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<p>ECONOMIA MONETÁRIA</p><p>JOÃO SICSÚ</p><p>SEGUNDA EDIÇÃO</p><p>Preencha a ficha de cadastro no final deste</p><p>livro e receba gratuitamente</p><p>informações sobre os lançamentos</p><p>e as promoções da Elsevier.</p><p>Consulte nosso catálogo completo,</p><p>últimos lançamentos e serviços no site</p><p>www.elsevier.com.br</p><p>ECONOMIA MONETÁRIA</p><p>JOÃO SICSÚ</p><p>SEGUNDA EDIÇÃO</p><p>© 2012 Editora Campus Ltda.</p><p>Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610 de 19/12/1998.</p><p>Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora,</p><p>poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados:</p><p>eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.</p><p>Copidesque</p><p>Marco Aurélio Pina de Carvalho</p><p>Editoração Eletrônica</p><p>Estúdio Castellani</p><p>Revisão Gráfica</p><p>Ivone Teixeira</p><p>Marco Antonio Correa</p><p>Projeto Gráfico</p><p>Elsevier Editora Ltda.</p><p>Conhecimento sem Fronteiras</p><p>Rua Sete de Setembro, 111 – 16º andar</p><p>20050-006 – Centro – Rio de Janeiro – RJ – Brasil</p><p>Rua Quintana, 753 – 8º andar</p><p>04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP – Brasil</p><p>Serviço de Atendimento ao Cliente</p><p>0800-0265340</p><p>sac@elsevier.com.br</p><p>ISBN 13: 978-85-352-2360-6</p><p>1a Tiragem – 2000 4a Tiragem – 2003 7a Tiragem – 2005</p><p>2a Tiragem – 2001 5a Tiragem – 2003 8a Tiragem – 2005</p><p>3a Tiragem – 2002 6a Tiragem – 2004 9a Tiragem – 2006</p><p>Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação, impressão ou dúvida conceitual.</p><p>Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação ao nosso Serviço de Atendimento ao Cliente, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão.</p><p>Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicação.</p><p>CIP-Brasil. Catalogação na fonte.</p><p>Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ</p><p>E22 Economia monetária financeira: teoria e política /</p><p>Fernando J. Cardim de Carvalho... [et al.]. – Rio de Janeiro:</p><p>Elsevier, 2007 – 9a reimpressão.</p><p>il.</p><p>Inclui bibliografia</p><p>ISBN 978-85-352-2360-6</p><p>1. Moeda. 2. Política monetária. 3. Questão monetária.</p><p>4. Finanças. I. Carvalho, Fernando J. Cardim de (Fernando</p><p>José Cardim de), 1953-.</p><p>CDD 332.4</p><p>06-4468. CDU 336.74</p><p>a Fernanda e Thiago;</p><p>a Mara, Gabriel, Julieta e Celina;</p><p>a Christiana, Mary, Enéas, Beto e Marcia;</p><p>a Antonio e Aracy de Paula, Simone e Julia;</p><p>a Camila, Rafaella, Chistine, Marlene e Ricardo Studart.</p><p>PREFÁCIO E AGRADECIMENTOS</p><p>À SEGUNDA EDIÇÃO</p><p>A nova edição de Economia Monetária e Financeira mantém o espírito e as intenções da primeira, mas</p><p>traz consigo algumas mudanças importantes. Em parte, essas modificações suprem lacunas que, inevi-</p><p>tavelmente, acabam por se revelar em um livro-texto com a amplitude de escopo do Economia Monetá-</p><p>ria e Financeira. Por outro lado, a calorosa recepção que teve esse livro na comunidade universitária</p><p>manifestou-se na profusão de sugestões de melhoria e aprofundamento que os autores e a editora rece-</p><p>beram, pelo que são profundamente gratos. Finalmente, um trabalho sobre a operação dos sistemas mo-</p><p>netário e financeiro não pode senão ser objeto de uma revisão constante em função das permanentes</p><p>mudanças por que passam esses sistemas no mundo real.</p><p>Por essas razões, esperamos que a segunda edição do Economia Monetária e Financeira faça jus à re-</p><p>cepção que teve, respondendo às principais demandas colocadas tanto pelos seus leitores e usuários quan-</p><p>to pelos próprios desenvolvimentos econômicos verificados no período que a separa da primeira edição.</p><p>O foco e os princípios orientadores de sua preparação não mudaram. Ao contrário, acreditamos que os</p><p>primeiros anos do novo milênio confirmaram a correção das escolhas feitas, especialmente a de tratar do</p><p>problema monetário em conexão com variáveis financeiras, opção exposta no prefácio à edição anterior.</p><p>Mas procedemos a muitas correções, várias das quais sugeridas por leitores, atualizamos a descrição de</p><p>procedimentos quando necessário, como no capítulo sobre a operacionalidade da política monetária bra-</p><p>sileira, e acrescentamos alguns novos capítulos dando conta de aspectos do tema que se mostraram impor-</p><p>tantes nesses últimos anos. Dentre essas mudanças, pelo menos três consideramos ser muito importantes.</p><p>A primeira diz respeito à inclusão de um capítulo (Capítulo 11), sobre o Regime de Metas de Inflação.</p><p>Quando a primeira edição foi escrita, em 1999 para lançamento em 2000, esse regime ainda não tinha sido</p><p>praticamente experimentado no país. A nova edição corrige essa lacuna, analisando sua teoria e prática. A</p><p>segunda modificação importante é a introdução de um novo capítulo sobre os Mecanismos de Transmis-</p><p>são da Política Monetária (Capítulo 14), discutindo inclusive sua natureza no caso brasileiro. Finalmente,</p><p>dada a importância que assumiu a questão cambial no Brasil, especialmente após a crise cambial de</p><p>1998/99, decidimos tratar do problema de forma mais ampla e completa, introduzindo para isso um novo</p><p>capítulo (Capítulo 25). Em vários capítulos, novos boxes foram alterados ou acrescentados.</p><p>A introdução de novos capítulos, além de sugestões recebidas de leitores, nos levaram a alterar</p><p>marginalmente a estrutura do livro, através de uma pequena redistribuição de seus capítulos.</p><p>A dívida dos autores para com amigos, colaboradores e, agora, leitores aumentou bastante nesses</p><p>últimos seis anos. A contribuição de todos os que citamos anteriormente continua sendo reconhecida</p><p>com gratidão. À lista anterior, temos agora de acrescentar mais alguns débitos. Primeiramente, quere-</p><p>mos registrar a importância da colaboração de André Modenesi, Cecília Hoff e Rogério Sobreira na</p><p>preparação desta nova edição. Sua contribuição, algumas vezes quase se tornando uma coautoria, foi</p><p>decisiva para que a nova edição pudesse se concretizar. Adriano Henrique Rebelo Biava preparou ex-</p><p>tensa lista de sugestões que se mostraram extremamente úteis no planejamento desta edição. Maria de</p><p>Lourdes Mollo, José Benedito de Paula e Maria Cristina Penido de Freitas também contribuíram com</p><p>críticas e sugestões para que esta edição pudesse vir à luz. Finalmente, temos que reconhecer nosso</p><p>imenso débito para com um grande número de leitores que se deram ao trabalho de nos encaminhar suas</p><p>observações sobre o livro, fundamentais para que pudéssemos tentar aperfeiçoá-lo. Infelizmente, a lista</p><p>desses colaboradores é muito longa para poder ser citada aqui. É desnecessário dizer que temos a espe-</p><p>rança e a expectativa de que a nova edição de Economia Monetária e Financeira continue a interessar</p><p>seus leitores a ponto de motivá-los a verem neste livro-texto uma obra de criação coletiva dispondo-se a</p><p>prosseguir participando de sua elaboração pelo encaminhamento de novas críticas e sugestões.</p><p>Um último agradecimento se faz necessário, dirigido à equipe da Editora Campus/Elsevier, lidera-</p><p>da por Ricardo Redisch, pelo cuidado na preparação da primeira edição e, por que não reconhecer, pela</p><p>paciência exibida na consecução da tarefa de conseguir de cinco autores, todos envolvidos em múltiplas</p><p>atividades, que coordenassem seus esforços na preparação desta segunda edição.</p><p>Rio de Janeiro, setembro de 2006</p><p>F.J.C.C., F.E.P.S., J.S., L.F.R.P. e R.S.</p><p>VIII Pref��cio e Agradecimentos à Segunda Edição ELSEVIER</p><p>PREFÁCIO E AGRADECIMENTOS</p><p>À PRIMEIRA EDIÇÃO</p><p>Este livro foi escrito para servir primariamente como texto básico para os cursos, obrigatórios pela pre-</p><p>sente estrutura curricular dos programas de graduação em economia, de Economia Monetária I e Eco-</p><p>nomia Monetária II, correspondentes aos antigos cursos de Teoria Monetária e Moedas e Bancos. São</p><p>poucos os manuais existentes no Brasil nesta área. Os livros-texto disponíveis no mercado brasileiro, a</p><p>despeito da sua maior ou menor qualidade específica e da qualificação de seus autores, sofrem com al-</p><p>gumas lacunas que, em nossa opinião, criavam o espaço para uma nova iniciativa nesta área. Por um</p><p>lado, há manuais produzidos originariamente em outros países, notadamente os Estados Unidos, que</p><p>têm como principal limitação o espaço excessivo dedicado à descrição de instituições</p><p>A base monetária pode ser</p><p>dividida em duas subcontas: papel-moeda em poder do público e encaixes totais em moeda dos bancos</p><p>(ou reservas bancárias). O Banco Central também pode tomar empréstimos no exterior. As principais</p><p>contas do ativo do balancete do Banco Central são as seguintes: reservas internacionais, títulos públi-</p><p>cos, redescontos e empréstimos aos bancos. Todas as contas mencionadas aparecem no balancete estili-</p><p>zado do Banco Central que é mostrado no Quadro 2.1.</p><p>Algumas das funções típicas do Banco Central são expressas nas contas do seu balancete. A função</p><p>de emissor de papel-moeda é expressa pela conta base monetária. A função de emprestador de última</p><p>instância aparece na conta redescontos e empréstimos. A função depositário das reservas internacionais</p><p>é expressa na conta reservas internacionais, com valor expresso em moeda nacional de acordo com a</p><p>taxa de câmbio. É importante notar ainda que é através da aquisição de títulos públicos comprados dire-</p><p>tamente do Tesouro Nacional que o Banco Central pode desempenhar eventualmente a função de fi-</p><p>16 O Banco Central e o Sistema Monetário ELSEVIER</p><p>Ativo Passivo</p><p>(12) Reservas Internacionais</p><p>(13) Títulos Públicos</p><p>(14) Redescontos e Empréstimos</p><p>(15) Outras Aplicações</p><p>Total do Ativo</p><p>Base Monetária (16)</p><p>Papel-moeda em Poder do Público (16.1)</p><p>Reservas Bancárias (16.2)</p><p>Empréstimos do Exterior (17)</p><p>Outras Fontes (18)</p><p>Total do Pasivo</p><p>QUADRO 2.1</p><p>Balancete Estilizado do Banco Central</p><p>nanciar o governo. E, como será visto nos capítulos referentes à teoria e operação da política monetária,</p><p>é através da aquisição ou venda de títulos em carteira que o Banco Central pode controlar a taxa de juros</p><p>da economia e a quantidade de meios de pagamento.</p><p>O sistema monetário é aquele conjunto de instituições que pode criar meios de pagamento, isto é, o</p><p>Banco Central e os bancos comerciais. O balancete do sistema monetário é a soma algébrica do balan-</p><p>cete do Banco Central com o balancete dos bancos comerciais – tal como aparece no Quadro 2.2. O ba-</p><p>lancete de um banco comercial foi apresentado no Capítulo 1 (Quadro 1.2). O balancete do conjunto</p><p>dos bancos comerciais de uma economia possui a mesma estrutura do balancete apresentado no Capítu-</p><p>lo 1. Assim, pode-se efetuar a soma algébrica deste balancete (considerando-o como representativo do</p><p>conjunto de bancos) e o balancete do Banco Central apresentado no Quadro 2.1. Quando se efetua o</p><p>agrupamento das contas, percebe-se que as rubricas (2) e (14) do ativo têm o mesmo valor das contas do</p><p>passivo (16.2) e (9), respectivamente. Portanto, podem ser excluídas. As contas (16.1) e (6) podem ser</p><p>agrupadas em um única conta, os meios de pagamento. As demais contas do passivo se constituem nos</p><p>recursos não monetários do sistema bancário.</p><p>2.3. O MULTIPLICADOR MONETÁRIO</p><p>A quantidade ofertada de base monetária é estabelecida pelo Banco Central. A demanda pela base</p><p>monetária é realizada pelo público e pelos bancos. Os bancos demandam base pela necessidade de</p><p>manter reservas (encaixes). O público demanda base para transformá-la em meios de pagamento. A</p><p>questão relevante é que a quantidade total de meios de pagamento é um múltiplo da base monetária.</p><p>A explicação para esse fato é que não é somente o Banco Central que cria meios de pagamento, os</p><p>bancos comerciais também o fazem. Os bancos possuem essa prerrogativa porque o público aceita os</p><p>depósitos à vista (moeda escritural) como meios de pagamento. Então, como os bancos sabem que</p><p>nem todos os clientes desejam sacar ao mesmo tempo seus depósitos, criam moeda escritural em uma</p><p>quantidade superior às reservas que possuem. Consequentemente, os meios de pagamento tornam-se</p><p>um múltiplo da base monetária. O Gráfico 2.1 apresentado a seguir descreve essas relações entre a</p><p>base monetária e os meios de pagamento e entre as reservas bancárias (os encaixes) e os depósitos à</p><p>vista. A parte da base monetária que é demandada pelo público (papel-moeda) não é multiplicada,</p><p>mas os bancos multiplicam a parte que demandam.</p><p>O Banco Central e o Sistema Monetário 17</p><p>Ativo Passivo</p><p>(1) Empréstimos</p><p>(3) + (13) Títulos Públicos e Privados</p><p>(4) Imobilizado</p><p>(12) Reservas Internacionais</p><p>(2) Reservas Bancárias</p><p>(14) Redesconto e Empréstimos</p><p>(15) + (5) Outras Aplicações</p><p>�</p><p>�</p><p>Total do Ativo</p><p>Meios de Pagamento</p><p>Passivo Não monetário</p><p>Total do Pasivo</p><p>Papel-moeda em Poder do Público (16.1)</p><p>Depósitos à vista (6)</p><p>Redescontos e Empréstimos (9)</p><p>Reservas Bancárias (16.2)</p><p>Depósitos a Prazo (7)</p><p>Empréstimos internos e do Exterior (17) + (8)</p><p>Patrimônio Líquido (10)</p><p>Outras Fontes (11) + (18)</p><p>�</p><p>�</p><p>QUADRO 2.2</p><p>Balancete Estilizado do Sistema Monetário</p><p>O multiplicador monetário é a razão meios de pagamento/base monetária. É positivo e, em geral,</p><p>maior que 1 (um). Pode ser encontrado pelo desenvolvimento apresentado a seguir. Os meios de paga-</p><p>mento são definidos por</p><p>MP = PMPP + DVBC</p><p>então:</p><p>PMPP = MP – DVBC</p><p>A base monetária é definida por</p><p>B = PMPP + ET</p><p>então:</p><p>PMPP = B – ET</p><p>Logo,</p><p>PMPP = MP – DVBC = B – ET B = MP – DVBC + ET</p><p>Dividindo-se cada termo desta última equação por MP, obtém-se:</p><p>B / MP = 1 – (DVBC / MP) + (ET / MP)</p><p>Dividindo-se e multiplicando-se o último termo por DVBC, tem-se:</p><p>B/MP = 1 – (DVBC / MP) + (ET / MP) * (DVBC / DVBC)</p><p>18 O Banco Central e o Sistema Monetário ELSEVIER</p><p>BASE</p><p>MONETÁRIA</p><p>Encaixes dos</p><p>Bancos</p><p>PMPP</p><p>PMPP</p><p>(Moeda Manual)</p><p>Depósitos à Vista</p><p>(Moeda Escritural)</p><p>MEIOS DE</p><p>PAGAMENTO</p><p>$</p><p>$</p><p>45�</p><p>GRÁFICO 2.1</p><p>Relações entre a Base Monetária e os Meios de Pagamento</p><p>e entre as Reservas Bancárias e os Depósitos à Vista</p><p>Chamando-se a razão DVBC/MP de d e a razão ET/DVBC de e, pode-se reescrever esta última equa-</p><p>ção da seguinte forma:</p><p>B / MP = 1 – d + ed</p><p>B / MP = 1 – d(1 – e)</p><p>MP = B / [1 – d(1 – e)]</p><p>Assim, o multiplicador monetário é:</p><p>α �</p><p>�</p><p>1</p><p>1 1– ( )d e</p><p>Logo, uma variação da base monetária multiplicada por α é igual à variação dos meios de pagamen-</p><p>to, isto é,</p><p>�MP = �B</p><p>Por exemplo, se o multiplicador monetário de uma economia é 1,54 e o Banco Central fez a base</p><p>monetária variar em 100 milhões de unidades monetárias, então, os meios de pagamento foram expan-</p><p>didos em 154 milhões de unidades monetárias. O Banco Central do Brasil divulga mensalmente o valor</p><p>do multiplicador monetário. A seguir, no Box 2.3, são reproduzidos os valores do multiplicador mone-</p><p>tário e das razões d e e da economia brasileira nos anos de 1997 e 1998.</p><p>O multiplicador monetário é função de duas variáveis d e e. Quanto maior o valor de d, maior será o</p><p>multiplicador. Quanto maior o valor de e, menor será o multiplicador. Assim, pode-se dizer que:</p><p>= f(d, e) d > 0 e</p><p>relação ao total de depósitos à vista (e), maior será o</p><p>multiplicador α. Isto pode ocorrer quando, por exemplo, os bancos comerciais adotam políticas de con-</p><p>cessão de crédito mais agressivas. Se existem tomadores de crédito insatisfeitos, tal política creditícia</p><p>de oferta mais ampla aumentará a quantidade de meios de pagamento da economia. Em outras palavras,</p><p>aumentará a quantidade de depósitos à vista em relação ao papel-moeda em poder do público. Pode-se</p><p>dizer, portanto, que o coeficiente d é representativo da decisão de como os bancos administram os seus</p><p>ativos (a concessão de empréstimos) e os seus passivos (a emissão de depósitos à vista), assim como da</p><p>decisão do público de demandar meios de pagamento na forma de depósitos à vista (isto é, demandar</p><p>empréstimos).</p><p>O Banco Central e o Sistema Monetário 19</p><p>Em suma, o Banco Central pode controlar a quantidade de meios de pagamento da economia (de</p><p>acordo com a fórmula Bα = M) de duas formas isoladamente ou utilizando-as de maneira complemen-</p><p>tar. Em primeiro lugar, o Banco Central pode controlar diretamente a base monetária tal como será vis-</p><p>to a partir da próxima seção. Em segundo lugar, pode tentar controlar o multiplicador monetário fazen-</p><p>do-o diretamente através da variação do percentual das reservas compulsórias em relação aos depósitos</p><p>à vista, isto é, controlando diretamente o valor da razão e.