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55 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA Unidade II 5 ÉTICA PROFISSIONAL NA DOCÊNCIA No exercício profissional, o professor encontra situações que exigem reflexão crítica, discernimento e responsabilidade. Decisões pedagógicas, como o modo de organização da sala de aula ou a forma de acolher uma discussão sobre temas polêmicos para os estudantes, implicam posicionamentos que influenciam direta e indiretamente os processos formativos que envolvem a dimensão da ética. A ação docente é atravessada por uma série de princípios éticos que vão muito além da neutralidade e da obediência a normas institucionais. Ela envolve dilemas cotidianos que exigem discernimento e sensibilidade, como lidar com um aluno que chegou atrasado, acolher uma criança com deficiência sem isolá‑la do grupo ou quando um colega de trabalho expressa comentários preconceituosos e isso repercute entre os alunos. Situações como essas são reais e fazem parte do cotidiano escolar, exigindo a coerência entre discurso e prática, uma vez que demandam posicionamento ético permanente. Por exemplo, quando um professor distribui sua atenção de forma desigual, valorizando só os alunos que têm mais facilidade de aprender, ele está reforçando desigualdades; quando ele ignora uma piada racista ou homofóbica no recreio, está perdendo uma chance de educar para o respeito. Por outro lado, quando o docente promove rodas de conversa, adapta atividades para incluir todos os alunos, ouve com empatia as dores de um estudante, ele está praticando uma ética do cuidado e da equidade. A docência, mais do que uma ocupação técnica, é uma prática carregada de sentido ético, político e humano, e ao assumir o ofício de ensinar o educador compromete‑se com a formação de sujeitos críticos, autônomos e éticos. Nesse sentido, o código de ética para a profissão docente (ainda em construção em diversos contextos) não deve ser entendido como um conjunto rígido de regras, mas como uma ferramenta de orientação para reflexões críticas sobre os limites e as possibilidades da ação pedagógica. Ele expressa valores fundamentais, como a justiça, a dignidade, a solidariedade e o respeito às diferenças, desafiando os professores a atuarem como agentes de transformação social. Assim, ao longo deste livro‑texto, refletiremos sobre as práticas escolares que promovem a convivência ética e cidadã. Não se trata apenas de ensinar valores abstratos, mas de tornar possíveis contextos pedagógicos em que esses valores sejam vivenciados. De que forma o professor pode promover experiências significativas de convivência no cotidiano escolar? Seja por meio de atividades simples realizadas com os alunos, seja por meio de projetos mais amplos que envolvam a turma em ações sociais, debates sobre cidadania e a promoção dos direitos humanos. Tudo isso faz parte da formação de sujeitos mais conscientes, e é esse o verdadeiro sentido de educar: formar pessoas que saibam viver em sociedade com respeito, responsabilidade e solidariedade. 56 Unidade II 5.1 Princípios e dilemas éticos na prática docente A ética profissional docente perpassa todas as dimensões da atuação pedagógica. Segundo Cortina (2005, p. 35), “a ética se ocupa da vida boa, da convivência justa e da construção de sociedades decentes”. O trabalho do professor não é neutro, ele é parte ativa na construção de uma cultura escolar que valoriza a equidade, o respeito às diferenças e os direitos humanos. Para Veiga, Araújo e Kapuziniak (2005, p. 29), “a docência é uma construção ética que exige reflexão constante sobre as ações e decisões do educador”. Essa construção não se dá de forma isolada, mas num processo coletivo, alimentado pela prática, pelo diálogo e pelo compromisso com a justiça social. Entretanto, os dilemas éticos também fazem parte da rotina docente. Além disso, o professor atua em contextos marcados por desigualdades sociais, culturais e econômicas. Cortina (2005, p. 92) lembra que “a ética é também uma exigência de justiça para os mais vulneráveis”, logo, recusar práticas discriminatórias, valorizar as diferenças e lutar por condições igualitárias de aprendizagem são atitudes eticamente fundadas. No cenário brasileiro atual, diversos episódios noticiados evidenciam esses dilemas. Colégios nobres e renomados na cidade de São Paulo oferecem bolsas de estudo para estudantes de baixa renda e negros, permitindo acesso a uma educação de alto nível. No entanto, essa inserção sem o devido preparo institucional acaba reproduzindo violências cotidianas, transformando o que deveria ser uma oportunidade em uma experiência traumática. Casos recentes de racismo e homofobia em colégios de elite, como o Bandeirantes, o Vera Cruz, o São Domingos e o Porto Seguro, reforçam a necessidade de políticas antidiscriminatórias eficazes e de preparação prévia das escolas para acolher a diversidade. Em agosto de 2024, o Colégio Bandeirantes, uma das instituições de ensino mais tradicionais de São Paulo, enfrentou críticas após o suicídio de Pedro, aluno de 14 anos do 9º ano, bolsista, negro e morador da periferia. Segundo familiares, Pedro foi vítima de bullying, racismo e homofobia por parte de colegas (Lemos, 2024). A escola afirmou que o incidente ocorreu fora de suas dependências e não se responsabilizou pelo caso, mas a família e a comunidade apontaram falta de apoio direto à família e ausência de medidas efetivas para lidar com a situação. Em protesto, cerca de 60 jovens se reuniram em frente ao colégio em 19 de agosto de 2024, exigindo ações concretas contra o bullying e a homofobia no ambiente escolar. Os jornais também noticiaram casos graves envolvendo preconceito e discriminação em outras escolas particulares de elite em São Paulo. Um dos episódios foi o da filha da atriz Samara Felippo, vítima de racismo na tradicional Escola Vera Cruz. A atriz relatou publicamente a violência sofrida por sua filha, uma menina negra, e denunciou a negligência da escola em lidar com o caso, evidenciando a falta de preparo para acolher a diversidade racial em seus espaços (Acayaba, 2024). Em 2022, episódios semelhantes ganharam destaque na mídia. No Colégio São Domingos, pais de alunos denunciaram a omissão da direção diante de diversas situações de racismo relatadas por estudantes e famílias, revelando um padrão de silenciamento institucional (Mendes, 2022). No mesmo ano, o Colégio Visconde de Porto Seguro, conhecido por sua excelência acadêmica e mensalidades 57 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA elevadas, foi acusado de adotar práticas discriminatórias, como a separação física entre alunos bolsistas e pagantes, atitude que viola princípios de equidade e inclusão no ambiente escolar (Dias, 2024). Além desses casos, há registros em outras instituições onde estudantes bolsistas, em sua maioria negros e de baixa renda, relataram vivências de exclusão, piadas racistas, homofobia e discriminação velada. Em muitos desses colégios, a implementação de políticas de inclusão por meio de bolsas de estudo ainda ocorre sem formação adequada para professores e sem ações pedagógicas estruturadas para enfrentar o racismo estrutural e promover o respeito às diversidades. O racismo estrutural é um conceito que se refere à presença do racismo nas estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais da sociedade, operando de forma naturalizada e persistente, mesmo na ausência de ações intencionais de discriminação. Diferente do racismo individual, o racismo estrutural está enraizado nas instituições e nos sistemas que regem a vida social, sendo perpetuado por normas, práticas e representações historicamente construídas. A presença do racismo estrutural deve ser compreendida como parte constitutiva da organização da sociedade brasileira, como resultado de um processo histórico que integra o racismo à lógica de funcionamento das instituições sociais, como a escola, o mercado de trabalho e o sistema de justiça. A pesquisadora Djamila Ribeiro (2017) destaca que o racismo estrutural está ligadoinformais, sem carteira assinada ou proteção trabalhista. O salário médio das pessoas com deficiência é de R$ 1.860, cerca de 30% menor do que a média nacional e abaixo dos R$ 2.690 recebidos, em média, pelas pessoas sem deficiência. A desigualdade de gênero também é marcante: mulheres com deficiência recebem, em média, R$ 1.553, valor 34% menor do que o das mulheres sem deficiência e também inferior ao dos homens com deficiência. Esses dados mostram que as pessoas com deficiência enfrentam obstáculos sérios tanto para estudar quanto para conseguir trabalho digno, revelando a necessidade urgente de políticas públicas que garantam inclusão e igualdade de oportunidades. A prática de inclusão e equidade no ambiente escolar envolve não apenas a adaptação do currículo, mas também a criação de um ambiente emocionalmente seguro, onde todos os alunos, independentemente de suas diferenças, possam se sentir acolhidos. Assim, a escola deve ser um espaço de escuta e diálogo, onde as diversidades não são apenas toleradas, mas aceitas e celebradas, permitindo a cada aluno expressar sua identidade. Apesar dos avanços legislativos e de políticas públicas, a inclusão escolar de estudantes com deficiência no Brasil ainda enfrenta sérios obstáculos. A legislação garante direitos como intérprete de língua brasileira de sinais (libras), materiais acessíveis, Atendimento Educacional Especializado (AEE) e acessibilidade física. No entanto, muitas escolas não conseguem cumprir essas exigências, sobrecarregando famílias ou profissionais despreparados. A formação de professores é um dos principais entraves: segundo dados do MEC, cerca de 94% dos docentes não possuem formação continuada em educação especial, o que compromete a inclusão efetiva e amplia desigualdades, principalmente em estados onde a formação específica ainda é escassa. A educação especial deve garantir recursos e práticas adequadas para estudantes com deficiência, autismo e altas habilidades/superdotação. Entre os suportes previstos estão AEE, materiais em braile, 81 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA intérpretes, profissionais de apoio e atividades adaptadas. Segundo a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), Lei n. 13.146/2015, é dever do Estado assegurar acesso, permanência e aprendizagem em condições de igualdade (Brasil, 2015a). Além das barreiras físicas e comunicacionais, a inclusão escolar esbarra no capacitismo e na falta de apoio institucional. A LBI reconhece diversas barreiras (urbanísticas, arquitetônicas, tecnológicas, nos transportes e na informação) que dificultam a plena participação de pessoas com deficiência. Historicamente, o Brasil evoluiu de práticas segregacionistas para uma política de inclusão legal. Documentos internacionais, como a Declaração de Salamanca: recomendações para a construção de uma escola inclusiva (Aranha, 2003) e Educação para todos: o compromisso de Dakar (Unesco, 2001), reforçaram a importância de escolas comuns que respeitem a diversidade. Atualmente, cerca de 91% dos estudantes da educação especial estão matriculados em classes regulares, segundo o Censo Escolar 2023 (MEC […], 2024). Experiências brasileiras e internacionais mostram que a formação continuada é essencial para o sucesso da inclusão. A efetivação da inclusão escolar não depende apenas de recursos, mas também de uma mudança cultural que combata o capacitismo e valorize a diversidade como princípio pedagógico. Observação Capacitismo é um termo utilizado para descrever a discriminação, o preconceito e a opressão direcionados a pessoas com deficiência. Trata‑se de uma forma de exclusão baseada na ideia de que corpos e mentes considerados normais são superiores aos que apresentam algum tipo de deficiência, o que gera desigualdades sociais, educacionais, profissionais e culturais. O capacitismo se manifesta de diversas maneiras: desde a negação de acessibilidade e oportunidades até atitudes aparentemente bem‑intencionadas, mas que infantilizam, invisibilizam ou subestimam as capacidades de pessoas com deficiência. Combater o capacitismo implica reconhecer os direitos das pessoas com deficiência à plena participação social em igualdade de condições, promovendo práticas inclusivas, acessibilidade universal e uma mudança cultural que valorize a diversidade humana. A formação contínua dos professores é essencial para que possam lidar com as diversidades presentes nas salas de aula. A formação ética e cultural dos educadores deve ser vista como um compromisso permanente com a criação de uma escola mais inclusiva e equitativa. Segundo Almeida (2019, p. 112), “a formação de professores deve incluir, além de conteúdos pedagógicos, a capacitação para lidar com as questões de diversidade cultural, racial e de gênero”. Uma prática comum em escolas públicas e privadas é a contratação de estagiários de Pedagogia, Psicologia e áreas afins para acompanhar estudantes com deficiência ou outras necessidades 82 Unidade II educacionais específicas. Apesar de essa medida muitas vezes visar garantir apoio ao aluno durante as atividades escolares, ela deve ser analisada com cuidado. Estagiários ainda estão em formação e, por isso, não possuem experiência ou conhecimento suficientes para lidar sozinhos com as demandas complexas do atendimento educacional especializado. A atuação com esses estudantes exige preparo técnico para oferecer apoio pedagógico e emocional, mediar conflitos, adaptar materiais e manter o diálogo com as famílias. As equipes de educação especial, quando bem estruturadas, prezam pelo