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NEUROEDUCAÇÃO UNIDADE I NEUROCIÊNCIA Elaboração Prof.ª Ms. Claudia Menezes Nunes Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................4 UNIDADE I NEUROCIÊNCIA ......................................................................................................................................................................................7 CAPÍTULO 1 FUNDAMENTOS BÁSICOS DA NEUROCIÊNCIA .................................................................................................................. 8 CAPÍTULO 2 BASES ANATÔMICAS DA APRENDIZAGEM ...................................................................................................................... 17 CAPÍTULO 3 BASES FISIOLÓGICAS DA APRENDIZAGEM ...................................................................................................................... 33 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................................47 INTRODUÇÃO Século XXI. Estímulos de toda sorte. No cérebro e nervos, múltiplos processos físicos e químicos criando inúmeros efeitos intangíveis da consciência, do pensamento, da imaginação, da memória, da intenção, da emoção, da personalidade. Sendo assim, com a Neuroeducação, sabe-se, com certeza, que os alunos aprendem de formas diferentes. Não há receita de bolo, nem um único método ideal para todos. Há atenção à intenção diante das diversas estratégias de aprendizagem a serem usadas de acordo com a necessidade de cada um deles. Ideia central desta apostila: romper com a perspectiva do aprendente ideal e estabelecer vínculos reais, com aprendentes reais, cujas necessidades de aprendizagem são diversas e singulares porque se coadunam com suas vivências emocionais e experiências reais. Espero que gostem. Espero que tenham uma viagem muito intrigante pelos sistemas nervosos daqueles que, em formação, precisam de maior atenção, carinho e limites em nossas posturas e atitudes profissionais, todos os dias. Objetivos » Compreender e desenvolver aprofundamentos às questões relacionadas ao funcionamento do cérebro e à dinâmica e aos papéis do sistema nervoso na recepção de informações, suas interpretações e formas de elaboração de respostas em função do acontecimento do processo de aprendizagem, ainda que diante dos transtornos de aprendizagem e de desenvolvimento, e levando em consideração os diferentes gêneros. » Apresentar as bases anatômicas e fisiológicas do cérebro em sua sinergia com o mundo de maneira a compreender como o aprendente aprende. » Discutir formas de incentivar a aprendizagem diante dos transtornos, principalmente os de desenvolvimento. » Ressaltar a importância do conhecimento neurocientífico na proposta de estabelecer novos comportamentos à ação de ensinar. » Construir um panorama biopsicossocial em que se perceba como o aprendente aprende, afinal todos são influenciados e modificados pelas experiências no/com o mundo. » Adquirir noções da fisiologia do encéfalo e estabelecer relações com os fatores biopsicossociais intrínsecos e extrínsecos do desenvolvimento humano, tais como: o cognitivo, afetivo, emocional e relacional. » Facilitar a (re)organização e o (re)equilíbrio do sujeito ao ambiente em seu processo de seleção e adaptação ao meio. 7 UNIDADE INEUROCIÊNCIA De pronto, uma afirmativa: a NEUROCIÊNCIA é uma ciência em estilo polvo. Seus vários tentáculos se referem às contribuições de outras ciências, como pedagogia, filosofia, fisiologia, anatomia, física, psicologia, química, dentre outras. Nesta sinergia científica, a proposta de compreensão de como funciona nossos sistemas sensoriais, de como controlamos o corpo e de como operam o aprendizado e a memória. Mas a narrativa neurocientífica ainda se desenrola. Em pleno século XXI, nosso foco são os COMPORTAMENTOS, resultados dos processos celulares e mentais. Estes representam, no corpo e no meio ambiente, o que chamamos de APRENDIZAGEM, atividade complexa que provoca a discussão sobre memória, atenção, emoção e cognição, também em termos psicológicos, sociais e educacionais. Por conseguinte, é cada vez maior e impactante a compreensão do desenvolvimento biopsicossocial humano em sua organização neural, atividades das funções executivas e formas de sentir, perceber, afetar e/ou aprender. Como se interconectam os circuitos neurais? Que processos biológicos entram em convergência à evocação da memória? Como ocorrem as representações simbólicas da realidade? Qual é a importância dos sentidos na aprendizagem? Essas e outras tantas questões têm influência dos cientistas, acadêmicos e até mesmo curiosos do ser humano e seu funcionamento cerebral, além de sua necessidade de conexão com o mundo extragenético, mediante e baseado em três características fundamentais ao cérebro humano: sobrevivência, seleção e adaptação. O cérebro funciona de forma orquestrada, integrando os componentes de um comportamento ou uma função mental. A grande dificuldade está em identificar os componentes destes processos cerebrais que se apresentam em bloco. (BRANDÃO, 2004, p.07). O funcionamento cerebral demanda um fluxo constante de informações cuja atuação neuronal investe também em novos ajustes da memória e em processos constantes de aprendizagem. Daí, há evoluções, danças químicas sensórias, ajustes (adaptação), inclusão de estímulos aos sistemas, de acordo com as necessidades e as experiências. Todos devem estar integrados, ser interagentes e funcionar de forma que todo o cérebro cresça e aprenda de maneira saudável. 8 Mas lembre-se: ainda assim e apesar de tudo isso, há uma hierarquia implícita em que cada informação ou sensação ou percepção agenciará um sistema-protagonista para liderar as adaptações neuronais e a plasticidade cerebral. O ser humano é particular/singular/diferente em suas formas de aprender a SER, FAZER, CONHECER e CONVIVER, em consequência das maneiras como acessa/usa seu sistema cerebral. CAPÍTULO 1 FUNDAMENTOS BÁSICOS DA NEUROCIÊNCIA Vamos partir de um fundamento: os paradigmas educacionais tradicionais estão em transformação acelerada. E a chamada ‘engenhoca’ cerebral está em acelerada plasticidade (processo de adaptação). Há a necessidade de dinamização dos processos mentais de construção do conhecimento. Nesta perspectiva, a neurociência se apresenta como OUTRA possibilidade de entendimento dos mecanismos de aprendizagem, situando um olhar mais focado sobre o funcionamento do sistema nervoso central, um organizador dos mais variados comportamentos. Há espaços funcionais num ambiente cerebral neuroquímico sempre em sinergia. Pensar neurociência pedagógica ou NEUROEDUCAÇÃO é pensar a possibilidade de reinventar a ação de ensinar e de aprender no século XXI. Segundo Ramal (2002, p. 190), o docente do século XXI deve ter “um perfil de professor que atue como arquiteto cognitivo e como dinamizador da inteligência coletiva”. O primeiro se refere à rede do hipertexto mental que procura ser potencializado em cada aprendente (e aqui a excitação do sistema nervoso é primordial); e o segundo pode ajudar a responder aos desafios das redes criadas pelos aprendentes, entre grupos, escolas e sistemas educacionais à aprendizagem significativa. Em neuroeducação, o ‘arquiteto cognitivo’ é transgressor, em sua prática, dos limites de uma sala de aula monológica; reconhece que suas ações educativas, quando significativas, estimulam diferenças cognitivas e de gênero (estas vão muito além dos órgãos sexuais); aceita que é importante estar por dentro dos estilos de comportamento cognitivo e emocional; e, principalmente, tornar-se um estudioso dos processos neuronais (mentais) favorece a elaboração de práticas de ensino reais edo SNC, os neurônios liberam diferentes neurotransmissores, mas para que uma substância seja considerada neurotransmissora, atualmente, ela deve apresentar quatro características: » deve ser sintetizada no neurônio; » deve ser encontrada na terminação pré-sináptica e secretada em quantidades suficientes para agir no neurônio pós-sináptico ou no órgão efetor; » deve imitar a ação do transmissor endógeno, quando for aplicada exogenamente; » deve apresentar mecanismo específico para sua remoção. Além de mensageiros químicos, o que são e quais são as funcionalidades dos neurotransmissores mais importantes à aprendizagem? Estude o quadro abaixo. Tabela 3. NEUROTRANSMISSORES. NEUROTRANSMISSORES IMPORTÂNCIA ACETILCOLINA É responsável por estimular músculos. Ele ativa os neurônios motores que controlam os músculos esqueléticos. Importante à regulamentação das atividades em determinadas áreas do cérebro e associados com atenção, excitação, aprendizagem e memória. É liberada pelo sistema autônomo simpático e parassimpático. Pode atuar tanto no sistema nervoso central quanto no sistema nervoso periférico. No sistema nervoso central, juntamente com os neurônios associados, formam um sistema neurotransmissor, o sistema colinérgico. SEROTONINA Importante neurotransmissor inibidor e é encontrada para ter um efeito significativo sobre o humor, agressão, emoção, aprendizado e ansiedade. Está envolvido na regulação da vigília, sono e alimentares. Serotonina baixa = depressão, ideação suicida e transtorno obsessivo compulsivo. Regula o equilíbrio do corpo. Serotonina ausente = emagrecimento, enxaqueca, depressão profunda, insônia. Serotonina produzida apenas a partir de alimentação balanceada e exercícios físicos. Também está intimamente relacionada aos transtornos do humor, ou transtornos afetivos. Antidepressivos (Prozac) agem produzindo um aumento da disponibilidade de serotonina no espaço entre um neurônio e outro. Encontra-se no SNC, notadamente no tronco cerebral, amígdala, mesencéfalo, núcleos talâmicos e no hipotálamo. É o ‘neurotransmissor do ‘bem-estar’. 39 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I NEUROTRANSMISSORES IMPORTÂNCIA DOPAMINA É o neurotransmissor que controla os movimentos voluntários do corpo e está associado com o mecanismo de recompensa do cérebro. Em outras palavras, a dopamina regula as emoções prazerosas, e drogas como cocaína, heroína, ópio nicotina, álcool podem aumentar o nível desse neurotransmissor, para o qual o usuário de drogas como se sente bem. Diminuição do nível de dopamina está associada à doença de Parkinson, enquanto os pacientes de esquizofrenia geralmente são encontrados para ter excesso de dopamina nos lobos frontais do cérebro. Presume-se que a cocaína e a nicotina atuam liberando uma quantidade maior de dopamina na fenda sináptica. GABA (Gamma Aminoburítico) É um neurotransmissor inibidor da atividade dos neurônios para que não se chegue à ansiedade (excitação). É um ácido não-aminoácido essencial, produzido pelo organismo a partir do ácido glutâmico. Um baixo nível de GABA pode ter associação com transtornos de ansiedade. Álcool e drogas como os barbitúricos podem influenciar os receptores GABA em quase todas as regiões do cérebro, embora sua concentração varie conforme a região. Está envolvido com os processos de ansiedade. Induz a inibição do sistema nervoso central (SNC), causando a sedação. Isso porque as células neuronais possuem receptores específicos para o GABA. Quando este se liga aos receptores, abre-se um canal por onde entra íon cloreto na célula neuronal, fazendo com que a célula fique hiperpolarizada, dificultando a despolarização e, como consequência, dá-se a diminuição da condução neuronal, provocando a inibição do SNC. NORADRENALINA Induz a excitação física e mental e bom humor. A produção é centrada na área do cérebro chamada de locus ceruleus, um dos muitos candidatos ao chamado centro de “prazer” do cérebro. Este neurotransmissor é encontrado no SNC, no