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FUNDAMENTOS DA ASTRONOMIA AULA 6 Prof. Daniel Guimarães Tedesco 2 CONVERSA INICIAL A observação astronômica avançou dos árabes na Idade Média para os europeus no século XI, dependendo exclusivamente da visão humana até a invenção do telescópio por Hans Lippershey, no século XVI. Galileu Galilei notavelmente aprimorou e utilizou o telescópio para explorar o céu, introduzindo o uso de telescópios refratores. Mais tarde, Isaac Newton desenvolveu o telescópio refletor, ainda usado em observatórios modernos como o Hubble. Telescópios convencionais captam apenas luz visível, mas os corpos celestes emitem em todo o espectro eletromagnético, levando ao desenvolvimento de radiotelescópios que descobriram a radiação cósmica de fundo, crucial para a teoria do Big Bang. A magnitude aparente mede o brilho das estrelas, como Sirius, a mais brilhante no céu noturno, enquanto a espectroscopia permite análises químicas detalhadas, revelando a composição de estrelas distantes. Esta etapa foca em instrumentos e técnicas astronômicas, abordando desde o impacto dos experimentos de Galileu, até o uso e funcionamento de telescópios e radiotelescópios, além de técnicas como fotometria e espectroscopia. TEMA 1 – GALILEU, O TELESCÓPIO E AS DISTÂNCIAS A prática da observação astronômica ganhou um caráter mais sistemático com os árabes do século VII, que se basearam nas medições precisas de estrelas e planetas de Ptolomeu para estabelecer observatórios em cidades- chave como Bagdá (Iraque), Damasco (Síria) e Cairo (Egito). Inventos como o astrolábio e a ampulheta surgiram para aprimorar a precisão dessas observações, sendo posteriormente introduzidos na Europa no século XI, contribuindo para a evolução da astronomia (Determann, 2019). Embora Leonard Digges tenha descrito, em 1571, um mecanismo precursor do telescópio, foi Galileu Galilei quem, em 1610, efetivamente utilizou um telescópio de construção própria para observações celestes. A invenção do telescópio, contudo, é atribuída a Hans Lippershey (1570-1619), e não a Galilei, que apenas aprimorou o dispositivo para obter um aumento de até 30 vezes. Esse aprimoramento marcou um avanço significativo, permitindo observações astronômicas mais detalhadas e precisas (King, 2000; Strano, 2009). 3 Este desenvolvimento histórico dos instrumentos astronômicos, desde os avanços iniciais na civilização islâmica, até as inovações europeias no uso do telescópio, destaca a contribuição contínua de diversas culturas para o campo da astronomia. Esses progressos expandiram nossa capacidade de observar o universo, lançando as bases para os modernos estudos astronômicos e a compreensão do cosmos. 1.1 Telescópios refratores e refletores O telescópio de Galileu, desenvolvido entre 1609 e 1610, consistia em uma combinação de uma lente convexa e uma lente côncava. Johannes Kepler, em seu livro Dioptrice, de 1611, propôs uma inovação ao sugerir a utilização de duas lentes convexas no design dos telescópios, o que é adotado até os dias atuais. Isaac Newton, em 1668, introduziu o conceito de telescópios refletores (catóptricos), que utilizam um espelho curvo (paraboloide ou hiperboloide) em vez de lentes, como nos telescópios refratores de Galileu e Kepler. Esse design é empregado em todos os observatórios profissionais atuais. Figura 1 – Telescópio de Galileu e Kepler Crédito: RADZAS2008/Shutterstock. 