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ECONOMIA BRASILEIRA AULA 2 Prof. Walcir Soares da Silva Junior 2 CONVERSA INICIAL Da Era Vargas ao Milagre No contexto da Grande Depressão de 1929, o Brasil se deparou com uma conjuntura desafiadora, que exigia respostas criativas e transformações estruturais. Além dos efeitos devastadores da crise mundial, o país se confrontava com a crise de superprodução do café, seu principal produto de exportação, e com uma série de entraves que limitavam o avanço de sua indústria incipiente. Diante desses obstáculos, a economia brasileira se viu compelida a buscar soluções internas para enfrentar as dificuldades. A política de substituição de importações emergiu como estratégia fundamental, impulsionando o surgimento de uma indústria leve voltada para atender às demandas do mercado interno. No entanto, o Brasil ainda enfrentava desafios consideráveis relacionados à infraestrutura precária, o que dificultava a consolidação de uma indústria mais avançada e diversificada. Além disso, os esforços governamentais para proteger a cafeicultura e estimular a economia agrícola conduziram o país a uma crescente dependência do endividamento externo, exacerbada pela desvalorização da moeda e pela queda dos preços internacionais do café. Essa conjuntura complexa criou um ambiente propício para profundas transformações. Nesse contexto desafiador, o Brasil se viu confrontado com a necessidade premente de reestruturar sua economia e buscar alternativas para superar os obstáculos impostos pela crise. A busca por maior autonomia econômica e diversificação produtiva tornou-se uma prioridade urgente, impulsionando mudanças significativas nos rumos da economia brasileira. No presente capítulo, nosso objetivo é explorar essas transformações e analisar seus desdobramentos, investigando como o Brasil enfrentou os desafios do período e estabeleceu as bases para o desenvolvimento econômico e industrial que moldariam as décadas seguintes. Ao compreender o panorama histórico e as estratégias adotadas para enfrentar a crise, seremos capazes de reconhecer os principais marcos e impasses que moldaram a economia brasileira. Mais do que uma mera descrição de eventos, nossa análise busca identificar as motivações, as escolhas políticas e os impactos socioeconômicos dessas transformações. Dessa forma, poderemos compreender as raízes do desenvolvimento industrial posterior e 3 refletir sobre as lições aprendidas, buscando alternativas para um futuro de maior resiliência, inclusão e prosperidade para o Brasil e sua população. TEMA 1 – A ERA VARGAS (1930-1945) Segundo Silveira Filho (2000), a indústria nacional cresceu, de 1933 a 1939, 11,3%, em comparação com 1,7% de crescimento da agricultura, demonstrando a importância crescente da indústria na economia brasileira, ainda que as bases fundamentais para o desenvolvimento desta não fossem ainda muito sólidas. O país carecia de bens de capital e de uma indústria de base que permitisse a substituição de importações de bens de consumo duráveis e intermediários. De acordo com Fritsch (1990), o fim da Primeira República marca o início de uma importante transição. A economia primário-exportadora baseada no café, com um regime cambial e comercial relativamente livre, dá lugar a uma economia voltada “para dentro”, com severos controles sobre as transações externas. Getúlio Vargas, junto aos membros da Revolução de 1930, acusavam os feitos da Proclamação da República de 1889 como frutos de um movimento que excluiu a participação do povo brasileiro, por ter sido uma ação puramente militar com raízes fincadas em influências estrangeiras e que sugeria uma nova era nacionalista com ênfase nos direitos trabalhistas e fomento à industrialização. Essa primeira etapa, de 1930 a 1934, ficou conhecida como Governo Provisório (vide Quadro 1). Quadro 1 - Lista de presidentes da república de 1930 a 1946 Período Presidente Denominação 1930 Junta Governativa Provisória Segunda República 1930 a 1937 Getúlio Vargas 1937 a 1945 Getúlio Vargas Terceira República (Estado Novo) 1945 a 1946 José Linhares Fonte: Silva Junior, 2023. Com a promulgação de uma nova Constituição em 1934 e a eleição de Getúlio Vargas, instaurou-se efetivamente uma ideologia nacionalista baseada na preocupação com a ameaça comunista. O período entre 1934 e 1937 ficou 4 conhecido como Governo Constitucional. Posteriormente, com apoio dos militares e popular, acontece o Estado Novo, de 1937 a 1945, período conhecido como a Terceira República. Segundo Abreu (1990, p. 90): A implantação do Estado Novo em novembro de 1937 correspondeu ao amadurecimento de tendências já detectáveis em alguns casos até mesmo antes de 1930. Assim, dada a inexistência de estruturas partidárias nacionais e a desestruturação política das forças que haviam viabilizado 1930, consolidou-se a reversão da descentralização republicana, fortalecendo-se o poder central, sendo criadas agências governamentais com objetivos reguladores na área econômica. Silveira Filho (2000) traduz essa mudança de postura do Estado em Getúlio Vargas: o Estado passa de regulador da economia para produtor. Os lucros da indústria leve não seriam capazes de alavancar uma indústria de base gigantesca. Caberia ao Estado essa mobilização de recursos sem precedentes no país, para assentar os alicerces da industrialização. Ainda que não tenha conseguido realizar todos os investimentos necessários, Getúlio Vargas, nos seus quinze anos de ditadura, conseguiu estabelecer um planejamento de desenvolvimento nunca adotado no Brasil. É interessante perceber que, já nesta época, havia o debate em torno da intervenção do Estado, que este deveria ser o propulsor do desenvolvimento e o foco na economia agrícola era acalorado. Personalidades como Roberto Simonsen1 (defensor do desenvolvimento industrial a partir da intervenção do Estado) e Eugênio Gudin2 (defensor liberal da vocação agrícola brasileira) encabeçavam esse debate. Silveira Filho (2000, p. 21) argumenta que essa postura intervencionista do Estado estava longe de ser imparcial: O intervencionismo declarado não surgiu nem por obra do acaso, nem por racionalização de desejo. Surgiu para apoiar a acumulação geral capitalista e saltar obstáculos intransponíveis. Por isso se confirma o caráter burguês do Estado, na prática, embora advogue, através das mais diversas literaturas, sua imparcialidade, um Estado acima das classes, para promover o bem comum, na teoria. Enquanto houvesse crescimento e emprego para todos, este Estado burguês seria aplaudido e enaltecido como promotor desse bem comum. Segundo Abreu (1990), a decisão de construção da primeira usina siderúrgica em 1940 marcou uma mudança importante no modus operandi do Estado. Controles cambiais e de importações, legislação social e planos de 1 Roberto Simonsen (1889-1948). 2 Eugênio Gudin (1886-1986). 5 desenvolvimento entre Brasil e Estados Unidos foram muito relevantes neste período. Com a Segunda Guerra Mundial, a luta dos brasileiros em terras estrangeiras contra governos autoritários despertou movimentos internos contra a ditadura de Vargas. Mesmo o apoio estadunidense começa a dar lugar a preocupações com a “falta de democracia”. É nesse contexto que Getúlio Vargas renuncia, em 1945. TEMA 2 – A REPÚBLICA POPULISTA Após a Segunda Guerra Mundial, uma nova forma institucional se desenhava na política brasileira: a obtenção do poder pela presença de um líder carismático populista, forma institucional que irá se manifestar por diversas vezes em diferentes períodos da história econômica brasileira. Com o apoio de Getúlio Vargas, Gaspar Dutra venceu as eleições de 1946 e promulgou uma nova Constituição, a quinta do país. O principal projeto desse período e, também, o seu principal fracasso, foi o PlanoSalte, com o objetivo de estimular o desenvolvimento de setores da Saúde, Alimentação, Transporte e Energia no Brasil. O Brasil enfrentava déficits desafiadores nessas áreas, e a falta de infraestrutura acabava por ser um dos gargalos no desenvolvimento da indústria, já cheia de outros gargalos em termos dos vultosos investimentos necessários. No entanto, a pressão inflacionária e a procura por uma estratégia de combate à