IBGE, Rio de Janeiro. WAECHTER, J.L. 1986. Epífitos vasculares da mata paludosa do Faxinal, Torres, Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Iheringia, Série Botânica, 34:39-49. 103 Floresta Ombrófila Densa Submontana: florística e estrutura do estrato inferior Carina Kozera & Ricardo Ribeiro Rodrigues Introdução Estudos detalhados sobre a vegetação herbácea e arbustiva em áreas de floresta tropical são escassos e heterogêneos quanto à metodologia amostral, tanto no Brasil como em outros países, principalmente quando se referem a dados quantitativos. Trabalhos dessa natureza, em geral, tratam quase que exclusivamente do estrato arbóreo, apresentando algumas vezes listas incompletas das espécies herbáceas e arbustivas (Mantovani 1987). Entre os motivos apontados para a escassez desses estudos está a dificuldade em se estudar conjuntamente toda a vegetação e à maior importância estrutural e econômica que é atribuída às árvores nessas formações (Cestaro et al. 1986). Além disso, existe a dificuldade de identificação taxonômica, já que se trata de uma sinúsia mais complexa do que a arbórea. Conseqüentemente, comparações entre a diversidade específica de diferentes tipos vegetacionais podem gerar interpretações duvidosas, pois os dados disponíveis, na maioria dos trabalhos, acabam sendo restritos ao componente arbóreo, especialmente em áreas de floresta tropical (Gentry & Dodson 1987, Mantovani 1987). Entre os trabalhos desenvolvidos em áreas florestais brasileiras que abordaram especificamente o componente herbáceo e/ou subarbustivo, caracterizando-o florística e/ou fitossociologicamente, citam-se o de Citadini- Zanette (1984), Cestaro et al. (1986), Cervi et al. (1987, 1988), Citadini-Zanette & Baptista (1989), Diesel & Siqueira (1991) e Müller (1999). Além desses, Knob (1978), Klein (1979, 1980), Andrade (1992), Bernacci (1992), Britez et al. (1995), Citadini-Zanette (1995), Torezan (1995), Zickel (1995), Meira-Neto (1997), Silva (1998), Dorneles & Negrelle (2000) e Negrelle (2002) também incluíram dados Carina Kozera & Ricardo Ribeiro Rodrigues 104 sobre a sinúsia herbácea em estudos direcionados aos demais estratos florestais e/ou à regeneração natural. Dentro desse contexto, e por causa da escassez de trabalhos realizados com o estrato herbáceo-arbustivo em áreas de Floresta Ombrófila Densa, em especial no Paraná, realizou-se o presente trabalho. Teve como objetivos listar as espécies de Magnoliophyta e Pteridophyta e levantar dados sobre a estrutura da comunidade herbácea-arbustiva em uma área de Floresta Ombrófila Densa Submontana localizada na Ilha do Mel. Material e métodos O estudo florístico e fitossociológico do estrato herbáceo-arbustivo foi realizado na parte superior do morro Bento Alves (25o33’38” S, 48o18’39” W), a cerca de 140 m s.n.m. (Britez & Marquez, neste volume). Na área nasce o rio Grande, um riacho perene utilizado para o abastecimento da população que vive na Ilha do Mel (Paraná 1996). A cobertura vegetal predominante, segundo o sistema de classificação de Veloso et al. (1991), é a Floresta Ombrófila Densa Submontana. Ocorre no local associada a estádios de desenvolvimento secundário da floresta, representados pela fases intermediária a avançada, originados da atividade agrícola praticada durante a década de 1950 na encosta do morro. Para o estudo florístico foram feitas coletas quinzenais no período entre janeiro de 1999 e fevereiro de 2000. Foram coletadas as espécies herbáceas terrícolas e arbustivas pertencentes a Magnoliophyta e Pteridophyta. Para isso percorria-se a área ao longo de um dia em caminhadas que se iniciavam a partir das margens direita e esquerda do riacho Grande e seguiam em direção às encostas, num trecho de cerca de 2 ha. Os procedimentos adotados para a coleta e herborização seguiram as recomendações básicas para trabalhos dessa natureza, descritas em IBGE (1992). Em campo foram anotadasinformações referentes ao hábitat da espécie (rupícola - cresce sobre rochas; terrícola - cresce enraizada no solo), formas biológicas segundo Silva (1998), com modificações (acrescentou-se a forma biológica herbácea trepadeira), coloração das peças florais e/ou frutos e informações sobre o ambiente no qual a espécie foi encontrada. Meio Biológico - Floresta oMBróFila Densa suBMontana: Florística e estrutura Do estrato inFerior 105 Posteriormente os materiais foram submetidos a determinação de família, gênero e espécie, utilizando-se para isso bibliografia específica e comparações com exsicatas dos Herbários UPCB (Departamento de Botânica, Setor de Ciências Biológicas, Universidade Federal do Paraná) e MBM (Museu Botânico Municipal de Curitiba). Algumas coletas foram enviadas para determinação por especialistas. Os materiais determinados foram registrados e incorporados na coleção do Herbário UEC (Universidade Estadual de Campinas). Duplicatas foram distribuídas para os Herbários ESA (Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Piracicaba, SP), UPCB e MBM. Para o nome dos autores das espécies foram adotadas as abreviaturas de Brummitt & Powell (1992). O sistema de classificação adotado para as famílias de Magnoliophyta foi o de Cronquist (1988) e para as Pteridophyta, o sistema de Tryon & Tryon (1982) com modificações. Incluíram-se os gêneros Megalastrum e Olfersia, descrito por Holltum (1986) e monografado por Moran (1986), respectivamente, na família Dryopteridaceae. Para o levantamento fitossociológico foi empregado o método de parcelas (Mueller-Dombois & Ellenberg 1974), que tem sido o mais utilizado em trabalhos abordando o estrato herbáceo-arbustivo. Para a instalação das parcelas foram selecionados trechos da floresta com características similares quanto à fisionomia da vegetação e declividade do terreno. Posteriormente foram delimitadas três faixas com 8 m de largura e comprimento variável, dispostas numa mesma orientação e paralelas entre si. Dentro dessas faixas foram sorteadas e alocadas parcelas de 4 x 8 m de comprimento, subdivididas em parcelas menores e contíguas de 2 x 2 m. Em cada uma das parcelas de 2 x 2 m foram amostradas as espécies herbáceas, arbustivas, trepadeiras e hemiepífitas secundárias com altura igual ou maior que 1 cm e igual ou menor que 1,5 m. Durante a amostragem foram anotados o porcentual de cobertura (%) e a altura máxima e mínima de cada uma das espécies presentes nas parcelas. O número mínimo de parcelas alocadas foi determinado pela curva de esforço amostral (Mueller-Dombois & Ellenberg 1974; Matteucci & Colma 1982). Todos os dados coletados foram analisados considerando-se a sua totalidade nas parcelas de 4 x 8 m e separadamente nas parcelas de 2 x 2 m. Para cada espécie amostrada foram estimadas a freqüência absoluta e a relativa, a cobertura relativa (Mueller-Dombois & Ellenberg 1974), a cobertura média e a importância relativa (Boldrini & Miotto 1987). Além desses parâmetros, calculou-se o índice de diversidade de Shannon (H’) (Magurran 1989) para o estrato analisado. Para o cálculo do índice utilizaram- Carina Kozera & Ricardo Ribeiro Rodrigues 106 se os valores de cobertura, parâmetro utilizado na amostragem para estimar a abundância da comunidade. Esse procedimento tem sido utilizado especialmente quando a estimativa da densidade é difícil de ser determinada por causa da ausência de limites nítidos visíveis entre os indivíduos (Matteucci & Colma 1982). Os parâmetros foram calculados da seguinte forma: • Freqüência absoluta (FA): parâmetro que indica a relação entre o número de parcelas em que ocorre determinada espécie e o número total de parcelas alocadas. FAi = (pi / P) x 100, onde: FAi = freqüência absoluta da espécie “i” (%) pi = número de unidades amostrais onde ocorre a espécie “i” P = número total de unidades amostrais • Freqüência relativa (FR): parâmetro que indica a relação entre a freqüência absoluta de uma determinada espécie com as freqüências absolutas de todas as demais espécies. FRi = (FAi / ∑FA) x 100, onde: FRi = freqüência relativa da espécie “i” (%) ∑FA= somatório das FA de todas as espécies amostradas (%) • Cobertura relativa (CR): parâmetro que indica a relação entre a cobertura total de uma espécie com relação à cobertura total de todas as demais espécies. CRi = (Ci/ ∑C) x 100, onde: CRi = cobertura relativa da espécie “i”(%) Ci = cobertura total da espécie “i” ∑C = somatório da cobertura total de todas as espécies • Cobertura média (CM): parâmetro que indica a relação entre a cobertura total de uma espécie e o número total de parcelas alocadas na área de estudo CMi = Ci / P, onde: CMi = cobertura média da espécie “i”(%) • Importância relativa (IR): soma da freqüência e da cobertura relativa de determinada espécie IRi = FRi + CRi , onde: IRi = índice de valor de importância relativa da espécie “i” • Índice de diversidade de Shannon (H’): expressa a heterogeneidade florística da área H’ = - ∑CRi x ln CRi, onde: ln = logaritimo natural Meio Biológico - Floresta oMBróFila Densa suBMontana: Florística e estrutura Do estrato inFerior 107 Resultados No estudo florístico foram registradas 99 espécies, 71 gêneros e 36 famílias. Desse total pertencem a Magnoliophyta 67 espécies, 46 gêneros e 25 famílias (Tabela 1) e a Pteridophyta 32 espécies, 25 gêneros e 11 famílias (Tabela 2). Dentre as Magnoliophyta destacaram-se com os maiores números de espécies Orchidaceae, Piperaceae (8), Araceae, Poaceae (7), Acanthaceae e Rubiaceae (5), e dentre as Pteridophyta, Dryopteridaceae (9), Blechnaceae, Cyatheaceae, Schizaeaceae (4) e Hymenophyllaceae (3). Foram listadas seis espécies rupícolas: Asplenium triquetrum (Aspleniaceae), Elaphoglossum ornatum (Dryopteridaceae), Hymenophyllum caudiculatum, Trichomanes cristatum (Hymenophyllaceae), Peperomia corcovadensis e Peperomia urocarpa (Piperaceae); três espécies rupícolas e/ ou terrícolas: Bertolonia mosenii (Melastomataceae), Campyloneurum minus (Polypodiaceae) e Olfersia cervina (Dryopteridaceae); e 90 espécies terrícolas. As Magnoliophyta foram representadas por 12 formas biológicas, enquanto as Pteridophyta, por seis (Figura 1). No cômputo geral destacaram-se as formas biológicas herbácea rizomatosa (18), herbácea ereta (14) e arbustiva ereta (13). No interior da Floresta Ombrófila Densa Submontana do morro Bento Alves (MBA) foram observados indivíduos de algumas espécies distribuídos de forma aparentemente regular (Aphelandra ornata, Lepidagathis diffusa), enquanto outros formavam grandes agrupamentos em determinados locais, como Calathea sp. Esta espécie, em especial, foi observada ao longo do córrego, principalmente próxima às margens e nas superfícies aluvionares. Além de Calathea sp., também foram observadas nesses ambientes, com freqüência mas não formando agrupamentos, Dichorisandra thyrsiflora, Thelypteris sp., Aphelandra ornata, Megalastrum connexum, Piper caldense, Erythrodes arietina, Psychotria birotula, Psychotria brachypoda, Lomagramma guianensis, Monstera adansonii, Anthurium pentaphyllum e Polybotrya cylindrica. Sobre as rochas próximas ao riacho foram encontradas Peperomia corcovadensis, Peperomia urocarpa, Lommagrama guianensis, Campyloneurum minus, Olfersia cervina, Elaphoglossum ornatum e Asplenium triquetrum, além de espécies de musgos. Texto da nascente foram encontradas Macrothelypteris torresiana, Diplazium plantaginifolium, Megalastrum connexum, Ctenitis falciculata, Piper amplum e jovens de Alsophila setosa, espécies que não foram observadas no restante da área. Carina Kozera & Ricardo Ribeiro Rodrigues 108 Tabela 1 - Espécies de Magnoliophyta presentes no estrato herbáceo-arbustivo da Floresta Ombrófila Densa Submontanado morro Bento Alves, com seus respectivos hábitat (TE-terrícola, RU-rupícola), forma biológica observada em campo (HBBU-herbácea bulbosa, HBCE-herbácea cespitosa, HBER- herbácea ereta, HBES-herbácea escandente, HBRE-herbácea reptante, HBRI-herbácea rizomatosa, HBRO-herbácea rosulada, HBSA-herbácea saprófita, HBTR-herbácea trepadeira, ABER-arbustiva ereta, ABRO-arbustiva rosulada, HESE-hemiepífita secundária), mês(es) em que a espécie foi coletada fértil (01-jan, 02-fev,...12-dez) e número de registro no herbário UEC (Unicamp). Meio Biológico - Floresta oMBróFila Densa suBMontana: Florística e estrutura Do estrato inFerior 109 Carina Kozera & Ricardo Ribeiro Rodrigues 110 TABELA 2 - Espécies de Pteridophyta presentes no estrato herbáceo-arbustivo da Floresta Ombrófila Densa Submontana do morro Bento Alves, com seus respectivos hábitat (TE-terrícola, RU-rupícola), forma biológica observada em campo (HBRE-herbácea reptante, HBRI-herbácea rizomatosa, HBRO-herbácea rosulada, HBTR-herbácea trepadeira, ABRO-arbustiva rosulada, HESE-hemiepífita secundária), mês(es) em que a espécie foi coletada fértil (01-jan, 02-fev,...12-dez) e número de registro no herbário UEC (Unicamp). Meio Biológico - Floresta oMBróFila Densa suBMontana: Florística e estrutura Do estrato inFerior 111 Figura 1 - Número de espécies registradas para cada uma das formas biológicas observadas na área de Floresta Ombrófila Densa Submontana do morro Bento Alves (HBRI-herbácea rizomatosa, HBER-herbácea ereta, ABER-arbustiva ereta, HBRO-herbácea rosulada, HBTR-herbácea trepadeira, HBRE-herbácea reptante, HBCE-herbácea cespitosa, HESE-hemiepífita secundária, ABRO-arbustiva rosulada, HBES-herbácea escandente, HBBU-herbácea bulbosa, HBSA-herbácea saprófita). Nos trechos de encosta, a fisionomia da floresta apresentou mudanças. Sofreu alterações em virtude das diferentes estruturas e composições específicas dos estratos herbáceo, arbustivo e arbóreo. Alternavam-se trechos da vegetação em estádios sucessionais intermediários a mais avançados. Nestes últimos locais foram observados indivíduos arbóreos de grande porte e diâmetro do caule, caracterizados pela riqueza de espécies epifíticas, elevada altura do ponto de inversão morfológica e por encontrarem-se ocupando o dossel florestal. Dentre as espécies herbáceas e arbustivas coletadas nessas áreas citam-se Cyathea corcovadensis, Anemia phyllitidis, Aphelandra ornata, Chusquea discolor, Dendropanax monogynum, Dorstenia hirta, Erythrodes picta, Lepidagathis diffusa, Lindsaea lancea, Parodiolyra micrantha, Prescottia colorans, Pseuderanthemum riedelianum, Psychotria birotula, Psychotria brachypoda, Spigelia dusenii, Lomagramma guianensis, Monstera adansonii, Polybotrya cylindrica, Salpichlaena volubilis e Conchocarpus gaudichaudianus (Figuras 2, 3 e 4). Os trechos da floresta em estádio inicial a intermediário caracterizaram- se pelo predomínio de herbáceas e arbustivas com altura até 2 m (Parodiolyra micrantha, Piper solmsianum, Scleria panicoides e Scleria secans) e elevada Carina Kozera & Ricardo Ribeiro Rodrigues 112 densidade de indivíduos arbóreos com perímetro à altura do peito próximo a 30 cm, constituindo um a dois estratos. Nesses locais foram observadas poucas epífitas e as espécies herbáceas encontravam-se distribuídas de forma esparsa. Dentre estas citam-se Coccocypselum cordifolium, Coccocypselum lanceolatum, Blechnum brasiliensis, Philodendron bipinnatifidum, Cyathea atrovirens, Tectaria cf. pilosa e Dictyostega orobanchoides. Além dos trechos da floresta em diferentes estádios sucessionais, foram observadas no MBA clareiras naturais com tamanhos variados. Nesses locais constatou-se que espécies do sub-bosque, principalmente jovens dos estratos superiores, desenvolviam-se com grande rapidez, favorecidos pelo aumento da temperatura e quantidade de luz incidente no estrato inferior da floresta. Espécies trepadeiras lenhosas de Magnoliophyta e a trepadeira Salpichlaena volubilis (Pteridophyta) também foram observadas crescendo nas clareiras, entrelaçadas com os fustes das árvores e em direção aos locais com maior incidência de luz. Quanto ao estudo fitossociológico, os dados analisados, considerando a sua totalidade nas 15 parcelas alocadas de 4 x 8 m e separadamente nas 120 parcelas de 2 x 2 m, não mostraram diferenças significativas entre si quanto à distribuição e cobertura das espécies na área estudada. Por esse motivo são apresentados somente os resultados da análise das parcelas menores de 2 x 2 m. Optou-se por apresentar os resultados das parcelas menores, pois a maioria dos trabalhos realizados com o estrato herbáceo e/ou arbustivo utilizou tamanhos de parcelas iguais ou próximos a este. Foram amostradas 59 espécies, 48 gêneros e 29 famílias. Destes totais, 42 espécies, 34 gêneros e 21 famílias pertencentes a Magnoliophyta e 17 espécies, 14 gêneros e 8 famílias a Pteridophyta (Tabela 3). A cobertura média registrada foi 7,6%, o número médio de espécies 13, o percentual médio de cobertura registrado nas parcelas 30,6% e o índice de diversidade de Shannon 3,04. Dentre as famílias amostradas, destacaram-se com os maiores números de espécies Acanthaceae, Araceae, Dryopteridaceae, Piperaceae, Schizaeaceae (4), Orchidaceae, Poaceae e Rubiaceae (3). Juntas acumulam 50% do total de espécies amostradas. Cyatheaceae, Marantaceae e Poaceae, apesar de representadas na área por poucas espécies, destacaram-se juntamente com Dryopteridaceae e Araceae pelos maiores valores de cobertura relativa. Representam as famílias mais importantes na fisionomia do estrato herbáceo-arbustivo. Meio Biológico - Floresta oMBróFila Densa suBMontana: Florística e estrutura Do estrato inFerior 113 Dentre as espécies levantadas no estudo fitossociológico, seis são hemiepífitas secundárias e 10 são trepadeiras. Destacaram-se no levantamento com os maiores valores de importância relativa Cyathea corcovadensis, Monstera adansonii, Parodiolyra micrantha, Calathea sp., Anthurium pentaphyllum, Aphelandra ornata, Pseuderanthemum riedelianum, Dichorisandra thyrsiflora, Polybotrya cylindrica e Lepidagathis diffusa (Figura 5). Monstera adansonii foi a única espécie que ocorreu nas 120 parcelas alocadas. Com relação à cobertura relativa, Cyathea corcovadensis, Monstera adansonii, Calathea sp., Parodiolyra micrantha, Salpichlaena volubilis, Dychorisandra thyrsiflora, Polybotrya cylindrica, Lomagramma guianensis, Psychotria birotula e Aphelandra ornata destacaram-se no levantamento, perfazendo juntas 70% do total desse parâmetro registrado na área. Figura 2 - Inflorescência de Aphelandra ornata (Acanthaceae), espécie herbácea ereta. Foto: Carina Kozera Carina Kozera & Ricardo Ribeiro Rodrigues 114 Figura 3 - Inflorescência de Dorstenia hirta (Moraceae), espécie herbácea ereta. Foto: Carina Kozera Figura 4 - Psychotria birotula (Rubiaceae) em frutificação, espécie arbustiva ereta. Foto: Carina Kozera Meio Biológico - Floresta oMBróFila Densa suBMontana: Florística e estrutura Do estrato inFerior 115 Tabela 3 - Parâmetros fitossociológicos estimados para o estrato herbáceo-arbustivo amostrado na Floresta Ombrófila Densa Submontana do morro Bento Alves (na = número de parcelas de 2 x 2 m em que as espécies ocorreram, FA = freqüência absoluta, FR = freqüência relativa, ∑C = somatório dos valores de cobertura, CR = cobertura relativa, CM = cobertura média e IR = importância relativa) Carina Kozera & Ricardo Ribeiro Rodrigues 116 Figura 5 - Valores de importância relativa (IR) das dez primeiras espécies que se destacaram na amostragem fitossociológica da Floresta Ombrófila Densa do Morro Bento Alves (FR-freqüência relativa, CR-cobertura relativa). Meio Biológico - Floresta oMBróFila Densa suBMontana: Florística e estrutura Do estratoinFerior 117 Discussão O elevado número de espécies registradas no levantamento florístico demonstra a importância do estrato herbáceo-arbustivo na diversidade de áreas de Floresta Ombrófila Densa. As espécies contribuem significativamente para a riqueza específica dessas florestas. Na área estudada, o número total de espécies registradas no levantamento florístico foi aproximadamente duas vezes maior do que aquele registrado no levantamento fitossociológico. Isso ocorreu por causa da diversidade de ambientes presentes na área (rochas expostas no interior e nas margens do córrego rio Grande, encostas mais ou menos íngremes expostas a diferentes taxas de incidência luminosa, clareiras naturais, barrancos com declives moderados a acentuados e áreas próximas a nascentes), que foram explorados durante o período em que foi realizado o estudo florístico. Para a análise da estrutura fitossociológica foram selecionados apenas alguns trechos dentro da área com características similares, relacionadas principalmente a declividade e a fisionomia da vegetação, e aí instaladas as parcelas. Essa seleção limitou a inclusão de espécies, o que resultou na diferença entre o número de espécies registradas no estudo florístico e no fitossociológico. A riqueza registrada na área do MBA demonstra a capacidade das espécies herbáceas em ocupar e se adaptar à heterogeneidade de ambientes observados nos sub-bosques de áreas de Floresta Ombrófila Densa. As espécies herbáceas e arbustivas apresentam adaptações de sobrevivência que refletem as condições ambientais em que ocorrem, atuando dessa forma como agentes indicadores da qualidade desse meio (Richards 1952). As 12 formas biológicas registradas neste trabalho podem ser citadas como um exemplo para ilustrar como essas espécies buscam otimizar o sub-bosque florestal, ocupando os diferentes ambientes e adaptando-se às condições físicas do meio. Quanto aos diferentes estádios serais da vegetação presentes no MBA, são resultantes da suspensão da atividade agrícola que foi praticada nas suas encostas em décadas passadas (cerca de 50 anos) (Figueiredo 1954, Paraná 1996). O sistema de cultivo da época utilizava o fogo para a abertura das clareiras, nas quais posteriormente instalavam-se