4 Newton identificou que a luz branca é composta por diferentes tipos de raios, cada um sendo refratado em ângulos ligeiramente diferentes e produzindo cores espectrais variadas. Ele concluiu, de forma equivocada, que os telescópios refratores sempre sofreriam de aberração cromática. Figura 2 – Aberração cromática Crédito: N BR/Shutterstock. Para superar esse problema, Newton propôs e construiu um telescópio refletor com apenas 15 cm de comprimento, utilizando um espelho plano inclinado a 45° para redirecionar a imagem para uma ocular localizada lateralmente no telescópio. Esse design gerava imagens nove vezes maiores do que as de um refrator quatro vezes mais longo, embora os espelhos esféricos da época produzissem imagens com aberração esférica. 5 Figura 3 – Telescópio de Newton Crédito: RADZAS2008/Shutterstock. Estudos recentes analisam a aberração cromática na lente ocular de telescópios antigos e a evolução do design óptico dos telescópios, confirmando e expandindo o entendimento das contribuições de Galileu, Kepler e Newton na óptica e design de telescópios (Rudd, 2007; Dupré, 2008; Malet, 2003). Para observações de grandes campos, os telescópios catadióptricos, como os do tipo Schmidt-Cassegrain, desenvolvidos pelo estoniano Bernhardt Voldemar Schmidt, em 1934, e os Maksutov, criados pelo russo Dmitri Maksutov, são preferencialmente utilizados devido a sua combinação de espelhos e lentes corretoras. Os telescópios Maksutov se assemelham aos Schmidt, mas apresentam uma placa de correção curvada, o que proporciona maior campo de visão e contraste. 6 Figura 4 – Telescópio tipo Schmidt-Cassegrain Créditos: ASTROSKEPTIC/Shutterstock; LISHENG2121/Shutterstock. Além disso, muitos observatórios empregam o foco Coudé em seus telescópios equatoriais, permitindo que um conjunto de espelhos direcione a luz para uma posição com grande distância focal e, consequentemente, grande aumento. Esta configuração, desenvolvida por Maurice Loewy no Observatório de Paris em 1880, facilita observações detalhadas ao permitir que a luz seja direcionada através de um furo no eixo polar do telescópio. Para montagens altazimutais, a luz pode ser direcionada ao longo do eixo de altura para um dos dois focos Nasmyth, uma inovação de James Nasmyth. Figura 5 – Diferenças entre o Foco Coudé e Cassegrain Fonte: Kurek et al., 20161. 1 Disponível em: . Acesso em: 8 mar. 2024. 7 Estes avanços no design dos telescópios têm permitido observações astronômicas mais precisas e abrangentes, contribuindo significativamente para o progresso da astronomia e a exploração do universo. 1.2 Medição de distâncias e a paralaxe Na astronomia, usa-se uma triangulação para medir os objetos astronômicos. Vamos propor rapidamente uma medida de distância de uma árvore situada além de um rio, sem a pretensão de atravessar a nado para essa medida (Kepler; Saraiva; Müller, 2014) Figura 6 – Medição de distância por triangulação Fonte: Saraiva; Oliveira Filho; Müller, S.d.2 Ao observar uma árvore a partir de dois pontos diferentes, B e C, é possível formar o triângulo 𝑨𝑨𝑨𝑨𝑨𝑨, e um secundário 𝑫𝑫𝑫𝑫𝑨𝑨. utilizando o princípio da proporção entre triângulos semelhantes: 𝑨𝑨𝑨𝑨 𝑫𝑫𝑫𝑫 = 𝑨𝑨𝑨𝑨 𝑫𝑫𝑨𝑨 → 𝑨𝑨𝑨𝑨 = 𝑨𝑨𝑨𝑨 ∙ 𝑫𝑫𝑫𝑫 𝑫𝑫𝑨𝑨 = 𝒅𝒅 determinando, assim, a distância 𝒅𝒅, que corresponde ao segmento AB. Usando a trigonometria e definindo 𝒑𝒑 como o ângulo entre 𝑨𝑨𝑨𝑨 e 𝑨𝑨𝑨𝑨 𝒅𝒅 = 𝑨𝑨𝑨𝑨 𝐭𝐭𝐭𝐭𝒑𝒑 2 Disponível em: . Acesso em: 8 mar. 2024. 