tronco cerebral e no hipotálamo, e possui ação depressora sobre a atividade neuronal do córtex cerebral. A noradrenalina do SNC provém da metabolização da dopamina pela ação da enzima dopamina beta-hidroxilase que metaboliza, também, o 5-hidroxipto fano em 5-hidroxitriptamina ou, então, origina-se da recaptura do neurotransmissor da fenda sináptica. A medicina comprovou que a norepinefrina é uma mediadora dos batimentos cardíacos, pressão sanguínea, a taxa de conversão de glicogênio (glucose) para energia, assim como outros benefícios físicos. OCCITOCINA Ou oxitocina é um hormônio produzido pelo hipotálamo e armazenado(a) na hipófise posterior (neurohipófise) que tem a função de promover as contrações musculares uterinas e reduzir o sangramento durante o parto, para estimular a liberação do leite materno, para desenvolver apego e empatia entre pessoas, para produzir parte do prazer do orgasmo, mas que também produz medo do desconhecido. É o chamado “hormônio do prazer”, indicado para pessoas que estão com problemas na esfera sexual dos seus relacionamentos, pois melhora a libido, a performance sexual e os orgasmos. É produzida no hipotálamo e está estocado no lobo posterior da hipófise de onde é liberado para a corrente sanguínea. Efeitos da ocitocina: estimula a sociabilidade; facilita a formação de laços de amizade e o estreitamento de ligações sentimentais; melhora o humor e reduz a ansiedade. Efeitos físicos da ocitocina: vasodilatação, aumentando o diâmetro das artérias, inclusive as coronarianas, podendo prevenir Isquemia e reduzir a pressão arterial; aumenta o suprimento sanguíneo para a pele, podendo acelerar a cicatrização de lesões; aumenta a potência sexual, melhora a libido e aumenta o prazer durante o orgasmo; pode induzir relaxamento muscular e reduzir a dor, efeitos potencialmente benéficos em pessoas com fibromialgia; estimula a produção de hormônios anabólicos (como IGF-1 e Testosterona) e reduz a produção de hormônios catabólicos (como Cortisol) reduzindo, assim, a perda de massa muscular. 40 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA NEUROTRANSMISSORES IMPORTÂNCIA OCCITOCINA Em mulheres, especificamente, a ocitocina estimula a lubrificação vaginal e facilita o orgasmo. Nos homens, a ocitocina aumenta a sensibilidade do pênis ao contato, melhora a lubrificação das glândulas penianas, a qualidade e frequência das ereções, o orgasmo e a ejaculação. Os sinais e sintomas mais comuns de deficiência de ocitocina são: isolamento social; isolamento emocional; humor triste e depressivo; irritabilidade; sensibilidade aumentada ao estresse; dificuldade em manifestar as emoções; palidez cutânea; olhos secos, pele ressecada; tensão muscular; distúrbios do sono; aumento da sensibilidade à dor, dores musculares e “pontos” dolorosos (fibromialgia). Em homens: baixa libido, baixa potência sexual, dificuldade de ejaculação, baixo volume de esperma, ausência ou dificuldade para atingir orgasmos. Em mulheres: baixa libido, ausência ou dificuldade para atingir orgasmos, baixa intensidade dos orgasmos. Existem alguns fatores que melhoram a produção e a ação da ocitocina: contato físico, abraços, massagens, barulho, leitura, canto, intercursos sexuais, atividade física moderada e regular, alimentação balanceada (sem restrição calórica e rica em frutas, vegetais, carne, frango, ovos e peixe), momentos de diversão e relaxamento. De modo similar, existem fatores que reduzem a produção e a ação da Ocitocina: solidão, ansiedade, depressão, estresse crônico, outras deficiências hormonais (Estradiol, Testosterona e Hormônio do Crescimento, por exemplo), envelhecimento, sedentarismo, hábitos irregulares (fumo, bebida alcoólica, refrigerantes, açúcar, doces, carboidratos em excesso na alimentação). ADRENALINA (Epinefrina e norepinefrina) É um neurotransmissor excitatório; é derivada da noradrenalina. Epinefrina controla o foco mental e atenção. Norepinefrina também é um neurotransmissor excitatório e regula o humor e excitaçãofísica e mental. Aumento da secreção de norepinefrina aumenta a frequência cardíaca e pressão arterial. A epinefrina, como neurotransmissor do SNC, é bem menos conhecida. No SNC, estritamente falando, são descritos sistemas adrenérgicos em alguns núcleos hipotalâmicos relacionados com uma atividade vasoconstritora. A adrenalina tem efeito sobre o sistema nervoso simpático: coração, pulmões, vasos sanguíneos, órgãos genitais etc. Este neurotransmissor é liberado em resposta ao stress físico ou mental, e liga-se a um grupo especial de proteínas - os receptores adrenérgicos. Seus principais efeitos são: aumento dos batimentos cardíacos, dilatação dos brônquios e pupilas, vasoconstricção, suor entre outros. A adrenalina está presente em muitas formulações farmacêuticas intravenosas, principalmente, no tratamento da asma, hemorragias internas, entre outros. Uma pequena síntese de adrenalina ocorre, também, no tronco cerebral. A enzima que converte a noradrenalina em adrenalina é a N-metiltransferase. GLUTAMATO É um neurotransmissor excitatório e é mais comumente encontrado no sistema nervoso central. Está relacionado principalmente com funções como aprendizado e memória. Um excesso de glutamato é, no entanto, tóxico para os neurônios. Uma produção excessiva de glutamato pode estar relacionada com a doença chamada ‘esclerose lateral amiotrófica’ (ELA) ou doença de Lou Gehrig. O glutamato atua em duas classes de receptores: os ionotrópicos (que quando ativados exibem grande condutividade a correntes iônicas) e os metabotrópicos (agem ativando vias de segundos mensageiros). Os receptores ionotrópicos de glutamato do tipo NMDA são implicados como protagonistas em processos cognitivos que envolvem a destruição de células. ENDORFINAS Substancias natural (neurohormônio) produzida pelo cérebro (glândula hipófise) depois da atividade física. Sua denominação se origina das palavras endo (interno) e morfina (analgésico), ou seja, potente ação analgésica. São os neurotransmissores que se assemelham aos compostos opiáceos como ópio, morfina e heroína em sua estrutura. Como os opióides, as endorfinas podem reduzir a dor, estresse e promover a calma e serenidade. Estes são os neurotransmissores que permitem que alguns animais para hibernar por abrandar a respiração, o metabolismo e a frequência cardíaca. Fonte: elaborado a partir de BRANDÃO, 2004; LENT, 2001; RELVAS, 2005. 41 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I Nunca se deve esquecer que, para que o sistema nervoso funcione, os sistemas sensoriais (visão, audição, tátil, olfativo e gustativo) são fundamentais; e os neurônios são responsáveis pela formação das nossas memórias, através da aquisição, consolidação e evocação das informações. Tudo é uma questão do TRATAMENTO que o sistema nervoso faz sobre a informação recebida. Neste aspecto, junto a participação de diversas regiões cerebrais (basicamente o hipocampo, mas também outras regiões do mesencéfalo, como a substância negra e a área tegmentar ventral), o processo de aprendizagem ganha qualidade e adequação em parceria com os seguintes processos: percepção, processamento e memorização das novas impressões sensoriais. Em comunicação, as células liberam as chamadas “substâncias mensageiras” (ou neurotransmissores), no caso, a dopamina13. Na comunicação entre células, há associações e adaptações formando o CIRCUITO DO APRENDIZADO: o hipocampo envia, como reação a informações desconhecidas, um sinal à substância negra e à área tegmentar ventral; a partir dessas, fibras neurais retornam ao hipocampo o que faz com que a substância mensageira (dopamina) seja liberada. O hipocampo contribui tanto para afixação de conteúdos na memória quanto para sua reativação porque compara as informações sensoriais que chegam com o conhecimento já memorizado. Se eles não coincidem, o hipocampo envia um novo sinal através de diferentes sistemas: inclui-se aqui também o núcleo accumbens e o pallidum ventral. Figura 13. Cérebro e Motivação. Fonte: http://curaredolorem.blogspot.com.br/2013/05/motivacao-ou-aquela-coisa-que-sempre.html. 13 Releia sobre as funções da DOPAMINA no quadro sobre os NEUROTRANSMISSORES. 42 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA Somos um processo de retroalimentação de informações. Somos o que lembramos. Somos a confluência seletiva e eletroquímica de milhares de estímulos. E como “detector e espalhador de novidades”, temos o hipocampo. Como se sabe, a aprendizagem é resultado da sinergia cérebro, mente e corpo. Sabe-se também que os estímulos geram informações que vão e vem e que percorrem longas distâncias ao longo dos nervos, ou por curtas distâncias através das sinapses. Ao longo da sua evolução, o sistema nervoso desenvolveu os processos elétricos de comunicação (os potenciais de ação), cujas informações ocorrem de maneira mais rápida e eficiente entre regiões distantes do organismo; mas, também, reajustou os processos químicos cuja função básica é abastecer as vias sensoriais e motoras de força e velocidade em suas associações, adaptações e seleções. Em diferentes momentos, mencionou-se a presença e a funcionalidade dos hemisférios junto ao corpo caloso. Estes hemisférios funcionam de acordo com a informação recebida, e, por isso, as respostas (comportamentos) são diferentes. Observando o cérebro de frente, reconhece-se a divisão: HEMISFÉRIO ESQUERDO e o HEMISFÉRIO DIREITO. O primeiro é responsável pelo pensamento lógico e competência comunicativa; a ele pertencem duas áreas especializadas: a área de Broca (córtex responsável pela motricidade da fala); e a área de Wernicke (córtex responsável pela compreensão verbal; zona onde convergem os lobos occipital, temporal e parietal; e onde acontece a compreensão do que os outros dizem e que dá ao indivíduo a possibilidade de organizar as palavras sintaticamente corretas). Já o hemisfério direito é quem cuida do pensamento simbólico e da criatividade. Em muitos estudos, observa-se que, nos canhotos, estas áreas especificadas estão invertidas. Figura 14. Áreas da Linguagem. Fonte: http://audiosons.blogspot.com.br/2012/09/area-de-broca-area-de-wernicke.html. 43 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I Como mencionou-se várias vezes, os hemisférios não estão soltos na caixa craniana. Há uma conexão entre eles feita pela fissura sagital ou inter-hemisférica. Ali se encontra o chamado corpo caloso, formado de fibras nervosas brancas (axônios envolvidos em mielina) e que faz ligação, para a troca de informações, entre as muitas áreas do córtex cerebral. Ambos os hemisférios possuem um córtex motor, que controla e coordena a motricidade voluntária. O córtex motor do hemisfério direito controla o lado esquerdo do corpo do indivíduo, enquanto o do hemisfério esquerdo controla o lado direito. Ou seja, as relações dos hemisférios e os sentidos/sensibilidades/emoções agem (ou vibram) em ‘cruz’ no corpo humano. Figura 15. Cérebro e ação dos Hemisférios. Fonte: http://www.coladaweb.com/biologia/corpo-humano/cerebro. Mas atenção às palavras de Herculano-Houzel, em sua coluna “Cuide-se”14: [A criatividade] não é obra do lado direito do cérebro. [...] Nem a criatividade, nem a arte, nem a emoção, são funções do lado direito do seu cérebro – e sim de várias estruturas diferentes, espalhadas órgãos afora, e de seus dois lados. A lenda vem de meados do século 19, quando a neurociência era ainda recém-nascida. Quase nada se conhecia sobre o funcionamento do cérebro, mas a descoberta de que a produção da fala depende do hemisfério esquerdo, anunciada por Paul Broca em 1861, suscitou uma revisão pela biologia do conceito de que os dois lados do corpo são equivalentes. Uma tabela publicada no final daquele século ilustra a proposta de revisão: o lado esquerdo, relacionado à fala, seria ‘logicamente’ 14 HERCULANO-HOUZEL, Suzana. Criatividade é usar o cérebro de um jeito diferente. Coluna ‘Cuide-se’. Revista Mente & Cérebro entitulada ‘O que de fato funciona para aprender’. Ano XX, n. 250,p.17. 