</p><p>O Banco Central pode também interferir indiretamente sobre o valor da razão d, impondo taxas pu-</p><p>nitivas nas operações de redesconto e empréstimos aos bancos comerciais. Com taxas punitivas em vi-</p><p>gor, é provável que os bancos comerciais adotem políticas creditícias mais cautelosas (reduzindo o va-</p><p>lor de d) em função do encarecimento em obter reservas junto ao Banco Central, quando necessárias.</p><p>As taxas das operações de socorro oficial também podem influenciar indiretamente e. Sob condições</p><p>em que vigoram taxas punitivas, é possível que os bancos adotem políticas mais conservadoras de re-</p><p>tenção de reservas de negócios (elevando o valor de e) para evitar que sejam obrigados a incorrer em o-</p><p>perações de redesconto e empréstimos.</p><p>A relação entre a base monetária e o multiplicador pode ser representada graficamente. No eixo</p><p>vertical do Gráfico 2.2 estão representados os meios de pagamento e, no eixo horizontal, a base monetá-</p><p>ria. A inclinação da função M está relacionada com o valor do multiplicador, que é no mínimo de 45o,</p><p>isto é, igual a 1 (um). Pela fórmula do multiplicador, pode-se concluir que o multiplicador somente será</p><p>igual a 1 (um), quando d for igual 0 (zero) ou quando e for igual a 1 (um). O significado econômico de d</p><p>ser igual a 0 (zero) é que não existem depósitos à vista nesta economia. O significado econômico de o</p><p>coeficiente e ser igual a 1 é que o total de depósitos à vista existentes é plenamente conversível em pa-</p><p>pel-moeda para todos os clientes simultaneamente. É improvável que uma economia tenha o seu multi-</p><p>plicador monetário igual a 1 (um).</p><p>ELSEVIER20 O Banco Central e o Sistema Monetário</p><p>D = DVBC/MP e = Et/DVBC α = multiplicador monetário</p><p>2004 d e α 2005 d e α</p><p>Jan 0,61 0,36 1,45 Jan 0,61 0,36 1,45</p><p>Fev 0,61 0,35 1,46 Fev 0,61 0,36 1,46</p><p>Mar 0,62 0,35 1,48 Mar 0,62 0,35 1,47</p><p>Abr 0,62 0,35 1,47 Abr 0,62 0,36 1,46</p><p>Mai 0,62 0,35 1,50 Mai 0,61 0,36 1,45</p><p>Jun 0,62 0,36 1,47 Jun 0,61 0,35 1,47</p><p>Jul 0,62 0,35 1,48 Jul 0,61 0,36 1,46</p><p>Ago 0,61 0,35 1,50 Ago 0,61 0,35 1,46</p><p>Set 0,62 0,34 1,49 Set 0,61 0,35 1,45</p><p>Out 0,62 0,34 1,47 Out 0,61 0,34 1,46</p><p>Nov 0,62 0,36 1,46 Nov 0,61 0,35 1,46</p><p>Dez 0,60 0,34 1,41 Dez 0,60 0,34 1,45</p><p>Fonte: Boletim do Banco Central.</p><p>O MULTIPLICADOR MONETÁRIO DA ECONOMIA BRASILEIRA</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>2</p><p>.</p><p>3</p><p>2.4. CRIAÇÃO E DESTRUIÇÃO DA BASE MONETÁRIA</p><p>O balancete do Banco Central apresentado neste capítulo é útil para a compreensão de quais operações</p><p>realizadas pelas autoridades monetárias fazem variar a base monetária e, consequentemente, o estoque</p><p>de meios de pagamento – dado um multiplicador monetário. Uma regra prática é visualizar a base mo-</p><p>netária como uma conta-resíduo no seu respectivo balancete. Assim, uma variação da base monetária</p><p>somente ocorrerá como resultado da diferença entre variações no valor das contas que estão do lado do</p><p>ativo e variações do valor das contas do passivo não monetário do balancete do Banco Central. O Box</p><p>2.4 resume esta regra prática.</p><p>A base monetária será expandida quando, por exemplo, o Banco Central compra dólares (e não rea-</p><p>liza nenhuma operação que altere a magnitude do seu passivo não monetário). Quando o Banco Central</p><p>vende títulos públicos (e não promove nenhuma alteração do seu passivo não monetário), reduz o tama-</p><p>nho da base monetária. Quando não se utiliza a regra prática da conta-resíduo, pode-se incorrer no erro</p><p>de avaliar que um aumento dos encaixes compulsórios aumentaria a base monetária (dado que a base</p><p>monetária é a soma de encaixes totais bancários com papel-moeda em poder do público). Um aumento</p><p>dos encaixes compulsórios não altera diretamente a base monetária porque não alterou o valor de qual-</p><p>quer conta do ativo do Banco Central, nem o valor de qualquer conta do seu passivo não monetário.</p><p>Uma outra regra prática importante é que deve haver uma transação que envolva moeda para que a base</p><p>monetária possa ter seu valor modificado.</p><p>O Banco Central e o Sistema Monetário 21</p><p>Uma variação da base monetária no</p><p>montante de x-y implica uma variação</p><p>de (x-y) dos meios de pagamento</p><p>onde > 1 (um).</p><p>O multiplicador monetário é, em geral,</p><p>maior que 1 (um).</p><p>Não tendem a ocorrer situações em que,</p><p>por exemplo, não existem depósitos à</p><p>vista e/ou os bancos mantêm reservas</p><p>no valor do montante de depósitos à</p><p>vista.</p><p>A inclinação de M depende dos valores</p><p>de e .</p><p>�</p><p>�</p><p>d e</p><p>�</p><p>MP em $</p><p>M</p><p>� �> 45 => > 1º</p><p>B em $y x</p><p>GRÁFICO 2.2</p><p>Relações entre a Base Monetária, os Meios de Pagamento e o Multiplicador Monetário</p><p>Para se avaliar se houve variação da base</p><p>monetária deve-se observar o balancete do</p><p>Banco Central. Neste balancete, quando:</p><p>a) uma variação positiva do montante das</p><p>contas do ativo é maior que uma varia-</p><p>ção positiva do montante das contas do</p><p>passivo não monetário, tem-se uma ex-</p><p>pansão da base monetária;</p><p>b) uma variação negativa do montante</p><p>das contas do ativo é maior que uma</p><p>variação negativa do montante das</p><p>contas do passivo não monetário,</p><p>tem-se uma contração da base mone-</p><p>tária; e se</p><p>c) uma variação positiva (negativa) do</p><p>montante das contas do ativo é igual</p><p>a uma variação positiva (negativa) do</p><p>montante das contas do passivo não</p><p>monetário, então, não há contração</p><p>nem expansão da base monetária.</p><p>VARIAÇÃO DA BASE MONETÁRIA</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>2</p><p>.</p><p>4</p><p>2.5. CRIAÇÃO E DESTRUIÇÃO DE MEIOS DE PAGAMENTO</p><p>Não somente o Banco Central pode alterar o estoque de moeda da economia quando realiza uma opera-</p><p>ção de ampliação da base monetária – dado um multiplicador. Os bancos comerciais podem alterar di-</p><p>retamente o estoque de meios de pagamento. A regra prática utilizada para se verificar se uma operação</p><p>qualquer alterou o estoque de meios de pagamento é semelhante àquela utilizada para se verificar se</p><p>houve alterações da base monetária. A regra prática é visualizar os meios de pagamento como uma con-</p><p>ta-resíduo no balancete do sistema monetário. Portanto, uma variação dos meios de pagamento somen-</p><p>te ocorrerá como resultado da diferença entre variações no valor das contas que estão do lado do ativo e</p><p>variações do valor das contas do passivo não monetário do balancete do sistema bancário. O Box 2.5 re-</p><p>sume esta regra prática.</p><p>O estoque de meios de pagamento é reduzido quando, por exemplo, um banco comercial reduz suas</p><p>operações de crédito com o público (e não há nenhuma alteração do passivo não monetário no balancete</p><p>do sistema bancário). Os meios de pagamento aumentam quando os bancos comerciais compram títu-</p><p>los privados (e não realizam nenhuma operação que altere a magnitude das contas do passivo não mo-</p><p>netário). Qualquer operação que altere os meios de pagamento deve ser realizada entre agentes que</p><p>compõem o sistema monetário da economia e agentes que estão</p><p>fora desse sistema e, além disso, tal</p><p>operação deve envolver pagamentos em moeda (manual ou escritural).</p><p>Operações que aumentam o estoque de meios de pagamento são chamadas de operações de moneti-</p><p>zação da economia. Um Banco Central pode, eventualmente, se ver obrigado a comprar dólares. Entre-</p><p>tanto, não desejaria monetizar a economia. Então, vende títulos ao público em magnitude idêntica à</p><p>operação de compra de divisas internacionais que está obrigado a realizar. Esta operação, simultanea-</p><p>mente, amplia e enxuga meios de pagamento da economia. Tal operação casada, que evita que a econo-</p><p>mia seja monetizada, chama-se operação de esterilização.</p><p>2.6. OPERAÇÕES DE CRIAÇÃO E DESTRUIÇÃO DE MEIOS</p><p>DE PAGAMENTO</p><p>A seguir são apresentados dez exemplos em que são discutidas as possibilidades de variação do estoque</p><p>de meios de pagamento da economia:</p><p>22 O Banco Central e o Sistema Monetário ELSEVIER</p><p>Para se avaliar se houve variação do esto-</p><p>que de meios de pagamento deve-se ob-</p><p>servar o balancete do sistema monetário.</p><p>Neste balancete, quando:</p><p>a) uma variação positiva do montante</p><p>das contas do ativo é maior que uma</p><p>variação positiva do montante das</p><p>contas do passivo não monetário, en-</p><p>tão, tem-se uma expansão do estoque</p><p>de meios de pagamento;</p><p>b) uma variação negativa do montante</p><p>das contas do ativo é maior que uma</p><p>variação negativa do montante das</p><p>contas do passivo não monetário, en-</p><p>tão, tem-se uma contração do estoque</p><p>de meios de pagamento; e se</p><p>c) uma variação positiva (negativa) do</p><p>montante das contas do ativo é igual a</p><p>uma variação positiva (negativa) do</p><p>montante das contas do passivo não</p><p>monetário, então, não há contração</p><p>nem expansão do estoque de meios de</p><p>pagamento.</p><p>VARIAÇÃO DO ESTOQUE DE MEIOS DE PAGAMENTO</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>2</p><p>.</p><p>5</p><p>1. Ao fim de um dia, um empresário se dirige a um banco comercial com a receita do seu negócio e faz</p><p>um depósito à vista. Nesta operação não houve criação nem destruição de meios de pagamento. Ne-</p><p>nhuma conta do ativo do balancete do sistema monetário teve seu valor alterado, assim como ne-</p><p>nhuma conta do passivo não monetário.</p><p>2. Um empresário se dirige a uma empresa de factoring e troca todos os cheques pré-datados que rece-</p><p>beu por recursos em moeda manual. Nesta operação não houve criação nem destruição de meios de</p><p>pagamento. Não houve nenhuma operação que envolvesse o setor monetário da economia e o públi-</p><p>co não bancário.</p><p>3. Um indivíduo vende ações ao banco comercial de que é cliente e recebe como pagamento um depó-</p><p>sito à vista na sua conta-corrente. Houve criação de meios de pagamento. Houve uma variação posi-</p><p>tiva do valor do ativo do sistema bancário, que resultou de uma operação entre o setor monetário da</p><p>economia (o banco comercial) e o público não bancário (o cliente) e que envolveu um ativo não mo-</p><p>netário (as ações) e um ativo monetário (o depósito à vista).</p><p>4. Um banco de investimento compra dólares de um exportador. O pagamento é feito em moeda</p><p>cash. Nesta operação não houve criação nem destruição de meios de pagamento. Tal operação</p><p>não foi realizada entre o setor monetário da economia e o público não bancário, mas sim entre o</p><p>setor financeiro não monetário (o banco de investimento) e o público não bancário (a empresa</p><p>exportadora).</p><p>5. Uma empresa vende os títulos públicos que possui a um banco comercial. O pagamento é feito em</p><p>moeda manual. Nesta operação houve criação de meios de pagamento. Houve uma variação positi-</p><p>va do valor do ativo do sistema bancário que resultou de uma operação entre o setor monetário da</p><p>economia (o banco comercial) e o público não bancário (a empresa) e que envolveu um ativo não</p><p>monetário (os títulos) e um ativo monetário (moeda manual).</p><p>6. Um banco comercial vende parte dos imóveis que possui a um banco de investimento. O pagamento</p><p>é feito em moeda cash. Nesta operação houve destruição de meios de pagamento. Houve uma varia-</p><p>ção negativa do valor do ativo do sistema bancário, que resultou de uma operação entre o setor mo-</p><p>netário da economia (o banco comercial) e o público não bancário (o banco de investimento) e que</p><p>envolveu um ativo não monetário (os imóveis) e um ativo monetário (moeda manual).</p><p>7. Os donos de uma empresa da área de informática dividem a sua propriedade vendendo ações aos</p><p>seus empregados. A compra das ações é feita em cheques. Nesta operação não houve criação nem</p><p>destruição de meios de pagamento. Não houve nenhuma operação que envolvesse o setor monetário</p><p>da economia e o público não bancário.</p><p>8. O Banco Central realiza uma operação de empréstimo direto a um banco comercial que está em difi-</p><p>culdade. Nesta operação não houve criação nem destruição de meios de pagamento. Não houve ne-</p><p>nhuma operação que envolvesse o setor monetário da economia e o público não bancário.</p><p>9. Taxas de limpeza urbana são recolhidas por um banco comercial que deposita esses recursos na con-</p><p>ta da prefeitura. Nesta operação não houve criação nem destruição de meios de pagamento. Nenhu-</p><p>ma conta do ativo do balancete do sistema monetário teve seu valor alterado, assim como nenhuma</p><p>conta do passivo não monetário.</p><p>10.Um banco comercial vende dólares a importadores. O pagamento é feito em moeda corrente. Nesta</p><p>operação houve destruição de meios de pagamento. Houve uma variação negativa do valor do ativo</p><p>do sistema bancário que resultou de uma operação entre o setor monetário da economia (o banco co-</p><p>mercial) e o público não bancário (empresas de importação) e que envolveu um ativo não monetário</p><p>(reservas internacionais) e um ativo monetário.</p><p>O Banco Central e o Sistema Monetário 23</p><p>RESUMO</p><p>1. O Banco Central possui algumas funções típicas: emissor de papel-moeda e controlador da liquidez da econo-</p><p>mia, banqueiro dos bancos, regulador do sistema financeiro e depositário de reservas internacionais do país. A</p><p>função de emprestador de última instância é uma função decorrente da posição de banqueiro dos bancos. O</p><p>Banco Central deve socorrer os bancos comerciais e as instituições financeiras em dificuldade realizando ope-</p><p>rações de redesconto.</p><p>2. A mais importante rubrica do passivo do Banco Central é a base monetária (que pode ser dividida em duas</p><p>subcontas: papel-moeda em poder do público e encaixes totais em moeda dos bancos). O Banco Central tam-</p><p>bém pode obter recursos tomando empréstimos no exterior. As principais contas do ativo do balancete do</p><p>Banco Central são as seguintes: reservas internacionais, títulos públicos, redescontos e empréstimos aos ban-</p><p>cos.</p><p>3. O sistema monetário é aquele conjunto de instituições que pode criar meios de pagamento, isto é, o Banco</p><p>Central e os bancos comerciais. O balancete do sistema monetário é, assim, a soma algébrica do balancete do</p><p>Banco Central com o balancete dos bancos comerciais. Quando se efetua o agrupamento das contas, perce-</p><p>be-se que as rubricas reservas bancárias e empréstimos e redescontos do ativo também aparecem no passivo.</p><p>Assim, devem ser excluídas. As contas papel-moeda em poder do público e depósito à vista podem ser agru-</p><p>padas em uma única conta, que conformam o total de meios de pagamento.</p><p>4. A quantidade ofertada de base monetária é estabelecida pelo Banco Central. A demanda pela base é realizada</p><p>pelo público e pelos bancos. Os bancos demandam base pela necessidade de manter reservas (encaixes). O pú-</p><p>blico demanda base para transformá-la em meios de pagamento. A questão relevante é que a quantidade total</p><p>de meios de pagamento é um múltiplo da base monetária. A explicação para esse fato é que não é somente o</p><p>Banco Central que cria meios de pagamento, os bancos comerciais também o fazem. Sendo assim, pode-se de-</p><p>finir o multiplicador monetário, que é a razão meios de pagamento/base monetária que é positiva e, em geral,</p><p>maior que 1 (um).</p><p>5. Uma regra prática para se avaliar variações da base monetária e dos meios de pagamento é visualizar tais ru-</p><p>bricas como contas-resíduo nos seus respectivos balancetes. Assim, uma variação da base monetária (ou dos</p><p>meios de pagamento) somente ocorrerá como resultado da diferença entre variações no valor das contas que</p><p>estão</p><p>do lado do ativo e variações do valor das contas do passivo não monetário do balancete do Banco Cen-</p><p>tral (ou do sistema monetário).</p><p>TERMOS-CHAVE</p><p>� Banqueiro dos Bancos</p><p>� Multiplicador Monetário</p><p>� Contração da Base Monetária</p><p>� Emprestador de Última Instância</p><p>� Conta-resíduo</p><p>� Expansão dos Meios de Pagamento</p><p>� Sistema Monetário</p><p>� Expansão da Base Monetária</p><p>� Contração dos meios de Pagamento</p><p>BIBLIOGRAFIA COMENTADA</p><p>Goodhart, C. (1992). Central Banking. In: The New Palgrave Dictionary of Money and Finance. Newman, P.,</p><p>Milgate, M. & Eatwell (editors). London: Macmillan.</p><p>–– (1992). Monetary base. In: The New Palgrave Dictionary of Money and Finance. Newman, P., Milgate, M.</p><p>& Eatwell (editors). London: Macmillan.</p><p>Toniolo, G. (editor) (1988). Central Banks’ Independence in Historical Perspective. Berlin: Walter de</p><p>Gruyter.</p><p>Esta é uma interessante coletânea sobre a história dos principais bancos centrais do mundo. Cada Banco Cen-</p><p>tral, por exemplo, da Alemanha ou da Inglaterra, é discutido tendo como foco o tema da independência, desde sua</p><p>criação até as últimas décadas.