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"Ser e tempo", de Heidegger
Por: André Coelho – Centro Universitário do Pará
Disponível em: http://aquitemfilosofiasim.blogspot.com.br/2008/07/sobre-ser-e-tempo-de-heidegger-i.html
"Ser e tempo" aborda de maneira original uma das mais antigas questões da filosofia: a questão do ser. Vou,
inicialmente, dizer do que se trata essa questão, que, embora seja bastante abstrata, depois de compreendida se
revela fundamental.
No nosso dia-a-dia, falamos de muitas coisas que existem. Falamos de coisas que têm existência objetiva,
como cidades, ruas, casas, carros, roupas, relógios, mesas, cadeiras, telefones celulares etc. Falamos também de
pessoas, de homens, de mulheres, de brancos, de negros, de crianças, de adultos, de jovens, de idosos etc. Falamos
também de relações, de perto, de longe, de maior, de menor, de mais belo, de mais rápido, de mais barato etc.
Falamos ainda de coisas cuja existência é subjetiva, como pensamentos, sentimentos, lembranças, imaginações,
sonhos, ilusões de ótica etc. Falamos, finalmente, de coisas cuja existência é cultural, como valor da moeda,
movimento da bolsa de valores, conhecimento, arte, religião, prestígio, honra, virtudes etc. São infinitas coisas
de muitos tipos diferentes, mas que têm em comum o fato de que podemos falar delas como coisas que existem
ou não existem.
Essa "existência" é o fenômeno que a filosofia chama de "ser". As coisas que "são" são as coisas que
"existem", as que "não são", as que "não existem". Porém, que significa existir e não existir? Ou, como agora
vamos falar, que significa ser ou não ser? (Aqui talvez lhe venha à mente a famosa fala da personagem Hamlet,
na peça homônima de Shakespeare: "Ser ou não ser: eis a questão", mas o príncipe da Dinamarca se perguntava
sobre se era melhor continuar vivendo ou dar fim à sua vida, e não sobre a questão do ser no sentido filosófico
que estamos abordando.)
Para uma mesa, por exemplo, ser significa ocupar certo lugar no espaço e no tempo (ser como ser, em
geral, alguma coisa no mundo) e ter certas propriedades comuns a todas as mesas (ser como ser, em especial,
uma mesa). Mas essa definição de ser não serviria, por exemplo, para um pensamento, ou para uma relação. O
pensamento existe na subjetividade do pensador, enquanto a relação existe na percepção de quem a contempla.
A coisa pode ficar ainda mais difícil se falarmos de memórias, de ilusões, de miragens, de sonhos etc.
Tomemos a frase seguinte: "Unicórnios não existem". O que significa dizer que tais seres "não existem"? (Aqui
convém distinguir entre não existir enquanto entidade concreta e não existir enquanto conceito, pois os
unicórnios, enquanto conceito, existem, do contrário a frase "Unicórnios não existem" não poderia ser formulada.
Também convém distinguir entre existir enquanto entidade concreta no mundo real e existir enquanto entidade
concreta num mundo fictício, porque, num conto de fadas, por exemplo, um unicórnio pode perfeitamente existir
não apenas enquanto conceito, mas também enquanto entidade concreta, como, por exemplo, o animal em que a
mocinha monta para fugir de seus perseguidores.) Significa que nunca ninguém viu um unicórnio? Ora, mas
nunca ninguém viu o ar, ou a gravidade, ou a raiz quadrada de dois, e todas essas coisas existem. (Embora aqui
seja aconselhável chamar a atenção para o fato de que o ar, a gravidade e raiz de dois são coisas cujas propriedades
não implicam a possibilidade de serem vistas, enquanto unicórnios, se existissem com as propriedades que se
atribuem a eles, certamente teriam que poder ser vistos. Por isso, nunca se ter visto um unicórnio tem uma
relevância diferente de nunca se ter visto coisas, como o ar, a gravidade e a raiz de dois, cuja natureza inclui a
característica de não serem visíveis.) Significa que não há entidades concretas que preencham as condições para
serem reconhecidas como unicórnios, quer dizer, que não há nenhum cavalo com um chifre frontal? Talvez, mas
essa explicação contém a expressão "não há", que é apenas uma variante de "não existe", que é exatamente o que
queremos explicar.
