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CRIMINALÍSTICA E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
AULA 06 -
DOCUMENTOSCOPIA
FORENSE
Prezado(a) aluno(a),
É um prazer dar as boas-vindas à nossa sexta aula! Neste encontro,
adentraremos no campo da Documentoscopia Forense. Estudaremos aspectos
fundamentais relacionados às cópias xerográficas e às perícias em documentos
xerocopiados. A documentoscopia, ciência que investiga a autenticidade e a
integridade de documentos, será abordada em detalhes, com especial atenção às
particularidades quando aplicada em xerocópias.
Durante esta aula, vamos nos aprofundar na análise técnica e científica
necessária para identificar e interpretar características distintivas em documentos
reproduzidos, como tipos de impressão, características das tintas, e as mudanças
nos detalhes dinâmicos e estáticos ao longo das cópias. Compreenderemos como
a documentoscopia em xerocópias desafia e expande nossos métodos de
investigação forense, promovendo uma visão crítica e analítica da autenticidade
documental.
Bons estudos!
6 INTRODUÇÃO
A introdução do processo de xerografia em 1937 (xeros, do grego "seco", e
graphein, do grego "escrever") possibilitou o surgimento de uma nova técnica de
fraude documental conhecida como montagem (MENDES, 2003).
A montagem consiste em usar partes de um documento original para criar outro
documento. O falsário aproveita elementos convenientes do documento original, como
timbres, logomarcas, assinaturas, carimbos e autenticações de assinaturas, para
gerar um novo texto ou informações diferentes, como datas, local de origem e
assinaturas. Após montar o novo documento, o falsário faz uma cópia xerográfica,
resultando em um documento falsificado.
O perito é responsável por identificar a montagem por meio de marcas ou falhas
na cópia xerográfica que estejam presentes no documento original. Em muitos casos,
o documento original não está disponível para comparação direta, mas quando está,
ele facilita a identificação da montagem.
Se marcas que indicam a montagem forem detectadas no documento
falsificado, o falsário pode tentar gerar cópias sucessivas até que essas marcas
desapareçam ou usar uma borracha. No entanto, o falsário pode não perceber todas
as marcas, permitindo que o perito identifique e evidencie a montagem.
6.1 Cópias xerográficas
As xerocópias ou cópias xerográficas resultam de uma combinação de efeitos
ópticos, fotocondutividade, eletrostática e calor. Esse processo de copiagem é
caracterizado por não utilizar papel umedecido nem substâncias líquidas. A xerografia
é composta por sete etapas, conforme descrito por Tipler (1984):
1. Carga: Utiliza o princípio da eletricidade estática. Um fio metálico, chamado
corotron, deposita cargas eletrostáticas sobre o cilindro xerográfico.
2. Formação da Imagem: O documento original é iluminado, e as áreas
brancas refletem a luz, enquanto as áreas com imagem não o fazem. Um
sistema de lentes e espelhos transporta a imagem para o cilindro.
3. Exposição: O cilindro ou correia é exposto à imagem formada. Nas áreas
com imagem, que não recebem luz, o cilindro/correia permanece isolante e
retém as cargas. As áreas iluminadas tornam-se condutoras e perdem as
cargas.
4. Revelação: Entra em cena o toner e o revelador. Ao serem atritados,
adquirem cargas elétricas, com o toner ficando negativo e o revelador
positivo. O revelador é derramado sobre o cilindro/correia. As cargas
positivas do cilindro atraem o toner, que adere a ele, enquanto o revelador
é repelido. A imagem latente torna-se visível.
5. Transferência: A imagem é transferida para uma folha de papel comum. O
corotron novamente entra em ação, jogando cargas positivas sobre o papel.
O toner, preso por uma carga menos positiva, é atraído para o papel,
deixando o cilindro ou correia. A cópia está quase pronta, mas ainda não
pode ser tocada.
6. Fusão: O toner, que é plástico, é derretido e fixado no papel pelo calor,
tornando a imagem permanente.
7. Limpeza: Uma escova ou lâmina elimina o toner residual do cilindro,
preparando-o para uma nova cópia.
