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MARQUES, ETEROVIC SAZIMA Holos, Editora SERPENTES DA MATA ATLÂNTICA GUIA ILUSTRADO PARA A SERRA DO MAR SERPENTES DA MATA ATLÂNTICA GUIA ILUSTRADO PARA A SERRA DO MAR Apoio Cultural V Villimpress® GRÁFICO ® (16) 628-5696 Capa Spilotes pullatus (caninana), Estação Ecológica Juréia- Itatins, SP. Foto de Otavio AV Marques.Serpentes da Mata Atlântica Guia ilustrado para a Serra do Mar Otavio AV Marques André Eterovic Ivan Sazima Otavio A.V. Marques. Laboratório de Herpetologia, Instituto Butantan, 05.503-900 São Paulo SP, BRASIL. André Eterovic. Departamento de Ecologia Geral, Instituto de Biociências, USP & Colégio Bandeirantes, São Paulo SP, BRASIL. Ivan Sazima. Departamento de Zoologia e Museu de História Natural, Unicamp, 13.083-970 Campinas SP, BRASIL. © Otavio A.V. Marques, 2001 Dados Internacionais de Catalogação da Publicação (CIP) 598. 12 (81) M357s Marques, Otavio A.V. Serpentes da Mata Atlântica. Guia ilustrado para a Serra do Mar / Otavio AV Marques, André Eterovic, Ivan Sazima. Ribeirão Preto: Holos, 2001. 184 p.; 12 1. Herpetologia. 2. Serpentes. 3. Serra do Mar. I. Eterovic, André. II. Sazima, I. III. Título. ISBN 85-86699-23-3 9788586 699233 C.D.U. 1ª tiragem (4.000 exemplares) janeiro.2001 tiragem (6.000 exemplares) junho.2003 Holos, Editora Ltda-ME Proibida a reprodução total ou parcial. Rua Bertha Lutz, 390 Os infratores serão processados na forma da lei. 14.057-280 Ribeirão Preto -SP TeleFax: (0++16) 639-9609 E-mail: holos@holoseditora.com.br www.holoseditora.com.br "Nós vivemos em sociedade e dependemos dela para viver. Mas se esquecendo de seu dever para com a sociedade, as pessoas levam vidas egoístas e auto-centradas. Serviço à sociedade é primeiro dever (dharma). Preocupar-se com todos é uma forma de devoção (bhakthi). 'Que todos possam ser felizes': estar ciente desse sentimento é verdadeira sabedoria." (Sri Sathya Sai Baba) Sumário Centro de Toxinologia Aplicada 6 Conservação 39 Prefácio 7 Organização do Guia 40 Agradecimentos 8 Descrição dos Ícones 42 Dedicatória 9 Padrão verde 44 Objetivos 10 Padrão uniforme ou com linhas 59 Introdução 11 Padrão vermelho ou coral 80 A Serra do Mar 12 Padrão variegado ou manchado 103 A Mata Atlântica 14 Outras informações 164 As Serpentes 16 Espécies Invasoras 165 Características Gerais 16 Répteis Serpentiformes 167 Sentidos 18 Lista das Espécies e sua Distribuição 169 Classificação 20 Comentários Taxonômicos 171 Uso do Hábitat 22 Notas sobre os Exemplares Fotografados 172 Alimentação 25 Bibliografia 173 Reprodução 28 Anexo I 180 Defesa 30 Anexo II 182 Ofidismo 34 Índice 183 Identificação de Serpentes Peçonhentas 38 5Centro de Toxinologia Aplicada livro "Serpentes da Mata de Otavio AV Marques, André Eterovic e Ivan Sazima, é o primeiro produto do Centro de Toxinologia Aplicada (CTA). CTA é uma organização multi- institucional de pesquisa e um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) criados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). propósito dos CEPIDs é o de estimular a pesquisa multidisciplinar, disseminar esse conhecimento na sociedade e aplicá-lo na geração de produtos, em parceria com a iniciativa privada. O CTA constitui-se em um dos dez Centros aprovados pela FAPESP, selecionado entre 114 projetos de todas as áreas do conhecimento desenvolvidas no Estado de São Paulo. Esta é mais uma iniciativa pioneira da FAPESP, que inova o apoio à pesquisa e no desenvolvimento científico e tecnológico no Brasil, não apenas pelo montante elevado de recursos investidos, mas também (e principalmente) pela grande abrangência de benefícios que necessariamente só podem ser alcançados por meio de investigações em longo prazo. No caso do CTA, estaremos desenvolvendo projetos em que os animais peçonhentos, suas toxinas e as de microorganismos são tomados como tema central, dado o seu grande interesse médico, ecológico e econômico. CTA é sediado no Instituto Butantan e integrado adicionalmente por unidades da USP, UNESP, UNIFESP e pelo Consórcio Farmacêutico (Laboratório BioLab/Sanus, Biosintética e União Química). Estou certo que o leitor do livro de Marques e seus colaboradores terá a oportunidade de aprender não apenas sobre as serpentes que habitam o pouco que resta desse paraíso tropical que é a Mata Atlântica, mas entenderá a importância da preservação de uma das mais ricas heranças que recebemos como brasileiros. Antonio Carlos Martins de Camargo Diretor do CAT/CEPID Serpentes da Mata Atlântica Prefácio A Mata Atlântica é uma área especial. Mesmo após quinhentos anos de destruição contínua, a exuberante floresta úmida ainda abriga uma diversidade de plantas e animais que a torna um dos biomas mais importantes da Terra. Infelizmente, sua magnitude cedeu à mão destruidora do homem e toda essa riqueza vem sendo ameaçada. Nos últimos anos, a palavra de ordem é preservar! Mas como preservar sem conhecer? É a isto que esse guia se propõe. Elaborado por pesquisadores brasileiros, vem satisfazer nossa sede de conhecimento e a vontade de admirar as serpentes em todos seus aspectos. Em suas formas sinuosas, desenhos e cores, que as camuflam para sua proteção. Em seu comportamento tímido e solitário, seu direito à privacidade. Em seu veneno letal, seu direito de matar para sobreviver. Em seu poder de "rejuvenescimento", a cada muda de pele, criando o símbolo da eternidade. Por essas e outras razões, temos o dever de conhecer e entender o que a evolução levou milhões de anos para criar! Este guia é o que o estudante, o pesquisador e o público em geral sempre quiseram ter à mão sobre as serpentes da Mata Atlântica. Ao leigo, é uma oportunidade para adentrar a Herpetologia. Que cada leitor desta obra aprenda a conhecer para respeitar e preservar! Giuseppe Puorto Diretor do Museu Biológico do Instituto Butantan Marques, Eterovic & Sazima 7 Agradecimentos Colaboraram para a realização deste guia com espécimes, fotografias, informações, sugestões ou ajuda nos estudos de campo e laboratório: Augusto S Selma Almeida-Santos, Dalton S Amorim, Antônio JS Argôlo, Otávio Augusto, Paulo Bernarde, Renato S Bérnils, Rogério Bertani, Alessandra Bizerra, Myriam E Calleffo, Fausto P Campos, João LC