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Este livro tem a -inalidade de preencher um vácuo, permitindo aos pro-issionais do Direito um conhecimento sustentável, no que se refere à atividade aérea e sua relação com a responsabilidade jurídica em tão complexo campo técnico. Por outro lado alcançará também os pro-issionais da atividade aérea que têm sido alvos das implicâncias da responsabilidade jurídica em toda a atividade, sobretudo em caso de acidentes aeronáuticos. Tudo isto aumenta a demanda por pro-issionais especializados em Direito Aeronáutico tanto do setor público como pelo privado, se valendo de novos instrumentos de atuação. APRESENTAÇÃO Diante do novo contexto nacional e internacional não há mais como desprezar os aspectos jurídicos na atividade aérea. Pilotos, controladores, diretores, gerentes e demais profissionais da aviação partem para um caminho sem volta no que se refere à responsabilidade jurídica. Os últimos acidentes ocorridos no Brasil e no mundo têm apresentado uma desfecho jurídico que tem surpreendido a comunidade aeronáutica e que não pode mais ser ignorada. Conhecer Direito Aeronáutico e saber agir de acordo com ele, será o melhor caminho a percorrer para que os aeronautas evitem dissabores jurídicos. Mostraremos uma série de acidentes ao redor do mundo e verificaremos que a criminalização em caso de acidentes e incidentes aeronáuticos é real, crescente, inevitável e irreversível. Podemos notar que isso ocorre há décadas: em países democráticos e autoritários; em países subdesenvolvidos, em desenvolvimento e desenvolvidos; em países que têm a aviação avançada e outros que nem tanto. A criminalização percorre os países de todos os continentes e culturas. Só há uma maneira de evitar a criminalização em caso de acidentes e incidentes aeronáuticos: evitar as condutas criminosas na atividade aérea que derivam resultados lesivos, pois muitas condutas dos profissionais se enquadram perfeitamente no conceito de crime e, por consequência, serão criminalizadas em virtude da soberania de cada país e da adequação às suas leis penais. Neste sentido, cabe aos profissionais da atividade aérea amoldar suas condutas e procedimentos de forma a evitar as condutas ilícitas para que, como consequência, evitemos a criminalização na atividade aérea. Eis o nosso desafio ao apresentar esta nova mentalidade tão essencial ao futuro da aviação e dos profissionais que nela agem. Dentre os vários casos analisados destacaremos: - Voo 1907 X Legacy: Por que o controlador, contra o qual pesava a mais grave acusação que o levaria a responder penalmente por aproximadamente vinte anos de reclusão, foi absolvido? O que esta absolvição representará para os profissionais da atividade aérea, sobretudo instrutores e checadores? - Voo 3054: Análise da peça acusatória do Ministério Público Federal que apontou três profissionais da atividade aérea como os responsáveis penalmente por este acidente. - Caso Mamonas Assassinas: em 2013 esse caso foi reaberto pela justiça brasileira para fins de apurar a responsabilidade civil. Não havendo nexo causal entre a conduta dos controladores e o acidente, surge um enigma a ser desvendado: quem e quanto se pagará por este acidente? Desejamos bom trabalho aos juízes, advogados e peritos nesta árdua tarefa. Este livro tem a finalidade de preencher um vácuo permitindo aos profissionais do Direito um conhecimento sustentável no que se refere à atividade aérea e sua relação com a responsabilidade jurídica em tão complexo campo técnico. Por outro lado alcançará também os profissionais da atividade aérea que têm sido alvos das implicâncias da responsabilidade jurídica em toda a atividade, sobretudo em caso de acidentes aeronáuticos. Tudo isto aumenta a demanda por profissionais especializados em Direito Aeronáutico tanto do setor público como pelo privado, se valendo de novos instrumentos de atuação. 1 APERTEM OS CINTOS... O COMANDANTE FOI SUGADO PARA FORA PELO PARABRISA EM PLENO VOO! No dia 10 de junho de 1990, ocorreu um dos mais intrigantes acidentes da história da aviação. O copiloto passou a ver uma imagem que não podia acreditar ser verdadeira: a metade do corpo do piloto em comando ficou presa para fora da cabine de pilotos, durante o voo a cinco quilômetros de altura. O corpo do piloto se chocava violentamente na fuselagem do avião o qual deslizava a uma velocidade superior a 500 km horários. Temperatura do ar externo de aproximadamente vinte graus negativos. Com oitenta e um passageiros e seis tripulantes, a aeronave partiu para um mergulho fatal e o copiloto, plenamente atônito, tentou assumir o comando do voo, mas não entendia o motivo pelo qual não conseguia dominar os comandos que estavam travados e passou a lutar inútil e horrivelmente para livrar o bi-reator da funesta descida. Pouco antes de a aeronave alcançar o nível de voo, ouve-se um grande estrondo! A cabine é tomada por uma densa formação, algo semelhante a nevoeiro. Trata-se de uma bomba? Será uma despressurização? Há sinais característicos tanto de uma bomba como de uma despressurização. Tsunami aéreo! Na despressurização o ar não consegue reter o vapor d’água restringindo sensivelmente a visibilidade dentro da cabine. Começa a faltar ar na cabine de comando e na cabine de passageiros. Uma descida de emergência não é descartada. O copiloto tenta, em vão, se comunicar com os órgãos de controle. O barulho é ensurdecedor! Tudo quanto é objeto está voando em todas as direções na cabine de comando. Tudo o que acontece dá a nítida impressão de uma despressurização. Se realmente for, o piloto tem pouco, pouco tempo para tomar uma providência que possa garantir sua vida e dos demais ocupantes da aeronave. Sem o para-brisa esquerdo, a aeronave mergulha vertiginosamente com claros sinais de despressurização. Diante destes sinais o copiloto não tem dúvida alguma que a aeronave apresenta problemas seriíssimos, todavia não consegue identificar precisamente o tipo de emergência. Desconfia de despressurização, porém não consegue discernir o que tenha provocado esta maldita emergência. Mas o que é despressurização? O copiloto passa a exercer a função do primeiro piloto (comandante), e tenta desesperadamente assumir o comando da aeronave. Tarefa inútil! Os comandos estão travados! Qual o motivo do travamento? Olha para esquerda e percebe que o comandante foi sugado para fora da cabine. Só não foi lançado completamente pelos ares, porque um dos seus pés está enroscado na coluna vertical do manche e pelo forte vento que prensa e cola o corpo contra a fuselagem. Um dos comissários percebe o que está acontecendo na cabine e, de pronto, parte para o caos que restou da cabine e passa a segurar as pernas do comandante para que ele não seja arremessado de vez pelo espaço aéreo. Mas a pressão é muito forte, o comissário precisa atuar com uma força descomunal. Acha que não vai aguentar. Comando ainda travado. O avião continua a descer, velozmente, em um mergulho sem precedente, perdendo mais de três mil pés em curtíssimo e precioso tempo. A velocidade ultrapassa a máxima permitida, comprometendo seriamente a estrutura da aeronave. Se continuar a descer com estaexorbitante razão de descida, as superfícies de comando e sustentação poderão ser gravemente danificadas e o avião passará a ser incontrolável, perdendo a manobrabilidade desintegrando-se em pleno ar. O chefe dos comissários se une ao colega de trabalho e juntos tentam retirar o pé do comandante que trava os comandos. O copiloto precisa urgentemente tirar a aeronave do mergulho mortal. A aeronave desce violentamente na região de Heathtrow, dentro do espaço aéreo mais congestionado de Londres. O risco de colisão com outras aeronaves é real e iminente. Mas precisa manter a descida para que alcance níveis mais baixo onde o ar é menos rarefeito. Não há equipamento de oxigênio para todos a bordo. Isto tem que ser feito o mais rápido possível. Manche travado na posição picada - para baixo - aponta o fim prematuro da viagem. Um terceiro comissário se aproxima da cabine e somente agora conseguem desconectar o pé do comandante do manche. O avião está sob o comando do copiloto que faz seu primeiro voo na companhia, porém opta por não nivelar a aeronave. Precisa alcançar urgentemente níveis mais baixos para sair da funesta despressurizarão. A descida é uma necessidade. Precisa alcançar níveis que proporcionem situações ideais de respiração. O corpo do comandante não está mais na parte superior da cabine. Completamente ensanguentado deslizou para a esquerda e para baixo do para-brisa. Acreditam que ele não está mais vivo. Até que ponto vale a pena segurá-lo? Não seria melhor e mais seguro soltá-lo? Como isto aconteceu? Houve sobreviventes? O Copiloto conseguiu pousar aeronave com segurança? Como imputar a responsabilidade jurídica aos verdadeiros culpados por esta ocorrência? A proposta deste livro é estudar este caso e outros mais intrigantes. De uma forma totalmente inovadora, será apresentada à comunidade aeronáutica a concepção jurídica de investigação de acidentes aeronáuticos. 2 INVESTIGAÇÃO JURÍDICA DE ACIDENTES AERONÁUTICOS X INVESTIGAÇÃO TÉCNICA Por que a criminalização tem aumentado em caso de acidentes e incidentes aeronáuticos? Quais são os esforços da comunidade aeronáutica no objetivo de evitar a criminalização? Neste livro mostraremos que a comunidade aeronáutica não conseguirá evitar a criminalização em caso de acidentes e incidentes aeronáuticos e mostraremos o porquê disso. Também apresentaremos os conhecimentos a serem adquiridos para que os profissionais da aviação evite tal dissabor. A Responsabilidade Jurídica na atividade aérea é uma ciência que se iniciou muito antes da criação dos aviões. Já existia na era dos balões. É anterior à Convenção de Chicago1, precede ao Anexo 132 e qualquer outra norma que regulamenta a atividade aérea e investigação de acidente aeronáutico. A história da aviação menciona o caso dos irmãos Montgolfier3 a bordo de um balão no dia 5 de junho de 17834, episódio que contribuiu para a primeira regulamentação aérea em 23 de abril de 1784 pela polícia de Paris, quando proibiu a utilização de aeróstato aos aeronautas que não possuíssem uma licença especial, surgindo a responsabilidade jurídica na atividade aérea. Inexplorada no Brasil, a Investigação Jurídica está avançada na maioria dos países. A problemática com a criminalização é muito mais antiga que qualquer regulamentação internacional. O primeiro caso de que se tem notícia ocorreu há mais de 150 anos na França em 1852, quando se aplicou sanção criminal contra o piloto que causou o acidente de um balão5. O primeiro acidente aeronáutico de notória relevância ocorreu em 1908, envolvendo os irmãos Wright. Na realidade, somente um deles estava presente no acidente. Os irmãos americanos, Orville e Wilbur, apesar de muita controvérsia, foram inventores e pioneiros na construção, com sucesso, do primeiro controlado, alimentado e sustentado mais pesado que o ar, em 17 de dezembro de 1903. O acidente ocorreu com Orville Wright no dia 17 de setembro, resultando em lesão corporal de Orville e na morte de Thomas Selfridge, um tenente do exército americano. O voo fazia parte de uma turnê que os Wright realizavam pelos Estados Unidos e Europa a fim de demonstrar sua máquina voadora. Esses voos eram parte de uma exposição para o Exército dos Estados Unidos. O Exército dos EUA estava considerando comprar aviões da Wright’s para um novo avião militar. Para obter esse contrato, Orville tinha que provar que o avião poderia realizar o voo com sucesso. Controvérsias à parte, a causa do acidente foi atribuída a problemas na instalação da hélice nova que ainda não havia sido testada em voo. A rigor, uma investigação de incidentes e acidentes aeronáuticos divide- se em Investigação Técnica e Investigação Jurídica. A investigação Técnica é realizada conforme orientação da Convenção de Chicago, Anexo 13, e do Manual de Investigação6. É executada pelas autoridades investigativas com a finalidade de apurar causas de um acidente, buscando a prevenção sem o objetivo de apurar responsabilidade ou atribuir culpas. A Investigação Jurídica, por sua vez, subdivide-se em Investigação Administrativa, e Investigação Judicial. A Investigação Administrativa tem a finalidade de apurar responsabilidade administrativa perante o Direito Administrativo – normas regulamentares e disciplinares. A Investigação Judicial tem a finalidade de se apurar responsabilidade civil (dano material e moral) e responsabilidade criminal. Para entendermos melhor essa classificação, citamos o caso de um acidente em que o piloto estava voando em condições climáticas adversas e, devido à baixa visibilidade, colidiu com o terreno e causou a morte de dois ocupantes. O acidente ocorreu pelo fato de o piloto ter ingressado em condições meteorológicas de voo por instrumentos (IMC7) sem habilitação técnica para esse tipo de voo. Neste caso o piloto deveria ser homologado a voar segundo as regras de voo por instrumentos (IFR8), mas tinha apenas habilitação para realizar voos segundo as regras de voo visual (VFR9). Houve flagrante infração administrativa conforme Código Brasileiro de Aeronáutica nos seguintes dispositivos: Art. 302. A multa será aplicada pela prática das seguintes infrações: I - infrações referentes ao uso das aeronaves: t) realizar voo por instrumentos com tripulação inabilitada ou incompleta; Neste caso poderá haver uma investigação administrativa para apurar responsabilidade administrativa e aplicar penalidade prevista. Esse episódio também está sujeito à Investigação Judicial (Responsabilidade Criminal – Responsabilidade Civil). A Responsabilidade Criminal pode ser apurada com a inteligência do artigo 261 Código Penal Brasileiro. Art. 261 - Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea: Pena - reclusão, de dois a cinco anos. Sinistro em transporte marítimo, fluvial ou aéreo. § 1º - Se do fato resulta naufrágio, submersão ou encalhe de embarcação ou a queda ou destruição de aeronave: Pena - reclusão, de quatro a doze anos. Forma qualificada Art. 263 - Se de qualquer dos crimes previstos nos arts. 260 a 262, no caso de desastre ou sinistro, resulta lesão corporal ou morte, aplica-se o disposto no art. 258. A inteligência do artigo 263 do Código Penal Brasileiro com referência aos artigos citados pode resultar em uma pena superior a vinte anos de reclusão em caso de lesão corporal e mortes, que são consequências notáveis em acidentes aeronáuticos. Além disso, as vítimas ouparentes das vítimas podem pleitear indenização diante dos danos causados em decorrência do acidente, desembocando na responsabilidade civil. Acabamos de analisar sucintamente os tipos de responsabilidade decorrentes de um acidente aeronáutico. Por ora, cabe importante análise do item 3.1 do Anexo 13. “Objective of the investigation 3.1 The sole objective of the investigation of an accident or incident shall be the prevention of accidents and incidents. It is not the purpose of this activity to apportion blame or liability. (Grifo do autor). O único objetivo da investigação de um acidente ou incidente deverá ser a prevenção de acidentes e incidentes. Não é o propósito desta atividade atribuir culpa ou responsabilidade. Importante ressaltar que o anexo 13 faz parte da Convenção de Chicago que legisla especificamente a atividade aérea, isto é, Investigação Técnica. Desta forma, esse mandamento está direcionado estritamente às autoridades investigativas que realizam a investigação com a finalidade de prevenção. Que se repita: esse dispositivo está direcionado à Investigação Técnica, portanto não diz respeito à Investigação Administrativa para fins de apuração de infração administrativa e muito menos à Investigação Judicial, para apuração de responsabilidade tanto civil quanto criminal. Dizer que, em uma investigação de acidentes aeronáuticos, não se possa apurar responsabilidade ou culpa é uma das falácias mais intrigantes que tem atormentado a comunidade aeronáutica e com a qual não podemos mais nos conformar. Desta forma, vale também ressaltar que o referido Anexo não regulamenta e não disciplina as atividades investigativas no âmbito jurídico, realizadas tanto pela Polícia Judiciária quanto pela Polícia Administrativa. A afirmação de que o Anexo 13 impede que uma investigação policial ou judicial seja realizada não se coaduna com a melhor hermenêutica jurídica. Asseverar que uma Investigação Técnica não busca responsabilidade ou culpados é salutar; que a Investigação Técnica tem a finalidade de apurar os fatores contribuintes, levantar as causas para aprendizados e evitar que os acidentes se repitam é um objetivo louvável e que precisa ser aprimorado e compartilhado cada vez mais. Mas, não será demasiado repetir, alegar que não se possa apurar responsabilidade ou culpa em caso de acidentes aeronáuticos é um falso silogismo, um sofisma e uma inverdade jurídica sem cabimento no ordenamento jurídico nacional e internacional. O aumento da criminalização de acidentes aeronáuticos ao redor do mundo ratifica nosso argumento em relação à Responsabilidade Jurídica. A finalidade deste livro, assim como dos cursos ministrados pelo autor, é explorar a Investigação Administrativa e a Investigação Judicial. Ao apresentar novos parâmetros e técnicas totalmente diversas e distintas da Investigação Técnica, o autor inova com a Investigação Jurídica, resultando em conhecimento para a comunidade jurídica nacional e internacional. Ao explorar a Investigação Jurídica, assumimos o desafio de entrar em terreno inóspito, muito perigoso, pois é totalmente desconhecido pela comunidade aeronáutica. Muitos têm temido esse estudo. A ignorância traz medo; traz insegurança. Ingressamos sim em um terreno minado, mas podemos garantir a todos os companheiros da comunidade aeronáutica que ignorância ou desprezo desse assunto será muito mais perigoso ainda. Ora! Se a ignorância gera o temor, está na hora de eliminarmos não o medo, e sim o que tem originado esse temor através do conhecimento dos fatos jurídicos. Há uma máxima no seio da comunidade aeronáutica no sentido de que a criminalização é contraproducente à segurança do voo. Pura falácia! O que prejudica a atividade aérea não é a criminalização, mas sim as condutas criminosas que resultam em criminalização. Ao combater a criminalização, a comunidade aeronáutica vai na contramão da verdade jurídica. Equivocadamente, trata dos efeitos ao invés de tratar da causa. Devemos combater a conduta criminosa, os crimes, e teremos evitado a criminalização. O escopo deste livro, de nossos cursos e de nossa obra anterior (Desvendando a Caixa Preta10) é sensibilizar e principalmente conscientizar a comunidade aeronáutica no sentido de rever suas condutas na atividade aérea que possam resultar em criminalização e evitá-las. Desta forma estaremos trilhando um caminho que garante uma melhor segurança na atividade aérea. Temos plena certeza de que muitos profissionais da aviação irão mudar suas atitudes, comportamentos, procedimentos e condutas ao se conscientizarem disso. Também veremos neste livro por que a comunidade aeronáutica e a filosofia CULTURA JUSTA (JUST CULTURE) têm falhado no sentido de evitar a criminalização dos acidentes aeronáuticos. Não vamos nos posicionar a favor ou contra a criminalização em acidentes aeronáuticos, mas vamos explicar essa realidade e apresentar uma proposta para que os profissionais da atividade aérea estejam preparados e evitem um dissabor jurídico em suas carreiras. A comunidade aeronáutica não tem logrado êxito na descriminalização, pois quer evitar a criminalização, quando na realidade deve evitar o crime. "Uma pessoa inteligente resolve um problema, um sábio o previne." (Albert Einstein) A comunidade aeronáutica tem reclamado que a criminalização tem aumentado consideravelmente e tem lutado inutilmente para evitar esse fenômeno.Com toda sinceridade, com os fundamentos e argumentos apresentados pela comunidade aeronáutica para evitar a criminalização, essa luta será infrutífera. O problema é que a comunidade aeronáutica apresenta os mesmos argumentos utilizados há cinquenta anos. A atividade aérea mudou significativamente nesse período. A ciência jurídica está anos luz à frente da ciência aeronáutica. No Brasil, o sistema de ensino-aprendizagem voltado à atividade aérea remonta à década de 50. O sistema de avaliação dos profissionais da aviação está em torno dos níveis mais elementares do processo ensino-aprendizagem, ou seja, DECOREBA. O sistema de avaliação ainda é baseado no simplório sistema de perguntas e alternativas. Precisamos nos aperfeiçoar e alcançar outros níveis de aprendizagem para que possamos entender o momento jurídico que envolve a atividade aérea e superá-lo. O problema da criminalização na atividade aérea que enfrentamos hoje não pode ser resolvido no mesmo nível de conhecimento em que estávamos quando a aviação foi criada. Se quisermos mudar os resultados, se quisermos evitar a criminalização, precisamos avançar e evitar as condutas criminosas. "Não espere sobreviver aos desafios do ambiente de negócios de hoje utilizando ferramentas de ontem." (Autor desconhecido) Neste livro examinaremos incidentes e acidentes aeronáuticos explorando a responsabilidade jurídica, ou seja, uma análise criteriosa da interpretação e aplicação das regras e normas de tráfego aéreo de uma maneira ainda não vista no seio da comunidade aeronáutica. Nessa específica análise, utilizaremos raciocínio lógico técnico-jurídico aplicado a uma investigação jurídica que difere substancialmente dos critérios utilizados na Investigação Técnica. Se a comunidade aeronáutica deseja evitar a criminalização em caso de acidente aeronáutico, precisa conhecer os critérios utilizados numa investigação jurídica e principalmente passar a agir de modo a evitar atitudes e comportamentos considerados condutas criminosas. E aí sim teráevitado a criminalização. Qualquer atitude diferente disso é caminhar na contramão da história e futuro da aviação. E a comunidade aeronáutica que não se engane, pois não conseguirá evitar a criminalização em caso de incidentes e acidentes aeronáuticos; pelo menos pelo mesmo caminho que tem trilhado até agora. Evitar a criminalização? Falácia! Evitar a conduta criminosa e consequente criminalização. Esta é proposta deste livro. Trata-se de uma nova concepção na atividade aérea. "A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original." (Albert Einstein) 1 Convenção de Chicago - Convenção sobre Aviação Civil Internacional, cuja função é coordenar e regular o transporte aéreo internacional. 2 Aircraft Accident and Incident Investigation. 3 Os irmãos Joseph Michel Montgolfier e Jaques Étienme Montgolfier são considerados os inventores do primeiro aeróstato tripulado. 4 GILLISPEI. Charles Couslton. Montgolfiers brothers and the invention of aviation. New Jersey: Princeton University, 1983, pp. 3-4. 5 A Van Wijk ‘Criminal Liability of Pilots Following an Airline Accident: A Histroy of the Issue Within the International Federation of Air Line Pilots’Associations (IFALPA)’ (1984) IX Air Law 66. 6 Doc 9859 - Safety Management Manual (SMM). 7 IMC – Instrument Meteorological Conditions – Condições Meteorológicas por Instrumentos. 8 IFR – Instrument Flight Rules – Regras de Voo por Instrumentos. 9 VFR - Visual Flight Rules - Regras de Voo Visual. 10 PROFESSOR KALAZANS. Desvendando a Caixa Preta. São Paulo: Editora All Print, 2012. 3 NÃO HÁ NADA DE NOVO DEBAIXO DO SOL! Vou iniciar as análises dos acidentes aeronáuticos neste livro tal como começo algumas palestras e aulas, formulando algumas perguntas sobre acidentes aéreos, e tenho a certeza de que o nobre leitor vai se surpreender. Uma tripulação americana veio a São José dos Campos – EMBRAER – em busca de um avião e, devido a um mal-entendido em relação à autorização da altitude, a aeronave veio a se envolver em um acidente. Isso ocorreu em setembro de um ano terminado em 6. Com esses dados o leitor teria condições de identificar o acidente? Talvez o leitor se precipite e responda que esse fato se refere ao caso voo 1907 X Legacy, ocorrido em setembro de 2006. Mas me refiro ao acidente ocorrido no dia 10 de setembro de 1986 com um avião da Atlantic Southeast, modelo EMB 120 Brasília, prefixo N219AS, quando colidiu com a serra da Mantiqueira, Vale do Paraíba, estado de São Paulo, com perda total da aeronave e cinco vítimas fatais. Outra pergunta: Em setembro de um determinado ano também terminado em 6, uma aeronave, voo 1907, foi instruída para determinada altitude. O piloto americano se equivocou e, desobedecendo à altitude instruída pelos controladores de tráfego aéreo, veio a se chocar com outra aeronave no mesmo nível, matando todos os seus ocupantes. Que acidente é este? Talvez o leitor se precipite novamente e responda que é o caso voo 1907 X Legacy, ocorrido no Brasil em 2006. Mas faço menção ao voo Cazaquistão 1907, da empresa Kazakhstan Airlines, uma aeronave do tipo Ilyushin 76 que, em 12 de novembro de 1996, se chocou nos arredores do aeroporto internacional Indira Gandhi, Nova Déli, com um Boeing 747 da empresa Saudi Arábia Airlines. O controlador, para separar dois tráfegos que evoluíam em rumos opostos na mesma rota, autorizou o voo 1907 a descer e manter o nível 150, evitando o tráfego em sentido contrário, que estava mantendo o nível 140. O voo 1907 não obedeceu às instruções do órgão de controle em relação ao nível de voo designado e, descendo para o nível 140, colidiu frontalmente com o Boeing 747, resultando na morte de 312 pessoas. Vamos nos restringir a esses acidentes, mas poderíamos apresentar diversos acidentes tais como Zagreb11, Lago Constance12 e outros que guardam semelhanças incríveis com esses que acabamos de apresentar. “O que foi, é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer: nada há, pois, novo debaixo do sol. Há alguma cousa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos que foram antes de nós.” (Livro de Eclesiastes 1: 9,10.) Avião não cai, avião é derrubado Todos os acidentes aeronáuticos são diferentes, mas os seus elementos básicos não se alteram. Há os que pregam que um acidente aeronáutico não se resume a um único fator, mas a uma somatória de fatores. Realmente, é uma verdade, mas muitos utilizam esse princípio no afã de apontar para uma dificuldade em determinar o fator que efetivamente causou o acidente. O Direito e a ciência utilizada em uma investigação judicial de acidente aeronáutico empregam critérios científicos e técnicos objetivando uma resolução eficaz na responsabilidade legal dos profissionais envolvidos em um acidente. Valendo-se dos elementos básicos que não se alteram nos acidentes (como conduta dolosa, dolo eventual, culpa nas modalidades de negligência, imprudência e imperícia), a arte e ciência de uma investigação judicial chegam à conclusão do adágio largamente utilizado na comunidade aeronáutica: AVIÃO NÃO CAI; AVIÃO É DERRUBADO. Trata-se de uma expressão forte, constrangedora e, até certo ponto, repugnante, rejeitada por muitos, mas tem sentido. Um dos elementos básicos que não se altera nos acidentes é a presença do ser humano. Falho por natureza, a sua presença torna-se um elo fortíssimo nos desdobramentos dos fatos. Outro fator importante é que o ser humano e todo preparo e treinamento voltados a ele não tenham acompanhado, na mesma proporção, todo avanço tecnológico voltado à aviação e equipamentos: aeronaves, sistema de controle, sistema de navegação etc. Corroborando esse entendimento, temos o caso em Tenerife, ocorrido em 1977 nas Ilhas Canárias, onde duas aeronaves moderníssimas com alta tecnologia voltada à aeronavegabilidade vieram a se chocar no solo durante a manobra de táxi porque os pilotos e controladores não souberam se comunicar efetiva e eficazmente, resultando na morte de 583 pessoas. Vinte e cinco anos depois, o mesmo cenário se repetiu no aeroporto de Linate13, onde duas aeronaves se chocaram no solo devido ao mal- entendido na comunicação entre controladores e pilotos, tendo os mesmos elementos – fatores contribuintes – que determinaram o acidente nas Ilhas Canárias: pouca familiaridade com o aeroporto, falha na comunicação, falhas na sinalização das pistas de táxi, baixa visibilidade etc. Incrível! Vinte e cinco anos de lapso temporal e milhas de distância, e o mesmo acidente. No acidente voo 1907 X Legacy, as duas aeronaves mais novas e modernas no mundo se chocaram em espaço aéreo brasileiro porque os pilotos e controladores – seres humanos – não souberam se comunicar, resultando em um mal-entendido na comunicação e no nível autorizado para a aeronave americana. Mas a troca das palavras foi também responsável por vários outros acidentes, conforme verificamos no depoimento de Nestor Zarate, um dos 85 sobreviventes do acidente Avianca 05214, no documentário produzido pela National Geographic Channel 39 Mayday – Desastres Aéreos National Geographic – Canadá, 2002, sobre o acidente ocorrido em 1990 na cidade de Nova York – voo 052 –, caindo por falta de combustível. “Eu fico muito revoltado quando penso que um avião caiu com mais de 161 almas e quase metade das pessoas perderam suas vidas por causa de uma palavra.” Uma das questões que tanto intrigou os advogados, investigadores e vítimas de um acidente que estudaremos detalhadamenteneste livro – Avianca 052 – está ligada diretamente à fraseologia de tráfego aéreo. O piloto responsável pela comunicação com os órgãos de controle trocou uma palavra técnica por um termo coloquial. Para o piloto, as mensagens foram claríssimas, mas os controladores entenderam de forma totalmente diferente, resultando no trágico acidente. A propósito, por que a fraseologia de tráfego aéreo não é uma matéria obrigatória na formação de pilotos, já que é um elemento de grande incidência em acidentes e incidentes de tráfego aéreo? Enquanto o ser humano for um elo na atividade aérea, enquanto o sistema de ensino voltado a pilotos e demais profissionais ligados à atividade aérea se resumir em conhecimento baseado em provas de múltipla escolha ao invés de um processo que melhor qualifique e que possa efetivamente medir o aprendizado, os acidentes não apenas se repetirão como também aumentarão. Repetindo os elementos básicos, compreenderemos a expressão AVIÃO NÃO CAI... Não há como alterar os resultados se não alterarmos os comportamentos e atitudes. Não há como minimizar o número de acidentes aeronáuticos se não minimizarmos os elementos básicos que os determinam. Aos seres humanos não tem sido dada a mesma atenção dada aos equipamentos aeronáuticos. Na atividade aérea, as coisas ainda são mais importantes do que as pessoas. Verificamos isso quando constatamos as causas de certos acidentes que se resumem em fatores pueris e bizarros, como o voo 052 e outros que guardam grandes semelhanças com o voo Tiger 66. Um Boeing 747-249 da empresa aérea Flying Tigers com indicativo de chamada Tiger 66, um voo cargueiro de Singapura para Kuala Lumpur, na Malásia, decolou às 06h04min local de 18 de fevereiro de 1989, com um tempo estimado de voo de 33 minutos. O comandante estava realizando as comunicações, e o copiloto estava pilotando a aeronave, que veio a se chocar com o terreno numa das situações mais bizarras que podem ocorrer na atividade aérea envolvendo falha na fraseologia e principalmente na radiotelefonia, resultando na morte dos três pilotos e mecânico de voo que compunham o número total de pessoas a bordo. Passemos a analisar os momentos finais da comunicação entre pilotos e controladores. CTL = Órgão de Controle. PIL = Piloto. CTL: “Tiger six six descend (to/two) four zero zero, cleared for the NDB approach runway three three.” CTL: “Tiger meia meia, desça (para/dois) quatro zero zero, autorizado aproximação NDB pista 33.” PIL: “Okay, four zero zero.” PIL: “Ok, quatro zero zero.” Interpretação das mensagens Objetivo da instrução emitida pelo controlador: CTL: Desça para dois mil e quatrocentos pés. CTL: Desça para 2.400 pés. Entendimento do piloto PIL: OK, descendo para quatrocentos pés. PIL: OK, descendo para 400 pés. A aeronave veio a se chocar a 437 pés a uma milha do aeroporto, com destruição total da aeronave e carga decorrente do impacto e incêndio que durou vinte e quatro horas. Houve vários fatores que contribuíram para o acidente, tais como erro na navegação, desobediência à altitude mínima do setor sobrevoado etc. Mas vamos nos ater às falhas de comunicação. Um dos argumentos discutidos nesse acidente e equivocadamente analisado refere-se à semelhança da pronúncia entre a preposição to (para) e o numeral two (dois). O numeral two (dois) utilizado pelo controlador teria sido confundido com a preposição para (to) pelo piloto. Diante desse equívoco, há uma corrente de estudiosos no sentido de apontar uma pronúncia que possa diferenciar a preposição to (para) do número two (dois). Não é demasiado ressaltar que, em se tratando de fraseologia internacional, lidamos com pilotos e controladores das mais variadas nacionalidades, e colocar a pronúncia das palavras como elemento diferenciador para garantir assertividade na comunicação é muito arriscado, principalmente quando há outras maneiras de evitar tal conflito. Não há necessidade de se preocupar com esse tipo de incidência na fraseologia, pois a própria radiotelefonia prevê técnica especial para transmissão de números e dígitos com a finalidade específica de garantir a clareza e precisão na radiocomunicação. Radiotelefonia é um estudo composto de técnicas de transmissão radiotelefônica que deve preceder o estudo da fraseologia. É legislado no documento emitido pela ICAO15 e apresenta técnicas na transmissão de número com a finalidade de proporcionar uma transmissão clara, concisa, precisa e isenta de ambiguidades. Em relação à transmissão de números, há uma técnica que garante uma precisão isenta de equívoco, garantindo a segurança na comunicação, conforme verificamos no item 2.4.3 do documento 943216. All number use in the transmission of altitude, cloud height, visibility and runway visual range (RVR) information, which contain whole hundreds and whole thousands, shall be transmitted by pronouncing each digit in the number of hundreds or thousands followed by the word HUNDRED or THOUSAND as appropriate. Combinations of thousands and whole hundreds shall be transmitted by pronouncing each digit in the number of thousands followed by the word THOUSAND followed by the number of hundreds followed by the word HUNDRED. Pelo exposto na norma internacional, os profissionais envolvidos no acidente do voo Tiger 66 – pilotos e controladores – ou ignoravam ou negligenciaram importante regra. Seguindo as normas internacionais e realizando uma interpretação contextualizada dos documentos 444417, 9432 e Anexo 10 volume II18, apresentamos a seguinte instrução para a situação proposta: CTL: Tiger 66 descend and maintain TWO THOUSAND FOUR HUNDRED. PIL: Roger, descend and maintain TWO THOUSAND FOUR HUNDRED. Valendo-se do mesmo critério de interpretação e utilizando os termos e técnicas apresentados pelos documentos acima, jamais veríamos uma instrução confusa do tipo: CTL: Tiger 66 descend TO TWO THOUSAND and FOUR HUNDRED feet. Buscar uma técnica de pronúncia no objetivo de diferenciar os termos TO e TWO na construção de frases relacionadas à instrução de altitudes é rejeitável e contraria as qualidades da boa comunicação preconizada na radiotelefonia e fraseologia previstas nos documentos internacionais. Embora as técnicas apresentadas em documentos oficiais internacionais tenham o objetivo de garantir a segurança e assertividade nas comunicações aeroterrestres, a fraseologia brasileira não adotou tais princípios, fazendo diferença entre a fraseologia inglesa e portuguesa conforme verificamos no item 15 da ICA 100-1219. 15.6.1.1 - Os milhares redondos serão transmitidos pronunciando-se o(s) dígito(s) correspondente(s) ao número de milhares, seguido(s) da palavra MIL (em português) e THOUSAND (em inglês). 15.6.1.2 Somente em inglês, as centenas redondas serão transmitidas pronunciando-se o dígito correspondente ao número de centenas seguido da palavra HUNDRED. A legislação brasileira induz a erro porque, ao contrário do documento 9432 – manual de radiotelefonia da OACI –, adota procedimentos diferentes para centenas e milhares. Ou seja, a legislação internacional preceitua uma forma para transmissão de centenas redondas utilizando-se a expressão HUNDRED e, em se tratando da língua inglesa, a ICA100-12 adotou a mesma orientação. Mas em português orienta que se pronuncie ZERO ZERO ao invés de CENTENA. Isso tem feito com que pilotos e controladores venham, na prática, tantona língua portuguesa quanto na língua inglesa, a se confundir e até mesmo inverter as regras, podendo incorrer na mesma falha ocorrida em Kuala Lumpur. O ideal seria que a legislação de nosso país seguisse a orientação internacional valendo-se do mesmo critério tanto para centenas quanto para milhares. Embora sejamos signatários da OACI, neste caso específico, não foi adotada a regra internacional. Pior ainda, a regra nacional adotou procedimento que fere as qualidades da comunicação. Ainda em relação ao acidente de Kuala Lumpur, consideramos importante mencionar a doutrina referente aos termos READBACK e HEARBACK, que foram proeminentes nesse acidente e permanecem como fatores relevantes na maioria dos incidentes e acidentes de tráfego aéreo e desprezados nos sistemas de ensino-aprendizado voltado aos pilotos e controladores. No anexo 10, volume II, encontramos a seguinte definição de READBACK: READBACK - A procedure whereby the receiving station repeats a received message or an appropriate part thereof back to the transmitting station so as to obtain confirmation of correct reception. O documento 9432 traz a mesma definição, porém mais concisa e objetiva: READBACK - “Repeat all, or the specified part, of this message back to me exactly as received”. Readback, cotejar em português, significa que o piloto deve repetir a instrução exatamente como recebeu, ou seja, não basta repetir as mesmas palavras, mais do que isso, deve repeti-las na mesma sequência que recebeu. Em determinado espaço aéreo, houve um incidente de tráfego aéreo, pois o piloto, ao invés de cotejar determinada instrução, limitou-se a repetir a instrução recebida. CTL: PT DCC suba para 5 mil pés e curve à direita PIL: Ciente, curvando à direita, subindo para 5 mil pés. Nessa ocorrência percebemos que a instrução emitida não foi perfeitamente compreendida pelo piloto, pois o controlador, desejando prover separação com tráfego conflitante, queria que a aeronave, primeiramente, subisse para cinco mil pés para, somente depois, curvar à direita. Ou seja, o piloto repetiu as instruções, mas numa sequência diferente da emitida pelo controlador. Isso não é cotejamento. HEARBACK – equivalente ao que, coloquialmente, conhecemos por feedback, trata-se da mensagem ouvida pelo controlador a respeito do que o piloto falou no cotejamento (READBACK). Nesse sentido, há uma máxima na apuração de responsabilidade em que cotejamento não contestado pelo controlador é tido como correto, passando o controlador, também, a se responsabilizar pelas consequências advindas dessa incorreção. O piloto vai cotejar aquilo que entendeu, devendo o controlador checar, através do HEARBACK, se o piloto entendeu as instruções devidamente. Se, após ter ouvido o cotejamento do piloto, o controlador perceber que houve um entendimento equivocado, deverá corrigir apontando a correção e exigir o cotejamento correto do piloto conforme preconiza o item 5.2.1.9.4.7 do volume II do anexo 10: If, in checking the correctness of a readback, an operator notices incorrect items, he shall transmit the words “NEGATIVE I SAY AGAIN” at the conclusion of the readback followed by the correct version of the items concerned. Seguindo a regra citada, no caso de Kuala Lumpur, o controlador deveria ter procedido de forma a corrigir a imperfeição do entendimento da instrução. CTL: “Tiger six six descend (to/two) four zero zero, cleared for the NDB approach runway three three.” PIL: “Okay, four zero zero.” CTL: “Tiger meia meia, desça (para/dois) quatro zero zero, autorizado aproximação NDB pista 33.” PIL: “Ok, quatro zero zero.” Correção requerida: CTL: Tiger 66, negative descend and maintain four HUNDRED, I SAY AGAIN; descend and maintain two THOUSAND four HUNDRED. PIL: Roger, descend and maintain two THOUSAND four HUNDRED. Conforme analisamos anteriormente, o erro iniciou-se com o próprio controlador quando utilizou técnica incorreta na transmissão de números que compõem mensagem referente às instruções de altitude, incorrendo no que denominamos de imperícia, em Direito. Para apuração de responsabilidade jurídica, principalmente a penal, pilotos e controladores agiram imperitamente e responderiam a título de culpa pelo resultado na modalidade de imperícia. O controlador foi duplamente imperito por empregar forma incorreta na utilização de números e por desconsiderar técnicas relativas ao READBACK e HEARBACK. Embora as técnicas relativas ao READBACK e ao HEARBACK sejam importantes, nesse caso específico, a assertividade na comunicação seria garantida pela aplicação da técnica voltada à transmissão de números e não ao cotejamento em si. Se fosse apurada a responsabilidade de acordo com a legislação penal brasileira, poderíamos verificar que houve culpa tanto do controlador quanto do piloto. Mas, como no Direito brasileiro não há compensação de culpa, a culpa do piloto não isentaria o controlador, que poderia responder pelo resultado – acidente e morte dos ocupantes – por imperícia. Em se tratando de apuração de responsabilidade civil – indenização –, as pessoas jurídicas responsáveis pelos pilotos e controladores – empresa aérea e departamento do controle de tráfego aéreo – iriam compartilhar o prejuízo. Apresentamos esses incidentes enfatizando a fraseologia como um exemplo de certos elementos básicos comuns a muitos acidentes e que precisam ser estudados para que não se repitam, resultando em acidentes pelos mesmos fatores, e assim possamos evitar o sinistro presságio. READBACK e HEARBACK: é incrível como esses dois elementos ainda compartilham ativamente nos incidentes e acidentes de tráfego aéreo. “O que foi, é o que há de ser; e o que se fez, isso se tornará a fazer: nada há, pois, novo debaixo do sol. Há alguma cousa de que se possa dizer: Vê, isto é novo? Já foi nos séculos que foram antes de nós.” Passaremos a estudar alguns acidentes e convidamos o nobre leitor a prestar atenção nos detalhes e mistérios que ensejaram as ocorrências e notar que há assuntos se repetem ao longo da história da aviação, tais como FRASEOLOGIA, RADIOTELEFONIA, INTERPRETAÇÃO DAS REGRAS DE TRÁFEGO AÉREO, PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM aplicado à atividade aérea que remonta à década de cinquenta, por isso passamos a nos incomodar com algumas perguntas que parecem não ter respostas. Por que a fraseologia não é estudada como uma matéria obrigatória e avaliada em banca examinadora para pilotos e controladores, sendo um dos fatores que tem contribuído significantemente para incidentes e acidentes de tráfego aéreo? Por que não se estuda radiotelefonia? Por que não passamos a estudar tráfego aéreo de modo a contextualizar toda a regulamentação aplicando o sistema de interpretação de regras similar ao que ocorre com o estudo de Direito? Quantos acidentes ainda deverão ocorrer para que essas mudanças sejam implementadas? The answer, my friend, is blowing in the wind. You may say I am a dreamer, but, I am sure, I AM NOT THE ONLY ONE. A partir de agora, estudaremos acidentes enfatizando a necessidade de mudar os elementos básicos, principalmente os sistema de ensino- aprendizagem, para que os fatos e fatores não se repitam e deixemos de nos familiarizar com eles. Os fatos se repetem, os elementos básicos dos acidentes são os mesmos. A comunidade jurídica já percebeu isso; a comunidade aeronáutica ainda não. Temos visto um avanço nos processos judiciaisquando se trata de acidentes e incidentes aeronáuticos que desemboca para um caminho sem volta. Interessante que, ao analisar certos processos, verificamos que há semelhanças entre eles em determinados aspectos que têm despertado a atenção da comunidade jurídica e têm sido ignoradas pela comunidade aeronáutica. As semelhanças estão relacionadas na apuração das responsabilidades jurídicas dos profissionais e empresas envolvidas em acidentes que, embora tenham ocorrido em décadas de distância, teimam em repetir os elementos básicos da acusação, principalmente na esfera penal. Percebemos essa ocorrência em vários acidentes tanto no Brasil quanto em países estrangeiros, sendo um deles o voo 254. O voo 254, realizado no trecho entre Marabá e Belém em setembro de 1989, resultou na morte de doze pessoas quando a aeronave caiu na selva brasileira por falta de combustível. O piloto, ao programar a rota de voo antes da decolagem, inseriu um rumo que não condizia com o rumo da rota a ser voada. A empresa aérea responsável por aquele voo havia mudado o procedimento de inserção de rumo no plano de voo. O rumo que era normalmente expresso com três algarismos passou a ser programado com quatro, e o piloto, ao invés de inserir o rumo magnético 0270, inseriu equivocadamente o rumo 2700. Deixando de desprezar o último algarismo, conforme novo procedimento, a tripulação voou no rumo 270 ao invés do rumo 027 previsto na rota compreendida entre Marabá e Belém. Esse erro inicial culminou com outros erros de navegação, resultando na desorientação espacial dos pilotos e no pouso forçado do Boeing 737. Os pilotos sobreviveram e foram processados e condenados penalmente. A mudança do plano de voo implementado na empresa, o modo de divulgação aos pilotos e o treinamento dado aos pilotos em razão dessa mudança foram motivo de calorosos debates no processo penal, sendo discutido se a responsabilidade pelo acidente era dos pilotos, que não estavam