</p><p>24 O Banco Central e o Sistema Monetário ELSEVIER</p><p>APÊNDICE</p><p>O MULTIPLICADOR MONETÁRIO</p><p>COM PROGRESSÃO GEOMÉTRICA</p><p>O multiplicador monetário também pode ser encontrado utilizando-se progressões geométricas. Quan-</p><p>do o Banco Central realiza uma operação de ampliação da base monetária (por exemplo, compra títulos</p><p>do público), a primeira variação dos meios de pagamento que ocorre é da mesma magnitude da compra</p><p>feita pelas autoridades monetárias, ou seja, é igual à variação da base monetária (ΔB). Com mais recur-</p><p>sos monetários, o público aumenta a sua quantidade de depósitos nos bancos comerciais. A quantidade</p><p>de depósitos que os bancos recebem é igual ΔB.d. Uma parte desses novos depósitos se transformará</p><p>em reservas bancárias, o que possibilitará aos bancos conceder mais empréstimos. As reservas bancá-</p><p>rias seriam aumentadas de (ΔB.d) e. Os empréstimos adicionais seriam de (ΔB.d) (1– e). Esses emprés-</p><p>timos ampliam os meios de pagamento. Com mais recursos monetários, o público realiza novos</p><p>depósitos, que originará novos empréstimos, no valor de (ΔB.d) (1 – e) × (1 – e) d, que gerará novos de-</p><p>pósitos, e assim sucessivamente. Logo, a variação total de meios de pagamento, resultante da operação</p><p>original realizada pelo Banco Central será de:</p><p>ΔM = ΔB + (1 – e) d . ΔB + (1 - e)2 d2 . ΔB + (1 – e)3 d3 . ΔB + . . .</p><p>ΔM = ΔB [1 + (1 – e) d + (1 – e)2 d2 + (1 – e)3 d3 + . . .]</p><p>Calculando-se o limite do somatório que multiplica a variação da base monetária:</p><p>� 	lim</p><p>k</p><p>k k</p><p>k 1</p><p>1 (1– e) d 1</p><p>1 d(1– e)</p><p>�</p><p>�</p><p>�</p><p>� �</p><p>�</p><p>obtém-se o multiplicador monetário,</p><p>� �</p><p>� �</p><p>1</p><p>1 d(1 e)</p><p>O Banco Central e o Sistema Monetário 25</p><p>A TEORIA QUANTITATIVA</p><p>DA MOEDA</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Este capítulo analisa as teorias de demanda por moeda em sua versão clássica, mais co-</p><p>nhecida como teoria quantitativa da moeda. Em realidade, tal teoria já havia sido formula-</p><p>da por vários autores no decorrer dos séculos XVIII e XIX, e esteve por detrás de vários</p><p>debates ocorridos na Inglaterra, como, por exemplo, na famosa controvérsia bullionista</p><p>que envolveu o Relatório da Comissão do Ouro em 1810. Contudo, foi na elaboração do</p><p>economista americano Irving Fisher, em 1911, através das equações de troca, que a teoria</p><p>quantitativa ficou conhecida e popularizada. Também o debate que veio resultar na Lei</p><p>Bancária de 1844, na Inglaterra, entre as chamadas Escolas do Meio Circulante, Bancária</p><p>e de Bancos Livres, no qual estava em discussão a administração monetária do Banco da</p><p>Inglaterra, foi permeado pela teoria quantitativa. Este capítulo analisa ainda os desenvol-</p><p>vimentos teóricos realizados pelo economista sueco Knut Wicksell (1851-1926), que de-</p><p>senvolveu uma teoria monetária, ainda que dentro da tradição da teoria quantitativa</p><p>clássica, mas mais sofisticada do que esta. Wicksell realizou uma análise das operações de</p><p>uma economia dotada de um sistema bancário, em que os bancos tinham um papel impor-</p><p>tante no processo cumulativo que ele viria a desenvolver. Em particular, identificou na</p><p>taxa de juros o elo entre o setor real e o setor monetário na economia.</p><p>O capítulo está dividido em seis seções. Na Seção 3.1 mostram-se, resumidamente, os</p><p>antecedentes e primórdios da teoria quantitativa, contextualizando-a no debate monetário</p><p>ocorrido nos séculos XVIII e, principalmente, XIX. Na Seção 3.2, analisa-se a teoria</p><p>quantitativa da moeda em sua forma mais conhecida: a versão de transação de Fisher. Na</p><p>Seção 3.3 focaliza-se a abordagem de saldos de caixa, proposta por economistas de Cam-</p><p>bridge, de particular importância, já que foi considerada por Milton Friedman como a pri-</p><p>meira elaboração de uma teoria de demanda por moeda. A Seção 3.4 explora os traços co-</p><p>muns às duas tradições de teoria quantitativa. A Seção 3.5, em seguida, explora a visão de</p><p>Wicksell e sua abordagem do chamado processo cumulativo. A Seção 3.6 debate se a in-</p><p>clusão de Wicksell no campo quantitativista é realmente adequada.</p><p>CAPÍTULO</p><p>3</p><p>3.1. OS PRIMÓRDIOS DA TEORIA QUANTITATIVA:</p><p>O DEBATE MONETÁRIO NOS SÉCULOS XVIII E XIX</p><p>Em seu livro Critical Essays in Monetary Theory, o conhecido economista inglês John Hicks mostrou</p><p>que, desde seus primórdios, o desenvolvimento da teoria monetária esteve relacionado à necessidade de</p><p>definição de diretrizes políticas para aplicação no mundo real. O debate sobre assuntos monetários era</p><p>voltado principalmente para as dificuldades sentidas pelas autoridades responsáveis pelo controle da</p><p>moeda, que tentavam seguir uma rota segura entre pressões inflacionárias e deflacionárias. Em particu-</p><p>lar, na Inglaterra, no início do século XIX, o perigo da inflação estaria associado fundamentalmente à</p><p>possibilidade de emissão excessiva de papel-moeda. De fato, os melhores trabalhos de teoria monetária</p><p>foram, via de regra, diretamente inspirados por episódios específicos vividos por cada autor, especial-</p><p>mente aqueles derivados de desarranjos monetários.</p><p>Até as primeiras décadas do século XX, quando a preeminência no desenvolvimento da teoria eco-</p><p>nômica deslocou-se para os Estados Unidos, o principal berço da teoria monetária foi a Inglaterra. A</p><p>moderna teoria monetária britânica surge da controvérsia gerada pelas tentativas de suprimento das ne-</p><p>cessidades anormais de emissão de moeda e de criação de crédito, geradas pelas prolongadas guerras</p><p>contra a França, no final do século XVIII e no princípio do século XIX. Em particular, os problemas</p><p>monetários emergiram quando as notas de papel, especialmente as notas dos bancos, começaram a</p><p>competir com a moeda metálica como meio de troca, levantando as restrições técnicas que mantinham a</p><p>oferta de moeda limitada. A ruptura ocorreria a partir de 1797, quando o Banco da Inglaterra cortou o</p><p>vínculo automático entre suas notas e os metais preciosos, que eram em princípio conversíveis, suspen-</p><p>dendo assim os pagamentos em espécie (metal).</p><p>O debate iria ganhar vigor ao longo da primeira década do século XIX, quando, em várias ocasiões,</p><p>o valor cambial da libra, em termos de ouro, deteriorou-se. Foi então que se buscou, pela primeira vez,</p><p>uma explicação monetária para as flutuações na taxa de câmbio. O debate iria resultar no Relatório da</p><p>Comissão do Ouro (Bullion Committee’s Report) de 1810, e continuaria até a Inglaterra retornar à con-</p><p>versibilidade e ao padrão-ouro formal, a partir de 1844. O que estava em jogo na controvérsia bullionis-</p><p>ta,1 como ficou conhecido o debate gerado ao redor do Relatório da Comissão de Ouro, era uma expli-</p><p>cação para a depreciação da libra.</p><p>Os bullionistas atribuíam a elevação no preço do ouro em barra a uma emissão excessiva de pa-</p><p>pel-crédito (notas bancárias), devida à má administração monetária do Banco da Inglaterra, enquanto</p><p>que os antibullionistas encontravam uma explicação circunstancial nos efeitos das maciças despesas</p><p>externas efetuadas pelo governo inglês devido às guerras, acompanhadas pela desaceleração das expor-</p><p>tações na primeira década do século XIX. Como para os bullionistas a principal causa</p><p>da depreciação</p><p>da libra em termos de ouro era a política inflacionária do Banco da Inglaterra, ao emitir demasiadamen-</p><p>te papel-moeda, a única maneira de restaurar a estabilidade monetária seria impor ao Banco uma restri-</p><p>ção de resgatar suas notas em ouro, ou seja, um retorno à conversibilidade e ao vínculo entre notas ban-</p><p>cárias e metais preciosos.</p><p>A posição bullionista era assumida por Thornton, Ricardo, Horner e Malthus, entre outros, sendo</p><p>assim majoritária entre os principais economistas da época, enquanto que o ponto de vista oposto foi</p><p>defendido pelos diretores do Banco da Inglaterra e por alguns importantes ministros do Gabinete in-</p><p>glês, que negavam ser possível que as notas fossem emitidas acima das necessidades dos negócios, sob</p><p>o argumento de que os tomadores de crédito tomariam emprestado somente o que pudessem usar lucra-</p><p>tivamente. Além disto, estas notas eram garantidas por “papéis reais”, o que asseguraria a liquidação</p><p>dos empréstimos.</p><p>O debate entre a Escola do Meio Circulante (Currency School), cujos membros que mais se desta-</p><p>caram foram McCulloch, Lloyd, Longfield, Norman e Torrens, a Escola Bancária (Banking School), li-</p><p>A Teoria Quantitativa da Moeda 27</p><p>1. Para uma análise mais detalhada da controvérsia bullionista, ver Deane, P. A Evolução das Ideias Econômicas, cap. 4. Rio</p><p>de Janeiro: Ed. Zahar, 1980.</p><p>derada por Tooke, Fullarton e John Stuart Mill, e envolvendo em menor grau a Escola dos Bancos Li-</p><p>vres (Free Banking School) de Parnell, Gilbart e Scrope – que se iniciou nos anos 20 do século XIX e</p><p>acabou resultando na Lei Bancária de 1844 – foi, em certa medida, uma continuação da controvérsia</p><p>anterior, com a primeira escola seguindo uma posição semelhante à linha inflexível ricardiana (ver</p><p>Box 3.1) e a segunda (Tooke, em particular) tomando posições mais próximas às de Thornton. A dis-</p><p>cussão, neste caso, centrou-se mais diretamente na questão do descontrole monetário, ou mais propria-</p><p>mente na emissão excessiva de notas por parte do Banco da Inglaterra; se este deveria centralizar ou não</p><p>o monopólio de emissão de moeda; e ainda, se deveria (ou não) haver regras de emissão.2</p><p>A Escola do Meio Circulante procurava encontrar um nível de preços que fosse o mesmo tanto para</p><p>uma oferta de moeda completamente metálica quanto para uma moeda mista, incluindo notas bancárias</p><p>e moeda metálica. Para esta escola, os fluxos de ouro, em um padrão monetário puramente metálico,</p><p>têm efeito imediato sobre o aumento ou diminuição da moeda em circulação. Por outro lado, um au-</p><p>mento no nível de preços e uma queda nas reservas em moeda metálicas, em um regime de moeda mista</p><p>eram sintomas de emissão excessiva (overissue) de notas bancárias. Neste sentido, a Escola considera-</p><p>va tanto o Banco da Inglaterra quanto o Banco da Escócia como responsáveis pela emissão excessiva de</p><p>moeda. Para resolver esta questão, a Escola do Meio Circulante defendia a adoção de uma regulação es-</p><p>tatutária rígida sobre os bancos que assegurasse que o estoque de papel-moeda não fosse nem excessivo</p><p>nem deficiente. Assim, era essencial encontrar uma técnica que permitisse tornar a circulação de papel</p><p>não meramente resgatável em ouro, mas sim rigidamente atada ao estoque nacional de ouro de modo</p><p>que a emissão de notas passasse a variar automaticamente de acordo com as flutuações no estoque de</p><p>ouro. A adoção de regras do padrão-ouro exigia que a moeda corrente mista se comportasse exatamente</p><p>como se fosse uma moeda corrente puramente metálica. Consequentemente, não haveria necessidade</p><p>de regular as atividades bancárias, mas apenas a emissão monetária.</p><p>Para a Escola Bancária, contudo, o volume das notas em circulação é determinado pela demanda –</p><p>contraindo-se quando os negócios declinam e expandindo-se quando estes prosperam, variando, assim,</p><p>em função das necessidades do comércio. Para tanto, os bancos deveriam variar seus coeficientes de re-</p><p>serva para acomodar uma maior ou menor emissão de notas. A questão da emissão excessiva era irrele-</p><p>vante na medida em que a expansão monetária era possível somente por períodos limitados, uma vez</p><p>que as notas deveriam retornar ao banco emissor no momento de repagamento dos empréstimos. Ade-</p><p>mais, as obrigações de depósitos e notas bancárias não seriam nunca excessivas se os bancos restringis-</p><p>sem seus ativos lucrativos a letras de câmbio reais. Os defensores desta escola, ao contrário da Escola</p><p>do Meio Circulante, não tinham um programa legislativo para reformar o sistema monetário, pois, para</p><p>eles, o bom gerenciamento bancário não poderia ser legislado. Eles se contentavam em supor que a con-</p><p>versibilidade bastaria para salvaguardar a emissão de notas e manter o balanço de pagamentos em equi-</p><p>líbrio a longo prazo, salientando que as letras de câmbio e os cheques eram meios de troca da mesma</p><p>forma que as notas bancárias e a moeda metálica o eram.</p><p>A Escola dos Bancos Livres, por sua vez, defendia uma posição distinta das outras duas, defenden-</p><p>do uma visão favorável ao livre comércio na emissão de moeda conversível em espécie. Os membros</p><p>desta escola eram favoráveis a um sistema monetário-financeiro tal como era o sistema bancário esco-</p><p>cês, onde os bancos competiam em todos os serviços bancários, incluindo a emissão de notas, e nenhum</p><p>banco tinha o monopólio na emissão destas. Para esta escola, um sistema bancário descentralizado e</p><p>competitivo não emitia sem limites, mas sim fornecia uma quantia estável de moeda. Isto porque a es-</p><p>tratégia competitiva dos bancos requer a manutenção da confiança do público em suas emissões (uma</p><p>versão mais moderna destes argumentos está no Box 3.2). Ademais, um sistema de compensação inter-</p><p>bancário opera para eliminar emissões em excesso de um banco individual. Assim, a emissão excessiva</p><p>é um fenômeno que o monopólio do Banco da Inglaterra encoraja, mas um sistema competitivo – tal</p><p>como o escocês – desencoraja. Em outras palavras, em um sistema bancário competitivo, o problema de</p><p>emissão excessiva não se coloca.</p><p>28 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>2. Para um balanço deste debate, ver Schwartz, A. “Banking School, Currency School, Free Banking School”. In Newman, P.</p><p>et alli (ed.). The New Palgrave Dictionary of Money & Finance. London: Macmillan, 1992.</p><p>A Teoria Quantitativa da Moeda 29</p><p>As discussões monetárias nos séculos XVIII</p><p>e XIX estiveram relacionadas à necessida-</p><p>de (ou não) de um controle monetário e</p><p>creditício mais efetivo, sendo que por de-</p><p>trás desta discussão estava a causalidade</p><p>entre oferta de moeda, nível de preços e</p><p>crescimento do produto. A evolução do</p><p>pensamento econômico, na área da teoria</p><p>monetária, esteve relacionada direta-</p><p>mente ao desenvolvimento do sistema mo-</p><p>netário e financeiro, passando da moeda</p><p>metálica para o papel-dinheiro, até alcan-</p><p>çar o dinheiro creditício. Tal evolução exi-</p><p>giu continuamente uma revisão na teoria</p><p>monetária.</p><p>De fato, David Hume, em seu ensaio</p><p>Of Money de 1752, foi dos primeiros a</p><p>analisar a relação entre as variáveis mo-</p><p>netárias e as variáveis reais na economia.</p><p>Hume teorizava sobre um dinheiro pura-</p><p>mente metálico, pois ainda que o sistema</p><p>de crédito já estivesse se desenvolvendo,</p><p>seu desenvolvimento era muito inferior ao</p><p>que puderam contemplar Thornton, Ricar-</p><p>do e outros, já no século XIX. Como pode</p><p>ser visto nas passagens a seguir, Hume já</p><p>estabelecia claramente o que ficou conhe-</p><p>cido como teoria quantitativa clássica,</p><p>indo além de uma análise simplista de que</p><p>uma mudança da oferta de moeda provo-</p><p>ca uma mudança proporcional no nível</p><p>absoluto de preços, como frequentemente</p><p>é veiculado:</p><p>“É verdade que a indústria tem-se in-</p><p>crementado em todas as nações da Euro-</p><p>pa desde o descobrimento das minas na</p><p>América... e isto pode ser atribuído, entre</p><p>outras razões, ao aumento do ouro e da</p><p>prata. Assim, pois, vemos que em um rei-</p><p>no onde começa a fluir dinheiro em maior</p><p>abundância do que antes, tudo muda; o</p><p>trabalho e a indústria se avivam; o comer-</p><p>ciante se torna mais empreendedor, e até</p><p>o agricultor maneja o seu arado com maior</p><p>entusiasmo e atenção...”</p><p>“Para explicar este</p><p>fenômeno devemos</p><p>considerar que ainda que o novo preço</p><p>alto das mercadorias é uma consequência</p><p>necessária do aumento do ouro e da pra-</p><p>ta, tal aumento não ocorre de imediato;</p><p>ao contrário, deve transcorrer certo tempo</p><p>para que o dinheiro circule por todo o</p><p>Estado e até sentir seu efeito sobre toda</p><p>classe de pessoas. A princípio não se per-</p><p>cebe nenhuma alteração; gradualmente</p><p>os preços vão subindo, primeiro o de algu-</p><p>mas mercadorias, logo o de outras, até</p><p>que o total alcança a proporção de au-</p><p>mento apropriada à nova quantidade de</p><p>dinheiro que há no reino. Em minha opi-</p><p>nião, é somente no intervalo, no período</p><p>intermediário entre a aquisição do dinhei-</p><p>ro e o aumento dos preços, que o aumen-</p><p>to na quantidade de ouro e prata favorece</p><p>a indústria”.*</p><p>Fica claro, então, que para Hume a teo-</p><p>ria quantitativa é válida como uma condi-</p><p>ção de equilíbrio de longo prazo; mas no</p><p>curto prazo, enquanto a oferta de moeda</p><p>aumenta, se pode produzir um estímulo</p><p>real no nível de atividade econômica.