bem‑estar dos alunos, adaptam atividades, produzem materiais acessíveis e acompanham o desenvolvimento individual. No entanto, quando o estagiário atua sem supervisão adequada ou apoio técnico, há o risco de a escola se eximir de suas responsabilidades, o que pode comprometer o processo de aprendizagem e inclusão. Lembrete A inclusão e a equidade são essenciais para o fortalecimento de um ambiente escolar que respeita e celebra as diferenças e que promove uma convivência harmoniosa entre estudantes de diferentes origens, crenças, orientações sexuais, capacidades e etnias. A legislação brasileira, especialmente a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil, 2008b) e a LBI, reconhece o direito à educação inclusiva e prevê a atuação de estagiários no AEE apenas sob a supervisão de um profissional habilitado. O estagiário não substitui o professor com formação específica em educação especial, que é o responsável pelo planejamento e execução das estratégias pedagógicas adequadas. É fundamental refletir sobre o papel da escola como instituição pública e coletiva que deve assegurar os direitos dos estudantes com deficiência, conforme preveem a LBI e as diretrizes da educação inclusiva. O acompanhamento especializado não pode ser visto como uma tarefa secundária ou terceirizada, mas como parte integrante do projeto pedagógico, demandando investimento em profissionais qualificados, formação continuada e políticas que reconheçam a importância da inclusão como princípio ético e educativo. A ética e a diversidade no ambiente escolar estão intimamente conectadas aos princípios de inclusão e equidade, que são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A escola, como espaço de convivência, deve ser o reflexo da pluralidade da sociedade, proporcionando um ambiente de respeito, acolhimento e valorização das diferenças. A responsabilidade de promover a inclusão e a equidade não recai apenas sobre a legislação, mas sobre as atitudes diárias de educadores e gestores escolares, que devem se empenhar em criar uma educação que respeite os direitos e a dignidade de todos os alunos. A inclusão, a ética e o respeito à diversidade não devem se restringir ao trabalho pedagógico com os estudantes, mas devem orientar as relações também entre os profissionais da escola. É incoerente, por exemplo, exigir o uso de uniformes ou aventais padronizadossem considerar a diversidade de corpos, 83 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA identidades de gênero e as diferentes necessidades dos educadores e demais profissionais da escola. Essa imposição, quando desvinculada de escuta e diálogo, revela uma negligência institucional em relação à inclusão, ao respeito à individualidade e ao bem‑estar da equipe. A transparência na gestão escolar é um elemento essencial para fortalecer a confiança e a participação da comunidade educativa. Práticas como a elaboração e a divulgação de carômetros (fotos), tanto dos professores por área quanto dos alunos, contribuem para facilitar a comunicação e o reconhecimento entre todos os envolvidos no ambiente escolar. Os carômetros de docentes, funcionários da administração, direção e coordenação pedagógica afixados nos murais, por exemplo, ajudam estudantes e famílias a identificarem seus educadores com clareza, enquanto os carômetros dos alunos apoiam a atuação pedagógica e administrativa dos professores e da coordenação. Quanto ao uso de celulares e aparelhos eletrônicos por professores e funcionários, os celulares corporativos têm sido utilizados como ferramenta eficiente para garantir a comunicação institucional com maior agilidade, sem comprometer a privacidade dos dados pessoais. Complementarmente, a ampla divulgação e discussão do regimento interno reforça a transparência nas normas de convivência e no funcionamento da escola, promovendo um ambiente mais democrático, seguro e organizado. Levando em conta a perspectiva de transparência e valorização, é fundamental que a escola também se comprometa com a construção de um ambiente de trabalho ético e respeitoso para docentes e funcionários. Isso inclui pensar na carreira desses profissionais de forma estruturada e justa, com clareza nas informações sobre remuneração e benefícios, evitando práticas como remunerações que não constam na folha de pagamento, o que pode comprometer direitos trabalhistas e previdenciários. É urgente problematizar a precarização do trabalho docente, principalmente fatores como baixos salários, sobrecarga de tarefas, más condições estruturais e o tratamento muitas vezes desrespeitoso destinado a estagiários, auxiliares da educação e funcionários terceirizados. Esses fatores afetam diretamente a qualidade das relações no ambiente escolar e comprometem a construção de uma cultura ética e democrática. Somado a isso, há um agravante cada vez mais visível: o adoecimento mental de professores e profissionais da educação, algo que tem sido objeto de preocupação crescente. Dados de uma pesquisa realizada em 2022 revelam que 21,5% dos docentes brasileiros avaliam sua saúde mental como ruim ou muito ruim, com sintomas como ansiedade (60,1%), cansaço excessivo (48,1%) e problemas de sono (41,1%) sendo comuns (Bollos, 2025). Outra pesquisa, apresentada em reportagem do jornal O Globo (Souto, 2017), aponta que “71% dos 762 profissionais de educação da rede pública de vários estados entrevistados no início de 2017 ficaram afastados da sala de aula“ por questões de saúde mental nos cinco anos anteriores à pesquisa, evidenciando uma realidade alarmante nas escolas brasileiras. A intensificação da carga de trabalho, a violência simbólica e, muitas vezes, física nas escolas, além da ausência de políticas de acolhimento, são fatores que contribuem para esse cenário de sofrimento psíquico. Além disso, a violência nas escolas agrava esse cenário, quando pensamos na violência institucional e nas ações de alunos contra professores e outros funcionários. 84 Unidade II Investir no bem‑estar da comunidade escolar é urgente, e isso pode ser feito por meio de palestras e rodas de conversa sobre saúde mental voltadas a professores, funcionários e estudantes. Essas estratégias podem ajudar a prevenir o adoecimento emocional, reduzir o estresse cotidiano e fortalecer os vínculos humanos dentro da escola. Cuidar de quem cuida também é uma forma de garantir uma educação mais acolhedora, humana e sustentável. Uma escola ética não se define apenas pelos conteúdos que ensina ou pelas regras que impõe aos alunos, mas também pela forma como cuida e valoriza todos os sujeitos que dela fazem parte. É aquela que reconhece, respeita e promove relações justas, dialógicas e humanas entre os adultos que compõem sua comunidade, incluindo professores, funcionários e gestores. Construir uma escola mais ética, inclusiva e saudável exige, portanto, não apenas reformas pedagógicas, mas também estruturais e institucionais, voltadas à valorização integral do trabalho educativo. A implementação desses princípios não é só um desafio constante, como também uma oportunidade de transformar a escola em um espaço de justiça social, onde todos os alunos possam desenvolver seu potencial máximo, independentemente de suas condições pessoais ou sociais. Exemplo de aplicação Exemplo 1. O Código de Ética e Disciplina do CFEP, apresentado no texto, deve ser compreendido como: A) Um conjunto de regras rígidas impostas aos educadores. B) Um manual disciplinar de condutas obrigatórias. C) Uma ferramenta burocrática para fiscalizar a profissão. D) Um instrumento orientador da prática educativa comprometida com valores humanos. E) Uma lista de punições para desvios de conduta dos professores. Resolução A alternativa correta é a D, pois o texto destaca que o Código de Ética e Disciplina do CFEP é um orientador de uma prática educativa ética, fundamentada na dignidade, solidariedade e respeito à diversidade. Exemplo 2. Durante a pandemia da covid‑19, muitos professores se reinventaram para manter seus alunos motivados e conectados ao processo de aprendizagem. Essa atitude evidencia a responsabilidade social do docente, pois demonstra: A) O dever exclusivo de cumprir a carga horária letiva, independentemente das condições dos alunos. B) A importância de manter a autoridade em sala de aula, mesmo em ambiente remoto. 85 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA C) O compromisso do professor com a adaptação de práticas para garantir acesso ao conhecimento e bem‑estar dos estudantes. D) A necessidade de aumentar a cobrança por resultados e desempenho acadêmico. E) A valorização do uso irrestrito da tecnologia como único meio de ensino. Resolução A alternativa correta é a C, pois a responsabilidade social do professor envolve compromisso com a inclusão, adaptação e cuidado com os alunos, especialmente em contextos de crise como a pandemia. 6.2 Práticas escolares que promovem a convivência ética e cidadã O ambiente escolar, como espaço de socialização e aprendizado, desempenha um papel fundamental na formação de cidadãos críticos, éticos e conscientes de seu papel na sociedade. As práticas que promovem a convivência ética e cidadã nas escolas não são apenas necessárias para o bom andamento do processo educativo, mas são essenciais para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e respeitosa. A convivência ética envolve a promoção de valores como respeito, solidariedade, justiça e empatia, enquanto a convivência cidadã refere‑se ao exercício de direitos e deveres que todo indivíduo deve cumprir para garantir o bem comum. A ética, no contexto escolar, pode ser compreendida como a prática dos valores que orientam o comportamento humano em busca do bem comum. Segundo Saviani (2011, p. 108), a ética está diretamente relacionada com as escolhas do indivíduo e com o impacto dessas escolhas na coletividade: “a ética educacional deve visar o desenvolvimento de competências morais, o fortalecimento dos valores democráticos e a formação de cidadãos conscientes de seu papel na sociedade”. Por outro lado, a cidadania na escola vai além do ensino formal dos direitos e deveres civis. A formação cidadã no contexto escolar se dá por meio do exercício da participação ativa no ambiente educacional, onde os alunos devem aprender a respeitar as normas, mas também refletir sobre elas quando necessário, a fim de promover a justiça social. Portanto,a escola deve ser um ambiente onde a prática da cidadania acontece por meio do aprendizado de atitudes coletivas e do envolvimento em ações que promovem o bem‑estar social. As escolas têm desempenhado um papel importante na formação ética e cidadã dos estudantes por meio de atividades que estimulam a empatia, a solidariedade, o respeito e a participação coletiva. Muitas dessas práticas estão articuladas ao calendário escolar e envolvem ações concretas de responsabilidade social. Exemplos disso são campanhas como a Páscoa Solidária, com arrecadação de chocolates para crianças em situação de vulnerabilidade social, doação de roupas, calçados e alimentos para famílias 86 Unidade II atingidas por desastres ambientais, apadrinhamento e adoção de pets. Ações assim despertam nos estudantes e nas famílias a consciência social e o espírito de ajuda mútua. Além disso, iniciativas como rodas de conversa com jovens e educadores sobre temas juvenis, palestras com especialistas, shows de talentos, visitas a museus, cinemas e ambientes naturais ampliam o repertório cultural, promovem o diálogo e favorecem o convívio saudável. Práticas como a coleta seletiva de lixo e os projetos integrados com alunos da educação inclusiva também fortalecem valores como o cuidado com o meio ambiente, a inclusão, o respeito à diversidade e a construção de uma comunidade mais justa. Outras atividades, como a organização de grêmios estudantis, coletivos temáticos e grupos de discussão, desempenham um papel fundamental na formação cidadã dos estudantes. Esses espaços ampliam a vivência democrática dentro da escola, permitindo que os jovens exercitem o protagonismo, o diálogo e a escuta ativa. Coletivos voltados para a defesa de direitos de grupos minorizados (como mulheres, população LGBTQIAPN+, pessoas negras e indígenas) ou para temas sociais, como o combate ao assédio e à discriminação, ajudam a construir uma cultura escolar mais inclusiva, empática e consciente. Ao se envolverem nessas iniciativas, os alunos não apenas desenvolvem competências socioemocionais, mas também aprendem a agir com responsabilidade social, reconhecendo‑se como sujeitos transformadores da realidade. Essas atividades vão ao encontro do que orienta a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que reconhece a formação ética e cidadã como uma das competências gerais da Educação Básica (Brasil, 2017), e do que propõe o ECA, que assegura o direito à participação e ao desenvolvimento pleno dos sujeitos em formação. Essas ações não apenas auxiliam diretamente as populações em situação de vulnerabilidade e a comunidade escolar interna e externa, como também ensinam aos estudantes a importância de exercer a solidariedade como valor ético. Muitas escolas promovem campanhas de arrecadação de alimentos e materiais escolares para auxiliar famílias atingidas por enchentes. Além da coleta de recursos, a iniciativa envolve os estudantes em atividades que promovem a conscientização sobre a importância da solidariedade e do compromisso social. Práticas como essa contribuem para a formação cidadã dos alunos, incentivando desde cedo o engajamento em ações voltadas ao social. Em tempos de hiperconectividade, o uso excessivo de celulares no ambiente escolar se tornou uma preocupação crescente. Muitas escolas têm adotado medidas para reduzir o impacto da tecnologia no desenvolvimento das relações interpessoais e no processo de aprendizado. A ética na utilização da tecnologia envolve a promoção do uso consciente e responsável do celular, com ênfase no respeito ao espaço escolar e ao outro. 