Cardoso, Joaquim Cavalheiro, Samira A Chini, Felipe F Curcio, Maria Beatriz GG Dallari, Pedro F Develey, Marcos Di-Bernardo, Marcelo R Duarte, Wânia Duleba, Whaldener Endo, Yuri T Eterovic, César A Falcetti, Hui W Fan, Daniel Fernandes, Ronaldo Fernandes, Hebert Ferrarezzi, Francisco L Franco, Maria de Fátima D Furtado, João L Gasparini, Valdir J Germano, Ari A Giaretta, Jaqueline M Goerck, Célio FB Haddad, Paulo A Hartmann, Norberto L Hülle, Rosana S Jordão, Iara L Laporta-Ferreira, Leila L Longo, Paulo R Manzani, Alexandre C Martensen, Márcio RC Martins, Marcelo Matsumoto, Humberto N Mesquita Jr, Sérgio AA Morato, Júlio C Moura-Leite, Ana P Muriel, Cristiano C Nogueira, Fernanda S Oliveira, Juliana L Oliveira, Maria Ermelinda de Oliveira, Otávio C Oliveira, Fábio Olmos, Paulo Passos, Donizete N Pereira, José P. Pombal-Jr, Ligia P do Prado, Ana LC Prudente, Giuseppe Puorto, Claudia AM Reis, Ricardo AK Ribeiro, Miguel TU Rodrigues, Sylvia Alma RWDL Romano-Hoge, Maria da Graça Salomão, Rosely A Sanchez, Sávio S Sant'anna, Ricardo J Sawaya, Marlies Sazima, Amauri F da Silva, Marcílio J Silva, Plínio da Silva (in memoriam), Celso RC Souza, Vinícius C Souza, Christine Strüssmann, Fabiano Teixeira, Paula H Valdujo, Hussam Zaher e Cláudio Zamprogno (in memoriam). Foram consultados registros e as coleções do Instituto Butantan (SP), Museu de História Natural do Capão da Imbuia (PR), Museu de História Natural da Universidade Estadual de Campinas (SP), Museu Nacional do Rio de Janeiro (RJ) e Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (SP). Instituto Florestal apoiou o estudo de campo nas diversas unidades de conservação da Serra do Mar (Cunha, Fazenda Intervales, Ilha Anchieta, Ilha do Cardoso, Juréia-Itatins, Picinguaba), assim como o Instituto Agronômico (Ubatuba) e o Condomínio Park Imperial (Caraguatatuba). 0 IBAMA forneceu as licenças necessárias. Otavio AV Marques e Ivan Sazima contam com auxílio financeiro do CNPq. Esta edição foi patrocinada pelo Centro de Toxinologia Aplicada. 8 Serpentes da Mata AtlânticaDedicatória Joaquim Cavalheiro nasceu em 17 de setembro de 1930, no Instituto Butantan, São Paulo. Membro de uma família tradicional desta instituição, iniciou seu trabalho como funcionário em 1952, ao lado de grandes nomes da ciência brasileira, como Afrânio do Amaral e Alphonse R Hoge. Autorou diversos trabalhos com Samuel Pessoa, um dos mais importantes parasitologistas do mundo. Também colaborou com pesquisadores de instituições do exterior, dentre eles Joseph Bailey e Robert Mertens. Participou de expedições científicas à Ilha da Queimada Grande (em pesquisas com Bothrops insularis), Ilha Solteira (resgate de fauna na hidrelétrica), Pedro de Toledo (em busca de exemplares de Corallus cropanii), Ilha do Bananal e Ilha de Trindade (levantamento de répteis). Extremamente hábil no manuseio de serpentes, sofreu apenas dois acidentes ao longo de sua carreira, picado por Bothrops brazili e Lachesis muta. É dono de uma memória privilegiada, sendo capaz de identificar espécies raras ou diagnosticar aquelas desconhecidas pela ciência. Seu nome foi perpetuado na descrição de Clelia quimi. Respeitado como um dos maiores conhecedores das serpentes brasileiras, aposentou-se em 1997, mas continua sendo consultado por numerosos pesquisadores. Este guia é uma homenagem ao Sr. Quim. Marques, Eterovic & Sazima 9 Objetivos Conhecer a fauna de um ecossistema ameaçado pela ação humana é um dos passos importantes para a sua conservação. Este guia tem como objetivo auxiliar na identificação das serpentes que ocorrem na Mata Atlântica da Serra do Mar e apresentar informações sobre sua biologia. indicado, portanto, para profissionais que possam entrar em contato com serpentes da região e para outros interessados nesses animais. As fotografias foram selecionadas para evidenciar as principais características externas (coloração e forma), permitindo sua comparação com o animal encontrado pelo leitor. Os ícones que acompanham as fotografias representam informações sobre morfologia e biologia de cada espécie. Os símbolos são de fácil memorização e contribuem para a identificação. Muitas dessas informações ainda não foram publicadas em revistas científicas e baseiam-se na experiência dos autores em estudos de campo ou em laboratório. Recomendamos ao leitor que não manipule uma serpente, mesmo com o uso deste guia de identificação. A determinação segura de uma espécie só pode ser feita ou confirmada por um especialista, após exame cuidadoso. 10 Serpentes da Mata Atlântica Introdução Marques, Eterovic & Sazima 11A Serra do Mar A Serra do Mar estende-se ao longo da costa sudeste do Brasil, abrangendo trechos dos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Santa Catarina (Figuras 1 e 2). Em sua maior parte, a altitude máxima varia entre 800 e 1200 m. Recebe os nomes regionais RJ SP Rio de Janeiro São Paulo Figura 2. Vista geral da Serra do Mar (Caraguatatuba, SP). PR de Serra dos Órgãos, no norte do Rio de Janeiro, Serra Curitiba da Bocaina, na divisa entre Rio de Janeiro e São Paulo (com seu ponto culminante acima de 2000 m), Serra SC Oceano Atlântico Florianópolis de Paranapiacaba, no sul de São Paulo (onde a cadeia 200 km se interioriza) e Serra da Graciosa, no litoral do Paraná. clima da região é caracterizado pela alta Figura 1. Localização aproximada da Serra do Mar. pluviosidade (entre 2400 e 4000 mm anuais) e 12 Serpentes da Mata Atlântica CLIMA DA SERRA DO MAR Remanescentes Florestais da Mata 400 30 25 Pluviosidade (mm) 300 20 200 15 10 100 Temperatura(oC) 5 0 0 JFMAMJJASOND T Figura 3. Diagrama climático de uma área na Serra do Mar (Ubatuba, SP). temperatura média anual de 25°C. Podem ser definidas duas estações distintas: a "chuvosa" Mata segundo 750/93 (outubro a maio), com maiores índices pluviométricos Florestais Escala e temperaturas mais altas, e a "seca" (junho a 400 0 400 800 setembro), com menor pluviosidade e mais fria FUNDAC INPE dos Florestais Ecossistemas (Figura 3). A Serra do Mar é recoberta pela Mata Associados no 1998 Atlântica, uma floresta ombrófila densa, que se /FUND BIODIVERSIT AS/SOC NORDESTINA DE ECOLOGIA Dados organizados para biodiversidade Atlântica no 1993 estende até a baixada