</p><p>No início do século XIX, o sistema credití-</p><p>cio britânico já tinha se desenvolvido signifi-</p><p>cativamente, sendo o sistema monetário</p><p>composto pelo Banco da Inglaterra, que era</p><p>o único emissor de notas na metrópole,</p><p>pelo Banco da Irlanda e por três bancos es-</p><p>coceses, além de vários bancos provinciais.</p><p>Neste contexto, em que a conversibilidade</p><p>em espécie foi suspensa, o papel do Banco</p><p>da Inglaterra era central e ainda observa-</p><p>va-se uma divergência entre o preço de</p><p>mercado e do preço de cunhagem do ouro</p><p>em barra – o que acabou levando à consti-</p><p>tuição da “Comissão do Ouro”.</p><p>Henry Thornton, um ativo banqueiro de</p><p>Londres e membro do Parlamento, foi o</p><p>primeiro a realizar uma exposição siste-</p><p>mática da teoria da moeda e do crédito,</p><p>em seu livro Investigação sobre a Natureza</p><p>e os Efeitos do Papel-Crédito da Grã-Bre-</p><p>tanha, de 1802. Em sua análise do siste-</p><p>ma credíticio, ele mostrou, tal como Hu-</p><p>me, que a curto prazo os fatores monetári-</p><p>os podem ter efeitos reais, assim como os</p><p>fatores reais podem ter efeitos monetári-</p><p>os. Um crescimento do produto e do co-</p><p>mércio estimularia o volume de crédito</p><p>concedido e da moeda corrente em circu-</p><p>lação, na medida em que o sistema de</p><p>crédito expande-se quando o volume de</p><p>negócios aumenta. Thornton, ao contrário</p><p>de Ricardo, defendia que o sistema credití-</p><p>cio devia ser controlado ou dirigido atra-</p><p>vés de uma emissão discricionária de no-</p><p>tas administrada por um Banco Central</p><p>que ajustaria sua circulação.</p><p>* Hume, D. Essays, Moral, Political and Literaly.</p><p>Citado por Hicks, J. Critics Essays in Monetary</p><p>Theory. Oxford: Clarendon Press, 1967, cap. 9.</p><p>A TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA DE HUME E RICARDO</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>3</p><p>.</p><p>1</p><p>aneli</p><p>As Escolas do Meio Circulante e Bancária estavam de acordo que um Banco Central com o direito</p><p>exclusivo de emissão era essencial para zelar pela saúde da economia, mas diferiam quanto à necessida-</p><p>de de uma regra para emissão de notas: a Escola do Meio Circulante defendia uma regra-limite para a</p><p>autoridade monetária, enquanto que a Escola Bancária propunha uma autoridade sem regras. Por outro</p><p>lado, a Escola dos Bancos Livres desaprovava tanto uma regra-limite como uma autoridade sob a forma</p><p>de Banco Central, defendendo um sistema emissor de notas competitivo que seria autorregulado.</p><p>A Lei Bancária de 1844 (Bank Charter Act) reconheceu a necessidade de centralizar o controle da</p><p>oferta de moeda e estabeleceu formalmente o Banco da Inglaterra como autoridade monetária princi-</p><p>pal, fixando um máximo para emissão de notas pelos bancos provinciais (que viriam a ser absorvidos</p><p>pelo Banco da Inglaterra) e dividindo o banco em dois departamentos: o Departamento Bancário, em</p><p>que o Banco da Inglaterra funcionava como um banco comercial; e o Departamento de Emissão, em</p><p>que todas as notas em circulação deveriam ser lastreadas em ouro – com o Banco da Inglaterra pas-</p><p>sando a funcionar como uma espécie de Conselho da Moeda (currency board). A Inglaterra adotava,</p><p>assim, as regras do padrão-ouro, que obrigavam o governo de um país a responder automaticamente</p><p>aos sinais gerados pelo seu balanço de pagamentos: se as divisas em ouro apresentassem uma tendên-</p><p>cia de saída, o governo deveria elevar sua taxa de desconto, de modo a frear a saída de divisas; toda-</p><p>via, se o fluxo de ouro aumentasse demasiadamente, a taxa de desconto deveria cair, para desestimu-</p><p>lar a entrada de ouro.</p><p>O que se observou, na prática, é que, em períodos de crise bancária, o pânico era contido com o go-</p><p>verno inglês autorizando a suspensão temporária dos limites legais sobre a emissão fiduciária. A ado-</p><p>ção de um regime de moeda corrente lastreada em ouro e plenamente automático se encaixava com a fi-</p><p>losofia prevalecente do laissez-faire no comércio, servindo particularmente à economia inglesa que ti-</p><p>nha um superávit comercial normalmente elevado e em que a suspensão temporária das limitações au-</p><p>tomáticas sobre a política de crédito interno só raramente foi exigida. Em geral, um aumento relativa-</p><p>mente modesto das taxas de juros era suficiente para compensar a drenagem de ouro.</p><p>30 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>David Ricardo procurou dar uma expli-</p><p>cação monetária mais simples aos proble-</p><p>mas monetários da Inglaterra, descartan-</p><p>do a noção de que um aumento na emis-</p><p>são de notas de alguma forma pudesse</p><p>aumentar o estoque nacional de capital</p><p>produtivo. Para ele a inflação dos tempos</p><p>de guerra, mais do que uma inevitável</p><p>consequência da guerra, era causada</p><p>pela “política frouxa” do Banco da Ingla-</p><p>terra, que levava a uma depreciação da</p><p>moeda (valor do câmbio internacional da</p><p>libra-papel) nos mercados cambiais es-</p><p>trangeiros. Assim, Ricardo colocava a res-</p><p>ponsabilidade pela inflação e pela depre-</p><p>ciação da taxa de câmbio diretamente so-</p><p>bre os ombros dos diretores do Banco:</p><p>“Se os diretores do Banco... tivessem</p><p>procedido de acordo com o princípio que</p><p>declaravam ter sido o que regulava suas</p><p>emissões, quando eram obrigados a pa-</p><p>gar as suas notas em espécie, a saber, li-</p><p>mitar suas notas àquele montante que im-</p><p>pediria o excesso de mercado acima do</p><p>preço de cunhagem do ouro, não devería-</p><p>mos estar agora expostos a todos os males</p><p>de uma moeda corrente depreciada e em</p><p>perpétua variação”.*</p><p>Ricardo e seus seguidores buscaram, as-</p><p>sim, regras mecânicas para o controle do</p><p>crédito, num esquema parecido ao que mo-</p><p>dernamente se conhece como currency</p><p>board, defendendo que o sistema trabalha-</p><p>ria bem se fosse encontrada uma forma em</p><p>que o crédito funcionasse tal como o dinhei-</p><p>ro metálico. De certa forma, pode-se dizer</p><p>que a Lei Bancária de 1844 foi ricardiana,</p><p>ao dividir o Banco da Inglaterra em dois de-</p><p>partamentos: um departamento de emis-</p><p>são, funcionando como um currency board,</p><p>e um departamento bancário, funcionando</p><p>como um banco comercial normal.</p><p>* Ricardo, D. The High Price of Bullion, a Proof of</p><p>trhe Depreciation of Banknotes. Citado por De-</p><p>ane, P. A Evolução das Ideias Econômicas, p. 79,</p><p>op. cit.</p><p>A TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA DE HUME E RICARDO</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>3</p><p>.</p><p>1</p><p>aneli</p><p>aneli</p><p>3.2. TEORIA QUANTITATIVA: VERSÃO DE TRANSAÇÕES</p><p>DE FISHER</p><p>A teoria quantitativa da moeda (TQM) estabelece que os preços variam diretamente com a quantidade</p><p>de moeda em circulação, considerando que a velocidade de circulação da moeda e o volume de transa-</p><p>ções com bens e serviços não se alteram. Outra forma de expressar a TQM é dizer que uma mudança no</p><p>estoque de moeda, num certo período de tempo, não tem efeito permanente sobre as variáveis reais, mas</p><p>resulta em uma mudança proporcional nos preços dos bens e serviços. Ou seja, o valor da moeda ou po-</p><p>der de compra varia inversamente com o nível de preços, pois quanto mais baixos (ou altos) forem os</p><p>preços dos bens e serviços, maiores (menores) as quantidades que podem ser compradas por uma dada</p><p>quantia de moeda e, portanto, mais alto (baixo) o poder de compra da moeda.</p><p>Como vimos na seção anterior, a TQM veio sendo desenvolvida desde o século XVIII, mas sua ver-</p><p>são mais famosa foi a versão de transações formulada inicialmente por Simon Newcomb, em 1885, e</p><p>popularizada</p><p>por Irving Fisher, em seu famoso livro de 1911, The Purchasing Power of Money. Seu</p><p>ponto de partida é estabelecer a identidade entre o total de pagamentos em moeda e o total de bens e ser-</p><p>viços transacionados. Parte-se, portanto, de que, em cada ato de compra e venda de bens e serviços, os</p><p>pagamentos em moeda e o valor dos bens e serviços trocados são idênticos. Assim, o total de moeda</p><p>paga nas transações é igual ao valor total dos bens e serviços comprados. O evento elementar é uma</p><p>transação, uma troca em que um agente econômico transfere bens e/ou serviços para outro agente e re-</p><p>cebe uma transferência de moeda em troca.</p><p>A equação de troca é uma relação, na forma matemática, do total de transações efetivadas em um</p><p>certo período, sendo obtida somando as equações envolvidas em todas as trocas individuais no período.</p><p>Assim temos que:</p><p>MV = PT ou</p><p>MV + M’V’ = PT</p><p>(1)</p><p>(2)</p><p>em que</p><p>M = quantidade de moeda em circulação;</p><p>V = velocidade de circulação da moeda;</p><p>M’ = total de depósitos sujeitos a transferência de cheque;</p><p>V’ = velocidade de circulação correspondente a M’;</p><p>P = preços correspondentes dos bens e serviços;</p><p>T = quantidade de transações físicas de bens e serviços.</p><p>O lado direito da equação – correspondente aos bens e serviços transacionados – é composto pelas</p><p>quantidades de transações de bens e serviços trocados multiplicado pelos seus respectivos preços, num</p><p>determinado período de tempo. O lado esquerdo – correspondente ao total de moeda utilizada para</p><p>pagamentos durante um certo intervalo de tempo – é composto pela quantidade de moeda multiplicada</p><p>por sua velocidade de circulação. A equação de troca representa, portanto, uma aplicação da contabili-</p><p>dade de partidas dobradas, em que cada transação é registrada simultaneamente em ambos os lados da</p><p>equação. Segundo Fisher, a inclusão de depósitos bancários – que ele denominou de crédito circulante</p><p>– na equação de troca, tal como na equação 2, não perturba a relação quantitativa entre moeda e preços,</p><p>na medida em que a quantidade de depósitos ou crédito em circulação M’ tende a manter uma relação</p><p>definida com M, a quantidade de moeda em circulação. Em outras palavras, os depósitos são normal-</p><p>mente mais ou menos um múltiplo definido da moeda.</p><p>Uma versão modificada da equação de trocas foi formulada posteriormente, em que, para lidar com</p><p>problemas conceituais e estatísticos envolvidos na determinação do nível de preços e das quantidades</p><p>transacionadas, substitui-se o volume total de transações reais na economia com bens finais pelo Produ-</p><p>to Interno Bruto (PIB), que só considera o produto final, e o nível de preços da economia. Assim:</p><p>A Teoria Quantitativa da Moeda 31</p><p>MV = Py (3)</p><p>em que</p><p>M = oferta de moeda;</p><p>V = velocidade renda da moeda;</p><p>y = PIB real;</p><p>P = nível de preços.</p><p>Na TQM, de forma geral, a moeda é tratada como um estoque e não como um fluxo. A velocidade</p><p>de circulação ou a rapidez de giro (turnover) da moeda representa a taxa de utilização da moeda, ou</p><p>seja, o quão rápido ou quantas vezes a moeda muda de mãos durante um período de tempo nas transa-</p><p>ções realizadas. Instituições e hábitos determinam a velocidade agregada, cuja magnitude é fixada pe-</p><p>las taxas de velocidade de circulação dos retentores individuais de moeda. Ela pode ser calculada pelo</p><p>quociente obtido pela divisão do total de pagamentos de bens em moeda no curso de um período (um</p><p>ano) pela quantia média de moeda em circulação através do qual estes pagamentos são efetuados. Com</p><p>base nas equações 1 e 3 temos que:</p><p>V =</p><p>PT</p><p>M</p><p>V</p><p>Py</p><p>M</p><p>ou � (4)</p><p>Os preços devem, como um todo, variar proporcionalmente com a quantidade de moeda (M) e com</p><p>a velocidade de circulação (V) e inversamente com as quantidades de bens trocados. Assim, ao se do-</p><p>brar a velocidade de circulação da moeda, o mesmo ocorrerá com o nível de preços, caso a quantidade</p><p>de moeda em circulação e a quantidade de bens trocados por moeda permaneçam constantes. Por outro</p><p>lado, ao se dobrar a quantidade de bens trocados, o nível de preços cairá pela metade, se a quantidade de</p><p>moeda e sua velocidade de circulação permanecerem as mesmas. Caso haja uma mudança simultânea</p><p>em duas ou todas as três variáveis – quantidade de moeda, velocidade de circulação e quantidade de</p><p>bens transacionados – o nível de preços resultará dessas três influências. Se, por exemplo, a quantidade</p><p>de moeda é duplicada, e sua velocidade de circulação diminui à metade, enquanto a quantidade de bens</p><p>transacionados permanece constante, o nível de preços não se alterará. A equação de trocas mostra que</p><p>um aumento em uma das variáveis de um lado da equação requer, de modo a preservar a igualdade, um</p><p>aumento proporcional no outro lado.</p><p>Contudo, a TQM considera que, no equilíbrio de longo prazo, o volume dos bens transacionados é</p><p>determinado ao nível de sua plena capacidade por forças reais, incluindo a qualidade e quantidade da</p><p>força de trabalho, a magnitude do estoque de capital e o nível de tecnologia. A Lei de Say, que estabele-</p><p>ce que “a oferta cria sua própria procura”, e que portanto toda produção gera o seu poder de compra cor-</p><p>respondente, assegura (juntamente com outras hipóteses) que o produto y estará no nível de pleno em-</p><p>prego a longo prazo. Assim, salvo em períodos de transição, quando todas as variáveis da equação de</p><p>trocas podem interagir, as forças reais e o nível de negócios são independentes das outras variáveis da</p><p>equação. A velocidade da moeda é considerada uma variável estável, que muda vagarosamente no tem-</p><p>po, dependente que é de fatores institucionais, como frequência, regularidade e correspondência entre</p><p>recebimentos e gastos. Deste modo, tal como o volume de negócios, ela é independente das outras va-</p><p>riáveis da equação de troca. Daí segue-se que as mudanças de equilíbrio no nível de preços ocorrem de-</p><p>vido a mudanças no estoque de moeda. O nível de preços P, portanto, é considerado uma variável passi-</p><p>va determinada pela oferta de moeda.</p><p>Em síntese, a teoria quantitativa diz que – uma vez que a velocidade de circulação e o volume de co-</p><p>mércio sejam constantes – um aumento na quantidade de moeda em circulação faz com que os preços</p><p>aumentem na mesma proporção. A TQM se apoia, portanto, na ideia fundamental de que a moeda não</p><p>tem nenhum poder de satisfazer os desejos humanos, exceto o poder de comprar bens e serviços. A moe-</p><p>da é apenas um meio de troca usado como ponte do hiato entre recebimentos e gastos dos agentes.</p><p>32 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>3.3. A TEORIA QUANTITATIVA NA VERSÃO</p><p>DOS SALDOS MONETÁRIOS DE CAMBRIDGE</p><p>O aspecto principal da moeda enfatizado na abordagem de transações é que, para um ato de venda poder</p><p>ser separado de um ato de compra, é preciso haver alguma coisa que sirva como moeda, que todos os</p><p>agentes aceitem como poder de compra geral. Na abordagem dos saldos monetários (“cash-balance”),</p><p>por outro lado, a moeda serve como uma residência temporária para o poder de compra, no intervalo de</p><p>tempo entre a venda e compra de mercadorias. Para qualquer agente individual, seja um consumidor ou</p><p>uma empresa, pagamentos e recebimentos não têm por que se dar nas mesmas datas. Isto torna necessá-</p><p>ria a existência de um objeto que cada um de nós possa usar para transportar poder de compra da data</p><p>em que o recebemos (por exemplo, quando vendemos alguma coisa) para aquela em que o gastaremos</p><p>(na compra de bens e serviços, ou de ativos financeiros, ou de pagamento de impostos etc.). A moeda é</p><p>exatamente este veículo na abordagem dos saldos monetários da TQM.</p><p>Quanta moeda as pessoas ou empresas irão querer reter em média, como uma residência temporária</p><p>do poder de compra? Como uma primeira aproximação, supõe-se normalmente que a quantidade retida</p><p>de moeda deva ter alguma relação com a renda, no pressuposto de que a renda afeta o volume de com-</p><p>pras potenciais em razão das quais o indivíduo ou a empresa desejam reter saldos de caixa. Assim,</p><p>M = kPy (5)</p><p>em que</p><p>k = razão do estoque de moeda em relação à renda nominal (k = 1/V, 0 � k ���)</p><p>M = quantia desejada de moeda.</p><p>A variável k é conhecida como constante marshalliana e é numericamente igual ao inverso de V. A</p><p>equação 5 é na realidade derivada da equação 3.</p><p>Note-se que, em qualquer das equações 3, 4 ou 5, M representa um estoque (medido, por exemplo,</p><p>em reais) e Py um fluxo (reais por unidade de tempo). Segundo Friedman,3 a equação 5 pode ser consi-</p><p>derada como uma função demanda por moeda, com P e y do lado direito sendo duas das variáveis de</p><p>que a quantidade de moeda demandada depende e k simbolizando todas as outras variáveis. A versão de</p><p>Cambridge expressa a demanda por moeda como uma proporção k do nível de renda. A relação propor-</p><p>cional entre moeda e preços depende da estabilidade da velocidade de Circulação ou k.