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CONCRETO ARMADO: VIGAS E LAJES Diego da Luz Adorna Dimensionamento de lajes maciças à flexão Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer flexão composta normal. � Comparar restrições às flechas nas lajes. � Relacionar, por meio de exemplo, lajes maciças à flexão. Introdução As lajes são elementos estruturais submetidos, principalmente, a es- forços solicitantes internos de flexão. A flexão se manifesta na forma de momentos fletores e provoca o aparecimento de forças internas de tração e compressão ao longo da seção transversal da laje. Além disso, a flexão provoca o surgimento de deslocamentos transversais na laje, os quais são chamados de deflexões. O dimensionamento das lajes maciças frente aos esforços de flexão busca garantir a estabilidade da estrutura, de modo a impedir a ruína destas quando forem submeti- das à ação das cargas. O dimensionamento das lajes varia de acordo com a forma como as armaduras se distribuem no elemento estrutural: em apenas uma direção ou armadas em cruz. Neste capítulo, você vai aprender como se desenvolvem os esforços internos de flexão e quais são as maneiras de restringir as deflexões e os procedimentos de dimensionamento de lajes maciças armadas em apenas uma direção e armadas em cruz. 1 Flexão em lajes de concreto armado Definição de lajes As lajes de concreto armado são elementos estruturais planos, em forma de placa, que têm uma espessura significativamente menor que as outras dimen- sões, ou seja, comprimento e largura. Em função disso, as lajes se comportam como elementos flexíveis, apresentando deformações que variam de acordo com o comprimento do vão e a posição dos apoios nas bordas. Quando a laje é apoiada em bordas opostas (armadas em uma direção), a deformação se mani- festa na forma de uma curvatura única, como pode ser visto na Figura 1a. Por outro, quando a laje é apoiada em todas as bordas (armadas em duas direções), a deformação se manifesta na forma de uma curvatura dupla (Figura 1b), de acordo com Leet, Uang e Gilbert (2009). Dependendo do tipo de vínculo (laje × viga) nessas bordas, a deformação e a flecha, oriundas da flexão, também variam (Figura 2). Figura 1. Deformação em laje (a) apoiada em duas bordas e (b) apoiada em todas as bordas. Fonte: Adaptada de Leet, Uang e Gilbert (2009). Figura 2. Deformação em laje devido ao tipo de vínculos em seus bordos. Fonte: Adaptada de Botelho e Marchetti (1996). Dimensionamento de lajes maciças à flexão2 Em estruturas usuais, as lajes são empregadas como pisos de pavimentos e ficam responsáveis por receber e transmitir cargas verticais para as vigas (PORTO; FERNANDES, 2015). Nesses casos, os esforços atuantes no conjunto laje × viga demonstram que qualquer movimentação em um desses elementos tem uma consequência no outro (Figura 3). Em alguns casos, porém, a estrutura pode ser concebida de modo que as lajes sejam apoiadas diretamente sobre os pilares, dando origem, portanto, aos sistemas construtivos denominados como lajes cogumelos e lajes lisas. Figura 3. Cadeia de fenômenos envolvendo o conjunto laje × viga. Flecha laje Flecha viga Rigidez à torção da viga Rigidez à �exão da laje Cargas atuantes em lajes Ao longo da sua vida útil, as edificações são submetidas a um conjunto de cargas responsáveis por gerar tensões internas e deformações nas estruturas. Essas cargas são produzidas pela incidência de ações sobre a edificação, classificadas, de acordo com a NBR 6.118 (ABNT, 2014), em permanentes, variáveis e excepcionais. Ações permanentes são aquelas cujos valores prati- camente não variam ao longo da vida útil da edificação, como, por exemplo, 3Dimensionamento de lajes maciças à flexão o peso próprio da estrutura, dos revestimentos e das alvenarias ou, ainda, os empuxos de terra. Ações variáveis, por sua vez, são aquelas cujos valores são inconstantes ao longo da vida útil (p. ex., as sobrecargas de utilização — como transformar uma sala de estar em biblioteca — e a ação dos ventos). As ações excepcionais, por fim, são aquelas que raramente ocorrem ao longo da vida útil da edificação (e têm um curtíssimo prazo/tempo de aplicação), como sismos, impactos