os cultivos. Com isso, os estádios serais intermediários a avançados que puderam ser observados no morro provavelmente são resultantes da recuperação dos trechos da floresta que foram utilizados para os plantios, ou podem ter surgido da ação indireta da prática agrícola. Carina Kozera & Ricardo Ribeiro Rodrigues 118 Em áreas com Sistemas Secundários de vegetação, a esparsa cobertura dos estratos superiores permite a entrada de maior luminosidade, favorecendo o desenvolvimento de espécies herbáceas e arbustivas (Diesel & Siqueira 1991), bem como arbóreas dos estratos superiores em processo de regeneração natural. Estas, em especial, durante a fase inicial de crescimento, na qual encontram- se presentes no compartimento inferior, ocupam um espaço entre as espécies do estrato herbáceo, competindo temporariamente com elas pelos recursos do meio (Dorneles 1996). Nessas situações, por exemplo, se a competição for acirrada, poderão ocorrer alterações na composição do estrato inferior, como o empobrecimento de espécies da sinúsia herbácea (Janzen 1977). Além disso, a maior entrada de luminosidade na floresta pode interferir na distribuição de uma espécie ou conjunto destas (Bernacci 1992), ou no seu processo de crescimento (Poulsen & Pendry 1995). No MBA, essa característica pôde ser observada em indivíduos de Parodiolyra micrantha (Poaceae). A espécie apresentava morfologia das estruturas vegetativas diferente em locais sombreados e mais iluminados. Em locais sombreados, como o interior da floresta, apresentava altura igual ou inferior a 1 m, folhas estreitas e distribuía-se de forma esparsa. Já em locais mais iluminados, bordas e clareiras da floresta, encontrava-se presente em elevado número de indivíduos com altura superior a 1 m e com folhas mais largas e compridas, quando comparadas àquelas de indivíduos de locais sombreados. Outro aspecto relacionado à luminosidade em áreas florestais refere-se à chegada de luz nas diferentes alturas do estrato inferior, indicando com isso a existência de um gradiente luminoso no estrato herbáceo em virtude das inúmeras barreiras que são transpostas pelos raios luminosos e que aumentam a difusão e a reflexão (Zickel 1995). Provavelmente representa outro fator de alteração da diversidade nesse estrato. Situação contrária a esta representam as clareiras naturais. Nesses locais não existem barreiras a serem transpostas pelos raios luminosos, que incidem diretamente sobre o estrato inferior. A colonização das clareiras reflete a heterogeneidade florística da comunidade associada às condições fisiográficas locais. Sua contribuição à riqueza da comunidade está relacionada, entre outros aspectos, ao número de espécies que dependem desses sítios para obter uma regeneração satisfatória (Tabarelli & Mantovani 1997). Na área foram observadas clareiras naturais formadas pela queda de indivíduos arbóreos do estrato superior, encontrando-se algumas destas em processo de colonização enquanto outras foram formadas recentemente. Meio Biológico - Floresta oMBróFila Densa suBMontana: Florística e estrutura Do estrato inFerior 119 Além das clareiras, fatores bióticos como competição, predação e parasitismo e abióticos, como tipos de solo e grau de umidade, também representam fatores que podem contribuir para a diversidade da comunidade herbácea do estrato inferior de florestas tropicais (Dirzo et al. 1992). Quanto ao estudo fitossociológico, no MBA a maioria das espécies amostradas foram representadas por indivíduos com pequena altura e geralmente em estádio juvenil. Dentre os indivíduos amostrados destacaram-se aqueles pertencentes às espécies de trepadeiras e hemiepífitas secundárias. Apesar de ocuparem, quando adultos, os estratos médio e superiores da floresta, contribuíram de maneira significativa para a cobertura vegetal do estrato herbáceo-arbustivo. Durante o estádio inicial de desenvolvimento em que se encontram sobre o solo, juntamente com as espécies herbáceas e arbustivas, características desse estrato, os indivíduos jovens das espécies arbóreas em regeneração natural crescem em várias direções até encontrar um forófito. A partir daí, passam a ocupar os demais estratos da floresta, podendo, posteriormente, florescer (Magnoliophyta) ou produzir folhas férteis (Pteridophyta). Na área amostrada, três espécies hemiepífitas secundárias destacaram-se entre as dez mais importantes (Monstera adansonii, Anthurium pentaphyllum e Polybotrya cylindrica), contribuindo juntas com cerca de 19% do valor total de importância relativa. A inclusão dessas formas biológicas em amostragens fitossociológicas também foi opção de Poulsen & Balslev (1991), Poulsen & Pendry (1995) e Poulsen (1996), em trabalhos realizados com o estrato herbáceo em áreas de floresta tropical. Esses autores registraram 96, 121 e 92 espécies de plantas vasculares, respectivamente, em áreas amostrais com cerca de 1 ha. Quanto às pteridófitas, com exceção de Cyathea corcovadensis, espécie mais importante da amostragem, as demais amostradas tiveram pouco destaque em termos fisionômicos no sub-bosque florestal. Esse compartimento encontrou-se representado principalmente por espécies herbáceas e arbustivas de Magnoliophyta e plântulas e indivíduos jovens das espécies arbustivas e arbóreas dos estratos superiores da floresta. Em outra área de Floresta Ombrófila Densa localizada no estado do Paraná, na qual o estrato herbáceo-arbustivo foi estudado (Kozera 2001), os resultados obtidos com relação à participação de Pteridophytae demais espécies na estrutura e fisionomia da floresta foram diferentes. Nessa localidade, as espécies de Pteridophyta apresentaram 62,26% de cobertura relativa, o dobro do valor registrado na área do MBA. Dentre as dez espécies mais importantes nessa área, oito foram Pteridophyta. Provavelmente as diferentes condições ambientais Carina Kozera & Ricardo Ribeiro Rodrigues 120 representam um dos fatores condicionantes das diferenças florísticas observadas entre as áreas citadas. É importante destacar que as espécies herbáceas e as arbustivas, características do interior da floresta, constituem apenas uma parte da comunidade, que é, na verdade, formada por um conjunto de espécies com diferentes formas biológicas que dela participam e que contribuem para a cobertura com diferentes proporções (Gentry & Emmons 1987, Citadini-Zanette 1989, Poulsen & Balslev 1991). Referências ANDRADE, P.M. 1992. Estrutura do estrato herbáceo de trechos da Reserva Biológica Mata do Jambreiro, Nova Lima, Minas Gerais. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. BERNACCI, L.C. 1992. 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São, no entanto, indubitavelmente responsáveis por grande parte da diversidade das florestas tropicais, chegando a representar mais de 50% de suas espécies vegetais (Madison 1977, Gentry & Dodson 1987, Kersten & Silva no prelo). A estratificação vertical em florestas tropicais está intimamente relacionada à grande variação ambiental na coluna vegetal. Essa variação é de tal forma significante que influencia a distribuição vertical de espécies de pássaros, mamíferos e insetos, sendo algumas espécies exclusivas do dossel (Nadkarni 1981, Longino & Nadkarni 1990, Mestre et al. 2001). Possivelmente, boa parte da estratificação existente pode ser atribuída às variações microclimáticas existentes na floresta (Parker 1995). Fatores como temperatura, umidade, incidência de luz, composição do espectro e polarização dos raios, além dos ventos, são importantes para a flora epifítica (Benzing 1995). Além disso, Hietz & Hietz-Seifert (1995) e Yeaton & Gladstone (1982) relataram interações intra e interespecíficas que desviaram as freqüências de ocorrências das epífitas do esperado. Muitas características dos troncos e das copas, incluindo forma, textura e tamanho das Rodrigo de Andrade Kersten & Sandro Menezes Silva 126 folhas, ramificação dos galhos, altura, rugosidade do caule e densidade do dossel, afetam a retenção e redistribuição do total da precipitação (Parker 1995). Poucos estudos sobre epífitas vasculares foram realizados no Brasil, sendo a grande maioria no sul e sudeste do país. A exceção é o estudo realizado na região amazônica (Gottsberger & Morawetz 1993), que incluiu liquens e briófitas. Paraná e Rio Grande do Sul são, sem dúvida, os estados mais bem descritos segundo o componente epifítico vascular, acomodando cerca de 70% dos trabalhos considerados. Na Floresta Ombrófila Mista destacam-se os levantamentos qualitativos executados por Cervi & Dombrowski (1985), Cervi et al. (1988), Dittrich et al. (1999) e Borgo (2002), todos na região de Curitiba, PR, e Kersten & Silva (2002), em uma área do município de Araucária. Em floresta estacional podem ser mencionados os trabalhos de Pinto et al. (1995) e Dislich & Mantovani (1998) no estado de São Paulo, Waechter (1998) e Aguiar et al. (1981) no Rio Grande do Sul, e Borgo et al. (2002) no Paraná. Na Floresta Ombrófila Densa e formações associadas podem ser mencionados os trabalhos de Fontoura (1995) e Fontoura et al. (1997) no Rio de Janeiro; Fischer & Araújo (1995), Piliackas et al. (2000) e Mamede et al. (2001) no estado de São Paulo; Waechter (1980, 1986, 1992) e Gonsalves & Waechter (2002) na planície costeira do Rio Grande do Sul. Em Santa Catarina foi realizado apenas o levantamento de Labiak & Prado (1998) com pteridófitas epífitas. No Paraná, fora da Ilha do Mel são observados os estudos, ainda não publicados, de Schütz-Gatti (2000) e Petean (2002). Na Ilha podem ser citados os trabalhos de Dittrich (1999), Kersten (2001) e Kersten & Silva (2001). Este estudo teve por objetivo analisar comparativamente o componente epifítico vascular de diferentes formações florestais e arbustivas da planície litorânea da Ilha do Mel nos aspectos florístico e estrutural. Material e métodos Áreas de estudo: Das diferentes formações florestais e arbustivas existentes na planície litorânea (Silva & Britez, neste volume), foram escolhidas duas formações florestais (florestas) localizadas na Estação Ecológica da Ilha do Mel e duas arbustivas (fruticetos) no Parque Estadual da Ilha do Mel para o estudo das epífitas (ver localizações das áreas em Britez & Marques e Athayde & Britez, neste volume), assim denominadas: Floresta não inundável (FL.N), Meio Biológico - Florística e estrutura de coMunidades de epíFitas vasculares... 127 Floresta periodicamente inundável (FL.P), Fruticeto fechado não inundável (FR.F) e Fruticeto aberto não inundável (FR.A). Nesses locais, Silva realizou estudo fitossociológico do estrato arbustivo-arbóreo, em áreas de 0,3 ha e 0,2 ha, nas florestas e fruticetos, respectivamente. Partes das informações das epífitas dessas áreas aqui apresentadas foram retiradas de Kersten & Silva (2001) e Kersten (2001). Foram também utilizadas informações dos trabalhos de iniciação científica de Cláudia Giongo e Miriam Kaehler, que trabalharam, respectivamente, com as famílias Orchidaceae e Bromeliaceae em uma área de Floresta permanentemente inundada (caxetal-guanandizal). Levantamento florístico: O levantamento de espécies de hábito epifítico foi realizado por meio de coletas sistematizadas e intensivas nas diferentes áreas de estudo acima citadas, bem como por incursões periódicas entre 1986 e 2002, sendo coletadas todas as espécies observadas em diversas áreas da planície e ao longo de trilhas. Foram ainda levantadas informações dos herbários MBM e UPCB. O material coletado foi herborizado conforme os procedimentos usuais em trabalhos de levantamento florístico, e depositado no Herbário do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Paraná (UPCB). Espécies não reconhecidas em campo foram coletadas quando férteis ou identificadas como morfoespécies, até que fosse possível sua coleta e determinação específica. Os nomes e autores das espécies foram verificados no W3TROPICOS (http://www.mobot.org) ou no International Plant Name Index - IPNI - (http://www.ipni.org), quando o nome não era encontrado no primeiro. As espécies amostradas foram classificadas em seis categorias ecológicas, de acordo com sua relação com o forófito, a saber: 1) holoepífito obrigatório: sempre nasce e cresce sobre outros vegetais; 2) holoepífito preferencial: preferencialmente cresce sobre outros vegetais, mas casualmente é encontrado como terrícola ou rupícola; 3) holoepífito facultativo: em uma mesma comunidade pode crescer tanto como epífito quanto como terrícola; 4) holoepífito acidental: geralmente terrícola ou rupícola, mas casualmente pode desenvolver-se como epífito; 5) hemiepífito primário: nasce sobre outros vegetais e posteriormente estabelece contato com o solo; 6) hemiepífito secundário: germina no solo e, ao estabelecer contato com um forófito, degenera a porção basal do sistema radicial/caulinar. Levantamento Quantitativo: Em cada floresta (FL.N e FL.P) foram sorteados 100 indivíduos arbóreos, com no mínimo 30 cm de perímetro a 1,3 m de altura do solo. Foi utilizado o sistema proposto por Waechter (1992) de divisão vertical do forófito em intervalos (2 m), a partir da superfície do solo, denominados Rodrigo de Andrade Kersten & Sandro Menezes Silva 128 “estratos”, nos quais foram registradas todas as espécies epifíticasocorrentes. Indivíduos epifíticos muito jovens, cuja identificação é praticamente impossível, não foram considerados. Foram calculadas as freqüências absoluta e relativa nos estratos (FAe e FRe), sobre os forófitos (FAf e FRf), e sobre as espécies forofíticas (FAs e FRs) segundo as fórmulas: FAe = 100(ne/na) e FRe = 100(ne/∑ne), onde ne = número de estratos com ocorrência da espécie epifítica; na = número total de estratos amostrados; FAf = 100(nf/af) e FRf = 100(nf/∑nf), onde nf = número de forófitos com ocorrência da espécie epifítica; af = número total de forófitos amostrados; FAs = 100(ns/as) e FRs = 100(ns/∑ns), onde ns = número de espécies forofíticas com ocorrência da espécie epifítica, e as= número total de espécies forofíticas. No cálculo do valor de importância epifítica (VIE) foi utilizada a média aritmética das três freqüências relativas estimadas. A partir dos dados de ocorrência das espécies sobre os indivíduos forofíticos foi calculado o índice de diversidade de Shannon (H’), também com base em Waechter (1998). Nos fruticetos (FR.F e FR.A), foram amostrados todos os indivíduos arbustivos e arbóreos com perímetro na base (PB) igual ou superior a 30cm, sendo anotados para cada um a sua altura total e espécie. Foram estimadas apenas as freqüências sobre os forófitos, e sobre as espécies forofíticas, não sendo considerada a estratificação. Tanto nas florestas quanto nos fruticetos o valor de importância epifítica (VIE) foi calculado utilizando-se a média aritmética das freqüências relativas. A partir dos dados de ocorrência das espécies sobre os indivíduos forofíticos, foi calculado o índice de diversidade de Shannon (H’), com base nas freqüências sobre os indivíduos forofíticos, como estabelecido por Waechter (1992). Resultados Florística: Foram observadas ao todo 188 espécies epifíticas, distribuídas em 26 famílias e 75 gêneros em toda a planície litorânea da Ilha do Mel. As pteridófitas contribuíram com 11 famílias, 20 gêneros e 49 espécies. Entre as magnoliófitas ocorreram quatro famílias, 42 gêneros e 112 espécies de Liliopsida e 11 famílias, 13 gêneros e 27 espécies de Magnoliopsida (Tabela 1). Nas florestas foram observadas 119 espécies, sendo 77 na Floresta não inundável (FL.N) e 103 na Floresta periodicamente inundável (FL.P). Nos fruticetos foram levantadas 34 espécies, sendo 31 no Fruticeto fechado não inundável (FR.F) e 15 Meio Biológico - Florística e estrutura de coMunidades de epíFitas vasculares... 129 no Fruticeto aberto não inundável (FR.A), além de 65 espécies coletadas em locais diversos. Onze espécies foram observadas em todas as 4 formações analisadas: Aechmea nudicaulis, Anthurium itanhense, Cattleya forbesii, Codonanthe gracilis, Epidendrum latilabre, Epidendrum rigidum, Microgramma vacciniifolia, Peperomia glabella, Polypodium catharinae, Rumohra adiantiformis e Vriesea procera. Em termos de riqueza florística, destacaram-se as famílias Orchidaceae (74 espécies e 28 gêneros), Bromeliaceae (30 espécies e oito gêneros), Polypodiaceae (15 espécies e seis gêneros,), Hymenophyllaceae (11 espécies e dois gêneros) e Araceae e Piperaceae (ambas com sete espécies). Orchidaceae e Bromeliaceae são a duas mais ricas também em todas as formações. Vriesea (Bromeliaceae) foi o gênero mais rico, com 17 espécies, seguido por Maxillaria (Orchidaceae), com 12 espécies, Pleurothallis (Orchidaceae), com oito espécies, Peperomia (Piperaceae) e Trichomanes (Hymenophyllaceae), com sete espécies, e Elaphoglossum (Lomariopsidaceae), Epidendrum e Stelis (Orchidaceae), com seis espécies. Nas florestas, Vriesea e Maxillaria aparecem novamente como os gêneros mais ricos, destacando-se ainda Prostechea e Epidendrum. Nos Fruticetos destacaram-se Vriesea e Epidendrum. A distribuição das espécies epifíticas registradas na área, de acordo com as categorias ecológicas de relação com o forófito, evidenciou o predomínio de holoepífitas características (72% do total de espécies), seguidas pelas holoepífitas facultativas (11%), acidentais (10%), e as hemiepífitas (8%), sendo 3% hemiepífitas facultativas. Nas formações florestais (total de 119 espécies), 72% são epífitas características, 10% são facultativas, 10% são hemiepífitas e 8% são acidentais. Nas formações arbustivas (34 espécies), 53% das espécies são epífitas características, 26% são facultativas, 12% hemiepífitas e 9% acidentais. A análise de similaridade (IJ) entre as áreas mostrou que as florestas são mais similares entre si e os fruticetos são mais similares entre si. Entre o fruticeto fechado e as florestas, os índices ficaram próximos a IJ= 0,25, e entre o fruticeto aberto e as florestas os índices ficaram abaixo de IJ= 0,18; nos dois casos os fruticetos foram um pouco mais semelhantes à Floresta não inundável do que à periodicamente inundável (Tabela 2). Rodrigo de Andrade Kersten & Sandro Menezes Silva 130 Tabela 1 - Relação de espécies epifíticas vasculares registradas no levantamento florístico, com respectivas categorias ecológicas e local de ocorrência. Cat. (categorias de relação com o forófito): HLA: holoepífito acidental; HLC: holoepífito característico; HLF: holoepífito facultativo; HMP: hemiepífito primário; HMS: hemiepífito secundário. Local de ocorrência: FL.N: Floresta não inundável; FL.P: Floresta periodicamente inundável; FR.F: Fruticeto fechado não inundável; FR.A: Fruticeto aberto não inundável. Número de espécies na família não indicado quando igual a um. Meio Biológico - Florística e estrutura de coMunidades de epíFitas vasculares... 131 Rodrigo de Andrade Kersten & Sandro Menezes Silva 132 Meio Biológico - Florística e estrutura de coMunidades de epíFitas vasculares... 133 Tabela 2 - Comparação (índice de Jaccard) entre as quatro áreas analisadas na Ilha do Mel. (N= Número de espécies, FL.N= Foresta não inundável, FL.P= Floresta periodicamente inundável, FR.A= Fruticeto aberto não inundável, FR.F= Fruticeto fechado no inundável) Rodrigo de Andrade Kersten & Sandro Menezes Silva 134 Quantificação: No levantamento quantitativo foram amostradas 414 árvores, dentre as quais foram observadas 108 espécies, 51 gêneros e 20 famílias. Microgramma vacciniifolia (Polypodiaceae) destacou-se como a espécie mais importante em todas as formações (Tabela 3), obtendo valores de importância epifítica (VIE) 15,2 e 18 nos fruticetos (FR.F e FR.A, respectivamente) e 11,1 e 12,5 nas florestas (FL.N e FL.P, respectivamente). Ocorreu em 92% dos forófitos nos fruticetos e na floresta não inundável, e em 74% na floresta periodicamente inundável. Como segunda em importância, as formações apresentaram espécies diferentes, sendo Vriesea procera na FL.P, Aechmea nudicaulis na FL.N e no FR.A e Codonanthe gracilis na FL.N. Fora M. vacciniifolia, três outras espécies enquadraram-se entre as 10 mais importantes nas quatro formações: Codonanthe gracilis, Epidendrum latilabre e Aechmea nudicaulis. Duas outras espécies estiveram entre as mais importantes em três formações: Vriesea procera (FL.N, FL.P e FR.A) e Epidendrum rigidum (FL.N, FR.F e FR.A). Três espécies estiveram ainda entre as 10 principais nos fruticetos: Peperomia glabela, Anthurium itanhense e Vanilla chamissonis. Todas as outras espécies apareceram entre as mais importantes em apenas uma localidade. O número de espécies abundantes (observadas em mais de 50% dos forófitos) variou bastante entre as formações, sendo maior nos fruticetos (27% no FR.A e 13% no FR.F) e menor nas florestas (6% na FL.N), sendo que na FL.P apenas uma espécie (M. vacciniifolia) apresentou esse grau de colonização. No outro extremo, 68% das espécies (em média) ocorreram em menos de 10% dos forófitos, podendo ser consideradas raras. O Fruticeto aberto não inundável apresentou a menor proporção de espécies raras (46%), seguido pela Floresta não inundável(62%) e pelo Fruticeto fechado não inundável (67). A Floresta não inundável apresentou a maior proporção de espécies raras (76%). Considerando os 10 gêneros mais importantes de cada formação (Tabela 4), quatro aparecem nas quatro florestas: Aechmea, Codonanthe, Pleurothallis e Microgramma. Quanto às famílias, Orchidaceae destacou-se como a mais importante em todas as formações, apresentando VIEt de 50% na FR.F e VIEt próximo de 27% nas demais formações. Polypodiaceae e Bromeliaceae alternam- se como segunda e terceira mais importantes. Destacam-se ainda Gesneriaceae, Piperaceae e Aracea entre as cinco mais importantes das formações. Meio Biológico - Florística e estrutura de coMunidades de epíFitas vasculares... 