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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Brasileira do Brasil) / São L L Psicodiagnóstico 03-5049 NLM-WM 420 em Gestalt-terapia - Indices para 1. : : médicas 616.89143 2. : : Ciências médicas Adelma Pimentel Compre lugar de Cada real que por um recompensa seus autores e convida a produzir mais sobre o incentiva seus editores a encomendar, e publicar outras obras sobre o assunto: paga aos tivreiros por estocar e levar até livros para a sua informação e seu Cada real que pela não autorizada de um e ajuda a matar a produção intelectual de seu summus editorialPSICODIAGNÓSTICO EM GESTALT-TERAPIA Copyright 2003 by Adelma Pimentel Direitos desta edição reservados por Summus Editorial Capa: Ana Lima Sumário Editoração e fotolitos: All Print Falando de amor 7 Prefácio 11 Introdução 19 1 Gestalt-terapia como sistema psicoterápico 31 2 pensamento fenomenológico sobre o psicodiagnóstico 53 3 Recursos diagnósticos e psicoterápicos 81 Summus Editorial Departamento editorial: 4 Rua Itapicuru, 613 - 7° andar caminho da pesquisa 95 05006-000 - São Paulo - SP Fone: (11) 3872-3322 5 Fax: (11) 3872-7476 A prática do diagnóstico informal de Gestalt-terapeutas 99 http://www.summus.com.br e-mail: Discussão 225 Atendimento ao consumidor: Summus Editorial Conclusão 233 Fone: (11) 3865-9890 Vendas por atacado: Referências bibliográficas Fone: (11) 3873-8638 241 Fax: (11) 3873-7085 e-mail: Anexo Estudo de caso realizado na clínica da PUC-SP - Impresso no Brasil em 2000 e 2001 247Falando de amor Este livro antes de falar sobre diagnóstico em Gestalt-tera- pia, Perls, outros autores, fala de mim, encontrando-me e desen- à procura de ser gente. Quatro anos para me doutorar em psicologia clínica, um tempo cronologicamente instituído que, algumas vezes, me pare- ceu demasiado, longo, excessivo. Outras vezes, pouco para reali- zar uma abrangente pesquisa e colocar méu nome na história da Gestalt-terapia. Vaidade, também, uma grande aprendizagem. Descobri a diferença entre viver o presente e viver no presente. A sabedoria só foi adquirida após o contato ante a imensa ansiedade que me arrebentou, feito lava incandes- cente. Ansiedade e somatizações. Meu corpo sabiamente re- clamava: minha pele com meus olhos com não queriam ver, minha respiração contida, em dissonância com a rapidez da fala. Viver em São Paulo, a cidade masculina, promoveu a reu- nião em uma só mulher de várias experiências: feridas abertas do a pressa que me deslocava para um futuro desconheci- do, o temor de não ter mais o que fazer; e algumas mentiras para mim mesma. Hoje caminho melhor. Neste percurso muitas contribuições de pessoas, da poesia e da Não preciso mais, para mos- trar que sou culta, falar hermeticamente. Ser quem sou e como8 ADELMA EM 9 sou é parte de um movimento contínuo de crescimento e Ivete, minha vizinha, mulher bela e discreta, uma das quali- auto-aceitação. Ao proferir o que sei de modo a combinar a ex- dades que mais aprecio no ser humano; pressão do que penso e sinto, faço tendo em vista o que é melhor Elizabete, Cecília, amigas de antigos horizontes; para o relacionamento, pois não posso negar a mim mesma que Raquel, dona Eline, e desejo viver coerentemente. No Rio de Janeiro, entre as Laranjeiras, o Catete, o Glória, A vivência do tempo nesta terra foi sumamente importante Botafogo e por ter-me permitido refletir e amadurecer. meu querido irmão Aldo e sobrinhos Dani e Darlan; No plano mítico, o elemento que simboliza outubro, mês em Lucy, Beca e Rogério, cunhado e filha que nasci, é o ar que confere leveza e harmonia ao viver. Terra e Sandra Salomão e Terezinha, amigas de somados me fornecem suporte e equilíbrio. Em Belém do Pará, a cidade morena, o suporte material da Em São Paulo, alimentando de amor o meu cotidiano entre Capes e da Universidade Federal do Pará, por meio do departa- as Perdizes, a Paulista, Pinheiros, Brooklin e o litoral, encontrei: mento ao qual sou vinculada, o de Psicologia Marília Ancona-Lopez, uma mulher feita de luz que consi- Amanda, Fernando, Adelsilene, Nay, papai Aldo e mamãe dero um espelho, alguém que desejo imitar quando ener- Onezy, minha vida, raízes de minha árvore. gia pulsante que não ofusca, que confiou em mim, que me per- A conjugação destes elementos permitiu-me concluir este mitiu escrever o meu trabalho e não ser um clone; uma mulher que amo, mesmo que nossa convivência tenha sido explorada por um ângulo; uma mulher trabalhadora, interessante. Seu riso ecoa em meus ouvidos sem a necessidade de sua presença. Miriam Hoffman, e Miriam Fernandes, uma bela senhora; Lilian Frazão, mulher vigorosa e vaidosa, uma qualidade que aprecio; Selma Ciornai, uma agradável e poética surpresa; Luiz Giancoli, o rei que veio das Gerais para me oferecer seu amor e sua generosidade; Irene das Ilhas, mulher confusa e sábia que me perguntava "por que as pessoas precisam fazer Gohara Yvette, mulher terra nordestina, embora de origem francesa, que intuo seja Deodato, homem de mãos lindas e minha amiga semPrefácio diagnóstico psicológico foi uma das primeiras atividades profissionais do psicólogo e desempenhou um papel importante na sedimentação dessa profissão. Inicialmente a prática diag- nóstica consistia em "aplicar testes" e avaliar quantitativamente os seus resultados. Na área da psicologia clínica, cabia aos mé- dicos interpretar os índices obtidos e relacioná-los entre si de modo a reconhecer síndromes indicativas de diferentes patolo- gias psicológicas. o pressuposto subjacente era o de que se conseguiriam medir características psíquicas com a mesma exatidão e objetividade com que se mediam características sicas. Os testes, nessa concepção, equivaliam a exames labora- toriais, dirigidos, porém, não ao corpo físico, mas sim a carac- terísticas da personalidade. era o único profissional que podia usá-los e sua competência resumia-se em grande parte a essa atividade. A aplicação dos testes nas áreas da educação, do trabalho e outras, além da clínica e o surgimento de novos instrumentos ampliaram, de alguma forma, a ação do psicólogo. Quando se tratava de selecionar pessoas, de orientá-las profissionalmente, de fornecer subsídios a escolas ou empresas, o próprio psicólogo incumbia-se da interpretação dos testes e assumia a responsabili- dade pelos seus resultados.ADELMA 13 Na construção dos instrumentos de medida, predominava a por testes, sofreu sérias restrições e críticas por parte dos estudio- tentativa de corresponder ao modelo de ciência vigente nas sos da psicologia e de outras ciências. entusiasmo e a esperan- cias naturais. Buscava-se colaborar com o desenvolvimento e a ça depositados nos testes psicológicos como instrumentos que consolidação de uma psicologia Os testes foram, permitiriam definir e avaliar o homem foram substituídos por assim, criteriosamente trabalhados no sentido de serem válidos, certo descrédito e desconfiança, Esse incômodo, gerado pelo padronizados e precisos. A garantia de seu rigor apoiou-se no fato de os instrumentos não corresponderem à exatidão e ao ri- fato de apresentarem resultados semelhantes sempre que aplica- gor que deles se esperava, foi um dos fatores que influenciaram dos à mesma pessoa, de medirem aquilo que pretendiam medir e na mudança do modelo de ação utilizado pelos profissionais na poderem ser utilizados exatamente da mesma forma para, e por, realização do diagnóstico psicológico. diferentes pessoas. foco dos testes dirigia-se a comportamen- surgimento de novas teorias e o desenvolvimento da psi- tos passíveis de observação, e o profissional adotava uma apro- canálise modificaram significativamente o modo de o profissio- ximação neutra em seu trabalho, de modo a chegar a conclu- nal agir e pensar em psicodiagnóstico. A prevalência da compre- objetivas. ensão psicodinâmica do paciente exigiu maior atenção à relação O modelo perseguido pelos pioneiros no desenvolvimento estabelecida entre ele e o valorizando no processo as dos testes psicológicos e por sua aglutinação em processos psi- técnicas de entrevista e de observação baseadas no modelo psi- codiagnósticos não correspondeu ao que era esperado. As obser- canalítico. Os instrumentos de medida perderam a sua impor- vações dos clínicos, ao mesmo tempo que mostravam a utilidade tância, embora continuassem a ser utilizados, e os testes projetivos dos testes para a compreensão dos seus clientes, apontavam a incorporaram-se ao diagnóstico psicológico, ganhando impor- sua ineficácia como instrumentos suficientes para atingir os objetivo do psicodiagnóstico deixou de ser o de medir objetivos Os resultados nem sempre correspondiam fatores da personalidade para ser o de chegar a uma descrição e ao que era observado no contato com o cliente. As interpretações compreensão globais da personalidade do paciente, explicando das respostas conduziam, muitas vezes, a conclusões diversas sua estrutura e sua dinâmica, salientando aspectos sadios e pa- daquelas que eram mostradas pelos dados numéricos. Enfim, os tológicos, de modo a poder formular recomendações terapêuti- testes mostravam-se úteis como dados que relacionavam o clien- cas adequadas. te a um grupo social ou etário, como instrumentos que permitiam Se, por um lado, a introdução de um olhar psicanalítico so- observações dirigidas do comportamento do sujeito, mas seus re- bre a ação do diagnóstico psicológico transformou essa tarefa, sultados não apresentavam as qualidades de rigor e objetividade por outro, trouxe problemas para o profissional. De fato, o inicialmente pretendidas. Além disso, problemas de validação, o logo passou a transportar para o psicodiagnóstico técnicas desen- uso de tabelas construídas com base em dados obtidos de popu- volvidas e trabalhadas no contexto sem considera- lações de outros países e culturas, problemas de tradução e de ção às diferenças de enquadre, de tempo e de contrato existentes linguagem impediam, no Brasil, que se pudesse depositar nesses entre as duas atividades. ao realizar um psicodiag- instrumentos a confiança desejada. o modelo nóstico, defrontava-se com dificuldades tais como as de não po- inicial do psicodiagnóstico, composto quase que exclusivamente der acompanhar as associações livres e espontâneas do cliente14 ADELMA EM 15 por várias sessões, sustentar períodos prolongados de silêncio, tanciamento do profissional e certo aquietamento de suas re- trabalhar as resistências do paciente, lidar com suas defesas e flexões subjetivas, por outro, os procedimentos de entrevista e testar as suas interpretações, entre outras. A compreensão psi- observação recomendavam maior atenção ao relacionamento es- canalítica passou a prevalecer na leitura diagnóstica, mas não tabelecido entre os envolvidos no processo, assim como às rea- era nesse contexto, adotar as estratégias de trabalho ções subjetivas do próprio profissional. processo deixou de da psicanálise. atender a um dos critérios vigentes para a avaliação de produtos psicodiagnóstico foi beneficiado pela introdução da psica- científicos: o da coerência interna. nálise afastou-se do modelo positivista, permitiu que o crescimento das correntes humanistas acirrou a crítica ao go passasse a refletir e trabalhar com teorias e técnicas desenvol- processo desenvolvida, dessa vez, no âmbito vidas em sua própria área; no entanto, de certa de considerações político-ideológicas. Uma análise das relações forma, em um trabalho secundário. A maior possibilidade de atu- estabelecidas nas configurações do diagnóstico psicológico, des- ação e manejo da situação clínica, no contexto psicoterápico, re- critas anteriormente, evidenciou com clareza o desequilíbrio nas duziu a sua importância. Ele passou a ser utilizado quase como atribuições de poder entre os envolvidos na situação uma triagem, uma garantia de que o paciente deveria, ou não, ser e cliente assim como a sobrevalorização do conhecimento do encaminhado a este ou àquele atendimento psicoterápico. Os psi- profissional. Foi nessa direção que se desenvolveram questiona- coterapeutas, ao receberem os relatórios dos pacientes encami- mentos à atuação em diagnóstico psicológico. nhados, raramente se ocupavam em entender com exatidão as Na relação estabelecida para o desenvolvimento do psico- considerações elaboradas pelo psicólogo no decorrer do processo diagnóstico o paciente desempenha um papel quase o de psicodiagnóstico. A compreensão do sujeito estabelecia-se, em "objeto" a ser Ele é "submetido" a testes e avaliações, profundidade, no transcorrer da própria análise e não exigia esse "observado" em seus comportamentos e ações, totalmente alija- entendimento prévio. Os resultados do atendimento diagnóstico, do de qualquer possibilidade de participar das interpretações so- processo que exigia trabalho, dedicação e esforço por parte do bre o material que forneceu; não terá acesso ao que será escrito profissional, mostravam pouca utilidade. sobre ele e dificilmente encontrará condições para discordar das Colaboraram, ainda, com a desqualificação do trabalho em conclusões a seu respeito. Acrescentam-se a isso a ênfase nos as- diagnóstico psicológico tensões decorrentes do fato de ele passar pectos psicopatológicos e a tendência a encaminhar os pacientes a congregar procedimentos de diferentes origens epistemológi- para "tratamentos" sem que ele compreenda exatamente a sua cas: testes de medida originados segundo o paradigma das ciên- necessidade. Corroborando com essas críticas, as avaliações so- cias naturais, instrumentos projetivos e estratégias clínicas bre os trabalhos clínicos mostram o grande nível de desistência desenvolvidos no paradigma das ciências humanas. profissio- de pacientes durante ou imediatamente após o trabalho dia- nal passou a sofrer orientações contraditórias, implícitas nos pro- gnóstico e a baixa procura por terapias indicadas após essa mo- cedimentos que Se, por um lado, os testes de medida dalidade de atendimento. Em suma, no decorrer e ao final do pediam uma atitude de neutralidade, ou seja, exigiam certo dis- processo o obtém informações e16 EM 17 dados, analisa-os, reflete, constrói uma compreensão sobre o de Pós-graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universi- paciente, mas sempre de forma unilateral, sem a participação dade Católica de São Paulo (PUC-SP), o texto analisa o trabalho do paciente. de diagnóstico psicológico como é desenvolvido hoje no âmbito conjunto de críticas ao processo psicodiagnóstico obri- da Gestalt-terapia e discute suas possibilidades. A seriedade e gou-o, mais uma vez, a evoluir. Foi no âmbito da psicologia fe- competência que Adelma mostra no domínio da Gestalt-terapia nomenológico-existencial que despontou a possibilidade de o contribuem efetivamente para o desenvolvimento dessa aborda- processo psicodiagnóstico tornar-se interventivo e interativo. Po- gem psicológica, assim como para o avanço do atendimento na de-se dizer que o profissional passou a adotar uma atitude de res- área do psicodiagnóstico. peito para com os significados já atribuídos pelo próprio cliente A Gestalt-terapia em relação ao refinamento teórico e à prá- aos seus comportamentos, esperando a sua cooperação ao elabo- tica clínica do diagnóstico também avança substancialmente, isto rar as possíveis interpretações. Essa redistribuição de poder per- é, superou a fase de crítica e rejeição total, típica dos anos de mite transformar a situação de atendimento em um espaço de para, contemporaneamente, promover reflexões que atuali- discussões e considerações sobre as variadas possibilidades de zam as diretrizes e os princípios gestálticos numa perspectiva fe- significação dos comportamentos, visando-se ao estabelecimento nomenológica que considera sobretudo a experiência como o de uma compreensão conjunta e compartilhada, mesmo que, eixo vital de seus desdobramentos. Nesta direção, Adelma Pi- nem sempre, consensual. Por meio de acordos explícitos, mentel nos mostra o estado da arte internacional e nacional, em logo e cliente empenham-se nesse processo, no qual técnicas e um capítulo que pode orientar os fazeres do Gestalt-terapeuta e estratégias são apresentadas e exploradas As de seu educador, quando contribui para indicações de conteúdos conclusões são sempre contextualizadas, perdendo o seu caráter curriculares importantes para o ensino da Gestalt-terapia. de vaticínio, e podem, sempre, ser retomadas e Adelma Pimentel, em seu trabalho, nos brinda com uma Espera-se que esse trabalho de contínua ressignificação continue a ser feito pelo cliente, mesmo após o término do diagnóstico, e pesquisa empírica com 14 profissionais que atuam nas diversas esse é o maior ganho do processo. psicodiagnóstico adquire, regiões do país, mostrando-nos, de forma respeitosa, as várias assim, um caráter terapêutico, sem perder as suas especificida- concepções diagnósticas. A pesquisa é uma das lacunas na atua- des. A submissão às técnicas é flexibilizada e o uso de instru- ção do Gestalt-terapeuta, o que nos faz perceber a importância mentos sofre reformulações, permitindo ao um traba- deste esforço realizado pela autora. lho coerente. Finalizando, alegro-me em compartilhar com o público esta Esta visão, desenvolvida nos pressupostos da abordagem fe- realização de Adelma Pimentel, convicta de que é uma alavanca nomenológica, começou a ser apropriada por diferentes cor- para a produção científica de uma profissional que há 12 anos rentes teóricas, que passaram a explicitar modos de ação, com- vem se dedicando aos estudos fenomenológicos e à Gestalt-tera- preensão e leitura das proposições gerais nos horizontes de suas pia, em sua atuação como docente e pesquisadora na Universida- construções específicas. de Federal do É nessa direção que se apresenta o trabalho de Adelma Pi- mentel. Desenvolvido como tese de doutoramento no Programa Marília Ancona-LopezIntrodução Neste livro busco examinar como se apresenta nos textos clássicos e atuais da Gestalt-terapia a temática do psicodiag- nóstico, para compreender como os Gestalt-terapeutas, hoje, o utilizam. Os precursores da Gestalt-terapia, teorizando acerca do desenvolvimento humano, comportamento saudável e adoecido e processo terapêutico, basearam-se no pressuposto epistemológi- e ontológico de que a percepção ocorre como uma totalidade estruturada e dinamicamente integrada. ponto de vista estrutural diz respeito a uma premissa ges- táltica básica de que a experiência é estruturada em vez de frag- deste modo, um indivíduo percebe e vive no mundo ativamente apoiado no uso da linguagem, na cultura e na sua capacidade de significar e de reconhecer o outro como um outro, com quem compartilha o mundo pela familiaridade e convívio. ponto de vista dinâmico refere-se à qualidade e quantidade da energia que o organismo dispende para orientar o fluxo ou a pa- ralisia de seus movimentos. A inter-relação entre a estrutura e a dinâmica constitui o campo psicológico em que o indivíduo cir- cunscreve suas experiências. Esses pressupostos orientam este trabalho no que diz respei- to à pesquisa bibliográfica e às análises do material coletado, ou20 EM 21 seja, procurei sistematizar o entendimento do pensamento Segundo Perls, havia, naquela época, uma crise geral na so- diagnóstico gestáltico a partir da compreensão das múltiplas