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Para que as células do organismo funcionem adequadamente, devem estar banhadas por um líquido extracelular com concentração de eletrólitos relativamente constante. A concentração total de solutos desse líquido – e, portanto, sua osmolaridade – também precisa ser regulada precisamente a fim de impedir que as células murchem (sequem) ou se edemaciem (inchem). A osmolaridade é determinada pela quantidade de soluto (principalmente o cloreto de sódio) dividida pelo volume do líquido extracelular. Portanto, a osmolaridade e a concentração de cloreto de sódio são, em larga escala, reguladas pela quantidade extracelular de água. A água total do organismo é controlada (1) pela ingestão de líquidos, a qual é regulada por fatores que determinam a sede; e (2) pela excreção renal de água, controlada por múltiplos fatores que influenciam a filtração glomerular e a reabsorção tubular. Neste capítulo, discutiremos os seguintes pontos: (1) os mecanismos que fazem com que os rins eliminem o excesso de água por meio da excreção de urina diluída; (2) os mecanismos que fazem os rins preservarem água por meio da excreção de urina concentrada; (3) os mecanismos de feedback renal que controlam a concentração de sódio e a osmolaridade do líquido extracelular; e (4) os mecanismos da sede e apetite por sal que determinam a ingestão de água e sal, o que também auxilia no controle do volume, osmolaridade e concentração de sódio do líquido extracelular. OS RINS EXCRETAM O EXCESSO DE ÁGUA POR MEIO DA FORMAÇÃO DE URINA DILUÍDA Os rins normais têm uma extraordinária capacidade de variar as proporções relativas de solutos e água da urina em resposta a diversos desafios. Quando há excesso de água no organismo, a osmolaridade dos líquidos corporais torna-se reduzida, podendo os rins excretar urina com uma osmolaridade tão baixa quanto 50 mOsm/ ℓ , cerca de um sexto da osmolaridade normal do líquido extracelular. Da mesma forma, quando há um déficit de água no organismo e a osmolaridade extracelular é alta, os rins podem excretar urina altamente concentrada com osmolaridade de 1.200 a 1.400 mOsm/ ℓ . De forma igualmente importante, os rins podem excretar um grande volume de urina diluída ou um pequeno volume de urina concentrada sem que haja grandes alterações nas taxas de excreção de solutos como sódio e potássio. Essa capacidade de regular a excreção de água independentemente da excreção de solutos é necessária à sobrevivência, especialmente quando a ingestão de líquidos está limitada. O HORMÔNIO ANTIDIURÉTICO CONTROLA A OSMOLARIDADE URINÁRIA O organismo apresenta um potente sistema de feedback para regular a osmolaridade e a concentração de sódio do plasma, que opera por meio da alteração da excreção renal de água livre (água sem solutos), independentemente da taxa de excreção de solutos. Um controlador primário desse feedback é o hormônio antidiurético (ADH), também chamado vasopressina.1 Quando a osmolaridade dos líquidos corporais aumenta acima do normal (i. e., quando os solutos do organismo se tornam muito concentrados), a neuro-hipófise secreta mais ADH, que aumenta a permeabilidade dos túbulos distais e ductos coletores à água, conforme discutido no Capítulo 28. Esse mecanismo aumenta a reabsorção de água e diminui o volume de urina sem, contudo, alterar significativamente a taxa de excreção renal dos solutos. Quando há excesso de água no organismo e a osmolaridade do líquido extracelular está diminuída, a secreção de ADH pela neuro-hipófise diminui, o que reduz a permeabilidade do túbulo distal e ductos coletores à água, causando excreção de maiores quantidades de urina diluída. Ou seja, a taxa de secreção do ADH determina em larga escala se os rins excretarão urina diluída ou concentrada. MECANISMOS RENAIS DE EXCREÇÃO DE URINA DILUÍDA Quando há grande excesso de água no organismo, o rim pode excretar até 20 ℓ/dia de urina diluída, com concentração tão baixa quanto 50 mOsm/ℓ. O rim executa essa impressionante tarefa por meio de uma contínua reabsorção de solutos sem reabsorver grandes quantidades de água nas porções distais do néfron, incluindo o túbulo distal e ductos coletores. A Figura 29.1 demonstra as respostas aproximadas dos rins de um humano após ingestão de 1 ℓ de água. Observe que o volume de urina aumentou para cerca de seis vezes o normal dentro de 45 minutos após a ingestão de água. Contudo, a quantidade total de soluto que foi excretada permaneceu relativamente constante em virtude da formação de urina diluída, cuja osmolaridade diminuiu de 600 para cerca de 100 mOsm/ ℓ . Portanto, após a ingestão excessiva de água, o rim livra o organismo do excesso sem excretar quantidades excedentes de solutos. Quando o filtrado glomerular começa a ser formado, sua osmolaridade aproxima-se da osmolaridade plasmática (300 mOsm/ ℓ ). Para excretar o excesso de água, o filtrado vai sendo diluído conforme percorre os túbulos por meio da reabsorção mais intensa de solutos que de água, conforme demonstrado na Figura 29.2. Essa diluição, todavia, ocorre somente em alguns segmentos do sistema tubular, conforme será descrito nas seções que se seguem. O líquido tubular permanece isosmótico nos túbulos proximais. Conforme o líquido (filtrado) flui através do túbulo proximal, solutos e água são reabsorvidos em igual proporção, de forma que ocorre pouca alteração na osmolaridade. Portanto, o líquido tubular proximal segue isosmótico em relação ao plasma, com osmolaridade de aproximadamente 300 mOsm/ ℓ . Conforme o líquido percorre o segmento descendente da alça de Henle, ocorrem reabsorção de água por osmose e um equilíbrio entre líquido tubular e líquido intersticial circunjacente da medula renal, que é bastante hipertônico – com osmolaridade cerca de duas a quatro vezes maior que a do filtrado glomerular original. Assim, o líquido tubular torna-se mais concentrado à medida que flui para as porções mais profundas da medula renal. O líquido tubular é diluído no segmento ascendente da alça de Henle. No segmento ascendente da alça de Henle, especialmente em sua porção espessa, ocorre intensa reabsorção de sódio, potássio e cloreto. Todavia, essa porção tubular é impermeável à água, mesmo diante da presença de grandes quantidades de ADH. Portanto, o filtrado tubular vai se tornando mais diluído ao fluir pelo segmento ascendente da alça de Henle até o início do túbulo distal, com osmolaridade progressivamente decrescente até cerca de 100 mOsm/ ℓ no momento de sua chegada ao segmento tubular distal. Ou seja, quer haja presença de ADH ou não, o líquido filtrado que deixa o início do segmento tubular distal é hiposmótico, com osmolaridade de cerca de um terço da osmolaridade plasmática. Na ausência de ADH, o líquido tubular dos túbulos distais e coletores torna-se mais diluído. Conforme o líquido diluído flui do início do túbulo distal para o final do túbulo contorcido distal, ducto coletor cortical e ducto coletor medular, ocorre mais reabsorção de cloreto de sódio. Na ausência de ADH, essa porção do túbulo também é impermeável à água, de forma que a reabsorção adicional de solutos torna o líquido tubular ainda mais diluído, reduzindo sua osmolaridade para 50 mOsm/ ℓ . A não reabsorção de água e a contínua reabsorção de solutos resultam na formação de um grande volume de urina diluída. Em suma, o mecanismo de formação da urina diluída envolve uma contínua reabsorção de solutos nos segmentos distais do sistema tubular juntamente com a diminuição da reabsorção de água. Em rins saudáveis, o líquido que deixa o segmento ascendente da alça de Henle e o início do túbulo distal sempre é diluído, independentemente do nível de ADH. Na ausência de ADH, a urina será ainda mais diluída no final do túbulo distal e ductos coletores, com excreção de um grande volume de urina diluída. OS RINS CONSERVAM ÁGUA CORPORALlevar a uma signicativa redução de sua concentração no plasma. Uma explicação é que grandes perdas de sódio causam grave depleção de volume e diminuição da pressão arterial, o que pode ativar o mecanismo da sede por meio de reexos cardiovasculares. Essa ativação leva a mais diluição da concentração plasmática de sódio, mesmo que o aumento da ingestão de água ajude a minimizar a redução de volume de líquidos corporais sob essas condições. Portanto, existem situações extremas nas quais a concentração plasmática de sódio pode sofrer alterações signicativas, mesmo com um