Passando de unicórnios para coisas mais sérias: Os átomos, eles existem? Bem, existem teorias sobre os
átomos, modelos de sua estrutura, funcionamento, relação entre si. Existem milhares de teorias e pesquisas que
pressupõem a existência desses átomos e milhares de aparelhos tecnológicos que funcionam a partir dessa
suposição. Mas os átomos não são objeto de percepção, como as hemácias e os leucócitos, que podem ser vistos
ao microscópio. Como se poderia provar que eles não são apenas entidades hipotéticas, cuja pressuposição de
existência nunca foi refutada por um teste empírico? Como se poderia provar que, além de serem supostos como
existentes em teorias que são empiricamente bem-sucedidas, eles realmente existem? Bem, isso depende da
resposta que se tenha para a questão do que significam "ser" e "não ser".
Heidegger diz que a tradição filosófica dos gregos em diante sempre identificou o ser com a presença no
mundo. Assim, segundo tal tradição, ser era estar presente no mundo e não ser era não estar presente no mundo.
Segundo Heidegger, isso é um erro, porque, se se entende por "presença" a possibilidade de ocupar lugar no
espaço e no tempo, toma como resposta geral sobre a questão do ser uma resposta que pode servir, quando muito,
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para o ser dos objetos materiais, para o ser, por exemplo, de mesas e cadeiras. Ora, tomar como referencial do
que é o ser a descrição do ser de objetos materiais é generalizar para todos os outros entes ("entes" são as coisas
que são, que existem) o tipo de ser característico de certos entes em particular.
Não que se possa determinar o que é o ser sem levar em conta os entes dos quais se fala em especial, ou
seja, sem levar em conta se se fala do ser das mesas, de ideias, de relações, de pessoas, de abstrações etc.
Heidegger acreditava que a resposta da questão do ser só pode ser obtida mediante o exame do ser dos entes, e,
portanto, é preciso, sim, começar por algum ente ou tipo de ente em especial. Mas não via razão para começar
pelos objetos materiais como os entes que acima de tudo deveriam ser examinados. Heidegger acreditava que, na
tentativa de responder à questão do ser, se deveria examinar em primeiro lugar aquele ente que é o único que se
pergunta sobre o ser, ou seja, o homem.
Aqui vale a pena chamar atenção para um ponto polêmico de interpretação das idéias de Heidegger.
Heidegger não se refere explicitamente ao homem, e sim ao "Dasein", termo alemão que, embora signifique
simplesmente "existência", é geralmente traduzido como "Ser-aí", porque isso facilita a posterior compreensão
dos jogos conceituais que Heidegger faz com o "da" (aí) e o "sein" (ser). Pois bem, o Ser-aí é, segundo Heidegger,
aquele ente capaz de se perguntar sobre o ser, aquele ente que se põe como intérprete privilegiado do ser dos
outros entes. Ora, o mais natural seria identificar de cara esse ente com o homem. Contudo, uma respeitável
tradição de intérpretes considera essa identificação precipitada, ou porque considera que as propriedades que
Heidegger atribui ao Ser-aí pertenceriam a todo e qualquer ente que se fizesse a pergunta sobre o ser, e não apenas
ao homem; ou porque interpreta que, acima do homem individual, é muito mais às coletividades, às tradições
culturais, que Heidegger atribui o estatuto de Ser-aí. Em que pese essa considerável objeção, seguirei minha
exposição me referindo ao Ser-aí como sendo o homem individual (essa interpretação que faço costuma ser
chamada de "interpretação existencialista" do pensamento de Heidegger).
Portanto, Heidegger acreditava que, na tentativa de responder à questão do ser, se deveria examinar em
primeiro lugar aquele ente que é o único que se pergunta sobre o ser, ou seja, o homem. Isso equivalea, na relação
entre sujeito conhecedor e objeto conhecido, em vez de se perguntar pelo ser daquele ente que só pode ser objeto,
se perguntar pelo ser daquele ente que pode ser tanto objeto quanto sujeito. Em vez de partir das coisas para
determinar o ser de todos os entes, inclusive o homem, Heidegger propunha partir do homem para determinar o
ser de todos os entes, inclusive as coisas.
