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Caracterização e apreciação de um troço no setor inferior do rio Tejo entre Valada do Ribatejo e Porto Muge Docente: Profª Maria Ilhéu Realizado por: José Ramos nº55123 Unidade Curricular: Ecossistemas Terrestres e Aquáticos Introdução A caracterização do troço nas coordenas 39°6'1.42"N 8°44'33.29"W (margem direita) e 39°5'50.21"N 8°44'18.29"W (margem esquerda) do rio Tejo entre Valada do Ribatejo e Porto de Muge (anexo 7), enquadra-se no desafio de compreender um sistema fluvial a partir de uma abordagem integrada, aliando a experiência direta, a análise objetiva e a apreciação sensorial. Este trabalho visa descrever de forma sumária e fundamentada a geografia, geomorfologia, hidrologia, solos, clima e vegetação deste setor do baixo Tejo, articulando dados institucionais com observações de campo realizadas em abril e maio de 2025. O percurso inclui a análise de aspetos do macro habitat (profundidade, velocidade da corrente, transparência e cor da água), a identificação da vegetação ripícola e a avaliação do uso do solo nas margens. Por fim, integra- se uma apreciação holística do local, valorizando as dimensões sensoriais e estéticas do ambiente ribeirinho, conforme proposto no desafio, para uma compreensão mais completa da identidade e dinâmica deste troço fluvial. Caracterização biofísica Geomorfologia e geologia A região integra uma extensa planície aluvial, de relevo suave, praticamente plano, onde o rio Tejo meandreia com margens baixas e frequentemente inundáveis. Estas áreas funcionam como zonas de deposição e cheias sazonais, essenciais para a recarga dos aquíferos e a deposição de sedimentos férteis (Meteorologia en Red, 2021). Geologicamente, a área insere-se em formações do Quaternário, do período Holocénico na margem direita e do período Pliocénico na margem esquerda, constituídas por depósitos fluviais pouco consolidados: areias, siltes, argilas e cascalheiras. Em profundidade, ocorrem formações do Miocénico (anexo 8), como os grés de Ota e os calcários de Almoster (Ministério do Ambiente, Instituto da Água, 2001, p. 81). Estas formações constituem os principais substratos geológicos e aquíferos locais (LNEC, 2011). O substrato perto das margens é composto por sedimentos arenosos e argilo- limosos, com elevada porosidade e baixa coesão superficial, conferindo boa permeabilidade, mas também suscetibilidade à erosão fluvial em caso de variações intensas de caudal (observação pessoal). Hidrologia e hidrogeologia A caracterização hidrológica da região permite avaliar a disponibilidade e o comportamento da água à superfície, com base em parâmetros como o escoamento médio anual e o regime de precipitação. Em complemento, a caracterização hidrogeológica permite compreender a estrutura e o funcionamento dos aquíferos nas duas margens do Tejo, essenciais para a gestão dos recursos subterrâneos. O escoamento médio anual na área em estudo é de aproximadamente 206 mm (Instituto da Água, 2001, p. 61 a 66), refletindo a vazão total observada num ponto de medição ao longo de um ano. Este valor indica uma disponibilidade hídrica moderada, influenciada pelo regime de precipitação, pelas características do solo e pela cobertura vegetal, sendo um parâmetro fundamental para a avaliação do balanço hídrico da bacia. Na margem direita, o sistema aquífero é multicamada, com unidades confinadas e livres (LNEC, 2011, p. 833–836). Na margem esquerda, o aquífero é também multicamada, mas poroso (LNEC, 2011, p. 836–838). Em função das condições hidrodinâmicas e geomorfológicas locais, o rio Tejo pode funcionar como zona de recarga das massas de águas subterrâneas durante períodos húmidos, ou como zona de descarga em condições mais secas. As interações entre águas superficiais e subterrâneas são influenciadas por gradientes hidráulicos temporários e contribuem de forma significativa para o balanço hídrico regional (LNEC, 2011, p. 124 e 132). A produtividade dos furos na região varia significativamente em função do substrato, atingido, tendencialmente, valores médios a altos (≥ 1 L/s a >6 L/s), sendo mais altos em zonas arenosas espessas (Almeida et al., 2000; Oliveira et al., 2000, como citado em LNEC, 2011, p. 132). Clima A região apresenta um clima