in- ciedade americana, cujo reflexo evocava na clientela que fluências que o frequentava os seminários em Esalen a classe média americana Na literatura clássica da Gestalt, Perls (1975, sentimentos de desespero e medo de contestar as orientações Perls, Hefferline e Goodman (1997) fornecem indicações para a dos terapeutas do lugar, o que trazia uma cri- realização do psicodiagnóstico; contemporaneamente, Yontef se para Esalen, que estava sendo reconhecida "como símbolo da (1998), Delisle (1999) e Naranjo (1997), entre outros, explicitam revolução de achar e promover novos procedimentos diagnósticos que julgam importantes para a com- caminhos para a sanidade, o crescimento e desenvolvimento do preensão do cliente e para a eficácia da terapia. potencial humano" (Perls, 1979: 300). pensamento diagnóstico na Gestalt-terapia tem evoluído e Perls considerava atingida a missão histórica e científica de orientado a prática clínica por meio da busca de instrumentos Esalen, pois jovens destreinados lideram grupos de encontro: "nós clínicos que, sobretudo, permaneçam como: ligamos sem LSD. Que se danem o diagnóstico e a invasão de casos Que se danem as reações de desapontamento quando a indicadores para alcançar o fenômeno enquanto manifestação, auto-realização prometida não acontece" (id., ibid.). Nesta fala, evitando que tanto os terapeutas iniciantes quanto os experientes, após diagnosticarem, corram o risco de contaminar a sua relação Perls demonstrou inquietar-se com o destino de Esalen como pólo com o cliente a partir das verdades diagnósticas, o que pode signi- de consolidação da Gestalt-terapia enquanto sistema psicológico ficar estabelecer com ele uma relação análoga (ou alternativo à psicanálise e ao behaviorismo. Temia que o Instituto que foram as principais responsáveis pelo tipo de resposta (com- sucumbisse ante a influência das ideologias de "libertação" social portamento) que o cliente desenvolveu para sobreviver e que para o e técnica na prática de alguns facilitadores, que rejeitavam todas qual, hoje, podemos ter uma série de nomes. (W. Ribeiro, 1995: 3) as normas que julgassem Perls evidenciou com seus atos pedagógicos e terapêuticos A expressão "diagnóstico" apareceu denominada de modo nos seminários e workshops que conduzia, que valorizavam pro- explícito em Perls (1979), quando, ao escrever sua autobiografia, cedimentos diagnósticos informais para atuar com os participan- fez a retomada de algumas questões que considerava inacabadas tes dos grupos, "o diagnóstico psiquiátrico jamais podia ser feito nas áreas: história de vida, que abrange interações familiares, amores e amizades; história profissional, que contém dados so- simplesmente com base na ausência de achados neurológicos ou bre suas experiências como psiquiatra, psicanalista e acerca da similares. Deve haver alguma indicação psicológica clara" (id.: elaboração do sistema psicoterápico gestáltico. Nesta obra se 111). Pode-se dizer, tomando como referência esta idéia de propôs a fazer uma espécie de revisão das duas trajetórias, bem Perls, que era importante focalizar diagnosticamente as disposi- como refletir sobre os procedimentos clínicos e a gradativa su- ções psíquicas e mentais juntamente às doenças do sistema ner- pressão da atividade diagnóstica que ocorria, na década de 1970, voso, porém era mais importante dar na avaliação, aos em Esalen, instituição situada na Califórnia, EUA. aspectos psicológicos do indivíduo.EM 23 Outro aspecto que Perls valorizou, no plano teórico, e que As falas de Perls sugerem a presença de uma intenção diag- surge como um dos eixos diagnósticos da Gestalt-terapia, foi a nóstica subjacente à postura terapêutica adotada, que praticava avaliação das influências da vida em sociedade na formação da sem recorrer aos recursos diagnósticos da psicometria e da psi- identidade do cliente. Propôs verificar como a auto-expressão quiatria clássica. Afirmava, assim, a importância de "compre- era inibida pelas normas introjetadas, transformando-se em ex- ender a natureza processual do organismo e sua dependência em pressão deliberada e mostrando um conflito entre a atenção às relação às leis da dinâmica da como também que, "sen- do a estrutura e a função coisas idênticas, ao mudar a estrutura necessidades do organismo e a da auto-imagem. As colocações você mudará a função: e, ao mudar a função, você mudará a sua de Perls (1979) permitem dizer que ele fazia um diagnóstico in- estrutura" (id.: 49 e 224). formal valendo-se da sua sensibilidade, intuição e de seus conhe- Etmologicamente a palavra structura, derivada do verbo cimentos acadêmicos. struere, significa contudo, Bernot (apud Bastide, Desse modo, ao atentar para o ser humano, orientava o seu 1971: 2) pondera que o vocábulo "desde os primórdios designa diagnóstico informal com informações de três tipos: simultaneamente um conjunto, as partes deste conjunto e as re- a) "aprendi a ser muito sensível à patologia lações dessas partes entre Para Lalande (apud Bastide, séria. Se alguém traz um sonho de desolação, sem gente, sem ve- 1971: 6), a psicologia da Gestalt contribuiu para a ampliação dos getação, ou se mostra sinais de comportamento bizarro, recu- sentidos que o termo estrutura adquiriu na psicologia quando so-me a trabalhar com ele" (id.: 249). realizou um corte epistemológico com a Psicologia Associacio- "Neste curto fim-de-semana não tocarei em você, se você nista ao propor focalizar a vida mental não de "um ponto de vis- estiver profundamente perturbado. Eu despertaria mais coisas do ta relativamente estático, uma simples combinação de elementos, que você sozinho pode (id.: 264). mas como um todo constitutivo de fenômenos solidários, de b) psicológicas procurava observar "sintomas específicos, modo que cada um depende dos outros e pode ser aquilo que é apenas na (e pela) sua relação com eles". traços caracterológicos, conflitos, vazios, buracos, espaço em Perls, Hefferline e Goodman (1997: valendo-se das branco, nada, incompletudes, evitações como falta de atenção, orientações da psicologia da Gestalt, desenvolveram a idéia de atitudes fóbicas, fixação em assuntos irrelevantes, distorção de experiência estruturada dinamicamente para formar "uma confi- formação gestáltica, dessensibilização, nebulosidade mental" guração que fica proeminente no primeiro plano porque se (id.: 334). num fundo que a destaca". Os autores admitiram que c) educacionais verificava a influência dos outros na edu- identificar a estrutura do fenômeno seria o mesmo que esclarecer cação do cliente, o tipo de pessoa com quem este a significação da forma do Deste modo, os procedi- convivia, se pessoas tóxicas ou procurava os extremos mentos diagnósticos e terapêuticos visavam a esta compreensão desses tipos de pessoas, com vistas a que o cliente pudesse "su- observando "como" a experiência do cliente ocorria no mundo. perar a interpretação compulsiva de papéis manipulativos que No que tange ao diagnóstico informal, os autores procuram substitui a auto-expressão honesta" (id.: 164). observar na manifestação do fenômeno psíquico:EM 25 24 a. fatores estruturais, identificados no exame dos níveis or- como a sessão se desenvolveu e os próprios sentimentos, ler para gânicos, sensorial, locomotor e cultural, o quê e o como a criança suas anotações. da experiência que ocorre num campo; o ciclo fi- A autora, que recebia inúmeros relatórios diagnósticos, indi- gura-fundo; o contato, a personalidade, as fronteiras do cava que era mais importante ego e do self, e os distúrbios de a a tempo- ralidade; lidar com a criança. Se me apoiar na informação que me é dada b. fatores dinâmicos observando a qualidade e a quantidade acerca da criança para formar minha base de trabalho com ela, es- da energia psíquica e a comunicação entre as estruturas; as tarei lidando com aquilo que está escrito num pedaço de papel, forças internas e externas que atuam sobre o organismo; em vez de lidar com a própria criança. Então preciso começar c. fatores desenvolvimentais, identificando os estágios rela- com a criança a partir de onde ela está comigo, independente- cionados à evolução do instinto de fome que possibilita mente de qualquer outra coisa que eu ouça, leia ou eu mesma diag- ao indivíduo solucionar suas necessidades pela identifi- nostique. Se uma criança é receptiva comigo, mesmo que os rela- cação/assimilação ou alienação tórios a descrevam como defensivamente hostil, na verdade só posso me relacionar com ela da forma que está sendo comigo Nesses eixos são integradas as informações nesse momento, da forma como ela escolher ser agora. Ela é um psicológicas e sobre as aprendizagens do indivíduo capaz de muitas formas de ser. (Oak- As enunciações teóricas dos anos de 1950-1960 e a prática lander, 1980: 208) clínica de Perls já autorizavam o Gestalt-terapeuta a falar e a realizar um diagnóstico informal usando uma linguagem própria, Os anos de 1990 incrementaram a produção de reflexões so- comum, criativa e sobretudo fenomenológica por ater-se à des- bre o diagnóstico gestáltico, e diversos autores referiram-se a crição do fenômeno psicológico, e por afirmar a primazia da esse processo. Giles Delisle (1999), nos Estados Unidos, propôs concretude da experiência. o Diagnóstico Multiaxial baseado na aplicação das categorias do Após Perls, Fagan (Fagan & Shepherd, 1980) elaborou um DSM IV e na análise estrutural da personalidade, a partir do que primeiro discurso explícito sobre o diagnóstico em Gestalt-tera- chama "reformulação da teoria do self da Gestalt-terapia", em pia. As principais características do seu trabalho foram: designar que se apóia na teoria das relações objetais de Fairbain. Gary o diagnóstico como um processo de padronização, propor uma Yontef (1998), nos Estados Unidos, prioriza a "busca de signifi- compreensão sistêmica da queixa, definir critérios para interven- cado no processo diagnóstico", servindo-se unicamente da Teo- ção e para avaliar as ações do psicólogo. ria da Gestalt-terapia e reconhecendo a importância da tarefa Também nos anos de 1980, Oaklander (1980) descreveu seu diagnóstica para o êxito da terapia. modo de trabalhar com crianças que incluía as seguintes etapas: Cláudio Naranjo na Espanha, com a tese do auto- receber e crianças conjuntamente para esclarecimento da diagnóstico pela proto-análise, procura integrar à Gestalt-terapia conversar sozinha com a criança, usar testes como meios algumas referências teóricas como o Eneagrama, Teoria das Re- para estabelecer a relação ou o preenchimento do tempo, anotarEM 27 26 ADELMA lações Objetais de Fairbain e Winnicot, com o objetivo de desve- nomenológico para realizar um psicodiagnóstico, ainda que Rogers, lar a estrutura do caráter e a gênese da Para isso, identi- especificamente, não fosse a favor da realização de diagnósticos. No seu trabalho, ele procura abordar a criança e não os sintomas, fica estilos de caráter baseados em fixações e instintos. Tais estilos correspondem a uma das taxonomias do DSM III. os significados e não os fatos em si. Destacou que o para fazer um psicodiagnóstico, precisaria ter "respeito pela inte- Fernando Taragano (1989), na Argentina, por meio da psi- quiatria e do que chama de "psicoanálise realiza a gridade da criança, compreensão de si mesmo, conhecimento de identificação psicológica do paciente, analisando na estrutura psicologia, comportamento humano e seus determinantes físicos, de personalidade três instâncias inter-relacionadas: policausidade sociais e psicológicos" (Rogers, 1978). genética, que se refere às experiências vividas ou fantasiadas do A esta perspectiva humanista seguiu-se a contribuição de passado, do presente e das prospecções psicológicas, corporais, da abordagem fenomenológico-existencial, que trou- familiares e pluralidade fenomênica, que é a figura ob- xeram novas propostas ao psicodiagnóstico. Esta vertente ga- servada pelo processo psicológico interno, que indica nhou um considerável avanço nos anos de 1970 nos Estados as significações que o indivíduo dá às experiências que vive, vi- Unidos, principalmente com os trabalhos de Constance Fischer veu e deseja viver. (1979, 1989) e No Brasil, Fátima Barroso (1992) sugere que o Gestalt-tera- Fischer cunhou a tese do diagnóstico colaborativo e inter- peuta realize o diagnóstico adotando um pensamento circular ventivo salientando a importância de informar ao cliente os pro- como um procedimento indicativo fundamentado na visão holis- cedimentos que o usa, valorizar a experiência como ta e existencialista e no método fenomenológico, atendo-se na um dado primário, estimular a capacidade compreensiva do investigação da experiência imediata e na história de vida do cliente, usar testes como metáforas para captar o estilo do clien- cliente. Lilian Frazão (1998) propõe um pensamento diagnóstico te, identificar no comportamento do cliente os fatos históricos e processual. Fernandes, Elias e Pedroso refletem sobre o diagnós- os elementos humanos significativos que contribuem para a for- tico infantil articulando à teoria da Gestalt-terapia estudos de mação do seu estilo, reconhecer a importância da participação do teóricos do desenvolvimento. Maria Aparecida Vieira e Maria ambiente, das condições sociais, e outras na Augusta França (1999) examinam o diagnóstico de clientes de- constituição da experiência. pressivos usando as classificações existenciais de Romero e a ta- No cenário nacional, é importante dizer que nos anos de xonomia do CID 10, e Jorge Ponciano Ribeiro (1995) considera o 1980 Monique Augras (1986) propôs que o ao conta- ciclo de contato como a referência diagnóstica, em que identifica tar o cliente, avalie os significados das vivências, considerando fatores de cura e de bloqueio de contato. fatores históricos, temporais, a relação espaço-corpo e a relação Em movimento paralelo no campo da psicologia, as aborda- com o outro em um projeto existencial para elaborar o psico- gens dos integrantes do grupo existencial-humanista reagiram diagnóstico, o qual não se refere a quadros psicopatológicos ou a aos modelos médico, analítico e psicométrico adotados na clíni- enquadres psicanalíticos. Renomeou o psicodiagnóstico, consi- ca psicológica. Destaca-se o trabalho de Carl Rogers como o em- derando-o um processo de reconhecimento e compreensão do brião de uma vertente de estudos que recorreram ao método fe-28 ADELMA EM 29 cliente, a partir de uma perspectiva que abordava a saúde e a ao uso de testes. Refletindo sobre esses questionamentos, obser- doença vei a escassez de estudos, e o pouco aproveitamento das cate- Marília Ancona-Lopez (1995), no final da década de 1980, gorias teóricas presentes nas pressuposições da Gestalt-terapia, o desdobrando as teses de Fischer, adaptando-as ao contexto brasi- que estimulou meu desejo de contribuir para o avanço do tema. leiro, inspirou-se na proposta do psicodiagnóstico colaborativo e Pretendo, com este trabalho, dar maior visibilidade ao interventivo para atendimentos psicodiagnósticos grupais, enfati- diagnóstico em Gestalt-terapia e divulgar o entendimento do zando o trabalho com os pais, gerando um conjunto de trabalhos diagnóstico como um conjunto de procedimentos fenomenológi- que se seguiram sobre o tema do psicodiagnóstico. cos que permitem compreender melhor o cliente, conferindo Entre estes trabalhos, Tereza Mito (1995) discute as possibi- maior eficácia e direção à psicoterapia. Em última instância, lidades de realizar o psicodiagnóstico informalmente para definir acredito que a possibilidade de o Gestalt-terapeuta realizar diag- a adequação ou não dos clientes para a inclusão em atendimen- nósticos interventivos, colaborativos e informais vem ao en- tos breves. Para Mito, o psicólogo pratica o psicodiagnóstico for- contro da necessidade de dar mais consistência à clínica da Ges- malmente, de modo estruturado, ou informalmente, para avalia- talt-terapia. ção da pertinência do atendimento e das áreas que devem ser Este livro é constituído por cinco capítulos. primeiro des- exploradas terapeuticamente. Mito define o diagnóstico informal dobra os conceitos principais da Gestalt-terapia como um sis- como "um processo de avaliação espontâneo que acontece quando o profissional recebe o paciente para um primeiro con- tema psicoterápico: origem e desenvolvimento, as características tato, o momento em que avalia a possibilidade de com' o estruturais e dinâmicas do psiquismo e a compreensão do compor- paciente para tornar efetivo seu trabalho seja este de psicodiag- tamento saudável e do comportamento doente articulados como nóstico, ou de psicoterapia" (Mito, 1995: 38). pólos, à luz da Gestalt-terapia. segundo aborda as São estes os conceitos de psicodiagnóstico que privilegio cas do pensamento fenomenológico para o diagnóstico colabora- neste trabalho ao verificar o modo como os Gestalt-terapeutas tivo e a produção teórica sobre o diagnóstico em realizam seus diagnósticos. A questão norteadora é: qual a con- Gestalt-terapia e a compreensão diagnóstica da autora. terceiro cepção diagnóstica de Gestalt-terapeutas que praticam a clínica discorre sobre a problemática do uso dos instrumentos diagnósti- privada há mais de cinco anos? Como entendem e realizam o cos e da elaboração do quarto apresenta o caminho da diagnóstico dos clientes que os procuram? pesquisa. quinto destaca as entrevistas realizadas e as análises Esse interesse originou-se de minha experiência como do- que dão visibilidade à prática diagnóstica dos psicólogos entre- cente, na década de 1990, na Universidade Federal do Pará, da vistados, por intermédio dos textos produzidos com base nos de- disciplina Teoria e Técnica de Aconselhamento Psicoterápico, A seguir, faço a discussão dos depoimentos à luz dos abordagem gestáltica, que me colocou em contato com os ques- referenciais teóricos da Gestalt-terapia e do pensamento fenome- tionamentos discentes sobre a indicação de psicoterapia para pa- nológico para o psicodiagnóstico. Por último, em forma de con- cientes gravemente perturbados, e acerca da possibilidade de clusão, busquei responder à minha pergunta inicial e formular realizarem diagnósticos que não se limitassem exclusivamente indicadores para novas pesquisas.1 Gestalt-terapia como sistema psicoterápico Origem e desenvolvimento da Gestalt-terapia A Gestalt-terapia (GT) é uma abordagem psicológica que, do ponto de vista epistemológico, pode ser colocada entre as aborda- gens pois um de seus suportes con- ceituais básicos é o conceito de intencionalidade, ou seja, o pres- suposto de indissociabilidade da consciência e de seus objetos. Frederick Salomon Perls, o precursor mais conhecido da Gestalt-terapia, nasceu em 1893 e viveu parte de sua vida na Alemanha, onde desenvolveu um estilo "inconformista" de ca e rebeldia ante os valores sociais de sua época, atitude que permeou e influenciou a elaboração dos pressupostos teóricos e a prática clínica da GT. Vários elementos da educação acadêmica e paraacadêmica de Perls, respectivamente, a formação médica, a experiência psi- quiatrica e psicanalítica, a a aulas de teatro, as leitu- ras, a curiosidade, a sensibilidade aguçada e a práxis profissional influenciaram o desenvolvimento da Gestalt-terapia. Na construção teórica da GT, Perls valeu-se inicialmente da psicanálise