135 Tabela 3 - Principais espécies encontradas nos levantamentos quantitativos das formações estudadas, classificadas segundo o VIE (FL.P= Floresta periodicamente inundável, FL.N= Floresta não inundável, FR.F= Fruticeto fechado não inundável, FR.A= Fruticeto aberto não inundável, ne= número absoluto de ocorrências, FAe= freqüência absoluta nos estratos, FRe= freqüência relativa nos estratos, FAf= freqüência absoluta nos indivíduos forofíticos, FRf= freqüência relativa nos indivíduos forofíticos, FAs= freqüência absoluta nas espécies forofíticas, FRs= freqüência relativa nas espécies forofíticas, VIE= valor de importância epifítico – FL.N: dados completos publicados em Kersten & Silva 2001; FL.P: dados completos publicados em Kersten 2001) Rodrigo de Andrade Kersten & Sandro Menezes Silva 136 Discussão A riqueza florística da Ilha do Mel, quando comparada com outras do Brasil, é bastante elevada (Tabela 5), sendo menor somente em relação à de Macaé, no Rio de Janeiro (Fontoura 1997). Tal estudo, no entanto, considerou a área integral da Reserva Ecológica de Macaé de Cima, com área equivalente a 7.200 ha e inserida em um trecho da Serra-do-Mar com altitude variando Tabela 4 - Principais gêneros amostrados e sua importância nas formações estudada, classificados segundo o valor de importância (FL.P= Floresta periodicamente inundável, FL.N= Floresta não inundável, FR.F= Fruticeto fechado, FR.A = Fruticeto aberto, VIE = valor de importância epifítico). entre 900 e 1700 m. Dessa forma, o clima mais quente e a maior pluviosidade proporcionam ambiente mais próximo do ideal para a flora epifítica; a variação altitudinal proporciona uma variedade de nichos e ambientes que justificam o enorme número de espécies observado (306). É necessário, no entanto, frisar que nem todas as formações florestais da Ilha do Mel foram metodicamente analisadas. A Floresta permanentemente inundada e os morros não receberam tratamento compatível com a flora epifítica. Além disso, as quatro áreas com levantamento quantitativo consideradas somam apenas 1 ha (0,6 de florestas e 0,4 de fruticetos). A existência de 63 espécies encontradas em outras localidades sem que nenhum levantamento sistemático tivesse sido realizado é um indício de que ainda existe muito trabalho a ser realizado. Assim, o número de espécies Meio Biológico - Florística e estrutura de coMunidades de epíFitas vasculares... 137 existentes deve superar o número aqui apresentado em pelo menos 20 ou 30%, atingindo possivelmente a marca de 250 espécies. O número de famílias epifíticas é também bastante elevado, igualando- se ao observado em Guaraqueçaba e superando Macaé de Cima, que apresenta 65% mais espécies que essas duas localidades. O número de gêneros é também bastante elevado, sendo bem maior que em áreas similares (Torres). A dominância florística das famílias Orchidaceae, Bromeliaceae e Polypodiaceae (60% das espécies) vem sendo observada em diversos estudos dessa natureza, tanto no Brasil (Cervi & Dombrowski 1985, Cervi et al. 1988, Waechter 1986, 1992, 1998, Dislich & Mantovani 1998, Dittrich et al. 1999) como na região neotropical (Sudgen & Robins 1979, Kelly 1985, Freiberg 1996, Olmsted & Juárez 1996, Fontoura et al. 1997, Engwald et al. 2000). Sínteses sobre a composição taxonômica de epífitas vasculares nos trópicos (Madison 1977, Kress 1986, Gentry & Dodson 1987, Benzing 1990) também apontam essas famílias como as mais importantes. Somadas a elas, ainda outras famílias são freqüentemente observadas como importantes em trabalhos nessa região, como Araceae (Fontoura et al. 1997, Engwald et al. 2000) ou Piperaceae (Nadkarni 1986). Essas seis famílias podem ser consideradas como características das comunidades epifíticas neotropicais, Tabela 5 - Características florísticas em estudos de epífitas vasculares realizados em região litorânea no Brasil, classificadas segundo latitude norte-sul (FAM= número de famílias, GEN= número de gêneros, SPP= número de espécies observadas, FORM= formação em que o estudo foi realizado: FOD= Floresta Ombrófila Densa, MGE= Manguezal, RES= Restinga) Rodrigo de Andrade Kersten & Sandro Menezes Silva 138 figurando sempre entre as mais abundantes, embora nem sempre na ordem aqui estabelecida. A exceção é feita por Hymenophyllaceae, que, apesar de estar entre as mais representativas em termos de número de espécies na Ilha do Mel, não tem se destacado em estudos dessa natureza. A presença de Vriesea (Bromeliaceae, 17 espécies) como gênero mais rico não deixa de ser esperada, pois esse gênero figurou entre os dois mais numerosos em todas as formações analisadas na Ilha do Mel, além de figurar entre os quatro mais ricos em todas as formações sob influência atlântica no Brasil (Waechter 1986, 1992, 1998, Fontoura et al. 1997, Schutz-Gatti 2000, Piliakas et al. 2000, Kersten & Silva 2001), à exceção de Taim (Waechter 1992), a área mais setentrional dentre as analisadas. No entanto, surpreende por apresentar o mesmo número de espécies de Macaé (Fontoura et al. 1997), pois o Rio de Janeiro, estado no qual o parque se localiza, é considerado (Smith 1962) centro de dispersão desse gênero. Dessa forma, deveria ser a área clímax com maior número de espécies, ocorrendo diminuição da riqueza com o aumento da distância. De qualquer forma, o grande número de espécies desse gênero é apenas mais um indicativo da importância ecológica da comunidade epifítica, pois sabidamente apresentam grande interação com animais, servindo como alimento para pássaros e contribuindo para a manutenção da biodiversidade deste grupo (Nadkarni & Matelson 1989), como criadouro de larvas de insetos (Reitz 1983) e girinos, e como abrigo para diversos taxa de invertebrados (Mestre et al. 2001). Na amostragem quantitativa, foram representadas cerca de 58% do total de espécies, 68% dos gêneros e 74% das famílias, em relação ao levantamento qualitativo da área como um todo. Se consideradas apenas as espécies observadas nas áreas onde foram realizados levantamentos quantitativos (descontadas as espécies observadas em “outros” Tabela 1), essas porcentagens sobem para 85% das espécies e 91% dos gêneros e famílias. Ao associarmos isso com o alto número de espécies raras e ao fato de que apenas quatro das 11 espécies observadas em todas as localidades estiveram também entre as mais importantes, verificamos que muitas das espécies, apesar de apresentarem distribuição ampla (alta diversidade beta), nem sempre são abundantes, ocorrendo pouco em cada local (baixa diversidade alfa). Observações semelhantes já haviam sido feitas por Kersten & Silva (2001, 2002) ao discorrerem sobre a importância das espécies “raras”, afirman-do serem elas parte importante do ecossistema. Além disso, a qualidade ambiental de um ecossistema é demonstrada pelo número de espécies (epifíticas) raras existentes e não pela dominância de poucas muito freqüentes. Meio Biológico - Florística e estrutura de coMunidades de epíFitas vasculares... 139 A espécie Microgramma vacciniifolia, mais importante nos quatro levantamentos quantitativos realizados,foi também registrada como a de maior VIE em Torres (Waechter 1992), em Tramandaí (Waechter 1998), em Terra do Areia (Gonsalves & Waechter 2002) destacando-se, ainda, (segunda espécie em VIE) em levantamento realizado na região do Taim (Waechter 1992), todas áreas da planície costeira do Rio Grande do Sul, além de figurar como terrícola no fruticeto fechado (Salino et al. neste volume). Ainda outra espécie do mesmo gênero (M. squamulosa) foi a mais importante em um levantamento em floresta ombrófila mista (Kersten & Silva 2002). Essa ampla e densa distribuição da espécie (ou do gênero Microgramma) mostra a grande maleabilidade da espécie e sua capacidade de se adaptar a diferentes condições ambientais, sejam elas causadas pela variação latitudinal entre Paraná e Rio Grande do Sul, pela variação de saturação hídrica existente entre as florestas e os fruticetos ou entre o chão e o dossel de uma mesma floresta. Dentre as demais espécies classificadas entre as mais importantes nas quatro localidades, Aechmea nudicaulis foi também observada (Salino et al. neste volume) como terrícola, ocorrendo deste as beiradas das praias até as florestas úmidas, sendo, como M. vacciniifolia, bastante plástica. Epidendrum latilabre é uma das Orchidaceae mais coletadas nos Herbários UPCB e MBM, e já foi encontrada (obs. pessoal) em diversas localidades do litoral bem como da Serra do Mar, nas formações montana e submontana, e Codonanthe gracilis é uma espécie ornitocórica, o que facilita sua dispersão em todos os ambientes da Ilha. A grande maioria das espécies listadas entre as mais importantes (60%), no entanto, foi observada em apenas uma localidade. Isso reforça a afirmação já feita de que nem sempre as espécies mais freqüentes têm também distribuição ampla. O ambiente dos fruticetos é, por suas características, mais inóspito para as epífitas. Pode-se considerar, portanto, que as espécies dominantes (Microgramma vacciniifolia, Aechmea nudicaulis, Peperomia glabella, Codonanthe gracilis, Epidendrum latilabre) em ambos comportam-se como pioneiras, colonizando ambientes impróprios para a maioria da flora epifítica. Observações pessoais e de outros pesquisadores (Gonsalves & Waechter 2002) indicam que, ao menos para três delas (M. vacciniifolia, A. nudicaulis e E. latilabre), isso pode ser considerado como fato. Quanto aos índices de similaridade entre as áreas da Ilha do Mel, foi observado exatamente o esperado: os fruticetos foram mais similares entre si, assim como as florestas. No entanto, a similaridade entre os fruticetos e entre estes Rodrigo de Andrade Kersten & Sandro Menezes Silva 140 e as florestas foi relativamente baixa, fato que pode ser explicado pelo pequeno número de espécies nos primeiros. É interessante notar a maior similaridade de ambos os fruticetos com a floresta não inundável. Apesar de pequena, a diferença pode indicar que a disponibilidade de água nos ambientes é um fator importante no estabelecimento da comunidade epifítica. A comunidade de epífitas vasculares da Ilha do Mel é bastante rica, apresentando comunidades diferenciadas ao longo de sua planície, o que contribui para a grande diversidade observada. As orquídeas, como observado em diversos trabalhos, são a família mais rica, seguida de perto pelas bromélias. As Vriesea, gênero mais rico, desempenha também importante função ecológica na manutenção da biodiversidade da fauna. Como em quase a unanimidade dos trabalhos sobre epífitas vasculares, uma espécie do gênero Microgramma aparece como mais importante quantitativamente e as Orchidacecae são responsáveis pela maior parte do valor de importância total. Esses resultados demonstram a importância da existência das unidades de conservação e devem servir como estímulo tanto à criação de novas reservas como ao aprofundamento dos estudos nas já existentes. Além disso, mostram a grande contribuição das epífitas vasculares para as comunidades vegetais e a manutenção da biodiversidade em ecossistemas tropicais. Referências AGUIAR, L.W. et al. 1981. Composição florística de epífitos vasculares numa área localizada nos municípios de Montenegro e Triunfo, Rio Grande do Sul, Brasil. Revista Iheringia, Série Botânica, 28:55-93. BENNET, B.C. 1986. Patchness, diversity, and abundance relationships of vascular ephiphytes. Selbyana, 9:70-75. BENZING, D.H. 1995. The physical mosaic and plant variety in forest canopies. Selbyana, 16:159-168. BENZING, D.H. 1990. Vascular epiphytes. Cambridge University Press, Cambridge. BORGO, M., SILVA, S.M. & PETEAN, M. 2002. Epífitos vasculares em um remanescente de floresta estacional semidecidual, município de Fênix, PR, Brasil. Acta Biológica Leopoldensia, 24:121-130. BORGO, M. 2002. As comunidades de epífitos vasculares em fragmentos florestais no município de Curitiba, Paraná, Brasil. 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Para a ecologia vegetal é importante a produtividade primária, ou seja, a quantidade de matéria orgânica produzida pela cobertura vegetal por unidades de área e tempo (Odum 1988). Os fatores mais importantes para o controle da produtividade são energia, água e nutrientes, sendo o último o mais limitante nos trópicos úmidos (Jordan 1985). Os nutrientes são os elementos químicos a partir dos quais a matéria viva é formada, sendo obtidos do solo, da água e da atmosfera. A planta verde absorve esses elementos, principalmente, do solo pela raiz, e eles são então translocados através da planta e incorporados em seus tecidos. Quando a planta ou parte dela morre, inicia-se a decomposição do material orgânico e os elementos minerais nelas contidos são devolvidos ao solo, tornando-se novamente disponíveis (Golley et al. 1978). Na floresta tropical, contribuindo para a redução da perda de nutrientes, grande parte dos minerais está fixada na madeira (troncos, galhos e raízes) e Ricardo Miranda de Britez et al. 146 move-se lentamente pelo sistema. A outra parte, com uma massa menor, recicla- se rapidamente pela deposição de material vegetal no solo (serapilheira). Esse material, ao decompor-se, ao mesmo tempo em que disponibiliza nutrientes para o crescimento das plantas, também é suscetível a perdas pela lixiviação no solo, principalmente quando há um desequilíbrio no ecossistema por causas antrópicas ou naturais (Golley et al. 1978). Este trabalho é uma síntese de pesquisas relativas à ciclagem de nutrientes na planície litorânea da Ilha do Mel, realizadas no período entre 1991 e 2000. Os principais aspectos estudados são relativos à deposição e composição química da serapilheira e à entrada de nutrientes via água da chuva. Os estudos foram realizados em áreas de planície com diferentes características ambientais. Metodologia Foram analisados três sítios amostrais, representando situações distintas da ocorrência da floresta dos cordões litorâneos da planície da Ilha do Mel. O primeiro situa-se na planície arenosa na Praia Grande (sítio 1), porção sul da Ilha, paralelo à linha da praia, na vertente interna das dunas eólicas do primeirocordão, denominado como “Fruticeto fechado não inundável”, influenciado diretamente pelos ventos predominantes, na direção mar-terra (Silva & Britez, neste volume). O segundo e o terceiro estão localizados na Estação Ecológica da Ilha do Mel, na porção central da ilha, sendo denominados de “Floresta fechada não inundável” (sítio 2), localizada na parte mais elevada, e portanto mais seca, dos cordões litorâneos, e “Floresta fechada periodicamente inundável” (sítio 3), desenvolvendo-se nas depressões dos cordões litorâneos, onde freqüentemente há o afloramento do lençol freático, sendo estas duas fisionomias das mais expressivas na planície litorânea da Ilha (Silva & Britez, neste volume). Para a estimativa da quantidade de serapilheira produzida foram realizadas coletas mensais, no sítio 1, durante o período de agosto de 1996 a julho de 1997 (12 coletas), utilizando-se 40 caixas de fibra de vidro com tela de náilon de 2 mm2, medindo 50 X 50 cm, com altura de 15 cm. Nos sítios 2 e 3, a amostragem foi de junho de 1991 a julho de 1993 (25 coletas), com 15 coletores circulares com 1 m2 de recepção, em cada formação estudada. Estes foram amarrados às árvores a uma altura de 1 m do solo. Nos três sítios, os coletores foram alocados nas parcelas amostrais do estudo fitossociológico realizado por Silva (1998). Meio Biológico - ciclageM de nutrientes na planície costeira 147 A serapilheira recolhida mensalmente foi triada em quatro frações: folhas, ramos (a qual inclui todos os fragmentos lenhosos com eixo central de diâmetro até 2 cm), órgãos reprodutivos (flores, frutos e sementes) e miscelânea (todo o material que não se enquadrava nas demais frações). O material foi colocado em sacos de papel e levado à estufa 70°C (até a obtenção de peso constante), pesados em balança eletrônica com precisão de 0,01g, sendo os valores transformados em kg.ha-1. Nos sítios 2 e 3 também foi avaliada a entrada de nutrientes por meio da chuva. A água de precipitação que atravessa o dossel e goteja na superfície do solo (precipitação interna) foi captada quinzenalmente, por meio de 10 pluviômetros de polietileno em cada sítio de estudo. A amostragem foi feita durante o período de junho de 1991 a julho de 1993 (25 amostras). Os pluviômetros foram distribuídos aleatoriamente, por sorteio, nas parcelas em que estavam os coletores de serapilheira. A água de precipitação livre ou total foi coletada por cinco pluviômetros localizados em uma clareira próxima às áreas de amostragem. Todos os pluviômetros foram construídos com funil plástico com área de recepção de 120,7 cm2 (com tela na base), conectados a um recipiente plástico (5 litros) por uma mangueira fina. As leituras eram feitas quinzenalmente, medindo-se o volume de água existente no reservatório com uma proveta. Na quantificação da perda por interceptação, empregou-se a equação definida por Helvey & Patric (1965), citados por Franken et al. (1982): I = Pt - (Pi + Et), onde I = perda por interceptação, Pt = precipitação total, Pi = precipitação interna e Et = escorrimento pelo tronco. O termo Et foi desprezado, tendo em vista seu valor ser pouco significativo na equação (Franken et al. 1982). Para realização das análises químicas da serapilheira, amostras de dois meses (80 amostras) do sítio 1 foram agrupadas juntando-se um mesmo coletor de cada mês (40 amostras). Posteriormente sortearam-se oito coletores que também foram agrupados, totalizando 5 réplicas por bimestre para cada fração. Nos sítios 2 e 3 fez-se o mesmo procedimento, mas em vez de agruparem-se 8 coletores, juntaram-se 3 coletores. Os números dos coletores foram sorteados para cada bimestre para obtenção de uma maior aleatoriedade. As amostras foram moídas em moinho do tipo Willey e homogeneizadas, para serem realizadas as análises químicas. As análises de N, P, K, Ca, Mg, Fe, Mn, Cu, B e Zn, na serapilheira do sítio 1, foram realizadas de acordo com o método descrito por Malavolta et al. (1989), no laboratório de análise química de solo e planta da Universidade Federal Ricardo Miranda de Britez et al. 148 de São Carlos, em Araras, SP. Nos sítios 2 e 3, a metodologia de determinação foi a de Hildebrand (1976), sendo realizada no laboratório de nutrição de plantas do Departamento de Solos da Universidade Federal do Paraná. Os resultados obtidos foram expressos em g.100g-1 do peso seco para os macronutrientes, e µg.g-1 do peso seco para os micronutrientes e Al. Foram calculadas as quantidades de nutrientes depositados, resultado da multiplicação da quantidade de serapilheira depositada pelos teores de nutrientes de cada fração, expressos em kg.ha-1 (macronutrientes) e g. ha-1 (micronutrientes). Para a análise química de amostras de água foram feitas coletas quinzenais durante o ano de 1992. Em todos os recipientes foram colocados cristais de timol para impedir o desenvolvimento de microrganismos. Logo após a medida do volume de água captado em cada pluviômetro, a água dos dez pluviômetros de cada sítio foi misturada em um galão e retirada uma alíquota de 2 litros, à qual foi adicionado 1 ml de ácido clorídrico. Estas amostras foram reunidas para compor uma amostra mensal. O mesmo procedimento foi feito para os pluviômetros localizados fora da floresta. A água foi levada a laboratório e congelada. As análises foram realizadas pelos mesmos procedimentos descritos acima, segundo recomendações da APHA (1990). Resultados Nos sítios 2 e 3, nos quais realizou-se a amostragem durante 2 anos, a produção da serapilheira total foi maior cerca de 2,2% para a sítio 2, e 0,8% no sítio 3 no primeiro ano em relação ao segundo ano. A deposição anual de serapilheira foi maior no sítio 3, seguida do 2 e do 1 (Tabela 1). Tabela 1 - Deposição de serapilheira total e fracionada, e seus porcentuais em relação ao total de serapilheira depositada, nos três sítios estudados na Ilha do Mel, PR. Meio Biológico - ciclageM de nutrientes na planície costeira 149 Figura 1 - Deposição sazonal da serapilheira total e suas frações nos três sítios estudados na Ilha do Mel, PR. Ricardo Miranda de Britez et al. 150 Figura 2 - Teores médios de macronutrientes (N, P, K, Ca, Mg) da serapilheira nos três sítios estudados na Ilha do Mel, PR. Meio Biológico - ciclageM de nutrientes na planície costeira 151 Figura 3 - Teores médios anuais de micronutrientes (Fe, Mn, Cu, Zn, B) nas frações da serapilheira dos três sítios estudados na Ilha do Mel, PR. Ricardo Miranda de Britez et al. 152 Figura 4 - Deposição anual de macronutrientes (N, P. K, Ca, Mg) pelas frações da serapilheira nos três sítios estudados na Ilha do Mel, PR. Meio Biológico - ciclageM de nutrientes na planície costeira 153 Figura 5 - Deposição anual de micronutrientes (Fe, Mn, Cu, Zn, B) pelas frações da serapilheira nos três sítios estudados na Ilha do Mel, PR. Ricardo Miranda de Britez et al. 154 A sazonalidade da deposição de serapilheira é evidenciada na Figura 1. A serapilheira total, a de folhas e a miscelânea apresentaram os maiores picos de deposição no final da primavera e verão, diminuindo drasticamente no inverno. A fração ramos apresentou uma deposição bastante irregular, mas com uma tendência de diminuição nos meses de inverno. A fração reprodutiva deposita menores quantidades nos meses de julho, agosto, setembro e outubro. As médias anuais dos teores de nutrientes no sítio 3 diferiram apenas para o Mn, maior na fração folhas, e