mecanismo ADH-sede funcional. Ainda assim, esse mecanismo é o mais potente sistema de feedback do organismo para o controle da osmolaridade e concentração de sódio do líquido extracelular. Mecanismo sal-apetite para o controle da concentração de sódio e volume do líquido extracelular A manutenção de volume extracelular e concentração de sódio normal requer um equilíbrio entre a excreção e a ingestão de sódio. Atualmente, a ingestão de sódio é quase sempre maior que o necessário para a homeostasia. De fato, a ingestão média de indivíduos oriundos de culturas industrializadas que consomem alimentos processados geralmente varia entre 100 e 200 mEq/dia, embora os humanos possam sobreviver e exercer suas funções normais ingerindo apenas 10 a 20 mEq/dia. Portanto, a maioria das pessoas consome muito mais sódio do que o necessário à sua homeostasia, com evidências de uma possível associação entre o alto consumo usual de sódio e a incidência de distúrbios cardiovasculares, como a hipertensão. O apetite pelo sal deve-se, em parte, ao fato de que animais e humanos apreciam e consomem sal, mesmo que não apresentem deciência de sais. O apetite pelo sal também apresenta um componente regulatório com uma tendência comportamental de obtenção de sal diante de sua deciência no organismo. Esse comportamento é particularmente importante em herbívoros, cuja dieta naturalmente tem baixo teor de sal. Contudo, o desejo por sal pode também ser importante em humanos, especialmente naqueles com extrema deciência de sódio, como portadores de doença de Addison. Nesse caso, ocorre deciência na secreção de aldosterona, o que provoca perda excessiva de sódio na urina e leva a uma diminuição do volume e da concentração de sódio do líquido extracelular, ambos fatores que despertam o desejo por sal. Em geral, os estímulos primários para o aumento do apetite por sal são aqueles relacionados a dé_cits de sódio e redução da volemia ou da pressão arterial, em conjunto com uma insu_ciência circulatória. O mecanismo neuronal do apetite pelo sal é análogo ao da sede. Alguns dos mesmos centros neuronais da região AV3V no encéfalo parecem estar envolvidos, visto que lesões nessa região frequentemente afetam simultaneamente a sede e o apetite por sal em animais. Paralelamente, reexos circulatórios produzidos tanto pela queda da pressão arterial quanto pela redução da volemia afetam, ao mesmo tempo, a sede e o apetite pelo sal.POR MEIO DA EXCREÇÃO DE URINA CONCENTRADA A capacidade do rim de formar urina concentrada é essencial à sobrevivência dos mamíferos terrestres, incluindo os humanos. A água é perdida pelo organismo continuamente por diversas vias, incluindo os pulmões por evaporação pelo ar expirado, o trato gastrointestinal por meio das fezes, a pele por evaporação e transpiração e os rins por meio da excreção de urina. É necessário um ganho de líquidos correspondente a essa perda, embora a capacidade dos rins de formarem um pequeno volume de urina concentrada minimize a ingestão necessária para manter a homeostasia, uma função especialmente importante quando o suprimento de água está baixo. Diante de um déficit de água no organismo, os rins formam urina concentrada por meio da excreção contínua de solutos juntamente com o aumento da reabsorção de água e redução do volume de urina. O rim humano pode produzir uma concentração urinária máxima de 1.200 a 1.400 mOsm/ℓ, quatro a cinco vezes a osmolaridade do plasma. Alguns animais que habitam desertos, como o roedor australiano Notomys alexis, podem concentrar a urina até 10.000 mOsm/ ℓ . Essa capacidade permite que esse roedor sobreviva no deserto sem beber água, de forma que uma quantidade suficiente de água pode ser obtida por meio do alimento ingerido e pela produção pelo organismo durante o metabolismo do alimento. Animais adaptados a ambientes com acesso à água geralmente apresentam mínima capacidade de concentrar a urina. Castores, por exemplo, podem concentrar a urina somente até cerca de 500 mOsm/ℓ. Volume de urina obrigatório A máxima capacidade de concentrar urina do rim rege o volume de urina que deverá ser excretado por dia para que o organismo elimine os resíduos metabólicos e eletrólitos que foram ingeridos. Um indivíduo médio de 70 kg deve excretar cerca de 600 miliosmóis de soluto a cada dia. Se a capacidade máxima de concentrar urina for de 1.200 mOsm/ℓ, o volume mínimo de urina que deverá ser excretado, chamado volume de urina obrigatório, poderá ser calculado como: Essa perda mínima de volume na urina agrava a desidratação, juntamente com a perda pela pele, trato respiratório e gastrointestinal, em situações de indisponibilidade de água para ingestão. A capacidade limitada do rim humano de concentrar a urina somente até 1.200 mOsm/ℓ explica por que ocorre desidratação grave quando se tenta ingerir água do mar. A concentração de cloreto de sódio do oceano situa-se em torno de 3,0 a 3,5%, com osmolaridade próxima de 1.000 a 1.200 mOsm/ℓ. Ingerir 1 ℓ de água do mar com concentração de 1.200 mOsm/ ℓ promoveria ingestão total de 1.200 miliosmóis de cloreto de sódio. Se a capacidade máxima de concentração da urina é de 1.200 mOsm/ℓ, a quantidade de urina necessária para excretar 1.200 miliosmóis seria de 1,0 ℓ . Por que então a ingestão de água do mar causa desidratação? A resposta é que o rim também precisa excretar outros solutos, especialmente a ureia, que contribui com cerca de 600 mOsm/ℓ na urina em concentração máxima. Portanto, a concentração máxima de cloreto de sódio que pode ser excretada pelos rins é de aproximadamente 600 mOsm/ℓ. Ou seja, para cada litro de água do mar ingerido, 1,5 ℓ de urina seriam necessários para livrar o organismo dos 1.200 miliosmóis de cloreto de sódio ingeridos, juntamente com os 600 miliosmóis de outros solutos, como a ureia. Isso resultaria em uma perda extra de líquidos de 0,5 ℓ para cada litro de água do mar, o que explica a rápida desidratação que ocorre em vítimas de naufrágio que acabam ingerindo água salgada. Contudo, um roedor Notomys alexis que naufragasse com essas vítimas poderia ingerir a água do mar sem grandes problemas. Densidade urinária A densidade urinária é geralmente empregada em situações clínicas para fornecer uma estimativa rápida da concentração de solutos da urina. Quanto mais concentrada a urina, maior sua densidade. Na maior parte dos casos, a densidade aumenta de maneira linear com o aumento da osmolaridade urinária (ver Figura 29.3). A densidade urinária, todavia, mensura a massa de solutos em um determinado volume de urina, sendo, portanto, determinada pelo número e também pelo tamanho das moléculas de soluto. Por outro lado, a osmolaridade é determinada somente pelo número de moléculas de soluto em um determinado volume. A densidade urinária é em geral expressa em gramas por mililitro (g/mℓ) e gira em torno de 1,002 a 1,028 g/mℓ em humanos, sofrendo um aumento de 0,001 unidade para cada 35 a 40 mOsm/ ℓ de aumento na osmolaridade urinária. Essa relação entre densidade e osmolaridade se altera na presença de uma grande quantidade de moléculas grandes na urina, como glicose, contrastes radiográcos utilizados com ns diagnósticos ou alguns antibióticos. Nesses casos, a mensuração da densidade pode sugerir falsamente uma alta concentração urinária, apesar de uma osmolaridade normal. Existem tas disponíveis para se mensurar a densidade urinária aproximada, embora a maioria dos laboratórios o faça utilizando um refratômetro. A EXCREÇÃO DE URINA CONCENTRADA REQUER ALTOS NÍVEIS DE ADH E MEDULA RENAL HIPERTÔNICA Os requisitos básicos para a formação de urina concentrada são (1) nível alto de ADH, que aumenta a permeabilidade dos túbulos distais e ductos coletores à água, permitindo que esses segmentos a reabsorvam intensamente; e (2) alta osmolaridade do líquido intersticial da medula renal, que proporciona um gradiente osmótico necessário à reabsorção de água na presença de altos níveis de ADH. O interstício da medula renal que circunda os ductos coletores é normalmente hiperosmótico (hipertônico), ou seja, quando há níveis altos de ADH, a água move-se através da membrana tubular por osmose até o interstício renal. Daí, ela é carreada pelos vasos retos de volta para o sangue. Portanto, a capacidade de concentração da urina limita-se pelo nível de ADH e pelo grau de hiperosmolaridade da medula renal. Discutiremos os fatores que controlam a secreção de ADH mais adiante, mas, por agora, qual seria