44 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA também associado à racionalidade, à volição, ao consciente e à masculinidade, e [...] à cor branca da pele (ou seja, tudo aquilo que o homem branco europeu, o dono do mundo na época, associava a si mesmo). O que sobrou para o outro lado do cérebro? Ora, a irracionalidade, o emocional, o inconsciente, a feminilidade, e [...] a cor escura da pele. E a criatividade entrou de gaiata na história como mais uma propriedade do ‘lado direito’, emocional, do cérebro. Ou seja, quando se analisa a presença da inteligência e o raciocínio do indivíduo, deve-se pensar na confluência entre os hemisférios junto aos estímulos recebidos. Para além disso, deve-se ter atenção ao CEREBELO, coordenador geral da motricidade, da manutenção do equilíbrio e da postura corporal;=, e ao TRONCO CEREBRAL, composto de bulbo raquiano (cuida da manutenção das funções involuntárias, como a respiração), tálamo (centro de transmissão dos impulsos elétricos, que vão e vem do córtex cerebral), mesencéfalo (recebe e coordena as informações que dizem respeito às contrações dos músculos e à postura) e ponte de Varólio (constituída, principalmente por fibras nervosas mielinizadas, liga o córtex cerebral ao cerebelo), conecta o cérebro à medula espinal, além de controlar a atividade de diversas partes do corpo através da coordenação e envio de informações ao encéfalo. Em toda a trajetória de estudo até aqui percebe-se que estamos no terreno do que se chama encéfalo, centro do sistema nervoso humano. Este é protegido pelo crânio, pelas meninges (membranas) e próximo aos sistemas sensoriais primários: visão, audição, equilíbrio, paladar e olfato. É composto, entre outras estruturas, pelo cérebro, cerebelo, mesencéfalo, bulbo raquidiano, hipotálamo, corpo caloso, tálamo, formação reticular e tronco encefálico. No encéfalo, observa-se nossa capacidade de integrar (assimilar, consolidar e evocar) informações. Figura 16. Córtex Cerebral. Fonte: http://auladefisiologia.wordpress.com/tag/cerebro/. 45 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I A estrutura do cérebro à qual a neurociência tem dedicado a maior parte de seu esforço de investigação é o córtex cerebral. Esse pode ser visualizado como um manto envolvente do cérebro cobrindo todas as superfícies, incluindo as que se encontram localizadas nas profundezas das fendas conhecidas como fissuras e sulcos, as quais conferem ao cérebro sua aparência enrugada característica (DAMÁSIO, 2011, p.49). Figura 17. Estruturas do Cérebro. Fonte: http://www.infoescola.com/anatomia-humana/cerebro/. Como aprender é uma questão de estímulos ou desafios variados e significativos aos processos mentais humanos, de novo, estamos no campo da chamada “neuroplasticidade”15, em que o cérebro leva continuamente em consideração o ambiente e armazena os resultados do aprendizado sob a forma de memórias. O que implica estar preparado para eventos futuros. No processo de neuroplasticidade, muitas informações perpassam o cérebro e este gasta muita energia corporal. Quando os aprendentes acessam emoções (informações) positivas ou negativas, o potencial de ação é ‘ligado e desligado’ em sequência. Diante da evolução cognitiva e emocional humana, mudam-se as voltagens ininterruptamente. E a velocidade de transmissão é possível graças à melhora do isolamento do axônio com um revestimento de várias camadas: a mielina. Em espaços de cerca um milímetro, o revestimento da mielina é interrompido por espaços conhecidos como nódulos de Ranvier16, onde a membrana axonal é exposta. 15 Segundo Relvas (2005, p.14) “plasticidade cerebral é a capacidade de o sistema nervoso alterar o funcionamento do sistema motor e perceptivo baseado em mudanças no ambiente, através da conexão e (re)conexão das sinapses nervosas, organizando e (re)organizando as informações dos estímulos motores e sensitivos”. 16 Nódulos de Ranvier – ou seja, são os espaçamentos isentos de mielina que geram falta de continuidade da bainha. Isso facilita um movimento mais ágil do impulso que, só se propaga com a presença de mielina, ocorre aos saltos. 46 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA Estímulos, impulsos, potenciais de ação, tudo isso dinamiza a ação do cérebro humano e sua plasticidade. É uma necessidade natural, favorece a evolução do neocórtex e o estímulo do sistema límbico. Segundo diferentes autores, o sistema límbico é o sistema das emoções, da memória e da atenção. Elementos importantíssimos à aprendizagem e aos processos de desenvolvimento de práticas de ensino no século XXI. Base da aprendizagem? As múltiplas associações neuronais a partir dos tantos estímulos a que os sentidos humanos forem alcançados. 47 REFERÊNCIAS AAODT, Sandra; WANG, Sam. Bem-vindo ao seu cérebro: por que perdemos as chaves do carro, mas nunca esquecemos como se dirige e outros enigmas do comportamento cotidiano. São Paulo: Cultrix, 2009. BRANDÃO, Marcus. As bases biológicas do comportamento: introdução à neurociência. São Paulo: EPU, 2004. CHANGEUX, Jean-Pierre. O verdadeiro, o belo e o bem: uma nova abordagem neuronal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. COSENZA, Ramon M. e GUERRA, Leonor B. Neurociência e Educação: como o cérebro aprende. Porto Alegre: Artmed, 2011. DAMÁSIO, Antonio R. O Erro de Descartes. São Paulo. Cia das Letras, 1996. DAMÁSIO, Antônio. 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Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1676-56482004000100010&script=sci_ arttext. Acesso em: 17 set. 2021. _Hlk34232300 _Hlk38457781 _Hlk38457786 _Hlk58327400 Introdução UNIDADE I Neurociência Capítulo 1 Fundamentos básicos da neurociência Capítulo 2 Bases anatômicas da aprendizagem Capítulo 3 Bases fisiológicas da aprendizagem Referênciassinceramente focadas no aprendente. Todavia, o conhecimento neurocientífico não é uma ‘receita de bolo’ e nem uma teoria ‘engessante’; ela é potencialmente adequada para o entendimento 9 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I e transformação da sala de aula e dos comportamentos em torno da busca e do encontro com o conhecimento. Vamos entender um pouco sua história. 1.1 Origem da Neurociência Hoje, dentro de uma escola do século XIX, com professores do século XX e alunos do século XXI, há claros estranhamentos relacionais; crises geracionais; incertezas pessoais; velocidade social e emocional; ou seja, um cotidiano em transformação acelerada e complexa. Logo, cada vez mais, torna-se importante oferecer experiências inovadoras. No caso deste módulo, é importante uma revisão/reconfiguração séria das práticas de ensino, a partir da comunhão de outras teorias e conceitos científicos que se proponham a entender como o organismo humano se desenvolve e aprende. É um entendimento nas dimensões cognitiva, emocional e motora. Nesta perspectiva, uma fonte teórica como a Neurociência vem se tornando importante à educação em geral. A palavra ‘neurociência’ foi criada em 1970. É um campo novo, porém possui influências antiquíssimas. Suas bases (cientificas e, às vezes, nem tanto) são encontradas desde a filosofia grega até os modernos exames de imagens dos séculos XX e XXI. Como afirma Brandão (2004, p.07), “a raiz dos nossos processos mentais está na organização dos mecanismos neurais a ele subjacentes, na forma que eles se imbricam para determinar o que chamamos de funções mentais superiores” (BRANDÃO, 2004, p.07), a saber: atenção, linguagem, memória, sensação, percepção, emoção e pensamento. Basicamente, a neurociência é um ramo da biologia que estuda cientificamente o sistema nervoso. Como um ‘polvo gigante’, seu corpo teórico tem tentáculos tocando (e utilizando) outras áreas, como educação, filosofia, antropologia, química, linguística, engenharia, matemática e outras áreas afins. Como ciência aplicada à sala de aula, pode ajudar aos docentes na construção de seus planejamentos, estratégias de ensino e avaliações, tendo em vista a crescente percepção das diferenças entre os comportamentos cognitivos e emocionais; além de observarem a presença das ‘dificuldades de aprendizagem’ e a importância do exercício (movimento do corpo), da alimentação, do sono e das relações positivas às aprendizagens. Mas atenção: a neurociência não é uma ‘receita de bolo’ (algo pronto para montar e usar), passível de resolver todos os desafios da sala de aula. Ela vem oferecendo ao profissional da educação uma oportunidade de compreender o funcionamento do sistema nervoso humano a partir da entrada e transformação dos estímulos em informação; desta em emoção e pensamento; e destes em 10 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA comportamentos em geral. Junto a este conhecimento, como diz Ramal (2002, p.193), como arquiteto cognitivo, estrategista do conhecimento, hoje cabe ao educador identificar “as inúmeras possibilidades do mapa de recursos [de ensino], indicar caminhos, propor desafios e metas, desenhar mapas de navegação da mente”, sempre interagindo e mediando a ‘navegação’ dos aprendentes entre as informações, emoções e desafios apresentados no curso da aprendizagem. É o cérebro humano em franca ação e reação. Como conjunto, é correto o uso da palavra NEUROCIÊNCIA, no singular, fato que justifica a leitura conceitual mais ampla do cérebro e sua plasticidade neuronal quando em processo de aprendizagem ou assimilação das informações em geral. E esta forma de apresentar a neurociência será utilizada neste módulo. 1.2 História veloz da Neurociência “A neurociência é a área multidisciplinar do conhecimento que analisa o sistema nervoso para entender as bases biológicas do comportamento” (Floyd E. Bloom). Há muitas décadas o cérebro é um centro de observações e ações. As discussões giram em torno das razões pelas quais os humanos agem como agem, sentem como sentem, apesar dos ambientes, influências, culturas e aprendizados; ou a partir de bloqueios, traumas ou diferenças orgânicas (genéticas). Em seu processo de maturação, o cérebro (biológico) e a mente (psicológico e social) se enfrentam, se alterando, transformando, desequilibrando, readaptando, ratificando a ideia de que o mistério da complexidade dos processos mentais, sensórios e motores permanece incompreendido e, por isso, é fonte de diferentes abordagens nos campos acadêmicos e científicos. Tudo sempre começa com nossa ancestralidade Nós a carregamos em nosso cérebro reptiliano (primitivo) e o percebemos/sentimos através de nossos impulsos/reações, normalmente adjetivadas como “intempestivas”. Primeiro veio a trepanação, “técnica de perfuração à mão de um buraco de 2,5cm a 3,5 cm de diâmetro no crânio de um homem vivo, sem anestesia ou assepsia, por 30 a 60 minutos”1. Seu objetivo principal era eliminar os maus espíritos e demônios. Muitos pacientes não sobreviviam a essa intervenção por causa da falta de assepsia e de perfurações errôneas das meninges (hemorragia 1 ARAÚJO, Leonardo Carneiro de. Fundamentos da neurociência e do comportamento. Disponível em: http://www.faculdadearapoti. com.br/blogadm/wp-content/uploads/2012/08/neurociencia.pdf. Acesso em: 20 out. 2013. 