litorânea, formada pelo depósito de sedimentos marinhos. Figura 4. Distribuição original da Mata Atlântica e remanescentes florestais (extraído de www.sosmataatlantica.org.br). Marques, Eterovic & Sazima 13 floresta estacional semi-decídua, que avança para o interior, além das matas de restinga da planície sedimentar costeira e dos manguezais nas margens de rios litorâneos. Formações abertas também integram esse domínio, como os campos de altitude (nos trechos acima dos 1900 m de altitude) e as dunas litorâneas. A mata sobre os morros e as serras costeiras cresce em terrenos com declive variável, sobre um solo pouco profundo e com afloramentos rochosos. alto índice de chuvas contribui para a existência de uma vegetação densa, cuja diversidade de espécies é considerada uma das maiores do planeta (Figura 6). Posicionadas acima de 20 m de altura, Figura 5. Vista geral da Mata Atlântica na Serra do Mar (Cubatão, as copas das árvores formam uma cobertura SP). (dossel) que reduz a penetração de luz. Isso contribui para a abundância de plantas epífitas A Mata Atlântica (bromélias e orquídeas) nos ramos das árvores e Em sua distribuição original, a Mata também para o grande tamanho das folhas de ervas Atlântica estendia-se do Rio Grande do Norte ao e arbustos próximos ao chão da mata. Folhas, Rio Grande do Sul (Figura 4). domínio da Mata ramos, troncos e frutos caídos formam uma camada Atlântica inclui a floresta ombrófila densa sobre espessa no solo, cuja decomposição deixa as serras voltadas para o oceano (Figura 5) e a nutrientes disponíveis para as plantas e outros 14 Serpentes da Mata AtlânticaFigura 6. Interior da Mata Atlântica (Fazenda Santa Virginia, Figura 7. Liophis poecilogyrus, evidenciando as escamas dorsais, Cunha, SP). as ventrais, a cloaca (fenda transversal) e a cauda (após a cloaca). organismos. Os decretos que regulamentam essas ações humanas É neste mosaico ambiental que se encontra uma e determinam a criação de unidades de conservação grande variedade de animais, inclusive serpentes. foram medidas protecionistas insuficientes para Entretanto, o impacto causado pelo desmatamento, impedir que se chegasse ao cenário de hoje, quando ocupação imobiliária, poluição industrial, caça e restam apenas 8% da área original da Mata Atlântica extração vegetal ameaça essa grande biodiversidade. (Figura 4). Marques, Eterovic & Sazima 15 Figura 8. Chironius bicarinatus em processo de muda de pele. Figura 9. Dentição áglifa (Boa constrictor). As Serpentes 8). Apresentam coluna vertebral e os órgãos internos -como fígado, estômago e rins- muito alongados. Características Gerais crânio é mais delicado e apresenta ossos mais móveis As serpentes apresentam corpo alongado, sem que na maioria dos répteis. Os dentes são afilados e membros, revestido por escamas (Figura 7). A camada curvados para trás. A dentição é importante no superficial deste revestimento é trocada durante as reconhecimento das espécies causadoras de acidentes mudas, que ocorrem a intervalos variáveis (Figura ofídicos. De acordo com o tipo de dentes, as serpentes 16 Serpentes da Mata Atlântica Figura 10. Dentição opistóglifa (Philodryas olfersii). Figura 11. Dentição proteróglifa (Micrurus frontalis). podem ser agrupadas em quatro categorias: anterior (Figura 11). Áglifas. Não apresentam dentes especializados para Solenóglifas. dente anterior é oco, formando um inoculação de veneno (Figura 9). tubo por onde escorre o veneno. maxilar é Opistóglifas. Na maxila superior, há um dente muito móvel, permitindo ao dente anterior posterior com sulco, por onde escorre o veneno deslocar-se para frente quando a serpente abre a (Figura 10). boca (Figura 12). Proteróglifas. dente sulcado está em posição As serpentes apresentam grande variedade de Marques, Eterovic & Sazima 17cores. Os padrões de colorido estão relacionados ao ambiente em que a serpente vive, podendo apresentar função de proteção (camuflagem, advertência) ou de controle de temperatura, uma vez que cores escuras permitem maior absorção de calor. Muitas espécies de cobras podem ser reconhecidas pelo seu colorido característico, mas existem variações entre indivíduos da mesma espécie. Estas variações podem ocorrer ao longo da vida, de modo que a coloração dos adultos é diferente daquela dos jovens. Algumas destas variações não estão relacionadas à idade, sendo devidas a diferenças individuais nos padrões de desenho ou na quantidade de pigmentos. Albinismo (Figura 13) e melanismo (Figura 14) são extremos destas variações, tratando-se de ausência e excesso do pigmento melanina, respectivamente. Sentidos As cobras enxergam mal, apesar de o olho em geral ser bem evidente, com pálpebras soldadas e transparentes (Figura 15). A maioria das espécies percebe movimentos, mas não se sabe se as serpentes Figura 12. Dentição solenóglifa (Bothrops jararacussu). percebem cores. A visão tem função importante para 18 Serpentes da Mata Atlântica Figura 13. Albinismo (Philodryas patagoniensis). Figura 14. Melanismo (Waglerophis merremii). as serpentes arborícolas, cujo ambiente requer noção é o principal sentido usado na exploração do de profundidade para a orientação e o deslocamento ambiente, permitindo a localização de presas, do animal. A audição é rudimentar -as cobras não predadores e parceiros para acasalamento. Para "sentir apresentam tímpano nem ouvido externo. Assim, cheiros", a serpente expõe sua língua bifurcada captam os sons através da mandíbula e uma série de (Figura 16) e capta moléculas do ambiente, outros ossos do crânio transmite estas vibrações analisando-as no órgão vômero-nasal. Situado no sonoras ao ouvido interno. O olfato bem desenvolvido palato (céu da boca), esse receptor também é chamado Marques, Eterovic & Sazima 19 Figura 15. Olho (Thamnodynastes chaquensis). Figura 16. Língua (Phimophis guerini). de órgão de Jacobson. A fosseta loreal é uma abertura da serpente. Encontradas entre as escamas labiais de entre o olho e a narina (Figura 17), presente em todos alguns boídeos, as fossetas labiais também são sensíveis os viperídeos americanos (jararacas, cascavéis e a variações de temperatura (Figura 18). surucucus). As fossetas permitem a percepção de variações mínimas de temperaturas, da ordem