</p><p>Como a oferta de moeda (MS) é considerada exógena pela TQM, para que haja equilíbrio no merca-</p><p>do de moeda, a quantidade ofertada deve ser igual à quantidade demandada. Assim:</p><p>M = Md = MS (6)</p><p>Como visto, uma das diferenças entre a versão de transações e a abordagem dos saldos monetários</p><p>refere-se a ênfases distintas na definição da moeda. Tal diferença, contudo, é mais metodológica do que</p><p>de resultados, pois a versão de Cambridge parte também da Lei de Say, argumentando que y deverá es-</p><p>tar no nível de pleno emprego a longo prazo e que k é estável e independente da oferta de moeda. Como</p><p>k permanece constante, tal versão resulta na mesma relação proporcional entre oferta de moeda e nível</p><p>de preços, uma vez que mudanças na oferta de moeda causam mudanças diretas nas decisões de gasto</p><p>dos agentes. Assim, a oferta de moeda deveria crescer de modo suave ao longo do tempo, para satisfazer</p><p>as necessidades básicas da economia representada pelo crescimento da renda real. Qualquer aumento</p><p>A Teoria Quantitativa da Moeda 33</p><p>3. Friedman, M. “Quantity Theory of Money”. In: Newman, P. et alli (ed.). The New Palgrave Dictionary of Money & Finan-</p><p>ce. London: Macmillan, 1992.</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>maior no estoque de moeda do que aquele determinado pelo crescimento da renda real acarretaria um</p><p>aumento correspondente no nível de preços.</p><p>Pela teoria quantitativa, o único motivo para uma economia experimentar inflação ou deflação resulta</p><p>de desvios na oferta de moeda de seu nível de equilíbrio de longo prazo. Daí por que se pode interpretar a</p><p>TQM como uma teoria da inflação, em que a taxa de crescimento de preços é determinada pela expansão</p><p>dos meios de pagamento acima do crescimento do produto real. Assim, a taxa de inflação pode ser obtida</p><p>pela diferença entre a taxa de expansão monetária e a taxa de crescimento do produto real.</p><p>3.4. A TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA</p><p>E SEUS POSTULADOS BÁSICOS4</p><p>Os principais postulados que estão implícitos na teoria quantitativa da moeda são: equiproporcionali-</p><p>dade entre moeda e preços; causalidade da moeda para preços; não neutralidade de curto prazo e neutra-</p><p>lidade da moeda no longo prazo; independência entre oferta e demanda por moeda; dicotomia preços</p><p>relativos/preços absolutos. Vejamos cada uma delas separadamente.</p><p>3.4.1 EQUIPROPORCIONALIDADE ENTRE MOEDA E PREÇOS</p><p>A proposição básica da TQM é que “uma mudança na quantidade de moeda normalmente causa uma</p><p>mudança proporcional no nível de preços”, pois como visto, o volume de bens transacionados e a velo-</p><p>cidade de circulação da moeda são independentes do estoque de moeda no longo prazo. Neste sentido,</p><p>se, por exemplo, a oferta de moeda aumenta 10%, o nível de preços aumentará também em 10%, porque</p><p>V e y são independentes da oferta de moeda no longo prazo e permanecerão constantes.</p><p>A proporcionalidade entre moeda e preços se assenta na proposição de que o comércio e a velocida-</p><p>de são mantidos fixos. No tempo histórico real, contudo, ambos experimentam mudanças seculares, in-</p><p>dependentemente do estoque de moeda. Por isso, a proporcionalidade refere-se mais propriamente ao</p><p>efeito da moeda sobre preços.</p><p>3.4.2 CAUSALIDADE DA MOEDA PARA PREÇOS</p><p>A causalidade da moeda para preços é assegurada à medida que nenhuma das variáveis da equação de</p><p>trocas – V e y – pode absorver permanentemente o impacto da mudança em M. A variação da oferta de</p><p>moeda transmite seu efeito completo aos preços através de um mecanismo de ajustamento como o dis-</p><p>cutido na seção anterior: em um esforço para restaurar a velocidade da moeda ao seu nível desejado, os</p><p>possuidores de moeda aumentarão sua taxa de gasto; o gasto aumentado exercerá – posto que o produto</p><p>é fixado em seu nível de plena capacidade – uma pressão para cima dos preços.</p><p>3.4.3 NÃO NEUTRALIDADE DE CURTO PRAZO E NEUTRALIDADE</p><p>DA MOEDA NO LONGO PRAZO</p><p>Para a TQM, um aumento na oferta de moeda não pode aumentar de forma permanente o nível de pro-</p><p>duto, já que este depende da disponibilidade dos fatores de produção. Assim, a independência entre o</p><p>nível de produto e a quantidade de moeda significa que a moeda não pode influenciar de forma perma-</p><p>nente a atividade real.</p><p>34 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>4. Esta seção está baseada em Humphrey, T. “Fisher and Wicksell on the Quantity Theory.” Federal Reserve Bank of Rich-</p><p>mond Quaterly, vol. 83/4, outono 1997, seção 1.</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>3.4.4 INDEPENDÊNCIA ENTRE OFERTA E DEMANDA POR MOEDA NA VERSÃO FISHER</p><p>Para economias operando no padrão-ouro, tal como era o caso da Inglaterra na ocasião em que a TQM</p><p>foi elaborada por Fisher e outros, o estoque de moeda em uma economia aberta é determinado exogena-</p><p>mente por um dado estado do balanço de pagamentos, resultante de um certo nível de preços externos</p><p>em relação ao doméstico. Por isso, a oferta é considerada independente da demanda por moeda.</p><p>3.4.5 DICOTOMIA PREÇOS RELATIVOS/PREÇOS ABSOLUTOS</p><p>Esta dicotomia está vinculada ao fato de que se atribuía a variações nos preços relativos mudanças nas</p><p>variáveis reais, como PIB, emprego etc, enquanto que os movimentos nos preços absolutos eram atribuí-</p><p>dos a causas monetárias. As mudanças no nível de preços não podem ser causadas por alterações nos</p><p>custos de produção, como em caso de forte militância sindical, de poder de monopólio das firmas, de</p><p>escassez de mercadorias etc. Tais forças afetam preços relativos, mas não preços absolutos. Em outras</p><p>palavras, dado o estoque de moeda, a velocidade da moeda e o nível de troca de bens, as mudanças in-</p><p>duzidas por um choque real em preços relativos produzem mudanças compensatórias em outros, dei-</p><p>xando o nível de preços absolutos inalterado.</p><p>3.5. WICKSELL E O PROCESSO CUMULATIVO</p><p>O processo cumulativo de Wicksell considera tanto o mecanismo direto de transmissão monetária</p><p>quanto o indireto, o que lhe permitiu uma apresentação da teoria quantitativa da moeda de forma mais</p><p>refinada do que aquela desenvolvida por seus contemporâneos. Por mecanismo direto referimo-nos ao</p><p>efeito do aumento da oferta de moeda diretamente sobre a demanda por bens. Este mecanismo será su-</p><p>posto funcionar do seguinte modo: vamos assumir que consumidores e empresas, ao decidir a quantida-</p><p>de de moeda que desejam reter, levem em conta apenas o seu valor real, isto é, apenas o poder de compra</p><p>efetivo representado por uma dada quantia de dinheiro. Quando a oferta de moeda é aumentada, estes</p><p>consumidores e empresas veem-se com mais poder de compra do que desejariam, dados os preços cor-</p><p>rentes dos bens. Assim, estarão retendo saldos reais em excesso. Estes agentes tentarão livrar-se do po-</p><p>der de compra excedente ao desejado do modo mais simples: gastando-o na compra de bens e serviços.</p><p>Como estamos assumindo que o produto desta economia já esteja em seu máximo, o aumento da de-</p><p>manda causado pelo gasto dos saldos reais excessivos fará os preços subirem. A esta sequência de acon-</p><p>tecimentos chamaremos efeito saldos reais. Por exemplo, a descoberta de ouro (em um país sob o</p><p>regime padrão-ouro) acarreta uma demanda excedente de bens, que, por sua vez, eleva os preços inter-</p><p>nos. Já o mecanismo indireto se apoia no reconhecimento da existência de uma relação entre a demanda</p><p>por moeda (e sua velocidade) e a taxa de juros, na qual um aumento (diminuição) na oferta de moeda re-</p><p>duz (aumenta) primeiro a taxa de</p><p>juros, elevando-se depois a demanda por bens, causando então um au-</p><p>mento (diminuição) do nível de preços.</p><p>3.5.1. A ECONOMIA DE MOEDA PURA</p><p>Em uma economia hipotética de moeda pura, de pagamento à vista em meio circulante – onde não exis-</p><p>te nenhum banco para emitir depósitos transferíveis por cheque e todas as transações são mediadas intei-</p><p>ramente por moeda metálica – o aumento da oferta de saldos reais de ouro assegura que os preços</p><p>movem-se proporcionalmente à quantidade de moeda no equilíbrio de longo prazo. Assim, a descober-</p><p>ta de ouro em uma economia fechada tornaria, aos preços inicialmente vigentes, os saldos reais maiores</p><p>que desejados. Os detentores de moeda gastarão este poder de compra excedente (efeito saldo real),</p><p>pressionando para cima os preços, que acabam por aumentar proporcionalmente ao aumento do estoque</p><p>A Teoria Quantitativa da Moeda 35</p><p>de ouro monetário. Em outras palavras, numa economia hipotética de moeda pura, valem inteiramente</p><p>todas as premissas da teoria quantitativa da moeda, expostas nas seções precedentes.</p><p>3.5.2. A ECONOMIA MISTA DE MOEDA-CRÉDITO E O PROCESSO CUMULATIVO</p><p>Para Wicksell, a teoria quantitativa clássica, aplicável às economias de moeda pura, parecia estreita e</p><p>antiquada, pois omitia a existência de bancos e de depósitos criados como contrapartida de emprésti-</p><p>mos. Assim, ele procurou suplementar a teoria quantitativa com a descrição do mecanismo através do</p><p>qual o equilíbrio monetário é inicialmente perturbado e depois restaurado em uma economia mista de</p><p>moeda-crédito, ou economias de moeda-depósito, através de sua análise do processo de desequilíbrio</p><p>cumulativo. Tratava-se, portanto, de adotar uma premissa mais realista do que a de uma economia hipo-</p><p>tética de moeda pura.</p><p>Sua análise atribui os movimentos no nível de preços às discrepâncias entre duas taxas de juros:</p><p>a) Uma taxa de juros de empréstimos ou de mercado, cobrada pelos bancos pelos créditos que ofere-</p><p>cem, que é determinada no mercado de crédito pelo sistema bancário;</p><p>b) Uma taxa natural de juros, que é a taxa de equilíbrio que iguala ex-ante a poupança desejada com o</p><p>investimento planejado a pleno emprego – sendo, portanto, determinada pela demanda existente de</p><p>capital e pelo volume de poupança – e que corresponde à produtividade marginal ou taxa interna de</p><p>retorno sobre unidades novas criadas de capital físico. Como à taxa natural de juros a poupança será</p><p>igual ao investimento, a oferta agregada da economia será igual à demanda agregada, e o nível de</p><p>preços será estável.</p><p>No Gráfico 3.1, a taxa natural de juros (rn) deriva da intercepção entre as curvas de poupança (S) e</p><p>de investimento (I). Quando a taxa de juros de mercado é igual a essa taxa natural de juros, a economia</p><p>estará em equilíbrio monetário. Contudo, a taxa de juros de mercado não é fixada por um leiloeiro wal-</p><p>rasiano, mas pelo sistema bancário, e, por isso, só por acaso será igual à taxa natural.</p><p>Quando a taxa de empréstimo permanece abaixo da taxa natural – por exemplo, em r0 – tal que o</p><p>custo do capital é menor que a produtividade marginal do capital, o investimento planejado excederá a</p><p>poupança. Os empresários investidores procurarão financiar os novos projetos de investimento, dese-</p><p>jando tomar emprestado dos bancos em um valor maior do que aquele que o público depositou nos ban-</p><p>cos. Os bancos podem acomodar esta demanda adicional de crédito, por exemplo expandindo o volume</p><p>36 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>S, I</p><p>I (r)</p><p>S (r)r</p><p>r1</p><p>rn</p><p>r0</p><p>GRÁFICO 3.1</p><p>Determinação da Poupança e do Investimento</p><p>de depósitos. Esta expansão, ao viabilizar o excesso desejado de demanda agregada implícita no hiato</p><p>investimento-poupança, o transforma em excesso efetivo de demanda agregada, que transborda para o</p><p>mercado de bens, colocando uma pressão para cima nos preços. Deste modo, a expansão dos depósitos</p><p>produz um aumento persistente e cumulativo nos preços, enquanto o diferencial de juros durar. A infla-</p><p>ção resulta, assim, do fato de os bancos não terem aumentado a taxa de juros de mercado tanto quanto</p><p>necessário para manter estável a demanda agregada na economia. A inflação persistirá enquanto se</p><p>mantiver o diferencial de taxa de juros.</p><p>O que levaria a taxa de juros de mercado a ficar abaixo da taxa natural? Segundo Wicksell, a condição</p><p>indispensável era que afluísse permanentemente novo ouro para o sistema bancário, ou, mais moderna-</p><p>mente, que o Banco Central, por algum motivo, expandisse endogenamente a oferta de moeda na econo-</p><p>mia. Consequentemente, haveria um aumento no nível de reservas dos bancos, que, assim desejariam am-</p><p>pliar sua oferta de empréstimos e de depósitos bancários; só poderiam fazê-lo, no entanto, baixando a taxa</p><p>de juros que cobram sobre os empréstimos em relação à taxa natural, provocando, assim, uma variação</p><p>cumulativa no volume de moeda bancária e nos preços. Isto porque a taxa de juros menor torna mais ren-</p><p>tável a contratação de empréstimos para o empresário investidor comprar bens de capital, gerando um ex-</p><p>cesso de demanda no mercado de bens, que resultaria em um aumento no nível de preços.</p><p>Da mesma forma, os bancos podem teoricamente provocar uma queda ilimitada dos preços, man-</p><p>tendo uma taxa de juros acima da normal. Assim, quando a taxa de empréstimo permanece acima da</p><p>taxa natural – por exemplo, em r1 – tal que o custo do capital é maior que a taxa de retorno esperada do</p><p>capital, a poupança excederá o investimento planejado. De acordo com o funcionamento do mecanismo</p><p>indireto de transmissão, o resultado final será uma demanda agregada menor e, consequentemente, um</p><p>nível de preços menor, já que haveria mais estímulo a poupar do que a investir.</p><p>Seria, todavia, o processo cumulativo do mecanismo indireto de Wicksell explosivo? A resposta é</p><p>negativa, pois Wicksell supôs a existência de um fator estabilizador. O aumento nos preços causado</p><p>pelo diferencial de taxas de juros gera a necessidade de criação adicional de moeda para satisfazer a de-</p><p>manda transacional real de moeda. A conversão por parte do público de depósitos em meio circulante e</p><p>a resultante drenagem das reservas bancárias induzem os bancos a aumentar sua taxa de juros de em-</p><p>préstimos até que elas se igualem à taxa natural. Este último passo baixa as reservas dos bancos e, à me-</p><p>dida que isto ocorre, também diminui o desejo dos bancos de prover empréstimos. Se os bancos não</p><p>possuem reserva em excesso e tiverem, por isso, que restaurar as reservas ao seu nível inicial, eles con-</p><p>tinuarão a aumentar a taxa de mercado em direção à taxa natural, até que os preços retornem ao seu ní-</p><p>vel preexistente. Resumindo, para Wicksell, o fator responsável pelo qual a taxa de empréstimos con-</p><p>verge eventualmente para o nível de equilíbrio natural é a perda de reservas, que acaba afetando a oferta</p><p>de empréstimos e de depósitos bancários, já que os bancos se defrontam com a necessidade de elevar a</p><p>taxa de juros para proteger suas reservas.</p><p>Contudo, para Wicksell, a taxa natural de juros não é fixa, na medida em que ela flutua conjunta-</p><p>mente com as causas reais das flutuações econômicas. Assim, ela pode baixar quando aumenta o volu-</p><p>me de capital devido à acumulação da poupança; pois sendo cada vez mais difícil o emprego rentável de</p><p>capital novo, a concorrência com o capital existente reduz a taxa de juros, ao mesmo tempo que se ele-</p><p>vam os salários e outras rendas. E pode se elevar, quando diminui o volume de capital, seja relativa-</p><p>mente – por exemplo, devido a um incremento da demanda de capital maior do que a poupança normal</p><p>– seja absolutamente, como consequência de uma guerra destrutiva ou qualquer catástrofe natural, ou</p><p>ainda por causa de uma descoberta técnica que abra novas perspectivas para o emprego de capital. Des-</p><p>te modo, a taxa natural de juros está sujeita a mudanças por vezes muito intensas. Por isso, uma coinci-</p><p>dência espontânea entre a taxa de juros de mercado e a taxa natural é pouco provável. Daí a importância</p><p>da manutenção do valor da moeda estável para Wicksell, por parte do sistema bancário, através do ma-</p><p>nejo adequado das taxas de juros bancárias, reduzindo-as quando os preços estiverem declinando e ele-</p><p>vando-as quando os preços estiverem subindo.</p><p>A Teoria Quantitativa da Moeda 37</p><p>38 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>Como visto nesta seção, para Wicksell a</p><p>causa primária das flutuações de preços é</p><p>a diferença que surge entre a taxa de juros</p><p>de empréstimo e a taxa natural de juros.</p><p>“Se os bancos cedem seu dinheiro em</p><p>empréstimo com juros essencialmente</p><p>mais baixos (...) do que os juros normais,</p><p>então será afetado o espírito da poupança</p><p>e por esse motivo se produzirá um aumen-</p><p>to da demanda presente de bens de con-</p><p>sumo e de serviços. Em segundo lugar,</p><p>aumentarão as perspectivas que se abrem</p><p>para os empresários de obter maiores lu-</p><p>cros; e a demanda de bens e serviços (...)</p><p>será incrementada no mesmo sentido.