como paralelo argumentativo. Seus objetivos, segun- do ele mesmo, eram "reforçar a estrutura do sistema co para completá-lo e corrigir seus defeitos [...] substituir a psi-33 32 cologia associacionista pela psicologia da substituir o quele momento" (Lewin, 1965: 71). Estes suportes permitiram conceito psicológico por conceito organicista e aplicar o pensa- que Hefferline e Goodman descrevessem os fenômenos mento diferencial baseado na indiferença criativa de Friedlaen- psicológicos organizados em uma polaridade de eixo: estruturas der" (Perls, 1975: 16). e dinâmicas A expressão de Perls "fraquezas conceituais e metodológi- Perls, Hefferline e Goodman, recorrendo à psicologia da cas da psicanálise" decorreu da decepcionante acolhida dos seus traçaram a narrativa das estruturas psíquicas: pares durante um congresso internacional de psicanálise, no ano organismo saudável e doente, desenvolvimento, self, de 1936, na Checoslováquia, em que falou sobre resistências cia, contato, temporalidade com ênfase no presente, na lingua- orais, tema sobre o qual versou seu primeiro gem. Com base na Teoria de Campo de Lewin, abordaram a di- As teses nele expostas o organismo como guia de avalia- nâmica em que a energia e a mobilidade qualificam a ção da experiência, a importância do momento presente, o ponto interação entre o indivíduo e o meio numa cultura. Os dois ele- zero como o centro de diferenciação da capacidade criativa, ob- mentos focalizam o fenômeno psicológico como uma totalidade. servação da situação em um campo, descrição e como o Segundo Luiz Alfredo Garcia-Roza (1972), uma abordagem meno se realiza, funções orgânicas de aproximação e de afasta- científica pode ser considerada estrutural sob dois aspectos, do mento (Perls, 1975). entre outras foram aprimoradas quando se ponto de vista epistemológico e do ontológico, dessa forma, os instalou nos Estados Unidos nos anos de 1950. Nesse país, a GT autores demonstraram o afastamento da abordagem psicológica adquiriu uma dimensão singular e crescente. associacionista ao admitir, para as teorizações da GT sobre per- A Gestalt-terapia portanto, da "dissidência" de Perls cepção, desenvolvimento e método terapêutico, o ponto de vista dos grupos psicanalíticos, recorrendo a vários suportes teóricos ontológico-estrutural. para formar sua própria teoria. Da psicologia da Gestalt, agregou Da fenomenologia, Perls extraiu "a importância de descre- a orientação ontológica e epistemológica de que "o homem não ver e que o essencial é a vivência imediata, tal como é percebida percebe as coisas isoladas e sem relação, mas as organiza no ou sentida corporalmente até imaginada assim como o pro- processo perceptivo como um todo significativo" (Perls, 1977: cesso que está se desenvolvendo aqui e agora" (Ginger, 1995: 18). Da Teoria Holista, utilizou as contribuições de Smuts, para 36). além das práticas que integram o conhecimento científico e quem "cada faceta da vida era uma parte da tendência à síntese o configurando o que Yolanda Forghieri (1984: 28) no universo e participava numa permanente evolução para o desenvolvimento amplo e mais integrado" (Frick, 1973: 137). propõe para a atuação do "o psicoterapeuta não pode ser simplesmente o amigo próximo e nem apenas o profissional Da Teoria de Campo de Kurt Lewin, usou a proposta de "descre- ver o campo que influencia um indivíduo não em termos 'fisica- competente: precisa ser a pessoa que atua dialeticamente entre esses dois De Wilhelm Reich (1989: extraiu a con- mente mas da maneira que existe para a pessoa na- ceituação de caráter como "encouraçamento", restrição à mobili- dade da personalidade como um todo e o método de es- 1942 hunger and aggression. (Ego, fome e agressão. São Paulo, tudar sistemas, Summus, 2002.)34 EM 35 indagando sobre a sua estrutura, o seu contorno, as suas partes, alargando-se também o seu campo de Sua penetração como se inter-relacionam internamente e com o meio externo. o deu-se graças a iniciativas de psicólogos que buscavam centros seu funcionamento, como se processa dentro de um sistema a no exterior para cursos e traziam material bibliográ- transformação daquilo que recebe naquilo que devolve ao meio: a fico, publicavam livros, formavam outros profissionais por meio sua evolução, como se comporta o sistema frente a mudança que de cursos e sofre ao longo do tempo, seus dispositivos de correção, diferen- Os anos de 1970, período de entrada da GT no Brasil, carac- ciação, renovação, desgaste e desintegração como sistema. (Telle- gen. 1984: 63) terizaram-se pela repressão da democracia e dos direitos de exer- da cidadania. país estava sob a ditadura militar, o que fomentou, em contraponto, nos diversos ramos das atividades psi- No seu desenvolvimento, a GT adquiriu um caráter fenome- cossociais, um olhar crítico voltado para o contexto social, tentan- nológico mais consistente, explicitando temáticas existenciais do "pensar a implicação política do profissional a subjetivi- como "a do direito à posse das próprias escolhas e comporta- dade como produção histórico-social, a presença da História em mentos, a responsabilidade pela auto-regulação e a experimenta- nosso cotidiano profissional e, principalmente, os efeitos que nos- ção para descobrir as possibilidades" (Yontef, 1998: 121). sas práticas, nossos modelos e saberes estão produzindo/reprodu- A abordagem gestáltica estendeu-se, nos anos de 1970, dos zindo e fortalecendo no mundo" (Coimbra, 1995: 60). Estados Unidos para a Europa, e para o Japão e para a América Este olhar crítico incidiu, também, na análise das práticas do Sul. Na tentativa de dar continuidade à superação de uma prá- Em GT, a atividade do diagnóstico passou a ser rejeitada tica psicológica reducionista, de cunho empirista-mecanicista, por estar vinculada fortemente a concepções médicas, psicana- fragmentadora da experiência humana, a GT propôs um olhar so- líticas e psicométricas, uma reação consonante com os movi- bre o fenômeno como uma totalidade sistêmica, aberta, perma- mentos sociais que reagiam ao status nentemente interagindo com outros subsistemas. Também levou Os anos de 1980 permitiram uma análise mais criteriosa das dos Estados Unidos a influência do estilo agressivo e espalhafa- atualizações teóricas e técnicas, assim os Gestalt-terapeutas dei- toso de Perls, cuja atuação enfatizava a frustração como estra- xaram de atuar apenas como facilitadores de episódicos insights tégia técnica. De fato, nesse período, fenômenos episódicos e para promover mais eficazmente o crescimento dos teatrais eram mais frequentes do que as produções teóricas e aca- diagnóstico, por sua vez, pode ser visto e praticado sem temores, dêmicas da área. promovendo "o resgate do pensar em oposição ao mero sentir Os demais precursores da GT procuraram aprofundar sua que caracterizou os anos de (Frazão, 1995: 18). compreensão sistêmica e configurar sua aplicação social em ou- Durante a década de 1990 afirmou-se a procura dos Ges- tras áreas, além da clínica. Finalmente, nos anos de 1980, pes- talt-terapeutas por uma consistência e amplia- quisar, escrever e consolidar a teoria e a técnica da GT torna- ram-se os temas pesquisados: ética, trabalho grupal, psicopato- ram-se tarefas cotidianas (Yontef, 1998). logia e psicodiagnóstico. Neste movimento da GT, mantém-se No Brasil, em 1999, completaram-se 29 anos da introdução como lacuna o distanciamento das instituições educacionais que desta modalidade de fazer psicoterapia, formam o o que dificulta sua penetração e a expansão36 ADELMA EM 37 de seu trabalho tanto do ponto de vista prático como É compreensão mais profunda da estrutura e função do organis- nessa lacuna que situo minha investigação. mo..." (id.: 36). Marcando corte epistemológico com a psicanálise, Perls Características estruturais e dinâmicas do psiquismo desdobrou a tese do holismo estrutural. Sugeriu que há uma atitu- à luz da Gestalt-terapia de que faz com que os indivíduos percebam que o mundo é com- posto não só de átomos, mas de estruturas que têm um significado Quando Perls propôs a abordagem gestáltica, definiu como distinto da soma de suas partes; chamou a atenção também para a pressuposto a importância de captar como um fenômeno psicoló- importância de incluir o contexto, o campo, a totalidade nas aná- gico ocorre, abordando-o em sua totalidade, ou seja, focalizando lises de um fenômeno, evitando uma visão isolacionista. os aspectos estruturais e dinâmicos do psiquismo. Estes aspectos Apesar de marcar a passagem da atuação psicanalítica para a serão mostrados neste texto a partir de duas obras clássicas da gestáltica, Perls manteve sempre a psicanálise, como diz Ana Ma- GT: Yo, hambre y agresión (Perls, 1975) e (Perls, ria Loffredo, "um constante interlocutor como fundo de oposição, Hefferline & Goodman, 1997). onde a Gestalt é o elemento positivo que emerge do negativo que Para Perls, assim como para "a estrutura é uma há na psicanálise" (1994: 170-175). Para ela, as comparações de característica da realidade, e são dois os princípios segundo os Perls dirigem-se especialmente para as questões do método e da quais a percepção se organiza: as totalidades e a boa forma ou teoria, predominando na GT a concentração, a experimentação, a pregnância, que é a melhor forma possível alcançada nas condi- descrição do fenômeno e a consideração da consciência, enquanto ções presentes" (Wertheimer, in Garcia-Roza, 1972: 53). na psicanálise enfatizavam-se a associação livre, a interpretação, a por sua vez, considerava a percepção "uma atividade e não uma transferência e a consideração do inconsciente. simples atitude passiva" (Perls, 1975: 259). Coerentemente com Perls especificou que a formação do cientista e do essa conceituação, o pensamento psicoterápico da GT baseia-se deveria basear-se na compreensão do homem como um organis- na busca da compreensão da dinâmica presente nas estruturas mo vivo, a soma total de um corpo, das percepções, dos pensa- do psiquismo. mentos e da alma. Ego, hunger and aggression: the beginning of Gestalt Ther- Perls prossegue afirmando a importância do instinto de fome apy, foi publicado nos Estados Unidos em 1969 e em 1947. Foi no desenvolvimento Dele derivam dois estágios evolu- um marco da passagem da atuação psicanalítica de Perls para a tivos: a assimilação e a alienação, que apresentam uma "similitu- gestáltica. Seguiu-se a publicação em espanhol, Yo, hambre y de estrutural entre os processos mentais e físicos" (Perls, 1975: agresión no México, edição com a qual trabalharei. 148). primeiro estágio do processo de desenvolvimento é o do Quando o livro foi escrito, Perls alegava que sua obra contribuía embrião, em que o organismo do bebê se alimenta pela placenta. para o encontro do terapeuta humano com outro ser humano e Com o nascimento a criança inicia o seu papel ativo consciente, não com um Afirmava também a integração dos aconte- por meio do "mordisco de dependência". nascimento dos den- cimentos, dos fatos e das ações considerados elementos insepa- tes inicia a tarefa do organismo de "destruir a estrutura bruta dos Procurava "evitar uma visão unilateral e alcançar uma alimentos" (id.: 140). Os demais estágios são dados quando a38 39 dentição se completa, com o aparecimento dos incisivos relacio- do alimento, o que trará reflexos na atitude básica para com a nados à tarefa de morder e os molares, à de morder e mastigar. vida" (id.: 182-186). Nessa trajetória o organismo pode usar defesas como a ani- Para aplicar a técnica da concentração, Perls recomendou quilação e a destruição, contra as perturbações e para evitar o que o orientasse o cliente para que este Aniquilar "é fazer desaparecer uma coisa, fazer 'nada' de enquanto destruir "é fazer desaparecer tão-só a descreva todos os detalhes do que sente e saboreia: quente e frio, estrutura de algo" (id.: 141). Por essa razão, "não preparar o ali- amargo e doce. com sabor e insípido, suave duro, agradável e mento físico para a assimilação trará repercussões em sua estru- desagradável, apetitoso e repugnante. Que desenvolva sua apre- tura caracterológica e suas atividades mentais" (id.: 29). Aqui, a ciação em contraste com a sua que concentre-se na noção reichiana de caráter, reformulada, fará novas pontes na estrutura do alimento e censure cada pedaço não destruído que es- construção do discurso da GT. capou do moinho triturador de seus molares. (Id.: 242) Perls caracteriza o caráter como uma estrutura estática e fo- mentadora do Para ele, o ego desempenha uma A hipótese de Perls era de que, realizando estes procedimen- função cujas responsabilidades são a identificação, a alienação e tos, o cliente conheceria em detalhes o tema trabalhado e adqui- os contatos do Por identificação, conceitua "o senti- riria "plena consciência do processo de o que "contribu- mento de que algo é parte do indivíduo e que ele é parte de irá para produzir a mudança requerida no alimento, para o alguma coisa". Por alienação, "o estreitamento similar das fron- desenvolvimento do bom gosto, para cessar a introjeção no teiras do ego", Em ambas as funções, "identificação e plano físico e mental" (id.: 244). vemos uma vez mais a ação do holismo e a formação de totalida- Perls considerava que a introjeção equivalia a "conservar a des [...] quanto maior é a identificação de, mais sólida será sua estrutura de coisas ingeridas, enquanto o organismo requer a sua estrutura; às vezes até um ponto de Também se rea- destruição" (id.: 168). Assim, terapeuticamente, manejando a liza um estreitamento das fronteiras para conservar uma totalida- técnica da do interesse, da atenção, da descrição e de" (id.: 149). da destruição da estrutura antiga, o indivíduo seria capaz de Em Yo, hambre y agresión, ao tratar do aspecto clínico da atualizar o seu processo existencial evitando o encouraçamento Perls tematizou sobre as técnicas da terapia da concentração. psíquico e a formação caracteriológica, pois um indivíduo en- Metodologicamente, concentrar é orientar o cliente a estabelecer couraçado não consegue criar, mas somente reproduzir compor- vínculos entre seu interesse e sua atenção. Interessar-se é estar tamentos e convenções em uma concentrar-se é penetrar exatamente no centro A técnica de concentração também possibilitava ao psicólo- da e atentar é dirigir uma tensão para o objeto. go orientar o cliente a reorganizar os sentidos. Perls chamou a Concentrar é também uma função do ego e permite, no atenção para "a capacidade de visualização consciente" e para a modo saudável do desenvolvimento, formar claramente as fi- importância de o Gestalt-terapeuta perceber "os objetivos e uso guras de acordo com a estrutura da assimilar e destruir das de modo que estas servissem ao cliente para aju- o alimento ingerido, produzindo "mudança na estrutura e sabor dá-lo a "descobrir como reage em detalhes (a estrutura dos meios40 EM 41 com os quais), para captar estes deve senti-los, isto é, a tegridade do cliente, explorando fatores socioculturais e físicos, valorização sensorial" (id.: promovendo experimentos para desenvolver ou aumentar o po- Perls uniu-se a Hefferline e Goodman para escrever Ges- der criativo do cliente e reintegrar as partes talt-terapia, que foi publicado em também nos EUA, Os autores recomendaram ao psicólogo a prática de uma ati- quatro anos após Ego, hunger and aggression: the beginning of tude terapêutica de avaliação da própria auto-regulação evitando Gestalt Therapy, e representa um salto qualitativo no refina- enquadrar o cliente em suas concepções científicas prévias. Ao mento teórico-metodológico da clínica gestáltica. A experiência saber o que sente e como sente, o Gestalt-terapeuta poderia en- e o contato, o campo, a antropologia da neurose, a temporalida- tender a dimensão humana e universal deste sentir, bem como os de, a fala, a personalidade e o self serão as principais estruturas arranjos que as pessoas fazem para se auto-regular. psíquicas exploradas nessa obra. Há também uma ênfase no exa- A auto-regulação diz respeito à coerência interna entre a me da importância do papel das estruturas sociais na formação forma e o conteúdo e às funções que os sintomas neuróticos rea- psicossocial do indivíduo. lizam, que são proteção e singularidade da organização de sinto- Os autores acrescentam que a experiência tem uma estrutura mas. Mesmo que haja rigidez, esta permite ao organismo que composta por três arcabouços que mantêm relação entre si: os continue vivo. sentidos e o equipamento sensorio-motor; a cultura, e a aware- Para demonstrar como a técnica gestáltica se opera, os auto- Definem o objetivo da terapia como res abordaram a estrutura e o valor terapêutico do encontro entre terapeuta e cliente. Primeiramente o Gestalt-terapeuta provocará a análise da estrutura interna da experiência concreta a maneira o surgimento de uma emergência segura, proporcionando ao como o que está sendo relembrado é relembrado, ou como o que cliente uma experiência concreta e ativa, plena de interesse e é dito é dito, com o que expressão facial, tom de sintaxe, encorajando-o a aumentar sua consciência e a integrar a postura, afeto, omissão, consideração ou falta de consideração para com a outra pessoa [...] para que se a realização de uma figura que surge no foco como sua propriedade Gestalt vigorosa, a própria cura. (Perls, Hefferline & Goodman, experimento é o recurso metodológico usado para ativar 1997: 41-42) "todas as partes como um todo, onde as partes são a auto-regula- ção do cliente, o conhecimento do terapeuta, a ansiedade libe- É possível notar a mudança e a abrangência do objetivo tera- rada e a coragem e o poder criativo e formativo em cada pessoa" pêutico. Antes limitava-se a oferecer ao cliente ampliação dos (id.: 95-97). Ele inclui o próprio terapeuta que se faz presente seus sentidos, agora, estimula-se o cliente a perceber os vínculos como pessoa, no diálogo, na empatia, no acolhimento, ao sair entre seus sentidos e suas ações conscientes e não tão conscien- dos limites artificiais do consultório, dar e receber carinho, prati- tes, incluindo uma participação maior do corpo, para ampliação ações éticas e oportunas ao crescimento. Assim, o cliente da awareness. A proposta clínica visava facilitar o contato pleno dispõe dos recursos clínicos formais e informais do experimento com os sentimentos, por assinalamentos e focalização associa- para superar a estrutura padronizada do seu agir, da neurose cria- tiva da consciência em dada situação concreta, preservando a in- da pelo conflito entre ele e a sociedade.42 43 Uma característica desta padronização se faz notar na fala. neceu os recursos metodológicos da experimentação, da focali- Para os autores há a formação de uma "personalidade verbaliza- zação no presente e do uso terapêutico da dora", o que leva o indivíduo a desenvolver "uma fala insensi- Essa interlocução é refutada por Gary Yontef (1983), embo- vel, prosaica, sem afeto, estereotipada no conteúdo, ra reconheça a necessidade de fortalecimento conceptual da GT. inflexível na atitude retórica, mecânica na sintaxe, sem significa- discorrendo sobre a Gestalt-terapia e sua herança da psi- do" (id.: 129-131). cologia da Gestalt, considera que A linguagem é um dos últimos pontos que será reestruturado terapeuticamente. Perls, Hefferline