inflação se traduziram em políticas que penalizavam muito mais os trabalhadores – por meio da desvalorização do salário-mínimo. Além disso, a postura mais liberal do Governo Dutra em relação ao governo anterior e as dificuldades de financiamento levaram ao fracasso e posterior abandono do plano a partir de 1951. Segundo Vianna (1990a, p. 122): O final do Governo Dutra pode ser caracterizado, portanto, no setor interno, pela retomada do crescimento, do processo inflacionário e pela recorrência do desequilíbrio financeiro do setor público e, no setor externo, pelas expectativas favoráveis decorrentes da elevação dos preços do café e da mudança de atitude do governo norte-americano em relação ao financiamento dos programas de desenvolvimento do Brasil. O segundo Governo de Getúlio Vargas, eleito agora pelo voto direto para o mandato de 1951 a 1954, é apresentado por Vianna (1990b) como uma “estratégia bem definida de desenvolvimento econômico”. O projeto de governo 6 consistia em dividir o governo em duas fases, a primeira sendo a estabilização da economia – política monetária restritiva para combater a inflação – e a segunda dos empreendimentos e realizações. Segundo Silveira Filho (2000), fundado em 1952, o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE) poderia financiar o arrojado planejamento de longo prazo, já que os bancos comerciais estavam ocupados, financiando os fazendeiros. A disposição americana em colaborar com o desenvolvimento brasileiro, de acordo com Vianna (1990b), materializou-se na Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, em 1951, que propunha a facilitação no financiamento dos projetos de infraestrutura necessários ao desenvolvimento brasileiro. No entanto, uma grave crise cambial em conjunto com a piora nas relações internacionais com os Estados Unidos, com a mudança de governo (vitória do Partido Republicano e do general Eisenhower nas eleições de 1952), fizeram com que o projeto do governo não pudesse ser levado a cabo. Segundo Vianna (1990b, p. 132), “o governo norte-americano alegou necessidade de conter gastos e negou a existência de compromisso no sentido de fazê-lo até um determinado limite”. Neste período, além da criação do BNDE, a criação da Petrobrás e o controle dos lucros enviados ao exterior pelas multinacionais se tornam feitos importantes do novo governo. No entanto, as dificuldades apresentadas anteriormente, somadas às crises na produção de energia elétrica e o descontentamento por parte dos trabalhadores – ocasionando uma grande greve de mais de 300 mil operários – e da classe média, enfraqueceram o governo politicamente. Getúlio Vargas ficou isolado politicamente e sem o apoio das massas e dos setores empresariais. Uma “tomada de posição majoritária em defesa da democracia”, segundo Vianna (1990, p. 150), “converteu o que seria uma antecipação de 1964 numa administração provisória de gestores de negócios”. O período entre o final do governo Getúlio Vargas e o início do governo de Juscelino Kubitschek é conhecido como o interregno Café Filho, entre 1954 e 1955. Segundo Pinho Neto (1990), de 1945 até 1964 a política não apresentou descontinuidade. O período pode ser caracterizado pela permanência do poder do chamado “pacto populista”, representado pela aliança PSD-PTB, não sem tentativas agressivas da oposição de retirar esses partidos do poder. Segundo Pinho Neto (1990, p. 165): 7 [...] [essa aliança] excluía importantes setores das classes dominantes, representados partidariamente pela UDN3. De uma certa forma, a história política do chamado “intermezzo democrático” é a história da luta conspiratória desses setores pelo poder. Com Café Filho, tais setores eram governo E todo o transcurso de seu mandato seria marcado por sucessivas tentativas de ser impedida a volta do “pacto populista” ao poder. No quadro político do pós-guerra, o Governo Café Filho pode ser considerado um efêmero triunfo do “golpismo” udenista. Mais do que um ensaio, tratava-se de um anúncio de 1964. Contrariando a máxima marxista, a história apresentar-se-ia originalmente como farsa para anos mais tarde