</p><p>Devido à maior renda que recebem os tra-</p><p>balhadores, os proprietários de terra, os</p><p>proprietários de matérias-primas etc., os</p><p>preços dos bens de consumo começarão a</p><p>subir, ainda mais agora que os fatores de</p><p>produção de que dispúnhamos anterior-</p><p>mente se retiraram para a produção futu-</p><p>ra. Será alterado o equilíbrio do mercado</p><p>de bens e serviços”.*</p><p>“O movimento ascendente dos preços,</p><p>seja grande ou pequeno no primeiro mo-</p><p>mento, não pode cessar enquanto a taxa</p><p>de juros se mantiver abaixo de sua taxa</p><p>normal, isto é, a taxa consistente com a</p><p>produtividade marginal do capital real en-</p><p>tão existente. Quando todos os preços das</p><p>mercadorias tiverem aumentado, ter-se-á</p><p>formado um novo nível de preços, o qual</p><p>por sua vez servirá de base para todos os</p><p>cálculos para o futuro, e para todos os</p><p>contratos. Portanto, se a taxa bancária</p><p>agora subir para seu patamar normal, o</p><p>nível de preços não cairá (...); se a taxa</p><p>bancária permanecer mais baixa do que</p><p>seu patamar normal, seguir-se-á um novo</p><p>ímpeto forçando os preços para cima, e</p><p>assim por diante. O oposto de tudo isso</p><p>ocorrerá quando a taxa de juro tiver se</p><p>tornado alta demais em proporção ao lu-</p><p>cro médio (...)”.**</p><p>Os bancos têm um papel central na</p><p>análise de Wicksell, devido a sua capaci-</p><p>dade de concessão de empréstimos, que</p><p>não é limitada pelo seu próprio capital ou</p><p>mesmo de terceiros:</p><p>“Em suas atividades de empréstimos,</p><p>os bancos não só não estão limitados por</p><p>seu capital próprio; eles não estão, pelo</p><p>menos imediatamente, limitados por ne-</p><p>nhum capital; concentrando em suas mãos</p><p>quase todos os pagamentos, eles próprios</p><p>criam a moeda necessária, ou, o que é a</p><p>mesma coisa, eles aceleram ad libitum a</p><p>velocidade de circulação da moeda. (...)</p><p>Em nossos dias, a demanda e a oferta de</p><p>moeda se tornaram quase a mesma coisa,</p><p>com a demanda criando em grande medi-</p><p>da sua própria oferta”.***</p><p>O processo cumulativo, contudo, não é</p><p>explosivo, havendo um fator estabilizador</p><p>que é interno:</p><p>“Quando o juro for baixo em propor-</p><p>ção à taxa de lucro existente, e se, como</p><p>afirmo, os preços subirem por isso, então,</p><p>certamente, o comércio exigirá mais pa-</p><p>pel-moeda e moeda bancária, e portanto</p><p>nem todas as somas emprestadas voltarão</p><p>aos bancos, mas parte delas permanecerá</p><p>nas caixas e carteiras do público; em con-</p><p>sequência, as reservas bancárias diminui-</p><p>rão, enquanto o montante de suas obriga-</p><p>ções muito provavelmente terá aumenta-</p><p>do, o que os forçará a elevar sua taxa de</p><p>juros. O inverso disso, é claro, ocorrerá</p><p>quando a taxa de juros tiver se tornado</p><p>acidentalmente muito alta em proporção</p><p>ao lucro médio sobre o capital”.****</p><p>Para Wicksell, o valor da moeda pode</p><p>ser mantido estável através do manejo</p><p>adequado das taxas bancárias:</p><p>“(...) O problema de manter o valor da</p><p>moeda estável, o nível médio dos preços</p><p>monetários em um patamar constante – o</p><p>que evidentemente deve ser considerado</p><p>como o problema fundamental da ciência</p><p>monetária – seria solucionável teórica e</p><p>praticamente em qualquer lugar. E os</p><p>meios de solucioná-lo não precisam ser</p><p>buscados em algum esquema mais ou</p><p>menos fantástico, como aquele de um ban-</p><p>co emissor central para todo o mundo,</p><p>como às vezes é proposto, mas simples-</p><p>mente em um manejo apropriado das ta-</p><p>xas bancárias gerais, reduzindo-as quando</p><p>os preços estiverem caindo, e elevando-as</p><p>quando os preços estiverem subindo”.*****</p><p>* Wicksell, K. Lições de Economia Política. São</p><p>Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 276.</p><p>** Wicksell, K. “A influência da taxa de juro so-</p><p>bre os preços.” In Carneiro, R. (org.). Os Clássi-</p><p>cos da Economia, v. 1. São Paulo: Ed. Ática,</p><p>1997, p. 273-4.</p><p>*** Idem, p. 272.</p><p>**** Idem, p. 272-3 (grifos no original).</p><p>***** Idem, p. 276.</p><p>O PROCESSO CUMULATIVO, SEGUNDO WICKSELL</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>3</p><p>.</p><p>2</p><p>3.5.3. A ECONOMIA DE CRÉDITO PURO</p><p>O processo cumulativo será explosivo somente no caso especial e extremo de uma economia de crédito</p><p>puro ou dinheiro endógeno em sua totalidade. A economia de crédito puro é um caso hipotético e extre-</p><p>mado, em que todo o dinheiro assume a forma de depósitos bancários e os bancos não conservam ouro</p><p>nem nenhuma outra forma de dinheiro como reserva, ou seja, todos os pagamentos são feitos por trans-</p><p>ferências nos registros bancários. Consequentemente, os bancos seriam capazes de fornecer a qualquer</p><p>momento empréstimos a qualquer taxa de juros, sem serem constrangidos por qualquer perda de reser-</p><p>vas, podendo conservar permanentemente sua taxa de juros por debaixo da taxa natural. Ou seja, os</p><p>bancos poderiam satisfazer sempre qualquer demanda por empréstimos com juros baixos, o que signi-</p><p>fica que a quantidade de moeda é determinada endogenamente pela sua demanda.</p><p>Com a oferta de depósitos bancários idêntica à demanda a todos os preços, não há – em uma econo-</p><p>mia de crédito puro – um único nível de preços de equilíbrio ou de quantidade de depósitos. Ao contrá-</p><p>rio, há uma infinidade de equilíbrios preço-quantidade. O nível de preços é, assim, indeterminado.</p><p>3.6. ERA WICKSELL UM QUANTITATIVISTA?</p><p>Como visto na seção anterior, Wicksell desenvolveu uma formulação teórica bem mais complexa e re-</p><p>finada do que aquela desenvolvida pela teoria quantitativa clássica. Talvez, por isso, autores de matri-</p><p>zes teóricas distintas, como o monetarista Milton Friedman e o keynesiano James Tobin tenham</p><p>encontrado similaridades entre seus argumentos teóricos sobre moeda e taxa de juros e os de Wicksell.</p><p>Mas, afinal, era Wicksell um quantitativista? Não se pretende nesta seção dar uma resposta final a</p><p>esta questão, mas apenas levantar argumentos favoráveis e contrários ao enquadramento deste autor</p><p>como um teórico quantitativista.</p><p>Como visto na seção anterior, Wicksell desenvolveu uma teoria monetária muito peculiar, em que</p><p>diferenças entre a taxa de juros de empréstimos e a taxa natural de juros afetam o equilíbrio monetário</p><p>da economia, com impacto sobre o nível de preços. Ainda que dentro do processo cumulativo haja for-</p><p>ças que fazem com que a taxa de empréstimos não se afaste indefinidamente da taxa natural, nada ga-</p><p>rante que estas duas coincidam. Assim, para ele, as mudanças no nível de preços derivam diretamente</p><p>do diferencial de taxa de juros ao invés de causas monetárias primárias.</p><p>Para aqueles que veem o modelo de processo cumulativo de Wicksell consistente com a teoria</p><p>quantitativa – como Humphrey – são na realidade os choques monetários que causam o diferencial de</p><p>taxas que dá início ao processo cumulativo. Isto porque – argumenta-se – a alteração no nível de preços</p><p>nunca poderia ocorrer sem ser acompanhada por uma mudança na oferta de depósitos que dá suporte a</p><p>ela. Ou seja, o diferencial de taxas sozinho não poderia sustentar mudanças no nível de preços, na medi-</p><p>da em que alguma coisa deve financiar o excesso de demanda por bens que mantém os preços se elevan-</p><p>do. Nesta linha de raciocínio, o fator-chave que permite no esquema analítico de Wicksell os movimen-</p><p>tos nos preços é a expansão de depósitos e não os diferenciais de taxas ou mesmo choques reais, sob a</p><p>forma de guerras, progresso técnico e inovações que afetam a taxa natural de juros. Um aumento nos</p><p>preços causado pelo diferencial de taxas necessita de moeda adicional para satisfazer o aumento da de-</p><p>manda transacional real. Logo, em última instância,</p><p>e mercados ope-</p><p>rantes naqueles países, com pouca ou nenhuma atenção dada, como é natural, às condições brasileiras.</p><p>O uso de manuais traduzidos do exterior, mesmo quando se adicionam capítulos ou apêndices sobre</p><p>problemas locais, é um velho problema sofrido por todos os que ensinam matérias mais aplicadas. No</p><p>caso de teoria e política monetárias, o problema é ainda mais grave, dada a natureza necessariamente</p><p>institucional do tema.</p><p>Outros manuais apresentavam, a nosso ver, um problema diverso. Não se trataria propriamente de</p><p>uma lacuna, mas de uma forma alternativa de abordagem do problema da moeda. Para alguns autores,</p><p>como a emissão de moeda pode ser vista como uma forma alternativa de financiamento de gastos públi-</p><p>cos, a questão monetária deveria ser tratada, consequentemente, como aparentada de forma mais próxi-</p><p>ma a finanças públicas. Em outras palavras, nesta abordagem, o ângulo privilegiado de abordagem da</p><p>questão monetária deveria ser colocado através da chamada restrição orçamentária do governo.</p><p>Nesta obra, não discordamos, naturalmente, de que esta seja uma dimensão importante da questão</p><p>monetária, mas não consideramos que este seja o ângulo mais fértil para desenvolver o tema. Em nossa</p><p>visão, o ângulo privilegiado deve ser a natureza da moeda como uma forma de riqueza, com caracterís-</p><p>ticas muito particulares, e muitas vezes quase inacessíveis às primeiras investidas dos que se interessam</p><p>pelo assunto. Assim, a questão monetária é abordada neste livro como parte de um arcabouço teórico</p><p>voltado para o estudo da acumulação de capital, privilegiando, em consequência, temas como a deman-</p><p>da por liquidez, o papel da moeda na operação dos sistemas financeiros, a dinâmica destes últimos, etc.</p><p>Acreditamos, com isso, estarmos contribuindo para a estruturação da reflexão sobre problemas mone-</p><p>tários colocando-lhe novas demandas e abrindo-lhe novas possibilidades, que, se não são excludentes</p><p>em relação à abordagem citada acima, acrescentam-lhes dimensões cuja importância é crescentemente</p><p>reconhecida.</p><p>Adicionalmente, julgamos que se torna rapidamente obsoleto, nas condições atuais de rápida inte-</p><p>gração monetária e financeira internacional, o privilégio dado, em praticamente todas as cadeiras de</p><p>problemas macroeconômicos, inclusive os monetários, à operação de economias fechadas. Por esta ra-</p><p>zão, julgamos indispensável pelo menos introduzir em nosso livro-texto as dimensões fundamentais da</p><p>questão cambial enquanto dimensão da teoria e política monetárias. De acordo com estas preocupa-</p><p>ções, o usuário deste manual encontrará, nas seções IV, V e VI, discussões abrangentes e detalhadas,</p><p>seja da operação de sistemas financeiros, seja da dimensão internacional da teoria e política monetárias.</p><p>Seção Capítulos</p><p>I 1 (Introdução ao Livro)</p><p>II 2 ao 5 (Demanda por Moeda)</p><p>III 6 ao 12 (Política Monetária)</p><p>IV 13 ao 18 (Sistema Financeiro)</p><p>V 19 e 20 (Intermediação Financeira)</p><p>VI 21 e 22 (Câmbio)</p><p>O propósito mais imediato deste manual, de qualquer modo, é auxiliar o ensino de graduação dos</p><p>cursos voltados para problemas monetários. Neste particular, procuramos cobrir todos os temas rele-</p><p>vantes tradicionalmente explorados neste curso, oferecendo, porém, na diversificação de assuntos</p><p>abordados, satisfazer demandas por caminhos alternativos de estruturação de cursos.</p><p>O programa mais tradicional de Economia Monetária I, a antiga Teoria Monetária, é coberto na seção II.</p><p>Esta seção explora os modelos mais importantes e conhecidos de demanda por moeda, explorando em deta-</p><p>lhe a teoria quantitativa tradicional (capítulo 2), onde são apresentadas as ideias de economistas como Fisher</p><p>e Wicksell, entre outros; os modelos de demanda por moeda apresentados por autores praticantes do que se</p><p>chamou de “síntese neoclássica”, como James Tobin e William Baumol (capítulo 4), atualizada para intro-</p><p>duzir também o debate acerca do fenômeno de racionamento de crédito, discutido pelos chamados “Novos</p><p>Keynesianos”, como Stiglitz; e, ainda, a abordagem clássica “reconstruída” por Milton Friedman em mea-</p><p>dos dos anos 50, que conduz depois aos economistas chamados de “Novos Clássicos” (capítulo 5).</p><p>Nesta seção, a principal inovação que tentamos introduzir foi a discussão das proposições feitas</p><p>pelo economistas inglês John Maynard Keynes a respeito dos motivos para a demanda por liquidez</p><p>(capítulo 3), que são, na maioria dos manuais disponíveis, confundidas com as ideias de autores que</p><p>interpretaram e reconstruíram a teoria original. Identificar automaticamente as ideias de Keynes e de</p><p>economistas “keynesianos” pode não ser o modo mais produtivo de se refletir sobre estas questões.</p><p>Já o curso de Economia Monetária II (antes chamado de Moedas e Bancos) pode ser estruturado a</p><p>partir da seção III e alguns capítulos da seção IV, dependendo da ênfase desejada pelo professor em</p><p>uma visão mais teórica ou mais aplicada do problema. Em ambos os casos, a introdução ao problema da</p><p>política monetária poderia ser feita através da discussão do capítulo 6, onde se estuda o Banco Central,</p><p>seguido pelo capítulo 14, onde se explora a natureza e a forma de operação de bancos comerciais. Jun-</p><p>tas, estas instituições respondem pela criação dos meios de pagamento disponíveis em economias mo-</p><p>dernas, que são o papel-moeda e os depósitos à vista. Após este início comum, cursos de ênfases mais</p><p>aplicada podem enfatizar mais os capítulos 7, 8 e 17, explorando a operação das autoridades monetárias</p><p>enquanto formuladores de política monetária e reguladores/supervisores do sistema. Cursos mais</p><p>orientados para a discussão teórica podem apoiar-se nos capítulos 9 a 12.</p><p>Este livro-texto está estruturado para permitir que estas estruturas básicas sugeridas para cursos de</p><p>graduação possam ser complementadas com aprofundamentos desejados pelos professores e alunos em</p><p>diversas direções. Assim, por exemplo, tanto o curso mais teórico quanto o mais aplicado de política</p><p>monetária podem ambos ser completados por reflexões sobre as restrições colocadas sobre esta política</p><p>pela abertura da economia, utilizando-se os capítulos 21 e 22. Já o curso de Economia Monetária I, so-</p><p>bre demanda por moeda, pode completar a apresentação dos modelos básicos de teoria monetária pela</p><p>discussão das relações entre estes modelos e as teorias de demanda de ativos apresentadas na seção V.</p><p>X Prefácio e Agradecimentos à Primeira Edição ELSEVIER</p><p>Finalmente, um certo número de cursos opcionais pode ser estruturado também com base neste ma-</p><p>nual. A adequada concepção de cursos opcionais deve, naturalmente, ser deixada aos professores que ve-</p><p>nham a reger tais programas, mas algumas sugestões são, certamente, óbvias, como a possibilidade de</p><p>estruturação de uma cadeira voltada para mercados e instituições financeiras, a partir das seções IV e V.</p><p>Este livro identifica cinco autores, mas, mais substantivamente, ele deve ser visto como um resulta-</p><p>do do esforço coletivo que vem sendo desenvolvido há alguns anos por um grupo de economistas parti-</p><p>cipantes do que se conhece como Grupo da Moeda e Sistema Financeiro, cujo centro de operações tem</p><p>sido principalmente o Instituto de Economia da UFRJ, apesar de abrigar professores e pesquisadores de</p><p>diversas instituições. Assim, sem necessariamente torná-los cúmplices do resultado, não podemos dei-</p><p>xar de registrar o apoio e as contribuições feitas, direta ou indiretamente, a este trabalho por Antonio</p><p>José Alves, Jennifer Hermann, José Luiz Oreiro e Rogério Sobreira, participantes de primeira hora des-</p><p>te grupo de pesquisa juntamente com os autores. Na verdade, apenas a aceitação de outros compromis-</p><p>sos por parte de Antonio, Jennifer, José Luiz e Rogério explica o fato de não estarem listados neste livro</p><p>como autores. Também temos de agradecer o convívio intelectual que viabilizou tanto esta, quanto mu-</p><p>itas outras iniciativas deste grupo, de Gustavo Braga, Lavinia Barros de Castro, Natalia Sourbeck e</p><p>Helder Ferreira de Mendonça. O apoio prestado por Manoel Carlos de Castro Pires e Cristina Barcellos</p><p>à preparação deste texto foi de grande valia.</p><p>o esquema de Wicksell resulta na mesma proposi-</p><p>ção básica da teoria quantitativa, de que o nível de preços varia diretamente com a quantidade de moeda</p><p>em circulação.</p><p>Contudo, há outros autores5 que dizem que Wicksell sustentava que a teoria quantitativa só seria</p><p>verdadeira sob a assunção de uma velocidade constante de circulação da moeda, que seria o caso extre-</p><p>mo do sistema de moeda pura sem crédito. Todavia, com a existência do crédito, a velocidade de circu-</p><p>lação tornar-se-ia variável, sendo impossível provar satisfatoriamente e de forma exata a relação entre a</p><p>A Teoria Quantitativa da Moeda 39</p><p>5. Steiger, O. “Monetary equilibrium.” In: Eatwell, J. et alli (ed.). The New Palgrave: a Dictionary of Economics. London:</p><p>Macmillan, 1987.