e Goodman contrapõem a o método básico da GT pode ser remontado às suas origens diretas fala criativa à fala neurótica (id.: 177). Para eles, a poesia e o na Teoria de Campo Fenomenológica da psicologia da Gestalt. As diálogo representam agentes restauradores. Martim Buber ofere- características principais deste método são: confiança na expe- ce o suporte do diálogo em GT. Os autores descreve- riência imediata total, aqui-e-agora com os pré-conceitos postos ram a estrutura comunicativa da fala criativa: Eu, quem fala; Tu, entre parênteses; busca da compreensão da estrutura inerente do a pessoa com quem se fala, e o Isso, o assunto a respeito do qual todo segregado que é o campo experimental da experi- se fala. encontro entre duas alteridades, terapeuta e cliente, no mentação para obter uma descrição fiel à estrutura dos tratamento psicológico, promove crescimento existencial do cliente. fenômenos sob investigação; buscar um entendimento, do próprio A questão teórica mais polêmica abordada no livro é o self e processo de awareness e (Yontef, 1982: 8 e 14) suas estruturas: ego, id e a personalidade. Para os autores, o self é uma função de contato e o agente de crescimento; é um ele- Esta discussão, que se mantém na área, sugere a busca de mento móvel que se localiza onde há contato. dois caminhos para discutir as "fragilidades" teóricas da GT: Stephan Tobin critica a fragilidade conceptual desta estru- retorno ao discurso neopsicanalítico por meio da teoria das rela- tura apontando-a como suficiente apenas para focalizar "os dis- ções objetais de Fairbain, Kohut e Klein, entranhamento no hori- túrbios funcionais de fronteira sem atingir os distúrbios estrutu- zonte fenomenológico-existencial e da própria teoria da Ges- rais do self" (Tobin, 1982: 1). Para ele, Perls descreveu-a melhor talt-terapia. Neste debate, minha escolha é pela direção do como aspecto processual e não como estrutura, assim, resta aos fortalecimento da autonomia da GT em relação à psicanálise, da Gestalt-terapeutas apenas "tratarem clientes que não têm distúr- renovação do modelo de ensino atual da GT, criação de grupos bios de self, pois não há uma metodologia gestáltica adequa- inter-regionais com membros da academia e dos institutos ges- da" (id.: 4). que Tobin considera como distúrbios do self tálticos para desenvolvermos pesquisas de campo que atualizem os conceitos básicos da área. são as psicoses, estados borderlines e distúrbios narcísicos de personalidade. Perls, Hefferline e Goodman não falam explicitamente sobre o diagnóstico, no entanto abrem a possibilidade de um olhar Tobin estabelece uma interlocução com a teoria das relações diagnóstico e clínico para as estruturas e as dinâmicas psíquicas objetais, em que forneceu uma descrição do desenvolvimento, da saudáveis e adoecidas descritas, o que implica compreender em estrutura psíquica e da psicopatologia; e a Gestalt-terapia for- qual delas o indivíduo fixou a Gestalt e intervir terapeuticamente44 EM 45 para restaurar a energia dos processos existenciais promovendo Perls classifica os estágios do desenvolvimento do instinto o crescimento do de fome como pré-natal, pré-dental (mamar), incisivo (morder) e Gestalt-terapeuta, durante muito tempo, enfatizou apenas molar (morder e mastigar) (Perls, 1975: 142). Estas etapas (de o tratamento, contudo as obras clássicas permitem dizer que ordem fisiológica), quando transpostas ao plano psicológico, diagnosticar e tratar são atividades que configuram um elo de configuram o ciclo do movimento de recepção, assimilação e mão dupla, em que a primeira alimenta de hipóteses a segunda, transformação do alimento mental das substâncias nutritivas, ca- levando o a atentar para um horizonte maior das pos- pacitando o organismo a estabelecer seu equilíbrio, e a diferen- sibilidades que a GT oferece como sistema psicoterápico. ciação entre o eu e o outro, pois as funções de assimilar e trans- formar são partes do ato de escolher. Organismo saudável e organismo doente Enquanto escolhe seus alimentos, o organismo direciona-se para o fortalecimento de uma integração com o ambiente, na me- dida em que o mundo é o provedor das matérias-primas da satis- Organismo saudável fação de Firma-se, então, uma aliança em que os componentes do campo fenomenológico serão mundo, corres- Perls, na abordagem do desenvolvimento, considera o ins- pondente ao conjunto de vivências intencionais que se dão em tinto de fome como o conceito fundamental para teorizar sobre um tempo e em um espaço; os outros, ou seja, os iguais com os modos saudável e adoecido de existir e relaciona-os às estru- quem o eu estabelece as coisas, objetos que o homem turas e às dinâmicas psíquicas do sistema gestáltico, nas quais a usa e faz, e que contribuem instrumentalmente para a realização agressividade é o principal mecanismo que ele, Laura de suas ocupações. Hefferline e Goodman gerar comportamentos criativos mundo, os outros e as coisas coexistem formando o fun- ou deliberados. do de onde, conforme as necessidades do presente, destacam-se A agressividade torna possível a assimilação dos alimentos figuras que precisam ser satisfeitas para promover o equilíbrio oportunos ao crescimento ou a formação de mecanismos defen- e a auto-regulação, dando continuidade ao permanente ciclo fi- sivos, na medida em que o organismo realiza as funções de gura-fundo. iniciativa, mobilização, integração e separação dos alimentos, Em para Perls, partindo do reconhecimento percepti- num contínuo movimento de equilibrar-se, desequilibrar-se e re- das potencialidades e das necessidades, o organismo transmi- equilibrar-se. Sobre o instinto de fome, Perls apresenta a metáfo- te mensagens aos sistemas adequados, para que executem espon- ra do metabolismo dental, para evidenciar as diferenças entre a taneamente o fluxo figura-fundo, sem conflituar com o meio evolução saudável e a evolução doente do psiquismo. Os den- ambiente. Enquanto interage com o meio e realiza necessidades, tes em Yo, hambre y agresión assumem um papel importante o organismo estabelece contatos plenos cuja direção é o compor- para o desenvolvimento do psiquismo pela tarefa a que foram tamento saudável: "todo contato é ajustamento criativo do orga- destinados: prender e triturar os alimentos, e, por analogia, nismo e Resposta consciente no É o instru- prender a vida. mento de crescimento" (Perls, Hefferline & Goodman, 1997: 45).46 ADELMA EM 47 conceito de contato permitiu estabelecer uma descrição postura, fluidez dos gestos, expressões, linguagem, voz... "tudo o mais elaborada da função da agressão e ajustamento criativo. No que foi assimilado e integrado [...] fisiologia primária, hábitos e contato há uma transformação de elementos em novas estruturas costumes" (id.: 25 e 28). dinâmicas, possibilitada pela intimidade entre o processo de Laura Perls considera, ainda, a forma que os pais têm de edu- identificar e selecionar alimento psicológico, ou seja, selecionar car um dos agentes da manutenção de um estado de "confluência uma figura do fundo e dirigir-se a ela na "passagem do impulso original que une mãe e bebê onde a criança pertence à para a tomada de providências e a iniciativa: aceitar o impulso lia, e pertencer significa que são seus donos, e a criança não existe como nosso e aceitar a execução motora como nossa" (Perls, por conta A extensão desta situação de confluência se dá 1994: 22). A iniciativa apresenta-se, assim, como um dos com- para a escola e para as demais instituições sociais, resultando "fi- ponentes para o alcance do equilíbrio do organismo, ressignifi- lhos dependentes, durante cada vez mais tempo, além da idade em cando a concepção de que alcança a maturidade física e mental" (id.: 136). Laura Perls contribuiu para o refinamento descritivo ao Contato confluente e dependente transforma-se em suporte substituir a expressão empregada por Perls, pelo deficiente, portanto em manifestação caracterológica e não em termo "desestruturação", pois, para ela, aquele "sempre implica um estilo criativo. Para formar o auto-suporte, o organismo se- uma classe de hostilidade, enquanto que realmente a desestrutu- leciona as informações obtidas do meio durante o contato ge- ração e a reestruturação são as forças cinéticas através das quais renciado pelo self, entendido como "o sistema de respostas, a o organismo cresce" (id.: 25). Assim, as duas enunciações da fronteira-de-contato em funcionamento" (id.: 49). Estando o or- energia geradora do ajustamento criativo ou deliberado passaram ganismo imerso num mar de estímulos e de necessidades, preci- a conviver juntas no sistema teórico e a serem usadas pelos Ges- sa delimitar uma área para retirada de alimento. Uma tarefa do talt-terapeutas. self que é processada pela captura e recolhimento para assimilar Laura Perls diferenciou, influenciada pelas concepções rei- e rejeitar, por meio das funções perceptivas, motoras, consciên- chianas, os conceitos de caráter e de estilo e explicitou o con- cia, orientação, agressão, manipulação e sentimento. equilíbrio ceito de suporte influenciado pelas orientações reichianas. Para alcançado proporciona a realização da awareness como integra- ela, o caráter faz referência à fixação de uma Gestalt "alguém ção criativa do movimento saudável do organismo. ter caráter significa que tem modos muito definidos de compor- Os Polster expandiram o conceito de contato. Diferencian- tar-se, de expressar-se e de funcionar"; enquanto o estilo aponta do-o de companhia e agrupamento, sinalizaram uma polaridade para a evolução "um modo integrado de funcionamento, com- básica: a Pela capacidade de unir-se a alguém portamento e expressão" (id., ibid.). ou a algo, o organismo recolhe elementos do ambiente e os expe- suporte diz respeito ao caráter e ao estilo, pois ambos se riencia. pode discriminar os sensos do próprio eu, realizam como sistemas. Para o caráter, os elementos básicos se- das coisas que se aproximam e das que permite fundirem-se ao eu, rão as alienações do corpo, pelas "resistências, impedimentos, pela fronteira-de-contato. resultado é o fortalecimento da identi- repressões, fixações"; enquanto o estilo é orientado pelas coor- dade psicológica. Alia a esta expansão conceptual o desdobramento denações do corpo, funcionamento respiratório, movimentação, das fronteiras-de-contato, "toda a gama das experiências na vida e48 EM 49 todas as capacidades internas para a assimilação da experiência palavras, as intervenções e a criatividade. Um modo de movi- nova ou intensificada" (Polster & Polster 2001). mentar-se que integra o corpo e as sensações, em um conjunto São fronteiras (idem) do eu as ações, as idéias, as pessoas, Um modo de cheirar e apreciar o gosto, inserto no pro- os valores, os ambientes, as imagens, as memórias, o mundo e as cesso de reconhecimento decorrente do senso de avaliação das reverberações da os riscos, as oportunidades e as conse- diferenças, entre os diversos sabores possíveis de serem assimi- São fronteiras do corpo os elementos que integram a lados no meio ambiente. consciência; fronteiras de valor, os padrões adotados pelo sis- tema de valores do fronteiras de familiaridade, as formas de lidar somente com o que é conhecido pelo organismo, Organismo doente que cria limites para a experiência; fronteiras expressivas, os li- A para a tem a função de pro- mites expressivos para o comportamento decorrentes da introje- mover a iniciativa e a mobilização do organismo dentro de um ção de tabus culturais; e fronteira de exposição, a relutância em campo, para reconhecer-satisfazer-obter equilíbrio e iniciar no- expressar-se por temor às sanções vamente outro ciclo figural. No modo a agressividade Compreendendo o eu como um processo, os Polster articula- passa a exercer funções de separação e não mais de conjugação da ram ao conceito de fronteiras-de-contato o de funções de experiência ao campo, com o objetivo de proteger o organismo. Processos contíguos e não-contíguos ao significado primário con- A agressão pode ser experienciada sob a forma de aniquila- ferido pelo senso comum a contato, como sendo tocar. São fun- ção ou de destruição (Perls, 1975). Este seria o ajustamento pos- ções de contato: perceber, envolver, espacializar, ver, ouvir e movimentar-se. Por meio delas o organismo se coloca interessa- sível realizado pelo organismo para continuar a estabelecer rela- damente numa situação, penetra no núcleo delas, facilitando a ções interpessoais na sociedade. emergência da figura, e dirige energia para o alvo, definindo um organismo, não realizando a energia na forma conjugado- ciclo de energização composto pelo somatório de interesse, exci- ra, promove um conflito entre as necessidades biológicas e as so- tação, engajamento, do qual resulta o contato pleno. ciais, desregulando o movimento natural de autonomia, sabedo- movimento saudável de um organismo em plenitude das ria e auto-regulação. Passa a desconhecer a direção do equilíbrio funções de contato corresponde ao desenvolvimento de um desenvolvendo estratégias para evitar o contato. Perls, Hefferline modo de olhar com prazer, sem fugir ao contato pessoal visual, e Goodman, amadurecendo a compreensão da neurose, dão um contextualizando e dimensionando a Um modo de passo avante na teoria: "agora considero a neurose não uma escutar amplo, ativo e aberto para as próprias necessidades e doença, mas um dos vários sintomas da estagnação do cresci- para as do outro, observando as palavras, a voz e os significados. mento" (Perls, Hefferline & Goodman, 1997: 11). Um modo de tocar desvinculado das conotações negativas e ar- Estas colocações deslocam a ênfase dada ao fator instinto tificiais, dos constrangimentos e das censuras, para áreas para os fatores cultural e interpessoal. As aprendizagens sociali- corporais. Um modo de falar que observa a voz e a linguagem, zatórias e as determinações socioculturais pressionam o organis- a direção, a expressividade, a situação, o uso e a economia das mo para o não-reconhecimento e a não-regulação saudável, im-50 51 pelindo-o para uma formação de caráter cujo princípio básico é em que os impulsos negativos e positivos são voltados contra si satisfazer as exigências próprios, abandonando qualquer tentativa de influenciar o am- Uma das é a perda da capacidade discrimina- biente, tornando-se uma unidade separada e auto-suficiente, por tória, seletiva e crítica dos alimentos e da "repressão da agressão ter introjetado e generalizado a regra de que ninguém poderá ali- dental, devido ao medo do conflito [...] inibida na personalidade, mentá-lo psicologicamente, romperá o contato, criando uma de- produz a impotência, explosões na violência ou dessensibiliza- fesa retroflexora. ção e embotamento" (id.: 22). Repetido este processo, outras Quando o indivíduo contata apenas com um nível de envol- funções do self não têm espaço para desenvolver-se, ou seja, o vimento casual, sem energia suficiente para obter um retorno arranjo, que possibilita o viver em equilíbrio, passa a ser o com- ou não focaliza algo, dispersando a energia, particular- portamento mente, pelo uso de uma linguagem nas modalidades de circunló- Esse arranjo, quando cronificado, quio, fala excessiva, verborragia, produz um modo de evitação pois anula a criatividade e a em favor da oculta- do contato classificado como deflexivo. ção, alucinação e tensão, isto é, arranjos da fronteira-de-contato Se a pessoa contata com pouca energia e não estabelece na guarda da experiência, "a doença torna-se uma situação ina- escolhas pessoais, tampouco influencia reciprocamente o meio cabada por excelência, podendo ser acabada apenas pela morte ambiente, deixando que o medo do novo, do diferente, reduza o ou pela cura" (id.: 79). limite entre eu e o outro e o senso do eu, o modo defensivo será Os Polster, ao abordarem a neurose, ressignificam a concep- confluente. Contatos por meio de introjeções, retro- ção de resistência, tratando-a como força criativa em direção à flexões, deflexões e confluência são vistos como canais de inte- Ao identificá-la no discurso do paciente, o terapeuta abre ração pelos demonstradores da resistência criativa, do um canal para que aquele possa reconhecer as estratégias usadas modo de expressão particular das partes alienadas do eu. para se auto-impedir, podendo, então, afirmar um desejo de mu- A função dos mecanismos neuróticos, na teoria da é uma dança e de cura. função constituindo um modo de auto-regulação que, A contribuição para a compreensão dos mecanismos neuró- embora impedindo que o ciclo figura-fundo seja permanentemente ticos foi o seu aprimoramento descritivo. Enquanto a energia for renovado, permite que o seu funcionamento seja possível. dirigida relativamente para incorporação dos estímulos ambien- tais, indiscriminadamente, sem que o organismo especifique necessidades ou preferências, haverá apenas introjeções, uma forma de aprendizagem na qual o indivíduo engole modelos e, durante o crescimento, não se capacita para selecioná-los e criti- cá-los, resistindo às pressões ambientais. Vivendo de um modo que lança para o exterior, para outros, as características que lhe são próprias e inaceitas, o indivíduo es- tará agindo de forma projetiva. Estabelecendo comportamentos2 pensamento fenomenológico sobre psicodiagnóstico psicodiagnóstico colaborativo e interventivo O diagnóstico colaborativo e interventivo aproxima-se da compreensão do mundo psicológico dos pacientes a partir do en- trelaçamento intersubjetivo dos pontos de vista do psicólogo e do próprio cliente. Busca libertar-se de classificações valorizan- do o reconhecimento dos significados. Constance Fischer (1972, 1989), uma das pioneiras deste modo de diagnosticar, coloca que o diagnóstico colaborativo e interventivo contribui tanto para ajudar outros profissionais a to- mar decisões acerca de uma questão, quanto para ajudar o cliente a esclarecer suas próprias perguntas, que podem ser diferentes das que são postas pelos solicitantes. Ela procede de modo a in- cluir o ponto de vista do cliente em todo o processo, inclusive na elaboração do relatório, construído em parceria, visando apresentar quem é o cliente, por meio da exploração das suas vivências. A intenção de Fischer é tornar o trabalho diagnóstico útil para o cliente que a procura. Considera que isto só é possível quando constrói suas conclusões com o próprio cliente. signi- ficado que confere aos comportamentos do cliente tem como pontos de partida e de retorno a experiência. Deste modo, para o psicólogo e o psiquiatra, para as escolas, empresas, instituiçõesEM 55 4 hospitais, serviços de reabilitação etc., o diagnóstico aprende que não há verdades absolutas nem causas únicas para o colaborativo e interventivo é apresentado incluindo os dados pri- comportamento humano; que pode continuar a desenvolver mo- nários da experiência do cliente: o contexto em que ela ocorre, dos de compreender-se; enfim, o cliente aprende a olhar o modo instrumentos que serviram para revelar o mundo do cliente e como participa do processo e a ver que ele pode participar diversos modos de ser-no-mundo do cliente. das coisas da vida de uma forma aprende a se respon- A participação do cliente se dá desde o início. Fischer faz sabilizar sem julgar a si mesmo e descobre o seu