8 Esse ângulo representa a variação na orientação da árvore relativa ao cenário de fundo, conforme se move de B para C. A alteração aparente na posição de um objeto, provocada pelo deslocamento do ponto de observação, é conhecida como paralaxe. Outro exemplo interessante remete a um caso de paralaxe utilizada frequentemente. Figura 7 – Exemplo de paralaxe Fonte: Saraiva; Oliveira Filho; Müller, S.d. A Figura 7 exemplifica a paralaxe através de uma fotografia de uma bolinha posicionada diante de dois objetos distantes, capturada de dois ângulos diferentes. Esse movimento do fotógrafo altera a perspectiva da bolinha em relação aos objetos ao fundo, criando a impressão deque ela se move entre eles. Esse fenômeno demonstra a paralaxe como o deslocamento aparente de um objeto causado pela mudança de posição do observador. Para determinar o ângulo de deslocamento de um objeto com precisão, é essencial usar como referência um ponto fixo, significativamente mais distante. A figura descreve esse método, no qual o objeto de interesse (O), a distância desejada (d) e o deslocamento do observador (2D) formam um triângulo paraláctico. As mudanças de ângulo vistas de diferentes pontos da linha de base (2D) permitem calcular a paralaxe 𝒑𝒑, que é diretamente proporcional à distância 𝒅𝒅 até o objeto, usando a fórmula 𝒅𝒅 = 𝑫𝑫 𝒕𝒕𝒕𝒕𝒑𝒑 → 𝒅𝒅 = 𝑫𝑫 𝒑𝒑 Em contextos como a astronomia, na qual as distâncias são vastas e os ângulos de paralaxe 𝒑𝒑 são minúsculos, a tangente pode ser aproximada ao seu 9 valor em radianos. Portanto, a distância até um objeto astronômico pode ser calculada como 𝒅𝒅 = 𝑫𝑫 / 𝒑𝒑 (𝒑𝒑 em radianos), simplificando a medição de distâncias astronômicas extensas. 1.2.1 Paralaxe geocêntrica (paralaxe diurna) Antes da invenção dos radares, os astrônomos determinavam a distância de corpos celestes próximos à Terra utilizando a técnica de paralaxe, que consiste na observação do deslocamento aparente de um objeto astronômico contra um fundo de estrelas distantes, a partir de dois pontos extremos na Terra. A paralaxe geocêntrica é definida como a variação angular na posição de um objeto astronômico em relação às estrelas distantes, quando observado de dois pontos opostos na superfície terrestre. Essa variação angular é igual à metade da diferença total observada. A paralaxe geocêntrica também pode ser descrita como o ângulo sob o qual se vê o raio da Terra a partir do objeto astronômico. Dessa forma, o ângulo paralático, que tem como base o diâmetro da Terra, é um indicativo direto da distância do objeto, sendo calculado pela relação inversa entre a distância do objeto 𝒅𝒅 e o raio da Terra 𝑹𝑹𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻, ajustado pela paralaxe 𝒑𝒑 em radianos, conforme a fórmula: 𝒅𝒅 = 𝑹𝑹𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻 𝒑𝒑 Figura 8 – Paralaxe geocêntrica Fonte: Saraiva; Oliveira Filho; Müller, S.d. 1.2.2 Paralaxe heliocêntrica (paralaxe anual) Para determinar as distâncias até as estrelas mais próximas, utiliza-se a técnica da paralaxe heliocêntrica. Esta técnica consiste em medir a posição aparente de uma estrela contra um fundo de estrelas distantes em dois 10 momentos do ano: quando a Terra está em um lado do Sol e seis meses depois, quando a Terra se encontra no lado oposto do Sol. A paralaxe heliocêntrica 𝒑𝒑 é então definida como a metade da variação total na posição observada da estrela. A paralaxe heliocêntrica pode ser entendida como o ângulo sob o qual se observaria o raio da órbita da Terra a partir da estrela, ou seja, o ângulo entre a direção da estrela vista da Terra e a direção que ela teria se fosse observada a partir do Sol. A relação entre a paralaxe heliocêntrica e a distância da estrela é dada pela fórmula: 𝒅𝒅 = 𝑹𝑹𝑶𝑶𝑻𝑻 𝒑𝒑 em que 𝑹𝑹𝒐𝒐𝑻𝑻 é o raio da órbita da Terra ao redor do Sol e 𝒑𝒑 é o valor da paralaxe em radianos. Considerando