</p><p>quantidade de moeda e o nível de preços. Assim, Wicksell estaria levando em conta em sua análise a</p><p>existência de um sistema bancário desenvolvido, em que – de acordo com suas próprias palavras – “os</p><p>bancos, ao contrário dos particulares, não só podem emprestar seus próprios fundos, mas também as</p><p>quantidades disponíveis que foram depositadas em poupança (...) [dispondo] de um fundo para emprés-</p><p>timos que oferece sempre uma grande elasticidade, e que, segundo certos pressupostos, é inesgotável”.6</p><p>Portanto, “em suas atividades de empréstimos, os bancos não só não estão limitados por seu capital pró-</p><p>prio; eles não estão, pelo menos imediatamente, limitados por nenhum capital; concentrando em suas</p><p>mãos quase todos os pagamentos, eles próprios criam a moeda necessária, ou, o que é a mesma coisa,</p><p>eles aceleram ad libitum a velocidade de circulação da moeda”.7 O sistema bancário, devido a sua capa-</p><p>cidade de oferecer “elasticamente” empréstimos aos demandantes de crédito, é – segundo esta linha de</p><p>argumentação – mais do que um mero intermediador de recursos, podendo financiar um gasto adicional</p><p>(consumo ou investimento), criando moeda bancária própria.</p><p>40 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>6. Wicksell, K. Lições de Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, 1985, p. 276.</p><p>7. Wicksell, K. “A influência da taxa de juro sobre os preços”, op.cit., p. 272.</p><p>APÊNDICE</p><p>FORMALIZANDO O PROCESSO</p><p>CUMULATIVO DE WICKSELL8</p><p>Assume-se, inicialmente, que toda poupança é depositada nos bancos e que todo investimento é financia-</p><p>do pelos bancos e que estes emprestam somente para financiar investimento, e ainda que o pleno emprego</p><p>prevalece tal que mudanças na demanda agregada afetam preços mas não o produto real. Então o modelo</p><p>reduz-se às seguintes equações que relacionam as seguintes variáveis: investimento I, poupança S (ambos</p><p>de magnitude planejada, ex ante), taxa de juros de empréstimo i, taxa de juros natural r, demanda por cré-</p><p>dito LD, oferta de crédito LS, excesso de demanda agregada E, mudança no estoque de depósitos sujeitos a</p><p>cheque dD/dt, mudança no nível de preços dP/dt, e mudança na taxa de mercado di/dt.</p><p>A primeira equação diz que o investimento planejado excede a poupança quando a taxa de juros</p><p>de empréstimo cai abaixo de seu nível de equilíbrio natural (o nível que equilibra poupança e investi-</p><p>mento):</p><p>I – S = a(r – i) (1)</p><p>onde o coeficiente a relaciona o hiato poupança-investimento à respectiva taxa diferencial.</p><p>A segunda equação estabelece que o excesso de investimento sobre a poupança iguala os novos de-</p><p>pósitos adicionais sujeitos a cheque criados para financiá-lo:</p><p>dD/dt = I – S (2)</p><p>Em outras palavras, os bancos criam novos depósitos transferíveis por cheque através de emprésti-</p><p>mos, tal expansão de depósito ocorre quando os bancos emprestam aos investidores mais do que eles</p><p>(bancos) recebem dos poupadores. Assim, a equação 2 admite a seguinte derivação. Denote a demanda</p><p>de investimento por empréstimos como LD = I (i), onde I (i) é a relação entre o gasto com investimento</p><p>planejado e a taxa de juros de empréstimo. Similarmente, denote a oferta de crédito como a soma de</p><p>poupança mais os novos depósitos criados pelos bancos para acomodar as demandas por crédito. Em</p><p>resumo, LS = S(i) + dD/dt. Igualando a oferta e demanda por crédito e resolvendo pelo hiato resultante</p><p>entre investimento e poupança tem-se a equação 2.</p><p>A terceira equação diz que os novos depósitos, sendo gastos imediatamente, transbordam no mer-</p><p>cado de bens sustentando o excesso de demanda agregada por bens E, derivado do hiato entre investi-</p><p>mento e poupança:</p><p>dD/dt =E (3)</p><p>A quarta equação, por sua vez, diz que o excesso de demanda agregada pressiona para cima os pre-</p><p>ços, que aumentam na proporção do excesso de demanda:</p><p>dP/dt = bE (4)</p><p>onde o coeficiente b é o fator de proporcionalidade entre mudança no nível de preços e excesso de de-</p><p>manda.</p><p>A Teoria Quantitativa da Moeda 41</p><p>8. A formalização feita neste anexo foi extraída de Humphrey, T. “Fisher and Wicksell on the Quantity Theory”, op. cit.,</p><p>p. 79-81.</p><p>Substituindo as equações 1, 2 , e 3 em 4, e 1 em 2, obtém-se</p><p>dP/dt = ab(r – i) (5)</p><p>e</p><p>dD/dt = a(r – i) (6)</p><p>isto é, conjuntamente, a variação de preços e o crescimento dos depósitos originam-se da discrepân-</p><p>cia entre as taxas de juros de mercado e natural.</p><p>Finalmente, já que os banqueiros devem em algum ponto aumentar suas taxas de juros de emprésti-</p><p>mo para protegerem suas reservas em ouro da inflação, uma última equação</p><p>di/dt = gdP/dt (7)</p><p>fecha o modelo. Esta equação diz que os banqueiros, tendo se livrado do excesso de reservas, agora au-</p><p>mentam suas taxas de juros na proporção da taxa de mudança de preços (sendo g o fator de proporciona-</p><p>lidade). A equação assegura que a taxa de juros de empréstimos eventualmente converge para seu nível</p><p>de equilíbrio natural, como pode ser visto substituindo a equação 5 na fórmula acima para obter</p><p>di/dt = gab(r – i) (8)</p><p>Com a passagem do tempo, a taxa de empréstimo converge para a taxa natural. Neste ponto, o equi-</p><p>líbrio monetário é restaurado. Poupança iguala-se ao investimento, o excesso de demanda desaparece, a</p><p>expansão de depósitos cessa e os preços se estabilizam em um novo nível, porém mais alto.</p><p>RESUMO</p><p>1. Este capítulo analisou as teorias de demanda por moeda em sua versão clássica, conhecida como teoria quanti-</p><p>tativa da moeda. A TQM foi formulada por vários autores no decorrer dos séculos XVIII e XIX, mas só viria</p><p>ganhar a sua forma definitiva, tal como ficou conhecida, através da equação de troca popularizada por Fisher</p><p>(MV = PT) e da versão dos Saldos Monetários de Cambridge (M = kPy). Esta última formulação, segundo</p><p>Milton Friedman, constituiu-se na primeira teoria de demanda por moeda.</p><p>2. No debate monetário ocorrido na Inglaterra na primeira metade do século XIX, seja na controvérsia bullionis-</p><p>ta, seja no debate entre as Escolas do Meio Circulante, Bancária e de Bancos Livres, o que estava em discussão</p><p>era, no primeiro caso, uma explicação para a depreciação do valor cambial da libra e, no segundo, o controle</p><p>monetário por parte do Banco da Inglaterra. Este debate resultou na proposta do Relatório da Comissão do</p><p>Ouro de se restaurar a estabilidade monetária através da imposição ao Banco da Inglaterra de uma restrição de</p><p>resgate de suas notas em ouro (retorno à conversibilidade) e, mais tarde, na Lei Bancária de 1844, que estabe-</p><p>leceu uma regra para emissão de notas por parte do Banco da Inglaterra, tal como havia sido defendido pela</p><p>Escola do Meio Circulante.</p><p>3. A proposição central da teoria quantitativa da moeda é que o nível de preços varia diretamente com a quanti-</p><p>dade de moeda em circulação, considerando estáveis no longo prazo a velocidade de circulação da moeda e o</p><p>volume de transações com bens e serviços. Sua identidade básica é a existência de uma identidade entre um</p><p>fluxo de pagamentos em moeda e um fluxo de bens e serviços em que, em cada evento de compra e venda de</p><p>bens e serviços, a moeda e os bens trocados são equivalentes.</p><p>4. Da proposição central acima, deriva, para a TQM, o postulado da neutralidade da moeda no longo prazo, uma</p><p>vez que um aumento na quantidade de moeda em circulação não pode aumentar de forma permanente o nível</p><p>de produto na economia, mas apenas temporariamente. O nível</p><p>de produto é determinado, no equilíbrio de</p><p>42 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>longo prazo, ao nível de sua plena capacidade por forças reais, relacionadas à disponibilidade de fatores de</p><p>produção (mão de obra, capital e tecnologia). Assim, a oferta de moeda deve crescer de modo suave ao longo</p><p>do tempo para satisfazer as necessidades básicas da economia representadas pelo crescimento da renda real.</p><p>Um aumento maior no estoque de moeda do que aquele determinado pelo crescimento da renda real acarreta-</p><p>ria um aumento correspondente no nível de preços.</p><p>5. Wicksell desenvolveu uma teoria monetária mais refinada e complexa do que a teoria quantitativa da moeda,</p><p>analisando uma economia dotada de um sistema bancário desenvolvido. Ele trabalha com três hipóteses: eco-</p><p>nomia de moeda pura, economia de crédito puro e economia mista de moeda-crédito. As duas primeiras são</p><p>hipotéticas, enquanto que a terceira é mais adequada à realidade. Somente para a primeira hipótese – econo-</p><p>mia de moeda pura – valem todas as premissas da teoria quantitativa da moeda.</p><p>6. Sua análise parte da existência de duas taxas: uma taxa de juros de empréstimos ou de mercado, determinada</p><p>no mercado monetário pelo sistema bancário; e uma taxa natural ou normal de juros, que é a taxa de equilí-</p><p>brio que iguala ex-ante a poupança com o investimento planejado a pleno emprego.</p><p>7. Wicksell deesenvolveu uma análise do processo cumulativo em que os movimentos no nível de preços são</p><p>atribuídos à discrepância entre as duas taxas de juros. Em particular, quando a taxa de juros de empréstimos</p><p>permanecer abaixo da taxa natural, o investimento planejado excede a poupança. Isto resultará num aumento</p><p>no nível de preços, uma vez que os bancos acomodem a demanda adicional de crédito, gerando um excesso de</p><p>demanda agregada que pressiona os preços para cima. Da mesma forma, a taxa de empréstimos menor que a</p><p>taxa natural, com a poupança excedendo o investimento planejado, resulta numa demanda agregada menor e</p><p>um nível de preços mais baixo.</p><p>8. Há controvérsia se Wicksell foi ou não um teórico quantitativista. Aqueles que acham que sim dizem que o di-</p><p>ferencial de taxas só resulta em inflação se houver emissão monetária para satisfazer a demanda real de transa-</p><p>ção. Aqueles que pensam que não, destacam que num sistema misto de moeda-crédito a velocidade de</p><p>circulação da moeda torna-se variável, não se estabelecendo uma relação exata entre a quantidade de moeda e</p><p>o nível de preços.</p><p>TERMOS-CHAVE</p><p>� Moeda Metálica</p><p>� Escola Bancária</p><p>� Emissão de Moeda</p><p>� Versão de Fisher</p><p>� Velocidade de Circulação da Moeda</p><p>� Processo Cumulativo</p><p>� Taxa Natural de Juros</p><p>� Escola do Meio Circulante</p><p>� Escola dos Bancos Livres</p><p>� Teoria Quantitativa da Moeda</p><p>� Versão dos Saldos Monetários</p><p>� Constante Marshalliana</p><p>� Crédito Puro</p><p>� Taxa de Juros de Mercado</p><p>BIBLIOGRAFIA COMENTADA</p><p>Schwartz, A. “Banking School, Currency School, Free Banking School”. In: Newman, P. et alli (ed.). The New</p><p>Palgrave Dictionary of Money & Finance. London: Macmillan, 1992.</p><p>Trata-se de uma boa e didática exposição do debate entre a Banking School, Currency School e Free Banking</p><p>School, ainda que sua leitura do debate não seja imparcial, revelando a filiação monetarista da autora. É interes-</p><p>sante notar no texto de Schwartz que muitas das questões que foram discutidas na Inglaterra, na primeira metade</p><p>do século XIX, ainda continuam no centro do debate da teoria monetária contemporânea.</p><p>Hicks, J. Critical Essays in Monetary Theory. Oxford: Clarendon Press, 1967, cap. 9.</p><p>Neste capítulo de seu conhecido livro, Hicks analisa a evolução da teoria monetária “clássica”, de David Hume</p><p>a Stuart Mill, tomando como ponto de partida que “os melhores trabalhos da teoria monetária têm sido diretamen-</p><p>te provocados por episódios particulares, pelas experiências da época do autor”.</p><p>Friedman, M. “Quantity Theory of Money”. In: Newman, P. et alli (ed.). The New Palgrave Dictionary of Mo-</p><p>ney & Finance. London: Macmillan, 1992.</p><p>A Teoria Quantitativa da Moeda 43</p><p>Humphrey, T. “Fisher and Wicksell on the Quantity Theory”. Federal Reserve Bank of Richmond Quaterly,</p><p>vol. 83/4, outono 1997.</p><p>Wicksell, K. A influência da taxa de juro sobre os preços. In: Carneiro, R. (org.). Os Clássicos da Economia, v.</p><p>1. São Paulo: Ed. Ática, 1997.</p><p>Steiger, O. “Monetary equilibrium”. In: Eatwell, J. et alli (ed.). The New Palgrave: a dictionary of Economics.</p><p>London: Macmillan, 1987.</p><p>44 A Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>A DEMANDA POR MOEDA,</p><p>A ESCOLHA DE ATIVOS</p><p>E A PREFERÊNCIA PELA</p><p>LIQUIDEZ EM KEYNES</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Neste capítulo analisa-se a teoria da preferência pela liquidez formulada pelo</p><p>economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946), que trata, segundo o</p><p>próprio autor, de uma visão alternativa à teoria monetária clássica, dominante</p><p>na época em que estava escrevendo suas obras. Embora sua teoria tenha sido</p><p>formulada principalmente em seu clássico livro A Teoria Geral do Emprego</p><p>do Juro e da Moeda, publicado em 1936, utilizamos outras obras e textos de</p><p>Keynes, anteriores ou posteriores à publicação de sua Teoria Geral (TG),</p><p>como o seu Tratado sobre a Moeda, publicado em 1930, pois entendemos ser</p><p>fundamental incluirmos os desenvolvimentos feitos por ele em outras obras,</p><p>além da TG, para o melhor entendimento de sua contribuição teórica.</p><p>Foi no Tratado sobre a Moeda – embora Keynes ainda estivesse a meio</p><p>caminho da revolução teórica que iria realizar na TG – que o autor desenvol-</p><p>veu o embrião de sua teoria monetária. No Tratado, o economista inglês iden-</p><p>tificou dois circuitos de circulação monetária – o industrial e o financeiro. O</p><p>reconhecimento deste último circuito distinguia claramente a abordagem de</p><p>Keynes da teoria quantitativa da moeda, ao reconhecer que reter moeda era</p><p>uma alternativa a acumular outros ativos, e que, portanto, não deveria ser vista</p><p>somente como uma forma temporária de riqueza. Este insight fundamental de</p><p>Keynes seria desenvolvido na TG, onde o autor formula explicitamente sua</p><p>teoria da preferência pela liquidez. Neste livro, Keynes formulou uma aborda-</p><p>gem mais geral em que procurou enfatizar os motivos (transação, precaução e</p><p>especulação) pelos quais o público demanda liquidez. Procuramos destacar</p><p>neste capítulo que, enquanto na maior parte da TG trabalhou-se num mundo</p><p>dicotômico, com apenas duas classes de ativo (moeda e títulos), no capítulo 17</p><p>desse livro Keynes elaborou uma teorização mais elaborada e completa, usan-</p><p>do uma estrutura mais diversificada de ativos, em que sua teoria da preferência</p><p>pela liquidez pôde ser generalizada para uma teoria de precificação de ativos.</p><p>Por fim, acrescenta-se ainda um novo motivo para demandar moeda – o moti-</p><p>vo financeiro (finance) – que Keynes introduziu logo após a publicação da TG</p><p>em seu debate com o economista sueco Bertil Ohlin.</p><p>CAPÍTULO</p><p>4</p><p>O capítulo está dividido em duas seções, além desta introdução. Na primeira seção, são apresenta-</p><p>das brevemente algumas ideias básicas da teoria monetária de Keynes, com destaque para o papel da</p><p>moeda como uma forma específica de riqueza, a não neutralidade da moeda, inclusive no longo perío-</p><p>do, e uma introdução à sua teoria da preferência pela liquidez. Na seção seguinte são analisados os cir-</p><p>cuitos monetários formulados no Tratado sobre a Moeda; os motivos para demandar moeda elaborados</p><p>na TG, acrescentando ainda, como já feito referência, o motivo financeiro, e, ainda, a teoria da precifi-</p><p>cação de ativos de Keynes, tal como desenvolvida no capítulo 17 da TG.</p><p>4.1. ECONOMIA MONETÁRIA DE KEYNES</p><p>Na economia monetária desenvolvida por Keynes – ao contrário do que preceituava a teoria quantitati-</p><p>va da moeda – não é possível definir posições de equilíbrio, seja no curto ou no longo períodos, sem se</p><p>considerar o comportamento da moeda e da política monetária. Isto porque a moeda, nesta concepção,</p><p>não é apenas um meio de troca, mas também uma reserva de valor, pelo seu atributo de transportar a ri-</p><p>queza no tempo. Portanto, ela é mais do que uma forma conveniente de estabelecer a ponte entre os flu-</p><p>xos de entrada e saída de recursos, como estabelecia a teoria clássica. Para Keynes, a moeda</p><p>desempenha um papel duplo de meio de pagamento e forma de riqueza. Seu retorno vem na forma de</p><p>um prêmio de liquidez em vez de uma compensação pecuniária, já que possui o maior prêmio de liqui-</p><p>dez entre os ativos. Neste sentido, o insight fundamental do novo paradigma que Keynes (em relação à</p><p>teoria clássica vigente na época em que escreveu sua Teoria Geral) procurou desenvolver é o reconheci-</p><p>mento de que, em uma economia monetária, a moeda torna-se um ativo, ainda que dotada de atributos</p><p>que lhe são específicos (ver Box 4.1 e também Seção 4.2.3 deste capítulo).