familiarizados com o novo plano, ou se da empresa, que não divulgou, de modo eficiente e eficaz, o novo plano de voo, sendo cogitada a responsabilidade do diretor de operações. Quase duas décadas após o acidente da selva amazônica, os mesmos questionamentos jurídicos se repetiram no acidente envolvendo o voo 3054 ocorrido no aeroporto de Congonhas em São Paulo. No dia 17 de julho 2007, por volta das 18h48min, uma aeronave Airbus A-320, operada por uma empresa aérea brasileira de voo doméstico, voo 3054, procedente de Porto Alegre, após ter pousado na pista principal, cabeceira 35L (35 esquerda), percorreu toda a sua extensão na velocidade aproximada de 170 km/h, derivou à esquerda, ultrapassou o canteiro e, após ter sobrevoado a avenida Washington Luís, chocou-se contra um prédio, seguindo-se incêndio de grandes proporções que destruiu completamente a aeronave e a edificação. Desse fato resultou a morte de 187 pessoas que estavam a bordo da aeronave e outras 12 que estavam no edifício, totalizando 199 vítimas fatais. Como supervisor de tráfego aéreo em Congonhas, infelizmente, pude ver a pior visão que um controlador de tráfego aéreo pode ter! A burning crashed aircraft. A aeronave apresentava uma falha mecânica no reversor do motor direito. Reversor é um dispositivo que tem a função de ajudar na frenagem da aeronave durante o pouso. Por conta disso a empresa resolveu travar o reversor. Isso resultou numa mudança de operação que foi implementada em janeiro de 2007. Uma das acusações imputadas está atrelada ao fato de não ter sido divulgado aos pilotos da empresa aérea que o procedimento de operação com o reversor desativado (pinado) da aeronave Airbus A-320 havia sido mudado. Segundo o Ministério Público, os responsáveis por esse conhecimento não informaram de forma clara e eficiente e não garantiram que os pilotos estivessem devidamente esclarecidos a respeito da operação dessa anormalidade. Um ponto que será bem debatido nesse processo está relacionado diretamente ao modo como a empresa se comunicava com os aeronautas, principalmente sobre implementação e mudanças de procedimentos. Na visão do Ministério Público Federal, os pilotos não estavam devidamente informados sobre o novo procedimento relacionado à operação da aeronave com o reversor inoperante. A mudança havia ocorrido em janeiro de 2007 e somente quando os pilotos voavam a aeronave, no momento da consulta do manual da operação da aeronave, no momento do voo, é que os pilotos tinham ciência do novo procedimento. O novo procedimento e a antecedência do conhecimento pelos pilotos desse procedimento são pontos relevantes do processo penal. Aqui cabe uma ressalva interessante, que é um alerta aos aeronavegantes, sobretudo àqueles que ocupam cargos de decisão. Cabe a esses profissionais uma medida de divulgação que assegure que todos os interessados tenham informações de forma precisa. O meio e o modo como essas informações são transmitidas aos tripulantes são essenciais para que venham a se eximir de responsabilidade em decorrência de acidente aeronáutico. Não será demasiado ressaltar que os aeronautas que ocupam cargos de gerência e diretoria devem estar cientes de suas responsabilidades quanto aos procedimentos, bem como de sua divulgação e treinamento a todos os tripulantes. A negligência nesse quesito trará para esses profissionais responsabilidade jurídica pelo resultado do não cumprimento do procedimento. Em relação a esse assunto, cabe também ressaltar que as empresas devem se valer de um meio de comunicação que garanta a certeza da transmissão, recebimento e também do entendimento do procedimento por parte da tripulação. Só a divulgação ou somente a ciência do procedimento não são, por si só, garantia de isenção de responsabilidade. Além de tudo isso, é preciso certificar-se de que o procedimento foi devidamente entendido e será executado conforme o previsto. Valendo-se dos requisitos de uma boa comunicação, esta deverá ser transmitida, recebida e entendida. O meio de divulgação e a maneira como os pilotos acusarão o recebimento e entendimento tornam-se imprescindíveis para a caracterização da culpa ou isenção desta. Na peça acusatória do voo 3054, foi mencionado o meio de comunicação entre a empresa e os tripulantes, ressaltando a ideia que expusemos. Trecho retirado da denúncia: “... a comunicação do “safety” da empresa com os tripulantes eram feitas apenas através de “e-mail” corporativo, sem que houvesse um instrumento de controle que permitisse atestar que as informações transmitidas eram efetivamente lidas, prescindindo de um importante elemento da comunicação.” Eis aí um grande desafio para que as empresas cumpram o objetivo de bem se comunicar, ensinar e treinar seus 2.000, 3.000 ou mais profissionais. Também uma atenção especial deve ser dada aos profissionais envolvidos com a Divisão de Operações e Divisão de Instrução ou Ensino das empresas e instituições, pois têm sido alvos de importantes questionamentos em relação à preparação dos aeronautas sob suas supervisão e direção. Analisando como a ciência jurídica tem se desenvolvido em busca da apuração de responsabilidade em caso de acidente aeronáutico, esses profissionais estarão cada vez mais sujeitos a darem satisfação e responderem juridicamente por seus procedimentos em caso de acidente. Voo 3054; voo 254; voo 40220: acidentes diferentes, ocorridos em épocas diferentes, em circunstâncias diferentes, em locaisdiferentes, porém os elementos básicos que deram origem a eles foram os mesmos que fundamentaram as ações penais. Interessante sopesar a absolvição de um dos controladores do caso 1907 X Legacy contra o qual pesava a mais grave acusação. No início da ação penal, o Ministério Público Federal considerou que o controlador apresentou conduta digna de uma responsabilização a título de dolo, concorrendo a uma pena superior a vinte anos. Para fundamentar a acusação, o Ministério Público Federal baseou-se em duas condutas principais desse profissional. No entanto, durante o processo penal, o juiz concluiu que o controlador acusado apresentava deficiência exatamente nesses dois pontos que fundamentaram a acusação, não resultando outra decisão senão a absolvição. A decisão do juiz para a absolvição foi baseada nas fichas de avaliação e homologação do acusado, que apontavam para as deficiências que fundamentaram a acusação, ensejando responsabilidade jurídica dos profissionais que participaram da instrução e homologação. Um alerta aos profissionais envolvidos nos treinamentos, instruções e homologação - professores, instrutores, checadores, examinadores, diretores, gerentes, chefes etc.: a deficiência em qualquer fase do ciclo ensino-aprendizagem, resultando na aprovação de profissional inabilitado, poderá ensejar responsabilidade jurídica daquele que concorreu com o resultado. Outro alerta aos aeronautas, sobretudo àqueles ligados à operação das aeronaves da empresa. Não basta apenas a implantação de uma maneira e modo de agir. É mandatório que a operação da tripulação seja fiscalizada no sentido de assegurar que os profissionais estejam agindo de acordo com o estipulado, de acordo com o procedimento adotado. Se for comprovado que as tripulações não seguem procedimentos previstos, essa negligência não se limitará a esses profissionais, mas ensejará responsabilidade, também, dos diretores e gerentes. Acidente voo 1907 X Legacy e Zagreb: Quanta semelhança! Em setembro de 1976, cento e setenta e seis pessoas morreram numa colisão entre um avião Hawker-Siddeley Trident da British Airway e uma aeronave Douglas DC-9 da Inex Adria Aviopromet. O acidente ocorreu sobre o espaço aéreo de Zagreb, na antiga Iugoslávia. Para encerrar essa introdução, citaremos as semelhanças entre o caso Zagreb e o caso 1907. Apresentando os fatores que contribuíram com os acidentes e omitindo os dados dos voos, teríamos dificuldade de identificar os acidentes devido a semelhanças entre eles. O primeiro ocorreu em setembro de 1976, o outro em setembro de 2006. Incrível, mas o lapso temporal de trinta anos não foi suficiente para eliminar as similaridades e coincidências, corroborando a ideia de que os acidentes apresentam os mesmos elementos básicos que os determinam. Por outro lado, a comunidade aeronáutica não aprendeu nada com o caso Zagreb que pudesse prever, eliminar ou minimizar os fatores para o segundo acidente, terceiro, quarto... O caso 1907 está para o caso Zagreb assim com o caso Tenerife está para o caso Linate. Quantas outras paridades ainda ocorrerão para que a comunidade aeronáutica se mova? As semelhanças estão nos fatores contribuintes, tais como formação dos controladores, sistema de admissão, treinamentos dos controladores, TRM21, supervisão, etc. Todos esses fatores, a exemplo do que ocorreu com o caso 1907, fizeram parte do processo judicial, evocando os mesmos argumentos e teses jurídicas que a comunidade aeronáutica não podia ignorar. Até mesmo a tese de defesa que contribuiu para a absolvição de um dos controladores sobre o qual pesava a mais grave acusação foi idêntica à tese que fundamentou a sentença absolutória do controlador brasileiro. Quanta coincidência! Quanta semelhança! Quer entender o que ocorreu com o 1907 X Legacy? Quer saber as causas? Quer saber os fatores contribuintes? Quer saber a contribuição do processo ensino-aprendizagem desse acidente? Quer saber qual a contribuição e culpa dos controladores? Estude o caso Zagreb. Quanta semelhança! Por que ignoramos esses episódios? Por que não os estudamos a fim de evitar outros acidentes? Aprender com os erros dos outros... aprender com os próprios erros...evitar os mesmos erros. A história apresenta elementos para que possamos mudar a história e fazer nossa história. E não permanecer na mesma história. Estudar os acidentes de forma mais profunda, de forma a evitar novos acidentes, pelo menos no Brasil, é uma carência marcante. Estudando-os de forma mais profunda, analisando com critérios técnicos mais qualificados, se não eliminarmos todos os erros, com certeza reduziríamos ou até mesmo eliminaríamos os erros já ocorridos. Pelo menos os mesmos erros! O objetivo deste livro, ao analisar os acidentes, é apresentar uma forma diferente de estudá-los, unindo técnicas da ciência aeronáutica e da ciência jurídica. Uma técnica inédita na arte de investigar acidentes aéreos. “Fazendo a mesma coisa dia após dia, não se há de esperar resultados diferentes.” (Albert Einstein) “Nem tudo que se enfrenta pode ser modificado, mas nada pode ser modificado até que seja enfrentado.” (Albert Einstein) 11 Em setembro de 1976, cento e setenta e seis pessoas morreram numa colisão entre um avião Hawker-Siddeley Trident, da British Airway, e uma aeronave Douglas DC-9 da Inex Adria Aviopromet. O acidente ocorreu no espaço aéreo de Zagreb, na antiga Iugoslávia. 12 No dia 1 de Julho de 2002, um Tupolev Tu-154 e um Boeing 757 colidiram no ar. O acidente foi causado por problemas no controle de tráfego aéreo na Suíça. Os passageiros do Tupolev eram, em sua maioria, crianças a caminho das férias em Barcelona. Um dos grandes fatores que contribuiu para o desfecho do acidente foi a confusão entre as instruções dos órgãos de controle e as sugestões do TCAS. 13 Acidente ocorrido no aeroporto de Milan Linate, em Milão, na Itália, no dia 8 de outubro de 2001. Houve uma colisão entre duas aeronaves, MD 87 e Cessna Citation II, matando 118 pessoas. O Cessna foi instruído a taxiar, mas, devido à baixa visibilidade, ingressou na mesma pista de decolagem onde já se encontrava o MD 87. 14 Acidente ocorrido em 1990, em Nova York, quando uma aeronave do tipo B 707 de uma empresa aérea colombiana caiu nos arredores do aeroporto por falta de combustível. Uma das causas do acidente foi o fato de a tripulação não ter conseguido explicar a situação de emergência para os órgãos de controle, porque não dominavam o idioma inglês. 15 ICAO (International Civil Aviation Organization) - Organização da Aviação Civil Internacional. 16 Doc. 9432 - Manual of Radiotelephony. 17 Doc. 4444 – Rules of the Air and Air Traffic Services. 18 Aeronautical Telecommunications. 19 Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo. 20 Acidente ocorrido no aeroporto de Congonhas no dia 31 de outubro de 1996, conhecido por voo 402, com uma aeronave do tipo Fokker-100 que fazia a ponte aérea entre São Paulo e Rio de Janeiro. Com noventa passageiros e seis tripulantes a bordo, caiu 24 segundos logo após a decolagem devido a uma falha no reversor do motor direito, levando à morte todos os ocupantes da aeronave e mais três pessoas no solo. 21 Team Resource Management (TRM) – Curso aplicado aos Controladores de Tráfego Aéreo. Tem a finalidade de otimizar a segurança e eficiência dos serviços de tráfego aéreo. 4 APERTEM OS CINTOS, O COMANDANTE FOI DEFENESTRADO EM PLENO VOO. ANALISANDO O ACIDENTE No dia 10 de junho de 1990, ocorreu um dos mais intrigantesacidentes da história da aviação. O copiloto passou a ver uma imagem que não podia acreditar ser verdadeira: a metade do corpo do piloto em comando ficou presa para fora da cabine de pilotos, durante o voo a cinco quilômetros de altura. O corpo do piloto se chocava violentamente na fuselagem do avião o qual deslizava a uma velocidade superior a 500 km horários. Temperatura do ar externo de aproximadamente vinte graus negativos. Com oitenta e um passageiros e seis tripulantes, a aeronave partiu para um mergulho fatal e o copiloto, plenamente atônito, tentou assumir o comando do voo, mas não entendia o motivo pelo qual não conseguia dominar os comandos que estavam travados e passou a lutar inútil e horrivelmente para livrar o bi-reator da funesta descida. O Copiloto conseguiu pousar aeronave com segurança? Houve sobreviventes? Como isto aconteceu? Como imputar a responsabilidade jurídica aos verdadeiros culpados por esta ocorrência? Mergulho fatal A aeronave do tipo BAC-111 está preparada para partir do aeroporto internacional de Birmingham – Inglaterra - para Málaga – Espanha. Este tipo de avião apresenta um excelente histórico de segurança e esta característica faz este metálico pássaro desfrutar de grande prestígio entre os aeronautas. Enquanto o copiloto checa o avião externamente - cheque pré-voo - o comandante, já na cabine de comando, examina o diário de bordo e constata que o avião passou por uma manutenção na noite anterior e verifica que o para-brisa esquerdo foi trocado. Com aparência da mais perfeita normalidade, a tripulação segue com os procedimentos, preparando-se para o voo. Recebe autorização do plano de voo e na sequência, autorização para push-back e táxi. Cumprido todos os procedimentos previstos no ponto de espera recebe autorização para ingressar na pista e decolar. Após a manobra de decolagem, realizando o procedimento de subida, o avião passa a ser pilotado automaticamente. O comandante, relaxando um pouco, solta o cinto de segurança. Pouco antes de a aeronave alcançar o nível de voo, ouve-se um grande estrondo! A cabine é tomada por uma densa formação, algo semelhante a nevoeiro. Trata-se de uma bomba? Será uma despressurização? Há sinais característicos tanto de uma bomba como de uma despressurização. Tsunami aéreo! Na despressurização o ar não consegue reter o vapor d’água restringindo sensivelmente a visibilidade dentro da cabine. Começa a faltar ar na cabine de comando e na cabine de passageiros. Uma descida de emergência não é descartada. O copiloto tenta, em vão, se comunicar com os órgãos de controle. O barulho é ensurdecedor! Tudo quanto é objeto está voando em todas as direções na cabine de comando. Tudo o que acontece dá a nítida impressão de uma despressurização. Se realmente for, o piloto tem pouco, pouco tempo para tomar uma providência que possa garantir sua vida e dos demais ocupantes da aeronave. Sem o para-brisa esquerdo, a aeronave mergulha vertiginosamente com claros sinais de despressurização. Diante destes sinais o copiloto não tem dúvida alguma que a aeronave apresenta problemas seriíssimos, todavia não consegue identificar precisamente o tipo de emergência. Desconfia de despressurização, porém não consegue discernir o que tenha provocado esta maldita emergência. Mas o que é despressurização? Primeiro precisamos saber o que é pressurização. Aviões a reação voam a altitudes superiores a 12 mil metros para desenvolver maior velocidade, economizar combustível aumentando a autonomia resultando em voos mais longos, e proporcionar maior conforto, acima da maioria das nuvens e turbulências. Nestas altitudes o ar é muito rarefeito, isto é, existe pouco ar por metro quadrado, com diferenças significativas de temperatura e pressão incompatíveis para a vida animal. Ar rarefeito pressupõe falta de oxigênio o qual pode resultar em consequências danosas, tais como: insuficiência respiratória, vômitos, dor de cabeça intensa, problemas de saturação da hemoglobina em oxigênio no sangue, perda da consciência, desmaio etc. Em certos casos, pode haver até mesmo o borbulhamento do sangue. Para compensar estes fenômenos, as aeronaves são pressurizadas através de um sistema que transfere parte do ar atmosférico, aspirado e comprimido pelos motores da aeronave, e o direciona para a cabine de passageiros e de pilotos. Consiste em coletar o ar exterior, filtrá-lo, e distribuí-lo na cabine ao mesmo tempo em que se controla a pressão reinante, a saturação de oxigênio, as partículas suspensas, a umidade absoluta, etc. Isso mantém a temperatura e a pressão em valores que permitem a vida humana. Em síntese, a pressurização é um procedimento que compensa a diferença atmosférica entre ar externo e interno da aeronave. As aeronaves a jato são reguladas para uma altitude que se compatibilize com a fisiologia humana, permitindo uma ambientação da cabine em que as condições de pressão e oxigenação são ajustadas para torná-las o mais próximo daquela ao nível do mar. Para que não haja problemas com a pressurização, a aeronave deve ter fechamento hermético, isto é, perfeito. Não pode apresentar a menor brecha, pois um único vazamento compromete todo o sistema e, por conseguinte as vidas a bordo. A despressurização ocorre quando há perda de pressão e pode acontecer lentamente ou de forma abrupta, esta pode ocorrer pela ruptura de uma janela, uma porta ou pelo colapso do sistema. Ocorrendo uma despressurização rápida, a aeronave se comporta como um balão furado por uma agulha. Como a pressão externa é menor, a despressurização é explosiva e acaba jogando para fora tudo o que estava pela frente. Também são consequências da rápida despressurização: rápida expansão do peito, dificuldade de raciocínio e visão, dor de ouvidos e sinusite, formação e expulsão de gases, dificuldades de coordenação, respiração e fala. Acidentes aeronáuticos causados por despressurização rápida Houve um caso interessante de despressurização ocorrido em maio de 2003, envolvendo uma aeronave do tipo Ilyushin 76 MD, fretado de uma companhia da Ucrânia. As portas da aeronave se abriram em pleno voo e os passageiros foram jogados para fora a 10.000 metros de altitude. O acidente resultou na morte de pelo menos 130 pessoas. O número de vítimas é incerto, porque ninguém sabe quantos passageiros embarcaram no voo charter que saiu de Kinshasa, a capital do país, com destino a Lubumbashi, a 3.000 quilômetros de distância. Com apenas 45 minutos de voo as portas traseiras se abriram inteiramente. De forma abrupta, boa parte dos passageiros foi sugada para fora, pelo violento deslocamento de ar causado pela diferença de pressão atmosférica dentro e fora do avião. Outra despressurização rápida ocorreu no Brasil em 29 de setembro de 2006, por volta das 16h56min, horário oficial de Brasília, quando um Boeing 737-800 SFP, voo 1907, de uma empresa de linha aérea brasileira, e um jato executivo Legacy 600, de uma empresa de táxi aéreo americana, colidiram em espaço aéreo controlado sobre a região amazônica do Brasil. A asa direita do jato executivo tocou a asa esquerda do Boeing. O abalroamento resultou na desestabilização do Boeing, fazendo-o entrar em um mergulho descomunal desintegrando a aeronave em pleno voo. Todos os passageiros e tripulantes do voo 1907 morreram, totalizando 154 vítimas. A tripulação da aeronave Legacy conseguiu realizar um pouso de emergência salvando todos os ocupantes.Muitos outros acidentes pelo mundo afora foram causados pelo fenômeno da despressurização. Entre eles acrescentamos: o acidente ocorrido em 1974, quando a porta de carga de um DC 10 da empresa aérea Turkish Airlines abriu em pleno voo provocando uma falha na estrutura da aeronave, causando sua queda nas proximidades de Paris. Outro acidente com características semelhantes ocorreu em fevereiro de 1989, quando a porta de carga de um jumbo da United Airlines abriu em pleno voo próximo ao Havaí, vomitando nove dos 336 passageiros, contudo o piloto conseguiu controlar a aeronave realizando o pouso e salvando os demais passageiros. Outro caso interessante ocorrido no Brasil em 1997, com uma aeronave de uma empresa aérea brasileira, quando uma bomba de fabricação caseira explodiu dentro de um Fokker-100, abrindo um buraco na fuselagem expulsando um passageiro a 2.400 metros de altitude. As vítimas deste tipo de acidente que são atiradas do avião em pleno voo não chegam a sofrer, pois há perda de sentidos imediata devido ao forte deslocamento de ar. Acidentes aeronáuticos causados por despressurização lenta A despressurização lenta é tão perigosa quanto à despressurização rápida quanto aos resultados, no entanto, esta é, aos olhos de muitos aeronautas, mais perigosa, pois é lenta e traiçoeira. A maneira astuciosa de se manifestar foi constatada no caso conhecido como voo 522, da empresa aérea Helios Airways. Em agosto de 2005, um Boeing 737-300 não foi devidamente pressurizado, levando a morte 120 passageiros e tripulantes por falta de oxigênio quando sobrevoava Atenas. Esgotado o combustível, a aeronave colidiu fortemente o solo grego. Fora uma falha humana que causou a despressurização da aeronave. Os engenheiros de manutenção, quando de uma inspeção no solo, deixaram o sistema de pressurização (botão) na posição manual, onde o correto seria automático. Isso levou o avião a despressurizar lentamente à medida que atingia elevada altitude, e, em cerca de 3.000 metros, a tripulação e a maioria dos passageiros já estavam em anoxia total - coma profundo devido à falta de oxigênio. Antes da queda, caças gregos - F16, foram acionados para interceptar a aeronave a qual permanecia totalmente alheia às instruções dos órgãos de controle de tráfego aéreo. Ao se aproximarem perceberam que todos os ocupantes estavam aparentemente desmaiados, acolhidos pelos efeitos de uma lenta despressurização. Antes que a aeronave se chocasse com uma montanha a nordeste de Atenas, foi avistada uma pessoa na cabine de comando, em um vão esforço de evitar o sinistro. Tratava-se de um comissário de voo e também piloto privado que, por utilizar máscaras extras pelo corredor do avião, conseguiu chegar ao cockpit do jato, tentando assumir o controle da aeronave. Outro caso intrigante ocorreu em 1979, com um Boeing 707-323C prefixo PP-VLU, operado pela companhia aérea brasileira Varig, desaparecido sem deixar nenhum vestígio. A aeronave decolou do Aeroporto Internacional de Narita, em Tóquio, no Japão, às 20h23min do dia 30 de janeiro de 1979. O destino final era o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro-Tom Jobim, com uma escala nos Estados Unidos. A aeronave desapareceu sobre o Oceano Pacífico, cerca de trinta minutos após sua decolagem em Tóquio. Nenhum sinal da queda, como destroços ou corpos, jamais foi encontrado. Depois de uma investigação criteriosa nada se pôde concluir. As incertezas levaram a várias especulações no sentido de explicar o enigmático episódio. Muitas hipóteses e teorias surgiram no afã de se apresentar uma solução. A empresa aérea realizou uma investigação particular a qual resultou no seguinte depoimento: "Não foi possível encontrar nenhum indício que lançasse qualquer luz sobre as causas do desaparecimento da aeronave". Dentre as várias teses, surgiu a de um sequestro, em que a aeronave teria sido abatida por mísseis ao ter ingressado em espaço aéreo soviético e muitas outras. A hipótese mais plausível, no entanto, considera que, logo após a decolagem, com a aeronave já tendo atingido um nível de cruzeiro elevado, houve uma despressurização lenta na cabine, o que não causou a explosão da aeronave, ou seja, não foi uma descompressão explosiva, mas lentamente sufocou os pilotos. O avião, então, segundo a linha de raciocínio, voou com ajuda do piloto automático por muitos quilômetros, até que, findo o combustível, caiu sobre o mar em algum ponto extremamente distante dos locais por onde passaram as buscas para localização da aeronave e resgate de possíveis vítimas. Se isso realmente aconteceu, será difícil de ser comprovado, no entanto é uma tese tecnicamente possível. A despressurização é um evento raro e quando ocorre, máscaras caem de compartimentos acima das poltronas. Apesar do susto, não há motivos para pânico, apenas puxe a que estiver mais próxima, coloque-a sobre nariz e boca e respire. Ajude outras pessoas só após colocar a sua máscara. Os geradores de oxigênio duram até 22 minutos, tempo mais do que suficiente para que os pilotos desçam a aeronave para uma altitude segura de três mil metros. Antes de sua próxima decolagem, observe atentamente as demonstrações conduzidas pelos tripulantes. Despressurização é um tipo de emergência na qual deixa o controlador de tráfego aéreo sem ar. Isto porque o controlador sabe que uma aeronave experimentando este tipo de pane irá descer imediatamente sem explicar o que está ocorrendo. Dificilmente o piloto esclarecerá a despressurização para os órgãos de controle antes que inicie a descida, às vezes um verdadeiro mergulho! Quando uma aeronave se encontra em emergência o piloto realiza algumas manobras efetuando alguns procedimentos que às vezes são ignorados pelos controladores. A prioridade do piloto será pilotar a aeronave, ou seja, fará de tudo para conseguir o controle dela, e para isso, muitas vezes, ensejará uma carga de trabalho extrema na tomada de atitudes e decisões, além de atentar para o chek-list, na tentativa de identificar o tipo de pane e aplicar as correções necessárias para que possa pilotar a aeronave. Isto, dependendo da pane, pode demandar certo tempo. Uma vez identificado a pane, controlando e pilotando a aeronave, o piloto dará atenção à navegação, ou seja, envidará todos os esforços para que a aeronave possa se deslocar para um lugar seguro. Neste caso, avaliará um aeroporto de alternativa ou checará a possibilidade de continuar voando em direção a aeroportos próximos disponíveis. Dependendo do tipo de emergência, o piloto opta para a solução mais rápida que possa salvaguardar a vida dos ocupantes e que nem sempre é a mais desejável, porém, é a que apresenta o melhor resultado. Como aconteceu com o voo US Airways 1549, comercial de passageiros. No dia 15 de janeiro de 2009, partindo de nova Iorque para Charlote, Carolina do Norte, realizou um pouso forçado no rio Hudson. Seis minutos após ter decolado do aeroporto de LaGuardia, atingiu um bando de ganso- do-canadá prejudicando o desempenho de ambas turbinas do Airbus 320, apresentando uma considerável redução da potência tornando impossível o voo naquelas condições. Quando a tripulação julgou ser impossível chegar a qualquer aeroporto das imediações com segurança, decidiu desviar para o rio Hudson. Então o avião amerissou intacto salvando todos os passageiros e tripulantes. Com certeza este rio não foi o melhor destino para este voo, mas garantiu o destino de todos. Somente depoisque o piloto tiver conseguido identificar o tipo de pane da aeronave, e navegá-la é que ele, caso tenha tempo disponível e condições, vai informar aos órgãos de controle o tipo de emergência e intenções. A tríplice da emergência obedece a seguinte sequência de prioridades: 1 Pilotar 2 Navegar 3 Comunicar Enquanto isso, uma situação dessa natureza pode demandar um tempo considerável, pode representar uma eternidade, em se tratando de tráfego aéreo, pois o controlador tem de prover a separação da aeronave em emergência de outras que voam no mesmo espaço aéreo controlado. A situação é muito mais delicada, quando se trata de despressurização, pois a aeronave irá descer imediatamente gerando uma preocupação e uma carga de trabalho para os controladores que não tem outra coisa a fazer senão tirar todas as aeronaves as quais estão debaixo da que se encontra em emergência. Exatamente o que ocorreu com o caso ora analisado, pois a aeronave estava voando em um espaço aéreo congestionado e o risco de uma colisão com outras, não estava descartado. Voltando ao nosso caso O copiloto continua com muitas dificuldades para identificar o que está acontecendo com o seu avião, mas já não há dúvidas de que se trata de um caso de despressurização abrupta. Desconhece a situação da cabine de passageiros, mas sabe que em uma situação como esta ele precisa descer para perder altitude e ganhar mais ar. No entanto, sem que identifique o motivo de imediato, isto não será o problema, pois a aeronave, como um grande pássaro abatido, desce em uma velocidade vertical incrível! Ar não faltará. O copiloto passa a exercer a função do primeiro piloto (comandante), e tenta desesperadamente assumir o comando da aeronave. Tarefa inútil! Os comandos estão travados! Qual o motivo do travamento? Olha para esquerda e percebe que o comandante foi sugado para fora da cabine. Só não foi lançado completamente pelos ares, porque um dos seus pés está enroscado na coluna vertical do manche e pelo forte vento que prensa e cola o corpo contra a fuselagem. Um dos comissários percebe o que está acontecendo na cabine e, de pronto, parte para o caos que restou da cabine e passa a segurar as pernas do comandante para que ele não seja arremessado de vez pelo espaço aéreo. Mas a pressão é muito forte, o comissário precisa atuar com uma força descomunal. Acha que não vai aguentar. Comando ainda travado. O avião continua a descer, velozmente, em um mergulho sem precedente, perdendo mais de três mil pés em curtíssimo e precioso tempo. A velocidade ultrapassa a máxima permitida, comprometendo seriamente a estrutura da aeronave. Se continuar a descer com esta exorbitante razão de descida, as superfícies de comando e sustentação poderão ser gravemente danificadas e o avião passará a ser incontrolável, perdendo a manobrabilidade desintegrando-se em pleno ar. O chefe dos comissários se une ao colega de trabalho e juntos tentam retirar o pé do comandante que trava os comandos. O copiloto precisa urgentemente tirar a aeronave do mergulho mortal. A aeronave desce violentamente na região de Heathtrow, dentro do espaço aéreo mais congestionado de Londres. O risco de colisão com outras aeronaves é real e iminente. Mas precisa manter a descida para que alcance níveis mais baixo onde o ar é menos rarefeito. Não há equipamento de oxigênio para todos a bordo. Isto tem que ser feito o mais rápido possível. Manche travado na posição picada - para baixo - aponta o fim prematuro da viagem. Um terceiro comissário se aproxima da cabine e somente agora conseguem desconectar o pé do comandante do manche. O avião está sob o comando do copiloto que faz seu primeiro voo na companhia, porém opta por não nivelar a aeronave. Precisa alcançar urgentemente níveis mais baixos para sair da funesta despressurizarão. A descida é uma necessidade. Precisa alcançar níveis que proporcionem situações ideais de respiração. O corpo do comandante não está mais na parte superior da cabine. Completamente ensanguentado deslizou para a esquerda e para baixo do para-brisa. Acreditam que ele não está mais vivo. Até que ponto vale a pena segurá-lo? Não seria melhor e mais seguro soltá-lo? Com o corpo deslocado para a lateral esquerda da aeronave, o copiloto considerou que se o corpo fosse solto, poderia ser ingerido pela turbina esquerda da aeronave, então sim, a segurança do voo estaria totalmente comprometida. A vida do comandante ou do corpo tremulando no lado externo da aeronave – pelo menos na percepção dos que estavam na cabine de comando -, vale as vidas de todos os que estão dentro do avião. O jovem piloto orienta que os comissários permaneçam em seus esforços e não permite que o corpo seja lançado ar a fora. Com certeza foi uma decisão mais técnica, mais racional do que emocional. Não há espaço para emoção em um momento como esse. Frieza e racionalismo são as características mais importantes de um tripulante que precisa ser extremamente calculista em caso de emergência. Em uma situação como essa, não se pensa com o coração. Sem para-brisa e vento fortíssimo não há espaço nem para lágrimas! Por outro lado, os comissários, que têm a função típica de garantir a segurança do voo, estão indo a exaustão física segurando o tripulante companheiro. As coisas estão se arrumando... porém, o piloto está sobrecarregado! Já estaria se estivesse pilotando sozinho em condições normais. Como alternativa, solicita o aeroporto de Londres Gatwick, que é o segundo maior e mais movimentado aeroporto da Inglaterra, atrás apenas de Heathrow. Todavia os controladores orientam o de Southampton que passa a ser o novo destino. Aeroporto Southampton é um pequeno aeroporto da Grã- Bretanha o qual é usado pelos passageiros que viajam para a cidade de Southampton. Os comissários ainda lutam. Precisam segurar o corpo do comandante. O corpo está sujeito a tensões físicas sobre-humanas incríveis. Não deve estar mais vivo. Os controladores de tráfego aéreo recebem com estranheza a explicação da situação de emergência e dão prioridade. Acionam o serviço de emergência do aeroporto. Despressurização? Desconhecem o motivo. Seria colisão com pássaros? Não há vestígio. Em condições precaríssimas o jovem copiloto consegue comandar a aeronave e pousar com relativa segurança. No momento da aproximação e pouso os controladores quase não acreditam no que estão vendo. Logo após o pouso os bombeiros entram imediatamente em ação. Passageiros e tripulantes, ilesos, abandonam o avião. O corpo do comandante é retirado. Em uma investigação preliminar, ainda no aeroporto de destino, não se observa nenhuma ruptura drástica no para-brisa, descartando, de plano, um choque da aeronave com pássaros. A pista inicial se dá com a leitura de diário de bordo da aeronave a qual indica que ela sofreu uma manutenção na noite anterior, quando foi substituído o para-brisa esquerdo. Esta informação leva os investigadores para o hangar de manutenção da empresa aérea. Logo após o pouso, os investigadores entram em ação e percebem que há algo de errado com a instalação do para-brisa esquerdo. Uma investigação mais apurada confirma esta hipótese. No dia 09 de agosto, a aeronave foi levada à oficina para a troca do para-brisa. Ao se dirigirem para a empresa aérea, na oficina, encontram indícios de anormalidades na instalação do para-brisa. Comparando com o manual de manutenção, são encontradas treze irregularidades ligadas diretamente aos procedimentosde instalação deste dispositivo. Na noite anterior ao acidente, o avião foi estacionado na oficina de forma aleatória em uma posição muito próxima das paredes, impedindo que o mecânico pudesse trabalhar com boa desenvoltura. O pequeno espaço não permitiu que o mecânico pudesse trabalhar livremente com as ferramentas atrapalhando a fixação dos parafusos. Período noturno, o mecânico começa o serviço às quatro horas da madrugada, e a iluminação nada adequada. Estes fatores contribuíram consideravelmente para o resultado. Com a finalidade de entregar o avião na manhã seguinte para o voo, o mecânico passou a realizar a manutenção de uma forma amadora. Deixou de consultar o catálogo de parafusos e visualmente escolheu os parafusos que acreditou terem o tamanho e diâmetro específicos. Ledo engano. Foi advertido acerca da incompatibilidade dos parafusos pelo responsável do almoxarifado. Desprezou o conselho. O que ocorreu foi que o mecânico trocou os parafusos pelos mesmos que estavam afixados. Mas em uma manutenção anterior, quatro meses antes, o para-brisa havia sido substituído com parafusos errados, que inacreditavelmente suportou as pressões, embora inadequados. Acreditava que sua larga experiência iria lhe garantir precisão na escolha dos parafusos. Além deste detalhe, trabalhando na escuridão, não pode observá-los, pois não foram completamente apertados. Outra anormalidade se refere à posição dos parafusos que, tecnicamente, deveriam ser colocados na parte interna da aeronave. Foram incorretamente apertados pelo lado externo. Às seis da manhã acaba o serviço e disponibiliza a aeronave para o voo. A bomba está armada! Durante a subida, pressão interna se eleva, a instalação incorreta não foi suficiente para suportar a tamanha diferença de pressão e faz com que os parafusos se soltem, provocando a despressurizarão abrupta da cabine. Questionado pelos investigadores, o mecânico asseverou que este procedimento é uma conduta normal entre os mecânicos. Se seguissem todo o procedimento técnico previsto resultaria em um tempo muito maior para a disponibilização das aeronaves para o voo. Durante o voo a incorreta instalação fez com que o para-brisa não suportasse a forte pressão causando o desprendimento e a consequente despressurizarão, fazendo com que o piloto em comando fosse sugado para fora. Inacreditavelmente, miraculosamente o comandante não sofreu graves lesões. Com leves escoriações, um polegar quebrado, alguns hematomas e após um tratamento médico, já estava de volta ao voo. Isto mesmo, menos de seis meses após o acidente estava novamente atuando como comandante de voo. Conhecendo muitos acidentes e seus desfechos, às vezes, fica bastante difícil apresentar uma explicação plausível. Muitos dos resultados superam todas as expectativas humanas e científicas, desembocando em uma explicação sobrenatural que aponta para o sumo Criador. Responsabilidade jurídica em caso de acidentes aeronáuticos Analisando este episódio a luz do artigo 261 do Código Penal Brasileiro e comparando a conduta do mecânico de voo, temos um exemplo de exposição a perigo. “Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea.” Se há um procedimento previsto, se há um manual especificando os parafusos, estes não podem sob qualquer pretexto ser ignorados. A inobservância destes procedimentos faz com que a conduta do agente ingresse na linha de desdobramento dos fatos, expondo a aeronave a perigo incorrendo no artigo 261. A manutenção e a indústria da aviação, por sua complexidade, têm exigido uma equipe de profissionais que prevê mecânicos, gerentes, inspetores e outros técnicos com a finalidade de realizar e verificar as diversas etapas do trabalho. A exigência desta equipe tem originado também responsabilidade para cada um deles dentro de suas funções. O inspetor, sob pena de negligência, ao verificar a qualidade do serviço, deve procurar minuciosamente, por falhas tais como arruelas erradas, parafusos mal apertados, e toda e qualquer falha que possa comprometer a segurança. O especialista em logística tem um papel muito importante neste corpo de técnicos. Deve assegurar a idoneidade da origem de peças e componentes, garantir que o estoque siga rigorosamente o estipulado nos manuais técnicos para garantir a preservação e distribuição das peças. A negligência, imperícia no desempenho de suas funções tem gerado responsabilidade jurídica aos profissionais dessa área. Diretores, mecânicos, supervisores têm sido constantemente alvo de processos judiciais. Vejamos alguns casos. Caso Concorde O acidente envolvendo uma das aeronaves mais expressivas da história da aviação comercial – Concorde – ocorrido em 25 de julho de 2000, resultando na morte de 113 pessoas, foi objeto de um julgamento com os mais calorosos debates e embates, relacionando atividade aérea e atividade jurídica sem precedentes na história da aviação. O avião da Air France com destino a Nova Iorque despencou-se poucos minutos depois de ter decolado do aeroporto de Roissy-Charles de Gaulle, com 100 passageiros a bordo, a maioria de nacionalidade alemã e nove membros da tripulação. Assim que deixou o solo na decolagem, o Concorde da Air France já se incendiou para logo em seguida cair em Gonesse, nos arredores do aeroporto Charles de Gaulle. Dez anos após o acidente, cinco técnicos sentam no banco dos réus do Tribunal Correcional de Pontoise, incluindo um dos responsáveis do programa Concorde. Uma peça de metal perfurou um dos pneus do Concorde, na sequência houve a explosão dos reservatórios de combustível. As investigações provaram a relação de causa e efeito – nexo causal - entre a explosão e a peça largada por um DC-10 da Continental Airlines que havia decolado momentos antes do Concorde. Pedaços da borracha do pneu acabaram por atingir os depósitos de combustível, desencadeando o incêndio o qual provocaria a queda do aparelho, resultando na morte de todas as pessoas a bordo do avião e quatro outras pessoas que estavam em terra. O que provocou este acidente? Qual a origem deste desastre? Qual a causa? Depois de 18 meses de investigação, o Gabinete de Investigação e Análise –BEA – chegou à conclusão de que a origem de toda esta tragédia se resume em uma peça mal apertada. Ou seja, o DC-10 que decolou antes do Concorde teve uma peça metálica de um dos motores inadequadamente instalada durante uma manutenção. Na decolagem, esta peça se soltou vindo a cair sobre a pista de decolagem, funcionando como uma gigante gilete que veio a cortar o pneu do trem de pouso do Concorde. Na sequência, fragmentos de borrachas do pneu atingiram o motor e tanque de combustível, seguindo-se um incêndio o qual provocou a queda da aeronave. Por conta disso, um funcionário da Continental vai responder juridicamente pelo acidente por ter instalado incorretamente a peça de metal. Outro empregado, por ter negligenciado sua função, também será julgado por não ter verificado o trabalho de seu colega. Todos responderão pelo resultado a título de culpa. Sentam-se também no banco dos réus: o diretor do programa Concorde entre 1978 e 1994, o engenheiro da Aerospatiale (um dos construtores do aparelho) e um inspetor, que inspecionou o avião ao serviço da Direção Geral de Aviação Civil. Pane seca A inoperância do dispositivo de indicaçãoda quantidade de combustível foi responsável pela queda de uma aeronave, obrigando a tripulação a realizar uma amerissagem de emergência, levando à morte dezesseis passageiros. No dia seis de agosto de 2006, uma aeronave do tipo ATR-22 voava da cidade de Bari, Sudeste da Itália para um resort, quando os dois motores foram apagados devido à falta de combustível. Em setembro de 2007, foi elaborado o relatório final dos investigadores que coincidiu com o parecer técnico do fabricante da aeronave alegando falha na manutenção. A aeronave havia passado por uma manutenção no dia anterior ao acidente, quando o mecânico instalou um dispositivo do sistema de combustível da aeronave ATR-42 que não correspondia ao tipo da aeronave em questão. Embora fosse semelhante, era de menor tamanho. No dia 23 de março de 2009, em uma sentença ainda não definitiva, não transitada em julgado, a justiça italiana condenou além do piloto e copiloto outros cinco profissionais ligados à empresa aérea totalizando a 62 anos de prisão. Supervisor, chefe de manutenção e mecânico foram condenados a oito anos cada um. O piloto e copiloto foram condenados a dez anos, pois, sucumbindo ao pânico, começaram a rezar ao invés de tomar os procedimentos de emergência. Foi constatado também que, se tivessem tomado tempestivamente o procedimento previsto, teriam alcançado um aeroporto próximo ao local do acidente. O fato de o mecânico ter instalado um dispositivo incompatível com o tipo da aeronave afetou consideravelmente sua segurança, expondo-a ao perigo real. A anuência de seus superiores concorreu para a prática do delito. Voo 236 e a responsabilidade da manutenção e dos pilotos Como já observamos, este delito - 261 do Código Penal Brasileiro - pode ser cometido por omissão. Mecânicos ou quaisquer outros profissionais ligados à manutenção podem incorrer neste delito. Em 24 de agosto de 2001 uma aeronave do tipo Airbus 330, conhecido como voo 236, de Toronto – Canadá – para Lisboa – Portugal - ficou sem combustível durante o voo sobre o Atlântico com 193 passageiros e 13 tripulantes. Sem que os pilotos soubessem identificar, ocorreu um vazamento de combustível no motor direito esgotando todo o combustível sendo realizado o pouso forçado mais significante de uma aeronave com pane seca até então. Os investigadores portugueses acessaram os registros de manutenção da empresa e descobriram que no dia 19 de agosto de 2001, cinco dias antes do acidente, a aeronave acidentada passou por uma manutenção e que o motor número dois havia sido removido para reparos. Ao receber o conjunto de peças de reposição enviado pela fabricante do motor, foi constatado que o dispositivo de bomba hidráulica não estava completo. Para suprir esta deficiência, os mecânicos utilizaram peças de um antigo motor. As peças de reposição se diferenciavam da original em apenas alguns milímetros, mas o suficiente para expor a aeronave a perigo. Esta pequena diferença provocou uma fricção entre as peças, fazendo com que, cinco dias após a instalação, viessem a se romper provocando o vazamento de todo combustível. Ao interrogarem os mecânicos que realizaram a manutenção, os investigadores descobriram uma situação mais perturbadora ainda. Preocupado com a periclitante manutenção, o mecânico chefe procurou seus superiores, também responsáveis pela manutenção, e apresentou sua inquietação a respeito da incompatibilidade entre as peças instaladas. Indiferentes com a preocupação do mecânico chefe, os dirigentes decidiram prosseguir com a manutenção mesmo ciente da incompatibilidade das peças e do perigo que isto representava, pois