repetir-se como a verdadeira tragédia. TEMA 3 – O PLANO DE METAS DE JK (1956-1961) Dentre as medidas reguladoras mais importantes no plano de desenvolvimento industrial brasileiro, a Instrução n. 70 da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), a autoridade monetária da época, foi um marco na industrialização brasileira. Isso porque as medidas retiravam do Estado a pressão pelos investimentos produtivos, criando vantagens para o capital nacional. Dentre essas vantagens, estavam o encarecimento de mercadorias importadas e taxas de câmbio subsidiadas e diferenciadas para importar bens de capital e matérias-primas necessárias ao desenvolvimento da indústria (Silveira Filho, 2000). Estando o capital estatal voltado aos investimentos em infraestrutura e o capital nacional em bens de tecnologia mais simples para o mercado interno, faltava o espaço para o capital estrangeiro a ser alocado na produção de alta tecnologia e bens sofisticados. No entanto, a escassez de capital na América Latina era um problema a ser resolvido e era essa umas das principais questões do presidente que governou de 1956 a 1961, Juscelino Kubitschek, o famoso JK (vide Quadro 2). Quadro 2 - Lista de presidentes da república de 1946 a 1964 Período Presidente Denominação 1946 a 1951 Eurico Gaspar Dutra Quarta República República Populista 1951 a 1954 Getúlio Vargas 1954 a 1955 Café Filho 1955 Carlos Luz 1955 a 1956 Nereu Ramos 3 União Democrática Nacional 8 1956 a 1961 Juscelino Kubitschek 1961 Jânio Quadros 1961 Ranieri Mazzilli 1961 a 1964 João Goulart Fonte: Silva Junior, 2023. Segundo Orenstein e Sochaczewski (1990, p. 171), o governo JK tinha como principal característica o nacional-desenvolvimentismo, ou seja, “compromisso do setor público com uma explícita política de desenvolvimento”. O plano de ação dos diagnósticos e projeções da economia brasileira feitos desde o final da Segunda Guerra se materializaram na forma do Plano de Metas, com o famoso slogan de 50 anos em 5. [O Plano de Metas] constituiu o mais completo e coerente conjunto de investimentos até então planejados na economia brasileira. Por isto mesmo, o Plano foi implementado com sucesso alcançando-se a maioria das metas estabelecidas tanto para o setor público como para o setor privado. A economia cresceu a taxas aceleradas, com razoável estabilidade de preços e em um ambiente político aberto e democrático. Foi o último período em que estas três características estiveram presentes na economia brasileira. (Orenstein; Sochaczewski, 1990, p. 171) Para tanto, a entrada do capital estrangeiro seria de grande importância. Assim, facilitou a Instrução n. 113 da Sumoc, concedendo vantagens e até mesmo desprestigiando o capital nacional. O Plano tirava do papel metas ambiciosas na produção siderúrgica, refino do petróleo, geração de energia, construção de estradas e outros relativamente menores como alimentação e educação (Silveira Filho, 2000). E claro, seu maior símbolo histórico, a construção e mudança de capital do Brasil para Brasília. Do sucesso na consecução dos planos, o outro lado seria iminente: déficits cada vez maiores, aumento da carga tributária e emissões de papel moeda para tentar reduzir o peso das contas públicas. É deste período as principais causas de diversos problemas que assombrariamo Brasil anos depois: a dívida pública explosiva e a inflação. Segundo Silveira Filho (2000, p. 35), foi o preço cobrado “para transformar um país agrário-exportador numa potência industrializada”. Além disso, a dependência do Brasil ao capital estrangeiro se tornaria permanente, colocando, muitas vezes, os interesses destes em detrimento dos interesses nacionais. 