Segundo Heidegger, em Ser e Tempo, a pergunta sobre o ser não deve se basear no ser daquele ente que
são as coisas, que consiste em simples presença no mundo, mas sim no ser daquele ente que é o homem, o único
ente capaz de fazer-se a pergunta sobre o ser. O ser do homem não consiste numa simples presença no mundo, e
sim num Ser-aí (Dasein), o qual pode ser definido a partir dos seguintes elementos:
- Trata-se de um projeto indefinido, autodirigido e perpetuamente inacabado: O homem, ao contrário de
uma faca, uma cadeira ou uma casa, não tem essência, no sentido de um conjunto pré-definido de propriedades e
atributos que ele deve adquirir ou conservar para aí sim ser de fato um homem. O homem tem existência, no
sentido de que está constantemente definindo que tipo de coisa ele é. O que ele é ele mesmo é que define. E essa
definição é sempre projeção. Trata-se antes do que se quer ser e como chegar até lá. E não existe linha de chegada.
Todo ponto final é ponto de partida de uma nova projeção. O homem está condenado a ser esse “espaço vazio”
que pode conter e buscar qualquer projeção, mas jamais pode se deixar definir ou aprisionar inteiramente por ela.
Mas essa projeção está sujeita a três condições (que são também limites), quais sejam:
1) O Ser-aí é um ser-no-mundo: A primeira condição (e também o limite) dessa projeção é
a facticidade, quer dizer, aquele conjunto de circunstâncias que fazem com que um homem em
particular projete certas coisas, e não outras, e seja capaz de alcançar certas projeções, e não outras.
A facticidade (essa possibilitação, direcionalidade e limitação que o mundo em volta do homem
exerce sobre suas projeções) se dá porque ele é um ser-no-mundo. Para Heidegger, não há que
falar em homem em abstrato, fora de uma situação mundana específica. Ser homem é estar numa
situação mundana em particular (nisso consiste sua “mundanidade”), situação a partir da qual
certas projeções são possíveis (mundanidade como condição), mas a partir da qual também certas
projeções se tornam impossíveis (mundanidade como limite). Para usar um exemplo simples de
que parte da definição do homem é sua mundanidade, pense em como ser homem no Antigo Egito
e ser homem no mundo atual são coisas distintas: não são ambos versões diferentes de um ser-
homem em abstrato (o qual seria inclusive inconcebível), e sim duas coisas distintas, o ser-homem-
no-Antigo-Egito e o ser-homem-no-mundo-atual. Para usar um exemplo simples de como a
facticidade afeta as projeções, basta ver como o projeto de ser um ativista político influente não
seria possível no Antigo Egito, enquanto o projeto de ser Faraó não seria possível hoje.
2) O Ser-aí é um ser-com-os-outros: A segunda condição (e também o limite) dessa projeção é
o mundo-da-vida, quer dizer, aquela rede de crenças, valores e afetos compartilhados pelos
homens que vivem em certo meio social, rede que serve ao mesmo tempo de matéria-prima das
projeções e de limite para elas. O homem é um ser social, não no sentido essencial de que ele quer
ou precisa viver em sociedade, e sim no sentido existencial de que a definição de em que consiste
seu Ser-aí se alimenta (como continuidade, renovação ou oposição) de uma massa de imagens e
motivos que já existem antes dele e no qual cada homem se vê mergulhado ao fazer parte de um
mundo social. Até mesmo a projeção de ser um eremita isolado só se torna possível a partir de
certo mundo-da-vida no qual é possível pensar a figura do eremita como uma figura dotada de
sentido. O “espaço vazio” do ser do homem precisa ser preenchido com sentidos, e sentidos são
construídos, interpretados, mantidos e transformados socialmente. Esse mundo-da-vida como
condição e limite existencial do homem é o ponto de partida da noção de “tradição” no mais
famoso seguidor de Heidegger, Hans-Georg Gadamer. (Outro ponto importante, que vou apenas
apontar aqui sem desenvolver, é o contraste entre a instrumentalidade das coisas, derivada do ser-
no-mundo, e a não instrumentalidade dos outros, derivada do ser-com-os-outros, que, para
Heidegger, tem não apenas as relevantes consequências éticas que Kant já havia apontado, mas
também consequências existenciais para o tipo de projeto que é possível num mundo que se
enfrenta em concurso com outros).
