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1ª edição
Rio de Janeiro, 2022
22-80106
Copyright © Mary Del Priore, 2022
Todos os esforços foram feitos para localizar os fotógrafos das imagens e os autores dos textos
reproduzidos neste livro. A editora compromete-se a dar os devidos créditos em uma próxima edição,
caso os autores as reconheçam e possam provar sua autoria. Nossa intenção é divulgar o material
iconográfico, de maneira a ilustrar as ideias aqui publicadas, sem qualquer intuito de violar direitos
de terceiros.
Capa e cadernos de imagens: Anderson Junqueira 
Imagem de capa: Tarsila do Amaral na fazenda Santo Antônio, de dona Olívia Guedes Penteado,
Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo 
Diagramação de miolo da versão impressa: Abreu’s System
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
D375t
Del Priore, Mary, 1952
Tarsila [recurso eletrônico]: uma vida doce-amarga / Mary Del Priori. – 1. ed. – Rio de
Janeiro: José Olympio, 2022.
recurso digital
Formato: epub
Requisitos do sistema: adobe digital editions
Modo de acesso: world wide web
ISBN 978-65-5847-115-8 (recurso eletrônico)
1. Amaral, Tarsila do, 1886-1973. 2. Pintoras - Biografia - Brasil. 3. Livros eletrônicos. I.
Título.
CDD: 709.2 
CDU: 929:7.036 
Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária – CRB-7/6439
Este livro foi revisado segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, o armazenamento ou a transmissão de partes
deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.
Reservam-se os direitos desta edição à 
EDITORA JOSÉ OLYMPIO LTDA. 
https://bnweb.snel.org.br/scripts/bnweb/bnmcip.exe/ficha?OTo8QW5q
Rua Argentina, 171 — 3º andar — São Cristóvão 
20921-380 — Rio de Janeiro, RJ 
Tel.: (21) 2585-2000.
Seja um leitor preferencial Record. 
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e receba informações sobre nossos lançamentos e nossas promoções.
Atendimento e venda direta ao leitor: 
sac@record.com.br
ISBN 978-65-5847-115-8
Produzido no Brasil 
2022
https://www.record.com.br/
mailto:sac@record.com.br
Sumário
Livro
Encarte de fotos
Agradecimentos
Referências bibliográficas
NO RETRATO, A VARANDA de São Bernardo. Dela se via o sol puxar o dia atrás
dos morros. Nela se ouvia o vento acariciar as janelas com um barulho de
seda. No ar, o silvo da locomotiva a caminho de Piracicaba. Seus vagões
carregados de açúcar, milho e café cortavam pastos e plantações coloridas.
A fazenda estava localizada em terras de São João de Capivari de Baixo,
uma cidadezinha tranquila cujo nome nasceu de um rio onde se banhavam
gordas capivaras. Na praça principal, erguia-se a igreja Matriz de São João
Batista. Na rua principal, a Tiradentes, sobressaía-se o casarão do barão de
Almeida Lima que hospedou d. Pedro II e a imperatriz d. Teresa Cristina,
seis anos antes de a menina nascer.
A menina? Ela era Tarsila. Pouco se conhece dos seus verdes anos.
Sabe-se que teve seis irmãos na fazenda. Não se sabe se brincou com filhos
de imigrantes italianos que chegavam ao noroeste de São Paulo ou com
filhos de ex-escravizados. A Lei Áurea foi assinada dois anos depois de
Tarsila nascer, a 1o de setembro de 1886. Nas imediações da cidade havia
mesmo um quilombo e reza a lenda que seu avô teria tido quatrocentos
escravos.
A fazenda era como tantas outras da região: um casarão caiado de
branco, situado em meio a terreiros com portas largas. O musgo cobria as
escadas que levavam à sacada. No interior, salas, quartos, despensa e
cozinha. Banheiros costumavam ficar de fora, com enormes tinas
alimentadas por um espesso cano de água. Os salões eram decorados com
sofás e cadeiras em palhinha. A sala de jantar exibia uma mesa comprida,
bancos e o indefectível armário de louças finas. Retratos de parentes
decoravam as paredes. Se havia um recém-falecido, a imagem ficava
envolta em gaze lilás. Na cozinha, além dos enormes fogões, era comum
haver um tabuleiro de torrar farinha. Mais afastados, o curral e o chiqueiro.
Atrás da casa, o galinheiro, a horta e, quando havia café, o terreiro para
lavagem e secagem dos grãos. Não era o caso de São Bernardo.
Campos cobertos de frutas silvestres se estendiam além das cercas.
Primaveras e alamandas se enroscavam nos troncos de caviúnas, jequitibás
e guarirobas. Plantações variadas misturavam-se às pastagens de capim-
gordura. Pelo jardim, bicas de água cantavam baixinho, alimentando
canteiros. À noite, a brincadeira era correr atrás dos vaga-lumes. Nos tetos,
as cambaxirras faziam ninhos. Em São Bernardo, um sino chamava os
trabalhadores para suas tarefas. E mademoiselle d’Egmont, moradora do
sítio vizinho, chamava as crianças para aulas de francês.
O pai de Tarsila era José Estanislau do Amaral Filho. Conhecido na
cidade como Doutor Juca, foi chefe político e, como juiz de Direito,
exerceu o cargo de presidente da Câmara Municipal de Capivari. Ele,
porém, não se envolveu nas tramas de politicalha eleitoral que grassava nos
lugarejos do interior e que acabavam em pancadaria, tiroteios e sequestro de
urnas. Sabe-se que, de forma diferente de outros fazendeiros, Doutor Juca
não foi figura proeminente local, estadual ou nacional. Era ensimesmado,
calado e nada tinha dos coronéis que davam as cartas no interior, como, por
exemplo, o conde do Pinhal, seu vizinho em Araraquara. O avô de Tarsila
enriquecera como fazendeiro, exportador e empresário, e chegou a ter 22
fazendas. As terras eram baratas e as casas senhoriais podiam ser simples
ranchos cobertos com telhas.
O filho, um gentil homem rural como tantos outros, numa cadeira de
balanço e em chinelos, gostava de se deleitar com poemas e romances
franceses. Amigo do pintor Almeida Júnior, vizinho em Piracicaba, Doutor
Juca admirava seus retratos de homens simples, imersos na paisagem
caipira. O pintor não tinha o traquejo de um homem da cidade e falava com
sotaque interiorano, além de se vestir com simplicidade e ter temperamento
retraído. Descoberto por d. Pedro II em sua viagem pelo interior da
província, ganhou uma dotação para ficar em Paris, onde estudou com
grandes nomes e ganhou prêmios. O convívio com o pintor pode ter
influenciado Doutor Juca a levar sua Tarsila, que desde pequena desenhava
bem, para estudar em São Paulo. Os primeiros quadros da menina
representavam também temas caipiras: uma cesta de flores e uma galinha
com pintinhos.
A mãe de Tarsila, Lydia Dias de Aguiar, era musicista autodidata. O
piano para ela era uma vocação frustrada e não um complemento do
bordado ou do pão de ló. Dedilhava um Stenway. Muitas destas caixas
sonoras chegavam ao interior com as cordas meio frouxas e precisavam ser
afinadas. De forma semelhante, o casamento entre Doutor Juca e Lydia
também precisou passar por uma afinação. Ele e ela não se conheciam ao se
casarem. A união resultou de uma negociação sobre terras que José
Estanislau foi fazer para o pai, quando viu a moça de longe. Ele gostou
dela. Ela não gostou dele, mas o dinheiro que ele tinha a convenceu. Os
casamentos eram assim. Conta-se que ela vivia no mundo da lua e se
refugiava na música. Suas composições eram açucaradas: “Devaneios”, “Os
passarinhos”, “Canção de amor”. Tiveram sete filhos: Oswaldo, Tarsila,
Cecília, Dulce, Luiz, Milton e José. Desses, sobrariam cinco, pois Dulce
partiu muito cedo e Cecília morreu de parto mais tarde.
Em memórias, Tarsila contaria que os sons do piano, os exercícios de
escala, a delícia das melodias desconexas a acompanharam por toda a vida.
Ela não se esqueceu dos dedos indecisos da mãe se preparando para atacar
uma valsa ou um tango. Quando o piano calava, é porque Lydia estava no
quarto fazendo crochê ou lendo. Eram tempos em que havia desprezo pela
vida rural. Senhoras ricas abominavam o campo. Como Tarsila mesma
contou: “E como era feio dizer: eu moro na fazenda.” É possível que o
desejo de Lydia de viver na cidade tenha encorajado a família a tomar
assento no trem em direção à capital.
Antes, passaram em outra fazenda, Monte Serrat. Não se viajava sem
enxoval, semsobretudo dada com muito ânimo e sinceridade. Você me pediu que
rasgasse a carta em que falava da exposição dela. Não rasguei e não rasgo.
É lógico que não vou contar a opinião de você pra ninguém, pois você não
quer.” E lamentava: “Lastimo profundamente que vocês não tenham
chegado a se compreender em amizade depois que divergiram de orientação
estética.”
E sempre no intuito de aproximar os amigos, pergunta em carta a
Tarsiwald: “Vocês já viram Anita? Que tal o quadro dela que esteve no
Salon? Olhem, não se esqueçam de arranjar as coisas para ficarem
camaradas outras vez, não gosto dessas briguinhas não. É tão sossegado a
gente andar todos allons enfants de la patrie de braços dados, se rindo uns
pros outros sem [ficar] arreganhando os dentes, com perdão da palavra.”
Enquanto Tarsila pintava, Oswald esbanjava e se dedicava aos negócios.
Entre 1924 e 1925, foi várias vezes à Europa, tentando concretizá-los.
Havia menos contato com a intelectualidade francesa e mais com as figuras
importantes que poderiam ajudá-lo: Paulo Prado e o “Doutor” Washington
Luís.
Oswald não hesitou em usar Tarsila para realizar suas ambições sociais.
Não só através de intelectuais e artistas franceses, mas também junto à
sociedade tradicional de São Paulo, onde muitos o evitavam, inclusive a
família dela. Nas cartas que lhe enviou, incentivava Tarsila a cultivar a
imagem de mulher fascinante e elegante, capaz de lhe abrir portas. Em 16
de outubro de 1924, por exemplo, dizia: “Vorte! Visite antes Poiret e Patou!
Traga deslumbramentos para o noivado oficial.” E com ar autoritário
ameaçava: “Sobretudo nada faças contra nossa felicidade. Nada, não quero
encontrar a menor gaffe, a menor!” Pedia-lhe gravatas e bengalas.
Anunciava estar com uma “silhueta de dezoito anos”. A tendência para
engordar já era visível.
Antes mesmo do casamento, Oswald demonstrava preocupação com
negócios. Procurou políticos para pedir ajuda enquanto recorria a missas e
promessas. Por que não imaginar que Tarsila seria o milagre esperado?
Pouco tempo depois, em foto tirada no convés do Marsília, Tarsila, com um
discreto sorriso, vestida com roupa de estampa geométrica e chapéu cloche
enterrado até os olhos, enlaça o braço de um Oswald com jeito de menino e
as mãos no bolso, sapato bicolor, sem sorriso. Ele, o conquistador, ela, a
conquistada.
Tarsila gostava da roupa feita por Poiret, cujas criações eram mais
adequadas ao seu estilo de vida e também ao seu físico largo. Ela o
considerava “genial”, “um artista, uma personalidade”, e gostava de
descrever o impacto que as roupas tinham sobre os pintores que
frequentava. Léger, por exemplo, teria adorado um modelo preto, com
bordado chinês e mangas brancas com rendinhas superpostas. No ateliê do
estilista, ela gastava com fartura e era cliente regular. Oswald consagrou seu
estilo numa poesia. Em versos, dizia: “Caipirinha vestida de Poiret/ a
preguiça paulista reside nos teus olhos.”
Tarsila e Oswald dedicaram cuidados e gastos ao casamento, que se
realizou em 30 de outubro de 1926, tendo Washington Luís, o presidente da
República eleito, e Júlio Prestes, governador do estado de São Paulo, entre
os padrinhos. Um tapa de luva na cara da elite conservadora. Desta vez, a
cerimônia civil foi realizada no oratório particular da alameda Barão de
Piracicaba, número 44. Para aquele que deveria ser o dia mais importante
da vida de uma mulher, ela usou o vestido feito por Poiret, com o tecido da
cauda do vestido de noiva da mãe de Oswald. Era em brocado e chamalote
cor de creme com capa forrada de veludo e gola alta no estilo medieval. Um
toucado cobria a cabeça. Foi a maneira de a sogra acolher sua nora perante
toda a sociedade que torcia o nariz para a união. Tarsila estava realizada. O
casamento era um sonho. Ela deixava longe os tempos em que, sozinha, era
obrigada a enfrentar maledicências por ser “uma separada”, “uma adúltera”.
Seus pais e irmãos respiraram aliviados.
A partir do casamento, revezaram-se entre a casa dos pais de Tarsila, na
alameda Barão de Piracicaba, e a fazenda de Santa Teresa do Alto, em
Itupeva, segundo alguns autores, trocada por terrenos que Oswald tinha no
bairro de Pinheiros. Nas proximidades, as magníficas fazendas Santo
Antônio, de dona Olívia, e a São Martinho, de Paulo Prado. A deles era
uma casa simples: tijolinhos aparentes e janelas com venezianas
tradicionais. Tarsila voltou a ouvir galos, galinhas e sabiás. Tornou a ser a
caipirinha que tanto anunciara. Lá recebiam os amigos. Tarsila pintava
quadros ingênuos como Manacá e Religião brasileira. A leveza dos temas
refletia seu estado de espírito.
Um almoço realizado em 12 de outubro de 1927, dia de Nossa Senhora
Aparecida, data comemorada pelos católicos Mário e Oswald, e o
aniversário de 34 anos de Mário de Andrade, nascido no dia 9 de outubro de
1893, deixou lembranças. Nas fotografias, todos parecem animados. Mário
é surpreendido ao piano, num momento de cantoria. Quando é ele o
fotógrafo, registra Tarsila, Dulce e Oswald na varanda de Santa Teresa do
Alto. Presente ainda está Abelardo Pinto, o palhaço Piolin, admirado por
alguns dos modernistas paulistas. Vestindo Poiret, um modelo intitulado
Lampion, Tarsila aparece mais gorda e tem mesmo o ar de um lampião. Os
babadinhos na saia e nas mangas de uma roupa toda plissada e um toucado
na cabeça mostram-na aos 41 anos, sem vaidades. Oswald também parece
barrigudo, uma papada enchendo o rosto.
Mário já tinha dado o troco de suas maledicências anunciando com
ironia: “A gordura é má condutora.” Ele definiria os dias na fazenda como
momentos de “conversa sem obrigação. Uma delícia de moleza fazendeira
em que de hora em hora se volta prá mesa e come”. Mário entendia a bem-
aventurança de se viver longe da correria da cidade. Como Tarsila, ele
apreciava a vida caipira: o ritmo das colheitas, a mesa farta e as festas
religiosas. Passava longas temporadas na chácara de seu tio, em Araraquara,
mergulhado em sua biblioteca de filologia, no perfume de murta, ouvindo
cigarras.
E por falar em flores, Dulce já era então uma linda moça: cabelos curtos
à la garçonne emolduravam um rosto delicado, de olhos grandes e boca de
coração. Com um temperamento sonhador, esquivava-se dos encontros
sociais promovidos pela mãe. Em 1927, ela partiu, sob cuidados de Mário e
sob os auspícios de dona Olívia, numa excursão à Amazônia. O grupo,
composto ainda por uma sobrinha de dona Olívia, a Mag, percorreu junto o
Nordeste, o Norte, chegando, através do “mundo das águas”, a Iquitos, no
Peru. Uma iniciativa do mecenas que adorava aventuras e exotismo, mas
que, nesse trajeto, alimentava o plano dos modernistas de conhecer melhor
o Brasil. Menos francesismos e mais nacionalismos era o mote. Mário
manteria uma ligação afetuosa muito grande com a filha de Tarsila, sobre
quem dizia: “No meu mundo ela faz parte do sol!” Dulce retribuía: suas
fotos a bordo, com grandes sorrisos, e suas brincadeiras confirmam que o
afeto era mútuo. Ela escrevia a Tarsila sobre o quanto se divertia com Mag:
“Fomos namoradíssimas pelos rapazes (...) éramos as mais chics, todos nos
olharam com admiração.”
Dia 11 de janeiro de 1928: aniversário de Oswald. A coluna “Sociaes”
de A Gazeta de São Paulo cumprimentou o escritor pela “grata efeméride”.
O Correio Paulistano endossou o coro das felicidades ao “brilhante
colaborador” e “nome representativo da nova mentalidade brasileira”. O
presente de Tarsila? Uma tela enorme retratando uma figura estranha, um
gigante, dono de cabecinha minúscula e pés e mãos enormes. Um cacto e
um sol que mais parece a metade de uma laranja compõem a cena. A figura
tomava quase toda a tela sentada sobre um montinho verde-bandeira. Seus
olhos, duas vírgulas entristecidas. A figura, de mão no queixo, pensa.
Tempos depois, Tarsila diria que havia materializado em tela as estórias de
fazer medo contadas pelas escravas da fazenda onde nasceu. Que nome dar
àquela tão estranha figura? Oswald pediu uma sugestão a Raul Bopp, poeta
e diplomata, um dos membros da Semana de 22, então hospedado com o
casal.Raul andara pela Amazônia, o que deve ter dado a Tarsila a ideia de
consultar um dicionário de termos tupis. Ela colecionava dicionários.
Nasceu assim o Aba (homem) poru (que come carne humana): o
antropófago. Estava fundado o movimento que receberia o nome de
Antropofagia.
Seguiu-se o “Manifesto antropófago” de Oswald e uma Revista de
Antropofagia, editada por Antônio de Alcântara Machado. “Só o selvagem
nos salvará”, cunhou Oswald em seu manifesto. Novidade? Não. Os
múltiplos contatos entre os modernistas e a avant-garde francesa já tinham
deixado Tarsila e Oswald a par de textos e pinturas sobre o “canibalismo”.
O ponto de partida desses artistas era o descontentamento com as estruturas
sociais, políticas e estéticas existentes e a destruição de tudo o que era
passado. Preferiam sublinhar o sonho, o nonsense, a velocidade e a técnica.
O primitivismo e as culturas ditas bárbaras seriam o contramodelo.
Nomes como os de Alfred Jarry, Apollinaire, o próprio Cendrars e
Marinetti eram os divulgadores da tendência. Um dos manifestos mais
importantes do dadaísmo chamava-se “Manifesto canibal”, e o canibal era o
símbolo da alteridade selvagem que os distanciava dos discursos existentes.
Oswald foi beber na fonte dessas influências, e não o fez pela primeira vez.
Várias vezes pronunciou frases de autores franceses como se fossem suas.
Marinette, mulher de Paulo Prado e dama muito culta, o pegou algumas
vezes nessas “coincidências”. E contou: Oswald, “como era seu hábito,
tomava dos outros como seu”. Quando corrigido, ficava “queimado”. Ela
diria mais tarde que ele sofria da necessidade infantil de se sentir o centro
de todas as atenções.
Nessa época, Cendrars já tinha enjoado dos brasileiros. Oswald
queixava-se de que o poeta já não precisava mais deles. Copiava André
Breton e o chamava de “o pirata do lago Léman” – Cendrars era suíço. Na
realidade, a política econômica do país, as recepções nos amplos salões e as
fazendas de café que visitou encheram os olhos do poeta. Sonhou em
enriquecer por aqui. Mas os tempos mudaram. Enquanto ele se afastava dos
brasileiros, Oswald mergulhava em sua própria crise. Nos últimos anos,
estivera envolvido em arriscados jogos financeiros. Falava sempre “em
venda de terrenos”. Em correspondência com Tarsila, mencionava sua
relação com “os maiores financistas que têm negócios com o Brasil”;
“Horizontes vastos, graças a Deus, me preocupam”; “Passo os dias
conversando business. Você fala inglês, não? Enfim, sou um puro homem
de negócios”. Nenhuma das manobras, porém, evitaria sua derrocada.