de Classificação 0,003°C. Estes sensores térmicos são importantes para O fóssil mais antigo de serpente, Dinilysia detectar animais (presas, predadores) nas proximidades patagonica, é conhecido do Cretáceo da Argentina, 20 Serpentes da Mata AtlânticaFigura 17. Fosseta loreal, entre o olho e a narina (Bothrops jararaca). Figura 18. Fossetas labiais (Corallus caninus). datando de 95 milhões de anos atrás. Entretanto, as da Serra do Mar estão distribuídas em seis famílias. serpentes podem ter se originado antes, no Jurássico, Anomalepididae Porte pequeno, escamas há cerca de 140 milhões de anos, a partir de répteis arredondadas, cauda curta, olhos pequenos e com hábito subterrâneo. As cobras atuais podem ser cobertos por uma escama. Inclui Liotyphlops agrupadas em 18 famílias (Figura 19). Alguns desses (invasora na Mata Atlântica). grupos são representados por poucas espécies e Boidae Porte médio a grande, escamas pequenas na ocorrem em regiões restritas do planeta. As serpentes cabeça, esporões próximos à cloaca (vestígios de Marques, Eterovic & Sazima 21 patas), dentição áglifa. Inclui Boa e Corallus. Anomalepididae Tropidophiidae Semelhantes aos boídeos, porte Leptotyphlopidae pequeno. Inclui Tropidophis. Typhlopidae Anomochilidae Colubridae Muito diversificada em porte e aspecto, Aniliidae placas na cabeça, dentição áglifa ou opistóglifa. Cylindrophiidae Inclui a maioria das espécies apresentadas neste Uropeltidae Loxocemidae guia. Xenopeltidae Elapidae Semelhantes aos colubrídeos, menos Boidae diversificada em porte e aspecto, dentição Phytonidae Bolyeriidae proteróglifa. Inclui Micrurus. Tropidophiidae Viperidae Porte variado, escamas pequenas na Acrochordidae cabeça, dentição solenóglifa. Todas as espécies Viperidae Atractaspididae desta família nas Américas têm fosseta loreal. Colubridae Inclui Bothrops e Lachesis, além de Crotalus Elapidae (invasora na Mata Atlântica). Figura 19. Relações de parentesco entre as famílias de serpentes (adaptado de Greene 1997). Uso do Hábitat dos mamíferos e das aves, as serpentes controlam sua Algumas espécies de cobras ficam ativas temperatura expondo-se ao sol ou em superfícies principalmente durante o dia ou à noite, ou ainda quentes (Figura 20), procurando sombra ou abrigo indistintamente nos dois períodos. Sua atividade quando ficam muito aquecidas. Baixas temperaturas ocorre para a busca de alimento, de parceiros para causam queda do metabolismo e, por conseqüência, acasalamento, de locais para desovar (ou parir), ou redução na atividade. Portanto, a chance de encontrar para controle da temperatura corporal. Ao contrário uma serpente ativa é menor nos períodos mais frios 22 Serpentes da Mata Atlântica Figura 20. Serpente sobre (Mastigodry bifossatus). Figura 21. Serpente terrícola (Bothrops jararacussu). do ano. morfologia permite inferir o ambiente mais explorado. Uma mesma espécie de serpente pode estar Terrícolas. Caçam no chão, abrigando-se na ativa em locais distintos, dependendo do tipo de vegetação ou no chão (Figura 21). Apresentam atividade que está exercendo. Assim, ela pode caçar morfologia e coloração variadas. no solo ou dentro d'água e dormir sobre a vegetação. Arborícolas. Caçam e abrigam-se na vegetação As serpentes podem ser classificadas de acordo com (Figura 22). Apresentam corpo delgado, cauda o uso de um certo tipo de hábitat e, geralmente, a sua longa e olhos grandes. Muitas espécies apresentam Marques, Eterovic & Sazima 23Figura 22. Serpente arborícola (Chironius exoletus). Figura 23. Serpente aquática (Helicops leopardinus). coloração verde. dentro da terra ou sob o folhedo, troncos e pedras Aquáticas. Caçam na água, abrigando-se nesse (Figura 24). Apresentam olhos pequenos e cauda mesmo ambiente ou no chão (Figura 23). curta. Apresentam os olhos e as narinas próximos à Podem ser usadas algumas categorias extremidade da cabeça. intermediárias, como semi-arborícolas ou semi- Subterrâneas (também denominadas fossórias). aquáticas, para as espécies que utilizam dois Caçam e abrigam-se abaixo da superfície do chão, ambientes com freqüência para a mesma atividade. 24 Serpentes da Mata Atlântica Figura 24. Serpente subterrânea (Micrurus corallinus). Figura 25. Liophis miliaris ingerindo uma perereca (Hyla faber) ainda viva. Alimentação serpentes alimenta-se de anfíbios (Figura 25), lagartos ou mamíferos. Há espécies que comem aves, peixes As cobras são carnívoras e ingerem suas presas (Figura 26) e até outras cobras (Figura 27). Uma boa inteiras, pois seus dentes não servem para cortar ou parte das espécies alimenta-se de presas em mais de mastigar. São capazes de engolir animais uma dessas categorias e há as que caçam qualquer relativamente grandes, uma vez que seu crânio vertebrado de tamanho adequado. Poucas serpentes permite grande abertura da boca. A maioria das caçam moluscos (lesmas e caramujos) (Figura 28), Marques, Eterovic & Sazima 25 Figura 26. Helicops modestus ingerindo um peixe (Geophagus Figura 27. Clelia occipitolutea constringindo uma serpente brasiliensis). (Liophis poecilogyrus). minhocas ou artrópodes (insetos, aranhas e lacraias). ao passo que outras usam a constrição para matá-las Serpentes generalistas apresentam uma dieta variada, (Figura 27). envenenamento é um modo eficiente ao passo que as especialistas alimentam-se de um de subjugar presas perigosas (roedores, outras único ou de poucos tipos de presa. serpentes), sendo empregado por viperídeos, Muitas espécies de serpentes ingerem suas elapídeos e colubrídeos opistóglifos. presas ainda vivas, geralmente anuros (Figura 25), A grande maioria das serpentes caça 26 Serpentes da Mata AtlânticaFigura 28. Dipsas indica retirando um caramujo (Drymaeus Figura 29. Chironius bicarinatus procurando presas em interpunctus) da sua concha. bromélias. ativamente, isto é, locomove-se em busca de suas viva. Momentos depois, usando o olfato, rastreiam a presas (Figura 29). Por outro lado, os viperídeos presa já morta e ingerem-na (Figuras 30 e 31). Os caçam por espreita, aguardando que a presa se jovens de algumas espécies de Bothrops (viperídeos) aproxime para capturá-la. Essas serpentes inoculam e Tropidodryas (colubrídeos) usam uma técnica o seu veneno durante um bote rápido