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Referências Freitas - Tratado Alberts - fundamentos da bio celular The Hallmarks of aging Inflamaging - SBGG 1 - Explicar o processo de envelhecimento e suas teorias + (5) descrever as modificações neuroendócrinas da velhice 1. Processo de Envelhecimento O envelhecimento é um fenômeno multifatorial e progressivo, caracterizado por redução da reserva funcional, aumento da vulnerabilidade a estressores e maior risco de doenças e morte. Não é um processo uniforme — cada tecido e sistema apresenta declínio em ritmos diferentes. Ele reflete a interação entre fatores intrínsecos (genéticos, celulares) e extrínsecos (ambientais, estilo de vida). 2. Teorias do Envelhecimento 2.1 Teorias Estocásticas (baseadas em dano cumulativo) Estas explicam o envelhecimento como acúmulo progressivo de danos aleatórios ao longo do tempo, afetando macromoléculas e funções celulares. · Proteínas Alteradas: glicosilação não enzimática (produtos finais de glicação avançada – AGE) → perda de elasticidade tecidual, disfunção de membranas, inflamação crônica. · Dano e Reparo do DNA: erros no reparo de quebras de fita dupla, mutações somáticas, encurtamento de telômeros → instabilidade genômica. · Catástrofe do Erro: erros cumulativos na tradução de proteínas (mRNA/tRNA) → proteínas defeituosas e perda da homeostase. · Dano Oxidativo: espécies reativas de oxigênio (EROs) e nitrogênio (RNS) lesam lipídios, proteínas e DNA → disfunção mitocondrial. · Mudanças Proteicas: perda de proteostase, acúmulo de proteínas mal dobradas (β-amiloide, tau) → processos neurodegenerativos. · Desdiferenciação: perda de identidade celular e controle epigenético → células retornam a estados menos especializados. 2.2 Teorias Sistêmicas Focam nos mecanismos regulatórios do organismo como um todo, que ao falharem resultam no envelhecimento. (a) Teorias Metabólicas Relacionam taxa metabólica elevada e produção de radicais livres com maior dano tecidual (ex.: teoria “rate of living”). (b) Teorias Genéticas Programação intrínseca: genes determinam longevidade via sinalização, reparo celular, estabilidade epigenética. Essas teorias propõem que o genoma contém “relógios” ou “programas” que: · Controlam quantas vezes uma célula pode se dividir (limite de Hayflick); · Determinam a expressão de genes envolvidos em reparo, inflamação, crescimento e apoptose; As teorias genéticas veem o envelhecimento como parcialmente programado: · Cada organismo tem limites biológicos intrínsecos pré-estabelecidos pelo genoma. · O ritmo de envelhecimento depende da expressão e regulação desses genes. · Danos ambientais e estocásticos aceleram ou desaceleram o processo, mas o “script” básico é herdado. (c) Apoptose A perda de células funcionais pela ativação de vias apoptóticas contribui para sarcopenia, imunossenescência e degeneração de órgãos. 2.3. Teorias Neuroendócrinas Essas teorias defendem que o envelhecimento decorre de alterações nos sistemas de regulação neuroendócrina, que coordenam homeostase, metabolismo e reprodução. · Hipotálamo como centro integrador: há declínio progressivo na liberação de hormônios liberadores (GnRH, CRH, TRH) → menor secreção de hormônios periféricos (GH, cortisol, hormônios sexuais, T3/T4). · Eixo GH/IGF-1: queda de GH (“somatopausa”) → redução da síntese proteica, sarcopenia, menor lipólise e capacidade regenerativa. · Eixo HPA (Hipotálamo–Hipófise–Adrenal): aumento relativo do cortisol basal e menor supressão ao feedback negativo (Em idosos, esse feedback negativo fica “menos sensível” – tolerância recep, o eixo continua liberando ACTH/cortisol mesmo quando já há níveis altos circulantes) → estado pró-inflamatório, resistência à insulina, alterações cognitivas. · Eixo Gonadal: declínio dos hormônios sexuais (andropausa/menopausa) → redução da densidade óssea, alterações vasculares e cognitivas. · Eixo Tireoidiano: redução discreta no T3 livre; metabolismo basal cai. · Alterações no ritmo circadiano: redução da melatonina pineal e desorganização dos ciclos sono-vigília. Implicação central: a perda da coordenação neuroendócrina gera homeostase mais frágil, predispondo a doenças crônicas. 