9 As escolhas do governo JK eram claras: ao invés de focar em medidas restritivas para estabilização da economia, optou-se pela continuidade do governo desenvolvimentista sem controle monetário, segundo a visão estruturalista de que “economias subdesenvolvidas só poderiam se industrializar com algum nível de inflação que deveria ser administrada, ao invés de se buscar preços controlados com estagnação” (Orenstein; Sochaczewski, 1990, p. 194). As tentativas de estabilização tomaram a forma de diversos “Planos de Contenção” da despesa orçamentária que tomaram ainda mais forma durante o governo Jânio Quadros em 1961, um governo conservador eleito pelas elites para trazer a estabilidade. No entanto, o ajuste foi radical, reduzindo e muitas vezes parando os investimentos, com foco nas exportações primárias. Era o abandono da política desenvolvimentista e o surgimento de uma nova, mais pragmática e preocupada com o fechamento das contas públicas, sem o arrojo de investidor adotado durante o governo JK. Com apenas seis meses de governo, Jânio Quadros renunciou. Após o governo intermediário de Ranieri Mazzilli, assume o presidente João Goulart, que governou de 1961 a 1964. Com a crise político-econômica deixada pelo seu antecessor, Jango opta pela solução nacionalista: restringir o capital estrangeiro, recuperar o salário-mínimo e controlar preços. De acordo com Silveira Filho (2000, p. 52), “solicita um plano desenvolvimentista aos economistas da esquerda moderada, o Plano Trienal. Contudo, após resultados desalentadores, Jango abandona esta formulação”. Da tentativa fracassada de “[...] ao mesmo tempo, tentar controlar o grande capital e contentar os trabalhadores”, com sugestão de mudanças radicais como a reforma agrária, Jango perdeu o controle da sua política. “A população ficou assustada, diante da organização de trabalhadores politizados, a ferretear reivindicações, mobilizantes das forças armadas aos civis, da cidade e do campo. [...] Nesse jogo de forças, venceu a primeira via, coroada com o Golpe de 64” (Silveira Filho, 2000, p. 52). TEMA 4 – DITADURA MILITAR E O MILAGRE ECONÔMICO Os primeiros governos a partir do Golpe de 64 significaram, do ponto de vista econômico, a conciliação com o capital estrangeiro com as relações até então intrincadas com os Estados Unidos. Ainda que cada governo no período tivesse suas próprias características, foram 21 anos em que a presidência da 10 república ficou cargo dos militares no Brasil (vide Quadro 3). O plano na vez era o Plano de Ação Econômica do Governo (Paeg), com objetivo de acelerar o crescimento econômico sem esquecer o combate à inflação. O que se seguiu foram políticas que acabavam em arrocho salarial, supressão de sindicatos. Quadro 3 - Lista de presidentes da república de 1964 a 1985 Período Presidente Denominação 1964 Ranieri Mazzilli Ditadura Militar 1964-1967 Humberto Castelo Branco 1967-1969 Artur da Costa e Silva 1969 Junta militar de 1969 1969-1974 Emílio Garrastazu Médici 1974-1979 Ernesto Geisel 1979-1985 João Figueiredo Fonte: Silva Junior, 2023. Com o alinhamento do governo com o setor externo, retornaram os empréstimos e financiamentos. Os investimentos diretos quase triplicaram. A capacidade ociosa trazida pela recessão de 1963 a 1965 levou a um crescimento gradual com pouca pressão sobre os preços. A ortodoxia monetarista criou a correção monetária para correção de preços e impostos, exceto para os salários, sempre abaixo da inflação. Era a almejada moderação, com “inflação amenizada, salários contidos e crescimento do PIB em fogo branco” (Silveira Filho, 2000, p. 55). O Paeg forjou as condições, sem que seus elaboradores pudessem esperar, para um crescimento econômico nunca visto: de 1968 a 1973 o PIB crescia a uma média anual de 11,2%. Era o período que ficou conhecido como “Milagre Econômico”. Como bem definiu Silveira Filho (2000, p. 56): Na aferição do PIB per capita, a produção de bens e serviços crescia de 5,9 a 39,56 vezes acima da população nesses anos delirantes. [...] os números de expansão do emprego vociferavam um crescimento de 4,3% anual, na média do período. E a formação bruta de capital fixo, a base do investimento propulsor da economia, atingiu 21% do PIB na média de 1971 a 1973, dentre as maiores de toda a história. É deste período a reformulação institucional do sistema financeiro, que por meio da Lei 4.595 criou o Banco Central do Brasil, e a Lei 4.380, que criou o Sistema Financeiro da Habitação. O cenário era de crédito internacional, e o 11 aumento do endividamento, segundo