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1ª edição Rio de Janeiro, 2022 22-80106 Copyright © Mary Del Priore, 2022 Todos os esforços foram feitos para localizar os fotógrafos das imagens e os autores dos textos reproduzidos neste livro. A editora compromete-se a dar os devidos créditos em uma próxima edição, caso os autores as reconheçam e possam provar sua autoria. Nossa intenção é divulgar o material iconográfico, de maneira a ilustrar as ideias aqui publicadas, sem qualquer intuito de violar direitos de terceiros. Capa e cadernos de imagens: Anderson Junqueira Imagem de capa: Tarsila do Amaral na fazenda Santo Antônio, de dona Olívia Guedes Penteado, Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo Diagramação de miolo da versão impressa: Abreu’s System CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ D375t Del Priore, Mary, 1952 Tarsila [recurso eletrônico]: uma vida doce-amarga / Mary Del Priori. – 1. ed. – Rio de Janeiro: José Olympio, 2022. recurso digital Formato: epub Requisitos do sistema: adobe digital editions Modo de acesso: world wide web ISBN 978-65-5847-115-8 (recurso eletrônico) 1. Amaral, Tarsila do, 1886-1973. 2. Pintoras - Biografia - Brasil. 3. Livros eletrônicos. I. Título. CDD: 709.2 CDU: 929:7.036 Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária – CRB-7/6439 Este livro foi revisado segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, o armazenamento ou a transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito. Reservam-se os direitos desta edição à EDITORA JOSÉ OLYMPIO LTDA. https://bnweb.snel.org.br/scripts/bnweb/bnmcip.exe/ficha?OTo8QW5q Rua Argentina, 171 — 3º andar — São Cristóvão 20921-380 — Rio de Janeiro, RJ Tel.: (21) 2585-2000. Seja um leitor preferencial Record. Cadastre-se em www.record.com.br e receba informações sobre nossos lançamentos e nossas promoções. Atendimento e venda direta ao leitor: sac@record.com.br ISBN 978-65-5847-115-8 Produzido no Brasil 2022 https://www.record.com.br/ mailto:sac@record.com.br Sumário Livro Encarte de fotos Agradecimentos Referências bibliográficas NO RETRATO, A VARANDA de São Bernardo. Dela se via o sol puxar o dia atrás dos morros. Nela se ouvia o vento acariciar as janelas com um barulho de seda. No ar, o silvo da locomotiva a caminho de Piracicaba. Seus vagões carregados de açúcar, milho e café cortavam pastos e plantações coloridas. A fazenda estava localizada em terras de São João de Capivari de Baixo, uma cidadezinha tranquila cujo nome nasceu de um rio onde se banhavam gordas capivaras. Na praça principal, erguia-se a igreja Matriz de São João Batista. Na rua principal, a Tiradentes, sobressaía-se o casarão do barão de Almeida Lima que hospedou d. Pedro II e a imperatriz d. Teresa Cristina, seis anos antes de a menina nascer. A menina? Ela era Tarsila. Pouco se conhece dos seus verdes anos. Sabe-se que teve seis irmãos na fazenda. Não se sabe se brincou com filhos de imigrantes italianos que chegavam ao noroeste de São Paulo ou com filhos de ex-escravizados. A Lei Áurea foi assinada dois anos depois de Tarsila nascer, a 1o de setembro de 1886. Nas imediações da cidade havia mesmo um quilombo e reza a lenda que seu avô teria tido quatrocentos escravos. A fazenda era como tantas outras da região: um casarão caiado de branco, situado em meio a terreiros com portas largas. O musgo cobria as escadas que levavam à sacada. No interior, salas, quartos, despensa e cozinha. Banheiros costumavam ficar de fora, com enormes tinas alimentadas por um espesso cano de água. Os salões eram decorados com sofás e cadeiras em palhinha. A sala de jantar exibia uma mesa comprida, bancos e o indefectível armário de louças finas. Retratos de parentes decoravam as paredes. Se havia um recém-falecido, a imagem ficava envolta em gaze lilás. Na cozinha, além dos enormes fogões, era comum haver um tabuleiro de torrar farinha. Mais afastados, o curral e o chiqueiro. Atrás da casa, o galinheiro, a horta e, quando havia café, o terreiro para lavagem e secagem dos grãos. Não era o caso de São Bernardo. Campos cobertos de frutas silvestres se estendiam além das cercas. Primaveras e alamandas se enroscavam nos troncos de caviúnas, jequitibás e guarirobas. Plantações variadas misturavam-se às pastagens de capim- gordura. Pelo jardim, bicas de água cantavam baixinho, alimentando canteiros. À noite, a brincadeira era correr atrás dos vaga-lumes. Nos tetos, as cambaxirras faziam ninhos. Em São Bernardo, um sino chamava os trabalhadores para suas tarefas. E mademoiselle d’Egmont, moradora do sítio vizinho, chamava as crianças para aulas de francês. O pai de Tarsila era José Estanislau do Amaral Filho. Conhecido na cidade como Doutor Juca, foi chefe político e, como juiz de Direito, exerceu o cargo de presidente da Câmara Municipal de Capivari. Ele, porém, não se envolveu nas tramas de politicalha eleitoral que grassava nos lugarejos do interior e que acabavam em pancadaria, tiroteios e sequestro de urnas. Sabe-se que, de forma diferente de outros fazendeiros, Doutor Juca não foi figura proeminente local, estadual ou nacional. Era ensimesmado, calado e nada tinha dos coronéis que davam as cartas no interior, como, por exemplo, o conde do Pinhal, seu vizinho em Araraquara. O avô de Tarsila enriquecera como fazendeiro, exportador e empresário, e chegou a ter 22 fazendas. As terras eram baratas e as casas senhoriais podiam ser simples ranchos cobertos com telhas. O filho, um gentil homem rural como tantos outros, numa cadeira de balanço e em chinelos, gostava de se deleitar com poemas e romances franceses. Amigo do pintor Almeida Júnior, vizinho em Piracicaba, Doutor Juca admirava seus retratos de homens simples, imersos na paisagem caipira. O pintor não tinha o traquejo de um homem da cidade e falava com sotaque interiorano, além de se vestir com simplicidade e ter temperamento retraído. Descoberto por d. Pedro II em sua viagem pelo interior da província, ganhou uma dotação para ficar em Paris, onde estudou com grandes nomes e ganhou prêmios. O convívio com o pintor pode ter influenciado Doutor Juca a levar sua Tarsila, que desde pequena desenhava bem, para estudar em São Paulo. Os primeiros quadros da menina representavam também temas caipiras: uma cesta de flores e uma galinha com pintinhos. A mãe de Tarsila, Lydia Dias de Aguiar, era musicista autodidata. O piano para ela era uma vocação frustrada e não um complemento do bordado ou do pão de ló. Dedilhava um Stenway. Muitas destas caixas sonoras chegavam ao interior com as cordas meio frouxas e precisavam ser afinadas. De forma semelhante, o casamento entre Doutor Juca e Lydia também precisou passar por uma afinação. Ele e ela não se conheciam ao se casarem. A união resultou de uma negociação sobre terras que José Estanislau foi fazer para o pai, quando viu a moça de longe. Ele gostou dela. Ela não gostou dele, mas o dinheiro que ele tinha a convenceu. Os casamentos eram assim. Conta-se que ela vivia no mundo da lua e se refugiava na música. Suas composições eram açucaradas: “Devaneios”, “Os passarinhos”, “Canção de amor”. Tiveram sete filhos: Oswaldo, Tarsila, Cecília, Dulce, Luiz, Milton e José. Desses, sobrariam cinco, pois Dulce partiu muito cedo e Cecília morreu de parto mais tarde. Em memórias, Tarsila contaria que os sons do piano, os exercícios de escala, a delícia das melodias desconexas a acompanharam por toda a vida. Ela não se esqueceu dos dedos indecisos da mãe se preparando para atacar uma valsa ou um tango. Quando o piano calava, é porque Lydia estava no quarto fazendo crochê ou lendo. Eram tempos em que havia desprezo pela vida rural. Senhoras ricas abominavam o campo. Como Tarsila mesma contou: “E como era feio dizer: eu moro na fazenda.” É possível que o desejo de Lydia de viver na cidade tenha encorajado a família a tomar assento no trem em direção à capital. Antes, passaram em outra fazenda, Monte Serrat. Não se viajava sem enxoval, semsobretudo dada com muito ânimo e sinceridade. Você me pediu que rasgasse a carta em que falava da exposição dela. Não rasguei e não rasgo. É lógico que não vou contar a opinião de você pra ninguém, pois você não quer.” E lamentava: “Lastimo profundamente que vocês não tenham chegado a se compreender em amizade depois que divergiram de orientação estética.” E sempre no intuito de aproximar os amigos, pergunta em carta a Tarsiwald: “Vocês já viram Anita? Que tal o quadro dela que esteve no Salon? Olhem, não se esqueçam de arranjar as coisas para ficarem camaradas outras vez, não gosto dessas briguinhas não. É tão sossegado a gente andar todos allons enfants de la patrie de braços dados, se rindo uns pros outros sem [ficar] arreganhando os dentes, com perdão da palavra.” Enquanto Tarsila pintava, Oswald esbanjava e se dedicava aos negócios. Entre 1924 e 1925, foi várias vezes à Europa, tentando concretizá-los. Havia menos contato com a intelectualidade francesa e mais com as figuras importantes que poderiam ajudá-lo: Paulo Prado e o “Doutor” Washington Luís. Oswald não hesitou em usar Tarsila para realizar suas ambições sociais. Não só através de intelectuais e artistas franceses, mas também junto à sociedade tradicional de São Paulo, onde muitos o evitavam, inclusive a família dela. Nas cartas que lhe enviou, incentivava Tarsila a cultivar a imagem de mulher fascinante e elegante, capaz de lhe abrir portas. Em 16 de outubro de 1924, por exemplo, dizia: “Vorte! Visite antes Poiret e Patou! Traga deslumbramentos para o noivado oficial.” E com ar autoritário ameaçava: “Sobretudo nada faças contra nossa felicidade. Nada, não quero encontrar a menor gaffe, a menor!” Pedia-lhe gravatas e bengalas. Anunciava estar com uma “silhueta de dezoito anos”. A tendência para engordar já era visível. Antes mesmo do casamento, Oswald demonstrava preocupação com negócios. Procurou políticos para pedir ajuda enquanto recorria a missas e promessas. Por que não imaginar que Tarsila seria o milagre esperado? Pouco tempo depois, em foto tirada no convés do Marsília, Tarsila, com um discreto sorriso, vestida com roupa de estampa geométrica e chapéu cloche enterrado até os olhos, enlaça o braço de um Oswald com jeito de menino e as mãos no bolso, sapato bicolor, sem sorriso. Ele, o conquistador, ela, a conquistada. Tarsila gostava da roupa feita por Poiret, cujas criações eram mais adequadas ao seu estilo de vida e também ao seu físico largo. Ela o considerava “genial”, “um artista, uma personalidade”, e gostava de descrever o impacto que as roupas tinham sobre os pintores que frequentava. Léger, por exemplo, teria adorado um modelo preto, com bordado chinês e mangas brancas com rendinhas superpostas. No ateliê do estilista, ela gastava com fartura e era cliente regular. Oswald consagrou seu estilo numa poesia. Em versos, dizia: “Caipirinha vestida de Poiret/ a preguiça paulista reside nos teus olhos.” Tarsila e Oswald dedicaram cuidados e gastos ao casamento, que se realizou em 30 de outubro de 1926, tendo Washington Luís, o presidente da República eleito, e Júlio Prestes, governador do estado de São Paulo, entre os padrinhos. Um tapa de luva na cara da elite conservadora. Desta vez, a cerimônia civil foi realizada no oratório particular da alameda Barão de Piracicaba, número 44. Para aquele que deveria ser o dia mais importante da vida de uma mulher, ela usou o vestido feito por Poiret, com o tecido da cauda do vestido de noiva da mãe de Oswald. Era em brocado e chamalote cor de creme com capa forrada de veludo e gola alta no estilo medieval. Um toucado cobria a cabeça. Foi a maneira de a sogra acolher sua nora perante toda a sociedade que torcia o nariz para a união. Tarsila estava realizada. O casamento era um sonho. Ela deixava longe os tempos em que, sozinha, era obrigada a enfrentar maledicências por ser “uma separada”, “uma adúltera”. Seus pais e irmãos respiraram aliviados. A partir do casamento, revezaram-se entre a casa dos pais de Tarsila, na alameda Barão de Piracicaba, e a fazenda de Santa Teresa do Alto, em Itupeva, segundo alguns autores, trocada por terrenos que Oswald tinha no bairro de Pinheiros. Nas proximidades, as magníficas fazendas Santo Antônio, de dona Olívia, e a São Martinho, de Paulo Prado. A deles era uma casa simples: tijolinhos aparentes e janelas com venezianas tradicionais. Tarsila voltou a ouvir galos, galinhas e sabiás. Tornou a ser a caipirinha que tanto anunciara. Lá recebiam os amigos. Tarsila pintava quadros ingênuos como Manacá e Religião brasileira. A leveza dos temas refletia seu estado de espírito. Um almoço realizado em 12 de outubro de 1927, dia de Nossa Senhora Aparecida, data comemorada pelos católicos Mário e Oswald, e o aniversário de 34 anos de Mário de Andrade, nascido no dia 9 de outubro de 1893, deixou lembranças. Nas fotografias, todos parecem animados. Mário é surpreendido ao piano, num momento de cantoria. Quando é ele o fotógrafo, registra Tarsila, Dulce e Oswald na varanda de Santa Teresa do Alto. Presente ainda está Abelardo Pinto, o palhaço Piolin, admirado por alguns dos modernistas paulistas. Vestindo Poiret, um modelo intitulado Lampion, Tarsila aparece mais gorda e tem mesmo o ar de um lampião. Os babadinhos na saia e nas mangas de uma roupa toda plissada e um toucado na cabeça mostram-na aos 41 anos, sem vaidades. Oswald também parece barrigudo, uma papada enchendo o rosto. Mário já tinha dado o troco de suas maledicências anunciando com ironia: “A gordura é má condutora.” Ele definiria os dias na fazenda como momentos de “conversa sem obrigação. Uma delícia de moleza fazendeira em que de hora em hora se volta prá mesa e come”. Mário entendia a bem- aventurança de se viver longe da correria da cidade. Como Tarsila, ele apreciava a vida caipira: o ritmo das colheitas, a mesa farta e as festas religiosas. Passava longas temporadas na chácara de seu tio, em Araraquara, mergulhado em sua biblioteca de filologia, no perfume de murta, ouvindo cigarras. E por falar em flores, Dulce já era então uma linda moça: cabelos curtos à la garçonne emolduravam um rosto delicado, de olhos grandes e boca de coração. Com um temperamento sonhador, esquivava-se dos encontros sociais promovidos pela mãe. Em 1927, ela partiu, sob cuidados de Mário e sob os auspícios de dona Olívia, numa excursão à Amazônia. O grupo, composto ainda por uma sobrinha de dona Olívia, a Mag, percorreu junto o Nordeste, o Norte, chegando, através do “mundo das águas”, a Iquitos, no Peru. Uma iniciativa do mecenas que adorava aventuras e exotismo, mas que, nesse trajeto, alimentava o plano dos modernistas de conhecer melhor o Brasil. Menos francesismos e mais nacionalismos era o mote. Mário manteria uma ligação afetuosa muito grande com a filha de Tarsila, sobre quem dizia: “No meu mundo ela faz parte do sol!” Dulce retribuía: suas fotos a bordo, com grandes sorrisos, e suas brincadeiras confirmam que o afeto era mútuo. Ela escrevia a Tarsila sobre o quanto se divertia com Mag: “Fomos namoradíssimas pelos rapazes (...) éramos as mais chics, todos nos olharam com admiração.” Dia 11 de janeiro de 1928: aniversário de Oswald. A coluna “Sociaes” de A Gazeta de São Paulo cumprimentou o escritor pela “grata efeméride”. O Correio Paulistano endossou o coro das felicidades ao “brilhante colaborador” e “nome representativo da nova mentalidade brasileira”. O presente de Tarsila? Uma tela enorme retratando uma figura estranha, um gigante, dono de cabecinha minúscula e pés e mãos enormes. Um cacto e um sol que mais parece a metade de uma laranja compõem a cena. A figura tomava quase toda a tela sentada sobre um montinho verde-bandeira. Seus olhos, duas vírgulas entristecidas. A figura, de mão no queixo, pensa. Tempos depois, Tarsila diria que havia materializado em tela as estórias de fazer medo contadas pelas escravas da fazenda onde nasceu. Que nome dar àquela tão estranha figura? Oswald pediu uma sugestão a Raul Bopp, poeta e diplomata, um dos membros da Semana de 22, então hospedado com o casal.Raul andara pela Amazônia, o que deve ter dado a Tarsila a ideia de consultar um dicionário de termos tupis. Ela colecionava dicionários. Nasceu assim o Aba (homem) poru (que come carne humana): o antropófago. Estava fundado o movimento que receberia o nome de Antropofagia. Seguiu-se o “Manifesto antropófago” de Oswald e uma Revista de Antropofagia, editada por Antônio de Alcântara Machado. “Só o selvagem nos salvará”, cunhou Oswald em seu manifesto. Novidade? Não. Os múltiplos contatos entre os modernistas e a avant-garde francesa já tinham deixado Tarsila e Oswald a par de textos e pinturas sobre o “canibalismo”. O ponto de partida desses artistas era o descontentamento com as estruturas sociais, políticas e estéticas existentes e a destruição de tudo o que era passado. Preferiam sublinhar o sonho, o nonsense, a velocidade e a técnica. O primitivismo e as culturas ditas bárbaras seriam o contramodelo. Nomes como os de Alfred Jarry, Apollinaire, o próprio Cendrars e Marinetti eram os divulgadores da tendência. Um dos manifestos mais importantes do dadaísmo chamava-se “Manifesto canibal”, e o canibal era o símbolo da alteridade selvagem que os distanciava dos discursos existentes. Oswald foi beber na fonte dessas influências, e não o fez pela primeira vez. Várias vezes pronunciou frases de autores franceses como se fossem suas. Marinette, mulher de Paulo Prado e dama muito culta, o pegou algumas vezes nessas “coincidências”. E contou: Oswald, “como era seu hábito, tomava dos outros como seu”. Quando corrigido, ficava “queimado”. Ela diria mais tarde que ele sofria da necessidade infantil de se sentir o centro de todas as atenções. Nessa época, Cendrars já tinha enjoado dos brasileiros. Oswald queixava-se de que o poeta já não precisava mais deles. Copiava André Breton e o chamava de “o pirata do lago Léman” – Cendrars era suíço. Na realidade, a política econômica do país, as recepções nos amplos salões e as fazendas de café que visitou encheram os olhos do poeta. Sonhou em enriquecer por aqui. Mas os tempos mudaram. Enquanto ele se afastava dos brasileiros, Oswald mergulhava em sua própria crise. Nos últimos anos, estivera envolvido em arriscados jogos financeiros. Falava sempre “em venda de terrenos”. Em correspondência com Tarsila, mencionava sua relação com “os maiores financistas que têm negócios com o Brasil”; “Horizontes vastos, graças a Deus, me preocupam”; “Passo os dias conversando business. Você fala inglês, não? Enfim, sou um puro homem de negócios”. Nenhuma das manobras, porém, evitaria sua derrocada. Os anos de 1928 e 1929 foram agitados. Tarsila seguia produzindo telas sob o signo da Antropofagia. A Galeria Percier, em Paris, acolheu uma nova exposição sua. Ela aproveitou para fazer compras na Maison Poiret: penhoar, maiô, três bolsas, dois mantôs e algumas peças em liquidação, como o chapéu rosa e cinza