que o raio médio da órbita da Terra é definido como 1 unidade astronômica (UA), a distância até a estrela medida através da paralaxe heliocêntrica pode ser expressada como: 𝒅𝒅 = 𝟏𝟏𝟏𝟏𝑨𝑨 𝒑𝒑 Figura 9 – Paralaxe heliocêntrica Fonte: Saraiva; Oliveira Filho; Müller, S.d. 1.2.3 Unidades de distância Antes tarde do que nunca: já falamos diversas vezes sobre algumas distâncias, mas aqui vamos ratificar o que você já procurou saber pesquisando na internet e nos livros. Vamos mostrar aqui algumas das unidades mais comuns usadas pelos astrônomos. • Quilômetro (km): Usado para distâncias menores no espaço, como dentro do nosso sistema solar. 11 • Unidade Astronômica (UA): É a distância média da Terra ao Sol, cerca de 150 milhões de quilômetros. Muito usada para medir distâncias dentro do sistema solar. 𝟏𝟏𝟏𝟏𝑨𝑨 = 𝟏𝟏,𝟒𝟒𝟒𝟒𝟒𝟒 × 𝟏𝟏𝟏𝟏𝟖𝟖𝒌𝒌𝒌𝒌 • Ano-luz: A distância que a luz viaja em um ano. São cerca de 9.461 trilhões de quilômetros. Usada para medir distâncias entre estrelas e galáxias. 𝟏𝟏𝑨𝑨𝟏𝟏 = 𝟒𝟒,𝟒𝟒𝟒𝟒 × 𝟏𝟏𝟏𝟏𝟏𝟏𝟏𝟏𝒌𝒌𝒌𝒌 • Parsec (pc): Equivale a cerca de 3,26 anos-luz. É usada por astrônomos para medir distâncias de objetos fora do nosso sistema solar, principalmente em escala galáctica e intergaláctica. 𝟏𝟏𝒑𝒑𝟏𝟏 = 𝟏𝟏𝟏𝟏𝟒𝟒𝟏𝟏𝟒𝟒𝟐𝟐 𝟏𝟏𝑨𝑨 = 𝟑𝟑,𝟏𝟏𝟒𝟒 𝑨𝑨𝟏𝟏 = 𝟑𝟑,𝟏𝟏𝟖𝟖𝟐𝟐𝟒𝟒𝟎𝟎𝟎𝟎𝟐𝟐𝟖𝟖𝟏𝟏 × 𝟏𝟏𝟏𝟏𝟏𝟏𝟑𝟑𝒌𝒌𝒌𝒌 TEMA 2 – FOTOMETRIA Fotometria refere-se à quantificação da luz emitida por um objeto. A era da fotografia astronômica teve seu início no final do século XIX e, ao longo das últimas décadas, diversos tipos de detectores eletrônicos têm sido empregados no estudo da radiação eletromagnética proveniente do espaço. Atualmente, o espectro eletromagnético completo, abrangendo desde a radiação gama até as ondas de rádio, é utilizado em observações astronômicas. Figura 10 – Espectro eletromagnético Crédito: POLINA KUDELKINA/Shutterstock. 12 2.1 Grandezas e definições importantes Algumas grandezas importantes para a compreensão da fotometria, além de todo conhecimento prévio de sistemas de coordenadas, são as seguintes: • Ângulo sólido: É uma extensão do conceito de ângulo (dado em radiano). Dado como a razão entre o arco e o raio do círculo, o ângulo solido é dado pela razão entre a área e seu raio ao quadrado (dado em esferoradiano). 𝜶𝜶 = 𝑻𝑻 𝑻𝑻 (radiano 𝑻𝑻𝑻𝑻𝒅𝒅) , 𝝎𝝎 = 𝑨𝑨 𝑻𝑻𝟏𝟏 (esferorradiano sr) Crédito: SANSANORTH /Shutterstock. • Intensidade específica: A energia que percorre uma unidade de área da fonte, por unidade de tempo e por unidade de ângulo sólido, é denominada intensidade específica. Esta grandeza é fundamental para a caracterização quantitativa da radiação emitida por uma fonte. 𝑰𝑰 = [𝑫𝑫𝑬𝑬𝑻𝑻𝑻𝑻𝒕𝒕𝑬𝑬𝑻𝑻] [𝒕𝒕𝑻𝑻𝒌𝒌𝒑𝒑𝒐𝒐][𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻𝑻][𝑻𝑻𝑬𝑬𝒕𝒕𝒂𝒂𝒂𝒂𝒐𝒐 𝒔𝒔𝒐𝒐𝒂𝒂𝑬𝑬𝒅𝒅𝒐𝒐] →𝑾𝑾/𝒌𝒌𝟏𝟏 ∙ 𝒔𝒔𝑻𝑻 • Fluxo: O fluxo 𝑭𝑭 representa a quantidade de energia por unidade de área e por unidade de tempo recebida pelo detector. Para uma estrela esférica com raio conhecido 𝑹𝑹, o fluxo terá uma forma simples. Proporcional à chamada luminosidade intrínseca 𝟏𝟏, dada por 𝑭𝑭 = 𝟏𝟏 𝟒𝟒𝟒𝟒𝑹𝑹𝟏𝟏 Figura 11 – Fluxo decaindo com o quadrado da distância 13 Fonte: Kepler, 2014. TEMA 3 – MAGNITUDE APARENTE, ABSOLUTA E BOLOMÉTRICA O brilho aparente de um corpo celeste, conforme medido a partir da Terra, é quantificado pelo fluxo e frequentemente expresso em termos de magnitude aparente 𝒌𝒌. A magnitude aparente é definida pela relação: 𝒌𝒌 = −𝟏𝟏,𝟐𝟐 𝐥𝐥𝐥𝐥𝐭𝐭𝑭𝑭 + constante Esta equação reflete a maneira pela qual a luminosidade aparente de um objeto celeste é percebida pelo observador na Terra. Em 1856, Norman Robert Pogson propôs que o