Os anos de 1928 e 1929 foram agitados. Tarsila seguia produzindo telas
sob o signo da Antropofagia. A Galeria Percier, em Paris, acolheu uma nova
exposição sua. Ela aproveitou para fazer compras na Maison Poiret:
penhoar, maiô, três bolsas, dois mantôs e algumas peças em liquidação,
como o chapéu rosa e cinza e o conjunto Mandoline. Foram as últimas
aquisições. Os tempos já estavam bicudos. Para piorar, Oswald começou a
distribuir farpas em sua Revista de Antropofagia. Falava mal de Mário,
Paulo Prado, Alcântara Machado e Ian de Almeida Prado.
Depois de idas e vindas, no mês de julho Tarsila realizou uma exposição
no Palace Hotel, à avenida Rio Branco, Rio de Janeiro. Já não era mais tão
pioneira e, na capital, artistas do porte de Di Cavalcanti, Segall ou Cícero
Dias tinham público e colecionadores. Intelectuais, entre os quais Jorge de
Lima, Manuel Bandeira e Ismael Nery, prestigiaram o evento, mas não
assinaram, nem deixaram palavras de incentivo no livro de convidados. O
ex-marido, André Teixeira, esteve presente e escrevinhou: “Se revivermos
lá para o ano 2000, acharemos isso de humorismo temporão. Entretanto,
parabéns, adorada Tarsila.” Sem ressentimentos. Não faltou quem fosse
agressivo: “Deixo a tua exposição com a impressão de que acabo de visitar
um manicômio.” O eterno amigo Mário louvou: “Tarsila representa todo o
vigor da arte moderna.” As telas suscitavam estranhamento e admiração ao
mesmo tempo.
Quanto à recepção na imprensa, o Correio Paulistano saudou: “Dona de
um temperamento original, com uma visão própria do mundo, rica de
sensibilidade, Tarsila soube compreender a nossa terra (...). Há nos seus
quadros uma invenção admirável e, sobretudo, uma inigualável força
plástica. Desse ponto de vista, ela é, fora de qualquer dúvida, o maior pintor
brasileiro. Não o maior pintor de vanguarda, note-se bem, mas o maior
pintor. A sua última fase – que ela chama de ‘pintura antropofágica’ –
impressiona exatamente pelo alto grau a que ela elevou essas suas
qualidades essenciais. O cor-de-rosa de Tarsila, o azul de Tarsila, disse
Álvaro Moreira, são dela, e de mais ninguém. Não tem iguais no mundo. E
assim é, com efeito.”
Já o Jornal do Commercio achou que era brincadeira: “De sorte que são
imagens brasileiras toda aquela coleção de figuras monstruosas, peças de
anatomia conservadas em álcool e retiradas de seus recipientes para as telas
da sra. Tarsila (...). Todo o colorido dos trabalhos é, mais ou menos,
compatível com as ideias e desenhos que a sra. Tarsila, num momento de
bom humor e desejosa de fazer rir a nossa cidade, apresenta, com
credenciais de coisa séria no grande salão do Hotel Palace.”
E uma jovem, Patrícia Galvão, a Pagu, amiga íntima do casal,
manifestou sua admiração: “Com ela eu fico romântica. Dou por ela a
última gota do meu sangue. Como artista eu admiro a superioridade dela.”
E alguém disse uma gracinha, a que Oswald revidou com um soco e, assim,
encheu as páginas das crônicas policiais. Tarsila sempre tentava desculpar
os impulsos agressivos e os malfeitos do marido.
Em entrevista à Revista Crítica, ela reafirmou o que prometia havia
tempos: “Se alguma coisa eu tenho de bom na minha arte é a sua
brasilidade espontânea de 1924 para cá; isto é, da fase Pau-Brasil e,
ultimamente, da fase Antropofagia.” Em setembro, ela expôs em São Paulo,
no Edifício Glória, à rua Barão de Itapetininga, sob a ameaça de alunos da
Escola de Belas Artes, que, indignados, queriam rasgar suas telas.
Em setembro de 1929, a Bolsa de Nova York quebrou. Os prejuízos no
sistema financeiro e a queda nas importações caíram como um raio sobre o
Brasil: 70% das exportações eram de café. Os Estados Unidos eram os
maiores compradores do produto. “Desabou um ciclone na atmosfera
econômica do mundo e o Brasil foi atingido de rijo” – resumiu o Diário da
Manhã. A Sociedade Paulista de Agricultura e o Instituto do Café se
reuniram para deliberar sobre superprodução e preços. Pilhas de grãos eram
incendiadas no porto de Santos e nas fazendas. Explodiam manchetes
repletas de suicídios! Na rua Piauí, em Higienópolis, um cafeicultor falido
tentou matar a mulher e o filho com uma navalha, suicidando-se a seguir.
Não foi o único. O rombo no orçamento do governo era enorme. Em meio à
tormenta, Washington Luís não tinha tempo para as queixas e os pedidos de
Oswald. Ele e Júlio Prestes desapareceriam do comando político com a
queda do Partido Republicano Paulista. Nas ruas, o povo amotinado gritava:
“Getúlio! Getúlio!” E Oswald era perseguido por credores. Ele chegou a
levar para casa o feiticeiro Antenor, em cuja magia para afastar os males
acreditava.
No salão que Tarsila promovia na rua Barão de Piracicaba, dançava-se
sobre um vulcão. Os negócios iam mal, e o casamento, também. Porém,
todos fingiam não ver tais perigos. Na casa do casal, com as portas abertas
aos amigos, ouviam-se recitais de piano e de poesia. A jovem Pagu, de
olhos verdes e cabelos castanhos, que, na exposição carioca, se
desmanchara em elogios a Tarsila, tinha um caso com Oswald. Angelina
Agostini foi das primeiras a observar: “Mas foi então que conheci Pagu (...),
percebi que a coisa não ia bem.” Raul Bopp deixou um retrato desse
momento: “Pagu, em plena adolescência, ainda sob a carinhosa tutela de
Tarsila, era presença por todos festejada.”
Tarsila lhe emprestava vestidos e ela ia com o casal para a fazenda. Era
quase uma filha da casa e, mais tarde, diria uma sobrinha de Tarsila:
“Oswaldo, sem-vergonhão que era,se apaixonou por ela. E deu o fora em
tia Tarsila.” Bonita, atrevida, desabusada, uma “moleca impossível”, como
ela mesma se definia, Pagu era também ingênua e queria mudar de vida.
Queria deixar seu passado operário no Brás. Ela engravidou. E sua vida
com Oswald, depois do casamento na igreja da Penha, foi uma sucessão de
horrores. No dia mesmo da cerimônia, ela o encontrou com uma mulher
num quarto. Oswald apresentou-a como “uma noiva moderna e liberal” e
convidou Pagu a se juntar a eles. Outra vez, anunciou-lhe um encontro com
uma moça e justificou: “É uma aventura que me interessa. Quero ver se a
garota é virgem. Apenas curiosidade sexual.” E ele ainda disputava com o
filho Nonê os favores de Maria, uma empregada.
Teria Tarsila passado por situações semelhantes? Por paixão ou
fraqueza, seria conivente no caso de Oswald e Pagu? A asquerosa cobra
urutu que sai do Ovo – tela de 1928 – seria Oswald? Novo divórcio, nova
vergonha para a família. Os irmãos lhe fecharam as portas: “Ela que
apareça aqui!”, ameaçavam. Arrasada, humilhada, Tarsila se exilou na
fazenda agora hipotecada ao Banco do Estado de São Paulo, grande credor
de empréstimos hipotecários e penhores agrícolas.
Foi um momento de outras perdas também. Na porta da casa da Barão
de Piracicaba uma placa: vende-se. Os amigos que os acompanhavam desde
Paris se evadiram. A razão? Oswald. A carta de 4 de julho de 1929, de
Mário a Tarsila, é esclarecedora. Ele confessa que, apesar da amizade, foi
“crudelissimamente ferido” por acusações, insultos, caçoadas. Não podia
mais ignorar. Ser chamado de “o Miss São Paulo” foi demais. Oswald
expunha o que Mário mais escondia. Terminava dizendo: “E paro, porque
afinal tudo isso é muito triste e pouco digno de seus olhos e coração que só
podem merecer felicidade.” Paulo Prado, por seu turno, que recebera
Oswald tantas vezes em sua casa, magoou-se com a crítica feroz que ele
destilou sobre seu livro O retrato do Brasil. Pior foi ter acusado sua mãe,
dona Veridiana Prado, de ser uma “gloriosa mulata”. Para Paulo, Oswald
não passou de um parasita. Cendrars os acompanhou na ruptura. E com
Carlos Drummond de Andrade, provocou “um ventarão”, levando-o a
romper definitivamente com o Movimento Antropofágico.
No quadro que se decompunha, havia a filha de Tarsila: quem foi Dulce,
a moça internada em diferentes colégios entre a Inglaterra e a Suíça até nas
férias? Seria frágil, melancólica, reprimida? Foi criada fora da realidade?
Cartas dela e Nonê pedindo dinheiro – “precisamos uma infinidade de
coisas”, “gasta-se um dinheirão”, “não se esqueçam que temos que
pagar...”, “esperamos com impaciência que o dinheiro chegue e bastante” –
revelam filhos que seguiam o exemplo dos pais. A informalidade era regra
na relação com Oswald e Tarsila, chamados nas cartas de “Bestões
queridos”.
Dulce, ou Dorlu, como era chamada, se casaria em 1930 com o belo e
louro Edgar Rombauer. Sobre ela, antes do casamento, temos uma descrição
feita por Raul Bopp: dona “de olhos sonhadores, recém-chegada da Suíça,
esquivava-se as mais das vezes de participar dessas reuniões”. Descendente
de tradicional família húngara, com negócios de importação e exportação,
Edgard era gerente da Columbia Pictures em São Paulo. Sua avó recebia d.
Pedro II em sua casa, em Petrópolis. Dulce foi acolhida numa família alegre
e culta, tudo de que ela precisava. Mas, durou pouco.
Tarsila tinha 43 anos, quando, por duas vezes separada e agora sem
dinheiro, teve que procurar emprego. “Trabalhar fora” era impensável para
mulheres de sua classe social. Para disfarçar a vergonha, recorreu ao
padrinho de casamento, Júlio Prestes, recém-indicado como candidato do
governo à sucessão presidencial. Por seu intermédio, foi admitida como
funcionária pública na Pinacoteca de São Paulo. Um cargo discreto, cuja
tarefa era elaborar o catálogo do acervo da Pinacoteca, constituído
majoritariamente por quadros acadêmicos. A Pinacoteca tinha acabado de
adquirir um trabalho do pintor Lasar Segall, bem como uma tela da própria
Tarsila: São Paulo. Nas aquisições recentes incluíam-se também uma
escultura de Brecheret e uma tela de Anita, que ajudaram a quebrar o perfil
conservador da coleção.
Não trabalhou muito, pois a revolução de 1930, que colocou Getúlio
Vargas no poder e anunciou a fraqueza das oligarquias paulistas, roubou-lhe
o salário e a estabilidade. Ela foi se juntar aos desocupados e setenta mil
desempregados que circulavam pelas ruas e praças da cidade. Faltava
dinheiro e era preciso sobreviver. Tarsila fez uma lista de quadros e objetos
para vender: Léger, De Chirico, Segall, Juan Gris, desenhos de Modigliani e
Cocteau e o famoso quadro de Delaunay que ornava sua sala na rua Barão
de Piracicaba, A torre Eiffel.
Nessa época, Tarsila reencontrou um jovem fascinante: Osório César.
Oito anos mais jovem do que ela, Osório já era um renomado psiquiatra e
intelectual. Em Paris, trabalhou ao lado de discípulos de Carl Jung e
mantinha correspondência constante com Sigmund Freud, que resenhou seu
livro A arte primitiva dos alienados. A obra, aliás, impressionou fortemente
a Mário. No hospital do Juqueri, Osório instaurou a prática da arte como
terapia e colecionava desenhos e pinturas de seus pacientes. Arte, loucura,
sexo, sonho e surrealismo dialogavam desde o manifesto de André Breton
que ela e ele conheciam. Osório escreveu um novo livro e convidou Tarsila
para visitar o Juqueri e ilustrar a obra. Misticismo e loucura teve imagens
extraídas da mitologia indígena e das religiões africanas feitas em bico de
pena por Tarsila.
Os dois já se conheciam havia tempos. Encontraram-se num sarau na
casa de Freitas Valle. Ele, ao violino. Ela lhe sorriu. E Osório contou: “Eu
era muito mocinho, chegara havia pouco de São Paulo, estremeci todo.
Tarsila era uma beleza, e não somente isso, tinha uma cultura humanística
como raras pessoas possuem e além do mais era suave e boa...” E Tarsila
registrou: “Achei-o inteligente e gostei da forma espontânea, bem própria
do nordestino, de dizer com franqueza seus pontos de vista.” Eles se
reencontrariam na exposição da rua Barão de Itapetininga.
Músico talentoso, Osório reunia os amigos num grupo de Cultura
Musical em que uns pintavam e outros tocavam. Osório era simpatizante do
comunismo e foi, com certeza, quem atraiu Tarsila para temáticas sociais. A
modernista que vestia Poiret e dava festas e jantares agora se debruçaria
sobre a miséria e a condição da vida operária. Os temas refletiam sua
própria condição: ontem rica, agora empobrecida. Em nome da justiça para
todos, mergulhou na correnteza que arrastou sua geração.
Teve início uma relação breve, porém intensa. Tarsila queria reaprender
a amar. Passou a lista de uns quadros entre amigos, e com a venda fechou as
malas. Ela abandonava a burguesia para dar a mão a Osório. O destino era a
União Soviética, depois da revolução bolchevique, então chamada de
“Cortina de Ferro”. Só comunistas e simpatizantes do regime podiam entrar
no país que se isolou do resto do mundo. “A lenda que paira sobre a terra
nevoenta de Lenine exerce sobre meu espírito de artista uma sedução
inexplicável”, explicou Tarsila. A justificativa para a viagem foram as
especializações médicas de Osório César. Na Rússia, ele observou
hospitais, escolas e centros de pesquisa conforme relatou no seu livro Onde
o proletariado dirige, publicado com os objetivos de conseguir dinheiro
para o Partido Comunista e de realizar propaganda do regime soviético no
Brasil.
Da Alemanha, onde assistiram a vários concertos, escreveram a Mário,
o amigo em comum. Lembravam-se dele a cada espetáculo. Depois,
enviaram-lhe mais um cartão-postal, quando voltaram da Rússia: “Da
Crimeia passamos para a República da Ucrânia e aqui estamos em Odessa
com um calor daqueles. Vamos a 3 de agosto, pelo mar Negro até Istambul.
Temos algumas músicas de folclore para você. Atravessamos a Rússia de
Norte a Sul. Tivemos bastante sucesso com minha exposição em Moscou. O
Museu de Artes Ocidentais adquiriu O pescador. Mário, escreva-nos para
Paris longamente.Abracíssimos, Tarsila.”
Tarsila expôs dezoito telas em Moscou. Entre elogios à cor e à alegria,
não faltou quem resumisse o espírito do tempo e do lugar: “Mas a senhora
deve saber o seguinte: a senhora veio ao país dos Soviets, que precisa de
uma arte que não seja tão arrevesada como aquela que a senhora trouxe, e
que impressiona desagradavelmente os proletários que olham para ela. Em
primeiro lugar, não se vê uma proposição proletária concreta. As cores
cruas e não elaboradas machucam desagradavelmente os olhos do visitante.
Tudo isso nos ensina como não se deve pintar, para não se iludir a si mesma
e aos demais (...). Quando é simples e compreensível, a arte é boa até para
um analfabeto, quando ela pode satisfazer a maioria dos proletários e não
apenas um grupinho de aristocratas. Eu lhe aconselho a deixar de lado a
paleta e os pincéis (...) para a luta derradeira e decisiva com a burguesia
internacional. Eis como deve ser a nossa e a vossa arte.”
Não admira que o quadro adquirido representasse um homem ao
trabalho. A arte construtivista de antes da Revolução fora banida e
substituída pelo realismo socialista, espécie de doutrinação artificial que
limitava a liberdade de criação do artista. E é dela que Tarsila falará em
conferência sobre a arte dos cartazes na Rússia, quando voltou ao Brasil.
Explicou assim, portanto: para fazer propaganda revolucionária entre um
povo analfabeto, usavam-se poucas palavras, cores básicas como vermelho,
preto e branco, elementos geométricos e linguagem simples. O casal não
deixou uma linha sobre a viagem que fez. Ao passar por Paris, depois de
dois meses e meio de viagem, se hospedaram num hotel modesto e Tarsila
colocou o apartamento da rue Berthier à venda. Venda de porteiras
fechadas, com tapetes, quadros e miudezas. A situação financeira era
mesmo aflitiva.
Sem dinheiro, Tarsila arranjou com os Delaunay – Robert, de quem
comprou grande tela, e Sonia, de quem adquiria vestidos – uma
oportunidade de trabalho. O casal de militantes comunistas apostava numa
arte social e, dentro desse projeto, construía, nos arredores de Paris, casas
para artistas. Ali, Tarsila trabalhou como pintora de paredes e portas. A
decoração do apartamento do dono da construtora – um mural com uma
baía da Guanabara – deu-lhe dinheiro suficiente para voltar ao Brasil e
“ficar um tempo folgada”, segundo uma amiga.
Escreveu várias vezes a Mário, pedindo “cobres” que ele guardava para
ela. Em uma última participação no Salon des Surindépendants, apresentou
uma tela em que tons escuros envolvem uma mulher de costas, solitária,
com longos cabelos ao vento e cujo corpo é uma gota de lágrima. É seu
autorretrato: Tarsila melancólica.
Viajaram pela Europa por um ano aproximadamente. No retorno, Tarsila
estava convencida de que a realidade não podia mais se traduzir em
paisagens bucólicas. Agora acreditava em um regime no qual as diferenças
sociais fossem abolidas e houvesse educação e saúde para todos. E para
refleti-lo era preciso uma nova arte. Nesses anos, ela pintou dois quadros:
Operários e Segunda classe, retratos da pobreza do Brasil. Era o fim da arte
burguesa, proclamava.
Apesar das boas intenções do casal, o “camarada” Osório César,
“representante do Brasil na Internacional de Moscou”, foi imediatamente
preso ao desembarcar no país. “Trinta e seis agitadores comunistas,
inclusive quatro mulheres”, tiveram suas fotografias reproduzidas na
primeira página de jornais. O rosto juvenil de Osório César estava lá. O de
Tarsila, não. Porém, dois meses depois de chegar a São Paulo, ela era
notícia. Ao lado de Osório e de Maria Lacerda de Moura, escritora e
feminista, figurava nas páginas do Correio de São Paulo: todos presentes na
reunião preparatória do “Comitê contra guerras Imperialistas”.
A ligação com o jovem médico e as ilustrações feitas por Tarsila para
seu livro Onde o proletariado dirige foram o estopim para que ela ficasse
presa, por dois meses, enquanto era investigada pela Delegacia de Ordem
Política e Social de São Paulo, o Deops. A queda do amigo Washington
Luís e a ascensão de Getúlio deram origem a modernos órgãos de repressão.
Anos mais tarde, Eneida de Moraes, escritora que preferia ser chamada
simplesmente de Eneida, contaria do desespero de Tarsila atrás das grades,
pedindo ao pai que falasse com fulano e sicrano para tirá-la de lá. E a
reposta do velho Seu Juca: “Minha filha, não se pede. Viva a dignidade da
prisão.” Eneida ficou no xadrez por quatro meses. Ao lado da escritora,
Tarsila conheceria o poder das investigações que tinham por objetivo vigiar
e reprimir os agentes que instigassem a violência entre as classes, induzindo
os operários às greves e conclamando a revolução social.
O relatório policial de 30 de julho de 1933 não deixava qualquer sombra
de dúvida: “Incontestavelmente, a sra. Tarsila do Amaral é a maior e mais
arrojada comunista dentre todas as comunistas nacionais. É a maior porque
impressiona e quase converte todos que a ouvem. É também a mais
arrojada, porquanto os seus parceiros procuram sempre arrabaldes e lugares
ocultos para pregarem o comunismo, ao tempo em que ela se serve de
salões nobres, onde, sem rodeios, ensina teórica e praticamente a doutrina
vermelha.”
Elas, contudo, não foram as únicas vítimas da perseguição política.