de veículos, entre outras. As ações podem ser verticais ou horizontais (Figura 4). Figura 4. Ações verticais e horizontais atuantes em uma estrutura usual. Fonte: Adaptada de Kimura (2007). As lajes são elementos submetidos a cargas perpendiculares ao seu plano. Essas cargas provêm, principalmente, do peso próprio da estrutura, dos reves- timentos e das paredes de alvenaria e das sobrecargas de utilização, que variam de acordo com o tipo de uso da edificação, como pode ser visto na Figura 5. Dimensionamento de lajes maciças à flexão4 Figura 5. Cargas atuantes em lajes. Cargas verticais h/2 x h/2 h 90º y z H h bw Cargas horizontais CARGAS: 1) peso próprio; 3) ações acidentais. 2) carga alvenarias + revestimentos; ly lx O peso próprio da estrutura é determinado por meio das características geométricas do elemento analisado e do peso específico dos respectivos materiais componen- tes. As sobrecargas de utilização são determinadas em função do uso da edificação (residencial, comercial, entre outros), ao passo que as cargas atuantes na estrutura são determinadas por meio da ABNT NBR 6120: ações para o cálculo de estruturas de edificações, da Associação Brasileira de Normas Técnicas. As cargas atuantes em lajes tendem a se distribuir uniformemente ao longo do plano, ou seja, elas são determinadas em função da área do elemento. Em alguns casos, no entanto, pode ser observada a atuação de cargas concen- tradas na laje, como, por exemplo, em fundações do tipo radier, nas quais os pilares nascem diretamente a partir do plano da laje. A atuação dessas cargas sobre a laje acarreta o desenvolvimento de esforços internos e, em consequência, deformações. De modo geral, os esforços internos de flexão são preponderan- 5Dimensionamento de lajes maciças à flexão tes em lajes de concreto armado, tanto do ponto de vista de ruptura quanto de utilização. Em lajes de vãos muito curtos ou com cargas muito elevadas, no entanto, o cisalhamento pode vir a se tornar mais significativo que a flexão. Tipos de flexão A flexão consiste em um mecanismo estrutural decorrente da aplicação de cargas transversais que provoca a curvatura da laje e o aparecimento de tensões internas de compressão e tração em diferentes fibras de um mesmo elemento, segundo Silva e Souto (2015). Esse comportamento está representado na Figura 6, na qual as setas convergentes indicam tração e as setas divergentes indicam compressão. Figura 6. Flexão em um elemento estrutural. Quando duas ou mais dessas solicitações atuam em conjunto, podemos chamar de composta. Fonte: Adaptada de Garrison (2018). F Compressão Tração O grau de flexão de uma laje de concreto armado depende das carac- terísticas da seção transversal, do vão e da carga aplicada (GARRISON, 2018). Lajes de maior espessura, por exemplo, apresentam maior rigidez e, portanto, maior capacidade de resistir às deformações de flexão. Lajes com vãos muito amplos ou com carregamentos elevados, por sua vez, apresentam maior tendência à flexão. Dimensionamento de lajes maciças à flexão6 A flexão pode se manifestar de diversas maneiras em um elemento estrutu- ral, devendo, desse modo, ser identificado o tipo de esforço atuante, de modo a determinar os procedimentos de dimensionamento necessários. Botelho (2017) distingue os tipos de flexão como flexão normal e flexão oblíqua: � Flexão normal: também conhecida como flexão reta, ela ocorre quando os momentos fletores atuam em planos perpendiculares aos eixos de simetria da seção transversal. No caso de seções transversais não simé- tricas, são considerados os eixos principais de inércia, ou seja, aqueles que passam pelo centro de gravidade da seção; � Flexão oblíqua: também conhecida como flexãodesviada, esse tipo ocorre quando os momentos fletores atuam em planos oblíquos (não perpendiculares) aos eixos de simetria ou eixos principais de inércia da seção transversal. Tanto a flexão normal quanto a flexão oblíqua podem ser subclassificadas em simples e composta. A flexão simples atua em seções transversais sub- metidas apenas ao momento fletor (M) e ao esforço cortante (Q) (Figura 7a). A flexão composta, por sua vez, atua em seções transversais submetidas ao momento