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Estudo Dirigido – Tema: A Reforma Psiquiátrica Brasileira Leia com atenção o texto de apoio e, em grupo, responda às atividades por escrito. Haverá momentos de discussão em sala para socializar as respostas. 1. O texto discute o uso do termo “reforma psiquiátrica”. Explique por que o termo é considerado problemático e, ao mesmo tempo, estratégico. 2. Diferencie os conceitos de trajetória e fase na periodização proposta. 3. Aponte duas diferenças fundamentais entre desospitalização e desinstitucionalização. 4. Enumere as trajetórias históricas da reforma psiquiátrica identificadas no texto. 5. Compare a trajetória sanitarista e a trajetória da desinstitucionalização: Quais são seus pontos de convergência e divergência? 6. O que significa, na prática, o lema “Por uma sociedade sem manicômios”? 7. O texto aponta o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) como ator central. Quais foram suas principais ações e conquistas? 8. Como os interesses da indústria farmacêutica e do setor privado de hospitais psiquiátricos se contrapuseram à reforma? 9. Em 1987, o II Congresso do MTSM, em Bauru, lançou o lema que marcou a luta antimanicomial. Esse lema ainda é atual em 2025? Justifiquem com exemplos da realidade brasileira. · O texto mostra que a reforma envolveu não só técnicos, mas também usuários e familiares. Que diferença isso faz para a cidadania e para o modelo de atenção? 11. Imagine que você é psicólogo(a) ou assistente social em um CAPS recém-criado na década de 1990: Quais desafios você enfrentaria diante da força do modelo hospitalocêntrico? 12. Hoje, como profissional da saúde como você poderia contribuir para a consolidação da reforma psiquiátrica no seu território? Gabarito Comentado – Estudo Dirigido Loucos pela Vida– Reforma Psiquiátrica Brasileira 1. O texto discute o uso do termo “reforma psiquiátrica”. Por que ele é considerado problemático e, ao mesmo tempo, estratégico? O termo é problemático porque pode sugerir apenas ajustes superficiais, melhorias administrativas ou cosméticas, sem tocar no núcleo do modelo psiquiátrico clássico. No entanto, foi estrategicamente mantido porque permitia articular consensos políticos, reduzir resistências institucionais e ampliar apoios sociais. Assim, mesmo que o objetivo real fosse uma transformação estrutural profunda — desconstrução do dispositivo manicomial e invenção de novos serviços —, a bandeira de “reforma” facilitava sua aceitação pública e institucional. 2. Qual é a diferença entre “trajetória” e “fase” na periodização da reforma psiquiátrica? “Fase” sugere uma sequência linear, etapas sucessivas em um processo evolutivo. Já “trajetória” evita essa visão teleológica: indica percursos que coexistem, se sobrepõem e até se contradizem. Isso permite compreender a reforma não como linha reta, mas como campo de disputas, permanências e rupturas. 3. Quais são as diferenças entre desospitalização e desinstitucionalização? A desospitalização significa apenas a redução de leitos ou o fechamento de hospitais psiquiátricos, sem necessariamente mudar a lógica de tratamento. Já a desinstitucionalização é a desconstrução do dispositivo psiquiátrico como forma de saber e de poder, criando novos modos de cuidado em liberdade, territorializados, baseados em cidadania e participação. 4. Quais trajetórias históricas da reforma psiquiátrica são identificadas no texto? O texto identifica cinco trajetórias: Trajetórias da Reforma Psiquiátrica Brasileira 1. Higienista (séc. XIX – pós-II Guerra) Psiquiatria como instrumento de medicalização social e controle disciplinar, centrada em asilos e na higiene moral. 2. Saúde Mental (pós-guerra) Influências internacionais: comunidade terapêutica inglesa, psicoterapia institucional francesa e preventivismo norte-americano. Amplia o foco da doença para a promoção da saúde mental. No Brasil: Manual de Assistência Psiquiátrica (1973) e PISAM (1977). 3. Alternativa (fins dos anos 1970) No contexto da crise da ditadura, surgem CEBES e REME (1976) e, em 1978, o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). Denúncias de abusos nos hospitais (crise da DINSAM) revelam o “empresariado da loucura”. O MTSM se nacionaliza e organiza congressos, propondo alternativas ao modelo asilar. 4. Sanitarista (anos 1980) Integração ao movimento da reforma sanitária: CONASP, AIS e SUDS. Foco em gestão e planejamento, mas risco de institucionalizar a crítica. A 8ª CNS (1986) amplia a participação social, mas a psiquiatria segue questionada por sua função de controle. 5. Desinstitucionalização (a partir de 1987) Na I Conferência Nacional de Saúde Mental (1987), consagra-se o lema “por uma sociedade sem manicômios”. O II Congresso do MTSM, em Bauru, fortalece o movimento antimanicomial. Novos dispositivos: CAPS, NAPS, cooperativas sociais, reabilitação psicossocial. Consolida-se a diferença entre políticas sanitaristas e a radicalidade da desinstitucionalização. 5. Compare a trajetória sanitarista e a trajetória da desinstitucionalização. Quais são seus pontos de convergência e divergência? A trajetória sanitarista se concentrou na gestão e reorganização do sistema de saúde, com experiências como o CONASP, AIS e SUDS, que resultaram no embrião do SUS. Trouxe avanços de descentralização e participação, mas correu o risco de burocratizar a crítica. A trajetória da desinstitucionalização, em contrapartida, focou na prática clínica e social do cuidado em liberdade: criação de CAPS e NAPS, cooperativas sociais e reabilitação psicossocial. Enquanto o sanitarismo priorizou planejamento e normatização, a desinstitucionalização apostou na invenção de novos serviços e subjetividades. 