2.4. Teorias Imunológicas O sistema imunológico sofre imunossenescência, caracterizada por declínio quantitativo e qualitativo de respostas imunes e aumento da inflamação basal (“inflammaging”): · Alterações no timo: involução tímica progressiva → redução da produção de linfócitos T naïve → menor repertório para novos antígenos. · Alteração do perfil de citocinas: predomínio de citocinas pró-inflamatórias (IL-6, TNF-α) e queda de IL-2 → resposta imune celular menos eficaz. · Células NK e B: maior número absoluto de NK mas menor citotoxicidade; linfócitos B com resposta atenuada à estimulação antigênica. · Aumento da inflamação crônica de baixo grau: acúmulo de células senescentes secretando SASP (senescence-associated secretory phenotype) → perpetua inflamação sistêmica. · Autoimunidade: perda da tolerância central e periférica → maior incidência de doenças autoimunes em idosos. Consequências: maior susceptibilidade a infecções, menor eficácia vacinal, cicatrização mais lenta, predisposição a neoplasias. Portanto, o envelhecimento resulta de múltiplos mecanismos interativos: · Estocásticos: danos acumulativos em proteínas, DNA e organelas. · Sistêmicos: perda progressiva da coordenação metabólica, genética e apoptótica. · Neuroendócrinos e Imunológicos: declínio dos sistemas regulatórios centrais que sustentam homeostase, defesa e reparo. 2 - Diferenciar o envelhecimento natural do patológico 1. Conceitos Fundamentais de Envelhecimento O envelhecimento é um processo biológico universal, progressivo, intrínseco e multifatorial, caracterizado pelo declínio gradual das funções fisiológicas e aumento da vulnerabilidade a doenças. Embora inevitável, sua expressão clínica e funcional não é homogênea entre indivíduos, pois sofre influência de fatores genéticos, ambientais e psicossociais. No campo biomédico, distingue-se envelhecimento “normal” (ou usual), envelhecimento bem-sucedido e envelhecimento patológico: · Envelhecimento usual/comum: ocorre em ritmo esperado, com declínios funcionais típicos da idade (ex.: redução da taxa metabólica basal, perda de massa muscular e óssea moderada, alterações sensoriais graduais). · Envelhecimento bem-sucedido: caracteriza indivíduos que, apesar do avanço etário, mantêm elevada capacidade funcional, autonomia, bem-estar psicológico e baixo risco de doenças crônicas incapacitantes. Envolve adaptação ativa, reserva fisiológica preservada e estilos de vida protetores. · Envelhecimento patológico: refere-se à presença de doenças ou síndromes geriátricas que não são consequências inevitáveis do envelhecimento, mas que ocorrem mais frequentemente em idosos (ex.: doença de Alzheimer, aterosclerose avançada, osteoporose severa). 2. Envelhecimento Normativo Primário vs. Secundário Esse modelo deriva de trabalhos de Birren e Rowe & Kahn e ajuda a sistematizar: · Envelhecimento primário (normativo): mudanças inevitáveis, universais e intrínsecas do organismo, relacionadas ao tempo cronológico. Representa o “background” biológico sobre o qual se desenvolvem funções e patologias. Exemplos: enrijecimento vascular discreto, redução da velocidade de condução nervosa, lentificação do metabolismo ósseo. · Envelhecimento secundário (não normativo): resulta de fatores extrínsecos e doenças adquiridas, potencialmente modificáveis. Inclui efeitos cumulativos de estilo de vida, exposições ambientais, hábitos alimentares, sedentarismo, tabagismo, poluição, estresse psicossocial. Ex.: doença coronariana, DPOC, diabetes tipo 2. Chave interpretativa: · Primário → inevitável e programado. · Secundário → contingente, evitável ou modificável. 