e largam-na em chamada de engodo caudal. A cobra movimenta seguida, evitando o contato prolongado com a presa sinuosamente a ponta de sua cauda, de coloração Marques, Eterovic & Sazima 27 Figura 30. Bothrops jararaca rastreando um roedor, que matou Figura 31. Bothrops bilineatus ingerindo um roedor, morto pela por envenenamento. ação do seu veneno. distinta do resto do corpo, atraindo, assim, anfíbios e maiores que os machos, atributo relacionado à lagartos, que a confundem com uma larva de inseto capacidade de conter ovos ou filhotes. Na época do ou outro invertebrado alongado (Figura 32). acasalamento, as fêmeas liberam substâncias químicas (feromônios) que atraem os machos de sua Reprodução espécie. Vários deles podem ser atraídos por uma Na maioria das serpentes, as fêmeas são única fêmea e podem combater entre si pela posse da 28 Serpentes da Mata Atlântica Figura 32. Tropidodryas striaticeps na espreita, usando engodo Figura 33. Combate ritual entre machos (Crotalus durissus). caudal para atrair uma presa. longa e mais grossa que a das fêmeas, pois aloja o parceira (Figura 33). Nas espécies em que ocorre esta músculo que retrai o hemipênis (Figura 34). Durante "luta", os machos geralmente são maiores que as a cópula, o hemipênis é evertido, inflado com sangue fêmeas. Antes da cópula, há um ritual que consiste e introduzido na cloaca da fêmea, onde libera o na fricção da parte inferior da cabeça do macho contra esperma. Os espermatozóides podem ficar o dorso da fêmea. armazenados durante anos no corpo da fêmea. Em muitas espécies, a cauda dos machos é mais No Brasil, a maioria das cobras é ovípara e Marques, Eterovic & Sazima 29Figura 34. Hemipênis direito evertido e inflado (Xenodon neuwiedii). Figura 35. Oviposição (Oxyrhopus rhombifer). põe ovos com casca (Figura 35), de onde eclodem reproduzir durante o ano todo, o nascimento de os filhotes (Figura 36). Os boídeos, os viperídeos filhotes geralmente ocorre durante a segunda (exceto Lachesis) e alguns colubrídeos são metade da estação chuvosa. vivíparos, parindo seus filhotes já formados (Figuras 37 e 38). O tamanho dos recém-nascidos Defesa varia em torno de 20 cm. Embora algumas espécies As serpentes têm diversos tipos de predadores, de serpentes da região tropical possam se vertebrados e invertebrados. Os mais importantes são 30 Serpentes da Mata Atlântica Figura 36. Eclosão do filhote (Dipsas indica). Figura 37. Parto (Helicops modestus). as aves (gaviões, garças, seriema e até pássaros, como ambiente (Figura 39), o que lhes proporciona bem-te-vi e sabiá-poca) e os mamíferos (gambá, furão, camuflagem e dificulta a sua localização por cachorro-do-mato e gato-do-mato). Para evitá-los e predadores visualmente orientados. As corais- aumentar suas chances de sobrevivência, as cobras verdadeiras (elapídeos) são muito venenosas e usam usam mecanismos defensivos variados, que envolvem uma tática diferente: ao invés da coloração de a coloração e o comportamento. Muitas espécies de camuflagem, possuem cores vistosas. Este colorido serpentes apresentam colorido semelhante ao do vivo alerta o predador para o risco que a serpente Marques, Eterovic & Sazima 31 Figura 38. Recém-nascido rompendo a membrana que o envolve Figura 39. Camuflagem em meio à vegetação (Bothrops (Helicops modestus). jararaca). representa, caso seja atacada. As corais-falsas, serpente. Neste momento, os comportamentos mais colubrídeos não perigosos, mimetizam (isto é, imitam) freqüentes são a imobilidade (o que dificulta a o padrão de colorido das corais-verdadeiras, estratégia localização da cobra) e a fuga. Muitas espécies de que pode enganar e afastar o predador. serpentes alteram sua forma para intimidar o predador, A maioria dos mecanismos de defesa é triangulando a cabeça (Figura 40), inflando (Figura 41) empregada quando o predador se aproxima ou toca a ou achatando o corpo, o que faz com que pareçam 32 Serpentes da Mata AtlânticaFigura 40. Triangulação de cabeça (Dipsas albifrons). Figura 41. Achatamento lateral, com região gular (papo) inflada (Spilotes pullatus). diferentes ou maiores. achatamento lateral (Figuras repetidamente a postura o corpo), também assustam 41 e 42) é comum nas cobras arborícolas e o certos predadores. Esconder a cabeça entre as voltas do achatamento dorso-ventral (Figura 43), nas terrícolas, corpo (Figura 45) protege esta parte vital contra aquáticas e subterrâneas. Outras táticas, como escancarar mordidas e bicadas. Esconder a cabeça ao mesmo tempo a boca (Figuras 42 e 44), armar o bote (Figura 42), vibrar em que enrola e levanta a cauda (Figura 46) pode a cauda e movimentos erráticos (modificar rápida e confundir o predador, que geralmente captura as Marques, Eterovic & Sazima 33 Figura 42. Achatamento lateral, com boca escancarada e bote Figura 43. Achatamento dorso-ventral, com cauda enrolada armado (Philodryas viridissimus). (Waglerophis merremii). serpentes pela sua região anterior. presa. Mordidas também são empregadas quando a bote (Figura 47) é uma tática empregada serpente é capturada. quando o confronto com o predador é inevitável. Quando capturada, a maioria das serpentes descarrega Ofidismo suas fezes e outras substâncias (Figura 48), tática que pode desencorajar o predador, que assim larga a sua Em geral, as serpentes venenosas reagem à 34 Serpentes da Mata Atlântica Figura 44. Boca escancarada, evidenciando a mucosa escura e Figura 45. Cabeça escondida nas voltas do corpo (Gomesophis os dentes (Tomodon dorsatus). brasiliensis). aproximação do ser humano com imobilidade, que, circunstâncias que acontece a maioria dos acidentes aliada à coloração de camuflagem, faz com que ofídicos. Os acidentes são facilitados pelos hábitos freqüentemente passem despercebidas. Quando das cobras venenosas (principalmente viperídeos), perturbada, a cobra procura escapar e somente ataca, que costumam ficar enrodilhadas imóveis e como forma de defesa, quando não tem acesso à fuga camufladas à margem de trilhas, próximas a roças e ou quando se sente imediatamente ameaçada. É nestas galpões, à espreita de roedores. Os viperídeos Marques, Eterovic & Sazima 35Figura 46. Achatamento dorso-ventral, com cauda enrolada, Figura 47. Bote (Bothrops jararaca). elevada