poder pessoal de mudar. Conforme o processo continua, desenvolve esperança perguntas que permitem ao cliente apontar o que gostaria de e confiança na possibilidade de tomar decisões. azer e saber acerca de seu próprio comportamento, percorre ele os modos como se comporta nas diferentes situações e No que diz respeito às contribuições do diagnóstico colabo- explora as hipóteses que vão sendo estabelecidas conjuntamente. rativo e interventivo, realizadas no Brasil, Marília Ancona-Lo- sso possibilita uma compreensão de como o cliente está preocu- pez (1995) e colaboradores destacam na proposição do bado com a sua vida e permite selecionar os instrumentos que tico fenomenológico-existencial a diluição dos limites que melhor se adequam ao trabalho que irão desenvolver. Fischer separam o psicodiagnóstico do trabalho terapêutico. Aprofun- usar ou não testes, mas, se os realiza, reflete sobre eles com dam as leituras da fenomenologia valorizando a possibilidade de cliente. A autora conecta o material oferecido pelo instrumento construções intersubjetivas de significados no diagnóstico. Di- história de vida do cliente para elucidar seus significados, pois zem que é preciso valorizar o conhecimento pessoal do considera que o cliente, especialista nele mesmo, e ela, especia- buscar o significado existencial da sua experiência e tornar as ista em testes, poderão, juntos, reunir os saberes para produzir entrevistas e os outros procedimentos do diagnóstico meios de acesso ao mundo do sujeito. transformação e crescimento. diagnóstico colaborativo e interventivo é um esforço que M. Ancona-Lopez e seu grupo desenvolvem pesquisas sobre permite desenvolver uma compreensão de como a pessoa está e o tema por este caminho, o diagnóstico passa a ser entendido e que poderá vir a ser, ou seja, para quais caminhos está aberta praticado como um processo, cuidadosamente elaborado, cujos para se desenvolver na sua vida cotidiana. limites procuram superar o procedimento meramente investiga- Fischer valoriza a função terapêutica do psicodiagnóstico, tivo-padronizado do uso de instrumentos objetivos e objetivan- tes, além de afirmar a contribuição que o avaliador nostrando que ele ajuda o cliente a entrar em contato com as suas vivências, por meio dos assinalamentos que faz, do espe- pode dar ao alívio do sofrimento do paciente, no momento de do seu comportamento, do exame dos modos como suas intervenções. Mostra ainda que o psicodiagnóstico pode se dar de modo informal. ele se comporta, do destaque dos pontos positivos, do exame dos seus sentimentos. Tereza Mito explora a distância entre o psicodiagnóstico O cliente é genuinamente respeitado e apoiado na explora- formal e informal, mostrando que o primeiro é um trabalho ção das suas questões em seu próprio na busca diagnóstico sistematizado e o segundo se realiza em outros con- de encontrar diferentes maneiras para expressar-se; apreciar a textos. Para a autora, "o diagnóstico informal é o processo de atividade de explorar suas questões com outra pessoa. O cliente avaliação espontâneo, que acontece quando o profissional recebe56 EM 57 paciente para primeiro contato, o momento em que avalia a possibilidade de com' o paciente para tornar efetivo seu em última instância, uma reflexão sobre o modo humano de trabalho, seja este de psicodiagnóstico ou psicoterapia" (Mito, ser-no-mundo" (Critelli, 1996: 16) e um princípio que valoriza 1995: 38-39). as várias modalidades do saber e afirma o diálogo como o articu- Para desenvolver um diagnóstico informal e superar a seg- lador e mediador da cooperação e da responsabilidade que busca os significados das vivências mentação entre as atividades de triagem, psicodiagnóstico e en- caminhamento, o grupo de pesquisadores em que Mito se insere conclui que a intervenção se mostra como uma estratégia oportu- 0 pensamento diagnóstico em Gestalt-terapia na para a eficácia do processo, já que o cliente pode se beneficiar do auto-esclarecimento durante o período diagnóstico. Padronização Gohara Yehia (1995) aponta para a necessidade de reformu- lação do papel do e do paciente, durante o processo A avaliação com fins diagnósticos não foi uma preocupação diagnóstico, e do poder que o saber confere, e mostra a impor- teórica sistematizada explicitamente presente nos textos da pri- tância de conduzir o psicodiagnóstico de forma meira fase da GT, como o foram as teorizações sobre a dinâmica Para isso é necessário compreender as perguntas do paciente, da personalidade sadia e neurótica e a afirmação da técnica psi- coterápica e de seus objetivos. pesquisar sentido dado aos papéis vivenciais na família, am- pliar o campo de entendimento da queixa, valorizar a compreen- Uma revisão da literatura aponta a tese de Joen Fagan, em são do paciente e, finalmente, lançar mão da intervenção pro- que ela examinou as tarefas do terapeuta como um primeiro dis- cessual e cooperativa. curso sobre o diagnóstico. Fagan propunha o uso da expressão Christina Cupertino (1995: 135-178), radicaliza a tese discu- padronização para fugir das comparações com o modelo médi- tida por Yehia, propondo intensificar o papel ativo e a responsa- assim, aproximar seu entendimento da tarefa bilidade do paciente no processo psicodiagnóstico. Diz que a à "criação artística, implicando, por vezes, aptidões cognitivas, unidade de estudo é o homem Psicólogo e pa- perceptivas e intuitivas em interação com o material e as exigên- ciente, embora partindo de organizações de saberes distintas, cias do meio ambiente" (Fagan & Shepherd, 1980: 124). "mas igualmente dedicam-se, juntos, à tarefa de A premissa de Fagan foi a de que o terapeuta não deveria "construir os sentidos da existência de um deles, o cliente". Na enfatizar o ato intelectivo da análise e uso da teoria no aten- empreitada, o mais importante não é consenso dos pontos de dimento, mas somá-lo aos atos de apreensão dos sentidos e da vista, mas que ambos sejam afetados pelas possibilidades levan- pré-reflexão para formular hipóteses, o que permitiria uma tadas nos dois lados, isto que se abram para ouvir e refletir na "compreensão da interação de acontecimentos e sistemas que re- busca de uma nova compreensão do vivido. sultaram num dado estilo de vida que serve de apoio a um dado padrão de sintomas" (id., Esta perspectiva mostra uma abordagem psicológica que considera o homem no mundo, "a tarefa de se pensar a possibili- Padronização portanto, uma atividade estruturada que visa dade de uma metodologia fenomenológica de conhecimento identificar no movimento cotidiano do paciente os sinais que po- dem apontar para a estrutura de hábitos, valores e comportamen-EM 59 58 tos comumente usada para relacionar-se consigo próprio, com os A existência dos critérios claramente especificados que ava- outros e com o mundo. liam a evolução do processo terapêutico em GT se estende para o Aproximando-se da compreensão sistêmica, apontou a pensamento Desse modo, o diagnóstico informal importância de o nos primeiros atendimentos, buscar corre paralelamente ao processo terapêutico. É uma posição que informações de modo a estabelecer conexões entre os fatores exige cuidado e uma permanente preparação do psicólogo para a biológicos, autopercebido, a família, a historicidade, a econo- prática clínica. mia, o neurológico; recomendou a observação dos pontos de ten- Fagan mostrou-se preocupada em distinguir o são, ou de maior tensão, para que a estratégia de ajuda seja ela- tico formal do informal. Pondera que o uso das técnicas clássicas borada: "classificamos primeiro a nossa compreensão do ponto de avaliação no diagnóstico formal coloca o terapeuta como o crucial do problema e depois passamos a intervir em um ou pos- ator principal da cena do diagnóstico ausência da relação dia- sivelmente muitos níveis, dependendo da nossa preferência, esti- lógica EU-TU. Ela atribui ao na tarefa de padroniza- lo e compreensão pessoais" (id.: 125). Caracterizou, assim, o tra- ção, a responsabilidade de fazer contato com o paciente, compre- balho de diagnóstico informal na ação da GT. ender a interação dos acontecimentos e sistemas que formaram o Após a identificação do ponto ou dos pontos de maior con- padrão de sintomas, delimitar o ponto crucial do problema, para flito, o psicólogo passaria, conforme Fagan, a avaliar os resulta- poder intervir e avaliar a intervenção. dos da intervenção baseado em três critérios: "a rapidez com que Fagan considera, enfim, que a padronização é efetuada no o sintoma foi removido; que comportamento positivo o substitui; "próprio processo terapêutico, em vez de ser obtida através do qual grau de perturbação criada nos sistemas registro histórico ou entrevistas" (id.: 127). Esta característica Dessa forma, a tarefa do seria identificar o padrão comportamental e atitudinal do paciente e ajudá-lo a remover aproxima a avaliação informal em GT de uma abordagem sintomas, o que para Fagan "formula a contribuição gestaltista diagnóstica interventiva, porém não faz referência ao papel e à de desenfatização da teoria cognitiva e propicia extenso apoio à responsabilidade do paciente. conscientização do próprio terapeuta" (id.: 126). Fica claro, com Fagan, que a GT preocupou-se em desenvol- Os critérios para avaliação de resultados da ação terapêutica ver uma técnica diagnóstica distinta dos modelos da época, e apontados por Fagan são: que, ao mesmo tempo, facilita a intervenção psicoterápica. Também nos anos de Oaklander desenvolvia um tra- importância de descrever o funcionamento positivo que se espera. balho diagnóstico singular atendendo crianças. A postura que as- Ao tentar mudar sintomas, devemos estar sempre atentos ao sis- sumiu para a avaliação infantil e para a psicoterapia era considerar tema mais vasto; se tentamos especificar o que é salutar num os recursos terapêuticos, incluindo os testes psicológicos, como padrão então saberemos com maior clareza o que meios facilitadores da expressividade da criança; guiar-se pela não deve ser tocado. A importância de especificação do compor- confiança na potencialidade da criança para orientá-la no processo tamento substitutivo do sintoma evitará que o terapeuta seja um de terapia. Dizia: "Se eu estiver no caminho errado, a criança en- mero técnico ou um lacaio dos valores da cultura e seus sistemas contrará uma forma de me dizer" (Oaklander, 1980: 202). institucionais. (Id.: 136-139)60 ADELMA 61 Alguns procedimentos diagnósticos que a autora utilizava eram: identificar a queixa em conjunto com os pais e a criança; tância dos processos inconscientes nas patologias severas da conversar separadamente com a usar testes como ele- não oferece um esboço conceptual significativo per- a mentos de interação ou para "encher o tempo quando não sei compreensão da transferência e 45-46) para mais o que registrar os acontecimentos das sessões, in- cluindo leitura sintética das anotações para os pais Delisle critica, ainda, a teoria do self da GT pela limitação e leitura ampla para as Em Oaklander propôs na descrição do "funcionamento humano ótimo, ela não aborda que a avaliação seja "um processo contínuo, uma vez que nada a perda da unidade e da continuidade [...] centro da patologia permanece igual" (id.: 212). da personalidade" (id.: 46). Aponta, como um dos ei- Atualmente, entre os principais autores que abordam o tema diagnósticos o que chama de uma nova teoria do o encontram-se Giles que propõe realizar um diagnóstico qual permite abordar, os distúrbios multiaxial; Gary que escreve sobre a busca de significa- gicos da personalidade. do no processo Naranjo, que fala sobre o auto- Fairban afirma que "a libido não é essencialmente a busca diagnóstico; Fernando Taragano, sobre como realizar uma iden- pelo prazer, mas a busca pelo objeto" (apud Delisle, 1999). tificação psicológica: além das contribuições no Brasil de Lilian Como o encontro do objeto se realiza por meio das Frazão, que se refere à elaboração de um pensamento diagnós- pondera que os processos patológicos se dão pela "perda da uni- tico processual; e Jorge Ponciano Ribeiro, que fala sobre o uso dade original do ego/self A expressão "unidade origi- do ciclo de contato como instrumento nal" se aplica ao vínculo Quando a experiência do diagnóstico multiaxial bebê não consegue decodificar satisfatoriamente os significados dos há o desenvolvimento maciço de introjeções que Giles Delisle pesquisa, em sua prática clínica, os distúrbios levarão à cristalização de um modo de vivenciar marcado pelas de Toma como referência o DSM IV associado interrupções e pelos inacabamentos dos contatos. Para em parte à Teoria das Relações Objetais de Fairbain (Delisle, esta é a origem dos "distúrbios de essencialmente 1999). Justifica o somatório destes arcabouços pela uma repetição infinita de impasses experienciais" Delisle considera que uma consequência deste modo de es- deficiência em alguns aspectos da GT [...] em termos de conceitos tabelecer contato será a divisão do self e a perda da unidade ex- necessários para a compreensão dos distúrbios da personalidade periencial. De posse desta para responder à [...] os domínios interpessoal e subestima a impor- pergunta sobre a gênese dos distúrbios patológicos da personali- dade, elabora os conceitos de Microcampos Introjetados (MI), para referir-se às introjeções primárias do self; e de Campo 1. esquizotimia, Introjetado (CI), correspondente ao somatório dos MI: "a introje- deflexiva, obsessivo-compulsiva considera-as difíceis de ção inicial de uma a qual é inassimilável e indispen- sável para a constitui a experiência prototípica62 EM 63 inacabada [...] a função ego procura, principalmente, repetir o movimento da psicologia humanista que eliminou, totalmente, a tipo de situação que provocou as situações inacabadas, e às ve- atividade avaliativa do processo de ajuda psicoterápica. Justifica zes, mas incidentalmente, mudá-la" (id.: 59). sua posição abordando as possibilidades que o psicodiagnóstico Define os distúrbios de personalidade oferece, como a de ser uma possibilidade de informação e comu- nicação entre profissionais; permitir uma compreensão estrutural como uma constelação de comportamentos e atitudes conserva- da personalidade do paciente, e planejar mais cuidadosamente a doras cuja função é preservar o campo introjetado através da intervenção terapêutica visando ao contato pleno do paciente busca e da seleção nos vários campos de experiências de con- com a sua experiência. tato e configurações de relações capazes de manter elos dinâmi- Deste modo, o Gestalt-terapeuta poderá usar recursos diag- cos com as situações inacabadas. Esta maneira costumeira de nósticos na busca de significado das figuras que se destacam no funcionamento é confinada, inflexível, crônica e caracterizada ciclo figura-fundo, identificando o padrão existencial do pa- mais pelo ajuste conservador do que (Id.: 49) ciente, referindo-se ao movimento singular individual de se com- portar, pressentir, perceber, pensar, sentir, acreditar. Além disso, Após a reformulação da teoria do Delisle aponta um se- no psicodiagnóstico desta avaliação está contida a possibilidade gundo eixo diagnóstico que é a análise estrutural da personali- de realizar diagnósticos diferenciais como medida preventiva dade, correspondendo à observação e descrição pelo terapeuta para reconhecer, se houver, a necessidade de alteração da condu- das funções do self que o paciente usa para contatar intra e inter- ta terapêutica adotada. pessoalmente, relacionando tais informações aos "princípios fun- Yontef procura, observar-se, autocentrando-se e damentais de suas abordagens" (id.: 50). pondo-se entre parênteses, para conhecer o que o paciente pro- voca na sua experiência. Ouvindo a história do paciente, atenta Busca de significado no processo diagnóstico para o padrão corporal e discursivo, as iniciativas, a coerência da história, o vigor e a emocionalidade presentes na narrativa; as Gary Yontef foi aluno de Perls na década de 1960 em Los mudanças, os aspectos não-verbais, o humor. Angeles (EUA). Preocupa-se em explicitar a teoria da GT "para Engaja-se na reconstrução da teoria da GT reafirmando a facilitar a continuidade do diálogo teórico" (Yontef, 1998: 9). importância de uma postura profissional ética que envida esfor- Sua prática clínica considera a importância do psicodiagnóstico permanentes de atualização pela pesquisa e prática clínica, para as psicoterapias desde que este procedimento não se organi- buscando caminhos que respeitem e reconheçam a capacidade ze como investigação causal, mas estabeleça um relacionamento do Aponta a importância de um relacionamento tera- horizontal entre o psicólogo e o paciente, pois "o movimento do pêutico dialógico que busque a compreensão da estrutura e não potencial humano colocou a psicoterapia no segmento de verdade apenas da dinâmica da personalidade do paciente. e compreensão, em vez do segmento cura-doença" (id.: 64). Conceitua diagnóstico "como um processo de prestar Por ressaltar a importância do psicodiagnóstico, critica a po- atenção, respeitosamente, a quem a pessoa é, tanto como sição extremista assumida por alguns psicólogos engajados no duo único, como no que diz respeito às características comparti-64 EM 65 ADELMA lhadas com outros indivíduos". Diz ainda que "categorização, Fala em uma integração de saberes, "um instrumento de au- avaliação e diagnóstico são partes indispensáveis do processo de ponderando que o "impulso autoterapêutico é avaliação e todo terapeuta competente o faz" (id.: 278-279). uma reação natural, saudável e sábia diante das dificuldades da A compreensão do padrão existencial permite a Yontef vi- vida" (Naranjo, 1997: 345). sualizar a singularidade, enquanto a identificação do movimento Ao enfatizar o papel do cliente como agente da superação da interpessoal, descrito pelo paciente, permite compreender os as- própria neurose e cura, propõe uma relação hori- pectos comuns da existência. zontal entre terapeuta e cliente que distribui o peso das tarefas de Há uma nítida distinção entre a concepção de padrão exis- avaliar, traçar um plano de tratamento e curar. Tematiza implici- tencial proposta por Yontef e a padronização como tarefa avalia- tamente a distribuição do poder e do saber vivenciados em todos tiva de Fagan. Para esta, padronizar é descrever sintomas e os os tipos de relacionamento interpessoal (familiares, afetivos, riscos que o arcará ao mudá-los, ou elimi- educacionais, políticos, terapêuticos etc.). Para Yontef, entendimento do padrão existencial é al- argumento central de Naranjo é o desvelamento da estru- cançado por diversos caminhos interventivos que buscam os sig- tura do caráter, entendido como a "soma total das aprendizagens nificados da experiência do paciente: pseudo-adaptativas [...] condicionamentos comportamentais, emo- cionais e cognitivos" (id.: 48). Para é pelo modo de ação de- focando fenomenologicamente a experiência na situação ficiente do caráter que o organismo não evolui de modo criati- clínica, o paciente toma parte da elaboração das conclusões, colo- cadas na linguagem processual de campo e esclarecendo como o e auto-regulado, vindo a criar uma dinâmica existencial. paciente age, sente e percebe a situação atual, como traz para o permanentemente reproduzida, que articula os