Pagu, que levou Oswald a aderir ao Partido Comunista dois anos antes,
enfrentou cinco anos de prisão, além de ter sido presa em pavilhão de
loucos e levado muita pancada. Assumiu radical e corajosamente a
militância, colocando em risco sua vida e a dos seus. E, sobre a conversão
de Tarsila, não tergiversou: “Não sei por que vicissitudes Tarsila não
continuou a ser a grande pintora que vinha sendo entre 1925 e 1930. Não
lhe adiantou nada à sensibilidade a sua viagem à Rússia. Aliás, o que podia
mesmo adiantar? Ela como artista colocara-se marginalmente à camada
social a que pertencia.”
De fato, Pagu, filha de operários, abraçou a causa sem meias
considerações. Porém, em relação a Tarsila, as perguntas não queriam calar:
tendo frequentado em seu passado a high society, faria parte do movimento
por romantismo? Por que tinha ficado pobre? Por que tinha se apaixonado
por Osório César? Quais ecos de sua formação em colégios católicos a
convidavam a lembrar dos bem-aventurados que tinham fome e seriam
saciados? Para Pagu, o social só interessaria a Tarsila de longe. Era pura
filantropia. Tarsila não conseguia descolar da pele seu passado burguês.
Aliás, o passado ficou para trás, pois fazia tempo que os salões de Paulo
Prado e dona Olívia tinham se fechado. A arte doravante se fazia através da
Spam – Sociedade Pró-Arte Moderna –, animada por pintores como Lasar
Segall, John Graz, a sempre ativa Anita Malfatti e o incansável Mário. Ou
com o grupo de imigrantes reunidos no edifício Santa Helena, na praça da
Sé, sob o nome de Família Artística, pintores da vida suburbana de São
Paulo. Depois que saiu da prisão, Tarsila foi ao Rio de Janeiro realizar no
Palace Hotel uma exposição retrospectiva de seu trabalho: arte pau-brasil,
seguida da produção antropofágica, e para fechar, a arte social.
No Rio, os salões continuavam abertos na Glória, em Santa Teresa e em
Botafogo. Lá também persistiam os móveis franceses e as recepções
enluvadas. No Centro, entre confeitarias e botecos, cruzava-se com Manuel
Bandeira, Heitor Villa-Lobos e Di Cavalcanti. Diferentemente do que houve
em São Paulo, que reagiu com uma revolução, Getúlio foi bem recebido no
Rio. Na rua, os homens amarravam um lenço vermelho ao pescoço, sinal de
adesão ao gaúcho.
O Palace Hotel, na esquina de Rio Branco com Almirante Barroso,
dispunha de todas as comodidades modernas revestidas do luxo e da
elegância característicos do dono: Octávio Guinle. O estilo renascentista da
fachada, o saguão que levava ao mezanino com grade de ferro trabalhada
em dourados e um elevador panorâmico de vidro que entusiasmara
Bandeira: uma “viagem vertiginosa”! A exposição de Tarsila foi num dos
salões. Outro, servia para concertos onde se apresentavam talentos
internacionais.Os do último andar serviam para conspirações políticas. No
saguão, escondia-se o bar mais disputado da cidade, que até as 18h contava
com a presença de senhoras da sociedade e, a partir daí, se abria para demi-
mondaines.
A musa da cidade se chamava Eugenia Álvaro Moreira, uma beldade
alta, de franja agressiva no corte à la garçonne, olhos pintados com kohl e
unhas pintadas de verde ou violeta. Como Tarsila, usava longos brincos.
Diferente de Tarsila, Eugenia era muito bem-casada e seu marido, Álvaro,
era um jornalista que comandava várias redações. A moça tinha oito filhos,
cujas roupas ela mesma costurava. Conheceu Tarsila na exposição que a
artista fez no Rio em 1929. Na foto, com a pintora e Pagu, sua beleza se
destaca. Filiados ao Partido Comunista, o casal foi perseguido por Vargas.
Na rua Xavier da Silveira, numa casa com jardim de rosas e pardais, o
casal Moreira recebia artistas, poetas, caricaturistas, teatrólogos e jornalistas
de todo o Brasil. O Rio possuía também dezenas de jornais, matutinos e
vespertinos. Não era preciso ser jornalista para colaborar com as matérias.
Quem escrevesse sobre poesia, teatro de revista, música ou artes era bem-
vindo. E Tarsila começou a escrever.
Pôs-se a colaborar com os Diários Associados de Assis Chateaubriand.
Ele pagava sessenta mil-réis por artigo. Os primeiros davam conta de sua
experiência em Paris: “Conheci De Chirico...”. “No atelier de Picasso...”.
“A recepção em Paris no apartamento de...”. Desfiava lembranças de
personagens, situações, ambientes e objetos. Falava de música, a paixão que
dividiu com Osório, mas, sobretudo e sempre, com Mário. Tudo era
matéria. A linguagem coloquial, as frases curtas, os “causos” ganhavam
leitores. Escrevia com regularidade e tinha um novo amor: o jornalista Luís
Martins. Quando foram apresentados, ele tinha 26 anos, ela, 47.
Encontraram-se na casa de Eugenia e Álvaro.
Em 1937, Luís estava bem de vida e, como contou, “tudo o que
ganhava, gastava”. Farras, noitadas, ceias, jantares, reuniões com amigos e
jogo. Jogo nos grandes cassinos das praias, o da Urca, o Atlântico e o
Copacabana, que resplandeciam todas as noites. Que fervilhavam de gente e
de agitação, com shows feéricos e pistas de dança animadíssimas. Roleta e
bacará eram no High Life, conhecido também por seus bailes de Carnaval.
Nessa época, veio ao Rio o jornalista francês Pierre Scize, que, como
Cendrars, participou da guerra de 1914 e perdeu um braço. Com a mulher –
“uma bonita francesinha ruiva, bem mais moça” –, quis conhecer a Lapa. A
pedido do escritor Henrique Pongetti, Luís os ciceroneou, e em suas
memórias anotou a presença da “pintora Tarsila do Amaral” no grupo. Já
estavam juntos. Ele se descrevia como “um enfant terrible”, meio anjo e
meio demônio. E foi a esse homem que Tarsila se amarrou.
No Rio, a sociedade tinha amolecido o rigor. Na elite, passou a se
aceitar, gradualmente, os casais de “formação irregular perante a Lei e a
Igreja”. Alterações nos hábitos e costumes incentivavam tolerância e até
certo relaxamento. O cafe society, moda americana, espraiou-se. Seus
templos eram as boates, substitutas dos cabarés onde famílias tradicionais
não entravam. O “você” entrou em uso corrente, abolindo diferenças de
idade e posição. Nas praias, deixou de circular a polícia que trazia régua no
bolso para medir os possíveis centímetros faltosos nos trajes dos rapazes.
Tudo contribuía para a fusão de classes sociais e idades. Velhos e moços
dividiam salões, livrarias, redações, teatros e confeitarias.
E a velha e o moço circulavam juntos. Ela ficava com ele na rua
Marquês de Abrantes, em Botafogo, ao lado, a Fundação Romão Duarte, de
cujo pátio ela ouvia a gritaria das crianças brincando. Era um conhecido
orfanato. Foi quando Tarsila pintou a tela Crianças, com os rostinhos
coloridos contra o hábito da irmã de caridade. No centro, um vira-lata. Na
janela, vasos de flores e uma certeza: a infância podia ser feliz. A
maturidade também. Ela lhe fez um lindo retrato.
Quem era a mulher que encantou o rapaz? Tarsila inspirava a “adoração
carinhosa”, segundo o amigo Mário. Tinha um “sorriso bom e acolhedor”,
segundo Pagu. Era descrita como alguém doce e serena. Uma mulher
madura que inspirava cordialidade, uma artista conhecida e respeitada por
sua obra. Era extremamente modesta, o que acentuava sua feminilidade.
“Mesmo balzaquiana, era uma mulher deslumbrante. Além de impressionar
pela beleza – exótica, exuberante –, impressionava pela inteligência,
cultura, vivacidade (...). Era chique sem ser esnobe; era aristocrática e, ao
mesmo tempo, simplicíssima. A todos encantava, e os homens caíam a seus
pés”, disse dela, anos mais tarde, Ana Luísa Martins. Tarsila sabia, porém,
que ninguém podia ter duas juventudes, pois não há duas primaveras ao
ano. Para ela, Luís era o amor de outono. Ela não tinha vergonha e assumiu
a ligação. Fazia idas e vindas entre São Paulo e Rio. Uma Tarsila fogosa,
famosa e maternal que via nos homens mais jovens o sonho do amor
recíproco e do desejo absoluto.
Luís tinha então escrito um livro considerado pornográfico, Lapa, sobre
a prostituição no bairro. Em 1938, um ano depois da instauração do Estado
Novo, a obra foi apreendida pela polícia, que apertava a cultura com um
torniquete. A censura e a ofensiva contra manifestações artísticas eram
carregadas do mais profundo obscurantismo e ele acabou demitido do
emprego por pressão da Comissão de Repressão ao Comunismo. Pelos
colegas do partido, Luís foi acusado de ser um desertor frente ao perigo,
pois fugiu e se refugiou na fazenda Santa Teresa do Alto, recém-recuperada
por Tarsila. Apesar de seu esforço em se esconder, foi encontrado. Às cinco
horas da manhã, chegaram à fazenda quatro policiais. Tarsila mandou servir
cafezinho e levou-os para comer jabuticabas no pomar. E, como o próprio
Luís contou, ele depois foi escoltado e levado como “grande criminoso até
o gabinete de Investigações (...). Por causa de um livro sobre a Lapa!...”
Enquanto isso, a família de Tarsila recebia mal a nova união que nunca
teve papel passado. Chamavam Luís de “o homem que vive com Tarsila”.
Os irmãos se dividiam: um dizia que a receberia com chicotadas e o outro
lhe dava as costas na rua. Do Colégio Piracicabano onde estava internado,
escreveu-lhe o sobrinho Estanislau, perguntando: “Tia, por que a senhora
não vai passear lá em casa? Eu garanto que o tio José não lhe faria nada,
pois o papai está disposto a impedi-lo e eu o ajudaria no que pudesse.” O
irmão mais velho de Tarsila, Oswaldo, pai do menino Estanislau, era mais
tolerante do que o restante da família: “Como vai você com sua vidinha na
roça? Confio que muito bem, pois aí há grandes e lucrativas distrações
como: granja de galinhas, colheita do algodão, milho e feijão etc. Parece
que estou vendo você muito alegre, bonita, moça, levando finalmente uma
vida feliz como você merece.” Mas Oswaldo morreu cedo.
Tarsila seguia escrevendo artigos inspirados e traduzidos de verbetes de
enciclopédias francesas. Um desfile de grandes homens e mulheres
exemplares: madame de Staël, Marie Laurencin, Margarida da Silva e
Horta, Pasteur, Degas e Cézanne. A frequência em eventos artísticos
convidava a falar de pintura. Portinari, considerado por muitos um
oportunista a serviço da ditadura, não mereceu suas críticas. Ela fugia das
querelas. Preferia pacificar. Sobretudo porque Portinari não foi o único a se
beneficiar dos contatos nos ministérios da ditadura. Luís, graças à amizade
com Carlos Drummond de Andrade, que trabalhava no gabinete de Gustavo
Capanema, ministro da Educação do governo Vargas, ganhou o cargo de
inspetor federal de ensino secundário do estado de São Paulo. Pouco depois,
ele passou a escrever como crítico de arte para o Diário de São Paulo, que
também apoiava Vargas.
Tais conexões levaram Tarsila a ser acusada pelo jornal A Manhã de ser
uma espiã do regime. A nota soava cruel: “O capitão Miranda Corrêa
resolveu modernizar os seus métodos de provocação política. Ao invés de
tiras carrancudos para ‘acampanar’, mobilizaramdamas elegantes, chics,
bem-vestidas, em suma, ‘provocadoras’.” As damas, no caso, seriam a
escritora carioca Sylvia Moncorvo e Tarsila, que “faria parte do Serviço
Secreto do General Góis Monteiro” como sua “informante”. E seguia a
nota: “Não podemos deixar de constatar que o aproveitamento racional de
senhoras tão distintas – cujas energias físicas e morais estavam sendo
desperdiçadas em travessuras e folias impróprias de sua idade e condição,
serão assim inteligentemente postas a serviço da coisa pública – representa
um grande avanço nos métodos policiais em vigor entre nós.” O articulista
concluía lembrando que os visados por tal vigilância iriam recorrer a Filinto
Müller, chefe da polícia do Distrito Federal, queixando-se: “O capitão não
poderia arranjar umas caras melhores?”
Dois dias depois, em 24 de julho de 1935, o mesmo jornal publicava o
indignado desmentido sob a pequena manchete: “D. Tarsila declara que não
é policial.” No texto, ela explicava: “Não me presto por temperamento a
nenhuma sorte de espionagem mesmo pela causa mais justa (...) desafio a
quem quer que seja a apresentar uma prova ou mesmo o mais ligeiro indício
de veracidade dos atos que me atribuem.”
Os dois últimos anos da década foram obscurecidos pela chegada da
Segunda Guerra. Em setembro de 1939, as tropas alemãs invadiram a
Polônia. Ouvia-se em toda parte o protesto inevitável: “Duas guerras numa
geração!” Não se sabe como, mas na paz da fazenda chegaram as notícias.
Luís estava muito apaixonado e abandonou a vida trepidante do Rio. A
boemia que ele conheceu na Lapa tinha migrado para as imediações da
Associação Brasileira de Imprensa, na rua Araújo Porto Alegre. Gente de
jornais, rádios, revistas e música se reunia no Vermelhinho, no Grande
Ponto – à rua Pedro Lessa – ou no Juca’s Bar, único com jeito de boate no
térreo do Hotel Ambassador, na Cinelândia. Todos anônimos e dispostos a
trabalhar por qualquer coisa que rendesse uma refeição a cada dois dias.
Luís trocou as conversas infindáveis sobre o destino dos Aliados ou da
ditadura de Vargas levadas diante de rodelas de chope pelo cacarejar das
galinhas.
A mudança lhe trouxe inspiração. Escreveu outro romance: A fazenda.
Em entrevista à coluna “Eles fora das Letras” da revista Vamos Ler, se
deixou fotografar de culote e botas, montado num cavalo meio-sangue,
sentado na cadeira de balanço, pitando seu cachimbo. Um belo homem, sem
dúvida. Da varanda de “sua” dita fazenda, afirmava que a vida no campo
era melhor. Ao fundo, os acordes de “Meu romance”, de Orlando Silva, a
música mais tocada no rádio à época. E Luís, por seu talento, teve que
provar que não era um gigolô imoral por viver com uma mulher que tinha
idade para ser sua mãe.
Embora tivesse conseguido recuperar Santa Teresa do Alto, as
preocupações financeiras de Tarsila aumentavam e a produção artística
decaía. Suas telas coloridas eram devoradas pelas telas monumentais e
populistas de Portinari. Ninguém mais queria cor. As pessoas queriam a
ação do trabalhador brasileiro, tão valorizada por Getúlio. Uma homenagem
da Revista Acadêmica, do Rio, um número especial de textos críticos sobre
sua obra, fez o eterno Mário correr em seu socorro. Num artigo intitulado
“Decorativismo”, defendia a pintura de Tarsila com um argumento que não
podia ser mais fraterno: “É decorativo porque a felicidade é mesmo
decorativa neste mundo...” Ela respondeu: “Não sei como agradecer (...) aí
vai meu coração para você.” Luís a consolava: Portinari e Di só vendiam
porque tinham contatos no meio mundano. Ele também sofria de ver as
telas amontoadas, sem compradores, pois “ninguém dava um centavo por
elas”. E também sofria por ver Tarsila pintando retratos, cópias de
fotografias, para ganhar a vida.
Em maio de 1940, os nazistas ocuparam Paris. Os artistas brasileiros
que ali se encontravam – Di Cavalcanti, entre outros – voltaram para casa.
Via-se Hitler senhor do mundo. A notícia do governo fantoche de Vichy foi
sentida como um desastre nacional. A nação que acolheu Tarsila e tantos
brasileiros ricos punha-se de joelhos aos pés dos nazistas. Na sociedade
carioca e na paulista evitavam-se os franceses, doravante considerados
pestiferados por terem cedido aos alemães. Em 1943, Paulo Prado faleceu
no Rio de Janeiro, sem ver o final da guerra.
Em 1945, sofrendo duplamente da falta de recursos e de sucesso, Tarsila
recebeu um golpe terrível. A sua linda neta, Dora Beatriz, afogou-se aos dez
anos. Um horror! A menina era um sorriso, uma alegria, além de campeã de
natação. As férias eram passadas em Petrópolis, na casa da matriarca
Rombauer. Parte da farra, além dos passeios a cavalo, era tomar banho no
rio Piabanha. A família, grande e barulhenta, ia junto. Beatriz levara uma
amiguinha. Era verão. Tinha chovido na cabeceira. Estavam todos
brincando quando a cabeça de água chegou. Beatriz viu sua amiga ser
levada por galhos e lama e foi atrás para resgatá-la. Não voltou. Os
anúncios fúnebres foram publicados no Diário da Noite. O que se seguiu foi
um tristíssimo velório, a cerimônia, o enterro, os rostos banhados de
lágrimas, os abraços, os pêsames balbuciados, a dor de todos era infinita. E
a dor une ou separa definitivamente. Edgard nunca quis ver fotos da filha
ou falar dela. Ele se casaria novamente, bem mais tarde. Beatriz, como
Dulce, era filha única. Como aliviar a dor da filha e a sua? Tarsila esculpiu
um anjo para o túmulo daquela menina angelical.
Nos últimos anos da década de 1940, quando perguntada, Tarsila
respondia estar fazendo “pesquisas pictóricas”. Não vendia e se eclipsava.
Em 1948, foi criado o Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, instalado
provisoriamente nos salões do Banco Boavista. Antes da transferência para
o Ministério da Educação e Cultura, a instituição abrigou uma retrospectiva
das obras de Tarsila. O crítico de arte Geraldo Ferraz, então casado com
Pagu, em artigo publicado no Jornal de Notícias de São Paulo, convidava o
leitor a retroagir até 1920 para entender a importância da pintura de Tarsila.
Mas ele não se esqueceu de apontar que a origem de Tarsila foi o que
permitiu à artista se transformar numa locomotiva da cultura. O crítico,
então, soprou e mordeu: “O azul de Tarsila é o azul da casa do caipira do
interior, da cidade pequenina até hoje: o rosa também, o verde e os terras. A
fixação de uma etnia inicial como documento através da arte está ali, nos
olhos rasgados, negros enormes e ingênuos mulatos. A negra, a terra, a
caipirinha, o cacto, o tipo de bicho doméstico, o boi, a ponte, o rio no fundo
da casa, nosso céu azul, tudo é Brasil respirando, numa época de prosperity
embora prosperity esteja na classe cafeeira, no limiar do industrialismo
paulistano da classe da casta da dona Tarsila do Amaral.”
A exposição foi bem visitada. Mas não sustentou o nome da pintora. No
ano de 1950, ela voltou a produzir obras como Fazenda, que dão início à
fase neopau-brasil, e com isso ganhou nova exposição, desta vez na rua
Sete de Abril, em São Paulo. Ela reviu amigos pintores e jornalistas, que a
trataram com carinho e a fizeram confessar que estaria “perdendo o
complexo de inferioridade que durou dez anos”. Os dez anos em que viveu
no esquecimento da cena artística.
Pintava em tons pastel, então, paisagens, flores, casamentos e
procissões, temas típicos da cultura popular. Temas familiares que aqueciam
seu coração. Um coração que sangrava outra vez. Terá sentido a separação
de Luís, antes de ela de fato chegar? Ele não a procurava mais. Ausentava-
se. Tinha um caso com uma prima de segundo grau de Tarsila, Anna Maria,
que era viúva e trinta e cinco anos mais jovem do que a pintora. Seu marido
se suicidara aos dezenove anos. Não tiveram filhos. Repetia-se o filme que
Tarsila já vira com Oswald.