e o conjunto Mandoline. Foram as últimas aquisições. Os tempos já estavam bicudos. Para piorar, Oswald começou a distribuir farpas em sua Revista de Antropofagia. Falava mal de Mário, Paulo Prado, Alcântara Machado e Ian de Almeida Prado. Depois de idas e vindas, no mês de julho Tarsila realizou uma exposição no Palace Hotel, à avenida Rio Branco, Rio de Janeiro. Já não era mais tão pioneira e, na capital, artistas do porte de Di Cavalcanti, Segall ou Cícero Dias tinham público e colecionadores. Intelectuais, entre os quais Jorge de Lima, Manuel Bandeira e Ismael Nery, prestigiaram o evento, mas não assinaram, nem deixaram palavras de incentivo no livro de convidados. O ex-marido, André Teixeira, esteve presente e escrevinhou: “Se revivermos lá para o ano 2000, acharemos isso de humorismo temporão. Entretanto, parabéns, adorada Tarsila.” Sem ressentimentos. Não faltou quem fosse agressivo: “Deixo a tua exposição com a impressão de que acabo de visitar um manicômio.” O eterno amigo Mário louvou: “Tarsila representa todo o vigor da arte moderna.” As telas suscitavam estranhamento e admiração ao mesmo tempo. Quanto à recepção na imprensa, o Correio Paulistano saudou: “Dona de um temperamento original, com uma visão própria do mundo, rica de sensibilidade, Tarsila soube compreender a nossa terra (...). Há nos seus quadros uma invenção admirável e, sobretudo, uma inigualável força plástica. Desse ponto de vista, ela é, fora de qualquer dúvida, o maior pintor brasileiro. Não o maior pintor de vanguarda, note-se bem, mas o maior pintor. A sua última fase – que ela chama de ‘pintura antropofágica’ – impressiona exatamente pelo alto grau a que ela elevou essas suas qualidades essenciais. O cor-de-rosa de Tarsila, o azul de Tarsila, disse Álvaro Moreira, são dela, e de mais ninguém. Não tem iguais no mundo. E assim é, com efeito.” Já o Jornal do Commercio achou que era brincadeira: “De sorte que são imagens brasileiras toda aquela coleção de figuras monstruosas, peças de anatomia conservadas em álcool e retiradas de seus recipientes para as telas da sra. Tarsila (...). Todo o colorido dos trabalhos é, mais ou menos, compatível com as ideias e desenhos que a sra. Tarsila, num momento de bom humor e desejosa de fazer rir a nossa cidade, apresenta, com credenciais de coisa séria no grande salão do Hotel Palace.” E uma jovem, Patrícia Galvão, a Pagu, amiga íntima do casal, manifestou sua admiração: “Com ela eu fico romântica. Dou por ela a última gota do meu sangue. Como artista eu admiro a superioridade dela.” E alguém disse uma gracinha, a que Oswald revidou com um soco e, assim, encheu as páginas das crônicas policiais. Tarsila sempre tentava desculpar os impulsos agressivos e os malfeitos do marido. Em entrevista à Revista Crítica, ela reafirmou o que prometia havia tempos: “Se alguma coisa eu tenho de bom na minha arte é a sua brasilidade espontânea de 1924 para cá; isto é, da fase Pau-Brasil e, ultimamente, da fase Antropofagia.” Em setembro, ela expôs em São Paulo, no Edifício Glória, à rua Barão de Itapetininga, sob a ameaça de alunos da Escola de Belas Artes, que, indignados, queriam rasgar suas telas. Em setembro de 1929, a Bolsa de Nova York quebrou. Os prejuízos no sistema financeiro e a queda nas importações caíram como um raio sobre o Brasil: 70% das exportações eram de café. Os Estados Unidos eram os maiores compradores do produto. “Desabou um ciclone na atmosfera econômica do mundo e o Brasil foi atingido de rijo” – resumiu o Diário da Manhã. A Sociedade Paulista de Agricultura e o Instituto do Café se reuniram para deliberar sobre superprodução e preços. Pilhas de grãos eram incendiadas no porto de Santos e nas fazendas. Explodiam manchetes repletas de suicídios! Na rua Piauí, em Higienópolis, um cafeicultor falido tentou matar a mulher e o filho com uma navalha, suicidando-se a seguir. Não foi o único. O rombo no orçamento do governo era enorme. Em meio à tormenta, Washington Luís não tinha tempo para as queixas e os pedidos de Oswald. Ele e Júlio Prestes desapareceriam do comando político com a queda do Partido Republicano Paulista. Nas ruas, o povo amotinado gritava: “Getúlio! Getúlio!” E Oswald era perseguido por credores. Ele chegou a levar para casa o feiticeiro Antenor, em cuja magia para afastar os males acreditava. No salão que Tarsila promovia na rua Barão de Piracicaba, dançava-se sobre um vulcão. Os negócios iam mal, e o casamento, também. Porém, todos fingiam não ver tais perigos. Na casa do casal, com as portas abertas aos amigos, ouviam-se recitais de piano e de poesia. A jovem Pagu, de olhos verdes e cabelos castanhos, que, na exposição carioca, se desmanchara em elogios a Tarsila, tinha um caso com Oswald. Angelina Agostini foi das primeiras a observar: “Mas foi então que conheci Pagu (...), percebi que a coisa não ia bem.” Raul Bopp deixou um retrato desse momento: “Pagu, em plena adolescência, ainda sob a carinhosa tutela de Tarsila, era presença por todos festejada.” Tarsila lhe emprestava vestidos e ela ia com o casal para a fazenda. Era quase uma filha da casa e, mais tarde, diria uma sobrinha de Tarsila: “Oswaldo, sem-vergonhão que era,se apaixonou por ela. E deu o fora em tia Tarsila.” Bonita, atrevida, desabusada, uma “moleca impossível”, como ela mesma se definia, Pagu era também ingênua e queria mudar de vida. Queria deixar seu passado operário no Brás. Ela engravidou. E sua vida com Oswald, depois do casamento na igreja da Penha, foi uma sucessão de horrores. No dia mesmo da cerimônia, ela o encontrou com uma mulher num quarto. Oswald apresentou-a como “uma noiva moderna e liberal” e convidou Pagu a se juntar a eles. Outra vez, anunciou-lhe um encontro com uma moça e justificou: “É uma aventura que me interessa. Quero ver se a garota é virgem. Apenas curiosidade sexual.” E ele ainda disputava com o filho Nonê os favores de Maria, uma empregada. Teria Tarsila passado por situações semelhantes? Por paixão ou fraqueza, seria conivente no caso de Oswald e Pagu? A asquerosa cobra urutu que sai do Ovo – tela de 1928 – seria Oswald? Novo divórcio, nova vergonha para a família. Os irmãos lhe fecharam as portas: “Ela que apareça aqui!”, ameaçavam. Arrasada, humilhada, Tarsila se exilou na fazenda agora hipotecada ao Banco do Estado de São Paulo, grande credor de empréstimos hipotecários e penhores agrícolas. Foi um momento de outras perdas também. Na porta da casa da Barão de Piracicaba uma placa: vende-se. Os amigos que os acompanhavam desde Paris se evadiram. A razão? Oswald. A carta de 4 de julho de 1929, de Mário a Tarsila, é esclarecedora. Ele confessa que, apesar da amizade, foi “crudelissimamente ferido” por acusações, insultos, caçoadas. Não podia mais ignorar. Ser chamado de “o Miss São Paulo” foi demais. Oswald expunha o que Mário mais escondia. Terminava dizendo: “E paro, porque afinal tudo isso é muito triste e pouco digno de seus olhos e coração que só podem merecer felicidade.” Paulo Prado, por seu turno, que recebera Oswald tantas vezes em sua casa, magoou-se com a crítica feroz que ele destilou sobre seu livro O retrato do Brasil. Pior foi ter acusado sua mãe, dona Veridiana Prado, de ser uma “gloriosa mulata”. Para Paulo, Oswald não passou de um parasita. Cendrars os acompanhou na ruptura. E com Carlos Drummond de Andrade, provocou “um ventarão”, levando-o a romper definitivamente com o Movimento Antropofágico. No quadro que se decompunha, havia a filha de Tarsila: quem foi Dulce, a moça internada em diferentes colégios entre a Inglaterra e a Suíça até nas férias? Seria frágil, melancólica, reprimida? Foi criada fora da realidade? Cartas dela e Nonê pedindo dinheiro – “precisamos uma infinidade de coisas”, “gasta-se um dinheirão”, “não se esqueçam que temos que pagar...”, “esperamos com impaciência que o dinheiro chegue e bastante” – revelam filhos que seguiam o exemplo dos pais. A informalidade era regra na relação com Oswald e Tarsila, chamados nas cartas de “Bestões queridos”. Dulce, ou Dorlu, como era chamada, se casaria em 1930 com o belo e louro Edgar Rombauer. Sobre ela, antes do casamento, temos uma descrição feita por Raul Bopp: dona “de olhos sonhadores, recém-chegada da Suíça, esquivava-se as mais das vezes de participar dessas reuniões”. Descendente de tradicional família húngara, com negócios de importação e exportação, Edgard era gerente da Columbia Pictures em São Paulo. Sua avó recebia d. Pedro II em sua casa, em Petrópolis. Dulce foi acolhida numa família alegre e culta, tudo de que ela precisava. Mas, durou pouco. Tarsila tinha 43 anos, quando, por duas vezes separada e agora sem dinheiro, teve que procurar emprego. “Trabalhar fora” era impensável para mulheres de sua classe social. Para disfarçar a vergonha, recorreu ao padrinho de casamento, Júlio Prestes, recém-indicado como candidato do governo à sucessão presidencial. Por seu intermédio, foi admitida como funcionária pública na Pinacoteca de São Paulo. Um cargo discreto, cuja tarefa era elaborar o catálogo do acervo da Pinacoteca, constituído majoritariamente por quadros acadêmicos. A Pinacoteca tinha acabado de adquirir um trabalho do pintor Lasar Segall, bem como uma tela da própria Tarsila: São Paulo. Nas aquisições recentes incluíam-se também uma escultura de Brecheret e uma tela de Anita, que ajudaram a quebrar o perfil conservador da coleção. Não trabalhou muito, pois a revolução de 1930, que colocou Getúlio Vargas no poder e anunciou a fraqueza das oligarquias paulistas, roubou-lhe o salário e a estabilidade. Ela foi se juntar aos desocupados e setenta mil desempregados que circulavam pelas ruas e praças da cidade. Faltava dinheiro e era preciso sobreviver. Tarsila fez uma lista de quadros e objetos para vender: Léger, De Chirico, Segall, Juan Gris, desenhos de Modigliani e Cocteau e o famoso quadro de Delaunay que ornava sua sala na rua Barão de Piracicaba, A torre Eiffel. Nessa época, Tarsila reencontrou um jovem fascinante: Osório César. Oito anos mais jovem do que ela, Osório já era um renomado psiquiatra e intelectual. Em Paris, trabalhou ao lado de discípulos de Carl Jung e mantinha correspondência constante com Sigmund Freud, que resenhou seu livro A arte primitiva dos alienados. A obra, aliás, impressionou fortemente a Mário. No hospital do Juqueri, Osório instaurou a prática da arte como terapia e colecionava desenhos e pinturas de seus pacientes. Arte, loucura, sexo, sonho e surrealismo dialogavam desde o manifesto de André Breton que ela e ele conheciam. Osório escreveu um novo livro e convidou Tarsila para visitar o Juqueri e ilustrar a obra. Misticismo e loucura teve imagens extraídas da mitologia indígena e das religiões africanas feitas em bico de pena por Tarsila. Os dois já se conheciam havia tempos. Encontraram-se num sarau na casa de Freitas Valle. Ele, ao violino. Ela lhe sorriu. E Osório contou: “Eu era muito mocinho, chegara havia pouco de São Paulo, estremeci todo. Tarsila era uma beleza, e não somente isso, tinha uma cultura humanística como raras pessoas possuem e além do mais era suave e boa...” E Tarsila registrou: “Achei-o inteligente e gostei da forma espontânea, bem própria do nordestino, de dizer com franqueza seus pontos de vista.” Eles se reencontrariam na exposição da rua Barão de Itapetininga. Músico talentoso, Osório reunia os amigos num grupo de Cultura Musical em que uns pintavam e outros tocavam. Osório era simpatizante do comunismo e foi, com certeza, quem atraiu Tarsila para temáticas sociais. A modernista que vestia Poiret e dava festas e jantares agora se debruçaria sobre a miséria e a condição da vida operária. Os temas refletiam sua própria condição: ontem rica, agora empobrecida. Em nome da justiça para todos, mergulhou na correnteza que arrastou sua geração. Teve início uma relação breve, porém intensa. Tarsila queria reaprender a amar. Passou a lista de uns quadros entre amigos, e com a venda fechou as malas. Ela abandonava a burguesia para dar a mão a Osório. O destino era a União Soviética, depois da revolução bolchevique, então chamada de “Cortina de Ferro”. Só comunistas e simpatizantes do regime podiam entrar no país que se isolou do resto do mundo. “A lenda que paira sobre a terra nevoenta de Lenine exerce sobre meu espírito de artista uma sedução inexplicável”, explicou Tarsila. A justificativa para a viagem foram as especializações médicas de Osório César. Na Rússia, ele observou hospitais, escolas e centros de pesquisa conforme relatou no seu livro Onde o proletariado dirige, publicado com os objetivos de conseguir dinheiro para o Partido Comunista e de realizar propaganda do regime soviético no Brasil. Da Alemanha, onde assistiram a vários concertos, escreveram a Mário, o amigo em comum. Lembravam-se dele a cada espetáculo. Depois, enviaram-lhe mais um cartão-postal, quando voltaram da Rússia: “Da Crimeia passamos para a República da Ucrânia e aqui estamos em Odessa com um calor daqueles. Vamos a 3 de agosto, pelo mar Negro até Istambul. Temos algumas músicas de folclore para você. Atravessamos a Rússia de Norte a Sul. Tivemos bastante sucesso com minha exposição em Moscou. O Museu de Artes Ocidentais adquiriu O pescador. Mário, escreva-nos para Paris longamente.Abracíssimos, Tarsila.” Tarsila expôs dezoito telas em Moscou. Entre elogios à cor e à alegria, não faltou quem resumisse o espírito do tempo e do lugar: “Mas a senhora deve saber o seguinte: a senhora veio ao país dos Soviets, que precisa de uma arte que não seja tão arrevesada como aquela que a senhora trouxe, e que impressiona desagradavelmente os proletários que olham para ela. Em primeiro lugar, não se vê uma proposição proletária concreta. As cores cruas e não elaboradas machucam desagradavelmente os olhos do visitante. Tudo isso nos ensina como não se deve pintar, para não se iludir a si mesma e aos demais (...). Quando é simples e compreensível, a arte é boa até para um analfabeto, quando ela pode satisfazer a maioria dos proletários e não apenas um grupinho de aristocratas. Eu lhe aconselho a deixar de lado a paleta e os pincéis (...) para a luta derradeira e decisiva com a burguesia internacional. Eis como deve ser a nossa e a vossa arte.” Não admira que o quadro adquirido representasse um homem ao trabalho. A arte construtivista de antes da Revolução fora banida e substituída pelo realismo socialista, espécie de doutrinação artificial que limitava a liberdade de criação do artista. E é dela que Tarsila falará em conferência sobre a arte dos cartazes na Rússia, quando voltou ao Brasil. Explicou assim, portanto: para fazer propaganda revolucionária entre um povo analfabeto, usavam-se poucas palavras, cores básicas como vermelho, preto e branco, elementos geométricos e linguagem simples. O casal não deixou uma linha sobre a viagem que fez. Ao passar por Paris, depois de dois meses e meio de viagem, se hospedaram num hotel modesto e Tarsila colocou o apartamento da rue Berthier à venda. Venda de porteiras fechadas, com tapetes, quadros e miudezas. A situação financeira era mesmo aflitiva. Sem dinheiro, Tarsila arranjou com os Delaunay – Robert, de quem comprou grande tela, e Sonia, de quem adquiria vestidos – uma oportunidade de trabalho. O casal de militantes comunistas apostava numa arte social e, dentro desse projeto, construía, nos arredores de Paris, casas para artistas. Ali, Tarsila trabalhou como pintora de paredes e portas. A decoração do apartamento do dono da construtora – um mural com uma baía da Guanabara – deu-lhe dinheiro suficiente para voltar ao Brasil e “ficar um tempo folgada”, segundo uma amiga. Escreveu várias vezes a Mário, pedindo “cobres” que ele guardava para ela. Em uma última participação no Salon des Surindépendants, apresentou uma tela em que tons escuros envolvem uma mulher de costas, solitária, com longos cabelos ao vento e cujo corpo é uma gota de lágrima. É seu autorretrato: Tarsila melancólica. Viajaram pela Europa por um ano aproximadamente. No retorno, Tarsila estava convencida de que a realidade não podia mais se traduzir em paisagens bucólicas. Agora acreditava em um regime no qual as diferenças sociais fossem abolidas e houvesse educação e saúde para todos. E para refleti-lo era preciso uma nova arte. Nesses anos, ela pintou dois quadros: Operários e Segunda classe, retratos da pobreza do Brasil. Era o fim da arte burguesa, proclamava. Apesar das boas intenções do casal, o “camarada” Osório César, “representante do Brasil na Internacional de Moscou”, foi imediatamente preso ao desembarcar no país. “Trinta e seis agitadores comunistas, inclusive quatro mulheres”, tiveram suas fotografias reproduzidas na primeira página de jornais. O rosto juvenil de Osório César estava lá. O de Tarsila, não. Porém, dois meses depois de chegar a São Paulo, ela era notícia. Ao lado de Osório e de Maria Lacerda de Moura, escritora e feminista, figurava nas páginas do Correio de São Paulo: todos presentes na reunião preparatória do “Comitê contra guerras Imperialistas”. A ligação com o jovem médico e as ilustrações feitas por Tarsila para seu livro Onde o proletariado dirige foram o estopim para que ela ficasse presa, por dois meses, enquanto era investigada pela Delegacia de Ordem Política e Social de São Paulo, o Deops. A queda do amigo Washington Luís e a ascensão de Getúlio deram origem a modernos órgãos de repressão. Anos mais tarde, Eneida de Moraes, escritora que preferia ser chamada simplesmente de Eneida, contaria do desespero de Tarsila atrás das grades, pedindo ao pai que falasse com fulano e sicrano para tirá-la de lá. E a reposta do velho Seu Juca: “Minha filha, não se pede. Viva a dignidade da prisão.” Eneida ficou no xadrez por quatro meses. Ao lado da escritora, Tarsila conheceria o poder das investigações que tinham por objetivo vigiar e reprimir os agentes que instigassem a violência entre as classes, induzindo os operários às greves e conclamando a revolução social. O relatório policial de 30 de julho de 1933 não deixava qualquer sombra de dúvida: “Incontestavelmente, a sra. Tarsila do Amaral é a maior e mais arrojada comunista dentre todas as comunistas nacionais. É a maior porque impressiona e quase converte todos que a ouvem. É também a mais arrojada, porquanto os seus parceiros procuram sempre arrabaldes e lugares ocultos para pregarem o comunismo, ao tempo em que ela se serve de salões nobres, onde, sem rodeios, ensina teórica e praticamente a doutrina vermelha.” Elas, contudo, não foram as únicas vítimas da perseguição política. Pagu, que levou Oswald a aderir ao Partido Comunista dois anos antes, enfrentou cinco anos de prisão, além de ter sido presa em pavilhão de loucos e levado muita pancada. Assumiu radical e corajosamente a militância, colocando em risco sua vida e a dos seus. E, sobre a conversão de Tarsila, não tergiversou: “Não sei por que vicissitudes Tarsila não continuou a ser