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Disciplina: Manejo e conservação do solo. Professor: Rafael Gouveia de Andrade Ameaças ao solo - Erosão A intensidade com que os solos realizam cada uma das suas funções é extremamente importante para a sua sustentabilidade. A degradação do solo reduz a sua disponibilidade e viabilidade a longo prazo, reduzindo ou alterando a sua capacidade para desempenhar funções a ele associadas. A perda de capacidade do solo para realizar as suas funções, deixando de ser capaz de manter ou sustentar a vegetação, é designada por desertificação. A fertilidade dos solos depende de um conjunto de fatores, uns de natureza física, outros de natureza química. Da conjugação destes fatores, resulta a capacidade de produção do solo, que, dependendo do seu perfil (sucessão de horizontes) apenas atinge o seu máximo quando o nível de todos os fatores nutritivos e os itinerários técnicos de mobilização, foram corretamente ajustados em função das necessidades dos sistemas culturais. As principais ameaças sobre o solo são a erosão, a mineralização da matéria orgânica, redução da biodiversidade, a contaminação, a impermeabilização, a compactação, a salinização, o efeito degradante das cheias e dos desabamento de terras. A ocorrência simultânea de algumas destas ameaças aumenta os seus efeitos, apesar de haver diferentes intensidades regionais e locais (os solos não respondem todos da mesma maneira aos processos de degradação, dependendo das suas próprias características). A nível mundial, a erosão é a principal ameaça ambiental para a sustentabilidade e capacidade produtiva do solo e da agricultura convencional. A erosão do solo pode apresentar diferentes níveis de gravidade. Em mais de um terço do território da região mediterrânea, historicamente a região europeia mais gravemente afetada pela erosão (os relatos de erosão do solo nesta região datam desde 3.000 anos atrás), as perdas médias anuais de solo são superiores a 15 ton/ha. A erosão resulta da remoção das partículas mais finas do solo por agentes como a água e o vento, que as transportam para outros locais, resultando na redução da espessura deste, perda de funções e, em caso extremo, do próprio solo, podendo ainda implicar a contaminação de ecossistemas fluviais e marinhos, assim como danos em reservatórios de água, portos e zonas costeiras Este fenômeno poderá ser desencadeado por uma combinação de fatores como fortes declives, clima (por exemplo longos períodos de seca seguidos de chuvas torrenciais) e catástrofes ecológicas (nomeadamente incêndios florestais). A erosão tem sido intensificada por algumas atividades humanas, principalmente pela gestão inadequada do solo, podendo também o solo ter algumas características intrínsecas que o tornem propenso à erosão (é o caso de este possuir camada arável fina, pouca vegetação ou reduzidos teores de matéria orgânica). 1.6. Matéria Orgânica do Solo A manutenção da matéria orgânica do solo é bastante importante, do ponto de vista físico-químico, dado que contribui para a manutenção da sua estrutura, melhora a infiltração e a retenção da água, aumenta a capacidade de troca, contribuindo para o acréscimo da produtividade. O controle da matéria orgânica do solo é um processo complexo, devendo ser conduzido com vista a reduzir as perdas, embora seja mais fácil alcançar essas perdas do que o seu aumento. Estes objetivos podem ser facilitados pela racionalização dos itinerários técnicos, com a oportunidade das épocas de intervenção, mobilização reduzida, a sementeira direta, a agricultura biológica, a introdução de pastagem, a incorporação de resíduos (estrume ou composto). A matéria orgânica do solo desempenha uma função essencial no ciclo global do carbono. De acordo com Lal, R., 2000, são anualmente capturadas (sequestradas) aproximadamente 2 gigatoneladas (Gt) de carbono na matéria orgânica do solo, evidenciando o seu papel importante em termos de alterações climáticas (anualmente são emitidos 8 Gt de carbono para a atmosfera). Atualmente, há uma tendência a favor da adoção de técnicas agrícolas de conservação, a fim de aumentar o teor de carbono no solo e simultaneamente evitar as perdas deste e as suas emissões adicionais para a atmosfera, sob a forma de CO2. Há, todavia, um limite para a quantidade de matéria orgânica e, por isso, de carbono que poderá ser armazenada nos solos. 