87 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA Algumas instituições têm implementado ações educativas que propõem atividades voltadas para o uso responsável das redes sociais, a desconexão temporária de dispositivos e o resgate de atividades offline, como leitura, jogos cooperativos e debates sobre ética digital. Dessa forma, a desconexão do mundo virtual propicia aos estudantes o contato com o mundo real, permitindo que a convivência social e a aprendizagem se fortaleçam. Práticas como a meditação e a ioga têm se mostrado eficazes na promoção do bem‑estar emocional, mental e físico, pois ajudam os estudantes a desenvolver habilidades importantes para a convivência ética e cidadã, como a paciência, a empatia, o respeito ao espaço do outro e a autodisciplina. Além disso, contribuem para a construção de um ambiente escolar mais calmo e harmonioso, essencial para o aprendizado. A implementação de práticas como a ioga nas escolas é uma alternativa que pode beneficiar diretamente a saúde mental dos alunos e promover a convivência respeitosa. Para Garcia, Ribeiro e Rodrigues (2020), a ioga nas escolas não é apenas uma prática física, mas uma ferramenta pedagógica para a formação de indivíduos equilibrados emocionalmente, capazes de lidar com as adversidades e com as diferenças de forma mais compreensiva e pacífica. Em uma escola pública no Rio de Janeiro, um projeto de ioga foi implementado com o objetivo de reduzir o estresse dos alunos e promover uma convivência mais tranquila e respeitosa. O projeto foi bem recebido e os alunos relataram, em pesquisa de avaliação, que se sentiram mais calmos e mais capazes de lidar com conflitos de forma pacífica (Escola […], 2017). Figura 15 – Respeito na sala de aula Disponível em: https://tinyurl.com/2spyup6u. Acesso em: 17 jun. 2025. 88 Unidade II Promover debates e palestras sobre ética, cidadania e diversidade também é uma prática pedagógica essencial para a formação cidadã dos estudantes. Ao discutir temas como respeito às diferenças, equidade de gênero e diversidade religiosa e étnica, os alunos são desafiados a refletir sobre suas próprias atitudes e a desenvolver uma postura ética em relação ao outro. Essas discussões podem ser realizadas em rodas de conversa, palestras, dinâmicas e atividades interativas. Em um caso recente, uma escola pública no estado de São Paulo promoveu uma semana de atividades sobre diversidade cultural e respeito aos direitos humanos. A iniciativa incluiu palestras com especialistas, filmes sobre a história dos povos indígenas e atividades interativas que incentivaram os alunos a refletir sobre o preconceito e a intolerância. Os resultados foram positivos, com aumento significativo no engajamento dos estudantes nas discussões sobre respeito à diversidade (Prefeitura […], 2023). As práticas escolares que promovem a convivência ética e cidadã são essenciais para a formação de indivíduos conscientes de seus direitos e deveres, bem como respeitosos com as diferenças. A educação ética vai além da mera instrução formal: ela envolve a vivência diária de valores como solidariedade, respeito, justiça e empatia, que devem ser praticados tanto dentro quanto fora da sala de aula. Além disso, práticas assim permitem aos alunos conhecer e aplicar técnicas que auxiliam a restauração do diálogo e a construção de soluções de forma colaborativa, respeitando as diferentes posições envolvidas. Quando bem conduzida, tais práticas tendem a fortalecer a cultura da paz, da escuta ativa e do cuidado com o outro, valores fundamentais no cotidiano escolar. Um exemplo é a mediação de conflitos, que, ao ser aplicada no ambiente escolar, deve ser compreendida não apenas como uma estratégia de resolução pontual de desentendimentos, mas como uma ferramenta pedagógica e relacional que promove o fortalecimento do diálogo, da escuta ativa e da convivência ética. A mediação começou a ganhar força a partir dos anos 1990, com iniciativas no campo jurídico e educacional. Com isso, projetos de mediação escolar e comunitária passaram a ser implantados em diferentes regiões do país, muitas vezes ligados a políticas públicas e ao esforço de promover uma cultura de paz. Através de um processo estruturado, baseado na imparcialidade, que busca compreender as causas dos conflitos e facilitar a construção de acordos entre as partes envolvidas, a mediação consegue ser colocada em práticasem recorrer a punições imediatas ou autoritarismo. Ao utilizar técnicas de mediação, como a escuta sem julgamentos, a reformulação de falas agressivas, a identificação de interesses comuns e a construção colaborativa de soluções, a escola se torna um espaço educativo também no campo das relações humanas. Professores, coordenadores e demais funcionários que dominam essas práticas contribuem para a criação de um ambiente mais seguro e respeitoso, onde os conflitos são vistos como oportunidades de aprendizagem e crescimento, e não como ameaças à ordem. 89 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA Observação Investir na formação da equipe para a mediação de conflitos é fundamental, pois oferecer momentos de estudo, rodas de conversa e acompanhamento da gestão nas situações delicadas contribui para que todos se sintam amparados e preparados para lidar com os desafios cotidianos. Mais do que resolver problemas, a mediação fortalece vínculos, estimula a empatia e consolida uma cultura de paz na escola. No ambiente escolar, tão importante quanto escutar os alunos é garantir espaços de escuta qualificada entre os próprios profissionais da educação. A convivência diária entre professores, coordenadores, inspetores, equipe de apoio e gestores exige diálogo constante, transparência e respeito mútuo. Práticas institucionais como pesquisas de clima organizacional e canais internos de conduta são ferramentas valiosas para dar voz aos funcionários, identificar dificuldades, prevenir conflitos e promover melhorias no ambiente de trabalho. A escuta atenta e contínua dos professores e demais funcionários deve ser compreendida como parte da gestão democrática e participativa da escola. Quando os profissionais se sentem ouvidos, valorizados e envolvidos nas decisões, fortalecem‑se os laços de confiança e o senso de pertencimento, o que contribui diretamente para a cooperação entre os membros da equipe e ajuda a evitar sobrecargas emocionais e físicas, que são cada vez mais comuns na realidade escolar. Desenvolver uma cultura de escuta entre os profissionais da escola é, portanto, um investimento na saúde institucional da equipe e na qualidade das relações interpessoais. Afinal, uma escola que cuida de quem educa está mais preparada para cuidar bem de quem aprende. Dessa forma, é preciso mais do que boas intenções, é necessário um trabalho contínuo, com envolvimento de toda a escola e espaço para diálogo e vivência dos valores no cotidiano escolar. A escola, como espaço de socialização, também é responsável por essa formação e deve agir de forma coerente, pois projetos bem‑sucedidos são aqueles que integram valores às práticas reais, envolvendo professores, gestores e estudantes de forma participativa e constante. Lembrete Na prática docente, é preciso lembrar da importância de iniciativas como rodas de conversa com jovens e educadores sobre temas juvenis, palestras com especialistas, shows de talentos, visitas a museus, cinemas e ambientes naturais, pois elas ampliam o repertório cultural, promovem o diálogo e favorecem o convívio saudável entre os diferentes. 90 Unidade II A escola, como espaço de convivência, tem o papel de fomentar essas práticas por meio de atividades que estimulem a solidariedade, a reflexão crítica, o uso responsável da tecnologia e o desenvolvimento de habilidades emocionais. Essas práticas não só contribuem para a formação de cidadãos mais conscientes e éticos, mas também para a criação de uma sociedade mais justa e equilibrada. Enquanto profissionais da área da educação, devemos refletir: estamos realmente educando para a cidadania ou apenas fixando cartazes com mensagens que não refletem as atitudes éticas no ambiente escolar? Estamos destacando ações pontuais ou contínuas, que têm como foco a formação ética e cidadã? 91 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA Resumo A prática docente está imersa em princípios éticos que vão além da obediência e das normas, exigindo do educador sensibilidade, reflexão crítica e responsabilidade crítica diante de situações cotidianas. Atitudes como acolher alunos em vulnerabilidade, combater o preconceito e adaptar práticas pedagógicas demonstram um compromisso com a justiça, a inclusão e a equidade. Ao longo desta unidade, conhecemos algumas diretrizes que servem como códigos de ética para a profissão docente e que, mais do que um conjunto de regras, são instrumentos orientadores para a construção de uma prática educativa ética, comprometida com a dignidade, a solidariedade e o respeito à diversidade. Vimos que o cotidiano escolar ainda enfrenta dilemas éticos diante de desigualdades sociais e da persistência do racismo estrutural. Casos recentes de discriminação em colégios de elite em São Paulo evidenciam a urgência de ações concretas contra o preconceito e a necessidade de preparo institucional para acolher estudantes negros, bolsistas e periféricos de forma respeitosa e justa. Abordamos a importância da educação antirracista, que deve estar integrada ao projeto pedagógico, currículo e práticas escolares de forma a valorizar os saberes negros e indígenas e estimular a formação docente crítica e a criação de comissões antirracistas nas escolas. Segundo autoras como Djamila Ribeiro e Nilma Lino Gomes, a construção de uma escola democrática passa pelo letramento racial da comunidade escolar, pelo reconhecimento da diversidade como riqueza e pelo combate às estruturas que reproduzem exclusão. Logo, a ética na docência é uma prática transformadora, que forma sujeitos conscientes, críticos e solidários. No Brasil, mesmo que não exista um código de ética nacional e obrigatório para pedagogos, existem diretrizes e documentos que orientam a conduta profissional. O principal deles é a Resolução n. 3/2018 do CFEP, que estabelece princípios éticos, morais e sociais para os pedagogos, com foco na valorização da profissão, inclusão, respeito à diversidade e compromisso com a qualidade do ensino. Além disso, normas como a Constituição Federal (art. 206), o ECA e a LDB também trazem orientações éticas importantes. Alguns estados e municípios, como São Paulo, com a Resolução SE n. 52/2013, estabeleceram seus próprios códigos, e associações e sindicatos também contribuem com materiais e cartilhas sobre conduta ética. Esses 92 Unidade II documentos defendem que o educador deve ser um agente de transformação social, atuar com responsabilidade e compromisso, e adaptar sua prática às mudanças e desafios contemporâneos. A responsabilidade social do professor vai além de ensinar conteúdos: ela envolve o compromisso com a formação cidadã, a criação de um ambiente escolar seguro, ético e inclusivo, e a promoção de valores como o respeito, a empatia e os direitos humanos. Em contextos de desigualdade, como no Brasil, o professor atua como agente de transformação social, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Autores como Paulo Freire destacam que essa responsabilidade é também política e exige uma postura crítica e consciente diante da realidade. As práticas escolares que promovem a convivência ética e cidadã são essenciais para a formação de indivíduos conscientes de seus direitos e deveres, bem como respeitosos com as diferenças. A educação ética vai além da mera instrução formal: ela envolve a vivência diária de valores como solidariedade, respeito, justiça e empatia, que devem ser praticados tanto dentro quanto fora da sala de aula. A escola, como espaço de convivência, tem o papel de fomentar essas práticas por meio de atividades que estimulem a solidariedade, a reflexão crítica, o uso responsável da tecnologia e o desenvolvimento de habilidades emocionais. Essas práticas não só contribuem para a formação de cidadãos mais conscientes e éticos, mas também para a criação de uma sociedade mais justa e equilibrada. 93 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA Exercícios Questão 1. Leia o texto a seguir. Frequentemente, professoresenfrentam dilemas éticos em seu cotidiano. Além das atividades inerentes à docência, diversas situações do contexto educacional podem gerar incertezas, dúvidas, divergências e controvérsias, exigindo posicionamentos rápidos que nem sempre são suficientemente refletidos, o que pode levar a decisões com consequências injustas. A identificação de problemas recorrentes na sala de aula, no ambiente escolar e acadêmico – para os quais não existem respostas ou caminhos evidentes – pode favorecer um esforço preventivo na formação docente. Isso permite que o professor atue de acordo com seus valores, mesmo diante das dificuldades em reconhecer um dilema ético. SILVA, P. F. D.; ISHII, I.; KRASILCHIK, M. Código de ética para a profissão docente: percepções e opiniões de educadores. Educação em Revista, v. 39, e41031, 2023. Disponível em: https://tinyurl.com/22ac64dr. Acesso em: 17 jun. 2025 (com adaptações). Com base no texto e em seus conhecimentos sobre o tema, avalie as afirmativas. I – Embora princípios éticos sejam importantes, seu cumprimento depende estritamente das normas e das orientações institucionais, e o professor deve apenas obedecer às diretrizes estabelecidas pela escola. II – A atuação ética do professor exige constante reflexão e não pode ser dissociada do contexto social em que a escola está inserida. III – O preparo institucional inadequado pode transformar oportunidades educacionais em experiências excludentes e traumáticas para estudantes de grupos minoritários. É correto o que se afirma em: A) I, apenas. B) III, apenas. C) I e II, apenas. D) II e III, apenas. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa D. 94 Unidade II Análise das afirmativas I – Afirmativa incorreta. Justificativa: a ideia de que o professor deve apenas seguir diretrizes institucionais ignora a complexidade do agir ético na prática docente. A ética profissional envolve autonomia, discernimento e responsabilidade diante de situações que exigem mais do que cumprimento de normas. Em muitos contextos, cabe ao educador reconhecer injustiças, questionar práticas excludentes e agir em defesa da equidade e do respeito às diferenças, mesmo diante da ausência ou ineficácia de orientações formais. II – Afirmativa correta. Justificativa: o exercício da docência envolve escolhas frequentes diante de situações complexas e, muitas vezes, ambíguas. Essas decisões exigem reflexão ética, pois impactam diretamente os processos de ensino e aprendizagem, bem como as relações interpessoais no ambiente escolar. Dilemas surgem, por exemplo, quando há conflitos entre regras institucionais e valores pessoais ou entre o que é justo para o indivíduo e para o coletivo. III – Afirmativa correta. Justificativa: a prática pedagógica comprometida com a ética deve promover o reconhecimento das diferenças e a valorização da dignidade de todos os estudantes. Essa perspectiva contribui para a criação de um ambiente educacional inclusivo, em que o respeito mútuo e a justiça social se tornam pilares da convivência e da aprendizagem significativa. Questão 2. Em relação ao tema “a responsabilidade social do professor”, avalie as afirmativas a seguir. I – A responsabilidade social do professor compreende a construção ativa de um ambiente escolar que assegure condições de segurança, acolhimento e respeito à diversidade, de modo a promover o desenvolvimento integral dos estudantes. II – O exercício da docência implica uma atuação crítica e reflexiva, por meio da qual o professor fomenta a formação de sujeitos conscientes de seus direitos e deveres, capazes de intervir de modo transformador em suas realidades sociais. III – A responsabilidade social do professor exige formação contínua e sensível às múltiplas dimensões da realidade social, o que possibilita uma atuação pedagógica informada, comprometida com a equidade e com os direitos humanos. 95 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA É correto o que se afirma em: A) I, apenas. B) III, apenas. C) I e II, apenas. D) II e III, apenas. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa E. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: o espaço escolar precisa ser entendido como um território de proteção e pertencimento, especialmente em contextos de desigualdade social. Nesse sentido, o docente não apenas ensina, mas atua como agente protetivo e promotor de um ethos inclusivo, sensível às vulnerabilidades de seus alunos. Seu compromisso ético exige vigilância constante contra manifestações de discriminação, negligência ou violência, de forma a contribuir para uma cultura escolar que garanta direitos e promova o bem‑estar coletivo. II – Afirmativa correta. Justificativa: a prática pedagógica não pode se restringir à reprodução de conteúdos, mas deve favorecer o desenvolvimento da autonomia intelectual e da consciência crítica dos alunos. Ao assumir essa função, o professor reconhece seu papel político e social na constituição de uma cidadania ativa, sendo corresponsável pela formação de indivíduos que compreendem e questionam as estruturas sociais, e que agem pautados por valores democráticos e éticos. III – Afirmativa correta. Justificativa: a complexidade das demandas sociais exige que o educador atualize e aprofunde seus saberes de forma contínua, a fim de lidar com questões como desigualdade, racismo, violência e exclusão com criticidade e competência. A formação docente não deve restringir‑se ao domínio técnico ou metodológico, mas precisa integrar a compreensão das dinâmicas sociais presentes na escola para que a prática seja tanto pedagógica quanto socialmente engajada.à exclusão histórica da população negra dos espaços de poder e de representação, sendo reproduzido cotidianamente através da linguagem, da mídia e das práticas educacionais. Figura 11 – Capa do livro Pequeno manual antirracista, de Djamila Ribeiro (2019) Disponível em: https://tinyurl.com/53peszzk. Acesso em: 17 jun. 2025. 58 Unidade II Saiba mais Compreender o racismo estrutural de forma crítica e acessível é essencial para educadores e estudantes que buscam construir uma educação antirracista. Em obras como Pequeno manual antirracista (2019) e O que é: lugar de fala (2017), a filósofa Djamila Ribeiro propõe que o reconhecimento das desigualdades é o primeiro passo para transformá‑las. Ela aponta o quanto o racismo se naturaliza nas relações sociais e defende a escuta ativa das pessoas negras e a valorização de suas experiências como parte essencial da construção do conhecimento. Djamila Ribeiro escreve de forma direta e objetiva sobre como o racismo se manifesta no cotidiano e o que cada pessoa pode fazer para combatê‑lo. Pequeno manual antirracista propõe 11 lições que ajudam a refletir e agir contra o racismo, sendo recomendado para adolescentes, projetos interdisciplinares e formação continuada de docentes. RIBEIRO, D. O que é: lugar de fala. Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017. RIBEIRO, D. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. No vídeo do canal Papo de Preta, temas como representatividade, desigualdades raciais e lugar de fala são tratados de forma leve e envolvente, com exemplos do cotidiano e da mídia. SOBRE o lugar de fala: o que é isso afinal? 2018. 1 vídeo (9 min). Publicado pelo canal Papo de Preta. Disponível em: https://tinyurl.com/jdp28su6. Acesso em: 17 jun. 2025. Esse cenário evidencia a urgência de práticas pedagógicas comprometidas com a educação antirracista, capazes de promover o respeito à diversidade, a valorização dos saberes negros e a superação de desigualdades históricas. Nesse contexto, Djamila Ribeiro (2019, p. 11) afirma que “a luta contra o racismo não é apenas tarefa das pessoas negras, mas de toda a sociedade, especialmente das instituições de ensino”, destacando o papel central da escola na transformação social. A autora também reforça que “é preciso entender que vivemos em uma sociedade estruturada no racismo, onde as pessoas negras, historicamente, foram impedidas de ocupar certos espaços e de serem reconhecidas como produtoras de saberes” (Ribeiro, 2019, p. 11). Essas reflexões reforçam a responsabilidade dos educadores em combater práticas racistas e construir ambientes escolares verdadeiramente inclusivos e equitativos. Segundo Nilma Lino Gomes (2011), a 59 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA inclusão e a equidade implicam o reconhecimento da pluralidade dos sujeitos e a valorização dos saberes historicamente marginalizados. Para a autora, uma escola inclusiva precisa “reconhecer e acolher as diferenças como potencialidades e não como problemas” (Gomes, 2011, p. 54). Observação Práticas inclusivas e equitativas são ações pedagógicas, administrativas e relacionais adotadas pelas instituições de ensino com o objetivo de garantir o acesso, a permanência, a participação e o sucesso de todos os estudantes, reconhecendo e respeitando suas diferenças étnico‑raciais, culturais, sociais, físicas, cognitivas e emocionais. Essas práticas vão além da mera presença física dos alunos, promovendo ambientes educacionais que acolhem, valorizam e representam a diversidade em seus currículos, metodologias e relações. Portanto, desenvolver a ética na docência exige reflexão crítica, diálogo constante com os pares, conhecimento da legislação e, sobretudo, sensibilidade para compreender o contexto social dos alunos. A ética na prática docente é uma construção cotidiana que deve se apoiar na justiça, no respeito e na responsabilidade coletiva. A construção de uma escola verdadeiramente inclusiva e democrática no Brasil passa, necessariamente, pelo letramento racial de toda a comunidade escolar. Trata‑se de um processo contínuo de aprendizagem e reflexão crítica sobre a estrutura racial da sociedade brasileira e suas manifestações no cotidiano escolar. Letrar‑se racialmente significa reconhecer como o racismo está enraizado nas instituições e nos discursos sociais, mesmo sob a aparência da cordialidade ou da suposta neutralidade. O mito da democracia racial, conforme discutido por Gomes (2021), contribui para a naturalização de práticas excludentes e para o silenciamento de vozes negras no espaço escolar. É fundamental, portanto, que as instituições educacionais criem dispositivos que não apenas reconheçam a diversidade, mas promovam ativamente a valorização das identidades negras, indígenas e de outros grupos historicamente marginalizados. Gomes (2012) discute como o racismo estrutural se manifesta nas práticas pedagógicas e curriculares, impactando negativamente a experiência de crianças negras na Educação Infantil. A autora argumenta que a ausência de uma abordagem crítica e inclusiva no currículo contribui para a reprodução de desigualdades e para o apagamento das identidades negras no ambiente escolar. Diante disso, é urgente que as instituições educacionais se comprometam com a descolonização dos currículos, promovendo o reconhecimento e a valorização das histórias, culturas e contribuições dos povos negros, indígenas e demais grupos racializados. Como enfatiza Gomes (2012), descolonizar o currículo implica questionar o que se ensina, por que se ensina e quem tem legitimidade para ensinar, rompendo, assim, com a lógica de exclusão epistêmica que historicamente apagou as experiências e os saberes de sujeitos subalternizados. 60 Unidade II A autora aponta que a presença de crianças negras na escola exige práticas pedagógicas antirracistas e críticas, que não apenas reconheçam a diversidade, mas a incorporem como eixo estruturante do processo educativo. Nesse sentido, o currículo precisa ser um espaço de disputa e reconstrução, voltado à equidade e à justiça social. Para isso, é necessário compreender que a educação antirracista não pode se limitar a datas comemorativas ou a atividades pontuais, mas deve estar integrada de forma transversal à gestão escolar, ao currículo, às relações interpessoais e às práticas pedagógicas cotidianas. Muito presente na pauta das escolas atualmente, o conceito de educação antirracista é uma prática pedagógica que reconhece, enfrenta e busca desconstruir as desigualdades raciais presentes na sociedade e, especialmente, na escola. Essa abordagem não se limita à denúncia de atos discriminatórios pontuais, mas propõe uma reestruturação das práticas escolares, dos conteúdos curriculares e das relações sociais dentro do espaço educativo. Segundo Gomes (2017), a educação antirracista deve integrar‑se ao projeto pedagógico da escola como uma prática constante e não como ações esporádicas. Para a autora, é essencial reconhecer os saberes e as histórias afro‑brasileiras e indígenas como parte integrante do processo formativo. Kabengele Munanga (2005b) também contribui ao mostrar que o racismo no Brasil muitas vezes se manifesta de forma dissimulada, o que reforça a necessidade de um ensino crítico sobre a história da população negra e indígena, suas lutas e contribuições. Outro passo essencial é a criação de uma comissão antirracista dentro da escola, formada por representantes da gestão, professores, familiares e, sempre que possível, estudantes. Essa comissão deve ter autonomia para avaliar práticas, ouvir denúncias e propor ações formativas e transformadoras do cotidiano escolar. Observação A educação antirracista é um conjunto de práticas pedagógicas e políticas escolares que tem como objetivo combater o racismo, valorizar a diversidade étnico‑racial e garantir a equidade racial no processo de ensino‑aprendizagem. A educação antirracista parte do reconhecimento de que o racismo é estruturale atua para desconstruí‑lo por meio da inclusão de conteúdos, autores e perspectivas negras e indígenas no currículo escolar. Entre as principais características da educação antirracista, destaca‑se a valorização da história e da cultura afro‑brasileira e indígena, reconhecendo seus saberes e contribuições como parte essencial da formação escolar. Essa abordagem busca romper com o silenciamento das vozes negras e indígenas nos conteúdos didáticos, dando visibilidade a narrativas historicamente marginalizadas. Essa ação resulta em educadores e educandos formados para promover o respeito à diversidade e para construir relações baseadas na equidade racial. 