mediterrânico do tipo Csa, com verões quentes e secos e invernos curtos e húmidos (Instituto Português do Mar e da Atmosfera [IPMA], 2024; Kottek et al., 2006). A precipitação anual situa-se entre 600 e 800 mm, concentrando-se de outubro a março, enquanto o verão apresenta escassez hídrica e elevada evapotranspiração (IPMA, 2024). As temperaturas médias variam entre 9–11 °C em janeiro e 23–26 °C em agosto (IPMA, 2024). A insolação anual ultrapassa frequentemente as 2.800 horas, o que contribui para défice hídrico no verão, afetando a recarga de aquíferos e a disponibilidade de água superficial, além de potenciar eventos extremos como secas e chuvas intensas (IPMA, 2024; Laboratório Nacional de Engenharia Civil [LNEC], 2011) Solos A região é caracterizada por Fluvissolos êutricos, solos jovens, férteis e bem drenados, desenvolvidos em material aluvionar recente. Têm elevada aptidão agrícola, mas são suscetíveis à compactação e erosão quando mal geridos (FAO, 2014, pp. 157–158) Usos do solo Margem Direita • Uso urbano consolidado (habitação e serviços); • Infraestruturas de apoio à agricultura (sistemas de rega da Vala Real, armazéns agrícolas); • Infraestruturas de apoio ao turismo fluvial (Praia Fluvial de Valada, Cais Fluvial de Valada, Parque de Merendas, bar de apoio, instalações sanitárias); • Espaços verdes e zonas de lazer (junto ao rio Tejo). Margem Esquerda • Culturas anuais (milho, tomate, cereais); • Vinha (vinhas da Lezíria do Tejo); • Exploração de areia (areeiro licenciado, anexo 2). Vegetação ribeirinha Margem Esquerda Nesta margem, a vegetação ripícola é composta por um salgueiral (anexo 3), com presença de salgueiro-branco (Salix alba) e também de salgueiro-chorão (Salix babylonica), uma espécie exótica, introduzida sobretudo com fins ornamentais. A galeria ripícola encontra-se fragmentada devido à presença de um areeiro (exploração de areia), o que afeta negativamente a continuidade ecológica e a integridade do ecossistema ribeirinho. Observam-se ainda alguns exemplares de álamos com características morfológicas sugestivas de hibridização, possivelmente entre o álamo-negro (Populus nigra) e o algodão-americano (Populus deltoides), embora tal identificação não esteja confirmada (há relatos de ocorrências semelhantes em Santa Maria da Feira). Margem Direita A galeria ripícola nesta margem (anexo 4) apresenta-se mais contínua e estratificada, com a vegetação organizada em faixas sucessivas segundo a proximidade ao curso de água: • Junto à margem, domina o salgueiro-branco (Salix alba), adaptado a solos húmidos e encharcados; • Mais afastado da linha de água, ocorrem álamos-negros (Populus nigra), associados a uma cobertura herbácea dominada por embude; • Numa faixa intermédia, observam-se leitaruga e algumas figueiras (Ficus carica) dispersas; • Seguem-se áreas onde predomina o freixo (Fraxinus angustifolia), com presença pontual de choupos-brancos (Populus alba); • Na zona mais distante da margem, surgem espécies como alfavaca-de- cobra e cana. Importa destacar que esta margem integra áreas classificadas como habitats 91B0 – freixiais termófilos, considerados habitats naturais prioritários pela Diretiva Habitats da União Europeia, no âmbito da Rede Natura 2000. Esta classificação confere à vegetação ribeirinha desta margem um elevado valor ecológico e conservacionista, reforçando a necessidade de medidas de proteção e gestão sustentável do ecossistema fluvial. Perfil longitudinal(secção Chamusca-Vila Nova da Rainha) • Declive: constante, cerca de 0,25 × 10⁻³ (desce 0,25 a 0,30 metros por quilómetro), indicando um trecho de declive muito suave. (APA, 2001, p. 33); • Cota do leito: varia entre aproximadamente -5m e +10m em relação ao nível médio do mar, dependendo da posição ao longo do trecho (APA, 2001, p. 34); • Irregularidades: presença de contra-pendentes e variações locais no leito (APA, 2001, p. 33); • Bancos de areia: bancos alternados com comprimento de onda cerca de 1,5 km, deslocando-se para jusante (APA, 2001, p. 35); • Erosão: a partir da década de 1980, erosão dos bancos, exceto onde há vegetação (APA, 2001, p. 35); • Sinuosidade: reduzida (APA, 2001, p. 35). Características hidromorfológicas Abrange os parâmetros físicos transversais e laterais do