fletor (M) e ao esforço normal (N), podendo, ou não, haver a inci- dência de esforço cortante (Q) (Figura 7b) (SILVA; SOUTO, 2015). Figura 7. Flexão normal (a) simples e (b) composta. Fonte: Silva e Souto (2015, p. 89–90). (a) (b) 7Dimensionamento de lajes maciças à flexão A flexão pode ser subclassificada, ainda, em flexão pura. A seção transversal está submetida à flexão pura quando nela atuar somente o mo- mento fletor (M), conforme destacam Silva e Souto (2015). As lajes de con- creto armado têm comportamento frente à flexão semelhante ao das vigas. Na Figura 8a, é representada a seção transversal de um elemento estrutural. O eixo neutro, também chamado de linha neutra, representa a interface entre a zona comprimida e tracionada, conforme Figura 8b, na qual as tensões atuantes na seção são nulas (GARRISON, 2018). Para o dimensionamento das seções transversais frente à flexão, devem ser estabelecidas, inicialmente, algumas hipóteses, segundo Garrison (2018). O material, por exemplo, deve ser considerado linearmente elástico, con- forme representado na Figura 8c, ou seja, a distribuição de tensões varia de modo linear ao longo da seção transversal. Além disso, o material deve ser considerado homogêneo, ao passo que o módulo de elasticidade (E) precisa ser considerado o mesmo na tração e na compressão. Figura 8. (a) Seção transversal de um elemento estrutural submetido à flexão, (b) diagrama de força e (c) diagrama de tensão. Fonte: Garrison (2018, p. 186). Dimensionamento de lajes maciças à flexão8 A Norma Técnica ABNT NBR 6118, da Associação Brasileira de Normas Técnicas, que estabelece os procedimentos de projeto de estruturas de concreto armado, enumera, no item 17.2.2, uma série de hipóteses básicas que devem ser consideradas no dimen- sionamento de vigas (e, por analogia, de lajes) e de pilares. 2 Deflexões em lajes maciças Definição de deflexão Lajes e vigas são elementos estruturais com comportamento semelhante: as duas estão submetidas a carregamentos perpendiculares ao seu eixo (ou plano) principal e, desse modo, ambas sofrem deslocamentos transversais, denominados deflexões ou flechas. A deflexão consiste no deslocamento vertical, medido em milímetros, que a laje ou a viga sofre após a aplicação de um carregamento, como pode ser visto na Figura 9 (GARRISON, 2018). Figura 9. Deflexão em uma laje ou viga. Fonte: Garrison (2018, p. 311). A deflexão depende do tipo de apoio, do comprimento do vão, da geome- tria da seção transversal, das propriedades dos materiais empregados e dos carregamentos atuantes no elemento estrutural (BOTELHO, 2017). O módulo de elasticidade do material e o momento de inércia da seção transversal são dois parâmetros determinantes na deflexão de lajes: 9Dimensionamento de lajes maciças à flexão � Módulo de elasticidade (E): também denominado Módulo de Young, consiste na relação entre a tensão aplicada (σ) em um material e a deformação (ε) sofrida por este, conforme equação a seguir. Quanto maior o módulo de elasticidade de um material, maior a capacidade que este tem de resistir às deformações. � Momento de inércia (I): consiste em um parâmetro obtido em função da geometria da seção transversal, relacionado à rigidez desta. Quanto maior o momento de inércia em uma determinada direção, maior a capacidade de a seção transversal resistir às deformações na referida direção. As deflexões podem ser imediatas ou diferidas ao longo do tempo. As deflexões imediatas são aquelas decorrentes da aplicação do carregamento na estrutura, como, por exemplo, as cargas provenientes do peso próprio que descarregam na estrutura quando as escoras são retiradas. As deflexões diferidas no tempo são aquelas decorrentes da atuação do carregamento ao longo da vida útil da estrutura e das propriedades do material, como, por exemplo, a fluência do concreto. Deflexões excessivas podem ocasionar danos em elementos estruturais e não estruturais, como esforços excessivos de segunda ordem, fissuras com abertura superior ao limitado por norma, perda de funcionalidade de janelas, desplacamento de pisos e formação de trincas em alvenarias. Garrison (2018) destaca que o estudo das deflexões no projeto estrutural