para o Zn, maior na fração miscelânea. Nos sítios 2 e 3, as folhas, seguidas pela fração miscelânea, apresentaram as maiores concentrações de Mg. Os elementos reprodutivos apresentaram os maiores valores de N, P e K, seguidos também pela fração miscelânea. A fração ramos apresentou os menores teores de macronutrientes, com exceção do Ca, que teveseu maior valor nesta fração (Figuras 2 e 3). Destacaram-se os teores mais elevados em todas as frações de P, Ca, Fe, Zn e B no sítio 1, quando comparados aos demais sítios. Em termos de quantidades anuais de nutrientes depositados (Figuras 4 e 5), observou-se a grande importância da fração folhas. A fração ramos, embora com uma biomassa depositada maior que as frações reprodutiva e miscelânea, apresentou uma maior representatividade nas quantidades depositadas de micronutrientes. Embora o sítio 1 tenha depositado uma quantidade menor de serapilheira, apresentou uma maior deposição de P, Ca, Fe, Zn e B. Na soma dos macronutrientes foram depositados, por hectare, 154,53 kg, 106,1 kg e 181,3 kg, e na dos micronutrientes, 2.216,4 g, 1.456,9 g e 2.267,7 g, nos sítios 1, 2 e 3, respectivamente. A deposição sazonal de macronutrientes foi mais intensa no verão para todos os sítios, acompanhando a curva de produção da serapilheira. Nos dois sítios estudados na Estação Ecológica quantificou-se uma precipitação de 1.802 mm e 2.262 mm durante o primeiro e segundo ano de amostragem, respectivamente. Os valores de precipitação para esse mesmo período, obtidos pela estação meteorológica de Paranaguá, foram de 2.260 mm e 2.232 mm (Britez 1994). A precipitação interna totalizou no primeiro ano 1.389,53 mm e 1.150,72 mm, e no segundo ano, 1.784,57 mm e 1.716,65 mm, nos sítios 2 e 3, respectivamente. Os porcentuais mensais de interceptação apontam valores maiores para o sítio 3, principalmente no primeiro ano, quando a média anual chegou a 36%, enquanto no sítio 2 esse porcentual foi de 23%. Já no segundo ano, a diferença Meio Biológico - ciclageM de nutrientes na planície costeira 155 Figura 6 - Quantidade de nutrientes transportados via precipitação total e precipitação interna, para o ano de 1992, nos sítios 2 e 3 da Estação Ecológica, Ilha do Mel, PR. Figura 7 - Porcentual de contribuição dos nutrientes da precipitação e serapilheira para o ano de 1992, nos sítios 2 e 3 da Estação Ecológica, Ilha do Mel, PR. Ricardo Miranda de Britez et al. 156 entre as áreas foi menor, com médias anuais de 24% e 21% para os sítios 3 e 2, respectivamente. Na avaliação da quantidade de nutrientes depositada (em kg.ha-1) via precipitação total, o Mg foi o elemento depositado em maiores quantidades, seguido do Ca e do K, enquanto na precipitação interna, o K é o mais representativo, seguido do Mg e Ca (Figura 6). A contribuição porcentual da água da chuva (precipitação total) no total de nutrientes que chega ao solo (precipitação interna + P, K, Ca, Mg e Zn da serapilheira) foi, no ano de 1992, de 11,9% e 9,3% para os sítios 2 e 3, respectiva- mente. Comparando as quantidades depositadas pela precipitação interna e pela deposição de serapilheira, verifica-se que, nos sítios 2 e 3, respectivamente, a primeira contribuiu com 52,5% e 43,8% do total de nutrientes depositados no solo. Alguns elementos entram no sistema principalmente via precipitação, como o K e o Zn. O P recicla principalmente via serapilheira, bem como Ca e Fe. Já o Mg recicla em quantidades próximas a partir das duas fontes (Figura 7). Discussão Os resultados obtidos de deposição de serapilheira para o sítio 3 encontram-se dentro da faixa prevista por Bray & Gorham (1964), entre 7 e 8 t.ha-1. ano-1 (latitude de 25o), e Brown (1980), citado por Haag et al. (1985), de 8,82 t.ha-1. ano-1 para as florestas pluviais tropicais. Os sítios 1 e 2 situam-se no limite inferior da faixa de variação relatada por esses autores. A maior produção de serapilheira do sítio 3 em relação aos demais sítios está relacionada a diferenças na estrutura da vegetação. Esta é de maior altura com indivíduos de maior diâmetro, maior área basal por hectare e a ocorrência de dois estratos bem definidos (Silva 1998). Os estudos realizados nas planícies litorâneas são escassos, e os existentes apresentam situações ambientais diversas, sendo muitas vezes difícil a comparação. O fruticeto estudado por Moraes (1993) na Ilha do Cardoso, SP, apresenta estrutura e composição florística (Sugiyama 1998) similar aos sítios 1 e 2, diferindo na altura (mais alta no sítio 2 da Ilha do Mel) e na densidade da vegetação (maior na Ilha do Cardoso), apresentando áreas basais por hectare bastante próximas, o que representa uma biomassa aérea similar entre essas áreas. O sítio 1 apresenta uma altura mais baixa, entretanto com área basal maior que as demais formações (Silva Meio Biológico - ciclageM de nutrientes na planície costeira 157 1998). Comparando-se os dados relativos às produções anuais de serapilheira dessas áreas, estes foram um pouco maiores na Ilha do Mel, sendo a produção da fração foliar bem próxima. A contribuição porcentual das frações da serapilheira está dentro da faixa encontrada na maior parte dos estudos realizados no Brasil, situados para a fração foliar entre 55 e 75 % (dados de literatura compilados em Britez 1994). A maior produção de folhas no sítio 1 em relação aos demais pode estar relacionada ao fator de estresse, provocado pelo constante impacto da areia e do sal trazidos pelo vento na vegetação da área de estudo, já que esta encontra-se próxima à praia e as demais formações estudadas são mais interiores. Tanner (1980) sugeriu que, em ambientes estressados, a produção de folhas é mantida preferencialmente à produção lenhosa. A fração reprodutiva no sítio 1 foi inferior aos demais sítios, apresentando um porcentual baixo em relação ao total (5%). Esse porcentual é inferior aos estimados em ecossistemas semelhantes por Moraes (1993), de 6,3%, e Ramos & Pellens (1993), de 9,7%. Nesse caso também a abrasão marinha deve influenciar na produção dos elementos reprodutivos. Os sítios 2 e 3, com percentual de 8,1 e 7,6, respectivamente, estão dentro da média encontrada para esses ecossistemas. A fração miscelânea obteve um porcentual duas vezes maior no sítio 3, supostamente em função da estrutura da floresta mais desenvolvida, com maior área de recepção de epífitas e outros animais, sendo constatada uma alta atividade de herbivoria (Britez 1994). A deposição sazonal do total da serapilheira e suas frações foi mais intensa durante os meses mais quentes e úmidos. No sítio 1, Pires (2001), realizando análises estatísticas, encontrou uma relação significativa da velocidade do vento e temperatura média com os dados de deposição total e das frações da serapilheira. Nos sítios 2 e 3, Britez (1994) encontrou valores significativos em análises de correlação somente para a temperatura média. Conforme Morellato (1992), a sazonalidade da produção de serapilheira pode ser evidenciada pelo valor da razão entre o mês de maior e menor queda. Nas florestas semideciduais do sudeste é de 1,9 a 4,6, e nas florestas Amazônicas de 1,6 a 6,3. Quanto aos estudos realizados em restinga, esse quociente varia de 5,2 a 10, sendo obtidos valores neste estudo de 6,6 para o sítio 1, de 7,9 e 8,4 no sítio 2 (primeiro e segundo ano) e 5,2 e 10 no sítio 3, o que indica uma alta sazonalidade. Em relação ao clima, observa-se que as formações de restinga do sul e sudeste Ricardo Miranda de Britez et al. 158 brasileiro, como é o caso da Ilha do Mel (Britez & Marques, neste volume), situam-se em regiões onde a sazonalidade é moderada se comparada às regiões de ocorrência das florestas semideciduais, o que sugere a influência de outros fatores, além da condição climática, na sazonalidade da deposição de serapilheira. A maior deposição total de serapilheira ocorreu na mesma época nas diferentes fitofisionomias de restinga deste estudo, em novembro e dezembro, no início da estação mais úmida e quente. É nesse período que o lençol freático é mais superficial em todos os sítios (Britez & Marques, neste volume). Em relaçãoà sazonalidade da queda das diferentes frações, as frações folhas e miscelânea acompanharam a deposição total mensal de serapilheira. Já a fração ramos não apresentou um padrão definido. Tal como verificado por diversos autores (Pagano 1989a, César 1993a), não foi encontrada nenhuma correlação da deposição da serapilheira com a precipitação, exceto para a fração ramos no sítio 1 (Pires 2001). A ausência de correlação direta entre a deposição de serapilheira e a precipitação deve-se, como sugerido por Oliveira & Lacerda (1993), ao regime de chuvas, que se apresenta bastante irregular durante o ano, tanto no que diz respeito aos eventos quanto em relação à sazonalidade anual. Segundo Jackson (1978), o pico de queda foliar na estação de maior precipitação ocorre em regiões com moderada sazonalidade de temperatura e regime hídrico, sendo um processo simultâneo à produção de folhas novas. Esse padrão, observado também em vegetação de restinga por Moraes (1993), e em outros trabalhos realizados em Floresta Atlântica (Jackson 1978, Delitti 1987, Leitão Filho et al. 1993), parece ser vantajoso para a comunidade vegetal, pois nessa época, com o aumento de água e radiação, aumenta a atividade biológica no solo e, conseqüentemente, a velocidade de decomposição, promovendo maior disponibilidade de nutrientes, que podem ser mais bem aproveitados antes da saída do sistema por meio da lixiviação (Jackson 1978, Delitti 1987), especialmente quando se considera a rápida drenagem do solo das restingas. Além disso, a sincronização dessas fenofases, conforme Jackson (1978), permite uma economia energética na transferência de algumas substâncias das folhas senescentes para aquelas em desenvolvimento. Esse padrão sazonal diverge da maioria dos resultados obtidos em florestas tropicais que apresentam períodos secos bem definidos, com deposição maior nesse período (Tanner 1980, Pagano 1989a, Morellato 1992, Cesar 1993a, Franken et al. 1979). Em vegetação de restinga pode ser citado o trabalho de Ramos & Pellens (1993), em Maricá, RJ, onde ocorre um déficit hídrico no inverno e média anual de precipitação menor Meio Biológico - ciclageM de nutrientes na planície costeira 159 que nas demais áreas de Floresta Atlântica. Esses autores também estimaram as maiores deposições nos meses de julho a novembro, após o déficit hídrico. No sítio 1, a produção da fração reprodutiva é antecipada e concentrada no inicio do período mais quente e chuvoso, comparada às florestas da Estação Ecológica, onde a deposição dessa fração é mais prolongada, até o outono. Os teores encontrados para os macronutrientes da fração folhas neste estudo estão dentro dos teores médios encontrados na literatura para as florestas tropicais, compilados em Britez (1994) e Pires (2001), que estão em uma faixa de 0,5 a 3,0 para o N; 0,02 a 0,41 para o P; 0,16 a 1,00 para o K; 0,22 a 3,10 para o Ca; e 0,20 a 0,54 para o Mg (valores em g.100g-1 M.S.), com exceção do N e do P nas florestas da Estação Ecológica, que encontram-se dentro de uma faixa inferior de concentração. A entrada do N no sistema é proveniente de duas fontes, a primeira pela água das chuvas (amônia, óxidos de nitrogênio), e a segunda, e mais importante, pela fixação de nitrogênio por microrganismos de vida livre e simbiótica. As perdas desse elemento pela lixiviação são pequenas se a vegetação e o solo não forem perturbados (Larcher 1986). Com o desenvolvimento da vegetação e o conseqüente aumento de biomassa, ocorre o acúmulo de N, aumentando as quantidades desse elemento no sistema (Bormann & Likens 1981), o que pode explicar os teores mais elevados no sítio 3, que apresenta uma fitomassa maior. Na fração foliar das florestas da Estação Ecológica, o N apresentou a maior concentração dentre os macronutrientes, seguido do Ca, K, Mg e P. Essa é uma tendência comumente citada na literatura, uma vez que o N é um elemento altamente redistribuído. Da mesma forma que o N, o P é armazenado e reciclado na biomassa vegetal. A principal fonte de entrada de P na ciclagem de nutrientes é por meio da intemperização do material de origem do solo, sendo a entrada via água de chuva muito pequena. Como não foi constatada a presença de P no material de origem dos solos (Britez 1994), provavelmente parte do P encontrado no solo é de origem marinha, oriundo de carapaças de animais, e da ação de micorrizas, as quais desempenham um importante papel na absorção desse elemento (Bolan 1991). O Ca acumula-se nos tecidos mais velhos, como conseqüência de sua absorção ser altamente influenciada pelo fluxo de massa. Entretanto, em alguns casos, tal como observado no sítio 1, o Ca apresenta maior concentração nas folhas, relacionado, possivelmente, a sua maior disponibilidade no solo (Pires 2001). O Ca acumula-se nas folhas mais velhas das plantas e nos tecidos lenhosos; Ricardo Miranda de Britez et al. 160 por sua baixa mobilidade, ele não é redistribuído quando ocorre a abscisão foliar, justificando suas altas concentrações nas frações folhas e ramos. O Mg apresenta maiores teores nas folhas, graças a sua ocorrência no centro da estrutura molecular da clorofila, além de sua participação no metabolismo basal (Larcher 1986). Os teores de P, Mg e Ca da fração foliar foram maiores no sítio 1, quando comparados aos sítios da Estação Ecológica. Os valores de N e P foram maiores no sítio 3 em relação ao sítio 2, possivelmente por causa da maior produção de serapilheira, menor insolação e maior umidade no piso florestal, condições que propiciam uma maior atividade microbiana, sendo que a própria massa microbiana incorporada à serapilheira pode contribuir para aumentar os níveis desses elementos. Na vegetação de restinga da Ilha do Cardoso estudada por Moraes (1993), os teores de P e N foram próximos aos obtidos para o sítio 2, indicando uma similaridade na ciclagem desses elementos nas duas áreas. Os valores mais elevados dos macronutrientes, com exceção do K, no sítio 1, comparado às comunidades mais distantes do oceano, ocorre provavelmente por causa da entrada mais significativa desses nutrientes via aerossóis marinhos, os quais podem ser incorporados a partir da absorção direta pelas folhas (Boyce 1954), ou pela maior deposição desses sais no solo. Cabe ressaltar que o horizonte superior do solo do sítio 1 apresentou maiores valores de pH e cátions trocáveis (Pires 2001) em comparação com os demais sítios, principalmente em relação ao elemento Ca, o que pode sugerir que a abundância deste elemento atua favoravelmente na disponibilização dos demais macronutrientes. Em relação às variações sazonais nos teores de macronutrientes das frações da serapilheira, no sítio 1 os teores de N e P, na fração reprodutiva, e do N, em miscelânea, apresentaram variações significativas, sendo maiores durante a estação úmida, provavelmente por causa da intensa atividade fisiológica das plantas nesse período e maior disponilidade de nutrientes no solo; do mesmo modo, nas florestas da Estação Ecológica, apenas N e K apresentaram algum indício de sazonalidade. Padrões de sazonalidade de nutrientes são de difícil entendimento, pois vários fatores podem influenciar os teores contidos nas frações da serapilheira, tais como: diferentes concentrações tanto para as espécies quanto para os indivíduos do material que a compõe; diferentes períodos de deposição; local da árvore de onde é proveniente o material (posição na copa); lavagem das folhas, entre outros. Meio Biológico - ciclageM de nutrientes na planície costeira 161 Os teores de micronutrientes são mais variáveis que os dos macro- nutrientes, tanto de local para local como em relação às diversas frações da serapilheira, sendo ainda escassos os dados em ecossistemas tropicais. Comparando as quantidades de deposição de macronutrientes deste estudocom outras florestas brasileiras, observa-se que os valores obtidos para K, Ca e Mg, embora menores no sítio 2, estão dentro da faixa inferior, comparáveis ao cerrado (Peres et al. 1983) e algumas florestas amazônicas (Klinge & Rodrigues 1968, Klinge 1977, Franken et al. 1979) e floresta atlântica sujeita a poluentes (Domingos et al. 1990) e floresta atlântica secundária (Leitão-Filho et al. 1993). Os valores de N, maior no sítio 1, e P estão bem abaixo dos encontrados para outras formações, sendo similares apenas a outras formações de restinga (Moraes 1993) e de ecossistema de cerrado (Peres et al. 1983, Delitti 1984). A quantidade de micronutrientes depositada durante o ano nas formações estudadas é inferior à da maioria dos trabalhos, sendo comparável apenas às estimadas em outras vegetações sobre restinga (Britez 1994, Pires 2001). No Brasil, vários autores consideraram a soma das quantidades de macronutrientes da serapilheira como um bom índice para comparação entre ecossistemas (Pagano 1989b, Delitti 1984, Moraes 1983). Observa-se a partir destes valores que as formações de restinga, juntamente com as de cerrado, apresentam as menores deposições quando comparadas com outros ecossistemas, principalmente em relação às florestas estacionais (Pagano 1989b, César 1993b, Diniz et al. 1997). O solo de baixa fertilidade encontrado na restinga, aliado ao possível déficit hídrico decorrente da alta drenagem do solo, limita a produtividade do sistema. O mesmo processo foi constatado por Sobrado & Medina (1980), citados por Jordan (1985), nos espodossolos das caatingas amazônicas. O sítio 3 é suprido de água pelo lençol freático mais superficial, o que lhe proporciona uma vegetação mais desenvolvida e uma maior produtividade primária líquida. Já a situação do sítio 1 é similar à do sítio 2 em termos de profundidade do lençol freático, mas difere por uma possível maior entrada de aerossóis marinhos. A diferença na interceptação de chuvas entre os dois sítios, 22% no sítio 2 e 30% no sítio 3 (média dos 2 anos), está relacionada à estrutura da vegetação, pois no sítio 3 ocorre um dossel mais contínuo e fechado, apresentando dois estratos arbóreos, o que propicia uma maior interceptação, graças à maior área de contato da água antes de chegar ao solo. Os valores de interceptação podem Ricardo Miranda de Britez et al. 162 ser acrescidos de aproximadamente 1 a 2% (Meguro et al. 1979b, Anderson & Spencer 1991), referentes ao escorrimento pelo tronco, que não foi avaliado neste estudo. Apesar da alta precipitação, a rápida drenagem dos solos arenosos pode proporcionar deficiência hídrica no período entre as precipitações, tendo sido observadas manifestações de murcha na vegetação do sub-bosque no sítio 2, em períodos de baixa pluviosidade. A entrada de P via precipitação nos sítios 2 e 3 está abaixo da encontrada em outros ecossistemas, conforme a compilação de dados de literatura realizada por Britez (1994), com o valor máximo de 0,006 µg.g-1 e média anual de 0,002 µg.g-1; valores menores foram encontrados somente por Flinn et al. (1979) na Austrália. A presença do P na água da chuva pode ser proveniente da poeira produzida por atividades de uso do solo (Lima 1986). Como a área estudada está longe de qualquer atividade agrícola, esse elemento apresenta baixos teores na água da chuva. A baixa lixiviação sofrida por esse elemento nas plantas (Tukey 1970) pode explicar os baixos teores também na precipitação interna. A variação nos teores anuais de K na água da chuva em vários ecossistemas está entre 0,16 e 0,87 µg.g-1, sendo que em ecossistemas costeiros sua origem é atribuída a salsugem marinha (Britez 1994). O valor médio anual do K para a água da chuva foi medido em 0,30 µg.g-1, não sendo detectado em alguns meses e alcançando um valor máximo de 1,2 µg.g-1 durante o ano, estando dentro da faixa inferior dos teores encontrados em outros ecossistemas (Britez 1994). Já na precipitação interna, os valores durante o ano amostrado variaram de 0,46 até 7,77 µg.g-1. O K dentre os nutrientes minerais é o de maior mobilidade, apresentando concentrações bem maiores na água que atravessou o dossel da floresta, fato este bastante documentado na literatura (Britez 1994). Desta forma, o K que atravessa o dossel da floresta é proveniente da lavagem da deposição seca e da solubilização desse elemento nas folhas. O teor médio na precipitação interna mais elevado no sítio 3 pode estar relacionado à estrutura mais desenvolvida dessa floresta, onde a água, para chegar ao solo, tem de passar por dois estratos, além de atravessar copas mais densas, propiciando, desta forma, uma maior lixiviação desse elemento. A presença de Ca na chuva pode ser proveniente da poeira terrestre ou do mar. A faixa de concentração encontrada na literatura está entre 0,10 e 1,67 µg.g-1. O teor médio anual na precipitação total e precipitação interna nos dois sítios está em uma faixa intermediária inferior, tendo sido medidos 0,31 µg.g-1 Meio Biológico - ciclageM de nutrientes na planície costeira 163 para a precipitação total e 1,03 e 1,1 µg.g-1 na precipitação interna dos sítios 2 e 3, respectivamente. O Ca é imobilizado nas plantas, sendo considerado por Tukey (1970) como moderadamente lixiviado (1 a 10 %), o que indica que a contribuição na concentração da lavagem desse elemento é maior pela deposição seca na copa da floresta. Os teores de Mg na água de chuva (0,5 µg.g-1) e na precipitação interna (1,2 e 1,4 µg.g-1) podem ser considerados elevados se comparados aos demais ecossistemas. A razão Ca/Mg encontrada para este estudo foi de 0,62, indicando uma forte influência do oceano na composição da água da chuva. A origem do Mg na chuva em regiões costeiras é principalmente marinha (Mello & Motta 1987, Clayton 1972, Van der Valk 1974), portanto a área amostrada é bastante influenciada pela entrada desse elemento via precipitação atmosférica. Santos et al. (1981) sugeriram que ácidos orgânicos solubilizem o Mg presente na superfície das folhas e caules, indicando que, provavelmente, os teores de Mg contidos na precipitação interna estão relacionados à lavagem tanto da deposição seca como de metabólitos da planta. Dos micronutrientes analisados, somente o Zn foi detectado na água da chuva, com um teor médio anual de 0,03 µg.g-1. Na água de precipitação interna, o Zn apresentou teores de 0,04 e 0,05 µg.g-1, e o Fe, 0,02 e 0,01 µg.g-1 nos sítios 2 e 3, respectivamente. Estes elementos, segundo Tukey (1970), são pouco lixiviados, sendo que os teores contidos na precipitação interna provavelmente são oriundos da deposição seca ou da contaminação por animais. Comparando-se as quantidades de nutrientes contidas na precipitação total e interna com os demais ecossistemas (Britez 1994), o P apresenta valores bem mais baixos, o K e o Ca estão numa faixa intermediária e o Mg apresenta valores elevados. Do total de nutrientes depositados no solo florestal (serapilheira mais precipitação interna), a quantidade de nutrientes contida na água da chuva (precipitação externa) contribui com 11,9% e 9,3%, nos sítios 2 e 3, respectivamente. Esses resultados estão de acordo com Anderson & Spencer (1991), que indicam uma faixa de 7 a 11% de deposição de elementos minerais via atmosfera. Esses porcentuais representam apenas a contribuição da deposição úmida, e não o total de nutrientes que entram via atmosfera, já que os pluviômetros totais não quantificam a deposição seca. Os valores encontrados para a contribuição porcentual da precipitação interna em relação ao total de nutrientes que chega ao solo foram subestimados por causa da ausência do N, não medido nas precipitações. Ricardo Miranda de Britez et al. 164 Conclusão A ciclagem de nutrientes diverge entre as formações vegetais estudadas, principalmente noque diz respeito à matéria orgânica reciclada, ou seja, quanto maior a biomassa viva, maior a biomassa reciclada, refletida por uma maior queda de serapilheira e ciclagem de quantidades maiores de nutrientes. Visto que os solos são extremamente inférteis, essas formações vegetais são dependentes da ciclagem de nutrientes, ou seja, da reciclagem autóctone da biomassa vegetal. Além disso, papel importante tem a entrada de nutrientes via salsugem marinha. Mais de 50% da quantidade de nutrientes que entra no sistema têm essa origem, principalmente em função da deposição seca sobre a folhagem, a qual posteriormente chega ao solo pela lixiviação. O fruticeto da Praia Grande sofre influência direta da salsugem marinha, o que lhe propicia uma maior entrada de alguns nutrientes, influenciando, inclusive, nas características químicas do solo. O clima desenvolve papel importante por meio da chuva, que condiciona a altura do lençol freático nas formações da planície litorânea. A temperatura influencia na atividade biológica dos microrganismos do solo, permitindo uma decomposição mais rápida da serapilheira e conseqüentemente uma maior liberação de nutrientes, fazendo com que a ciclagem de nutrientes seja mais intensa no final da primavera e no verão (Pires 2001, Britez et al. 1998). O poder de recuperação (resiliência) na vegetação da planície litorânea da Ilha do Mel é dificultado pela baixa fertilidade dos solos (Britez, neste volume). Ao promover a retirada drástica da vegetação pelo corte ou a extração seletiva de madeira, retira-se a maior fonte de nutrientes do sistema, que é a vegetação viva acima do solo. Isso propicia a quebra do ciclo dos nutrientes, não permitindo que haja uma entrada de nutrientes no solo via queda da serapilheira, diminuindo a fertilidade do solo e a possibilidade de sustentação de uma vegetação mais desenvolvida. Portanto, para qualquer atividade a ser realizada na vegetação da planície litorânea da Ilha do Mel, devem-se compreender os aspectos que influenciam a ciclagem de nutrientes nessas áreas. Meio Biológico - ciclageM de nutrientes na planície costeira 165 Referências AMERICA PUBLIC HEALTH ASSOCIATION. 1990. Standard methods for the examination of water and wastewater. 17.ed. APHA, Washington. 1193 p. ANDERSON, J.M. & SPENCER, T. 1991. Carbon, nutrient and water balances of tropical rain forest ecosystems subject to disturbance, management implications and research proposals. Mab Digest, Paris, n. 7, Unesco. BOLAN, N.S. 1991. A critical review on the role of mycorrhizal fungi in the uptake of phosphorus by plants. Plant and Soil, 134:189-207. 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Como essas formações estão intimamente relacionadas, porém condicionadas por fatores físicos atuando em níveis distintos, espera-se que, assim como as formas de crescimento (ervas, arbustos e árvores), o processo reprodutivo das plantas deva ser diferenciado, influenciando a regeneração e a ocorrência das espécies. A diferenciação na composição florística e diversidade da vegetação, bem como as variações nas formas de crescimento, reprodução e estabelecimento das plantas podem ser determinadas pelas diferenças hídricas do solo (Bullock 1995, Medina 1995). Especificamente no aspecto reprodutivo, o conjunto de características morfológicas dos propágulos tem sido interpretado como um reflexo da adequação entre a planta e os vetores de dispersão (Van der Pijl 1972, Janson 1983). Quanto mais eficiente for esse ajuste, mais otimizada será a dispersão e, conseqüentemente, as condições para a germinação da semente e o estabelecimento da planta serão melhores (Janzen 1970, Howe & Smallwood 1982, Wenny & Levey 1998). Como as particularidades bióticas e abióticas variam entre os ambientes, espera-se que os modos de dispersão também variem nas comunidades vegetais (Frankie et al. 1974, Wikander 1984, Knight 1986) Márcia C. M. Marques & Paulo Eugênio A. M. Oliveira 170 e tais ajustes poderiam explicar os processos de colonização e regeneração das espécies vegetais. O sucesso reprodutivo de uma espécie pode também ser resultado da adequação morfológica da plântula às condições ambientais (Garwood 1996). A morfologia da plântula tem sido classicamente considerada em função das variações dos cotilédones em suas posições (epigeal e hipogeal), exposições (fanerocotiledonar e criptocotiledonar) e funções (fotossíntese e reserva), as quais definem diferentes condições na absorção de luz, proteção de tecidos nutritivos e funcionalidade, influenciando o crescimento e estabelecimento da planta (Duke 1965, Ng 1978, Garwood 1983, Kitajima 1992, 1996). As abundâncias dos tipos morfológicos de plântulas diferem em comunidades tropicais (Miquel 1987, Hladik & Miquel 1990, Garwood 1996, Moreira & Moreira 1996, Ressel 2000) e a medição dessas variações pode ser instrumento importante para entender a regeneração da comunidade. Neste trabalho foram descritos os modos de dispersão, tamanho das sementes e morfologia de plântulas das espécies vegetais encontradas no gradiente ecológico formado por três tipos vegetacionais da planície litorânea da Ilha do Mel (campo, frutíceto e floresta), procurando entender a forma com que essas formações estão relacionadas com respeito aos modelos de reprodução e regeneração. Especificamente, procurou-se responder às seguintes questões: 1) Existe diferença nas proporções de zoocoria, anemocoria e autocoria no gradiente? 2) Os tamanhos médios das sementes variam entre as formações vegetacionais? 3) A distribuição dos tipos morfológicos das plântulas difere entre os locais? Métodos Foram analisadas 238 espécies de Angiospermas listadas por Silva (1998) em estudo fitossociológico realizado nos campos, frutícetos e florestas da planície litorânea da Ilha do Mel. Modos de dispersão e tamanho da semente: Avaliaram-se as características morfológicas dos frutos e sementes e tomaram-se as medidas das sementes (comprimento do eixo maior) de material coletado nos locais (Marques 2002) ou depositado no herbário da Universidade Federal do Paraná (UPCB). Quando necessário, houve a confirmação por informações da literatura (Reitz 1965-1997, Barroso et al. 1999). As espécies foram classificadas de acordo com o Meio Biológico - características reprodutivas das espécies vegetais da planície costeira 171 modo de dispersão, baseando-se nos critérios citados por Van der Pijl (1972), em zoocóricas, anemocóricas ou autocóricas (esta última incluindo as barocóricas). Espécies listadas no estudo fitossociológico que não apresentaram um conjunto de características que pudesse indicar a provável forma de dispersão (8 espécies) e as que não puderam ter as sementes medidas (7 espécies) foram apresentadas nos resultados, porém excluídas das análises. Morfologia das plântulas: Em duas florestas da planície (Florestas não inundável e inundável), foram realizadas coletas mensais de plântulas (plantas com a primeira folha verdadeira atingindo 3/4 do tamanho final), durante 2 anos. As plântulas foram identificadas, comparando-se com material vegetativo proveniente de indivíduos adultos presentes na área, com plantas cultivadas em placas gerbox a partir de sementes ou com dados de literatura. Posteriormente foram classificadas nos tipos morfofuncionais, com base nos critérios propostos inicialmente por Miquel (1987) e as abreviações utilizadas por Garwood (1996): PEF (fanerocotiledonar-epigeal-foliáceo), PER (fanerocotiledonar-epigeal-de reserva), CHR (criptocotiledonar-hipogeal-de reserva), CER (criptocotiledonar- epigeal-de reserva) ou PHR (fanerocotiledonar-hipogeal-de reserva). As espécies que não foram observadas no levantamento em campo, mas que ocorrem nas áreas de acordo com o levantamento de Silva (1998), foram classificadas nas síndromes de germinação, com base em dados disponíveis na literatura (Duke 1965, 1969, Ng 1978, Kuniyoshi1983, Miquel 1987, Hladik & Miquel 1990, Moreira & Moreira 1996, Ressel 2000). Quando não havia informações para a espécie ou gênero, utilizaram-se dados disponíveis para a família, se a variação dentro desta não fosse reconhecidamente grande. Consideraram-se neste estudo apenas as espécies terrestres (árvores, arbustos, lianas e ervas) e excluíram-se (total de 30 espécies) as que apresentavam forma de reprodução preferencialmente vegetativa, método peculiar de alocação de reserva na plântula (Orchidaceae) ou que não puderam ser classificadas. Análise dos dados: Foram avaliadas as distribuições das formas de crescimento, mecanismos de dispersão, tamanho da semente e morfologia das plântulas de acordo com o local de ocorrência. Como espécies de uma mesma família podem apresentar características morfológicas semelhantes por causa de suas relações filogenéticas, compararam-se também as distribuições das síndromes de dispersão e germinação entre famílias. Em todos os casos, as diferenças nas proporções foram analisadas por teste qui-quadrado (Zar 1999). A comparação das médias do tamanho das sementes nas diferentes situações foi feita por análise de Márcia C. M. Marques & Paulo Eugênio A. M. Oliveira 172 variância (Anova) e a existência de diferença entre os pares de médias verificada por teste Tukey-Kramer (Zar 1999). Resultados As formações da planície litorânea da Ilha do Mel são marcadas por diferenças nas proporções das formas de crescimento (χ2=74,5; p<0,001, GL=8). Enquanto nas florestas (n=144 espécies) predominam árvores (60%) e ervas (15%), nos frutícetos (n=136 espécies) predominam ervas (50%) e árvores (29%) e nos campos (n=24 espécies), ervas (75%) e lianas (17%). Modos de dispersão: Das 232 espécies avaliadas (Anexo 1), 56% eram zoocóricas, 26% anemocóricas e 18% autocóricas (Tabela 1 e exemplos na Figura 1). A distribuição das formas de dispersão diferiu entre as formas de crescimento (χ2=92,5; p<0,001, GL=4), com predomínio de zoocoria em árvores e arbustos (>80%) e anemocoria e autocoria em epífitas, ervas e lianas (28 a 75%, Tabela 1). A distribuição das síndromes de dispersão também variou de acordo com o tipo de vegetação (χ2=58,6; p<0,001, GL=4; Figura 2). Enquanto nos campos as espécies eram principalmente autocóricas (50%) e anemocóricas (25%), a zoocoria passou a ser mais freqüente nos frutícetos (58%) e nas florestas (71%). Esta mesma diferença nas proporções foi observada quando avaliaram-se as famílias (χ2=8,9; p=0,01, GL=2). Tamanho das sementes: A maior parte das espécies (70%) da Ilha do Mel apresentou sementes variando entre 0,40 e 6,00 mm (classes 1 e 2). As demais (classes 3, 4 e 5) mediam entre 6,01 e 30,00 mm (Anexo 1). O tamanho das sementes diferiu entre modos de dispersão (F=21,4; p<0,001), sendo as sementes de espécies zoocóricas maiores (média ± erro padrão = 5,97±0,37) que as de anemocóricas (3,52±0,54) e de autocóricas (3,18±0,67), as quais não diferiram entre si. Já entre os tipos morfológicos de plântula, o tamanho médio da semente foi o mesmo (F=1,2; p=0,31). Existiu diferença no tamanho médio das sementes de espécies dos locais estudados na Ilha do Mel (F=10,6; p<0,001). Nas florestas as sementes eram maiores (média ± erro padrão = 6,03±0,36) que nos demais locais (frutícetos = 4,03±0,38; campos = 2,93±0,87), nos quais os tamanhos não diferiram entre si. Morfologia das plântulas: Nas 195 espécies de plântulas estudadas (Anexo 1), o tipo mais freqüente foi o fanerocotiledonar-epigeal- Meio Biológico - características reprodutivas das espécies vegetais da planície costeira 173 Figura 1 - Frutos zoocóricos (a e b), anemocórico (c), autocórico (d) e diásporos dispersos na praia da planície litorânea da Ilha do Mel, PR (e). a: Ternstroemia brasiliense, b: Ilex pseudobuxus, c: Dalbergia ecastophylla, d: Abarema brachystachya (semente considerada mimética), e: Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa, Avicennia schaueriana, Calophyllum brasiliense, Annona glabra. Márcia C. M. Marques & Paulo Eugênio A. M. Oliveira 174 Figura 2 - Perfil esquemático e distribuição dos modos de dispersão e tipos de plântula nas diferentes formações vegetacionais da Planície Litorânea da Ilha do Mel. Modos de Dispersão: ZOO=zoocoria, ANE=anemocoria, AUTO=autocoria (número de espécies: Campo n=25, Fruticeto n=136, Floresta n=147). Tipo de plântula: FOTO=cotilédone fotossintetizante, RESE=cotilédone de reserva (número de espécies: Campo n=21, Fruticeto n=117, Floresta n=123). foliáceo (PEF, 57% das espécies), seguido por criptocotiledonar-hipogeal- de reserva (CHR, 39%), fanerocotiledonar-epigeal-de reserva (PER, 3%), criptocotiledonar-epigeal-de reserva (CER, 0,5%) e fanerocotiledonar-hipogeal- de reserva (PHR, 0,5%) (Tabela 1). Considerando somente a função dos cotilédones, o fotossintetizante (PEF=57%) ainda sobrepôs os de reserva (CHR+CER+PER+PHR = 43%). Entre as espécies mais representativas de cada tipo de plântula, pela freqüência com que são encontradas principalmente nas florestas, destacaram-se Ilex pseudobuxus, Gomidesia schaueriana e Myrcia multiflora no tipo PEF, Ocotea pulchella, Geonoma schottiana e Calophyllum brasiliense no tipo CHR, Tapirira guianensis, no tipo PER e Faramea marginata no CER (exemplos na Figura 3). Meio Biológico - características reprodutivas das espécies vegetais da planície costeira 175 Figura 3 - Exemplos dos tipos morfofuncionais de plântulas mais comuns na Ilha do Mel. A: CHR (Ocotea pulchella), B: CER (Faramea marginata), C: PEF (Ilex pseudobuxus), D: PER (Tapirira guianensis). Márcia C. M. Marques & Paulo Eugênio A. M. Oliveira 176 As proporções dos tipos morfológicos de plântula variaram de acordo com a forma de crescimento (χ2=37,0; p<0,001, GL=3), com predomínio do tipo PEF nas árvores (69%), arbustos (88%) e lianas (75%) e o tipo CHR (70%) nas ervas (Tabela 1). As freqüências de plântulas de cotilédones fotossintetizante e de reserva não diferiram entre espécies de distintos modos de dispersão (χ2=5,1; p>0,05, GL=2). Plântulas de cotilédones de reserva e fotossintetizantes mantiveram as mesmas proporções em todas as formações da planície litorânea (Figura 2), quando a análise foi feita para famílias (χ2=0,5; p>0,05, GL=2). Discussão As diferenças ambientais e na freqüência de formas de crescimento existentes no gradiente da planície litorânea da Ilha do Mel se refletem na distribuição de atributos reprodutivos das espécies. Considerando que a adequação Tabela 1 - Variação na freqüência dos modos de dispersão e dos tipos de plântulas das espécies analisadas na Ilha do Mel, de acordo com a forma de crescimento. ZO=zoocoria, AN=anemocoria, AU=autocoria; PEF=fanerocotiledonar-epigeal-foliáceo, PER=fanerocotiledonar-epigeal-de reserva, CHR=criptocotiledonar-hipogeal-de reserva, CER=criptocotiledonar-epigeal-de reserva, PHR=fanerocotiledonar-hipogeal-de reserva. Meio Biológico - características reprodutivas das espécies vegetais da planície costeira 177 morfológica de sementes e plântulas implicam no sucesso no estabelecimento da planta, é possível sugerir que os modelos de regeneração, ou seja, as variações espaço-temporais envolvendo a dispersão da semente e a emergência da plântula, devam ser diferenciados em cada local. O predomínio de determinado mecanismo de dispersão em um hábitat é uma forte indicação de que as pressões proporcionadas pelas condições físicas do ambiente e pelos agentes dispersores tenham afetado a ocorrência das espécies (Howe & Smallwood 1982). Na Ilha do Mel é possível observar um aumento na proporção de espécies dispersas por animais a partir do campo até as florestas, ou seja, à medida que o ambiente torna-se mais fechado e complexo. O predomínio de zoocoria é um fato comum nas regiões tropicais (Frankie et al. 1974, Willson et al.1987, Morellato & Leitão-Filho 1992). Como as florestas distribuem-se mais internamente na Ilha do Mel e nestes locais a atividade de alguns grupos de vertebrados é maior (Moraes, neste volume), é provável que o forrageamento feito por aves e morcegos, principais grupos de animais dispersores (observação pessoal), seja maior nessa região. De maneira oposta, a anemocoria é proporcionalmente mais importante em tipos vegetacionais abertos, ou seja, no campo e no frutíceto, onde ventos são constantes e o transporte pode ser facilitado. Esse modo de dispersão, normalmente freqüente em locais em estádios iniciais da sucessão, sazonais ou secos (Keay 1957, Wikander 1984, Oliveira & Moreira 1992), diminui em importância nas florestas, nas quais, mesmo com a presença de espécies de hábito lianescente e epifítico (na maioria anemocóricas), a síndrome é ainda pouco representada. A autocoria é a forma de dispersão mais freqüente no campo e a segunda no frutíceto, locais onde as plantas estão sujeitas à insolação direta e aos borrifos e ventos fortes vindos do mar. É freqüente essa forma de dispersão em regiões áridas e com limitações ambientais (Van der Pijl 1972). No caso do campo, onde a capacidade de sobrevivência está restrita a poucas espécies, investir em um mecanismo de dispersão próprio da planta, sem depender de outro vetor, parece ser necessário. Espécies autocóricas normalmente apresentam dispersabilidade baixa quando se avalia a distância a que os diásporos são lançados. Mas, para as espécies do campo, o sombreamento promovido pela planta-mãe pode ser fator positivo para o estabelecimento da plântula, pois atenua o efeito do dessecamento (Maun 1994). Nas regiões próximas ao mar e aos pequenos corpos de água da Ilha do Mel, a dispersão secundária pela água ocorre (observação pessoal, Figura 1e) em muitas espécies autocóricas (Rhizophora mangle, Laguncularia racemosa, Márcia C. M. Marques & Paulo Eugênio A. M. Oliveira 178 Avicennia schaueriana) ou mesmo em espécies primariamente zoocóricas (Calophyllum brasiliense, Annona glabra) e anemocóricas (Dalbergia ecastophylla). Esse tipo de dispersão secundária pode ter papel importante na regeneração de outras áreas costeiras (Huiskes et al. 1995). Associado aos modos de dispersão, o tamanho das semente diferencia- se nas formações vegetacionais da Ilha do Mel, sendo que nas florestas, onde há mais espécies zoocóricas, as sementes são maiores que nos demais locais, onde anemocoria e autocoria são importantes. Essa relação deve influenciar na eficiência da dispersão, pois espera-se que os mecanismos anemocóricos e autocóricos devam ser beneficiados por sementes pequenas e leves. Sementes grandes normalmente estão associadas a plântulas mais vigorosas ou com mais tecidos fotossintetizantes que permitiriam a sobrevivência em ambientes de baixa luminosidade (Harper et al. 1970, Fenner 1985, Foster 1986, Primack 1987), o que explica as diferenças encontradas entre as espécies das florestas e das demais formações da Ilha do Mel. Nos campos, apesar de as sementes serem preferencialmente pequenas, deve haver um tamanho mínimo limite para elas, já que ainda estão sujeitas ao soterramento pela areia, o que dificulta a germinação e o estabelecimento posteriores (Cordazzo 1998, Fáveri & Castellani 1998). A freqüência relativa dos diferentes tipos de plântulas da Ilha do Mel, com predomínio de PEF sobre os demais tipos, segue a mesma ordem de grandeza de outras florestas tropicais (Ng 1978, Rousteau 1986, Miquel 1987, Ressel 2000). A alta proporção de plântulas do tipo PEF pode se relacionar com a eficiência dos cotilédones em assimilar rapidamente a luz, antecipando o estabelecimento da plântula (Marshall & Kozlowski 1976). Já as espécies CHR, segundo tipo mais freqüente na Ilha do Mel, embora utilizem lentamente as reservas acumuladas nos cotilédones ou endosperma (Miquel 1987), podem produzir folhas