Silveira Filho (2000, p. 63), “dotou o país de uma capacidade industrial formidável, entre as dez maiores do mundo, gerando emprego e renda”. É deste período também o Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), implantado entre 1972 e 1974 com o objetivo de colocar o Brasil entre as nações desenvolvidas no espaço de uma geração. O plano seguia as mesmas pautas desenvolvimentistas de estímulos estatais à industrialização e ao consumo. A distribuição da renda sofreu uma significativa deterioração de 1960 a 1972. Segundo Lago (1990), o índice de Gini aumentou de 0,497 em 1960 para 0,622 em 1972. A concentração da renda no estrato dos 5% mais ricos passou de 28,3% em 1960 para 39,8% em 1972. No caso dos 1% mais ricos, passou de 11,9% em 1960 para 19,1% em 1972. Em contraste, os 50% mais pobres, que recebiam 17,4% da renda em 1960, passaram a auferir 11,3% em 1972. A teoria de crescer o bolo para depois dividir não funcionou para o Brasil e trouxe consequências desastrosas em termos de desigualdade até os dias atuais, tal qual as consequências do período colonial e da escravatura. Os benefícios do crescimento assombroso do “milagre econômico” não foram distribuídos de forma equitativa, principalmente por conta das políticas de estabilização adotadas pelo governo e, mais uma vez, quem pagou a conta foi a parcela mais pobre da população. TEMA 5 – O FIM DO MILAGRE O primeiro sintoma de que o milagre estava em vias de acabar foi a denominada Crise do Petróleo, derivada da decisão da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) de aumentar subitamente os preços do produto. Segundo Silveira Filho (2000), os preços partiram de 1,90 dólares o preço do barril em 1972, para $ 2,50 em 1973, $ 10,41 em 1974, $ 13,03 em 1978, $ 29,75 em 1979 e $ 35,69 em 1980. No Brasil, a pressão sobre os preços acelerou a inflação e desestimulou os investimentos que estavam a todo vapor na esteira do “Milagre Econômico”. O Brasil esteve em vias de decidir se absorveria a crise ou seguiria em frente a todo vapor, optando pela segunda opção. Uma nova estratégia de desenvolvimento se fez necessária e a solução adotada foi seguir em frente com mais endividamento externo, de modo a não estancar o crescimento econômico: era o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND). 12 O II PND foi considerado um segundo Plano de Metas: “um bloco de investimentos na metalurgia, petroquímica, matérias-primas básicas e bens de capital para substituir, de uma vez por todas, essas importações básicas” (Silveira Filho, 2000, p. 73). São deste período os investimentos públicos na Eletrobrás, Petrobrás, Siderbrás, Embratel, Itaipu e outros. Era a tentativa de continuar o período do “Milagre Econômico”. E, de fato, a estratégia funcionou. De 1974 a 1979 a economia cresceu 7% ao ano, com investimento em Formação Bruta de Capital Fixo na casa dos 23% em relação aoPIB (Silveira Filho, 2000). No entanto, a submissão do capital nacional ao capital estrangeiro começou a se tornar preocupante, gerando um capitalismo atrasado, que comprava sua tecnologia pronta ao invés de desenvolvê-la, por meio de uma poupança externa barata e abundante, muitas vezes com juros reais negativos, até meados de 1982. O esgotamento dessa estratégia se deu com a alta das taxas de juros no início dos anos 1980, levando os países em desenvolvimento, especialmente os da América Latina, a um endividamento externo sem precedentes. Segundo Silveira Filho (2000), a dívida externa brasileira, que em 1981 estava em 73 bilhões de dólares, alcançou 123 bilhões em 1990. A fonte do crédito barato secara e levava a economia para o caminho da estagnação. Era o início da década perdida. NA PRÁTICA 1. O processo de "se voltar para dentro" da economia brasileira durante o início da Era Vargas teve um significado profundo. O que essa estratégia representou para o Brasil? Como o país buscou enfrentar os desafios decorrentes da crise internacional e da crise de superprodução do café? Quais foram as principais medidas adotadas para promover o desenvolvimento da indústria nacional e fortalecer o mercado interno? 