para minimizá-las é um quesito crucial. As estruturas de concreto armado devem ser dimensionadas de modo que as suas deflexões atendam a determinados valores-limite pré-estabelecidos em Norma Técnica. Esses valores-limite estão definidos na Norma Técnica ABNT NBR 6118: projeto de estru- turas de concreto: procedimento, da Associação Brasileira de Normas Técnicas, no item 13.3, visualmente falando, limitados ao vão livre (em metros) divididos por 250 (l / 250). Dimensionamento de lajes maciças à flexão10 Restrição das deflexões em lajes As deflexões ocorrem naturalmente em lajes de concreto armado e a sua existência não implica, necessariamente, em risco de ruína ou má funciona- lidade da edificação. Quando excessivas, no entanto, as deflexões devem ser remediadas, de modo a atender aos critérios do estado-limite último (ELU) e do estado-limite de serviço (ELS). As deflexões em lajes podem ser restrin- gidas ou minimizadas por meio de modificações no projeto estrutural, pela alteração das características da seção geométrica e/ou dos materiais ou, ainda, pela execução de contraflechas. Modificações no projeto estrutural As modificações no projeto estrutural são realizadas com o objetivo principal de redistribuir os esforços solicitantes na estrutura, de modo a reduzir a flexão em lajes, por exemplo, e, por consequência, mitigar as deflexões. As principais modificações empregadas no projeto estrutural são: redução da carga atuantes, alteração das condições de apoio e redução do comprimento dos vãos. Os esforços internos de flexão decorrem da aplicação de cargas transversais na laje de concreto, desse modo, a redução de cargas atuantes tende a diminuir as deflexões no elemento. As cargas podem ser reduzidas, por exemplo, por meio do emprego de materiais mais leves, seções mais esbeltas ou cargas acidentais menores. Essas soluções, no entanto, nem sempre são viáveis do ponto de vista de projeto, execução e utilização da edificação. A alteração da vinculação entre lajes e vigas ou lajes com lajes pode pro- mover a redução de esforços positivos e negativos de flexão e, dessa forma, reduzir o valor da deflexão na laje. Na Figura 10, é apresentado um exemplo desse comportamento. O elemento biapoiado da Figura 10a, quando submetido a uma determinada carga distribuída, sofre uma deflexão. Ao substituir o apoio duplo em A por um engaste, conforme representado na Figura 10b, há uma alteração no perfil de deformação do elemento com a redução da deflexão ocasionada pelo momento positivo e o surgimento de uma deflexão devido ao momento negativo. Em algumas situações, pode ser realizada a supressão de um engaste por um apoio simples ou duplo ou a inserção de uma rótula no elemento. 11Dimensionamento de lajes maciças à flexão A redução da deflexão na laje também pode ser atingida pela execução de novos pontos de apoio, como vigas e/ou pilares, reduzindo, desse modo, o comprimento do vão. Apesar de ser uma medida eficiente, ela está atrelada ao aumento de custos no projeto e a possíveis incompatibilidades com o projeto arquitetônico. Figura 10. Deflexão em um elemento (a) biapoiado e (b) engastado apoiado. Fonte: Adaptada de Beer et al. (2015). (a) (b) Alterações das características geométricas da seção transversalA geometria da seção transversal de um elemento qualquer influencia a capa- cidade deste em resistir a deformações. Essa propriedade é chamada de rigidez e pode ser indiretamente analisada por meio do momento de inércia da seção. Na Figura 11, são apresentadas seções transversais de mesma área referentes a elementos estruturais carregados perpendicularmente, como lajes e vigas. Além disso, também são apresentadas as respectivas equações de momento de inércia de cada seção. A seção transversal A apresenta maior momento de inércia e, portanto, maior rigidez que a seção transversal B. Conforme afir- mam Silva e Souto (2015), quanto maior a altura da seção transversal, maior o braço de alavanca e, portanto, maior a resistência à flexão (por consequência, menores as deformações sofridas pelo elemento estrutural). Dimensionamento de lajes maciças à flexão12 Figura 11. Seções transversais A e B. O acréscimo de inércia em seções