a grande pintora que vinha sendo entre 1925 e 1930. Não lhe adiantou nada à sensibilidade a sua viagem à Rússia. Aliás, o que podia mesmo adiantar? Ela como artista colocara-se marginalmente à camada social a que pertencia.” De fato, Pagu, filha de operários, abraçou a causa sem meias considerações. Porém, em relação a Tarsila, as perguntas não queriam calar: tendo frequentado em seu passado a high society, faria parte do movimento por romantismo? Por que tinha ficado pobre? Por que tinha se apaixonado por Osório César? Quais ecos de sua formação em colégios católicos a convidavam a lembrar dos bem-aventurados que tinham fome e seriam saciados? Para Pagu, o social só interessaria a Tarsila de longe. Era pura filantropia. Tarsila não conseguia descolar da pele seu passado burguês. Aliás, o passado ficou para trás, pois fazia tempo que os salões de Paulo Prado e dona Olívia tinham se fechado. A arte doravante se fazia através da Spam – Sociedade Pró-Arte Moderna –, animada por pintores como Lasar Segall, John Graz, a sempre ativa Anita Malfatti e o incansável Mário. Ou com o grupo de imigrantes reunidos no edifício Santa Helena, na praça da Sé, sob o nome de Família Artística, pintores da vida suburbana de São Paulo. Depois que saiu da prisão, Tarsila foi ao Rio de Janeiro realizar no Palace Hotel uma exposição retrospectiva de seu trabalho: arte pau-brasil, seguida da produção antropofágica, e para fechar, a arte social. No Rio, os salões continuavam abertos na Glória, em Santa Teresa e em Botafogo. Lá também persistiam os móveis franceses e as recepções enluvadas. No Centro, entre confeitarias e botecos, cruzava-se com Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos e Di Cavalcanti. Diferentemente do que houve em São Paulo, que reagiu com uma revolução, Getúlio foi bem recebido no Rio. Na rua, os homens amarravam um lenço vermelho ao pescoço, sinal de adesão ao gaúcho. O Palace Hotel, na esquina de Rio Branco com Almirante Barroso, dispunha de todas as comodidades modernas revestidas do luxo e da elegância característicos do dono: Octávio Guinle. O estilo renascentista da fachada, o saguão que levava ao mezanino com grade de ferro trabalhada em dourados e um elevador panorâmico de vidro que entusiasmara Bandeira: uma “viagem vertiginosa”! A exposição de Tarsila foi num dos salões. Outro, servia para concertos onde se apresentavam talentos internacionais.Os do último andar serviam para conspirações políticas. No saguão, escondia-se o bar mais disputado da cidade, que até as 18h contava com a presença de senhoras da sociedade e, a partir daí, se abria para demi- mondaines. A musa da cidade se chamava Eugenia Álvaro Moreira, uma beldade alta, de franja agressiva no corte à la garçonne, olhos pintados com kohl e unhas pintadas de verde ou violeta. Como Tarsila, usava longos brincos. Diferente de Tarsila, Eugenia era muito bem-casada e seu marido, Álvaro, era um jornalista que comandava várias redações. A moça tinha oito filhos, cujas roupas ela mesma costurava. Conheceu Tarsila na exposição que a artista fez no Rio em 1929. Na foto, com a pintora e Pagu, sua beleza se destaca. Filiados ao Partido Comunista, o casal foi perseguido por Vargas. Na rua Xavier da Silveira, numa casa com jardim de rosas e pardais, o casal Moreira recebia artistas, poetas, caricaturistas, teatrólogos e jornalistas de todo o Brasil. O Rio possuía também dezenas de jornais, matutinos e vespertinos. Não era preciso ser jornalista para colaborar com as matérias. Quem escrevesse sobre poesia, teatro de revista, música ou artes era bem- vindo. E Tarsila começou a escrever. Pôs-se a colaborar com os Diários Associados de Assis Chateaubriand. Ele pagava sessenta mil-réis por artigo. Os primeiros davam conta de sua experiência em Paris: “Conheci De Chirico...”. “No atelier de Picasso...”. “A recepção em Paris no apartamento de...”. Desfiava lembranças de personagens, situações, ambientes e objetos. Falava de música, a paixão que dividiu com Osório, mas, sobretudo e sempre, com Mário. Tudo era matéria. A linguagem coloquial, as frases curtas, os “causos” ganhavam leitores. Escrevia com regularidade e tinha um novo amor: o jornalista Luís Martins. Quando foram apresentados, ele tinha 26 anos, ela, 47. Encontraram-se na casa de Eugenia e Álvaro. Em 1937, Luís estava bem de vida e, como contou, “tudo o que ganhava, gastava”. Farras, noitadas, ceias, jantares, reuniões com amigos e jogo. Jogo nos grandes cassinos das praias, o da Urca, o Atlântico e o Copacabana, que resplandeciam todas as noites. Que fervilhavam de gente e de agitação, com shows feéricos e pistas de dança animadíssimas. Roleta e bacará eram no High Life, conhecido também por seus bailes de Carnaval. Nessa época, veio ao Rio o jornalista francês Pierre Scize, que, como Cendrars, participou da guerra de 1914 e perdeu um braço. Com a mulher – “uma bonita francesinha ruiva, bem mais moça” –, quis conhecer a Lapa. A pedido do escritor Henrique Pongetti, Luís os ciceroneou, e em suas memórias anotou a presença da “pintora Tarsila do Amaral” no grupo. Já estavam juntos. Ele se descrevia como “um enfant terrible”, meio anjo e meio demônio. E foi a esse homem que Tarsila se amarrou. No Rio, a sociedade tinha amolecido o rigor. Na elite, passou a se aceitar, gradualmente, os casais de “formação irregular perante a Lei e a Igreja”. Alterações nos hábitos e costumes incentivavam tolerância e até certo relaxamento. O cafe society, moda americana, espraiou-se. Seus templos eram as boates, substitutas dos cabarés onde famílias tradicionais não entravam. O “você” entrou em uso corrente, abolindo diferenças de idade e posição. Nas praias, deixou de circular a polícia que trazia régua no bolso para medir os possíveis centímetros faltosos nos trajes dos rapazes. Tudo contribuía para a fusão de classes sociais e idades. Velhos e moços dividiam salões, livrarias, redações, teatros e confeitarias. E a velha e o moço circulavam juntos. Ela ficava com ele na rua Marquês de Abrantes, em Botafogo, ao lado, a Fundação Romão Duarte, de cujo pátio ela ouvia a gritaria das crianças brincando. Era um conhecido orfanato. Foi quando Tarsila pintou a tela Crianças, com os rostinhos coloridos contra o hábito da irmã de caridade. No centro, um vira-lata. Na janela, vasos de flores e uma certeza: a infância podia ser feliz. A maturidade também. Ela lhe fez um lindo retrato. Quem era a mulher que encantou o rapaz? Tarsila inspirava a “adoração carinhosa”, segundo o amigo Mário. Tinha um “sorriso bom e acolhedor”, segundo Pagu. Era descrita como alguém doce e serena. Uma mulher madura que inspirava cordialidade, uma artista conhecida e respeitada por sua obra. Era extremamente modesta, o que acentuava sua feminilidade. “Mesmo balzaquiana, era uma mulher deslumbrante. Além de impressionar pela beleza – exótica, exuberante –, impressionava pela inteligência, cultura, vivacidade (...). Era chique sem ser esnobe; era aristocrática e, ao mesmo tempo, simplicíssima. A todos encantava, e os homens caíam a seus pés”, disse dela, anos mais tarde, Ana Luísa Martins. Tarsila sabia, porém, que ninguém podia ter duas juventudes, pois não há duas primaveras ao ano. Para ela, Luís era o amor de outono. Ela não tinha vergonha e assumiu a ligação. Fazia idas e vindas entre São Paulo e Rio. Uma Tarsila fogosa, famosa e maternal que via nos homens mais jovens o sonho do amor recíproco e do desejo absoluto. Luís tinha então escrito um livro considerado pornográfico, Lapa, sobre a prostituição no bairro. Em 1938, um ano depois da instauração do Estado Novo, a obra foi apreendida pela polícia, que apertava a cultura com um torniquete. A censura e a ofensiva contra manifestações artísticas eram carregadas do mais profundo obscurantismo e ele acabou demitido do emprego por pressão da Comissão de Repressão ao Comunismo. Pelos colegas do partido, Luís foi acusado de ser um desertor frente ao perigo, pois fugiu e se refugiou na fazenda Santa Teresa do Alto, recém-recuperada por Tarsila. Apesar de seu esforço em se esconder, foi encontrado. Às cinco horas da manhã, chegaram à fazenda quatro policiais. Tarsila mandou servir cafezinho e levou-os para comer jabuticabas no pomar. E, como o próprio Luís contou, ele depois foi escoltado e levado como “grande criminoso até o gabinete de Investigações (...). Por causa de um livro sobre a Lapa!...” Enquanto isso, a família de Tarsila recebia mal a nova união que nunca teve papel passado. Chamavam Luís de “o homem que vive com Tarsila”. Os irmãos se dividiam: um dizia que a receberia com chicotadas e o outro lhe dava as costas na rua. Do Colégio Piracicabano onde estava internado, escreveu-lhe o sobrinho Estanislau, perguntando: “Tia, por que a senhora não vai passear lá em casa? Eu garanto que o tio José não lhe faria nada, pois o papai está disposto a impedi-lo e eu o ajudaria no que pudesse.” O irmão mais velho de Tarsila, Oswaldo, pai do menino Estanislau, era mais tolerante do que o restante da família: “Como vai você com sua vidinha na roça? Confio que muito bem, pois aí há grandes e lucrativas distrações como: granja de galinhas, colheita do algodão, milho e feijão etc. Parece que estou vendo você muito alegre, bonita, moça, levando finalmente uma vida feliz como você merece.” Mas Oswaldo morreu cedo. Tarsila seguia escrevendo artigos inspirados e traduzidos de verbetes de enciclopédias francesas. Um desfile de grandes homens e mulheres exemplares: madame de Staël, Marie Laurencin, Margarida da Silva e Horta, Pasteur, Degas e Cézanne. A frequência em eventos artísticos convidava a falar de pintura. Portinari, considerado por muitos um oportunista a serviço da ditadura, não mereceu suas críticas. Ela fugia das querelas. Preferia pacificar. Sobretudo porque Portinari não foi o único a se beneficiar dos contatos nos ministérios da ditadura. Luís, graças à amizade com Carlos Drummond de Andrade, que trabalhava no gabinete de Gustavo Capanema, ministro da Educação do governo Vargas, ganhou o cargo de inspetor federal de ensino secundário do estado de São Paulo. Pouco depois, ele passou a escrever como crítico de arte para o Diário de São Paulo, que também apoiava Vargas. Tais conexões levaram Tarsila a ser acusada pelo jornal A Manhã de ser uma espiã do regime. A nota soava cruel: “O capitão Miranda Corrêa resolveu modernizar os seus métodos de provocação política. Ao invés de tiras carrancudos para ‘acampanar’, mobilizaramdamas elegantes, chics, bem-vestidas, em suma, ‘provocadoras’.” As damas, no caso, seriam a escritora carioca Sylvia Moncorvo e Tarsila, que “faria parte do Serviço Secreto do General Góis Monteiro” como sua “informante”. E seguia a nota: “Não podemos deixar de constatar que o aproveitamento racional de senhoras tão distintas – cujas energias físicas e morais estavam sendo desperdiçadas em travessuras e folias impróprias de sua idade e condição, serão assim inteligentemente postas a serviço da coisa pública – representa um grande avanço nos métodos policiais em vigor entre nós.” O articulista concluía lembrando que os visados por tal vigilância iriam recorrer a Filinto Müller, chefe da polícia do Distrito Federal, queixando-se: “O capitão não poderia arranjar umas caras melhores?” Dois dias depois, em 24 de julho de 1935, o mesmo jornal publicava o indignado desmentido sob a pequena manchete: “D. Tarsila declara que não é policial.” No texto, ela explicava: “Não me presto por temperamento a nenhuma sorte de espionagem mesmo pela causa mais justa (...) desafio a quem quer que seja a apresentar uma prova ou mesmo o mais ligeiro indício de veracidade dos atos que me atribuem.” Os dois últimos anos da década foram obscurecidos pela chegada da Segunda Guerra. Em setembro de 1939, as tropas alemãs invadiram a Polônia. Ouvia-se em toda parte o protesto inevitável: “Duas guerras numa geração!” Não se sabe como, mas na paz da fazenda chegaram as notícias. Luís estava muito apaixonado e abandonou a vida trepidante do Rio. A boemia que ele conheceu na Lapa tinha migrado para as imediações da Associação Brasileira de Imprensa, na rua Araújo Porto Alegre. Gente de jornais, rádios, revistas e música se reunia no Vermelhinho, no Grande Ponto – à rua Pedro Lessa – ou no Juca’s Bar, único com jeito de boate no térreo do Hotel Ambassador, na Cinelândia. Todos anônimos e dispostos a trabalhar por qualquer coisa que rendesse uma refeição a cada dois dias. Luís trocou as conversas infindáveis sobre o destino dos Aliados ou da ditadura de Vargas levadas diante de rodelas de chope pelo cacarejar das galinhas. A mudança lhe trouxe inspiração. Escreveu outro romance: A fazenda. Em entrevista à coluna “Eles fora das Letras” da revista Vamos Ler, se deixou fotografar de culote e botas, montado num cavalo meio-sangue, sentado na cadeira de balanço, pitando seu cachimbo. Um belo homem, sem dúvida. Da varanda de “sua” dita fazenda, afirmava que a vida no campo era melhor. Ao fundo, os acordes de “Meu romance”, de Orlando Silva, a música mais tocada no rádio à época. E Luís, por seu talento, teve que provar que não era um gigolô imoral por viver com uma mulher que tinha idade para ser sua mãe. Embora tivesse conseguido recuperar Santa Teresa do Alto, as preocupações financeiras de Tarsila aumentavam e a produção artística decaía. Suas telas coloridas eram devoradas pelas telas monumentais e populistas de Portinari. Ninguém mais queria cor. As pessoas queriam a ação do trabalhador brasileiro, tão valorizada por Getúlio. Uma homenagem da Revista Acadêmica, do Rio, um número especial de textos críticos sobre sua obra, fez o eterno Mário correr em seu socorro. Num artigo intitulado “Decorativismo”, defendia a pintura de Tarsila com um argumento que não podia ser mais fraterno: “É decorativo porque a felicidade é mesmo decorativa neste mundo...” Ela respondeu: “Não sei como agradecer (...) aí vai meu coração para você.” Luís a consolava: Portinari e Di só vendiam porque tinham contatos no meio mundano. Ele também sofria de ver as telas amontoadas, sem compradores, pois “ninguém dava um centavo por elas”. E também sofria por ver Tarsila pintando retratos, cópias de fotografias, para ganhar a vida. Em maio de 1940, os nazistas ocuparam Paris. Os artistas brasileiros que ali se encontravam – Di Cavalcanti, entre outros – voltaram para casa. Via-se Hitler senhor do mundo. A notícia do governo fantoche de Vichy foi sentida como um desastre nacional. A nação que acolheu Tarsila e tantos brasileiros ricos punha-se de joelhos aos pés dos nazistas. Na sociedade carioca e na paulista evitavam-se os franceses, doravante considerados pestiferados por terem cedido aos alemães. Em 1943, Paulo Prado faleceu no Rio de Janeiro, sem ver o final da guerra. Em 1945, sofrendo duplamente da falta de recursos e de sucesso, Tarsila recebeu um golpe terrível. A sua linda neta, Dora Beatriz, afogou-se aos dez anos. Um horror! A menina era um sorriso, uma alegria, além de campeã de natação. As férias eram passadas em Petrópolis, na casa da matriarca Rombauer. Parte da farra, além dos passeios a cavalo, era tomar banho no rio Piabanha. A família, grande e barulhenta, ia junto. Beatriz levara uma amiguinha. Era verão. Tinha chovido na cabeceira. Estavam todos brincando quando a cabeça de água chegou. Beatriz viu sua amiga ser levada por galhos e lama e foi atrás para resgatá-la. Não voltou. Os anúncios fúnebres foram publicados no Diário da Noite. O que se seguiu foi um tristíssimo velório, a cerimônia, o enterro, os rostos banhados de lágrimas, os abraços, os pêsames balbuciados, a dor de todos era infinita. E a dor une ou separa definitivamente. Edgard nunca quis ver fotos da filha ou falar dela. Ele se casaria novamente, bem mais tarde. Beatriz, como Dulce, era filha única. Como aliviar a dor da filha e a sua? Tarsila esculpiu um anjo para o túmulo daquela menina angelical. Nos últimos anos da década de 1940, quando perguntada, Tarsila respondia estar fazendo “pesquisas pictóricas”. Não vendia e se eclipsava. Em 1948, foi criado o Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, instalado provisoriamente nos salões do Banco Boavista. Antes da transferência para o Ministério da Educação e Cultura, a instituição abrigou uma retrospectiva das obras de Tarsila. O crítico de arte Geraldo Ferraz, então casado com Pagu, em artigo publicado no Jornal de Notícias de São Paulo, convidava o leitor a retroagir até 1920 para entender a importância da pintura de Tarsila. Mas ele não se esqueceu de apontar que a origem de Tarsila foi o que permitiu à artista se transformar numa locomotiva da cultura. O crítico, então, soprou e mordeu: “O azul de Tarsila é o azul da casa do caipira do interior, da cidade pequenina até hoje: o rosa também, o verde e os terras. A fixação de uma etnia inicial como documento através da arte está ali, nos olhos rasgados, negros enormes e ingênuos mulatos. A negra, a terra, a caipirinha, o cacto, o tipo de bicho doméstico, o boi, a ponte, o rio no fundo da casa, nosso céu azul, tudo é Brasil respirando, numa época de prosperity embora prosperity esteja na classe cafeeira, no limiar do industrialismo paulistano da classe da casta da dona Tarsila do Amaral.” A exposição foi bem visitada. Mas não sustentou o nome da pintora. No ano de 1950, ela voltou a produzir obras como Fazenda, que dão início à fase neopau-brasil, e com isso ganhou nova exposição, desta vez na rua Sete de Abril, em São Paulo. Ela reviu amigos pintores e jornalistas, que a trataram com carinho e a fizeram confessar que estaria “perdendo o complexo de inferioridade que durou dez anos”. Os dez anos em que viveu no esquecimento da cena artística. Pintava em tons pastel, então, paisagens, flores, casamentos e procissões, temas típicos da cultura popular. Temas familiares que aqueciam seu coração. Um coração que sangrava outra vez. Terá sentido a separação de Luís, antes de ela de fato chegar? Ele não a procurava mais. Ausentava- se. Tinha um caso com uma prima de segundo grau de Tarsila, Anna Maria, que era viúva e trinta e cinco anos mais jovem do que a pintora. Seu marido se suicidara aos dezenove anos. Não tiveram filhos. Repetia-se o filme que Tarsila já vira com Oswald. Depois de quase duas décadas de vida comum, as cartas trocadas entre Tarsila e Luís revelam uma alma consumida. No caso, a alma era a dela, pois ele fugiu para Paris. Deu no jornal: “O jovem escritor patrício singrando os mares a bordo do Alcântara em busca de contato íntimo com os centros culturaiseuropeus.” Luís estava entre dois fogos: sentia-se responsável por uma envelhecida Tarsila e experimentava a paixão fulminante por Anna Maria. Em carta, Tarsila dizia: “Meu Luís querido, as saudades continuam. Tenho pedido insistentemente a Deus que o inspire para que haja uma solução, como V. diz, ‘justa e humana’.” O que a pintora sugeria: voltar aos primeiros