Em resumo, o processo xerográfico ou reprográfico obtém a cópia por meio da
ação da luz sobre uma superfície fotosensível eletricamente carregada
6.2 Perícias em documentos xerocopiados
Autores reconhecidos na criminalística, como Lívio Gomide e Tito Gomide, no
livro “Manual de Grafoscopia”, afirmam que:
Sendo tais reproduções passíveis de truques, insuscetíveis de serem
constatados, não devem tais documentos ser objeto de perícias”. O
aparelhamento ótico disponível para o perito é completamente inoperante em
relação aos documentos xerocopiados, pois, tratando-se de outro suporte que
não o original, não serão jamais constatados quaisquer vestígios de rasuras,
lavagens químicas, acréscimos e outros (GOMIDE; GOMIDE, 2023).
Portanto, os autores defendem que a perícia deve ser realizada apenas quando
se pode trabalhar com o documento original. Em contraste, autores como Cavalcanti
e Lira (1996) observam que as opiniões sobre exames em documentos xerocopiados
estão divididas. Eles se opõem à realização de perícias em reproduções pelos
seguintes motivos:
• Rasuras, vestígios de lavagens, emendas, acréscimos e decalques não
são detectáveis nas reproduções.
• Não é possível determinar o cruzamento de traços e o tipo de caneta
usada.
• Alguns aspectos do grafismo ou datilografia não podem ser
determinados.
• Existe a possibilidade de truques e montagens.
No entanto, outro autor, José Del Picchia Filho, defende a possibilidade de
realizar perícias em reproduções. Ele argumenta que a generalização do preceito de
que a perícia deve ser realizada somente no original é não apenas errônea, mas
extremamente perigosa, pois pode estimular os falsificadores a criar reproduções,
obter o reconhecimento de firma, autenticar e registrar em cartório público, e
posteriormente "perder" os originais (FILHO, 2016).
Deve-se ressaltar que, segundo o Provimento 14, de 5 de outubro de 2016 da
Corregedoria da Justiça, a autenticação de documentos xerocopiados só é válida
quando acompanhada pelo documento original em papel. Portanto, deve-se estar
atento ao processo de informatização e Gerência Eletrônica de Documentos (GED),
que preconiza o descarte dos documentos originais após serem transferidos para
meio digital. Isso pode ser problemático, pois em algum momento no futuro pode ser
necessário realizar uma perícia em documentos que foram descartados, como o
Código de Processo Civil (CPC), em seu artigo 253, estabelece que "caso seja
impugnada a fotocópia autenticada deve ser apresentado seu original", a principal
preocupação reside na fragilidade de uma perícia realizada sobre uma xerocópia.
A seguir, serão apresentados aspectos técnicos e científicos da
documentoscopia aplicados à análise de documentos questionados no âmbito da
criminalística.
6.3 Documentoscopia
Um documento é um material composto por diversos elementos, como selos,
carimbos, texto pré-impresso, texto manuscrito, assinaturas, marcas d’água,
logotipos, entre outros, além da própria mídia, o papel (Figura 1). Todos esses
elementos são passíveis de adulteração ou falsificação, e cabe ao perito especialista
em documentoscopia avaliar e identificar as similaridades ou diferenças entre um
documento questionado e documentos genuínos.
A documentoscopia pode ser dividida em duas principais partes:
• A análise do documento em si, conhecida como documentoscopia.
• A análise da grafia manuscrita presente no documento, conhecida como
grafoscopia.
Na documentoscopia, são aplicadas técnicas e métodos óticos e
computacionais para identificar os meios utilizados na adulteração ou falsificação de
um documento. A grafoscopia, como um ramo da documentoscopia, concentra-sena
análise da escrita manual de um ou mais autores presentes em um documento
questionado.
O instrumental técnico utilizado na análise documentoscópica inclui exames
relacionados a:
• Verificação e identificação de transplante de assinaturas ou textos.
• Alterações subtrativas (por exemplo, datas) ou aditivas (por exemplo,
assinaturas).
• Rasuras com intenção de obliterar ou ocultar informações.
• Vestígios de lavagem química (por exemplo, em cheques bancários).
• Vestígios de decalque (por exemplo, assinaturas) (MENDES, 2003).
Figura 1 - Exemplo de um documento ilustrativo.
Fonte: Mendes, 2003.
O instrumental técnico utilizado na análise grafoscópica engloba exames
relacionados aos elementos gráficos que permitem verificar a identidade gráfica,
conforme descrito por Mendes (2003):
a) Elementos genéricos, que incluem calibre, espaçamento, comportamento
em relação à linha base, proporcionalidade, valores angulares, valores curvilíneos e
inclinação axial:
Figura 2 - Elementos genéricos: a) espaçamento e b) alinhamento em relação à
linha base.