verdadeiras com superfícies de assimilação fotossinteticamente mais eficientes que os cotilédones foliáceos (Rousteau 1986). Outros tipos morfofuncionais de plântulas, escassos na Ilha do Mel assim como em outros locais de clima tropical, podem ainda apresentar alguma vantagem em situações específicas. A dupla função de reserva e fotossíntese dos cotilédones de plântula PER, associada a sua posição epigeal, permite à plântula rebrotar no caso de o epicótilo sofrer lesão (Lovell & Moore 1971, Miquel 1987). Esse fato é comumente verificado na Ilha do Mel, onde plântulas de Tapirira guianensis (Figura 3), freqüentemente atacadas por fungos, são capazes de produzir um novo caule e retomar o crescimento rapidamente (observação Meio Biológico - características reprodutivas das espécies vegetais da planície costeira 179 pessoal). Plântulas tipo CER, que na Ilha do Mel somente ocorrem em Faramea marginata, uma espécie importante das florestas, evitam a dessecação do tecido nutritivo ao encerrá-lo no tegumento (Ng 1978). Apesar de aparentemente os tipos morfofuncionais de plântulas implicarem em estratégias distintas na regeneração, tais diferenças não foram confirmadas na Ilha do Mel. As variações ambientais no gradiente da planície não foram suficientes para proporcionar diferenças nos tipos de plântulas. Há apenas uma tendência ao tipo de cotilédones fotossintetizantes (PEF) no campo, com diminuição no frutíceto e na floresta, em detrimento de um aumento dos tipos com cotilédones de reserva (CHR+CER+PHR+PER). Ambientes como as praias e, de certa forma, também o frutíceto, onde os estresses hídrico e salino, a deficiência de nutrientes e o soterramento limitam a sobrevivência de muitas espécies, os cotilédones foliáceos poderiam promover um eficiente mecanismo fotossintetizante, permitindo um rápido crescimento da plântula. Se as folhas cotiledonares forem espessas, terão a vantagem adicional de evitar o dessecamento (Maun 1994). No outro extremo, nas florestas, onde grande parte das espécies tolera o sombreamento e a competição interespecífica é alta, o investimento em cotilédones de reserva poderia assegurar a sobrevivência da plântula até o surgimento de uma clareira, dando condições de estabelecimento. Também nesses locais, a diferença na duração da dormência da semente entre alguns tipos de plântulas (Marques 2002) poderia temporalmente representar vantagem para algumas espécies. A semelhança nas distribuições dos tipos de plântulas ao longo do gradiente pode ser explicada também pelo fato de que a fisiologia da plântula pode não estar necessariamente ligada a sua morfologia. Como a diversidade de mecanismos fisiológicos é grande nesses tipos vegetacionais (Scarano et al. 2001), prever a ocorrência de espécies requer, além do estudo morfológico, uma avaliação da eficiência fotossintética das plantas. Além disso, deve-se também considerar que, embora a adequação de sementes e plântulas seja requisito para o sucesso reprodutivo das espécies, a provável ocorrência de propagação vegetativa, principalmente nos frutícetos e campos, pode de certa forma ofuscar diferenças previstas em termos de características relacionadas à reprodução sexuada. Em conclusão, seria possível dizer que, mesmo considerando-se a breve história de ocupação da vegetação das planícies quaternárias (aproximadamente 5.000 anos no caso da Ilha do Mel, Angulo & Souza, neste volume), o que pode ser insignificante do ponto de vista evolutivo, ainda é possível associar atributos reprodutivos com os tipos vegetacionais do gradiente da planície litorânea da Ilha Márcia C. M. Marques & Paulo Eugênio A. M. Oliveira 180 do Mel. Isso sugere que os diferentes níveis de estresse ambiental encontrados em cada fitofisionomia devam restringir a permanência de espécies, que, pelos resultados aqui apresentados, é manifestada principalmente em termos de adequação do propágulo.Agradecimentos A José Augusto Cunha e Larissa Lopes Mellinger, pelo auxílio no trabalho de laboratório; Sandro Menezes Silva, pela determinação de parte do material; Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior - MEC), pela bolsa PICDT à primeira autora. 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MODO DE DISPERSÃO: ZO = zoocoria, AN = anemocoria, AU = autocoria; SEMENTE = tamanho da semente e classe de tamanho (1 = 0,01 - 3,00 mm, 2 = 3,01-6,00 mm, 3 = 6,01 - 9,00 mm, 4 = 9,01 - 12,00 mm, 5 = >12,01 mm); PLÂNTULA = tipo de plântula (PEF = fanerocotiledonar-epigeal-foliáceo, PER = fanerocotiledonar-epigeal-de reserva, CHR = criptocotiledonar-hipogeal-de reserva, CER = criptocotiledonar-epigeal-de reserva, PHR = fanerocotiledonar-hipogeal-de reserva); FORMA DE CRESCIMENTO: H = erva; B = arbusto; A = árvore; E = epífita; L = liana; LOCAL: C = campos; R = fruticetos; F = florestas; s.i. = característica sem informação para a espécie. Meio Biológico - características reprodutivas das espécies vegetais da planície costeira 185 Márcia C. M. Marques & Paulo Eugênio A. M. Oliveira 186 Meio Biológico - características reprodutivas das espécies vegetais da planície costeira 187 Márcia C. M. Marques & Paulo Eugênio A. M. Oliveira 188 189 Abelhas da Ilha do Mel: estrutura da comunidade, relações biogeográficas e variação sazonal Fernando César Vieira Zanella Introdução As comunidades bióticas insulares são notáveis pela reduzida diversidade de espécies e pela diferenciação das populações que se encontram isoladas (Berry 1983) e, por causa da exclusão preferencial de alguns grupos e da elevada abundância de grupos que são raros no continente, também são consideradas “desarmônicas” em relação às comunidades continentais (Simberloff 1974, Brown 1981). O estudo da fauna de ilhas, com suas diferentes combinações de espécies, pode assim fornecer elementos para se compreender o papel das interações entre as espécies na estruturação das comunidades, especialmente no caso das abelhas, por se tratar de um grupo com elevada diversidade de espécies e com grande variedade de tamanho, de capacidade de dispersão atravessando barreiras geográficas, de especificidade/generalidade na relação com as fontes de recursos florais, de níveis de comportamento social e de hábitos de nidificação (Michener 2000). No litoral paranaense foram estudadas, além da Ilha do Mel (Zanella 1991, Zanella et al. 1998), as comunidades de abelhas de Alexandra, localizada no continente (Laroca 1974), e da Ilha das Cobras (Schwartz & Laroca 2000). Neste capítulo é apresentada uma síntese dos principais resultados obtidos no estudo da fauna de abelhas de ilhas do litoral paranaense: a composição das comunidades e as diferenças na riqueza e abundância de espécies em relação ao observado no continente e os aspectos biogeográficos envolvidos. São ainda apresentados dados originais acerca da variação sazonal na diversidade e abundância de abelhas e nos ciclos de atividade das espécies presentes na Ilha do Mel. Fernando César Vieira Zanella 190 Segundo a Teoria da Biogeografia de Ilhas, estabelecida por MacArthur & Wilson (1967), a diversidade de espécies presentes em uma ilha é determinada por dois fatores principais: a área e o isolamento em relação à área fonte de espécies. A área define a capacidade que a ilha tem de manter populações estáveis das espécies e a distância da área fonte implica em uma menor ou maior freqüência de colonizações. Desse modo, as três localidades estudadas no litoral paranaense formam um gradiente de insularidade, conforme ressaltado por Schwartz & Laroca (2000), com Alexandra representando a área fonte de espécies, onde a diversidade de espécies é maior, e a Ilha das Cobras representando o outro extremo do gradiente, onde as restrições determinadas pela insularidade devem ser maiores, resultando em uma menor diversidade de espécies. A Ilha do Mel, por representar uma condição intermediária em termos de insularidade, deve apresentar características intermediárias em relação aos aspectos da estrutura da comunidade de abelhas afetados pelo isolamento e pela limitação da área. Material e Métodos O levantamento de abelhas silvestres e plantas apícolas foi realizado na parte norte da Ilha do Mel, próximo ao Morro da Fortaleza (ver Britez & Marques, neste volume). Foram realizadas coletas a cada 14 dias durante o ano de 1988, quatro horas por dia, perfazendo 26 dias e um total de 104 horas. As abelhas foram coletadas nas flores ou em vôo, utilizando-se rede entomológica, de modo a representar a sua abundância na área, conforme metodologia proposta por Sakagami et al. (1967). Não foram capturadas abelhas africanizadas (Apis mellifera L.), para não prejudicar a coleta de abelha nativas. Foi utilizada uma rede de cabo curto, com cerca de 1,5 m de compri- mento, conforme tem sido usual nesse tipo de levantamento (Sakagami et al. 1967, Silveira & Godinez 1996). Esse procedimento limita a amostragem das abelhas que visitam árvores com flores a mais de 4 m de altura, entretanto não foi ainda observada a existência de espécies que visitem exclusivamente flores no dossel da floresta (Roubik 1993, Wilms et al. 1997), e Roubik (1993) observou que apenas abelhas de hábitos noturnos apresentaram uma evidente maior preferência em ter atividade nos estratos superiores das florestas. Desse modo, a coleta com rede de cabo curto deve proporcionar uma estimativa razoável da diversidade de espécies e de sua abundância nas comunidades. Meio Biológico - ABelhAs dA ilhA do Mel: estruturA dA coMunidAde, relAções BiográficAs e vAriAção sAzonAl 191 Durante a coleta foram registradas as espécies de plantas visitadas pelas abelhas. Ao término de cada hora de coleta foram tomados dados meteorológicos, como temperatura e umidade relativa do ar, com o auxílio de um termômetro e um psicômetro, dispostos em abrigo meteorológico. Para se ter uma avaliação da disponibilidade de recursos florais, mesmo na ausência de atividade das abelhas, a área amostrada foi percorrida no dia anterior ou posterior ao das coletas, sendo registrado o número de espécies de plantas potencialmente visitadas com flores. A área de coleta compreendia diferentes tipos de florestas da planície, além de Frutícetos e Campos (vegetação de restinga e de beira da praia, respectivamente; ver Silva & Britez neste volume), com altitude entre 1 e 4 m acima do nível do mar. Mais informações sobre a metodologia, a área e as variáveis meteorológicas durante o período do levantamento estão disponíveis em Zanella (1991). Os resultados obtidos são apresentados comparando-os com os de outros levantamentos que utilizaram metodologia semelhante, realizados na planície litorânea paranaense: Alexandra, localizada no continente, a cerca de 13 km de Paranaguá (dados de Laroca 1974), e Ilha das Cobras, uma pequena ilha situada na parte central da Baía de Paranaguá, cerca de 100 vezes menor que a Ilha do Mel, com apenas 26,5 ha e um isolamento, em relação a outras ilhas e ao continente, semelhante ao observado para a Ilha do Mel (dados de Schwartz & Laroca 2000). Resultados Foram coletadas na Ilha do Mel 75 espécies de abelhas, uma diversidade menor que a observada em Alexandra, onde foram coletadas 122 espécies, e maior que a da Ilha das Cobras, com 57 espécies. Em relaçãoà similaridade na composição de espécies, as comunidades insulares foram muito mais semelhantes entre si do que em relação à comunidade de Alexandra. O índice de similaridade de Renkonnen (cujo valor máximo possível é de 100%) foi de 51,28% entre a comunidade da Ilha do Mel e a da Ilha das Cobras. Quando essas duas comunidades foram comparadas à de Alexandra, o índice foi bem mais baixo: 19,12% e 16,93%, respectivamente (Zanella et al. 1998; ver relação de espécies em Schwartz & Laroca 2000). A maior similaridade entre as comunidades de abelhas da Ilha do Mel e da Ilha das Cobras também foi observada ao se considerar a riqueza de espécies Fernando César Vieira Zanella 192 por família (Figura 1). Essas comunidades apresentaram, em comparação à de Alexandra, uma maior riqueza relativa de espécies das famílias Colletidae e Halictidae. A maior representatividade de Colletidae deve-se à presença nas Ilhas de várias espécies de Hylaeus, gênero ausente na amostra de Alexandra. Para os Halictidae, trata-se apenas de um aumento relativo, pois foram coletadas 28 espécies. Figura 1 - Abundância relativa em número de espécies por família de abelha em Alexandra, Ilha do Mel e Ilha da Cobras. Os Apidae estão separados em corbiculados e não-corbiculados. Fonte: Zanella et al. (1998). As famílias Andrenidae, Megachilidae e os Apidae corbiculados apresentaram uma redução no número de espécies nas ilhas maior do que a observada para o conjunto das abelhas (a família Apidae foi separada em dois grupos: corbiculados, que inclui neste estudo os Bombini, Euglossini e Meliponini, e os não-corbiculados, que inclui abelhas predominantemente solitárias, de várias tribos anteriormente consideradas como uma família distinta, Anthophoridae) (Michener 2000). A comparação das abundâncias relativas em número de indivíduos coletados por família mostrou um contraste ainda mais evidente entre as comunidades, ressaltando-se a aparente “substituição” dos Apidae corbiculados pelos Halictidae, como grupo predominante (Figura 2). A grande redução na abundância dos Apidae corbiculados nas Ilhas deveu-se aos Meliponini, uma vez Meio Biológico - ABelhAs dA ilhA do Mel: estruturA dA coMunidAde, relAções BiográficAs e vAriAção sAzonAl 193 que em Alexandra as espécies dessa tribo correponderam a mais de 50% de todas as abelhas coletadas (899 indivíduos de 13 espécies). Na Ilha do Mel foram coletados apenas 301 indivíduos de três espécies (14,1%), Plebeia droryana (Friese 1900), Plebeia remota (Holmberg 1903) e Tetragonisca angustula (Latreille 1811). Na Ilha das Cobras foram registrados somente oito indivíduos de Plebeia droryana (0,004 %). Os Apidae não-corbiculados também apresentaram uma redução no número de espécies de acordo com o gradiente de insularidade, mas a sua contribuição relativa à diversidade total das comunidades se manteve por volta dos 30%. Quase todas as espécies de Meliponini de Alexandra, que estão entre as mais abundantes na amostra, não foram coletadas nas Ilhas. Entre elas: Trigona fuscipennis (Friese 1900); Trigona spinipes (Fabricius 1793); Partamona helleri (Friese 1900); Trigona fulviventris guianae (Cockerell 1910) e Scaptotrigona xanthotricha (Moure 1950). Dialictus opacus (Moure 1940) (Halictidae) foi a espécie mais abundante na Ilha do Mel, com 42,49% do total de abelhas coletadas. Outras espécies abundantes foram: Ceratinula sp. 3 (Apidae não-corbiculado), Plebeia remota, Plebeia droryana, Bombus morio (Swederus 1787) (Apidae corbiculados), Ceratina sp. 1 (Apidae não-corbiculado), Augochloropsis cupreola (Cockerell 1900) e Augochlora sp. 1 (Halictidae). A variação no número de espécies e indivíduos de abelhas e de plantas visitadas durante o ano está representada na Figura 3. As depressões acentuadas Figura 2 - Abundância relativa em número de indivíduos por família de abelha em Alexandra, Ilha do Mel e Ilha das Cobras. Legenda como na figura 1. Fonte: Zanella et al. (1998). Fernando César Vieira Zanella 194 nos meses de fevereiro, julho e agosto representam dias de coleta com clima adverso (por exemplo, chuva ou elevada umidade relativa do ar associada a baixas temperaturas), não sendo uma característica estacional. De modo geral, houve uma elevada correlação entre a temperatura durante a coleta e o número de espécies de plantas visitadas e de espécies e de indivíduos de abelhas coletados (Figura 4). Em relação à precipitação mensal, o coeficiente de correlação foi menor, sendo somente significativo em relação ao número total de indivíduos coletados (Figura 5). O período com maior abundância e diversidade de espécies de abelhas se estendeu de janeiro a abril, com um pico nesse último mês (Figura Figura 3 - Variação sazonal no número de espécies e de indivíduos por família de abelhas; no número de espécies de plantas visitadas pelas abelhas e de espécies de plantas com flores, que tenham sido visitadas pelo menos uma vez durante o ano na Ilha do Mel e dados meteorológicos do ano de 1988 (Médias mensais da Estação Meteorológica de Paranaguá). Meio Biológico - ABelhAs dA ilhA do Mel: estruturA dA coMunidAde, relAções BiográficAs e vAriAção sAzonAl 195 Figura 4 - Correlação entre a temperatura média durante as horas de coleta e o número de espécies de abelhas coletadas (a), o número total de indivíduos coletados (b) e o número de espécies de plantas visitadas em cada dia de coleta (c). Todos os coeficientes de correlação são significativos a uma probabilidade de 99% e 24 GL. Figura 5 - Correlação entre a precipitação média mensal e o número total de indivíduos de abelhas coletados. Coeficiente de correlação significativo somente a uma probabilidade de 95% e 11 GL. Fernando César Vieira Zanella 196 3). Durante o inverno houve uma redução acentuada no número de espécies de abelhas coletadas, bem como no de plantas com flores. As famílias Colletidae e Megachilidae não apresentaram espécies coletadas nessa estação. Não foram feitas quantificações da abundância de flores por espécie de planta, mas, de modo geral, mesmo para aquelas que apresentaram flores durante o inverno, a quantidade era muito menor do que a que ocorria durante outras épocas do ano (obs. pessoal). Diferentemente do observado em Alexandra, algumas das espécies de abelhas não-eussociais mais abundantes apresentaram atividade de vôo durante praticamente o ano todo, como Dialictus opacus, Ceratinula sp. 3, Ceratina sp. 1, Augochloropsis cupreola, Augochlora sp. 1 e Augochloropsis multiplex (Vachal 1903) (Figura 6). Outras espécies, como Augochlora amphitrite (Schrottky 1909), Xylocopa brasilianorum (Linne 1767) e Hypanthidium flavomarginatum (Smith 1879), não ocorreram em alguns meses. No entanto, não há coincidência com os períodos de ausência de atividade observados em Alexandra e na Ilha do Mel, de modo que, quando os dados das três localidades (que representam também anos diferentes) são agrupados, cobrem-se todos os meses do ano. Bombus morio esteve ausente durante todo o inverno (Figura 6), mas em Alexandra só não foi coletado em julho (Laroca 1974). Augochlora caerulior (Cockerell 1900), Megachile aetheria (Mitchell 1930) e Bombus atratus (Franklin 1913) estiveram ausentes durante parte do inverno e o período de maior abundância foi nos primeiros meses do ano. As espécies que aparentemente apresentam curtos períodos de vôo restringiram suas atividades entre o final da primavera e o início do outono, principalmente durante o verão. Epicharis dejeani (Lepeletier 1841) foi coletada somente em novembro, dezembro e janeiro, mesmo período em que foi coletada na Ilha das Cobras (Schwartz & Laroca 2000) e em Alexandra (Laroca 1974). Na Ilha do Mel foram observados ninhos ativos dessa espécie também somente nessa época. Entre março e maio apareceram Neocorynurapseudobaccha (Cockerell 1901), Augochlora aff. pyrgo (Schrottky 1910) e Hylaeus sp. 1 e 3. Mesoplia rufipes (Perty 1833), espécie parasita de Centris, foi coletada somente em janeiro. Centris tarsata (Smith 1903), foi coletada em janeiro e dezembro e Agapostemom semimelleus (Cockerell 1900), teve sua atividade de vôo concentrada nos quatro primeiros meses do ano, mas não se restringiu a esse período, pois uma fêmea foi coletada em setembro (Figura 6). Meio Biológico - ABelhAs dA ilhA do Mel: estruturA dA coMunidAde, relAções BiográficAs e vAriAção sAzonAl 197 Figura 6 - Períodos de coleta das espécies de abelhas predominantemente coletadas na Ilha do Mel, em ordem de abundância. ( ...... = 1 a 3 indivíduos; = 4 a 10; = + de 10). Fernando César Vieira Zanella 198 Discussão A fauna de abelhas silvestres que ocorre na planície litorânea paranaense apresenta uma característica eminentemente tropical, dada pela grande abundância e diversidade de abelhas sociais sem ferrão da tribo Meliponini (família Apidae), além da presença de vários gêneros e espécies de distribuição tropical, ausentes no planalto de Curitiba e áreas mais frias, ou ocorrendo apenas de maneira marginal. Podem ser citados como exemplos: Partamona helleri (Friese 1900); Epicharis dejeani (Lepeletier 1841); Oxytrigona tataira cagafogo (Mueller 1874); Scaura latitarsis (Friese 1900); Cephalotrigona capitata (Smith 1854); Niltonia virgilii (Moure 1964); Xylocopa brasilianorum (Linne 1767); X. macrops (Lepeletier 1841) e Plebeia droryana (Friese 1900) (cf. Barbola & Laroca 1993, Bortoli & Laroca 1990, 1997, Pedro & Camargo 1999, Silveira et al. 2002, e referências citadas por esses autores). O Primeiro Planalto paranaense, onde se encontra Curitiba, a cerca de 900 metros de altitude, apresenta, por sua vez, uma elevada riqueza e abundância de espécies de Halictidae (Laroca 1974, Bortoli & Laroca 1990) e vários elementos faunísticos aparentemente ausentes na planície litorânea, como muitos gêneros das famílias Colletidae e Andrenidae e espécies de Dialictus, Gaesischia (Urban 1968, 1989) e Pseudagapostemon (Cure 1989). Ocorrem também somente no planalto espécies que apresentam um padrão distribucional semelhante ao do Pinheiro do Paraná (Araucaria angustifolia (Bert.) O. Kutze), aparecendo no Sudeste do Brasil principalmente em áreas de altitude elevada, como o Pico do Itatiaia, no Rio de Janeiro e Campos do Jordão, em São Paulo (ver Silveira & Cure 1993). São exemplos desse padrão de distribuição: Thygater paranaensis (Urban 1967), T. seabrai (Urban 1967) e Habralictus canaliculatus (Moure 1941, Moure & Hurd 1987). Nesse contexto biogeográfico, é