2. Durante os anos conhecidos como República Populista (1946-1964), o conflito entre estabilização econômica e promoção do crescimento esteve presente de forma intensa. Como essa tensão foi conciliada durante esse período? Quais foram as principais políticas econômicas adotadas para equilibrar esses objetivos aparentemente contraditórios? Quais foram os impactos dessas políticas na economia brasileira e na vida da população? 13 3. O Plano de Metas foi uma estratégia fundamental para o desenvolvimento da economia brasileira em um determinado período. Quais foram as principais forças e fraquezas desse plano? Como ele foi implementado e quais foram os resultados alcançados? Como o Plano de Metas contribuiu para a modernização da indústria brasileira e para a transformação do país em diferentes setores? 4. Durante o período do "Milagre Econômico", caracterizado por altas taxas de crescimento econômico, houve um conflito distributivo entre esse crescimento e o aumento das desigualdades no Brasil. Quais foram as causas desse conflito? Como as políticas adotadas durante o "Milagre Econômico" afetaram a distribuição de renda e a estrutura social do país? Quais foram as consequências desse período para as desigualdades e a sustentabilidade do crescimento econômico no longo prazo? FINALIZANDO Durante o período de 1930 a 1980, o Brasil passou por uma série de transformações profundas, que o levaram de um país agrário-exportador e de economia fragilizada a se tornar a 8ª maior economia do mundo. A transição de uma população majoritariamente rural para uma população predominantemente urbana refletiu a rápida industrialização do país, que se tornou capaz de produzir uma ampla variedade de bens. No entanto, as expectativas de se tornar uma potência econômica em poucas décadas não se concretizaram, resultando em um cenário de endividamento, desigualdade e estagnação. Os planos de desenvolvimento adotados ao longo dos últimos 50 anos foram responsáveis por impulsionar a industrialização e o crescimento econômico do Brasil. No entanto, essas estratégias não conseguiram traduzir essa riqueza em um desenvolvimento econômico pleno e equitativo. Mesmo sem as circunstâncias históricas adversas - como a crise do petróleo e as altas taxas de juros - é improvável que o resultado desse meio século fosse significativamente diferente para a parcela mais vulnerável da população. O país experimentou crescimento, mas permaneceu nas mãos de elites com interesses questionáveis, sendo que, ironicamente, muitas dessas elites opressoras já nem eram mais brasileiras. Essa contradição entre crescimento econômico e desigualdade social evidencia uma realidade em que os frutos do desenvolvimento não foram 14 distribuídos de forma justa e inclusiva. O Brasil enfrentou desafios estruturais que impediram a construção de uma sociedade mais igualitária, em que todos os cidadãos pudessem desfrutar dos benefícios do progresso econômico. A concentração de poder econômico e a falta de políticas efetivas para combater as desigualdades perpetuaram um ciclo de exclusão social. Para compreender o presente e construir um futuro mais promissor, é essencial refletir sobre essa trajetória histórica. O capítulo explorou as mudanças e os obstáculos enfrentados pelo Brasil ao longo dessas décadas, permitindo- nos identificar os fatores que contribuíram para a persistência da desigualdade e do subdesenvolvimento. Ao compreender esses aspectos, podemos buscar alternativas e soluções que promovam um desenvolvimento econômico mais inclusivo, sustentável e equitativo, transformando o Brasil em um país que verdadeiramente beneficie todos os seus cidadãos. 15 REFERÊNCIAS ABREU, M. de P. Crise, crescimento e modernização autoritária: 1930-1945. In: A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana, 1889- 1989. Marcelo de Paiva Abreu (Org.). Rio de Janeiro: Elsevier, 1990. FRITSCH, W. Apogeu e crise na primeira república: 1900-1930. In: A ordem do progresso: cem anos de política econômica republicana, 1889-1989. Marcelo de Paiva Abreu (Org.). 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