61 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA A educação antirracista trata de um compromisso ético e político com a equidade, que exige ações contínuas e intencionais no combate ao racismo estrutural presente nas dinâmicas escolares. A análise e a reformulação crítica do currículo escolar são indispensáveis. As escolas devem incorporar, de forma transversal e sistemática, os conteúdos previstos pelas Leis n. 10.639/2003 e n. 11.645/2008, que determinam o ensino da história e cultura afro‑brasileira, africana e indígena em todos os níveis de ensino. Tais leis são marcos importantes para a promoção da educação antirracista e a valorização da diversidade étnico‑racial nas escolas brasileiras. A Lei n. 10.639/2003, sancionada em 9 de janeiro de 2003, tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro‑brasileira e africana nos currículos da Educação Básica, especialmente nas áreas de Educação Artística, Literatura e História. Essa lei tem como objetivo valorizar a contribuição dos povos africanos na formação da sociedade brasileira, combater o racismo por meio da educação, e promover o reconhecimento e respeito pela diversidade étnico‑racial, fortalecendo a identidade e autoestima da população negra. Saiba mais Há diversas formas de racismo, e a conscientização é ferramenta essencial para combatê‑las. Leia a história em quadrinhos publicada no site a seguir na ocasião do Dia da Consciência Negra: O QUE é racismo estrutural? Mina de HQ, 20 nov. 2023. Disponível em: https://tinyurl.com/fsuemwpb. Acesso em: 17 jun. 2025. Pesquisas da área da antropologia nos ensinam que compreender as formas como as sociedades produzem e reproduzem desigualdades exige atenção especial a fenômenos como o racismo estrutural, o preconceito e as atitudes em relação à diversidade cultural. O racismo estrutural refere‑se às formas de discriminação racial que estão profundamente enraizadas nas instituições sociais, políticas, econômicas e culturais. A antropologia, ao estudar as estruturas simbólicas e materiais das culturas, denuncia como essas práticas estão naturalizadas e operam mesmo sem intenção consciente. De acordo com Silvio Almeida (2019), o racismo estrutural é “um conjunto de práticas institucionais, históricas, culturais e interpessoais que colocam um grupo étnico‑racial em posição de desvantagem sistemática”. O preconceito, por sua vez, é um julgamento prévio e negativo sobre indivíduos ou grupos com base em estereótipos culturais, étnicos, religiosos, de gênero, entre outros. Em oposição ao preconceito e como resposta ética e política ao racismo, a aceitação da diversidade cultural é um princípio fundamental da antropologia contemporânea. Trata‑se do reconhecimento de que todos os grupos humanos produzem cultura, e que essas culturas devem ser compreendidas em seus próprios termos, sendo a ideia central do relativismo cultural. Segundo Claude Lévi‑Strauss (1986), a diversidade das culturas humanas deve ser respeitada não apenas como um dado da realidade, mas como um valor. 62 Unidade II Dessa forma, combater o racismo e o preconceito exige que observemos práticas institucionais a partir de um olhar reflexivo e crítico, sempre com uma postura aberta à pluralidade dos modos de vida. Assim, a educação antirracista e intercultural nos parece um ótimo caminho para exercitar conhecimentos, saberes e empatia rumo ao processo de transformação social. Lembrete A diversidade cultural é o conjunto das diferentes formas de viver, pensar e se expressar dos povos e das pessoas. Respeitar essa diversidade é entender que nenhuma cultura é melhor ou pior que a outra. Como dizia o antropólogo Lévi‑Strauss, todas as culturas têm seu valor e devem ser respeitadas. Diante disso, é importante reconhecer o racismo e o preconceito e aprender a valorizar as diferenças. Esse é o caminho para construir uma sociedade mais justa, onde todos possam ser respeitados como são. Como destaca Gomes (2017, p. 75), a Lei n. 10.639/2003 “representa uma ruptura com a lógica eurocêntrica da educação brasileira ao legitimar a história e a cultura afro‑brasileira como parte da formação de todos os estudantes”, contribuindo para uma educação que valorize as diferenças culturais. Para o antropólogo Kabengele Munanga (2005b, p. 47), “tratar da história e cultura dos povos indígenas e afrodescendentes na escola é fundamental para construir uma sociedade mais justa e igualitária”. É fundamental, como destacam Veiga, Araújo e Kapuziniak (2005), que o professor se compreenda como agente ético e político, comprometido com uma prática educativa que valorize a pluralidade cultural e combata todas as formas de opressão. Lembrete A Lei n. 11.645/2008, promulgada em 10 de março de 2008, amplia o alcance da Lei n. 10.639/2003, incluindo também a obrigatoriedade do ensino da história e cultura dos povos indígenas brasileiros. Essa lei visa garantir que o currículo escolar reflita o reconhecimento da importância das culturas indígenas, além de combater o preconceito contra os povos originários ao promover uma formação cidadã crítica e plural, corrigindo distorções históricas presentes no ensino escolar. Trazer para o currículo cientistas negros e negras, tecnologias africanas, autores e artistas antirracista não apenas como exceções, mas como parte essencial da construção do conhecimento, é um passo necessário para possibilitar a vivência da diversidade e resgatar a dignidade das populações historicamente invisibilizadas. 63 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA Texto em destaque: Ela apanha amoras dos galhos e do chão. Ao vê‑la, Zumbi dos Palmares diria: — Nada foi em vão. Adaptado de: Emicida (2018). No trecho apresentado do livro Amora, de Emicida (2018), a personagem apanha amoras no chão, talvez como quem recolhe os frutos de uma história que muitos tentaram apagar. A obra nos instiga a pensar e pesquisar quem foi Zumbi dos Palmares e a importância dele para o movimento negro no Brasil. A narrativa parece simples, mas mostra que mesmo os pequenos gestos carregam a força de quem veio antes (historicamente) e continuam a fazer sentido no presente, porque deixaram marcas profundas na luta por liberdade e dignidade. Assim, a partir do trecho transcrito, é possível refletir: será que conseguimos reconhecer, nos nossos próprios gestos do dia a dia, os frutos das lutas dos que vieram antes de nós? Nesse ponto, é importante pensar em nossos pais, avós, bisavós e nas histórias que cada família vivenciou. Enquanto profissional da área da educação, você já refletiu sobre a inclusão de autores de origem afro‑brasileira ou indígena em seus estudos ou práticas pedagógicas? Essa prática é essencial, pois esses autores, com suas perspectivas únicas sobre as questões raciais, sociais e educacionais, oferecem uma visão mais rica e plural sobre a educação. Saiba mais A discussão sobre a temática indígena na educação envolve a valorização dos saberes, culturas e história dos povos originários do Brasil, com o objetivo de promover uma formação escolar que respeite e integre essas identidades. A seguir estão alguns livros e autores que são leituras essenciais, as quais podem ser levadas para a sala de aula. Ailton Krenak é um dos principais pensadores indígenas contemporâneos. Sua obra oferece uma crítica potente sobrea relação entre a sociedade 64 Unidade II moderna e os povos originários, refletindo sobre as consequências das políticas públicas para os indígenas no Brasil, incluindo a educação. KRENAK, A. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. Davi Munduruku, como membro do povo Munduruku, compartilha reflexões sobre os desafios enfrentados pelos povos indígenas em sua luta pela preservação de suas culturas e identidade no contexto educacional. MUNDURUKU, D. Histórias de índio. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1996. bell hooks, embora não seja indígena, contribui significativamente para as discussões sobre a diversidade, identidade e as formas de opressão que afetam minorias. O livro Meu crespo é de rainha (2018) é uma homenagem ao cabelo afro e ensina as crianças a se orgulhar de suas origens. hooks escreveu seu primeiro livro infantil em 1999 após presenciar um episódio de racismo em uma escola, onde cabelos crespos foram chamados de ruins. A obra, publicada originalmente em 1999, busca valorizar a identidade negra e combater estereótipos, celebrando a beleza dos cabelos afro com linguagem poética e acessível, promovendo autoestima e respeito à diversidade entre as crianças. HOOKS, B. Meu crespo é de rainha. São Paulo: Boitatá, 2018. No livro A pele que eu tenho, bell hooks aborda, de forma poética e sensível, o tema da raça e da identidade, propondo uma reflexão sobre o perigo de julgar as pessoas pela aparência. A narrativa promove o amor ao próximo e valoriza a individualidade, reforçando mensagens de respeito, empatia e inclusão desde a infância. HOOKS, B. A pele que eu tenho. São Paulo: Boitempo, 2022. Emicida, rapper e ativista, embora mais conhecido por seu trabalho musical, também faz contribuições significativas sobre identidade, racismo e a luta pela valorização das culturas negras e indígenas. Sua reflexão sobre a educação, a arte e a resistência é relevante para uma abordagem crítica do ensino. AMARELO: é tudo pra ontem. Direção: Fred Ouro Preto. Brasil: Netflix, 2020. 89 min. Amora é uma obra muito interessante para ser trabalhada com crianças, pois conta histórias que abordam a valorização da identidade negra e o 65 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA empoderamento, além de trazer elementos culturais que celebram as raízes afro‑brasileiras de forma leve e criativa. EMICIDA. Amora. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. A obra desses autores, indígenas e não indígenas, oferece um panorama valioso sobre a importância de integrar as vozes dos povos originários na educação. Ao valorizar e dar visibilidade às culturas e histórias indígenas, os educadores podem contribuir para um sistema escolar mais inclusivo e capaz de refletir a diversidade do Brasil. Além disso, é fundamental que, enquanto futuros pedagogos, os estudantes compreendam como a educação pode ser uma ferramenta poderosa para o reconhecimento e fortalecimento das identidades culturais. Podemos exemplificar a prática com casos que mobilizam debates importantes sobre os direitos humanos no contexto escolar. Alunos de uma escola estadual em São Paulo denunciaram a diretora por atos de transfobia e assédio moral, incluindo a proibição de uma estudante trans utilizar o banheiro feminino e o não reconhecimento do seu nome social (Diretora […], 2022). Diante das denúncias e da mobilização dos estudantes, a diretora também foi afastada para que as investigações fossem conduzidas pela Secretaria Estadual da Educação, destacando a importância de medidas que garantam respeito e inclusão no contexto escolar. Em 2025, uma professora de inglês da Escola Municipal Acre, na zona norte do Rio de Janeiro, foi afastada após denúncias de transfobia. A estudante trans Kauane, de 13 anos, relatou que a docente insistiu em chamá‑la pelo nome de batismo masculino, mesmo com o nome social devidamente registrado nos documentos escolares. A situação se agravou quando a professora escreveu o nome de batismo da aluna em um trabalho na frente da turma, causando constrangimento. Esta não foi a primeira denúncia contra a docente: em 2023, ela teria obrigado alunos a rezar em sala ao descobrir que uma jovem era do candomblé. A Secretaria Municipal de Educação instaurou uma sindicância e afastou a professora, enquanto a Polícia Civil prossegue com as investigações (Peixoto; Castelano, 2025). Esses casos evidenciam os desafios enfrentados pelas instituições de ensino na promoção de um ambiente democrático, ético e inclusivo, onde o respeito às diferenças seja efetivamente assegurado. Outro caso recente chamou a atenção de escolas e educadores. Ella Stapleton, aluna de Administração da Universidade Northeastern, em Boston (EUA), solicitou reembolso de US$ 8 mil (cerca de R$ 45 mil) após descobrir que o professor usou inteligência artificial (IA) para elaborar o material de uma disciplina (Aluna […], 2025). A denúncia surgiu quando ela identificou comandos típicos do ChatGPT, além de erros de ortografia, imagens distorcidas e trechos desconexos nos conteúdos das aulas. A estudante alegou que o uso da IA não foi informado, contrariando as normas do curso, que proíbem “práticas acadêmicas desonestas, como o uso não autorizado de inteligência artificial. Em resposta, a universidade não comentou o caso específico, mas afirmou adotar o uso de IA para aprimorar o ensino e atualizar suas políticas sobre o tema. 66 Unidade II Figura 12 – A tecnologia na sala de aula Disponível em: https://tinyurl.com/4sh74xhk. Acesso em: 17 jun. 2025. O caso se insere em um contexto mais amplo de debates sobre o uso de IA na educação. Ferramentas como ChatGPT estão sendo usadas por alunos e professores, o que levanta questões sobre autenticidade, originalidade e ética, levando‑nos a questionar: como equilibrar inovação tecnológica e compromisso ético no processo de ensino‑aprendizagem? Em um ambiente escolar, a confiança entre aluno e professor, essencial para uma formação de qualidade, é abalada quando o uso de ferramentas como IAs ocorre sem transparência ou critério pedagógico claro. O episódio nos faz repensar as práticas educacionais diante das novas tecnologias, exigindo não apenas regulamentações institucionais, mas também uma cultura de diálogo, responsabilidade e formação crítica sobre o uso da IA na produção e mediação do conhecimento. O ambiente da sala de aula é um espaço de troca, escuta e confiança mútua, onde o docente compartilha não apenas informações, mas também sua elaboração intelectual, metodologias e experiências únicas. Nesse contexto, podemos mencionar a proibição de gravar e fotografar aulas sem a autorização prévia do professor, que está amparada no respeito aos direitos de imagem