tempos da relação? Ou buscava aceitar a ruptura? “Nesse tempo, o Cândido fez-me ver, como amigo, que eu estava errada, dizendo: O Luís Martins é muito moço para você. Agora as coisas vão bem, mas o tempo é inexorável. Um dia você se arrependerá. O tempo demonstrou que o Cândido tinha razão.” Assinava-se Truly, ou seja, verdadeiramente. Um advérbio de modo e intensidade. Ele devolvia, dizendo que ao aceitar seu amor ela o havia transformado no mais infeliz dos homens. A paixão alimentou o casal por um bom tempo, mas a vida real lhes deu uma boa dose do amargo bom senso. Anna Maria também registrou a vivência: “Que toda essa angústia, essa situação falsa termine, que eu consiga fazer com que você esqueça tudo isto, para que possamos enfim ser felizes.” E a jovem deu mais uma volta no parafuso, aparentando despedida: “Seja feliz, se você ainda o puder; é o que lhe desejo de todo o coração e em nome de tudo que você foi para mim até há alguns momentos. Eu te adoro, meu bem.” Luís sabia que não seria feliz sem ela. Separou-se de Tarsila. Em 1952, afundada em dívidas, a fazenda Santa Teresa do Alto foi vendida. Não se sabe se foi comprada por um primo ou vendida por outro. O fato é que Tarsila fechou uma casa cheia de recordações. Ela já tivera a experiência com a venda do apartamento em Paris. Deixava-se tudo de bom para trás. Ela encaixotou objetos e livros, vendeu móveis, enterrou lembranças. O pior era abandonar a paisagem querida, os morros cobertos de plantações, a música dos pássaros e criações, a pequena Itupeva onde era conhecida de todos. Numa foto da época, Tarsila, com seu meio-sorriso, mais parecia uma senhorinha: a cintura mais grossa, a gravatinha branca no pescoço, que exibia uma discreta papada, traços envelhecidos e os olhos pousados no fotógrafo que compôs a cena com um vaso de flores e uma cesta de frutas. Uma natureza-morta. Apesar do regime rigoroso que fazia, a saúde já não ia bem. Tarsila mudou-se para a capital pela última vez. Vivia num apartamento modesto, à rua Albuquerque Lins, com Dulce, sua companhia inseparável após a morte de Beatriz. Acompanhavam-se mutuamente. Nas paredes, gravuras de quadros que um dia ela pintou. As janelas se abriam para outras janelas. Havia ali um ar de pobreza digna. As duas passavam as tardes conversando, recitando poesia e estudando grego antigo, o que Tarsila também adorava fazer com o irmão Milton. Dois anos depois do golpe que instaurou a ditadura militar, Dulce partiu. Foi levada pela diabetes. Ela se queixava do tratamento com insulina que a maltratava. À época, a insulina era de baixíssima qualidade, feita à base de suínos ou bovinos. A doença lhe impunha outros sofrimentos físicos. As atrozes dores de estômago faziam-na dizer: “Não aguento mais. Tenho vontade de parar com tudo.” Sem contar que em Higienópolis, onde moravam, Dulce era alvo de comentários maldosos: “Sua mãe é uma louca”, “Aquela pintora louca”. Dulce ainda voltou à Inglaterra uma última vez, depois de empenhar joias e seguir num navio, no qual trabalhou a bordo. Depois de sua morte, Helena, a sobrinha de Tarsila e filha de Milton, passou a cuidar da pintora e a acompanhou até os últimos dias de vida. Não bastassem as perdas, a Tarsila que era uma mulher ativa, que gostava de escalar árvores de frutas e que aparece em fotografias pulando e brincando com os amigos, se viu reduzida à imobilidade. Uma operação malfeita de coluna confinou-a a uma cadeira de rodas. Não se sabe se os médicos seccionaram nervos motores ou lesaram um vaso sanguíneo capaz de alimentá-los. No entanto, as consequências foram bem conhecidas: um cárcere. Daquele momento em diante, ela passou a depender da boa vontade de terceiros. Não saía mais de casa. O bairro, feito de subidas e descidas, não era convidativo para passeios. E, naquela época, uma cadeira de rodas inspirava constrangimentos. Por que Deus lhe impunha tantos sofrimentos? Por que lhe roubou os entes mais queridos? Tarsila se voltou para Ele e encontrou alento no espiritismo. A fé era a única arma contra o impulso de desistir. Os textos de Kardec e a correspondência com o mais conhecido médium do Brasil, Chico Xavier, a consolavam. Para escapar às trevas, era preciso sofrer: “Assim na terra como no céu.” Ela lhe oferecia pinturas – um São Francisco Xavier! Ele beijava-lhe as mãos com reverência, pedindo a Deus que a engrandecesse e abençoasse cada vez mais. E ela precisava de fé. A fé com a qual conviveu na infância e na mocidade dos colégios católicos. As missas, as imagens mergulhadas em incenso, as freiras que se prostravam na frente do altar e beijavam o chão, o silêncio. Fé para não se queixar. Para enfrentar a dor. Depois havia a esperança de encontrar todos os entes queridos no Nosso Lar, na Jerusalém celeste que, segundo Chico, se localizava acima do Rio de Janeiro. Depois, havia a mineiridade de Chico, que lembrava a Tarsila o quanto Minas inspirou seu trabalho. Chico era filho de uma família pobre, saído de uma das casinhas coloridas que ela pintou. Tinha a alma sincera e leal que ela via nos personagens de seus quadros, teve aulas de catecismo como Tarsila e foi coroinha de missa como seu amigo Mário. Participou das procissões que Tarsila representou, teve problemas financeiros e de saúde como os que a pintora enfrentava e, sobretudo, tinha um passado religioso como o dela. Seu modelo de virtuosidade percebe-se nas entrevistas que Tarsila deu entre 1971 e 1972. Sempre atenciosa com os jornalistas, não proferia nenhuma maledicência, só se lembrava das coisas boas, e, sobre suas agruras, respondia vencê-las por ser “muito religiosa, devota do Menino Jesus de Praga”. Ela rezava diariamente até em latim. Desejava a todos, inclusive a Luís, que a traiu, “que as bençãos do céu se derramem sobre você”. Coube a dom Benedito Ulhoa Vieira visitá-la, estando ela já acamada, e celebrar uma missa sobre o piano da sala. Foi quando ganhou um Sagrado Coração de Jesus pintado por Tarsila: “Que lindo!”, dissera ele. “É seu”, ofertou ela. Sacrifício, sofrimento e renúncia: o modelo de conduta católica que Chico inspirava cabia como uma luva na trajetória doce- amarga de Tarsila. No fim da vida, Tarsila obteve reconhecimento no cenário da arte brasileira. Recebeu homenagens e suas obras foram expostas em museus e galerias graças ao admirável e corajoso empenho de Aracy Amaral, sua biógrafa. Em 1963, ganhou uma sala especial na VII Bienal de São Paulo. Em 1971, amigos organizaram na Mansão França, casa de festas em Higienópolis, uma homenagem. O público aplaudiu de pé quando ela passou ao som da música de um cravo. Foi instalada numa mesa enfeitada com cactos, sua planta preferida. Os amigos Menotti e Di foram abraçá-la. E ela dava graças por viver: “Adoro a vida, sou fã dela, vou com ela até os cem!” Não chegou lá, contudo. No dia 17 de janeiro de 1973, aos 83 anos, morreu vítima das complicações de uma operação de vesícula. Foi manchete nos principais jornais do país. Até então, ela se divertia vendo televisão e comendo bacalhau ao leite de coco preparado em casa. Foi enterrada de vestido branco, como era seu desejo. Sabia que, “desencarnada”, entraria em paz no Nosso Lar, onde a aguardavam espíritos médicos para curá-la de todas as dores. Coberta de rosas vermelhas, descansou no túmulo 46 da quadra 36 do cemitério da Consolação. Autoridades e alguns pintores do grupo Santa Helena estiveram presentes. Luís a homenageou: “São Paulo e o Brasil reconheceram-lhe o valor muito tarde. Durante anos, Tarsila viveu quase esquecida e ignorada. A importância de sua obra era negada ou diminuída. Tarsila passou dias difíceis. Mas sempre contente consigo mesma e com a humanidade. Agora,que está morta, é que podemos avaliar a sua grandeza.” Sim, depois de morta passou a ser ousada, corajosa, moderna, bela, musa, feminina, elegante, imaginativa, criativa, ingênua, curiosa, brasileira e cosmopolita. Em seu sepultamento o poeta Paulo Bonfim disse sobre a artista: “Tarsila não parte. Chega com o futuro.” O futuro chegou em 2022, centenário da Semana de 1922. Não cabe ao historiador julgar a obra pictórica de Tarsila. Há outros especialistas para fazê-lo. Mas é ao historiador que cabe interpretar os longos anos em que ela ficou esquecida e ignorada. Por que isso se deu? Porque Tarsila foi vítima de profunda intolerância. Apesar das grandes mudanças entre os anos 1920 e 1960, a sociedade mantinha-se extremamente conservadora. Cobrira-se do verniz da modernidade, que não passava de ilusão. Tarsila se moveu entre quatro círculos: o dos muito ricos, o dos artistas, o dos empregados e operários e o do distante povo. Este visto, no mais das vezes, pela janela do trem. Recebida na alta sociedade por pertencer a família conhecida, foi graças à sua educação, não à suposta riqueza do pai, que os salões de dona Olívia e Paulo Prado lhe abriram as portas. Sua vida amorosa, ainda que rica de emoções, afastou-a de parte da família e de seu grupo social de origem. Não se admitia que uma mulher de boa família se conduzisse em público de forma tão provocante. Nos salões por onde passava, Tarsila deixava um rastro de intrigas, maledicências, indiscrições. Aos olhos de muitos, suas viagens e sua vida artística faziam dela uma “desfrutável”. Uma feminista antes de seu tempo? Não. Uma vítima de seu tempo. Um tempo em que as artistas só podiam ser escultoras, mas escultoras das futuras gerações. Portanto, eram mães e educadoras. Seus divórcios foram malvistos e considerados um escândalo até 1977, quando, depois de muita discussão, uma lei foi promulgada. No entanto, a lei veio tarde demais para lhe trazer qualquer benefício. Ela não reagia. Dona de uma educação dada às moças de elite à época, baseada na meiguice e na sensatez, Tarsila preferia aparar arestas e engolir sapos a enfrentar brigas. Ela as contornava com elegância. Abafou as baixarias de Oswald e, sobre elas, amenizava: “Mas ele era engraçado.” Com Anita, manteve boas relações. Não há registro do ressentimento de ex- companheiros ou de suas amantes. Tratou-os com condescendência, a ponto de dar conselhos à rival Anna Maria, dizendo que ela não sacrificasse a própria felicidade apenas para obedecer aos pais, e de interceder junto à família, atestando o bom caráter e honestidade do ex-marido Luís. Por amizade, que é uma forma de amor, Luís esteve ao seu lado até o final da vida. Tal como ela lhe pediu, ele iria “amparar sua solidão”. Com a anuência da mulher, visitava Tarsila a cada quinze dias e não poucas vezes a socorreu, apesar de seus magros recursos. Ele a considerava um ser humano excepcional, raro e superior. E não esquecia a bela história que tinham vivido ou, como dizia Tarsila revirando velhas fotografias, “as passagens da vida que se foi”. A gentileza e a “extraordinária simplicidade” de Tarsila, comentada por todos que a conheceram, desarmavam. Mas não evitavam críticas ao seu trabalho. Quantos insultos não leu nos livros de assinaturas de seus vernissages. Ou quantas críticas azedas não recebeu sobre sua pintura: “Um seio de mulher que parece uma perna de porco assada e uma cabecinha de alho espetado no corpo de um bacalhau.” Críticas que também foram alimentadas pela inveja da vida que Tarsila levou em Paris, repleta de dinheiro e nomes famosos. Não faltou preconceito de artistas homens contra artistas mulheres. Era o ar que se respirava, então. Tarsila também sofreu a intolerância dos que nunca compreenderam sua tentativa de rompimento com a vida burguesa. Seu desejo sincero de se engajar à esquerda levou-a aos braços de Osório César. Nessa escolha, Tarsila acenava com bandeira branca para quem a acusava de só viver no high life e pedia permissão para pensar a desclassificação social que ela começava a conhecer. Embora não “tivesse nascido para revolucionária”, nem por isso se desinteressava dos problemas sociais. Porém, com limites: “A revolução para ela, a social, era um entusiasmo e muita influência minha... ela não podia senti-la. Em 1933, fomos juntos a um congresso em Montevideo, onde constatei que ela não se integrava ao meio proletário, parecia além de suas possibilidades”, contou Osório César. A despeito da viagem à Rússia e da prisão, poucos acreditaram em qualquer mudança. Razão para etiquetá-la. Ela foi pega num movimento em pinça: criticada pela intelectualidade, era também fustigada pela burguesia que nela via uma traidora de suas origens. Tarsila sofreu a intolerância de uma sociedade que vivia de aparências. Hipócrita. De homens e mulheres machistas. Gente que só reconheceu seu talento e suas qualidades depois que ela sorveu os frutos mais amargos da vida. A lição que Tarsila parece deixar é a de que o sofrimento não abate. Como ela mesma escreveu, era uma mulher que “cultivava a serenidade que é a grande vencedora nas piores circunstâncias”. Numa das últimas fotos, sentada numa cadeira de rodas, a franja escapando do lenço à cabeça, seu amplo sorriso parece dizer: virem-se para o sol e as sombras ficarão para trás. Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo Boiada, 1948 © Tarsila do Amaral/Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (Reprodução de Romulo Fialdini) Tarsila do Amaral sempre se orgulhou de sua origem caipira e da vida no campo, temas presentes em sua arte. Nestas fotos, vemos casarios da fazenda Santa Teresa do Alto, de Tarsila e Oswald de Andrade. Itupeva/SP, c. 1920. Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo Paisagem rural, 1924 © Tarsila do Amaral/Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (Reprodução de Romulo Fialdini) Oswald e Tarsila descansam na rede, na varanda da fazenda Santa Teresa do Alto. A propriedade abrigou muitos encontros entre familiares e amigos, além de celebrações, como a do 34º aniversário de Mário de Andrade. Itupeva/SP, 1927. Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo Tarsila (roupas claras, ao centro) foi fotografada ao lado das pessoas mais próximas de seu círculo íntimo: Pagu (Patrícia Galvão), Anita Malfatti, Benjamin Péret, Oswald de Andrade, Elsie Houston, Álvaro Moreira, Eugênia Álvaro Moreira e Maximilien Gauthier. Nessa época, a pintora imergiu em uma vida social agitada, marcada por conversas intermináveis em bares e restaurantes do Centro. São Paulo/SP, c. 1920. Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo Congonhas, 1924 © Tarsila do Amaral/Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (Reprodução de Romulo Fialdini) Neste registro da viagem às cidades históricas de Minas Gerais, Tarsila é fotografada junto de Gofredo da Silva Teles, Blaise Cendrars, Mário de Andrade, d. Olívia Penteado, Oswald de Andrade e seu filho, Nonê ( José Oswald Antônio de Andrade). [s.l.], 1924. Gabriel Bonduki/Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo Gabriel Bonduki/Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo Gabriel Bonduki/Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo Idealizada por Pietro Maria Bardi, a exposição A Semana de 22: antecedentes e consequências, sediada no Masp, oportunizou o encontro de Tarsila do Amaral e Menotti Del Picchia, amigos de longa data. Nas fotos, percebem-se o carinho e a admiração que Menotti guardava pela pintora. São Paulo/SP, 1972. Gabriel Bonduki/Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo A exposição A Semana de 22, além de proporcionar maior visibilidade aos modernistas pioneiros, marcou um dos últimos momentos de contato de Tarsila do Amaral com o público que a admirava e que passava, então, a reconhecer a grandeza de suas obras. Masp, São Paulo/SP, 1972. O Paiz, 19/ 7/1929. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil A exposição de Tarsilado Amaral no Palace Hotel, no Rio de Janeiro, foi destaque na imprensa. “Tarsila do Amaral, a grande pintora modernista de S. Paulo, escolheu o Rio de Janeiro para realizar a sua primeira exposição no Brasil. Essa exposição deverá ser inaugurada amanhã, sábado, no Palace Hotel, e de certo atrairá a atenção do nosso meio artístico.” “Manuel Bandeira: ‘Nunca vi boniteza tão brasileira como a da pessoa e dos quadros de Tarsila.’” Correio Paulistano, 1º/12/1955. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil A crítica de Leila Marise destacou as fases estéticas de Tarsila no suplemento “Pensamento e Arte” do Correio Paulistano. Correio da Manhã, 10/4/1969. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil/Instituto Moreira Salles – Acervo Jayme Maurício O jornalista Jayme Maurício trouxe, em sua crítica, depoimento de Tarsila sobre a criação de Abaporu. “A 12 de janeiro de 1928, para o aniversário do Oswald de Andrade, terminei um quadro para presenteá-lo. Pintei até altas horas. Quando acordei, eu mesma fiquei um pouco assustada. E o Oswald também se impressionou. Mas que coisa estranhíssima – dizia –, como é que você teve a ideia de fazer isso?” À esquerda: Diário de Notícias, 30/7/1933. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil. À direita: Correio Paulistano, 1º/8/1939. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil Algumas exposições recebiam falas públicas de Tarsila do Amaral. Em dois registros dos anos 1930, abordou as diferenças entre arte burguesa e arte proletária e tratou de crítica e arte moderna. “Ora, dessa sociedade nova surgirá uma expressão correspondente de arte nova. A análise marxista demonstra que a arte é uma superestrutura, produzida pelas relações sociais – fato econômico – de produção e influenciada pelas diversas formas de trabalho de uma determinada época.” Folha de S.Paulo, 18/1/1973. Folhapress O obituário escrito pelo crítico José Geraldo Nogueira Moutinho foi publicado com destaque na “Folha Ilustrada”, da Folha de S.Paulo. “Com Tarsila do Amaral efetivamente desaparece toda uma época cultural de São Paulo.” Agradecimentos José Antônio Monteiro Ameijeiras, pelo auxílio com a pesquisa digital Adriana Riquet Sabino José Mário Pereira Lizir Arcanjo Nicolas Theodoridis Irma Rombauer Patrícia Rombauer Philippe Lisbona Sávio Santos Silva Referências bibliográficas Livros ALMEIDA, Paulo Mendes de. De Anita ao Museu. São Paulo: Mary Lou Paris, 2015. AMARAL, Aracy. Blaise Cendrars no Brasil e os modernistas. São Paulo: Livraria Martins Editora, 1968. _____. Tarsila, sua obra e seu tempo. São Paulo: Editora Perspectiva, 2 vols., 1975. _____. 