11 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I incontrolável). Além disso, com a trepanação, ocorriam vários danos aos cérebros e outras formas de intervenção cerebral. Neste período e por muito tempo, acreditava-se que o coração, e não o cérebro, era a sede da alma/da consciência e repositório das memórias. Essa visão sobre o coração segue até os tempos de Hipócrates (460-379 a.C.)2. Na Grécia antiga, surgem as perguntas mais sistematizadas sobre onde está a mente e como ela interage com o corpo. Há o entendimento de que o cérebro é o órgão das sensações e também ambiente em que se estabelece a inteligência. Nesta perspectiva, segundo O’Shea (2010, p.22), “Hipócrates foi ainda mais longe e desenvolveu uma teoria dos quatro humores que, juntos, eram responsáveis pelo temperamento [...] a saber: a bílis negra (melancolia), a bílis amarela (irritabilidade), a fleuma (tranquilidade e preguiça) e o sangue (paixão e alegria)”. Em ciência ou em experimentação científica, ou ainda em estudos neurocientíficos, nenhuma teoria/leitura deve ser descartada. No século do Cristianismo, cerca de 400 anos depois da morte de Hipócrates, Cláudio Galeno de Pérgamo (131-201), especialista em anatomia humana, a partir da dissecação de animais, refuta o que diz Aristóteles. Ele acredita que o cérebro é o centro das representações cognitivas e sensórias que ditariam as ações humanas. O cérebro começa a ser visto como centro da psique, uma massa homogênea e amorfa, um reservatório cujos fluidos e humores poderiam elaborar temperamentos e comportamentos instintivos. Já na Renascença, a anatomia começa a se desenvolver. Outro nome que surge é Versálius (século XVII). Ao dissecar animais, ele cria um estudo bem detalhado do cérebro humano. Há a proposta de que a sede da mente não está nos ventrículos cerebrais, mas em algum outro lugar. Nesta linha compreende-se que homens e animais possuem ventrículos muito iguais, ao contrário do resto do cérebro que possuía grandes diferenças. A influência de Hipócrates e Galeno chega até René Descartes3 e seu modelo hidráulico de cérebro, também baseada em humores do funcionamento cerebral. Houve comparação com o trabalho de máquinas complexas de seu tempo, como 2 Em Atenas, Hipócrates (pai da medicina ocidental) era médico e ensinava retórica, filosofia e ginástica. Sua atuação marca o fim da medicina místico-teúrgica e início da observação científica dos fatos clínicos. Vários dos seus textos foram compilados e organizados num Corpus Hippocraticum. Algumas de suas ideias: “o conhecimento do corpo é impossível sem o conhecimento do homem como um todo”; “O corpo não é só um conjunto de órgãos, mas uma unidade viva, quea ‘natureza’ de cada um regula e harmoniza”; “a vida é breve, mas a arte é extensa”; “as doenças provêm do desequilíbrio dos ‘humores’ (sangue, fleugma, bile e atrabile); e “todo o corpo tem, em si mesmo, os elementos para recuperar-se”. Hipócrates deu importância ao ambiente e à hereditariedade; e priorizava o prognóstico em detrimento do diagnóstico. 3 Em 1637, René Descartes publica o Discurso do Método e cria um dualismo na natureza humana, onde haveria uma parte relacionada com o corpo e uma parte relacionada com a mente. 12 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA relógios, e seus movimentos controlados por sistemas hidráulicos. Ou seja, dentro do ser humano, o sistema nervoso funcionava a partir da água. Segundo Relvas (2012, p.30), “para Descartes, a maioria das atividades do corpo, como sensação, movimento, digestão, respiração e sono, é explicada pelos princípios mecânicos, onde o corpo físico e o cérebro funcionam”. Os processos cognitivos não estariam localizados apenas nos ventrículos cerebrais com fluidos, ainda que fizesse referência ao fluxo de energias através dos nervos. Segundo Descartes, o cérebro (máquina e mecanismo), em sua glândula pineal, abrigaria a sede da alma, o fantasma na máquina. A glândula pineal, “por ser uma estrutura central e unitária, deveria ser a ligação com a alma singular, mas também foi atribuído a ela controle exclusivo, direcionando o fluxo de energias animais pelo cérebro”. (O’SHEA, 2010, p.25). Em fins do século XVII, a teoria humoral perde força. Há uma nova geração de anatomistas reescrevendo a estrutura do cérebro com mais precisão. Destaque para Thomas Willis (1621-1675). É o criador do termo “neurologia” e afirma que o tecido sólido cerebral tinha funções importantes; demonstra que o sistema nervoso depende do fluxo de sangue para esses tecidos; além disso, reconhece que os nervos não são canais ocos. Porém, e ainda assim, permaneceu um teórico dos fluidos para o entendimento da função cerebral. A renovação do olhar científico e a perspectiva da importância real do cérebro nos comportamentos, funções executivas, emoções e movimentos, torna infrutífera a teoria dos fluidos e tantas outras a ela relacionadas ou baseadas. Ascende, então, o período iluminista, em que há uma grande revolução da ciência: Física através de Galileu; Medicina através do anatomista Luigi Galvani (e seu contemporâneo Alessandro Volta, com a associação essencial entre a eletricidade e as funções dos sistemas nervosos), dentre outros. Começa o estudo experimental do sistema nervoso onde se descobre que ele funciona a partir de relações elétricas. O terreno estava preparado para a ciência moderna e o reconhecimento, no século XX, de que o sistema nervoso possui áreas específicas para determinadas funções e que existem células específicas (unidades funcionais minúsculas), responsáveis pela comunicação de informações no cérebro: os neurônios. A verdadeira natureza celular do cérebro e de suas funções mentais foi reconhecida pela primeira vez pelo pai da neurociência moderna, o neuroanatomista espanhol Santiago Ramon y Cajal (1852-1934). (O’SHEA, 2010). À época, Cajal afirmou que o cérebro é uma máquina celular, em detrimento das leituras anatomistas 13 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I de que o cérebro não era composto por células. As células cerebrais eram muito diferentes das outras células4. Surge, então, a ‘teoria reticular’5 da anatomia cerebral – uma interpretação incrivelmente perdurável que persistiu até boa parte do século XX. Por fim, tornou-se evidente que, para entender a ciência cerebral, era preciso identificar os componentes funcionais da estrutura microscópica do cérebro. Em fins do século XIX, o anatomista italiano Camillo Golgi desenvolve um método de coloração adequado: uma forma de destacar a morfologia de alguns neurônios em qualquer região do cérebro. O cérebro começa a ser observado como tendo funcionamento eletroquímico. Suas operações estavam diretamente relacionadas às funções das estruturas físicas em nível microscópico. Cajal concluiu que a função do neurônio deveria estar relacionada com o movimento e o processamento de informações no cérebro (O’SHEA, 2010). Daí em diante, surgiram muitas suposições quanto às articulações, aos processamentos e às decodificações das informações. Ramon Y Cajal é fundamental para a ciência cerebral moderna. Seu reconhecimento dos neurônios como unidades polarizadas de transmissão de informação foi um marco na neurociência. E, neste concentrado de informações sobre a neurociência, em paralelo, se articulou uma ciência, hoje desacreditada: a frenologia, desenvolvida pelo médico vienense Franz Joseph Gall, que acreditava que o cérebro é o órgão da mente. Quando nos referimos à frenologia, nós nos referimos a um processo de compartimentalização do cérebro em vários setores. Nestes setores, abrigando funções psíquicas diversas, observa-se a reflexão de comportamentos humanos delicados e surpreendentes. Joseph Gall acredita que diferentes faculdades distintas da mente, atributos inatos da personalidade e capacidade intelectual, estão localizados em diferentes lugares do cérebro. Faculdades, atributos e capacidades teriam uma localização específica, causando os sulcos na massa encefálica, por isso, os frenologistas se percebiam como “ledores de mentes”. 4 Segundo O’Shea (2010, p.28), o próprio termo ‘célula’ implica uniformidade: estruturas simples determinadas por limites definidos. Daí a dificuldade de reconhecimento de ver sua composição celular no microscópio. Os neurônios são diversificados em termos de morfologia. Eles tem processos bastante delicados que se ramificam do corpo das células e se misturam com as ramificações de outros neurônios. A complexidade e a diversidade de sua aparência física excedem facilmente a de outros tipos de células encontrados em qualquer outra parte do corpo. 5 Quando visto através de um microscópio, o cérebro parecia consistir de um lamaçal irremediavelmente intrincado (um retículo), sem os diferentes limites que definem as células, tão evidentes em outros tecidos. 14 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA Figura 1. Ação da Frenologia. Fonte: https://maestrovirtuale.com/frenologia-medir-o-cranio-para-estudar-a-mente/. Em razão da Revolução industrial, a influência dos estudos frenológicos torna o cérebro um reflexo dos modelos da sociedade industrial mecanizada, hierárquica e frenológica do início do século XX. Além disso, ampliou a metáfora mecanicista do cérebro como grande e potente gerenciador cibernético. Segundo Doidge (2011, p. 26), a ideia do cérebro-máquina inspirou e norteou a neurociência desde que foi proposta no século XVII substituindo concepções mais místicas sobre a alma e o corpo. Os cientistas impressionados com as descobertas de Galileu [...] passaram a acreditar que toda a natureza funcionava como um grande relógico cósmico, sujeito às leis da física, e começaram a explicar cada ser vivo do ponto de vista mecanicista, inclusive nossos órgãos corporais, já que pensavam que também eram máquinas. Mas a frenologia entra em decadência no início do século XX. Daí em diante, com Charles Darwin e sua Teoria da Evolução, o ser humano é estudado como um animal em evolução constante e natural. Em paralelo a essa questão de cérebro-máquina, surge o raio X, descoberto por Wilhelm Rontgen (físico e engenheiro mecânico alemão), voltado para angiologia cerebral. Também surge um método computadorizado de imagem que, através do raio-x, captura imagens de estruturas crânio-encefálicas. E, em 1973, surge o primeiro PET (tomografia computadorizada por emissão de pósitrons), cujo alto preço limitou seu uso até 1990, ano em que George Bush declara que estamos, oficialmente, na década do cérebro. Em vários congressos, a palavra “Neurociência” começa a ser utilizada. Ou seja, o campo de estudo dos objetos tradicionais à luz do Sistema Nervoso Central é batizado. Há o desenvolvimento daciência cognitivas e da própria neurociência. 15 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I O cérebro é entendido como um ecossistema e não mais apenas como uma máquina. É um ambiente em que neurônios vivem e convivem em situação de competição e organização pelo estímulo e direcionamento do ambiente. É um espaço auto poético, que se auto organiza, orgânico, fluido e modular. Essa “autopoesis”, comentada por Maturana e Varela, em seu livro “A árvore do conhecimento”, recompõe a dinâmica da cognição humana no retorno de sua melhor dupla psíquica: razão e emoção. Na década de 1990, o desenvolvimento e o aperfeiçoamento das técnicas de visualização do funcionamento cerebral causaram um novo boom na conjuntura metodológica do entendimento da ação neuronal, agora, relacionando-a à atividade mental e ao metabolismo cerebral, ou seja, ao aumento do consumo de oxigênio e de glicose pelos neurônios requisitados a cada momento. Na perspectiva de tantas transformações, o mundo mudou fortemente em diferentes setores. De novo, a população precisou entender o novo funcionamento com tantas tecnologias e novos comportamentos. É uma questão de adaptabilidade, neuroplasticidade, a partir de estímulos eletroquímicos, em que neurônios disparam, gerando reflexão, interação, pensamento, sinergia e outras conexões, atravessou o tempo histórico com idas e vindas, às vezes positivas, às vezes negativas. 