1.7. Contaminação do Solo As práticas agrícolas e silvícolas têm assim um impacto importante sobre o solo agrícola, podendo também ter impacto em solos adjacentes não agrícolas e águas subterrâneas, nomeadamente em termos de emissão de substâncias contaminantes. Os contaminantes podem ser armazenados no solo, mas a sua libertação subsequente pode seguir padrões muito diferenciados. Alguns, como os pesticidas, poderão vir a ultrapassar os limites da capacidade de armazenamento e de efeito tampão do solo, causando a danificação/perda de algumas das funções deste, a contaminação da cadeia alimentar, dos vários ecossistemas e recursos naturais, pondo em risco a biodiversidade e a saúde humana. Para avaliar o potencial impacto dos contaminantes do solo, há que ter em conta não só a sua concentração mas também o seu comportamento no ambiente e o mecanismo de exposição ao Homem. A contaminação do solo pode ser diferenciada, de acordo com a sua fonte de origem, em local e difusa. A contaminação local (ou pontual) está geralmente associada a fontes confinadas, tanto em funcionamento como depois de encerradas: exploração mineira, instalações industriais, aterros sanitários, entre outras, representando riscos para o solo e água, caso os solos não estejam devidamente impermeabilizados e a descarga de contaminantes não seja controlada. A poluição difusa (causada por fontes difusas) está geralmente associada à deposição atmosférica, a certas práticas agrícolas, reciclagem e tratamento inadequados de águas residuais e resíduos, sendo o seu principal efeito o colapso do efeito tampão do solo. A deposição atmosférica deve-se principalmente a emissões provenientes da indústria, do tráfego automóvel e da agricultura, libertando nos solos contaminantes acidificantes (como o SO2 e o NO3, metais pesados (cobre, chumbo e mercúrio, entre outros) e compostos orgânicos (como as dioxinas). Os contaminantes acidificantes diminuem gradualmente o efeito tampão dos solos, favorecendo a lixiviação de nutrientes, com subsequente perda de fertilidade do solo, eutrofização de águas, abrandamento da atividade biológica e redução da biodiversidade do solo. Os metais pesados, incorporados nos adubos e na alimentação animal, constituem um problema suplementar, nomeadamente em termos das suas potenciais penetrações na cadeia alimentar. Os sistemas de produção agrícola que não asseguram o equilíbrio entre fatores de produção e produtos, relativamente ao solo e aos terrenos confinantes, geram desequilíbrios de nutrientes no solo, conduzindo frequentemente à contaminação das águas subterrâneas e superficiais, como é o caso da contaminação por nitratos: a deposição de azoto (em resultado de emissões provenientes da agricultura, do tráfego automóvel e da indústria) causa um enriquecimento indesejado deste nutriente no solo e diminuição subsequente da biodiversidade, podendo provocar a eutrofização das águas. Em 1992, eram produzidas 6.6 milhões de toneladas de lamas (matéria seca), por ano, na UE. As lamas de depuração, produto final do tratamento de águas residuais, contêm matéria orgânica e nutrientes valiosos para o solo, como o nitrogênio, o fósforo e o potássio. No entanto, também estão potencialmente contaminadas por organismos patogênicos (vírus e bactérias) e poluentes, como metais pesados e compostos orgânicos pouco biodegradáveis, podendo a sua aplicação no solo levar ao aumento das concentrações destes compostos no solo, com riscos subsequentes para a faunae flora. Desde que a contaminação seja prevenida e controlada na fonte, a aplicação cuidadosa e controlada de lamas de depuração no solo não deve causar problemas podendo até ser benéfica, pelo aumento da carga de matéria orgânica do solo. Dados os custos de extração dos contaminantes presentes no solo serem muito elevados, é imperativa a prevenção de novas contaminações, nomeadamente através da gestão de resíduos e implementação de sistemas de monitoração e alerta rápido. 1.8. Impermeabilização, compactação e biodiversidade do solo A impermeabilização consiste na cobertura do solo pela construção de habitações, estradas e outras ocupações, reduzindo a superfície do solo disponível para realizar as suas funções, nomeadamente a absorção de águas pluviais. As áreas impermeabilizadas podem ter grande impacto nos solos circundantes por alteração dos padrões de circulação da água e aumento de fragmentação da biodiversidade e seus ecossistemas. O aumento da impermeabilização do solo é inevitável, em grande parte determinado pela ausência de estratégias de ordenamento do território, que não tomam em consideração os efeitos da perda de solos insubstituíveis, quer ao nível da produção alimentar, quer ao nível da conservação da natureza e controlo de cheias. As consequências da impermeabilização são extremamente prejudiciais para o desenvolvimento sustentável, não apenas para a agricultura. Tenha-se presente os efeitos catastróficos da impermeabilização dos solos na periferia dos grandes centros urbanos de construção efetuada em leitos de cheia de cursos de