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Tarsila Goodreads da autora: https://www.goodreads.com/author/show/815387.Mary_del_Priore Skoob da autora: https://www.skoob.com.br/autor/358-mary-del-priore Wikipedia da autora: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mary_Del_Priore Instagram da autora: https://www.instagram.com/marydelpriore.ofc/ Twitter da autora: https://twitter.com/prioremary Facebook da autora: https://pt-br.facebook.com/marydelpriore.ofc/ https://www.goodreads.com/author/show/815387.Mary_del_Priore https://www.skoob.com.br/autor/358-mary-del-priore https://pt.wikipedia.org/wiki/Mary_Del_Priore https://www.instagram.com/marydelpriore.ofc/ https://twitter.com/prioremary https://pt-br.facebook.com/marydelpriore.ofc/ O morro dos ventos uivantes Brontë, Emily 9786558471110 252 páginas Compre agora e leia O morro dos ventos uivantes, um dos maiores clássicos ocidentais, precursos do romance gótico, traduzido e recontando pela grande escritora brasileira Rachel de Queiroz. "Emily Brontë foi uma mulher independente, incapaz de ser "domesticada" — traços perceptíveis em O morro dos ventos uivantes, esta obra-prima do gênero gótico, publicada inicialmente sob o pseudônimo masculino Ellis Bell. A escritora morreu em 1848, doze meses após a publicação deste seu único romance, sem desconfiar de que entraria para o seleto grupo de grandes nomes da literatura mundial. Em uma época regida pelo puritanismo, O morro dos ventos uivantes foi recebido com duras críticas. O choque foi ainda maior quando, em 1850, sua verdadeira autoria foi revelada a uma sociedade habituada a julgar mulheres que, como Emily, fugiam de um ideal feminino fantasioso. A narrativa do amor corrosivo de Heathcliff e Catherine Earnshaw, no entanto, é tão hipnotizante que prende leitoras e leitores no emaranhado de complexas camadas da mente humana. E também na trama de uma paixão violenta, obscura, capaz de sobreviver até mesmo à morte. Não havia nenhum personagem como Heathcliff na literatura. Considerado um herói byroniano ou o arquétipo do anti-herói atormentado, ele é guiado pela fúria, pelo ciúme e pela vingança. Destrói tudo o que encontra pelo caminho, inclusive — e sobretudo — a si próprio. Catherine Earnshaw, por sua vez, não está longe disso. Dividida entre o amor e a ambição, é o avesso do modelo romântico perfeito. Cathy é um espírito livre, uma jovem http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786558471158/9786558471110/212b8c23cbac0a732ed19c445f225491 mimada e arrogante, que tortura e leva à agonia todos que se atrevem a amá-la. O morro dos ventos uivantes, traduzido e recontado nesta edição pela grande escritora brasileira Rachel de Queiroz, é, sem dúvida, uma obra-- prima intensa. E, mais que apenas uma trágica história de perdição, é uma análise meticulosa e assustadora da crueldade do amor, da perversidade humana e dos traumas — esses que volta e meia retornam a bater e chamar à janela, mesmo que a deixemos muito bem trancada." - Carina Rissi Compre agora e leia http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786558471158/9786558471110/212b8c23cbac0a732ed19c445f225491 Mansfield Park Austen, Jane 9786558470847 518 páginas Compre agora e leia Uma das obras mais aclamadas de Jane Austen com tradução de Rachel de Queiroz. Mansfield Park é o terceiro romance publicado de Jane Austen, e essa edição conta com a tradução de Rachel de Queiroz. Este romance marca a maturidade da autora, que adota um tom mais contido do que em outras obras, como Razão e sensibilidade e Orgulho e preconceito. Fanny Price, achapéus, sem muitas malas, sem farnel de virado e frango para comer ao longo do caminho. Pela janela do trem viram passar pastos pintalgados de bois, casinhas de colonos, torres de pequenas igrejas, o relevo acidentado de Jundiaí, matas e plantações com seus variados tons de verde. Na foto dessa época, os três irmãos, Tarsila, Oswaldo e Cecília: ele, de marinheiro e gola de renda, fixa o fotógrafo. Elas, em vestidos de rendas brancas, botinhas até os joelhos e cabelos presos. Para compor a imagem, Cecília tem nas mãos um arco. Tarsila, sentada sobre a quina de uma mesa, parece desconfortável. Ninguém sorri. As fotografias eram um momento de concentração até o flash espocar. As relações entre pais e filhos eram austeras. Respeito e afeição eram selados antes de dormir com um beijo de rotina. São Paulo: no chamado “Centro Velho”, à rua Conselheiro Nébias, a casa do avô. Casarões se enfileiravam como se estivessem de prontidão. Em todos, a mesma grande janela emoldurada por colunas neoclássicas se abrindo para a rua, uma entrada lateral e a profusão dos ornamentos em estuque. Tróleis e carroças saltitavam sobre o paralelepípedo. Italianos que tinham enriquecido, como Dino Bueno, ali também plantavam seus palacetes. Mais tarde, belas residências ao estilo art nouveau, como a de José de Sousa Queirós, fariam do bairro de Campos Elíseos, próximo à estação de trem que levava a Jundiaí, um endereço elegante. Elegante, porém, comprometido com as mudanças urbanas da capital. Ao lado, no vizinho bairro de Santa Cecília, multiplicavam-se olarias, oficinas e pequenas manufaturas tocadas por pretos e imigrantes vênetos que também tinham ali suas moradias individuais ou coletivas. À beira do Tietê, fumegavam as chaminés das grandes fábricas que também lançavam dejetos no rio. O viaduto do Chá, inaugurado em 1892, levava ao “Centro Novo”, doravante, umbigo da cidade. De casa, ouvia-se o sino da igreja do Sagrado Coração de Jesus chamando para missas. Ao chegar, Tarsila foi matriculada no Colégio Sagrado Coração de Maria, dirigido pelas Irmãs de São José de Chambéry, pertinho, na avenida Angélica. Lá fez a primeira comunhão. Em 1901, foi transferida para o Notre Dame de Sion, recém-instalado num antigo sanatório em Higienópolis, primeiro bairro da capital a priorizar o saneamento básico e a luz elétrica. Perto do colégio, grandes casarões repousavam numa paisagem elevada e silenciosa. A beleza dos jardins impressionava. O bonde 25 rangia nas ruas onde se erguiam os palacetes da nata de São Paulo: os Sousa Queirós, os Alves Lima, os Silva Teles, os Toledo Piza, os Pacheco e Silva, os Paes de Barros, os Barros Brotero, os Amaral Souza, o conde Antônio Álvares Leite Penteado. Todas as filhas dessas grandes famílias estudavam no Sion, onde Tarsila permaneceu dos catorze aos dezesseis anos. O uniforme azul-marinho com grandes alças cruzadas à frente do peito, a blusa branca engomadíssima e a faixa e cruz ao peito na mesma cor eram a marca do bom-tom e da boa educação da elite paulistana. Os colégios ofereciam um ambiente absolutamente homogêneo do ponto de vista social. Quase todas as alunas matriculadas pertenciam às famílias de cafeicultores. Nenhuma outra relação fora do grupo era favorecida. As jovens se restringiam a uma rede de relações que lhes daria oportunidade de fazer amizades úteis para a vida futura. As redes femininas eram reforçadas e uma forte ligação entre as mulheres da mesma família – primas, por exemplo – era fundamental para a transmissão dos valores e das tradições que as distinguia socialmente. Não se sabe se Tarsila fez muitas amigas. Mudou-se a família, mas, também, mudava a capital e mudava o país. Nos primeiros anos depois de proclamada a República, os cafeicultores viviam o ápice do prestígio, por outro lado, também o início de sua decadência econômica. Foi um período de transição. A ordem social estava se transformando e nela coexistiam o velho, representado pelas heranças do Império, e o novo, marcado pelos símbolos da modernidade econômica. A Constituição de 1891, reconhecendo a autonomia dos estados, permitiu que se criasse uma hierarquia em que dominavam os mais fortes. São Paulo, pilar da economia agroexportadora, se colocou na dianteira. A província liderava a política e a economia nacionais, controlando inclusive a presidência do país. Como resultado, houve uma espantosa concentração de poder nas mãos de um segmento: o dos cafeicultores. Eram deles as mais belas casas construídas na avenida Paulista. Os mais reluzentes automóveis que circulavam. As mais belas mulheres, carregadas das mais belas joias e dos mais elegantes vestidos. Mas José Estanislau era agricultor. Não grande cafeicultor. Diferentemente de outros fazendeiros que, sem romper contato com a vida rural, ingressaram em atividades urbanas – tornaram-se banqueiros, diretores de estradas de ferro, pioneiros da indústria –, ele se manteve com os usos e costumes do velho tempo do imperador. Na biblioteca, livros de autores franceses em preciosa encadernação; na caixa de música, a ópera de Bizet; no piano de Lydia, acordes de Debussy; à mesa, vinho francês e, entre suspiros, uma imagem: Aaaah, a Françaaa... José Estanislau entrava no século XX no compasso dos seus avós. Da menina que brincava com gatos e galinhas na fazenda São Bernardo, Tarsila botou corpo e passou a menina-moça. Abandonou os enormes laços de fita, as botinas e os vestidos de babados. Nas famílias tradicionais, isso significava que era mais do que hora de se pensar em casamento. Os pais começavam a examinar a parentela com lupa. Na família de Lydia, só se casavam entre si. Um primo seria sempre o melhor marido, bastando para isso que tivessem se visto algumas vezes e que, de algum lado, houvesse nascido “um entusiasmo”. Os jovens não interferiam. Uma escolha decidida pelos pais terá selado o destino de Tarsila? É a única explicação para sua partida, junto com a irmã Cecília, para a Europa, já que a viagem roubou-lhe o clímax da formatura no Colégio Notre Dame de Sion: a coroação. O momento era o sonho de todas as moças. Vestidas em longos brancos executados pelos melhores costureiros, personificavam a pureza e inocência dessas que doravante seriam entregues ao casamento. Ao som do coro que entoava o hino do Sion, as alunas do último ano recebiam o selo da educação sionense. Damas de honra, escolhidas entre as alunas pequeninas, levavam numa almofada de veludo a coroa de folhas douradas que era colocada pela madre superiora na cabeça de cada formanda. O ritual, contudo, era proibido para casadas. Caso se casassem, as alunas eram convidadas a se retirar da escola. Nenhuma informação sobre a vida conjugal – leia-se, sexualidade – podia passar dos portões da instituição. As viagens antes do casamento, contudo, faziam parte da formação das moças de “boa sociedade”. Era possível ver in loco tudo o que se lia nos livros. Era uma exigência social aperfeiçoar a cultura geral a partir da Europa e dentro dela. A viagem era, ainda, uma forma de se diferenciar dos novos-ricos que chegavam com dinheiro, mas tinham somente “verniz”. No grupo em que Tarsila cresceu, havia sempre a valorização do precocemente aprendido: “O que o berço dá, nem a morte há de tirar.” Pais e filhas partiram para o Velho Continente. Uma parada obrigatória das linhas náuticas que ligavam o Novo ao Velho Mundo fez com que as meninas fossem deixadas por dois anos no Colégio Sacré-Coeur, em Barcelona. Apesar de não ter capela na fazenda, e de Tarsila não mencionar missas em suas memórias de infância, ela certamente recebeu a influência de uma educação religiosa em que a fé, a modéstia e a caridade eram lei. A costura para os pobres, a visita obrigatória ao confessionário, as missas e comunhões semanais, a adoração de Jesus, a música do coro, o exemplo de paciência e doçura das freiras, as leituras edificantes saturavam as alunas. A menina que pintava pintinhos e flores se tornou a jovem que pintava Cristos. Estava cercada deles. Os quadros dos grandes pintores barrocos Ribera e Murillo,protagonista, é uma jovem tímida e insegura que sai da casa dos pais pobres para morar com os tios, com melhores condições financeiras. Ela logo se aproxima de seu primo Edmund, que se torna seu melhor amigo, mas também enfrenta percalços, recebendo tratamento diferente do restante da família. A chegada da família Crawford à propriedade vizinha altera a rotina da casa, e Edmund se apaixona pela Srta. Crawford, enquanto o irmão dela demonstra interesse por Fanny, que não é correspondido. Fanny, inicialmente, é uma moça doce e que se submete às vontades dos outros sem protestar, mas, com o desenrolar da trama, se mostra uma pessoa profunda e complexa, que consegue se impor e demonstrar seus desejos, inclusive reagindo a um casamento almejado por todas as demais mulheres de seu convívio. Jane Austen revela nesta obra conflitos da alma humana e questões sociais muito presentes na Inglaterra do século XIX. Mansfield Park apresenta a dissimulação presente nas relações sociais e o conflito decorrente do encontro entre diferentes classes, além de colocar em xeque o poder de decisão das mulheres na sociedade. http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786558471158/9786558470847/af70b822081892bad9f58ce4c228ed78 Compre agora e leia http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786558471158/9786558470847/af70b822081892bad9f58ce4c228ed78 Sonetos de birosca e poemas de terreiro Simas, Luiz Antonio 9786558471127 120 páginas Compre agora e leia Sonetos de birosca e poemas de terreiro é um livro espirituoso que, além de revelar a rara habilidade de Luiz Antonio Simas para versar, ensina com muito jogo de cintura os pormenores que fazem da vida popular e suburbana uma experiência única de prazeres, transcendências e iluminações. Em seu primeiro livro de poesia, Luiz Antonio Simas se afirma de uma vez por todas como um dos melhores e mais versáteis contadores de história em atividade no país. Aqui estão reunidas diversas histórias e curiosidades sobre a vida popular contadas em versos. Dono de uma sabedoria singular sobre as culturas que formam a identidade do povo brasileiro e muitíssimo atento às diversidades das macumbas e do catolicismo, Simas compõe sonetos e poemas em verso livre que levam seu espírito curioso e zombeteiro a investigar os limites do lirismo, do humor e da fé. Amante dos bares, biroscas e botecos, seguidor dos preceitos e respeitador dos mistérios, habitué da mesinha do jogo do bicho e das tardes de futebol no Maracanã, sua sabedoria é regada em boas doses de cachaça e chopes bem tirados, acompanhados das mais saborosas iguarias servidas nas bandejas dos melhores garçons. A química é perfeita e, nela, tudo cabe. "Simas, feiticeiro de palavras, mostra que birosca e terreiro se encontram, pois os dois são lugares por excelência dos cruzos. Onde pessoas, pensamentos, divindades, sentimentos se esbarram, um deixando sua marca no outro, sabendo ou não, querendo ou não. E, de lá, do terreiro ou da birosca, saem um carregando um pouquinho do outro." – Rafel Haddock- Lobo http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786558471158/9786558471127/8e33c24594e526e582d63627e2f0d2f7 Compre agora e leia http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786558471158/9786558471127/8e33c24594e526e582d63627e2f0d2f7 Quarup Callado, Antonio 9786558470205 574 páginas Compre agora e leia Um dos mais importantes livros brasileiros a abordar a temática indígena, Quarup é um clássico nacional e o romance mais importante de Antonio Callado. Publicado pela primeira vez em 1967, Quarup conta a história de Nando, um padre jovem e ingênuo que sonha reconstruir no Xingu uma civilização comunista semelhante à que existiu nas Missões jesuíticas do sul do Brasil. Para se dedicar ao projeto, Nando viaja ao Rio de Janeiro a fim de pedir a autorização necessária junto ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão que deu origem à atual FUNAI. No Rio, toma contato com a sociedade permissiva do sexo livre e das drogas e com a corrupção política, pois os dirigentes do SPI desejam manipular o projeto de Nando em proveito próprio. Perdido entre conflitos existenciais e os prazeres da vida, o jovem padre ganha uma nova percepção do mundo, de seus semelhantes e de si mesmo. No romance, o ritual indígena do Quarup ocorre para Nando e para muitos dos personagens como uma espécie de rito de passagem, obliterando o sentido sagrado para os povos do Xingu. Quarup mostra, sob a ótica de seu protagonista, o período entre o suicídio de Vargas e o Golpe Militar de 1964. Após passar por várias experiências traumáticas, Nando adere à luta armada contra o regime militar. "Quarup precisa ser lido por todas as novas gerações de brasileiros para que possam entender como a construção de equívocos históricos é gerada especialmente no que diz respeito aos povos indígenas." - Daniel http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786558471158/9786558470205/dea03d931ad5eeef0bf8cc74d7e4bb0b Munduruku "Quarup é sem dúvida um livro que nos proporciona entender as lutas e resistências dos movimentos sociais no Brasil, mas também nos apresenta os conflitos enfrentados pelos povos originários para garantir o direito ao território e rememorar valores culturais, espirituais, identitários." - Márcia Kambeba Compre agora e leia http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786558471158/9786558470205/dea03d931ad5eeef0bf8cc74d7e4bb0b Vanguarda europeia e modernismo brasileiro Teles, Gilberto Mendonça 9786558470793 658 páginas Compre agora e leia Nessa obra de referência já consagrada, Gilberto Mendonça Teles reúne poemas, conferências e manifestos vanguardistas estrangeiros e nacionais publicados entre 1857 e 1972. Leitura fundamental a qualquer estudo sobre o tema, agora em edição ampliada. Esta edição ampliada de Vanguarda europeia e modernismo brasileiro, de Gilberto Mendonça Teles, acrescida de novo prefácio, é lançada em meio às comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922. O evento é considerado o marco inaugural do modernismo no Brasil. Grande parte dos intelectuais e artistas que estiveram à frente desse movimento tinham vivido na Europa após a Primeira Guerra Mundial e enfim traziam ideias e técnicas que lá se desenhavam desde as últimas décadas do século XIX. Gilberto Mendonça Teles apresenta um rico panorama dos movimentos modernistas, uma viagem em companhia de textos de artistas que foram capazes de antever os sopros da mudança ainda no século XIX — como Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud e Stéphane Mallarmé —, nomes que protagonizaram as vanguardas europeias — como André Breton, Vladimir Maiakovski e Tristan Tzara —, expoentes do modernismo brasileiro — http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786558471158/9786558470793/d2fd83faa8b75e41e97c5403d32f4e67 como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Murilo Mendes — e, enfim, aqueles que marcaram um momento mais experimental da arte brasileira — como Décio Pignatari e Wlademir Dias- Pino. Vanguarda europeia e modernismo brasileiro é um título que convida leitores e leitoras a compreender os caminhos de um dos movimentos artísticos mais importantes do século XX, responsável por refletir sobre um novo sentido para o homem no mundo e por ajudar na construção desta percepção: o que é ser moderno. "[…] Gilberto Mendonça Teles apresenta peças essenciais do processo ao reunir […] os manifestos vanguardistas da Europa e do Brasil. […] este livro oferecefornece-nos o ponto de partida obrigatório de qualquer pesquisa." – Paulo Rónai "[…] o livro organizado por G. M. Teles propicia uma compreensão mais amadurecida do que foi em 1922 […] o espírito da modernidade brasiliera: resposta consciente às incitações feitas