a aeronave não poderia ficar parada. Sobrevoando o oceano Atlântico, a tripulação passa por enormes problemas na indicação do consumo de combustível. Em curto período, a aeronave consome absurda quantidade de combustível. Treze minutos após a parada do motor direito, a tripulação perde também o motor esquerdo, e o piloto em comando passa a discutir com o copiloto o dilema de pousar diretamente nas águas do oceano atlântico ou tentar chegar ao aeroporto da base militar de Lajes, localizada na Ilha Terceira, no arquipélago dos Açores, situado no Atlântico nordeste. Esgotadas as 17 toneladas de combustível, o Airbus 330, uma das aeronaves mais modernas de sua era, torna-se em um enorme planador com 306 pessoas a bordo. Perdendo 330 metros a cada 5 quilômetros, e somente a aproximadamente 20 km do aeroporto de Lajes, a tripulação consegue avistar o aeroporto e então decide que este será o destino do voo 236. Um pouso de emergência no mar – amerissagem - proporcionaria remotas chances de sobrevivência, mas não está definitivamente descartada. A tripulação não pode errar, não terá potência para uma arremetida. Pista de comprimento limitado. Os pilotos lutam para perder altura e velocidade. Esta não pode ser reduzida de forma que não possam alcançar a pista, nem demasiada que não possam parar. Com os motores parados, vários dispositivos de frenagem deixam de funcionar. Sem reversores, sem flaps... tiro ao alvo de uma bala só! Acertar ou errar é o preço das vidas a bordo. Com perdas materiais significantes, a perícia dos pilotos fez com que as vidas de todos os ocupantes fossem preservadas. Se há um procedimento tecnicamente previsto constando em manuais com as medidas de cada peça, este procedimento, resultado de projetos engenhosamente desenvolvidos, não pode ser negligenciado sob pretexto algum. Respondendo por esta conduta, todos os envolvidos nesta operação; os mecânicos, mecânicos chefes e os engenheiros responsáveis pela manutenção. Típico exemplo de exposição a perigo, relacionado à manutenção. Responsabilidade de meio e responsabilidade de resultado Existe uma inquietação na comunidade aeronáutica no sentido de rejeitar a responsabilização da tripulação em caso de acidente, quando o fato que o originou está fora da conduta da tripulação. Nos casos que analisamos tanto do ATR quanto do Air Transat 236, a origem do acidente se deu com a equipe de manutenção bem antes do voo. Como poderia a tripulação ser responsável por um resultado – acidente - se não deu início a causa do acidente? Para entender o raciocínio jurídico aplicado a estes casos, vamos nos valer de um instituto muito utilizado na esfera civil, que é denominado: Responsabilidade de Meio e Responsabilidade de Resultado. Supondo que um médico receba um paciente gravemente ferido, vítima de atropelamento. Tem este o dever de salvar a vítima? Responderá juridicamente se a vítima vier a falecer? Se o médico, ao atender um paciente diabético, não consultar o histórico do enfermo e aplicar glicose resultando em sua morte, deverá responder pelo resultado? Para melhor responder a estas perguntas e relacionar a responsabilidade do piloto em caso de acidente, precisamos analisar o instituto denominando responsabilidade de meio e responsabilidade de resultado. A semelhança entre a responsabilidade do médico e dos pilotos nos casos apresentados está ligada ao fato de que estes profissionais concorreram para o resultado sem, no entanto, ter dado origem à causa. Nestes exemplos, a obrigação médica é uma obrigação de meio e não de resultado. O objetivo é de se comportar dentro de uma condição ética de diligência, cuidados, atenções, utilizando os recursos em sua disponibilidade, procurando, enfim, todos os meios a atingir a cura. Se seus meios e a sua atividade não atingiremo resultado de cura, não haverá responsabilidade do médico se cumpriu todos os procedimentos e se valeu dos recursos compatíveis e disponíveis para o caso concreto. O médico não tem neste caso a responsabilidade de resultado, ou seja, de salvar a vítima, mas sim de meio, isto é, de utilizar todos os recursos e meios disponíveis com a finalidade de salvar a vítima. Se for comprovado que a vítima veio a falecer mesmo tendo o médico agido de forma a atender todos os requisitos profissionais não há de responder juridicamente pelo resultado morte. No entanto, se houve por parte do médico uma conduta culposa tendo agido com as modalidades de negligência, imperícia e imprudência, responderá, sim, pelo resultado. Convém ressaltar que o raciocínio jurídico aplicado nestes exemplos é pacífico na esfera cível. No entanto, podemos enfatizar que de forma análoga, este mesmo raciocínio tem sido aplicado em caso de acidente aeronáutico para responsabilizar a tripulação que deu causa ao resultado acidente sem mesmo ter originado a causa dele. Tanto no caso do ATR quanto no caso Air Transat, podemos notar que a origem do acidente se deu com a equipe de manutenção, a qual se valeu de meios escusos para realizar o serviço de manutenção. Armou-se o gatilho!. No entanto a situação foi desenrolada de forma a ser concretizada nas mãos da tripulação. Cabia a esta valer-se dos procedimentos previstos e manuais dos quais poderiam minimizar as consequências. Em ambos os casos as tripulações não tinham a obrigação de evitar o acidente. Mas tinha a obrigação de se valerem dos recursos e meios disponíveis para minimizar as consequências, concorrendo para evitar o resultado lesivo. Nos dois casos citados, as tripulações falharam em não seguir o que estava previsto nos manuais. No caso Air Transat, se o piloto tivesse seguido manual técnico da aeronave teria identificado que não se tratava de um desbalanceamento e sim de um vazamento. Desta forma tomaria procedimento diverso e se valendo de meios e recursos disponíveis corretos, teria pousado com mais segurança garantindo a incolumidade dos ocupantes da aeronave. Segundo os especialistas que atuaram na investigação deste acidente, se a tripulação tivesse tomado os procedimentos previstos, teria condições de alcançar o aeroporto de destino ou outro aeroporto com os motores em operação evitando o acidente. Interessante ressaltar que a tripulação deu causa ao resultado ou por negligência, imperícia ou imprudência, devendo responder culposamente pelo resultado. Se há um procedimento previsto para a situação real e este procedimento consta dos manuais técnicos da aeronave estabelecidos pelo fabricante e não for cumprido, haverá responsabilidade jurídica. Há de se ressaltar que nestes casos a tripulação não deu origem à causa do acidente, mas em se analisando o desdobramento dos fatos, deu, com sua conduta, causa ao resultado. No caso ATR e Air Transat, podemos verificar que a tripulação não tomou as providências necessárias e previstas dando causa ao resultado. Já no caso do acidente com falha despressurização (para-brisa), percebemos que o copiloto não agiu nem com dolo, nem com culpa, não deixando nada a desejar em termos de responsabilização jurídica. Não se exige nestes casos um ato de heroísmo destes profissionais. Se tomadas todas as providências e mesmo assim o resultado persistir não haverá conduta culposa nem dolosa. Sendo um fato atípico ensejando isenção de toda e qualquer tipo de responsabilização. Erro profissional (culpa profissional) X Conduta culposa Os profissionais da aviação principalmente pilotos e controladores têm sido envolvidos pela responsabilidade jurídica sem precedentes na história da aviação. São muitas as razões que determinam a intensificação do interesse pelo estudo da responsabilidade legal desses profissionais. Durante muitos séculos, a atividade aérea esteve revestida de caráter divino e mágico, atribuindo-se aos desígnios dos deuses a ciência de voar. Nesse contexto, desarrazoado seria responsabilizar todos os profissionais ligados a essa atividade, sobretudo o piloto que era figura de uma relação profissional o qual não admitia dúvida sobre a qualidade de sua atividade, e, menos ainda, a litigância sobre eles, principalmente, em caso de acidente aeronáutico. Contudo, em países de primeiro mundo, já em meados do século passado o que mais se vê é a contestação ao comportamento de profissionais das mais diversas áreas, seja dos ocupantes de cargos públicos, como de profissionais liberais, empresários de toda gama de atividades. Isso se deve, em grande parte, à descoberta pela maioria da população de que é detentora de direitos, de que lhe é lícito questionar, buscar, apurar responsabilidades, e obter compensação por prejuízos sofridos, o que se costuma denominar de despertar da cidadania. E a atividade aérea não escapa desse contexto. A consequência que disso deflui, é o expressivo aumento de demandas judiciais, dos mais baixos aos mais elevados valores, versando sobre os mais variados temas, o que tem provocado sobrecarga nos serviços judiciários e o aumento da sede de solução dos litígios. É óbvio que isso também comporta um lado negativo: há por parte de alguns o exagero, a intenção de discutir toda e qualquer conduta entendida como lesiva, mesmo que isso não esteja configurado. O profissional da atividade aérea tem sido alvo de tais situações, na medida em que deixando de ser visto como um ser acima da normalidade, um semideus, apto a operar milagres, é alvo de questionamentos, dúvidas e, não raro, busca-se responsabilizá-lo por resultados lesivos. A aviação é, sem qualquer dúvida, uma atividade de risco. O piloto, o controlador e demais profissionais que atuam na aviação devem ser profissionais técnica e excelentemente preparados para tão complexa atividade. Nessa conformidade, ao exercitarem este ofício estão sujeitos a posições das quais podem advir consequências sérias: incidente, acidentes e outras. Alguns desses atos são decorrentes de erro que perfazem condutas criminosas sendo passíveis de responsabilização Daí, temos um aparente conflito entre a comunidade jurídica em sua função típica de responsabilizar juridicamente os atos lesivos decorrentes de erros dos quais caracterizam infração legal, e por outro lado, a comunidade aeronáutica na busca de isenção de toda e qualquer responsabilização jurídica, principalmente em caso de acidente aeronáutico. Haverá sim, responsabilidade quando houver erros que são infrações às normas pertinentes, e deixará de ser quando houver erros que escapem ao conceito de conduta culposa ou dolosa. Saber diferenciar as circunstâncias as quais levariam a responsabilidade ou não, requer qualidades especiais e peculiares aos chamados, mais modernamente, de aerojuristas, os quais são profissionais peritos tanto na ciência aeronáutica como na área jurídica. Um dos grandes segredos relacionado à busca da responsabilidade jurídica na atividade, está em diferenciar Conduta Culposa de Erro Profissional, também conhecido por Culpa Profissional. Eis um grande enigma cuja comunidade aeronáutica precisa desvendar, para que não seja levada ao equívoco de acreditar que os profissionais da atividade aérea não possam ser responsabilizados legalmente quando erram, sobretudo em caso de acidente ou incidente aeronáutico. Ao diferenciar erro profissional de culpa, faz-se necessáriopassar em revista conceitos básicos de culpa e como este tópico é tratado dentro da ótica jurídica. São eles tratados no direito penal como crimes culposos. São crimes dolosos aqueles onde o agente tem deliberadamente a intenção de produzir o resultado (dolo direto), ou aqueles onde o agente apesar de não pretender o resultado, assume o risco de vir a produzi-lo (dolo eventual). Condutas culposas, por outro lado, consubstanciam-se naqueles onde o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (art. 18, inciso II, do Código Penal). A imprudência é uma atitude em que o agente atua com precipitação, inconsideração, com afoiteza, sem cautelas, não usando de seus poderes inibidores. A negligência é a inércia psíquica, a indiferença do agente que, podendo tomar as cautelas exigíveis, não o faz por displicência ou preguiça mental. A imperícia é a incapacidade, a falta de conhecimentos técnicos no exercício da arte ou profissão, não tomando o agente em consideração o que sabe ou deve saber. É conveniente traçar, nesse ponto, a diferenciação entre erro (culpa) e erro profissional também conhecido como acidente. O erro ou culpa (conduta culposa), que possibilita a condenação do profissional, é aquele em que se observa a presença de uma das três modalidades já descritas. O acidente, ou erro profissional, de forma diversa, assume outra conotação. Este ocorre quando, empregados os conhecimentos normais da ciência aeronáutica, por exemplo, chega à conclusão errada quanto ao resultado. Não se pode responsabilizar o aeronauta por um erro profissional se, no seu atuar, não houver negligência, imperícia, imprudência, ou dolo. O erro profissional é um acidente escusável, justificável e, de regra, imprevisível, do qual não depende do uso correto e oportuno dos conhecimentos e regras da ciência. Esse tipo de acidente não decorre da má aplicação de regras e princípios recomendados pela ciência. Deve-se à imperfeição e precariedade dos conhecimentos humanos, operando, portanto, no campo do imprevisto e transpondo os limites da prudência e da atenção humana. Tendo agido racionalmente, segundo os preceitos fundamentais da lexis artis, ou, quando deles se afastar, o fizer por motivos justificáveis, não terá de prestar contas à justiça penal, por eventual resultado fatídico. Destarte, o erro escusável é aquele oriundo da imperfeição da ciência aeronáutica, desde que o profissional não tenha se afastado, na prática da ação, das regras científicas de sua profissão. Um exemplo de Erro Profissional (Culpa Profissional) ocorre quando o controlador baseado nas informações que recebe da tela do radar, provê separação de acordo com a regulamentação vigente. No entanto as representações radar, por questão de deficiência técnica, são falsas, resultando em uma separação inadequada. Diagnosticando erradamente de acordo com os dados colhidos, se o controlador vier a provocar um acidente e comprovada esta deficiência do radar, não há de se responsabilizar, pois estaríamos diante de um claro exemplo de erro profissional. Diagnosticou erradamente não por erro próprio, mas por falha técnica alheia. Cabe ressaltar que embora não haja responsabilidade do controlador, haverá para a equipe técnica responsável pela manutenção do radar. Ainda em se tratando de controle de tráfego aéreo, se um controlador receber informações a respeito da evolução de determinada aeronave, tais como ficha de progressão de voo eletrônica, visualização radar, X-4000, TARIS, SAGITÁRIO22 e estas não forem compatíveis com a realidade, pode ser cogitado erro profissional, se o controlador se baseou nessas informações que, em tese, seriam corretas, mas que na realidade são falsas ou errôneas. Vejamos um caso verídico sobre o tema o qual se configura em um típico exemplo de Erro Profissional (Culpa Profissional). Uma aeronave estava mantendo nível de voo 290 (FL 290) e seguia quinze milhas náuticas à frente de outra que estava mantendo nível de voo 240 (FL 240). A aeronave que estava à frente solicitou iniciar descida e como havia separação suficiente, foi autorizada a descer. Ao se aproximar do cruzamento do FL240, a aeronave que vinha atrás, reportou nervosamente que havia um jato descendo sobre ela. O controlador já iniciava sua negativa, quando o alvo na tela do radar retrocedeu as quinze milhas náuticas e posicionou-se sobre a outra aeronave, fundindo os alvos. Ou seja, pela visualização radar, o controlador julgou que seria perfeitamente correta a mudança de nível, pois havia separação suficiente entre as aeronaves. Mas na realidade, houve um erro de quinze milhas náuticas na representação radar levando o controlador a entender que havia separado quando na realidade as duas aeronaves estavam na mesma posição ocorrendo uma quase colisão. Consultados os técnicos responsáveis pelo sistema radar, foi informado que possivelmente este fenômeno estivesse ligado ao radar que teve suas configurações alteradas eletronicamente à distância por outro órgão de controle. Convém ressaltar que o Sistema de Tratamento e Visualização Radar é um dos pontos que está desenvolvendo importantes debates na apuração de responsabilidade dos controladores de tráfego aéreo envolvidos no acidente Voo 1907 X Legacy que está tramitando na Justiça Federal Brasileira. Também se encaixa no conceito de Erro Profissional o caso do controlador que presta serviço em espaço aéreo controlado convencional, isto é, sem cobertura radar. Para que preste o serviço de controle efetivo, o controlador precisa de informações do piloto no que se refere à altitude, nível de voo, velocidade e demais informações. Se o piloto passar ao controlador informações falsas, relativas ao voo, condições atmosféricas, por exemplo, e se o controlador se valer destas informações para prover separação de outras aeronaves e disto resultar acidente aeronáutico, para o controlador não haverá responsabilidade alguma, pois embora incorrendo em erro, este foi um diagnóstico resultante de informações equivocadas, repassadas pelo piloto. Embora não haja responsabilização para o controlador, haverá, neste caso, responsabilidade para o piloto, por contribuir para o acidente ao passar falsas informações. Em se tratando de erro profissional, citamos o caso de um acidente ocorrido em que uma aeronave recebia as informações de rampa e trajetória de planeio – ILS.23 Considerando que estava alinhada com a pista de pouso, o piloto prosseguiu para pousar e veio a se chocar com obstáculos nas imediações do aeroporto. Na investigação, constatou-se que o equipamento eletrônico a bordo, apresentava discrepância considerável em relação às informações transmitidas pelos equipamentos eletrônicos de solo. Neste caso, não há responsabilidade do piloto, pois o diagnóstico feito por ele encaixa-se perfeitamente ao que denominados aqui de erro profissional. No entanto haverá responsabilidade para a equipe de manutenção da aeronave pela discrepância se assim comprovado. Erro profissional também ocorre quando o piloto se vale de check-list - lista de checagem - para identificar emergência e este procedimento está incorreto quanto à forma ou conteúdo. Se o piloto em uma situação de emergência seguir criteriosamente o procedimento elaborado pelo fabricante do motor ou da aeronave ou de qualquer dispositivo e equipamentos, e destachecagem incorreta resultar em acidente, estará incorrendo em erro profissional e será isento de responsabilidade. No entanto a empresa aérea, fabricante responsável por elaborar e divulgar o procedimento, treinar a tripulação serão responsáveis pelas consequências deste incorreto procedimento. Este é um dos assuntos o qual está sendo discutido no acidente do Voo 3054, ocorrido em Congonhas, conforme veremos logo a seguir. Voltando ao caso Air Transat - Voo 236 - se o piloto tivesse seguido o procedimento elaborado e estabelecido pela fabricante da aeronave, teria identificado que se tratava de um vazamento de combustível e não de um problema de balanceamento. Por outro lado, se a empresa tivesse elaborado um procedimento de checagem na qual induzisse o piloto a identificar equivocadamente, um problema de balanceamento ao invés de vazamento de combustível, teríamos neste caso, um erro de diagnóstico devido à falsa informação, isentando o piloto de responsabilidade. O traço marcante nestes exemplos e a relação com o assunto referente ao erro profissional está no sentido de não haver no agente nem a conduta dolosa nem a conduta culposa. Não havendo dolo nem culpa não há conduta criminosa. Contudo que ninguém se engane! Isto não pressupõe que não deva haver responsabilidade dos profissionais da atividade aérea em caso de acidente como muitos, equivocadamente, pensam. Somente em se tratando de erro profissional conforme explicamos e na ausência de dolo e culpa. O erro profissional não tem nada a ver com o erro comum, habitualmente invocado pela comunidade aeronáutica. Não há cogitar de responsabilizar-se do profissional da atividade aérea quando se evidencia, que sua conduta profissional foi desenvolvida dentro de padrões técnicos aceitáveis e compatíveis ao caso real. Reiterando o que se afirmou anteriormente, será preciso verificar, no caso concreto, se diante do grau de evolução da ciência aeronáutica, era ou não razoável se chegar a um diagnóstico correto ou a um julgamento satisfatório, desde que o resultado não se origine de imperícia, imprudência ou negligência para que não haja responsabilidade jurídica. Diante da complexidade da atividade aérea e a interseção desta área com a ciência jurídica é que se torna muito difícil, porém não impossível, a identificação e apuração da responsabilidade jurídica na atividade aérea. Uma arte e ciência da qual não pode ser delegada a qualquer profissional, todavia deve ser confiada aos peritos modernamente denominados aerojuristas. 22 X-4000, TARIS, SAGITÁRIO – Conjunto de equipamentos e softwares ligados ao Sistema de Tratamento e Visualização Radar. 23 ILS (Instrument Landing System) - Sistema de Pouso por Instrumentos. 5 CRIMINALIZAÇÃO NA AVIAÇÃO CRIMINALIZAÇÃO NO VOO 3054 Um caso que trouxe uma grande mudança de paradigma ocorreu com a responsabilização penal de profissionais não ligados diretamente ao voo que resultou em acidente no aeroporto de Congonhas em julho de 2007. Em uma denúncia jamais vista em nosso país, o Ministério Público Federal em São Paulo denunciou diretores da empresa aérea e da ANAC com uma capitulação jurídica jamais vista no Brasil. Considerando estes profissionais responsáveis pelo maior acidente ocorrido no Brasil, o Ministério Público capitulou a conduta de cada profissional de uma forma a qual trouxe grande apreensão a comunidade aeronáutica. Nunca na história deste país houve uma responsabilização por causa de acidente aeronáutico em que a responsabilização ultrapassasse as condutas dos tripulantes. O desfecho deste caso despertará atenção da comunidade aeronáutica e da comunidade jurídica nacional e internacional. Os argumentos dos advogados de defesa, as colocações do promotor de justiça e a posição do juiz, neste enigmático acidente trarão conhecimentos sem precedentes para a comunidade jurídica e para a atividade aérea. Desfecho este que não pode passar despercebido para os profissionais desta atividade que resultará, com certeza, em mudança de procedimentos, principalmente aos profissionais ligados diretamente a Direção de Operação e Departamento de Segurança das empresas aéreas. No dia 11 de agosto de 2011, o Ministério Público Federal brasileiro ofereceu denúncia contra três profissionais envolvidos no acidente com o Voo 3054, ocorrido em Congonhas São Paulo. Denúncia24 (conceito) É uma peça acusatória que inicia a ação penal, consistente em uma exposição por escrito dos fatos os quais constituem, em tese, ilícito penal, com a manifestação expressa da vontade de que se aplique a lei penal a quem é presumivelmente seu autor. O interessante da peça acusatória é a indicação de quem, em tese, cometeu o crime e os fatos dos quais os denunciados terão que se defender. No caso em questão, três profissionais ligados à atividade aérea foram denunciados e terão que responder pelo artigo 261 do Código Penal Brasileiro por terem exposto a aviação em risco. Artigo 261 do Código Penal Brasileiro: “Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea.” Na exposição dos fatos e indicação do ilícito penal o Ministério Público Federal imputou aos denunciados o crime acima entendendo que expuseram a perigo o Voo 3054, pois, mesmo tendo conhecimento das péssimas condições de atrito e frenagem da pista principal do aeroporto de Congonhas, em especial nos dias de chuva, permitiram que a aeronave, mesmo apresentando falha mecânica em um dos motores, viesse a pousar em pista escorregadia. Voo 3054 - o acidente No dia 17 de julho 2007, por volta das 18h48min uma aeronave Airbus A-320, operada por uma empresa aérea brasileira de voo doméstico, voo 3054, procedente de Porto Alegre, após ter pousado na pista principal, cabeceira 35L (35 esquerda), percorreu toda a sua extensão na velocidade aproximada de 170 km/h, derivou à esquerda, ultrapassou o canteiro e, após ter sobrevoado a Avenida Washington Luís, chocou-se contra um prédio, seguindo-se incêndio de grandes proporções que destruiu completamente a aeronave e a edificação. Desse fato resultou a morte de 187 pessoas as quais estavam a bordo da aeronave e outras 12, que estavam no edifício. O acidente ocorreu 18 dias após a inauguração parcial da obra de engenharia destinada ao recapeamento da pista principal do aeroporto de CONGONHAS. A aeronave apresentava uma falha mecânica no reversor do motor direito. Reversor é um dispositivo que tem a função de ajudar na frenagem da aeronave durante o pouso. Por conta disto, a empresa resolveu travá-lo. Esta operação resultou em uma mudança de operação que foi implementada em janeiro de 2007. Pontos fundamentais da denúncia - Pista escorregadia - Aeronave com falha mecânica - Falha da empresa aérea em comunicar os pilotos o novo procedimento em relação ao reversor inoperante e falha na fiscalização da execução deste procedimento. Profissionais acusados - Diretor de segurança de voo da empresa aérea do voo 3054 - Vice-presidente de operações da empresa aérea do voo 3054 - Diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) Acusação comum ao diretor de segurança e ao vice-presidente de operações Na opinião do Ministério Público Federal os profissionais acima deverão responder penalmente, pois deveriam ter direcionado a aeronave para outro aeroporto. Ou seja, pelas condições da pista escorregadia e pela anormalidadeda aeronave no que se refere à inoperância do reversor do motor direito, eles não deveriam ter permitido que a aeronave progredisse para o aeroporto de Congonhas naquelas periclitantes condições. Outra acusação imputada a eles está atrelada ao fato de não ter sido divulgado aos pilotos da empresa aérea que o procedimento de operação com o reversor desativado (pinado) da aeronave Airbus A-320, havia sido mudado. Segundo o Ministério Público, estes profissionais não informaram de forma clara e eficiente não garantindo que os pilotos estivessem devidamente esclarecidos a respeito da operação desta anormalidade. Acusação exclusiva ao diretor de segurança de voo Além das acusações listadas acima, o diretor de segurança foi denunciado pela não fiscalização do comportamento de suas tripulações, deixando de acompanhar e verificar eventuais tendências adversas, deixando de observar o Operator´s Flight Safety Handbook, o manual de segurança de operações da própria empresa aérea que determina a identificação, análise, avaliação e controle dos riscos, na obtenção de um padrão mínimo de segurança. NOTA 1: Alerta aos aeronautas! Sobretudo àqueles ligados à operação das aeronaves da empresa. Não basta apenas a implantação de uma maneira e modo de agir. É mandatório que a operação da tripulação seja fiscalizada no sentido de assegurar que os pilotos estejam agindo de acordo com o estipulado. Se for comprovado que as tripulações não seguem procedimentos previstos, esta negligência não limitará a estes profissionais ensejando responsabilidade, também, dos diretores e gerentes. NOTA 2: Um ponto que será bem debatido neste processo está relacionado diretamente ao modo como a empresa se comunicava com os aeronautas, principalmente sobre os avisos de inserção e mudanças de procedimentos. Na visão do Ministério Público Federal, os pilotos não estavam devidamente informados sobre o novo procedimento relacionado à operação com a aeronave e o reversor inoperante. Embora a mudança havia ocorrido em janeiro de 2007, segundo o Ministério Publico Federal, os pilotos somente tomavam conhecimento do novo procedimento no momento do voo, quando consultavam o manual da operação da aeronave . O procedimento e a tempestividade deste procedimento é um dos pontos relevantes do processo penal. Aqui cabe uma ressalva interessante que é um alerta aos aeronavegantes, sobretudo àqueles que ocupam cargos de decisão. Cabe a estes profissionais uma medida de divulgação que assegure a todos os interessados que tenham informações de forma precisa. O meio e o modo como essas informações são transmitidas aos tripulantes, são essenciais para que venham a se eximir de responsabilidade em decorrência de acidente aeronáutico. Isto não é novo na atividade aérea e foi constatado no voo VRG 254 ocorrido em 1989, quando uma aeronave caiu por falta de combustível na selva brasileira. O piloto ao programar a rota de voo antes da decolagem inseriu um rumo que não condizia com o da rota a ser voada. A empresa aérea responsável por aquele voo havia mudado o procedimento de inserção de rumo no plano de voo. O rumo que era normalmente expresso com três algarismos passou a ser programado com quatro, e o piloto, ao invés de inserir o rumo magnético 0270, inseriu equivocadamente o 2700. Deixando de desprezar o último algarismo, conforme novo procedimento, a tripulação voou no rumo 270 ao invés do 027 previsto na rota compreendida entre Marabá e Belém. Este erro inicial culminou com outros erros de navegação, resultando na desorientação espacial dos pilotos e o pouso forçado do Boeing 737. A mudança do plano de voo implementado na empresa, o modo de divulgação aos pilotos, e o treinamento dado a eles em razão desta mudança, foi motivo de calorosos debates no processo penal, sendo discutido se a responsabilidade pelo acidente era dos pilotos que não estavam familiarizados com o novo plano ou da empresa que não divulgou de modo eficiente e eficaz o novo plano de voo, sendo cogitada a responsabilidade do diretor de operações. Não será demasiado ressaltar que os aeronautas que ocupam cargos de gerência e diretoria devem estar cientes de suas responsabilidades quanto aos procedimentos bem como de sua divulgação e treinamento a todos os tripulantes. A omissão, negligência neste quesito trará para esses profissionais, responsabilidade pelo resultado do não cumprimento do procedimento. Em relação a esse assunto, cabe também ressaltar que as empresas devem se valer de um meio de comunicação a qual garanta a certeza da transmissão, recebimento e também do entendimento do procedimento por parte da tripulação. Só a divulgação, ou somente a ciência do procedimento não são, por si só, garantia de isenção de responsabilidade. Além de tudo isto deve certificar-se de que o procedimento foi devidamente entendido e será executado conforme o previsto. Valendo-se dos requisitos de uma boa comunicação, esta deverá ser transmitida, recebida e entendida. O meio de divulgação e a maneira como os pilotos acusarão o recebimento e entendimento, torna-se imprescindível para a caracterização da culpa ou isenção desta. Na peça acusatória foi mencionado o meio de comunicação entre a empresa e os tripulantes ressaltando a ideia que expusemos. Trecho da retirado da denúncia: “... a comunicação do “safety” da empresa com os tripulantes eram feitas apenas através de “e-mail” corporativo, sem que houvesse um instrumento de controle que permitisse atestar que as informações transmitidas eram efetivamente lidas, prescindindo de um importante elemento da comunicação”. Eis aí um grande desafio para que as empresas cumpram o objetivo de comunicar-se bem com seus 2.000, 3.000 ou mais tripulantes. Acusação contra a diretora da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) Em razão da liberação da pista principal do aeroporto de CONGONHAS, em 29 de junho de 2007, sem a realização do serviço de “grooving” e sem realizar formalmente uma inspeção, após o término das obras de reforma, com o fim de atestar sua condição operacional em conformidade com os padrões de segurança aeronáutica, bem como porque, mesmo ciente das péssimas condições de frenagem na pista principal do aeroporto de CONGONHAS, notadamente em dias de chuvas. Na visão do Ministério Público, a diretora da ANAC deve responder penalmente por este acidente por dois motivos principais: - Por ter liberado a pista sem a realização do grooving; - Não ter realizado uma inspeção após a reforma da pista com a finalidade de atestar as suas reais condições. A pista havia passado por uma reforma que havia se encerrado dias antes do acidente e, segundo o Ministério Público, foi liberada sem a conclusão efetiva do grooving e sem a análise da textura da pista. Segundo consta na peça acusatória, o pavimento da pista principal, tratado com “grooving”, ou seja, a técnica destinada a facilitar o escoamento da água, evitando a formação de uma película a qual aumentaria o risco de hidroplanagem, consistente em cortar ou formar ranhuras transversais em pavimento já existente ou novo, com profundidade e largura aproximadas de seis milímetros, foi substituído por um pavimento rugoso e que, este pavimento não conservou suas qualidades iniciais, voltando a apresentar problemas de atrito. Acrescenta que foram verificados problemas de declividade os quais continuavamimpedindo um escoamento d'água mais eficiente durante as chuvas mais fortes. Ainda foi citado na peça denunciatória que as obras de recuperação da pista principal de CONGONHAS foram iniciadas em 14 de maio de 2007, voltando a operar, sem qualquer restrição, em 29 de junho de 2007, embora sem o “grooving”, a despeito de ter sido previsto no projeto. E por fim salienta que não foi realizada a inspeção aeroportuária especial durante as obras de recuperação da pista de pouso; também não foram estabelecidos os procedimentos de inspeção ao término da obra ou serviço no que tange às condições de segurança operacional do local afetado, conforme preconiza documentos pertinentes. Conduta criminosa dos acusados Esses profissionais foram acusados, segundo o Ministério Público federal, pois expuseram a perigo aeronaves alheias mediante culpa, pois, mesmo tendo conhecimento das péssimas condições de atrito e frenagem da pista principal do aeroporto de CONGONHAS, em especial nos dias de chuva, tornando-se incursos no artigo 261, parágrafos primeiro e terceiro c.c. o artigo 263, todos do Código Penal. Devido à combinação do artigo 261 e seguintes, a pena prevista neste caso é a mesma do homicídio culposo, aumentada de um terço. Desta forma, estarão concorrendo a pena de detenção de um a três anos mais o aumento de um terço. Mesmo que haja condenação, uma vez que foram denunciados na modalidade culposa, é grande a possibilidade que sejam agraciados com penas restritivas de direitos tais como prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas. 24 A denúncia do acidente com o Voo 3054 pode ser encontrada na seção de Direito Aeronáutico no site www.professorkalazans.com.br 6 O ACIDENTE VOO 052 MAIS DO QUE PALAVRAS Comunicação não é o que você diz, é o que o outro entende Em pleno final do século 20 uma aeronave comercial de passageiros caiu por falta de combustível – pane seca – simplesmente porque uma tripulação não soube se comunicar eficientemente com os controladores de tráfego aéreo. "Eu fico muito revoltado quando penso que um avião caiu com mais de 161 almas e quase metade das pessoas perderam suas vidas por causa de uma palavra." (Depoimento de Nestor Zarate, um dos 85 sobreviventes do acidente Avianca 052.) Com três tripulantes na cabine: engenheiro de voo, copiloto e comandante, o voo AVA 052 decolou do aeroporto internacional de Bogotá, pousou em Medelín quando foi reabastecido e preparado para o voo que os levaria até ao aeroporto internacional de Nova Iorque - JFK International Airport. Aquela noite foi uma jornada típica de inverno no nordeste dos Estados Unidos. Uma enorme formação meteorológica que precedia uma forte massa de ar polar cobria boa parte da região. No aeroporto John Kennedy, em Nova York, a situação não era diferente, sendo castigado por severas rajadas de vento com mais de 40 nós, o que fazia com que as aeronaves, em aproximação final, fossem jogadas de um lado para outro. Essa tormenta havia provocado um absoluto caos na aviação comercial, em especial na terminal de Nova Iorque. Voos foram cancelados, outros tantos severamente atrasados. Houve até aqueles que, por falta de condições de visibilidade ou combustível, tiveram que alternar para outros aeroportos, como Boston, Washington, Filadélfia ou até mesmo Chicago. Durante a aproximação para a terminal de Nova Iorque, o veterano Boeing 707, prefixo HK-2016, operado pela companhia colombiana Avianca, encontrava-se já com boa parte do seu combustível consumido, pois teve de enfrentar fortes ventos de proa por quase toda a viagem. Suas reservas eram mesmo insuficientes para o pesado tráfego e a longa espera. Informada pelo centro de controle de tráfego aéreo de Nova Iorque que teria de aguardar a sua vez para pousar por estar em céus congestionadíssimos, a tripulação ficou impaciente e preocupada, quando então, receberam a autorização para circular em órbitas, em uma região a sudeste do aeroporto. O copiloto, encarregado das comunicações com os órgãos de controle, era, porém, bastante jovem e não ousaria contestar as ordens dadas pelo comandante ou ainda dar palpites na operação da aeronave. O engenheiro de voo, sentado logo atrás, embora não falasse inglês fluentemente, tinha alguma noção do idioma, o suficiente para, ao menos, entender a fraseologia padrão nas comunicações. Em 25 de janeiro de 1990, o quadri-reator que fazia a rota Bogotá – Nova Iorque via Medellin, caiu em Cove Neck, Long Island, Nova Iorque, por falta de combustível. As investigações indicaram que os pilotos não declararam abertamente para os órgãos de controle a escassez de combustível. Requisitaram apenas prioridade, mas não reportaram emergência de combustível em nenhum momento. Para determinar a responsabilidade pela queda da aeronave, a fraseologia foi o ponto crucial na apuração da culpa, resultando em uma indenização de 200 milhões de dólares. A questão principal deste acidente girou em torno do fato da tripulação em momento algum ter esclarecido a real situação de seu combustível. Utilizando expressões vagas, sem significado técnico, não elucidou a situação de emergência, na qual efetivamente se encontrava, impedindo que o controlador prestasse o serviço adequado. Vamos avaliar os trechos os quais consideramos cruciais para o desfecho do acidente, no que se refere às Regras de Tráfego Aéreo, sobretudo a Fraseologia. - PIL: Piloto em comando – Comandante. - EV: Engenheiro de voo. - COP: Copiloto. - TWR: Torre de Controle. - APP: Controle de Aproximação. Decolou com a quantidade máxima de combustível permitida, tendo duas horas a mais de combustível reservado a possíveis esperas. Sem considerar detalhadamente as condições meteorológicas na rota, com vento de proa durante todo percurso, consumiram, consideravelmente, o combustível destinado a prováveis atrasos. Além deste retardamento em aerovia e devido ao mau tempo em Nova Iorque, tiveram que manter espera por quase meia hora, ainda em rota, na costa da Virgínia. Abandonaram a costa da Virgínia. Foram autorizados a prosseguir para área de Nova Iorque. Acreditaram que seriam vetorados para a aproximação final. Decepção! Novamente foram instruídos a manter espera. Combustível de reserva quase todo consumido. Não alertaram o órgão de controle sobre esta situação. Situação em Nova Iorque – JFK – complicadíssima, devido às condições meteorológicas adversas. Vinte por cento das aeronaves não conseguiram pousar. Com várias arremetidas, o serviço de controle tornou-se muito prejudicado, pois havia muitas aeronaves mantendo espera. O voo 052 se uniria a outras 38 aeronaves em espera. Isto mesmo! Quase 40 aviões em órbita no céu de Nova Iorque. Perigoso! O Controle de Aproximação, em coordenação com o Centro de Área e Controle de Fluxo de Tráfego Aéreo, e devido ao mau tempo, insistiu para que este órgão não transferisse mais aeronaves. Inútil! O Controle de Área e o Centro de Gerenciamento de Fluxo ignoraram a solicitação e se valendo da subordinação técnica existente entre estes órgãos, determinaram que o Controle de Aproximação recebesse mais aeronaves do que pudesse controlar. A postura do Controle de Aproximação em aceitar um número de aeronave em seu espaço aéreo de forma a comprometer a segurança, foi veementemente debatida pelo advogado da empresa aérea, trazendo grandes transtornos para o Serviço de Tráfego Aéreo americano no afã de isentar-se de responsabilidade jurídica.Na visão do jurista, este foi o gatilho do acidente cujo órgão de controle jamais deveria ter apertado. Abandonando a costa da Virgínia, partiram para um ponto e mantiveram espera a 72 km de Nova Iorque. A tripulação colombiana sentiu o gosto amargo do ditado americano: “So near, so far.” O controle alerta para a situação de JFK: atraso indefinido – Delay Indefinite. Informação muito triste para quem já tem definida a quantidade de combustível. Mas a tripulação não definiu esta situação para o órgão de controle. Tiveram um atraso de 50 minutos em rota. Agora são mais vinte e cinco minutos sobre os céus de JFK. Quase nada a esperar. Contudo, mantiveram longas esperas. A situação de perigo ficou patente quando o engenheiro de voo fez o primeiro alerta à tripulação: “EV: 2103:5625 - Then the go-around procedure is stating that the power be applied slowly and to avoid rapid accelerations and to have a minimum of nose up attitude.” Como podemos observar, com apenas 30 minutos de autonomia, o engenheiro de voo se mostrou apreensivo com a quantidade de combustível e alertou os pilotos para uma possível arremetida e para o fato de não elevar muito o nariz do avião, pois a baixa quantidade de combustível e o nariz muito elevado poderiam comprometer a alimentação dos motores resultando na parada deles. Nesta ocasião, a tripulação já deveria ter alertado o órgão de controle para a situação do combustível. Se, neste momento, tivesse dito a expressão “Minimum Fuel”, já seria o suficiente para que o controlador tivesse proporcionado um serviço bem diferente do que proveu. A tripulação poderia, também, ter declarado emergência para aumentar a assertividade. Para que não houvesse dúvidas a respeito da situação do combustível, três minutos mais tarde, o engenheiro de voo voltou a enfatizar a situação crítica do combustível, explicando que não teriam combustível suficiente para a alimentação dos motores e que iriam parar. “EV: 2106:15 – What it means it doesn’t contain fuel for feeding itself and a flameout can occur...and it is necessary to lower the nose again.” Após algumas instruções, o engenheiro de voo, ainda muito preocupado, considerou que o copiloto havia alertado o órgão de controle e acreditou que “eles” - os controladores - já tinham ciência desta situação crítica, quando disse: “EV: 2109:15 – They already know that we are in bad condition.” (Eles já sabem que nós Estamos em má situação). Mas os controladores não tinham a menor noção da situação do combustível do Boeing 707, pois nem copiloto, nem comandante os havia alertado até então. O copiloto, sem declarar a real situação, baseado não se sabe em que, acreditou que os controladores de tráfego aéreo de Nova Iorque estavam priorizando o voo 052 e disse ao comandante e ao engenheiro de voo: “CO: 2109:38 – They are giving us priority.” (Eles estão nos dando prioridade). O voo 052 prossegue na sua jornada restando apenas 22 (vinte e dois) minutos de autonomia. O estado da aeronave se tornou tão crítico que a tripulação retardou o momento de baixar o trem de pouso. O trem de pouso baixado e travado teria aumentado a resistência ao voo – arrasto - aumentando também o consumo e reduzindo ainda mais o já escasso combustível. “PIL: 2116:19 – Can I lower the landing gear yet?” (Posso baixar o trem de pouso agora?). “COP: 2116:21 – No, I think it’s too early now.” (Não, eu acho que é muito cedo agora). “COP: 2116:53: If we lower the landing gear, we have to hold very high nose attitude.” (Se nós baixarmos o trem de pouso teremos que manter o nariz em uma atitude muito alta). Embora a tripulação tivesse reconhecido a crítica situação da quantidade de combustível, até este momento, continuou na omissão e negligência em informar os órgãos de controle. A comunicação a seguir reforça a ideia de que o comandante apresenta problemas em escutar e entender as instruções em inglês do órgão de controle: CTL: 2119:58 – … cleared to land. (Autorizado pouso). PIL: 2120:21 – Are we cleared to land, no? (Estamos autorizados para pouso, não estamos?). Pergunta feita ao copiloto. Conforme podemos constatar por este diálogo entre copiloto e torre de controle, que o controlador autorizou o pouso da aeronave, mas o piloto em comando, não proficiente no idioma inglês, teve dificuldades em entender fundamental e básica instrução dos órgãos de controle. Para comprovar a deficiência da comunicação por parte do comandante, ele fez nove solicitações ao copiloto para confirmar o que os controladores estavam dizendo. Embora muitos especuladores tivessem questionado a proficiência do idioma inglês e a provável deficiência auditiva do comandante, o relatório oficial atribuiu este aspecto ao fato do copiloto, sendo o responsável pela comunicação, ter utilizado headset (fone de ouvido) ao invés do alto- falante, exigindo solicitação de esclarecimento por parte do comandante que não estava ouvindo a comunicação bilateral com os órgãos de controle. Uma única bala. O alvo à frente: a pista. Não teriam outra chance. Já autorizados a pousar, teriam que pousar. O engenheiro de voo já havia alertado os pilotos que tinham pouquíssimo combustível. Deveria ter alertado os pilotos que não teriam outra chance. Mas não o fez. Na aproximação final e com apenas 9 (nove) minutos de autonomia, isto mesmo: 9 (nove) minutos de autonomia . Era tudo ou nada, teriam que pousar. Mas... As circunstâncias não estavam nada, nada favoráveis. Autorizados a pousar, foram surpreendidos por algo ainda pior... Vejamos a conversa na cabine de comando durante a aproximação final para o pouso. “EV: 2122:57 – This is the wind shear (Isto é uma cortante de vento). GPWS: 2123:08 – Whoop whoop, pull up! (puxe para cima). EV: 2123:09 – Sink rate. (Razão de descida). EV: 2123:10 – Five hundred feet. (500 pés por minuto). GPWS: 2123:11 – Whoop whoop, pull up! (repeated 3 times). (puxe para cima repetido 3 vezes). GPWS: 2123:14 – Whoop whoop, pull up! (repeated 4 times). (puxe para cima 3 vezes). PIL: 2123:20 – Where is the runway? (Onde está a pista?) PIL: 2123:33 – Request another traffic pattern. (Solicita outro circuito de tráfego). COP: 2123:34 - Executing a missed approach, Avianca zero five two heavy.” (Executando aproximação perdida, Avianca zero cinco dois). Analisando a conversação na aproximação final: “EV: 2122:57 – This is the wind shear” (Isto é uma cortante de vento). Neste momento, o engenheiro de voo gritou para os pilotos alertando a presença de uma cortante de vento. Também conhecida por tesoura de vento, este fenômeno representa grande perigo e pode ser definida como uma variação na direção e/ou na velocidade do vento em uma dada distância (na vertical ou horizontal). O fenômeno leva a um significativo ganho ou perda de sustentação das aeronaves, com pouquíssimo tempo (da ordem de alguns poucos segundos) para sua recuperação. Devido à presença deste fenômeno na aproximação final e a sua intensidade, o engenheiro de voo quis alertar os pilotos para que eles iniciassem a arremetida imediatamente, no entanto os pilotos prosseguiram um pouco mais, desobedecendo aos preceitos de segurança. “GPWS: 2123:08 – Whoop whoop, pull up!” (puxe para cima). O GPWS é um equipamento de alerta de proximidade do solo - Sistema de alerta de proximidade ao solo (Ground proximity warning system). É um sistema projetado para alertar os pilotos que sua aeronave está em perigo imediato devoar para o chão ou um obstáculo. Quando o piloto se aproxima do solo de forma insegura, este equipamento emite sinais sonoros, orientando o piloto a iniciar uma arremetida (subida) para evitar a colisão com o solo ou obstáculo. O procedimento é regulamentado em legislação internacional e nacional, conforme podemos ver, a título de exemplo, o que estatui o RBAC 13526. 