eixos da defi- primeiro plano crenças e atitudes formadas no passado, como ciência à fixação, em que a primeira se refere à motivação e a esse comportamento se encaixa no funcionamento geral do pa- segunda, à cognição. ciente, como isto é estimulado e reforçado pela estrutura da si- A busca da gênese desse procedimento neurótico apóia-se tuação de trabalho, e as personalidades dos que estão nesta em Fairbain e Winnicott, que concebem a idéia de falta original situação. (Id.: 288-289) "de cuidados imperfeitos da parte da mãe, falta de amor, a frus- tração de um contato e de uma necessidade de relacionamento" autodiagnóstico pela proto-análise (id.: 46). Naranjo estende aos relacionamentos sociais o conceito de falta, ao dizer que vivemos "numa era de grande queda a Cláudio Naranjo é um psiquiatra chileno, contemporâneo de Perls, que lançou mão de várias fontes para a elaboração de seu partir da nossa condição espiritual original" (id.: 47). pensamento: psicanálise, psicologia analítica junguiana, psiquia- Naranjo identifica uma "natureza dupla" no caráter que guia tria existencial, tipologia de Sheldon, orientações de Horney e a personalidade de cada um formando um núcleo central, orien- GT, conhecimentos do sufismo de Oscar Ichazo e o Eneagrama tado por uma "paixão em interação com uma tendência cognitiva de Sarmouni. a fixação". Associados ao plano das paixões (motivações), re-66 ADELMA PIMENTEL EM 67 conhece três instintos que considerou básicos: "a sobrevivência, gulho, inveja, avareza, gula e luxúria. As tendências cognitivas o prazer e o relacionamento" (id.: 50-52). são o perfeccionismo, falso amor, engano, insatisfação, desape- A análise das fixações e instintos permite identifi- go, acusação, embuste, punitividade e altruísmo. car nove tipos de caráter, "cada um desses tipos existe, por sua Naranjo pretende que suas reflexões "com as quais eu me vez, em três variedades, de acordo com a intensidade dominante familiarizei no decorrer da minha aventura intelectual pessoal na dos impulsos de autopreservação, sexuais ou sociais" (id.: 54). pesquisa da personalidade" (id.: 27) sirvam como elementos Definida a gênese da neurose como condição de falta, e o capazes de levar o indivíduo a reconhecer o seu modo de funcio- caráter como aprendizagens desadaptadas e condicionadas por nar típico, no autodiagnóstico da principal característica de seu paixões e fixações, a próxima etapa do autodiagnóstico é ma- Propõe a leitura de um material base, o auto-estudo peamento da estrutura do caráter, que diz respeito ao conheci- orientado em psicoterapia pela elaboração de uma autobiografia, mento dos modos de relacionamento de cada que será reali- história de vida que inclua o relato das experiências ao longo do zado utilizando-se o eneagrama. desenvolvimento psicossocial. Sugere que o sujeito "faça do ato Os estilos que Naranjo reconhece (id.: 59-63) são colocados em correspondência à taxionomia do DSM III formando tipos: de escrever essa autobiografia um estudo sobre as origens e o desenvolvimento do seu caráter particular, centrado na sua pai- Tipo perfeccionista, corresponde à personalidade obsessiva; xão dominante e fixação particular". Sugere, ainda, a meditação Tipo II: generosidade egocêntrica, similar à personalidade vipassana (id.: 350). Esta é a primeira etapa da cura, que chama de proto-análise auto-administrada. Quando atingida, o segundo Tipo III: alegre (não é encontrado no DSM III): momento se direciona para a formação de grupos que trabalha- Tipo IV: vítima sofredora, refere-se à personalidade autoder- rão para a cura da sociedade. rotista incluída na revisão do DSM III: A produção teórica de Naranjo aponta três direções: auto-in- Tipo V: isolamento, corresponde à personalidade esquizóide; Tipo VI: guerreiro, abrange a personalidade esquiva do DSM suporte teórico (estudos de personalidade) e psicoterapias III e o (id.: 40). Naranjo "deixem as idéias trabalharem por si Tipo VII: despreocupação e sensação de merecimento, equi- mesmas, deixem-nas penetrar na sua prática de uma maneira or- vale à síndrome narcisista; gânica e espontânea [...] é minha que a percepção do Tipo VIII: poder, dominação, violência, corresponde à perso- caráter é uma das melhores ajudas da intervenção psicoterapêuti- nalidade anti-social e ca efetiva, seja qual for sua modalidade" (id.: 357). Tipo IX: preguiça, refere-se à personalidade dependente. A identificação psicológica do paciente Estes estilos são alimentados por paixões e cognições domi- nantes em conexões As três paixões centrais que Fernando Taragano, psiquiatra argentino, fundou, em 1965, funcionam como "o alicerce" da estrutura emocional são: a vai- uma escola de psiquiatria psicanalista gestáltica, em que desen- dade, o medo e a Delas derivam as demais: raiva, or- volve uma metodologia para realizar a identificação psicológica68 EM 69 do paciente, uma análise da estruturação da personalidade, com- indivíduo que vive no seu modo sadio funciona como posta por três elementos inter-relacionados. uma unidade estrutural, pois "os distintos aspectos da personali- Ao falar sobre a personalidade saudável, recorre às leis (Ta- dade mantêm um mínimo ótimo de evolução e são ragano, 1989)2 da psicologia da Gestalt para compreender como complementares e interatuantes entre si". ou seja, há coerência os elementos psicológicos se organizam e quais predominam na entre o sentir, o pensar, o dizer e o agir. No modo doente, "a or- organização de cada paciente. Durante as entrevistas e observa- ções, o psicólogo deve procurar obter informações sobre as ganização é desarmônica e certos aspectos estão hipertrofiados e outros hipotrofiados, não alcançam o mínimo ótimo necessário experiências positivas e negativas, as situações mais significati- vas em seus aspectos positivos e negativos, acerca do desenvol- para que a harmonia seja possível" (id.: 30-31). Há, então, uma da situação existencial presentemente vivida, da lingua- contradição entre o sentir, o pensar, o dizer e o agir, bem como gem, da orientação do pensamento (se lógica ou mágica), as desconfiança e dificuldade para estabelecer comunicação com o motivações, os objetivos e a forma como a pessoa resolve suas mundo exterior. necessidades, e a respeito da estrutura temporal em que vive. Os resultados dessa da persona- Estes indicadores revelarão os elementos estruturais da per- lidade serão "uma luta sadia pelo bem-estar social, cor- sonalidade que são: familiar, sentimentos de alegria, otimismo, confiança em si e na capacidade de elaborar e uma luta patológica, policausidade genética, a integração das experiências vividas e permeada pela angústia, medo, insegurança, pessimismo, agres- fantasiadas, no passado e no presente, e as concebidas para o fu- são e ressentimento" (id.: 32). turo, sejam psicológicas, corporais, familiares e sociais; pluralida- Os procedimentos avaliativos de Taragano visam responder de fenomênica, manifestações e expressões da personalidade às questões do por quê/para quem/para quem a persona- presentes, passadas, psicológicas, corporais, familiares e lidade se estrutura organizada ou obter e o processo psicológico interno, correspondendo às interpreta- uma compreensão dos modos de relacionamentos interpessoais e ções significativas que o indivíduo faz das experiências existen- do uso de estratégias defensivas, o conhecimento das particulari- ciais que vive, que viveu e que planeja viver e as motivações das condutas. (Id.: 28-33) dades da personalidade. Taragano realiza, também, diagnósticos complementares; pesquisa os indicadores de saúde e as forças A policausidade genética e o processo psicológico interno que o indivíduo usa para proteger sua psicoestase, homeostase e socioestase. são considerados integrantes do fundo e têm um núcleo central. A pluralidade fenomênica é observada como figura e tem um pa- Sintetizando, Taragano ressignifica conceitualmente as ex- pel relacional. pressões "saúde" e "doença" usando os termos "organização" e "desorganização", na perspectiva de um entendimento fenome- nológico da personalidade, a partir do delineamento de três ins- 2. Lei de equilíbrio e movimento, sugere uma direção na organização gica em direção ao estado de do menor desequilíbrio e de menor tâncias estruturais: a policausidade genética que aborda os fa- autonomia. Caráter de membro: um elemento não depende só dele mesmo, tores evolutivos; a pluralidade fenomênica ligada às expressões mas também de sua relação com o todo comportamentais e atitudinais; e o processo psicológico interno70 EM 71 que revela os significados que o indivíduo confere às suas vivên- mente unitária da existência humana, buscando a compreensão cias e relações. Taragano realiza, assim, um diagnóstico despro- do sujeito a partir da sua relação dinâmica com seu mundo e não vido de categorias nosológicas, centrado na identificação das de propriedades distintas de seu comportamento" (id.: 57-58). forças saudáveis do organismo. Pensamento diagnóstico processual Pensamento diagnóstico circular Lilian Meyer Frazão propõe uma avaliação que se realize na Fátima Barroso propõe realizar o psicodiagnóstico concomi- forma de um pensamento diagnóstico processual, com o objetivo tantemente à psicoterapia. Considera que o saber produzido pelo diagnóstico sobre o cliente é construído pelo acompanhamento, de compreender e descrever as vivências singulares do paciente. renovação e reconhecimento permanente desse saber. Esses pro- É uma tarefa que se configura do momento em que o tratamento cedimentos vão se dando por meio do conhecimento das relações é iniciado e vai até o fim do mesmo, caracterizando-se por uma que o cliente estabelece com e no mundo. Vale-se da "visão ho- contínua construção: "pensamento diagnóstico processual leva lista e existencialista do ser humano e do método em consideração crescimento do paciente, suas mudanças ao praticando a observação e a descrição sistemática, o mais longo do tempo e na sua relação consigo e com o outro, as de direta e o menos preconceituosa possível da experiência imedia- seu mundo intra e interpessoal" (Frazão, 1991: 9). ta do mundo do cliente" (Barroso, 1992: 56). Critica a função classificatória do diagnóstico formal clássi- Para a autora, a compreensão da experiência nunca deve ser ca e valoriza a luta da antipsiquiatria e da psicologia pela refor- substituída pela explicação classificatória do comportamento ou mulação dos procedimentos diagnósticos do psiquismo que clas- por um enquadre teórico do comportamento nos conceitos sificam as pessoas a partir de nosologias psicopatológicas. mesmo que fenomenológicos e gestálticos, pois isto constitui um psicólogo deve usar critérios diagnósticos como um dos recursos erro para descrição dos aspectos comuns do comportamento do cliente. Frazão afirma que, quando os critérios que abordam a comu- O erro lógico acontece quando tomamos os termos descritivos e nalidade são somados aos que buscam a compreensão da singu- classificatórios "deflexivo", por termos laridade existencial, o psicólogo focaliza "o cliente sempre como explicativos [...] "esquecemos" da necessidade de seguir conhe- figura, conhecendo [...] sua expressão verbal e não-verbal, sua cendo, buscando significações, seguir "diagnosticando", através história de vida, seus sintomas e queixas e inclui a sua pes- das circunstâncias da vida e da história do 57) soa no processo observando, "através do que experiencio em mi- nha relação com ele, sentimentos, intuição, fantasias e observa- Barroso sugere que o Gestalt-terapeuta adote o Pensamento ção, além do conhecimento e da minha experiência clínica Diagnóstico Circular como um procedimento alternativo em que prévias" O como pensamento pro- as certezas são transformadas em: "indagações, substituindo uma cessual, integra o saber psicológico sistematizado ao compo- velada concepção normativa e fragmentada por uma visão real- nente fenomênico das vivências do cliente e do terapeuta.72 PIMENTEL EM 73 Para Frazão, o Gestalt-terapeuta que deseje praticar essa a teoria da GT pode ser enriquecida com as teo- proposição deve guiar seu atendimento pelo não-estabelecimento rias sobre relacionamentos interpessoais, particularmente no en- de a prioris, pela atenção ao impacto verbal, físico, postural e foque de perturbações graves do psiquismo. afetivo que a presença do cliente causa em si mesmo, e pela ob- servação de omissões e repetições no relato verbal e dos sinto- Diagnóstico infantil mas, para identificar se há neles uma natureza compensatória. Finaliza reiterando que a realização de um pensamento Myrian Fernandes preocupa-se com a escassez de elementos diagnóstico processual não se faz por um teóricos presentes na literatura gestáltica que tratam do diagnós- tico infantil e busca estabelecer interlocuções entre as propo- caminho linear e igual com todos os Todos esses elemen- sições de Frazão e estudiosos do desenvolvimento infan- tos (os impactos, as omissões, as associações espontâneas, as til como Bréger, Stern, Pine, Piaget, Mahler e pois repetições, os sintomas) se entrecruzam e podem ocorrer simul- "a Gestalt-terapia conceitua desenvolvimento como processos São sinalizações que indicam relações fi- sucessivos de ajustamento mas não detalha patamares gura-fundo e que sugerem hipóteses diagnósticas que aguçam a prefixados, não descreveu características comuns à maioria das observação e a discriminação do Gestalt-terapeuta [...] e envol- pessoas, nem como ocorre este processo ao longo da infância" vem os aspectos não saudáveis do paciente e os aspectos saudá- (Fernandes, 1995: 66-67). veis, as forças, os recursos, os sucessos em diferentes áreas, as Fernandes realiza, ainda, aproximações com as pesquisas de capacidades, as qualidades, a energia. (Id.: 12) enfoque sistêmico sobre as famílias para estabelecer as compre- ensões diagnósticas. A autora também reflete sobre o tratamento de perturbações Conjugando estas contribuições, organiza dois eixos que orien- graves associando ao referencial gestáltico as teses da Teoria das tam seu diagnóstico infantil: "direção horizontal, referindo-se à Relações Objetais (Melanie Klein, Fairbain, Winnicott) hipoteti- pesquisa de como a criança está no presente, em relação a si pró- zando que os "contatos disfuncionais se dão em nível estrutural e pria e às várias interseções dos sistemas dos quais ela é depen- impedem que a pessoa prossiga em seu processo de cresci- direção vertical, que diz respeito à anamnese" (idem). mento" (id.: 42 e 47). As relações interpessoais primárias À medida que obtém as informações para traçar as estra- não-satisfatórias geram distúrbios graves, os quais impedem o tégias de ajuda, Fernandes vai configurando um pensamento paciente de experienciar seus sentimentos deste diagnóstico processual afastando-se de "noções que não devem modo, o Gestalt-terapeuta precisa "compreender o que impede o se interpor entre a criança e o terapeuta, pela exigência de que se paciente de experienciar seus sentimentos verdadeiros". atenda a esse pensamento. Isto tenderá a bloquear o contato, difi- As contribuições de Frazão sobre o diagnóstico gestáltico cultando que a criança encontre o seu próprio ajustamento criati- afirmam que a avaliação é provisória; é importante realizar uma vo" (id.: 68). leitura da vivência do cliente no modo há um somató- Gizele Elias & Valeria Pedroso Vieira desenvolvem uma rio entre o conhecimento científico (comunalidade) e o vivencial atividade diagnóstica que tem como alicerce básico o74 EM 75 brincar. Na condução da investigação, levam em conta informa- (Vieira & França, 1999: 47). Traçam um caminho incluindo três ções sobre a dinâmica familiar, o estágio evolutivo do desenvol- suportes teóricos: uma clarificação conceptual dos distúrbios de vimento da criança e o modo como a criança expressa sua com- humor, depressão, tristeza e melancolia apoiadas em Romero preensão da queixa trazida. (1994) e no CID para realizarem um diagnóstico diferencial Afirmam que "é a partir do primeiro contato entre psicotera- entre as depressões reativas e vitais; na considerando as múlti- peuta e cliente que se inicia a investigação diagnóstica. O que plas dimensões que interferem na gravidade e no tratamento da presenciamos na sala de espera, como se apresentam, como os depressão, servindo-se das orientações dos Ginger, trabalham com pais se referem à criança em questão". atendimento da criança a idéia de pentagrama, que focaliza "as cinco principais dimen- visa à obtenção de "informações puras acerca do universo infan- sões da atividade humana, a saber: dimensão física, afetiva, racio- til" (Elias & Pedroso Vieira, 1999: 44). nal. social e o terceiro eixo é dado pela psicopatologia Consideram que o diagnóstico vai se articulando na com- fenomenológica, "dentro de uma tríplice perspectiva: disfunções preensão da relação de brincar, cuja função é fornecer elementos da Temporalidade e da Espacialidade" (id.: 99-100). de como a criança se vincula aos outros e ao mundo. Esses suportes são utilizados para focalizar "não a depressão em si, mas como ela está sendo vivenciada [...] o cliente depres- Há crianças que apresentam comportamentos de observar a dis- sivo (único e singular)" (id., ibid.). Além da clarificação concep- tância, dependentes, evitativas, dubitativas, agressivas, desorga- tual, do uso do pentagrama e das categorias da psicopatologia fe- nizadas, comportamento de aproximação. É necessário observar nomenológica, recorrem ao desenvolvimento das atitudes tera- a escolha do brinquedo, o desenvolvimento da brincadeira, a coe- pêuticas de aceitação e confirmação da experiência do rência do raciocínio, a correspondência da escolha dos jogos A experiência das autoras mostra que na atuação com de- com o desenvolvimento intelectual próprio para a sua idade cro- pressões reativas seis meses em terapia geram significativas mu- nológica. (Id.: 44-45) danças, enquanto para as vitais o tempo para observação de re- sultados é maior. Alguns indicadores de proveito demonstrados Afirmam que, identificando o padrão de um comportamento pelo cliente são "a retomada do cuidado consigo, o relaciona- repetitivo, é possível atuar no que está impedindo a realização dos mento com os outros, a atividade no trabalho, na família e na so- ciclos figurais e do crescimento. Ressaltam a importância de con- ciedade" (id.: 102). ceber o diagnóstico como um processo em sua forma dinâmica, de modo a poderem compreender a criança como uma totalidade. ciclo de contato Diagnóstico de pacientes depressivos Jorge Ponciano Ribeiro considera o ciclo do contato um ins- trumento que funciona como indicador diagnóstico, de pesquisa Ocupando-se do diagnóstico de pacientes considerados de- e de psicoterapia: "uma Gestalt, um paradigma ou um modelo pressivos, Maria Aparecida Vieira e Maria Augusta França "ten- para pensar a psicopatologia do sintoma, o psicodiagnóstico e tam compreender a vivência da depressão pelo ser humano" um programa de cura" (Ribeiro, 1995: 24).76 ADELMA EM 77 Ponciano propõe que o psicólogo, ao realizar o diagnóstico, próprios e de uma linguagem apropriada para a comunicação observe no cliente a sintomatologia, os aspectos físicos, neuroló- entre psicólogo e cliente, e entre profissionais. a com- gicos e