3) O Ser-aí é um ser-para-a-morte: A terceira condição (e também o limite) dessa projeção é a
finitude temporal que se impõe a partir da consciência e certeza de que se vai morrer um dia. O
perpétuo projetar não é eterno projetar: é constante por toda a vida, mas dura apenas enquanto
durar esta última. A morte em si é só mais um elemento da facticidade, mas a consciência e certeza
da morte é outra coisa completamente distinta. Sem consciência e certeza da morte, não existiria
urgência nem de projetar nem de realizar os projetos projetados. Tal urgência só se mantém, além
disso, porque a consciência e certeza da morte não implica consciência e certeza da data da morte.
Pode-se ser jovem e morrer amanhã, ou ser velho e viver mais vinte anos. A consciência e certeza
de uma morte certa em data incerta é que pressiona todo o período de vida a ser constantemente
realização de um projeto. Existe, é claro, na chamada “civilização” uma série de mecanismos para
inibir essa força opressora da morte, mas o ser-para-a-morte do homem, mesmo quando este está
entorpecido por falsas certezas de completude e por temporários esquecimentos de sua mortalidade
inevitável, nunca deixa de irromper de tempos em tempos na forma da experiência
existencialmente liberadora da angústia. A angústia reconecta o homem com seu ser-para-a-morte
e faz com que se relembre da sua incontornável condição de Ser-aí.
O desenvolvimento pormenorizado dessa “analítica existencial”, ou seja, dessa enumeração e
revelação das condições (e limites) do Ser-aí do homem, enquanto ente que se faz a pergunta sobre o ser,
é o que permite a Heidegger inverter o sentido tradicional da relação entre Ser e Tempo (a relação que dá
nome ao livro). Se, na tradição ocidental, sob impulso de Parmênides e a partir do cânone de Platão, o
tempo, como promotor do devir (o vir-a-ser, a mudança) havia sido sempre pensado como aquilo que é
contrário ao ser (pois o ser, inspirado no ser dos entes que são as coisas, é aquilo que não muda, sempre
permanece igual e idêntico a si próprio), agora, a partir da reflexão de Ser e Tempo, era possível visualizar
o tempo como a condição sem a qual não existe o ser, desde que este seja entendido a partir do ser do
ente que se pergunta sobre o ser, isto é, a partir do ser do homem, o Ser-aí. Só no tempo é que o Ser-aí
pode se projetar, só no tempo é que pode se enfrentar com o mundo em busca de seu projeto projetado, só
no tempo, e na consciência do tempo e certeza da morte, é que pode reencontrar o sentido de seu Ser-aí
para além de toda ilusão ou esquecimento. O tempo deixa de ser o temido inimigo do ser e passa a ser –
de agora em diante – seu aliado necessário.
Os modos de ser do “Dasein” a partir da analítica existencial heideggeriana
Luciano da Silva Roberto
http://pensamentoextemporaneo.com.br/?p=489
Ao estudar a filosofia de Martin Heidegger (1889-1976), a partir de sua obra Ser e Tempo, percebe-se que seu
pensamento se situa no centro das preocupações filosóficas da atualidade. Ele propõe a superação da tradição
filosófica do Ocidente através da retomada da pergunta pelo sentido do ser, a qual é a mais fundamental de todas as
perguntas. Para tanto, Heidegger afirma que o único entediverso dentre os outros existentes, o Dasein (ser-aí), seria
o único capaz de compreender o ente diverso dele. Assim, com este trabalho pretende-se fazer uma análise dos modos
de ser do Dasein.