o processo que torna o líquido intersticial da medula renal hiperosmótico? Esse processo envolve o funcionamento do mecanismo multiplicador de contracorrente. O mecanismo multiplicador de contracorrente depende do arranjo anatômico especial das alças de Henle e dos vasos retos (que nada mais são do que capilares peritubulares especializados da medula renal). Em humanos, cerca de 25% dos néfrons são néfrons justamedulares, com alças de Henle e vasos retos que penetram profundamente na medula antes de retornarem ao córtex. Algumas alças de Henle atingem as extremidades das papilas renais que se projetam da medula até a pelve renal. Paralelos a essas longas alças estão os vasos retos, que também penetram profundamente na medula antes de retornar ao córtex renal. Por fim, os ductos coletores, os quais carreiam urina através da medula renal hiperosmótica antes de sua excreção, também exercem um papel essencial no mecanismo de contracorrente. O MECANISMO MULTIPLICADOR DE CONTRACORRENTE PRODUZ UM INTERSTÍCIO MEDULAR RENAL HIPEROSMÓTICO A osmolaridade do líquido intersticial em quase todas as partes do organismo é de aproximadamente 300 mOsm/ ℓ , similar à osmolaridade plasmática (conforme discutido no Capítulo 25, a atividade osmolar corrigida, que corresponde à atração molecular, é de cerca de 282 mOsm/ℓ). A osmolaridade do líquido intersticial da medula renal é bastante maior e pode aumentar progressivamente até cerca de 1.200 a 1.400 mOsm/ ℓ na extremidade pélvica da medula. Isso significa que o interstício medular 1. 2. 3. 4. acumula mais solutos do que água. Uma vez atingida a alta concentração de solutos dessa região, ela passa a ser mantida por um equilíbrio dos fluxos de entrada e saída de solutos e água na medula. Os principais fatoresque contribuem com a acumulação de solutos na medula renal são: Transporte ativo de íons sódio e cotransporte de potássio, cloreto e outros íons do segmento ascendente espesso da alça de Henle para o interstício medular; Transporte ativo de íons dos ductos coletores para o interstício medular; Difusão facilitada de ureia dos ductos coletores mais profundos da medula para o interstício medular; Difusão de apenas uma pequena quantidade de água dos túbulos medulares para o interstício medular – muito menor que a reabsorção de solutos para o interstício medular. CARACTERÍSTICAS DA ALÇA DE HENLE QUE CAUSAM APRISIONAMENTO DE SOLUTOS NA MEDULA RENAL As características de transporte das alças de Henle encontram-se resumidas na Tabela 29.1, juntamente com as propriedades dos túbulos proximais, túbulos coletores corticais e parte mais profunda dos ductos coletores medulares. Um grande fator causador da alta osmolaridade medular é o transporte ativo de sódio e cotransporte de potássio, cloreto e outros íons do segmento ascendente espesso da alça de Henle para o interstício. Essa bomba é capaz de estabelecer um gradiente de concentração de cerca de 200 mOsm/ℓ entre o lúmen tubular e o líquido intersticial. Como o segmento ascendente espesso é praticamente impermeável à água, os solutos bombeados para fora não são acompanhados por um fluxo osmótico de água para o interstício. Portanto, o transporte ativo de sódio e outros íons para fora do segmento ascendente espesso adiciona um excesso de solutos à água da medula renal. Também ocorre certo grau de reabsorção passiva de cloreto de sódio do segmento ascendente delgado da alça de Henle, também essencialmente impermeável à água, o que adiciona mais soluto à concentração do interstício medular renal. O ramo descendente da alça de Henle, ao contrário do ramo ascendente, é altamente permeável à água, de forma que a osmolaridade do líquido tubular rapidamente se iguala à da medula renal. Por essa razão, a água difunde-se para fora do ramo descendente da alça para o interstício e a osmolaridade do líquido tubular aumenta gradativamente conforme este flui até a extremidade da alça de Henle. Etapas envolvidas no estabelecimento de um interstício medular renal hiperosmótico. Tendo em mente essas características da alça de Henle, podemos agora discutir como a medula renal se torna hiperosmótica (ver Vídeo 29.1). Em primeiro lugar, admitamos que a alça de Henle seja preenchida com líquido de concentração 300 mOsm/ℓ, igual à que deixa o túbulo proximal (ver Figura 29.4, etapa 1). Em seguida, a bomba iônica ativa do segmento ascendente espesso da alça de Henle reduz a concentração dentro do túbulo e aumenta a concentração intersticial; essa bomba estabelece um gradiente de concentração de 200 mOsm/ ℓ entre o líquido tubular e o intersticial (ver Figura 29.4, etapa 2). O limite do gradiente é de aproximadamente 200 mOsm/ℓ porque a difusão paracelular de íons para o túbulo contrapõe o transporte iônico para fora do lúmen após ser atingido o gradiente de 200 mOsm/ℓ. A etapa 3 ocorre quando o líquido tubular do segmento descendente da alça de Henle e o líquido intersticial rapidamente atingem equilíbrio osmótico graças à osmose da água para fora do lúmen. A osmolaridade intersticial é mantida em 400 mOsm/ℓ em razão do transporte contínuo de íons para fora do segmento ascendente espesso da alça. Portanto, o transporte ativo de cloreto de sódio do segmento ascendente espesso, por si só, é capaz de estabelecer um gradiente máximo de 200 mOsm/ ℓ , que é bastante menor do que o alcançado pelo sistema multiplicador de contracorrente. A etapa 4 envolve o fluxo adicional de líquido do túbulo proximal para a alça de Henle, o que faz com que o líquido hiperosmótico formado anteriormente no ramo descendente flua para o ramo ascendente. Uma vez no ramo ascendente, íons adicionais são bombeados para o interstício e a água permanece no túbulo até que se estabeleça o gradiente de 200 mOsm/ℓ e a osmolaridade do líquido intersticial chegue até 500 mOsm/ℓ (etapa 5). Então, mais uma vez, o líquido do ramo descendente atinge um equilíbrio com o interstício medular hiperosmótico (etapa 6), e, à medida que esse líquido hiperosmótico do ramo descendente da alça de Henle flui para o ramo ascendente, mais soluto ainda é bombeado continuamente para fora dos túbulos e depositado no interstício medular. Essas etapas são repetidas várias vezes, com efeito final de adição de mais e mais soluto à medula do que água. Com o tempo, esse processo gradualmente aprisiona solutos na medula e multiplica o gradiente estabelecido pelo bombeamento ativo de íons para fora do segmento ascendente espesso da alça de Henle, o que por fim eleva a osmolaridade do líquido intersticial até 1.200 a 1.400 mOsm/ ℓ , conforme demonstrado na etapa 7. Desse modo, a reabsorção repetitiva de cloreto de sódio pelo segmento ascendente espesso da alça de Henle e o fluxo ininterrupto de novo cloreto de sódio do túbulo proximal para a alça de Henle recebem o nome de mecanismo multiplicador de contracorrente. O cloreto de sódio reabsorvido do segmento ascendente da alça continua sendo adicionado ao cloreto de sódio recém-chegado, “multiplicando” sua concentração no interstício medular. PAPEL DO TÚBULO DISTAL E DOS DUCTOS COLETORES NA EXCREÇÃO DE URINA CONCENTRADA Quando o líquido tubular deixa a alça de Henle e flui para o túbulo contorcido distal no córtex renal, o líquido está diluído com osmolaridade de aproximadamente 100 a 140 mOsm/ℓ (ver Figura 29.5). O início do túbulo distal dilui ainda mais o líquido tubular porque esse segmento, assim como o ramo ascendente da alça de Henle, realiza transporte ativo de cloreto de sódio do túbulo sendo ao mesmo tempo relativamente impermeável à água. À medida que o líquido flui para o túbulo coletor cortical, a quantidade de água reabsorvida passa a depender criticamente da concentração plasmática de ADH. Na ausência de ADH, esse segmento é praticamente impermeável à água, porém continua a reabsorver solutos, diluindo mais a urina. No caso de alta concentração de ADH, o túbulo coletor cortical tornase altamente permeável à água, de forma que grandes quantidades de água são reabsorvidas do túbulo para o interstício cortical e extraídas pelo rápido fluxo dos capilares peritubulares. Como ocorre reabsorção de grande quantidade de água para o córtex e não para a medula renal, isso auxilia na manutenção da alta osmolaridade do líquido intersticial medular. Conforme o líquido tubular flui ao longo dos ductos coletores medulares, ocorre mais reabsorção de água para o interstício, embora a quantidade total seja relativamente pequena comparada à