1.3 Galáxia biológica da aprendizagem Quando pensamos no cérebro, nós nos lembramos dos CEOs (chief executive officer = diretores executivos). O cérebro é o elemento maior de uma empresa chamada “organismo humano”; é estratégico e, a partir de estímulos, estimula outros órgãos a mudanças comportamentais importantes à sobrevivência de todo um sistema aprendente humano. Pensamento, criatividade, consciência, linguagem, memória, raciocínio lógico, emoções tornam-se aspectos de nossa organização biológica que, ao longo do tempo, necessita de adaptações às ações sensórias e às reações motoras, visando o output de informações e o input de conhecimento (aprendizagens), no conjunto de habilidades e competências humanas. Segundo Goldberg (2002), este CEO biológico é um “cérebro executivo” com funções complexas, principalmente, dos lobos frontais (parte do cérebro mais recentemente evoluída e especialmente humana) e seus diferentes estilos em indivíduos ‘normais’ ou alterados por percalços neurológicos (doenças ou danos ou bloqueios). 16 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA Porém o cérebro humano se desenvolve e funciona EM REDE, em comunhão, basicamente, entre o mundo interno e externo através dos sentidos, e cujo alcance atravessa todo o corpo humano e seus sistemas internos. Quando pensamos em aprendizagem, nós devemos entender que os estímulos causam interligações variadas na memória, espaço em que convivem todas as informações que assimilamos ao longo da vida. Aprender é um processo de maturação psicobiológica dos seres humanos, através de desafios/estímulos ao sistema sensório-motor humano, basicamente. Falamos aqui das emoções: Aprender é um movimento emocional ininterrupto da biologia cerebral Internamente, os NEURÔNIOS, uma galáxia de milhões de pequenas células nervosas que formam o cérebro e o sistema nervoso, que se comunicam umas com as outras através de pulsos eletroquímicos, para produzir atividades muito especiais, “como pensamentos, sentimentos, dor, emoções, sonhos, movimentos e muitas outras funções mentais e físicas, sem as quais não seria possível toda a riqueza interna e nem perceber o mundo externo, como som, cheiro, sabor, luz e brilho, dentre outros” (RELVAS, 2005, p.21). Desta forma, quando se quer estudar e entender os percalços da aprendizagem, o movimento da galáxia neuronal é imprescindível, pois esse movimento apresenta diferentes tipos e estilos de aprendizagem e muitas dificuldades de aprendizagem com as quais lidamos todos os dias. Agora: como se organiza a estrutura mais importante à aprendizagem humana? 17 CAPÍTULO 2 BASES ANATÔMICAS DA APRENDIZAGEM Quando se pensa em promover aprendizado, deve-se pensar em ASSOCIAÇÃO e CONEXÃO neuronal. Para todos os estímulos recebidos pelo sistema nervoso, há grupos de neurônios em movimento associativo para construir, por exemplo, MEMÓRIAS. Estímulos são fundamentais à MOTIVAÇÃO, ao PENSAMENTO e à CRIATIVIDADE. Além disso, incrementa-se o desenvolvimento de habilidades e fortalecimento das competências; as sensações e ações mais emocionais dos comportamentos etc. Cérebro é biológico, mente é social. Diante dessa afirmativa, estímulos criam uma sinergia CÉREBRO, MENTE e vias MOTORAS. Logo, entender as bases anatômicas da aprendizagem é entender a composição das estruturas do sistema biológico humano em termos de organização relacional de cada órgão por dentro do corpo humano, em que várias estruturas cerebrais são influenciadas pelos estímulos sensórios-motores, até a ação de aprender. E o fundamento são os NEURÔNIOS. Inicialmente, para fins didáticos, em resumo, segundo Herculano-Houzel (2005), o cérebro pode ser distribuído, em três grandes porções: » A porção SENSORIAL (parte detrás do cérebro): representa todo um conjunto de estruturas que se prestam a receber informações do ambiente e processá-las de uma maneira coordenada, permitindo ao cérebro a criação, por exemplo, de uma imagem (representação sensorial). Aqui se constroem o sentido da realidade e, por conseguinte, se desenvolve e organiza os comportamentos em relação aos outros; os tipos de reação às situações; as sensações às emoções variadas etc. » A porção MOTORA (parte mediana do cérebro): a partir dos sentidos, outras regiões do corpo são atingidas e encarregadas de gerar movimentos, comportamentos do corpo às sensações. É uma parte, não apenas reativa, mas se representa de forma apropriada, adequada às intenções humanas. » A porção ASSOCIATIVA (parte da frente do cérebro – córtex pré-frontal): o acontecimento dos movimentos, a partir da influência dos sentidos, 18 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA instaura no sistema nervoso central (cérebro, corpo e mente) interligações de forma a processar informações, criar representações mentais unificadas do mundo (realidade) e usar estas representações para dar movimento ao corpo, para criar comportamentos, interagir com as outras pessoas e com diferentes ambientes. Qual seria o ponto nevrálgico de todo esse processo? O SISTEMA NERVOSO. Para iniciar os estudos neurocientíficos, é importante retomar estudos da biologia humana e da geografia cerebral, cujas estruturas funcionam em interface com o sistema nervoso, que, diante dos estímulos adequados, são passíveis de potencializar novos comportamentos diante dos diferentes procedimentos de aprendizagem. Em nossa evolução (animais multicelulares), necessitamos de um sistema que transmitisse informações rápidas e efetivas em longas distâncias. Para isso, células se especializaram e se organizaram para agir como canais de comunicação entre os receptores sensoriais, de um lado, e os efetores, de outro. De acordo com Brandão (2004, p.11), “o conjunto dessas células ou neurônios compreende o sistema nervoso. Logo, para conhecermos o funcionamento do sistema nervoso central (SNC) é necessário identificar as relações entre as estruturas que o compõem, sua organização espacial”. 2.1 O Sistema Nervoso Anatomicamente, o sistema nervoso central (SNC) representa uma rede de comunicações do organismo. É formado pelas regiões periférica, medular espinal, do tronco encefálico e cerebelar, e cerebelo. Segundo Lundy-Ekman (2008, p. 04), “o sistema nervoso é constituído de muitos sistemas nervosos cada um deles com funções distintas” e forma, com o sistema nervoso periférico6 e o sistema nervoso7, uma importante estrutura ao controle dos movimentos, pensamentos e memória. É fundamental ao controle do corpo e da mente como um todo. Indiretamente controla também fluxos menores de substâncias químicas do sangue.É no SNC que chegam as informações relacionadas aos sentidos (audição, visão, olfato, paladar e tato) e é dele que partem ordens destinadas aos músculos e glândulas. 6 Sistema que se encontra fora do sistema nervoso central e é constituído de fibras (nervos) gânglios nervosos e órgãos terminais. Diferente do sistema nervoso central, o sistema nervoso periférico não se encontra protegido pela barreira hematoencefálica. É o grande receptor sensorial. 7 Sistema nervoso: conjunto de nervos que enervam todo o corpo humano. Ele monitora e coordena o movimento dos músculos, a movimentação dos órgãos e constrói e finaliza estímulos dos sentidos e inicia as ações humanas (ou outro animal) no mundo. 19 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I Figura 2. Sistema Nervoso/Medula Espinhal. 1 – cérebro; 2 – sistema nervoso central; 3 – espinha dorsal. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sistema_nervoso. Em processo de aprendizagem, a anatomia do cérebro humano funciona como uma rede pulsante de ajustes constantes ao meio ambiente, de forma mutável, e propícia à sobrevivência do aprendente e como espécie. O sistema nervoso central, segundo Damásio (1996) está ‘neuralmente’ ligado a praticamente todos os recantos e recessos do resto do corpo por nervos, que no seu conjunto constituem o sistema nervoso periférico. Os nervos transportam impulsos do cérebro para o corpo e do corpo para o cérebro”. Em torno desta geografia, percebe-se que “cérebro e corpo estão também quimicamente interligados por substâncias, como hormônios e os peptídeos, que são liberadas no segundo e conduzidas ao primeiro pela corrente sanguínea. (DAMÁSIO, 1996, p.47). Como o SNC é um ambiente altamente enervado, os estímulos a que se submete reagem dentro do corpo em três aspectos, segundo Relvas (2005, p.10): » A irritabilidade: quando as células detectam modificações do meio ambiente. » A condutibilidade: quando a sensibilidade celular, causada pelos estímulos, é conduzida à outra parte da célula. 20 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA » A contratilidade: quando a célula responde (reage) ao estímulo, por exemplo, causando o encurtamento da célula (sentido negativo) ou alongamento da célula (estímulo agradável), como um mecanismo de defesa. Quando se estuda o sistema nervoso, observa-se toda a complexidade humana. É um sistema que se retroalimenta, através das células sensoriais (sentidos), que têm a função de identificar os estímulos recebidos. No decorrer da evolução humana, houve necessidade de especialização das células, o que permitiu o transporte das informações recebidas pelos estímulos. Estes, dependendo de seu teor, criam movimentos de repulsão ou de aproximação neuronal à motricidade e à sensibilidade do corpo, da mente e do cérebro humano. O sistema nervoso humano está em constante movimento de ADAPTAÇÃO e APRENDIZAGEM. O SNC, constituído pelo encéfalo e medula espinal, está coberto por três meninges: dura-máter, aracnóide e pia-máter. Anatomicamente, ele está organizado ao longo dos eixos rostrocaudal (‘rostro’ = em direção ao nariz; e ‘causal’ = em direção à causa) e dorsoventral (‘dorso’ = em direção ao dorso; e ‘ventral’ = em direção ao abdome). A forma como o sistema nervoso se apresenta se deve a uma organização particular de suas células. Segundo Brandão (2004, p.11), a disposição dos corpos celulares (soma) e dos prolongamentos (axônios) dos neurônios surgem as diversas estruturas neurais características do sistema nervoso central. Os corpos celulares podem constituir núcleos quando formam aglomerados mais ou menos esféricos, como o núcleo rubro, ou alongados, como o núcleo caudado; córtices ou pálios quando se reúnem em forma de lâminas, casca (do latim córtex) ou manto (do latim pallius); substâncias, aglomerados maiores que os núcleos, mas ainda bem delimitados em uma determinada região, como a substância cinzenta periaquedutal e a substância negra ou complexos, um conjunto de núcleos, como o complexo amigdalóide. Do ponto de vista anatômico, Brandão (2004) afirma que o sistema nervoso é constituído por dois sistemas: » Sistema nervoso central (SNO): está localizado dentro da cavidade craniana (encéfalo) e do canal vertebral (medula espinal). O encéfalo é ainda subdividido em cérebro, tronco encefálico e cerebelo. » Sistema nervoso periférico (SNP): constituído por nervos, gânglios e terminais nervosos. Os gânglios são aglomerados de corpos celulares de neurônios. Os nervos são cordões esbranquiçados que ligam o SNC aos órgãos periféricos. 21 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I Quando a sua origem se dá no encéfalo, ele é chamado de nervo craniano. Se sua origem ocorre na medula espinal, ele é chamado de nervo espinal. Na extremidade das fibras dos nervos situam-se as terminações nervosas que fazem contato com as células efetoras (célula muscular ou glandular) ou com outra célula nervosa. Figura 3. DIVISÃO DO SISTEMA NERVOSO. Fonte: Brandão, 2004, p.13: divisão do sistema nervoso, segundo critérios anatômicos. Figura 4. Metade direita do encéfalo humano. Fonte: Brandão, 2004, p.13: superfície medial da metade direita do encéfalo humano. Do ponto de vista embriológico, Brandão (2004) divide o sistema nervoso em: » Prosencéfalo: corresponde ao cérebro na divisão anatômica e ainda é subdividido em telencéfalo e diencéfalo. » Mesencéfalo: não sofre divisão. 