ao Homem por seu tempo." – Laís Corrêa de Araújo. Compre agora e leia http://www.mynextread.de/redirect/Amazon+%28BR%29/3036000/9786558471158/9786558470793/d2fd83faa8b75e41e97c5403d32f4e67 Rosto Créditos Sumário LivroEncarte de fotos Agradecimentos Referências bibliográficas Colofão Saiba maisas via-crúcis e ruidosas procissões modelavam a sensibilidade das jovens. Nas igrejas, um misto de silêncio e deslumbramento elevava os espíritos. Até que em 1906 deixaram Barcelona e seguiram para Paris. Paris no início do século XX estava longe da cidade-luz que emergiria poucos anos mais tarde. A cidade trazia um sorriso pálido. Os prédios sujos de fuligem ao longo das avenidas não deixavam ver a beleza das fachadas. Tetos de ardósia se confundiam com o cinzento das paredes. Nas ruas, tróleis cruzavam bondes barulhentos. Sujeira e barulho estavam em toda parte. O céu chuvoso costumava cobrir a cidade durante meses a fio. As mulheres equilibravam chapéus enormes e vestidos que ainda cobriam as canelas. O ano de 1905 foi marcado por muitas greves, pelo nascimento do partido socialista, pela lei de separação oficial entre Igreja e Estado, pelo decreto de supressão do tráfico de escravos no Congo, pelo atentado a bomba contra o presidente Émile Loubet e o rei Alfonso XIII entre as ruas de Rivoli e Rohan: dezessete mortos. Enquanto isso, outra bomba – essa figurada – estourava no Salão de Outono. Ali se exibiam pela primeira vez os artistas fauve (ou feras), com sua estética primitivista e a explosão das cores puras. Tudo indica que Tarsila não foi apresentada nem às feras nem aos palácios de consumismo: Aux Galeries Lafayette, recém-inaugurada, e Au Bon Marché, endereço da família imperial brasileira. Decepcionada por não encontrar nada do que leu nos livros sobre a capital francesa, voltou com os pais ao Brasil. Chegaram em 1906. Há poucos indícios de como surgiu em sua vida André, o primo de sua mãe. Na tradição, parentes casadoiros emergiam em festas familiares, em visitas às fazendas, em viagens de trem ou até mesmo de surpresa. Namoro? Breve. Ninguém passava do portão da casa sem noivar. Ninguém noivava sem data marcada para a cerimônia, pois, caso contrário, a honra da noiva poderia ser comprometida. As datas do início e do fim do noivado tinham que ser definidas para dar tempo à família da noiva fazer o enxoval: roupas de cama, lençóis e fronhas, toalhas de mesa em linho importado, colchas inglesas em fustão, cobertores e acolchoados em seda. Bordadeiras especiais eram contratadas para gravar monogramas. Camisolas, deshabillés com rendas e corpetes foram encomendados à Casa Carlos. Vestidos do Mundo Elegante ou de Madame Perina e até a mobília do quarto do casal faziam parte do trousseau. Não sabemos se os noivos trocaram joias custosas, como era tradição entre os ricos. Essas seriam “para sempre”. Quando primos se casavam, era preciso licença da Cúria Metropolitana. Chique era casar-se em oratório particular, mas não se sabe se foi o caso. À cerimônia só assistiram oito pessoas. Não teve banquete para muitos talheres encomendado à célebre Rotisserie nem serviço do maître d’hotel Daniel Souquiére, como estava na moda. E por que a pressa? Em três meses Tarsila estava casada, o que significa que o matrimônio foi “falado”, ou seja, agendado com antecedência. Algumas exigências: que a noiva levasse um dote, fosse virgem e nada soubesse sobre sexo. Ser pura era ser ignorante. A repressão sexual era profunda e saber qualquer coisa relacionada a sexo fazia com que a moça se sentisse culpada. Tal distanciamento da realidade criava um abismo entre a fantasia e a vida real. A lua de mel era obrigatória. Gente fina seguia até o Hotel de la Plage, no Guarujá, e depois continuava até Santos, onde se embarcava para Buenos Aires. O Grande Hotel, na calle Florida, era o preferido dos paulistas. Depois de passeios de barco no rio Tigre e visitas a Palermo, Tarsila e André seguiram até o Chile. A segunda viagem foi feita em parte de trem, pelo recém-construído Ferrocarril Trasandino Clark, e parte em lombo de mula. Tarsila contou mais tarde que “alguns animais levavam os passageiros, outros, as bagagens. Por vezes os precipícios obrigavam os passageiros a passagens muito estreitas e perigosas”. A inusitada viagem foi um presente de seu pai a pedido da própria Tarsila e ele o concedeu sem nenhuma objeção, apesar da completa falta de romantismo do lugar escolhido. E para lá viajaram os noivos, pois a artista “tinha tanta curiosidade de conhecer lugares...”. Seria o jovem casal apaixonado pelas paisagens selvagens que cruzaram: os rios Aconcágua e Juncal, as vertiginosas paredes dos Andes, as serras de Córdoba? De volta a São Paulo, foram direto para a fazenda São Bernardo. Casada, ela passava de jovem estudante à esposa prendada. Estava pronta para exercer os papéis que se esperavam dela: dona de casa e mãe. A naturalidade com que iria executá-los se devia à educação precocemente recebida. Nos colégios religiosos, ela apenas aprofundou os princípios aprendidos em casa. Ao tornar-se a senhora Teixeira Pinto, Tarsila tinha que exteriorizar uma certa “nobreza de alma” no seu comportamento do dia a dia. Ela devia adotar uma maneira de ser que a distinguisse onde estivesse, de forma tão profunda que suas atitudes parecessem inatas. E um dos sinais de tal distinção era a interiorização da moral do dever e da aparência. Ou, como se dizia então: “Tudo por dever, nada por prazer, mas todo dever com muito prazer.” Para muitas jovens, a realização pessoal emanava do dever cumprido. Sacrifícios e lutas para o cumprimento das obrigações eram a regra. Passar da obediência aos pais à obediência aos maridos também. Em estreita ligação com a moral do dever, havia a valorização das aparências diante de dores físicas ou morais. Doenças, traições do cônjuge, dificuldades econômicas: era proibido demonstrar sentimentos em público e jamais era permitido se portar como alguém que passou a uma posição social inferior. A vida era um relógio. As coisas estavam sempre no mesmo lugar e a rotina da casa era sempre igual. Tudo era previsto e pontual. Não se improvisava nada, não se mudava quase nada. Para se manter na rotina, Tarsila engravidou. Dulce nasceu em casa. Tarsila a amamentou, como era moda entre pediatras, ou “tomou ama”, como se dizia então? Tudo que se sabe é que o casal oscilava entre a fazenda Sertão e a São Bernardo. A segunda apresentava mais conforto. Nessa época, o que poderia levar a uma separação? Apenas questões graves, pois o fracasso do matrimônio era uma mancha para os cônjuges, para a família e a parentela. Afinal, era a desestruturação da família. A República havia instituído a separação entre casamento civil e religioso, e o primeiro também era considerado indissolúvel e monogâmico. Conflitos só vinham a público quando se tornavam notícia para a imprensa, como ocorria nas classes populares. Entre as elites, eles eram abafados e, em geral, o marido controlava as tensões conjugais. Para a Igreja, separação só em caso de motivos de ordem religiosa, adultério, sevícias e injúrias graves. E separação, segundo a lei, a mensa et thoro, ou seja: a separação de leito conjugal e bens. Não se sabe o que levou o casal a romper. As explicações de que “André não gostava de arte; era um homem sério” não convencem. Estudos sobre separações e anulações no início do século XX revelam não só casais muito jovens se separando, mas também que a maioria dos homens eram acusados de agressão física, e as mulheres, de adultério. Maridos podiam perder a cabeça com geadas que lhes estragavam as plantações ou a queda do preço do café. E era a espancada, e não a enganada, que pedia separação. O “abandono de lar” era considerado motivo gravíssimo para ambos os sexos. Pois, Tarsila e André separaram-se apenas um ano depois de casados. O que fazer com uma jovem mulher separada? Os pais não titubearam. Mandaram-na para São Paulo. Afastar a filha faltosa do convívio com parentes era fundamental. Aliás, ela não mais era recebida em algumas casas. Para Tarsila, o desafio doravante era estancar as fofocas, poupar o nome da família, disfarçar a humilhação e não perder a aparência de moça séria. Separada, porém honesta. Famílias poderosas conseguiam com rapidez na Cúria e em Roma a anulação do casamento. Tarsila, no entanto, teriaque esperar 25 anos para obter a sua. A pintura e o piano eram passatempos que permitiam que a mulher tivesse o que fazer, uma vez que ninguém nesse grupo pensava em trabalhar ou seguir estudos superiores. Trabalho remunerado? Só como professora, e mesmo assim apenas em situação de derrocada financeira. Para Tarsila, então, o melhor era seguir desenvolvendo sua aptidão para as artes, que, aliás, ficara estacionária. Após a separação, Tarsila passou a viver em São Paulo e retomou o aprendizado. Em 1916, se tornou aluna do escultor sueco William Zadig, recém-chegado ao Brasil e professor do Liceu de Artes e Ofícios. Embora desconhecesse anatomia, com ele aprendeu escultura em argila e gesso. No curso de desenho do alemão Elpons, conheceu dona Amélia, esposa do conhecido jornalista Numa de Oliveira, que ia a Paris comprar raquetes de tênis para o Club Atlhetico Paulistano. Prosseguia com o piano em aulas com mademoiselle Philippeau e, mais tarde, com João de Souza Lima, que, em início de carreira, tocava em cinemas, em casas de famílias ricas, em bailes e no Hotel de la Plage no Guarujá, durante as férias de verão. Apresentado ao pai de Tarsila, João passou a frequentar a casa. Mais tarde, ela diria: “Por timidez passei a fazer pintura.” Ela dizia temer o palco e o público, embora adorasse o instrumento. E abandonou definitivamente o teclado de marfim amarelado. Não se conhecem suas atividades nessa época, logo após a dissolução de seu casamento. Não deve ter sido fácil, porém, para uma jovem razoavelmente bonita fazer vida social. A grã-finagem não receberia nunca uma mulher só: os Chaves, os Prates, os Coimbra, os Rubião, os Rodrigo Octávio lhe fechariam as portas. As amigas do Sion, se ainda existissem, também. Não se rompiam tradições em vão. Ela se tornara um mau exemplo para as senhoras bem-casadas, ou pelo menos para aquelas que assim se julgassem. No máximo tomava chá na casa de dona Amélia Oliveira, onde conversavam sobre pintura. Tarsila se revezaria entre a fazenda e São Paulo? Receberia uma mesada para comprar roupas no Mundo Elegante e fazer chapéus com mademoiselle Angelina Justi? Ia de bonde puxado por burros para suas aulas? Aplaudiria o Tita-Ruffo no Barbeiro de Sevilha, em apresentação no Municipal, ou o balé de Isadora Duncan? Iria ao cinema ver as fitas de Max Linder? Nesses anos, São Paulo se agitava e se agigantava. A capital da província mais pujante do país entrava na modernidade marcada por dinâmicas diferentes. Se, por um lado, a industrialização, o crescimento do empresariado e do operariado, as novidades do consumo apontavam numa direção, por outro, o mundo em que Tarsila viveu andava na contramão. São Bernardo significava aquele mundo em que seus pais ainda viviam, mergulhados na memória colonialista e na modorra da vida rural. Muitas fazendas inadimplentes eram vendidas não mais para fazendeiros, mas para empresários. A jovem se via dividida entre as ideias vertiginosas dos tempos modernos e a severa educação que recebera. Onze anos se passaram e, aos trinta, Tarsila procurou um professor em São Paulo. Pedro Alexandrino estava de volta depois de uma temporada em Paris. Recebia os alunos num ateliê marcado pelo ambiente caseiro e familiar que mantinha ali. Seu sotaque caipira e a simplicidade no vestir lembravam a Tarsila o amigo de seu pai, Almeida Júnior. Às sextas-feiras, dona Candinha, a esposa do pintor, oferecia chá e bolo aos alunos e visitantes. O ambiente era perfeito para senhoras. Entre uma natureza morta e outra, o assunto era a Paris que Tarsila não conheceu quando ali passou com seus pais. O mestre gostava de recapitular por meio de histórias a intimidade que estabelecera com artistas realistas como Chrétien e Monroy, a academia de Fernand Cormon, onde alunos se sentavam em banquetas para ouvir o professor, as fofocas dos Salons. Para o pintor, a França e seus ateliês, onde fervilhavam discussões estéticas, eram o mais completo quadro da civilização. Voltar à França, pensava Tarsila: por que não? Mas para isso era preciso trabalhar. E ela passava os dias exercitando suas habilidades de desenho. Acreditava-se, então, que o desenho devia preponderar sobre a pintura, pois era o testemunho da arte como um processo eminentemente intelectual, e não apenas manual. Enquanto isso, fora do ateliê, havia muitas mudanças: kodaks, o cinema e as revistas ilustradas captavam um mundo feito de imagens. Era inevitável que a arte expressasse as transformações trazidas pela modernidade. Tratava-se de um tempo de indagações e descobertas. Contudo, 1917 foi também o ano em que o samba “Pelo telefone” invadiu os rádios, submarinos alemães afundaram navios brasileiros e os anarquistas organizaram a primeira greve geral de comerciários e operários do país. Durou um mês. São Paulo parou. Tiroteios pelas ruas e a população em pânico levaram os patrões a dar aumento imediato e fixar horários de jornadas – oito horas para homens e seis horas para mulheres e crianças. Enquanto isso, o preço dos alimentos disparava. No final do ano, outra notícia explosiva: uma jovem, filha de um italiano e uma norte-americana, com apenas 28 anos e recém-chegada de Nova York, tendo também feito uma breve passagem por Berlim, criou uma exposição de “arte moderna” na loja Mappin. Seu nome: Anita Malfatti. Os jornais não falavam de outra coisa, e um áspero debate sobre suas revolucionárias telas expressionistas se iniciou. Tarsila foi ver as obras. Mais tarde, disse não ter “compreendido”. Nada entendeu! Nem ela, nem os críticos. As reações violentas às propostas vanguardistas, que incluíram a destruição de algumas telas a bengaladas, inibiram Anita. Acabrunhada, a moça buscou refúgio nos ateliês de Pedro Alexandrino e Elpons, onde conheceu Tarsila. Ambas regulavam de idade, ambas eram sós, pintoras e de certa forma párias, e assim se tornaram amigas. A trajetória internacional de Anita, suas viagens e contatos com pintores de outros países influenciou Tarsila. Somou-se a isso o cartãozinho enviado pelo amigo pianista João Souza Lima: uma imagem da igreja parisiense Trinité com a frase: “Aqui há ARTE de verdade.” Todavia, para voltar a Paris era preciso que a Grande Guerra terminasse. E Tarsila esperou. Em 1920, ela partiu para a Europa levando Dulce, que foi internada no Colégio Sacré-Coeur, em Londres. Tarsila se fixou em Paris. A França saía das trincheiras da guerra e suas viúvas enchiam as ruas das capitais. Soldados desmobilizados com terríveis marcas do confronto, também. O peso dos mortos sobre os vivos não se via apenas nos movimentos de avant- garde, mas no retorno de temáticas antigas que alimentariam tanto os nacionalismos quanto os fascismos. Segundo João Souza Lima, a Tarsila que desembarcou em Paris tinha ar de moça, mas ousadia de mulher, e era muito simples e modesta no vestir. Ela se instalou no número 2 da rue du Louvre, via comercial que abrigava uma fábrica de tecidos e imóveis construídos no século XIX. Entre aulas na Academia Julien, à rue Saint-Marc, localizada no mesmo bairro, visitas ao ateliê de Émile Renard e saídas com o amigo Joãozinho, escrevia a Anita: “Anita, muito querida (...). Estou trabalhando num grande grupo de umas cinquenta alunas. Está me parecendo que muitos são os chamados, mas poucos os eleitos. Não vejo uma aluna forte. Algumas trabalham bem, mas falta aquilo que nos impressiona.” As turmas exclusivamente femininas ficavam lotadas, pois muitas alunas se sentiam desconfortáveis em dividir espaço com homens durante as aulas com modelos vivos nus. Elas pagavam uma anuidade de quatrocentos francos para meio período de aulas e setecentos para o período integral, enquanto os alunos desembolsavam apenas duzentos e quatrocentos francos por formação equivalente. Artistas brasileiros não eram novidade nas escolas de pintura da cidade. Mulheres, menos ainda. Na Academia Julian, de 1889 a 1905, desfilaram as desconhecidas madame Barbosa, madame Castillos, madame De Mesquita, madame Silva, entre outras. Mas também as conhecidas escultoras Julieta de Françae Nicolina Vaz, e a caricaturista Nair de Teffé, também conhecida como Rian. E, por fim, a já famosa Georgina de Albuquerque. Em cartas à amiga, Tarsila contava as novidades: “Anita, tudo tende para o cubismo ou futurismo.” Tais tendências não lhe interessavam, como não lhe tinha interessado, aliás, o modernismo de Anita. Tarsila continuava pintando os mesmos temas que pintava no Brasil: um retrato da mãe em azul; o pátio com o coração de Jesus do colégio de Dulce, em Londres; um nu feminino; uma viela em Barcelona. Pintou mesmo um autorretrato vestida de camponesa. Um comentário dela sobre Émile Renard demonstra como Tarsila estava distante do que se fazia na Rive Gauche ou em Montmartre: “Renard tinha uma academia dele, particular. Gostava muito de minha pintura, de tudo o que eu fazia. Chamava outros alunos para ver. Era um bom amigo que não ria nem mesmo de um quadro de Picasso levado por um aluno seu. Apesar de ser diferente do que fazemos – afirmava –, de qualquer maneira merece respeito, é um artista.” Detalhe: Renard, além de pintar porcelana, seguia o estilo acadêmico. Graças a amigos, Tarsila sabia que se falava dela em São Paulo: “das artes de Tarsila”, “dos modos de Tarsila”, “da linda carreira de Tarsila”, “das saudades de Tarsila”. Da família, tinha notícias por cartas. Enviava dinheiro ao amigo João para que ele pagasse o aluguel do piano. De Anita, recebia informações, como, por exemplo, o furor que causou um artigo de Mário de Andrade, criticando com novas linguagens literárias o parnasianismo e o contentamento da amiga: “Ah! Que bem isto não fez a São Paulo e que fúria infernal não se levantou aqui (...). Nunca ninguém teve a força e a ousadia de criticar e dizer às claras que estes nossos ídolos eram de barro e não ‘divinos’.” São Paulo mostrava a dupla face: a da tradição e a da contemporaneidade. Na primeira, ídolos como Olavo Bilac e Raimundo Correia, entre outros autores de uma poesia rígida e artificial. Na outra, o próprio Mário de Andrade, sua escrita automática, a valorização do primitivismo, da linguagem coloquial e do “desvairismo”. Na pintura, Tarsila estaria entre os primeiros, e Anita, com os segundos. Embora fosse um momento espinhoso da vida e estivesse sem dinheiro ou popularidade, Anita contava com os amigos modernistas, como Brecheret, Menotti del Picchia, Oswald de Andrade e o próprio Mário. E sublinhava: “Estou voltando às coisas muito modernas, pois são estas que me enchem a alma.” E, apesar de viver