sistema de medição do brilho, baseado na percepção humana, deveria ser logarítmico. Ele estabeleceu que o fluxo correspondente a uma estrela de primeira magnitude (𝒌𝒌 = 𝟏𝟏) é aproximadamente 100 vezes mais intenso que o de uma estrela de sexta magnitude (𝒌𝒌 = 𝟒𝟒). Dessa forma, a diferença de magnitude entre duas estrelas pode ser expressa como: 𝒌𝒌𝟏𝟏 −𝒌𝒌𝟏𝟏 = −𝟏𝟏,𝟐𝟐 𝒂𝒂𝒐𝒐𝒕𝒕 𝑭𝑭𝟏𝟏 𝑭𝑭𝟏𝟏 em que 𝑭𝑭𝟏𝟏 e 𝑭𝑭𝟏𝟏 são os fluxos das estrelas 1 e 2, respectivamente. A constante na definição da equação de magnitude estabelece o ponto zero da escala de magnitude. Comumente, a magnitude aparente da estrela Vega é utilizada como referência, sendo definida como 𝒌𝒌 = 𝟏𝟏. 14 Tabela 1 – Dados de magnitude aparente Corpo Celeste Magnitude aparente (m) Sírius-1,46 Lua cheia -12,8 Sol -26,74 Mercúrio -1,9 Vênus -4,4 Marte -2 Júpiter -2,7 Saturno 0,6 Urano 5,5 Netuno 7,8 Plutão 15 Fonte: Kepler, 2014, p. 225. A magnitude aparente por si só não fornece uma avaliação precisa do brilho intrínseco da estrela. Por exemplo, não podemos determinar apenas pela magnitude aparente se Sírius, com 𝒌𝒌 = −𝟏𝟏,𝟒𝟒𝟏𝟏, é intrinsecamente mais brilhante do que Vega, com 𝒌𝒌 = 𝟏𝟏, sem considerar suas respectivas distâncias da Terra. Para comparar os brilhos intrínsecos de duas estrelas, é necessário utilizar uma medida de brilho que seja independente da distância. A magnitude absoluta 𝑴𝑴 de uma estrela é definida como a magnitude aparente que a estrela teria se estivesse localizada a uma distância padrão de 10 parsecs de nós. A fórmula para calcular a magnitude absoluta é: 𝑴𝑴 = −𝟏𝟏,𝟐𝟐 𝐥𝐥𝐥𝐥𝐭𝐭 𝑭𝑭(𝟏𝟏𝟏𝟏 𝒑𝒑𝟏𝟏) + constante A diferença entre a magnitude aparente 𝒌𝒌 e a magnitude absoluta 𝑴𝑴 pode ser expressa como: 𝒌𝒌−𝑴𝑴 = −𝟏𝟏,𝟐𝟐 𝒂𝒂𝒐𝒐𝒕𝒕 𝑭𝑭(𝑻𝑻) 𝑭𝑭(𝟏𝟏𝟏𝟏 𝒑𝒑𝟏𝟏) Considerando que a intensidade da luz diminui com o quadrado da distância, temos 𝒌𝒌−𝑴𝑴 = 𝟐𝟐 𝒂𝒂𝒐𝒐𝒕𝒕𝑻𝑻 − 𝟐𝟐 sendo 𝑻𝑻 a distância da estrela em parsecs. Dessa forma, podemos reorganizar a fórmula para calcular a distância 𝑻𝑻 = 𝟏𝟏𝟏𝟏 𝒌𝒌−𝑴𝑴+𝟐𝟐 𝟐𝟐 15 Este cálculo permite determinar a distância de uma estrela com base na diferença entre sua magnitude aparente e sua magnitude absoluta, oferecendo uma maneira de comparar o brilho intrínseco de estrelas independentemente de suas distâncias de nós. As medições de magnitude geralmente focam no espectro visível, limitado pela sensibilidade do olho humano. Contudo, se fosse possível observar estrelas em todo o espectro eletromagnético, utilizaríamos a magnitude bolométrica para quantificar seu brilho. Na prática, medir essa magnitude apresenta desafios, pois a atmosfera terrestre bloqueia determinadas faixas do espectro, dificultando a captação completa da radiação emitida por corpos celestes. Logo, não entraremos em maiores detalhes acerca da questão. TEMA 4 – ESPECTROSCOPIA Espectroscopia é a análise da luz por meio de suas cores constituintes, reveladas ao passar a luz através de um prisma ou rede de difração, formando o que é conhecido como espectro. Essa técnica fornece quase todas as informações sobre as propriedades físicas das estrelas, incluindo temperatura, densidade e composição, seja de forma direta, seja indireta. Em conteúdos anteriores abordamos o tópico de forma introdutória, informando que a espectroscopia nos dá uma “carteira de identidade” de elementos químicos. Aqui, falaremos melhor sobre como ocorre do ponto de vista da mecânica quântica. No início do século XIX, Joseph von Fraunhofer, um fabricante alemão de instrumentos ópticos fez uma descoberta interessante: o espectro solar apresentava diversas linhas escuras. Em sua homenagem, estas linhas receberam o nome de linhas de Fraunhofer, que catalogou 324 dessas linhas, designando as mais intensas com letras maiúsculas de A a K, em ordem decrescente de comprimento de onda, e as menos intensas com letras minúsculas. Algumas linhas receberam combinações de letras e números para sua identificação. As pesquisas de Fraunhofer não se limitaram ao Sol, ele também observou linhas nos espectros de diversas estrelas, incluindo Sírius, Castor, Pollux, Capella, Betelgeuse e Procyon. 