Heidegger utiliza o método fenomenológico para a compreensão do ser, sendo que, em primeiro momento, tal método
recorre ao Dasein. O seu objeto de análise existencial é o Dasein. A sua preocupação central é pensar o ser. O
fundamental, para ele, é compreender o sentido do ser entrevendo as condições de possibilidade de todos os entes e
sobretudo do Dasein. O “objeto” utilizado por Heidegger em suas pesquisas visa mostrar, de modo mais radical, o
quanto esse ente precisa, além da compreensão do ser, obter uma noção original de seu ser.
Diante disso, surge a pergunta: quem é o Dasein? Ele é o ser-aí, o eis-aí-ser. O termo “Dasein” serviu para designar a
manifestação do ser enquanto ente. O Dasein se compreende a si mesmo enquanto ser que existe. Segundo Heidegger,
a substância do Dasein é a existência e não o espírito enquanto síntese de corpo e alma. O Dasein não pode ser
caracterizado fora da existência. Ele é seu compreender-se e seu projetar-se. O Dasein enquanto substância, ou seja,
na sua existencialidade ou substancialidade é um ainda-não, que se lançando na existência reside na não totalidade,
no vazio, no nada. A existência é a sua essência.
O Dasein é um “poder-ser” sempre, a existência do Dasein nunca é algo já feito. O Dasein permanece sempre em
construção, pois é projeto para o seu futuro. Ele é um ser que busca planejar, pois sabe que não está pronto. Está
sempre inacabado e diante de inúmeras possibilidades. O verdadeiro ser consiste em objetivar aquilo que ainda não
é. O Dasein, como ente, é um ainda-não, que deve ser assumido por ele, que lançado na existência reside na não-
totalidade.
O Dasein fornece o horizonte de compreensão do sentido ser a partir da temporalidade. A partir da temporalidade
podemos falar das estruturas fundamentais do ser do Dasein. O Dasein tem o caráter estrutural de ser-no-mundo,
ser-com-os-outros e ser-para-a-morte.
O Dasein é ser-no-mundo e o ser dos entes é compreendido dentro do mundo. O ser-no-mundo é uma forma
privilegiada do Dasein, pois a partir deste modo é possível determinar seu ser, não de maneira total. Ser-no-mundo é
revelar-se, é manifestação como fenômeno do Dasein. O ser do ente que o Dasein é, só se manifesta por si mesmo
dentro do mundo. Não há uma compreensão de ser-no-mundo como se a existência do Dasein estivesse de um lado e
o mundo doutro lado. Mundo é lugar onde os entes se dão, da mesma forma o ser nos entes, a natureza, as coisas
dotadas de valor. O mundo é o contexto em que de fato um Dasein vive como Dasein. Lançado-no-mundo, se entrega
às ocupações, como modo de ser-no-mundo.
O Dasein é ser-junto-a, junto aos entes. Heidegger chama os entes que são usados e protegidos de instrumentos,
pois os instrumentos são produzidos de matéria, que não carecem de produção, pois a própria natureza se encarrega
de fazê-las, por alguém, para alguém (HEIDEGGER, Ser e Tempo, p.109). Dasein é é produção, é criação e
transformação do mundo. O Dasein está no mundo e totalmente envolvido por ele. Sem o mundo não se pode pensá-
lo.
O Dasein partilha com os outros o espaço que lhe circunda. Em sua ocupação ele se encontra a si mesmo e aos outros.
Sem o outro de nada adianta existir. Ser lançado no mundo possibilita ao Dasein mergulhar na aventura da partilha
deste mundo com os outros. O Dasein é com os outros. O Dasein como ser-com-os-outros: estando lançado-no-
mundo, o Dasein mantém uma interação consigo mesmo, com os demais entes (todas as coisas) e com o mundo.
O Dasein partilha com os outros o espaço que circunda. Em sua ocupação ele se encontra a si mesmo e aos outros.