reclusa e mergulhada em dificuldades, mostrava-se sempre generosa com Tarsila: “Chegam-me ecos sensacionais do teu sucesso em Paris. Do lindo atelier, da linda artista que tem feito enormes progressos (ah! Inveja) e das telas de verdadeiro valor e dos amigos célebres, enfim, ouro sobre azul.” E a contemporaneidade começou a levar a melhor sobre a tradição. O mês e o ano escolhidos para romper com a arte acadêmica, inaugurando uma revolução estética e o Movimento Modernista, foi fevereiro de 1922. Dos dias 13 a 18, o palco do Theatro Municipal de São Paulo se viu ocupado por apresentações de dança, música, recital de poesias, exposição de obras – pintura e escultura – e palestras. Pessoas desconectadas da realidade ou inconsequentes? Nem uma coisa, nem outra. Os artistas envolvidos só propunham uma nova visão de arte a partir de uma estética inovadora inspirada nas vanguardas europeias. No saguão, os quadros de Anita e as esculturas de Brecheret. No ar, poemas de Manuel Bandeira e música de Heitor Villa-Lobos, ambos recebidos com vaias. O evento chocou grande parte da população e trouxe à tona uma nova visão sobre os processos artísticos, bem como a apresentação de uma arte mais brasileira. Nas palavras de um dos organizadores, o pintor Emiliano “Di” Cavalcanti, aquela foi “uma semana de escândalos literários e artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulista”. Anita e seus amigos se envolveram no evento até a medula. Tarsila nada viu. Soube das notícias por Anita e, em junho do mesmo ano, época de férias na Europa, alegando saudades dos pais, tomou um navio e voltou ao Brasil. Deixou em Paris uma tela, um Portrait (retrato) para ser exposto no Salon de la Société des Artistes Français, bastião da pintura acadêmica. Jovens pintores que desejavam romper com o autoritarismo do Salon se organizavam numa outra sociedade, a Société Nationale des Beaux Arts. E passaram a expor no Salon de Champs-de- Mars. Pairava sobre os expositores do primeiro Salon a pecha de que eram indicados por seus professores, que os sustentavam com seus votos. Na foto do convite para o vernissage de abertura do Salon, no dia 4 de abril, Tarsila aparece de cabelo curto, um meio-sorriso no rosto e roupa preta. Morava então em Neuilly-sur-Seine, periferia de Paris, que começava a se refazer dos bombardeios alemães da Primeira Guerra. Uma bela construção onde se alugavam apartamentos, a Villa Méquillet foi seu último endereço. A Tarsila que chegou a São Paulo era uma mulher de 36 anos. O rosto forte não exibia os traços de Greta Garbo ou Claudette Colbert, artistas de cinema que enchiam as telas. Mas tinha personalidade. Sua modéstia dava- lhe uma aura enigmática. Era, contudo, uma mulher só. E uma mulher só era uma solteirona. Era uma mulher que poderia viver sua sexualidade fora do casamento. Porém, na França, isso teria sido difícil. O número de mulheres sós era elevado, e o país perdeu um milhão e meio de homens na guerra. Tarsila mais correspondia à definição de uma revista de variedades que perguntava, num concurso, qual a moça que teria mais “prendas de salão”. Resposta: “aquelas que se tornaram sedutoras por qualidade de caráter intelectual, adquirida pelo estudo, pelo esforço, pela cultura (...), moças que têm espírito apetrechado de conhecimentos gerais e sólidas noções de arte e literatura (...), as que sabem fazer pintura aquarela ou a óleo, as que tocam magnificamente piano ou violino (...), as que falam com precisão línguas estrangeiras”, entre outros atributos. Portanto, Tarsila era prendada, mas só. Já era madame e não mais mademoiselle. Suas prendas de salão seriam muito apreciadas no grupo de Anita, que tinha organizado a Semana de Arte Moderna em fevereiro daquele ano. O grupo era composto por três autores rapazes – Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Mário de Andrade – e Anita Malfatti, a pintora. Doravante, com Tarsila, seriam cinco. Menotti, com seus cabelos ondulados e seu rosto bonito, era seis anos mais jovem do que Tarsila. Mário, muito alto e mestiçado, sete anos mais jovem. Oswald, que gostava que o chamassem de Oswáld, mas era chamado de Oswaldo, de testa alta e bochechas que lhe davam um ar muito juvenil, era apenas quatro anos mais jovem. O inevitável aconteceu: Tarsila e Oswald se aproximaram. Oswald a “divinizava”. Tarsila se apaixonou. E ela traria lustre para seu brasão de conquistador. Não se sabe se Tarsila conhecia o rosário das conquistas de Oswald, que terminavam sempre em cruz para a mulher. Desde 1912, ele as colecionava. Na Europa onde circulou, manteve inúmeros casos, inclusive com uma bailarina de cabaré em Milão. De Paris, trouxe para o Brasil uma jovem estudante e donzela de boa família a quem chamava de Kamiá – o nome era Henriette Denise Boufflers –, com quem teve um filho, José Oswald Antônio, o Nonê, nascido em 1914. Ainda casado com Kamiá, em 1915, iniciou um caso com uma dançarina espanhola que veio morar no Brasil, Carmen Lydia, de apenas quinze anos. Já separado, em 1917, começou a namorar a jornalista Maria de Lourdes Olzani, de apelido Deise, com quem se casou, em 1922, quando a jovem de dezenove anos jazia em seu leito de morte na Santa Casa de São Paulo depois de um aborto malfeito. Nesse mesmo ano, Tarsila e ele engataram namoro. No auge de sua feminilidade, Tarsila desabrochou. Num chá em certa confeitaria, quando lhe foi apresentada, Menotti grafou: “Pintora? Tinha eu na frente uma das criaturas mais belas, harmoniosas e elegantes que me fora dado a ver.” Ele nem acreditou que Tarsila fossepintora, como se todas as pintoras fossem condenadas a serem feias e deselegantes. Nos meses seguintes à Semana de 22, os modernistas organizavam encontros animados em bares e restaurantes do Centro para discutir suas ideias. As reuniões mais furtivas eram realizadas por Oswald no terceiro andar de um edifício da rua Líbero Badaró, na altura do número 89, onde o escritor montou uma garçonnière. O nome era dado aos pequenos apartamentos onde casados ou celibatários recebiam suas amantes. Por seu lado, Tarsila reabriu o estúdio que deixou alugado enquanto estava em Paris, na rua Vitória, número 133. Encantado com a nova amiga, Mário inundou seu ateliê com margaridas, cena mais tarde retratada tanto por Tarsila quanto por Anita. O Grupo dos Cinco circulava no Cadillac verde de Oswald, atravessava a cidade, ia até a serra do Mar para apreciar a vista ou recitar poemas vendo estrelas. Tarsila vivia os excessos da juventude que não tivera. Todos, em alta velocidade, saboreavam um entendimento mútuo. Foi também em grande velocidade que Tarsila mergulhou no desconhecido “modernismo” – ou “futurismo”, como chamava Menotti. Ela mesma dirá mais tarde: “Parece mentira (...). Mas foi no Brasil que tomei contato com a arte moderna.” Graças aos amigos, e em especial a Mário, entrou em contato com os editores da revista Klaxon, de revolucionário trabalho gráfico cujas páginas eram dedicadas às propostas modernistas. Foi criticada pelos amigos ao ler as poesias de sua lavra de cunho parnasiano. Nenhum deles quis saber sobre a “missão do artista na sublime busca da beleza” ou sobre “o tédio que desfaz o sonho em Nada”. Xô, parnasianismo! Conheceu intelectuais como Joaquim Inojosa, representante do modernismo no Nordeste, que teve seus olhos negros de veludo e a cabeleira revolta registrados por Tarsila. Ele, então, resumiu o grupo da seguinte maneira: parecem crianças levando a amiga à loja de brinquedos! Tarsila seguia cortejada por Oswald, cuja fortuna vinha do pai, proprietário de terrenos que iam do cemitério do Araçá ao Jardim América. A região vinha sendo retalhada e vendida pela Companhia City, que oferecia casas com jardim. Ele era doido, mas encantador, diziam os amigos. Ela se impressionava ao ouvir dele que, por causa do Carnaval, pusera o nome ao filho de Lança-Perfumes-Rodo-Metálico. E Tarsila, ingênua, declarava: “Nunca consegui averiguar (...) se isto era mesmo verdade ou simplesmente blague, mais uma blague de Oswald.” Tal ingenuidade justifica-se pelo fato de que, à época, as mulheres foram pegas no fogo cruzado entre a importância do amor romântico e os mecanismos de reprodução de classe social. Elas, portanto, não julgavam os homens. Apenas se viam como seres inferiores a eles. Em setembro, numa comemoração do Centenário da Independência, o governo de São Paulo promoveu o I Salão da Sociedade Paulista de Belas Artes. Entre fios elétricos, pó e andaimes, o presidente da província abriu a exposição. Menotti fez um breve discurso. Com exceção do jornal O Estado de S. Paulo, que dedicou duas linhas ao evento, a imprensa ignorou o acontecimento. A revista Klaxon, editada por Mário, julgou os expositores anacrônicos e só elogiou as telas das amigas: A chinesa, de Anita, e A espanhola, de Tarsila. A Vida Paulista, depois de aplaudir os “grandes mestres”, Monteiro França e Wasth Rodrigues, rendeu-se a “uma das maiores revelações”, Waldemar Belisário, estrela do evento. Mencionou, porém, entre outros, os “belos trabalhos de Anita” e a “execução de colorido suave” em trabalhos realizados na Europa por Tarsila. Embora amigo de Anita, que o apresentou a Tarsila, Mário cultivou a semente da competição. Em carta, disse-lhe que a A espanhola era o melhor quadro da competição e A chinesa, apenas um “trabalho frustrado”. Mário parecia esquecer que foram os trabalhos de Anita que influenciaram vigorosamente aqueles de Tarsila. Tarsila tinha que voltar a Paris e embarcou para lá em novembro de 1922. A bordo, escreveu ao amigo Mário, lembrando as “deliciosas reuniões do Grupo dos Cinco” e prometendo-lhe não se esquecer de comprar um Picasso – de fato, adquiriu-lhe um Arlequim – nem se esquecer de sua amizade. Estava animada: “Vou ser apresentada a alguns artistas de valor. Estou imbuída de entusiasmo artístico! Chegando a Paris vou trabalhar de verdade.” Despediu-se com “um beijo em seu belo espírito” e passou-lhe seu novo endereço. Não ia só nem com Oswald. Levava a filha, Dulce, agora com onze anos, e quatro sobrinhos, filhos do irmão Oswaldo, recém-separado. A criançada foi toda enfiada em colégios internos entre Paris e a cidade litorânea de Cannes, onde o clima era mais ameno. No próprio navio, trocou telegramas com o enamorado. Ela: “O mar está lindo, hora de ouro... saudades infinitas.” Em dezembro, Oswald seguiu para Paris. O casal escolheu viver sua paixão longe dos olhos da conservadora São Paulo. Nunca é demais lembrar que o Código Civil só dava três opções à mulher separada ou desquitada: voltar para a casa dos pais, onde seria criticada pelo fracasso do casamento; entrar para a prostituição, se fosse pobre e sem preparo profissional; unir-se ao homem que viesse a amar, sabendo que teria o repúdio da sociedade “por não ser casada”. Ela escolheu a terceira opção. E com as crianças devidamente matriculadas em internatos, foram viajar. Percorreram Espanha, Portugal e Itália. O romance era segredo para a família. Nessa época, Tarsila pintou um autorretrato em pastel: cabelos ondulados, boca entreaberta num suave sorriso e o olhar vago. Tarsila mudou o visual. A paixão lhe fez bem e embelezou “a caipirinha de Montserrat”, que, segundo o amigo Sérgio Milliet, era uma das mais bonitas de Paris. Ela exalava a sensualidade de uma mulher madura. Oswald concordava: Tarsila suscitava admiração dos homens quando passava, cabelos pretos presos em coque com enormes brincos que pendiam realçando o pescoço. Depois da viagem romântica, a separação. Oswald foi buscar o filho Nonê em Lisboa para levá-lo a um internato na Suíça e Tarsila voltou a Paris. Instalou-se na rue Hégésippe Moreau, número 9, perto da place de Clichy, num bairro de operários e pequenos comerciantes. Sentia-se livre de quaisquer constrangimentos: “Que prazer vagar pelas ruas sem descobrir uma cara conhecida.” De fato, o cosmopolitismo de Paris engoliu a pintora. Ela não tinha mais tempo para quem ficou para trás. As primeiras cartas de Mário a Tarsila, cartas derramadas de elogios sobre sua feminilidade, beleza e talento, ficaram sem resposta. Ele pedia-lhe notícias da cidade ou de seus trabalhos. As respostas eram telegráficas. Mário recebia notícias por Anita, que também tinha viajado, ou pelo próprio Oswald. Esse não se cansava de inventar histórias sobre encontros nunca acontecidos com grandes escritores para causar inveja ao amigo. Ou de lhe contar que comprara camisas e gravatas caríssimas. Indiscreto, Oswald contava a Mário estar “amigado com Tarsila”. E, belicoso, acusava Anita de ser “uma passadista”, enquanto ela, recém-chegada a Paris, com uma bolsa do estado de São Paulo e sem apoio da família, lutava contra a fragilidade física e emocional. Só em final de maio, Tarsila respondeu ao “caro amigo”. Um bilhete em que revela o clima então vigente entre o Grupo dos Cinco: “Escrevi ao Menotti uma carta terrível contra você. O Osvaldo logo que chegou fez tantas intrigas entre nós (sobre a modernidade ocidental) que resolvi cortar relações com você. Mas vieram suas cartas, as suas irresistíveis cartas etc.” As cartas de Mário eram carregadas de imagens afetivas: chamavam-na de deusa, diziam que seu sorriso o enchia de felicidade, ou que ele receberia as luzes de seus olhos. Tarsila se rendeu à insistência do amigo, mas o espicaçava. Anunciava estar “fazendo cubismo”. E pedia que ele viesse a Paris: “O brasileiro se engana pensando que é preciso uma fortuna para vir a Paris.” De fato, a cidade era muito barata e recebia estrangeiros de toda parte do mundo para trabalhar ou fazer arte. Agora, o Grupo dos Cinco era composto por ela,Oswald, Sérgio Milliet, Brecheret e o pianista Souza Lima: “a modernidade de Paris.” Mário estava excluído. Oswald certamente não concordaria com essa nova formação, uma vez que tinha má impressão de Brecheret. Ele mesmo, maldoso, escreveu ao próprio Mário dizendo: “Brecheret está fazendo um autorretrato: um cavalo em tamanho natural.” Por sua vez, Tarsila não via mais Anita como a amiga dos primeiros tempos. Em carta à família, confessava: “Acha-se também aqui o Di Cavalcanti, pintor do Rio muito considerado. Ele e Anita disputarão a mim o primeiro lugar na pintura moderna brasileira. Apesar da grande confiança em mim, creio urgente ativar meus estudos. Esperei Anita também para saber como seria recebida aí a exposição que levo. Ela me deu, no nosso primeiro encontro no hotel, a noção de que em vez de uma amiga tenho uma rival.” O clima iria azedar ainda mais. Tarsila repetiria com Anita a concorrência que havia entre Oswald e Mário. Em abril, o casal já recebia um ou outro conhecido francês em casa. Os contatos foram feitos através de Blaise Cendrars. Este, por sua vez, tinha como contato o mecenas e amigo Paulo Prado, riquíssimo homem de negócios paulista, além de escritor e historiador, que o aproximou dos brasileiros. Poeta conhecido por várias publicações e passagem por Nova York, Cendrars era o representante máximo da poesia abstrata e revolucionária elaborada nos anos que precederam a Primeira Guerra. Seus “poemas elásticos” foram dedicados aos amigos Marc Chagall e Fernand Léger. A esposa de Delaunay, Sonia, ilustrou seu clássico “A prosa do transiberiano”. Cendrars foi elevado por Tarsila e Oswald ao status de guru. Ele os apresentou a Jean Cocteau e a Eric Satie – ambos, aliás, se detestavam e nunca se encontraram na casa dos brasileiros. E a André Lhote e Juan Gris. Seguiram-se visitas aos ateliês de Léger, Delaunay e Brancusi. Num almoço oferecido ao guru, foi servida “caninha” perfumada, café e cigarros de palha. O exotismo brasileiro competia com o africano, tão em moda em Paris. O estilo de vida que o casal levava refletia as posses de ambas as famílias. E a dose de excentricidade incentivava o interesse dos franceses, que nunca lhes deram, porém, maior intimidade. Léger, por exemplo, só se dirigia a Tarsila como madame Amaral. Apresentada à única pintora entre pintores cubistas, Marie Laurencin, que a presenteou com um guache – um vaso azul com flores coloridas –, Tarsila disse que “sem desejar ir além de suas forças, copiando a si própria na beleza das suas composições, talvez tenha atingido a felicidade para a qual todos nós corremos”. Seus temas? Meninas correndo pelos campos, flores, “sonhos bons”. Era a Tarsila romântica se inspirando. De Sonia Delaunay, ela compraria “vestidos simultaneístas”, ou seja, feitos em tecidos coloridos de faixas coloridas e círculos “órficos”. Também foi apresentada a dona Olívia Guedes Penteado, milionária amiga de Paulo Prado, dona de um apartamento em Paris onde levava vida social agitada e educava as duas filhas. Segundo Mário, tais contatos apenas sublinharam o deslumbramento dos brasileiros. Um deslumbramento de fato, desde que passaram a frequentar a casa de Paulo Prado. Oswald chegou a chorar de emoção ao ser convidado pela primeira vez à mesa de dona Olívia Penteado. Tinham ido a Paris como “burgueses” e viraram “futuristas”: “Mas é verdade que considero vocês todos uns caipiras em Paris. Vocês se parisianizaram na epiderme. Isso é horrível!” – cravou Mário. Em junho de 1923, o casal ofereceu um almoço a Cendrars. Nasceu a ideia de levá-lo ao Brasil. Uma retribuição, sem dúvida, por todas as apresentações feitas por ele. Quando conheceu Cendrars, Tarsila já fazia aulas com Albert Gleizes, autoproclamado fundador do cubismo que estava a caminho do abstracionismo. Dele, receberia, como ela mesma contou, “a chave do cubismo”. Ela passaria também a assistir às aulas de André Lhote, que, como sugeriu Mário, seria melhor influência para sua pintura. Num barracão em Montparnasse, “uma grande família simpática” de alunos se reunia à volta do homem baixinho que explicava como adaptar as composições de mestres do passado às exigências contemporâneas. A assistente do mestre cobrava de Tarsila uma pintura mais ingênua, mais humilde, mais sincera. “Pinte com a inocência de uma criança”, recomendou. Ali ela estagiou durante três meses. Desta época, temos seu Autorretrato com mantô vermelho. Os olhos esfumaçados fixam sem timidez o espectador. O pescoço de pele clara e comprido emerge da imensa gola vermelha como uma flor. A boca é outra flor vermelha. O vermelho da paixão? O modelo era do costureiro Jean Patou. À época, ela frequentava o ateliê de Fernand Léger, pois ficou amiga da esposa dele. O homenzarrão de cabelos também vermelhos levou Tarsila para o mundo das máquinas que ele gostava de pintar (e que dizia preferir ao sorriso de Mona Lisa). Data dessa época outro importante trabalho: A negra. Integrado ao movimento cubista, o quadro de mais de um metro e meio de altura evocava, segundo a pintora contou mais tarde, imagens da infância: “Porque eu tenho reminiscências de ter conhecido uma daquelas antigas escravas que moravam lá na nossa fazenda e ela tinha lábios caídos e seios enormes, porque, me