16 Figura 12 – Selo postal alemão dedicado ao 225º aniversário do nascimento de Joseph von Fraunhofer e as linhas do espectro solar Crédito: Sergey Kohl/Shutterstock. Para entender esse “código de barras” para cada elemento, a melhor forma é saber como se dá no átomo mais simples: o de hidrogênio. Na Figura 13, podemos observar a relação entre um átomo de hidrogênio e seu espectro de absorção. Um modelo simples de um átomo de hidrogênio mostra quatro dos muitos “saltos” possíveis que o elétron pode fazer quando absorve luz (à direita da figura). Sobre a relação entre os saltos do elétron e os comprimentos de onda específicos de luz que o átomo absorve, veja que um elétron salta de um nível de energia para outro apenas quando absorve um comprimento de onda muito específico de luz (ou seja, quando absorve um fóton com uma energia específica). Quanto menor o comprimento de onda, maior a energia e maior o salto. Essa ilustração mostra um conjunto de saltos que correspondem à absorção de comprimentos de onda visíveis (a Série de Balmer). 17 Figura 13 – Espectro de absorção do átomo de hidrogênio Fonte: NASA, ESA, Leah Hustak, 2024. Podemos ver o mesmo com o espectro de emissão, na Figura 14. Os elétrons também podem perder energia e cair para níveis de energia mais baixos. Quando um elétron cai entre os níveis, ele emite fótons com a mesma quantidade de energia – o mesmo comprimento de onda – que precisaria absorver para subir entre esses mesmos níveis. É por isso que o espectro de emissão do hidrogênio é o inverso do seu espectro de absorção, com linhas de emissão em 410 nm (violeta), 434 nm (azul), 486 nm (azul-verde) e 656 nm (vermelho). A luz de maior energia e menor comprimento de onda é emitida pelos elétrons que caem mais. 18 Figura 14 – Espectro de emissão do átomo de hidrogênio Fonte: NASA, ESA, Leah Hustak, 2024. A espectroscopia abrange mais do que a luz visível, incluindo raios gama, raios X, luz ultravioleta, infravermelha, microondas e ondas de rádio. Essas faixas de luz, invisíveis aos olhos humanos, interagem com a matéria e podem ser decompostas em seus comprimentos de onda componentes. Apesar de não serem visíveis diretamente, temos ferramentas para detectar e converter esses espectros em formatos digitais. No campo da espectroscopia infravermelha, o telescópio espacial James Webb é insuperável. Seu grande espelho, projetado para captar luz infravermelha de objetos muito escuros, permite a visualização detalhada de espectros infravermelhos de praticamente qualquer objeto ou material espacial. A luz infravermelha é interceptada pelo espelho primário de Webb, refletida para um espelho secundário menor e então focada em um dos quatro instrumentos científicos. Cada instrumento possui espectrógrafos que dispersam a luz em suas cores componentes, revelando os espectros infravermelhos. 