Depois de quase duas décadas de vida comum, as cartas trocadas entre
Tarsila e Luís revelam uma alma consumida. No caso, a alma era a dela,
pois ele fugiu para Paris. Deu no jornal: “O jovem escritor patrício
singrando os mares a bordo do Alcântara em busca de contato íntimo com
os centros culturaiseuropeus.” Luís estava entre dois fogos: sentia-se
responsável por uma envelhecida Tarsila e experimentava a paixão
fulminante por Anna Maria.
Em carta, Tarsila dizia: “Meu Luís querido, as saudades continuam.
Tenho pedido insistentemente a Deus que o inspire para que haja uma
solução, como V. diz, ‘justa e humana’.” O que a pintora sugeria: voltar aos
primeiros tempos da relação? Ou buscava aceitar a ruptura? “Nesse tempo,
o Cândido fez-me ver, como amigo, que eu estava errada, dizendo: O Luís
Martins é muito moço para você. Agora as coisas vão bem, mas o tempo é
inexorável. Um dia você se arrependerá. O tempo demonstrou que o
Cândido tinha razão.” Assinava-se Truly, ou seja, verdadeiramente. Um
advérbio de modo e intensidade. Ele devolvia, dizendo que ao aceitar seu
amor ela o havia transformado no mais infeliz dos homens. A paixão
alimentou o casal por um bom tempo, mas a vida real lhes deu uma boa
dose do amargo bom senso.
Anna Maria também registrou a vivência: “Que toda essa angústia, essa
situação falsa termine, que eu consiga fazer com que você esqueça tudo
isto, para que possamos enfim ser felizes.” E a jovem deu mais uma volta
no parafuso, aparentando despedida: “Seja feliz, se você ainda o puder; é o
que lhe desejo de todo o coração e em nome de tudo que você foi para mim
até há alguns momentos. Eu te adoro, meu bem.” Luís sabia que não seria
feliz sem ela. Separou-se de Tarsila.
Em 1952, afundada em dívidas, a fazenda Santa Teresa do Alto foi
vendida. Não se sabe se foi comprada por um primo ou vendida por outro.
O fato é que Tarsila fechou uma casa cheia de recordações. Ela já tivera a
experiência com a venda do apartamento em Paris. Deixava-se tudo de bom
para trás. Ela encaixotou objetos e livros, vendeu móveis, enterrou
lembranças. O pior era abandonar a paisagem querida, os morros cobertos
de plantações, a música dos pássaros e criações, a pequena Itupeva onde era
conhecida de todos. Numa foto da época, Tarsila, com seu meio-sorriso,
mais parecia uma senhorinha: a cintura mais grossa, a gravatinha branca no
pescoço, que exibia uma discreta papada, traços envelhecidos e os olhos
pousados no fotógrafo que compôs a cena com um vaso de flores e uma
cesta de frutas. Uma natureza-morta. Apesar do regime rigoroso que fazia, a
saúde já não ia bem.
Tarsila mudou-se para a capital pela última vez. Vivia num apartamento
modesto, à rua Albuquerque Lins, com Dulce, sua companhia inseparável
após a morte de Beatriz. Acompanhavam-se mutuamente. Nas paredes,
gravuras de quadros que um dia ela pintou. As janelas se abriam para outras
janelas. Havia ali um ar de pobreza digna. As duas passavam as tardes
conversando, recitando poesia e estudando grego antigo, o que Tarsila
também adorava fazer com o irmão Milton.
Dois anos depois do golpe que instaurou a ditadura militar, Dulce
partiu. Foi levada pela diabetes. Ela se queixava do tratamento com insulina
que a maltratava. À época, a insulina era de baixíssima qualidade, feita à
base de suínos ou bovinos. A doença lhe impunha outros sofrimentos
físicos. As atrozes dores de estômago faziam-na dizer: “Não aguento mais.
Tenho vontade de parar com tudo.” Sem contar que em Higienópolis, onde
moravam, Dulce era alvo de comentários maldosos: “Sua mãe é uma
louca”, “Aquela pintora louca”. Dulce ainda voltou à Inglaterra uma última
vez, depois de empenhar joias e seguir num navio, no qual trabalhou a
bordo. Depois de sua morte, Helena, a sobrinha de Tarsila e filha de Milton,
passou a cuidar da pintora e a acompanhou até os últimos dias de vida.
Não bastassem as perdas, a Tarsila que era uma mulher ativa, que
gostava de escalar árvores de frutas e que aparece em fotografias pulando e
brincando com os amigos, se viu reduzida à imobilidade. Uma operação
malfeita de coluna confinou-a a uma cadeira de rodas. Não se sabe se os
médicos seccionaram nervos motores ou lesaram um vaso sanguíneo capaz
de alimentá-los. No entanto, as consequências foram bem conhecidas: um
cárcere. Daquele momento em diante, ela passou a depender da boa vontade
de terceiros. Não saía mais de casa. O bairro, feito de subidas e descidas,
não era convidativo para passeios. E, naquela época, uma cadeira de rodas
inspirava constrangimentos.
Por que Deus lhe impunha tantos sofrimentos? Por que lhe roubou os
entes mais queridos? Tarsila se voltou para Ele e encontrou alento no
espiritismo. A fé era a única arma contra o impulso de desistir. Os textos de
Kardec e a correspondência com o mais conhecido médium do Brasil,
Chico Xavier, a consolavam. Para escapar às trevas, era preciso sofrer:
“Assim na terra como no céu.” Ela lhe oferecia pinturas – um São Francisco
Xavier! Ele beijava-lhe as mãos com reverência, pedindo a Deus que a
engrandecesse e abençoasse cada vez mais. E ela precisava de fé. A fé com
a qual conviveu na infância e na mocidade dos colégios católicos. As
missas, as imagens mergulhadas em incenso, as freiras que se prostravam
na frente do altar e beijavam o chão, o silêncio. Fé para não se queixar. Para
enfrentar a dor. Depois havia a esperança de encontrar todos os entes
queridos no Nosso Lar, na Jerusalém celeste que, segundo Chico, se
localizava acima do Rio de Janeiro.
Depois, havia a mineiridade de Chico, que lembrava a Tarsila o quanto
Minas inspirou seu trabalho. Chico era filho de uma família pobre, saído de
uma das casinhas coloridas que ela pintou. Tinha a alma sincera e leal que
ela via nos personagens de seus quadros, teve aulas de catecismo como
Tarsila e foi coroinha de missa como seu amigo Mário. Participou das
procissões que Tarsila representou, teve problemas financeiros e de saúde
como os que a pintora enfrentava e, sobretudo, tinha um passado religioso
como o dela.
Seu modelo de virtuosidade percebe-se nas entrevistas que Tarsila deu
entre 1971 e 1972. Sempre atenciosa com os jornalistas, não proferia
nenhuma maledicência, só se lembrava das coisas boas, e, sobre suas
agruras, respondia vencê-las por ser “muito religiosa, devota do Menino
Jesus de Praga”. Ela rezava diariamente até em latim. Desejava a todos,
inclusive a Luís, que a traiu, “que as bençãos do céu se derramem sobre
você”. Coube a dom Benedito Ulhoa Vieira visitá-la, estando ela já
acamada, e celebrar uma missa sobre o piano da sala. Foi quando ganhou
um Sagrado Coração de Jesus pintado por Tarsila: “Que lindo!”, dissera ele.
“É seu”, ofertou ela. Sacrifício, sofrimento e renúncia: o modelo de conduta
católica que Chico inspirava cabia como uma luva na trajetória doce-
amarga de Tarsila.
No fim da vida, Tarsila obteve reconhecimento no cenário da arte
brasileira. Recebeu homenagens e suas obras foram expostas em museus e
galerias graças ao admirável e corajoso empenho de Aracy Amaral, sua
biógrafa. Em 1963, ganhou uma sala especial na VII Bienal de São Paulo.
Em 1971, amigos organizaram na Mansão França, casa de festas em
Higienópolis, uma homenagem. O público aplaudiu de pé quando ela
passou ao som da música de um cravo. Foi instalada numa mesa enfeitada
com cactos, sua planta preferida. Os amigos Menotti e Di foram abraçá-la.
E ela dava graças por viver: “Adoro a vida, sou fã dela, vou com ela até os
cem!” Não chegou lá, contudo.
No dia 17 de janeiro de 1973, aos 83 anos, morreu vítima das
complicações de uma operação de vesícula. Foi manchete nos principais
jornais do país. Até então, ela se divertia vendo televisão e comendo
bacalhau ao leite de coco preparado em casa. Foi enterrada de vestido
branco, como era seu desejo. Sabia que, “desencarnada”, entraria em paz no
Nosso Lar, onde a aguardavam espíritos médicos para curá-la de todas as
dores. Coberta de rosas vermelhas, descansou no túmulo 46 da quadra 36
do cemitério da Consolação. Autoridades e alguns pintores do grupo Santa
Helena estiveram presentes.
Luís a homenageou: “São Paulo e o Brasil reconheceram-lhe o valor
muito tarde. Durante anos, Tarsila viveu quase esquecida e ignorada. A
importância de sua obra era negada ou diminuída. Tarsila passou dias
difíceis. Mas sempre contente consigo mesma e com a humanidade. Agora,que está morta, é que podemos avaliar a sua grandeza.” Sim, depois de
morta passou a ser ousada, corajosa, moderna, bela, musa, feminina,
elegante, imaginativa, criativa, ingênua, curiosa, brasileira e cosmopolita.
Em seu sepultamento o poeta Paulo Bonfim disse sobre a artista: “Tarsila
não parte. Chega com o futuro.”
O futuro chegou em 2022, centenário da Semana de 1922. Não cabe ao
historiador julgar a obra pictórica de Tarsila. Há outros especialistas para
fazê-lo. Mas é ao historiador que cabe interpretar os longos anos em que ela
ficou esquecida e ignorada. Por que isso se deu?
Porque Tarsila foi vítima de profunda intolerância. Apesar das grandes
mudanças entre os anos 1920 e 1960, a sociedade mantinha-se
extremamente conservadora. Cobrira-se do verniz da modernidade, que não
passava de ilusão. Tarsila se moveu entre quatro círculos: o dos muito ricos,
o dos artistas, o dos empregados e operários e o do distante povo. Este
visto, no mais das vezes, pela janela do trem.
Recebida na alta sociedade por pertencer a família conhecida, foi graças
à sua educação, não à suposta riqueza do pai, que os salões de dona Olívia e
Paulo Prado lhe abriram as portas. Sua vida amorosa, ainda que rica de
emoções, afastou-a de parte da família e de seu grupo social de origem. Não
se admitia que uma mulher de boa família se conduzisse em público de
forma tão provocante. Nos salões por onde passava, Tarsila deixava um
rastro de intrigas, maledicências, indiscrições. Aos olhos de muitos, suas
viagens e sua vida artística faziam dela uma “desfrutável”.
Uma feminista antes de seu tempo? Não. Uma vítima de seu tempo. Um
tempo em que as artistas só podiam ser escultoras, mas escultoras das
futuras gerações. Portanto, eram mães e educadoras. Seus divórcios foram
malvistos e considerados um escândalo até 1977, quando, depois de muita
discussão, uma lei foi promulgada. No entanto, a lei veio tarde demais para
lhe trazer qualquer benefício.
Ela não reagia. Dona de uma educação dada às moças de elite à época,
baseada na meiguice e na sensatez, Tarsila preferia aparar arestas e engolir
sapos a enfrentar brigas. Ela as contornava com elegância. Abafou as
baixarias de Oswald e, sobre elas, amenizava: “Mas ele era engraçado.”
Com Anita, manteve boas relações. Não há registro do ressentimento de ex-
companheiros ou de suas amantes. Tratou-os com condescendência, a ponto
de dar conselhos à rival Anna Maria, dizendo que ela não sacrificasse a
própria felicidade apenas para obedecer aos pais, e de interceder junto à
família, atestando o bom caráter e honestidade do ex-marido Luís.
Por amizade, que é uma forma de amor, Luís esteve ao seu lado até o
final da vida. Tal como ela lhe pediu, ele iria “amparar sua solidão”. Com a
anuência da mulher, visitava Tarsila a cada quinze dias e não poucas vezes a
socorreu, apesar de seus magros recursos. Ele a considerava um ser humano
excepcional, raro e superior. E não esquecia a bela história que tinham
vivido ou, como dizia Tarsila revirando velhas fotografias, “as passagens da
vida que se foi”.
A gentileza e a “extraordinária simplicidade” de Tarsila, comentada por
todos que a conheceram, desarmavam. Mas não evitavam críticas ao seu
trabalho. Quantos insultos não leu nos livros de assinaturas de seus
vernissages. Ou quantas críticas azedas não recebeu sobre sua pintura: “Um
seio de mulher que parece uma perna de porco assada e uma cabecinha de
alho espetado no corpo de um bacalhau.” Críticas que também foram
alimentadas pela inveja da vida que Tarsila levou em Paris, repleta de
dinheiro e nomes famosos. Não faltou preconceito de artistas homens contra
artistas mulheres. Era o ar que se respirava, então.
Tarsila também sofreu a intolerância dos que nunca compreenderam sua
tentativa de rompimento com a vida burguesa. Seu desejo sincero de se
engajar à esquerda levou-a aos braços de Osório César. Nessa escolha,
Tarsila acenava com bandeira branca para quem a acusava de só viver no
high life e pedia permissão para pensar a desclassificação social que ela
começava a conhecer. Embora não “tivesse nascido para revolucionária”,
nem por isso se desinteressava dos problemas sociais. Porém, com limites:
“A revolução para ela, a social, era um entusiasmo e muita influência
minha... ela não podia senti-la. Em 1933, fomos juntos a um congresso em
Montevideo, onde constatei que ela não se integrava ao meio proletário,
parecia além de suas possibilidades”, contou Osório César. A despeito da
viagem à Rússia e da prisão, poucos acreditaram em qualquer mudança.
Razão para etiquetá-la. Ela foi pega num movimento em pinça: criticada
pela intelectualidade, era também fustigada pela burguesia que nela via uma
traidora de suas origens.
Tarsila sofreu a intolerância de uma sociedade que vivia de aparências.
Hipócrita. De homens e mulheres machistas. Gente que só reconheceu seu
talento e suas qualidades depois que ela sorveu os frutos mais amargos da
vida. A lição que Tarsila parece deixar é a de que o sofrimento não abate.
Como ela mesma escreveu, era uma mulher que “cultivava a serenidade que
é a grande vencedora nas piores circunstâncias”. Numa das últimas fotos,
sentada numa cadeira de rodas, a franja escapando do lenço à cabeça, seu
amplo sorriso parece dizer: virem-se para o sol e as sombras ficarão para
trás.
Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo
Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo
Boiada, 1948 © Tarsila do Amaral/Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de
São Paulo (Reprodução de Romulo Fialdini)
Tarsila do Amaral sempre se orgulhou de sua origem caipira e da vida no campo, temas presentes
em sua arte. Nestas fotos, vemos casarios da fazenda Santa Teresa do Alto, de Tarsila e Oswald de
Andrade. Itupeva/SP, c. 1920.
Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo
Paisagem rural, 1924 © Tarsila do Amaral/Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade
de São Paulo (Reprodução de Romulo Fialdini)
Oswald e Tarsila descansam na rede, na varanda da fazenda Santa Teresa do Alto. A propriedade
abrigou muitos encontros entre familiares e amigos, além de celebrações, como a do 34º aniversário
de Mário de Andrade. Itupeva/SP, 1927.
Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo
Tarsila (roupas claras, ao centro) foi fotografada ao lado das pessoas mais próximas de seu círculo
íntimo: Pagu (Patrícia Galvão), Anita Malfatti, Benjamin Péret, Oswald de Andrade, Elsie Houston,
Álvaro Moreira, Eugênia Álvaro Moreira e Maximilien Gauthier. Nessa época, a pintora imergiu em
uma vida social agitada, marcada por conversas intermináveis em bares e restaurantes do Centro. São
Paulo/SP, c. 1920.
Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo
Congonhas, 1924 © Tarsila do Amaral/Coleção Museu de Arte Contemporânea da Universidade de
São Paulo (Reprodução de Romulo Fialdini)
Neste registro da viagem às cidades históricas de Minas Gerais, Tarsila é fotografada junto de
Gofredo da Silva Teles, Blaise Cendrars, Mário de Andrade, d. Olívia Penteado, Oswald de Andrade
e seu filho, Nonê ( José Oswald Antônio de Andrade). [s.l.], 1924.
Gabriel Bonduki/Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo
Gabriel Bonduki/Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo
Gabriel Bonduki/Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo
Idealizada por Pietro Maria Bardi, a exposição A Semana de 22: antecedentes e consequências,
sediada no Masp, oportunizou o encontro de Tarsila do Amaral e Menotti Del Picchia, amigos de
longa data. Nas fotos, percebem-se o carinho e a admiração que Menotti guardava pela pintora. São
Paulo/SP, 1972.
Gabriel Bonduki/Acervo do Museu da Imagem e do Som de São Paulo
A exposição A Semana de 22, além de proporcionar maior visibilidade aos modernistas pioneiros,
marcou um dos últimos momentos de contato de Tarsila do Amaral com o público que a admirava e
que passava, então, a reconhecer a grandeza de suas obras. Masp, São Paulo/SP, 1972.
O Paiz, 19/ 7/1929. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil
A exposição de Tarsilado Amaral no Palace Hotel, no Rio de Janeiro, foi destaque na imprensa.
“Tarsila do Amaral, a grande pintora modernista de S. Paulo, escolheu o
Rio de Janeiro para realizar a sua primeira exposição no Brasil. Essa
exposição deverá ser inaugurada amanhã, sábado, no Palace Hotel, e de
certo atrairá a atenção do nosso meio artístico.”
“Manuel Bandeira: ‘Nunca vi boniteza tão brasileira como a da pessoa e
dos quadros de Tarsila.’”
Correio Paulistano, 1º/12/1955. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil
A crítica de Leila Marise destacou as fases estéticas de Tarsila no suplemento “Pensamento e
Arte” do Correio Paulistano.
Correio da Manhã, 10/4/1969. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil/Instituto Moreira
Salles – Acervo Jayme Maurício
O jornalista Jayme Maurício trouxe, em sua crítica, depoimento de Tarsila sobre a criação de
Abaporu.
“A 12 de janeiro de 1928, para o aniversário do Oswald de Andrade,
terminei um quadro para presenteá-lo. Pintei até altas horas. Quando
acordei, eu mesma fiquei um pouco assustada. E o Oswald também se
impressionou. Mas que coisa estranhíssima – dizia –, como é que você teve
a ideia de fazer isso?”
À esquerda: Diário de Notícias, 30/7/1933. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil. 
À direita: Correio Paulistano, 1º/8/1939. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil
Algumas exposições recebiam falas públicas de Tarsila do Amaral. Em dois registros dos anos 1930,
abordou as diferenças entre arte burguesa e arte proletária e tratou de crítica e arte moderna.
“Ora, dessa sociedade nova surgirá uma expressão correspondente de arte
nova. A análise marxista demonstra que a arte é uma superestrutura,
produzida pelas relações sociais – fato econômico – de produção e
influenciada pelas diversas formas de trabalho de uma determinada época.”
Folha de S.Paulo, 18/1/1973. Folhapress
O obituário escrito pelo crítico José Geraldo Nogueira Moutinho foi publicado com destaque na
“Folha Ilustrada”, da Folha de S.Paulo.
“Com Tarsila do Amaral efetivamente desaparece toda uma época
cultural de São Paulo.”
Agradecimentos
José Antônio Monteiro Ameijeiras, pelo auxílio com a pesquisa digital
Adriana Riquet Sabino
José Mário Pereira
Lizir Arcanjo
Nicolas Theodoridis
Irma Rombauer
Patrícia Rombauer
Philippe Lisbona
Sávio Santos Silva
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_____. Memórias de um escritor. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970.
STEIN, Gertrude. A autobiografia de Alice B.Toklas. Porto Alegre: L&PM, 2019.
TAVARES, Alessandra. “O Carnaval de Madureira”. Ignorância Times, nov. 2020. Disponível em
. Acesso em 11 mai.
2021.
TOLEDO, Edilene. “Um ano extraordinário: greves, revoltas e circulação de ideias no Brasil em
1917”. Estudos Históricos Rio de Janeiro, v. 30, n. 61, Rio de Janeiro, mai.-aug. 2017.
THEODORIDIS, Nicolas. Summa Theológica Espírita: Filosofia do Espiritismo. Curitiba: Brazil
Publishing, 2020.
THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
TRAGANTE, Cinthia Aparecida. Desvairamento na São Paulo moderna: representação e
imaginário urbano em periódicos técnicos e literários (1910-1930). Tese de doutorado,
Universidade de São Paulo, 2019.
Periódicos
A Manhã, 19 jul. 1935.
A Manhã, 24 jul. 1935.
A Noite, 5 fev. 1924.
A Tribuna, 18 jan. 1973.
Correio da Manhã, “O estado actual das artes na Europa”, 25 dez. 1923.
Correio da Manhã, 26 jul. 1933.
Correio da Manhã, 13 set. 1935.
Correio da Manhã, 2 abr. 1968.
Correio da Manhã, 3 abr. 1968.
Correio da Manhã, 10 jan. 1973.
Correio de São Paulo, 9 dez.1935.
Correio Paulistano, 7 jul. 1927.
Correio Paulistano, 11 jan. 1928.
Correio Paulistano, 14 jul. 1937.
Diário da Manhã, 16 mar. 1932.
https://ignoranciatimes.com.br/alessandra-tavares-carnaval-de-madureira
Diário de Notícias, 2 ago. 1935.
Diário Nacional, 14 set. 1932.
Diário Nacional, 23 dez. 1924 – Coluna Taxi, Mário de Andrade.
Folha de S.Paulo, 18 jan. 1973.
Gazeta de Notícias, 6 fev. 1924.
Gazeta de Notícias, 11 jan. 1928.
Gazeta de Notícias, 21 jul. 192
Jornal Pequeno, 17 nov. 1950.
Le Peuple, Organe quotidien du Syndicalisme, 26 dez. 1925.
O Estado de S. Paulo, 18 jan. 1973.
O Jornal, 21 fev. 1926.
Pacotilha, 8 set. 1927.
Revista de Antropofagia, 14 abr. 1929.
Terra Roxa, 3 fev. 1926.
Vamos Ler, 8 jun. 1939.
Vamos Ler, 10 abr. 1941.
Veja, entrevista Tarsila do Amaral, concedida a Leo Gilson Ribeiro, 22 fev. 1972.
90º aniversário desta Casa de livros, fundada em 29.11.1931
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O morro dos ventos uivantes
Brontë, Emily
9786558471110
252 páginas
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O morro dos ventos uivantes, um dos maiores clássicos ocidentais,
precursos do romance gótico, traduzido e recontando pela grande escritora
brasileira Rachel de Queiroz.
"Emily Brontë foi uma mulher independente, incapaz de ser "domesticada"
— traços perceptíveis em O morro dos ventos uivantes, esta obra-prima do
gênero gótico, publicada inicialmente sob o pseudônimo masculino Ellis
Bell. A escritora morreu em 1848, doze meses após a publicação deste seu
único romance, sem desconfiar de que entraria para o seleto grupo de
grandes nomes da literatura mundial.
Em uma época regida pelo puritanismo, O morro dos ventos uivantes foi
recebido com duras críticas. O choque foi ainda maior quando, em 1850,
sua verdadeira autoria foi revelada a uma sociedade habituada a julgar
mulheres que, como Emily, fugiam de um ideal feminino fantasioso. A
narrativa do amor corrosivo de Heathcliff e Catherine Earnshaw, no entanto,
é tão hipnotizante que prende leitoras e leitores no emaranhado de
complexas camadas da mente humana. E também na trama de uma paixão
violenta, obscura, capaz de sobreviver até mesmo à morte.
Não havia nenhum personagem como Heathcliff na literatura. Considerado
um herói byroniano ou o arquétipo do anti-herói atormentado, ele é guiado
pela fúria, pelo ciúme e pela vingança. Destrói tudo o que encontra pelo
caminho, inclusive — e sobretudo — a si próprio. Catherine Earnshaw, por
sua vez, não está longe disso. Dividida entre o amor e a ambição, é o avesso
do modelo romântico perfeito. Cathy é um espírito livre, uma jovem
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mimada e arrogante, que tortura e leva à agonia todos que se atrevem a
amá-la.
O morro dos ventos uivantes, traduzido e recontado nesta edição pela
grande escritora brasileira Rachel de Queiroz, é, sem dúvida, uma obra--
prima intensa. E, mais que apenas uma trágica história de perdição, é uma
análise meticulosa e assustadora da crueldade do amor, da perversidade
humana e dos traumas — esses que volta e meia retornam a bater e chamar
à janela, mesmo que a deixemos muito bem trancada."
- Carina Rissi
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Mansfield Park
Austen, Jane
9786558470847
518 páginas
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Uma das obras mais aclamadas de Jane Austen com tradução de Rachel de
Queiroz.
Mansfield Park é o terceiro romance publicado de Jane Austen, e essa
edição conta com a tradução de Rachel de Queiroz. Este romance marca a
maturidade da autora, que adota um tom mais contido do que em outras
obras, como Razão e sensibilidade e Orgulho e preconceito.
Fanny Price, achapéus, sem muitas malas, sem farnel de virado e frango
para comer ao longo do caminho. Pela janela do trem viram passar pastos
pintalgados de bois, casinhas de colonos, torres de pequenas igrejas, o
relevo acidentado de Jundiaí, matas e plantações com seus variados tons de
verde. Na foto dessa época, os três irmãos, Tarsila, Oswaldo e Cecília: ele,
de marinheiro e gola de renda, fixa o fotógrafo. Elas, em vestidos de rendas
brancas, botinhas até os joelhos e cabelos presos. Para compor a imagem,
Cecília tem nas mãos um arco. Tarsila, sentada sobre a quina de uma mesa,
parece desconfortável. Ninguém sorri. As fotografias eram um momento de
concentração até o flash espocar. As relações entre pais e filhos eram
austeras. Respeito e afeição eram selados antes de dormir com um beijo de
rotina.
São Paulo: no chamado “Centro Velho”, à rua Conselheiro Nébias, a
casa do avô. Casarões se enfileiravam como se estivessem de prontidão. Em
todos, a mesma grande janela emoldurada por colunas neoclássicas se
abrindo para a rua, uma entrada lateral e a profusão dos ornamentos em
estuque. Tróleis e carroças saltitavam sobre o paralelepípedo. Italianos que
tinham enriquecido, como Dino Bueno, ali também plantavam seus
palacetes. Mais tarde, belas residências ao estilo art nouveau, como a de
José de Sousa Queirós, fariam do bairro de Campos Elíseos, próximo à
estação de trem que levava a Jundiaí, um endereço elegante. Elegante,
porém, comprometido com as mudanças urbanas da capital.
Ao lado, no vizinho bairro de Santa Cecília, multiplicavam-se olarias,
oficinas e pequenas manufaturas tocadas por pretos e imigrantes vênetos
que também tinham ali suas moradias individuais ou coletivas. À beira do
Tietê, fumegavam as chaminés das grandes fábricas que também lançavam
dejetos no rio. O viaduto do Chá, inaugurado em 1892, levava ao “Centro
Novo”, doravante, umbigo da cidade. De casa, ouvia-se o sino da igreja do
Sagrado Coração de Jesus chamando para missas.
Ao chegar, Tarsila foi matriculada no Colégio Sagrado Coração de
Maria, dirigido pelas Irmãs de São José de Chambéry, pertinho, na avenida
Angélica. Lá fez a primeira comunhão. Em 1901, foi transferida para o
Notre Dame de Sion, recém-instalado num antigo sanatório em
Higienópolis, primeiro bairro da capital a priorizar o saneamento básico e a
luz elétrica. Perto do colégio, grandes casarões repousavam numa paisagem
elevada e silenciosa. A beleza dos jardins impressionava. O bonde 25 rangia
nas ruas onde se erguiam os palacetes da nata de São Paulo: os Sousa
Queirós, os Alves Lima, os Silva Teles, os Toledo Piza, os Pacheco e Silva,
os Paes de Barros, os Barros Brotero, os Amaral Souza, o conde Antônio
Álvares Leite Penteado. Todas as filhas dessas grandes famílias estudavam
no Sion, onde Tarsila permaneceu dos catorze aos dezesseis anos. O
uniforme azul-marinho com grandes alças cruzadas à frente do peito, a
blusa branca engomadíssima e a faixa e cruz ao peito na mesma cor eram a
marca do bom-tom e da boa educação da elite paulistana.
Os colégios ofereciam um ambiente absolutamente homogêneo do
ponto de vista social. Quase todas as alunas matriculadas pertenciam às
famílias de cafeicultores. Nenhuma outra relação fora do grupo era
favorecida. As jovens se restringiam a uma rede de relações que lhes daria
oportunidade de fazer amizades úteis para a vida futura. As redes femininas
eram reforçadas e uma forte ligação entre as mulheres da mesma família –
primas, por exemplo – era fundamental para a transmissão dos valores e das
tradições que as distinguia socialmente. Não se sabe se Tarsila fez muitas
amigas.
Mudou-se a família, mas, também, mudava a capital e mudava o país.
Nos primeiros anos depois de proclamada a República, os cafeicultores
viviam o ápice do prestígio, por outro lado, também o início de sua
decadência econômica. Foi um período de transição. A ordem social estava
se transformando e nela coexistiam o velho, representado pelas heranças do
Império, e o novo, marcado pelos símbolos da modernidade econômica. A
Constituição de 1891, reconhecendo a autonomia dos estados, permitiu que
se criasse uma hierarquia em que dominavam os mais fortes. São Paulo,
pilar da economia agroexportadora, se colocou na dianteira. A província
liderava a política e a economia nacionais, controlando inclusive a
presidência do país. Como resultado, houve uma espantosa concentração de
poder nas mãos de um segmento: o dos cafeicultores. Eram deles as mais
belas casas construídas na avenida Paulista. Os mais reluzentes automóveis
que circulavam. As mais belas mulheres, carregadas das mais belas joias e
dos mais elegantes vestidos.
Mas José Estanislau era agricultor. Não grande cafeicultor.
Diferentemente de outros fazendeiros que, sem romper contato com a vida
rural, ingressaram em atividades urbanas – tornaram-se banqueiros,
diretores de estradas de ferro, pioneiros da indústria –, ele se manteve com
os usos e costumes do velho tempo do imperador. Na biblioteca, livros de
autores franceses em preciosa encadernação; na caixa de música, a ópera de
Bizet; no piano de Lydia, acordes de Debussy; à mesa, vinho francês e,
entre suspiros, uma imagem: Aaaah, a Françaaa... José Estanislau entrava
no século XX no compasso dos seus avós.
Da menina que brincava com gatos e galinhas na fazenda São Bernardo,
Tarsila botou corpo e passou a menina-moça. Abandonou os enormes laços
de fita, as botinas e os vestidos de babados. Nas famílias tradicionais, isso
significava que era mais do que hora de se pensar em casamento. Os pais
começavam a examinar a parentela com lupa. Na família de Lydia, só se
casavam entre si. Um primo seria sempre o melhor marido, bastando para
isso que tivessem se visto algumas vezes e que, de algum lado, houvesse
nascido “um entusiasmo”. Os jovens não interferiam. Uma escolha decidida
pelos pais terá selado o destino de Tarsila?
É a única explicação para sua partida, junto com a irmã Cecília, para a
Europa, já que a viagem roubou-lhe o clímax da formatura no Colégio
Notre Dame de Sion: a coroação. O momento era o sonho de todas as
moças. Vestidas em longos brancos executados pelos melhores costureiros,
personificavam a pureza e inocência dessas que doravante seriam entregues
ao casamento. Ao som do coro que entoava o hino do Sion, as alunas do
último ano recebiam o selo da educação sionense. Damas de honra,
escolhidas entre as alunas pequeninas, levavam numa almofada de veludo a
coroa de folhas douradas que era colocada pela madre superiora na cabeça
de cada formanda. O ritual, contudo, era proibido para casadas. Caso se
casassem, as alunas eram convidadas a se retirar da escola. Nenhuma
informação sobre a vida conjugal – leia-se, sexualidade – podia passar dos
portões da instituição.
As viagens antes do casamento, contudo, faziam parte da formação das
moças de “boa sociedade”. Era possível ver in loco tudo o que se lia nos
livros. Era uma exigência social aperfeiçoar a cultura geral a partir da
Europa e dentro dela. A viagem era, ainda, uma forma de se diferenciar dos
novos-ricos que chegavam com dinheiro, mas tinham somente “verniz”. No
grupo em que Tarsila cresceu, havia sempre a valorização do precocemente
aprendido: “O que o berço dá, nem a morte há de tirar.” Pais e filhas
partiram para o Velho Continente.
Uma parada obrigatória das linhas náuticas que ligavam o Novo ao
Velho Mundo fez com que as meninas fossem deixadas por dois anos no
Colégio Sacré-Coeur, em Barcelona. Apesar de não ter capela na fazenda, e
de Tarsila não mencionar missas em suas memórias de infância, ela
certamente recebeu a influência de uma educação religiosa em que a fé, a
modéstia e a caridade eram lei. A costura para os pobres, a visita obrigatória
ao confessionário, as missas e comunhões semanais, a adoração de Jesus, a
música do coro, o exemplo de paciência e doçura das freiras, as leituras
edificantes saturavam as alunas. A menina que pintava pintinhos e flores se
tornou a jovem que pintava Cristos. Estava cercada deles. Os quadros dos
grandes pintores barrocos Ribera e Murillo,protagonista, é uma jovem tímida e insegura que sai da casa
dos pais pobres para morar com os tios, com melhores condições
financeiras. Ela logo se aproxima de seu primo Edmund, que se torna seu
melhor amigo, mas também enfrenta percalços, recebendo tratamento
diferente do restante da família. A chegada da família Crawford à
propriedade vizinha altera a rotina da casa, e Edmund se apaixona pela Srta.
Crawford, enquanto o irmão dela demonstra interesse por Fanny, que não é
correspondido.
Fanny, inicialmente, é uma moça doce e que se submete às vontades dos
outros sem protestar, mas, com o desenrolar da trama, se mostra uma pessoa
profunda e complexa, que consegue se impor e demonstrar seus desejos,
inclusive reagindo a um casamento almejado por todas as demais mulheres
de seu convívio. Jane Austen revela nesta obra conflitos da alma humana e
questões sociais muito presentes na Inglaterra do século XIX. Mansfield
Park apresenta a dissimulação presente nas relações sociais e o conflito
decorrente do encontro entre diferentes classes, além de colocar em xeque o
poder de decisão das mulheres na sociedade.
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Sonetos de birosca e poemas de terreiro
Simas, Luiz Antonio
9786558471127
120 páginas
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Sonetos de birosca e poemas de terreiro é um livro espirituoso que, além
de revelar a rara habilidade de Luiz Antonio Simas para versar, ensina
com muito jogo de cintura os pormenores que fazem da vida popular e
suburbana uma experiência única de prazeres, transcendências e
iluminações.
Em seu primeiro livro de poesia, Luiz Antonio Simas se afirma de uma vez
por todas como um dos melhores e mais versáteis contadores de história em
atividade no país. Aqui estão reunidas diversas histórias e curiosidades
sobre a vida popular contadas em versos. Dono de uma sabedoria singular
sobre as culturas que formam a identidade do povo brasileiro e muitíssimo
atento às diversidades das macumbas e do catolicismo, Simas compõe
sonetos e poemas em verso livre que levam seu espírito curioso e
zombeteiro a investigar os limites do lirismo, do humor e da fé. Amante dos
bares, biroscas e botecos, seguidor dos preceitos e respeitador dos mistérios,
habitué da mesinha do jogo do bicho e das tardes de futebol no Maracanã,
sua sabedoria é regada em boas doses de cachaça e chopes bem tirados,
acompanhados das mais saborosas iguarias servidas nas bandejas dos
melhores garçons. A química é perfeita e, nela, tudo cabe.
"Simas, feiticeiro de palavras, mostra que birosca e terreiro se encontram,
pois os dois são lugares por excelência dos cruzos. Onde pessoas,
pensamentos, divindades, sentimentos se esbarram, um deixando sua marca
no outro, sabendo ou não, querendo ou não. E, de lá, do terreiro ou da
birosca, saem um carregando um pouquinho do outro." – Rafel Haddock-
Lobo
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Quarup
Callado, Antonio
9786558470205
574 páginas
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Um dos mais importantes livros brasileiros a abordar a temática indígena,
Quarup é um clássico nacional e o romance mais importante de Antonio
Callado.
Publicado pela primeira vez em 1967, Quarup conta a história de Nando,
um padre jovem e ingênuo que sonha reconstruir no Xingu uma civilização
comunista semelhante à que existiu nas Missões jesuíticas do sul do Brasil.
Para se dedicar ao projeto, Nando viaja ao Rio de Janeiro a fim de pedir a
autorização necessária junto ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI), órgão
que deu origem à atual FUNAI. 
No Rio, toma contato com a sociedade permissiva do sexo livre e das
drogas e com a corrupção política, pois os dirigentes do SPI desejam
manipular o projeto de Nando em proveito próprio. Perdido entre conflitos
existenciais e os prazeres da vida, o jovem padre ganha uma nova
percepção do mundo, de seus semelhantes e de si mesmo. No romance, o
ritual indígena do Quarup ocorre para Nando e para muitos dos personagens
como uma espécie de rito de passagem, obliterando o sentido sagrado para
os povos do Xingu. 
Quarup mostra, sob a ótica de seu protagonista, o período entre o suicídio
de Vargas e o Golpe Militar de 1964. Após passar por várias experiências
traumáticas, Nando adere à luta armada contra o regime militar.
"Quarup precisa ser lido por todas as novas gerações de brasileiros para que
possam entender como a construção de equívocos históricos é gerada
especialmente no que diz respeito aos povos indígenas." - Daniel
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Munduruku 
"Quarup é sem dúvida um livro que nos proporciona entender as lutas e
resistências dos movimentos sociais no Brasil, mas também nos apresenta
os conflitos enfrentados pelos povos originários para garantir o direito ao
território e rememorar valores culturais, espirituais, identitários." - Márcia
Kambeba
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Vanguarda europeia e modernismo
brasileiro
Teles, Gilberto Mendonça
9786558470793
658 páginas
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Nessa obra de referência já consagrada, Gilberto Mendonça Teles reúne
poemas, conferências e manifestos vanguardistas estrangeiros e nacionais
publicados entre 1857 e 1972. Leitura fundamental a qualquer estudo sobre
o tema, agora em edição ampliada. 
Esta edição ampliada de Vanguarda europeia e modernismo brasileiro, de
Gilberto Mendonça Teles, acrescida de novo prefácio, é lançada em meio às
comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922. O
evento é considerado o marco inaugural do modernismo no Brasil. Grande
parte dos intelectuais e artistas que estiveram à frente desse movimento
tinham vivido na Europa após a Primeira Guerra Mundial e enfim traziam
ideias e técnicas que lá se desenhavam desde as últimas décadas do século
XIX. 
Gilberto Mendonça Teles apresenta um rico panorama dos movimentos
modernistas, uma viagem em companhia de textos de artistas que foram
capazes de antever os sopros da mudança ainda no século XIX — como
Charles Baudelaire, Arthur Rimbaud e Stéphane Mallarmé —, nomes que
protagonizaram as vanguardas europeias — como André Breton, Vladimir
Maiakovski e Tristan Tzara —, expoentes do modernismo brasileiro —
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como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, João Cabral de Melo Neto e
Murilo Mendes — e, enfim, aqueles que marcaram um momento mais
experimental da arte brasileira — como Décio Pignatari e Wlademir Dias-
Pino. 
Vanguarda europeia e modernismo brasileiro é um título que convida
leitores e leitoras a compreender os caminhos de um dos movimentos
artísticos mais importantes do século XX, responsável por refletir sobre um
novo sentido para o homem no mundo e por ajudar na construção desta
percepção: o que é ser moderno. 
"[…] Gilberto Mendonça Teles apresenta peças essenciais do processo ao
reunir […] os manifestos vanguardistas da Europa e do Brasil. […] este
livro oferecefornece-nos o ponto de partida obrigatório de qualquer
pesquisa." – Paulo Rónai 
"[…] o livro organizado por G. M. Teles propicia uma compreensão mais
amadurecida do que foi em 1922 […] o espírito da modernidade brasiliera:
resposta consciente às incitações feitas ao Homem por seu tempo." – Laís
Corrêa de Araújo.