rio, relevantes para a sua dinâmica hidráulica. • Distância à nascente: Cerca de 930 km, a partir da Serra de Albarracín, Espanha (cálculo com base em LNEC, 2011). • Largura do troço: Aproximadamente 502 metros (Google Earth, 2025) • Área drenada: Cerca de 78.000 km² (LNEC, 2011). • Ordem do curso de água: Elevada, entre 7 e 8 na escala de Strahler (Oliveira et al., 2004). Aspetos de macrohabitat (observações in situ) Caracterização ecológica do habitat físico onde ocorre a biota aquática. Profundidade perto da margem: • 17 de abril de 2025: 3,4 m (a 6 m da margem); • 17 de maio de 2025: sem dados (limitações de recursos). Disco de Secchi: • Profundidade de visibilidade do disco de Secchi dia 17 de abril de 2025 (anexo 1): 74–80 cm (transparência típica para um troço de planície aluvial com influência de sedimentos em suspensão); • Profundidade de visibilidade do disco de Secchi dia 17 de maio de 2025: 86–90 cm (melhoria na transparência, possivelmente devido à redução da turbidez ou estabilização das condições hidrológicas). Cor da água: • 17 de abril de 2025: esverdeada com tonalidade de castanho; • 17 de maio de 2025: esverdeada com tonalidade de castanho (mais intenso) Velocidade da corrente: • 17 de abril de 2025: 0,033 m/s; • 17 de abril de 2025: 0,125 m/s. Substrato: • Areia fina e sedimentos argilo-limosos (anexo 6), pouco consolidados, com elevada mobilidade e suscetibilidade à erosão (LNEC, 2011; observações de campo, 2025). Tipologia de habitat: Tipo: Pool e ocasionalmente runs em zonas de maior declive. Elevada profundidade (a ~75km da foz), corrente lenta, ausência de turbulência e substrato predominantemente fino. Estas zonas funcionam como áreas de acumulação sedimentar e refúgio ecológico (Allan & Castillo, 2007; Frissell et al., 1986). Classificação segundo a DQA De acordo com a Diretiva Quadro da Água (DQA), este troço do rio Tejo está classificado como: Massa de água superficial fortemente modificada (APA, 2019). Apreciação Ao observar e experienciar o troço do rio Tejo entre Valada do Ribatejo e Porto de Muge, nota-se um ambiente ribeirinho marcado por grande amplitude visual, com margens baixas, vegetação ripícola quase sempre presente e zonas de uso agrícola e urbano. O som predominante é o da água a correr de forma lenta, acompanhado por sons de aves e, ocasionalmente, de atividade humana. O solo junto à margem é arenoso e húmido ao toque, refletindo a natureza aluvionar da região. O ar apresenta-se fresco, com cheiro a terra e vegetação. A luz é intensa, típica do clima mediterrânico, e contribui para realçar os contrastes da paisagem. No geral, este troço do Tejo transmite uma sensação de espaço aberto e equilíbrio entre elementos naturais e modificações humanas, proporcionando uma experiência sensorial integrada e coerente com a identidade associada a um ecossistema ribeirinho do baixo Tejo. Conclusão Em síntese, o troço do rio Tejo entre Valada do Ribatejo e Porto de Muge revela-se como uma área onde a presença de processos naturais e a intervenção humana se equilibram, refletindo as características típicas de uma planície aluvial do baixo Tejo. A diversidade de usos do solo, a vegetação ripícola ainda presente e as dinâmicas hidrológicas e geomorfológicas conferem a este setor valor ecológico e paisagístico. Apesar das alterações e pressões humanas, o troço mantém funções importantes para o ecossistema e para as comunidades locais, destacando-se a necessidade de uma gestão que concilie a conservação e a utilização sustentável deste ambiente ribeirinho. Referências e bibliografia • Agência Portuguesa do Ambiente. (2001). Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Tejo. Agência Portuguesa do Ambiente. • Agência Portuguesa do Ambiente. (2019). Plano de Gestão das Regiões Hidrográficas 2022–2027. Agência Portuguesa do Ambiente. • Agência Portuguesa do Ambiente. (2022). TAGIDES nº 7 – Clima e recursos hídricos: tendências e projeções em Portugal Continental. https://apambiente.pt • Allan, J. D., & Castillo, M. M. (2007). Stream ecology: Structure and function of running waters (2nd ed.). Springer. • Direção-Geral do Território. (2018). Carta de Ocupação do Solo. https://www.dgterritorio.gov.pt/ • FAO. (2015). 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