Fonte: Mendes, 2003.
b) Elementos genéticos, que se subdividem em dinâmicos (pressão,
progressão) e trajetos (ataques, desenvolvimentos, remates, mínimos gráficos).
Figura 3 - Elementos genéticos: a) ataque e remate e b) mínimos gráficos.
Fonte: Mendes, 2003.
Cada um desses elementos pode ser avaliado nos exames grafoscópicos
quanto à sua convergência ou divergência. Além disso, outros elementos básicos da
grafia também são considerados em análises grafotécnicas, conforme descritos por
Vels (1961):
a) Campo gráfico, o espaço bidimensional onde a escrita é feita;
Figura 4 - Exemplos de assinaturas segundo a simbologia do espaço gráfico: a)
Diagrama representativo do espaço gráfico; b) Escritor introvertido; c) Escritor
extrovertido; d) Escritor espiritualista; e) Escritor materialista e introvertido.
Fonte: Mendes, 2003.
b) Traço descendente, fundamental, pleno, ou grosso, todo traço descendente
e grosso de uma letra;
c) Traço ascendente, ou perfil, o traço ascendente e fino de uma letra;
d) Ovais, elementos em forma de círculo nas letras a, o, g, q, entre outros;
Figura 5 - Exemplo de elementos gráficos ovais.
Fonte: Mendes, 2003.
e) Hastes, todos os traços plenos (movimento de descenso) das letras l, t, b,
etc., e os traços verticais do m e do n maiúsculos e minúsculos;
Figura 6 - Exemplo de elementos gráficos hastes.
Fonte: Mendes, 2003.
f) Lançadas inferiores, todos os planos descendentes do g, j, y, etc., e do f a
partir da zona média até embaixo;
g) Bucles, todos os traços ascendentes (perfis) das hastes e das lançadas
inferiores, e todo movimento ascendente que cruza a haste e se une a ela formando
um círculo.
h) Partes essenciais: constitui o esqueleto da letra, essencial para sua
estrutura.
i) Parte secundária ou acessória: representa o revestimento ornamental ou
parte não indispensável à sua configuração.
Cada indivíduo possui gestos que se repetem constantemente, uma espécie de
"tique" ou atitude que o caracteriza. Na escrita, também existem modalidades de
traços ou letras que se destacam, conferindo ao traçado uma fisionomia única que
nenhum outro poderia reproduzir da mesma maneira. Os elementos gráficos que
podem formar o gesto característico em assinaturas são descritos por [3,4]:
➢ Gancho: consiste em um movimento de regressão encontrado nas
finalizações das letras ou nas barras dos "t";
➢ Clave: carrega toda a energia do golpe sobre a zona final do traçado,
formando uma ponta quebrada;
➢ Golpe de sabre: é um movimento promovido por um impulso da caneta,
afetando as barras dos "t" e as partes inferiores das letras (lançadas
inferiores);
➢ Movimento em triângulo: produzido principalmente nas lançadas inferiores
dos "t", "g", "y" e nas barras dos "t", podendo também aparecer na
circunferência das letras da zona média;
➢ Guirlanda: consiste em um movimento em forma de arco aberto para cima,
presente nos traços iniciais e finais e nas barras dos "t". Este movimento
também é observado em situações de duplo "l", "lh" ou dupla vogal ("ei", "ie",
"ui");
Figura 7 - Exemplo de elementos gráficos do tipo guirlanda.
Fonte: Mendes, 2003.
➢ Arco: encontrado preferencialmente nas zonas inicial, superior e média (nas
ligações).
➢ Espiral: encontrada nas letras maiúsculas;
➢ Inflação: caracterizada por um tamanho exagerado, especialmente nas letras
maiúsculas;
➢ Laço: movimento de retorno ao ponto de partida;
➢ Serpentina: afeta principalmente os traços iniciais e finais, e as letras "m" e
"n".
Todos esses elementos devem ser cuidadosamente analisados pelos peritos
para verificar a semelhança entre os modelos genuínos e o modelo questionado.
Destaca-se a importância dos elementos dinâmicos que ajudam a determinar a
gênese gráfica do autor. Esses elementos dinâmicos podem ser estudados e
identificados facilmente em documentos originais, nos quais a grafia possui pressão e
progressão (sequencialidade) durante a escrita.