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	Saiba maisas via-crúcis e ruidosas
procissões modelavam a sensibilidade das jovens. Nas igrejas, um misto de
silêncio e deslumbramento elevava os espíritos. Até que em 1906 deixaram
Barcelona e seguiram para Paris.
Paris no início do século XX estava longe da cidade-luz que emergiria
poucos anos mais tarde. A cidade trazia um sorriso pálido. Os prédios sujos
de fuligem ao longo das avenidas não deixavam ver a beleza das fachadas.
Tetos de ardósia se confundiam com o cinzento das paredes. Nas ruas,
tróleis cruzavam bondes barulhentos. Sujeira e barulho estavam em toda
parte. O céu chuvoso costumava cobrir a cidade durante meses a fio. As
mulheres equilibravam chapéus enormes e vestidos que ainda cobriam as
canelas. O ano de 1905 foi marcado por muitas greves, pelo nascimento do
partido socialista, pela lei de separação oficial entre Igreja e Estado, pelo
decreto de supressão do tráfico de escravos no Congo, pelo atentado a
bomba contra o presidente Émile Loubet e o rei Alfonso XIII entre as ruas
de Rivoli e Rohan: dezessete mortos.
Enquanto isso, outra bomba – essa figurada – estourava no Salão de
Outono. Ali se exibiam pela primeira vez os artistas fauve (ou feras), com
sua estética primitivista e a explosão das cores puras. Tudo indica que
Tarsila não foi apresentada nem às feras nem aos palácios de consumismo:
Aux Galeries Lafayette, recém-inaugurada, e Au Bon Marché, endereço da
família imperial brasileira. Decepcionada por não encontrar nada do que leu
nos livros sobre a capital francesa, voltou com os pais ao Brasil.
Chegaram em 1906. Há poucos indícios de como surgiu em sua vida
André, o primo de sua mãe. Na tradição, parentes casadoiros emergiam em
festas familiares, em visitas às fazendas, em viagens de trem ou até mesmo
de surpresa. Namoro? Breve. Ninguém passava do portão da casa sem
noivar. Ninguém noivava sem data marcada para a cerimônia, pois, caso
contrário, a honra da noiva poderia ser comprometida. As datas do início e
do fim do noivado tinham que ser definidas para dar tempo à família da
noiva fazer o enxoval: roupas de cama, lençóis e fronhas, toalhas de mesa
em linho importado, colchas inglesas em fustão, cobertores e acolchoados
em seda. Bordadeiras especiais eram contratadas para gravar monogramas.
Camisolas, deshabillés com rendas e corpetes foram encomendados à Casa
Carlos. Vestidos do Mundo Elegante ou de Madame Perina e até a mobília
do quarto do casal faziam parte do trousseau. Não sabemos se os noivos
trocaram joias custosas, como era tradição entre os ricos. Essas seriam
“para sempre”.
Quando primos se casavam, era preciso licença da Cúria Metropolitana.
Chique era casar-se em oratório particular, mas não se sabe se foi o caso. À
cerimônia só assistiram oito pessoas. Não teve banquete para muitos
talheres encomendado à célebre Rotisserie nem serviço do maître d’hotel
Daniel Souquiére, como estava na moda. E por que a pressa? Em três meses
Tarsila estava casada, o que significa que o matrimônio foi “falado”, ou
seja, agendado com antecedência. Algumas exigências: que a noiva levasse
um dote, fosse virgem e nada soubesse sobre sexo. Ser pura era ser
ignorante. A repressão sexual era profunda e saber qualquer coisa
relacionada a sexo fazia com que a moça se sentisse culpada. Tal
distanciamento da realidade criava um abismo entre a fantasia e a vida real.
A lua de mel era obrigatória. Gente fina seguia até o Hotel de la Plage,
no Guarujá, e depois continuava até Santos, onde se embarcava para
Buenos Aires. O Grande Hotel, na calle Florida, era o preferido dos
paulistas. Depois de passeios de barco no rio Tigre e visitas a Palermo,
Tarsila e André seguiram até o Chile. A segunda viagem foi feita em parte
de trem, pelo recém-construído Ferrocarril Trasandino Clark, e parte em
lombo de mula. Tarsila contou mais tarde que “alguns animais levavam os
passageiros, outros, as bagagens. Por vezes os precipícios obrigavam os
passageiros a passagens muito estreitas e perigosas”.
A inusitada viagem foi um presente de seu pai a pedido da própria
Tarsila e ele o concedeu sem nenhuma objeção, apesar da completa falta de
romantismo do lugar escolhido. E para lá viajaram os noivos, pois a artista
“tinha tanta curiosidade de conhecer lugares...”. Seria o jovem casal
apaixonado pelas paisagens selvagens que cruzaram: os rios Aconcágua e
Juncal, as vertiginosas paredes dos Andes, as serras de Córdoba?
De volta a São Paulo, foram direto para a fazenda São Bernardo.
Casada, ela passava de jovem estudante à esposa prendada. Estava pronta
para exercer os papéis que se esperavam dela: dona de casa e mãe. A
naturalidade com que iria executá-los se devia à educação precocemente
recebida. Nos colégios religiosos, ela apenas aprofundou os princípios
aprendidos em casa. Ao tornar-se a senhora Teixeira Pinto, Tarsila tinha que
exteriorizar uma certa “nobreza de alma” no seu comportamento do dia a
dia. Ela devia adotar uma maneira de ser que a distinguisse onde estivesse,
de forma tão profunda que suas atitudes parecessem inatas. E um dos sinais
de tal distinção era a interiorização da moral do dever e da aparência. Ou,
como se dizia então: “Tudo por dever, nada por prazer, mas todo dever com
muito prazer.”
Para muitas jovens, a realização pessoal emanava do dever cumprido.
Sacrifícios e lutas para o cumprimento das obrigações eram a regra. Passar
da obediência aos pais à obediência aos maridos também. Em estreita
ligação com a moral do dever, havia a valorização das aparências diante de
dores físicas ou morais. Doenças, traições do cônjuge, dificuldades
econômicas: era proibido demonstrar sentimentos em público e jamais era
permitido se portar como alguém que passou a uma posição social inferior.
A vida era um relógio. As coisas estavam sempre no mesmo lugar e a rotina
da casa era sempre igual. Tudo era previsto e pontual. Não se improvisava
nada, não se mudava quase nada. Para se manter na rotina, Tarsila
engravidou. Dulce nasceu em casa. Tarsila a amamentou, como era moda
entre pediatras, ou “tomou ama”, como se dizia então? Tudo que se sabe é
que o casal oscilava entre a fazenda Sertão e a São Bernardo. A segunda
apresentava mais conforto.
Nessa época, o que poderia levar a uma separação? Apenas questões
graves, pois o fracasso do matrimônio era uma mancha para os cônjuges,
para a família e a parentela. Afinal, era a desestruturação da família. A
República havia instituído a separação entre casamento civil e religioso, e o
primeiro também era considerado indissolúvel e monogâmico. Conflitos só
vinham a público quando se tornavam notícia para a imprensa, como
ocorria nas classes populares. Entre as elites, eles eram abafados e, em
geral, o marido controlava as tensões conjugais. Para a Igreja, separação só
em caso de motivos de ordem religiosa, adultério, sevícias e injúrias graves.
E separação, segundo a lei, a mensa et thoro, ou seja: a separação de leito
conjugal e bens.
Não se sabe o que levou o casal a romper. As explicações de que
“André não gostava de arte; era um homem sério” não convencem. Estudos
sobre separações e anulações no início do século XX revelam não só casais
muito jovens se separando, mas também que a maioria dos homens eram
acusados de agressão física, e as mulheres, de adultério. Maridos podiam
perder a cabeça com geadas que lhes estragavam as plantações ou a queda
do preço do café. E era a espancada, e não a enganada, que pedia separação.
O “abandono de lar” era considerado motivo gravíssimo para ambos os
sexos. Pois, Tarsila e André separaram-se apenas um ano depois de casados.
O que fazer com uma jovem mulher separada? Os pais não titubearam.
Mandaram-na para São Paulo. Afastar a filha faltosa do convívio com
parentes era fundamental. Aliás, ela não mais era recebida em algumas
casas. Para Tarsila, o desafio doravante era estancar as fofocas, poupar o
nome da família, disfarçar a humilhação e não perder a aparência de moça
séria. Separada, porém honesta. Famílias poderosas conseguiam com
rapidez na Cúria e em Roma a anulação do casamento. Tarsila, no entanto,
teriaque esperar 25 anos para obter a sua.
A pintura e o piano eram passatempos que permitiam que a mulher
tivesse o que fazer, uma vez que ninguém nesse grupo pensava em trabalhar
ou seguir estudos superiores. Trabalho remunerado? Só como professora, e
mesmo assim apenas em situação de derrocada financeira. Para Tarsila,
então, o melhor era seguir desenvolvendo sua aptidão para as artes, que,
aliás, ficara estacionária. Após a separação, Tarsila passou a viver em São
Paulo e retomou o aprendizado. Em 1916, se tornou aluna do escultor sueco
William Zadig, recém-chegado ao Brasil e professor do Liceu de Artes e
Ofícios. Embora desconhecesse anatomia, com ele aprendeu escultura em
argila e gesso. No curso de desenho do alemão Elpons, conheceu dona
Amélia, esposa do conhecido jornalista Numa de Oliveira, que ia a Paris
comprar raquetes de tênis para o Club Atlhetico Paulistano. Prosseguia com
o piano em aulas com mademoiselle Philippeau e, mais tarde, com João de
Souza Lima, que, em início de carreira, tocava em cinemas, em casas de
famílias ricas, em bailes e no Hotel de la Plage no Guarujá, durante as férias
de verão. Apresentado ao pai de Tarsila, João passou a frequentar a casa.
Mais tarde, ela diria: “Por timidez passei a fazer pintura.” Ela dizia temer o
palco e o público, embora adorasse o instrumento. E abandonou
definitivamente o teclado de marfim amarelado.
Não se conhecem suas atividades nessa época, logo após a dissolução
de seu casamento. Não deve ter sido fácil, porém, para uma jovem
razoavelmente bonita fazer vida social. A grã-finagem não receberia nunca
uma mulher só: os Chaves, os Prates, os Coimbra, os Rubião, os Rodrigo
Octávio lhe fechariam as portas. As amigas do Sion, se ainda existissem,
também. Não se rompiam tradições em vão. Ela se tornara um mau
exemplo para as senhoras bem-casadas, ou pelo menos para aquelas que
assim se julgassem. No máximo tomava chá na casa de dona Amélia
Oliveira, onde conversavam sobre pintura.
Tarsila se revezaria entre a fazenda e São Paulo? Receberia uma mesada
para comprar roupas no Mundo Elegante e fazer chapéus com
mademoiselle Angelina Justi? Ia de bonde puxado por burros para suas
aulas? Aplaudiria o Tita-Ruffo no Barbeiro de Sevilha, em apresentação no
Municipal, ou o balé de Isadora Duncan? Iria ao cinema ver as fitas de Max
Linder?
Nesses anos, São Paulo se agitava e se agigantava. A capital da
província mais pujante do país entrava na modernidade marcada por
dinâmicas diferentes. Se, por um lado, a industrialização, o crescimento do
empresariado e do operariado, as novidades do consumo apontavam numa
direção, por outro, o mundo em que Tarsila viveu andava na contramão. São
Bernardo significava aquele mundo em que seus pais ainda viviam,
mergulhados na memória colonialista e na modorra da vida rural. Muitas
fazendas inadimplentes eram vendidas não mais para fazendeiros, mas para
empresários. A jovem se via dividida entre as ideias vertiginosas dos
tempos modernos e a severa educação que recebera.
Onze anos se passaram e, aos trinta, Tarsila procurou um professor em
São Paulo. Pedro Alexandrino estava de volta depois de uma temporada em
Paris. Recebia os alunos num ateliê marcado pelo ambiente caseiro e
familiar que mantinha ali. Seu sotaque caipira e a simplicidade no vestir
lembravam a Tarsila o amigo de seu pai, Almeida Júnior. Às sextas-feiras,
dona Candinha, a esposa do pintor, oferecia chá e bolo aos alunos e
visitantes. O ambiente era perfeito para senhoras. Entre uma natureza morta
e outra, o assunto era a Paris que Tarsila não conheceu quando ali passou
com seus pais. O mestre gostava de recapitular por meio de histórias a
intimidade que estabelecera com artistas realistas como Chrétien e Monroy,
a academia de Fernand Cormon, onde alunos se sentavam em banquetas
para ouvir o professor, as fofocas dos Salons. Para o pintor, a França e seus
ateliês, onde fervilhavam discussões estéticas, eram o mais completo
quadro da civilização. Voltar à França, pensava Tarsila: por que não? Mas
para isso era preciso trabalhar. E ela passava os dias exercitando suas
habilidades de desenho. Acreditava-se, então, que o desenho devia
preponderar sobre a pintura, pois era o testemunho da arte como um
processo eminentemente intelectual, e não apenas manual.
Enquanto isso, fora do ateliê, havia muitas mudanças: kodaks, o cinema
e as revistas ilustradas captavam um mundo feito de imagens. Era inevitável
que a arte expressasse as transformações trazidas pela modernidade.
Tratava-se de um tempo de indagações e descobertas. Contudo, 1917 foi
também o ano em que o samba “Pelo telefone” invadiu os rádios,
submarinos alemães afundaram navios brasileiros e os anarquistas
organizaram a primeira greve geral de comerciários e operários do país.
Durou um mês. São Paulo parou. Tiroteios pelas ruas e a população em
pânico levaram os patrões a dar aumento imediato e fixar horários de
jornadas – oito horas para homens e seis horas para mulheres e crianças.
Enquanto isso, o preço dos alimentos disparava.
No final do ano, outra notícia explosiva: uma jovem, filha de um
italiano e uma norte-americana, com apenas 28 anos e recém-chegada de
Nova York, tendo também feito uma breve passagem por Berlim, criou uma
exposição de “arte moderna” na loja Mappin. Seu nome: Anita Malfatti. Os
jornais não falavam de outra coisa, e um áspero debate sobre suas
revolucionárias telas expressionistas se iniciou. Tarsila foi ver as obras.
Mais tarde, disse não ter “compreendido”. Nada entendeu! Nem ela, nem os
críticos.
As reações violentas às propostas vanguardistas, que incluíram a
destruição de algumas telas a bengaladas, inibiram Anita. Acabrunhada, a
moça buscou refúgio nos ateliês de Pedro Alexandrino e Elpons, onde
conheceu Tarsila. Ambas regulavam de idade, ambas eram sós, pintoras e
de certa forma párias, e assim se tornaram amigas. A trajetória internacional
de Anita, suas viagens e contatos com pintores de outros países influenciou
Tarsila. Somou-se a isso o cartãozinho enviado pelo amigo pianista João
Souza Lima: uma imagem da igreja parisiense Trinité com a frase: “Aqui há
ARTE de verdade.” Todavia, para voltar a Paris era preciso que a Grande
Guerra terminasse. E Tarsila esperou.
Em 1920, ela partiu para a Europa levando Dulce, que foi internada no
Colégio Sacré-Coeur, em Londres. Tarsila se fixou em Paris. A França saía
das trincheiras da guerra e suas viúvas enchiam as ruas das capitais.
Soldados desmobilizados com terríveis marcas do confronto, também. O
peso dos mortos sobre os vivos não se via apenas nos movimentos de avant-
garde, mas no retorno de temáticas antigas que alimentariam tanto os
nacionalismos quanto os fascismos.
Segundo João Souza Lima, a Tarsila que desembarcou em Paris tinha ar
de moça, mas ousadia de mulher, e era muito simples e modesta no vestir.
Ela se instalou no número 2 da rue du Louvre, via comercial que abrigava
uma fábrica de tecidos e imóveis construídos no século XIX. Entre aulas na
Academia Julien, à rue Saint-Marc, localizada no mesmo bairro, visitas ao
ateliê de Émile Renard e saídas com o amigo Joãozinho, escrevia a Anita:
“Anita, muito querida (...). Estou trabalhando num grande grupo de umas
cinquenta alunas. Está me parecendo que muitos são os chamados, mas
poucos os eleitos. Não vejo uma aluna forte. Algumas trabalham bem, mas
falta aquilo que nos impressiona.”
As turmas exclusivamente femininas ficavam lotadas, pois muitas
alunas se sentiam desconfortáveis em dividir espaço com homens durante
as aulas com modelos vivos nus. Elas pagavam uma anuidade de
quatrocentos francos para meio período de aulas e setecentos para o período
integral, enquanto os alunos desembolsavam apenas duzentos e
quatrocentos francos por formação equivalente. Artistas brasileiros não
eram novidade nas escolas de pintura da cidade. Mulheres, menos ainda. Na
Academia Julian, de 1889 a 1905, desfilaram as desconhecidas madame
Barbosa, madame Castillos, madame De Mesquita, madame Silva, entre
outras. Mas também as conhecidas escultoras Julieta de Françae Nicolina
Vaz, e a caricaturista Nair de Teffé, também conhecida como Rian. E, por
fim, a já famosa Georgina de Albuquerque.
Em cartas à amiga, Tarsila contava as novidades: “Anita, tudo tende
para o cubismo ou futurismo.” Tais tendências não lhe interessavam, como
não lhe tinha interessado, aliás, o modernismo de Anita. Tarsila continuava
pintando os mesmos temas que pintava no Brasil: um retrato da mãe em
azul; o pátio com o coração de Jesus do colégio de Dulce, em Londres; um
nu feminino; uma viela em Barcelona. Pintou mesmo um autorretrato
vestida de camponesa. Um comentário dela sobre Émile Renard demonstra
como Tarsila estava distante do que se fazia na Rive Gauche ou em
Montmartre: “Renard tinha uma academia dele, particular. Gostava muito
de minha pintura, de tudo o que eu fazia. Chamava outros alunos para ver.
Era um bom amigo que não ria nem mesmo de um quadro de Picasso
levado por um aluno seu. Apesar de ser diferente do que fazemos –
afirmava –, de qualquer maneira merece respeito, é um artista.” Detalhe:
Renard, além de pintar porcelana, seguia o estilo acadêmico.
Graças a amigos, Tarsila sabia que se falava dela em São Paulo: “das
artes de Tarsila”, “dos modos de Tarsila”, “da linda carreira de Tarsila”,
“das saudades de Tarsila”. Da família, tinha notícias por cartas. Enviava
dinheiro ao amigo João para que ele pagasse o aluguel do piano. De Anita,
recebia informações, como, por exemplo, o furor que causou um artigo de
Mário de Andrade, criticando com novas linguagens literárias o
parnasianismo e o contentamento da amiga: “Ah! Que bem isto não fez a
São Paulo e que fúria infernal não se levantou aqui (...). Nunca ninguém
teve a força e a ousadia de criticar e dizer às claras que estes nossos ídolos
eram de barro e não ‘divinos’.”
São Paulo mostrava a dupla face: a da tradição e a da
contemporaneidade. Na primeira, ídolos como Olavo Bilac e Raimundo
Correia, entre outros autores de uma poesia rígida e artificial. Na outra, o
próprio Mário de Andrade, sua escrita automática, a valorização do
primitivismo, da linguagem coloquial e do “desvairismo”. Na pintura,
Tarsila estaria entre os primeiros, e Anita, com os segundos. Embora fosse
um momento espinhoso da vida e estivesse sem dinheiro ou popularidade,
Anita contava com os amigos modernistas, como Brecheret, Menotti del
Picchia, Oswald de Andrade e o próprio Mário. E sublinhava: “Estou
voltando às coisas muito modernas, pois são estas que me enchem a alma.”
E, apesar de viver reclusa e mergulhada em dificuldades, mostrava-se
sempre generosa com Tarsila: “Chegam-me ecos sensacionais do teu
sucesso em Paris. Do lindo atelier, da linda artista que tem feito enormes
progressos (ah! Inveja) e das telas de verdadeiro valor e dos amigos
célebres, enfim, ouro sobre azul.”
E a contemporaneidade começou a levar a melhor sobre a tradição. O
mês e o ano escolhidos para romper com a arte acadêmica, inaugurando
uma revolução estética e o Movimento Modernista, foi fevereiro de 1922.