intelectuais relacionados à queixa, à autodescrição do in- preensão é o princípio orientador dessa forma de elaboração divíduo, à dinâmica do seu funcionamento para "situá-lo no ci- diagnóstica. clo dos fatores de cura e de bloqueios de contato" (id.: 33). Nesse modo diagnóstico, associa-se à qualidade compreen- ciclo é um instrumento que visa identificar a inter-relação dos siva a ação interventiva que irá fortalecer a diferenciação do mo- fatores de cura e dos bloqueios de contato. autor fundamen- delo diagnóstico explicativo, pois não há mais a necessidade de ta-se nos trabalhos de Perls, Zinker, Polster, Crocker e Clarkson. o apenas coletar dados para a psicoterapia, mas a de Os fatores de cura consideram como intra e interdependen- proporcionar, desde o início do contato, algum esclarecimento tes os níveis sensoriomotor e cognitivo do contato e compreen- ao cliente, de modo que este possa se autocompreender. Assim, dem a fluidez, a sensação, a consciência, a mobilização, a ação, "compreender uma fala é estar pronto para que ela nos diga algo a interação, o contato final, a satisfação e a retirada. Os fatores e a ela responder, e nesta resposta procurar promover novas de bloqueio do contato compreendem: fixação, dessensibiliza- possibilidades existenciais na medida em que ajude o outro e a si mesmo a avançar em sua abertura, transformando seu projeto. É ção, deflexão, introjeção, proflexão, retroflexão, ego- ainda produzir sentidos, a partir da interlocução entre olhares" tismo e confluência. (Yehia, 1994: 12). Ponciano comenta que: Às pesquisas sobre a comunicação e sobre os instrumentos diagnósticos soma-se a proposta de pôr em interlocução o conhe- após uma ou algumas sessões, identificamos, a partir do compor- cimento produzido acerca do desenvolvimento humano, em uma tamento da pessoa, onde ela se localiza no ciclo. E. ao mesmo dada cultura, para revelar as marcas e o percurso maturacional e tempo, identificamos o processo saudável, a partir do qual po- de aprendizagem que constituem o homem do lugar; e o conhe- derá ser ajudada [...] Do ponto de vista técnico, uma vez diagnos- cimento dos significados particulares que o cliente imprimiu às ticado onde a pessoa se encontra, por exemplo, em o vivências que o constituem como uma existência que responde psicoterapeuta terá, pelo menos, dois caminhos [...] A escolha de singularmente ao contato com o um ou outro caminho dependerá da percepção do psicoterapeuta no que diz respeito à capacidade do cliente de entrar em (Id.: 35) Nesta perspectiva, diagnosticar compreensivamente é é descrever a do psiquismo vivida pelo clien- te como totalidade em um campo é intervir, é Como compreendo psicodiagnóstico em contextualizar o locus do cliente para trazer elucidação para a Gestalt-terapia queixa do momento contribuindo para que este organize as mu- danças desejadas. A grande preocupação do modo de diagnosticar fenomeno- lógico e da Gestalt-terapia tem sido a superação dos modelos tra- Esta é uma parte da dialética fundo-figura que dá suporte ao dicionais explicativos por meio da elaboração de instrumentais trabalho de discernimento para configurar um diagnóstico com-78 ADELMA EM 79 preensivo que venho realizando como Gestalt-terapeuta, no qual estão relacionadas às proposições do pensamento diagnóstico observar, buscar informações, contatar, dialogar, empatizar e colaborativo. facilitar experienciações são algumas das funções que realizo, Uma estratégia que pertence à dialética fundo-figura que dá buscando coadjuvar a organização da situação trazida pelo clien- suporte ao meu trabalho de pensar um diagnóstico compreensivo te em um quadro compreensivo do seu psiquismo, para ajudá-lo em GT é a de iniciar as primeiras sessões de forma propositora, a alcançar o autodiscernimento e a consciência integrada do seu para auxiliar o cliente a atuar dessa mesma forma. Esta é uma estar-com e qualidade interventiva que será modificada caso o cliente sinali- O diagnóstico implica dois movimentos complementares, o ze um padrão de atitudes de espera do movimento do outro. do encontro entre psicólogo e cliente, com os dois disponíveis e Neste caso, substituo a ação propositiva pelo silêncio, e fico à abertos um para o outro e para o ainda, a espera do efeito no cliente. Também me valho da proposição de auto-avaliação do psicólogo sobre a sua capacidade para diag- experimentos com as situações que o cliente traz, tendo em vista nosticar e atender o cliente, estabelecendo o vínculo sua conscientização corporal e cognitivo-afetiva. um dos indicadores do movimento de encontrar a possibilidade Uma preocupação que me acompanha enquanto configuro de partilhar afeto, compreensão e não-julgamento, um dos supor- minha forma de diagnosticar é a transmissão do conhecimento. tes básicos para realizar um diagnóstico e alimentar o trabalho Por essa razão, organizo, fora do setting, na forma de textos, a da cura psicológica. Tenho observado em meu trabalho clínico descrição dos procedimentos diagnósticos dos casos que que com os clientes por quem tenho carinho as minhas interven- Recorro às orientações teóricas da GT indicadas, particularmente, ções para que entendam a situação que vivem e alcancem as mu- em hambre y Gestalt-terapia, Escarafunchando danças desejadas são mais eficientes. Fritz e Gestalt-terapia integrada, obras que considero básicas movimento das efetivado após a sessão terapêu- para esclarecer o profissional acerca das noções sobre tica, permite às apreensões perceptivas e dialogadas da estrutura tico e método terapêutico. dinâmica do psiquismo do cliente que sejam integradas em uma Tento descrever, procurando não explicar ou incorrer no que totalidade. movimento das sínteses inclui estabelecer como o Fátima Barroso define como "erro as principais polari- cliente desenvolve suas relações interpessoais, como organiza dades do psiquismo que observo nos ges- suas polaridades em um argumento central de vida, como parti- tos, silêncios e palavras do cliente; estabeleço hipóteses diagnós- cipa dos grupos que frequenta, como configura sua rela- defino conjuntamente os objetivos planejo ção com o Essas sínteses são revisadas continuamente as intervenções para investigar as hipóteses. desenho da com- pelos indicadores que os encontros vão preensão do psiquismo se configura e recon- As sínteses possibilitam o aprimoramento da comunicação figura quando identifico, a partir da queixa, entre outros aspec- entre e cliente, e entre profissionais, na forma de lau- tos: como a estrutura do comportamento se organiza e em qual dos, e servem a pesquisas e ao avanço do Podem ou em quais delas o cliente centraliza seu argumento existencial também ser fundamentos para a elaboração de documentos a se- para realizar ajustamentos criativos e quais as polari- rem inseridos em um trabalho multidisciplinar. Essas funções dades que vivencia; como o campo é quais os modos80 3 de contatar e como suas fronteiras se apresentam; a temporalidade e o tipo de linguagem O objetivo é esclarecer, sempre que necessário, o conflito e a permanente atualização do Recursos diagnósticos caminho das intervenções terapêuticas e do diagnóstico. e psicoterápicos Para ilustrar a aplicação de minha compreensão diagnóstica, apresento, no Anexo 1, o estudo de um caso atendido por mim durante o período de 2000 a 2001 na clínica da PUC-SP. Esse es- tudo desempenhou, nesta pesquisa, as funções de exploração dos principais conceitos teóricos da GT e do diagnóstico fenomeno- lógico na elaboração do diagnóstico gestáltico, e de referência para a realização das análises das Este capítulo aborda a problemática do uso dos instrumentos diagnósticos e da elaboração do laudo. manejo da entrevista de anamnese e clínica, e dos testes projetivos, é uma questão especial para os estudantes de Ges- talt-terapia, e também para Gestalt-terapeutas experientes. Uma das costumeiras indagações discentes: "Como organizarei o tra- balho na clínica no modo fenomenológico?". Uma das observa- ções dos profissionais: "O mais importante no trabalho do psi- coterapeuta é facilitar a apreensão dos significados das vivênci- as para atualização das fronteiras de contato, o que requer mais o terapeuta como instrumento terapêutico do que o uso de testes e entrevistas". Ambas as problemáticas são A observação dos profissionais, contudo, não responde à inquietude dos que estão em formação. Parece-me, também, importante dar alguma confi- guração à triagem e ao diagnóstico, incluindo o diferencial, abor- dando o uso de instrumentos como a anamnese e os testes, sem perder de vista o acontecimento, tomando-o como ponto de par- tida e retorno. Esta é uma das tarefas mais delicadas e requer a arte do pintor, ou do musicista, ou do poeta. Este texto se dirige especialmente para aprendizes e para aqueles profissionais que atuam vinculados a uma instituição, cuja necessidade em apresentar planos de trabalho, engajar-se82 ADELMA EM 83 em equipes multiprofissionais, anunciar a produção, mostrando a Um diálogo entre figura (cliente) e fundo (conhecimento in- função do psicólogo naquele lugar, requer uma organização dis- tuitivo e técnico do cliente e do terapeuta) é a base que gera o tinta daqueles que estão na clínica particular. encontro Gestalt-terapeuta não perde de vista, du- Uma das maneiras de respaldar a atuação do Gestalt-tera- rante a hora que está com o cliente, que este é a figura, e que peuta em instituições públicas e privadas é elaborar um plano de usando a sabedoria fará uso do saber que habita o fundo sem ação concebido como um processo, significando que a proble- correr o risco de objetivar o cliente. matização será a característica qualitativa que orientará as bus- A entrevista de anamnese e a clínica, bem como os testes cas de soluções para as duas principais atividades que lhe serão projetivos, constituem parte deste fundo. solicitadas a responder profissionalmente: diagnóstico e psicote- Compreendo a entrevista como um encontro caracterizado rapia para uma demanda expressiva e, geralmente, para uma pela empatia, intuição e imaginação. Objetiva oferecer explica- grande lista de espera. ções sobre o acontecimento que conduz alguém ao consultório Problematizar o diagnóstico será perguntar sobre a queixa, o institucional, seja em diagnóstico, seja na psicoterapia. manejo conflito central quando houver, pois às vezes há apenas uma vai elucidando os vínculos entre a queixa e os di- versos sistemas existenciais (familiar, social, saúde, percepção difusa e não-nomeada do cliente sobre sentimentos e economia etc.) para favorecer sua plena conscientização. sensações, o fluxo da energia entre os pólos expansão e contra- ção presentes nas fronteiras-de-contato etc. enquanto indagar Empatizar na entrevista significa praticar a intersubjetivida- de, pôr em intercâmbio intencional o Gestalt-terapeuta e o clien- a psicoterapia será verificar qual é a direção da intervenção, de te no espaço perceptivo comum. É uma postura que vai sendo quais recursos pessoais e técnicos o Gestalt-terapeuta dispõe e construída e que solicita o alargamento da fronteira perceptiva dos que fará uso, como exemplo, relação terapêutica do tipo da primeira EU-TU (Buber, testes projetivos, experimentos. Intuir durante a prática clínica da entrevista significa ativar a Quero deixar bastante claro que todos os recursos técnicos consciência para a presença do outro e das sensações que ele citados até aqui só facilitarão o crescimento do cliente se fizerem provoca. Abrir-se à percepção de estar sendo afetado e parte do encontro autêntico, aquele acontecimento que se dá mostrar ao outro o que está acontecendo para que ele também quando duas ou mais pessoas se abrem umas para as outras, possa manifestar suas percepções. Diferentemente da empatia, permitindo a interpelação do falar a alguém que escuta. não é uma postura, mas um sentido primordial que se dá pela Psicodiagnóstico e psicoterapia são elos de um movimento aceitação do acontecimento vivido e pensado nos limites da si- único, embora comportem finalidades, como responder tuação na qual este se apresenta. às necessidades institucionais de planejamento do trabalho do Imaginar o acontecimento é permitir à representação do real às necessidades do psicólogo da comunicação inter- ser usada como recurso criativo para alcançar suas significações profissional e, sobretudo, às necessidades de autodesenvolvi- para o cliente, explorando campos não-ortodoxos. mento do cliente. Caso contrário, serão técnicas que servem ao Empatizar, intuir e imaginar constituem um ato integrado e fazem do cliente um objeto, um que não permite ao Gestalt-terapeuta se escorar ou esconder84 EM 85 atrás da técnica. Assim, a anamnese e a entrevista não precisam Apresentarei um panorama descritivo sobre as estar organizadas como um roteiro padronizado, formalmente es- cas dos testes, mais comumente aplicados por Gestalt-terapeutas Saúde, hábitos alimentares, vida familiar, vida escolar, ao psicodiagnóstico infantil, mostrando-os aos profissionais que história dos antecedentes familiares, socialização etc. são áreas desejarem torná-los instrumentos na sua rotina de trabalho. costumeiramente tematizadas, importantes para compreender e CAT foi desenvolvido em duas formas, humana e animal. alcançar o mundo psicológico da criança. É um teste projetivo aperceptivo derivado do Teste de Apercep- Na anamnese, devem funcionar como indicadores para am- ção Temática (TAT). A psicanálise constitui-se como a sua base pliar o esclarecimento, por exemplo, das razões pelas quais uma teórica. Os primeiros estudos surgiram quando Ernst Kris per- menina não deseja ir à aula. bom senso e a sensibilidade do Gestalt-terapeuta permitirão a este problematizar, para si mes- cebeu que crianças se identificavam mais com animais do que com as pessoas (Bellak & Bellak, 1992a). Sua leitura, com base mo: "Qual área está sendo afetada? Começarei por qual temá- no referencial psicanalítico, permite entender as características tica? Perguntarei passo a passo sobre o desenvolvimento e a aprendizagem da menina?" e assim por diante. da personalidade, os traços adaptativos e defensivos, as ansie- À criança, indagarei sobre o que ela gosta e o que ela não dades, o nível de maturação afetiva em relação ao seu desen- gosta? Como ganharei sua confiança? Sento no chão? Chamo-a volvimento, o desenvolvimento e a severidade do superego, di- pelo nome ou de amor? Pergunto se ela quer brincar? E se ela ficuldades relacionadas à alimentação, rivalidade, agressão e solidão etc. não falar nada? Pergunto se ela quer desenhar?. Tais problematizações são articuladas em átimos de tempo, Uma leitura gestáltica das histórias produzidas pela criança isto é, transcorrem como pensamento, falas secundárias, en- partirá dos aspectos fenomenológicos: mundo da experiência do quanto o Gestalt-terapeuta olha para a criança que está à sua cliente, o que o profissional quer avaliar e a quem se destinarão frente. Uma vez contatada a sua fala autêntica (Amatuzzi, 1989), os achados. Requer que o profissional adapte as descobertas à aquela que é igual ao pensamento, o Gestalt-terapeuta alcançará linguagem própria da abordagem, o que significa identificar os algumas respostas para suas questões e poderá delinear o anda- modos de autocontato e contato ambiental, fronteiras e funções mento da de contato afetadas etc. A mesma orientação se aplica ao uso e manejo dos testes Leopold e Sonya Bellak (1992a e 1992b) e Leila Tardivo projetivos. Ora, o profissional de Gestalt-terapia que atua na ins- (1998) mostram que o CAT fundamenta-se a partir de três pressu- tituição geralmente possui o Children Aperception Test (CAT) postos básicos: nas formas Humana e Animal e o Bender para o atendimento in- fantil. Reitero, estes não podem funcionar como cartola mágica, 1. A hipótese projetiva básica a criança livremente infor- mas como meios de alcançar a experiência. ma a partir dos estímulos das lâminas o que percebe, ou Somente farei uso de alguns deles se forem oportunos para seja, cria as histórias requeridas pela tarefa por associa- elucidar as necessidades do cliente em primeiro plano, seguindo ções que permitem entender os traços de personalidade, as minhas (psicólogo) e as da instituição. as adaptações e as defesas86 EM 87 2. As cenas das gravuras basearam-se em situações nas que seja bom ou não falar. Na apresentação do primeiro cartão quais fosse possível apreender os conflitos das crianças, deve ficar bem claro para a criança que ela contará uma história as dificuldades, a imagem corporal, as suas identifica- abordando o que aconteceu antes, o que está acontecendo no mo- ções, os recursos adaptativos e as defesas utilizadas. Por- mento e o que vai acontecer Se a criança não conseguir tanto, as situações permitem entender o desenvolvimento criar considerando as observações, o Gestalt-terapeuta pergunta- infantil avaliado em cada lâmina, as fases oral, anal, fáli- rá O inquérito para os esclarecimentos das histórias ca e o complexo de Édipo. torna-se necessário para que a criança forneça pistas que irão 3. Os animais a certeza de que as crianças identificam-se possibilitar um entendimento de sua dinâmica existencial. mais facilmente com os animais do que com os seres hu- As experiências de aplicação do teste com crianças indicam manos. Tal pressuposto fundamenta-se nas observações que, algumas vezes, elas podem rejeitar o cartão e não querer das manchas projetivas do Rorschach e dos estudos inter- verbalizar nada. Mais tarde o Gestalt-terapeuta perguntará à pretativos de figuras de animais das análises de crianças. criança se ela gostaria de tentar novamente. Havendo nova rejei- ção, abandona-se o cartão. Quanto ao modo de para ampliar sua É importante observar que crianças com ajustamentos deli- será apresentado à criança como um jogo, mais como um jogo berados, isto é, disfunções cognitivas, psicoses etc., possivel- do que como uma prova de avaliação, uma brincadeira que não mente não conseguirão simbolizar e ficarão num nível mais des- determina o que é certo ou errado quando ela inventar ou criar também, crianças ou adolescentes que fazem uso de uma história na qual falará dos sentidos evolutivos do tempo: medicação psicotrópica ou drogas possivelmente apresentarão passado, presente e futuro. alterações no pensamento devido ao uso das substâncias ou à Na sua apresentação à criança, esta trabalhará em um local Estas e outras disfunções requererão do Gestalt-tera- iluminado naturalmente, sem interrupções. Ges- peuta uma atuação mais atenta aos seus limites e modos de orga- talt-terapeuta mostrará as lâminas em série, fará anotações das nizar-se na expressão infantil. verbalizações no mesmo tempo em que ela expressa os conteú- São dez os cartões que integram o CAT-A: dos das histórias. A instrução para a apresentação do teste pode ser a seguinte: Cartão 1: Na gravura aparecem três pintinhos numa mesa e "Vou lhe apresentar uma série de cartões, um de cada e gos- um recipiente com comida; um dos pintos não tem guardanapo e taria que você contasse uma história para cada um deles sobre o atrás dos pintos vê-se uma (um) galinha/galo Nesta que você vê; conte-me o que está acontecendo e o que os perso- lâmina é possível compreender sinais da presença materna e pater- nagens estão na em relação aos cuidados nutricionais a criança está receben- A intervenção do com perguntas no relato do teste do o alimento? Surgem temas de competição e rivalidade com os será em momento oportuno; também é recomendável evitar res- ponder às perguntas da criança e pedir que ela esclareça o que Cartão 2: A gravura exibe um urso puxando uma corda e na vê, não se preocupando com o que seja certo ou errado nem o outra ponta há um urso e o filhote. Temas de medos em relação88 ADELMA EM 89 agressão; pode-se observar com qual dos progenitores a criança poucos traços expressivos. Temas de "crime e aspectos se identifica. sobre as concepções morais da criança e o controle corporal. Cartão 3: A gravura mostra um leão sentado com cachimbo e bengala e à sua direita um ratinho. É importante observar Leopold e Sonya Bellak (1992a e 1992b) consideraram onze como a criança percebe o leão e com qual das figuras a criança aspectos a serem identificados nas histórias infantis: se identifica. 