135.153 - SISTEMA DE ALARME DE PROXIMIDADE DO SOLO (GPWS) c) Manual de Voo Aprovado. O Manual de Voo Aprovado (AFM) deve conter procedimentos apropriados para: (1) a utilização do sistema de percepção e alarme de proximidade do solo; e (2) reação apropriada da tripulação de voo em resposta aos alertas visuais e sonoros do sistema de percepção e alarme de proximidade do solo. Porém, mesmo equipadas com este sistema, muitas aeronaves se envolveram em acidentes, mesmo depois de repetidas instruções de arremetida do GPWS. Um deles é o ocorrido em Kuala Lumpur apresentado na Introdução. Analisando momentos finais da conversação entre pilotos e controladores os quais antecederam a colisão enfatizando o GPWS: “APP: “Air Carrier ABC, descend [to/two] four zero zero. Cleared for the NDB approach ...” PIL: “Okay, four zero zero.” Conforme percebemos, o órgão de controle instruiu a aeronave a descer para 2.400 pés, mas o piloto entendeu 400 pés de altitude. Embora possamos identificar erro na comunicação e fraseologia, podemos observar que o piloto negligenciou a emissão de sinais do GPWS, conforme analisamos nas gravações de dados da cabine. “APP: “Tiger six six descend (to/two) four zero zero, cleared for the NDB approach runway three three.” PIL: Okay, four zero zero. “APP: "Tiger six six, desça (para/dois) quatro zero zero, autorizado aproximação NDB pista 33.” PIL: “Ok, quatro zero zero.” CAM: Altitude alerta aproximadamente 1.300 pés. GPWS: Whoop-whoop PULL UP PULL UP (puxe para cima). GPWS: Whoop-whoop PULL UP PULL UP (puxe para cima). CAM2: You got the ILS set? Yeah. “Você ajustou o ILS, certo?” CAM1: I going to put you on 114.7 “Eu vou colocar em 114.7.” GPWS: Whoop-whoop PULL UP PULL UP (puxe para cima). GPWS: Whoop-whoop PULL UP PULL UP (puxe para cima). GPWS: Whoop-whoop PULL UP PULL UP (puxe para cima). GPWS: Whoop-whoop PULL UP PULL UP (puxe para cima). GPWS: Whoop-whoop PULL UP PULL UP (puxe para cima). GPWS: Whoop-whoop PULL UP PULL UP (puxe para cima). CAM: SOM DO IMPACTO Um dos fatores que contribuiu para o acidente foi a negligência em observar a carta de descida, a qual estipulava que a aeronave não poderia ter descido a uma altitude inferior a 2.400 pés. A fraseologia e a última peça do dominó foi o GPWS. A aeronave desceu abaixo da altitude mínima e se chocou contra uma colina a 600 pés, onde a altura mínima de descida é 2.400 pés. O Boeing chocou-se com as copas das árvores e começou a se quebrar, até explodir em chamas, matando todos os ocupantes: os quatro que compunham a tripulação. A negligência em desobedecer ao GPWS tem sido interpretada, juridicamente, como um elo na relação do nexo causal, trazendo responsabilidade para a empresa, quando desobedece aos preceitos do RBHA, em não regulamentar o procedimento a ser adotado pela tripulação ou da tripulação em não obedecer ao estipulado no manual de operações. Também é responsabilidade pessoal para os responsáveis que deixaram de elaborar os procedimentos no manual de operação. Resultando responsabilidade jurídica civil e penal, bem como a título de culpa ou dolo, conforme o caso concreto. Voltando ao nosso caso... Nas condições do voo 052, a tripulação ao ter recebido os sinais do GPWS não poderia retardar a arremetida sob pena de colidir obstáculos. O engenheiro de voo percebeu a periclitante situação e, aos gritos, tentou alertar os pilotos. EV: 2123:09 – Sink rate. (Razão de descida). EV: 2123:10 – Five hundred feet. (500 pés por minuto). Para manter-se na rampa de planeio na aproximação final, a aeronave deveria ter cumprido uma velocidade sincronizada a uma determinada razão de descida – pés por minuto. A razão de descida - sink rate – de 500 pés por minuto empregada pela aeronave e observada pelo engenheiro de voo, era incompatível para que ela pudesse permanecer estabilizada na aproximação e passou a realizar uma descida muito íngreme, comprometendo seriamente a segurança por voar muito próxima ao solo. Devido a esta proximidade o GPWS pôs-se a alarmar: GPWS: 2123:11 – Whoop whoop, pull up! (repeated 3 times) GPWS: 2123:14 – Whoop whoop, pull up! (repeated 4 times) Mesmo voando muito baixo não conseguiram visualizar a pista de pouso e, por pura sorte, não foi desta vez que colidiram o solo. “PIL: 2123:20 – Where is the runway?” (Onde está a pista?) “PIL: 2123:33 – Request another traffic pattern. (Solicita outro circuito de tráfego). COP: 2123:34 - Executing a missed approach, Avianca zero five two heavy.” (Executando aproximação perdida, avianca zero cinco dois). Incrível! No momento da arremetida, apresentava uma autonomia inferior a 10 minutos. Com 9 minutos de autonomia, com a presença de tesoura de vento, baixa visibilidade, não avistaram a pista e infelizmente tiveram que arremeter. Na funesta arremetida, o engenheiro de voo, já desesperado, alertou para a posição do nariz do avião, e aos gritos, pediu para que mantivessem o nariz mais baixo a fim de garantir a alimentação de combustível nos motores: “EV: 2123:37 – Smooth with the nose, smooth with the nose, smooth with the nose.” A 1.500 pés foram pegos por uma tesoura de vento – windshear – a esta altitude: vento de proa com 60 nós. A 500 pés foram surpreendidos por outra tesoura de vento com vento de 20 nós de proa. Descendo até 60 metros do solo, a tripulação optou por arremeter. Quase colidiu o solo! Os pilotos não sabiam, talvez desconfiassem; o engenheiro tinha certeza. Foi a primeira, a última, a única chance para o pouso. Para entender a situação do voo 052, se tivesse pousado na primeira tentativa, provavelmente, não teria combustível suficiente para taxiar até o terminal de passageiro. Uma vez que aeronave arremeteu, o ideal seria que tivesse ingressado no circuito de tráfego visual. Cumprindo uma trajetória menor, teria maior probabilidade para evitar o sinistro. Mas não havia visibilidade, nem teto para tal manobra. Às 2123:34 o copiloto comunicou a torre de controle que estava arremetendo: COP: "executing a missed approach Avianca zero five two heavy”. Triste e perigosa realidade. Na sequência a torre instruiu para que a aeronave subisse e mantivesse dois mil pés com curva a esquerda para a proa uno oito zero. TWR: "Avianca zero five two heavy roger ah climb and maintain two thousand turn left heading one eight zero. É claro que o piloto não deveria ter aceitado esta instrução. Deveria ter alertado para a situação crítica do combustível e solicitado outra instrução mais coerente diante das circunstâncias do voo 052. No entanto, inexplicavelmente, o copiloto aceitou a instrução de subida e de proa: COP: "climb and maintain one ah two thousand one eight zero on the heading. Aos 2124:04, a torre de controle no intuito de certificar-se que a aeronave estava cumprindo a última instrução diz: TWR: "Avianca zero five two you're making the left turn correct sir." (Avianca zero cinco dois vocês estão fazendo curva à esquerda correto senhor). Apreensivo com o que estava ouvindo o comandante quis certificar-se de que o copiloto tinha alertado a torre de controle para a situação docombustível e disse ao jovem piloto que declarasse emergência: “PIL: 2124:06: Tell them we are in emergency.” (Diga a eles que estamos em emergência). Mas ao invés de esclarecer a situação, conforme orientado pelo comandante, o copiloto transmite a seguinte mensagem aos controladores: COP: 2124:08: that's right to one eight zero on the heading and ah we'll try once again we're running out of fuel. COP: 2124:08: “Tudo certo para uno oito zero na proa e ah tentaremos outra vez, estamos ficando sem combustível.” That’s right?! Ou seja, diz que está tudo certo que vai manter a proa instruída e que está com pouco combustível?! Na visão dos peritos, esta confusa mensagem isentou os controladores, pois na opinião dos investigadores, pela expressão utilizada pela tripulação e aceitando a instrução dos controladores, a aeronave, embora com pouco combustível, não se enquadrava na situação de emergência. Mensagem confusa, porque o copiloto afirma que está tudo bem - that's right - e finaliza a mensagem com uma frase a qual não apresenta simplesmente nada em termo de fraseologia. A expressão - running out of fuel - significa que o combustível está se esgotando, não se enquadra na fraseologia padrão. É uma expressão coloquial, e como tal, todas as expressões coloquiais, que não tem um significado técnico, não devem ser utilizadas na fraseologia. Esta expressão não indica quanto o avião pode voar com a quantidade ainda remanescente. Informação imprescindível para o esclarecimento das circunstâncias. Utilizando esta expressão, a tripulação não foi, tecnicamente, assertiva. COP: 2124:08: "that's right to one eight zero on the heading and ah we'll try once again we're running out of fuel." - Qual o significado da expressão “we're running out of fuel”? - Que havia combustível para o destino e alternativa? - Que o combustível era suficiente para o destino? - Que não podiam realizar espera? - Que não havia mais combustível? - Que podiam realizar espera? - Que estavam em emergência? - Que se tratava de urgência? Voltamos a enfatizar que se trata de uma expressão coloquial descaracterizada de significado técnico, descontextualizada em termos de fraseologia de tráfego aéreo. Mais uma vez o piloto em comando muito mais do que impaciente, não acreditando e nem entendendo o que estava acontecendo, perguntou se o copiloto realmente tinha alertado o órgão de controle sobre a situação do combustível. O copiloto respondeu afirmativamente, tentando explicar o inexplicável. O comandante, embora com dificuldades em monitorar a comunicação entre controladores e copiloto, chama a atenção para que o copiloto seja assertivo quanto à situação do combustível. Mais do que resignado, puramente inconformado, ordenou que o copiloto alertasse os controladores que estavam em emergência. PIL: 2124:22: “advise him we are emergency”. (alerte ele – controlador - que estamos em emergência). PIL: 2124:26: “did you tell him?” (você disse isso a ele?). Mas o jovem copiloto desprezando a ordem do piloto em comando, e sem esclarecer aos controladores responde ao seu superior: COP: “yes sir, I already advised him". (Sim senhor, eu já o alertei). Mas não alertou. Mentira? O copiloto respondeu afirmativamente, porém em momento algum deixou claro para os controladores a real situação. Em momento algum utilizou expressões assertivas tais como: Minimum Fuel ou Emergency. Também não indicou situação de emergência omitindo os sinais: Mayday ou Pan Pan. E depois de tudo isto e para ser assertivo quanto ao entendimento das comunicações e que a aeronave teria condições de cumprir as instruções, o controlador da torre JFK repetiu a mesma mensagem e instruiu que a aeronave continuasse na subida. TWR: 2124:32: “Avianca zero five two heavy continue the left turn heading one five zero maintain two thousand”. (Avianca zero cinco dois continue curva à esquerda proa uno cinco zero, mantenha dois mil pés). Em uma situação inexplicável, o copiloto aceita e concorda com a instrução: COP: “one five zero maintaining two thousand Avianca fifteen”. (uno cinco zero mantendo dois mil pés). Absurdamente o copiloto ratifica as instruções recebidas e coteja que as cumprirá. Analisando este contexto, os investigadores desobrigaram os controladores de qualquer responsabilidade sobre o resultado lesivo. Para agravar ainda mais a situação, o comportamento do copiloto se repetiu quando a aeronave foi transferida para o controle de aproximação. Os controladores do controle de aproximação, desconhecendo a real situação de emergência, emitiram uma instrução a qual deixou o piloto em comando em um completo estado de loucura. APP: 2125:07: “Avianca zero five two heavy New York good evening climb and maintain three thousand”. (Avianca zero cinco dois pesada Nova Iorque, boa noite: suba e mantenha três mil pés). Na realidade não foi apenas uma repetição das instruções da torre de controle. O controle de aproximação instruiu a aeronave a subir para três mil pés. Isto mesmo: TRÊS MIL PÉS. Quase colidiram o solo e para garantir uma arremetida segura, os motores foram acelerados ao máximo – máxima potência – Agora voavam somente com o cheiro do combustível. Todavia, subir para 3.000 pés seria mais do que o fim! O comandante simplesmente não estava entendendo nada. Furioso, determinou que o copiloto alertasse os controladores de que eles não tinham mais combustível. Se não fosse pela transcrição cronológica da comunicação entre controlador e piloto e a diferença da instrução da altitude, poderíamos imaginar que a conversa transmitida às 2125:07 pelo controle de aproximação era a mesma conversa relatada às 2124:32 pela torre de controle. TWR: 2124:32: “Avianca zero five two heavy continue the left turn heading one five zero maintain two thousand”. (Avianca zero cinco dois continue curva à esquerda proa uno cinco zero, mantenha dois mil pés). APP: 2125:07: “Avianca zero five two heavy New York good evening climb and maintain three thousand”. (Avianca zero cinco dois Nova Iorque boa noite, suba e mantenha três mil pés). Subindo e realizando curvas. A gravação da caixa preta deixa bem claro que o comandante ficou furioso com tudo o que estava acontecendo e novamente gritou para o copiloto que alertasse os controladores sobre a falta de combustível. O comandante se desesperou: PIL: 2125:08 : “advise him we don't have fuel”. (alerte-o que não temos combustível). O ciclo se repetiu. O copiloto cotejou as instruções do controle e se valeu da vã expressão para apontar a situação do combustível: COP: “climb and maintain three thousand and ah we're running out of fuel sir”. Errar é humano. Repetir o erro é o que? A comunicação com o APP - controle de aproximação - é simplesmente idêntica a comunicação realizada com a torre de controle. O copiloto aceita as instruções e em momento algum declara emergência, porém com uma agravante, agora estava subindo para três mil pés, não mais para dois mil pés, como fora instruído pela torre. Prezados leitores, prestem atenção no que aconteceu nestas mensagens. O inconcebível aconteceu! Os advogados americanos entenderam que este foi o ponto crucial que liberou os órgãos de controle americano de qualquer tipo de responsabilidade jurídica. A última chance para que algo pudesse ser feito. A última peça do dominó. O controlador passou a vetorar a aeronave para um setor do aeródromo que resultariaem um considerável deslocamento – 15 milhas náuticas a nordeste de JFK. Para assegurar a eficiência do controle e um pouco desconfiado da situação do combustível da aeronave, o controlador questionou a tripulação se o combustível da aeronave seria suficiente para cumprir referida instrução. APP: 2126:35 – “And Avianca zero five two heavy, ah, I'm going to bring you about fifteen miles northeast, and then turn you back onto the approach, is that fine with you and your fuel?” APP: 2126:35 – “Avianca zero cinco dois heavy, ah, vou trazê-lo para mais ou menos quinze milhas a nordeste, e então curvar para aproximação, está tudo bem com vocês e com vosso combustível?”. ..is that fine with you and your fuel? – Está tudo bem com vocês e com o combustível? Diante de tudo o que já foi apresentado, e observando a assertividade da pergunta do controlador, o que você, como piloto, responderia? Também seria assertivo na resposta ou deixaria alguma margem para dúvidas? Se é que alguma providência, ainda, pudesse ser tomada pelos controladores, esta foi a última oportunidade para que a tripulação explicasse a real situação. Mas o copiloto respondeu: COP: 2126:43 – “I guess so, thank you very much.” APP:”…is that fine with you and your fuel?” Está tudo bem com vocês e com o combustível? COP: 2126:43 – “I guess so, thank you very much.” (Eu acredito que sim, muito obrigado). Entendimento da comunicação: APP: Avianca 052 heavy, proa zero sete zero. E, ah, vou colocar vocês a umas quinze milhas a noroeste e então trazê-los de volta, assim terão tempo de se preparar para uma nova aproximação. Está bem assim para o seu combustível? O seu combustível será suficiente para realizar esta instrução? COP: A-a- considero que sim, muito obrigado. Última oportunidade para a tripulação ter usado o código de emergência: MAYDAY, MAYDAY, MAYDAY Também poderia ter acionado o código de emergência 7700 Neste momento o voo 052 passou a apresentar 7 (sete) minutos de autonomia. Isto mesmo, sete minutos. Não captando nada da comunicação da última conversa entre copiloto e controlador, mas percebendo a periclitante situação e pressentindo o pior, e com a voz embargada, o piloto em comando faz a última pergunta ao copiloto na vã tentativa de evitar o sinistro. PIL: 2126:46 – “What did He say?” (O que ele – controlador – disse?). O copiloto respondeu apontando para outro problema que eles estavam enfrentando: A arrogância dos controladores. COP: 2126:46 – “The guy is angry”. (O cara tá bravo). Para o total e desespero de todos, o controlador, diante da resposta dada pelo copiloto, instruiu a aeronave a subir para 3.000’. Simplesmente inacreditável. O copiloto não tomou nenhuma providência que declarasse sua legítima condição. A partir deste momento, o voo 052 tinha menos de cinco minutos de voo. Às 2129:19 o copiloto questionou o órgão de controle a respeito da vetoração para a aproximação final. O controlador, ainda não enquadrando a aeronave para a aproximação final, instruiu-a para subir a três mil pés. Após ter recebido esta instrução, o copiloto respondeu: COP 2130:36: “Ah, negative sir. We just running out of fuel. We okay three thousand. Now we could.” COP: Negativo senhor, estamos com o combustível se esgotando. Ok para três mil pés, agora nós podemos. AGORA NÓS PODEMOS? Neste ponto, o piloto não deixou claro para o controlador a situação do combustível. Falou que estava com pouco combustível, mas aceitou a instrução para subir para três mil pés. Quem está com o combustível acabando não aceita nunca a instrução de subir para três mil pés. Com a aceitação desta instrução, os investigadores concordaram com o argumento de que, no entendimento dos controladores a aeronave, embora estivesse com pouco combustível, esta pequena quantidade não representava uma situação de emergência. Neste momento, sem que os controladores soubessem, o voo 052 apresentava uma autonomia inferior a de três minutos. As luzes da cabine começaram a piscar indicando que os motores estavam recebendo pouco combustível, quantidade insuficiente para gerar energia. Dos quatro motores, dois da asa esquerda apagaram. Com apenas dois motores funcionando, com menos de dois minutos de autonomia, a tripulação solicitou prioridade. Inútil! Tarde demais... COP: 2132:49 – “Avianca zero five two, we just, ah, lost two engines and, ah, we need priority, please”. (Avianca zero cinco dois, nós acabamos, ah!, de perder dois motores e, nós precisamos de prioridade, por favor.) Nem mesmo com os dois motores apagados declararam emergência. Progredindo com o voo, pararam de voar e começaram um voo planado devido à falta de combustível. Os dois motores da asa direita também morreram levando à morte o voo 052 e seus ocupantes. Os passageiros ouviram o som dos motores parando. Agora somente o som do vento, tocava a estrutura do indomável 707. Horrível! Os pilotos falam suas últimas palavras ao declararem que os motores estavam apagados (flame out). 2132:39 - Flame out! Flame out on engine number four. 2132:43 - Flame out on engine number three, essential on number two, one number one. Como a geração de energia elétrica era feita pelos geradores alimentados pelos motores, o 707 perdeu todos os comandos e se transformou em um enorme, silencioso e impotente planador, voando baixo sobre os subúrbios de New Jersey. Sem geração de energia, restaram apenas as luzes de emergência na cabine de comando. A aeronave perdeu altitude e velocidade rapidamente. Com os poucos controles que ainda restavam, os três tripulantes tornaram- se impotentes, assistindo a aproximação cada vez mais rápida do solo. 2133:24 - (End of recording) (Fim da gravação) O avião caiu na vasta e próspera região de Cove Neck. Chocou-se em um terreno irregular, partindo-se em três partes. Com a violenta colisão, a parte anterior da aeronave e a cabine foram arremessadas à frente, causando a morte imediata dos três tripulantes da cabine de comando. Por pouco, mas por muito pouco mesmo, teriam superado o terreno irregular e caído em uma planície onde teriam provavelmente sobrevivido, senão todos, quase a totalidade dos passageiros. Das 158 pessoas a bordo, 73 foram fatalmente atingidas no momento do acidente, incluindo os três tripulantes técnicos. Somente um dos comissários sobreviveu. Oitenta e uma pessoas ficaram gravemente feridas. Quatro passageiros tiveram ferimentos leves. Considerações técnicas regulamentares Abordaremos tecnicamente os fatos frente às regras de tráfego aéreo, tendo como pano de fundo as conclusões nas quais chegaram os investigadores do NTSB27. O NTSB iniciou o relatório oficial considerando que, por causa das condições climáticas adversas, a aeronave foi colocada em órbita por três vezes, totalizando 1 hora e 17 minutos de espera, sendo que uma das esperas foi realizada ainda em rota com o Centro de Controle de Área de Nova Iorque. Durante o terceiro procedimento de espera, a tripulação reportou que podiam manter em órbita por no máximo cinco minutos e que não tinham condições de se dirigir para a alternativa, a qual seria Boston. Na primeira tentativa de pouso, devido à presença de cortante de vento a aeronave precisou arremeter. Após a arremetida, e durante as vetorações que levariam a aeronave para a segunda tentativa de pouso, houve a perda dos motores por falta de combustível, levando a aeronave a se acidentar a 16 milhas náuticas do destino. Para o NTSB as prováveis causas do acidente foram: afalha da tripulação em monitorar adequadamente a autonomia da aeronave, e a falha de comunicar, para os órgãos de controle, a situação de emergência na qual se encontrava em relação à quantidade de combustível. Contribuiu também para o acidente, a maneira como os órgãos de controle gerenciaram o fluxo de tráfego aéreo e também a falta de terminologia padronizada para pilotos e controladores, que indica quando a aeronave está com a quantidade mínina para realizar o voo e aquela que indica quando uma aeronave se encontra em uma a situação de emergência. Outros fatores que contribuíram significantemente foram: a presença da tesoura de vento, fatiga e estresse a qual a tripulação suportou depois da tentativa frustrada da primeira aproximação. Uma das expressões utilizadas logo aos 20:44: “I think we need priority”, mostra a apreensão da tripulação. Às 20:46 o controlador indagou à aeronave a respeito do aeroporto de alternativa. Porém neste momento, já era tarde demais e o piloto utilizou a seguinte expressão: COP: “It is Boston but we can’t do it now we will run out of fuel now”. A tripulação quis dizer que não seria mais possível se dirigir para a alternativa e a expressão we will run out of fuel now, levou os controladores a entenderem que a aeronave não teria mais combustível suficiente para a alternativa, mas que o voo em si, não estaria totalmente comprometido. Outro ponto de grande controvérsia nas audiências foi a má coordenação entre os órgãos de controle. O Centro de Controle de Área, ao transferir a aeronave para o Controle de Aproximação, enfatizou que a aeronave poderia realizar apenas 5 minutos em espera. Esta importante informação foi ignorada ou esquecida pelo órgão aceitante. Este esquecimento proporcionou calorosas discussões entre a FAA28 e o advogado da empresa aérea. O órgão de controle aceitante desconhecia que a aeronave não tinha combustível suficiente para se dirigir para a alternativa. Às 2056:16 o controlador informou à aeronave a presença de duas cortantes de vento; Uma a 1.500 pés e outra a 500 pés. Esta última foi reportada por um Boeing 727 que estava à frente. O copiloto acusou o recebimento da mensagem ficando claro que tinha conhecimento dos dois fenômenos. Este ponto foi crucial na discussão, pois o advogado de defesa da empresa alegou que a aeronave havia sido informada apenas da primeira cortante de vento. Ignorando a segunda, a tripulação se arriscou na aproximação. Na visão do advogado, o controlador de tráfego aéreo seria o responsável por esta negligência na informação. Mas observando a transcrição da gravação, podemos notar que a tripulação foi comunicada pela comunicação via rádio. É o que constatamos na mensagem emitida ao AVA 052: Avianca five twenty ah wind shear on two two left its an increase of ten knots at fifteen hundred feet and also a wind shear at ah increase ah ten knots at five hundred feet reported by seven twenty seven. (Grifo nosso). A partir das 2122:57 a gravação demonstra quão atônita ficou a tripulação ao se deparar com a segunda tesoura de vento, na primeira tentativa frustrada do pouso: This is the wind shear. Glide slope. Whoop whoop, pull up! Sink rate. Five hundred feet. Whoop whoop, pull up! (repeated 3 times). Lights. Whoop whoop, pull up! (repeated 4 times). Where is the runway? Whoop whoop, pull up! (repeated 3 times). The runway! Where is it? Glideslope (repeated 2 times). I don't see it! I don't see it! Give me the landing gear up. Landing gear up. Glideslope (repeated 2 times). (Sound of landing gear warning horn.). Request another traffic pattern. Na comunicação entre os tripulantes foi utilizada a expressão: “Request another traffic pattern”. Ao utilizar esta expressão, deixou a entender que o voo 052 teria uma quantidade de combustível superior. Este procedimento ensejaria enquadrar-se novamente no sequenciamento, obedecendo às regras de tráfego aéreo, o que custaria de 10 a 30 minutos, dependendo da situação. Quando um membro da tripulação solicitou o procedimento padrão, ao invés de solicitar um procedimento de emergência, não tinha ideia da gravidade da situação pela qual estavam experimentando. Em relação à tesoura de vento, o que se questionou foi a diferença entre a real condição climática e a reportada nos meios de radiodifusão. Aqui vai um alerta para os controladores: Certifique-se de que toda e qualquer informação útil e necessária relacionada à navegação, meteorologia ou qualquer outro dado relevante seja também repassada aos tripulantes. Em se tratando de Brasil, temos regulamento específico que regula este tema: “CIRPV 63-5 (Proced Rel ao Interc de Info Met entre os Órgãos MET, ATS e AIS)”. 4 ATRIBUIÇÕES DOS ÓRGÃOS ATS 4.1 A TWR, sempre que necessário, deverá interagir com a EMS – Estação Meteorológica de superfície -, quando da ocorrência de condições meteorológicas críticas para a operação do aeródromo, visando atualizar ou complementar as observações visuais fornecidas pela EMS. 4. “4 Caso o Órgão receba notificação de uma aeronave sobre a ocorrência de cortante do vento (Wind shear) ou de turbulência à baixa altura, deverá repassar a informação à EMS local.” A negligência nas informações, além de ser uma inobservância ao regulamento, pode sim, ensejar responsabilidade jurídica ao controlador se a falta dessa informação comprometer a segurança do voo. Embora o controlador tivesse informado a presença de tesouras de vento pela fonia, o que se questionou foi a ausência desta relevante informação nos dispositivos de radiodifusão. ATIS por exemplo. Uma regra importante a qual não podemos desprezar e que foi alvo de intensa discussão no acidente AVA 052, está ligada na transmissão de radiodifusão e sua aplicação no tráfego aéreo. Vejamos: O assunto é disciplinado na legislação brasileira – ICA 100-12 - da seguinte forma: 10.12 INFORMAÇÃO SOBRE AS CONDIÇÕES DO AERÓDROMO 10.12.1 “A informação essencial sobre as condições do aeródromo é aquela necessária à segurança da operação de aeronaves, referente à área de movimento ou às instalações com ela relacionadas.” Dentre elas, destacamos: - águas nas pistas, pistas de táxi ou pátios; - outros perigos ocasionais, incluindo bando de pássaros no solo ou no ar; - qualquer outra informação pertinente. 11.5.4 SERVIÇO AUTOMÁTICO DE INFORMAÇÃO TERMINAL (ATIS) 11.5.4.1 “O Serviço Automático de Informação de Terminal (ATIS) é a radiodifusão contínua de informações gravadas referidas a um ou mais aeródromos em áreas de controle terminal selecionadas. “Este serviço tem como objetivo aumentar a eficiência do controle e diminuir o congestionamento das freqüências de comunicações, pela transmissão automática e repetitiva de informações de rotina, porém essenciais ao tráfego aéreo.” São várias as informações, mas as essenciais que se aplicam ao caso estudado são: - condições meteorológicas presentes; - outras informações meteorológicas significativas; - informações adicionais de interesse para navegação, pouso e decolagem, quando necessário. Interessante a regra a seguir e seus desdobramentos: “10.12.3 A informação essencial sobre as condições do aeródromo deverá ser dada a todas as aeronaves, exceto quando se souber que a aeronave já tenha recebido de outras fontes.” Utilizando esta regra e um raciocínio análogo ao acidente AVA 052, poderíamos incorrer a um equívoco afirmando que a aeronave tinha conhecimento, pois foi informadapela fonia. Todavia esta argumentação se sujeita a contra- argumentação diante da nota que segue o item 10.12.3: NOTA: "Outras fontes" incluem os NOTAM, as radiodifusões ATIS e a exibição de sinais adequados. Este raciocínio foi aplicado pelos investigadores do caso AVA 052 e principalmente pelo advogado da empresa aérea, na intenção de responsabilizar os controladores de tráfego aéreo. Se há uma regra estipulando a inserção destes dados na radiodifusão, por que foi desobedecida? Ou seja, além de ter sido transmitida pela fonia, na visão do douto jurista o qual realizou uma interpretação sistemática dos regulamentos, deveria, também, ter sido transmitida pelo ATIS. A aplicação desta regra foi de grande relevância no Caso Mamonas Assassinas, o qual foi o ponto crucial que ensejou o arquivamento do inquérito policial e a consequente absolvição dos controladores de tráfego aéreo. Neste caso, houve um questionamento pelo Ministério Público a respeito de uma importante informação da qual deveria ter sido transmitida à tripulação pelos controladores. A falta desta informação representaria a responsabilização jurídica dos controladores e a consequente isenção de culpa dos pilotos, excluindo também a empresa aérea da responsabilidade civil. Foi constatado que a informação em questão, segundo a regulamentação em vigor, podia ser omitida pelos controladores desde que estivesse inserida na informação ATIS. Isto foi constatado e desencadeou um desfecho favorável aos controladores. Desconhecer detalhes da regulamentação, assim como sua aplicação tem feito com que algumas teses de defesa tornem-se verdadeiras peças acusatórias. No acidente ocorrido em São Paulo, com o Voo 3054, as informações relativas à chuva na aproximação final, pista molhada e pista escorregadia foram amplamente informadas tanto pelo controlador da torre de controle quanto pelo controle de aproximação e também divulgadas pelo ATIS. Esta iniciativa dos órgãos de controle contribuiu significativamente para isentar os órgãos de controle de responsabilidade quanto ao resultado. Voltando ao voo 052... Na arremetida, uma absurda instrução: CTL: “Avianca zero five two heavy, roger, ah, climb and maintain two thousand, turn left, heading one eight zero”. Quando na arremetida, voando somente com o cheiro do combustível, o comandante ouve o copiloto cotejando as instruções para subir e manter dois mil pés vai à loucura e grita: “Tell them we are in emergency”. Ao invés de declarar emergência, o copiloto se limitou a cotejar as instruções e terminou a mensagem com a famigerada expressão: That’s right to one eight zero on the heading, and, ah, we'll try once again. We're running out of fuel. (Tudo bem para uno oito zero na proa, e, ah, tentaremos novamente. Estamos ficando com pouco combustível). Não se ouviu em momento algum a palavra EMERGENCY, o comandante de uma forma bem mais assertiva indaga ao jovem copiloto: “Advise him we are emergency! Did you tell him?” (Alerte-o que estamos em emergência! Você disse a ele?). Sem declarar aos órgãos de controle a situação de emergência, o copiloto responde ao comandante: “Yes sir. I already advised him”. (Sim senhor. Eu já o alertei). Diante da situação, o controle de aproximação emite outra instrução que se torna uma verdadeira aberração. Na instrução anterior orienta a aeronave a subir para dois mil pés. Agora? Para três mil pés? Isto mesmo, três mil pés! CTL: “Avianca zero five two heavy, New York, good evening, climb and maintain three thousand”. O comandante simplesmente não acreditou. Soou como uma brincadeira, mas a conversa anterior, por mais esdrúxula que possa parecer se repetiu: PIL: “Advise him we don't have fuel”. COP: “Climb and maintain three thousand, and ah, we're running out of fuel, sir”. A dezesseis milhas náuticas do pouso o copiloto profere: “Avianca zero five two, we just, ah, lost two engines and, ah, we need priority, please”. Solicitaram prioridade sem dar explicação. Prioridade não é emergência. O relatório final do NTSB apresentou esta questão de forma técnica e inteligente, e explicou que a palavra prioridade se relaciona com uma situação de precedência e não necessariamente de emergência. A título de exemplo é o que ocorre quando a ICA 100-12 estipula o seguinte: 10.13.4 Excluindo-se o caso de aeronave em emergência que de nenhum modo poderá ser preterida, a seguinte ordem de prioridade deverá ser observada na sequência de pouso: a) planadores; b) aeronave transportando ou destinada a transportar enfermo ou lesionado em estado grave, que necessite de assistência médica urgente, ou órgão vital destinado a transplante em corpo humano; c) aeronave em operação SAR; d) aeronave em operação militar (missão de guerra ou de segurança interna); e) aeronave conduzindo o Presidente da República; f) aeronave em operação militar (manobra militar); e g) demais aeronaves, na sequência estabelecida pelo órgão de controle. Prioridade, tecnicamente falando, só existe aquela estipulada em regulamento incluindo a aeronave em emergência. Não será demasiado repetir, não há outra prioridade a não ser aquela regulamentada. Nas operações para pouso, e conforme o regulamento, uma aeronave em operação SAR não terá prioridade sobre um planador. É muito comum o piloto, sem apresentar justificativas, solicitar prioridade. Se não estiver enquadrado nas situações prescritas não tem prioridade alguma. Se um controlador priorizar uma aeronave ao seu bel prazer, estará violando princípios básicos de direito administrativo podendo responder até mesmo por improbidade administrativa. O que fazer, então, quando uma aeronave solicitar prioridade? A menos que ela se encaixe em uma das situações prescrita ou declare emergência, o controlador não poderá e não deverá dar prioridade alguma. Às vezes, acontece da aeronave, ao invés de solicitar emergência, passar a explicar ao controlador o que está acontecendo com ela. Neste caso, deverá o controlador certificar se a aeronave está declarando emergência. Se não estiver, que fique bem claro, a responsabilidade passará a ser exclusiva do comandante. Declarar emergência é uma decisão exclusiva do piloto. O controlador não é o profissional mais qualificado para isto. Para a declaração de uma situação de emergência, o piloto deve levar em consideração vários fatores os quais são minuciosamente descritos no manual técnico da aeronave. Pode ser que uma aeronave quadrimotora, ao perder um dos motores, não venha a se enquadrar em uma situação de emergência. Dependendo das circunstâncias, o manual técnico considerará apenas uma situação anormal e despreze as providências típicas de uma situação de emergência. Em uma de minhas palestras de Direito Aeronáutico para uma turma de supervisores de Tráfego Aéreo, um controlador fez uma interessante observação: Uma aeronave em aproximação ao aeroporto onde ele trabalhava na função de supervisor solicitou prioridade e descreveu o problema técnico o qual estava enfrentando. Diante da descrição, sem que o piloto declarasse emergência, ele acionou todos os meios possíveis para dar a melhor assistência à aeronave durante o pouso. Quando ela tocou a pista, foi imediatamente acompanhada por dois caminhões de bombeiros, com todos os dispositivos sonoros e visuais ligados, até que a aeronave estacionasse. O piloto, por sua vez, ficou indignado com a atitude do controlador o qual acionou o bombeiro e alegou que em momento algum havia solicitado ao órgãode controle o acionamento de tais providências. A situação foi tão crítica que o controlador foi até ameaçado de ser acionado juridicamente para uma reparação civil por danos morais, pois a empresa se viu em dificuldade de explicar a situação para os clientes passageiros os quais ficaram assustados em presenciar tal situação, sem que tivessem em momento algum alertado por esta, que a aeronave estivesse em emergência. Muito menos foram instruídos a se prepararem para um pouso de emergência. O nome, a imagem, a reputação da empresa fora atingida de tal maneira que justificaria uma indenização. Incrível, mas verdade! Segundo o controlador, as providências foram respaldadas na seguinte regra da ICA 100-12: Item 14.17.5 EMERGÊNCIAS 14.17.5.1 “No caso em que uma aeronave se encontre, ou pareça encontrar-se, em alguma situação de emergência, toda ajuda será prestada pelo controlador, e os procedimentos aqui prescritos podem variar de acordo com a situação.” (Grifo nosso). Para ele, a aeronave, embora não tivesse declarado emergência, em seu julgamento e pela explicação do piloto e pelas circunstâncias do caso concreto, parecia estar em emergência. Daí ter proporcionado toda a ajuda considerada necessária. Em relação ao acidente AVA 052, este entendimento foi demasiadamente debatido, pois o advogado da empresa e alguns especialistas consideraram que, mesmo que a aeronave não tivesse declarado emergência, o controlador deveria ter percebido que ela PARECIA estar em emergência e ter dado toda a assistência possível, sendo, portanto, o responsável pelo acidente. Esta alegação não tem sentido, pois este entendimento legislado na ICA 100-12 item 14.17.5.1 aplica-se aos casos em que a aeronave não tenha condições ou tempo de declarar emergência, tais como em caso de falha de comunicação ou outra qualquer que justifique tal omissão. Outra situação semelhante ocorre quando a aeronave é objeto de interferência ilícita em que se entende facilmente que em muitas vezes o piloto não vai declarar esta ocorrência via fonia, nem mesmo acionar o código transponder correspondente. E aí sim, dependendo da atitude da aeronave tais como, mudança de nível, mudança de rota sem prévia autorização, poderá o controlador, diante das circunstâncias, entender que a aeronave está em emergência ou interferência ilícita e acionar os meios necessários para melhor assistir a aeronave minimizando o resultado. Mas a situação ocorrida com o voo AVA 052 e o caso do controlador brasileiro cujas tripulações tinham condições de expor por fonia ou através do código transponder a real situação da aeronave e não o fez, não cabe o entendimento da regra citada. Neste caso, cabe sim, o piloto declarar emergência sendo sua exclusiva responsabilidade. Vale ressaltar que no voo AVA 052, mesmo pela insistência do comandante, o copiloto não declarou emergência, nem mesmo quando os quatro motores apagaram. Que se entenda bem, a regra supracitada somente poderá ser aplicada quando a aeronave não tiver condições de se comunicar claramente com os órgãos de controle. Neste caso, a percepção e experiência do controlador será fundamental para análise do caso e tomadas de providências. Havendo condições do piloto declarar emergência e não o fazendo, não haverá motivos para que o controlador considere a aeronave em emergência. Em certos países, o simples fato de o piloto declarar emergência faz com que toda a tripulação passe por um processo administrativo investigativo, o qual perdura até o final da investigação. Mesmo que a situação de emergência não resulte em acidente ou incidente, faz com que a tripulação tenha seus certificados suspensos até o término da investigação, o que resulta em certo constrangimento para a tripulação e em perdas patrimoniais, devido à redução de adicional pelas horas não voadas. Daí uma explicação para que alguns tripulantes não declarem emergência. A solicitação de prioridade quando verdadeiramente necessitam de uma assistência emergencial foi tema debatido durante a investigação do voo AVA 052. A relutância em declarar emergência não é tão incomum assim, e muitos especialistas acreditam que este fenômeno se deve ao fato de que ao declarar emergência em relação ao combustível sugere que o piloto, a princípio, cometeu uma infração ou pelo fato de ter que explicar às autoridades oficiais o motivo de declararem emergência, conforme estipula regra americana e brasileira. RBHA 91.123 “(d) Cada piloto em comando a quem o ATC der prioridade em uma emergência (mesmo sem causar nenhum desvio de regras desta subparte), se requerido pelo órgão ATC envolvido, deve apresentar um relatório detalhado dessa emergência ao referido órgão dentro de 72 horas.” (Grifo nosso). De uma maneira muito mais rara, ocorre quando o piloto pretende ocultar a situação de emergência para preservar interesses próprios. Esta foi à conclusão a que chegaram os juristas os quais atuaram no acidente ocorrido com o voo 254, quando consideraram que o piloto não declarou emergência. Vejamos a transcrição de parte da Denúncia oferecida pelo Ministério Público: “... não informaram para os órgãos de controle suas intenções de fazer um pouso alternativo, como mandam as normas de aviação, o que aumentou desnecessariamente o risco da situação que já era de emergência; os pilotos perceberam a gravidade da situação, mas não notificaram o Centro de Controle nem a Coordenação da empresa do fato, quando as autoridades de terra poderiam ter adotado procedimentos que evitariam a tragédia ...” Ao prolatar a sentença, assim se manifestou o Juiz Federal da 3ª Vara de Mato Grosso em relação ao mesmo acidente: “Além disso, há de se destacar em desfavor dos réus a circunstância de terem se omitido em reconhecer ou mesmo retratar, aos órgãos competentes, e por mero temor funcional, a real situação de grave perigo em que se encontravam após ultrapassado o tempo regular de voo, como se quisessem evitar retaliações por parte da Cia. Aérea, mas em total detrimento a segurança do voo e manutenção da integridade física dos ocupantes da aeronave, o que restou por se confirmar. Ou seja, demonstraram os Réus inteira ausência de sentimento coletivo com relação aos demais tripulantes e passageiros, priorizando o consubstanciado em não deixar transparecer o erro para preservarem inalterado o vínculo funcional com a VARIG. Importante consignar-se ainda nesta fase, que conduta dos Réus resultou a morte de 12 pessoas.” Não aceitando a sentença condenatória prolatada pelo Juiz Federal nem a fundamentação acima, os Réus apelaram da condenação, mas o relator, não aceitando os argumentos da apelação, amparou a sentença condenatória e, para fundamentar a manutenção da sentença, assim se manifestou: “... os acusados se recusaram a assumir o erro e a comunicar as autoridades aeronáuticas que estavam perdidos. Por que se omitiram? Por que não pediram ajuda quando ainda tinham mais de 2 horas de autonomia de voo? Eis a causa principal da queda da aeronave; o egoísmo em proteger os seus interesses pessoais temendo uma possível punição de sua empregadora, numa demonstração de total falta de sentimento coletivo que sacrificou a vida de 12 pessoas inocentes...” Em relação ao voo AVA 052, o fato pode ser resumido nas seguintes questões: - Por que os pilotos não declararam a situação de emergência? - Por que a tripulação nãose valeu de termos técnicos específicos tais como PANPAN/MAYDAY? - Por que não acionaram o código transponder correspondente? Ao arremeter o comandante do voo AVA 052 percebeu que não teria condições de obedecer às instruções dos órgãos de controle que era subir para 2.000 pés. Que se repita: o órgão de controle somente instruiu desta forma por ignorar a situação de emergência. Entretanto, uma vez que o comandante considerou uma instrução absurda, poderia ao invés de subir para dois mil pés realizar uma manobra a qual garantisse o pouso? Poderíamos fazer esta pergunta de outra forma: O piloto pode desobedecer às instruções emitidas pelo órgão de controle? À luz das regras de tráfego brasileira temos: REGULAMENTO BRASILEIRO DE HOMOLOGAÇÃO AERONÁUTICA RBAC 91 - REGRAS GERAIS DE OPERAÇÃO PARA AERONAVES CIVIS 91.123 - ATENDIMENTO ÀS AUTORIZAÇÕES E INSTRUÇÕES DO ATC (b) Exceto em uma emergência, nenhuma pessoa pode operar uma aeronave contrariando uma instrução ATC em área na qual o controle de tráfego aéreo estiver sendo exercido. Pela norma supracitada percebemos que o piloto poderia, sim, ter se desviado da instrução dada e ingressar na rota que melhor lhe covinha. Ainda temos outra regra interessante legislada na ICA 100-12: 10.19.9 “Em casos de emergência, pode ser necessário, por motivo de segurança, que uma aeronave entre no circuito de tráfego e efetue o pouso sem a devida autorização. Os controladores de tráfego aéreo deverão reconhecer os casos de emergência e prestar toda a ajuda possível.” Corrobora com este entendimento a regra estabelecida no RBAC 121 121.559 - EMERGÊNCIAS. OPERAÇÕES SUPLEMENTARES “(a) Em uma situação de emergência que requeira decisão e ação imediata, o piloto em comando deve agir como ele julgar necessário face às circunstâncias. Em tais casos, no interesse da segurança, ele pode desviar-se de procedimentos operacionais estabelecidos, de mínimos meteorológicos aplicáveis e das normas deste regulamento tanto quanto necessário.” O piloto poderia ter realizado a manobra que lhe fosse mais indicada informando ou não ao órgão de controle. Caso não informasse, caberia ao controlador entender que se tratava de uma manobra em emergência e prestar toda assistência possível. Tipo de situação que requer muita sensibilidade do controlador, pois haverá pouquíssimo tempo e espaço para orientar as outras aeronaves as quais possam conflitar com a aeronave em emergência. Percebendo a situação, o controlador dever se comportar conforme a regra da ICA 100-12. Interessante ressaltar que no caso ora analisado, devido às condições meteorológicas adversas e o elevado número de aeronaves, o voo AVA 052 ficou totalmente sujeito ao órgão de controle. Ingressar no circuito de tráfego estava totalmente fora de cogitação devido à baixa visibilidade e baixo teto, tesouras de vento, etc. No entanto se tivesse declarado emergência deveria ser priorizado. Na legislação brasileira (ICA 100-12) o assunto é disciplinado da seguinte forma: 9.15 ORDEM DE APROXIMAÇÃO 9.15.1 A sequência de aproximação será determinada de tal maneira que se facilite a chegada do maior número de aeronaves com um mínimo de demora média. 