Dos dias 13 a 18, o palco do Theatro Municipal de São Paulo se viu
ocupado por apresentações de dança, música, recital de poesias, exposição
de obras – pintura e escultura – e palestras.
Pessoas desconectadas da realidade ou inconsequentes? Nem uma coisa,
nem outra. Os artistas envolvidos só propunham uma nova visão de arte a
partir de uma estética inovadora inspirada nas vanguardas europeias. No
saguão, os quadros de Anita e as esculturas de Brecheret. No ar, poemas de
Manuel Bandeira e música de Heitor Villa-Lobos, ambos recebidos com
vaias. O evento chocou grande parte da população e trouxe à tona uma nova
visão sobre os processos artísticos, bem como a apresentação de uma arte
mais brasileira. Nas palavras de um dos organizadores, o pintor Emiliano
“Di” Cavalcanti, aquela foi “uma semana de escândalos literários e
artísticos, de meter os estribos na barriga da burguesiazinha paulista”. Anita
e seus amigos se envolveram no evento até a medula.
Tarsila nada viu. Soube das notícias por Anita e, em junho do mesmo
ano, época de férias na Europa, alegando saudades dos pais, tomou um
navio e voltou ao Brasil. Deixou em Paris uma tela, um Portrait (retrato)
para ser exposto no Salon de la Société des Artistes Français, bastião da
pintura acadêmica. Jovens pintores que desejavam romper com o
autoritarismo do Salon se organizavam numa outra sociedade, a Société
Nationale des Beaux Arts. E passaram a expor no Salon de Champs-de-
Mars. Pairava sobre os expositores do primeiro Salon a pecha de que eram
indicados por seus professores, que os sustentavam com seus votos. Na foto
do convite para o vernissage de abertura do Salon, no dia 4 de abril, Tarsila
aparece de cabelo curto, um meio-sorriso no rosto e roupa preta. Morava
então em Neuilly-sur-Seine, periferia de Paris, que começava a se refazer
dos bombardeios alemães da Primeira Guerra. Uma bela construção onde se
alugavam apartamentos, a Villa Méquillet foi seu último endereço.
A Tarsila que chegou a São Paulo era uma mulher de 36 anos. O rosto
forte não exibia os traços de Greta Garbo ou Claudette Colbert, artistas de
cinema que enchiam as telas. Mas tinha personalidade. Sua modéstia dava-
lhe uma aura enigmática. Era, contudo, uma mulher só. E uma mulher só
era uma solteirona. Era uma mulher que poderia viver sua sexualidade fora
do casamento. Porém, na França, isso teria sido difícil. O número de
mulheres sós era elevado, e o país perdeu um milhão e meio de homens na
guerra. Tarsila mais correspondia à definição de uma revista de variedades
que perguntava, num concurso, qual a moça que teria mais “prendas de
salão”. Resposta: “aquelas que se tornaram sedutoras por qualidade de
caráter intelectual, adquirida pelo estudo, pelo esforço, pela cultura (...),
moças que têm espírito apetrechado de conhecimentos gerais e sólidas
noções de arte e literatura (...), as que sabem fazer pintura aquarela ou a
óleo, as que tocam magnificamente piano ou violino (...), as que falam com
precisão línguas estrangeiras”, entre outros atributos. Portanto, Tarsila era
prendada, mas só. Já era madame e não mais mademoiselle.
Suas prendas de salão seriam muito apreciadas no grupo de Anita, que
tinha organizado a Semana de Arte Moderna em fevereiro daquele ano. O
grupo era composto por três autores rapazes – Oswald de Andrade, Menotti
Del Picchia, Mário de Andrade – e Anita Malfatti, a pintora. Doravante,
com Tarsila, seriam cinco. Menotti, com seus cabelos ondulados e seu rosto
bonito, era seis anos mais jovem do que Tarsila. Mário, muito alto e
mestiçado, sete anos mais jovem. Oswald, que gostava que o chamassem de
Oswáld, mas era chamado de Oswaldo, de testa alta e bochechas que lhe
davam um ar muito juvenil, era apenas quatro anos mais jovem. O
inevitável aconteceu: Tarsila e Oswald se aproximaram. Oswald a
“divinizava”. Tarsila se apaixonou. E ela traria lustre para seu brasão de
conquistador.
Não se sabe se Tarsila conhecia o rosário das conquistas de Oswald, que
terminavam sempre em cruz para a mulher. Desde 1912, ele as colecionava.
Na Europa onde circulou, manteve inúmeros casos, inclusive com uma
bailarina de cabaré em Milão. De Paris, trouxe para o Brasil uma jovem
estudante e donzela de boa família a quem chamava de Kamiá – o nome era
Henriette Denise Boufflers –, com quem teve um filho, José Oswald
Antônio, o Nonê, nascido em 1914. Ainda casado com Kamiá, em 1915,
iniciou um caso com uma dançarina espanhola que veio morar no Brasil,
Carmen Lydia, de apenas quinze anos. Já separado, em 1917, começou a
namorar a jornalista Maria de Lourdes Olzani, de apelido Deise, com quem
se casou, em 1922, quando a jovem de dezenove anos jazia em seu leito de
morte na Santa Casa de São Paulo depois de um aborto malfeito. Nesse
mesmo ano, Tarsila e ele engataram namoro.
No auge de sua feminilidade, Tarsila desabrochou. Num chá em certa
confeitaria, quando lhe foi apresentada, Menotti grafou: “Pintora? Tinha eu
na frente uma das criaturas mais belas, harmoniosas e elegantes que me fora
dado a ver.” Ele nem acreditou que Tarsila fossepintora, como se todas as
pintoras fossem condenadas a serem feias e deselegantes.
Nos meses seguintes à Semana de 22, os modernistas organizavam
encontros animados em bares e restaurantes do Centro para discutir suas
ideias. As reuniões mais furtivas eram realizadas por Oswald no terceiro
andar de um edifício da rua Líbero Badaró, na altura do número 89, onde o
escritor montou uma garçonnière. O nome era dado aos pequenos
apartamentos onde casados ou celibatários recebiam suas amantes. Por seu
lado, Tarsila reabriu o estúdio que deixou alugado enquanto estava em
Paris, na rua Vitória, número 133. Encantado com a nova amiga, Mário
inundou seu ateliê com margaridas, cena mais tarde retratada tanto por
Tarsila quanto por Anita.
O Grupo dos Cinco circulava no Cadillac verde de Oswald, atravessava
a cidade, ia até a serra do Mar para apreciar a vista ou recitar poemas vendo
estrelas. Tarsila vivia os excessos da juventude que não tivera. Todos, em
alta velocidade, saboreavam um entendimento mútuo. Foi também em
grande velocidade que Tarsila mergulhou no desconhecido “modernismo” –
ou “futurismo”, como chamava Menotti. Ela mesma dirá mais tarde:
“Parece mentira (...). Mas foi no Brasil que tomei contato com a arte
moderna.” Graças aos amigos, e em especial a Mário, entrou em contato
com os editores da revista Klaxon, de revolucionário trabalho gráfico cujas
páginas eram dedicadas às propostas modernistas. Foi criticada pelos
amigos ao ler as poesias de sua lavra de cunho parnasiano. Nenhum deles
quis saber sobre a “missão do artista na sublime busca da beleza” ou sobre
“o tédio que desfaz o sonho em Nada”. Xô, parnasianismo! Conheceu
intelectuais como Joaquim Inojosa, representante do modernismo no
Nordeste, que teve seus olhos negros de veludo e a cabeleira revolta
registrados por Tarsila. Ele, então, resumiu o grupo da seguinte maneira:
parecem crianças levando a amiga à loja de brinquedos!
Tarsila seguia cortejada por Oswald, cuja fortuna vinha do pai,
proprietário de terrenos que iam do cemitério do Araçá ao Jardim América.
A região vinha sendo retalhada e vendida pela Companhia City, que
oferecia casas com jardim. Ele era doido, mas encantador, diziam os
amigos. Ela se impressionava ao ouvir dele que, por causa do Carnaval,
pusera o nome ao filho de Lança-Perfumes-Rodo-Metálico. E Tarsila,
ingênua, declarava: “Nunca consegui averiguar (...) se isto era mesmo
verdade ou simplesmente blague, mais uma blague de Oswald.” Tal
ingenuidade justifica-se pelo fato de que, à época, as mulheres foram pegas
no fogo cruzado entre a importância do amor romântico e os mecanismos
de reprodução de classe social. Elas, portanto, não julgavam os homens.
Apenas se viam como seres inferiores a eles.
Em setembro, numa comemoração do Centenário da Independência, o
governo de São Paulo promoveu o I Salão da Sociedade Paulista de Belas
Artes. Entre fios elétricos, pó e andaimes, o presidente da província abriu a
exposição. Menotti fez um breve discurso. Com exceção do jornal O Estado
de S. Paulo, que dedicou duas linhas ao evento, a imprensa ignorou o
acontecimento. A revista Klaxon, editada por Mário, julgou os expositores
anacrônicos e só elogiou as telas das amigas: A chinesa, de Anita, e A
espanhola, de Tarsila. A Vida Paulista, depois de aplaudir os “grandes
mestres”, Monteiro França e Wasth Rodrigues, rendeu-se a “uma das
maiores revelações”, Waldemar Belisário, estrela do evento. Mencionou,
porém, entre outros, os “belos trabalhos de Anita” e a “execução de
colorido suave” em trabalhos realizados na Europa por Tarsila.
Embora amigo de Anita, que o apresentou a Tarsila, Mário cultivou a
semente da competição. Em carta, disse-lhe que a A espanhola era o melhor
quadro da competição e A chinesa, apenas um “trabalho frustrado”. Mário
parecia esquecer que foram os trabalhos de Anita que influenciaram
vigorosamente aqueles de Tarsila.
Tarsila tinha que voltar a Paris e embarcou para lá em novembro de
1922. A bordo, escreveu ao amigo Mário, lembrando as “deliciosas
reuniões do Grupo dos Cinco” e prometendo-lhe não se esquecer de
comprar um Picasso – de fato, adquiriu-lhe um Arlequim – nem se esquecer
de sua amizade. Estava animada: “Vou ser apresentada a alguns artistas de
valor. Estou imbuída de entusiasmo artístico! Chegando a Paris vou
trabalhar de verdade.” Despediu-se com “um beijo em seu belo espírito” e
passou-lhe seu novo endereço. Não ia só nem com Oswald. Levava a filha,
Dulce, agora com onze anos, e quatro sobrinhos, filhos do irmão Oswaldo,
recém-separado. A criançada foi toda enfiada em colégios internos entre
Paris e a cidade litorânea de Cannes, onde o clima era mais ameno.
No próprio navio, trocou telegramas com o enamorado. Ela: “O mar
está lindo, hora de ouro... saudades infinitas.” Em dezembro, Oswald seguiu
para Paris. O casal escolheu viver sua paixão longe dos olhos da
conservadora São Paulo. Nunca é demais lembrar que o Código Civil só
dava três opções à mulher separada ou desquitada: voltar para a casa dos
pais, onde seria criticada pelo fracasso do casamento; entrar para a
prostituição, se fosse pobre e sem preparo profissional; unir-se ao homem
que viesse a amar, sabendo que teria o repúdio da sociedade “por não ser
casada”. Ela escolheu a terceira opção. E com as crianças devidamente
matriculadas em internatos, foram viajar. Percorreram Espanha, Portugal e
Itália. O romance era segredo para a família. Nessa época, Tarsila pintou
um autorretrato em pastel: cabelos ondulados, boca entreaberta num suave
sorriso e o olhar vago.
Tarsila mudou o visual. A paixão lhe fez bem e embelezou “a caipirinha
de Montserrat”, que, segundo o amigo Sérgio Milliet, era uma das mais
bonitas de Paris. Ela exalava a sensualidade de uma mulher madura.
Oswald concordava: Tarsila suscitava admiração dos homens quando
passava, cabelos pretos presos em coque com enormes brincos que pendiam
realçando o pescoço. Depois da viagem romântica, a separação. Oswald foi
buscar o filho Nonê em Lisboa para levá-lo a um internato na Suíça e
Tarsila voltou a Paris. Instalou-se na rue Hégésippe Moreau, número 9,
perto da place de Clichy, num bairro de operários e pequenos comerciantes.
Sentia-se livre de quaisquer constrangimentos: “Que prazer vagar pelas ruas
sem descobrir uma cara conhecida.”
De fato, o cosmopolitismo de Paris engoliu a pintora. Ela não tinha mais
tempo para quem ficou para trás. As primeiras cartas de Mário a Tarsila,
cartas derramadas de elogios sobre sua feminilidade, beleza e talento,
ficaram sem resposta. Ele pedia-lhe notícias da cidade ou de seus trabalhos.
As respostas eram telegráficas. Mário recebia notícias por Anita, que
também tinha viajado, ou pelo próprio Oswald. Esse não se cansava de
inventar histórias sobre encontros nunca acontecidos com grandes escritores
para causar inveja ao amigo. Ou de lhe contar que comprara camisas e
gravatas caríssimas. Indiscreto, Oswald contava a Mário estar “amigado
com Tarsila”. E, belicoso, acusava Anita de ser “uma passadista”, enquanto
ela, recém-chegada a Paris, com uma bolsa do estado de São Paulo e sem
apoio da família, lutava contra a fragilidade física e emocional.
Só em final de maio, Tarsila respondeu ao “caro amigo”. Um bilhete em
que revela o clima então vigente entre o Grupo dos Cinco: “Escrevi ao
Menotti uma carta terrível contra você. O Osvaldo logo que chegou fez
tantas intrigas entre nós (sobre a modernidade ocidental) que resolvi cortar
relações com você. Mas vieram suas cartas, as suas irresistíveis cartas etc.”
As cartas de Mário eram carregadas de imagens afetivas: chamavam-na de
deusa, diziam que seu sorriso o enchia de felicidade, ou que ele receberia as
luzes de seus olhos. Tarsila se rendeu à insistência do amigo, mas o
espicaçava. Anunciava estar “fazendo cubismo”. E pedia que ele viesse a
Paris: “O brasileiro se engana pensando que é preciso uma fortuna para vir
a Paris.” De fato, a cidade era muito barata e recebia estrangeiros de toda
parte do mundo para trabalhar ou fazer arte. Agora, o Grupo dos Cinco era
composto por ela,Oswald, Sérgio Milliet, Brecheret e o pianista Souza
Lima: “a modernidade de Paris.” Mário estava excluído. Oswald certamente
não concordaria com essa nova formação, uma vez que tinha má impressão
de Brecheret. Ele mesmo, maldoso, escreveu ao próprio Mário dizendo:
“Brecheret está fazendo um autorretrato: um cavalo em tamanho natural.”
Por sua vez, Tarsila não via mais Anita como a amiga dos primeiros
tempos. Em carta à família, confessava: “Acha-se também aqui o Di
Cavalcanti, pintor do Rio muito considerado. Ele e Anita disputarão a mim
o primeiro lugar na pintura moderna brasileira. Apesar da grande confiança
em mim, creio urgente ativar meus estudos. Esperei Anita também para
saber como seria recebida aí a exposição que levo. Ela me deu, no nosso
primeiro encontro no hotel, a noção de que em vez de uma amiga tenho
uma rival.” O clima iria azedar ainda mais. Tarsila repetiria com Anita a
concorrência que havia entre Oswald e Mário.
Em abril, o casal já recebia um ou outro conhecido francês em casa. Os
contatos foram feitos através de Blaise Cendrars. Este, por sua vez, tinha
como contato o mecenas e amigo Paulo Prado, riquíssimo homem de
negócios paulista, além de escritor e historiador, que o aproximou dos
brasileiros. Poeta conhecido por várias publicações e passagem por Nova
York, Cendrars era o representante máximo da poesia abstrata e
revolucionária elaborada nos anos que precederam a Primeira Guerra. Seus
“poemas elásticos” foram dedicados aos amigos Marc Chagall e Fernand
Léger. A esposa de Delaunay, Sonia, ilustrou seu clássico “A prosa do
transiberiano”. Cendrars foi elevado por Tarsila e Oswald ao status de guru.
Ele os apresentou a Jean Cocteau e a Eric Satie – ambos, aliás, se
detestavam e nunca se encontraram na casa dos brasileiros. E a André Lhote
e Juan Gris. Seguiram-se visitas aos ateliês de Léger, Delaunay e Brancusi.
Num almoço oferecido ao guru, foi servida “caninha” perfumada, café e
cigarros de palha. O exotismo brasileiro competia com o africano, tão em
moda em Paris. O estilo de vida que o casal levava refletia as posses de
ambas as famílias. E a dose de excentricidade incentivava o interesse dos
franceses, que nunca lhes deram, porém, maior intimidade. Léger, por
exemplo, só se dirigia a Tarsila como madame Amaral.
Apresentada à única pintora entre pintores cubistas, Marie Laurencin,
que a presenteou com um guache – um vaso azul com flores coloridas –,
Tarsila disse que “sem desejar ir além de suas forças, copiando a si própria
na beleza das suas composições, talvez tenha atingido a felicidade para a
qual todos nós corremos”. Seus temas? Meninas correndo pelos campos,
flores, “sonhos bons”. Era a Tarsila romântica se inspirando. De Sonia
Delaunay, ela compraria “vestidos simultaneístas”, ou seja, feitos em
tecidos coloridos de faixas coloridas e círculos “órficos”. Também foi
apresentada a dona Olívia Guedes Penteado, milionária amiga de Paulo
Prado, dona de um apartamento em Paris onde levava vida social agitada e
educava as duas filhas.
Segundo Mário, tais contatos apenas sublinharam o deslumbramento
dos brasileiros. Um deslumbramento de fato, desde que passaram a
frequentar a casa de Paulo Prado. Oswald chegou a chorar de emoção ao ser
convidado pela primeira vez à mesa de dona Olívia Penteado. Tinham ido a
Paris como “burgueses” e viraram “futuristas”: “Mas é verdade que
considero vocês todos uns caipiras em Paris. Vocês se parisianizaram na
epiderme. Isso é horrível!” – cravou Mário.
Em junho de 1923, o casal ofereceu um almoço a Cendrars. Nasceu a
ideia de levá-lo ao Brasil. Uma retribuição, sem dúvida, por todas as
apresentações feitas por ele. Quando conheceu Cendrars, Tarsila já fazia
aulas com Albert Gleizes, autoproclamado fundador do cubismo que estava
a caminho do abstracionismo. Dele, receberia, como ela mesma contou, “a
chave do cubismo”. Ela passaria também a assistir às aulas de André Lhote,
que, como sugeriu Mário, seria melhor influência para sua pintura. Num
barracão em Montparnasse, “uma grande família simpática” de alunos se
reunia à volta do homem baixinho que explicava como adaptar as
composições de mestres do passado às exigências contemporâneas. A
assistente do mestre cobrava de Tarsila uma pintura mais ingênua, mais
humilde, mais sincera. “Pinte com a inocência de uma criança”,
recomendou. Ali ela estagiou durante três meses.
Desta época, temos seu Autorretrato com mantô vermelho. Os olhos
esfumaçados fixam sem timidez o espectador. O pescoço de pele clara e
comprido emerge da imensa gola vermelha como uma flor. A boca é outra
flor vermelha. O vermelho da paixão? O modelo era do costureiro Jean
Patou. À época, ela frequentava o ateliê de Fernand Léger, pois ficou amiga
da esposa dele. O homenzarrão de cabelos também vermelhos levou Tarsila
para o mundo das máquinas que ele gostava de pintar (e que dizia preferir
ao sorriso de Mona Lisa).
Data dessa época outro importante trabalho: A negra. Integrado ao
movimento cubista, o quadro de mais de um metro e meio de altura
evocava, segundo a pintora contou mais tarde, imagens da infância:
“Porque eu tenho reminiscências de ter conhecido uma daquelas antigas
escravas que moravam lá na nossa fazenda e ela tinha lábios caídos e seios
enormes, porque, me contaram depois, naquele tempo as negras amarravam
pedras nos seios para eles ficarem compridos e elas jogarem para trás e
amamentarem a criança presa nas costas.” Mas o quadro exalava também a
essência do que se fazia em Paris. De Cézanne a Picasso, muitos foram
influenciados pela arte negra ou “primitiva”, como era chamada. Dela,
extraíram um novo repertório de formas. O México e o Brasil começavam a
entrar no radar dos exotismos.