reabsorvida pelo interstício cortical. A água reabsorvida é carreada pelos vasos retos para o sangue venoso. Com níveis altos de ADH, os ductos coletores tornam-se permeáveis à água, de forma que o líquido de sua porção final atinge essencialmente a mesma osmolaridade do líquido intersticial da medula renal – cerca de 1.200 mOsm/ ℓ (ver Figura 29.4). Portanto, por meio da reabsorção do máximo possível de água, os rins formam urina altamente concentrada, excretando quantidades normais de solutos ao mesmo tempo que devolvem água ao líquido extracelular e compensam seus déficits no organismo. A UREIA CONTRIBUI PARA MANTER O INTERSTÍCIO MEDULAR RENAL HIPEROSMÓTICO E FORMAR URINA CONCENTRADA A ureia contribui com cerca de 40 a 50% da osmolaridade (500 a 600 mOsm/ ℓ ) do interstício medular renal quando os rins formam urina com máxima concentração. Diferentemente do cloreto de sódio, a ureia é reabsorvida pelo túbulo de forma passiva. Quando ocorre déficit de água e a concentração de ADH do sangue aumenta, grandes quantidades de ureia são reabsorvidas passivamente dos ductos coletores medulares profundos para o interstício.O mecanismo de reabsorção da ureia para a medula renal é como segue: conforme a água flui pelo ramo ascendente da alça de Henle até os túbulos coletores corticais, pouca ureia é reabsorvida, visto que esses segmentos são impermeáveis a ela (ver Tabela 29.1). Na presença de altas concentrações de ADH, a água é rapidamente reabsorvida do túbulo coletor cortical e a concentração de ureia sobe rapidamente porque essa região do túbulo não é tão permeável à ureia. À medida que o líquido tubular flui para os ductos coletores profundos da medula, mais água será reabsorvida, resultando em concentração ainda maior de ureia no líquido. Essa alta concentração de ureia do líquido tubular da região mais profunda do ducto coletor medular causa difusão de ureia do túbulo para o líquido intersticial renal. A difusão é grandemente facilitada por transportadores de ureia específicos, UT-A1 e UT-A3. Esses transportadores são ativados pelo ADH, aumentando ainda mais o transporte de ureia do ducto coletor medular quando os níveis de ADH estão aumentados. O movimento simultâneo de água e ureia para fora dos ductos coletores medulares profundos mantém alta concentração de ureia no líquido tubular e, por fim, na urina, mesmo com reabsorção de ureia. O papel fundamental da ureia em contribuir com a capacidade de concentração da urina é evidenciado pelo fato de que pessoas que ingerem dieta com alto teor de proteínas, gerando grandes quantidades de ureia como um produto nitrogenado do metabolismo, podem concentrar a urina melhor do que pessoas com dietas de teor proteico e produção de ureia mais baixos. A má nutrição é associada a menor concentração de ureia no interstício medular e considerável comprometimento da capacidade de concentração da urina. A recirculação da ureia do ducto coletor para a alça de Henle contribui para manter a medula renal hiperosmótica. Uma pessoa saudável normalmente excreta 20 a 60% da carga filtrada de ureia, dependendo do fluxo urinário e do estado de hidratação. Em geral, a taxa de excreção de ureia é determinada principalmente pelos seguintes fatores: (1) concentração de ureia do plasma; (2) taxa de filtração glomerular (TFG); e (3) reabsorção tubular renal de ureia. Em pacientes com doença renal e que apresentam grave redução da TFG, a concentração plasmática de ureia aumenta significativamente, retornando a carga filtrada de ureia e sua excreção ao nível normal (igual à taxa de produção de ureia), apesar da TFG diminuída. No túbulo proximal, 40 a 50% da ureia filtrada sofrem reabsorção, contudo, a concentração de ureia do líquido tubular ainda assim aumenta em razão de a ureia não ser tão permeante quanto a água. A concentração de ureia continua aumentando à medida que o líquido tubular flui para os segmentos delgados da alça de Henle, em parte devido à reabsorção de água do ramo descendente da alça e em parte devido a um grau de secreção de ureia para o segmento delgado a partir do interstício medular (ver Figura 29.6). A secreção passiva de ureia para os segmentos delgados da alça de Henle é facilitada pelo transportador de ureia UT-A2. O segmento ascendente espesso da alça de Henle, o túbulo distal e o túbulo coletor cortical são menos permeáveis à ureia, sendo somente pequenas quantidades reabsorvidas normalmente nesses segmentos. Quando o rim está formando urina concentrada e os níveis de ADH estão altos, a reabsorção de água do túbulo distal e túbulo coletor cortical aumenta a concentração de ureia no líquido tubular. Conforme essa ureia flui para o ducto coletor medular profundo, a alta concentração e os transportadores UT-A1 e UT-A3 causam difusão da ureia para o interstício medular. Uma considerável parte dessa ureia então se difunde para o segmento delgado da alça de Henle e, em seguida, ascende ao ramo ascendente da alça, túbulo distal e túbulo coletor cortical para posteriormente retornar ao ducto coletor medular. Dessa forma, a ureia pode recircular através dessas porções terminais do sistema tubular por diversas vezes antes de sua excreção. Cada passagem pelo circuito contribui com a manutenção de alta concentração de ureia. Essa área de recirculação fornece, ainda, um mecanismo de formação da medula renal hiperosmótica. Como a ureia é um dos produtos metabólicos mais abundantes excretados pelos rins, esse mecanismo de concentração de ureia previamente à sua excreção é essencial à preservação de líquido no organismo quando ocorre baixo suprimento de água. Já no caso de excesso de água no organismo, o fluxo urinário aumenta, o que por conseguinte reduz a concentração de ureia nos ductos coletores medulares profundos, causando menos difusão de ureia para o interstício medular renal. Os níveis de ADH também diminuem em razão do excesso de água, o que acaba por reduzir a permeabilidade desses ductos tanto à água quanto à ureia, causando maior excreção desta última na urina. A TROCA POR CONTRACORRENTE NOS VASOS RETOS PRESERVA A HIPEROSMOLARIDADE DA MEDULA RENAL 1. 2. É necessário haver aporte sanguíneo à medula renal a fim de suprir as necessidades metabólicas das células dessa região dos rins. Todavia, sem um sistema especial de fluxo sanguíneo medular, os solutos bombeados para a medula renal pelo mecanismo multiplicador de contracorrente seriam rapidamente dissipados. Duas características especiais do fluxo sanguíneo da medula renal contribuem para preservar as altas concentrações de solutos: O fluxo sanguíneo na medula renal é baixo, correspondendo a menos que 5% do fluxo sanguíneo renal total. Esse fluxo lento é suficiente para suprir as necessidades metabólicas dos tecidos, minimizando, porém, a perda de solutos do interstício renal. Os vasos retos servem como mediadores de contracorrente, minimizando também a remoção de solutos do interstício medular renal. O mecanismo de trocas por contracorrente funciona como segue (ver Figura 29.7). O sangue entra e sai da medula através dos vasos retos no limite entre córtex e medula renal. Os vasos retos, assim como outros capilares, são altamente permeáveis a solutos do sangue, exceto pelas proteínas plasmáticas. À medida que o sangue descende pela medula em direção às papilas, torna-se progressivamente mais concentrado, em parte devido à entrada de solutos do interstício e em parte devido à perda de água para o interstício. No momento de sua chegada às extremidades dos vasos retos, sua concentração é de cerca de 1.200 mOsm/ℓ, igual à do interstício medular. Durante sua ascensão de volta ao córtex, o sangue torna-se progressivamente menos concentrado conforme solutos se difundem de volta ao interstício e a água adentra os capilares. Embora grandes quantidades de líquido e solutos sejam trocadas ao longo dos vasos retos, há pouca diluição final da concentração do líquido intersticial em cada nível da medula renal tendo em vista o formato em “U” desses capilares, que atuam como mediadores do mecanismo de contracorrente. Portanto, os vasos retos não criam a hiperosmolaridade medular, apenas impedem que ela seja dissipada. O formato de “U” dos vasos minimiza a perda de solutos do interstício, mas não impede o alto fluxo de líquido e solutos para o sangue em função das usuais pressões hidrostáticas e coloidosmóticas que favorecem a reabsorção nesses capilares. Sob condições estáveis, os vasos retos levam