e autorais, mas que vai além das questões legais, alcançando uma dimensão ética fundamental na relação educativa. Além disso, é importante destacar outro ponto: registrar e divulgar conteúdo sem consentimento fere não só a legislação, mas também a ética do cuidado, da reciprocidade e da valorização do trabalho docente. Proteger o direito de imagem e os conteúdos produzidos pelos professores é reconhecer sua autoria e dignidade profissional, fortalecendo o respeito mútuo e o compromisso coletivo com uma educação justa, segura e responsável. Como observamos, a docência, por sua natureza formadora, está imersa em um campo de tensões éticas que se intensificam diante da crescente polarização política e do avanço de pautas conservadoras no Brasil. Em um cenário em que a escola é frequentemente tomada como campo de disputa ideológica, 67 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA os profissionais da educação se veem confrontados com dilemas éticos que atravessam desde o planejamento das aulas até o relacionamento com a comunidade escolar. A Constituição Federal de 1988 assegura, no artigo 206, a liberdade de ensinar e aprender, além do pluralismo de ideias no ambiente educacional. Professores que promovem discussões sobre gênero, sexualidade, racismo, açõesafirmativas ou até mesmo críticas a ações governamentais têm sido alvos de perseguições, denúncias e ameaças, muitas vezes respaldadas por discursos de movimentos políticos que associam o ensino crítico à doutrinação ideológica. A chamada Escola Sem Partido, por exemplo, defende uma visão de neutralidade pedagógica que, como destacam Veiga, Araújo e Kapuziniak (2005), esvazia o papel ético‑político do educador e reduz a prática docente a uma função técnica e desprovida de compromisso com a transformação social. A Constituição Brasileira diz que todas as pessoas têm o direito de ensinar e de aprender, e que a escola deve ser um espaço onde diferentes ideias possam ser discutidas (Brasil, 1988, art. 206). Porém, nos últimos anos, esse direito vem sendo desrespeitado. Esses dilemas não são teóricos, mas se materializam em situações concretas. Um caso emblemático ocorreu em 2021, quando uma professora de história foi suspensa pela direção escolar após criticar o então governo federal ao debater demarcação de terras indígenas com seus alunos (Sindicato […], 2021). O episódio levantou debates sobre a liberdade de cátedra e o papel da escola na formação cidadã. A docente se viu diante do dilema entre manter sua proposta pedagógica, pautada na crítica e no debate democrático, ou ceder à pressão e revisar seu conteúdo para evitar retaliações. Cortina (2005) aponta que a ética profissional exige do educador uma disposição constante ao diálogo, à escuta ativa e à coerência entre discurso e prática. No contexto atual, isso implica reconhecer que neutralidade absoluta é impossível e que toda prática pedagógica carrega uma intencionalidade. Por isso, a formação ética do professor precisa incluir o desenvolvimento de uma consciência crítica que o capacite a lidar com conflitos morais e pressões externas sem abdicar de seus compromissos com os direitos humanos, a democracia e a justiça social. Outro desafio ético recorrente nas escolas brasileiras está relacionado à diversidade cultural e à inclusão. Em tempos de conservadorismo, práticas pedagógicas que valorizam a equidade racial, de gênero e de orientação sexual são constantemente questionadas. A ausência de políticas institucionais claras sobre esses temas deixa os docentes expostos e solitários diante de ataques. Como afirma Gomes (2011), o silenciamento de vozes negras e periféricas nas escolas contribui para a perpetuação de práticas excludentes e para a naturalização das desigualdades sociais. Provavelmente você já ouviu falar em diversidade cultural e inclusão, mas sabia que eles são conceitos relacionais (aqueles que só podem ser compreendidos e definidos a partir da interação com outros conceitos)? Por exemplo, diversidade cultural e inclusão são conceitos relacionais pois seu entendimento completo depende da relação entre as diferenças culturais (diversidade) e os processos que garantem a participação igualitária e o respeito às diferenças (inclusão). 68 Unidade II Observação A diversidade cultural refere‑se à coexistência de diferentes culturas, crenças, práticas e valores dentro de uma sociedade. É o reconhecimento e o respeito às diferenças, não apenas étnicas, mas também sociais, religiosas, de gênero e de orientação sexual. A diversidade cultural abrange a pluralidade de identidades e a riqueza que cada grupo humano contribui para o conjunto da sociedade. A inclusão, por sua vez, é o processo de garantir que todas as pessoas, independentemente de suas características pessoais ou sociais, tenham as mesmas oportunidades de participação e acesso aos benefícios de uma sociedade. Em contextos educacionais, a inclusão envolve a adaptação de práticas pedagógicas para atender às necessidades de todos os alunos, respeitando suas diferenças e promovendo um ambiente de aprendizado equitativo. Isso, por exemplo, significa que as instituições devem adaptar suas estruturas, currículos, materiais pedagógicos e práticas de ensino para garantir que todos os estudantes, independentemente de suas origens, habilidades ou limitações, possam participar de forma plena e igualitária. Assim, cabe ao professor agir com ética e coragem, mesmo quando isso significa enfrentar a resistência de parte da comunidade escolar. A ética docente, nesse sentido, não é apenas um conjunto de normas, mas um compromisso político com a construção de uma educação emancipadora, que reconheça e valorize a pluralidade humana. Portanto, os dilemas éticos vivenciados pelos docentes brasileiros refletem a complexidade de um país em disputa simbólica, onde a escola ocupa um lugar central. A formação inicial e continuada dos professores precisa incluir espaços para refletir criticamente sobre esses dilemas, desenvolvendo habilidades para mediar conflitos, resistir a pressões antidemocráticas e, sobretudo, manter‑se fiel aos princípios de uma educação ética, inclusiva e transformadora. 5.2 Código de ética do pedagogo No Brasil, não existe um código de ética único e nacional, com força de lei e especificamente para docentes, como há para profissões regulamentadas por conselhos profissionais federais (como médicos, psicólogos, advogados etc.). A proposta de um código de ética busca garantir uma postura ética perante os dilemas cotidianos, além de contribuir para a valorização da profissão docente e o aprimoramento do ensino‑aprendizagem. Diante disso, diferentes instâncias têm elaborado documentos éticos com o objetivo de orientar a conduta dos profissionais da educação. Um deles foi o Conselho Federal de Educadores e Pedagogos (CFEP), 69 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA com sua Resolução n. 3/2018, que estabelece seu Código de Ética e Disciplina para orientar a atuação dos pedagogos no Brasil e, embora não tenha força de lei, é reconhecido na área. Há também os códigos de ética elaborados por conselhos estaduais ou municipais de educação, e alguns estados e municípios possuem códigos de ética próprios, como o estado de São Paulo, com a Resolução da Secretaria de Educação (SE) n. 52/2013, que institui o Código de Ética dos Profissionais da Educação Pública do Estado de São Paulo, visando orientar a conduta dos profissionais perante alunos, colegas, gestão e sociedade. As entidades de classe, associações e sindicatos de professores – como a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) – também publicaram cartilhas e códigos de conduta com diretrizes éticas sobre compromisso social e respeito à diversidade e à democracia. Com isso em vista, é preciso discutir com mais profundidade o código de ética no contexto dos cursos de formação docente e refletir sobre as transformações que a profissão de educador enfrenta, especialmente diante das exigências do mundo contemporâneo e das novas demandas educacionais. Embora não exista um código nacional específico, os professores estão sujeitos a diversos princípios legais, normativos e constitucionais, como o art. 206 da Constituição Federal, que trata sobre a liberdade de ensinar, aprender e o pluralismo de ideias (Brasil, 1988); o ECA, que trata do direito à educação sem discriminação (Brasil, 1990); e a LDB, que define as bases legais do ensino no Brasil, incluindo deveres éticos implícitos (Brasil, 1996). A Constituição Federal de 1988, no art. 206, estabelece princípios fundamentais para a educação no Brasil, incluindo a liberdade de ensinar, aprender, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. Além disso, o artigo reafirma o compromisso com uma educação democrática e plural, reconhecendo a diversidade de ideias e a autonomia do educador. O ECA, instituído pela Lei n. 8.069/1990, reforça a ideia de que todas as crianças e adolescentes têm direito à educação, sem discriminação de qualquer natureza. Esse Estatuto estabelece que o acesso à educação é um direito fundamental, assegurado a todos, sem qualquer forma de preconceito ou exclusão, sendo um marco legal que orienta aatuação dos educadores em termos de respeito à dignidade, à diversidade e aos direitos das crianças e adolescentes. A LDB, Lei n. 9.394/1996, por sua vez, define as bases legais do ensino no Brasil e traz diretrizes para a organização e funcionamento da educação, incluindo os deveres éticos dos educadores. Essa lei reconhece a educação como um direito de todos e responsabilidade do Estado, da sociedade e da família, destacando que os profissionais da educação devem atuar de maneira ética, comprometida com a qualidade do ensino e com a formação integral dos estudantes. Esses documentos legais, embora não configurem um código específico de ética, fornecem os parâmetros que orientam os professores em sua prática pedagógica, garantindo a promoção dos direitos humanos, a inclusão e a diversidade no ambiente educacional. 70 Unidade II 5.2.1 Resolução SE n. 52/2013 A Resolução SE n. 52/2013 orienta e normatiza a conduta ética dos profissionais da educação no estado de São Paulo, promovendo o respeito aos direitos humanos, a pluralidade de ideias e o compromisso com a qualidade educacional. Ela surge em um contexto de debate sobre os direitos e responsabilidades dos educadores, reconhecendo as complexas relações dentro da escola e a necessidade de garantir uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos. A resolução busca regular não apenas as ações dos docentes com os alunos, mas também suas interações com colegas, gestores e a sociedade, promovendo dignidade, inclusão e equidade. O documento enfatiza o papel da educação como agente de mudança, promovendo inclusão social e a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Os educadores devem ser facilitadores da cidadania, promovendo os direitos humanos e valorizando a diversidade. A resolução também exige comprometimento com a qualidade do ensino, ação pedagógica planejada e constante atualização para garantir o desenvolvimento integral dos alunos. Além disso, destaca a importância de um ambiente de confiança mútua e respeito, essencial para o desenvolvimento emocional e intelectual dos estudantes. O documento orienta os profissionais a trabalharem de forma colaborativa e respeitosa com colegas e gestores, buscando um ambiente escolar eficaz e harmonioso. Com isso, a resolução incentiva a atuação dos educadores em questões sociais como violência, discriminação e desigualdade, para transformar a escola em um espaço de mudança. No entanto, a aplicação das diretrizes enfrenta limitações devido à resistência de alguns profissionais e gestores, escassez de recursos nas escolas públicas, formação inadequada sobre diversidade e cidadania, e à polarização política no Brasil que tem gerado desafios éticos, o que dificulta a neutralidade pedagógica e cria tensões nas escolas. Apesar dessas limitações, a resolução representa um avanço significativo, com ênfase em um ensino inclusivo e plural, e o reconhecimento do educador como agente de transformação social. 5.2.2 Código de Ética e Disciplina do Conselho Federal de Educadores e Pedagogos (CFEP) Os principais objetivos da Resolução CFEP n. 3/2018 são estabelecer princípios e condutas que orientem a atuação ética dos profissionais da educação, promover a valorização da profissão e reconhecer sua importância na formação de todas as outras profissões. Além disso, o código busca incentivar a gestão democrática e o trabalho coletivo, visando à construção do conhecimento e à formação cidadã dos alunos, fomentando a atuação transformadora dos educadores e contribuindo para o crescimento humano e social dos indivíduos. A partir de tais objetivos, o código possui princípios fundamentais que o regem: • Respeito à dignidade humana: tratar cada aluno com dedicação, respeito, amor, diálogo e companheirismo. 