transversais consiste, desse modo, em uma das soluções para aumentar a rigidez da laje e, portanto, na sua capacidade de resistir a deformações. O aumento da rigidez em lajes é realizado por meio do aumento da altura da seção transversal. O acréscimo de altura, no entanto, pode provocar sobrecargas excessivas na laje e aumentar significativamente os custos envolvidos no projeto, devendo ser, portanto, uma solução empregada com moderação. Alterações das características dos materiais Em lajes de concreto armado, o concreto é responsável por resistir aos esforços de compressão, enquanto o aço é responsável por resistir aos esforços de tração. Para aumentar a resistência do elemento estrutural frente às deformações, é possível utilizar concretos de maior resistência mecânica ou aumentar a área de aço na laje por meio do aumento do diâmetro das barras ou aumento do número de barras. A alteração das características dos materiais pode provocar o aumento de custos significativos na execução das lajes, sendo indicado, por essa razão, apenas quando alternativas não se mostrarem viáveis. 13Dimensionamento de lajes maciças à flexão Contraflechas A contraflecha é um deslocamento contrário ao sentido da gravidade que é aplicado em lajes e vigas com o objetivo de compensar a deflexão provocada pela aplicação das cargas permanentes. Na Figura 12, pode ser vista a aplicação de contraflecha em um elemento estrutural. Figura 12. Contraflecha em um elemento estrutural. Fonte: Leet, Uang e Gilbert (2009, p. 349). A previsão de contraflechas em lajes permite a execução de estruturas com maior planicidade, sendo muito empregadas em edificações que demandem melhor desempenho, como laboratórios científicos, por exemplo. Além disso, quando a estrutura apresenta deflexões excessivas, estas podem ser parcial- mente compensadas pela execução das contraflechas. A contraflecha é obtida por meio da aplicação de uma curvatura nas fôrmas da laje maciça. A NBR 6.118, ABNT (2014) estabelece que, em pavimentos que devem permanecer planos, como pistas de boliche, por exemplo, a contraflecha não pode ser superior ao valor-limite de deflexão estabelecido na mesma norma. A curvatura das fôrmas da laje maciça é mantida por meio do sistema de escoramento provisório, devendo este ser mantido até que o concreto atinja resistência mecânica suficiente para suportar os carregamentos. De modo geral, recomenda-se que o escoramento seja mantido pelo período de até 28 dias, sendo retirado a partir do centro em direção às extremidades. Dimensionamento de lajes maciças à flexão14 3 Lajes maciças à flexão e seu dimensionamento Classificação das lajes quanto ao tipo de armadura Quanto ao tipo de armadura, as lajes maciças podem ser classificadas em lajes armadas em apenas uma direção e lajes armadas em cruz. As lajes armadas em apenas uma direção, também denominadas como lajes unidirecionais, são aquelas que têm a armadura distribuída ao longo de apenas um dos vãos, normalmente o de menor comprimento. As lajes armadas em cruz, por sua vez, são as que têm armaduras distribuídas nas duas direções, formando uma malha metálica. As lajes armadas em cruz também são chamadas de lajes bidirecionais (PORTO; FERNANDES, 2015). As lajes são armadas em apenas uma das direções quando a relação entre o maior e o menor vão for superior a 2. Quando essa relação é menor ou igual a 2, a lajes devem ser armadas em cruz. A relação entre o maior e menor vão é dada por meio da seguinte equação: � lmaior/lmenor > 2: laje armada em apenas uma direção; � lmaior/lmenor ≤ 2: laje armada em apenas uma direção. As lajes armadas em apenas uma direção são dimensionadas como um conjunto de vigas, de largura unitária (1m), dispostas paralelamente. As lajes armadas em cruz podem ser dimensionadas por meio do emprego da Teoria das Placas, de processos aproximados, do método das linhas de ruptura ou dos métodos numéricos (PORTO; FERNANDES, 2015). A Teoria das Placas é o método não computacional mais empregado no dimensionamento de lajes maciças. A Teoria das Placas consiste em um método de dimensionamento bastante com- plexo. Em função disso, foram desenvolvidas tabelas com coeficientes e fórmulas pré-determinados que auxiliam na determinação dos valores de momentos e deflexões nas lajes. As tabelas mais empregadas são as de Marcus, de Bares e de Czerny, conforme citadas no livro Curso básico de concreto armado: conforme NBR 6118/2014, de Thiago Bomjardim Porto e Danielle Stefane Gualberto Fernandes. 