embora quantidades de soluto e água próximas daquelas absorvidas dos túbulos medulares, sendo preservada a alta concentração de solutos estabelecida pelo mecanismo de contracorrente. O aumento do fluxo sanguíneo na medula renal reduz a capacidade de concentração da urina. Alguns vasodilatadores podem aumentar significativamente o fluxo sanguíneo da medula renal, causando remoção de parte dos solutos e redução da capacidade máxima de concentração da urina. Aumentos marcantes na pressão arterial tambémaumentam o fluxo sanguíneo medular renal até um grau maior que em outras regiões dos rins, gerando uma tendência de diluição do interstício hiperosmótico, o que também reduz a capacidade de concentração da urina. Conforme discutido anteriormente, a capacidade máxima dos rins de concentrar a urina determina-se não só pelo nível de ADH, mas também pela osmolaridade do líquido intersticial da medular renal. Mesmo com níveis máximos de ADH, a capacidade de concentração da urina permanecerá diminuída se o fluxo sanguíneo medular estiver alto o suficiente para reduzir a hiperosmolaridade dessa região. RESUMO DO MECANISMO DE CONCENTRAÇÃO DA URINA E ALTERAÇÕES NA OSMOLARIDADE EM DIFERENTES SEGMENTOS TUBULARES As alterações da osmolaridade e volume do líquido tubular ao longo de sua passagem por diferentes partes do néfron encontram-se demonstradas na Figura 29.8. Túbulo proximal. Cerca de 65% da maioria dos eletrólitos filtrados sofrem reabsorção no túbulo proximal. Contudo, as membranas dessa região são altamente permeáveis à água, ou seja, não importa quanto soluto seja reabsorvido, a água também se difundirá através da membrana por osmose. Essa difusão de água através do epitélio tubular proximal é auxiliada pelo canal de água aquaporina 1 (AQP-1). Portanto, a osmolaridade do líquido permanece praticamente a mesma do filtrado glomerular, cerca de 300 mOsm/ℓ. Ramo descendente da alça de Henle. Conforme o líquido flui pelo ramo descendente da alça de Henle, ocorre reabsorção de água para a medula renal. Essa porção do néfron é toda delgada, também contém AQP-1 e é altamente permeável à água; porém, muito menos permeável a sódio e ureia. Desse modo, a osmolaridade do líquido que flui pelo ramo descendente da alça de Henle aumenta gradativamente até se tornar próxima da osmolaridade do interstício circunjacente, aproximadamente 1.200 mOsm/ℓ quando a concentração de ADH do sangue está alta. Durante a formação de urina diluída em razão de baixos níveis de ADH, a osmolaridade do interstício medular é menor que 1.200 mOsm/ ℓ ; como consequência, o líquido tubular do ramo descendente também se torna menos concentrado. Essa menor concentração se deve em parte à menor reabsorção de ureia para o interstício medular pelos ductos coletores em virtude dos baixos níveis de ADH, de forma que os rins produzem maior volume de urina diluída. Segmento ascendente delgado da alça de Henle. O segmento ascendente delgado é essencialmente impermeável à água, mas reabsorve uma parte do cloreto de sódio. Em razão da alta concentração de cloreto de sódio do líquido tubular produzida pela reabsorção da água no ramo descendente da alça de Henle, ocorre certo grau de difusão passiva de cloreto de sódio do segmento ascendente delgado para o interstício medular. Portanto, o líquido tubular vai se tornando mais diluído à medida que o cloreto de sódio se difunde para fora do túbulo e a água permanece nele. Parte da ureia absorvida para o interstício medular pelos ductos coletores também se difunde para o ramo ascendente, devolvendo ureia ao sistema tubular e auxiliando na prevenção de sua remoção da medula renal. A reciclagem de ureia é um mecanismo adicional que contribui com a medula renal hiperosmótica. Segmento ascendente espesso da alça de Henle. A porção espessa do ramo ascendente da alça de Henle também é praticamente impermeável à água, embora grandes quantidades de sódio, cloreto, potássio e outros íons sejam ativamente transportadas (bombeadas) para o interstício medular nessa região. Portanto, o líquido (filtrado) do segmento ascendente espesso tornase muito diluído, com sua concentração decaindo até 140 mOsm/ℓ. Porção inicial do túbulo distal. O início do túbulo distal possui propriedades similares às do segmento ascendente espesso da alça de Henle, de forma que o líquido tubular sofre maior diluição e chega a 100 mOsm/ℓ à medida que os solutos são reabsorvidos e a água permanece no túbulo. Porção final do túbulo distal e túbulos coletores corticais. No final do túbulo distal e nos túbulos coletores corticais, a osmolaridade do líquido tubular depende dos níveis de ADH. Quando estes estão altos, os túbulos tornam-se altamente permeáveis à água e grandes quantidades de água são reabsorvidas. A ureia, porém, não é um soluto muito permeante nessa região do néfron, o que resulta em alta concentração de ureia à medida que a água é reabsorvida. Esse processo permite que a maior parte da ureia que chega no túbulo distal e túbulo coletor cortical passe para os ductos medulares profundos, a partir dos quais será reabsorvida ou excretada na urina. Na ausência de ADH, pouca água é reabsorvida no final do túbulo distal e no túbulo coletor cortical, resultando em uma diminuição da osmolaridade em razão da contínua reabsorção ativa de íons nesses segmentos. Ductos coletores medulares profundos. A concentração do líquido dos ductos coletores mais profundos da medula renal também depende dos seguintes fatores: (1) ADH; e (2) osmolaridade do interstício medular circunjacente, estabelecida pelo mecanismo de contracorrente. Na presença de grandes quantidades de ADH, esses ductos se tornam altamente permeáveis à água, ocorrendo difusão de água do túbulo para o interstício até que se atinja um equilíbrio osmótico, em que a concentração do líquido tubular se iguala à do interstício medular renal (1.200 a 1.400 mOsm/ ℓ ). Desse modo, diante de altos níveis de ADH, produz-se um pequeno volume de urina concentrada. Como a reabsorção de água aumenta a concentração de ureia no líquido tubular e visto que esses ductos coletores possuem transportadores específicos para facilitar a difusão da ureia, uma grande parte da ureia concentrada nos ductos difunde-se do lúmen para o interstício medular. Essa absorção de ureia contribui com a manutenção de alta osmolaridade no interstício e com a capacidade de concentração de urina dos rins. Muitos pontos importantes que devem ser considerados podem não estar evidentes com essa discussão. Primeiro, embora o cloreto de sódio seja um dos principais solutos que contribui com a hiperosmolaridade do interstício medular, o rim pode, se necessário, excretar urina altamente concentrada contendo pouco cloreto de sódio. A hiperosmolaridade urinária nesses casos deve-se à alta concentração de outros solutos, especialmente produtos metabólicos como a ureia. Uma condição para que isso ocorra é a desidratação acompanhada de baixa ingestão de sódio. Conforme discutido no Capítulo 30, a baixa ingestão de sódio estimula a formação dos hormônios angiotensina II e aldosterona, os quais, juntos, causam intensa reabsorção de sódio dos túbulos ao mesmo tempo em que deixam para trás ureia e outros solutos, mantendo alta a concentração da urina. Segundo, grandes quantidades de urina diluída podem ser excretadas sem que a excreção de sódio seja aumentada. Essa característica é possibilitada por meio da redução da secreção de ADH, o que diminui a reabsorção de água nos segmentos tubulares mais distais sem alterar significativamente a reabsorção de sódio. Por fim, existe um volume de urina obrigatório, determinado pela capacidade máxima de concentração dos rins e da quantidade de soluto que deverá ser excretado. Portanto, se for necessário excretar grandes quantidades de soluto, estas deverão ser acompanhadas pela quantidade mínima de água necessária a essa excreção. Por exemplo, se for necessária a excreção de 600 miliosmóis de soluto a cada dia, isso demandará excreção de, no mínimo, 0,5 ℓ de urina, dada a capacidade de concentração máxima de 1.200 mOsm/ℓ. Como quanticar a concentração e a diluição da urina pelos rins: clearance (depuração) osmolar e de água livre O processo de concentração ou diluição da urina requer que os rins excretem água e solutos de forma relativamente independente. Quandoa urina está diluída, a água está sendo excretada em maior quantidade que solutos. Da mesma forma, quando a urina está concentrada, os solutos estão sendo excretados em maior quantidade que a água. O clearance total de solutos do sangue pode ser expresso na forma de clearance osmolar (Cosm). Trata-se do volume de plasma depurado de solutos por minuto, da mesma forma com que se calcula o clearance de uma substância qualquer: em que Uosm é a osmolaridade urinária, V· é o uxo urinário e Posm é a osmolaridade do plasma. Por exemplo, se a osmolaridade plasmática for 300 mOsm/ℓ, a urinária 600 mOsm/ℓ e o uxo urinário for de 1 mℓ/min (0,001 ℓ/min), então a taxa de excreção osmolar será 0,6 mOsm/min (600 mOsm/ ℓ × 0,001 ℓ /min) e o clearance osmolar será 0,6 mOsm/min divididos por 300 mOsm/ℓ, ou 0,002 ℓ/min (2,0 mℓ/min). Isso signica que 2 mililitros de plasma são depurados do soluto a cada minuto. Clearance de água livre: taxas relativas com que solutos e água são excretados O clearance de água livre (CH2O) é calculado como a diferença entre a excreção de água (uxo urinário) e o clearance osmolar: Ou seja, a taxa de clearance de água livre representa a taxa com que a água sem solutos é excretada pelos rins. Quando o clearance é positivo, entendese que há excreção de água em excesso pelos rins; quando é negativo, 1. 