e cabeça escondida (Micrurus frontalis). (jararacas, urutu, cascavel, surucucu) e os elapídeos (proteróglifas), possuem dentes inoculadores (corais-verdadeiras) podem causar acidentes graves. pequenos, são pouco agressivas e facilmente avistadas No Brasil, quase todos os envenenamentos humanos na natureza devido ao seu colorido vivo. Algumas (99%) são causados por viperídeos, serpentes espécies de colubrídeos também apresentam dentes solenóglifas altamente especializadas na injeção da inoculadores pequenos, porém situados na parte peçonha (veneno). As corais-verdadeiras posterior da boca. Assim, acidentes com corais e 36 Serpentes da Mata Atlântica humano mais atingidas pelos botes são o pé, o calcanhar e a perna (87% dos acidentes), o que reflete o hábito terrícola da maioria das espécies venenosas. Acidentes nessas regiões do corpo poderiam ser facilmente evitados com o uso de botas. Cuidado ao vasculhar buracos e ao levantar pedras e troncos reduziria acidentes nas mãos e braços. Os primeiros socorros a uma vítima de acidente ofídico consistem em: (1) manter a calma, (2) afastá- la da serpente, (3) lavar a área ferida com água e sabão e (4) encaminhar a vítima o mais rápido possível a um serviço médico. Torniquetes, cortes, sucção, choques elétricos, ingestão ou aplicação de quaisquer substâncias não devem ser feitos, pois não têm efeito Figura 48. Descarga cloacal (Liophis poecilogyrus). curativo e podem agravar o acidente, causando sérias complicações. O tratamento depende do tipo e da colubrídeos opistóglifos são raros e resultam gravidade dos sintomas apresentados pelo paciente, principalmente do manuseio descuidado dessas característicos para cada tipo de veneno. Somente serpentes. soro específico para cada tipo de serpente é indicado. A ocorrência e a intensidade da picada O soro deve ser aplicado em ambiente hospitalar, onde dependem do grau de agressividade do animal e da há acompanhamento adequado em caso de choque capacidade de injeção do veneno, além da quantidade alérgico, que pode ser fatal. No Brasil, vários postos e do tipo de toxinas presentes. As partes do corpo de saúde e hospitais em regiões estratégicas dispõem Marques, Eterovic & Sazima 37 dos antídotos. Embora não seja necessário, trazer a surucucu (Lachesis muta), muito raras e registradas serpente causadora do acidente pode facilitar as apenas no RJ. A jararaca-ilhoa (Bothrops insularis) e medidas de tratamento. Entretanto, todo cuidado deve a jararaca-de-alcatrazes (Bothrops sp.) são ser tomado para não haver acidentes adicionais encontradas somente em ilhas do litoral de SP, na Ilha durante o manuseio do animal, mesmo que ele pareça da Queimada Grande e na Ilha de Alcatrazes, morto. respectivamente. A cascavel (Crotalus durissus), viperídeo que Identificação de Serpentes Peçonhentas pode invadir áreas abertas da Serra do Mar, pode ser reconhecida facilmente pelo guizo ou chocalho na Características como formato da cabeça, ponta da cauda, além da fosseta loreal. comprimento da cauda, tipo de escama ou marcas Cobra-coral é um nome usado para as espécies deixadas pela mordida não devem ser usadas para a de serpentes que apresentam coloração avermelhada, identificação das serpentes peçonhentas. No Brasil, com ou sem anéis ao longo do corpo. A distinção as serpentes que causam acidentes graves são os entre corais-verdadeiras (elapídeos) e corais-falsas viperídeos e os elapídeos, com dentição solenóglifa (colubrídeos) é difícil no campo, principalmente se a (Figura 12) e proteróglifa (Figura 11), respectivamente. cobra estiver em movimento. Na Serra do Mar e na A presença de fosseta loreal (Figura 17) baixada litorânea, há grande chance de se encontrar permite distinguir prontamente todos os viperídeos uma coral-verdadeira. A espécie mais comum é da Serra do Mar. Incluem-se: a jararaca (Bothrops Micrurus corallinus, com distribuição ampla. As jararaca) e a jararacuçu (Bothrops jararacussu), outras duas corais-verdadeiras são mais raras e com ambas com distribuição ampla; a urutu (Bothrops distribuição mais restrita: Micrurus decoratus, em fonsecai), restrita a trechos elevados da Serra da altitudes superiores a 800 m, e Micrurus ibiboboca, Bocaina; a jararaca-verde (Bothrops bilineatus) e a no Rio de Janeiro. 38 Serpentes da Mata AtlânticaAlguns colubrídeos opistóglifos possuem veneno um ponto de vista imediato e utilitário, o veneno de tóxico ao ser humano, como a cobra-verde Philodryas algumas cobras tem sido utilizado para elaboração olfersii, que pode causar acidentes. Outras espécies, de medicamentos muito importantes. A composição como Elapomorphus quinquelineatus e Clelia plumbea, e as propriedades dos venenos de muitas espécies são pouco agressivas e acidentes com elas são ainda são desconhecidas e estudos futuros poderão raríssimos. beneficiar ainda mais o ser humano. Algumas cobras consideradas não-peçonhentas também produzem Conservação saliva tóxica. Estes venenos são ainda menos conhecidos e não se tem idéia do seu uso potencial. As serpentes estão entre os animais mais Embora sejam mortas indiscriminadamente, perseguidos pelos seres humanos, uma vez que a principal ameaça para a imensa maioria das algumas delas podem causar acidentes graves. No serpentes é a alteração e a redução das áreas de entanto, a grande maioria das espécies encontradas vegetação nativa. Muitas das espécies que vivem na na Mata Atlântica é inofensiva aos humanos. Todas Mata Atlântica da Serra do Mar são exclusivas dessa as serpentes, venenosas ou não, desempenham uma formação florestal -a devastação do ambiente função importante no ecossistema, uma vez que são significa sua extinção. A situação de serpentes com predadores ou presas de outros animais. Certas distribuição restrita é mais delicada ainda, como por espécies podem reduzir populações de roedores. De exemplo as jararacas das ilhas Queimada Grande (Bothrops insularis) e Alcatrazes (Bothrops sp.). Marques, Eterovic & Sazima 39 Organização do Guia ilustrações permite o reconhecimento da maioria das Este guia trata das serpentes encontradas na espécies, mas uma identificação segura depende de vertente oceânica da Serra do Mar, incluindo a baixada consulta a textos especializados ou do