6.4 Documentoscopia em Xerocópias
Inicialmente, é importante esclarecer que a análise pericial de documentos
fotocopiados apresenta desafios significativos e, em alguns casos, pode até ser
impossível devido aos quesitos formulados e às características ou elementos a serem
examinados. Isso ocorre porque as fotocópias podem perder diversas características
dependendo da geração a que pertencem, conforme detalhado a seguir:
➢ Perda das características da mídia (papel): Quando uma fotocópia é feita em
outro tipo de papel, perdem-se características como gramatura, tipo, textura,
espessura, largura e altura do documento original. Além disso, as condições
de conservação do papel original, como desgaste natural, armazenamento
(mofos e fungos), e danos por manuseio (sujidade, manchas de água ou
gordura, danos por grampos, colagem e anotações), também são difíceis de
serem determinadas na fotocópia.
➢ Perda das características da impressão mecânica: Cada máquina de
datilografia ou impressora possui características únicas em relação ao método
de impressão, incluindo classificação tipográfica e características da fita de
impressão para máquinas de datilografia, bem como o tipo de impressora
(matricial, jato de tinta, laser). Cada tipo de impressora utiliza uma matriz de
pontos específica para a impressão dos caracteres, todas essas
características podem ser degradadas na fotocópia.
➢ Perda das características das tintas: Uma fotocópia pode não preservar as
características das tintas da parte pré-impressa (logomarcas e timbres), da
parte impressa (texto original) e da parte manuscrita (assinaturas, rubricas,
anotações, entre outros). Isso impossibilita a avaliação do tipo original de tinta
presente no documento genuíno, já que a datação das tintas é uma questão
científica em aberto.
➢ Perda de elementos dinâmicos: Elementos dinâmicos como pressão e
progressão em rubricas e assinaturas manuscritas são perdidos após a
fotocópia.
➢ Perda das características de adereços: Elementos adicionais no documento
original, como logomarcas, timbres, carimbos, selos e etiquetas, podem
perder suas características físicas em uma fotocópia.
É importante ressaltar que a análise grafotécnica realizada em fotocópias (sem
o documento original) torna difícil a avaliação de elementos dinâmicos como pressão,
progressão, sentido e sobreposição de traços em assinaturas. Embora uma fotocópia
de boa qualidade possa revelar atributos grafocinéticos ou morfogenéticos da escrita,
não é possível avaliar estáticamente a pressão do instrumento de escrita pelos sulcos
e ressaltos produzidos sobre o papel.
Quando os quesitos formulados estão relacionados a elementos
morfogenéticos, a análise grafoscópica mesmo realizadaem uma cópia reprográfica
não inviabiliza a identificação de similaridades, conforme documentado no Laudo
Técnico. Em alguns casos, mesmo a análise documentoscópica em cópia xerográfica
pode fornecer resultados viáveis, pois os fraudadores, ao realizar cópias, tentam
minimizar marcas evidentes de montagem. No entanto, o fraudador não pode prever
o nível de detalhe da análise pericial, que busca identificar falhas ou marcas durante
o processo de montagem.
Na criminalística, a análise detalhada de documentos fotocopiados é essencial
para a investigação de fraudes e falsificações. Cada característica perdida na
reprodução xerográfica pode conter pistas que, mesmo sutis, são fundamentais para
desvendar a autenticidade de um documento. Portanto, é imprescindível que o perito
esteja apto a utilizar métodos avançados de análise documentoscópica para identificar
alterações, marcas de montagem e outras irregularidades que possam comprometer
a integridade e veracidade de provas documentais em contextos criminais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAVALCANTI, Antônio; LIRA, Edilson. Grafoscopia Essencial. Porto Alegre, RS:
Editora Sagra: DC Luzzatto, 1996.
DEL PICCHIA FILHO, José; RIBEIRO DEL PICCHIA, Celso Mauro; GONÇAVES DEL
PICCHIA, Ana Maura. Tratado de Documentoscopia da Falsidade Documental. 3.
ed. São Paulo: Editora Pilares, 2016.
GOMIDE, Lívio; GOMIDE, Tito. Manual de Grafoscopia. 4. ed. São Paulo: Editora
Leud, 2023.
MENDES, Luiz Bevilacqua. Documentoscopia. 2. ed. Campinas, SP: Millenium,
2003.