15Dimensionamento de lajes maciças à flexão Cálculo dos momentos máximos atuantes As lajes maciças de concreto armado são submetidas a momentos fletores po- sitivos e/ou negativos, ou seja, momentos que tracionam, respectivamente, as zonas inferior e superior da seção transversal. Para o dimensionamento das lajes, devem ser determinados, portanto, os valores máximos dos momentos atuantes. Em lajes armadas em apenas uma direção, os momentos máximos atuantes são determinados por meio da analogia da laje com uma viga de largura unitária (1m ou 100cm). Os momentos são calculados por meio da determinação de apoio e aplicação das equações da estática. Em alguns casos, especialmente quando são analisadas as vigas hiperestáticas, podem ser aplicadas equações preestabelecidas que permitam a determinação direta dos valores de momentos. Em lajes armadas em cruz, por sua vez, os momentos máximos atuantes são determinados por meio da aplicação de tabelas, como as de Marcus e Bares. Essas tabelas fornecem coeficientes e fórmulas empregadas na deter- minação dos momentos atuantes a partir de parâmetros como a relação entre o comprimento dos vãos e o tipo de engastamento. A Figura 13 apresenta parcialmente a tabela de Marcus para lajes engastadas- -apoiadas com as suas respectivas equações. É importante destacar que os valores de lx e ly são definidos em função do tipo de engastamento e comprimento do vão. O valor ly será sempre o lado mais engastado e, no caso de lajes engastadas em ambas as direções, o de maior comprimento (REBELLO, 2005). Figura 13. Representação parcial de uma Tabela de Marcus para lajes engastadas-apoiadas. Fonte: Adaptada de Rebello (2005). Dimensionamento de lajes maciças à flexão16 As equações preestabelecidas para a determinação direta dos valores de momentos, bem como as Tabelas de Marcus e Bares, são encontradas em várias obras, como, por exemplo, nos livros Estruturas de aço, concreto e madeira: atendimento da expectativa dimensional, de Yopanan Conrado Pereira Rebello; Resistência dos materiais: para aprender e gostar, de Manoel Henrique Campos Botelho; e Cálculo e detalhamento de estruturas usuais de concreto armado: segundo a NBR 6118:2003, de Roberto Chust Carvalho e Jasson Rodrigues de Figueiredo Filho. Essas equações e tabelas podem, também, ser facilmente encontradas em sites da Internet. Conforme destaca Rebello (2005), os valores de momento negativo encontrados em ambos os lados de um engaste tendem a ser diferentes. De modo a adotarum valor único para o momento negativo máximo, para fins de dimensionamento, são calculados os valores apresentados a seguir: 1. 80% do valor do momento máximo negativo obtido para a borda en- gastada analisada; 2. a média aritmética entre os dois valores de momento negativo concor- rentes na borda engastada. O valor de momento negativo máximo adotado para uma borda engastada, entre duas lajes, é o maior valor obtido por meio das análises 1 e 2. Verificação da altura útil mínima da laje A altura útil da seção transversal na laje, representada pela letra d, consiste na distância entre o centro de gravidade da armadura longitudinal tracionada e a fibra mais comprimida de concreto, conforme definido por Carvalho e Figueiredo Filho (2007). A verificação da altura útil mínima da laje tem por objetivo garantir que as dimensões da seção transversal sejam compatí- veis com os esforços solicitantes atuantes. A altura útil mínima da laje (dmín) é calculada pela seguinte equação: 17Dimensionamento de lajes maciças à flexão onde: � Md: momento fletor solicitante de cálculo. Quando houver apenas uma carga acidental atuando na laje, o Md é obtido pela multiplicação do momento máximo atuante pelo coeficiente de majoração γf = 1,4. Quando houver mais cargas acidentais, o Md é determinado por meio da última combinação normal; � bw: largura da seção transversal. No caso