auxílio de um litorânea. As cobras estão agrupadas em seções, de especialista. acordo com sua coloração predominante, de modo a Os ícones apresentados junto a cada espécie facilitar sua identificação: 1- padrão verde, 2- padrão representam alguns dos atributos morfológicos e uniforme ou com linhas, 3- padrão vermelho ou coral sintetizam o conhecimento sobre a sua história natural. e 4- padrão variegado ou manchado. Em cada uma Também está indicada a freqüência com que as destas seções, as espécies estão dispostas serpentes podem ser encontradas. É importante notar alfabeticamente pelo nome científico. Espécies com que esta chance de encontro pode variar de região grande variação na coloração são representadas mais para região. Devido ao espaço limitado, aspectos de uma vez, podendo estar em seções diferentes. Nem como alimentação e defesa podem não estar todas as variações estão ilustradas e a semelhança de plenamente representados, ficando restritos aos mais cor entre algumas espécies pode dificultar o seu comuns ou típicos. No final do guia, está indicada a reconhecimento. Algumas características de distribuição geográfica registrada para cada espécie, coloração que não estão visíveis na ilustração são por Estado ou região. A página seguinte mostra um indicadas na forma de um texto curto ao final do guia modelo de apresentação das informações sobre cada (um asterisco assinala os comentários sobre espécie. A seguir, é descrito o significado de cada exemplares fotografados). exame cuidadoso das ícone usado no guia. 40 Serpentes da Mata Atlântica nome popular Nome científico (juvenil)* Família atividade encontro comprimento comprimento e massa da cauda dentição reprodução FOTO hábitat hábitat alimento alimento defesa defesa defesa defesa Marques, Eterovic & Sazima 41Descrição dos Ícones 01 Acidente Risco de envenenamento grave 24 Hábitat Arborícola (ativa sobre a vegetação) 02 Atividade Diurna (ativa durante dia) 25 Hábitat Aquática (ativa na água) 03 Atividade Noturna (ativa durante a noite) 26 Hábitat Subterrânea (ativa sob solo e folhiço) 04 Atividade Diurna e noturna (ativa durante dia e à noite) 27 Alimento Mamíferos (roedores, marsupiais) 05 Encontro (grande chance de avistar) 28 Alimento Aves (inclui filhotes e ovos) 06 Encontro Pouco (pequena chance de avistar) 29 Alimento Lagartos (lagartixas, camaleões, teiú) 07 Encontro Raro (chance muito remota de avistar) 30 Alimento Cobras (inclui cobras-cegas e cobras-de-vidro) 08 Comprimento Pequeno (menor que meio metro) 31 Alimento Sapos (inclui rãs e pererecas) 09 Comprimento Médio (entre meio metro e um metro) 32 Alimento Peixes (espécies de água doce, salobra e marinha) 10 Comprimento Grande (maior que um metro) 33 Alimento Moluscos (lesmas, caramujos) 11 Massa Pequena (menor que 100 gramas) 34 Alimento Minhocas (inclui minhocuçus e sanguessugas) 12 Massa Média (entre 100 e 250 gramas) 35 Alimento Artrópodes (lacraias, aranhas, insetos) 13 Massa Grande (maior que 250 gramas) 36 Defesa Achatamento dorsal (aplanamento horizontal de partes do corpo) 14 Cauda Curta (menor que 15% do comprimento total do animal) 37 Defesa Achatamento lateral (inclui inflar parte anterior do corpo) 15 Cauda Média (entre 15 e 30% do comprimento total do animal) 38 Defesa Triangular cabeça (expansão lateral dos maxilares) 16 Cauda Longa (maior que 30% do comprimento total do animal) 39 Defesa Esconder cabeça (ocultar ou envolver por parte do corpo) 17 Dentição Áglifa (sem dentes injetores de veneno) 40 Defesa Vibrar cauda (movimento rápido e repetido da ponta) 18 Dentição Opistóglifa (dentes injetores posteriores) 41 Defesa Enrolar cauda (levantar, exibindo-a) 19 Dentição Proteróglifa (dentes injetores anteriores com sulco) 42 Defesa Escancarar boca (exibir mucosa bucal) 20 Dentição Solenóglifa (dentes injetores anteriores ocos) 43 Defesa Dar bote (inclui mordidas, injeção de veneno e golpes com a cabeça) 21 Reprodução Ovípara (põe ovos) 44 Defesa Movimentos erráticos (mudança brusca e repetida de postura) 22 Reprodução Vivípara (dá à luz filhotes) 45 Defesa Descarga cloacal (expulsão de fezes e outras substâncias) 23 Hábitat Terrícola (ativa sobre o solo) 42 Serpentes da Mata Atlântica 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 " 37 38 39 40 41 42 43 44 45 Marques, Eterovic & Sazima 43 Padrão verde 44 Serpentes da Mata Atlânticajararaca-verde Bothrops bilineatus Viperidae in ] : Marques, Eterovic & Sazima 45 cobra-cipó Chironius bicarinatus Colubridae 46 Serpentes da Mata Atlântica cobra-cipó Chironius bicarinatus (juv) Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 47cobra-cipó Chironius exoletus Colubridae 48 Serpentes da Mata Atlântica cobra-cipó Chironius exoletus Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 49 cobra-cipó Chironius laevicollis (juv) Colubridae 50 Serpentes da Mata Atlânticacobra-cipó Chironius multiventris* Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 51 Echinanthera amoena* Colubridae : 52 Serpentes da Mata Atlântica Liophis atraventer* Colubridae in + + Marques, Eterovic & Sazima 53Liophis reginae* Colubridae + + 54 Serpentes da Mata Atlântica cobra-verde Liophis typhlus* Colubridae in + + Marques, Eterovic & Sazima 55 cobra-verde Liophis typhlus (juv) Colubridae ( in + + 56 Serpentes da Mata Atlânticacobra-verde Philodryas aestivus Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 57 cobra-verde Philodryas olfersii Colubridae in 58 Serpentes da Mata Atlântica Padrão uniforme ou com linhas Marques, Eterovic & Sazima 59Atractus trihedrurus Colubridae + 60 Serpentes da Mata Atlântica Atractus trihedrurus Colubridae ] + Marques, Eterovic & Sazima 61 cobra-cipó Chironius exoletus Colubridae 62 Serpentes da Mata Atlânticacobra-cipó Chironius laevicollis Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 63 Clelia montana Colubridae 64 Serpentes da Mata Atlântica boiru, muçurana Clelia plumbea* Colubridae in : : Marques, Eterovic & Sazima 65Echinanthera affinis Colubridae + 66 Serpentes da Mata Atlântica Echinanthera bilineata Colubridae + Marques, Eterovic & Sazima 67 Echinanthera persimilis Colubridae : 68 Serpentes da Mata AtlânticaElapomorphus quinquelineatus Colubridae ] Marques, Eterovic & Sazima 69 cobra-do-lodo