71 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA • Compromisso com a justiça social: atuar de forma a promover a equidade e a inclusão em todas as modalidades de ensino. • Responsabilidade profissional: agir com ética, competência e comprometimento nas diversas áreas de atuação pedagógica. • Valorização da educação: reconhecer a educação como um direito fundamental e um instrumento de transformação social. A Resolução n. 3/2018 aprova o Código de Ética e Disciplina do CFEP, fundamentando‑se na Lei n. 12.014/2009 e no Estatuto Social da instituição (CFEP, 2018). Além disso, o código reconhece como profissionais da educação aqueles com formação e atuação nas diversas áreas da Educação Básica, incluindo docentes e pedagogos com habilitações específicas. O documento ressalta que o educador e o pedagogo exercem uma função social essencial, devendo agir com base em princípios éticos, morais e legais. Diante das mudanças sociais, destaca‑se a necessidade de atualização constante das práticas educacionais, alinhando teoria e prática para garantir uma formação sólida e ética. Dos profissionais da Educação, presentes nas mais diversas áreas que dependem de sua atuação ímpar, espera‑se que os princípios éticos aqui apresentados [sejam observados] […], se posicionando como profissionais que fazem a diferença na vida de cada aluno ao tratá‑lo com dedicação, respeito, amor, diálogo e companheirismo (CFEP, 2018, p. 6). O código tem como objetivo regular a conduta dos profissionais registrados no CFEP, zelando pela qualidade da educação e pela defesa dos direitos dos cidadãos no contexto do Estado Democrático de Direito. O documento reconhece como profissionais da educação aqueles que atuam na Educação Básica e Ensino Superior, com formação específica e em conformidade com a Lei n. 12.014/2009. Além dos professores habilitados, a resolução também inclui os pedagogos com formação em administração, planejamento, supervisão e orientação educacional, bem como profissionais com mestrado e doutorado nessas áreas. A resolução destaca que a formação dos profissionais da educação deve ser sólida e abrangente, com base em conhecimentos científicos e sociais. Essa formação deve associar teoria e prática por meio de estágios supervisionados e capacitação contínua. A dinâmica da formação inclui também o aproveitamento das experiências anteriores, seja em instituições de ensino ou outras áreas profissionais. O educador é visto como essencial para a administração da Educação Básica e Superior, sendo sua função social de extrema relevância. O código de ética enfatiza que o pedagogo deve exercer suas funções de maneira compatível com o compromisso de formar cidadãos críticos, éticos e conscientes de seus direitos e deveres na sociedade. O educador deve atuar sempre em consonância com princípios éticos 72 Unidade II e morais, considerando as transformações sociais e as novas demandas educacionais. O código orienta que os profissionais da educação se atentem para os direitos humanos e as questões que envolvem a justiça social, respeitando a diversidade e a inclusão em todos os aspectos do processo educativo. A resolução também reflete a necessidade de adaptação das práticas educacionais às transformações sociais e educacionais. Isso inclui a promoção de um ambiente de aprendizado democrático e inclusivo, no qual a educação atenda de maneira equitativa e justa a todos os estudantes, independentemente de sua origem social, étnica ou econômica. O código destaca a valorização da formação profissional, reforçando a importância de uma formação sólida e contínua, alinhada com as necessidades da sociedade e as demandas do mercado educacional. Ainda, a resolução enfatiza a responsabilidade social do educador, incentivando práticas pedagógicas que promovam a cidadania, os direitos humanos e a justiça social. Outro ponto importante é a garantia de inclusão e diversidade, com o código defendendo uma educação que respeite e valorize as diferenças, algo fundamental em um país como o Brasil, marcado pela diversidade cultural e social. Embora a resolução traga orientações claras, a implementação efetiva do código nas escolas e instituições educacionais dependeda conscientização e do engajamento dos próprios profissionais da educação e das gestões educacionais. Além disso, o Brasil apresenta uma grande diversidade em suas realidades educacionais, o que torna a aplicação uniforme do código de ética desafiadora, especialmente em contextos locais muito distintos, como áreas rurais ou periferias urbanas, onde o acesso à formação contínua e à capacitação pode ser limitado. Figura 13 – Mapa mental baseado no Código de Ética do Pedagogo A Resolução n. 3/2018 é um marco importante na regulamentação da ética profissional dos educadores e pedagogos, buscando garantir a qualidade e a responsabilidade na prática educacional. Ao destacar a importância de uma formação sólida, da atuação ética e da responsabilidade social, ela 73 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA oferece uma base para que os profissionais da educação possam desempenhar suas funções com respeito à diversidade e com compromisso com a justiça social. No entanto, os desafios de implementação e a diversidade de contextos educacionais exigem um esforço contínuo de adaptação e vigilância para garantir que as diretrizes sejam cumpridas de forma efetiva e equitativa. A partir de tais exposições, reflita: de que maneira a inclusão de discussões sobre ética nos cursos de formação docente pode contribuir para a melhoria da prática pedagógica no contexto contemporâneo? Em que medida as exigências contemporâneas no campo da educação podem gerar dilemas éticos para os profissionais da educação e como estes podem ser abordados no contexto de um código de ética? 6 A RESPONSABILIDADE SOCIAL DO PROFESSOR O compromisso de educar crianças e adolescentes de forma segura, proporcionando um ambiente escolar que promova o bem‑estar, a aprendizagem e o respeito aos direitos de todos os envolvidos, é uma das responsabilidades mais profundas que os professores têm em sua prática pedagógica. A palavra responsabilidade tem origem no latim responsus, particípio passado de respondere, que significa responder. Etimologicamente, o termo remete à ideia de “responder pelos próprios atos ou pelos de outrem” (Ferreira, 2004, p. 582). De acordo com o Dicionário Houaiss da língua portuguesa, responsabilidade é definida como a “obrigação de responder pelas ações próprias ou dos outros” (Responsabilidade, 2009). Em um contexto como o brasileiro, com imensa diversidade social e desigualdade, o papel do professor como agente de transformação e cidadania se torna ainda mais crucial. No entanto, essa responsabilidade não se limita apenas à transmissão de conhecimento acadêmico, mas também envolve a construção de um ambiente seguro e ético, onde as crianças e os adolescentes possam se desenvolver integralmente. A formação cidadã é uma das facetas mais relevantes da responsabilidade social do professor. Em um país com realidades tão diversas, o educador não é apenas alguém que ensina conteúdos curriculares, mas um facilitador de valores éticos e de cidadania. A Constituição Brasileira de 1988, no art. 205, estabelece que “a educação é um direito de todos e um dever do Estado e da família”, enfatizando que o objetivo da educação vai além da preparação para o mercado de trabalho, envolvendo também a formação de cidadãos críticos e conscientes de seus direitos e responsabilidades. Paulo Freire, na obra Pedagogia do oprimido (1987), reforça que a educação deve ser vista como um processo de libertação, onde o professor não apenas transmite conhecimento, mas também promove a consciência crítica do aluno sobre a sua realidade social. A educação, segundo Freire (1987), deve possibilitar que os educandos compreendam o mundo e suas condições sociais, aparelhando‑os para que possam atuar na transformação de sua vida e da sociedade como um todo. Para que essa transformação social ocorra, é necessário que os professores promovam um ambiente que incentive a reflexão e o pensamento crítico. Além disso, é imprescindível que o professor atue como agente formador de consciência crítica, cabendo‑lhe promover um ambiente de aprendizagem que 74 Unidade II favoreça a reflexão, o diálogo e o pensamento autônomo. Mais do que transmitir conteúdos, o docente deve assumir uma postura ética e comprometida com a formação de sujeitos capazes de interpretar, questionar e intervir de maneira crítica na realidade em que estão inseridos. Além de promover valores como o respeito à diversidade e à inclusão, a responsabilidade social do professor também envolve um compromisso com a segurança emocional e física dos alunos. A escola, em muitos casos, é o único espaço seguro para crianças e adolescentes que enfrentam situações de violência doméstica, bullying e discriminação. O professor, nesse contexto, tem o dever de proporcionar um ambiente que favoreça o bem‑estar e o desenvolvimento emocional dos estudantes. A LDB destaca, no artigo 2º, que a educação deve visar “o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, reforçando que o professor tem a responsabilidade de garantir que os alunos não apenas aprendam conteúdo, mas também sejam tratados com dignidade e respeito (Brasil, 1996). Esse compromisso vai além do simples cumprimento de normas de segurança escolar, envolvendo o cuidado com o desenvolvimento emocional e psicológico dos estudantes. A responsabilidade dos educadores inclui a formação de um ambiente escolar seguro, livre de qualquer tipo de violência ou discriminação, e que favoreça a inclusão de todos, abarcando alunos com deficiências ou em situação de vulnerabilidade social. Os professores são pontos‑chave no combate ao bullying, discriminação racial e de gênero, além de agirem como modelos de comportamento ético para seus alunos. O papel do professor não se limita a educar dentro dos parâmetros acadêmicos estabelecidos. Ele também deve ser um agente de transformação social, preparando os alunos para que se tornem cidadãos críticos e capazes de atuar de maneira propositiva em suas comunidades. Figura 14 – Sala de aula Disponível em: https://tinyurl.com/3uyb9nk6. Acesso em: 17 jun. 2025. 75 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA De acordo com Gatti, Sandes‑Guimarães e Puig (2022), os professores têm um papel fundamental na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, sendo essenciais para a promoção de uma cultura de paz e respeito mútuo. Segundo os autores, “é fundamental que a sociedade reconheça a importância e o impacto positivo dos professores na formação dos indivíduos e na construção de uma sociedade mais justa e desenvolvida” (Gatti; Sandes‑Guimarães; Puig, 2022, p. 40). Essa transformação social, contudo, não pode ocorrer sem que os professores estejam preparados. A formação contínua e a capacitação dos educadores são fundamentais para que eles possam lidar com os desafios da sociedade contemporânea, que exigem uma educação mais inclusiva e atenta às questões sociais. De acordo com Gomes (2017), os professores devem ser formados para entender não apenas as questões pedagógicas, mas também as questões sociais que afetam os alunos, como a desigualdade, o racismo e a violência. A responsabilidade social do professor também implica educar para o respeito aos direitos humanos. Ao desenvolver o pensamento crítico e a empatia dos alunos, o professor contribui para a construção de uma sociedade mais igualitária, onde todos possam ter acesso aos mesmos direitos e oportunidades. Uma educação comprometida com a autonomia do educando deve possibilitar a discussão crítica de sua realidade, advertindo‑o sobre os perigos de seu tempo. Paulo Freire (2004, p. 25) enfatiza que “a prática educativa exige a incorporação, por parte dos educadores, da responsabilidade social e política, pois não há neutralidade na educação”. Freire destaca que a autonomia do educando é construída por meio de decisões conscientes, e o educador é um facilitador desse processo, auxiliando na construção da responsabilidade que faz partedo processo educativo: “o fundamental no aprendizado é a construção da responsabilidade da liberdade que se assume” (Freire, 2004, p. 69). A prática educativa, segundo Freire, está alicerçada no reconhecimento da responsabilidade do educador em promover a democratização do ensino. Ele afirma que “é a própria democratização, que se inicia em aprendizado, que exige a ênfase de uma educação para a responsabilidade social e política” (Freire, 2004, p. 88). Dessa forma, a responsabilidade social, na perspectiva freiriana, é essencialmente política e intrinsecamente democrática, visando sempre superar as condições indignas da vida humana. Assumir uma postura conscientemente crítica diante da vida é, para Freire, um imperativo ético do educador. Assim, podemos entender que a responsabilidade social vai muito além de cumprir deveres: para Freire, ser responsável é ter um compromisso real com a transformação do mundo em um lugar mais justo e digno para todos. Essa responsabilidade tem um sentido político e democrático, pois exige do educador uma postura crítica diante da vida e da realidade. Como o próprio autor afirma: “responsabilidade social é assumir postura conscientemente crítica diante da vida” (Freire, 2004, p. 24). Em um país como o Brasil, onde a diversidade social é marcante e as desigualdades são profundas, o compromisso do professor com a formação cidadã e com o cuidado seguro e respeitoso com seus alunos se torna imprescindível. A educação, nesse contexto, deve ser vista não apenas como um meio de transmissão de conhecimento, mas como uma ferramenta para a transformação social. 76 Unidade II O professor, ao fomentar a consciência crítica, ao promover um ambiente seguro e inclusivo, e ao trabalhar para que seus alunos compreendam seus direitos e deveres, cumpre uma responsabilidade social que vai muito além da sala de aula, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e igualitária. Saiba mais Ouça a música “Tamo junto (não desista)”, de Carlinhos Brown e Lexa. A canção é um ótimo material para utilizar como recurso em sala de aula. TAMO junto (não desista). 2020. 