9.15.2 Uma prioridade especial deverá ser dada: a) a uma aeronave que se veja obrigada a pousar devido a causas que afetem a sua segurança (falha de motor, escassez de combustível etc.). (Grifo nosso). Subordinação entre os órgãos de controle Uma das questões altamente debatida pelos advogados refere-se à pressão sofrida pelo Controle de Aproximação no sentido de receber mais aeronaves do que era possível controlar. Uma das teses para justificar este comportamento está ligada a hierarquia entre estes órgãos que, na legislação pátria, é regida pelos seguintes itens da ICA 100-12: 8.2.2 Os APP e as TWR subordinam-se operacionalmente ao ACC responsável pela FIR em que estão localizados. 9.2.3 Os APP são subordinados operacionalmente ao ACC responsável pela FIR na qual estiverem situados. Vale ressaltar que, embora haja subordinação, em nada se encaixa com a subordinação jurídica como a do artigo 22 do Código Penal29. Resume-se a uma subordinação técnica operacional. Devendo os órgãos de controle operar sempre de acordo com o que estabelece o regulamento. Incabível a determinação de outro órgão no sentido de se prevalecer diante de uma pretensa superioridade para induzir outro órgão a operar aquém do regulamento. Se isto ocorrer, não haverá isenção de culpabilidade daquele órgão que cumpriu uma ordem ilegal. No caso Avianca 052, as condições meteorológicas adversas na terminal ensejaram várias arremetidas e provocaram, também, vários procedimentos de espera. Com sua área congestionada, o Controle de Aproximação estipulou o número ideal inferior a 33 aeronaves para realizar um serviço de controle seguro. Desta forma, mesmo sendo subordinado, técnica e operacionalmente, ao Centro de Controle de Área ou ao Gerenciamento de Fluxo de Tráfego, o Controle de Aproximação não deveria concordar com a imposição de aceitar um número superior de aeronaves. Os advogados que atuaram no caso, na tentativa de apontar responsabilidade dos controladores do Controle de Aproximação, consideraram que este fato contribuiu consideravelmente para o desfecho do acidente. A alegação de que estava obedecendo às ordens do Centro de Controle de Área, não seria aceitável para isenção de responsabilidade. Considerações técnicas e jurídicas Para que melhor possamos entender tecnicamente o acidente Avianca 052, passemos a considerar o assunto que permeia este acidente: Interpretação Gramatical. Interpretação gramatical é um dos meios de interpretação muito utilizada que leva em consideração o significado das palavras. Preocupa-se com as várias acepções dos vocábulos, a fim de descobrir o sentido de uma frase, dispositivo ou norma. Cada palavra pode ter mais de um sentido, ou pode acontecer de vários vocábulos apresentarem o mesmo significado. Por essa razão é importante examinar, não só o vocábulo em si, mas, também, em conjunto, o contexto, em conexão com outros no texto interpretado. Para que a norma seja interpretada segundo a Técnica de Interpretação Gramatical, de forma correta, se faz necessário que o intérprete tenha conhecimento da língua empregada no texto, isto é, das palavras e frases usadas em determinado tempo e lugar. Em se tratando de tráfego aéreo, este fator torna-se sobremaneira relevante para a assertividade da comunicação, uma vez que o idioma internacional é o Inglês. Na maioria das vezes o tráfego aéreo é composto por pilotos e controladores que não tem este idioma como a língua materna. Considerando também que nem sempre o domínio do idioma inglês é característica marcante de pilotos e controladores. Além da interpretação gramatical há, de se considerar, sua aplicação técnica, em se tratando de fraseologia. Dependendo do termo técnico utilizado, e seu real significado, pode ensejar providências diferentes por parte do controlador. Em renomada área de terminal brasileira, uma aeronave estrangeira iniciou sua comunicação com o controlador valendo-se da expressão Minimum Fuel. O controlador, mantendo seu serviço de controle normal, ficou surpreso quando dois outros pilotos de outras companhias aéreas brasileira interferiram alegando que a aeronave estrangeira, ao reportar Minimum Fuel, estava em emergência e deveria ser priorizada. Será?Mas... - em se tratando de fraseologia de Tráfego Aéreo, a aeronave estava mesmo em emergência? - que providência o controlador deveria ter tomado ao ouvir esta expressão? - para você, piloto ou controlador, qual o significado desta expressão? - em caso de acidente, o controlador seria responsabilizado? Para melhor entender este assunto vamos nos valer de interessante artigo publicado por Jeanne McElhatton30 baseado em entrevistas a pilotos e controladores e veremos que a periculosidade em torno deste tema ainda reina e, infelizmente, ainda poderá ocorrer outro acidente por conta disto. O tema, ainda, não está devidamente disciplinado e esclarecido tecnicamente. Ao perguntar a controladores o que significa a expressão Minimum Fuel, o pesquisador obteve, entre várias respostas, as seguintes que consideramos as mais significantes para o estudo ora proposto: - "Minimum fuel doesn't mean a thing to me." - "Understand you are declaring an emergency." Pelo que podemos notar, há percepções antagônicas entre os controladores, Enquanto uns consideram que a expressão nada representa, outros entendem, que a aeronave, ao utilizar tal expressão, está declarando emergência e, em alguns casos, toma todas as providências como se a aeronave realmente estivesse em emergência. A interpretação não pode ficar a critério do usuário. Para isto existe a necessidade de termos estas expressões bem definidas, para que pilotos e controladores, mesmo utilizando o mesmo idioma, falem a mesma língua. Aqui vai uma observação: a fraseologia nacional, que insiste em ser exemplificativa ao invés de ser explicativa, deixa aos usuários - pilotos e controladores - a arte de interpretar o que, muitas vezes, resultam em interpretações equivocadas as quais podem, dependendo do caso, comprometer a segurança. Para evitar estes equívocos, a legislação estrangeira deixa de apenas dar exemplos e passa a dar explicação tornando a fraseologia mais completa no que se refere ao entendimento e interpretação. Air Traffic Procedures Handbook Air traffic controllers may not refer to the AIM31 on a regular basis, but ATP 7110.65 references minimum fuel: Minimum fuel: Indicates that an aircraft's fuel supply has reached a state where, upon reaching the destination, it can accept little or no delay. This is not an emergency situation but merely indicates an emergency situation is possible should any undue delay occur. O documento 4444 - Air Traffic Management - da ICAO no capítulo destinado a definições estabelece: Minimum fuel: The term used to describe a situation in which an aircraft’s fuel supply has reaches a state where little or no delay can be accepted. Note: This is not an emergency situation but merely indicates that an emergency situation is possible, should any undue delay occur. Ou seja, Minimum Fuel é uma situação em que a aeronave tem uma quantidade de combustível suficiente para cumprir seu voo, não podendo realizar esperas, pois se fizer, poderá comprometer sua autonomia, e ingressar em situação de emergência. Nota: A aeronave não está em emergência e não tem prioridade alguma. Então... - Quando o piloto deverá utilizar esta expressão? - O que o controlador deverá fazer ao ouvir esta expressão? Para que não haja dúvidas, para que o serviço de tráfego aéreo adequado seja prestado, para que não haja interpretação equivocada por parte dos aeronautas, além de explicar a expressão, tais documentos, também determinam as ações por parte dos aeronautas. Diante disto, não pode haver dúvidas por parte dos controladores e pilotos, pois a explicação é bem clara a respeito da expressão. AIM - Let's review what the Airmen's Information Manual (AIM) states regarding minimum fuel. 5-85. MINIMUM FUEL ADVISORY A. Piloto 1. Informar o Órgão ATC sua situação de “Minimum Fuel” quando seu suprimento de combustível tiver atingido um estado, no qual até atingir seu destino, você não pode aceitar atrasos indevidos. 2. Fique atento, esta não é uma situação de emergência, mas meramente um alerta na qual indica que uma situação de emergência é possível, se qualquer atraso indevido ocorrer. 3. Fique atento, pois um alerta de “Minimum Fuel” não implica em necessidade de prioridade de tráfego. 4. Se o suprimento de combustível remanescente utilizável sugerir a necessidade de prioridade de tráfego para assegurar um pouso seguro, o piloto deverá declarar “emergência” devido a “Low Fuel” e informar combustível remanescente em minutos. B. Controlador 1. Quando uma aeronave declarar uma situação de “Minimum Fuel”, o controlador deverá repassar esta informação para o órgão da qual a jurisdição será transferida. 2.Estar alerta para qualquer ocorrência que possa implicar atrasos para a referida aeronave. Há outros documentos como o AIR Traffic Procedure Handbook que também estabelecem procedimentos a serem adotados por pilotos e controladores para que não haja dúvida alguma a respeito da situação do combustível ou uma possível situação de emergência. Ao tomarem estas providências, partindo para uma interpretação autêntica, dada pelo próprio legislador, estes documentos, estão atuando com a finalidade de evitar que a interpretação gramatical fique a mercê dos pilotos e controladores, evitando que equívocos possam resultar em acidentes ou incidentes. ICA 100-12 traz algumas expressões das quais carecem de esclarecimento técnico dentro do contexto da fraseologia nacional e internacional. O ideal é que a ICA, ao invés de apenas traduzir as expressões, explicasse cada uma delas. Mais importante ainda seria explicar o que cada expressão significa e as providências por parte dos pilotos e controladores a exemplo do que ocorre em vários países. Agindo assim, teríamos garantida a assertividade das comunicações. Eis as expressões apresentadas na ICA 100-12: - Autonomia curta: Fuel endurance very low. - Falta de combustível: Lack of fuel. - Pane de combustível: Fuel failure. - Pouco combustível: Short of kerosene (Fuel/petrol). O que significa a expressão Autonomia curta? Há combustível suficiente para alternativa? Há combustível suficiente para o destino? Que a aeronave pode realizar espera? A aeronave está em emergência? A exemplo do que acontece com as demais expressões, ao se limitar a traduzir a expressão, o legislador pátrio desprezou o principal: emitir a interpretação de cada uma. Para assegurar que este assunto não seja uma dificuldade para os pilotos, algumas empresas elaboram documentos com o objetivo de alertar os pilotos para o problema como também indicar procedimentos a serem adotados. É o caso de uma empresa brasileira que disponibiliza aos seus tripulantes um boletim técnico com o seguinte conteúdo: Combustível de emergência (emergency fuel) em voo Caso seja previsto pouso em qualquer localidade com combustível remanescente inferior a 30’ (FINAL RESERVE FUEL) o comandante deverá obrigatoriamente reportar para o ATC sua condição de Emergência (EMERGENCY FUEL). Esta obrigatoriedade será aplicada em qualquer circunstância e legislação (RBAC/JAR-OPS/FAR). Esta é uma condição de emergência onde a aeronave terá prioridade para pouso no primeiro aeródromo adequado, conforme fraseologia padrão: ACFT: “MAYDAY, MAYDAY, MAYDAY, Paris Control, PT-DCC on LOW FUEL”. Combustível mínimo (minimum fuel) em voo É definido quando o cálculo de combustível extra remanescente a bordo no destinoou alternativa seja igual a 0 (zero) Kg. Para isso utiliza-se o FMS/FMGS e o Plano de Voo. OBS: Esta condição não configura emergência e tampouco haverá prioridade para pouso e deverá ser reportada para o ATC quando operação FAR 12. O ATC deverá ser informado seguindo a fraseologia padrão: ACFT: “Miami Center, PT-DCC on MINIMUM FUEL” Esteja preparado para informar o combustível remanescente em minutos, se solicitado, e considere a possibilidade de prosseguir para a alternativa, caso haja espera prolongada no destino (UNDUE DELAY). Com este boletim, o piloto tem claramente a maneira de explicar a situação do combustível, bem como, quais as providências esperar dos órgãos do controle. Não podemos desprezar a descrição de emergência prevista na regulamentação nacional e internacional que também poderá ser aplicada quando a situação de combustível se encaixar nesta definição. Para complicar ainda mais a situação do voo AVA 052, havia na empresa Avianca um manual o qual continha informações a serem seguidas em caso de escassez de combustível que dizia: 1) Advise ATC of your minimum fuel status when fuel supply has reached a state where, upon reaching destination, you cannot accept any undue delay. 2) Be aware this is not an emergency situation but merely an advisory that indicates an emergency situation is possible should any undue delay occur. Pelo exposto fica claro que a empresa colombiana continha instruções a respeito da condição de escassez de combustível, os quais se enquadravam exatamente aos documentos americanos. Ou a tripulação ignorava esta instrução ou simplesmente desobedecia. Este fato foi levado em consideração pelos investigadores norte-americanos. A empresa colombiana tinha um procedimento escrito sobre operação de combustível mínimo que era o mesmo contido no manual de operação do Boeing 707. Devido a vários incidentes ocorridos com a escassez de combustível, em fevereiro de 1980, a companhia Boeing publicou um boletim 80-1 para a operação do Boeing 707 onde prescrevia a quantidade de combustível que caracterizava a situação de Combustível Mínino – Minimum Fuel. A tripulação do voo AVA 052 desprezou tal orientação. Conforme ICA 100-12, temos: A aeronave em emergência que estiver em situação de Socorro ou urgência deverá utilizar, por meio de radiotelefonia, a mensagem (sinal) correspondente: Socorro: quando a aeronave encontra-se ameaçada por um grave e/ou iminente perigo e requer assistência imediata. Em se tratando de emergência, na modalidade socorro, o piloto, na fonia, deverá usar o seguinte sinal: “MAYDAY, MADAY, MAYDAY”. Urgência: uma condição que envolve a segurança da aeronave ou de alguma pessoa a bordo, mas que não quer uma assistência imediata. Em se tratando de emergência, na modalidade urgência, o piloto, na fonia, deverá usar o seguinte sinal: “PAN PAN, PAN PAN, PAN PAN”. Para balizar o entendimento de que os controladores prestaram a devida assistência ao voo AVA 052, os defensores se valeram de um documento o qual estabelece os procedimentos a serem adotados diante da declaração dos pilotos. Air Traffic of Emergencies FAA order 7110.65F, “Air Traffic Control,” Chapter 9, provides guidelines to air traffic controllers on assisting aircraft in an emergency. An emergency can be either a “distress” or an “urgency” condition, as defined in the “Pilot/Controller Glossary.” A pilot who encounters a distress condition would declare an emergency by beginning the initial communication with the word “MAYDAY”, preferable repeated three times. For an urgency condition, the word “PAN PAN” should be used in the same manner. Como em nenhum momento a tripulação se valeu destes termos, os investigadores aceitaram a argumentação dos controladores no sentido de não considerar a aeronave em urgência ou emergência, devido a omissão da tripulação. Este raciocínio também valeu para isentar os controladores de responsabilidade jurídica. Há um entendimento por parte de alguns controladores e pilotos internacionais no sentido de que: - LOW FUEL trata-se de socorro. Assim sendo, mesmo que o piloto não utilize a expressão: “MAYDAY, MADAY, MAYDAY”, o controlador deverá tratar a aeronave em emergência, na modalidade socorro, e tomar as devidas providências. - MINIMUM FUEL aponta para urgência. Desta forma, mesmo que o piloto não utilize a expressão: “PAN PAN, PAN PAN, PAN PAN”, o controlador deverá tratar a aeronave em emergência, na modalidade urgência, e tomar as devidas providências. Convém ressaltar que este entendimento não é legislado. Carece de fundamentação técnica legislativa. O simples fato de o piloto dizer “LOW FUEL” não pressupõe, de maneira alguma, o entendimento por parte do controlador que a aeronave esteja em emergência na modalidade socorro. A expressão “LOW FUEL”, por si só, tecnicamente falando, não representa nada. Por outro lado, passa a ser complemento, explicando o tipo de emergência se for acompanhada de outro termo técnico: EMERGENCY DUE LOW FUEL (EMERGÊNCIA DEVIDO AO BAIXO COMBUSTÍVEL). Temos um exemplo que a aeronave declara emergência e explica o motivo desta, de como poderia ser por outro motivo que não o do combustível. O mesmo se verifica para a expressão “MINIMUM FUEL”. Em documento oficial algum encontramos tal afirmação. Conforme pudemos notar em anotações no documento, a expressão LOW FUEL não significa por si só emergência. Quando o piloto declara emergência devido ao combustível, deverá declarar EMERGÊNCIA junto com a expressão LOW FUEL, pois esta, explicará o tipo de emergência. (Em emergência devido ao baixo combustível.). Em determinado espaço aéreo brasileiro uma aeronave reportou ao órgão de controle a expressão LOW FUEL. Não será demasiado repetir que esta expressão não tem explicação técnica para fins de regras de tráfego aéreo em documentos oficiais. Ainda acrescentamos: ICA 100-12: 9.15.2 Uma prioridade especial deverá ser dada: a) a uma aeronave que se veja obrigada a pousar devido a causas que afetem sua segurança (falha de motor, escassez de combustível etc.). Diferentemente do que acontece na legislação internacional, não há previsão na nossa legislação a fraseologia aplicada a este caso. Qual termo técnico define escassez de combustível? Ora, o que dificulta o entendimento é o piloto em situação de dificuldades não se valer da regulamentação já prevista e deixar de reportar sua situação de emergência. Por sua vez o DOC 4444, considerada a ICA 100-12 da OACI, no capítulo I que trata das definições estabelece: Minimum fuel. The term used to describe a situation in which an aircraft’s fuel supply has reached a state where little or no delay can be accepted. Note - This is not an emergency situation but merely indicates that an emergency situation is possible, should any undue delay occur. Em determinado e importante espaço aéreo brasileiro uma aeronave estrangeira adentrou área controlada utilizando, logo na chamada inicial, a expressão MINIMUM FUEL. Sem que o controlador desse alguma atenção especial a aeronave, dois pilotos de diferentes companhias aéreas brasileira intervieram na comunicação atendo para que o controlador tratasse a aeronave de maneira especial. Um deles alegava que aeronave encontrava-se em emergência enquanto outro afirmava que a aeronave encontrava-se em urgência. Em outra situação semelhante, ao ingressar em espaço aéreo brasileiro, uma aeronave estrangeira também se valeuda expressão MINIMUM FUEL. Contudo, o piloto estrangeiro não entendeu porquê do controlador insistir para que a aeronave se mantivesse em órbita, devido ao congestionamento diante de sua declaração da situação de combustível por intermédio da referida frase. A tentativa de se comunicar e se fazer entender trouxe grande desconforto para ambos os casos, desperdiçando precioso tempo e trazendo insegurança na comunicação. Ainda em relação ao voo AVA 052, a tripulação poderia ter se valido da regra internacional da utilização do transponder para garantir a assertividade. A legislação pátria ICA 100-12 - é clara neste aspecto. 14.6 - GERENCIAMENTO DOS CÓDIGOS TRANSPONDER 14.6.2 Os códigos 7700, 7600 e 7500 são reservados internacionalmente para uso dos pilotos que se encontrem em estado de emergência, de falha de radiocomunicação ou de interferência ilícita, respectivamente. O comandante poderia ter acionado o código 7700 ao invés de ter insistido em vão com o copiloto. Este acionamento teria dirimido qualquer dúvida e a aeronave teria sido pronta e devidamente assistida pelos órgãos de controle. Fraseologia: definição e princípios Uma explicação para a ocorrência deste acidente é a comunicação e, em grande parte, está ligada a uma das mais importantes matérias que está intimamente atrelada a Regras de Tráfego Aéreo: FRASEOLOGIA. Partindo de uma conceituação oficial citamos o item 15.1 da ICA 100-12 A fraseologia é um procedimento com o objetivo de assegurar a uniformidade das comunicações radiotelefônicas, reduzir ao mínimo de transmissão das mensagens e proporcionar autorizações claras e precisas. Principais pontos da definição: - Assegurar a uniformidade das comunicações – Fraseologia Padrão. - Reduzir ao mínimo de transmissão das mensagens – Concisão. - Proporcionar autorizações claras e precisas. Portanto, o princípio básico a ser observado nas comunicações dos serviços de tráfego aéreo é: FAZER-SE ENTENDER, SEM POSSIBILIDADE DE ENGANO, UTILIZANDO O MÍNIMO DE PALAVRAS. Qualidades da boa comunicação Correção: É a adequação, a obediência à disciplina gramatical, o respeito das normas linguísticas que vigoram nas classes cultas, livre dos vícios de linguagem. Concisão: Consiste em dizer muito em poucas palavras. Esta é uma das qualidades essenciais na comunicação entre piloto e controlador. Tão importante que é repetida nos mais relevantes manuais de fraseologia. Clareza: Juntamente com a correção, é qualidade essencial na radiocomunicação. Pressupõe a limpidez do pensamento e a exata percepção. Precisão: Resulta da escolha acertada do termo próprio, da palavra exata para a ideia que se quer exprimir. A impropriedade dos termos torna a linguagem imprecisa e obscura. Estes itens se tornam relevantes quando se tem em mente que um controlador pode se comunicar com as mais diversas nacionalidades de tripulações compostas, na maioria das vezes, de profissionais que não tem o idioma inglês como língua materna. O principal objetivo das comunicações entre piloto e controlador é o entendimento mútuo. Communication is a two-way process. It requires that a message not only be sent, but received and understood. Na verdade a fraseologia tem um significado técnico muito, muito mais profundo do que o simples estudo de frases, como tem classificado a nossa limitada e exemplificativa ICA 100-12. É a maneira de se expressar as regras de tráfego aéreo. Assim sendo, é importante ressaltar que fraseologia não é um simples ensinamento da língua inglesa ou outra qualquer, porém, muito mais do que isto. Versa sobre as técnicas de comunicação na qual fará com que os pilotos e controladores possam instruir e cumprir instruções diante do que preconiza o complexo mundo das regras de tráfego aéreo. Ensinar fraseologia desconsiderando as regras de tráfego aéreo é pura utopia, falácia. Fraseologia, em síntese, é o modo como as regras devem se exteriorizar na comunicação entre pilotos e controladores. Para melhor entendermos a questão passemos a estudar a expressão TAXI TO. Taxi to Esta expressão tem sentido e aplicação interessante e de consequências desastrosas, quando mal entendida. Consideramos que se tratava de uma das diferenças mais expressiva e perigosa entre OACI e FAA. O significado da expressão é o seguinte: Seguindo padrão FAA, o piloto quando era autorizado a taxiar para determinado ponto do aeródromo, ele poderia se dirigir até o ponto designado, mesmo que tivesse que cruzar outras pistas – quantas fossem necessárias - sem que tivesse necessidade de receber qualquer instrução complementar. Assim se expressava a regra americana: When authorizing an aircraft “taxi to” any point other than an assigned takeoff runway, absence of holding instructions authorizes an aircraft to cross all taxiways and runways that intersect the taxi route. If it is the intent of the controller to hold the aircraft short of any given point along the taxi route, controllers will issue the route if necessary, the state the holding instructions. Não será demasiado repetir: com a antiga redação o piloto poderia cruzar quantas pistas ou pistas de táxi fossem necessárias até alcançar o ponto desejado, sem que recebesse autorização complementar. Divergindo da regra americana, a OACI para a mesma instrução, assim se manifestava em elação ao mesmo assunto: Remember you may never cross a hold line without explicit ATC instructions. You may not enter a runway unless you have been instructed to cross or taxi onto that specific runway, cleared to take off from that runway, or instructed to "Line Up and Wait" on that specific runway. Ou seja, para a mesma instrução, para a mesma frase havia procedimentos bem diferentes. O que diferenciava não era apenas o conhecimento da frase: TAXI TO, pois esta expressão, conforme salientamos, significava dependo da regra - ICAO ou FAA - procedimento diferente. Clássico exemplo de que fraseologia não é estudo e nem tradução de frases ou expressões. Fraseologia é a exteriorização das regras de tráfego aéreo. Fraseologia é a essência das regras de tráfego aéreo, que exige procedimentos específicos a serem adotados por pilotos e controladores. Desde 30 de setembro de 2010, nos Estados Unidos, o piloto não pode mais agir desta forma. Para que possa cruzar outras pistas em uso, ou até mesmo as pista interditadas e impraticáveis, deverá receber uma autorização específica do controlador. No entanto, há ainda uma exceção a esta nova regra, quando as pistas estiverem separadas por uma distância inferior a 1000 pés, ou seja, trezentos metros. Nestes casos específicos deverá haver uma autorização especial da FAA. Uma aeronave não poderá cruzar a linha de parada sem que receba uma instrução explícita do controlador. Também não poderá ingressar na pista em uso, cruzá-la ou taxiar por ela, a menos que seja instruída para estas operações. A nova regra americana – FAA - com esta redação, igualou-se a norma preconizada pela OACI, conforme verificamos no item 7.5.3.1.1.2 do Doc. 4444: When a taxi clearance contains a taxi limit beyond a runway, it shall contain an explicit clearance to cross or an instruction to hold short that runway. A ICA 100-12 se omitiu em relação a este tema, mas como o Brasil é signatário da OACI não há dúvida alguma da aplicação desta norma em virtude do princípio da subsidiariedade das normas. Há ainda outras diferenças entre asregras FAA e OACI. Muitos profissionais afirmam que estas diferenças nas regras e fraseologia não chegam a comprometer a segurança. Pelo que acabamos de expor, e em relação a outras diferenças em outros tópicos, podemos asseverar que a ignorância destas, pode sim, comprometer a segurança. Assim como no estudo de idiomas não se resume a tradução de palavras e frase, mas de ideias levando em consideração um contexto de elementos culturais, regionais e outros, também é verdade que o estudo da fraseologia não se limita a tradução de palavras ou frases. Quando se utiliza fraseologia, a intenção é a aplicação das regras de tráfego. O ideal seria estudar fraseologia concomitantemente com o estudo de regras de tráfego aéreo. Após o estudo de determinado assunto, logo em seguida, deveria fazer uma relação da fraseologia aplicada para a correta aplicação da regra estudada com o mútuo entendimento entre pilotos e controladores. Por ironia do destino, o acidente AVA 052 alavancou a proposta da aplicação de testes, com a finalidade de avaliar a proficiência de pilotos e controladores. Mas da maneira com que o teste está sendo aplicado, ainda, não solucionou o maior problema do tráfego aéreo nacional e internacional. Avalia-se muito bem a proficiência no idioma inglês e até mesmo alguns termos técnicos relacionados à atividade aérea. Mas a fraseologia não se resume a isto, muito mais do que o estudo do idioma inglês, é a expressão das regras de tráfego aéreo. Daí a infelicidade de vermos pilotos e controladores com nível seis no teste de proficiência não saberem correlacionar fraseologia com a correspondente regra de tráfego aéreo. É bem provável que um proficiente controlador saiba traduzir a expressão MINIMUM FUEL para COMBUSTÍVEL MÍNIMO, mas dificilmente saberá correlacionar esta frase com o serviço de tráfego aéreo a ser prestado. Não saberá combinar esta frase nas fases de emergência enquadrando em socorro ou urgência. Este fato se repete com outras frases e expressões em inúmeros outros exemplos. Tive a oportunidade de perguntar a vários controladores com nível seis no teste da ICAO, qual o significado da expressão MINIMUM FUEL. Todos souberam traduzir para COMBUSTÍVEL MÍNIMO. Porém ao perguntar quais as medidas eles tomariam se uma aeronave reportasse este termo na fonia, nenhum deles soube explicar, nem mesmo listar os procedimentos a serem adotados. Este é apenas um exemplo dentre muitos outros que cerca a aplicação das regras de tráfego aéreo. Podemos afirmar que o Teste de Proficiência da maneira como está sendo realizado não elimina todo o problema voltado à atividade aérea, no que se refere à fraseologia de tráfego aéreo e então podemos afirmar que: que ainda haverá outro acidente por causa disto Fatores que contribuiram para o acidente na ótica do NTSB Embora o NTSB tenha listado 24 itens que contribuíram significantemente para o acidente, selecionamos aqueles que diretamente se referem ao aspecto das regras de tráfego aéreo. Embora possa haver divergência entre especialistas, passamos a apresentar os fatores os quais consideramos relevantes, pois foram emitidos pelo órgão investigativo encarregado das investigações oficiais. Dentre os pontos analisados pelo NTSB, destacamos: - A tripulação não foi devidamente, antes da decolagem, alimentada suficientemente com informações sobre as condições meteorológicas e nem de boletins meteorológicos atualizados durante o voo. Esta informação seria muito importante para se decidir a respeito do aeroporto de alternativa. Se soubesse da real condição meteorológica na rota e do aeroporto de alternativa, talvez tivessem decidido se dirigir para a alternativa em um momento anterior e tendo assim evitado as condições climáticas adversas. - As condições meteorológicas se degradaram durante o voo impossibilitando sua segurança para o aeroporto de destino e para a alternativa. Planejamento que poderia ter sido melhor esquematizado ainda antes da decolagem, levando a tripulação a optar por outro aeroporto de alternativa, evitando o mal tempo. - Quando decolaram de Medellín para JFK, os pilotos não buscaram informações atualizadas sobre as condições meteorológicas na rota e destino. - Não há nenhum registro de que os pilotos tivessem solicitado informações mais atualizadas sobre as condições meteorológicas da rota ou destino ou alternativa. O anexo 6 da Convenção Internacional da Aviação Civil que versa sobre a Operação da Aeronave traz no item 4.3.6.4 interessante regra que foi valorizada pelos investigadores: In computing the fuel and oil required in 4.3.6.2, at least the following shall e considered: a) meteorological conditions forecast; b) expected air traffic control routings and “traffic delays” Segundo os investigadores não houve um planejamento adequado da companhia aérea que, negligenciando tal regra, fez com que o voo AVA 052 se enquadrasse perfeitamente nas ocorrências que contribuíram para o acidente; quais sejam: condições meteorológicas adversas e atraso devido ao tráfego aéreo; as mesmas previstas no regulamento internacional. Embora a aeronave tivesse decolado com combustível suficiente para realizar o voo, estas condições adversas deveriam ter sido revistas durante o voo, uma vez que a companhia tinha a disposição os boletins meteorológicos atualizados com tais informações. A tripulação não reportou adequadamente a crítica e degradante situação do combustível para os controladores de tráfego aéreo. O copiloto responsável pela comunicação com os órgãos de controle apresentava proficiência suficiente no idioma inglês para que pudesse ser compreendido pelos controladores. O copiloto equivocadamente considerou que a sua solicitação para obter prioridade tivesse sido interpretada como uma situação de emergência pelos controladores. O comandante apresentou dificuldades para monitorar e entender a comunicação entre o copiloto e controladores. A ação dos controladores em resposta a solicitação dos pilotos foi própria e adequada para uma solicitação de prioridade. Eles não entenderam que se tratava de uma situação de emergência. O copiloto, que fez toda a comunicação radiotelefônica em inglês, nunca usou o termo “EMERGÊNCIA”, até mesmo quando informou que dois motores haviam apagado, não usou a fraseologia adequada conforme publicada nos documentos oficiais americanos para comunicar aos controladores a situação de combustível mínimo. As condições meteorológicas em JFK eram piores do que as divulgadas. O comandante não voou na aproximação ILS de forma estabilizada causando sérios desvios abaixo da rampa de planeio e obrigando a arremetida, conforme gráfico inserido no relatório final do NTSB. A tesoura de vento na trajetória de planeio contribuiu para o pobre desempenho do comandante. Embora outros voos tivessem completado satisfatoriamente a aproximação com a mesma condição de vento. Esta deficiência está aliada a fadiga da tripulação, devido ao voo longo entre outros fatores. O centro de gerenciamento da FAA falhou em gerenciar o volume de tráfego em JFK eficientemente, incluindo mais de uma hora de espera para o voo AVA 052. O centro de gerenciamento de tráfego da FAA não levou em consideração o número de aproximações perdidas que estavam sendo realizadas em JFK. Prováveis causas do acidente O NTSB determinou que a provável causa deste acidente foi a falha da tripulaçãode gerenciar adequadamente a quantidade do combustível, e a falha de comunicar a situação de emergência do combustível aos órgãos de controle antes que o combustível se esgotasse. Contribuiu para o acidente a falha da tripulação em usar o sistema operacional de despacho da companhia durante o voo internacional em um aeroporto congestionado em situações meteorológicas precárias. Também contribuiu para o acidente a maneira inadequada com que a FAA gerenciou o fluxo de tráfego e a falta de uma terminologia padronizada para pilotos e controladores para a situação de combustível mínimo e emergência. NTSB também considera que a tesoura de vento, estresse e fadiga da tripulação foram fatores os quais levaram ao insucesso para completar a primeira aproximação que contribuiu para o acidente. Recomendações feitas pelo NTSB Como resultado deste acidente, NTSB fez as seguintes recomendações: Para a FAA – Federal Aviation Administration Desenvolver em cooperação com a Organização Aviação Civil Internacional um glossário de definição, termos, palavras, e frases para ser usado de modo que seja claramente entendido por pilotos e controladores referente à situação de combustível mínimo e de emergência. Em relação a este ponto Crhistopher Hart, membro da Comissão investigativa, fez importante observação, pois discordou de que haja falta de terminologia padronizada entre pilotos e controladores da recomendação para a indicação de quantidade de combustível indicando emergência, pois em seu entendimento, a terminologia MAYDAY é internacionalmente empregada e de correto entendimento. A falha foi o piloto não ter usado este termo já padronizado internacionalmente. Conduzir um apurado estudo do Centro de Controle de Fluxo e o Sistema de gerenciamento de Tráfego para determinar treinamento apropriado e efetivo, responsabilidade, procedimentos e métodos da aplicação do sistema de gerenciamento de Tráfego. Que as companhias aéreas incluam em seus manuais procedimentos especificando valores de combustível mínimo para várias fases de voo em que um pouso não seja atrasado em situação de emergência MINIMUM FUEL. Incorporar nos centros de controle equipamento o qual permita divulgação automática sobre potenciais atrasos em rota. Recomendações para o diretor da DAAC (Administração da Aviação Civil da Colômbia) Revisão de procedimentos, treinamento para assegurar que uma adequada ênfase seja dada na dupla responsabilidade dos despachantes operacionais de voo e tripulação de modo que cada um dos profissionais esteja informado de eventos e situações que difiram daquela mutuamente acordada na liberação do despacho. Em 21 de fevereiro de 1990, as seguintes recomendações de segurança foram emitidas para FAA Notificar imediatamente todas as empresas aéreas domésticas e estrangeiras notificando que todos os pilotos operando comercialmente no espaço aéreo americano a necessidade do entendimento da operação de voo das regras e procedimentos, incluindo fraseologia padrão, quando operando nos estados Unidos das Américas. Emitir imediatamente uma notificação geral relacionada ao gerenciamento a todos os órgãos de controle para formalmente instruir todos controladores sobre circunstâncias do acidente, e enfatizar a necessidade de solicitar das tripulações esclarecimento de transmissão obscuras ou ambíguas que possam convergir para uma situação de emergência ou de necessidade que requeira uma assistência adicional. Jim Burnett, Membro da Comissão investigativa, assim se manifestou Embora concorde com a provável causa e as recomendações conforme adotadas, eu votei contra a adoção deste relatório porque ele falha em apontar adequadamente o serviço do controle de tráfego aéreo: - O Centro de Controle de Área falhou em não informar ao AVA 052 a respeito de uma espera ainda em rota com o respectivo órgão de controle. - A torre de controle de JFK falhou em transmitir o alcance visual da pista e a última tesoura de vento para a tripulação do AVA 052. - O controlador da torre de JFK falhou em se assegurar de que o ATIS continha reporte da presença de tesoura de vento conforme requerido. - Enquanto aceite os argumentos de que tal insatisfatório serviço não foi a causa deste acidente, o padrão deste serviço reflete como o sistema ATC interfere seriamente na segurança. - O controle de fluxo da FAA permitiu que um número maior de aeronave ingressasse em espaço aéreo congestionado em condições adversas, comprometendo a segurança, o que poderia ser bem melhor realizado. Comentário apresentado pelo Departamento da Aviação Civil Colombiana Considerando as condições (climáticas e de tráfego) em JFK que deveria ser do conhecimento do órgão de controle antes de receber a aeronave para o qual sabia não ter espaço. Se o controle tivesse rejeitado a transferência, a tripulação do voo 052 teria confrontado uma situação menos perigosa que era a alternativa. O serviço de tráfego aéreo desempenhado pela torre de JFK não incluiu serviço de informação obrigatório que foi devidamente prestado para as aeronaves que pousaram antes do voo AVA 052. Estas informações referentes ao alcance visual da pista e PIREPS de tesoura de vento deveriam ter sido acrescentadas para que o piloto do AVA 052 pudesse avaliar as condições presentes durante a aproximação. Além do mais, a torre de controle não deu especial atenção ao significado da expressão “running out fuel” feita durante a aproximação perdida. Outras considerações Em audiência pública no NTSB o advogado da Avianca 052, George Tompkins Jr., confrontou-se radicalmente com os controladores na apuração de responsabilidades. Os controladores afirmaram que os pilotos falharam em não utilizar a palavra emergência, tendo apenas usado a palavra prioridade para comunicar sua situação. O Governo americano partiu em defesa dos controladores alegando que os pilotos nunca declararam emergência. O advogado da Avianca valeu-se do argumento de que o fato do piloto ter dito a expressão “running out of fuel” foi o suficiente para entender que o avião estava em emergência. Para Miryan Montoya – uma das passageiras sobrevivente – o significado da palavra prioridade em espanhol significa primeiro, desta forma, toda a atenção deveria ter sido dada a esta palavra e a respectiva providência por parte do órgão de controle. O NTSB entendeu que os controladores cuidaram do avião de forma apropriada de acordo com as informações que estavam recebendo dos pilotos através da fraseologia utilizada. A maioria dos passageiros sobreviventes considerou uma enorme injustiça os controladores terem sido totalmente isentos de culpa. A Avianca, por intermédio de seu advogado, processou a FAA, afirmando que os controladores deveriam ter feito mais quando a tripulação do Voo 052 disse que estavam ficando sem combustível. A FAA não admitiu a culpa dos controladores, no entanto fez um acordo com a Avianca indenizando o equivalente a 200 milhões de dólares às vítimas e parentes das vítimas. Um ponto bem debatido pelos investigadores referiu-se a atuação da empresa aérea e dos despachantes operacionais de voo - DOV, no sentido de auxiliar o voo AVA 052. O voo não foi devidamente informado e atualizado com relação às condições meteorológicas na rota. Este raciocínio encontra eco na legislação brasileira no RBAC – 121. 