Gomesophis brasiliensis Colubridae in + 70 Serpentes da Mata Atlântica cobra-do-lodo Gomesophis brasiliensis Colubridae + Marques, Eterovic & Sazima 71cobra-d'água Helicops carinicaudus Colubridae + 72 Serpentes da Mata Atlântica Liophis amarali Colubridae 3 + Marques, Eterovic & Sazima 73 cobra-d'água Liophis miliaris Colubridae + + 74 Serpentes da Mata Atlânticacobra-d'água Liophis miliaris Colubridae + + Marques, Eterovic & Sazima 75 cobra-preta Oxyrhopus petola Colubridae in 76 Serpentes da Mata Atlântica parelheira Philodryas patagoniensis Colubridae in : : + + Marques, Eterovic & Sazima 77Pseudoboa haasi* Colubridae 78 Serpentes da Mata Atlântica cobra-d'água Sordellina punctata Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 79 Padrão vermelho ou coral 80 Serpentes da Mata Atlânticacoral Atractus trihedrurus (juv) Colubridae ] : Marques, Eterovic & Sazima 81 cobra-coral Atractus zebrinus Colubridae in : 82 Serpentes da Mata Atlântica cobra-coral Atractus zebrinus (juv) Colubridae in Marques, Eterovic & Sazima 83coral Clelia montana (juv) Colubridae 84 Serpentes da Mata Atlântica coral Clelia plumbea (juv)* Colubridae in Marques, Eterovic & Sazima 85 coral Clelia plumbea (juv) Colubridae 86 Serpentes da Mata Atlânticacobra-veadeira Corallus hortulanus Boidae : Marques, Eterovic & Sazima 87 cobra-coral Elapomorphus lepidus Colubridae ] : 88 Serpentes da Mata Atlântica cobra-coral Erythrolamprus aesculapii Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 89cobra-coral Erythrolamprus aesculapii Colubridae " 90 Serpentes da Mata Atlântica cobra-coral Erythrolamprus aesculapii Colubridae ] Marques, Eterovic & Sazima 91 cobra-de-capim, cobra-de-lixo Liophis poecilogyrus* Colubridae + 92 Serpentes da Mata Atlânticacobra-coral, coral Micrurus corallinus Elapidae ] + Marques, Eterovic & Sazima 93 cobra-coral Micrurus decoratus Elapidae + 94 Serpentes da Mata Atlântica cobra-coral Micrurus ibiboboca* Elapidae + Marques, Eterovic & Sazima 95cobra-coral Oxyrhopus clathratus Colubridae : 96 Serpentes da Mata Atlântica cobra-coral Oxyrhopus clathratus* Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 97 coral Oxyrhopus petola (juv) Colubridae 98 Serpentes da Mata Atlânticacoral Pseudoboa haasi (juv)* Colubridae in : Marques, Eterovic & Sazima 99 Siphlophis compressus Colubridae in 100 Serpentes da Mata Atlântica dorme-dorme Siphlophis pulcher Colubridae in Marques, Eterovic & Sazima 101corre-campo Tomodon dorsatus Colubridae + 102 Serpentes da Mata Atlântica Padrão variegado ou manchado Marques, Eterovic & Sazima 103 Atractus trihedrurus (juv) Colubridae in ] 104 Serpentes da Mata AtlânticaAtractus zebrinus Colubridae ] Marques, Eterovic & Sazima 105 jibóia Boa constrictor Boidae in 106 Serpentes da Mata Atlântica cotiara, urutu fonsecai Viperidae + Marques, Eterovic & Sazima 107jararaca-ilhoa Bothrops insularis Viperidae : 108 Serpentes da Mata Atlântica jararaca Bothrops jararaca Viperidae ] Marques, Eterovic & Sazima 109 jararaca Bothrops jararaca (juv) Viperidae 110 Serpentes da Mata Atlânticajararacuçu Bothrops jararacussu Viperidae ] Marques, Eterovic & Sazima 111 jararacuçu Bothrops jararacussu Viperidae 112 Serpentes da Mata Atlântica jararacuçu Bothrops jararacussu Viperidae ( + Marques, Eterovic & Sazima 113jararacuçu Bothrops jararacussu (juv) Viperidae ] 114 Serpentes da Mata Atlântica jararaca-de-alcatrazes Bothrops sp. Viperidae Marques, Eterovic & Sazima 115 cobra-cipó Chironius exoletus (juv) Colubridae 116 Serpentes da Mata Atlânticacobra-cipó Chironius fuscus Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 117 cobra-cipó Chironius fuscus (juv) Colubridae 118 Serpentes da Mata Atlântica cobra-cipó Chironius laevicollis Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 119cobra-cipó Chironius multiventris (juv) Colubridae 120 Serpentes da Mata Atlântica Corallus cropanii* Boidae Marques, Eterovic & Sazima 121 cobra-veadeira Corallus hortulanus Boidae in : 122 Serpentes da Mata Atlânticacobra-veadeira Corallus hortulanus Boidae Marques, Eterovic & Sazima 123 cobra-veadeira Corallus hortulanus (juv) Boidae 124 Serpentes da Mata Atlântica come-lesma, dormideira Dipsas albifrons Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 125come-lesma, dormideira Dipsas incerta Colubridae 6 126 Serpentes da Mata Atlântica come-lesma, dormideira Dipsas indica Colubridae in 6 Marques, Eterovic & Sazima 127 come-lesma, dormideira Dipsas neivai Colubridae 128 Serpentes da Mata AtlânticaEchinanthera cephalostriata Colubridae in : + Marques, Eterovic & Sazima 129 Echinanthera cyanopleura Colubridae in : + 130 Serpentes da Mata Atlântica Echinanthera melanostigma Colubridae in + + Marques, Eterovic & Sazima 131papa-rã Echinanthera undulata Colubridae 132 Serpentes da Mata Atlântica dormideira Imantodes cenchoa Colubridae in Marques, Eterovic & Sazima 133 pico-de-jaca, surucucu Lachesis muta Viperidae in : 134 Serpentes da Mata Atlânticacobra-d'água Liophis miliaris (juv) Colubridae + + Marques, Eterovic & Sazima 135 cobra-d'água Liophis miliaris (juv) Colubridae : + 136 Serpentes da Mata Atlântica cobra-de-capim, cobra-de-lixo Liophis poecilogyrus* Colubridae G in + + Marques, Eterovic & Sazima 137cobra-nova, jararacuçu-do-brejo Mastigodryas bifossatus* Colubridae in 138 Serpentes da Mata Atlântica bicuda Oxybelis aeneus Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 139 Oxyrhopus clathratus (juv) Colubridae 140 Serpentes da Mata Atlânticaparelheira Philodryas patagoniensis (juv) Colubridae : + Marques, Eterovic & Sazima 141 papa-ovo, papa-pinto Pseustes sulphureus Colubridae 142 Serpentes da Mata Atlântica dormideira Sibynomorphus neuwiedi Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 143dormideira Sibynomorphus neuwiedi Colubridae 144 Serpentes da Mata Atlântica Siphlophis longicaudatus Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 145 Siphlophis longicaudatus (juv) Colubridae in 146 Serpentes da Mata Atlânticacaninana Spilotes pullatus Colubridae Marques, Eterovic & Sazima 147 caninana Spilotes pullatus Colubridae 148 Serpentes da Mata Atlântica Thamnodynastes hypoconia Colubridae + Marques, Eterovic & Sazima 149

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