1 vídeo (2 min). Publicado pelo canal Lexa. Disponível em: https://tinyurl.com/4ebxbh9u. Acesso em: 17 jun. 2025. A música “Tamo junto (não desista)”, de Carlinhos Brown e Lexa, lançada em 2020 durante a pandemia de covid‑19, foi criada para combater a evasão escolar. A canção destaca a importância da educação e o papel essencial dos professores, especialmente em tempos difíceis. A letra motiva os jovens a persistirem nos estudos e reconhece a responsabilidade dos educadores em garantir o aprendizado dos alunos, utilizando recursos tecnológicos para manter o vínculo educacional. A música reforça que, mesmo em crise, a educação é fundamental para o futuro e que os professores são essenciais no apoio ao desenvolvimento acadêmico dos alunos. Além disso, a obra de Carlinhos Brown e Lexa transmite uma mensagem que incentiva a persistência e a valorização da educação, elementos que estão diretamente ligados à responsabilidade social do professor, que, durante a pandemia, precisou encontrar novas formas de engajar os alunos e oferecer suporte, seja por meio de aulas online, atividades remotas ou outras formas de adaptação à nova realidade. A responsabilidade do professor em garantir o aprendizado de todos, mesmo em tempos de isolamento e dificuldades tecnológicas, foi crucial para que muitos alunos conseguissem superar essa fase difícil. A responsabilidade do professor envolve cuidado e postura ética no ambiente escolar, exercendo uma função social e humana, que exige preparo emocional, responsabilidade, sensibilidade e, acima de tudo, empatia. Em momentos de emergência, como quando um aluno passa mal – seja por um mal‑estar físico, uma crise de ansiedade ou outra condição –, é essencial que o professor e demais funcionários saibam agir com calma, discernimento e prontidão. Nesses momentos, mais do que ensinar, é preciso cuidar e conhecer os recursos disponíveis na escola: existe uma enfermaria? Quem são os responsáveis por primeiros socorros? A comunicação imediata com a coordenação e os inspetores é fundamental, já que, se a escola conta com equipe de enfermagem e bombeiros, é essencial acionar esse suporte rapidamente. Ter os contatos de emergência dos alunos, assim como os protocolos visíveis e atualizados, é condição primordial da organização coletiva do espaço escolar. No Brasil, há ainda o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), um serviço público de saúde que atende gratuitamente a população em casos de emergência médica, com atendimento 77 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA pré‑hospitalar e transporte com rapidez e eficiência por meio de ambulâncias equipadas e que contam com equipes de profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e socorristas) que vão até o local da ocorrência. Muitas vezes, os alunos procuram a enfermaria não apenas por sintomas físicos, mas também como um espaço de acolhimento emocional. Para além dos primeiros socorros, a enfermaria se torna um lugar de desabafo, de escuta silenciosa, de repouso diante das tensões do cotidiano escolar. Ali, os alunos encontram um momento de pausa, um olhar atento e cuidadoso, alguém que não julga e que entende que nem toda dor é visível. Esse ambiente de cuidado é fundamental para que o aluno se sinta protegido e respeitado em sua totalidade: no corpo, na mente e nas emoções. No entanto, nem todos os dias são calmos ou previsíveis na rotina escolar. Há dias marcados por um verdadeiro turbilhão de situações: pais aflitos ou exigentes, alunos agitados, ausência de profissionais, mudanças repentinas na programação, conflitos entre estudantes ou mesmo entre membros da equipe. Nesses contextos de instabilidade e tensão, o desafio maior está em manter o equilíbrio emocional e a capacidade de escuta ativa, sem perder o discernimento. É justamente nesses momentos que o papel do professor, assim como dos demais integrantes da equipe gestora, se mostra ainda mais essencial. Agir com responsabilidade, empatia e firmeza torna‑se não apenas uma atitude ética, mas um compromisso com o bem‑estar coletivo e a construção de um ambiente escolar seguro, acolhedor e funcional. A presença responsável inicia‑se até mesmo antes do primeiro horário, já na recepção dos alunos. A pontualidade, muitas vezes vista apenas como uma questão de disciplina, é na verdade um gesto de cuidado e comprometimento com a comunidade escolar. Chegar cedo permite não apenas a preparação adequada das atividades, mas também a observação do ambiente, o acolhimento dos alunos que chegam antes do horário e a disponibilidade para eventuais situações emergenciais que possam surgir logo no início do dia. Muitos estudantes encontram na escola o seu primeiro espaço de escuta e acolhimento, e ter um adulto presente, atento e acessível logo pela manhã pode fazer grande diferença em seu bem‑estar. Além disso, a presença pontual do professor contribui para o bom funcionamento da escola como um todo, fortalece os vínculos de confiança entre colegas e alunos, e colabora para a construção de uma rotina mais organizada, segura e respeitosa. Ser pontual, portanto, é também um modo de exercer o cuidado. Contudo, alguns alunos exigem mais atenção, seja por questões emocionais, cognitivas ou comportamentais. Para estes casos, é essencial que o professor atue em parceria com os orientadores e coordenadores pedagógicos, que muitas vezes são os primeiros a acolher desabafos e perceber sinais de sofrimento. Provas adaptadas, uso de salas separadas e apoio individualizado são recursos que garantem o direito de aprender e a dignidade de cada estudante. Outro aspecto importante é o cuidado com o ambiente físico. Garantir que objetos perigosos, como estiletes, pedras ou materiais pontiagudos, estejam fora de alcance ou bem supervisionados, principalmente em atividades práticas, é uma responsabilidade coletiva,que envolve professores, inspetores e alunos. 78 Unidade II Nesse sentido, o trabalho dos inspetores, coordenadores e da enfermaria merece destaque, pois são eles que muitas vezes fazem a ponte entre o cuidado imediato e a mediação dos conflitos. Valorizar esses profissionais, reconhecer sua importância e trabalhar de forma colaborativa com eles fortalece o funcionamento saudável da escola. A construção de relações afetivas com os alunos é um pilar do trabalho docente, mas exige ética e limites. Desenvolver afeto com respeito significa demonstrar interesse genuíno, escuta atenta e apoio emocional sem invadir a privacidade, sem gerar intimidade excessiva. Abraços, beijos ou qualquer contato físico devem ser evitados, especialmente se não forem consentidos ou necessários. É possível e desejável criar vínculos amistosos, respeitosos e afetivos com os estudantes sem perder a postura profissional e a autoridade ética. É possível demonstrar apoio ao aluno com palavras encorajadoras, escuta empática, cuidado com sua aprendizagem e postura justa. O professor é referência, e sua conduta comunica muito mais do que seus discursos. Assim, saber quando encaminhar um aluno para a orientação educacional, ouvir sem julgamento e acolher sem invadir são competências fundamentais. A escola tem buscado, cada vez mais, garantir a proteção e a segurança dos alunos, tanto física quanto emocional, o que só é possível quando há um esforço conjunto entre todos os profissionais envolvidos, com sensibilidade, empatia, preparo e, acima de tudo, responsabilidade. 6.1 Ética e diversidade: inclusão e equidade no ambiente escolar A educação é um direito fundamental garantido pela Constituição, e, para que este direito seja efetivamente acessado por todos, é imprescindível que a escola seja um espaço inclusivo e equitativo. A inclusão e a equidade são princípios éticos essenciais no contexto escolar, e sua implementação deve ser entendida como parte de uma prática pedagógica que visa não apenas a transmissão de conhecimento, mas também o respeito à diversidade e à construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A inclusão pode ser entendida como a prática pedagógica que busca garantir a participação de todos os alunos no processo educacional, respeitando suas diferenças e oferecendo as condições necessárias para que possam aprender de acordo com suas capacidades, sem discriminação. Segundo Mantoan (2017, p. 55), a inclusão “não se limita ao ingresso de alunos em escolas regulares, mas envolve práticas que asseguram a plena participação e aprendizagem dos estudantes, independentemente de suas condições”. Por outro lado, equidade refere‑se à busca por justiça social no ambiente escolar, levando em consideração as desigualdades preexistentes e oferecendo a cada aluno o que ele necessita para ter igualdade de oportunidades. A equidade implica um olhar atento às condições socioeconômicas, culturais e individuais dos alunos, oferecendo recursos, apoio e adaptações necessários para que todos tenham as mesmas chances de sucesso acadêmico. Ambos os conceitos são essenciais para garantir que a escola seja um espaço não apenas de ensino, mas de justiça social e respeito aos direitos humanos, onde a diversidade seja valorizada e todos tenham 79 ÉTICA PROFISSIONAL E CIDADANIA a oportunidade de se desenvolver plenamente. A inclusão e a equidade são indispensáveis para o fortalecimento de uma educação que respeite e celebre as diferenças, promovendo uma convivência harmoniosa entre estudantes de diferentes origens, crenças, orientações sexuais, capacidades e etnias. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 205, afirma que a educação deve visar o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 1988). Isso significa que a escola deve ser um espaço que não apenas ensina, mas que também contribui para a formação de indivíduos críticos, capazes de conviver em sociedade de maneira respeitosa e igualitária. A LDB, por sua vez, reforça em seu art. 3º que o ensino deve ser ministrado de forma a assegurar a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (Brasil, 1996). Isso destaca a importância da criação de condições que atendam às necessidades de todos os alunos, com ênfase nas populações historicamente marginalizadas, como negros, indígenas, pessoas com deficiência e aqueles que pertencem a famílias em situação de vulnerabilidade social. No Brasil, um país caracterizado por sua diversidade cultural, étnica e social, a escola deve ser um reflexo dessa pluralidade. A convivência de estudantes provenientes de diferentes contextos exige do educador uma postura ética que valorize as diferenças e combata práticas discriminatórias, como o racismo, a homofobia e o sexismo. Nesse contexto, a prática pedagógica deve buscar não apenas a aceitação da diversidade, mas também sua celebração, reconhecendo a riqueza que ela traz para o processo de aprendizagem. A presença da diversidade nas escolas brasileiras revela que, apesar dos avanços, muitos alunos ainda enfrentam preconceito e exclusão, principalmente aqueles que pertencem a grupos marginalizados. A prática de inclusão, portanto, deve ser não apenas uma formalidade, mas uma atitude ativa de acolhimento e valorização das diferenças. Além disso, a inclusão não deve ser vista apenas como inserção física na sala de aula, mas como uma mudança sistêmica que exige respeito às diferenças, cooperação entre alunos e formação continuada dos docentes para que estejam aptos a incluir ativamente todos os estudantes em todas as atividades escolares. Essa abordagem promove um ambiente verdadeiramente diversificado, onde a singularidade de cada aluno é reconhecida e valorizada, contribuindo para uma cultura escolar mais ética, respeitosa e equitativa. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) realizada com pessoas com deficiência em 2022 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil tem cerca de 18,6 milhões de pessoas com deficiência com 2 anos de idade ou mais, número que representa 8,9% da população nessa faixa etária. A maioria dessas pessoas enfrenta grandes dificuldades, e quase metade (47,2%) tem 60 anos ou mais, o que mostra que a população com deficiência está envelhecendo (IBGE, 2023). A desigualdade que assola essa parcela da população começa já na educação, já que a taxa de analfabetismo entre pessoas com deficiência é de 19,5%, muito maior do que os 4,1% entre pessoas sem deficiência. Apenas 25,6% desse grupo consegue concluir o Ensino Médio, enquanto o número sobe para 57,3% entre as pessoas sem deficiência. A situação é ainda mais grave no Ensino Superior: 80 Unidade II somente 7% das pessoas com deficiência têm diploma universitário, em contraste com 20,9% das que não têm deficiência. Essa diferença aparece desde cedo e, embora 95,1% das crianças com deficiência entre 6 e 14 anos estejam na escola, esse número ainda é menor do que os 99,4% das crianças sem deficiência. Já entre os jovens de 18 a 24 anos, apenas 14,3% das pessoas com deficiência estão cursando o Ensino Superior, enquanto entre os sem deficiência a taxa é de 25,5%. Além disso, muitos estudantes com deficiência apresentam atraso escolar, ou seja, não estão na série esperada para a idade. No mercado de trabalho, a exclusão também é evidente: apenas 29,2% das pessoas com deficiência fazem parte da força de trabalho (empregadas ou procurando emprego), enquanto o número chega a 66,4% entre as pessoas sem deficiência. Mesmo entre os que têm Ensino Superior, a participação ainda é desigual: 54,7% das pessoas com deficiência com diploma trabalham ou procuram emprego, contra 84,2% das pessoas sem deficiência com o mesmo nível de escolaridade. No geral, só 26,6% das pessoas com deficiência estão empregadas, contra 60,7% das sem deficiência. A maioria dos que trabalham (55%) está em empregos