121.465 - LIMITAÇÃO DE TEMPO DE SERVIÇO PARA DESPACHANTES; OPERAÇÕES DOMÉSTICAS E DE BANDEIRA. (a)Cada detentor de certificado conduzindo operações domésticas e de bandeira deve estabelecer o período diário de trabalho do despachante operacional de voo de modo a começar em horário que lhe permita familiarizar-se totalmente com as condições atmosféricas existentes e previstas ao longo da rota e demais condições relacionadas à segurança do voo antes de despachar qualquer avião. Ele deve permanecer em serviço até que cada avião por ele despachado termine o voo ou até ele ser substituído por outro despachante qualificado na mesma aeronave da mesma ou de outra base do operador. (Grifo nosso). Este acidente despertou a atenção da comunidade internacional para o desenvolvimento do teste de proficiência do idioma inglês para pilotos e controladores. Acreditamos que este assunto relacionado à fraseologia, em nível internacional e, principalmente, em nível nacional, ainda não foi resolvido. Não será nada estranho se outro acidente ocorrer por conta desta omissão. Pergunta ao leitor Considerando que: - Não há na legislação pátria uma regulamentação específica que explique e determine os procedimentos relacionados à expressão MINIMUM FUEL; - Uma aeronave se encontre em condições periclitante de combustível e declare a expressão MINIMUM FUEL na fonia; - O controlador brasileiro não dê a devida assistência à aeronave por desconhecer a expressão MINIMUM FUEL e os procedimentos que decorrem desta expressão; - Que a aeronave venha a se acidentar por falta de combustível diante da precária assistência fornecida pelo controlador brasileiro; - O Brasil é signatário da Convenção de Chicago; - Que a Convenção de Chicago abrange vários documentos, entre eles o documento 4444; - Que o documento 4444 apresenta os procedimentos a serem adotados em relação à expressão MINIMUM FUEL. Poder-se-ia aplicar o documento 4444 da ICAO para responsabilizar juridicamente o controlador de tráfego aéreo brasileiro? Doc 4444: PART I. DEFINITIONS Minimum fuel. The term used to describe a situation in which an aircraft’s fuel supply has reached a state where little or no delay can be accepted. Note - This is not an emergency situation but merely indicates that an emergency situation is possible, should any undue delay occur. How many planes must crash because of MINIMUM FUEL? The answer, my friend, is blowing in the wind Posição atual da OACI sobre o tema Para esclarecer este assunto, foi emitida a emenda 36 da ICAO, que entrou em vigor em novembro de 2012, repercutindo diretamente em três documentos principais: - ICAO Annex 6 Part I: Operation of Aircraft. - Air Traffic Management (PANS-ATM) (Doc4444). - ICAO Doc 9976 Flight Planning and Fuel Management Manual (FPFMM). A proposta desta emenda é regulamentar de forma clara e padronizada a fraseologia e procedimentos a serem adotados referentes à quantidade de combustível durante o voo com a finalidade de padronizar o entendimento, dirimindo todas e quaisquer dúvidas sobre o tema. Levando-se em consideração as mudanças do anexo 6 (Chapter 4 4.3.7 In-flight fuel management) que se coaduna com os demais documentos, citaremos as mudanças mais expressiva. Chapter 4 4.3.7 In-flight fuel management 4.3.7.2.1 The pilot-in-command shall request delay information from ATC when unanticipated circumstances may result in landing at the destination aerodrome with less than the final reserve fuel plus any fuel required to proceed to an alternate aerodrome or the fuel required to operate to an isolated aerodrome. Percebemos que será responsabilidade do piloto em comando questionar os órgãos de controle, diante das circunstâncias, sobre a possibilidade de atrasos. 4.3.7.2.2 The pilot-in-command shall advise ATC of a minimum fuel state by declaring MINIMUM FUEL when, having committed to land at a specific aerodrome, the pilot calculates that any change to the existing clearance to that aerodrome may result in landing with less than planned final reserve fuel. Ciente das informações dos órgãos de controle, o piloto em comando avaliará a quantidade de combustível e, caso seja necessário, informará aos órgãos de controle a quantidade de combustível se valendo da fraseologia padrão MINIMUM FUEL. Note 1.— The declaration of MINIMUM FUEL informs ATC that all planned aerodrome options have been reduced to a specific aerodrome of intended landing and any change to the existing clearance may result in landing with less than planned final reserve fuel. This is not an emergency situation but an indication that an emergency situation is possible should any additional delay occur. A nova emenda é clara em ressaltar que não se trata de caso de emergência. Note 2.— Guidance on declaring minimum fuel is contained in the Fuel Planning Manual (Doc 9976) It should be noted that Pilots should not expect any form of priority handling as a result of a “MINIMUM FUEL” declaration. ATC will, however, advise the flight crew of any additional expected delays as well as coordinate when transferring control of the aeroplane to ensure other ATC units are aware of the flight’s fuel state. Também acrescenta que o piloto não terá nenhum tipo de prioridade ao declarar “MINIMUM FUEL”. Pelo exposto entendemos que não houve mudança significativa quanto à utilização da expressão “MINIMUM FUEL”. O ponto a ressaltar, e que ficou expresso nesta mudança, é a responsabilidade dos órgãos de controle em coordenar com os outros órgãos de controle quando houver transferência de setores ou órgãos informando a situação “MINIMUM FUEL” da aeronave. Embora os documentos não façam menção ao caso AVA 052, fica claro entender que este caso teve grande relevância nesta mudança, pois durante as transferências entre os órgãos houve omissão da condição periclitante da quantidade de combustível da aeronave. Isto foi debatido intensamente nos tribunais americanos. A diferença principal em relação 4.3.7.2.3 The pilot-in-command shall declare a situation of fuel emergency by broadcasting MAYDAY, MAYDAY, MAYDAY, FUEL, when the calculated usable fuel predicted to be available upon landing at the nearest aerodrome where a safe landing can be made is less than the planned final reserve fuel. Note 1.— The planned final reserve fuel refers to the value calculated in 4.3.6.3 e) 1) or 2) and is the minimum amount of fuel required upon landing at any aerodrome. Note 2.— The words “MAYDAY FUEL” describe the nature of the distress conditions as required in Annex 10, Volume II, 5.3.2.1, b) 3. Note 3.— Guidance on procedures for in-flight fuel management are contained in the Fuel Planning Manual (Doc 9976). Com esta emenda acreditamos que toda a problemática estudada neste capítulo esteja resolvido, desde que seja amplamente divulgada e passe a fazer parte dos estudos de regras de tráfego aéreo e fraseologia. 25 Os horários são aqueles definidos no relatório oficial da NTSB seguindo o padrão UTC - Tempo Universal Coordenado (em inglês: Coordinated Universal Time). 26 Regulamentos Brasileiros da Aviação Civil – nova nomenclatura para RBHA (Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica). 27 A National Transportation Safety Board (NTSB) é uma organização independente, criada em 1967, responsável pela investigação de acidentes de aviação dos EUA. 28 A Federal Aviation Administration (FAA) é a entidade governamental dos Estados Unidos responsável pelos regulamentos e todos os aspectos da aviação civil nos Estados Unidos. 29 Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamenteilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem. 30 Jeanne McElhatton, a flight instructor, commuter pilot and NASA aviation safety analyst. 31 AIM – Aeronautical Information Manual – Documento oficial da FAA para procedimentos de Controle de Tráfego Aéreo 7 CASO MAMONAS ASSASSINAS Em março de 1996 ocorreu um dos acidentes mais intrigantes em território brasileiro, resultando em grande comoção nacional e incríveis repercussões na atividade aérea e jurídica. A aeronave, um LearJet, modelo LR-25, operada por uma empresa de táxi aéreo, foi fretada para transportar um renomado grupo musical – Mamonas Assassinas. Esse grupo estava no auge de sua fama e reconhecimento, fazendo sucesso no Brasil e exterior. A popularidade e a repentina desaparição desse grupo provocaram comoção nacional de difícil mensuração. Tudo isso acompanhado de um clamor nacional. Fãs, mídia, povo, todos exigiram explicação. Mais do que esclarecimento, buscavam responsáveis. Procuravam aqueles que pudessem explicar ou, mais ainda, responder pelo resultado. A atenção voltou-se para os controladores de tráfego aéreo. Consideramos que esse acidente poderia ter trazido um dos mais profundos ensinamentos à comunidade aeronáutica – pilotos e controladores. Contudo não foi devidamente aproveitado em termos de estudo e discussão, principalmente no que se refere ao estudo e aplicação das regras de tráfego aéreo e suas repercussões jurídicas em termos de responsabilidade penal. Ouve-se muito falar que o acidente do voo 1907 X Legacy é um divisor de águas no tráfego aéreo. Ledo engano. O episódio Mamonas foi na realidade, ou pelo menos deveria ter sido, esse grande divisor. Permitimos que essa grande oportunidade de bem aprender vazasse pelas nossas mãos como as águas que escorrem pelos nossos dedos. Por que a comunidade aeronáutica, principalmente os pilotos e controladores, insiste em ignorar as consequências jurídicas nos acidentes aeronáuticos? Temem a criminalização? Enquanto essa pretensa descriminalização não ocorre, e não ocorrerá, os aeronautas devem se preparar para esse momento jurídico nacional e internacional que tem resultado na condenação dos mais variados profissionais da atividade aérea no Brasil e em outros países. Conforme declara o diretor de importante associação da atividade aérea, Cap. Lindsay Fenwick, a comunidade aeronáutica vai pagar muito caro por essa pretensa ignorância. All of us, whether pilots, controllers, investigators, mechanics, engineers, regulators, or the travelling public, will certainly suffer if we choose to ignore this growing crisis32 Não temos a menor dúvida de que o Direito, a responsabilidade jurídica em acidentes aeronáuticos e principalmente a criminalização dos acidentes mudará a concepção da segurança de voo. E também temos a certeza de que muitas condutas de muitos aeronautas haverão de mudar, não pela preocupação da segurança de voo em si, mas, muito mais, pelas consequências jurídicas que os aeronautas passarão a responder. O acidente com os Mamonas teve uma repercussão jurídica sem precedentes, discutiu-se muito se as autoridades judiciais teriam conhecimento de causa para atuar numa área tão complexa como a atividade aérea. Tal questionamento se repetiu no acidente do voo 1907 X Legacy. As autoridades policiais e judiciárias estariam preparadas tecnicamente para atuar numa área tão específica assim? Sem dúvida alguma, podemos afirmar que há muito mais profissionais da atividade jurídica - promotores, juízes, delegados - afinados com a atividade aérea do que os profissionais da atividade aérea – pilotos e controladores – familiarizados com a atividade jurídica. E essa diferença se verifica numa escala descomunal. Com certeza passaram de forma totalmente imperceptível os questionamentos jurídicos sobre esse acidente de grande relevância para o tráfego aéreo. De uma forma intrigante e inteligente, juristas e especialistas em Direito Aeronáutico, surgiram na imprensa em geral e, fundamentando- se na capitulação da então IMA 100-12, elaboraram uma das perguntas mais significante na arte de interpretar as regras de tráfego aéreo. Vejamos: “O item 8-38, (e), estabelece que “o controlador deverá informar à aeronave o tipo da aproximação a ser executada, a pista em uso e as instruções para o caso de aproximações perdidas, antes que a aeronave inicie a aproximação final”. Foi cogitado que o controlador não transmitiu as instruções para o caso de aproximação perdida. Existe alguma norma que isenta o controlador de prestar essa informação? Nessa aparente despretensiosa e simples pergunta está embutida uma análise doutrinária extensa e profunda das matérias relativas a Regras de Tráfego Aéreo e de Direito. É tecnicamente muito difícil analisar esse episódio deixando de alistar essas duas matérias conjuntamente. O que se buscou na realidade, com essa pergunta, foi, através das regras de tráfego aéreo, a responsabilidade penal do controlador. Ou seja, a suposta infração de tráfego aéreo por parte do controlador poderia, nesse caso, configurar- se também infração penal? A questão é a seguinte: Ao aproximar-se para o pouso no aeroporto de Cumbica na cidade de Guarulhos, a aeronave, desestabilizada na aproximação final, não conseguiu pousar e arremeteu incorretamente, curvando à esquerda e vindo a colidir com o terreno, resultando na morte de todos os ocupantes. Foi encontrada na IMA 100-12, uma instrução afirmando que o controlador tem o dever de instruir a aeronave quanto ao procedimento de arremetida. Especulou-se que em nenhum momento o controlador instruiu a aeronave a realizar o procedimento correto da arremetida. A omissão do controlador poderia inseri-lo na linha de desdobramento dos fatos, tornando-o responsável pelo acidente? A resposta a essa e outras perguntas, bem como os argumentos que iremos apresentar, resultaram no arquivamento do inquérito policial e na isenção de culpa dos controladores envolvidos. Pelo que podemos perceber, a apuração da responsabilidade jurídica foi totalmente fundamentada na interpretação e aplicação das regras de tráfego aéreo. Gostaria que o nobre leitor prestasse preciosa atenção nos passos a serem seguidos, em que cada argumentação, cada fundamentação revela-se imprescindível peça de um enorme quebra-cabeça que será montado ao longo da explanação, fornecendo ao caro leitor uma visão clara e estritamente profissional a respeito da ocorrência a ser tratada, fazendo com que se chegue a uma conclusão clara sobre o evento. Outro ponto importante a ser considerado está ligado ao fato de nós, no Brasil, não termos um histórico, uma tradição na análise de acidente levando em consideração os aspectos jurídicos, relacionando-os com as regras de tráfego aéreo. O objetivo deste capítulo é desvendar os mistérios que evolveram o caso Mamonas Assassinas. O acidente No dia 02 de março de 1996, o PT-LSD chamou o Controle São Paulo (APP-SP) para aproximação final do procedimento de descida Charlie 2, ILS da pista 09R do Aeroporto de Guarulhos (SBGR). Sem estabilizar na aproximação final, a arremetida foi executada em contato com a torre. Com curva para a esquerda (setor Norte de SBGR), a aeronave confirmou à torre estar em condições visuais. Chocou-se com o terreno montanhoso a 3.300 pés. Em consequência do impacto, a aeronave foi destruída e todos os ocupantes morreram no local. Este foi o desfecho final depoisde uma sequência de condutas que passaremos a analisar. Com a finalidade de transportar o grupo musical, no dia 01 de março de 1996, o Lear 25 decolou de Caxias do Sul para Piracicaba, pousando às 15h45min. No dia seguinte, mantendo a mesma tripulação, decolou de Piracicaba, às 07h10min, com destino a Guarulhos, onde pousou às 07h36min. A próxima etapa seria Guarulhos-Brasília, estimando decolagem às 15h00min. Até que pudessem decolar, permaneceram no aeroporto. Decolaram somente às 16h41min e pousaram às 17h52min em Brasília. Essa criteriosa e cronológica análise se faz importante para o deslinde do acidente e identificação dos responsáveis. Conforme iremos ver, os atrasos e a permanência da tripulação nos aeroportos tiveram repercussão jurídica relevante, que deverá ser analisada frente à lei dos aeronautas. O objetivo é averiguar se a jornada que a tripulação cumpriu estava de acordo com o dispositivo legal e se resultou em excesso de trabalho, provocando fadiga e reduzindo a capacidade dos pilotos em manter a aeronave estabilizada num procedimento que requer precisão e habilidade. Decolaram de Brasília para Guarulhos às 21h58min, voando no nível de voo FL 410 - 41.000 pés - 12.300m. Na chegada a São Paulo, foram vetorados pelo APP SP - Controle de Aproximação São Paulo - para aproximação final do procedimento de descida Charlie 2, ILS da pista 09R do Aeroporto de Guarulhos (SBGR). Desestabilizados na aproximação final, nos três parâmetros da aproximação de precisão, não foram nada precisos na velocidade, altitude e localização e, percebendo que não fariam um pouso seguro, optaram por iniciar o procedimento de aproximação perdida – arremetida. Desobedecendo às regras de tráfego aéreo, arremeteram curvando à esquerda para o setor norte do aeroporto de Guarulhos, tendo informado à torre de controle que estavam em condições visuais ingressando na perna do vento. Arremetida Um dos pontos cruciais desse acidente e essencial para a apuração de responsabilidade jurídica refere-se ao procedimento de arremetida. Pela importância desse assunto nesse caso, consideramos imprescindível explicar tal procedimento e as particularidades no aeroporto de Guarulhos. Arremetida, aproximação perdida, procedimento de aproximação perdida O procedimento de arremetida, em suas várias nomenclaturas, é um procedimento a partir do qual a aeronave que vinha se aproximando para o pouso não pode realizá-lo por vários motivos: por não ter conseguido avistar a pista no momento do pouso devido às condições meteorológicas deterioradas; por não estar estabilizada na aproximação final nos parâmetros de velocidade, estabilização vertical e estabilização horizontal em relação ao eixo da pista; pista ocupada por outra aeronave que impede a autorização de pouso; outros motivos por iniciativa do piloto ou do controlador de tráfego aéreo. Seja qual for o motivo, a aeronave impossibilitada de pousar deverá iniciar o procedimento de arremetida específico conforme esteja voando sob as regras de voo visual ou voo por instrumentos. O voo segundo as regras de voo visual é aquele que o piloto realiza com referências externas, observando e navegando de acordo com o terreno. Por outro lado, no voo por instrumentos, o piloto navega de acordo com as informações que recebe de instrumentos de bordo sem referência externa e também conhecido como voo cego. Se uma aeronave estiver voando segundo as regras de voo visual durante uma aproximação para pouso e não conseguir efetuá-lo, deverá seguir um procedimento definido como circuito de tráfego. O circuito padrão é determinado com manobras pré-definidas com curvas à esquerda conforme constatamos na figura a seguir. Em caso de arremetida, a aeronave deverá seguir em frente e percorrer as fases (pernas) do circuito sempre com curva à esquerda, ingressando na perna de través e, após, na perna do vento e assim por diante, repetindo o circuito até que receba autorização da torre de controle para efetuar o pouso. Mas pode ser que o aeródromo apresente peculiaridade, como obstáculos, terrenos montanhosos etc., e o circuito padrão realizado com curvas para a esquerda se inviabilize e o circuito passe a ser o não padrão com curvas à direita, conforme podemos constatar na figura a seguir. A proximidade entre dois ou mais aeródromos pode definir o circuito de tráfego. Na figura a seguir, constatamos que o circuito de tráfego é padrão em um dos aeródromos – com curvas realizadas à esquerda e outro não padrão, com curvas realizadas à direita. Padrão ou não, o piloto tem ciência prévia do procedimento de cada aeródromo pelas cartas de aproximação visual denominadas VAC (Visual Approach Chart), que descrevem minuciosamente o circuito de tráfego de cada localidade. Devido à proximidade da serra da Cantareira em Guarulhos, caso a aeronave estivesse realizando o voo seguindo as regras de voo visual para a pista 09R, deveria voar no circuito de tráfego visual não padrão, ou seja, curvas à direita, conforme estipulado na carta de aproximação visual de Guarulhos, como percebemos na figura a seguir. Resumindo - Tráfego padrão: curva à esquerda. Tráfego não padrão: curvas à direita. Essa tese é fundamentada na ICA 100-12. 4.2.5 OPERAÇÕES EM AERÓDROMO OU EM SUAS IMEDIAÇÕES As aeronaves que operarem em um aeródromo ou nas suas imediações, quer estejam ou não em uma ATZ, deverão: c) efetuar todas as curvas à esquerda ao aproximarem-se para pouso e após a decolagem, a não ser que haja instrução que indique de outra forma. (Grifo nosso) Entendimento crucial do acidente Por outro lado, e que se frise bem, devido à importância deste assunto para a apuração de responsabilidade jurídica, a aeronave envolvida nesse acidente não estava voando segundo as regras de voo visual, mas segundo as regras de voo por instrumentos. Nesse caso o procedimento de arremetida difere do estudado até agora. Há estabelecido o procedimento de aproximação perdida que tem a mesma finalidade do circuito de tráfego aéreo, que são manobras pré-definidas estipuladas em cartas aeronáuticas das quais o piloto tem prévio conhecimento através de publicação denominada Carta de Aproximação por Instrumentos. Podemos verificar a carta de pouso de Guarulhos especificada como Charlie 2, que se enquadrava na pista de pouso 09R, utilizada pela aeronave em questão. Interessante ressaltar que, pelo tipo de voo realizado, por instrumentos, a aeronave não deveria ter curvado nem à esquerda nem à direita, pois o procedimento previsto em caso de arremetida estava bem definido na carta de pouso, ou seja, arremeter em frente subindo para seis mil pés na proa do auxílio-rádio de Bonsucesso, conforme vemos em destaque: Algumas perguntas que aguardam respostas: - Por que a aeronave acidentada não realizou o procedimento previsto para seu tipo de voo, ou seja, o procedimento previsto na carta de pouso Charlie 2, ao invés do circuito de tráfego visual? - Poderia, mesmo sob as regras de voo por instrumentos, realizar o circuito de tráfego sem autorização prévia da torre de controle? - Mesmo tendo realizado o procedimento visual, por que efetuou o procedimento padrão - curva à esquerda - deixando de evitar a serra da Cantareira? Por que não realizou curvas à direita, que era o previsto para o aeródromo de Guarulhos? - De quem é responsabilidade jurídica pelo acidente: pilotos, controladores de Guarulhos, ou controladores de aproximação radar (APP)? Aspectos regulamentarese jurídicos Segundo o relatório final da investigação, ao arremeter, a aeronave o fez com a torre de controle tendo informado que estava em condições visuais e em curva pela esquerda, para interceptar a perna do vento. Analisemos com cuidado os itens abaixo: - Condições visuais - Em curva para a esquerda. - Perna do vento Condições Visuais: O piloto declarou que tinha condições visuais suficientes para ter voado de acordo com as regras de voo visual (VFR – Visual Flight Rules), separando-se de aeronaves e obstáculos. Nesse caso o piloto, ao mudar as regras de voo, invocou para si responsabilidade por prover separação própria de outras aeronaves e obstáculos, conforme verificamos na ICA 100-12: 5.2 RESPONSABILIDADE DO PILOTO Caberá ao piloto em comando de uma aeronave em voo VFR providenciar sua própria separação em relação a obstáculos e demais aeronaves por meio do uso da visão. Em curva para à esquerda-Perna do vento: Perna do vento faz parte do procedimento para pouso - circuito de tráfego visual - segundo as regras de voo visual. Nesse momento fica clara a intenção do piloto em ingressar no circuito de tráfego visual, desconsiderando a Carta de Aproximação Visual, que prevê tráfego à direita para a pista 09R. A longa jornada do piloto ultrapassando a jornada prevista em lei pode ter provocado fadiga, diminuindo a capacidade de discernimento e levando-o a confundir o procedimento em Guarulhos. Não será demasiado ressaltar que, além de ter confundido a direção do circuito de tráfego, erro maior foi não ter prosseguido segundo as regras de voo por instrumentos. Em princípio a aeronave deveria ter cumprido o que estava estabelecido na carta de aproximação, isto é, ter subido para 6.000 pés na direção do auxílio rádio de Bonsucesso. Estava realizando um procedimento por instrumento que previa uma arremetida em frente subindo para 6.000 pés, e não curva à esquerda. Conforme capítulo 12. p. 168 MCA 100-31 - Manual do Controlador – em vigor a época do acidente: Uma aeronave executando procedimento de aproximação por instrumentos, que não tenha atingido a altitude mínima de descida (MDA) e não tenha obtido referências visuais ou não tenha tido condições de prosseguir para o pouso, iniciará, no ponto de aproximação perdida, um procedimento de aproximação perdida. Encontramos o mesmo entendimento na ICA 100-12: 9.19.7 APROXIMAÇÃO PERDIDA Uma aeronave impossibilitada de completar uma aproximação e pouso deverá seguir as trajetórias e altitudes estabelecidas nas IAC, ou cumprir as determinações do órgão apropriado. Havia um procedimento pré-estabelecido a ser executado pela aeronave do qual já se tinha ciência desde a sua entrada na Terminal São Paulo. Quando a aeronave realizou curva à esquerda, ficou patente a intenção do piloto: mudar de regras de voo por instrumento para regras de voo visual. O piloto mudou de regras de tráfego aéreo sem prévia autorização do órgão de controle. Primeiro curvou à esquerda para somente depois informar ao órgão controle que tinha girado, quando na realidade deveria primeiro ter solicitado. Voando em espaço aéreo controlado, o piloto fica sujeito às instruções do órgão de controle, jamais deve tomar qualquer atitude, limitando-se a informar o órgão de controle como se fosse de sua exclusiva competência e autonomia agir de forma arbitrária em espaço aéreo controlado. Esse princípio que verificamos na ICA 100-1233. A regulamentação prevê dispositivos para balizar esse entendimento. 4.6.2 OBSERVÂNCIA DO PLANO DE VOO 4.6.2.1 Salvo os casos previstos em 4.6.2.5 e 4.6.2.7, toda aeronave deverá se ater ao Plano de Voo em vigor. Qualquer modificação no Plano de Voo em vigor deverá ser, previamente, solicitada ao órgão ATC responsável e só poderá ser realizada depois que o órgão ATC emitir nova autorização. (Grifo nosso) NOTA: Ressalvam-se os casos em que as modificações sejam decorrentes de emergências que exijam alterações imediatas por parte da aeronave, devendo, nestes casos, ser comunicadas, o mais depressa possível, ao órgão ATC, acompanhadas da justificativa das alterações. Analisando detalhadamente o acidente, percebemos que a incorreta mudança do piloto em nada se enquadra na prescrição regulamentar. Se teve a intenção de mudar, e a apreciação do caso leva a essa conclusão, ele deveria obedecer à seguinte regra da ICA 100-12: 4.6.2.6 Mudanças intencionais As informações que devem ser emitidas, quando se desejar modificação de Plano de Voo, são as seguintes: - regras de voo; Há fundamentação mais específica para o caso: 6.1.3 MUDANÇA DE VOO IFR PARA VFR – ICA 100-12. 6.1.3.1 Toda aeronave que, operando de acordo com as regras de voo por instrumentos, decidir mudar para ajustar- se às regras de voo visual deverá notificar, especificamente, ao órgão ATS apropriado o cancelamento do voo IFR e as mudanças que tenham de ser feitas em seu Plano de Voo em vigor. Por que o piloto se desviou do procedimento previsto? Por que não cumpriu o procedimento de arremetida conforme a carta se não declarou nenhuma situação anormal? Ao agir dessa maneira, também se desviou de importante item da ICA 100-12, que prevê a responsabilidade do piloto em comando: 3.4.1 RESPONSABILIDADE DO PILOTO EM COMANDO O piloto em comando, quer esteja manobrando os comandos ou não, será responsável para que a operação se realize de acordo com as Regras do Ar, podendo delas se desviar somente quando absolutamente necessário ao atendimento de exigências de segurança. Quando o piloto não conseguir pousar, deverá cumprir o que está estabelecido na carta ou seguir instruções do controlador. No caso em questão, o piloto não seguiu as instruções de arremetida e nem seguiu a instrução do controlador, em desconformidade com a ICA 100-12. Importante ressaltar o seguinte item da ICA 100-12: 9.1.2 Quando estiverem voando com plano IFR dentro de CTR ou TMA, são obrigações dos pilotos em comando das aeronaves: - iniciarem as fases de um procedimento de aproximação por instrumentos. (Grifo nosso) Convém ressaltar que a aproximação perdida é uma das fases do procedimento por instrumentos. 9.19.7 APROXIMAÇÃO PERDIDA ICA 100-12. Uma aeronave impossibilitada de completar uma aproximação e pouso deverá seguir as trajetórias e altitudes estabelecidas nas IAC34, ou cumprir as determinações do órgão apropriado. Um dos argumentos relacionados a esse acidente refere-se ao fato de afirmarem que ele não teria ocorrido se a aeronave tivesse curvado à direita ao invés de ter curvado à esquerda. Puro falso silogismo! Raciocínio correto com premissa falsa. É verdade que a aeronave não teria colidido com o morro se tivesse curvado à direita, mas essa afirmação está totalmente fora do contexto técnico em termos de regras de tráfego aéreo. Numa análise jurídica mais aprofundada, levando-se em consideração importante teoria do direito na avaliação da conduta, jamais chegaremos a essa conclusão. O profissional mais avisado não incorreria em tal equívoco. Não se deixaria levar por essa pegadinha. Dessa forma, afirmar que a aeronave veio a colidir porque fez curva à esquerda e garantir esse detalhe, fazendo disso uma relação de causa e efeito, é trabalhar com falso silogismo. Na realidade, para fins de Direito Aeronáutico aplicado ao Tráfego Aéreo, a aeronave veio a colidir porque não realizou o procedimento de arremetida previsto. É claro que, se a aeronave tivesse curvado à direita,não teria colidido, e o acidente teria sido evitado. Mas nesse caso há uma falácia bem elaborada, que pode descaracterizar, para fins de direito e responsabilidade jurídica, a relação de causa e efeito. Nesse exemplo, as premissas que o sustentam são válidas, mas a falsidade deriva do mau uso do raciocínio. Devido ao fato de o sistema de investigação e de prevenção de acidentes estar desconectado, desvinculado de um procedimento de investigação com características judiciais, certas conclusões podem estar totalmente desassociadas do exame jurídico. Valendo-se de técnicas e métodos diferentes de uma investigação judicial, e com finalidades diferentes, pode- se apresentar um desfecho incompatível com o desfecho jurídico. O tema é importante, principalmente quando se pretende apurar responsabilidade jurídica frente a um acidente ou incidente aeronáutico. Devido à complexidade do assunto, temos visto os mais variados equívocos quando se pretende imputar determinada responsabilidade a certas condutas. Esses equívocos são resultantes do desconhecimento de uma das matérias mais importante, que entendemos ser essencial para o deslinde do tema. Sem esse conhecimento, entendemos ser impraticável qualquer raciocínio lógico desprovido de tecnicidade jurídico-aeronáutica. A propósito, quem foi o verdadeiro responsável pelo acidente: a tripulação ou controlador? Ou ambos? Para se chegar a uma conclusão, há de se avaliar a conduta da tripulação e controladores. Analisar apenas diante da ótica regulamentar será insuficiente. Precisaremos correlacionar Direito com Regras de Tráfego Aéreo. Dentre esses tópicos, destacamos Causa, Nexo Causal e Nexo Normativo. Cabe aqui uma explicação que consideramos essencial para o entendimento de como se apura responsabilidade jurídica de acidentes aeronáuticos e que, não será demasiado enfatizar, se diferencia dos procedimentos dotados pelo sistema de investigação com fins de prevenção. Causa É toda ação ou omissão que é indispensável para a configuração do resultado, por menor que seja o seu grau de sua contribuição. Nexo causal É o elo existente entre a conduta e o resultado; uma relação física, material, natural entre a conduta e o resultado, ou seja, uma relação de causa e efeito. É através do nexo causal que poderemos estabelecer se a conduta do agente deu causa ao resultado. Isso é essencial para identificarmos os fatores que contribuíram para o desfecho de um acidente aéreo. O nexo causal consiste em uma simples verificação da existência de relação entre a conduta e o resultado. É uma simples verificação que atende a aplicação das leis da física, uma relação de causa e efeito. É o vínculo estabelecido entre a conduta do agente e o resultado por ele gerado. A relevância da matéria está no fato de constituir a causalidade limitação à responsabilidade jurídica. Ou seja, há de se perguntar se a conduta do agente foi realmente a que deu causa ao resultado, sendo assim responsabilizado por este. Nexo normativo A simples aplicação do nexo causal é insuficiente para afirmar a existência de um fato típico, de um crime. Para tanto é necessário que se verifique também o que diz a norma, por isso nexo normativo. E isso se faz à luz da interpretação das regras de tráfego aéreo. - Nexo causal físico – primeiro momento. - Nexo normativo – segundo momento. Assim, qualquer conduta, seja do controlador seja do piloto, mesmo que configurasse o nexo causal, somente teria relevância jurídica para fins de responsabilidade se tivesse sido cometida a título de dolo ou culpa. Caso contrário jamais haveria responsabilização. E para caracterizar o dolo ou culpa do controlador ou piloto, há de se fazer uma análise criteriosa da ocorrência frente às regras de tráfego aéreo. Dizer que a aeronave não colidiria com o terreno se tivesse realizado curva à direita é uma verdade, mas resume-se ao nexo causal naturalístico, causa e efeito da ótica finalística. Analisando o nexo normativo, considerando as normas, o piloto não deveria ter curvado à direita nem à esquerda, e sim ter subido para 6.000 pés na proa do auxílio à navegação de Bonsucesso. Antes de analisar o nexo causal, vamos avaliar o nexo normativo comparando a conduta dos pilotos e controladores frente às regras de tráfego aéreo. Para essa teoria, todo efeito ou resultado é produto de uma série de condições equivalentes, do ponto de vista causal. Qual conduta deu origem ao resultado? O Direito analisa todas as condutas para inseri-las no desdobramento dos fatos. Condutas da tripulação que antecederam a colisão: - aproximação desestabilizada que impediu pouso com segurança; - descumprimento do procedimento de aproximação perdida; - mudança de regras de voo sem a prévia autorização dos órgãos de controle; - ingresso no setor norte do aeródromo de Guarulhos; - voo em altitude incompatível com o setor – 3.300 pés. Para que o controlador, com sua conduta, causasse o resultado, deveria apresentar em sua instrução: - autorização do cancelamento do tipo de voo da aeronave; de IFR para VFR; - autorização para a aeronave ingressar no circuito de tráfego; - autorização para que a aeronave ingressasse na perna do vento pela esquerda. Não vislumbramos nenhuma conduta do controlador que causasse ou originasse o resultado. Entendemos que os controladores não deram causa ao resultado, nem por ação nem por omissão, o que poderia resultar no arquivamento do inquérito policial dos controladores. Serra da Cantareira X Morro dos Macacos A diferença entre esses dois acidentes é fundamental para entender a isenção de responsabilidade dos controladores no caso Mamonas Assassinas. No dia 26 de junho de 1979, um cargueiro, Boeing 707, da empresa aérea Lufthansa, chocou-se contra a Serra dos Macacos, no Estado do Rio de Janeiro, após decolar do aeroporto do Galeão. A diferença marcante nesse acidente, embora tenha alguma semelhança com o da Serra da Cantareira, foi o fato de a aeronave estar voando em um setor desobedecendo à altitude mínima do setor com autorização do controlador. O controlador, ao instruir a aeronave, restringiu-a a uma altitude inferior `a altitude mínima do setor. Nesse caso a conduta positiva do controlador deu causa ao resultado. Na época não houve processo penal. Caso houvesse, a conduta do controlador estaria dentro da linha de desdobramento dos fatos, ensejando responsabilidade criminal. Contudo houve responsabilização civil em que a União indenizou a empresa aérea estrangeira num valor equivalente a um por cento da dívida externa da época. No caso Mamonas, o controlador não instruiu. Não houve conduta do controlador que desse causa ao acidente. Para melhor entender o conflito em Guarulhos, temos dois exemplos que se enquadram neste estudo. No aeródromo do Campo de Marte, um Lear Jet 25 foi autorizado a pousar na pista 12. Enquanto o pequeno jato fazia sua aproximação, o controlador provia separação entre vários helicópteros que realizavam manobras de pouso e decolagem em helipontos diferentes. De repente o pequeno jato, na curta final, sem que explicasse os motivos, arremeteu com curva à esquerda e ingressou na “perna do vento”. Quando a aeronave iniciou curva à esquerda, um helicóptero estava se comunicando com o controlador, cotejando instrução de decolagem, e não houve tempo para que o controlador pudesse advetir o jatinho, que já estava no setor norte do Campode Marte, um setor em que a aeronave não podia progredir por proibição regulamentar. Ao curvar com alta velocidade, a aeronave realizou uma curva com raio tão acentuado que conflitou com uma aeronave que estava na aproximação final do aeroporto de Guarulhos. Devido à rapidez como os eventos acontecem com uma aeronave de grande perfomance, nem sempre há espaço ou tempo para evitar qualquer conflito. E qualquer instrução que o controlador viesse a dar para a aeroanve seria totalmente inócua diante da situação. Em outra ocasião, no aeródromo de Congonhas, São Paulo, um jato de médio porte, após ter sido autorizado a pousar na pista 17L, decidiu arremeter, alegando não ter avistado a pista. Antes que cruzasse a cabeceira da pista em uso, a 400 pés o piloto avistou a pista e solicitou curvar à direita, ingressar no circuito de tráfego e realizar o pouso. Isso mesmo, a 400 pés girar à direita para pouso. O controlador precisou insistir por duas vezes para que o piloto chamasse o controle de aproximação e executasse o procedimento de aproximação perdida. Havia, entre a perna do vento radar e aproximação final, sete aeronaves, além de vários helicópteros voando ao redor da aproximação da final da pista 17. Mesmo assim a aeronave iniciou curva à direita para a desastrosa manobra. O controlador foi severamente assertivo para que a aeronave não realizasse tal manobra. A aeronave então chamou o controle de aproximação seguindo as instruções da carta. O que o controlador poderia ter feito se aeronave tivesse concluído a curva à direita? Simplesmente nada. Tudo o que viesse a fazer ou a falar não seria suficiente para evitar o conflito com o cardume de helicópteros que estavam voando na área do helicontrol e com outras aeronaves na aproximação final. No caso em Guarulhos, analisando a imagem radar e fazendo uma abordagem cronometrada dos eventos, chegaremos à mesma conclusão. O controlador não teve espaço nem tempo para evitar o conflito e o acidente. Depois que a aeronave ingressou no setor norte de Guarulhos, mesmo sendo uma conduta exclusiva do piloto, não houve omissão ou negligência do controlador? O que ele poderia ter feito para ter evitado o acidente? Para melhor analisar esse episódio, faz-se necessário analisar também todo o contexto do voo, analisando a visualização radar, levando em consideração a quantidade e a posição das outras aeronaves. O controlador poderia ter instruído a aeronave a subir? Analisando a visualização radar, nota-se a presença de um Boeing da Varig que estava sendo vetorada numa altitude superior no mesmo setor da aeronave PT-LSD. Uma instrução para que a aeronave subisse a colocaria em rota de colisão com esse Boeing. Uma vez que a aeronave já estava no setor norte, na incorreta perna do vento, o controlador poderia ter instruído a aeronave curvar à esquerda e realizar o pouso? Também analisando a visualização radar, observamos outras aeronaves no procedimento de aproximação de pouso por instrumentos na aproximação final que, por força do regulamento, têm prioridade sobre o voo visual, conforme estipula a ICA 100-12: 10.13.5 Uma aeronave que se encontrar no segmento final de um procedimento de aproximação por instrumentos terá, normalmente, prioridade sobre outra aeronave que estiver no circuito de tráfego visual. O controlador não teve nem espaço nem tempo para resolver conflito, restando uma única saída: já que a aeronave estava voando segundo as regras de tráfego visual conforme anteriormente reportado pelo piloto, o controlador instruiu a aeronave a manter-se em condições visuais. Isso fez com que importante regra, com desdobramentos incríveis no quesito de responsabilidade, entrasse em ação e garantisse que a aeronave viesse a evitar colisão com obstáculo ou outra aeronave. Quando o piloto respondeu que estava em condições visuais, enquadrou-se na seguinte regra da ICA 100-12: 5.2 RESPONSABILIDADE DO PILOTO Caberá ao piloto em comando de uma aeronave em voo VFR providenciar sua própria separação em relação a obstáculos e demais aeronaves por meio do uso da visão. O piloto, ao assumir que estava em condições visuais, assumiu responsabilidade da regra supracitada. Aproveitando o ensejo, vejamos como os casos análogos a esses são analisados à luz do Direito Comparado, ou seja, como ocorre em países estrangeiros. Em importante artigo elaborado por Kenneth Cattley que versa sobre a responsabilidade civil do controle de tráfego aéreo, publicado na Revista Brasileira de Direito Aeroespacial, vol. 41, pp. 47 a 51, vemos importantes considerações feitas pelo eminente jurista das quais destacaremos as mais importantes e que se aplicam à ocorrência em pauta: Em voo VFR, é virtualmente impossível sustentar alegações de negligência do controle de tráfego aéreo. Assim, no caso de Schultetus v. Estados Unidos (1960) 277 F. 2d. 322 – USCA 5 th Circuit. Ver também: Allen v. US (12AVI 18.460) UDSC E. D Missouri (1973). O simples aviso: ‘Tráfego. Cessna Cruzando à sua frente’ foi suficiente para absolver o controle de tráfego pela colisão que se seguiu. Enfatizemos então as afirmações feitas pelo eminente articulista: é virtualmente impossível sustentar alegações de negligência de controle de tráfego aéreo em voo VFR. Conforme podemos ver em caso concreto nos Estados Unidos, o controlador foi absolvido porque o piloto reportou que estava em condições visuais, devendo o piloto ter provido a separação da outra aeronave, após ter sido anteriormente alertada e informada do tráfego essencial. Ainda do mesmo artigo retiramos: No caso de HAMILTON v. ESTADOS UNIDOS, referiu-se ao voo em VFR como “condição ver e ser visto” ou “ver e evitar”. Os juízes do nono circuito da Corte de Apelação decidiram que os controladores não tinham o dever de informar aos dois aviões que colidiram, da presença um do outro, quando eles tinham ou deveriam se ter avistado. O mesmo se deu em CROSSMAN e ESTADOS UNIDOS, quando um avião colidiu com uma antena transmissora de televisão, cuja existência o piloto dissera conhecer. (Grifo nosso) Pelos mesmos motivos, argumentação e fundamentação, o serviço de Controle de Tráfego Aéreo brasileiro deve ser isentado de todo e qualquer tipo de responsabilidade. De forma semelhante agiu o controlador de tráfego aéreo brasileiro quando questionou as condições de voo da aeronave envolvida no acidente. A aeronave sempre reportou estar em condições visuais. No mesmo artigo salienta o articulista que: O controle de tráfego aéreo não pode ser responsável se o piloto não tiver seguido todos os procedimentos estabelecidos. (Grifo nosso) Ora, não há como responsabilizar o controlador de tráfego aéreo no episódio analisado, pois o piloto descumpriu, de forma marcante, o procedimento previsto, que era subir para seis mil pés na proa do auxílio de Bonsucesso. Jamais devia ter girado à esquerda. Não seguiu o procedimento estabelecido, ou seja, o piloto não seguiu todos os procedimentos estabelecidos. Se o caso ora analisado fosse julgado conforme padrões internacionalmente definidos, o controle de tráfego aéreo brasileiro seria eximido de todo e qualquer tipo de responsabilidade: civil, penal e administrativa. Nexo causal e regulamentação Embora a comunidade aeronáutica clame por descriminalização em caso de acidentes aeronáuticos, esse clamor não será ouvido pela comunidade jurídicapor diversos motivos. A legislação brasileira prevê que os acidentes aeronáuticos sejam objetos de investigação pela comunidade jurídica. E nesse caso as autoridades jurídicas (delegados, promotores, juízes) tiveram uma contribuição ímpar para que a comunidade aeronáutica se filiasse a este novo momento nacional e internacional que atinge a atividade aérea. Mas, conforme salientamos anteriormente, a comunidade ignorou esse aprendizado. Nesse sentido destacamos a participação do Ministério Público, que, ao apurar nexo causal, adotou procedimentos que têm respaldo no Código Brasileiro de Aeronáutica, que preceitua: Art. 92. Em caso de acidentes aéreos ocorridos por atos delituosos, far-se-á comunicação à autoridade policial para o respectivo processo. Parágrafo único. Para o disposto no caput deste artigo, a autoridade policial, juntamente com as autoridades aeronáuticas, deverão considerar as infrações às Regulamentações Profissionais dos aeroviários e dos aeronautas, que possam ter concorrido para o evento. (Grifo nosso) Os juristas que atuaram nesse caso valeram-se deste dispositivo para identificar a relação de causa e efeito - nexo causal - entre a conduta dos controladores e o acidente. Isso se faz analisando as condutas dos agentes envolvidos confrontando com as regras de tráfego aéreo. Para melhor entender o assunto, vamos analisar duas infrações ligadas a esse acidente. O copiloto estava exercendo função a bordo, porém não tinha contrato de trabalho firmado com a empresa de táxi aéreo. Logo, descumpria dispositivo da lei 7.183, que regula o exercício da profissão de aeronauta, conhecida como lei do aeronauta: Art. 2º - Aeronauta é o profissional habilitado pelo Ministério da Aeronáutica, que exerce atividade a bordo de aeronave civil nacional, mediante contrato de trabalho. (Grifo nosso) Essa infração está capitulada no artigo 302 do CBA, inciso I, alínea e: Participar da composição de tripulação em desacordo com o que estabelece este Código e suas regulamentações. Essa infração também se enquadra no artigo 302 do CBA, inciso II, alínea j: Inobservar os preceitos da regulamentação sobre o exercício da profissão. Ao proceder assim, piloto e empresa também descumpriram o que preceitua estabelecido na letra "(a)", do item 135.242, da Subparte "E", do RBHA35 135. Tais ocorrências são infrações administrativas também previstas na resolução nº 13 da ANAC, que dispõe sobre o processo administrativo para a apuração de infrações e aplicação de penalidades. Independentemente do acidente, por si só, essa ocorrência desemboca em infração administrativa ensejando multa pela agência reguladora. Outra ocorrência está relacionada com a jornada de trabalho. A tripulação decolou de Piracicaba às 07h10min, estando com dezesseis horas e trinta minutos de jornada de trabalho no momento do acidente, que se deu às 23h16min. Essa ocorrência se enquadra no artigo 302, inciso II, alínea p: Exceder, fora dos casos previstos em lei, os limites de horas de trabalho ou de voo. Essa ocorrência resulta em infração ao artigo 21, alínea a, da lei do aeronauta, que prevê, nesse caso específico, uma jornada inferior a dezesseis horas e trinta minutos, conforme constatado na hora do acidente. Essas infrações, conforme o parágrafo único do artigo 92, serão analisadas pelas autoridades policiais na finalidade de apuração de responsabilidade