água, que para além da perda de solos de qualidade provocam periodicamente acentuados danos para as populações. A compactação do solo ocorre quando este é sujeito a uma pressão mecânica devido ao uso de máquinas ou ao sobrepastoreio, em especial se o solo não apresentar boas condições de operabilidade e de transitabilidade, sendo a compactação das camadas mais profundas do solo muito difícil de inverter. A compactação reduz o espaço poroso entre as partículas do solo, deteriorando a estrutura do solo e, consequentemente, dificultando a penetração e o desenvolvimento de raízes, a capacidade de armazenamento de água, o arejamento, a fertilidade, a atividade biológica e a estabilidade. Além disso, quando há chuvas torrenciais, as águas já não conseguem infiltrar-se facilmente no solo compactado, aumentando os riscos de erosão e de cheias. A redução da biodiversidade nos solos por deficientes práticas agrícolas ou por outras razões já apontadas, torna-os mais vulneráveis à degradação. Por isso, a biodiversidade do solo é frequentemente utilizada como indicador geral do estado de saúde deste, tendo-se evidenciado a eficácia dos sistemas de agricultura racionais na preservação e aumento da biodiversidade. 1.9. Salinização, cheias e desabamentos do solo A salinização consiste na acumulação de sais solúveis de sódio, magnésio e cálcio nos solos, reduzindo a fertilidade dos mesmos. Este processo resulta de fatores como a irrigação (a água de irrigação apresenta maiores quantidades de sais, sobretudo em regiões de fraca pluviosidade, com elevadas taxas de evapotranspiração ou cujas características constitutivas do solo impedem a lavagem de sais), manutenção das estradas com sais durante o inverno no hemisfério norte e exploração excessiva de águas subterrâneas em zonas costeiras (causada pelas exigências da crescente urbanização, indústria e agricultura nestas zonas), conduzindo a uma diminuição do nível dos lençóis freáticos e à intrusão da água do mar. A salinização do solo afeta cerca de 1 milhão de hectares na UE, principalmente nos países mediterrâneos, constituindo uma das principais causas de desertificação. As cheias e os desabamentos de terras são, na sua maioria, acidentes naturais intimamente relacionados com a gestão do solo, causando erosão, poluição com sedimentos, danificação de edifícios e infraestruturas e perda de recursos do solo, com subsequente impacto sobre as atividades e vidas humanas. As cheias podem, em alguns casos, resultar do fato de o solo não desempenhar o seu papel de controle dos ciclos da água devido à compactação ou à impermeabilização, podendo também ser favorecidas pela erosão causada pela desflorestação, abandono de terras ou até pelas próprias características do solo. Como os processos de degradação estão estreitamente interligados, o efeito combinado de ações contra ameaças específicas será benéfico para a proteção do solo em geral. Todos os interesses existentes de conservação e exploração do solo deverão assim ser harmonizados de forma a permitir o desempenho total das suas funções. Podemos assim constatar que, se por um lado, a variabilidade do solo exige a incorporação de um forte elemento local resultando em problemas de degradação de agroecossistemas, com perda de produção e produtividade, além de comprometimento dos recursos naturais. Nas políticas respectivas, por outro, também é necessária a incorporação de um componente global, pelas consequências mais amplas do solo, nomeadamente em termos de segurança alimentar, proteção das águas e biodiversidade, devendo ainda ter-se em atenção o fato do solo, ao contrário do ar e da água, estar geralmente sujeito a direitos de propriedade, dificultando a aplicação de políticas de proteção e conservação, pois requer a aceitação de proprietários e gestores de terras. 1.10. Aptidão agrícola O uso adequado da terra deve ser o primeiro passo em direção, não apenas a uma agricultura correta e sustentável, mas também à conservação dos recursos naturais, especialmente o solo, a água e a biodiversidade. Os cuidados, portanto, com o uso equilibrado destes recursos devem prevalecer, evitando-se a corrida atrás do prejuízo, combatendo-se os efeitos quando, na realidade, pode-se evitar ou amenizar as causas. Além do mais, o uso de ações corretivas aos impactos ambientais e sociais negativos, onera sobremaneira o custo de sustentabilidade, reduzindo o poder de competitividade e lucros no agronegócio. Busca, deste modo, uma agricultura centrada em aspectos como: compatibilização entre atividades produtivas e potencial dos agroecossistemas; o mínimo de impacto negativo ao meio ambiente; e manutenção a longo prazo dos recursos naturais e da produtividade agrícola. No caso de