2. entende-se que solutos estão sendo removidos do sangue em excesso pelos rins, concomitantemente à conservação de água. Utilizando-se o exemplo anterior, se o uxo urinário for igual a 1 mℓ/min e o clearance osmolar for igual a 2 mℓ/min, o clearance de água livre será de –1 m ℓ /min. Isso signica que, em vez de os rins estarem eliminando mais água do que solutos, estão na realidade devolvendo água à circulação sistêmica, como ocorre em décits de água. Portanto, sempre que a osmolaridade da urina for maior do que a osmolaridade do plasma, o clearance de água livre será negativo, indicando que está ocorrendo conservação de água. Quando os rins estão formando urina diluída (i. e., urina com osmolaridadePosm = 2,1 × PNa + (mmol/ℓ) Por exemplo, com uma concentração plasmática de sódio de 142 mEq/ ℓ, a osmolaridade seria estimada por essa fórmula em cerca de 298 mOsm/ℓ. Para maior precisão, especialmente em condições associadas a uma doença renal, inclui-se a contribuição da concentração plasmática (em mmol/ℓ) de outros dois solutos, glicose e ureia: Posm = 2 × [PNa +, mmol/ℓ] + [Pglicose, mmol/ℓ] + [Pureia, mmol/ℓ] Essas estimativas da osmolaridade plasmática são em geral precisas dentro de uma pequena faixa de porcentagem em relação à mensuração direta.2 Normalmente, íons sódio e ânions associados (primariamente bicarbonato e cloreto) representam aproximadamente 94% dos osmóis extracelulares, com glicose e ureia contribuindo com cerca de 3 a 5% do total. Contudo, visto que a ureia transpõe facilmente a maior parte das membranas celulares, a pressão osmótica por ela exercida é pouco efetiva sob condições estáveis. Portanto, os íons sódio e seus ânions associados são os principais determinantes do movimento de líquidos através das membranas celulares. Como consequência, pode-se discutir o controle da osmolaridade e da concentração de sódio de maneira conjunta. Embora o controle da quantidade de sódio e água excretados pelos rins inclua múltiplos mecanismos, dois sistemas primários estão especialmente envolvidos na regulação da concentração de sódio e osmolaridade do líquido extracelular: (1) o sistema osmorreceptor-ADH; e (2) o mecanismo da sede. SISTEMA DE FEEDBACK OSMORRECEPTOR-ADH A Figura 29.9 demonstra os componentes básicos do sistema de feedback osmorreceptor-ADH para o controle da concentração de sódio e osmolaridade do líquido extracelular. Quando a osmolaridade aumenta acima do normal devido a, por exemplo, um déficit de água livre, esse sistema de feedback funciona da seguinte maneira: células osmorreceptoras, localizadas no hipotálamo anterior, próximas aos núcleos supraópticos. Ao se retraírem, as células osmorreceptoras deflagram impulsos nervosos para outras células dos núcleos supraópticos, as quais transmitem o sinal pelo pedúnculo da glândula hipófise até a neurohipófise. Esses potenciais de ação conduzidos até a neuro-hipófise estimulam a liberação de ADH, que se encontra armazenado em grânulos (ou vesículas) secretórios nas terminações nervosas. O ADH ganha a corrente sanguínea e é transportado até os rins, onde causa aumento da permeabilidade à água nos túbulos distais, túbulos coletores corticais e ductos coletores medulares. O aumento da permeabilidade à água nos segmentos distais do néfron causa aumento da reabsorção de água e excreção de um pequeno volume de urina concentrada. Portanto, a água é conservada enquanto o sódio e outros solutos continuam sendo excretados na urina. Isso causa diluição dos solutos do líquido extracelular, corrigindo a alta concentração inicial desse líquido. A sequência oposta de eventos ocorre quando o líquido extracelular está excessivamente diluído (hiposmótico). Por exemplo, com a ingestão excessiva de água e redução na osmolaridade do líquido extracelular, formase menos ADH, os túbulos renais reduzem sua permeabilidade à água, menos água é reabsorvida e um grande volume de urina diluída é formado. Isso, por conseguinte, concentra os líquidos corporais e recupera a osmolaridade normal do plasma. SÍNTESE DE ADH NOS NÚCLEOS SUPRAÓPTICOS E PARAVENTRICULARES DO HIPOTÁLAMO E LIBERAÇÃO DE ADH PELA NEURO-HIPÓFISE A Figura 29.10 demonstra a neuroanatomia do hipotálamo e da glândula hipófise, onde ocorrem síntese e liberação de ADH. O hipotálamo contém dois tipos de neurônios magnocelulares (grandes) que sintetizam o ADH nos núcleos supraópticos e paraventriculares hipotalâmicos, aproximadamente cinco sextos nos primeiros e um sexto nos segundos. Ambos os núcleos possuem axônios que se estendem até a neuro-hipófise. Uma vez sintetizado o ADH, este é transportado pelos axônios dos neurônios até suas extremidades, terminando na glândula neuro-hipófise. Quando os núcleos supraópticos e paraventriculares são estimulados pelo aumento da osmolaridade ou outros fatores, impulsos nervosos passam por esses terminais nervosos, modificando a permeabilidade de sua membrana e aumentando o influxo de cálcio. O ADH armazenado nos grânulos (também chamados vesículas) secretórios dos terminais nervosos é liberado em resposta ao aumento da entrada de cálcio. Esse ADH liberado é então carreado pelos capilares sanguíneos da neuro-hipófise até a circulação sistêmica. A secreção do ADH em resposta a um estímulo osmótico ocorre rapidamente, de forma que seus níveis plasmáticos podem aumentar em muitas vezes dentro de minutos, proporcionando um meio rápido de alteração da excreção renal de água. Uma segunda região importante de controle da osmolaridade e secreção de ADH está localizada na região anteroventral do terceiro ventrículo, conhecida pela sigla região AV3V. Na porção superior dessa região existe uma estrutura denominada órgão subfornicial e, na região inferior, há uma outra estrutura chamada órgão vascular da lâmina terminal. Entre os dois órgãos está o núcleo pré-óptico mediano, com múltiplas conexões neurais com ambos os órgãos e também com os núcleos supraópticos e centros de controle da pressão arterial situados no bulbo. Lesões na região AV3V causam múltiplos déficits de controle da secreção de ADH, da sede, do apetite por sódio e da pressão arterial. A estimulação elétrica dessa região ou a estimulação da formação de angiotensina II podem aumentar a secreção de ADH, sede e apetite por sódio. Figura 29.10 Neuroanatomia do hipotálamo, onde ocorre a síntese do hormônio antidiurético (ADH), e da neuro-hipófise, onde ocorre sua secreção. Próximos à região AV3V e núcleos supraópticos residem neurônios que são excitados por pequenos aumentos da osmolaridade do líquido extracelular – recebendo, por essa razão, o nome de osmorreceptores. Essas células enviam sinais nervosos aos núcleos supraópticos para controlar seu disparo e secreção de ADH. É provável que também induzam a sede em resposta ao aumento da osmolaridade do líquido extracelular. Tanto o órgão subfornicial quanto o órgão vascular da lâmina terminal apresentam aporte vascular desprovido da típica barreira hematencefálica que, se estivesse presente neste local, impediria a difusão da maior parte dos íons do sangue para o tecido neural. Essa característica possibilita que íons e outros solutos se movimentem entre o sangue e o líquido intersticial local dessa região. Como resultado, os osmorreceptores rapidamente