particularmente interessante que a comunidade de abelhas da Ilha do Mel se diferencie da que ocorre na porção continental da planície litorânea por apresentar uma menor riqueza de espécies e uma baixa diversidade e abundância de Meliponini, associada a uma maior abundância e riqueza relativa de espécies da família Halictidae. Dessa forma, o padrão geral de composição da fauna de abelhas da Ilha do Mel (Figuras 1 e 2) é mais semelhante ao que ocorre nas terras altas do Primeiro Planalto do que ao observado em Alexandra. A comunidade da Ilha das Cobras também pode ser caracterizada de forma semelhante, o que permite supor que se trata de um padrão generalizado Meio Biológico - ABelhAs dA ilhA do Mel: estruturA dA coMunidAde, relAções BiográficAs e vAriAção sAzonAl 199 para as comunidades insulares da região. É interessante notar ainda que, de acordo com o esperado pela teoria da biogeografia de ilhas, a comunidade da Ilha do Mel apresenta uma condição intermediária em relação à de Alexandra e à da Ilha das Cobras no que se refere a estas três características: riqueza de espécies, abundância e diversidade de Meliponini e de Halictidae (Schwartz & Laroca 2000). Apesar das limitações naturais a um processo de amostragem, é praticamente certa a ausência, nas comunidades insulares estudadas, de grande parte das espécie de Meliponini encontradas em relativa abundância em Alexandra. Na Ilha das Cobras, porque boa parte da sua pequena área foi amostrada (Schwartz & Laroca 2000), e na Ilha do Mel, por terem sido feitas várias coletas esporádicas em outras partes da ilha, incluindo áreas de floresta fechada, sem nunca ter sido registrada outra espécie de Meliponini, além de Plebeia droryana, P. remota e Tetragonisca angustula. Zanella et al. (1998) sugeriram que a aparente substituição de Meliponini pelos Halictidae, como grupo predominante nas comunidades insulares tropicais, deve-se a um processo de compensação de densidade determinado pela ausência de competidores (conforme definido por MacArthur et al. 1972). No caso, os Meliponini seriam os competidores principais dos Halictidae e a sua ausência ou escassez nas ilhas aumentaria a disponibilidade de recursos alimentares para as outras espécies. Roubik (1989) também mencionou um caso de compensação de densidade em ilhas, mas se referindo a uma espécie endêmica de Melipona que apresenta uma grande abundância na Ilha de Coiba, na costa oeste da Costa Rica, onde existem apenas 15-20% do número de espécies de Meliponini que ocorrem em áreas adjacentes no continente. Já era reconhecida a importância dos Meliponini na estruturação das comunidades tropicais de abelhas, por causa da grande abundância, do hábito generalista de visita às flores, da capacidade de monopolizar recursos e da elevada sobreposição no uso das fontes de recursos florais com outros grupos de abelhas (Roubik 1979), entretanto, o que o estudo da estrutura das comunidades de abelhas da Ilha do Mel e Ilha das Cobras permite sugerir é que os Halictidae são o principal grupo favorecido pela ausência de várias espécies de Meliponini. É evidente que são ainda necessários outros levantamentos para caracterizar melhor como essa compensação de densidade se dá nos vários hábitats e guildas de visitantes florais que ocorrem nas ilhas e no continente mas, como muitos Halictidae apresentam também um comportamento generalista de visita às flores, é razoável supor que o aumento da abundância de Halictidae seja Fernando César Vieira Zanella 200 possivelmente um caráter geral das comunidades insulares. O comportamento generalista nos Halictidae é determinado, em parte, pela existência de vários grupos com modo de vida social, apresentando colônias que, não sendo perenes, se mantêm ativas durante um período extenso. Uma vez que essas espécies não armazenam mel e pólen, necessitam obrigatoriamente de um fluxo quase que contínuo de recursos florais, tendo que apresentar a capacidade de utilizar diferentes fontes de alimento (Michener 2000). A pobreza de espécies de Meliponini nas ilhas tropicais decorre de dois fatores, que podem ter atuado dependendo de cada caso: a sua limitada capacidade de colonização e a maior probabilidade de extinção em áreas isoladas. As abelhas dessa tribo constituem um caso especial dentro da biogeografia, pela reduzida capacidade de dispersão por meio do processo de enxameagem, sendo incapazes de colonizar novas áreas se tiverem que ultrapassar pequenas barreiras, como uma lâmina d’água de algumas centenas de metros (Kerr & Maule 1964, Michener 1979). Segundo Nogueira-Neto (1954), por um certo tempo, durante a formação de novos enxames, é mantida uma relação entre a colônia-mãe e a colônia-filha e, nos casos observados, a distância máxima entre as colônias não ultrapassou 365 m. A maior probabilidade de extinção em ilhas decorre do pequeno número de indivíduos férteis nas populações graças ao comportamento altamente eussocial, com a presença de um grande número de operárias para usualmente uma rainha geneticamente ativa (Carvalho et al. 1995, Kerr & Vencovsky 1982). Se pensarmos que cada colônia de Meliponinié equivalente geneticamente a um “indivíduo” de grande biomassa, a eliminação seletiva desse grupo corresponde à extinção preferencial de organismos maiores, que foi observada em comunidades insulares de mamíferos e aves e comunidades experimentais de microrganismos (Wilson & Willis 1975, Dickerson & Robinson 1986, Patterson & Atmar 1986). Zanella et al. (1998) apresentaram duas hipóteses, não necessariamente excludentes, para explicar a ausência de várias espécies de meliponínis na Ilha do Mel e Ilha das Cobras e argumentaram não haver elementos seguros para suportar somente uma: 1. Populações dessas espécies ficaram isoladas nas ilhas após a sua formação pela elevação do nível do mar depois do último evento glacial, aproximadamente 7 mil anos atrás (Martin et al. 1996, ver Angulo & Souza neste volume), e se extinguiram; 2. Por causa das alterações climáticas que ocorreram nos períodos glaciais, concomitantemente ao rebaixamento do nível do mar, a distribuição das Meio Biológico - ABelhAs dA ilhA do Mel: estruturA dA coMunidAde, relAções BiográficAs e vAriAção sAzonAl 201 formações florestais na planície litorânea era mais restrita que a atual (Ab’Saber 1977, Bigarella et al. 1975). No momento da ingressão marinha que deu origem à Baía de Paranaguá, os Meliponini não estavam presentes na área que atualmente corresponde às ilhas. Após a sua formação, houve uma expansão das florestas às quais os Meliponini estão usualmente associados, mas eles não puderam colonizá- las, por causa da barreira existente, correspondente ao braço de mar que separava as ilhas do continente. Também é possível que as espécies de Meliponini que atualmente ocorrem nas ilhas tenham sido introduzidas pelo homem. Essa hipótese não pode ser descartada, uma vez que se tratam de espécies de pequeno tamanho, que fazem ninhos em ocos de árvores relativamente pequenos e não apresentam comportamento agressivo, como o observado nas Trigona e Scaptotrigona, e também não produzem uma secreção cáustica que causa irritação na pele, como a Oxytrigona (Nogueira-Neto 1970, Wille 1983). Desse modo, poderiam ser facilmente transportadas do continente para as ilhas. Cabe aqui a observação de que, durante o levantamento realizado na Ilha do Mel, um morador da ilha mantinha em uma pequena caixa de sapato uma colônia de Plebeia droryana, espécie que ocorre na Ilha do Mel e na Ilha das Cobras (observação pessoal). Schwartz & Laroca (2000) afirmaram que a segunda hipótese é improvável, argumentando que, segundo Bigarella et al. (1975), na época do isolamento possivelmente estaria ocorrendo o “ótimo climático”, com a máxima expansão florestal. No entanto, essa afirmação é equivocada pois, pela variação do nível do mar no litoral paranaense, o “ótimo climático” ocorreu cerca de 5 a 5,4 mil anos atrás, quando o mar chegou a estar 3,5 ± 1,0 m acima do nível atual (Angulo & Souza neste volume, Martin et al. 1996). Como a profundidade atual dos canais entre as ilhas e o continente é de 5 a 9 metros, o início da sua separação deve ter ocorrido há mais de 7500 anos. Mesmo que tenha havido uma concomitante elevação do nível do mar e expansão das formações florestais, de modo que, quando o nível do mar fosse semelhante ao atual, aproximadamente 6500 anos atrás, a distribuição das florestas fosse também semelhante à que ocorria na região antes da colonização pelo Homem europeu, teríamos que admitir que, no momento do isolamento das ilhas, o nível do mar deveria ser alguns metros mais baixo que o atual e a distribuição das florestas úmidas deveria ser mais restrita. Mas a simultânea alteração nessas duas variáveis não é segura e, para Klein (1975), há indícios de que houve uma resposta tardia nas alterações da distribuição das formações florestais em relação à Fernando César Vieira Zanella 202 flutuação de um clima seco para um clima úmido que ocorreu a partir do final do Quaternário, pois mesmo hoje as florestas de folhas largas do sul do Brasil ainda estão em processo de expansão. A análise da origem das populações de Meliponini das ilhas é ainda dificultada pelo fato de que, mesmo que sejam relictos da época da ligação com o continente, não é possível afirmar que estejam geneticamente isoladas desde a formação das ilhas, uma vez que machos poderiam se deslocar do continente para as ilhas, ou vice-versa, ainda que de maneira ocasional e não ativa. A possibilidade de dispersão de machos por barreiras como rios foi sugerida por Camargo (1994), a partir da observação de colônias de Melipona seminigra (Friese 1903) na Amazônia. Segundo ele, à esquerda do rio Purus ocorre uma forma de cor negra e, à direita, uma forma com o abdômen amarelado, e próximo à foz do rio, na margem direita, havia uma colônia que apresentava machos e operárias de ambas as formas. Outro aspecto importante das comunidades insulares é a pobreza de espécies e baixa abundância de Megachilidae. Essa família de abelhas solitárias foi a que apresentou o maior número de espécies em Alexandra, mas apenas uma reduzida representação nas comunidades insulares. Zanella et al. (1998) relacionaram esse processo de eliminação seletiva não a uma característica específica da biologia dessas abelhas, mas a uma tendência à exclusão de espécies raras ou com baixa densidade em ilhas (MacArthur 1972). Essa exclusão preferencial é observada na Figura 7, na qual estão representadas as espécies coletadas em Alexandra, classificadas em predominantes e raras de acordo com o método de Kato (1952 in Laroca 1995), e a representação dessas espécies nas comunidades da Ilha do Mel e da Ilha das Cobras. As diferenças observadas na proporção dos dois grupos de espécies são diferentes entre Alexandra e Ilha do Mel (x2=13,69, G.L.=1, P<0,01), e entre Alexandra e Ilha da Cobras, nesse caso somente quando os Meliponini são eliminados da análise (x2=4,66, G.L.=1, P<0,05). A baixa representatividade de abelhas da família Megachilidae nas comunidades insulares provavelmente se deve, assim, ao fato de serem espécies usualmente com baixa densidade populacional, característica que também deve determinar a pequena abundância dessas espécies nos levantamentos realizados. Em Alexandra foram coletados apenas 119 indivíduos para 29 espécies do gênero Megachile, resultando em uma média de 4,1 indivíduos por espécie (Laroca 1974). Em levantamentos realizados em outras regiões do país, a abundância relativa dentre os Megachilidae também é baixa, variando entre 1,6 e 4,6 indivíduos por espécie (ver Bortoli & Laroca 1990, Silveira & Campos 1996 e referências citadas). Meio Biológico - ABelhAs dA ilhA do Mel: estruturA dA coMunidAde, relAções BiográficAs e vAriAção sAzonAl 203 Quanto à variação sazonal na abundância das abelhas, ocorreu uma redução acentuada nas atividades de visita às flores durante o inverno, sendo que Colletidae, Megachilidae e vários Apidae não-corbiculados apresentaram uma interrupção na atividade durante esse período. Essa redução não foi observada de forma tão intensa nos levantamentos realizados em Alexandra e na Ilha das Cobras, e em Alexandra foram coletadas espécies de Megachilidae também durante o inverno (Laroca 1974, Schwartz & Laroca 2000). A depressão mais acentuada na abundância e diversidade de abelhas durante o inverno na amostra da Ilha do Mel deve-se certamente ao fato de o inverno ter sido mais rigoroso no ano em que foram realizadas as coletas, apresentando temperaturas mais baixas e precipitações menores do que o normal (Britez & Marques neste volume, Zanella 1991). O inverno na planície litorânea paranaense corresponde ao período que, além das baixas temperaturas, apresenta as mais baixas precipitações pluviométricas, e essa concomitante ocorrência no período desfavorável de escassas chuvas com baixas temperaturas certamente contribuiu paraa correlação positiva entre a precipitação mensal e o número de abelhas coletadas. O período de maior diversidade de espécies foi semelhante ao observado no levantamento realizado na Ilha das Cobras, de janeiro a abril. Em Alexandra, exceto por uma pequena redução no número de espécies durante o inverno, houve uma maior uniformidade na riqueza de espécies coletadas em cada dia, com picos em março, outubro e abril (Laroca 1974). Em relação aos registros dos ciclos de atividade de cada espécie, os dados obtidos não permitem uma discussão mais aprofundada, uma vez que a coleta de abelhas nas flores não fornece informações seguras a respeito dos Figura 7 - Espécies coletadas em Alexandra classificadas em predominantes e raras, e sua ocorrência na Ilha do Mel e Ilha das Cobras (Fonte: Zanella 1991, Schwartz & Laroca 2000). Fernando César Vieira Zanella 204 períodos em que as espécies não apresentam indivíduos adultos em atividade de vôo. Isso acontece porque a sua ausência em um dia de coleta pode representar apenas a ausência de plantas com flores atrativas dentro da área restrita em que foi realizado o levantamento. A coleta de indivíduos ativos, entretanto, especialmente de fêmeas, permite confirmar a ocorrência de atividade de coleta de recursos e aprovisionamento de ninhos. Nesse sentido, o fato de algumas espécies, como Dialictus opacus, Augochloropsis cupreola e Augochloropsis multiplex, terem sido coletadas ao longo de praticamente todo o ano indica que não deve haver uma restrição climatológica às suas atividades, mesmo durante o inverno. E a ausência de registros dessas espécies em vários meses do ano em Alexandra (Laroca 1974) deve representar apenas o resultado da sua baixa abundância local e conseqüente baixa probabilidade de captura. As espécies que devem apresentar períodos mais restritos de atividade de vôo concentram suas atividades entre o final da primavera e o início do outono, o que resulta nesse período ser o de maior diversidade de espécies, especialmente entre janeiro e abril. Para concluir esta contribuição, é interessante fazer uma reflexão sobre a importância da preservação das comunidades de plantas e animais da Ilha do Mel e de outras ilhas, em particular das comunidades de abelhas. Se analisarmos o valor da conservação da fauna de abelhas da Ilha do Mel apenas em termos do número de espécies a ser preservado, ele certamente será menor do que o de áreas semelhantes no continente, tendo em vista a menor diversidade de espécies. Entretanto, como ressaltado por Janzen (1997), o que devemos preservar não são somente as espécies, mas as interações ecológicas entre elas. Nesse sentido, as comunidades insulares oferecem uma oportunidade única de se estudar a diferenciação de populações isoladas e as interações entre as espécies de abelhas, e entre estas e a flora visitada, em uma condição de ausência de várias espécies abundantes no continente. Essas comunidades podem ser consideradas, assim, o resultado de um “experimento natural” que se estende por cerca de 7 mil anos, e que não poderá ser reproduzido pelo Homem. E a sua preservação e estudo é de grande importância para se conhecer a história natural da região. Meio Biológico - ABelhAs dA ilhA do Mel: estruturA dA coMunidAde, relAções BiográficAs e vAriAção sAzonAl 205 Referências AB’SABER, A.N. 1977. Espaços ocupados pela expansão dos climas secos na América do Sul, por ocasião dos períodos glaciais quaternários. Paleoclimas, 3:1-19. BARBOLA, I.F. & LAROCA, S. 1993. A comunidade de Apoidea (Hymenoptera) da Reserva Passa Dois (Lapa, Paraná, Brasil). I: Diversidade, abundância relativa e atividade sazonal. Acta Biológica Paranaense, 22:91-113. BERRY, R.J. 1983. Diversity and differentiation: the importance of island biology for general theory. Oikos, 41:523-529. BIGARELLA, J.J., ANDRADE-LIMA, D. & RIEHS, P.J. 1975. Considerações a respeito das mudanças paleoambientais na distribuição de algumas espécies vegetais e animais no Brasil. Anais da Academia Brasileira de Ciências, 47:411-465. Suplemento. BORTOLI, C. de & LAROCA, S. 1990. 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Posteriormente, muitas análises demonstraram a relação da riqueza e abundância de animais com diversos parâmetros físicos, químicos e biológicos, a partir de estudos de avifaunas insulares (Mayr 1942, Preston 1962, Hamilton & Rubinoff 1963, 1964, Carlquist 1965, Hamilton & Armstrong 1965, Thornton 1967, McArthur & Wilson 1963, 1967, Whitehead & Jones 1969, Haila 1983, Simberloff 1983, Boecklen & Nocedal 1991, Peltonen & Hanski 1991, Holt 1992, Bush & Whittaker 1993), acrescentando novos parâmetros à investigação da Ecologia de campo e às suas aplicações, bem como revelando a complexidade das relações das espécies animais com o seu meio e entre si. Mais recentemente, outros trabalhos foram desenvolvidos em torno de aspectos biogeográficos insulares, como a colonização de ilhas por aves (Schipper et al. 2001) e a aplicação de princípios teóricos na conservação e no manejo da avifauna (Curio 2002) e no planejamento ambiental (Helmer 2004). Algumas variações estão nos estudos da dinâmica de fragmentos florestais, que investigam o efeito do isolamento sobre diversidade de espécies e processos ecológicos (Cosson et al. 1999, Krauss et al. 2004). E, ainda, em pesquisas da adaptabilidade de diferentes espécies de aves a ambientes peridomiciliares recentemente criados em ilhas (Catry et al. 2000, Murphy et al. 2001). Esses estudos integram um eixo de análises da relação do homem com a natureza, que vem sendo bastante pesquisado no mundo todo. Entretanto, análises qualitativas continuam sendo Valéria dos Santos Moraes 210 realizadas (Runciman et al. 1998, Filardi et al. 1999, Lee et al. 1999, Holdaway 2001, Kratter et al. 2001, Saguindang et al. 2002). No Brasil, mais especificamente, as aves de ilhas têm sido objeto de estudo como componentes da avifauna marinha, como nas descrições das comunidades de aves do Atol das Rocas (Schulz Neto 1998), litoral do Paraná (Moraes & Krul 1995a) e de Santa Catarina (Branco 2003). E, ainda, como elementos de estudos da distribuição espacial de aves em fragmentos de florestas (Pimm 1998, Gimenes & Anjos 2000) e discussões dos efeitos de perturbações antropogênicas (Moraes & Krul 1999), não havendo muito aprofundamento em torno da compreensão da dinâmica estrutural e funcional das comunidades avifaunísticas do expressivo número de ilhas costeiras situadas em território nacional. Considerando-se essa ausência temática literária, que se contrapõe à importância dos ambientes insulares como fontes de diferenciação ecológica de espécies e comunidades faunísticas e florísticas, procurou-se aqui organizar informações sobre a estrutura da avifauna da Ilha do Mel, que já havia sido enfocada em uma listagem preliminar de espécies (Moraes 1991) e em uma comparação com outras cinco ilhas costeiras e faixa continental de Pontal do Sul (Moraes 1998). No presente manuscrito, discute-se a divisão das espécies de aves em diferentes espaços que caracterizam hábitats, intervalos anuais e classes alimentares disponíveis na ilha. A presente interpretação complementa as argumentações anteriores apresentadas nos trabalhos antecedentes, na medida em que reflete, de uma maneira inédita, sobre aspectos básicos de um padrão espaço- temporal que está tão fortemente vinculado ao tipo de conformação paisagística da planície costeira paranaense. Material e Métodos Entre abril de 1989 e janeiro de 1997 efetuaram-se pesquisas sobre a avifauna da Ilha do Mel, em excursões quinzenais, quando procurou-se dividir o número total de horas de observação de forma igualitária entre os diferentes hábitats mencionados na Tabela 1. Foi possível, dessa forma, compreender aspectos da configuração das diferentes comunidades que se segregam de acordo com as necessidades ecológicas das espécies que as compõem. Não houve nenhum tipo de preocupação com a homogeneidade das amostras no que se refere a acidentes geográficos e/ou áreas domiciliares. Isso porque a pesquisa relatada nesteMeio Biológico - Aves 211 manuscrito não teve o objetivo de analisar áreas de vida, territórios e extensão de deslocamento de indivíduos dentro da ilha. Durante as amostragens, alternaram-se caminhadas ininterruptas e paradas, sempre com uso de binóculos. Em alguns casos, foram efetuadas gravações de cantos e chamados para posterior identificação por comparação com o Arquivo Sonoro da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O número total de horas de observação foi definido a partir da estabilização da curva cumulativa de descoberta de espécies. As unidades amostrais corresponderam a um dia integral de trabalho, ou seja, a 