1. O tema principal: podem surgir um ou mais temas, é Cartão 4: Na gravura expõe-se um canguru-fêmea usando necessário identificar o mais significativo e verificar o um chapéu e carregando uma cesta com uma garrafa de leite, e grau de complexidade e simplicidade dos temas. um filho na bolsa; atrás um canguru criança numa Os 2. O principal: sabe-se que a história contada é sobre temas estão relacionados a mãe-filho, à rivalidade entre irmãos e como a criança associa e se identifica com os persona- à preocupação com o nascimento de irmãos. gens; atentar qual o personagem de maior identificação e Cartão 5: Na gravura surge um quarto na penumbra, uma qual a auto-imagem que faz de si (como ela se percebe e cama de casal onde podem ser vistos um vulto e um berço com as fantasias). dois ursinhos. 3. As principais necessidades e impulsos do as necessi- Cartão 6: A gravura apresenta uma caverna escura, com dois dades de condutas (comportamentos) em relação às figuras, ursos vagamente definidos ao fundo e um menor deitado num aos objetos e às circunstâncias omitidas pela criança. primeiro plano. 4. A concepção do ambiente: com qual dos membros da Cartão 7: Na gravura está um tigre mostrando dentes e gar- família a criança se identifica e o sentido dessa identi- tentando pegar um macaco que está saltando. Observam-se ficação. as ansiedades da criança e os temores à agressão. 5. Como as figuras são vistas e como reage a elas. Cartão 8: Na gravura aparecem dois macacos adultos senta- 6. Os conflitos significativos no desenvolvimento normal dos num sofá tomando chá e na frente um macaco adulto falando ou patológico. com (repreendendo) um macaquinho; na sala aparece um quadro 7. A natureza das ansiedades: quais as principais ansiedades. de uma macaca mais velha. Temas relacionados com a participa- 8. As principais defesas ção da criança no ambiente familiar e a situação no mundo. 9. A adequação do superego: avalia-se a severidade do su- Cartão 9: A gravura mostra um quarto na penumbra com a perego pela relação entre a origem da transgressão ou porta aberta onde se vê um coelhinho sentado, olhando pela por- sua falta e o castigo. ta. Temas de abandono paterno e materno, de isolamento, dos te- 10. A integração do ego: a capacidade da criança de acomo- mores do escuro, curiosidade em relação ao outro dar os impulsos e as demandas da realidade. Cartão 10: A gravura exibe um cachorrinho deitado sobre os 11. Nível de maturidade: avalia-se o conteúdo das histórias joelhos de um cachorro maior, num banheiro; as figuras apresentam com o que se espera segundo a idade cronológica daPSICODIAGNOSTICO EM 91 90 ADELMA criança, com o nível intelectual, o tipo de linguagem, os Se o Bender apresentar muitos desvios, será proveitoso re- administrá-lo dentro de uma semana. conceitos emitidos. Os desenhos serão examinados com a intenção de com- Quanto ao é um teste que objetiva delimitar um in- preender a organização da personalidade da criança. dice de maturação perceptomotora. Diferentemente do CAT, tem sua base teórica fundamentada na psicologia da Gestalt de Elaborando um laudo psicológico Max Wertheimer, nos estudos sobre maturação, funções menta- is, problemas de aprendizagem, transtornos orgânicos e pertur- Após configurar as descobertas na realização do processo é chegada a hora do Gestalt-terapeuta elaborar bação emocional. um laudo. Sua administração pelo Gestalt-terapeuta para uma maior Um laudo composto de acordo com as orientações da abor- cooperação e relaxamento da criança inclui a solicitação de um dagem fenomenológica, que centra a ação diagnóstica nos proce- desenho de livre escolha, ou de uma figura humana, ou de sua dimentos será organizado como um família. Segue a apresentação dos estímulos. instrumento de comunicação escrita entre psicólogo e cliente, in- profissional que administrará o teste coloca papel, lápis e terprofissionais e os cartões na frente da criança e observa. "Gostaria que você fi- laudo produzido não é um documento que contém a ver- zesse alguns desenhos para mim. Aqui há nove cartões e cada dade absoluta, tampouco se refere ao cliente de modo estanque e cartão tem um desenho. Eu quero que você copie os desenhos. descontextualizado. Seu caráter colaborativo permite ao cliente Faça o melhor que puder, não se preocupe em acertar ou errar." participar da sua elaboração reescrevendo conjuntamente a mi- Papel extra e lápis com borracha são recursos não oportunos. nuta que o Gestalt-terapeuta produziu. Desse modo, o laudo O Gestalt-terapeuta mostrará à criança a parte de cima do mostrará um retrato possível que sintetiza as percepções e com- cartão e a maneira como quer o desenho. Se a criança inverter e preensões de um momento dialógico-existencial. persistir na rotação, isto deve ser anotado. Registrar também se a texto poderá ser escrito em diversos formatos, cabendo ao criança sugere inovações antes, lembrar que o desenho deve Gestalt-terapeuta optar pelo que melhor alcance o objetivo de ser feito exatamente como está no cartão. Se a criança rodar a fi- comunicar-se: gura, o psicólogo esperará até que a criança finalize o desenho e dará uma nova folha para que ela desenhe novamente. Persistin- a. Tradicional, constando identificação, fatos que do a rotação, aceitar-se-á como o melhor que a criança pôde apareceram durante a realização do psicodiagnóstico co- laborativo na própria linguagem do cliente e não em lin- produzir no momento. guagem psicológica, descrições que considerem a tempo- ralidade do comportamento, uso de verbos em vez de conceitos, descrição do comportamento focalizando quando 1. Claudio S. Hutz (1993) informa que o Bender e o CAT estão entre os dez testes mais utilizados na prática profissional nos Estados Unidos e no acontece e quando não acontece, descrição do contextoEM 93 ADELMA em que o comportamento ocorre, linguagem em primeira Um laudo oportuno considera o dinamismo da existência e o pessoa, sendo que a/o incluirá os efeitos que contexto em que sofrimento se imiscui. Tem um sentido de im- a/o cliente provocou nela/e, se forem significativos para permanência e adequação ao solicitante: escola, trabalho, o relatório, apêndice técnico complementar com os esco- o próprio cliente. Para bem realizá-lo, o Gestalt-terapeuta res de testes, se considerar oportuno. prima por conhecer bem os instrumentos que usa, incluindo a si b. Carta, o Gestalt-terapeuta escreve ao cliente como se fos- mesmo. Tal procedimento dará maior consistência às suposições se enviar pelo correio uma carta a um amigo. diagnósticas que elabora, pois as de um psico- História em quadrinhos, sugerido para crianças, objeti- diagnóstico mal elaborado ou elaborado irresponsavelmente re- vando que elas possam acompanhar e entender o fluxo fletem na vida subjetiva e social do cliente e das pessoas a quem dos acontecimentos que viveram durante a realização do este se vincula. psicodiagnóstico. d. Conto, indicado a crianças e pais. Concluindo diagnóstico é uma rotina da vida comum, uma prática per- tencente a todos, que algumas taxionomias consideram dois grandes grupos de critérios diagnósticos: 1) o popular, feito de considerações e opiniões sem qualquer fundamento, que se serve até de notícias orais secundárias; 2) o clínico, desdobrado nas semiológica, que privilegia a identificação dos sinto- mas, é feito por psiquiatras; etiológico, baseado no esclareci- mento dos fatores de causa-efeito; sistêmico, que procura identi- ficar uma área central da perturbação e os vínculos entre esta e os demais sistemas. Outros consideram a importância de realizar um diagnóstico diferencial, antecedendo o diagnóstico como indicação para tra- tamento psicológico Todos concordam, entre- tanto, que o pré-requisito que independe de referenciais teóricos é a presença do sujeito que está diante de nós, cuja vida psíquica pede respostas de manejo cuidadoso e responsável no que con- cerne atentar para o sofrimento do cliente e para a emissão de laudos que possam vir a ser instrumentos restritivos ou desquali- ficativos do psiquismo do cliente.4 caminho da pesquisa objetivo desta pesquisa é compreender como os Ges- talt-terapeutas o psicodiagnóstico e como o realizam e foi se consolidando ao longo do tempo pelas leituras das obras de Perls. Ao lado delas recorri às contribuições teóricas de psicó- logos que refletem contemporaneamente sobre o assunto, na GT e na abordagem fenomenológica articulando idéias acerca do psicodiagnóstico colaborativo e interventivo. A reunião da GT e das contribuições fenomenológicas foi dando forma à sustenta- ção teórica de meu trabalho. Para obter dados que permitissem atingir o objetivo pro- posto, entrevistei Gestalt-terapeutas com mais de quatro anos de experiência na clínica privada, tempo que parece bastante para que o profissional possua uma experiência na sua área de Os psicólogos foram selecionados entre os Gestalt-terapeu- tas que publicam e participam de eventos na área. Nesta seleção, além do tempo de atuação na área, busquei uma representação dos profissionais de várias regiões do país, e vinculados à acade- mia, o que possibilita supor atualização na O número de entrevistados não foi previamente Após realizar 14 en- trevistas, o material obtido revelou-se suficiente para permitir uma apreensão da questão que persegui.96 EM 97 Os 14 profissionais entrevistados atuam como professores nal do entrevistado. A leitura de cada texto individualmente per- universitários e em atividades de clínica e ensino privados. As mitiu identificar significados singulares, enquanto a leitura de experiências incluem a participação em equipe multidisciplinar, conjunto, significados comuns. As categorias singulares e co- em atuação com saúde mental e gerontologia; psicote- muns foram postas em interlocução com os principais conceitos rapia infantil, adolescente e adulto, individual e grupal. Todos da Gestalt-terapia e as propostas do diagnóstico colaborativo têm mais de 15 anos de experiência nas áreas que atuam, exceto para compreender reflexivamente o modo de realizar o diagnós- uma informante que possui quatro anos, cuja fala foi importante tico usado pelo Gestalt-terapeuta. para apontar aspectos relacionados ao ensino do diagnóstico na Na análise dos textos procurei verificar quais dos principais GT. Quatro possuem mestrado, três estão em curso de doutora- conceitos da GT: organismo saudável e doente, estruturas mento em psicologia clínica. Um é psiquiatra. Os demais são cas (campo, contato, experiência, e dinã- graduados e especialistas. micas psíquicas dos comportamentos saudável e adoecido foram Vali-me de entrevistas semidirigidas. Abri o tema apresen- utilizados pelos a que autores da GT que trabalham o tando o objetivo da pesquisa aos participantes e deixei-os falar livremente intervindo com perguntas quando considerei neces- psicodiagnóstico ele se referiu, e que propostas da fenomenolo- sário aprofundar algumas das colocações, focalizar melhor o gia e do psicodiagnóstico interventivo utiliza. Defini, para faci- tema, explorá-lo mais amplamente ou esclarecer o que estava litar a compreensão do raciocínio desenvolvido, apresentar as sendo dito. análises de cada entrevista após o texto respectivo. As entrevistas foram gravadas em áudio com a anuência dos As entrevistas e análises realizadas correspondem aos se- entrevistados. Estes autorizaram, também, o uso do material para guintes textos: a pesquisa e a sua publicação. Também foi dada autorização no- minal para identificação deles, se assim o desejar. Preferi, entre- Textos n° 1 e 2 Região Sudeste, Estado de São Paulo, tanto, mostrar as falas sem determinar identidades, enumerando faixa etária de 40 a 55 anos, experiência clínica e docente; os textos e referindo-me ao depoente, sempre, no masculino. Textos n° 3, 4, e 5 Região Sudeste, Estado do Rio de Ja- As entrevistas foram examinadas a partir das indicações do neiro, faixa etária de 40 a 55 anos, experiência clínica e método fenomenológico, transcritas e depois lidas exaustiva- mente. Em seguida, assinalei as unidades de significado nos tex- Textos n° 6 e 7 Região Sudeste, Estado de Minas Ge- em itálico, seguindo a apresentação do pensamento de cada rais, faixa etária de 50 anos, experiência clínica e docente; informante. Posteriormente, realizei uma leitura em conjunto dos Textos n° 8 e 9 Região Centro-oeste, Brasflia, faixa etá- textos buscando apreender sentidos comuns a eles. ria de 40 a 55 anos, experiência clínica e docente; Com base na leitura exaustiva das entrevistas organizei para Texto n° 10 Região Sul, Estado do Paraná, em torno dos cada uma delas um texto, selecionando os aspectos considerados 50 anos, experiência clínica e significativos para a questão da pesquisa. Os textos constituem, Texto n° 11 Região Sul, Estado de Santa Catarina, em assim, um "resumo" das entrevistas. Neles mantive a fala origi- torno dos 40 anos, experiência clínica e docente;98 5 Textos n° 12 e 13 Região Centro-oeste, Estado de Goias, faixa etária de 28 a 48 anos, um apenas com experiência docente; A prática do diagnóstico Texto n° 14 - Região Norte, Estado do Pará, em torno informal de Gestalt-terapeutas dos 50 anos, experiência clínica, docente e treinamento empresarial. Apresento a transcrição literal de duas entrevistas para dar visibilidade aos procedimentos de pesquisa. As demais serão mostradas apenas nos textos que evidenciam o raciocínio dos participantes. Após analisar e extrair dos textos as informações Neste capítulo apresentaremos os 14 depoimentos que foram discuti os dados confrontando-os com os referenciais transformados em texto juntamente com a análise respectiva de da GT e do pensamento fenomenológico para o diagnóstico cola- cada um. Os textos em itálico indicam as questões e as cate- borativo e interventivo; procurei concluir evidenciando a con- cepção diagnóstica dos entrevistados e buscando indicadores gorias de análise. para novas Os textos e as análises Texto n° 1 Um pouco da minha busca pela Gestalt... onde a gente tem a permissão, onde a gente começa aprendendo que a gente tem de ser como a gente então, eu acho que eu entrei na Gestalt, um pouco em busca disso, desse espaço onde eu podia ser o que eu fosse mais Eu acho que a gente está saudável quando a gente consegue viver a vida com tudo o que ela vai apresentando pra gente; então, assim, as coisas tristes que quando a gente perde alguém... ou namorado, de perder porque ele foi embora, ou alguém que morre, ou alguém que a gente se separa... enfim, que a gente viva as tristezas da vida com tristeza e quando a gen- te consegue viver as alegrias da vida com alegria; as ansiedades com quando a gente consegue ser coerente na100 PSICODIAGNÓSTICO EM 101 pressão do que a gente está sentindo com aquilo que a gente lavra oprimido, mas tem sempre alguém dizendo pra ele que ele está sentindo, eu acho que isso é saúde. não fez a coisa direito, que ele precisava fazer mais do que ele es- oposto é quando isso desorganiza. Quando eu estou inter- tava fazendo, ou que ele tinha que fazer diferente, e ele namente muito triste; que o sentimento presente é de tristeza e eu com isso fica paralisado, ele não tem iniciativa pra fazer as coi- fico fazendo de conta que não é, que é qualquer coisa; eu estou sas, ele não consegue, ele até imagina coisas pra fazer, mas ele fazendo de conta ou pra outro que está comigo, ou pra mim não se em movimento, se sente paralisado com mesmo; enfim, quando eu não olho pra isso que eu estou sentin- Aí isso é uma cena que me faz pensar nele como uma pessoa expresso isso que eu estou É como se o interno e oprimida; ele se faz meio que no papel de vítima do outro, e o externo ficassem muito cindidos, muito diferentes, não é coe- ele perde toda força que ele tem. rente uma coisa com a outra. E a gente ficou nisso; e outro dia ele chegou contando de Me dá um certo medo de usar essa palavra, psicodiagnósti- um emprego novo, e que nesse emprego estão reconhecendo que co, porque ela já vem carregada de um monte de Quando ele está fazendo, tem um jeito de se relacionar diferente. eu recebo um cliente novo, o que eu faço é ouvir atenta- E o que acontece, ele foi fazer uma palestra em Fortaleza mente, olhar atentamente pra ver se aquilo que eu estou vendo e não tinham marcado uma reunião que ele precisava que tives- bate com aquilo que eu estou ouvindo, com o tom de voz, com sem marcado. Ele disse: "Eu dei uma comida de rabo, eu falei, os movimentos que eu estou percebendo. enfim, se aquela pes- eu não marcar, se vocês não eu não you fazer, soa que está na minha frente, junto comigo, naquela situação de essa é a última vez que isso vai acontecer porque não é pra acon- uma entrevista terapêutica; se isso tudo está coerente, ou se tem tecer mais". alguma coisa esquisita que me chama a atenção, algo que destoa. Então, o que eu vejo, ele se identificou com o opressor, É como se eu tivesse um quadro que é todo de tons pastel, e, apareceu o lado opressor dele; então, vi a forma como ele se de repente, tem um risco vermelho forte; assim, aquele risco vai relaciona. Eu acho que dá pra ir percebendo o processo que a me chamar a ou se o contrário, eu tenho um quadro de pessoa está vivendo, via relação que ela estabelece. tons fortes com vermelho, azulão, amarelo, e de repente aparece E desse cliente específico, uma das relações que ele vive era um rosinha suaaave... me chama a atenção. de oprimido, ele sempre se colocava no papel de oprimido, até que isso significa, não sei. Então quando eu recebo que surge uma situação, ele pula pro outro pólo, pro outro alguém, eu olho essas coisas no processo terapêutico em lado. tempo todo acho que está existindo esse processo de percepção Então, acho que sempre existe relação. Eu acho que tem o do grande lance pra quem é terapeuta, é ficar percebendo, é ficar Uma outra coisa que me baliza muito é estar percebendo tudando, é ficar pesquisando formas de relações Como como a pessoa se relaciona; as relações que ela estabelece, os as pessoas se relacionam, uma coisa que eu acho que é infinita. tipos de relação. Isso me lembra um cliente que eu tenho, que Cada um vai se relacionar de um jeito. Mas existem alguns sempre veio com uma história de se ele não fala a pa- tipos de relação que eu acho que são pré. Por exemplo, opressor