19 Figura 15 – Espelhos do telescópio James Webb, que opera em infravermelho Crédito: BEST-BACKGROUNDS/Shutterstock. TEMA 5 – RADIOTELESCÓPIOS O desenvolvimento da radioastronomia, desde as primeiras transmissões de ondas de rádio por Guglielmo Marconi3, até a descoberta de objetos astronômicos e fenômenos por radiotelescópios, representa um marco significativo na exploração do universo. Paralelamente, no Brasil, o padre Roberto Landell de Moura também realizou transmissões pioneiras de voz em 1899. A radioastronomia teve um início com Karl Jansky em 1932. Ao investigar as interferências nas transmissões telefônicas, Janski descobriu emissões de rádio provenientes do centro da Via Láctea. Essa observação, com as observações sistemáticas de Grote Reber, na década de 1930, usando uma antena parabólica que ele mesmo construiu, estabeleceu as bases para a radioastronomia como um campo de estudo científico. Logo após, observações revelaram a complexidade do universo em comprimentos de onda de rádio, incluindo a detecção de moléculas interestelares, a descoberta de pulsares por Jocelyn Bell Burnell e a identificação de características únicas de galáxias distantes. 3 Marconi, ao transmitir sinais de código Morse através do Atlântico em 1901 e, posteriormente, a voz humana, pavimentou o caminho para a comunicação de longa distância sem fio. 20 Figura 16 – Jocelyn Bell Burnell descobriu pulsares em 1967, quando ainda era estudante de pós-graduaçãoem radioastronomia em Cambridge Crédito: SSPL/UIG – Universal Images Group/Imageplus. O desenvolvimento de rádio observatórios no Brasil, como o Rádio Observatório de Itapetinga e o Rádio Observatório Espacial do Nordeste (ROEN), além de projetos como o Brazilian Decimetric Array, destaca o papel do país na pesquisa astronômica global. Figura 17 – O Observatório de Itapetininga e o ROEN Crédito: Marcus Iizuka/Fotoarena. 21 NA PRÁTICA Todo aluno que é interessado na área de astronomia tem ou gostaria de ter um telescópio, certo? Vamos propor a leitura de um artigo4 do prof. Canalle com o conhecido técnico Carlinhos, que tem uma história no Ensino de Astronomia. Essa famosa “Luneta do Canalle” faz parte da história da Olimpíada Brasileira de Astronomia, e diversos físicos e astrônomos foram contaminados pela ciência realizando esta montagem. FINALIZANDO Nesta etapa, conhecemos um pouco da evolução tecnológica na astronomia, desde as primeiras observações astronômicas sistemáticas, passando pelas inovações europeias com o uso de telescópios, até as técnicas modernas como fotometria e espectroscopia. Destaca-se o impacto dos trabalhos de Galileu, Kepler, e Newton no desenvolvimento de telescópios refratores e refletores, fundamentais para a observação do universo. Além disso, discute-se a importância da medição de distâncias por meio da paralaxe, a quantificação da luz (fotometria), o estudo da composição das estrelas (espectroscopia), e o papel dos radiotelescópios na radioastronomia. Esperamos que você goste deste curso tanto quanto gostamos de prepará-lo. 4 Disponível em: . Acesso em: 7 mar. 2024. 22 REFERÊNCIAS CANALLE, J. B. G.; SOUZA, A. C. F. de. Simplificando a luneta com lente de óculos. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, v. 22, n. 1, p. 121–130, 2005. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/fisica/article/view/6398. Acesso em: 7 mar. 2024. COMINS, N. F.; KAUFMANN III, W. J. Descobrindo o universo. 8. ed. São Paulo: Bookman, 2010. DETERMANN, J. M. History of Astronomy and Space Science in the Islamic World. Islamic Studies, p. 1-30, 30 out. 2019. Disponível em: https://www.oxfordbibliographies.com/display/document/obo- 9780195390155/obo-9780195390155-0267.xml. Acesso em: 7 mar. 2024. DUPRÉ, S. 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