22 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA » Rombencéfalo: subdivide-se em metencéfalo (ponte e cerebelo, na divisão anatômica) e mielencéfalo (bulbo, na divisão anatômica. » Medula espinal: estrutura mais caudal do SNC, recebendo informações da pele, articulações, músculos e vísceras, constitui a estação final para o envio de comandos motores. E a região medial da parte central é chamada de ‘coluna’ ou corno intermédio-lateral. Há terminações nervosas de axônios que trazem informações motoras dos centros superiores e fazem sinapses com os corpos celulares dos chamados ‘neurônios motores ou motoneurônios’. Figura 5. Divisão do Sistema Nervoso. Fonte: Brandão, 2004, p.13: divisão do sistema nervoso, segundo critérios embriológicos e as principais estruturas que originam no indivíduo adulto. Nossas emoções (estímulos) acessam os sentidos, causam excitação (movimentos eletrizantes) em todo o corpo e produzem, no cérebro, mudanças nos comportamentos dos grupos neuronais de acordo com as associações feitas. Em função disso, fazemos escolhas, tomamos decisões, temos sentimentos diferentes, agimos (falamos e escrevemos, por exemplo) e movimentamos o corpo. Dentro da filogenética, o cérebro é analisado como triuno8 e o tronco encefálico é a parte mais primitiva do nosso sistema nervoso central. Herdamos esta estrutura dos répteis, e, por isso, ela também é conhecida como cérebro reptiliano. É parte integrante do encéfalo, tem o formato de uma haste, sob a qual estão o tálamo e o domo dos hemisférios cerebrais. 8 De acordo com Relvas (2007, p.26), filogeneticamente o cérebro pode ser dividido em três unidades: 1- cérebro primitivo (autopreservação, agressão = constituído pelo tronco cerebral e corresponde ao cérebro dos répteis; 2- cérebro intermediário (emoções = formado por estruturas do sistema límbico e corresponde ao cérebro dos mamíferos inferiores; 3- cérebro racional/ superior (tarefas intelectuais = compreende a maior parte dos hemisférios cerebrais; é formado por um tipo de córtex mais recente – neocórtex – e por grupos neuronais subcorticais. 23 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I Resumindo Brandão (2007), na constituição do rombencéfalo, temos: » O bulbo: contém células que levam a informação sensorial para os centros superiores do cérebro e recebem informações dos comandos motores para a medula espinhal. É uma importante estrutura de transporte de informações sensoriais do tronco encefálico e membros para o tálamo. Nele localizam-se o núcleo da rafe, os núcleos reticulares paragigantocelular e gigantocelular, cujas fibras projetam-se à medula espinhal onde atuam no controle descendenteda informação dolorosa que chega à medula. » A ponte: é a porção do tronco encefálico situada ventralmente ao cerebelo, entre o bulbo e o mesencéfalo. Visto de frente, o tronco encefálico tem na ponte sua estrutura mais proeminente. A ponte funciona como estação para as informações provenientes dos hemisférios cerebrais e que se dirigem para o cerebelo. Na transição entre o bulbo e a ponte está localizado o locus coeruleus, principal fonte de inervação noradrenérgica do SNC, que possui importante papel no controle do comportamento emocional e no ciclo sono-vigília. » O cerebelo: não é parte do tronco encefálico, mas em função de sua posição anatômica, para efeito de classificação, ele é normalmente agrupado com a ponte, integrando o metencéfalo. Está conectado à ponte. É constituído pelo vermis e dois hemisférios cerebelares e desempenha um importante papel na regulação dos movimentos finos e complexos, bem como na determinação temporal e espacial de ativação dos músculos durante o movimento ou no ajuste postural. Projeta-se reciprocamente para o córtex cerebral, sistema límbico, tronco encefálico e medula espinal. Figura 6. Esquema do Sistema Nervoso. Fonte: Brandão, 2004, p.16: representação esquemática da organização do sistema nervoso central de um gato. Uma visão de conjunto destas estruturas na sua relação com outras do SNC. 24 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA O mesencéfalo é a porção mais cranial do tronco encefálico. É atravessado pelo aqueduto cerebral. Na parte ventrolateral de cada lado, sobressai-se a substância negra, responsável pela integração de comportamentos defensivos, está envolvida no controle da atividade dos músculos esqueléticos e, através de sua parte ventral, participa dos mecanismos de controle da dor. Destacam-se também os núcleos da rafe, origem da inervação serotoninérgica do SNC e que participam de inúmeros processos comportamentais importantes. E as vias ascendentes atuam na regulação do sono, comportamento emocional e alimentar e as vias descendentes estão envolvidas na regulação da dor. Além de neurônios organizados em núcleos bem definidos que inervam músculos, glândulas e vísceras, o tronco encefálico também contém neurônios organizados funcionalmente, mas sem formar núcleos bem definidos entremeados por fibras de passagem. Estes neurônios constituem a formação reticular (do latim reticulum). Eles têm uma função única no SNC que é a regulação da atividade cerebral envolvida com os níveis de alerta e atenção. O tronco encefálico também contém os núcleos dos 12 pares de nervos cranianos, com a exceção do I (nervo olfatório) e do II (nervo óptico). Como afirma Lundy- Ekman (2008), os nervos cranianos inervam estrutura na cabeça, na face e no pescoço e estão relacionados a três funções principais: » inervação sensorial e motora da cabeça e pescoço; » inervação dos órgãos dos sentidos; » inervação parassimpática dos gânglios autonômicos que controlam importantes funções viscerais, tais como a respiração, pressão arterial, frequência cardíaca e deglutição. O diencéfalo é parte do telencéfalo; está localizado no interior e anterior ao corpo caloso, e superior ao mesencéfalo; e, segundo Lent (2008, p.30), “é constituído por numerosos núcleos e feixes que podem ser grupados topograficamente em tálamo, epitálamo (acima do tálamo), subtálamo, hipotálamo e hipófise”. Observações sobre estas estruturas: » Tálamo (em grego significa ‘antecâmera’): processa e funciona como relê das informações sensoriais provenientes das regiões mais caudais do sistema nervoso e que se dirigem para o córtex cerebral. Há conexões com o córtex cerebral através dos hemisférios cerebrais. Há núcleos talâmicos de projeção e regulação da emoção por transportarem informação do tálamo para o giro do cíngulo (uma estrutura do sistema límbico) e outras estruturas cerebrais 25 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I ligadas às sensações como dor, temperatura, pressão e tato. É também a presença da glândula pineal que produz o hormônio chamado ‘melatonina’, regulador de ciclos fisiológicos. » Subtálamo: situa-se caudalmente ao tálamo e lateralmente ao hipotálamo. Algumas estruturas mesencefálicas, como o núcleo rubro, a substância negra e a formação reticular, se estendem até o subtálamo. De acordo com Lent (2008), o principal componente do subtálamo é o núcleo subtalâmico de Luys, envolvido na regulação da postura e do movimento. E, segundo Brandão (2004, p. 19), “lesões desse núcleo resultam em uma síndrome típica denominada hemibalismo, caracterizada por movimentos anormais involuntários das extremidades e do tronco”. » Hipotálamo: situado ventralmente ao tálamo; constitui menos de 1% do volume total do encéfalo; contém inúmeros circuitos neuronais relacionados às funções vitais e estes regulam a temperatura corporal, frequência cardíaca, pressão arterial, osmolaridade sanguínea, ingestão de alimento e água. De acordo com Brandão (2004), “seus mecanismos agem em conjunto no sentido de preservar as condições constantes do meio interno, um processo denominado de homeostasia por Cannon, assegurando as condições necessárias para uma vida livre e independente”. Sua influência atinge três sistemas, ainda de acordo com Brandão (2004): » - o sistema endócrino (controlando as funções da hipófise); » - o sistema nervoso autônomo (originando o sistema simpático e parassimpático); » - o sistema motivacional (através de suas conexões com outras estruturas que constituem o sistema límbico). » Hipófise: há uma conexão entre o hipotálamo e a hipófise. É também chamada de glândula pituitária ou glândula ‘mestra’ do organismo, ou ainda ‘casa da inteligência’. É do tamanho de uma noz. Situa-se no interior da caixa craniana. Ela coordena o funcionamento das demais glândulas, mas não é independente: ela obedece aos estímulos do hipotálamo. O conjunto de neurônios desta estrutura favorece ou inibe a liberação de hormônios aí produzidos e estes atuam na regulação do funcionamento das glândulas sexuais, da tireoide, do córtex adrenal, do crescimento ósseo, dentre outros. Há liberação também de vasopressina e ocitocina em sua drenagem venosa. Em resumo, “hipotálamo e a hipófise funcionam como um sistema de integração e saída para todo o SNC. A relação entre as funções hipotalâmicas e hipofisárias fica evidente quando observamos que certos 26 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA distúrbios endócrinos cursam com sintomas psiquiátricos e que alguns distúrbios psiquiátricos são acompanhados de perturbações endócrinas”. (BRANDÃO, 2004, p.19). Enfim o telencéfalo: este é o nome dado aos hemisférios cerebrais separados por uma fissura longitudinal superior (corpo caloso). Para Lent (2008, p.30), é a parte mais volumosa do encéfalo humano, e pode ser dividido em núcleos da base (conjunto de estruturas de substância cinzenta que se posicionam entre o diencéfalo posterior e medialmente, e o córtex cerebral, anterior e lateralmente. Destacam-se entre os núcleos: o caudado e o putamên, que juntos são chamados de corpo estriado; e o globo pálido, que pode ser associado ao putamên e então, denominado núcleo lentiforme. Todos tem participação importante na coordenação dos movimentos, junto com o cerebelo e o córtex cerebral) e córtex cerebral (importante pelo volume pelo número, diversidade e complexidade das funções que realiza. É o córtex cerebral, em última instância, que interpreta as informações sensoriais gerando as percepções de que somos capazes; é ele também que planeja, programa e envia à medula os comandos para a motricidade; além de conter muitos arquivos da memória. Ainda segundo Lent (2008, p.32), o córtex cerebral (hemisférios) tem alguns giros e sulcos importantes. São eles: o sulco longitudinal, que separa os hemisférios; o sulco lateral, que separa o lobo temporal dos lobos frontal e parietal; o sulco central, que delimite o lobo frontal do parietal e separa o giro pré-central (que aloja a área motora primária)do giro pós-central (no qual se localiza a área somestésica primária); e o sulco calcarino, na face medial do córtex, em cujas margens e fundo se situa a área visual primária. Ao falarmos do telencéfalo, devemos falar também do córtex cerebral. Em seu livro “As bases biológicas do comportamento”, Brandão (2004) se refere ao córtex cerebral como uma estrutura pertencente aos homens e animais superiores. Importante observar as complexas circunvoluções do cérebro em que há camadas múltiplas de neurônios interconectados. É a estrutura mais nova do cérebro em termos evolucionários (neocórtex) e é bem desenvolvida somente em mamíferos. O neocórtex representa a maior parte do cérebro humano, contém, 27 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I aproximadamente 86 bilhões de neurônios e está subdividido em lobos frontal, parietal, temporal e occipital, em função dos sulcos cerebrais e da topografia óssea. (BRANDÃO, 2004, p.39). Como observamos até aqui, seres humanos são complexos no funcionamento de sua biologia pelo trabalho dos estímulos recebidos, já que estes engatilham informações genéticas e modificam formas de ativações e associações por dentro das vias neuronais e a partir delas. É um movimento constante que perpassam ambos os LOBOS cerebrais, da esquerda para a direita, com a influência atuante do CORPO CALOSO e dos hemisférios. Diversas áreas corticais se aproveitam das diversas associações relacionadas aos impulsos sensitivos para distribuir, integrar e decodificar informações até o acontecimento da atividade motora: a resposta e/ou um comportamento. 