aptidão agrícola para agroecologia, que deve ser entendida como uma ciência ou um conjunto de conhecimentos e métodos que permite estudar, analisar e avaliar agroecossistemas, dentro do conceito de sustentabilidade (Caporal e Costabeber, 2002). Sob a ótica agroecológica, a avaliação da aptidão agrícola reveste-se de grande importância, pois sabe-se que historicamente a ocupação agrícola das terras tem ocasionado problemas ambientais, decorrentes não só do uso indevido de áreas frágeis, mas também da sobreutilização de terras (uso do solo acima de sua capacidade produtiva). Sabe-se que em muitos casos, o uso de uma área não é conduzido de forma compatível com sua real aptidão agrícola, resultando em problemas de degradação de agroecossistemas, trazendo junto a perda de competitividade do setor agrícola e deterioração da qualidade de vida da população (CURI et al., 1992). LARACH (1990) ressalta que, embora a concepção da metodologia de aptidão agrícola tenha sido desenvolvida para interpretação de levantamentos generalizados, ela é suficientemente elástica para permitir reajustamentos, fato que pode ser de grande utilidade em projetos de desenvolvimento rural sustentável. Nesse contexto, o conhecimento da aptidão agrícola reveste-se de grande importância, pois é muito comum o uso das terras em desarmonia, ou sem considerar o seu verdadeiro potencial agrícola, LARACH (1990) ressalta que, embora a concepção da metodologia de aptidão agrícola tenha sido desenvolvida para interpretação de levantamentosgeneralizados, ela é suficientemente elástica para permitir reajustamentos, fato que pode ser de grande utilidade em projetos de desenvolvimento rural sustentável. Na avaliação da aptidão agrícola, procura- se diagnosticar o comportamento das terras para lavouras, nos sistemas de manejo A (baixo nível tecnológico), B (nível tecnológico médio) e C (nível tecnológico alto); para pastagem plantada e/ou silvicultura, no sistema de manejo B; e para pastagem natural, no sistema de manejo A. As terras sem aptidão para o uso agrícola são classificadas como de preservação da flora e fauna. Ressalva-se que quando a metodologia faz esse destaque, deixa explícito de que estas áreas possuem extrema fragilidade/limitação de uso, prestando-se somente a esse tipo de uso, que é o preservacionista. Não há impedimento, todavia, que outras áreas de elevado potencial, possam ser destinada também a este tipo de uso. A adoção de níveis de manejo, no sistema de avaliação da aptidão agrícola das terras, é considerada como um procedimento altamente válido, sobretudo em países como o Brasil, onde, numa mesma região, existe uma grande variedade de condições técnicas e socioeconômicas e, consequentemente, diferenciados sistemas de manejo lado a lado (BENNEMA et al., 1964; RESENDE et al., 1995). A partir dos fatores limitantes (fertilidade, água, oxigênio, suscetibilidade à erosão e impedimento à mecanização), BENNEMA et al. (1964) consideram que o sistema de avaliação da aptidão agrícola tem um caráter dominantemente ecológico, sobretudo no que tange aos seus três primeiros fatores. Nessa mesma linha, sobre o foco da metodologia, RAMALHO FILHO & BEEK (1995) apesar de mencionarem aspectos referentes à relação custo/benefício e tendência econômica à longo prazo, deixam claro de que o objetivo maior do método reside na orientação, com vistas à sustentabilidade de uso das terras, no planejamento regional e nacional. A avaliação da aptidão agrícola baseia-se na comparação das condições oferecidas pelas terras, com as exigências de diversos tipos de usos. Trata-se, portanto, de um processo interpretativo que considera informações sobre características de meio ambiente, de atributos do solo e da viabilidade de melhoramento de qualidades básicas das terras. Assim, o seu desenho metodológico compreende três etapas, seguindo as sugestões de PEREIRA (2002) em relação com o preconizado por (RAMALHO FILHO & BEEK, 1995): a) levantamento de dados e preparação de mapas básicos (solo, relevo, clima, uso da terra); b) avaliação das terras com base em “tabelas de critérios”; c) elaboração do mapa final de aptidão agrícola das terras. O Sistema de Avaliação da Aptidão Agrícola, no Brasil, tem sido utilizado em favor de diferentes sistemas de produção e da pesquisa agropecuária, oriundos do chamado processo da modernização da agricultura, e, consequentemente, a par da dimensão social e da realidade genuína da produção agrícola familiar. Existem hoje circunstâncias ainda mais favoráveis que ensejam, pelo menos no contexto científico, a sua inclusão no estoque tecnológico agroecológico, fato que concorre para a aceleração de uma verdadeira transição agroecológica que tantos teorizam mas poucos sentem.