3. Fatores Intrínsecos e Extrínsecos no Envelhecimento · Intrínsecos: genética, comprimento telomérico, senescência celular, epigenética, alterações hormonais. · Extrínsecos: dieta, atividade física, suporte social, exposições tóxicas, educação, renda, acesso à saúde. A interação desses fatores modulaa velocidade do envelhecimento e diferencia envelhecimento usual de bem-sucedido. Fatores extrínsecos não criam o envelhecimento primário, mas determinam a transição entre envelhecimento usual, bem-sucedido e patológico. Quanto mais protetores forem esses fatores, mais próximo do bem-sucedido será o envelhecimento; quanto mais nocivos, mais cedo aparecerá o secundário/patológico. Um exemplo clássico é a “reserva fisiológica”: indivíduos com maior reserva (ex.: função renal, cardiovascular, cognitiva) podem tolerar estressores com menor declínio funcional — marca do envelhecimento bem-sucedido. Envelhecimento Natural x Patológico na Prática Médica Na avaliação clínica do idoso, é essencial distinguir alterações fisiológicas esperadas de manifestações patológicas, para não normalizar doenças nem patologizar alterações benignas. Exemplos: · Fisiológico: diminuição do volume intracelular cerebral → discreta lentificação cognitiva. · Patológico: perda acentuada de memória recente com impacto funcional → demência. 3 – Explicar a ação dos telômeros e da telomerase Telômeros – a “tampa” do cromossomo · Pense no cromossomo como um cadarço de sapato: se ele não tiver aquela ponta plástica, o cadarço se desfaz. · Telômeros são essas “pontas protetoras” do DNA, feitas de repetições da sequência TTAGGG. · Eles não contêm genes importantes, mas servem para proteger o que vem antes deles. · No final, o DNA forma um T-loop, que dobra a ponta do cromossomo para dentro, “escondendo-a” e impedindo que a célula reconheça como uma quebra de DNA. Complexo Shelterin – o “guarda-costas” · O shelterin é um conjunto de proteínas que protege e regula os telômeros, garantindo que eles façam seu trabalho sem ativar respostas de dano ao DNA. · Principais proteínas e funções: · TRF1 e TRF2: se ligam ao DNA telomérico e ajudam a formar e estabilizar o T-loop. · TRF2: evita que a via de reparo ATM veja o telômero como um DNA danificado (prevenindo que o cromossomo seja “consertado” de forma errada). · POT1: se liga à extremidade de DNA simples (ssDNA) 3’, controlando quem pode chegar até ali, como a telomerase. · TPP1: contém o “TEL patch”, um ponto de recrutamento que atrai a telomerase para alongar os telômeros. · TIN2 e RAP1: ajudam a manter a estabilidade do complexo. Em resumo: shelterin protege, organiza e regula o telômero, evitando que ele seja confundido com um dano e ajudando a telomerase a fazer seu trabalho quando necessário. TERRA – os RNAs mensageiros dos telômeros · TERRA = RNAs transcritos a partir do próprio telômero. · Funções principais: · Participam da organização da cromatina no telômero (como se estivessem “decorando e protegendo” a região). · Podem modular a atividade da telomerase, influenciando quanto o telômero é alongado. Por que os telômeros encurtam? · As enzimas (DNA polimerase) que copiam o DNA não conseguem replicar até o final da molécula (5’ da fita retardada). Sempre sobra um pedacinho sem copiar. · Resultado: a cada divisão celular o telômero fica um pouco menor. · Fatores como estresse oxidativo (a repetição rica em guaninas é suscetível a oxidação (8-oxoG) — isso causa quebras e colapso de forquilhas de replicação, acelerando perda telomérica), inflamação, sedentarismo e tabagismo aceleram esse encurtamento. O que acontece quando encurtam demais · Quando o telômero fica curto demais, as proteínas protetoras se perdem. · O núcleo “acha” que houve uma quebra no DNA → ativa sistemas de reparo → bloqueia a divisão celular ou induz senescência/apoptose. · Isso é uma barreira natural contra câncer (células muito velhas não se dividem), mas também causa perda da capacidade regenerativa dos tecidos. Telomerase: a “enzima restauradora” · É uma enzima especial que reconstrói os telômeros adicionando de volta as sequências perdidas. · Composta por TERT (proteína) + TERC (RNA molde). · Muito ativa em células germinativas, células-tronco e linfócitos ativados. · Pouco