respondem a mudanças na osmolaridade do líquido extracelular, exercendo forte controle sobre a secreção de ADH e a sede, conforme discutido mais adiante. ESTIMULAÇÃO DA LIBERAÇÃO DE ADH PELA DIMINUIÇÃO DA PRESSÃO ARTERIAL E/OU DO VOLUME SANGUÍNEO A liberação de ADH também é controlada por reflexos cardiovasculares que respondem à diminuição da pressão arterial e/ou do volume sanguíneo, incluindo os seguintes: (1) reflexos barorreceptores arteriais; e (2) reflexos cardiopulmonares, ambos discutidos no Capítulo 18. Essas vias de reflexo se originam em regiões de alta pressão da circulação, como arco aórtico e seio carotídeo, e também em regiões de baixa pressão, especialmente nos átrios cardíacos. Estímulos aferentes são carreados pelo nervo vago (X) e glossofaríngeo (IX), com sinapses nos núcleos do trato solitário. Projeções a partir desses núcleos transmitem sinais aos núcleos hipotalâmicos que controlam a síntese e secreção de ADH. Ou seja, além da osmolaridade aumentada, dois outros estímulos aumentam a secreção de ADH: (1) redução da pressão arterial; e (2) redução do volume sanguíneo. Sempre que a pressão arterial e o volume estiverem reduzidos, como durante uma hemorragia, o aumento da secreção de ADH causará aumento da reabsorção de líquidos nosrins, auxiliando na restauração da pressão arterial e volemia ao normal. Importância quantitativa da osmolaridade e dos reexos cardiovasculares no estímulo da secreção de ADH Como demonstrado pela Figura 29.11, uma redução do volume efetivo de sangue ou um aumento na osmolaridade do líquido extracelular estimulam a secreção de ADH. Todavia, o ADH é consideravelmente mais sensível a pequenas alterações da osmolaridade do que a alterações de igual porcentagem no volume sanguíneo. Por exemplo, uma alteração de apenas 1% na osmolaridade plasmática é suficiente para aumentar os níveis de ADH. Contudo, após perda sanguínea, os níveis de ADH não se alteram significativamente até que o volume tenha sido alterado em cerca de 10%. Após esse limite, reduções adicionais de volume resultarão em rápido aumento dos níveis de ADH. Portanto, nas reduções graves do volume sanguíneo, os reflexos cardiovasculares exercem um grande papel na estimulação da secreção de ADH. A regulação diária usual da secreção de ADH durante a simples desidratação sofre influência principalmente das alterações da osmolaridade plasmática. Reduções de volume sanguíneo e pressão arterial, porém, potencializam sobremaneira a resposta do ADH ao aumento da osmolaridade. Figura 29.11 Efeito do aumento da osmolaridade plasmática ou diminuição do volume sanguíneo sobre o nível plasmático (P) do hormônio antidiurético (ADH), também chamado arginina vasopressina (AVP). (Modificada de Dunn FL, Brennan TJ, Nelson AE et al.: The role of blood osmolality and volume in regulating vasopressin secretion in the rat. J Clin Invest 52[12]:3212, 1973.) OUTROS ESTÍMULOS PARA A SECREÇÃO DE ADH A secreção de ADH também pode aumentar ou diminuir em resposta a outros estímulos ao sistema nervoso central, bem como em razão de vários fármacos e hormônios, conforme demonstrado na Tabela 29.2. Por exemplo, a náusea serve como um potente estímulo para a liberação de ADH, podendo aumentá-la em até 100 vezes no caso de vômito. Da mesma forma, substâncias como nicotina e morfina estimulam a liberação de ADH, ao passo que o álcool inibe essa liberação. A notável diurese observada após ingestão de álcool deve-se, em parte, à inibição da liberação de ADH. Tabela 29.2 Controle da secreção do hormônio antidiurético. Aumentam os níveis de ADH Diminuem os níveis de ADH ↑ Osmolaridade plasmática ↓ Osmolaridade plasmática ↓ Volume sanguíneo ↑ Volume sanguíneo ↓ Pressão arterial ↑ Pressão arterial Náuseas Hipoxia Substâncias Substâncias Morna Álcool Nicotina Clonidina (anti-hipertensivo) Ciclofosfamida Haloperidol (antagonista dopaminérgico) IMPORTÂNCIA DA SEDE NO CONTROLE DA OSMOLARIDADE E CONCENTRAÇÃO DE SÓDIO EXTRACELULAR Os rins minimizam a perda de líquidos durante déficits de água por meio do sistema de feedback osmorreceptor-ADH. É preciso, contudo, adequada ingestão de líquidos para contrabalançar a perda que ocorre durante a sudorese, a respiração e através do trato gastrointestinal. A ingestão de líquidos é regulada pelo mecanismo da sede, o qual, juntamente com o 1. mecanismo osmorreceptor-ADH, mantém controle preciso da osmolaridade e concentração de sódio do líquido extracelular. Muitos desses mesmos fatores que estimulam a secreção de ADH também aumentam a sede, definida como um desejo consciente por água. CENTROS DA SEDE NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Referindo-se novamente à Figura 29.10, a mesma área da parede anteroventral do terceiro ventrículo que promove a liberação de ADH também estimula a sede. Há também uma outra área, localizada na região anterolateral do núcleo pré-óptico, que após estimulada eletricamente induz a ingestão imediata de líquidos, a qual perdura enquanto se mantiver o estímulo. Todas essas áreas juntas recebem o nome de centro da sede. Os neurônios do centro da sede respondem a injeções de solução salina hipertônica com estímulo do comportamento de ingestão de líquidos. Essas células praticamente funcionam como osmorreceptores, ativando o mecanismo da sede da mesma forma com que os osmorreceptores estimulam a liberação de ADH. O aumento da osmolaridade do líquido cefalorraquidiano no terceiro ventrículo produz essencialmente o mesmo efeito de induzir a ingestão de líquidos. É provável que o órgão vascular da lâmina terminal, situado imediatamente abaixo da superfície ventricular na extremidade inferior da região AV3V, esteja intimamente envolvido na mediação dessa resposta. ESTÍMULOS DA SEDE A Tabela 29.3 resume alguns dos conhecidos estímulos da sede. Um dos mais importantes estímulos é o aumento da osmolaridade do líquido extracelular, que causa desidratação intracelular nos centros 2. 3. da sede, estimulando a sensação de sede. O valor dessa resposta é evidente: auxilia na diluição dos líquidos extracelulares e recupera a osmolaridade normal. A diminuição do volume de líquido extracelular e da pressão arterial também estimula a sede por meio de uma via independente do estímulo causado pela osmolaridade plasmática. Portanto, a perda de volume sanguíneo nas hemorragias estimula a sede, mesmo que não ocorra alteração na osmolaridade plasmática. Esse estímulo provavelmente ocorre em razão de sinais nervosos advindos de barorreceptores cardiopulmonares e sistêmicos da circulação. Um terceiro importante estímulo da sede é a angiotensina II. Tabela 29.3 Controle da sede. Aumentam a sede Diminuem a sede ↑ Osmolaridade plasmática ↓ Osmolaridade plasmática ↓ Volume sanguíneo ↑ Volume sanguíneo ↓ Pressão arterial ↑ Pressão arterial ↑ Angiotensina II ↓ Angiotensina II Boca seca Distensão gástrica Estudos em animais demonstraram que a angiotensina II atua sobre o órgão subfornicial e órgão vascular da lâmina terminal. Essas regiões são desprovidas de barreira hematencefálica, de forma que peptídeos como a angiotensina II podem se difundir para os tecidos. Como a angiotensina II também é estimulada por fatores associados à hipovolemia e hipotensão arterial, seu efeito sobre a sede auxilia na restauração do volume sanguíneo e pressão arterial ao normal, juntamente com suas outras ações nos rins no sentido de reduzir a excreção de líquidos. 4. 