Em carta à família, datada de 19 de abril de 1923, Tarsila declarava:
“Sinto-me cada vez mais brasileira: quero ser a pintora da minha terra.
Como agradeço por ter passado na fazenda a minha infância toda. As
reminiscências deste tempo vão se tornando preciosas para mim. Quero, na
arte, ser a caipirinha de São Bernardo, brincando com bonecas de mato
como no último quadro que estou pintando.” A tela se intitulava A
caipirinha. Enquanto não era ainda a “pintora da terra”, desfilava em
jantares, com vestidos caríssimos de Jean Patou: “Parecia uma rainha...
Todos os olhares convergiam para mim” – escrevia à família.
Em carta de 22 julho de 1923, anunciou a Mário que iria ao Brasil e
tentou desfazer as fofocas de Oswald contra ele. Fofocas, diga-se de
passagem, venenosas, e que mergulharam Mário em profunda mágoa, além
de terem feito com que ele ouvisse insultos. Não se sabe, porém, se,
apaixonada como estava, Tarsila se dava conta do caráter do companheiro.
Levava para Mário uma tela comprada ao professor, Futebol, sobre a qual
Lhote lhe pediu que não contasse a ninguém o bom preço que pagou.
Enquanto isso, em tom de bem-humorada chacota, Mário criticava os
modismos importados e convidava o casal a participar do movimento da
“mata virgem”!
Tarsila voltou em dezembro. Ela e Oswald tiveram o cuidado de
organizar o retorno separadamente. Apesar do “vanguardismo”, eles
mantinham discrição sobre o relacionamento. Nas cartas que trocaram
quando ela estava em Paris, usavam até pseudônimos. Ela se assinava
“Luiza”. Embora estivessem juntos, continuava casada. Se descoberto, o
assunto seria um escândalo: “Rasga todas as minhas cartas que estão na tua
carteira. Nada de romantismos. Rasga esta e as outras que receberes...
cuidado.” A correspondência cifrada do casal denunciava tanto a paixão
quanto o pavor de Tarsila.
Nas fotos, Tarsila é sempre o rosto oval, de boca vermelha, de cabelos
presos e longos brincos. Mas quem recebeu o repórter do jornal Correio da
Manhã, a bordo do navio Orânia, nas águas da Guanabara, em meio a um
grupo em traje black-tie, foi uma mulher madura de corpo e alma. Segundo
a matéria, publicada entre notícias sobre a revolução no México e a coluna
de economia, Tarsila, “a interessante e brilhante artista brasileira”, passou
pelo Rio com destino a Santos. De acordo com o jornalista, ela era “umafigura curiosa sob todos os sentidos. Temperamento sensível e moderno, ela
não podia deixar de tomar parte como tem tomado do grande movimento
que nestes últimos tempos revoluciona a arte em geral”. Numa longa
entrevista, Tarsila respondeu sobre o estado atual das artes na Europa; sobre
as características do cubismo e seus precursores; sobre a má vontade e os
preconceitos quanto ao movimento, que já tinha se instalado na indústria, na
moda, no mobiliário e até nos brinquedos; sobre quem foi o primeiro
cubista; e sobre o interesse que ia nascendo na França acerca do Brasil.
Perguntada sobre se pretendia expor seus trabalhos, respondeu:
“Pretendo, sobretudo, trabalhar. Sou profundamente brasileira e vou estudar
o gosto e a arte dos nossos caipiras. Espero, no interior, aprender com os
que ainda não foram corrompidos pelas academias. Pintar paisagens e
caboclos do Brasil não é ser artista brasileiro, como não é ser artista
moderno aquele que realisticamente pinta máquinas e deforma figuras.”
Perguntada se não cairia nas imitações da Europa, respondeu: “Não. O
cubismo liberta, porque tem a vantagem de ser uma escola da invenção.” E
mais adiante: “O cubismo é exercício militar. Todo artista, para ser forte,
deve passar por ele.” E despediu-se da equipe de reportagem com um aperto
de mão.
Dois meses depois, em fevereiro de 1924, Blaise Cendrars chegava ao
Brasil. O convite foi bancado por Paulo Prado. O poeta foi barrado na
alfândega do Rio de Janeiro. Confundido com “imigrante com defeito
físico” – esses eram proibidos por lei de entrar no país –, teve que explicar
que era jornalista, mutilado de guerra e amigo de Prado e Washington Luís.
O escândalo foi estampado nas primeiras páginas de vários jornais!
Enquanto isso, em Paris, um jornal literário noticiava que Cendrars
tinha recebido de presente milhares de hectares num lugar inacessível e que
estaria preparando um filme sobre o Brasil. E outro periódico se perguntava
se ele iria escrever sobre as plantações de café brasileiras. A viagem ao
interior do Brasil que mudaria a pintura de Tarsila era a mesma que, na
França, servia para ironizar Cendrars. Em 5 de fevereiro, de terno, gravata e
chapéu na mão esquerda, ele ganhou foto na capa de A Noite. Uma longa e
elogiosa nota contava que tinha sido recebido no Rio por Graça Aranha, um
dos organizadores da Semana de 22, junto com um grupo de jovens
literatos, e que, depois de um passeio turístico, fora levado a comer peixada
regada a pinga no restaurante Rio Minho.
A Academia Brasileira de Letras e o Ministério das Relações Exteriores
ignoraram a chegada do famoso e simpático poeta. “Dupla ignorância”,
acusavam os jornais. A Gazeta comemorava a passagem do jornalista da
revista L’Illustration que iria escrever sobre o Carnaval, aproveitar o sol e
estudar o estado de nossa arte. Para O Jornal, ele confessou querer fretar
um navio e trazer turistas franceses para conhecer a festa, além de elogiar as
“mulatas”, os negros e a “graça voluptuosa das danças”. Enfim, Cendrars
foi notícia em toda parte, até no distante Maranhão.
A data não podia ser melhor para apresentá-lo ao Carnaval. Ele viu
desfilar o rancho carnavalesco Ameno Resedá, com seu enredo “Salomão e
a Rainha de Sabá”. E sentiu a batucada dos tambores da Apoteose ao Sol,
prêmio de melhor harmonia. Entre coretos esplêndidos, oferecidos pelos
negociantes locais e alinhados na rua Carolina Machado, Tarsila se
impressionou com uma alegoria de doze metros, criada como decoração de
Carnaval no bairro de Madureira: uma imensa torre Eiffel, munida de uma
engenhoca que fazia girar um dirigível em homenagem a Santos Dumont.
Mais tarde, faria um quadro sobre essa cena inesquecível, que, em 1926,
seria exposto em Paris: entre figuras geométricas e bandeirinhas, figuravam
crianças, mulheres negras com chapéus chamativos ou colares e a imensa
torre de ferro em meio à favela. A festa faria Oswald registrar: “O Carnaval
é o acontecimento religioso da raça.”
No dia 31 de março de 1924, morreu Nilo Peçanha, o primeiro
presidente negro do Brasil. Não se sabe se o assunto chamou atenção dos
modernistas, tão empenhados em estudar a cultura afro-mestiça e seus
protagonistas. Quarenta dias depois do Carnaval, o grande grupo que
acompanhava Cendrars tomou o trem para Minas Gerais. Ninguém sabia
nada. O único que conhecia as cidades coloniais mineiras do ciclo do ouro
era Mário. Junto com ele, além de Cendrars, seguiram Tarsila, Oswald,
Nonê, dona Olívia, seu genro, Gofredo da Silva Teles, e René Thiollier, que
tinha alugado com o dinheiro do próprio bolso o Theatro Municipal para a
realização da Semana. Durante quinze dias, descobriram, encantados, a
beleza singela das cidades mineiras.
Dona Olívia puxava a fila, pois, mecenas generosa, estava acostumada a
convidar amigos para viagens extravagantes. Cendrars a apelidaria
carinhosamente de “Nossa Senhora do Brasil”. Aliás, ela foi dos poucos
“aristôs do dinheiro” – como os chamava Mário – a dar apoio aos
modernistas. “Nenhum ricaço, nenhum milionário estrangeiro nos acolheu
(...), eram mais guardadores do bom senso nacional que Prados e
Penteados”, acusava.
As esculturas do Aleijadinho e o barroco impressionaram o grupo.
Tarsila fez saborosos desenhos em traços rápidos, retratando casarios e
paisagens. Banhou sua imaginação no encanto do abandono da velha Minas
Gerais. Descobriu as cores fortes: azuis, verdes, amarelos – ela as chamaria
“cores de baú”. Descobriu as igrejinhas, festas religiosas e casinhas de
taipa. Nos rostos, o Brasil era uma mistura. Sobre os desenhos e a pintura
de Tarsila de então, Mário avaliava: “Tarsila conseguiu aquela realização
plástica tão intimamente nacional que pra gente da estranja dá sabor de
exotismo.” E Tarsila, enlevada, declarava: “Senti, recém-chegada da
Europa, um deslumbramento diante das decorações populares das casas de
moradias de São João del-Rei, Tiradentes, Mariana, Congonhas do Campo,
Sabará, Ouro Preto e outras pequenas cidades de Minas, cheias de poesia
popular.” A Dulce escreveu: “Fiquei encantada com o passeio a Minas. Lá
estive quinze dias e deixei, por falta de tempo, de ver muita coisa.”
Mário incentivava “a brasilidade” em Tarsila, que pintou, à época,
Morro da Favela e A Cuca. Cendrars também incentivou-a a observar a
cultura popular. A palavra “folclore” entrou nas conversas. Enquanto isso,
Mário alimentava a concorrência com Anita: Tarsila “fez agora um São
Paulo adorável e está fazendo um Morro da Favela que, creio, vai ficar
estupendo”. E, “tu e ela são a esperança da pintura brasileira. Tu no teu
expressionismo, ela no seu cubismo”. “São temperamentos diversíssimos”,
ponderava ele.
Em Belo Horizonte, Tarsila encantou os mineiros. Carlos Drummond de
Andrade, então estudante de odontologia e farmácia, dedicou-lhe um
poema, que dizia em alguns dos versos:
Tarsila relâmpago
de beleza no Grande Hotel de Belo [Horizonte em 24
acabando com o mandamento das [pintoras feias
Quero ser em arte
a caipirinha de São Bernardo
Seu amigo Pedro Nava, estudante de medicina e também interessado no
“modernismo”, cantou: “A coisa mais linda, senhores! Que estava lá:
Tarsilalá do Amaralalá.” E Mário fazendo coro: “És deusa, tenho certeza
disso: pelo teu porte, pela tua inteligência, pela tua beleza.”
O encontro ficou registrado por Drummond: “Uma tarde, em 1924,
tivemos notícia de que no Grande Hotel se hospedava uma caravana
modernista de São Paulo. Lá estavam Mário e Oswald de Andrade, este
com seu filho Nonê, garoto de 10 anos, mais tarde pintor; Tarsila do
Amaral; dona Olívia Guedes Penteado, que mantinha o salão modernista de
São Paulo; o dr. Gofredo Teles; e o poeta francês Blaise Cendrars.
Assistimos ao final do jantar (mineiros e precavidos, já tínhamos jantado).
Depois, saímos todos, rua da Bahia abaixo, em direção à avenida Afonso
Pena. Conversa generalizada e alegre, com Oswald em sua natural
desenvoltura, Cendrars expandindo sua curiosidade de francês interessado
em tudo, principalmente em captar a cor local da vida mineira. No
desenvolver desse multidiálogosem rumo, foi-se logo revelando, para mim
e meus companheiros, a personalidade de Mário. Mesmo brincando, ele
inspirava uma confiança intelectual que Oswald, muito mais brilhante e
imprevisto, seria incapaz de despertar.”
De volta a São Paulo, nasceu o movimento Pau-Brasil, inspirado em
textos de Oswald e na pintura de Tarsila. Mais tarde, em entrevista à revista
carioca Crítica, ela diria: “Se alguma coisa eu tenho de bom na minha arte,
é a sua brasilidade espontânea de 1924 para cá, isto é, da fase que eu chamo
Pau-Brasil e, ultimamente, da fase Antropofágica.” Na casa dela, à alameda
Barão de Piracicaba, o casal recebia os amigos. Mário apelidou-os de
“Tarsiwald”.
Ela também foi aplaudir Cendrars nas conferências que fez sobre arte
negra, na Villa Kyrial, chácara com sete mil metros quadrados, localizada
na rua Domingos de Morais número 10, um reduto cultural, inspirado na
moda dos “salões europeus”, pertencente ao mecenas José Freitas Valle. E
depois, quando falou sobre arte no Conservatório Dramático e Musical de
São Paulo, onde Mário era professor de história da música e estética
musical. Uma exposição de modernos da escola de Paris pertencentes às
coleções de dona Olívia e Paulo Prado foram exibidos, além da tela Estrada
de Ferro Central do Brasil, da lavra da própria Tarsila. Seguiram-se
jantares literários e chás na residência de dona Olívia, e a pintora escreveu à
filha, que estava em Londres: “Tenho feito um sucesso colossal por aqui.
Há dois dias Cendrars fez uma conferência e expôs três telas minhas no
meio de outros grandes artistas modernos.”
Ela voltou para a França em novembro. A anulação do casamento
finalmente saiu. De Paris, escreveu aos pais. Em sua nova vida, os
sobrinhos de quem cuidava, filhos de seu irmão Oswaldo, não cabiam mais:
“Querido papai. Não se admire se dentro de pouco tempo eu aparecer aí
com as crianças. Estou cansada de me dedicar a eles e de viver dias e dias
sem ter um minuto para pensar na arte. Além do meu sacrifício, pagam-me
com ingratidão. Maria às vezes é muito boazinha e outras é tão rebelde que
me deixa desanimada, desobedecendo-me com teimosia. Estou
contrariadíssima. Se mamãe não vier em março, em abril levarei todos para
aí. Peço as bençãos de meus pais adorados.” Não se sabe que espaço
haveria para Dulce, entre o absorvente Oswald e a pintura.
Aliás, ela também escreveu à mãe mencionando a passagem de Oswald
por Paris, quando o escritor cobriu a Dulce e a ela de amabilidades. A
responsabilidade de cuidar de crianças, papel exemplar que exerceu sem
queixas até pouco tempo antes, agora a transtornava. Tarsila se tornou a
mulher plena, apaixonada. Não mais a santa: “Até agora estou aqui como
mãe de família.” Bastava! E as economias também sofriam por conta das
despesas com os pequenos. Por exemplo, sobre os feriados de novembro,
Todos os Santos e Armistício, escreveu: “Talvez nesses dez ou doze dias
saiamos de Paris. Minhas finanças não aturariam um mês de hotel com a
criançada.”
Enquanto isso, trocava cartas e bilhetes de amor com Oswald onde se
assinava com pseudônimos: Albertina ou Porquéria. Ele se assinava Onofre
ou Juzero. Tentavam encobrir de todas as formas seu romance. Ser pintora
modernista já era transgressivo. Ser malfalada, um castigo. Oswald
respondia em linguagem acaipirada: “VORTE! VORTE, minha mulher!” E
ela: “Horrível Paris sem ti.” E ele: “Mundo horrível sem ti.” Depois de
oficializado o noivado, como por encanto, o tom amoroso desapareceu por
parte dele. Passou a assinar-se O e dava-lhe tratamento cerimonioso e
cordial.
Em dezembro, Oswald partiu para Paris, seguido de Cendrars, que
levou consigo as imagens da Revolução de 1924, em São Paulo, contra o
presidente Artur Bernardes: trincheiras na avenida Paulista, bombas e som
de metralha. Enquanto nos salões se conversava sobre a broca que atacava
os cafezais, nas casernas matavam-se oficiais e a tropa saía atirando pela
cidade. Nada disso mudou a opinião do poeta. Em entrevista a Sérgio
Buarque de Holanda para O Jornal, Cendrars vaticinaria que “o futuro do
homem branco estava na América do Sul e em especial no Brasil”. À
Gazeta de Notícias disse que “O Brasil é um país espantoso, é a terra das
possibilidades”. Todos pareciam maravilhados em ter descoberto o país que
desconheciam.
Cendrars retribuiu as gentilezas recebidas no Brasil com a moeda de
troca: convidou Tarsila para ilustrar seus dois livros (Feuilles de route e Le
formose), que traziam poemas sobre a viagem. Na dedicatória que lhe fez,
chama-a de “o pássaro azul cor do Brasil”. A crítica francesa viu nas
ilustrações de Tarsila uma visão cheia de ingenuidade e frescor das terras
exóticas.
Houve uma época de correspondência intensa entre os amantes até
Oswald se decidir ir a Paris. Ao chegar, no final de 1925, foi até a casa de
campo de Cendrars, onde estavam convidados para passar o Natal, e de lá
enviou uma carta-telegrama a Tarsila: “Dezembro, 14. Aos seus argumentos
d’outro dia, oponho a minha vontade de terminar com este estado de coisas.
Quero casar-me com você. Será toda a minha felicidade e a sua. Autoriza-
me você a agir nesse sentido? Pensei bem antes de lhe escrever esta carta.
Posso considerar-me seu noivo com a necessária reserva? Irei buscar a
resposta amanhã. Seu, inteiramente, Oswald. Pode fazer o uso que quiser
desta carta.” Enfim, noivos.
No início de janeiro de 1926, partiram num cruzeiro pelo Mediterrâneo.
Tarsila levou Dulce. Queria compensá-la por tantas férias passadas nas
mãos das freiras do Sion. Oswald escreveu aos futuros sogros explicando o
passeio com a filha de Tarsila: “Como recompensa a Dulce que foi muito
boazinha no colégio e que me esperou com tanta paciência.” Ele levaria
Nonê, também. Viajaram pelo Oriente Médio, acompanhados por dois
casais de amigos. Mário, irônico, lhes escreveu perguntando “se os orientes
são mesmo perfumados”. E queixava-se de que Oswald continuava o
“enquizilando”, ou seja, aborrecendo-o com seu péssimo hábito de fazer
piadas de mau gosto com Mário.
Foi o momento de unir a nova família. Todos em Paris. Dulce escrevia à
avó: “Em vez da calma que esperávamos ter, tem sido um alvoroço que não
acaba. Mamãe começou pelos vestidos de Poiret, já escolheu toilettes
magníficas que a deixam linda como a senhora. Eu, por ter sido boazinha,
arranjei dois presentes extraordinários (...), dois vestidos lindíssimos de
Poiret pois tenho direito de seguir a pose de mamãe.” Gastavam.
Compravam e gastavam. Oswald adquiriu a mobília da casa. Seguiram-se
louças, cristais, serviços de chá e garrafas de vinho para a adega da fazenda.
Era uma “jogada alta” explicada à família com desculpas de que a vida
artística e uma nova posição social assim o exigiam.
Mário estava certo: ambos se deslumbraram agora na companhia de
dona Olívia e Paulo Prado, ícones da elegância paulistana. Megalômano,
Oswald sonhava até com uma viagem a Roma e uma benção papal sobre os
noivos: “Um casamento completo!” A pintora Angelina Agostini, que
outrora dividira um ateliê com Tarsila, também achou a movimentação
estranha: “Quando vi Tarsila e Oswald mexendo em coisas, tomando
providências, festas e casamento, pensei: não vai dar certo. Se estava tudo
bem, por que precisava mudar?” Sobre a exposição, Cendrars também
temia pelos excessos do evento. Ela não podia ser uma “manifestação sul-
americana”; ou seja, uma coisa estridente, cafona.
Sim, pois logo Tarsila faria uma exposição na Galerie Percier, na rue de
la Boétie. Numa foto, ela aparece junto à tela Morro da Favela: cabelo
gomalinado e preso em coque, lábios vermelhos, brincos compridos e roupa
xadrez. O catálogo teve apresentação de Cendrars, e os quadros, molduras
caríssimas em pele de cobra, espelhos e couro. Segundo Tarsila, seriam
“quadros-objeto”.
Anita foi ver. Embora admirasse Tarsila e Oswald, não apreciou a
exposição. Escreveu a Mário, que lhe respondeu: “Não pense que não gostei
da opinião de você sobre Tarsila. Está visto que não tenho a mesma opinião,
porém isso não impede que ache a de você perfeitamente plausível e

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