10 horas de observação. E, para evitar o efeito da atividade diária diferencial das aves, os períodos da manhã, entre seis e 11 horas, e tarde, entre 14 e 19 horas, foram amostrados de forma homogênea. Guildas foram obtidas de Moraes (1998) e formas de permanência designadas conforme Sick (1997), como indica a Tabela 1. Esses parâmetros foram adotados tendo em vista a construção de um esboço de perfil da estrutura da avifauna local, o que foi mais bem visualizado a partir do cálculo também da freqüência de ocorrência das espécies, dividindo-se o número de registros de cada uma delas pelo número total de unidades amostrais efetuadas (ft) e pelo número total de unidades amostrais efetuadas em cada hábitat das áreas de estudo. As espécies foram classificadas nas seguintes classes de freqüência: (1) até 25%; (2) 25,1 a 50%; (3) 50,1 a 75%; e (4) 75,1 a 100%, o que indica o quão comuns ou raras são as formas verificáveis na localidade pesquisada. Resultados Foram levantadas 119 espécies de aves na Ilha do Mel (Tabela 1). Elementos com freqüência de ocorrência menor ou igual a 25% predominaram, representando 55% do total verificado. Setenta e quatro espécies nidificaram no local, das quais 56 permaneceram ao longo de todos os meses do ano e 18 migraram, estando presentes entre setembro e abril. As aves que compuseram as comunidades em questão ocuparam 28 guildas, sendo mais freqüentes as consumidoras de frutos, sementes e insetos (23,5% do total), que ocuparam em maior proporção os estratos arbustivo (12 espécies) e arbóreo (11). Foi também significativa a ocorrência de insetívoras (22,7% do total), presentes principalmente no espaço aéreo (10 espécies) e estratos arbustivo (cinco) e arbóreo (quatro). Predadoras de invertebrados em geral e generalistas representaram 16,8% das espécies. Valéria dos Santos Moraes 212 Nas formações campestres em contato com a praia arenosa foram verificadas 31 espécies, das quais a grande maioria, ou seja, 48,4%, apresentou freqüência de ocorrência menor ou igual a 25%. Os Charadriiformes representaram 32,2% do número total de espécies presentes, enquanto Passeriformes e Ciconiiformes perfizeram, respectivamente, 25,8 e 19,3% da avifauna. A floresta inundável halófita comportou a permanência de 60 espécies de aves. Destas, 37 mostraram-se presentes em todos os meses do ano. Houve predomínio de Passeriformes (32 espécies ou 53,3% do total) sobre os demais grupos taxonômicos. A maioria das espécies, ou seja, 45% da avifauna, apresentou freqüência de ocorrência menor ou igual a 25%, enquanto apenas 3,3% dos componentes da comunidade estiveram presentes entre 75,1 e 100% das amostragens. Entre os meses de setembro e abril, a avifauna se compôs de 37 nidificantes residentes e 16 nidificantes migratórias e uma migratória setentrional. Entre abril e setembro permaneceram as residentes e acresceu-se a elas uma migratória meridional, Lurocalis nattereri. Nas florestas não inundáveis e inundáveis foram registradas 68 espécies, das quais 47 nidificantes residentes. Os Passeriformes representaram 64,2% desse total, tendo sido mais ricas em formas as famílias Tyrannidae (17 espécies) e Emberizidae (11). Trinta espécies apresentaram freqüência de ocorrência menor ou igual a 25%, e 12 entre 75,1 e 100%. Apenas uma migratória meridional (Pyrocephalus rubinus) esteve presente entre abril e setembro, em substituição às migratórias setentrionais. Um total de 58 espécies compôs a comunidade avifaunística associada à floresta ombrófila densa. Houve maior número de nidificantes residentes (38 espécies) e nidificantes migratórias (11). Os Passeriformes representaram o grupo mais rico (39 espécies ou 67,2% do total), estando bem representadas as famílias Tyrannidae (13 espécies) e Emberizidae (11), que juntas comportaram 41,4% de toda a avifauna. Vinte e duas espécies obtiveram freqüência de ocorrência menor ou igual a 25%, e 12 entre 75,1 e 100%. Entre setembro e abril, ocorreram esporadicamente outras nove espécies. As áreas peridomiciliares foram freqüentadas por 71 espécies, das quais 64,3% pertencentes à ordem Passeriformes. As famílias mais bem representadas em termos de riqueza específica foram Emberizidae (15 espécies), Tyrannidae (14) e Columbidae (cinco). Encontraram-se 32 espécies com freqüência de ocorrência igual ou inferior a 25%. As demais se dividiram homogeneamente entre as outras Meio Biológico - Aves 213 Ta b el a 1 - E sp éc ie s de a ve s da Il ha d o M el , c om m en çã o a: fr eq üê nc ia s de o co rr ên ci a to ta l ( f t) e p or h áb ita ts [F C – fo rm aç ão c am pe st re e m c on ta to c om p ra ia ar en os a; F H – F lo re st a in un dá ve l h al óf ila ; F L − flo re st a nã o in un dá ve l e in un dá ve l; FO − fl or es ta s om br óf ila s de ns as d e te rr as b ai xa s e su bm on ta na s; A P − á re as pe rid om ic ili ar es ; ca te go ria s de p er m an ên ci a (C P ), d es ig na da s co nf or m e Si ck ( 19 97 ): ( 1) n id ifi ca nt es r es id en te s, ( 2) n id ifi ca nt es m ig ra tó ria s, ( 3) m ig ra tó ria s se te nt rio na is , ( 4) m ig ra tó ria s m er id io na is , ( 5) v is ita nt es d as a dj ac ên ci as , e ( 6) o co rr ên ci as e sp or ád ic as ; o cu pa çã o de e sp aç o (s o − so lo ; es tr at os v eg et ac io na is : he – h er bá ce o, a r – ar bu st iv o, e a b − ar bó re o; e a − es pa ço a ér eo ; c a − co rp o aq uo so ; t a – to do s os a nt er io re s) e c la ss es a lim en ta re s (C FS – c on su m id or es d e fr ut os e s em en te s; C N E – c on su m id or es d e né ct ar ; P IS – p re da do re s de in se to s; C FS A – c on su m id or es d e fr ut os , s em en te s e ar tr óp od os ; P V E – p re da do re s de ve rt eb ra do s; C M O D – c on su m id or es d e m at ér ia o rg ân ic a em d ec om po si çã o; P P E – p re da do re s de p ei xe s; P IN – p re da do re s de in ve rt eb ra do s; P IV – p re da do re s de in ve rt eb ra do s e ve rt eb ra do s; C G E –c on su m id or es g en er al is ta s. ) Valéria dos Santos Moraes 214 Meio Biológico - Aves 215 Valéria dos Santos Moraes 216 Meio Biológico - Aves 217 Valéria dos Santos Moraes 218 Meio Biológico - Aves 219 Valéria dos Santos Moraes 220 classes de freqüência. Quarenta e cinco elementos mostraram-se presentes ao longo do ano, com 11 espécies registradas em até 25% das amostragens nessas áreas. Outras 12 formas apresentaram freqüência de ocorrência entre 50,1 e 75%. Entre setembro e abril, acresceram-se a estas mais 10 espécies, dentre as quais 70% apareceram em apenas no máximo 25% das amostragens. Discussão A listagem de aves sugerida pode ser considerada uma amostra confiável da comunidade ornitofaunística da Ilha do Mel, pois a pesquisa de campo somente foi concluída quando a curva cumulativa de número de espécies em função do tempo de amostragem atingiu uma assíntota. Além disso, diferentes períodos diários e anuais e os distintos hábitats foram amostrados de forma homogênea, e esforço e métodos de coleta de dados foram padronizados e submetidos a condições meteorológicas semelhantes. Cabe acrescentar, no entanto, à avifauna descrita, outras 12 espécies que haviam sido registradas por Moraes (1991) e, dentre as quais, Sarcoramphus papa (Linnaeus, 1758), Calidris melanotos (Vieillot 1819) e Progne tapera (Linnaeus, 1766), parecem representar presenças acidentais naquele espaço insulado. Já Tyto alba (Scopoli, 1769) e Macropsalis creagra (Bonaparte 1850) são nidificantes, o que pôde ser observado circunstancialmente em visitas informais à ilha. E as demais sete espécies adicionadas do referido manuscrito, apesar de ser difícil precisar sua forma de permanência e/ou freqüência de ocorrência na região, são possivelmente residentes na Ilha do Mel, pois tratam-se de elementos que, em geral, não demonstram hábitos migratórios muito acentuados. São elas: Rynchops niger (Linnaeus, 1758), Tapera naevia (Linnaeus, 1766), Otus choliba (Vieillot, 1817), Chloroceryle americana (Gmelin, 1788), C. aenea (Pallas, 1764), Piprites chloris (Temminck, 1822) e Oxyruncus cristatus (Swainsoni, 1821). Todas essas formas avifaunísticas participam da comunidade animal insular em questão em diferentes proporções, e sua importância na manutenção da estrutura dos seus hábitats pode, até certo ponto, ser inferida das freqüências de ocorrência calculadas. Espécies notificadas com freqüência de ocorrência menor ou igual a 25% ou são naturalmente raras no local (como é sugerido para Leucopternis lacernulata) ou talvez tenham sido subestimadas durante as sessões de observação por causa de hábitos crípticos ou falhas de amostragem. Aspectos como conspicuidade visual (por causa do hábito de freqüentar ambientes abertos, onde Meio Biológico - Aves 221 o campo de visão dos observadores se alarga, facilitando a obtenção de registros) e/ou sonora podem causar falsas interpretações. Mas não se deve descartar a possibilidade de que esses indivíduos, quando registrados na Ilha do Mel, estivessem se movimentando entre ilhas próximas e/ou entre estas e o continente, o que, em alguns casos, pode acabar resultando na efetiva colonização de novas áreas. Essa possibilidade se estende também a espécies notificadas apenas a partir de registros isolados, como Bubulcus ibis, Buteo brachyurus, Geotrygon montana, Nyctibius griseus, Knipolegus cyanirostris e Tyrannus savanna. Espécies que apareceram com freqüência de ocorrência superior a 50%, por sua vez, devem ser residentes naturalmente abundantes, com ampla distribuição ambiental e largo espectro alimentar. É o caso de Coragyps atratus, Milvago chimachima e Pitangus sulphuratus, cuja maior abundância populacional se explica pela grande flexibilidade de seleção e uso de hábitats que apresentam, característica considerada uma das principais propriedades de espécies biológicas hábeis para a colonização de ilhas. Trabalhos de décadas antecedentes enfatizavam essa peculiaridade que, quando pertencente à natureza de algumas espécies antes da colonização, garante-lhes sucesso no processo de chegada em ilhas (Mayr 1965a, b, Simberloff 1981, Parsons 1982, Haila et al. 1983). Recentemente, Maron et al. (2004), ao investigar a dispersão de plantas, notificaram a importância de processos evolutivos que acontecem depois da invasão de ilhas, o que significa dizer que uma forma animal ou vegetal pode se transformar em uma boa colonizadora quando em contato com o ambiente recém-colonizado, caso as circunstâncias do novo ambiente assim o permitam. E tanto os processos ecológicos e evolutivos anteriores à colonização quanto os que ocorrem após a chegada de um novo integrante de uma fauna ou flora insular causarão flutuações periódicas e constantes da abundância das espécies. A abundância de indivíduos também varia de acordo com os períodos de migração sazonal das aves, o que faz com que a composição e a estrutura das comunidades se modifiquem ao longo de ciclos anuais, seguindo padrões que se repetem com alguma variação própria às peculiares de cada período. Na Ilha do Mel, entre os meses de setembro e abril, as formas migratórias provenientes do hemisfério norte e as nidificantes migratórias compartilharam dos ambientes naturais ao lado das nidificantes residentes. Esse acréscimo de elementos migratórios à avifauna residente ocasionou a obtenção de maior riqueza de espécies entre os meses de setembro e abril, o que pode estar associado à frutificação e floração sazonal de muitos vegetais, que garante uma provisão adequada de alimento Valéria dos Santos Moraes 222 para algumas aves frugívoras e/ou nectarívoras. Moraes & Krul (1997) apresentam evidências de forte relação entre a disponibilidade de frutos e a presença de Tangara peruviana, que, contrariando os seus reconhecidos hábitos migratórios, parece permanecer ao longo das quatro estações do ano na planície costeira paranaense. De forma semelhante, taxas de recrutamento de invertebrados e vertebrados, que servem de presas para predadoras, devem influenciar na estrutura sazonal da avifauna local. Ylönen et al. (2003) demonstram que a relação predador-presa afeta a dinâmica das populações envolvidas, a partir de seqüências de extinção e recolonização causadas por esse tipo de interação. A seleção diferencial de hábitats indica, portanto, a disponibilidade de alimentos e a possibilidade de sobrevivência das espécies de acordo com as adaptações morfofisiológicas que lhes permitem a exploração de recursos sob condições ambientais específicas. Algumas aves, por causa de rigorosas necessidades ecológicas, podem ser inclusive consideradas boas indicadoras da qualidade ambiental. Na Ilha do Mel, algumas aves apareceram restritas a determinados hábitats, como é o caso de Ardea cocoi e C. americana nas florestas inundáveis halófitas, N. griseus e Poecilotriccus plumbeiceps nas florestas não inundáveis e inundáveis e de B. brachyurus, L. lacernulata, Asio stygius, Trogon surrucura, Automolus leucophthalmus, Syristes sibilator e Pachyramphus polychopterus em floresta ombrófila densa. No entanto, para afirmar sua condição de bioindicadoras da boa qualidade desses ambientes, seriam necessárias informações mais detalhadas a respeito da saúde e viabilidade de suas populações locais. Situadas em outro extremo, algumas oportunistas têm alta capacidade de resistir a alterações ambientais e sobrevivem regularmente em áreas antropizadas, como C. atratus, Furnarius rufus e Thraupis sayaca. Mas o fato é que tanto essas generalistas quanto as formas mais exigentes dependem da complexidade estrutural do ambiente (Gilbert 1980), a fim de obter recursos para sua proliferação. A seletividade de ambientes manifestada pelas aves, associada à variabilidade quese expressa na existência de diferentes constituições do espaço e do tempo, ocasiona o aparecimento de comunidades avifaunísticas que têm composições e estruturas que variam ao longo de diferentes ciclos anuais, havendo necessidade de um alargamento máximo possível no esforço amostral de qualquer comunidade que se queira conhecer com exatidão. Burton et al. (2004) verificaram que, no caso de aves de praia, só é possível obter estimativas precisas da ocupação do espaço por diferentes espécies quando se efetuam contagens populacionais de hora em hora, de modo a se amostrarem todos os ciclos de marés. Em ambientes Meio Biológico - Aves 223 terrestres, as variáveis são outras, mas a variabilidade das situações ambientais também influencia fortemente a distribuição qualitativa e quantitativa das aves e outros animais. Por causa da complexidade dos processos que estruturam as comunidades animais e vegetais, sugere-se o desenvolvimento de estudos mais detalhados sobre as espécies de aves que habitam os diferentes ambientes da Ilha do Mel, e também comparações entre as freqüências de ocorrência das formas consideradas especialistas e as generalistas, a fim de se conhecer com mais exatidão a estrutura da avifauna dessa ilha. É importante ainda que se divulgue a relevância ecológica da fauna ornitológica para a manutenção dos ecossistemas locais, haja vista a grande intensidade das atividades turísticas e do processo de ocupação da paisagem por construções domiciliares e comerciais que vem se sobrepondo à natureza original do lugar. Cabe ressaltar que a Ilha do Mel representa importante refúgio para populações de aves vulneráveis e ameaçadas de extinção, como Amazona brasiliensis e outras formas raras (L. lacernulata, Dryocopus lineatus, Campephilus robustus, T. peruviana, dentre outras). Moraes & Krul (1995b) relatam a reprodução de M. creagra na Ilha do Mel, espécie considerada rara, cujos ninho, ovo e filhote nunca haviam sido descobertos e descritos. Certamente outras novas descobertas de relevante interesse científico poderão vir a ser reveladas por estudos que possam, inclusive, esclarecer ainda mais a situação de vulnerabilidade da avifauna aos padrões paisagísticos atrativos da área e sua localização em rota turística. Espera-se que os dados apresentados possam ser, de alguma forma, úteis para o embasamento de pesquisas mais detalhadas e/ou de planos de uso e ocupação de espaços da Ilha do Mel. Referências BOECKLEN, W.J. & NOCEDAL, J. 1991. Are species trajectories bounded or not? Journal of Biogeography, 18:647-652. BRANCO, J.O. 2003. Reprodução das aves marinhas nas ilhas costeiras de Santa Catarina, Brasil. Revista Brasileira de Zoologia, 20(4):619-623. BURTON, N.H.K., MUSGROVE, A.J. & REHFISCH, M.M. 2004. 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Pelo levantamento da Fundação SOS Mata Atlântica/ INPE (2002), entre 1995 e 2000, a Floresta Atlântica passou de 16,6% de sua extensão original para 16,4%, incluindo floresta em estágio médio de sucessão. Se forem consideradas apenas as áreas mapeadas anteriormente (florestas bem preservadas e de grandes extensões), esse índice passou de 7,3%, em 1995, para 7,1%, em 2000. Atualmente a floresta encontra-se fortemente ameaçada por desma- tamentos, caça, extração de palmito, madeira e outros, além da atividade agropecuária, queimadas, descargas de lixo, esgotos e expansão urbana. Esses danos são geralmente causados por fazendeiros, empresários, turistas (que, nas temporadas, triplicam a população das cidades litorâneas), e pela população local na procura da melhoria de sua condição de vida, que na maior parte das vezes é precária. Apesar da devastação acentuada, a Floresta Atlântica ainda abriga uma parcela significativa da diversidade biológica do Brasil, com altos níveis de endemismo. A densidade de ocorrência de espécies por unidade de área para Simone Ferreira de Athayde & Ricardo Miranda de Britez 230 alguns grupos indicadores, como por exemplo os roedores, pode ser superior à da Amazônia. A riqueza pontual é tão significativa que os dois maiores recordes mundiais de diversidade botânica para plantas lenhosas foram registrados nessa região (454 espécies em um único hectare do sul da Bahia e 476 espécies em amostra de mesmo tamanho no norte do Espírito Santo). Apesar dessa grande biodiversidade, a situação é extremamente grave, pois das 202 espécies animais ameaçadas de extinção no Brasil, 171 são da Floresta Atlântica (Ibama, Portaria no 1.522 de 19/12/89). A Floresta Atlântica, além da alta biodiversidade, exerce influência direta na vida de mais de 60% da população brasileira (aproximadamente 108 milhões de habitantes), que vivem em seu domínio. Ali circulam 80% do produto interno bruto nacional (PIB). Nas cidades, áreas rurais, comunidades caiçaras e indígenas, ela regula o fluxo dos mananciais hídricos, assegura a fertilidade do solo, controla o clima e protege escarpas e encostas das serras, além de preservar um patrimônio histórico e cultural imenso ISA (2002). Além da diversidade de espécies, o bioma Floresta Atlântica é composto por vários tipos de ecossistemas, ambientes e paisagens com históricos, dinâmicas e composição florística diferenciados de norte a sul do país, desde a vegetação litorânea de praias e dunas até as florestas nas montanhas da Serra do Mar e os campos rupestres em altitudes próximas a 2.000 m s.n.m. O litoral do Paraná representa a maior área contínua de Floresta Atlântica ainda preservada no país. Nessa região existe hoje um conjunto de diferentes unidades de conservação destinadas a proteger os ameaçados ecossistemas costeiros (SPVS 1992). A Ilha do Mel, um dos mais importantes centros turísticos do litoral do Estado, possui 93,4% de sua área total protegida por lei. Existe uma Estação Ecológica, criada em 1982, com 2.240 ha, e um Parque Estadual, criado em 2002, com 338 ha. Além dessas Unidades de Conservação (Uc’s), existem as áreas consideradas de preservação permanente pela legislação (dunas, restingas e praias). A Ilha foi indicada por MMA/SBF (2002) na classe mais importante no que diz respeito à priorização de áreas para conservação da biodiversidade na região da Floresta Atlântica. Em 1996 foi realizado o Plano de Manejo da Estação Ecológica da Ilha do Mel (Sema/IAP 1996), documento que contém os objetivos, atividades e programas necessários à efetiva implantação da Unidade de Conservação, incluindo a participação da comunidade local, turistas e diferentes instituições na Conservação - as unidades de Conservação 231 sua gestão. Foi nesse documento que se propôs a criação do Parque na área sul da Ilha, que foi decretado seis anos depois. Desde então, nada foi feito para a definição de uma política de implantação da Estação e do Parque. O potencial das áreas protegidas da Ilha para a educação ambiental e o ecoturismo tem sido pouco aproveitado, e a pressão turística aumenta a cada ano. Neste capítulo, apresentamos uma caracterização das áreas protegidas da Ilha do Mel em termos legais, ambientais e conservacionistas. Conciliar as regras e objetivos que norteiam essas áreas especiais com as atividades econômicas presentes é um dos principais desafios para a conservação ambiental desse importante pólo turístico do litoral do Paraná. A ocupação da Ilha No início do século XX (década de 1930), a Ilha era bastante procurada por famílias de classe alta provenientes de Curitiba que iam veranear no litoral. Os locais mais freqüentados na ocasião eram as proximidades da Fortaleza ou do Farol de Conchas (Kraemer 1978). Por volta de 1945, com a ocorrência da Segunda Guerra Mundial, acaba-se o apogeu da Ilha, que passou a ser considerada como zona de guerra. Muitas casas foram então desapropriadas para dar lugar aos soldados que faziam plantão no local, já que a Ilha do Mel representava um ponto estratégico de defesa do patrimônio nacional (Kraemer 1978). A influência urbana na Ilha no final da década de 1970 ainda