legal. As duas serão apreciadas? Qual delas deu causa ao resultado? Qual delas se encaixa no nexo causal? As duas resultam em responsabilidade civil ou penal? Conforme já salientamos anteriormente, essas duas ocorrências serão apreciadas levando em consideração uma metodologia científica jurídica que comprove a relação de causa e efeito. Ao analisar a primeira ocorrência – ausência de contrato de trabalho –, podemos concluir que essa infração, por si só, não entra na linha de desdobramento dos fatos. Não se insere na relação de causa e efeito. Se o copiloto estava devidamente habilitado para o tipo de voo e tipo de aeronave, com o certificado de capacidade física válido, essa pendência administrativa – embora uma infração – não resulta em responsabilidade penal ou civil, pois a ausência do contrato de trabalho não influi em nada na capacidade técnica da tripulação. Para fins de responsabilidade penal, essa infração seria irrelevante. Por outro lado, a infração referente à jornada de trabalho se insere na linha de desdobramento dos fatos, pois os tripulantes estiveram submetidos a uma jornada de trabalho de dezesseis horas e trinta minutos, fato que, certamente, afetou os seus desempenhos durante o voo, reduzindo sua capacidade de atenção. As falhas verificadas no desempenho dos tripulantes evidenciaram o cansaço resultante da longa jornada, de dezesseis horas e trinta minutos, sem repouso, levando-os a um comportamento típico de fadiga física. Houve interrupção da viagem por mais de quatro horas, e a tripulação ficou aguardando os passageiros nas dependências do aeroporto por tempo superior ao regulamentado, o que culminou para aumentar o cansaço e a fadiga. Deveria ter sido providenciado repouso, conforme preceitua o § 1º do artigo 21 da lei do aeronauta: Nos voos de empresa de táxi-aéreo, de serviços especializados, de transporte aéreo regional ou em voos internacionais regionais de empresas de transporte aéreo regular realizados por tripulação simples, se houver interrupção programada da viagem por mais 4 (quatro) horas consecutivas, e for proporcionado pelo empregador acomodações adequadas para repouso dos tripulantes, a jornada terá a duração acrescida da metade do tempo de interrupção, mantendo-se inalterados os limites prescritos na alínea “a” do art. 29, desta lei. É um claro exemplo de infração administrativa que também desemboca em responsabilidade legal a quem deu causa ao acidente. Culpa presumida x responsabilidade jurídica Como já dito anteriormente, os critérios adotados pela ciência jurídica muito se diferem dos utilizados pelas autoridades investigativas com finalidade de prevenção. Eis aqui um claro exemplo que ocorre quando esses técnicos, ao analisarem um acidente aeronáutico, desembocam na culpa presumida. A síntese do princípio da culpa presumida, como o nome diz, consiste em atribuir a imperícia, imprudência e negligência de alguém pela prática de um ato ilícito a uma simples presunção, sem necessidade de prová-la. O Código Penal anterior ao de 1940 previa a punição de crime culposo quando o agente causasse o resultado apenas por ter infringido uma disposição regulamentar, como é o caso do copiloto que desobedeceu ao preceito legal da lei dos aeronautas quanto ao contrato de trabalho, ainda que não houvesse imprudência, negligência ou imperícia. A culpa presumida, forma de responsabilidade objetiva, não é mais prevista na legislação penal em vigor. Dessa forma, a culpa deve ficar comprovada, não se aceitando presunções ou deduções que não se fundamentem em prova concreta e induvidosa. Daí a importância de as autoridades relacionarem as regras de tráfego aéreo e outras normas regulamentares associando-as à ciência jurídica para que se possa efetivamente comprovar que a desobediência à determinada norma também se insere no nexo causal, na linha de desdobramentos dos fatos, apontando concreta responsabilidade. Aqui reside importante ciência ligada à Teoria da Conduta, que define responsabilidade jurídica,sobretudo a penal. O fato de o aeronauta desobedecer a preceito regulamentar não significa, por si só, que tenha dado causa ao resultado. O fato de o copiloto não possuir contrato trabalhista com a empresa de táxi aéreo, embora constitua infração administrativa e legal, não significa que ele tenha causado o acidente. Outros elementos precisam ser simultaneamente analisados para que, juridicamente, cheguemos a uma conclusão. Por outro lado, se a tripulação descumpriu o que preceitua a lei do aeronauta quanto à jornada de trabalho, podemos, a partir da ciência jurídica, utilizando critérios precisos de apuração de responsabilidade aplicando teoria do nexo causal e teoria da conduta, chegar à responsabilidade pelo resultado alegando que o cansaço e fadiga estão dentro da linha de desdobramentos dos fatos e da relação de causa e efeito, sendo os infratores das normas regulamentares também responsáveis penalmente pelo resultado. Temos esses exemplos relativamente fáceis, mas há outros que englobam episódios de infração de tráfego aéreo e as regulamentações, envolvendo assuntos relativos ao tráfego aéreo, navegação, meteorologia que exige perícia por parte de quem vai analisar. E não será demasiado repetir: requer habilidade da área técnica aeronáutica e jurídica. Os juristas (promotores, juízes, advogados), ao analisarem esse acidente, desenvolveram, um extenso e profundo estudo da responsabilidade jurídica ainda inatingível pela comunidade aeronáutica. Conforme apreciamos no parágrafo único do artigo 92 do CBA, as autoridades policiais, juntamente com as autoridades aeronáuticas, deverão considerar as infrações às regulamentações profissionais dos aeroviários e dos aeronautas. A finalidade desse dispositivo legal é fazer com que as autoridades policiais, diferentemente das autoridades investigativas administrativas, apontem culpados e responsáveis. A metodologia científica aplicada pelas autoridades judiciárias para a apuração de responsabilidade legal faz parte de um contexto jurídico interessante que requer do investigador sensibilidade e conhecimento técnico de direito e matéria ligada a toda atividade aérea, tal como navegação aérea, regras de tráfego aéreo, meteorologia, fraseologia, etc. Na área do direito, podemos citar a teoria da conduta, teoria da equivalência dos antecedentes, dolo, culpa etc. Toda essa teoria é profundamente estudada no nosso livro e curso de Teoria de Direito Aéreo. Por ora faremos uma abordagem com a finalidade de esclarecer o caso analisado. A maneira como os juristas atuaram nesse episódio apresenta uma oportunidade ímpar para que toda a comunidade aeronáutica possa perceber como a atividade aérea é tratada pelas autoridades judiciárias em caso de acidente aéreo. O aspecto jurídico tem tido uma incidência na atividade aérea que nós – pilotos e controladores - não podemos mais desprezar, sob o risco de pagar muito caro por essa ignorância. A atividade dos promotores não se resumiu apenas a uma atividade intelectual restringindo-se a leituras de manuais. Acompanharam por horas o serviço dos controladores nos órgãos de controle em São Paulo. Realizaram voos com uma aeronave do mesmo tipo da acidentada e acompanharam todos os procedimentos previstos, tais como aproximação no aeroporto de Guarulhos com curva conforme a carta – subindo para seis mil pés na proa de Bonsucesso -, arremetendo e ingressando corretamente na perna do vento; arremetendo e ingressando no setor norte do aeródromo; voos realizados em vários horários, inclusive no mesmo horário do acidente. Diante do exposto, podemos afirmar que os profissionais concluíram um trabalho que resultou em parecer técnico jurídico digno de louvor e aceitação. Dentre as várias perguntas que poderiam ser feitas, vamos apresentar as mais significativas. E a resposta pode significar a condenação ou a absolvição dos controladores envolvidos. Ao analisar o caso apurando a responsabilidade jurídica dos controladores, lançaremos mão de importante instrução regulamentar prevista na IMA 100-12: O item 8-38, (e), estabelece que “o controlador deverá informar à aeronave o tipo da aproximação a ser executada, a pista em uso e as instruções para o caso de aproximações perdidas, antes que a aeronave inicie a aproximação final”. Vai aqui um alerta aos controladores e pilotos! Estrito cumprimento das normas. Ex.: item 8-38, (e), que na época do acidente legislava o assunto na então IMA 100-1236. O alerta é no sentido de que sempre responderemos de acordo com a norma. Nossas condutas deverão se enquadrar, rigorosamente, nos regulamentos oficiais. Por vezes ouvimos profissionais afirmando executar determinado procedimento porque é comum. Todo mundo faz assim. Cuidado! Nem tudo o que é comum é normal. Comum é o que comumente fazemos. Normal é o que provém da norma; o que provém do regulamento. Se a nossa conduta não pode ser fundamentada na regulamentação, teremos grandes dificuldades em nos justificar. Poderemos, no máximo, nos explicar, mas jamais seremos justificados. Explicar X Justificar: uma diferença relevante em termos de responsabilidade jurídica. Pode significar condenação ou absolvição. Uma resposta que não é fundamentada não será apreciada. Às vezes vemos muitos profissionais da atividade aérea explicarem suas condutas, mas não logram êxito em enquadrar suas atitudes diante da regulamentação oficial. Já tivemos oportunidade de observar determinado profissional explicando uma conduta lesiva alegando que o fizera porque todo mundo fazia. O que não sabia é que estava produzindo prova contra si mesmo de acordo com as suas infundadas declarações. Acabara de se enquadrar na expressão: RÉU CONFESSO. Costume, hábito, vício, não revogam lei; não revogam norma; não revogam regulamento. Essa instrução regulamentar, que acentua que o controlador deve informar ao piloto a aproximação perdida, hoje está prevista no item 9.18.3 da atual ICA 100-12. Os juristas, ao ouvirem as gravações da comunicação entre pilotos e controladores, não observaram a informação do procedimento de aproximação perdida por parte dos controladores. Desta forma o piloto arremeteu à esquerda, pois não sabia qual procedimento de arremetida realizar por omissão do controlador. Correta essa afirmação? Se o controlador não informou o procedimento de arremetida, em que ficou fundamentada sua isenção de culpa? Sabemos que havia previsão normativa para a informação do procedimento de arremetida que os órgãos de controle não informaram. Assim, precisamos saber se havia outra norma que justificasse essa omissão. Caso negativo, haveria, entre a omissão do controlador e o resultado, uma relação de causa e efeito – nexo causal – ensejando a responsabilidade do controlador. Essa pergunta está bem relacionada com outra, que tem na resposta a mesma fundamentação. IMA 100-12 O item 8-38, (10), estabelece que o controlador deverá instruir a aeronave, na aproximação final, sobre como proceder no caso de uma arremetida em função de algumas situações... Por que não foi dada a instrução do procedimento de arremetida pelo controlador? A tese levantada requer a inteligência do seguinte item: 9.11 INFORMAÇÃO PARA AS AERONAVES QUE CHEGAM 9.11.1 Tão logo sejam estabelecidas as comunicações com as aeronaves que chegam, o APP deverá transmitir a elas as informações que seguem, na ordem que figuram,exceto aquelas que se saiba que as aeronaves já tenham recebido. (Grifo nosso) Exceto aquelas que se saiba que as aeronaves já tenham recebido? A reposta que valeu a isenção de responsabilidade foi curta e simples e pode ser resumida numa sigla: ATIS. O Serviço Automático de Informação de Terminal (ATIS) é a radiodifusão contínua de informações gravadas a um ou mais aeródromos em áreas de controle terminal selecionadas. Esse serviço tem como objetivo aumentar a eficiência do controle e diminuir o congestionamento das frequências de comunicações, pela transmissão automática e repetitiva de informações de rotina, porém essenciais ao tráfego aéreo. Dentre as informações essenciais, destacamos o procedimento de descida e o procedimento de arremetida. Na transcrição da conversação entre pilotos e controladores, as autoridades judiciárias não viram nada sobre procedimentos de arremetida e jamais veriam. Por se tratar de uma área de denso tráfego aéreo, a área da Terminal de São Paulo é provida do ATIS. Dessa forma o piloto, antes mesmo de a aeronave ter ingressado na Área da Terminal e com antecedência suficiente, deveria ter sintonizado a frequência específica do ATIS e ter obtido as informações sobre o procedimento previsto para pouso que fornece as informações relativas à arremetida. O piloto sabia ou deveria saber qual o procedimento de arremetida. As informações sobre o procedimento de pouso e arremetida são responsabilidade exclusiva do piloto e, nesse caso, são fornecidas pelo ATIS, e não pelo controlador. O controlador não informou o procedimento de arremetida e nem informaria, a menos que houvesse uma alteração do procedimento previamente estabelecido no ATIS, o que não ocorreu no caso analisado. A omissão do controlador em relação ao procedimento de descida tem fundamento no seguinte dispositivo da ICA 100-12: 11.5.4 SERVIÇO AUTOMÁTICO DE IFORMAÇÃO TERMIAL (ATIS) 11.5.4.6 As mensagem ATIS dirigidas, simultaneamente, às aeronaves que chegam e às que saem, poderão conter as informações abaixo, desde que obedecidas à ordem indicada: - - - i) designador do procedimento de descida. Uma das discussões levantadas na época do acidente foi que a aeronave arremeteu com curva à esquerda porque o piloto desconhecia o procedimento de arremetida. Desconhecia o procedimento porque não fora informado pelo controlador. Ao invés de apresentar um argumento de defesa ao piloto, essa afirmação depõe contra ele, pois quando ingressou na Terminal São Paulo, a aeronave foi informada do procedimento previsto, que era o Charlie 2, e não é demasiado lembrar que o procedimento de arremetida consta do procedimento. Logo, jamais o piloto poderia alegar ignorância a respeito do procedimento de arremetida. Daí a necessidade de o piloto, sempre que fizer contato inicial com o Controle de Aproximação, reportar a informação ATIS. O controlador deverá checar se a informação reportada pelo piloto confere com a informação atualizada. Caso o controlador não corrija eventuais discrepâncias que venham a se configurar causas determinantes para o resultado, o controlador será juridicamente responsável pelo resultado. Observando a ICA 100-12, destacamos: 11.5.4 SERVIÇO AUTOMÁTICO DE INFORMAÇÃO TERMINAL (ATIS) g) as aeronaves acusarão o recebimento da informação ATIS transmitida, ao estabelecer comunicação com o Controle de Aproximação ou com a Torre de Controle do Aeródromo. É obrigação da tripulação reportar para os órgãos de controle, já no primeiro contato, que recebeu determinada informação. Ao proceder assim, o piloto assume que está ciente das informações relativas às condições climáticas, à pista de pouso, à infraestrutura, aos auxílios à navegação e, sobretudo, ao procedimento a ser adotado, com a descrição detalhada do procedimento de aproximação perdida. Alerta aos controladores! É imprescindível que as informações ATIS estejam rigorosamente atualizadas e cabe ao controlador checar atentamente se a informação que o piloto acusou confere com a que está sendo transmitida no momento de seu ingresso na área terminal. Ocorre muitas vezes de o piloto ainda em rota checar as informações do aeródromo do destino e não as conferir na entrada da terminal. Se o piloto acusa uma informação desatualizada e não é corrigido pelo controlador, quaisquer consequências advindas dessa irregularidade passam a ser responsabilidade do controlador. Esse entendimento está devidamente balizado na seguinte norma da ICA 100- 12: 10.11.5 Quando uma aeronave acusar o recebimento de uma radiodifusão ATIS não atualizada, toda informação que deva ser corrigida, deverá ser transmitida imediatamente à aeronave. Outro ponto importante a ressaltar diz respeito à coordenação entre torre de controle e controle de aproximação. Normalmente é a torre de controle que prepara a informação ATIS. Sendo assim, cada mudança nas informações deve ser, de imediato, repassada para o controle de aproximação. Qualquer discrepância das informações entre esses órgãos de controle resultará em responsabilidade para os controladores. Outro fator, menos comum, ocorre quando, depois da entrada da aeronave na terminal, há mudanças significativas nas informações. Essas informações precisam ser repassadas aos órgãos de controle interessados e às aeronaves, sob pena de responsabilidade. Convém relembrar que um dos grandes problemas do caso AVA 05237, e bem observado pelos advogados, foi a omissão das reais condições climáticas no serviço da radiodifusão. Para isentarem os pilotos de responsabilidade, os advogados alegaram que eles não receberam informações essenciais pelos controladores nem pelo ATIS. Outra pergunta: O item 8-12,f(5), estabelece que “a vetoração das aeronaves, voando IFR ou VFR, será executada, quando necessário, com os seguintes objetivos...(5) desviar a aeronave de formações meteorológicas pesadas, de bando de pássaros, de obstáculos ou de esteira de turbulência”. Mesmo que o piloto tivesse informado, que estava em condições visuais, este item não obrigaria o controlador a desviar a trajetória da aeronave? O controlador não poderia ter vetorado a aeronave pelos motivos que passaremos a explicar. Antes de respondermos a essa pergunta, cabe uma explicação sobre o tipo de serviço de tráfego aéreo denominado vetoração. Vetoração é provisão de orientação para navegação às aeronaves, em forma de proas específicas, baseada no uso de um sistema de vigilância do Serviço de Tráfego Aéreo. Nesse tipo de serviço, o controlador provê serviço de controle baseando-se em informações do radar e é responsável pela navegação da aeronave e também pela separação de obstáculos e outras aeronaves. Para cada área em que a vetoração é aplicada, exige-se que o controlador obedeça a certos quesitos de segurança, sendo um deles a altitude mínima de vetoração. Isto é, o controlador somente poderá vetorar uma aeronave enquadrando-se a essa altitude mínima do setor sobrevoado. No caso em tela, a aeronave estava em altitude inferior à estabelecida e por isso o controlador não poderia vetorá-la. Se o controlador tivesse vetorado desobedecendo a essa regra, estaria inserido na relação de causa e efeito e poderia ser responsabilizado juridicamente pelo resultado. Conforme anteriormente analisado, é de responsabilidade do piloto a separação com outras aeronaves e obstáculos quando realizando voo segundo as regras de voovisual. Ainda do mesmo Manual, no cap.16, p. 213 podemos ler: Os objetivos do serviço de controle de tráfego aéreo não incluem a prevenção de colisão com o terreno. A separação vertical mínima entre aeronaves voando IFR e os obstáculos no solo está assegurada na execução dos procedimentos de aproximação por instrumentos, de saída por instrumentos, de voo em rota e nas cartas de altitudes mínimas para vetoração. Essa norma é relevante para o caso estudado, pois o serviço de controle de tráfego aéreo não tem o objetivo de separar as aeronaves dos obstáculos. Em se tratando de voo segundo as regras de voo por instrumentos, realizando procedimentos previstos em cartas e manuais, essa separação está prevista nesses procedimentos. Se a aeronave acidentada estivesse cumprido a aproximação perdida prevista na Carta de Aproximação denominada Charlie 2, cumprido fielmente os parâmetros estabelecido no quesitos de velocidade, razão de subida, gradiente de subida, jamais colidira com qualquer obstáculo. Os objetivos do serviço de controle de tráfego aéreo não incluem a prevenção de colisão com o terreno. Essa instrução também cabe aos voos segundo as regras de voo visual, pois, conforme salientamos anteriormente, compete ao piloto prover separação dos obstáculos, cabendo aos controladores sequenciar e ordenar o fluxo de tráfego aéreo. Em relação à vetoração, também asseveramos que o controlador não poderia ter vetorado a aeronave naquele momento, pois o serviço de vetoração, no caso em análise, havia terminado quando a aeronave interceptou a trajetória de planeio, conforme prescrição regulamentar na ICA 100-12: 14.18.4 VETORAÇÃO ATÉ OS AUXÍLIOS DE APROXIMAÇÃO FINAL 14.18.3.1 Uma aeronave vetorada para bloquear um auxílio para aproximação final deverá ser instruída a notificar quando estabilizada na trajetória de aproximação final. A autorização para aproximação deverá ser mantida antes de a aeronave notificar que está estabilizada, a menos que circunstâncias impeçam a emissão da autorização em tal momento. A vetoração normalmente, terminará no momento em que a aeronave interceptar a trajetória de aproximação final. (Grifo nosso) A aeronave foi vetorada até interceptar a trajetória de planeio, ou seja, até se alinhar com o eixo da pista de pouso. A partir desse momento a aeronave reassumiu a navegação, quando deveria ter cumprido o procedimento de aproximação até efetuar o pouso ou iniciar o procedimento de aproximação perdida arremetendo segundo as instruções da Carta de Aproximação Charlie 2, que previa subir para seis mil pés na proa do auxílio-rádio de Bonsucesso. Outra análise da IMA 100-12. O item 8-20, (f), estabelece que “uma notificação de segurança deverá ser emitida a toda aeronave conhecida pelo órgão, sempre que a apresentação radar revele alguma situação que possa afetar a segurança da aeronave. Por que o controlador não notificou o PT-LSD sobre uma possível colisão com obstáculo? A pergunta tem a finalidade de saber por que o controlador não evitou que a aeronave colidisse com o terreno se ele tinha a aeronave visualizada na tela do radar. Quando o piloto respondeu ao controlador que estava em condições visuais, ficou implícita sua intenção na mudança de regras do voo para as regras de voo visual, passando, a partir desse momento, a ser responsável pela separação dos obstáculos e outras aeronaves. Se o piloto reportou que estava em condições visuais, estava avistando o terreno. Por que o piloto não proveu separação própria do terreno se o estava avistando? Se reportou que estava em condições visuais, ficou implícito que estava visualizando o terreno e devendo prover a própria separação, conforme regulamenta a ICA 100-12: 8.5 AUTORIZAÇÕES PARA VOAR MANTENDO A PRÓPRIA SEPARAÇÃO QUANDO EM CONDIÇÕES METEOROLÓGICAS VISUAIS (NR) – Portaria DECEA nº 60/SDOP de 09/09/2008 NOTA: Os objetivos do serviço de controle de tráfego aéreo não incluem a prevenção de colisão com o solo. Os procedimentos prescritos neste capítulo não eximem os pilotos de suas responsabilidades para assegurar que qualquer autorização emitida pelos órgãos ATC é segura nesse respeito, exceto quando um voo IFR for vetorado. (Grifo nosso) Houve outras perguntas formuladas pelas autoridades que seguem raciocínio análogo ao dessas apresentadas. Não será demasiado repetir: haverá busca do nexo causal que se verificará entre a conduta do agente e a regulamentação. Acidente aeronáutico e a obrigação de indenizar responsabilidade dos controladores frente à união Um assunto que gerou grandes discussões em torno desse acidente está relacionado à indenização aos danos causados aos familiares e parentes das vítimas. Esse tema é consequência marcante de um acidente aeronáutico do qual não se pode fugir e muito menos ignorar. Algumas indagações que rondam esse tópico e preocupam a comunidade aeronáutica. Uma vez provada a culpa dos controladores, caberia à União efetuar a indenização? Uma vez provada a culpa dos controladores, poderia a União rever o valor pago dos controladores? Ou seja, os controladores devem ressarcir o valor indenizado pela União? Os pilotos, caso sobrevivessem, poderiam ser responsabilizados para fins de indenização? A empresa de táxi aéreo responsável pelos pilotos pode também ser responsável pela indenização caso se comprove a culpa dos pilotos? Sim. A responsabilidade do empregador pode se verificar na esfera penal e na esfera civil. Podemos verificar isso no trecho da sentença judicial a seguir: Provada a culpa dos empregados (piloto e copiloto) presume-se, nos termos da Súmula n.341, a do patrão deles que com eles é responsável pela reparação civil dos danos que causaram no exercício do trabalho ou por ocasião dele (Código Civil, art. 1521, III). (Data do julgamento: 14/02/90; Nº distribuição: 6764; Apelação Cível; TA – RJ; Autor: XXX S/A, e Outros; Réu: Os mesmos; Relator: XXX; Nº ficha: 8). Esse raciocínio é ratificado por outra sentença: Está positivada, assim, a culpa, na forma de negligência, do comandante da aeronave, do que emerge a responsabilidade da transportadora. (Data do julgamento: 29/11/84; Nº distribuição: 8185; Apelação Cível; TA – RJ; Autor: XXX; Relator: Celso Guedes; N ° ficha: 158). Além da empresa de táxi aéreo, uma das teses seria buscar a indenização da União. Para isso seria necessário, primeiramente, provar a culpa dos controladores. Comprovada a responsabilidade jurídica na esfera penal dos controladores, ter-se-ia automaticamente a responsabilidade civil da União, pois a condenação na esfera penal torna título executivo na esfera civil. Isso já se verificou em nossos tribunais, conforme podemos conferir na seguinte sentença: Provado o nexo de causalidade entre o acidente aéreo que deu ensejo à perda da carga transportada e a conduta do servidor público encarregado do controle de tráfego aéreo, deve a União Federal responder pelos danos causados ao proprietário da carga. (Data do julgamento: 10/09/90; N° distribuição; 8901234361; Apelação Cível; TRF – MG; Autor XX Réu YY Relator: Vicente Leal; N° ficha: 440). Conforme iremos ver a partir de agora, para que a União fosse realmente obrigada a indenizar, deveria ter sido provada a culpa dos controladores. Comecemos pela Constituição Federal Brasileira: Art. 37. § 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviçospúblicos responderão pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo e culpa. (Grifo nosso) Observamos, pelo dispositivo constitucional, que a União pode ser acionada para fins de indenização desde que comprovada a culpa de seus agentes. E nesse caso pode exercer o direito de regresso contra seus agentes e reaver o que indenizou. Nesse particular, pela importância que o tema apresenta, lançamos mão de magnífica explanação do ilustre jurista Hely Lopes Meirelles, em sua obra Direito Administrativo Brasileiro, 27ª ed., São Paulo, Malheiros, p.620: Advirta-se, contudo, que a teoria do risco administrativo, embora dispense prova da culpa da Administração, permite que o Poder Público demonstre a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Isto porque o risco administrativo não se confunde com o risco integral. O risco administrativo não significa que a Administração deva indenizar sempre e em qualquer caso o dano suportado pelo particular; significa, apenas e tão somente, que a vítima fica dispensada da prova da culpa da Administração, mas esta poderá demonstrar a culpa total ou parcial do lesado no evento danoso, caso em que a Fazenda Pública se eximirá integral ou parcialmente da indenização. (Grifo nosso) Do exposto podemos concluir com segurança que no caso Mamonas Assassinas, não há como cogitar responsabilidade dos órgãos de controle, pois houve culpa exclusiva da vítima, da tripulação, que à luz da interpretação correta das regras de tráfego aéreo contribuiu isoladamente para o acidente. Não poderíamos deixar de citar aqui o eminente administrativista CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO. (Curso de Direito Administrativo, 13ª ed., São Paulo, Malheiros, p.829). São estas as suas palavras: Nos casos de responsabilidade objetiva, o Estado só se eximirá de responder se faltar o nexo entre o seu comportamento comissivo e o dano. Isto é: exime-se apenas se não produziu a lesão que lhe é imputada ou se a situação de risco inculcada a ele inexistiu ou foi sem relevo decisivo para a eclosão do dano. Aplicando a tese do eminente jurista ao caso estudado, afirmamos que esse acidente não foi produzido, não foi provocado pelos controladores de tráfego aéreo. Foi conduta exclusiva da tripulação. Não houve nexo causal entre o comportamento dos controladores e o dano, não implicando responsabilidade civil da União nem dos controladores de tráfego aéreo. Não poderíamos deixar de incluir o que relata o renomado professor Celso Spitzcovsky quando faz comentários de jurisprudências mencionadas em sua nobre obra Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Paloma, p. 229: Outrossim, uma vez mais, admite o afastamento ou a mitigação da responsabilidade do Estado na hipótese de consolidação das hipóteses de caso fortuito, força maior ou culpa da vítima. (Grifo nosso) Em termos de jurisprudência podemos também citar: O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior – ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/59). (Grifo nosso) É exatamente nesse ponto aqui que se fundamenta toda esta explanação, pois não houve, em hipótese alguma, nexo causal entre a conduta dos controladores e o resultado provocado. Ou seja, em nenhum momento o controlador de tráfego aéreo instruiu a aeronave a girar à esquerda. Que se frise bem, foi atitude voluntária e incorreta da tripulação. Não houve sequer omissão dos controladores de tráfego aéreo, pois insistentemente alertaram a aeronave da necessidade de estar em condições visuais para separar-se dos obstáculos, o que foi confirmado pela aeronave. Pode ser que uma infração de tráfego aéreo, que é uma Infração Administrativa, se resuma apenas a essa esfera. No entanto, pode ser também que, além de cometer infração na órbita administrativa, o agente provoque acidente ou incidente, havendo responsabilização no campo penal e, dependendo do caso, também reflexo na esfera civil, ensejando reparação pecuniária e indenização civil. Para intrigar mais ainda o nobre leitor sobre este tema, apresentaremos um trecho de um processo judicial seguido da explicação que, com certeza, vai causar surpresa. Na realidade, o causador do dano não precisa, necessariamente, sobreviver para responder pela indenização do prejuízo causado. Para balizar esse entendimento, apresentamos uma sentença que provocou grande desconforto entre muitos aeronautas. A ação judicial baseou-se no espólio do comandante. Alvo de discussão nessa sentença foi a possibilidade de o espólio responder pelo resultado causado. O espólio, do latim spollium, é o conjunto de bens que integra o patrimônio deixado pelo de cujos – pessoa falecida – e que serão partilhados, no inventário, entre os herdeiros ou legatários. Nesse caso, foi cogitada a possibilidade de o espólio do causador do dano – piloto – ser utilizado para indenização devida no acidente aeronáutico. Caso o causador do dano tenha bens, estes podem ser objeto de discussão jurídica para fins de reparação civil. Nessa questão, o objeto de discussão eram os bens da tripulação que já havia morrido. Ou seja, os responsáveis pelo prejuízo – pilotos – morreram no acidente, mas, mesmo assim, questionou-se se seus bens poderiam garantir o dano causado. Vejamos trecho da sentença judicial. Responsabilidade civil. Acidente Aéreo. Ação contra o espólio do comandante e do piloto da aeronave acidentada fundada no Direito Comum. Responsabilidade subjetiva – “A culpa não pode se presumir, deve ser provada. E o simples fato de se delegar funções a quem tem a competência e a habilitação necessárias para exercê-las não pode atrair presunção de culpa, pois aí estar-se-ia na verdade responsabilizando objetivamente, o que é vedado quando a pretensão indenizatória é deduzida contra o piloto ou comandante, e não contra a empresa exploradora da aeronave. E, se não há prova de culpa, não há que se falar em indenização”. (TJMG – 8° C. Cível – Ap. 416.603-6 – Rel. Sebastião Pereira d Souza – j. 14.11.2003 – DOE 27.11.2003). Pelo exposto, podemos verificar que, na ação judicial, não se pôde provar a culpa do comandante. Dessa forma, não se pode prosperar a ação contra o espólio do comandante. Caso se verificasse a culpa, pela ação proposta, o espólio do comandante responderia pelos prejuízos causados. Fato interessante ocorre quando há uma sentença penal condenatória transitada em julgado, ou seja, condenação contra a qual não cabe mais recurso. Pela análise do art. 935 do Código Civil Brasileiro, observamos que a responsabilidade civil é independente da criminal. Mas essa independência não é absoluta, posto que, decidido no juízo penal a existência do crime e seu autor, sobre tal fato não mais caiba discussão. Vejamos o seguinte aresto: Um dos efeitos da condenação é tornar certa a obrigação de indenizar. A responsabilidade civil é independente da criminal; não se poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato quando esta já se acha decidida no crime. (TJSC – 3ª C. – Ap.-Rel. Ayres Gama – j. 22.9.75-RT 513/205) Há também sentenças judiciais nesse sentido,conforme observamos nos dois seguintes exemplos: A responsabilidade civil é independente da criminal: não poderá, porém, questionar mais sobre a existência do fato quando esta já se acha decidida no crime. (TJSC – 3 C. – Ap – Rel. Ayres Gama – J. 22.09.75 – RT 513/265) A sentença penal condenatória faz coisa julgada no tocante à obrigação do réu de indenizar os danos suportados pela vítima. Resulta, implicitamente, condenação civil, ficando, portanto, prejudicado o julgamento da lide, uma vez que a sentença penal já dirimiu definitivamente, cumprindo ao lesado promover a execução forçada, precedida de liquidação dos danos. (1º TACSP – 7 C. – AP. Rel. Vasconcellos Pereira – j. 15.0.3.88.- RT 629/140) Assim, se na esfera penal houve a comprovação do ato ilícito, não mais haverá necessidade nem interesse em colocar a matéria em discussão novamente na esfera civil, pois, se o fato constitui infração penal, também figurará como ilícito civil. Resta, portanto, saber se houve dano e qual será o seu valor. Já houve casos em que se buscou provar, na esfera penal, a responsabilidade do piloto para em seguida executar a reparação devida na esfera civil. É prática comum buscar a responsabilidade penal dos pilotos ou controladores para, em seguida, executar a empresa aérea ou entidade responsável pela prestação do serviço de tráfego aéreo, para fins de reparação civil. Caminho da indenização Conforme pudemos verificar, a indenização é um interesse marcante em caso de acidente aeronáutico. Mas identificar quem é o verdadeiro culpado e quem deve indenizar é mais interessante ainda e requer muita perícia dos doutos juristas que abraçam a causa. Ainda que haja empresa seguradora, esta pode mover ação contra aquele quem foi o responsável direto pela produção do resultado. Em se tratando de acidente aeronáutico envolvendo especialmente o serviço de tráfego aéreo, o assunto se torna alvo de profundas discussões e, para se chegar ao verdadeiro culpado e responsável pela indenização, percorre-se um difícil caminho transitando pelas regras de tráfego aéreo e demais regulamentações do aeronauta. Ou seja, conforme pudemos verificar, se for comprovado que um agente cometeu um crime com sentença penal condenatória transitada em julgado, ele tem o dever de indenizar. Então concluímos que um dos caminhos para se buscar a indenização é provar que determinado agente cometeu um crime. Mas para isso é necessário comprovar que esse agente cometeu infração de tráfego aéreo e demais regulamentações do aeronauta e que está em íntima ligação na linha de desdobramento dos fatos. Daí a necessidade de se fazer uma profunda análise e interpretação das normas regulamentares para definir este trajeto: INFRAÇÃO -> CRIME -> INDENIZAÇÃO Reparação de dano e caso voo 1907 x Legacy Ocorreu em setembro de 2006 o acidente envolvendo um Boeing de empresa regular brasileira e uma aeronave do tipo Legacy de uma empresa de táxi aéreo americana. Houve uma colisão entre as duas aeronaves ao sobrevoarem território brasileiro na selva amazônica, resultando na morte de todos os ocupantes do Boeing. A aeronave americana realizou um pouso de emergência na base aérea do Cachimbo, preservando a vida de todos os ocupantes. Na denúncia, o Ministério Público Federal requereu que os acusados fossem condenados como incursos no delito do art. 261 do Código Penal. Requereu também que o juiz fixasse o valor mínimo para reparação dos acusados pela infração fundamentada no artigo 387, IV, do Código de Processo Penal: “O juiz, ao proferir sentença condenatória, fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos pelo ofendido.” Mas, por questões processuais, o juiz deixou de fixar o valor para reparação do dano causado pelos acusados desse acidente. Órgãos de controle e sua jurisdição Por que a aeronave se acidentou na área de jurisdição da torre de controle (TWR), se estava em comunicação bilateral com o controle de aproximação (APP)? A interpretação desse cenário poderia implicar responsabilidade para os operadores dos órgãos de controle se não bem explicado, pois, em princípio, cada aeronave deve ser controlada e manter contato bilateral com o órgão responsável por prover o controle em seu respectivo espaço aéreo, isto é, em sua área de jurisdição. No caso em tela, a aeronave estava voando na área de jurisdição da torre de controle, no entanto estava se comunicando com o controle de aproximação. Quem errou: a torre de controle, que transferiu a comunicação da aeronave para o controle de aproximação quando ainda estava em sua área de jurisdição, ou o controle que se comunicou com a aeronave fora de sua área de jurisdição? Faz-se necessário passar em revista nos órgãos envolvidos e suas respectivas áreas de jurisdição. Área de jurisdição da Torre (TWR): Torre de Controle de Aeródromo é o órgão responsável para controlar o tráfego aéreo no respectivo aeródromo e em suas proximidades, compreendendo as aeronaves pousando e decolando; aeronaves no circuito de tráfego do aeródromo e demais aeronaves e veículos operando no solo na área de manobras. Área de jurisdição do Controle de Aproximação (APP): É o órgão estabelecido para prestar serviço de controle de tráfego aéreo aos voos controlados que cheguem ou saiam de um ou mais aeródromos, controlando as aeronaves, em procedimento de subida, antes de atingirem o nível de cruzeiro e aerovias. Controla também as aeronaves que abandonam as aerovias e que realizam procedimento de descida antes de atingirem a área de jurisdição da torre de controle. Quando a aeronave arremeteu em curva à esquerda, realizou um procedimento incorreto, tornando confusos todos os conceitos de jurisdição e regras de tráfego aéreo. A aeronave efetuou arremetida visual em um procedimento por instrumentos, desobedecendo também aos procedimentos do circuito de tráfego local. Com a finalidade de sanar o problema criado pela aeronave e enquadrá- la no circuito de tráfego, a torre orientou a aeronave para informar ingressando na perna do vento no setor Sul. O entendimento da torre era que a aeronave realizasse uma curva de 270 graus, corrigisse o erro de ter ingressado na suposta perna do vento no setor norte e ingressasse no correto circuito no setor sul do aeródromo conforme figura a seguir. No entanto o copiloto que executava a comunicação apresentou deficiência na fraseologia e não conseguiu entender a manobra instruída pela torre, e a aeronave continuou no setor norte do aeródromo. Como a aeronave permaneceu no setor proibido, apresentando perigo para as aeronaves que estavam na aproximação final, a torre a instruiu que contatasse o controle de aproximação. Por outro lado, o APP, ao contatar a aeronave, esperava que tivesse arremetendo conforme instrução da carta de aproximação. Mas até entender onde a aeronave estava e que tipo de manobras estava realizando, utilizou curto, mas precioso tempo. Tarde demais! Devido à alta velocidade utilizada, expandiu-se o raio de curva descrito pela aeronave, afastando-a lateralmente da pista, aproximando-a das elevações no setor norte, vindo a acidentar-se. Infrações administrativas Seguem algumas infrações administrativas e o respectivo enquadramento do artigo 302 do Código Brasileiro de Aeronáutica: Desobediência às normas de tráfego aéreo: A aeronave ingressou na perna do vento semter recebido autorização prévia dos órgãos de controle e sem ter recebido autorização para mudança de regras de tráfego aéreo – de IFR para VFR. I - infrações referentes ao uso das aeronaves: g) utilizar ou empregar aeronave com inobservância das normas de tráfego aéreo, emanadas da autoridade aeronáutica. II - infrações imputáveis a aeronautas e aeroviários ou operadores de aeronaves: i) desobedecer aos regulamentos e normas de tráfego aéreo. Descumprimento da jornada de trabalho: II - infrações imputáveis a aeronautas e aeroviários ou operadores de aeronaves: j) inobservar os preceitos da regulamentação sobre o exercício da profissão. p) exceder, fora dos casos previstos em lei, os limites de horas de trabalho ou de voo. III - infrações imputáveis à concessionária ou permissionária de serviços aéreos: o) infringir as normas que disciplinam o exercício da profissão de aeronauta ou de aeroviário. O copiloto não possuía contrato de trabalho com a empresa de táxi aéreo: II - infrações imputáveis a aeronautas e aeroviários ou operadores de aeronaves: e) participar da composição de tripulação em desacordo com o que estabelece este Código e suas regulamentações. III - infrações imputáveis à concessionária ou permissionária de serviços aéreos: o) infringir as normas que disciplinam o exercício da profissão de aeronauta ou de aeroviário. Observações sobre este tema: RBAC 135, no item 135.242 da subparte "E", estabelece contrato de trabalho entre operador e tripulantes, conforme a legislação trabalhista vigente. (e) Nenhum detentor de certificado pode conduzir operações segundo este regulamento, a menos que cumpra, em relação às tripulações de suas aeronaves, o disposto na Lei 7183, de 05 de abril de 1984, que regula o exercício da profissão de aeronauta, e na Lei 7565, de 19 de dezembro de 1986, que dispõe sobre o Código Brasileiro de Aeronáutica. Art. 2º da Lei 7.183-84 (Lei do Aeronauta): Aeronauta é o profissional habilitado pelo Ministério da Aeronáutica, que exerce atividade a bordo de aeronave civil nacional, mediante contrato de trabalho. (Grifo nosso) Outra infração cometida e que afetou a tripulação é a desobediência ao repouso estipulado na Lei 7.183/84, no que tange ao repouso necessário da tripulação, quando a jornada de trabalho sofrer uma parada intermediária superior a quatro horas, tendo em vista a dificuldade para se comprovar o cumprimento do citado preceito. Infração administrativa e responsabilidade jurídica O fato de a tripulação ter cometido algumas infrações administrativas pode torná-la diretamente responsável juridicamente pelo acidente? Uma pergunta muito frequente em minhas aulas e palestras está ligada à regulamentação. Ou seja, o fato de o piloto ter ultrapassado a jornada de trabalho prevista na lei 7.183 poderia tornar os responsáveis pela operação desse voo também responsáveis juridicamente pelo acidente? Antes de responder a esta pergunta, precisamos enfatizar que a metodologia de uma investigação judicial para fins punitivos difere da metodologia da investigação técnica para fins de prevenção. A investigação judicial passa por profundo estudo de técnicas de investigação, valendo-se de importantes matérias de direito, tais como nexo causal, teoria da conduta, teoria da equivalência dos antecedentes, causas, causas supervenientes, causas penalmente relevantes, causas penalmente irrelevantes, etc. Para saber se determinada conduta ou infração administrativa é ou não causa do evento, a doutrina criou o método da eliminação hipotética, segundo o qual uma ação é considerada causa do resultado se, suprimida mentalmente do contexto fático, esse mesmo resultado tivesse deixado de ocorrer (nas circunstâncias em que ocorreu). Por outro lado, a investigação técnica trabalha com fatores contribuintes, que, dependendo do contexto investigativo judicial, em nada determina o acidente. Valendo-se da metodologia científica na apuração de responsabilidade jurídica aplicada em uma investigação judicial, um fator contribuinte pode ser penalmente irrelevante. O copiloto e também os profissionais da empresa aérea cometeram uma infração por desobedecer à regra que estabelece a relação empregatícia com a empresa de táxi aéreo mediante contrato de trabalho. Essa infração, por si só, não tem nada a ver com a relação de causa e efeito – nexo causal – com o acidente, se o copiloto tinha válidos o certificado de capacidade física e a habilitação técnica para pilotar a aeronave do tipo LR 25. O Direito Penal Brasileiro não admite a Responsabilidade Objetiva nem a Culpa Presumida. Isto é, mesmo que o agente tenha cometido uma infração, somente será responsável pelo resultado se ficar comprovado que tal conduta está na linha dos desdobramentos dos fatos, dando causa ao resultado. Não há nenhum impedimento legal para que dados de uma investigação técnica possam ser usados em uma investigação judicial. Nem mesmo o anexo 13 prevê tal restrição. No entanto, há de se ter muita cautela, pois um fator contribuinte mencionado na investigação técnica pode ter uma interpretação totalmente diferenciada, e pouco ou nenhum valor para uma investigação judicial. O que preside uma investigação judicial, caso se valha de uma investigação técnica, precisa sopesar os valores das provas ali produzidas, compensando as devidas diferenças. O exemplo dado aqui é simples e de fácil assimilação, contudo há determinadas situações em acidentes aeronáuticos muito complexas envolvendo fraseologia de tráfego aéreo, navegação aérea, meteorologia e outras circunstâncias que tornam muito difícil a mensuração do tema proposto. Por outro lado, a infração relacionada à jornada de trabalho, além de ser um fator contribuinte, é também uma causa penalmente relevante, sendo responsáveis todos os que contribuíram para essa infração. Ao analisar o acidente, verificamos que a jornada cumprida pela tribulação contraria o disposto no artigo 29 da Lei do Aeronauta. Dessa forma constata-se também uma infração ao artigo do Código Brasileiro de Aeronáutica. A tripulação esteve submetida a uma jornada de trabalho de dezesseis horas e trinta minutos, fato que, certamente, afetou a performance durante o voo, reduzindo sua capacidade de atenção. As dificuldades em estabilizar a aeronave na aproximação final verificadas no desempenho dos tripulantes ratificam o cansaço resultante da longa jornada, sem repouso, levando-os a um comportamento típico de fadiga física. Temos um exemplo de um fator contribuinte - infração administrativa - de relevância penal, devendo responder pelo resultado todos que contribuíram pra a realização dessa conduta. Especulações Normalmente os acidentes aeronáuticos impactam toda sociedade e estão sujeitos a apreciação de vários canais de comunicação, resultando em muitas especulações. “Especialistas” se apresentam e cada um deles tem sua tese para o acidente. É verdade que o piloto era inexperiente e não estava devidamente preparado para comandar um LR 25? Para chegarmos a essa conclusão e nos valendo de uma estrita metodologia científica aplicada a uma investigação judicial, tomaríamos o depoimento do piloto instrutor responsável pela instrução dos pilotos; depoimento do piloto checador da tripulação; estudo minucioso do prontuário e fichas de instrução; apreciação do formulário do pedido da avaliação dos pilotos, depoimento do diretor da empresa de táxi aéreo responsável pela segurança de voo e programade treinamento dos pilotos. Com todos esses elementos e uma análise de uma investigação judicial, chegaríamos a uma conclusão precisa sobre o tema. Conforme resumo do relatório final, a empresa não apresentou um programa de treinamento desobedecendo ao RBHA 135. Item 135.43. O piloto não arremeteu conforme o previsto na carta de aproximação porque não tinha combustível suficiente para tal manobra? Dependendo das circunstâncias e do tráfego do momento, uma arremetida padrão poderia ter levado um tempo estimado que varia de 20 a 30 minutos até que a aeronave se encaixasse novamente na aproximação final. O fato de a aeronave não ter explodido no momento da colisão é um indício de que estava com pouco combustível. No entanto o piloto não declarou, em momento algum, que estava com pouco combustível. A aeronave, ao colidir com o terreno não explodiu. Não explodiu porque não havia quantidade de combustível que permitisse a explosão? Estaria a aeronave em condições de escassez de combustível? Em caso afirmativo, teria curvado à esquerda para evitar o procedimento de arremetida que a levaria a percorrer um percurso de aproximadamente vinte minutos? Tudo isso é especulação, mas, se tais perguntas se confirmassem, o piloto poderia ter declarado emergência e teria recebido assistência especial dos órgãos de controle conforme regulamenta a ICA 100-12: 9.15.2 Uma prioridade especial deverá ser dada: a) a uma aeronave que se veja obrigada a pousar devido a causas que afetem a sua segurança (falha de motor, escassez de combustível etc.). (Grifo nosso) Havia componente da banda na cabine de comando no momento do acidente? Caso isso tenha acontecido, o piloto teria cometido infração do artigo 302 do CBA: II - infrações imputáveis a aeronautas e aeroviários ou operadores de aeronaves: n) infringir as normas e regulamentos que afetem a disciplina a bordo de aeronave ou a segurança de voo. O resumo do relatório final da investigação da técnica não mencionou isso. Contudo, vídeos amplamente divulgados pela mídia comprovam que membros da banda já estiveram na cabine de comando em momentos cruciais do voo, tais como decolagem e pouso. O piloto arremeteu com curva a esquerda para sobrevoar casas de parentes da banda? Devido ao horário da ocorrência – período noturno – e outras circunstâncias, acreditamos ser inverossímil essa afirmação. O estudo deste caso não se esgota com este livro. Outros aspectos são estudados em nosso curso de Investigação Jurídica de Acidentes Aeronáuticos. Caso reaberto Em 2013 esse caso foi reaberto pela justiça brasileira para fins de apurar a responsabilidade civil. Não havendo nexo causal entre a conduta dos controladores e o acidente, surge um enigma a ser desvendado: quem e quanto se pagará por este acidente? Desejamos bom trabalho aos juízes, advogados e peritos nesta árdua tarefa. 