das lajes, é considerada uma largura unitária de 1m; � fcd: resistência de cálculo do concreto obtida pela divisão do fck pelo coeficiente γf =1,4; � ξ34: consiste na relação entre a altura da linha neutra (x), medida em relação à fibra mais comprimida da seção, e a altura útil da seção (d). Como as seções devem, preferencialmente, ser dimensionadas entre os domínios de deformação 3 e 4, de modo a garantir o melhor aproveitamento dos materiais concreto e aço, o valor de ξ34 é obtido pela seguinte expressão, considerando que εyd consiste na deformação específica de escoamento do aço; Por meio da altura útil mínima, é possível determinar a altura total mínima (hmín) da seção transversal. O cálculo da altura total mínima considera o cobrimento mínimo da laje e os diâmetros das armaduras que formam a malha. Quando os valores da altura útil (d) e da altura total (h) pré-definidos forem inferiores aos valores mínimos calculados, o projeto deverá ser revisto. Normalmente, a solução mais viável a ser adotada é aumentar a altura total da laje, devendo, desse modo, ser recalculadas as cargas atuantes na laje e os momentos fletores. Dimensionamento de lajes maciças à flexão18 Cálculo da armadura necessária Após a definição da altura total (h) da laje, é realizado o cálculo da armadura necessária por meio da equação a seguir. Essa equação considera o valor do momento solicitante de cálculo (Md), o comprimento do braço de alavanca (z) entre os pontos de aplicação das forças de compressão e tração na seção transversal e a tensão de escoamento do aço ( fyd). onde: z = d – 0,4 · x De maneira geral, busca-se padronizar a área de aço para a flexão positiva em ambas as direções, no caso de lajes armadas em cruz, de modo a prevenir falhas na montagem e fazer a disposição das malhas metálicas. O espaçamento (s) das barras de armadura é obtido por meio da relação entre a área de cada barra (Aφ) e a área de aço necessária (As), conforme apresentado na seguinte equação. As armaduras longitudinais devem respeitar valores mínimos e máximos de espaçamentos (Quadro 1). Fonte: Adaptado de NBR 6.118 (ABNT, 2014). Espaçamento mínimo Maior valor entre 20mm Diâmetro (φL) da barra de aço longitudinal 1,2 × diâmetro característico máximo do agregado graúdo Espaçamento máximo Menor valor entre 2 × altura da laje (h) 20cm Quadro 1. Espaçamentos máximos e mínimos em armaduras de lajes maciças 19Dimensionamento de lajes maciças à flexão A Norma Técnica ABNT NBR 6118: projeto de estruturas de concreto: procedimento, da Associação Brasileira de Normas Técnicas, item 20, apresenta uma série de exigências referente ao detalhamento de lajes. Exemplo Dimensionar as armaduras de flexão das lajes maciças representadas na Figura 14 com dimensões fornecidas em centímetros. São considerados os seguintes valores: � carga permanente (g) = 4,35kN/m2/m de laje; � carga acidental (q) = 2,00kN/m2/m de laje; � altura (h) = 12cm; � cobrimento nominal = 2,5cm; � fck = 20MPa; � fyd = 43,48kN/cm2 (Aço CA-50). Figura 14. Lajes maciças — exemplo. Dimensionamento de lajes maciças à flexão20 Resolução O primeiro passo para o dimensionamento de lajes maciças é a discretização do esquema estrutural (Figura 15). Em seguida, a laje deve ser classificada em unidirecional ou bidirecional, por meio da relação entre o comprimento dos vãos, conforme segue: Figura 15. Discretização das lajes. A laje 1 apresenta relação entre o maior e o menor vão superior a 2, sendo, desse modo, classificada como laje unidirecional, ou seja, armada em apenas uma das direções. A laje 2, por sua vez, apresenta relação entre o maior e o menor vão menor que 2, sendo, portanto, classificada como laje bidirecional, ou seja, armada em cruz. O próximo passo consiste na determinação dos mo- mentos atuantes em cada laje. A laje 1 é uma laje unidirecional e, desse modo, as armaduras são distribuídas em apenas uma das direções, normalmente a de menor vão. Os momentos atuantes, desse modo, são determinados de maneira análoga a uma viga engastada apoiada (Figura 16). 