5. A sensação de secura na boca e nas membranas mucosas do esôfago pode provocar a sensação de sede. Como resultado, um indivíduo sedento pode sentir alívio de sua sede quase imediatamente após ingerir água, mesmo que a água não tenha sido absorvida pelo trato gastrointestinal e ainda não tenha exercido nenhum efeito sobre a osmolaridade do líquido extracelular. Estímulos gastrointestinais e faríngeos influenciam a sede. Em animais com comunicação do esôfago com o meio externo de forma a impedir que a água seja absorvida para o sangue, ocorre alívio parcial da sede após ingestão de água, ainda que de maneira temporária. Ademais, a distensão gástrica pode aliviar parcialmente a sede. Por exemplo, a simples insuflação de um balão dentro do estômago pode aliviar a sede. Todavia, o alívio gerado por mecanismos gastrointestinais ou faríngeos é de curta duração; o desejo por água somente é completamente satisfeito quando a osmolaridade plasmática e/ou o volume sanguíneo retornam ao normal. A capacidade dos animais e humanos de “mensurar” sua ingestão de líquidos é importante, pois previne a hiperidratação. Quando uma pessoa bebe água, 30 a 60 minutos podem ser necessários até que a água seja reabsorvida e distribuída ao longo do organismo. Se a sensação de sede não fosse temporariamente aliviada após a ingestão de água, essa pessoa continuaria a beber água incessantemente até que ocorresse hiperidratação e diluição excessiva dos líquidos corporais. Estudos experimentais demonstraram repetidas vezes que animais ingerem quase que exatamente a quantidade de água necessária para recuperar a osmolaridade plasmática e o volume sanguíneo normais. LIMIARDO ESTÍMULO OSMOLAR DE INGESTÃO DE LÍQUIDOS Os rins necessitam excretar continuamente uma quantidade obrigatória de água, mesmo no indivíduo desidratado, a fim de depurar o organismo dos excessos de solutos que são ingeridos ou produzidos pelo metabolismo. A água também é perdida por meio de evaporação e sudorese através da pele. Portanto, há sempre uma tendência de desidratação, com resultante aumento da concentração de sódio e osmolaridade do líquido extracelular. Quando a concentração de sódio aumenta apenas cerca de 2 mEq/ ℓ acima do normal, o mecanismo da sede é ativado, gerando um desejo de beber água. A isso se dá o nome de limiar de ingestão de líquidos. Portanto, mesmo pequenos aumentos da osmolaridade plasmática já são normalmente seguidos por ingestão de água, restaurando a osmolaridade e volume do líquido extracelular ao normal. Dessa forma, mantêm-se precisamente controladas a osmolaridade e concentração de sódio do líquido extracelular. Distúrbios da sede e ingestão de água. Conforme discutido anteriormente, ocorre aumento da sede em diversos distúrbios clínicos que cursam com aumento do volume de urina e diminuição do volume de líquido extracelular, como no diabetes melito ou insípido mal controlado. Nesses casos, o aumento da ingestão de água funciona como uma resposta compensatória para o aumento da osmolaridade plasmática e/ou depleção do volume extracelular. A polidipsia, ou sede excessiva, ocorre algumas vezes sem um estímulo siológico conhecido da sede. A polidipsia psicogênica, por exemplo, pode ser causada por doenças mentais como esquizofrenia ou transtorno obsessivo-compulsivo, podendo causar signicativa hiponatremia dilucional. Em contrapartida, a adipsia, ou ausência de sede mesmo na presença de hipernatremia ou depleção de volume, é rara e geralmente resulta de lesões dos centros da sede hipotalâmicos devidas a traumatismo, infecção ou cirurgia. A deciência parcial do mecanismo de sede, causando ingestão de água inadequada (hipodipsia), ou a incapacidade de acesso a líquidos, pode ocorrer em pacientes vítimas de acidentes vasculares cerebrais, pacientes idosos com demência ou pacientes criticamente enfermos. Na ausência de ingestão adequada de água, ocorrem desidratação e hipernatremia, mesmo com aumentos signicativos nos níveis de ADH. RESPOSTAS INTEGRADAS DOS MECANISMOS OSMORRECEPTOR-ADH E DA SEDE Em um indivíduo saudável, os mecanismos osmorreceptor-ADH e da sede trabalham em paralelo para regular precisamente a osmolaridade e concentração de sódio do líquido extracelular, apesar dos desafios constantes de desidratação. Mesmo com desafios adicionais, como alta ingestão de sódio, esses sistemas de feedback geralmente conseguem manter a osmolaridade plasmática razoavelmente constante. A Figura 29.12 demonstra que o aumento da ingestão de sódio em até seis vezes o normal produz apenas um pequeno efeito na concentração plasmática de sódio, contanto que o ADH e o mecanismo de sede funcionem corretamente. Quando ocorre falha ou no mecanismo do ADH ou da sede, em geral um deles ainda consegue controlar a osmolaridade e a concentração de sódio com eficácia razoável contanto que a ingestão de líquidos seja suficiente para equilibrar o volume de urina obrigatório e perdas de água causadas pela respiração, por sudorese ou pelo trato gastrointestinal. Todavia, se tanto o mecanismo do ADH quanto o da sede falharem simultaneamente, haverá pouco controle sobre a osmolaridade e a concentração de sódio do plasma. Portanto, quando a ingestão de sódio aumenta em razão de um bloqueio total do sistema ADH-sede, ocorrem mudanças relativamente grandes na concentração de sódio plasmática. Na ausência dos mecanismos ADH-sede, nenhum outro mecanismo de feedback será capaz de regular adequadamente a concentração de sódio e a osmolaridade do plasma. Figura 29.12 Efeito de grandes alterações da ingestão de sódio sobre a concentração de sódio do líquido extracelular em cães sob condições normais (linha vermelha) e após bloqueio dos sistemas de feedback do hormônio antidiurético (ADH) e da sede (linha azul). Observe que o controle da concentração de sódio do líquido extracelular era deficiente na ausência desses sistemas de feedback. (Cortesia do Dr. David B. Young.) Papel da angiotensina II e da aldosterona no controle da osmolaridade e concentração de sódio no líquido extracelular Conforme discutido no Capítulo 28, tanto a angiotensina II quanto a aldosterona exercem um papel importante na regulação da reabsorção de sódio pelos túbulos renais. Quando a ingestão de sódio está baixa, níveis aumentados desses hormônios estimulam sua reabsorção pelos rins e impedem grandes perdas, mesmo que a ingestão de sódio esteja tão baixa quanto 10% de seu normal. Da mesma forma, no caso de alta ingestão de sódio, a diminuição da formação desses hormônios permite que os rins excretem grandes quantidades de sódio. Em virtude da importância da angiotensina II e da aldosterona na regulação da excreção de sódio pelos rins, pode-se inferir erroneamente que eles também exercem um papel importante na regulação da concentração de sódio do líquido extracelular. Embora esses hormônios aumentem a quantidade de sódio do líquido extracelular, eles aumentam também o volume de líquido extracelular por meio de maior reabsorção de água juntamente com o sódio. Portanto, a angiotensina II e a aldosterona exercem pouco efeito sobre a concentração de sódio, exceto sob condições extremas. Essa relativa falta de importância da aldosterona na regulação da concentração de sódio do líquido extracelular está demonstrada pelo experimento ilustrado na Figura 29.13. A gura demonstra o efeito da mudança da quantidade ingerida de sódio em mais de seis vezes sobre a concentração plasmática de sódio, sob duas condições: (1) condições normais; e (2) após bloqueio do mecanismo de feedback da aldosterona por meio da remoção das glândulas adrenais e infusão de aldosterona em taxa constante para que os níveis plasmáticos do hormônio não aumentassem nem diminuíssem nos animais. Observe que, quando a entrada de sódio no organismo aumentou seis vezes, sua concentração plasmática alterou-se somente 1 a 2%. Esse achado indica que, mesmo sem um sistema de feedback de aldosterona funcional, a concentração plasmática de sódio pode ser regulada adequadamente. O mesmo tipo de experimento foi conduzido com o bloqueio da formação de angiotensina II e obteve o mesmo resultado.__ Há duas razões primárias pelas quais as mudanças nos níveis de angiotensina II e aldosterona não produzem efeito signicativo na concentração plasmática de sódio. Primeiro, conforme discutido anteriormente, a angiotensina II e a aldosterona aumentam tanto a reabsorção de sódio quanto de água pelos túbulos renais, levando a aumento do volume de líquido extracelular e da quantidade de sódio, porém com pouca alteração em sua concentração. Segundo, contanto que o mecanismo ADH-sede esteja funcional, qualquer tendência de aumento da concentração plasmática de sódio será compensada por um aumento na ingestão de água ou na secreção plasmática de ADH, o que tende a diluir o líquido extracelular de volta ao normal. O sistema ADH-sede supera grandemente os sistemas da angiotensina II e aldosterona na regulação da concentração de sódio sob condições normais. Mesmo em pacientes com hiperaldosteronismo primário, os quais apresentam níveis extremamente altos de aldosterona, a concentração plasmática de sódio normalmente aumenta apenas cerca de 3 a 5 mEq/ℓ acima do normal. Sob condições extremas causadas pela perda completa da secreção de aldosterona por uma adrenalectomia ou em pacientes com doença de Addison (secreção gravemente comprometida ou ausência total de hormônios do córtex adrenal), ocorre extraordinária perda de sódio pelos rins, o que pode