2.2 Mas o que são LOBOS? Tabela 1. Lobos Cerebrais. LOBOS CARACTERÍSTICAS LOBO FRONTAL Córtex pré-frontal e motor (testa): relacionado às funções superiores; recebe impulsos nervosos dos lobos parietal e temporal por meio de ligações do giro cíngulo. Responsável pelo planejamento de ações e movimento; a fluência do pensamento e da linguagem; as respostas afetivas; o julgamento social; a vontade e determinação; e o pensamento abstrato e criativo. Lesões aqui determinam fraqueza muscular ou paralisia; insistência em estratégias que não funcionam; dificuldade em desenvolver uma sequência de ações corretas; perda da concentração; diminuição da habilidade intelectual; há perturbação da velocidade de movimentos automáticos como fala e gestos; e déficit de memória e julgamento. LOBO TEMPORAL Localizada acima das orelhas. Função principal de processar os estímulos auditivos. Tal e qual os lobos occipitais, as informações são processadas por associação. Possui funções situadas em porções diferentes. Parte posterior relacionada a recepção e a decodificação de estímulos auditivos. Parte anterior relacionada à atividade motora visceral (olfação e gustação) e a alguns comportamentos instintivos. LOBO PARIETAL Localiza-se na região superior do cérebro. Está relacionada à interpretação, à integração de informações visuais (provenientes do córtex occipital), e permite ao indivíduo se localizar no espaço, reconhecer objetos através do tato etc; e às somatossensitivas primárias (possibilita a percepção das sensações), principalmente, o tato, a dor e o calor; também é responsável, pela interpretação de dados captados pelos lábios, língua e garganta. Lesão do lobo parietal causa perda do conhecimento geral, inadequação do reconhecimento dos impulsos sensoriais e falta de interpretação das relações espaciais (visual, espacial e motora). LOBO OCCIPTAL Localiza-se na parte inferior do cérebro e cobertos pelo córtex cerebral. Esta região realiza a integração visual a partir da recepção dos estímulos que ocorre em áreas primárias, a partir do tálamo. Por comparação permite ao aprendente identificar um gato, uma moto ou uma maça. Leva em consideração experiências passadas e expectativas futuras. Seus centros visuais são conectados por fibras intra-hemisféricas ao lobo parietal. Lesão nessa área impossibilita o reconhecimento de objetos; palavras; às vezes, rostos de pessoas conhecidas ou de familiares: é a chamada agnosia. Fonte: RELVAS, 2007, pp.36/37. 28 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA Figura 7. Anatomia (Lobos Cerebrais). Fonte: http://www.infoescola.com/anatomia-humana/lobos-cerebrais/. ATENÇÃO: de todas as estruturas do cérebro, apenas o córtex pré-frontal é uma das últimas a se desenvolver e está embutido em uma rede tão rica de caminhos neurais cuja conectividade favorece a coordenação e a integração do trabalho de todas as outras estruturas cerebrais: é o regente da orquestra nervosa. Esta extrema conectividade também coloca os lobos frontais em um risco particular para doenças. Como afirma Goldberg (2002, p.58), “como em organizações políticas, econômicas e militares, o líder é, em última instância, responsável pelos erros dos subordinados”. A partir da excitação dos sentidos, o corpo caloso e os hemisférios cerebrais criam uma onda sucessiva de atividades no córtex cerebral. As áreas sensoriais primárias projetam-se para as secundárias, e estas para as terciárias, numa sequência associativa extremamente complexa, logo produzindo respostas singulares. Para cada região cortical, de acordo com Relvas (2007), há funções pertinentes, a saber: Tabela 2. Áreas Corticais e suas Funções. ÁREAS CORTICAIS FUNÇÕES CÓRTEX MOTOR PRIMÁRIO (giro pré-central) Inicia o comportamento motor voluntário CÓRTEX SENSITIVO PRIMÁRIO (giro pós-central) Recebe informações sensitivas do corpo CÓRTEX VISUAL PRIMÁRIO Detecta estímulos visuais CÓRTEX AUDITIVO PRIMÁRIO Detecta estímulos auditivos CÓRTEX DE ASSOCIAÇÃO MOTORA (área pré-motora) Coordena movimentos complexos 29 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I ÁREAS CORTICAIS FUNÇÕES CENTRO DA FALA (área de Broca) Produção da fala articulada CÓRTEX DE ASSOCIAÇÃO SOMESTÉSICA Base do esquema corporal ÁREA DE ASSOCIAÇÃO VISUAL Processa a visão complexa ÁREA DE ASSOCIAÇÃO AUDITIVA Processa a audição complexa ÁREA DE WERNICKE Compreensão da fala ÁREA PRÉ-FRONTAL Planejamento, emoção, julgamento ÁREA TEMPORAL E PARIETAL Percepção espacial Fonte: RELVAS, Marta, 2007, p.37. Porém para que toda essa arquitetura se dê em harmonia e de acordo com o que estabelece a natureza da biologia humana, é de fundamental importância a ação do corpo caloso, poderoso sistema de ligação entre os dois hemisférios. Em conexão ao corpo caloso estão a fôrnix (feixe de fibras que se projeta do hipocampo para o hipotálamo) e o septo pelúcido (duas lâminas delgadas, de substância nervosa, uma de cada lado, favorecendo e ampliando a ação do corpo caloso). Figura 8. Hipocampo. Fonte: http://www.psicoactiva.com/atlas/hipocamp.htm. Em cada hemisfério há duas massas neuronais. Ambas encurvadas e mergulhadas no córtex temporal: é o hipocampo e a área septal. Este conjunto de estruturas tem grande importância para as funções cognitivas, particularmente na análise de informação espacial, na consolidação da memória e integração do comportamento emocional. O hipocampo, de acordo com Lundy-Ekman (2008, p.366), “é assim chamado por sua semelhança com um cavalo marinho; está localizado nos lobos temporais; é formado pelas substâncias cinzenta e branca de dois giros do lobo temporal”; e é considerado a sede da memória (junto com o córtex frontal). O hipocampo tem uma ligação direta com a amígdala, “coleção de núcleos, em forma de amêndoa, localizada profundamente no lobo temporal” (LUNDY-EKMAN, 2008, p.366). 30 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA Em muitos estudos neurológicos, o hipocampo tem suas funções também relacionadas ao comportamento e às decisões; e também, em conjunto com a área septal, através do giro supra caloso, ele pode estar relacionado ao sistema de inibição comportamental ativado por situações de estresse emocional ou ansiedade. Na escala filogenética, o hipocampo surge nos mamíferos mais primitivos, sendo, por isso, chamado de ARQUICÓRTEX. Figura 9. Telencéfalo. Fonte: http://www.auladeanatomia.com/neurologia/telencefalo.htm. Uma das grandes diferenças entre os comportamentos dos mamíferose dos répteis, por exemplo, está na participação das emoções no processo de aprendizagem. As emoções têm origem nas estruturas mais primitivas do cérebro, como o tronco encefálico, o cerebelo, o mesencéfalo e os bulbos olfatórios. Em funcionamento integrado, elas comporão nosso raciocínio, equilíbrio ou pensamento lógico, por exemplo; e manterão nossos comportamentos primitivos básicos como autopreservação, agressão etc. Daí o reconhecimento do envolvimento do cérebro emocional nas condutas ‘reptilianas’ (primitivas). Outra região importante, constituída de células cinzentas (neurônios), é a região límbica (ou lobo límbico ou sistema límbico), e uma das estruturas principais deste sistema são as amígdalas cerebrais ou cerebelosas. Do grego amêndoas, estas estruturas são grupos de neurônios que, juntos, formam uma massa de substância cinzenta, perto do lobo temporal de grande parte dos vertebrados, incluindo o ser humano. Especificamente, no ser humano, a amígdala é um complexo de vários núcleos chamados, em conjunto, de complexo amigdaloide, 31 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I basicamente conectado com o hipotálamo e o tronco encefálico, de um lado; e de outro, com o tálamo e partes do córtex cerebral. Figura 10. Sistema Límbico e suas estruturas. Fonte: http://neuroinformacao.blogspot.com/2012/08/o-sistema-limbico.html. Nós estamos na seara do sistema límbico, substrato anatômico das emoções. Atualmente, vários autores concordam que a amígdala está envolvida na aprendizagem e memória de informações condicionadas aversivas. É importante regulador do comportamento sexual, dos sentimentos e da agressividade (medo e ira)9 e das exteriorizações de humor, além de um centro identificador do perigo, da autopreservação, das situações de alerta para luta e/ou fuga. Quando lemos sobre MEMÓRIA EMOCIONAL, lembre-se das amígdalas. É uma resposta subliminar à consciência, ainda que seja controlado pelo cérebro, promovendo reações cognitivo-comportamentais que tem em conta o registro emocional das experiências prévias. A anatomia da aprendizagem se confunde amplamente com a anatomia do sistema nervoso central, tendo em vista que aprender é vivenciar alterações sensórias e nervosas em todo o cérebro humano. Essas alterações causarão a chamada PLASTICIDADE CEREBRAL (ou neuroplasticidade), “capacidade adaptativa do SNC e sua habilidade de modificar sua organização estrutural própria e funcionamento. É a propriedade do sistema nervoso que permite o desenvolvimento de alterações estruturais em resposta à experiência, e como adaptações mutantes e a estímulos repetidos” (RELVAS, 2005, p.43). Aprender, quando se estuda o funcionamento do sistema nervoso, é compreender a sinergia complexa de toda essa estrutura, a partir dos desafios/estímulos. Essa integração, junto ao córtex pré-frontal e sistema límbico (e o giro cíngulo) nos dá a 9 Observação: a ablação bilateral da amígdala cerebelosa origina a Síndrome de Kluver-Bucy, caracterizada pela ausência de respostas agressivas, pela cortesia exagerada, oralidade e pela hipersexualidade. 32 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA oportunidade de conhecer pessoas e objetos, além de ter diferentes comportamentos emocionais. Cada estrutura, em conjunto estreito, recebe e/ou agencia todas as nossas funções superiores, incluindo os estados afetivos e as sensações de recompensa. Este circuito (ou sistema) de recompensa nos proporciona satisfações da fome e da sede; e recompensas relacionadas ao prazer e bem-estar (sexo). Dessa área (próxima ao sistema límbico) partem grupos de neurônios, em direção ao nucleus accumbens (relacionado ao prazer e ao comportamento emocional), núcleo neural situado na base do cérebro, logo à frente dos chamados núcleos da base, importantes formações neurais relacionadas aos movimentos, entre outras funções. Sem o Circuito de Recompensa (e o neurotransmissor chamado ‘dopamina’), os organismos perderiam o interesse pela vida e se tornariam incapazes de manter um autossuporte de subsistência ou de atividades reprodutivas ou de aprendizagem em geral. 