ativa na maioria das células somáticas → por isso o encurtamento natural. · Tumores reativam telomerase para se multiplicarem indefinidamente. Enzima: a telomerase é uma reverse transcriptase ribonucleoproteica cuja subunidade catalítica é o TERT (telomerase reverse transcriptase) e cuja componente RNA é o TERC (RNA guia que fornece o molde para adicionar TTAGGG). Como age: durante a fase S (replicação), a telomerase é recrutada ao telómero, usa o TERC como molde e adiciona repetições ao overhang 3 4 – Explicar o inflamaging 1. Conceito O termo “inflammaging” combina inflammation (inflamação) e aging (envelhecimento) e refere-se ao estado crônico, de baixo grau, persistente de inflamação que se observa com o envelhecimento, mesmo na ausência de infecções agudas. · Caracteriza-se por níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias circulantes, como IL-6, TNF-α e proteína C-reativa (PCR), e ativação contínua de células do sistema imune inato. · É um processo sistêmico que contribui para disfunções teciduais, doenças crônicas associadas à idade (como aterosclerose, diabetes tipo 2, osteoartrite, demência) e aumento da mortalidade em idosos. Hipóteses e mecanismos subjacentes O inflammaging é multifatorial, envolvendo interações entre imunossenescência, composição corporal e alterações intestinais/dietéticas: Imunossenescência é destacada como motor do processo, incluindo: · Polimorfismos genéticos desfavoráveis · Alterações da imunidade inata · Diminuição de células T progenitoras · Infecções crônicas subclínicas · Proliferação monoclonal exacerbada de linfócitos T CD8+ Esse desequilíbrio resulta em níveis crescentes de IL-6, IL-8, IL-15, TNF-α, PCR, e fatores de coagulação, enquanto os fatores anti-inflamatórios (IL-1Ra, IL-4, IL-10, TGF-β1, cortisol) diminuem ou se tornam insuficientes. Consequência: maior risco de doenças associadas ao envelhecimento, como aterosclerose, osteoartrite, diabetes e declínio funcional. Expansão do tecido adiposo e inflamação · Demonstra como o aumento do tecido adiposo visceral contribui para inflamação sistêmica. · Na obesidade: · Há recrutamento de macrófagos M1 pró-inflamatórios (#) e acúmulo de células T CD8+ e Th1 enquanto células regulatórias (Treg) diminuem. · Isso leva à liberação de citocinas pró-inflamatórias e necrose localizada, promovendo inflamação crônica sistêmica. · Conexão com inflammaging: mesmo pequenas elevações de adiposidade com idade aumentam o estado inflamatório basal, amplificando o risco de doenças. Alterações na microbiota intestinal e inflamação sistêmica · Mostra a disbiose intestinal como gatilho da inflamação sistêmica: · Disbiose intestinal: alterações na microbiota com envelhecimento aumentam a permeabilidade intestinal, permitindo translocação bacteriana e endotoxemia, ativando respostas inflamatórias sistêmicas. · LPS (lipopolissacarídeos bacterianos) atravessam a barreira intestinal e entram na circulação. · Isso gera endotoxemia metabólica, ativando macrófagos e induzindo inflamação em múltiplos órgãos (fígado, tecido adiposo, músculo). · Consequências incluem aumento de inflamação, esteatose hepática, resistência insulínica e inflamação muscular. · Relação com dieta: ingestão de alimentos ultraprocessados, pobres em fibras favorece disbiose e inflamação crônica. Inflamação sistêmica, resistência insulínica e consequências metabólicas · Integra todos os fatores predisponentes do inflammaging: · Imunossenescência, adiposidade, alterações intestinais · Sequência do processo: 2. Citocinas pró-inflamatórias e fragmentos bacterianos circulam, recrutando macrófagos para os tecidos. 2. Ligação a receptores nos tecidos (fígado, músculo, tecido adiposo, cérebro). 2. Resultado: inflamação crônica + estresse oxidativo + resistência insulínica. · Consequências fisiopatológicas: · Manutenção/aumento da inflamação crônica · Redução do metabolismo muscular · Obesidade sarcopênica · Comprometimento cognitivo e aumento do risco de demência FLASHCARDS (Fazer); image1.png