32 Declaração de Cap. Lindsay Fenwick no Air Line Pilot - February 2007. 33 ICA – Instrução do Comando da Aeronáutica – Regras do Ar e Serviços de Tráfego Aéreo. 34 IAC – Instrument Approach Chart – Carta de Aproximação por Instrumento. 35 RBHA (Regulamento Brasileiro de Homologação Aeronáutica), atualmente RBAC - Regulamentos Brasileiros da Aviação Civil. 36 Na época do acidente IMA – Instrução do Ministério da Aeronáutica. 37 Acidente ocorrido em 1990, em Nova York, quando uma aeronave do tipo B 707 de uma empresa aérea colombiana, caiu nos arredores do aeroporto por falta de combustível. Uma das causas do acidente foi o fato da tripulação não ter conseguido explicar a situação de emergência para os órgãos de controle, porque não dominavam o idioma inglês. 8 CONFLITO ENTRE INVESTIGAÇÃO TÉCNICA E INVESTIGAÇÃO JUDICIAL Para entendermos o conflito entre Investigação Técnica e Investigação Judicial ao redor do mundo, consideremos alguns casos de notória aplicação. Um dos conflitos mais interessantes ocorreu quando as gravações de áudio de um avião que se acidentou nas ilhas dos Açores – Santa Maria, Portugal - foram enviadas para um tribunal italiano para fins de responsabilização judicial. Gravações e demais dados coletados em uma investigação técnica podem ser utilizados para fins de apuração de culpabilidade jurídica? Um país pode enviar esses dados a outro país para fins de responsabilidade judicial? Como fica, nesse caso, o item 5.12 do anexo 13, que muitos interpretam como sendo uma proteção aos dados de gravações de cabine e demais informações colhidas após um acidente aeronáutico? Em 1994, o Conselho da União Europeia adotou a Diretiva 94-56-CE, tomando como referência o Anexo 13, e estipulou a criação de entidades de prevenção e investigação de acidentes. A principal finalidade dessa Diretiva e semelhança com os objetivos do Anexo 13 é a ratificação da finalidade de uma investigação com fins de prevenção, o que deixa bem claro o fim único a que se destinava o material recolhido no âmbito das investigações dessas entidades. Uma análise superficial deste dispositivo poderia levar ao entendimento de que as informações e gravações de cabine não poderiam ser utilizadas em uma investigação judicial. Ledo engano! Numa interpretação mais precisa do caput do item 5.12, percebemos algo interessante. 5.12 The State conducting the investigation of an accident or incident shall not make the following records available for purpose other than accident or incident investigation, unless the appropriate authority for administration of justice in that State determines that their disclosure outweighs the adverse domestic and international impact such action may have on that or any future investigation. A expressão “unless the appropriate authority for administration of justice in that State determines…” determina que cabe à justiça de cada país decidir se as informações podem ou não ser utilizadas para outros fins diferentes da investigação técnica. Ou seja, se um Estado considerar que informações recolhidas em uma investigação técnica podem ser utilizadas em uma investigação judicial, estará totalmente amparado pelo próprio Anexo 13. A interpretação de que as informações não devam ser utilizadas não se coaduna com a melhor hermenêutica interpretação jurídica. Para que não houvesse nenhum tipo de dúvida e para que se justificasse a remessa do material coletado no acidente ao tribunal italiano, em 1999 o Estado português transpôs a Diretiva 94-56-CE. Foi elaborado um parecer da Procuradoria Geral, no qual se fez constar a possibilidade de todo material recolhido pela entidade responsável pela investigação técnica, ser requisitado por qualquer entidade judiciária considerada competente na prossecução de processos criminais e outros. E ainda que pudesse surgir algum tipo de dúvidas, o Estado português foi mais longe e, para sanar de vez qualquer conflito, em 2002 Portugal notificou a ICAO sobre a diferença nacional em relação ao preconizado por aquela instituição, e em 2003 Portugal se torna mais um país a não dar garantia de confidencialidade sobre áudio efetuado na cabine e demais informações colhidas na investigação técnica. O artigo 38 da Convenção de Chicago estipula que qualquer Estado contratante pode notificar as incompatibilidades entre normas dos Anexos e a legislação nacional, fazendo assim publicar em suplemento dos Anexos. Interessante ressaltar que o Estado português não havia realizado a notificação quando o tribunal de Bérgamo solicitou as transcrições das gravações feitas pelosequipamentos CVR (Cockpit Voice Recorder), quando do acidente com a aeronave N7231T ocorrido em Santa Maria, Açores (1989). Para balizar sua decisão, sem antes ter notificado as diferenças à ICAO, Portugal se baseou no seguinte parecer da Procuradoria Geral da República: “1ª – O direito de ser informado, inscrito no artigo 37º da Constituição, pressupõe o acesso a elementos de informação em poder da Administração Pública. 2ª – Todavia, o direito de acesso a elementos de informação em poder da Administração Pública tem de ser conjugado, segundo critérios de proporcionalidade, com a preservação de outros valores e interesses legítimos, de natureza pública ou privada. 3ª – O ponto 5.12 do Anexo 13 à Convenção de Chicago de 1944 – que fixa regras quanto à investigação de acidentes aeronáuticos – dispondo de alguns elementos necessários ao inquérito, designadamente o registro das comunicações de voo, vulgarmente designados por caixas negras, possam não ser divulgados quanto tal divulgação possa comprometer a eficácia da investigação, apenas limita a divulgação no decurso do inquérito, sendo tais elementos, enquanto relevantes para a análise do acidente, incluídos no relatório final, que deve ser publicado. 4ª – Os elementos referidos no ponto 5.12 do Anexo 13 à Convenção de Chicago de 1944 podem igualmente constituir material probatório relevante para o inquérito organizado nos termos do Código de Processo Penal. 5ª – No entanto, o âmbito de incidência do ponto 5.12 do referido Anexo 13 não tem a ver com o inquérito em processo penal nem aí se pretende prevenir o conhecimento que deve ser dado à autoridade judiciária dos elementos relevantes para tal inquérito que estejam na posse da Administração. 6ª – A limitação constante do ponto 5.12 do Anexo 13 pretende realizar um interesse público relevante (a eficácia da investigação sobre as causas de um acidente aeronáutico) e revela-se proporcionada, não afectando o direito inscrito 37.º da Constituição”. Esse parecer fundamentou uma decisão importantíssima no seio da comunidade jurídica internacional, com repercussão, também, na comunidade aeronáutica internacional, e requer profunda análise e introspecção, pois é o entendimento majoritário. O entendimento reside na explicação dos seguintes pontos do parecer: O primeiro item do parecer fez menção ao Artigo 37 da Constituição e isso nos faz entender que o Anexo 13 e a própria Convenção de Chicago não são, por si só, superiores às leis dos Estados. No caso de Portugal e em outros países, o Anexo 13 está abaixo da Constituição, devendo, entretanto, ser interpretado à luz das leis internas e Constituições. Dizer que um país deverá atender ao que diz o Anexo 13 ou qualquer outro tratado pode ser um equívoco jurídico indesejável. Há de se perquirir qual é a posição dos tratados e Anexos dentro da hierarquia das leis de determinado Estado. Quando a comunidade aeronáutica criticou Portugal por ter enviado informações de uma investigação técnica a um tribunal italiano, criticou de forma indevida e equivocada, pois esse posicionamento jurídico de Portugal foi totalmente legítimo frente à hermenêutica jurídica internacional prevalente na maioria dos países. O parecer citou o princípio da proporcionalidade com a preservação de outros valores e interesses legítimos de natureza pública ou privada. Portugal entendeu, e muitos países também entendem, que há interesses públicos mais interessantes a serem preservados com a divulgação das informações colhidas em investigação técnica. A restrição desses dados estaria colaborando com a restrição do direito público, princípio do contraditório e ampla defesa. O item 3 do parecer enfatiza o entendimento internacional de que o ponto 5.12 do Anexo 13 não impede que os dados colhidos em investigação técnica sejam utilizados em investigação judicial e enfatiza, nos itens 4 e 5, que esses dados podem ser utilizados em inquérito de acordo com o que prescreve o Código de Processo Penal. E também ressalta que o item 5.12 não tem legitimidade alguma quanto aos aspectos penais, autorizando, portanto, a utilização dos dados de uma investigação técnica pelas autoridades judiciárias. E por fim ressalta, no item 6, que a supremacia da Constituição de Portugal deva ser priorizada, em detrimento do Anexo 13, priorizando o interesse público. Tomamos esse parecer de Portugal como exemplo, pois expressa o pensamento dominante internacional sobre o assunto. Quando profissionais da comunidade aeronáutica, geralmente leigos em ciências jurídicas, assinalam que o Anexo 13 deve impedir que haja uma investigação judicial com finalidade de apuração de responsabilidade jurídica, contrapõem-se à corrente doutrinária majoritária. Muitos profissionais da aviação alegam que o procedimento adotado pelas autoridades de Portugal não teria mais cabimento atualmente em face do item 5.12 do Anexo 13 (Non-disclosure of records). Ledo engano! A restrição quanto à revelação, divulgação e distribuição de dados coletados durante a investigação técnica, segundo 5.12 do Anexo 13, não é absoluta. Essa relativa proteção visa evitar o mau uso dos dados. O próprio item 5.12 prevê a utilização desses dados e confia essa decisão ao poder judiciário de cada país: “The disclosure of safety information may be allowed when ‘the appropriate authority for the administration of justice in that State determines that the disclosure outweighs the adverse domestic and international impact such action may have on that or any future investigation38.” O Anexo 13 estabeleceu um poder discricionário à Justiça de cada país quanto à decisão final da liberação dos dados coletados na Investigação Técnica: “Unless the appropriate authority for the administration of justice in that State determines that their disclosure outweighs the adverse domestic and international impact such action may have on that or any future investigations…” Cabe também ressaltar que, conforme veremos posteriormente, o ATTACHMENT E prevê exceção à regra que protege os dados coletados em uma Investigação Técnica. Um caso interessante ocorreu quando determinada associação internacional de pilotos criticou o governo do Japão por ter processado um piloto que se envolveu em incidente aéreo naquele país. O Tribunal Distrital de Nagoya processou o comandante de um avião em relação aos acontecimentos do dia oito de junho de 1997, quando uma falha técnica com o piloto automático levou a aeronave a acelerações verticais violentas, tendo provocado ferimentos em alguns tripulantes e a morte subsequente de uma comissária de bordo. Essa associação afirmou que o Japão estava agindo em desacordo com que estipula o Anexo 13. Pior ainda, alegou qua a acusação era ilegítima, pois não se tratava de conduta intencional do piloto nem de negligência grosseira. Ao citar a expressão negligência grosseira, a associação provou percorrer terreno desconhecido referindo expressão que não se enquadra no ordenamento jurídico de qualquer país na apuração de responsabilidade penal. Quando citou que a acusação penal promovida pelo Japão não se enquadrava nos padrões internacionais de investigação de acidente, cometeu outro vexatório equívoco, pois, conforme explicado anteriormente, os padrões de investigação técnica estipulados pela OACI nem sempre são seguidos como prioridades em muitos países. E, para completar, o Japão está entre os países que comunicaram a OACIsobre a não aceitação dos padrões estipulados no item 5.12 do Anexo 13. Em 2004 o Tribunal de Nagoya inocentou o comandante. Durante o processo penal, valendo-se de critérios puramente técnicos e jurídicos aplicados à ciência jurídica, ressaltando a teoria da conduta e enfatizando o nexo causal, entendeu o tribunal japonês que o piloto não agiu nem com culpa nem com dolo, tornando atípica sua conduta, e o absolveu. A fundamentação da sentença absolutória foi baseada em termos técnicos jurídicos previstos no ordenamento jurídico e reconhecidos internacionalmente, bem diferente das fundamentações dos profissionais da comunidade aeronáutica que foram desprovidas de quaisquer conhecimentos técnico-jurídico legítimo. Prioridades das investigações: Técnica ou Judicial? A regra é paridade, ou seja, os dois tipos de investigação correndo paralelamente. Mas há muitas discussões sobre qual delas terá prioridade em caso de incidentes e acidentes aeronáuticos. Vale ressaltar que o Anexo 13 não impede a investigação judicial, e o item 5.4.1 prevê que ambas corram concomitantemente. 5.4.1 Recommendation.— Any judicial or administrative proceedings to apportion blame or liability should be separate from any investigation conducted under the provisions of this Annex. Mas uma das questões mais polêmicas ainda repousa sobre a prioridade das investigações. Houve um caso extremamente polêmico na França que resultou na inversão dessas prioridades. Na França a prioridade sempre foi da investigação técnica, mas houve um acidente ocorrido em 1988, conhecido como voo 296. Era uma aeronave do tipo A320-111 operado pela Air France. No dia 26 de junho estava sobrevoando o aeroporto Mulhouse-Habsheim como parte de um show aéreo. O voo deveria ser realizado a baixa velocidade e com trem de pouso baixado quando o avião desceu lentamente a 30 pés e bateu nas copas das árvores além da pista. Três passageiros morreram. Esse foi o primeiro acidente de um Airbus A320. O comandante da aeronave, copiloto e dois funcionários da Air France e o presidente do aeroclube que patrocinava o show aéreo foram acusados por homicídio culposo. Todos foram considerados culpados. Quando as autoridades judiciais solicitaram as informações colhidas durante a investigação técnica, o inesperado aconteceu: os peritos judiciais foram colher os dados das gravações da cabine e constatou-se que faltava um trecho da gravação de alguns segundos que antecederam ao acidente. De uma forma intrigante e inexplicável, a parte das gravações mais importante para se apurar o nexo causal e consequentemente a responsabilidade jurídica do acidente estava faltando. Estava, simplesmente, desgravada. É por essas e muitas outras razões que a comunidade aeronáutica tem perdido a credibilidade, confiança e legitimidade frente à comunidade jurídica internacional e até mesmo perante a sociedade, resultando em um pensamento comum: que esses profissionais, ao agirem assim, buscam na realidade a impunidade dos profissionais da atividade aérea. Lamentável. Essa foi a última vez que a investigação técnica teve prioridade na investigação de acidente aeronáutico na França39. A partir desse acidente houve uma mudança nas prioridades das investigações em um país em que a supremacia das investigações criminais é a regra. De acordo com as leis francesas, em caso de acidentes aeronáuticos, a autoridade judicial tem a prioridade de recolher todos os dados, Flight Data Recorder (FDR) and Cockpit Voice Recorder (CVR), e depois disponibilizá-los para os investigadores técnicos para que tirem cópias, ficando os originais sempre na posse das autoridades judiciais. E mais, os técnicos somente poderão ter acesso ao local do acidente e aos destroços depois de permissão pelas autoridades judiciárias. O procedimento francês tem recebido críticas, mas não há nada de ilegal nesse método. Primeiramente porque a própria Convenção de Chicago estabelece que as ações derivadas do tratado sujeitam-se a leis de cada estado: ARTIGO 26 Investigação de acidentes No caso em que uma aeronave de um Estado Contratante sofra algum acidente em território de outro Estado Contratante, acarretando morte ou ferimentos graves, ou indicando sérios defeitos técnicos na aeronave ou nas facilidades de navegação aérea, o Estado onde tiver ocorrido o acidente procederá a um inquérito sobre as circunstâncias que provocaram o acidente, de conformidade, dentro do permissível por suas próprias leis com o procedimento que possa ser recomendado nas circunstâncias pela Organização Internacional de Aviação Civil. Será oferecida ao Estado de registro da aeronave a oportunidade de designar observadores para assistirem as investigações, e o Estado onde se esteja processando o inquérito transmitirá ao outro Estado as informações e conclusões apuradas. A parte por nós grifada tem levado ao entendimento por vários países de que as demais normas e anexos estão sujeitos às leis internas de cada Estado. Assim procedeu Portugal ao emitir o parecer fundamentando-se no Artigo 37 da Constituição e também no Código de Processo Penal de Portugal. E, para viabilizar ainda mais esse raciocínio e o procedimento francês, o item 5.12 estabelece também que as orientações nele contidas ficam sujeitas a administração da justiça local. Non-disclosure of records 5.12 The State conducting the investigation of an accident or incident shall not make the following records available for purposes other than accident or incident investigation, unless the appropriate authority for the administration of justice in that State determines that their disclosure outweighs the adverse domestic and international impact. Assim sendo, muitos países entendem que a definição dos procedimentos das investigações de um acidente aeronáutico, a metodologia, as prioridades, etc., são as leis internas de cada estado, e não o Anexo 13 e nem a Convenção de Chicago. Outro ponto a se considerar é a natureza jurídica dos Anexos. Os Anexos são normas que vinculam os Estados signatários ou são meras recomendações? Diante do exposto concernente às normas e práticas recomendadas nos Anexos à Convenção, a doutrina internacional majoritária tende a considerá-las como meras recomendações da Organização a que os Estados têm compromisso de aderir se assim o entenderem40. Esse entendimento é resultante da interpretação dada pela própria OACI a respeito das definições de normas e práticas recomendadas que foram estipuladas na 1ª sessão da Assembleia, na deliberação A-31, que foi sucessivamente substituída por outras deliberações, resultando nos seguintes conceitos: Norma: Qualquer especificação sobre características físicas, configuração, material, características, pessoal ou procedimentos, cuja aplicação uniforme seja considerada como necessária para a segurança ou regularidade da navegação aérea e à qual os Estados devem conformar- se de acordo com a Convenção; na eventualidade de impossibilidade de cumprimento, é obrigatória a notificação ao Conselho, nos termos do artigo 38. Prática Recomendada: Qualquer especificação sobre características físicas, configuração, material, características, pessoal ou procedimentos, cuja aplicação uniforme seja considerada como desejável no interesse da segurança, regularidade ou eficiência da navegaçãoaérea e à qual os Estados se esforçarão por conformar-se de acordo com a Convenção. As partes que grifamos nos fazem realçar as diferenças entre as duas definições e principalmente a interpretação dada por muitos países em decorrência dessas diferenças. Os anexos são normas e práticas recomendadas (Standards And Recommended Practices), são conhecidos por SARPS. Muitos países os consideram como apenas DESEJÁVEIS, conforme definição oficial da OACI, e não os vinculam ao ordenamento jurídico interno. Muitos países também entendem que, por serem SARPS, não apresentam a necessidade de notificar a OACI quando não aceitos internamente. Essa última conclusão tem levado muitos Estados a não aceitar os anexos nem notificar a rejeição conforme preceitua o artigo 38 da Convenção, pois entendem que essa exigência aplica-se somente às normas. Esse é o raciocínio internacional predominante, e estatísticas têm mostrado que um terço dos Estados signatários decidiram não incorporar a norma do item 5.12 nas leis internas, e metade desses Estados não notificaram a ICAO de acordo com o que prescreve o Artigo 38 da Convenção de Chicago41. Daí entendermos o porquê de Portugal ter, no primeiro momento, rejeitado as orientações do Anexo 13, fundamentando o parecer com leis internas (Constituição Federal e Lei Processual) e, em segundo momento, ter rejeitado as orientações do Anexo 13, notificando a OACI conforme Artigo 38 da Convenção. O procedimento francês de priorizar a investigação judicial resultou em grandes transtornos durante as investigações de um acidente ocorrido com o Concorde da Air France, que estava decolando de Paris no dia 25 de julho de 2000 quando um dos motores pegou fogo. A aeronave, totalmente em chamas, bateu em um hotel perto do aeroporto Charles de Gaulle. Uma peça de metal perfurou um dos pneus do Concorde, na sequencia houve a explosão dos reservatórios de combustível. As investigações provaram a relação de causa e efeito – nexo causal – entre a explosão e a peça largada por um DC-10 da Continental Airlines que havia decolado momentos antes do Concorde. Pedaços da borracha do pneu acabaram por atingir os depósitos de combustível, desencadeando o incêndio que viria a provocar a queda do aparelho e resultou na morte de todas as pessoas que estavam a bordo e de quatro outras que estavam em terra, totalizando 113 mortes. A posição rígida da França quanto à prioridade das investigações levou a um grande conflito de interesse no acidente da aeronave Concorde ocorrido em 2000. O Reino Unido, como Estado co-construtor daquele tipo de aeronave, nos termos do Anexo 13, tinha o direito de participar da investigação técnica e designou representantes junto ao BEA.42 Paralelamente à investigação conduzida pelo BEA, as entidades judiciárias francesas instauraram um inquérito. A forma como o inquérito foi conduzido revelou-se uma grande barreira à participação da AAIB43 na investigação técnica. As autoridades francesas não permitiram que os técnicos da AAIB examinassem os destroços, nem participassem dos exames periciais das peças do Concorde. Fazendo prevalecer a mentalidade francesa nas investigações, as autoridades francesas limitaram o aceso ao local do acidente e retiveram documentos fotográficos. Esse comportamento provocou indignação das autoridades inglesas, mas foi o que prevaleceu. Embora tenha provocado um desconforto entre as autoridades inglesas e francesas, a rigor, os franceses não cometeram nenhum absurdo jurídico. De modo análogo, há países que apresentam diferentes leis, procedimentos e abordagens em relação à sequência e solução de conflitos entre as investigações técnica e judicial. Austrália, Grã-Bretanha, Estados Unidos e outros países têm sistemas nos quais a investigação técnica está em primeiro lugar. Mas há um porém; há exceção nos casos em que há indícios de atividade criminal. Esse detalhe pode inverter por completo as prioridades das investigações, prevalecendo a investigação judicial. Essa inversão foi evidente no acidente TWA 800 (Trans World Airlines, voo 800). Uma aeronave do tipo Boeing 747-131 explodiu logo após ter decolado do aeroporto internacional John F. Kennedy no dia 17 de julho de 1996. Todas as 230 pessoas que estavam a bordo morreram. Houve muita especulação a respeito das causas do acidente, prevalecendo a ideia de um ato criminoso e até mesmo de um ataque terrorista. Para dirimir essas dúvidas, o FBI44 iniciou as investigações não permitindo a investigação técnica a ser realizada pelo NTSB.45 Somente após ter concluído as investigações, o FBI permitiu que o NTSB iniciasse a investigação técnica. Esse caso expressa um dos maiores conflitos de interesses que pode circundar uma investigação de acidente aeronáutico. Devido às várias teorias que rondaram esse acidente, tais como conspiração, crime, atentado terrorista, várias instituições participaram da investigação, como FAA,46 CIA,47 FBI e NTSB. A primazia da investigação técnica foi totalmente ignorada nesse episódio. Nos Estados unidos, o NTSB normalmente tem a primazia das investigações. Contudo essa prioridade foi alterada em outros casos também. A inclusão do FBI na investigação de acidente aeronáutico se dá sob a suspeita de que um acidente foi praticado por uma atividade criminosa. A presença do FBI nos acidentes Alaska 26148 e Emery 1749 reforça essa ideia e comprova que investigação técnica nem sempre terá prioridade. O Anexo 13 enfatiza a necessidade de coordenação com autoridade judicial50 e garante, também, a plena independência na condução das investigações. Que se repita: se permite a coordenação, é porque permite a investigação judicial.51 Assinalar que não possa haver investigação judicial em caso de acidentes e incidentes aeronáuticos não passa de uma falácia mal-elaborada. Outro caso notável de conflito das investigações se deu com o acidente ocorrido no dia 31 de outubro de 2.000 com um Boeing 747 da Singapore Airlines realizando o voo SQ006, partindo do aeroporto Singapore Chiang- KaiShek (CKS) em Taiwan, com destino ao aeroporto Internacional de Los Angeles, USA. Acidentou-se violentamente ao ingressar na pista incorreta para a decolagem. Sob forte chuva e ventos decorrentes de um tufão, a aeronave foi totalmente destruída após colidir com barreiras de concreto e pesadas máquinas de construção, resultando na morte de 4 tripulantes e 70 passageiros. Devido à baixa visibilidade na chuva pesada, a tripulação não viu que o equipamento de construção, incluindo duas escavadeiras, dois rolos vibratórios, uma escavadeira de pequeno porte e um compressor de ar, tinha sido estacionado na pista. A aeronave colidiu com o maquinário e quebrou em pedaços. A fuselagem foi dividida em duas partes, e os motores e trem de pouso foram separados da fuselagem. Um guindaste arrancou a asa esquerda da aeronave, forçando o avião de volta para o chão. O nariz atingiu uma escavadeira, resultando em grande incêndio. O combustível armazenado nas asas explodiu e mandou bolas de fogo pelos ares. Imediatamente após o acidente, os promotores de Taiwan retiraram o CVR da aeronave acidentada para a investigação judicial e entregaram para as autoridades aeronáuticas somente em novembro de 2000 para que estas pudessem realizar a investigação técnica de acordo com o Anexo 13 da ICAO. Logo após o acidente, os pilotos foram detidos em Taiwan e somente em dezembro foram libertadose autorizados a retornarem para Singapura. Devido a esses procedimentos judiciais voltados à criminalização, as autoridades de Taiwan foram criticadas por várias instituições de aviação e segurança de voo. Temendo um clamor da comunidade aeronáutica internacional e um incidente diplomático e econômico, o Ministro da Justiça de Taiwan consultou o Ministério de Relações Internacionais e também o Ministério de Transporte e Comunicações antes de decidir se processaria criminalmente ou não os responsáveis pelo acidente. Valendo-se de uma réplica totalmente técnica e jurídica, as autoridades chegaram a uma resposta conclusiva no sentido de que o Ministério Público tinha toda legitimidade em proceder à criminalização fundamentando-se na soberania. Dessa forma, foi aplicado o Artigo 276 do Código Penal de Taiwan, enquadrando os pilotos em homicídio culposo. A conclusão foi respaldada na soberania e aplicação das leis federais que não são revogadas pelo Anexo 13, pois este não tem legitimidade alguma para revogar as leis penais de um país, culminando com o entendimento de muitos outros países. Os procedimentos dos países citados, que fazem prevalecer as leis internas em detrimento das normas internacionais, encontram respaldo na interpretação majoritária do Artigo 26 da Convenção de Chicago com a expressão: far as its law permits. Isso mostra que muitos Estados preferem seguir os procedimentos internos estabelecidos por leis internas (Constituição Federal; Código Penal; Código de Processo Penal, etc.), ou seja, de acordo com o que suas leis internas permitem (far as its law permits). Para concluir esse entendimento, o Artigo 26 e Artigo 38 da Convenção de Chicago acabam por garantir uma grande liberdade aos Estados Contratantes no sentido de desconsiderar normas internacionais. Um caso intrigante ocorreu em determinado país quando um helicóptero se acidentou, matando o comandante da aeronave. A suspeita do acidente recaiu sobre uma peça do motor que teria sido mal instalada após a manutenção a que a aeronave havia se submetido alguns dias antes. Quando as autoridades realizaram a investigação técnica, fizeram um teste destrutivo na peça sobre a qual recaía a maior suspeita na falha da manutenção. Com a peça totalmente destruída, toda e qualquer prova foi eliminada, inviabilizando qualquer investigação judicial para fins de responsabilidade jurídica: responsabilidade civil, responsabilidade administrativa e responsabilidade penal. Isso prejudicou também os parentes das vítimas na ação indenizatória, pois ficou impossível concluir quem era o verdadeiro responsável pelo acidente: empresa operadora da aeronave, oficina que realizou a manutenção ou ainda a empresa construtora da peça. Dúvidas e perguntas permearam o comportamento das autoridades investigativas: - Por que realizaram o teste destrutivo sem participar as partes interessadas? - Não seria prudente ter chamado os interessados e autoridades judiciais para participarem desses testes? - Não deveriam ter disponibilizado a peça aos interessados antes de realizar o teste destrutivo? É por essas e outras questões que a Investigação Técnica tem perdido a confiança e credibilidade da comunidade jurídica e sociedade ao redor do mundo e nem é sempre priorizada. 38 Standard 5.12 of Annex 13. 39 Foreman ’Aviation Accidents and the French Courts’ (2005) 20 Air & Space Lawyer 1, 16. 40 Conforme, entre outros, Aleth Manin. Nota ao Parecer nº 30-90 (especialmente nota 30 – Pág. 4286-(7) da Procuradoria Geral da República, publicado no Diário da República II serei, n.º 111 de 14-5-1992) 41 EUROCONTROL Legal Constraints to Non-punitive ATM Safety Occurrence Reporting in Europe (PRC Report) (EUROCONTROL Brussels 2002) 10. 42 The Bureau d'Enquêtes et d'Analyses pour la Sécurité de l'Aviation Civile (BEA - Bureau of Enquiry and Analysis for Civil Aviation Safety). Agência do governo francês responsável pela investigação técnica de acidentes aeronáuticos. 43 The UK Air Accidents Investigation Branch – Departamento do governo britânico responsável pela investigação técnica de acidentes aeronáuticos. 44 Federal Bureau of Investigation – Equivalente à Polícia Federal. 45 National Transportation Safety Board – Conselho Nacional de Segurança dos Transportes - Órgão responsável pela investigação técnica. 46 FAA- Federal Aviation Administration. Equivalente à ANAC no Brasil, esta agência americana tem a finalidade de apurar responsabilidade administrativa em um acidente aéreo. 47 Central Intelligence Agency - Agência Central de Inteligência é uma agência de inteligência civil do governo dos Estados Unidos 48 Alaska Airlines, voo 261, uma aeronave do tipo McDonnell Douglas MD-83. No dia 31 de janeiro de 2000 sobrevoava o Oceano Pacífico ao norte da Ilha de Anacapa, Califórnia. Os dois pilotos, três tripulantes e 83 passageiros foram mortos. 49 Em fevereiro de 2000, o voo Emery 17, da empresa Emery Worldwide Airlines, uma aeronave cargueira do tipo DC-8, partindo do aeroporto de Mather Dayton, Ohio, USA, caiu e explodiu dois minutos após a decolagem em um pátio de estacionamento onde havia cerca de 200 carros, criando um cenário de horror de explosões em série matando os três tripulantes. 50 Standard 5.10 of Annex 13 51 Recommendation 5.4.1 of Annex 13 : ‘…any judicial or administrative proceedings to apportion blame or liability should be separated from any investigation under the provisions of this Annex…’ 9 ACIDENTE AERONÁUTICO X (DES)CRIMINALIZAÇÃO X CULTURA (IN)JUSTA (JUST CULTURE) Estes conceitos supracitados estão tão intimamente interligados que podem, se devidamente estudados, mudar completamente a concepção de investigação de acidente aeronáutico, seja técnica, a realizada com fins de prevenção, seja jurídica, aquela que tem a finalidade de apurar responsabilidade jurídica. A criminalização em acidentes aeronáuticos é uma tendência irreversível não apenas no Brasil como também no exterior. Os especialistas internacionais mais renomados têm chamado a atenção da comunidade aeronáutica para este novo momento que tem afligido a atividade aérea. In the aviation community there is an increasing concern over a perceived trend of authorities to initiate criminal prosecutions against aviation professionals.52 The worldwide trend toward criminalization of airline accidents has the potential to cripple our ability to learn from incidents and accidents, essentially guaranteeing that these events will be repeated. This is a price that we cannot afford to pay.53 I am doubtful that in the near future, states will surrender their sovereignty in terms of their criminal law to any global system.54 Conforme constatamos pelas declarações dos renomados especialistas, enfatizamos que essa tendência é real, crescente e irreversível. Ignorar essa tendência seria prejudicial a nós mesmos, profissionais da atividade aérea. Corrobora esse entendimento o diretor de importante associação da atividade aérea, Capt. Lindsay Fenwick: All of us, whether pilots, controllers, investigators, mechanics, engineers, regulators, or the travelling public, will certainly suffer if we choose to ignore this growing crisis.55 Recent years have shown a growing concern on the part of aviation professionals and the aviation industry about interpretation by general public, as well as the criminal judiciary, of safety and aviation accidents.56 In cases where an aviation accident or serious incident involves loss of life,aviation professionals may face criminal charges in accordance with domestic law and be charged with, inter alia, involuntary homicide, manslaughter and interruption of air traffic.57 Aviation and healthcare, as well as other fields of safety- critical practice, are reporting an increase in the criminalization of human error and criminal prosecution in the wake of an aviation accident is currently standard practice in many countries.58 Essas declarações são fundamentadas e ratificadas em exemplos de acidentes ao redor do mundo que foram objetos de processos jurídicos com a finalidade de apurar responsabilidade criminal. Veremos a seguir os casos que fundamentam as declarações do especialista Lindsay Fenwick. 52 Mildred Trögeler – Aerojurista Internacional. 53 By Capt. Lindsay Fenwick (Northwest) and Michael Huhn, ALPA Senior Staff Engineer. Air Line Pilot, May 2003, p. 17. 54 Declaração de Gerard Folin - THE CONTROLLER – The Journal of Air traffic Control – March 2007. 55 Declaração de Capt. Lindsay Fenwick no Air Line Pilot – February 2007. 56 Roderich D Van Dam – Head of Legal Service EUROCONTROL. Chairman of the EUROCONTROL Just Culture Task Force. 57 Sofia Michaelides-Mateou and Andreas Mateou. Flying in the Face of Criminalization. 58 DEKKER. Sidney Just Culture – Ed Ashgate 2012 pg 87. 10 ACIDENTES QUE RESULTARAM EM CRIMINALIZAÇÃO Voo 1907 X Legacy (Brasil, 2006) Condenação penal de pilotos e controladores do acidente voo 1907 X Legacy por atentado contra a segurança de transporte aéreo ocorrido no Brasil. O acidente ocorreu em 29 de setembro de 2006, quando o avião da empresa aérea brasileira Gol, que fazia o percurso de Manaus (Amazonas) a Brasília (Distrito Federal), chocou-se com o jato executivo Embraer Legacy 600. Com o choque, o avião da Gol desapareceu dos radares aéreos. Voo VRG 254 (Brasil, 1989) O acidente do voo VRG 254 ocorreu em setembro de 1989, quando realizou um pouso forçado por falta de combustível. O voo, que ia de Marabá para Belém, não chegou ao seu destino. Após cometer um erro de navegação ao decolar de Marabá, o comandante voou durante mais de três horas sem saber onde estava. Ao acabar o combustível, o piloto teve que realizar um pouso forçado às 21h06min (hora local) em plena floresta amazônica, próximo a São José do Xingu, no Mato Grosso. Na aterrissagem, o impacto do avião contra as árvores causou a morte de 12 ocupantes e ferimentos em outros 42. Antes do pouso forçado, a mensagem emitida pelo comandante aos passageiros e demais tripulantes foi uma das mais aterradoras que se possa ouvir. Os passageiros, numa só voz, rezavam o Pai Nosso quando ouviram, com uma frieza incalculável, aquela que poderia ser a última mensagem de suas vidas: a extrema-unção. Senhoras e senhores passageiros, é o comandante que vos fala. Tivemos uma pane de desorientação dos nossos sistemas de bússola. Estamos com nosso combustível já no final ainda com quinze minutos. Pedimos a todos que mantenham a calma porque uma situação como esta realmente é muito difícil de acontecer. Deixamos a todos a esperança de que isso não passe de apenas um susto para todos nós. Pela atenção, muito obrigado e que tenham todos um bom final. A comunicação foi clara. Os passageiros entenderam que não estavam na aproximação final. Ao final do voo foram alertados de que estavam no final. Na cabine de comando, a mensagem de despedida do comandante ao copiloto não foi nada menos assombrosa: Todos nós temos um dia. Eu causei tudo isso. É uma pena que a gente não tenha descoberto isso antes. A gente se vê do outro lado. Ambos sobreviveram e foram processados e condenados por homicídio culposo e lesão corporal culposa. Tuninter ATR 72 (Itália, 2005) Um piloto acusado de ter começado a rezar no lugar de tomar medidas de emergência para evitar que seu avião caísse foi condenado a dez anos de prisão por homicídio culposo por um tribunal italiano em março de 2009. O piloto tunisiano estava no comando de um avião da companhia aérea Tuninter quando a aeronave teve problemas e acabou caindo no mar na costa da Sicília, em agosto de 2005, matando 16 das 39 pessoas a bordo. Concorde (França, 2000) Engenheiros, mecânicos e diretores foram processados penalmente pelo acidente ocorrido com a aeronave Concorde. A aeronave supersônica da Air France pegou fogo logo após decolar do aeroporto Charles de Gaulle, na capital francesa, no dia 25 de julho de 2000. O acidente deixou 113 mortos. Voo 3054 (Brasil, 2007) No dia 17 de julho 2007, por volta das 18h48min, uma aeronave Airbus A-320, operada por uma empresa aérea brasileira de voo doméstico, voo 3054, procedente de Porto Alegre, após ter pousado na pista principal, cabeceira 35L (35 esquerda) do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, percorreu toda a sua extensão na velocidade aproximada de 170 km/h, derivou à esquerda, ultrapassou o canteiro e, após ter sobrevoado a avenida Washington Luís, chocou-se contra um prédio, seguindo-se incêndio de grandes proporções que destruiu completamente a aeronave e a edificação. Desse fato resultou a morte de 187 pessoas que estavam a bordo da aeronave e outras 12 pessoas que estavam no edifício. Em julho de 2011, o Ministério Público Federal brasileiro ofereceu denúncia contra a Diretora da ANAC, Diretor de Segurança de Voo e Vice- Presidente de Operações. Helios (Grécia, 2005) Em agosto de 2005, um Boeing 737-300 não foi devidamente pressurizado, resultando na morte de 120 passageiros e tripulantes por falta de oxigênio quando sobrevoava Atenas. Esgotado o combustível, a aeronave colidiu fortemente com o solo grego. Foi uma falha humana que causou a despressurizarão da aeronave. Os engenheiros de manutenção, quando de uma inspeção no solo, deixaram o sistema de pressurização (botão) na posição manual, quando o correto seria na posição automático. Isso levou o avião a despressurizar lentamente à medida que ia subindo, e, a aproximadamente 3.000 metros, a tripulação e a maioria dos passageiros já estavam em anoxia total - coma profundo devido à falta de oxigênio. Em 23 de dezembro de 2008, profissionais responsáveis pela manutenção da aeronave foram acusados em Chipre, por homicídio culposo e por causar morte por imprudência e negligência. Air France DC-6 (Egito, 1956) No dia 20 de fevereiro de 1956, uma aeronave do tipo DC-6, operada por uma empresa francesa, se acidentou no aeroporto internacional do Cairo. Com a aeronave mal estabilizada na aproximação final, a tripulação decidiu prosseguir para o pouso ao invés de arremeter. Durante o pouso, a aeronave chocou violentamente com o solo, resultando na morte de 49 passageiros. O comandante foi condenado por homicídio culposo. Boeing 727 (China, 1968) No dia 16 de fevereiro de 1968, um Boeing 727 se acidentou no aeroporto de Taipei durante a aproximação de precisão. Nesse acidente 12 pessoas morreram, incluindo a esposa do comandante. O comandante foi impedido de sair da China, o que o impossibilitou de acompanhar o funeral de sua esposa americana nos Estados Unidos. Ele foi processado por homicídio culposo, sendo absolvido pela Corte Criminal de Taipei em 1969 Caso Zagreb (Croácia, Yusgolávia, 1976) No dia 10 de setembro de 1976, uma aeronave do tipo Trident 3B, da empresa aérea inglesa British Airway, colidiu com outra aeronave do tipo DC-9 da empresa Inex-Adria, nos ares de Zagreb, capital da Croácia. Todos os 176 ocupantes das duas aeronaves morreram