contaram depois, naquele tempo as negras amarravam pedras nos seios para eles ficarem compridos e elas jogarem para trás e amamentarem a criança presa nas costas.” Mas o quadro exalava também a essência do que se fazia em Paris. De Cézanne a Picasso, muitos foram influenciados pela arte negra ou “primitiva”, como era chamada. Dela, extraíram um novo repertório de formas. O México e o Brasil começavam a entrar no radar dos exotismos. Em carta à família, datada de 19 de abril de 1923, Tarsila declarava: “Sinto-me cada vez mais brasileira: quero ser a pintora da minha terra. Como agradeço por ter passado na fazenda a minha infância toda. As reminiscências deste tempo vão se tornando preciosas para mim. Quero, na arte, ser a caipirinha de São Bernardo, brincando com bonecas de mato como no último quadro que estou pintando.” A tela se intitulava A caipirinha. Enquanto não era ainda a “pintora da terra”, desfilava em jantares, com vestidos caríssimos de Jean Patou: “Parecia uma rainha... Todos os olhares convergiam para mim” – escrevia à família. Em carta de 22 julho de 1923, anunciou a Mário que iria ao Brasil e tentou desfazer as fofocas de Oswald contra ele. Fofocas, diga-se de passagem, venenosas, e que mergulharam Mário em profunda mágoa, além de terem feito com que ele ouvisse insultos. Não se sabe, porém, se, apaixonada como estava, Tarsila se dava conta do caráter do companheiro. Levava para Mário uma tela comprada ao professor, Futebol, sobre a qual Lhote lhe pediu que não contasse a ninguém o bom preço que pagou. Enquanto isso, em tom de bem-humorada chacota, Mário criticava os modismos importados e convidava o casal a participar do movimento da “mata virgem”! Tarsila voltou em dezembro. Ela e Oswald tiveram o cuidado de organizar o retorno separadamente. Apesar do “vanguardismo”, eles mantinham discrição sobre o relacionamento. Nas cartas que trocaram quando ela estava em Paris, usavam até pseudônimos. Ela se assinava “Luiza”. Embora estivessem juntos, continuava casada. Se descoberto, o assunto seria um escândalo: “Rasga todas as minhas cartas que estão na tua carteira. Nada de romantismos. Rasga esta e as outras que receberes... cuidado.” A correspondência cifrada do casal denunciava tanto a paixão quanto o pavor de Tarsila. Nas fotos, Tarsila é sempre o rosto oval, de boca vermelha, de cabelos presos e longos brincos. Mas quem recebeu o repórter do jornal Correio da Manhã, a bordo do navio Orânia, nas águas da Guanabara, em meio a um grupo em traje black-tie, foi uma mulher madura de corpo e alma. Segundo a matéria, publicada entre notícias sobre a revolução no México e a coluna de economia, Tarsila, “a interessante e brilhante artista brasileira”, passou pelo Rio com destino a Santos. De acordo com o jornalista, ela era “umafigura curiosa sob todos os sentidos. Temperamento sensível e moderno, ela não podia deixar de tomar parte como tem tomado do grande movimento que nestes últimos tempos revoluciona a arte em geral”. Numa longa entrevista, Tarsila respondeu sobre o estado atual das artes na Europa; sobre as características do cubismo e seus precursores; sobre a má vontade e os preconceitos quanto ao movimento, que já tinha se instalado na indústria, na moda, no mobiliário e até nos brinquedos; sobre quem foi o primeiro cubista; e sobre o interesse que ia nascendo na França acerca do Brasil. Perguntada sobre se pretendia expor seus trabalhos, respondeu: “Pretendo, sobretudo, trabalhar. Sou profundamente brasileira e vou estudar o gosto e a arte dos nossos caipiras. Espero, no interior, aprender com os que ainda não foram corrompidos pelas academias. Pintar paisagens e caboclos do Brasil não é ser artista brasileiro, como não é ser artista moderno aquele que realisticamente pinta máquinas e deforma figuras.” Perguntada se não cairia nas imitações da Europa, respondeu: “Não. O cubismo liberta, porque tem a vantagem de ser uma escola da invenção.” E mais adiante: “O cubismo é exercício militar. Todo artista, para ser forte, deve passar por ele.” E despediu-se da equipe de reportagem com um aperto de mão. Dois meses depois, em fevereiro de 1924, Blaise Cendrars chegava ao Brasil. O convite foi bancado por Paulo Prado. O poeta foi barrado na alfândega do Rio de Janeiro. Confundido com “imigrante com defeito físico” – esses eram proibidos por lei de entrar no país –, teve que explicar que era jornalista, mutilado de guerra e amigo de Prado e Washington Luís. O escândalo foi estampado nas primeiras páginas de vários jornais! Enquanto isso, em Paris, um jornal literário noticiava que Cendrars tinha recebido de presente milhares de hectares num lugar inacessível e que estaria preparando um filme sobre o Brasil. E outro periódico se perguntava se ele iria escrever sobre as plantações de café brasileiras. A viagem ao interior do Brasil que mudaria a pintura de Tarsila era a mesma que, na França, servia para ironizar Cendrars. Em 5 de fevereiro, de terno, gravata e chapéu na mão esquerda, ele ganhou foto na capa de A Noite. Uma longa e elogiosa nota contava que tinha sido recebido no Rio por Graça Aranha, um dos organizadores da Semana de 22, junto com um grupo de jovens literatos, e que, depois de um passeio turístico, fora levado a comer peixada regada a pinga no restaurante Rio Minho. A Academia Brasileira de Letras e o Ministério das Relações Exteriores ignoraram a chegada do famoso e simpático poeta. “Dupla ignorância”, acusavam os jornais. A Gazeta comemorava a passagem do jornalista da revista L’Illustration que iria escrever sobre o Carnaval, aproveitar o sol e estudar o estado de nossa arte. Para O Jornal, ele confessou querer fretar um navio e trazer turistas franceses para conhecer a festa, além de elogiar as “mulatas”, os negros e a “graça voluptuosa das danças”. Enfim, Cendrars foi notícia em toda parte, até no distante Maranhão. A data não podia ser melhor para apresentá-lo ao Carnaval. Ele viu desfilar o rancho carnavalesco Ameno Resedá, com seu enredo “Salomão e a Rainha de Sabá”. E sentiu a batucada dos tambores da Apoteose ao Sol, prêmio de melhor harmonia. Entre coretos esplêndidos, oferecidos pelos negociantes locais e alinhados na rua Carolina Machado, Tarsila se impressionou com uma alegoria de doze metros, criada como decoração de Carnaval no bairro de Madureira: uma imensa torre Eiffel, munida de uma engenhoca que fazia girar um dirigível em homenagem a Santos Dumont. Mais tarde, faria um quadro sobre essa cena inesquecível, que, em 1926, seria exposto em Paris: entre figuras geométricas e bandeirinhas, figuravam crianças, mulheres negras com chapéus chamativos ou colares e a imensa torre de ferro em meio à favela. A festa faria Oswald registrar: “O Carnaval é o acontecimento religioso da raça.” No dia 31 de março de 1924, morreu Nilo Peçanha, o primeiro presidente negro do Brasil. Não se sabe se o assunto chamou atenção dos modernistas, tão empenhados em estudar a cultura afro-mestiça e seus protagonistas. Quarenta dias depois do Carnaval, o grande grupo que acompanhava Cendrars tomou o trem para Minas Gerais. Ninguém sabia nada. O único que conhecia as cidades coloniais mineiras do ciclo do ouro era Mário. Junto com ele, além de Cendrars, seguiram Tarsila, Oswald, Nonê, dona Olívia, seu genro, Gofredo da Silva Teles, e René Thiollier, que tinha alugado com o dinheiro do próprio bolso o Theatro Municipal para a realização da Semana. Durante quinze dias, descobriram, encantados, a beleza singela das cidades mineiras. Dona Olívia puxava a fila, pois, mecenas generosa, estava acostumada a convidar amigos para viagens extravagantes. Cendrars a apelidaria carinhosamente de “Nossa Senhora do Brasil”. Aliás, ela foi dos poucos “aristôs do dinheiro” – como os chamava Mário – a dar apoio aos modernistas. “Nenhum ricaço, nenhum milionário estrangeiro nos acolheu (...), eram mais guardadores do bom senso nacional que Prados e Penteados”, acusava. As esculturas do Aleijadinho e o barroco impressionaram o grupo. Tarsila fez saborosos desenhos em traços rápidos, retratando casarios e paisagens. Banhou sua imaginação no encanto do abandono da velha Minas Gerais. Descobriu as cores fortes: azuis, verdes, amarelos – ela as chamaria “cores de baú”. Descobriu as igrejinhas, festas religiosas e casinhas de taipa. Nos rostos, o Brasil era uma mistura. Sobre os desenhos e a pintura de Tarsila de então, Mário avaliava: “Tarsila conseguiu aquela realização plástica tão intimamente nacional que pra gente da estranja dá sabor de exotismo.” E Tarsila, enlevada, declarava: “Senti, recém-chegada da Europa, um deslumbramento diante das decorações populares das casas de moradias de São João del-Rei, Tiradentes, Mariana, Congonhas do Campo, Sabará, Ouro Preto e outras pequenas cidades de Minas, cheias de poesia popular.” A Dulce escreveu: “Fiquei encantada com o passeio a Minas. Lá estive quinze dias e deixei, por falta de tempo, de ver muita coisa.” Mário incentivava “a brasilidade” em Tarsila, que pintou, à época, Morro da Favela e A Cuca. Cendrars também incentivou-a a observar a cultura popular. A palavra “folclore” entrou nas conversas. Enquanto isso, Mário alimentava a concorrência com Anita: Tarsila “fez agora um São Paulo adorável e está fazendo um Morro da Favela que, creio, vai ficar estupendo”. E, “tu e ela são a esperança da pintura brasileira. Tu no teu expressionismo, ela no seu cubismo”. “São temperamentos diversíssimos”, ponderava ele. Em Belo Horizonte, Tarsila encantou os mineiros. Carlos Drummond de Andrade, então estudante de odontologia e farmácia, dedicou-lhe um poema, que dizia em alguns dos versos: Tarsila relâmpago de beleza no Grande Hotel de Belo [Horizonte em 24 acabando com o mandamento das [pintoras feias Quero ser em arte a caipirinha de São Bernardo Seu amigo Pedro Nava, estudante de medicina e também interessado no “modernismo”, cantou: “A coisa mais linda, senhores! Que estava lá: Tarsilalá do Amaralalá.” E Mário fazendo coro: “És deusa, tenho certeza disso: pelo teu porte, pela tua inteligência, pela tua beleza.” O encontro ficou registrado por Drummond: “Uma tarde, em 1924, tivemos notícia de que no Grande Hotel se hospedava uma caravana modernista de São Paulo. Lá estavam Mário e Oswald de Andrade, este com seu filho Nonê, garoto de 10 anos, mais tarde pintor; Tarsila do Amaral; dona Olívia Guedes Penteado, que mantinha o salão modernista de São Paulo; o dr. Gofredo Teles; e o poeta francês Blaise Cendrars. Assistimos ao final do jantar (mineiros e precavidos, já tínhamos jantado). Depois, saímos todos, rua da Bahia abaixo, em direção à avenida Afonso Pena. Conversa generalizada e alegre, com Oswald em sua natural desenvoltura, Cendrars expandindo sua curiosidade de francês interessado em tudo, principalmente em captar a cor local da vida mineira. No desenvolver desse multidiálogosem rumo, foi-se logo revelando, para mim e meus companheiros, a personalidade de Mário. Mesmo brincando, ele inspirava uma confiança intelectual que Oswald, muito mais brilhante e imprevisto, seria incapaz de despertar.” De volta a São Paulo, nasceu o movimento Pau-Brasil, inspirado em textos de Oswald e na pintura de Tarsila. Mais tarde, em entrevista à revista carioca Crítica, ela diria: “Se alguma coisa eu tenho de bom na minha arte, é a sua brasilidade espontânea de 1924 para cá, isto é, da fase que eu chamo Pau-Brasil e, ultimamente, da fase Antropofágica.” Na casa dela, à alameda Barão de Piracicaba, o casal recebia os amigos. Mário apelidou-os de “Tarsiwald”. Ela também foi aplaudir Cendrars nas conferências que fez sobre arte negra, na Villa Kyrial, chácara com sete mil metros quadrados, localizada na rua Domingos de Morais número 10, um reduto cultural, inspirado na moda dos “salões europeus”, pertencente ao mecenas José Freitas Valle. E depois, quando falou sobre arte no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde Mário era professor de história da música e estética musical. Uma exposição de modernos da escola de Paris pertencentes às coleções de dona Olívia e Paulo Prado foram exibidos, além da tela Estrada de Ferro Central do Brasil, da lavra da própria Tarsila. Seguiram-se jantares literários e chás na residência de dona Olívia, e a pintora escreveu à filha, que estava em Londres: “Tenho feito um sucesso colossal por aqui. Há dois dias Cendrars fez uma conferência e expôs três telas minhas no meio de outros grandes artistas modernos.” Ela voltou para a França em novembro. A anulação do casamento finalmente saiu. De Paris, escreveu aos pais. Em sua nova vida, os sobrinhos de quem cuidava, filhos de seu irmão Oswaldo, não cabiam mais: “Querido papai. Não se admire se dentro de pouco tempo eu aparecer aí com as crianças. Estou cansada de me dedicar a eles e de viver dias e dias sem ter um minuto para pensar na arte. Além do meu sacrifício, pagam-me com ingratidão. Maria às vezes é muito boazinha e outras é tão rebelde que me deixa desanimada, desobedecendo-me com teimosia. Estou contrariadíssima. Se mamãe não vier em março, em abril levarei todos para aí. Peço as bençãos de meus pais adorados.” Não se sabe que espaço haveria para Dulce, entre o absorvente Oswald e a pintura. Aliás, ela também escreveu à mãe mencionando a passagem de Oswald por Paris, quando o escritor cobriu a Dulce e a ela de amabilidades. A responsabilidade de cuidar de crianças, papel exemplar que exerceu sem queixas até pouco tempo antes, agora a transtornava. Tarsila se tornou a mulher plena, apaixonada. Não mais a santa: “Até agora estou aqui como mãe de família.” Bastava! E as economias também sofriam por conta das despesas com os pequenos. Por exemplo, sobre os feriados de novembro, Todos os Santos e Armistício, escreveu: “Talvez nesses dez ou doze dias saiamos de Paris. Minhas finanças não aturariam um mês de hotel com a criançada.” Enquanto isso, trocava cartas e bilhetes de amor com Oswald onde se assinava com pseudônimos: Albertina ou Porquéria. Ele se assinava Onofre ou Juzero. Tentavam encobrir de todas as formas seu romance. Ser pintora modernista já era transgressivo. Ser malfalada, um castigo. Oswald respondia em linguagem acaipirada: “VORTE! VORTE, minha mulher!” E ela: “Horrível Paris sem ti.” E ele: “Mundo horrível sem ti.” Depois de oficializado o noivado, como por encanto, o tom amoroso desapareceu por parte dele. Passou a assinar-se O e dava-lhe tratamento cerimonioso e cordial. Em dezembro, Oswald partiu para Paris, seguido de Cendrars, que levou consigo as imagens da Revolução de 1924, em São Paulo, contra o presidente Artur Bernardes: trincheiras na avenida Paulista, bombas e som de metralha. Enquanto nos salões se conversava sobre a broca que atacava os cafezais, nas casernas matavam-se oficiais e a tropa saía atirando pela cidade. Nada disso mudou a opinião do poeta. Em entrevista a Sérgio Buarque de Holanda para O Jornal, Cendrars vaticinaria que “o futuro do homem branco estava na América do Sul e em especial no Brasil”. À Gazeta de Notícias disse que “O Brasil é um país espantoso, é a terra das possibilidades”. Todos pareciam maravilhados em ter descoberto o país que desconheciam. Cendrars retribuiu as gentilezas recebidas no Brasil com a moeda de troca: convidou Tarsila para ilustrar seus dois livros (Feuilles de route e Le formose), que traziam poemas sobre a viagem. Na dedicatória que lhe fez, chama-a de “o pássaro azul cor do Brasil”. A crítica francesa viu nas ilustrações de Tarsila uma visão cheia de ingenuidade e frescor das terras exóticas. Houve uma época de correspondência intensa entre os amantes até Oswald se decidir ir a Paris. Ao chegar, no final de 1925, foi até a casa de campo de Cendrars, onde estavam convidados para passar o Natal, e de lá enviou uma carta-telegrama a Tarsila: “Dezembro, 14. Aos seus argumentos d’outro dia, oponho a minha vontade de terminar com este estado de coisas. Quero casar-me com você. Será toda a minha felicidade e a sua. Autoriza- me você a agir nesse sentido? Pensei bem antes de lhe escrever esta carta. Posso considerar-me seu noivo com a necessária reserva? Irei buscar a resposta amanhã. Seu, inteiramente, Oswald. Pode fazer o uso que quiser desta carta.” Enfim, noivos. No início de janeiro de 1926, partiram num cruzeiro pelo Mediterrâneo. Tarsila levou Dulce. Queria compensá-la por tantas férias passadas nas mãos das freiras do Sion. Oswald escreveu aos futuros sogros explicando o passeio com a filha de Tarsila: “Como recompensa a Dulce que foi muito boazinha no colégio e que me esperou com tanta paciência.” Ele levaria Nonê, também. Viajaram pelo Oriente Médio, acompanhados por dois casais de amigos. Mário, irônico, lhes escreveu perguntando “se os orientes são mesmo perfumados”. E queixava-se de que Oswald continuava o “enquizilando”, ou seja, aborrecendo-o com seu péssimo hábito de fazer piadas de mau gosto com Mário. Foi o momento de unir a nova família. Todos em Paris. Dulce escrevia à avó: “Em vez da calma que esperávamos ter, tem sido um alvoroço que não acaba. Mamãe começou pelos vestidos de Poiret, já escolheu toilettes magníficas que a deixam linda como a senhora. Eu, por ter sido boazinha, arranjei dois presentes extraordinários (...), dois vestidos lindíssimos de Poiret pois tenho direito de seguir a pose de mamãe.” Gastavam. Compravam e gastavam. Oswald adquiriu a mobília da casa. Seguiram-se louças, cristais, serviços de chá e garrafas de vinho para a adega da fazenda. Era uma “jogada alta” explicada à família com desculpas de que a vida artística e uma nova posição social assim o exigiam. Mário estava certo: ambos se deslumbraram agora na companhia de dona Olívia e Paulo Prado, ícones da elegância paulistana. Megalômano, Oswald sonhava até com uma viagem a Roma e uma benção papal sobre os noivos: “Um casamento completo!” A pintora Angelina Agostini, que outrora dividira um ateliê com Tarsila, também achou a movimentação estranha: “Quando vi Tarsila e Oswald mexendo em coisas, tomando providências, festas e casamento, pensei: não vai dar certo. Se estava tudo bem, por que precisava mudar?” Sobre a exposição, Cendrars também temia pelos excessos do evento. Ela não podia ser uma “manifestação sul- americana”; ou seja, uma coisa estridente, cafona. Sim, pois logo Tarsila faria uma exposição na Galerie Percier, na rue de la Boétie. Numa foto, ela aparece junto à tela Morro da Favela: cabelo gomalinado e preso em coque, lábios vermelhos, brincos compridos e roupa xadrez. O catálogo teve apresentação de Cendrars, e os quadros, molduras caríssimas em pele de cobra, espelhos e couro. Segundo Tarsila, seriam “quadros-objeto”. Anita foi ver. Embora admirasse Tarsila e Oswald, não apreciou a exposição. Escreveu a Mário, que lhe respondeu: “Não pense que não gostei da opinião de você sobre Tarsila. Está visto que não tenho a mesma opinião, porém isso não impede que ache a de você perfeitamente plausível e