21Dimensionamento de lajes maciças à flexão Figura 16. Momentos atuantes na laje unidirecional — analogia com viga engastada-apoiada. A laje 2, armada em cruz, tem armaduras distribuídas em ambos os senti- dos, sendo dimensionada, neste Exemplo, com o uso das Tabelas de Marcus. Na Figura 17, são apresentados os momentos atuantes na laje considerada, as equações e os coeficientes extraídos das Tabelas de Marcus. Figura 17. Momentos atuantes na laje bidirecional — valores obtidos pelas Tabelas de Marcus. Dimensionamento de lajes maciças à flexão22 O engastamento entre as duas lajes deve ter um valor único de momento fletor. Desse modo, deverá ser adotado o maior valor entre: a) 80% do maior momento negativo encontrado; b) média aritmética entre os valores de momento negativo encontrados, conforme segue: O valor máximo de momento negativo adotado para a borda engastada é, portanto, 7,35KN·m. Definidos os momentos positivos e negativos, é então realizada a verificação da altura mínima da laje. A verificação se dá por meio dos procedimentos apresentados a seguir, considerando o valor de momento máximo 7,35kN·m. 23Dimensionamento de lajes maciças à flexão A partir disso, a altura mínima total (hmín) da laje é calculada em função do valor da altura útil mínima (dmín), do cobrimento nominal (cnom) e do diâ- metro das armaduras longitudinais que compõem a malha. Como não foram especificadas as armaduras empregadas, consideram-se duas barras de 10mm de diâmetro. O valor da altura total (h = 12cm) é maior que o valor da altura mínima total (hmín = 8,74cm), ou seja, a altura da seção transversal da laje está de acordo. Além disso, o valor de 12cm respeita as limitações impostas pela NBR 6.118 (ABNT, 2014), no item 13.2.4.1, que estabelece as espessuras mínimas das lajes maciças. O valor da altura útil total (d) é calculada a partir da altura total (h), conforme representado a seguir. d = 12cm – 2,5cm – 1,0cm – 0,5cm = 8,00cm Por fim, é realizado o cálculo da área de aço para cada uma das lajes, sendo considerados os parâmetros que podem ser vistos a seguir. As áreas de arma- dura calculada e seu respectivos espaçamentos são apresentados no Quadro 2. Dimensionamento de lajes maciças à flexão24 Laje Momento (kN·cm) As (cm²/m) φbarra (mm) Aφ (cm²) s (m) s final (cm) Momento positivo máximo — laje 1 203 1,09 6,3 0,785 0,72 20 Momento negativo no engaste 735 3,96 6,3 0,785 0,20 20 Momento positivo máximo na direção x — Laje 2340 1,83 6,3 0,785 0,43 20 Momento positivo máximo na direção y — Laje 2 705 3,80 6,3 0,785 0,21 20 Quadro 2. Cálculo da área necessária e espaçamentos da armadura Considerando todos os passos da resolução do problema do exemplo, para resistir ao momento máximo positivo e negativo, em ambas as lajes serão empregadas barras de 6,3mm de diâmetro, na direção do menor vão, espaçadas a cada 20cm. ABNT. ABNT NBR 6118: projeto de estruturas de concreto: procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2014. BEER, F. P. et al. Mecânica dos materiais. 7. ed. Porto Alegre: AMGH Ed., 2015. BOTELHO, M. H. C. Resistência dos materiais: para entender e gostar. 4. ed. São Paulo: Blücher, 2017. BOTELHO, M. H. C.; MARCHETTI, O. Concreto armado eu te amo: volume 1. 2. ed. São Paulo: Blücher, 1996. 25Dimensionamento de lajes maciças à flexão CARVALHO, R. C; FIGUEIREDO FILHO, J. R. Cálculo e detalhamento de estruturas usuais de concreto armado: segundo a NBR 6118:2003. 3. ed. São Carlos: EdUFSCar, 2007. GARRISON, P. Fundamentos de estruturas. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2018. KIMURA, A. Informática aplicada em estruturas de concreto armado: cálculos de edifícios com o uso de sistemas computacionais. São Paulo: Pini, 2007. LEET, K.; UANG, C.; GILBERT, A. M. Fundamentos da análise estrutural. 3. ed. São Paulo: McGraw-Hill, 2009. PORTO, T. B.; FERNANDES, D. S. G. Curso básico de concreto armado: conforme NBR 6118/2014. São Paulo: Oficina de Textos, 2015. REBELLO, Y. C. P. Estruturas de aço, concreto e madeira: atendimento da expectativa dimensional. São Paulo: Zigurate, 2005. SILVA, D. M; SOUTO, A. K. Estruturas: uma abordagem arquitetônica. 5. ed. Porto Alegre: Ed. UniRitter, 2015. Leitura recomendada ABNT. ABNT NBR 6120: ações para o cálculo de estruturas de edificações. Rio de Janeiro: ABNT, 2019. Dimensionamento de lajes maciças à flexão26