De fato, nesta possibilidade de ser-com-os-outros, “o estar-só do Dasein é ser-com no mundo (…). O próprio Dasein
só é na medida em que possui a estrutura essencial de ser-com, enquanto co-Dasein que vem ao encontro dos
outros. (Ser e Tempo, p.171)
Os outros não significam todo o resto dos demais além de mim, do qual o eu se isolaria. Os outros, ao contrário, são
aqueles dos quais, na maior parte das vezes, ninguém se diferencia propriamente entre os quais também se
está. (Ser e Tempo, p.169)
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O outro sempre é percebido, pois estando no mundo produz algo, ele o realiza para alguém, e quando utiliza um
objeto, utiliza porque alguém o produziu. Os objetos no mundo sempre nos remetem a outros. O Dasein vive neste
mundo, mas não vive só, está sempre se relacionando com o outro
O Dasein está neste mundo, convive com os outros, se relaciona com os outros Dasein, mas também caminha para a
morte. Ele não é um ser pronto (total), acabado, definido. Dasein é um ser-para-a-morte:
Antes de anular o problema de totalidade do Dasein, deve-se buscar as respostas reclamadas a essas questões. A
questão sobre a totalidade do Dasein que, do ponto de vista existenciário, emerge com a questão da possibilidade
dele poder-ser-todo e, do ponto de vista existencial, como a questão da constituição ontológica e a “totalidade”,
abriga a tarefa de uma análise positiva dos fenômenos da existência até aqui postergados. No centro dessas
considerações, acha-se a caracterização ontológica do ser-para-o-fim em sentido próprio do Dasein e a conquista
de um conceito existencial da morte. (Ser e Tempo, p.17)
De acordo com o modo do Dasein, a morte só é em um ser existencial. O verdadeiro caminho a seguir em direção ao
ser é o de desvendar a existência autêntica do Dasein. Tal tarefa tem como centro a angústia. Diante da possibilidade
da morte, o Dasein vive a angústia. Sendo ele determinado pela essência como ser que existe, caminha em direção da
morte. Começa a morrer desde o dia que nasce. A morte é a possibilidade mais própria, pois diz respeito à essência da
existência, ou seja, o poder-ser. Ninguém pode assumir a morte do outro. Ela é ainda a possibilidade da
impossibilidade.
Interpretando-se as características do Dasein descritas por Heidegger, é buscando-se uma aproximação de sua
ontologia com a antropologia, pode-se compreender quem é o homem. A relação do homem com os homens é
diferente da relação com as coisas. Em sua relação com os outros homens, ele é interpelado a abrir-se, sair e provocar
encontro. Na relação com as coisas, o homem simplesmente faz uso do que se encontra disposto no mundo das
ocupações. A existência do homem só pode ser considerada quando também se considera que o homem é em um
mundo. Sem a mundaneidade não pode existir homem. O homem só pode ser compreendido lançado neste com o
qual está envolvido, o mundo. Nele o homem toma consciência de sua existência. Realiza os seus projetos, cria
utensílios para tornar a vida mais cômoda, lança-se em encontros com o outro, fazendo acontecer a convivência. O
homem necessita da presença do outro para viver. A convivência com o outro tem o papel muito importante na vida
do homem, pois é através dela que o homem se humaniza.
Diante do que foi estudado, resta afirmar que Heidegger foi muito original em seu pensamento. Heidegger em seu
pensamento não tematiza o ser, pois senão estaria objetivando o ser. Falando sobre o Dasein, Heidegger pretendeu
falar do verdadeiro sentido do ser. O Dasein é o ente que se pergunta pelo próprio ser, só ele compreende os demais
entes e somente ele tem a capacidade de fazer a pergunta pelo sentido do ser.
Referências
HEIDEGGER, M. Ser e Tempo: parte II. 2ªed. Trad. Márcia de Sá Cavalcanti. Parte II Petrópolis: Vozes, 1998.
NOBRE, Rui José. O ente que pensa o ser: elementos para a compreensão do Dasein heideggeriano. Mariana:
Instituto de filosofia São José, 2003. (TCC em Filosofia)
OLIVEIRA, Manfredo Araújo de, A filosofia na crise da modernidade. São Paulo: Loyola, 1989.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: vol. III. São Paulo: Paulinas, 1991.