33 CAPÍTULO 3 BASES FISIOLÓGICAS DA APRENDIZAGEM Somos humanos perceptivos e emocionais. Nosso sistema nervoso é uma engrenagem capaz de perceber estímulos diversos do meio ambiente externo e interno do organismo. A genética e o meio ambiente interveem e interferem no movimento das células nervosas, analisando, variando, intensificando, localizando e qualificando as informações até sua representação: o comportamento adequado ou não. De acordo com Brandão (2004), este é um ciclo chamado de “arco reflexo” e suas variações são chamadas de estímulos. Estes estímulos são percebidos por estruturas especializadas do sistema nervoso: as células sensitivas ou os receptores sensitivos. Em cena, os órgãos sensoriais (olhos, mãos, ouvidos, língua). Aprender, então, se torna um comportamento de um indivíduo frente a um estímulo cujos resultados podem ser dor, frio, força, dilatação dos olhos, nojo etc. Para aprender, eletriza-se o sistema nervoso (nervos): estimulamos células efetoras (músculos ou glândulas) e células receptoras. As descargas de energia (estímulos) tornam-se IMPULSOS NERVOSOS e cada impulso se constitui em POTENCIAL DE AÇÃO. Os sinais captados pelos órgãos receptores são transmitidos pelos nervos aos centros superiores do cérebro, principalmente o córtex cerebral, onde são analisados. Resultado? As experiências conscientes da visão, temperatura e tato, ou seja, os sentidos e estes geram sensações como resposta aos estímulos. Aprender se articula dentro de um conjunto ininterrupto de estímulos que “vibram” as células especializadas por informações semelhantes. Mas como as informações e conteúdos se transformam em conhecimento consolidado no cérebro? O cérebro é constituído de 86 milhões de neurônios especializados ou não, em rede complexa de interligações incontáveis e intrincadas. Juntamente com as células gliais (ou neurogliais)10, forma-se o tecido nervoso e com prolongamentos variados. Estes prolongamentos, chamados de dendritos e axônios11, podem ser 10 A célula glia ou neuroglia é segundo elemento importante na manutenção da integridade do neurônio; está localizada fora do neurônio; se distribuem amplamente no SNC; e se diferenciam dos neurônios por serem menores e não gerarem sinais elétricos. Existem dois tipos principais de células gliais: a macróglia e a micróglia (estas mobilizadas em presença de lesão, infecção ou doença). 11 Em suas palestras, a Profª Marta Relvas faz a seguinte metáfora: olhe a palma de sua mão, o centro de sua mão é o chamado pericário (o núcleo do neurônio), ali estão todas as informações específicas daquele neurônio. Da palma da mão, saem seus dedos, estes são os dendritos, prolongamentos que recebem os estímulos do ambiente, células epiteliais sensoriais e outros neurônios. E, por fim, observe seu braço e antebraço, este é o axônio, um prolongamento único condutor dos impulsos nervosos a outras células, como as musculares, glandulares ou mesmo outros neurônios. 34 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA locais, propagando-se dentro de suas imediações; ou muito longos, interligando estruturas neurais distantes do cérebro. É responsável pela condução do impulso nervoso; é capaz de responder aos estímulos do meio (luz e calor; frio e quente; p.ex.). Segundo Relvas (2005, p.12), os nervos (conjunto de neurônios) podem ser divididos em nervos que levam informação para o SNC e nervos que levam informação do SNC. Os primeiros são chamados fibras aferentes e os últimos de fibras eferentes. As fibras aferentes enviam sinais dos receptores (células que respondem ao estímulo sensorial nos olhos, ouvidos, pele, nariz, músculos, articulações) para o SNC. As fibras eferentes enviam sinais do SNC para os músculos e as glândulas, provocando a motricidade dos mesmos. Esse movimento, de novo bastante sinérgico, se chama de PLASTICIDADE NEURAL ou NEUROPLASTICIDADE. É um movimento que consolidaa aprendizagem e que, para tal, exige repetições variadas e constantes. Por repetição, gera-se impulsos eletroquímicos no cérebro, de maneira que as informações se consolidem como memória de trabalho. O cérebro humano é flexível/moldável: os estímulos criam movimentos dirigidos à aprendizagem, o que favorece a transferência de informações até que se tornem conhecimento. Por exemplo: uma pessoa que aprendeu a dirigir não precisa passar por todas as horas de treinamento a cada vez que precisa manobrar um carro de outra marca ou numa outra rua; ou, a partir do momento que alguém aprender a andar de bicicleta, nunca mais esta informação será esquecida. Por repetição significativa, o cérebro aprende, e a informação será lembrada quase automaticamente. Aprender é resultado do confronto com o desconhecido. 3.1 NEURÔNIOS: importantes à aprendizagem Figura 11. Neurônios. Fonte: http://www.infoescola.com/sistema-nervoso/neuronios/. 35 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I Em Relvas (2005, p.13), encontra-se a seguinte organização: o neurônio é formado de três partes: » Corpo celular: contém o núcleo celular e dele parte os prolongamentos, as vezes semelhantes a pequenos arbustos. » Dendritos: prolongamentos que recebem informações provenientes dos demais neurônios a que se associa. O grande número de dendritos permite multiplicar as possibilidades de receber informações aferentes. » Axônio: prolongamento longo e fino, que se ramifica pouco no trajeto e muito em sua terminalidade, e de onde “saem informações eferentes dirigidas às outras células de um círculo neural, elaborando, então, as respostas aos estímulos recebidos pelos sentidos”. Os prolongamentos são revestidos por um tecido adiposo branco, a bainha de mielina12, que facilita a passagem dos sinais elétricos gerados dentro dos neurônios (potenciais de ação). Processos neurais que exigem rapidez de conexão no arco reflexo, como os ajustes posturais, o reflexo de retirada frente a um estímulo nociceptivo etc., são supridos por fibras mielínicas. Por outro lado, os processos neurais que não necessitam de grande velocidade e precisão, como o controle dos movimentos no tubo digestivo, o controle neural da produção das secreções das glândulas endócrinas e exócrinas, são controlados por fibras nervosas amielínicas (fibras nervosas que não possuem bainha de mielina, porém ocupam menos espaço e produzem potenciais de ação com menor gasto de energia). (BRANDÃO, 2004, p.33). Os neurônios e as conexões locais curtas formam, conjuntamente, a massa cinzenta (setores escuros e corresponde em grande parte a grupos de corpos celulares dos neurônios), e os longos prolongamentos mielinizados compõem a massa branca (setores claros e corresponde, em larga medida, aos axônios ou fibras nervosas, que saem dos corpos celulares – é a ‘cor da mielina’). Cada neurônio é interligado com uma miríade de outros neurônios, resultando em padrões intrincados de interações. Desse modo, é construída uma rede de complexidade surpreendente a partir de elementos relativamente simples. 12 A bainha é formada pela sobreposição de camadas concêntricas de uma substância lipídica, denominada mielina, em torno dos axônios, a partir de sua própria membrana celular, que se funde, tornando-a semelhante a uma bainha. Ela tem interrupções a intervalos regulares, dando origem aos chamados nódulos de Ranvier cujas fibras nervosas permitem uma propagação em alta velocidade do impulso nervoso. Nas fibras mielinizadas mais grossas, tal velocidade atinge valores de 120 m/s. 36 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA Embora o sinal gerado dentro de um neurônio seja elétrico, a comunicação entre neurônios acontece quimicamente. Os múltiplos sistemas bioquímicos do cérebro estão interligados e entrelaçados com a complexidade estrutural descrita acima. As substâncias bioquímicas, chamadas de neurotransmissores e neuromoduladores, permitem a comunicação entre os neurônios. Nesta perspectiva, um sinal elétrico (potencial de ação) é gerado dentro do corpo do neurônio e viaja ao longo do axônio até alcançar o terminal, o ponto de contato com um dendrito, um prolongamento ou caminho que leva a outro neurônio. No ponto de contato, há uma brecha, chamada de sinapse. Figura 12. Sinapse. axônio; 2- informações importantes; 3- ativação de outro axônio. Fonte: http://neuroinformacao.blogspot.com.br/2012/01/o-que-e-uma-sinapse.html. Entre os prolongamentos neuronais ocorre a sinapse. É um meio de conexão das informações recebidas pelos sentidos para dentro do cérebro, e, em reação, estimulam-se as vias neurais dentro do sistema nervoso, causando comportamentos motores, pensamentos, sentimentos e até sonhos. Importante reconhecer-se, neste momento, que, a partir da formação e consolidação de sinapses, é que se formam nossas memórias de longo e curto prazos. Estas conexões sinápticas podem ser químicas e elétricas. » Sinapses elétricas: as correntes iônicas passam diretamente pelas junções comunicantes (região de aproximação entre duas células) para outras células; é ultrarrápida, já que o sinal passa praticamente inalterado de uma célula a outra. 37 NEUROCIÊNCIA | UNIDADE I » Sinapses químicas: a transmissão do sinal através da fenda sináptica (região de aproximação entre duas células, bem maior que as junções comunicantes) é feita através de neurotransmissores. Segundo Relvas (2005) esta pode ser excitatória ou inibitória. Uma acontece quando ocorre um aumento no estímulo recebido pelo neurônio pós-sináptico; e outra acontece quando ocorre uma diminuição do estímulo no neurônio pós-sináptico. A chegada do potencial de ação libera pequenas quantidades de substâncias químicas (neurotransmissores), que viajam para o outro lado da sinapse, como jangadas que cruzam o rio e se ligam aos receptores, moléculas altamente especializadas que estão do outro lado da brecha. Quando isto é realizado, os neurotransmissores são destruídos na sinapse com a ajuda de enzimas especializadas. Entrementes, a ativação de receptores pós-sinápticos resulta em outro evento elétrico, um potencial pós-sináptico. Diversos potenciais pós- sinápticos ocorrendo juntos resultam em outro potencial de ação, e o processo é repetido milhares e milhares de vezes, tanto em caminhos paralelos como nos sequenciais. Isto permite informações em código de assombrosa complexidade. Aprender é uma questão de conexões neuronais; e mais, aprender é uma questão de foco, organização e ritmo neural (RELVAS, 2012). Entender as ações dos neurônios é a chave para se entender o ser humano em sua estrutura biológica, psicológica e social, além de suas formas de integração, interação e mediação nos diferentes ambientes. 3.2 Mas o que são os NEUROTRANSMISSORES? De acordo com Lent (2001, p.108) os neurotransmissores são de três tipos químicos: aminoácidos (moléculas orgânicas diminutas), aminas (muito utilizadas na produção de compostos orgânicos e purinas (peptídeos = grandes moléculas guardadas e liberadas em grânulos secretores); são peças-chaves às sinapses; são mensageiros entre os neurônios; são substâncias químicas que facilitam a transmissão de impulsos nervosos através das sinapses; ainda que cada neurotransmissor tem uma função específica dentro do sistema em que estiver. Podem ser inibitórios de ações dos outros neurônios, como o ácido gama-amino-butírico (ou GABA), a glicina e a substância P; e excitatórios, que, do contrário, excitam e ativam as outras terminações neuronais, como o glutamato, e em certas situações a dopamina. 38 UNIDADE I | NEUROCIÊNCIA Para serem liberados necessitam estar em vesículas ou pequenas bolhas dentro das membranas pré-sinápticas. Quando o potencial de ação, a descarga elétrica, chega a esta terminação, as vesículas grudam-se à parede do terminal e liberam os neurotransmissores na fenda sináptica. Além destes, o óxido de acetilcolina, a adenosina e nítrico são alguns outros neurotransmissores notáveis. Através