6. O que significa, na prática, o lema “Por uma sociedade sem manicômios”? Significa entender que o manicômio não é apenas um edifício físico, mas uma lógica de exclusão e segregação. Na prática, defende-se uma sociedade em que o cuidado à saúde mental ocorra em liberdade, integrado à comunidade, respeitando autonomia, direitos e cidadania. É um princípio orientador para a criação de serviços substitutivos. 7. Quais foram as principais ações e conquistas do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM)? O MTSM teve papel central na crítica ao modelo manicomial. Suas principais ações incluíram: a denúncia da “crise da DINSAM” em 1978; a nacionalização da luta, com congressos próprios em 1978 e 1979; o questionamento do empresariado da loucura; e a articulação com sindicatos, universidades, CEBES e REME. Inspirado em autores como Basaglia, Foucault e Goffman, formulou bases teóricas críticas que orientaram práticas de serviços substitutivos. O movimento foi protagonista na I Conferência Nacional de Saúde Mental (1987), onde se consolidou o lema antimanicomial, e também apoiou o Projeto de Lei 3.657/1989, de Paulo Delgado, que buscava a progressiva extinção dos hospitais psiquiátricos. Assim, o MTSM uniu denúncia, formulação e ação política, tornando-se ator decisivo da reforma. 8. Como os interesses da indústria farmacêutica e do setor privado de hospitais psiquiátricos se contrapuseram à reforma? Os hospitais privados, organizados na Federação Brasileira de Hospitais, foram grandes beneficiários da política de terceirização da ditadura, lucrando com internações em massa, muitas vezes fraudulentas. Por isso, resistiram a qualquer proposta de redução de leitos ou de reorganização do sistema. A indústria farmacêutica, por sua vez, influenciava diretamente a prática médica com estratégias de marketing, patrocínio de congressos e medicalização de novos sofrimentos (ex.: “depressão mascarada”, “fobia social”), expandindo mercados e reforçando a psiquiatria biológica. Um ponto crucial foi o papel da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), que funcionou como legitimadora científica dessa influência: aproximou-se da indústria, incorporou seus discursos e reforçou a hegemonia biomédica. Assim, tanto o setor privado hospitalar quanto a indústria farmacêutica se opuseram à reforma porque tinham interesses econômicos na manutenção do modelo manicomial e medicalizante. 9. O lema “Por uma sociedade sem manicômios” ainda é atual em 2025? Justifique. Sim, o lema continua extremamente atual. Embora muitos hospitais psiquiátricos tenham sido fechados, práticas manicomiais persistem sob novas formas, como internações compulsórias em hospitais gerais, comunidades terapêuticas financiadas pelo Estado e políticas de abstinência rígida para dependência química. A lógica manicomial sobrevive sempre que o sofrimento psíquico é tratado como caso de exclusão e segregação. Além disso, a hegemonia biomédica e a medicalização excessiva continuam fortes, reforçadas pelo peso da indústria farmacêutica. Assim, lutar por uma sociedade sem manicômios em 2025 significa defender o fortalecimento dos CAPS, garantir financiamento adequado para a rede substitutiva, combater retrocessos higienistas e afirmar os direitos de cidadania das pessoas em sofrimento psíquico. 10. Que diferença fez a participação de usuários e familiares na reforma? A entrada de usuários e familiares transformou a reforma de um movimento apenas técnico em um movimento social e político. Ela ampliou a legitimidade da luta, fortaleceu a cidadania e introduziu práticas de cuidado mais horizontais, com diálogo entre técnicos, pacientes e sociedade. Isso deslocou o foco da crítica para os direitos humanos e consolidou a luta antimanicomial como causa democrática e inclusiva. 11. Quais desafios enfrentaria um profissional em um CAPS na década de 1990? Um profissional em um CAPS recém-criado na década de 1990 enfrentaria múltiplos desafios. De um lado, a resistência da psiquiatria tradicional e a força ainda dominante dos hospitais privados. De outro, a escassez de recursos humanos e financeiros, a desconfiança social em relação ao cuidado em liberdade e a ausência de modelos prontos a seguir. O maior desafio, no entanto, era também epistemológico: inventar novas práticas clínicas e sociais de cuidado sem apoio de protocolos consolidados, construindo metodologias a partir da experiência, da criatividade e do trabalho interdisciplinar. O CAPS, nesse momento, era ao mesmo tempo uma conquista política e um espaço experimental, em que cada profissional precisava lidar com a tensão entre tradição manicomial e inovação psicossocial. 12. Como profissionais da saúde podem contribuir hoje para consolidar a reforma psiquiátrica? Podem atuar em defesa das políticas de atenção psicossocial em conselhos de saúde e espaços institucionais, fortalecer os CAPS e práticas intersetoriais, promover a clínica ampliada e projetos terapêuticos singulares, resistir a retrocessos hospitalocêntricos e à medicalização excessiva, além de articular saúde, assistência social e justiça na defesa de direitos das pessoas com sofrimento psíquico. Síntese A reforma psiquiátrica brasileira não é um processo linear, mas uma sobreposição de trajetórias: da higienista à sanitarista, culminando na desinstitucionalização. O embate entre gestão institucional e invenção de práticas emancipatórias marca sua história. Mais do que reduzir leitos, a reforma implica desconstruir o dispositivo manicomial e criar novas formas de cuidado baseadas em comunidade, cidadania e autonomia.