</p><p>Pelo seu atributo de liquidez por excelência, a moeda acalma as inquietações dos agentes diante das</p><p>incertezas do futuro, que são características de uma economia monetária. Assim, quanto maior a incer-</p><p>teza percebida pelos agentes, maior tenderá a ser a retenção de moeda por parte dos mesmos, para fazer</p><p>frente à imprevisibilidade de um futuro que depende das decisões e comportamentos de todos os outros</p><p>agentes que operam nesta economia. Quando as expectativas dos agentes são pessimistas, eles podem</p><p>demandar segurança e flexibilidade no presente para enfrentar o futuro, representadas por um ativo se-</p><p>guro que é a moeda. A posse da moeda permite aos agentes manter opções abertas perante a incerteza</p><p>do futuro. Logo, coeteris paribus, quanto mais incerto é o futuro, maior é a preferência pela liquidez</p><p>dos agentes. Note-se que para Keynes incerteza não se confunde com risco probabilístico, pois refe-</p><p>re-se a determinados fenômenos econômicos para os quais “não existe qualquer base científica para</p><p>formar cálculos probabilísticos”.</p><p>Para Keynes, a moeda não é um mero “véu” nas transações feitas com mercadorias, pois ela afeta</p><p>os próprios motivos e decisões dos agentes. Caso a renda não consumida seja usada para comprar ri-</p><p>queza não reprodutível – como no caso da moeda e outros ativos líquidos – pode haver deficiência na</p><p>demanda efetiva na economia. Consequentemente, a não neutralidade da moeda mesmo no longo pe-</p><p>ríodo, proposta por Keynes, repousa na proposição de que a moeda e ativos não reprodutíveis são for-</p><p>mas de acumulação de riqueza alternativas à acumulação de bens de capital, e que, portanto, o agente</p><p>reter moeda (e outros ativos líquidos) como um ativo, em momento de maior incerteza, é um ato ra-</p><p>cional.1</p><p>Keynes, ao elaborar o que ficou conhecido como teoria da preferência pela liquidez, criticou a tra-</p><p>dição clássica (teoria dos fundos emprestáveis), segundo a qual a taxa de juros é o “preço” que equilibra</p><p>a demanda por recursos para investir (determinada pela produtividade marginal do investimento) e a</p><p>propensão de abster-se do consumo imediato. Em outras palavras, a taxa de juros seria o fator equili-</p><p>46 A Demanda por Moeda, a Escolha de Ativos e a Preferência pela Liquidez em Keynes ELSEVIER</p><p>1. Não neutralidade da moeda no longo período significa que a moeda afeta as posições de equilíbrio da economia no longo pe-</p><p>ríodo, uma vez que em momentos de maior incerteza o agente pode (e normalmente prefere) aplicar seus recursos em ativos</p><p>não reprodutíveis, como moeda e outros ativos líquidos – ao invés de ativos reprodutíveis – como ativos de capital.</p><p>A Demanda por Moeda, a Escolha de Ativos e a Preferência pela Liquidez em Keynes 47</p><p>No capítulo 17 de sua Teoria Geral, Keynes</p><p>desenvolveu alguns atributos característicos</p><p>e especiais da moeda (e outros ativos líqui-</p><p>dos) em economias monetárias modernas,</p><p>que a distinguem de outros ativos. Suas</p><p>propriedades essenciais são duas:</p><p>a) A elasticidade de produção da moe-</p><p>da é zero (ou muito pequena), significan-</p><p>do elasticidade de produção a resposta do</p><p>volume de mão de obra dedicado a pro-</p><p>duzi-la (moeda), diante de um aumento</p><p>na quantidade de trabalho que se pode</p><p>obter com uma unidade da mesma. Isto</p><p>quer dizer que a oferta de moeda não</p><p>cresce facilmente quando a demanda por</p><p>moeda aumenta, pois os empresários não</p><p>podem aplicar à vontade trabalho para</p><p>produzir dinheiro em quantidades cres-</p><p>centes, à medida que o seu preço sobe.</p><p>Ou, em outras palavras, a moeda não</p><p>cresce em árvores, pois ela não pode ser</p><p>produzida por empresários privados, con-</p><p>tratando trabalhadores desempregados</p><p>para colhê-la nas árvores, sempre que as</p><p>pessoas demandarem manter ativos líqui-</p><p>dos adicionais como reserva de valor, em</p><p>vez de gastarem todas as rendas correntes</p><p>nos produtos da indústria.</p><p>b) A elasticidade de substituição entre to-</p><p>dos os ativos líquidos (incluindo a moeda)</p><p>com relação aos bens produzíveis é zero, o</p><p>que significa que quando o valor da moeda</p><p>sobe não surgirá nenhuma tendência para</p><p>substituí-la por algum outro fator. Isto de-</p><p>corre da particularidade da moeda de ter</p><p>uma utilidade derivada apenas do seu va-</p><p>lor de troca. Consequentemente, não há</p><p>substituição bruta significativa entre ativos</p><p>líquidos não produzíveis e os produtos da</p><p>indústria. Keynes quer dizer que como a</p><p>utilidade da moeda é servir para comprar</p><p>outros bens, seu valor depende do poder</p><p>de compra da moeda. Quando o preço de</p><p>um bem qualquer – manteiga, por exemplo</p><p>– sobe, os consumidores tendem a substi-</p><p>tuí-la por margarina. Este é o princípio da</p><p>substituição. No caso da moeda, quando</p><p>sua demanda aumenta, os preços das mer-</p><p>cadorias caem (deflação). Se o poder de</p><p>compra da moeda sobe, porém, os seus</p><p>detentores são estimulados a guardá-la</p><p>ainda mais, ao invés de gastá-la. Assim,</p><p>quando o preço do dinheiro sobe, ele não</p><p>é substituído por bens e o princípio da</p><p>substituição não funciona. Quanto mais o</p><p>valor da moeda subir, mais interessante é</p><p>guardá-la ao invés de gastá-la. Deflações</p><p>não são autocorretivas, tanto quanto infla-</p><p>ções também não são.</p><p>Concluindo, não somente é impossível</p><p>empregar mais mão de obra na produção</p><p>de moeda quando o seu preço sobe em</p><p>relação à mão de obra, como também a</p><p>moeda constitui um poço sem fundo para</p><p>o poder de compra quando a sua deman-</p><p>da cresce, já que não existe um valor aci-</p><p>ma do qual esta demanda é desviada para</p><p>outras coisas. Qualquer acréscimo na de-</p><p>manda por liquidez (ou seja, por ativos</p><p>não reproduzíveis a serem mantidos como</p><p>reserva de valor) que induza um acrésci-</p><p>mo nos preços dos ativos líquidos não des-</p><p>viará a demanda por liquidez para uma</p><p>demanda por bens ou serviços.</p><p>Mas por que a moeda tem de ter essas</p><p>características em uma economia moder-</p><p>na? Para Keynes, a resposta é porque elas</p><p>são responsáveis pela liquidez da moeda.</p><p>A moeda tem máxima liquidez porque ela</p><p>está sempre sendo demandada. Há sem-</p><p>pre alguém disposto a dar alguma coisa</p><p>em troca dela. Se as quantidades de moe-</p><p>da pudessem variar livremente, sua oferta</p><p>poderia saturar a economia, reduzindo</p><p>sempre sua demanda e, portanto, sua li-</p><p>quidez. Algo que pudesse ser produzido</p><p>sem limites, poderia ter também seu valor</p><p>reduzido sempre que houvesse excesso de</p><p>produção. Se isso acontecesse com a moe-</p><p>da, ninguém confiaria nela, não haveria</p><p>contratos em dinheiro e modernas econo-</p><p>mias de mercado entrariam em colapso.</p><p>Uma vez que moeda não pode ser pro-</p><p>duzida livremente pelo setor privado, para</p><p>preservar seu valor e sua liquidez, quando</p><p>sua demanda aumenta, reduz-se a de-</p><p>manda por outras coisas na economia.</p><p>Este é o princípio da demanda efetiva pro-</p><p>posto por Keynes: é a possibilidade de</p><p>acumulação de riqueza sob forma mone-</p><p>tária que subtrai a demanda por outros</p><p>meios de acumulação, como bens de capi-</p><p>tal, cuja produção, se realizada, geraria</p><p>empregos. Os empregos perdidos porque</p><p>bens de capital são produzidos em menor</p><p>quantidade não são compensados pelo</p><p>aumento do emprego na produção de di-</p><p>nheiro. Assim, a demanda por moeda re-</p><p>duz a demanda por bens e serviços e cau-</p><p>sa o desemprego que Keynes chamava de</p><p>“involuntário”.</p><p>ALGUNS ATRIBUTOS ESPECÍFICOS DA MOEDA, SEGUNDO</p><p>KEYNES</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>4</p><p>.</p><p>1</p><p>brante que determina a igualdade entre a demanda de poupança, resultante do investimento novo que</p><p>pode ser realizado a uma determinada taxa de juros, e a oferta de poupança, estabelecida a partir da pro-</p><p>pensão da comunidade a poupar. Para Keynes,</p><p>em contraste, a taxa de juros é definida como uma re-</p><p>compensa por abrir-se mão da liquidez e, portanto, da riqueza na forma monetária, uma vez que a moe-</p><p>da é o ativo com o maior prêmio de liquidez dentre todos os ativos. Deste modo, é o preço mediante o</p><p>qual o desejo de manter a riqueza em forma líquida se concilia com a quantidade de moeda disponível.</p><p>A taxa de juros, portanto, ao invés de ser a recompensa pela “espera”, pelo adiamento do consumo, é,</p><p>segundo Keynes, a recompensa por não entesourar; ou seja, a taxa de juros é o que se ganha não porque</p><p>se poupa, mas porque se aplica esta poupança em outros ativos (como, por exemplo, ativos financeiros)</p><p>que não a moeda. Neste sentido, a determinação da taxa de juros é tomada como um fenômeno eminen-</p><p>temente monetário – determinado pela preferência pela liquidez dos agentes e pela política das autori-</p><p>dades monetárias (enquanto gestoras da política monetária) – ao invés de ser explicada por fatores reais</p><p>(tais como as preferências intertemporais dos agentes e a produtividade do capital), como estabelecia a</p><p>teoria clássica.</p><p>A preferência pela liquidez, portanto, determina a quantidade de moeda que o público desejará re-</p><p>ter quando a taxa de juros for dada. Como veremos nas seções seguintes, as expectativas quanto ao futu-</p><p>ro da taxa de juros, fixadas pela psicologia dos agentes, têm reflexos na preferência pela liquidez. A</p><p>condição necessária para a existência de preferência pela liquidez por parte dos agentes é a existência</p><p>da incerteza quanto ao futuro da própria taxa de juros. Mudanças na preferência pela liquidez, devidas,</p><p>por exemplo, a uma alteração nas informações disponíveis, que ocasionem uma revisão nas expectati-</p><p>vas dos agentes, são frequentemente descontínuas, causando, consequentemente, mudanças também</p><p>descontínuas na taxa de juros. Assim, a cada conjunto de circunstâncias e de expectativas corresponde-</p><p>rá uma taxa de juros apropriada.</p><p>Em síntese, a moeda, para Keynes, é uma forma de riqueza e a taxa de juros o preço que guia a esco-</p><p>lha entre as formas líquida e ilíquida de riqueza, ao invés da escolha entre consumo presente e consumo</p><p>futuro, concebida pelo teoria clássica. Dado que a taxa de juros – a qual, como vimos, é o que se recebe</p><p>quando se adquire títulos financeiros ao invés de acumular moeda – nunca é negativa, “por que alguém</p><p>preferiria guardar sua riqueza de forma que rende pouco, ou nenhum juro, ao invés de conservá-la de</p><p>outra forma que renda algo?” (TG, p. 138). Foi procurando responder esta pergunta que Keynes desen-</p><p>volveu sua teoria monetária.</p><p>4.2. DEMANDA POR MOEDA E PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ</p><p>4.2.1. CIRCUITOS INDUSTRIAL E FINANCEIRO</p><p>Foi visto na Capítulo 3 que, segundo a teoria quantitativa da moeda (TQM), a demanda por moeda em</p><p>seu conjunto é proporcional ou mantém uma relação determinada com a renda. A quantidade de moeda</p><p>requerida para desempenhar a função de meio de troca ou depositário temporário de valor dependia da</p><p>retenção média dos saldos monetários por parte do público, isto é, da velocidade da moeda. No seu livro</p><p>Tratado sobre a Moeda, publicado em 1930, Keynes começou a desenvolver sua teoria monetária alter-</p><p>nativa à TQM, dando os primeiros passos para a superação da teoria clássica marshalliana, então preva-</p><p>lecente.</p><p>No Tratado sobre a Moeda, Keynes distinguiu dois circuitos de circulação monetária:</p><p>a) Circulação industrial: Refere-se à quantidade de moeda necessária para dar suporte ao giro de bens</p><p>e serviços produzidos na economia. Esta quantidade, por sua vez, depende do intervalo médio du-</p><p>rante o qual a moeda é retida entre transações por parte do público, isto é, da velocidade da moeda. A</p><p>circulação industrial incorpora uma visão de moeda e suas funções muito próximas às da TQM, ao</p><p>destacar a necessidade da existência de meios de circulação na economia para permitir que as tran-</p><p>sações com bens e serviços ocorram.</p><p>48 A Demanda por Moeda, a Escolha de Ativos e a Preferência pela Liquidez em Keynes ELSEVIER</p><p>b) Circulação financeira: Inclui operações com ativos financeiros, isto é, cobre as necessidades de</p><p>moeda para a realização de compras de ações, títulos de dívida etc., não relacionadas ao giro da ren-</p><p>da corrente. Neste circuito, porém, ao contrário do anterior, a moeda não é apenas um meio de circu-</p><p>lação, podendo tornar-se ela própria objeto de retenção, como um ativo. Confrontados com a expec-</p><p>tativa de perdas de capital sobre os ativos financeiros, caso se espere uma alta das taxas de juros no</p><p>horizonte de decisão, os agentes preferirão reter moeda a títulos, de modo a evitar as perdas espera-</p><p>das de capital; enquanto aqueles que esperam uma queda nas taxas futuras de juros preferem com-</p><p>prar títulos agora, ao invés de reter moeda para obter ganhos de capital, mesmo que tenham que se</p><p>endividar para fazê-lo. Keynes, apropriando-se da linguagem utilizada nos mercados financeiros</p><p>anglo-saxões, chama o primeiro grupo de agentes de ursos, isto é, aqueles que apostam na alta de ju-</p><p>ros e, portanto, na baixa dos preços de mercado dos títulos financeiros. O grupo que, ao contrário,</p><p>aposta na baixa de juros e, assim, na valorização dos títulos, é chamado de touros. Ursos preferem</p><p>reter moeda e põem os títulos que possuem à venda. Touros demandam títulos e usam seus saldos</p><p>monetários para comprá-los. As taxas de juros correntes mover-se-ão de acordo com a predominân-</p><p>cia de um ou outro grupo, até que a demanda por moeda e por títulos iguale-se à disponibilidade de</p><p>ambos os tipos de ativo.</p><p>O circuito financeiro não tem lugar na TQM, uma vez que a abordagem clássica ignorava a possibi-</p><p>lidade de entesouramento ou retenção de saldos inativos por duração indefinida, sendo a moeda vista</p><p>somente como uma forma temporária de riqueza, uma conveniência, mas não como um ativo. A carac-</p><p>terística mais distintiva deste circuito é seu descolamento da circulação de bens e serviços, já que os</p><p>motivos por detrás das operações financeiras têm pouco a ver com as atividades geradoras de renda,</p><p>quebrando qualquer relação de proporcionalidade entre a quantidade total de moeda em circulação e a</p><p>renda agregada, que é a pedra angular da TQM. O reconhecimento de que reter moeda é uma alternativa</p><p>em relação à retenção de outros ativos é a base da teoria monetária que Keynes iria desenvolver em sua</p><p>A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda, publicada em 1936, segundo a qual a moeda não é</p><p>neutra, mesmo no longo período. É também a hipótese de não neutralidade da moeda que leva Keynes a</p><p>formular seu princípio da demanda efetiva (ver o Apêndice do Capítulo 7).</p><p>4.2.2. MOTIVOS PARA DEMANDAR MOEDA</p><p>Já na Teoria Geral (TG), Keynes deixou de lado a dicotomia entre circulação industrial e circulação fi-</p><p>nanceira em favor de uma abordagem mais geral, em que procurou enfatizar os motivos pelos quais o</p><p>público demanda moeda. No novo enfoque, a circulação industrial dá lugar à demanda transacional</p><p>por moeda, como demanda por saldos ativos, enquanto que a circulação financeira é transformada nas</p><p>demandas precaucionária e especulativa por moeda, próximas à noção de saldos inativos.</p><p>Saldos monetários ativos � Retidos em antecipação da realização de uma transação futura</p><p>já definida</p><p>Saldos monetários inativos � Retidos em antecipação de compras futuras possíveis, mas ainda</p><p>não decididas</p><p>Motivo Transação</p><p>Relacionado ao intervalo entre recebimentos e despesas de renda (pagamentos contratuais, como paga-</p><p>mentos de salários pelas empresas, os juros e aluguéis ou despesas relacionadas à aquisição de bens ou</p><p>serviços), o motivo transação refere-se à retenção de moeda para realização de um ato definido de com-</p><p>pra numa data especificada. O volume de moeda demandado para a realização de transações depende</p><p>do montante da renda e da duração normal do intervalo entre o seu recebimento e o seu desembolso, ou</p><p>A Demanda por Moeda, a Escolha de Ativos e a Preferência pela Liquidez em Keynes 49</p><p>seja, das compras projetadas e dos hábitos de pagamento dos agentes (daí sua natureza rotineira). A fre-</p><p>quência destas despesas pode variar,</p><p>mas o padrão global é bastante previsível, podendo ser planejadas</p><p>sem grandes riscos para serem saldadas com o fluxo monetário de entrada, de acordo com um “período</p><p>de renda” (intervalo entre recebimentos e despesas). Em termos agregados, estas despesas podem ser</p><p>aproximadas pelo nível de renda corrente. Por isso, o motivo transação, tal como na circulação indus-</p><p>trial, incorpora uma visão de moeda e de suas funções muito próxima da TQM, ou seja, de que a moeda</p><p>é necessária para que se façam compras e vendas de bens e serviços, sendo a demanda por moeda para</p><p>tais fins uma fração da renda.</p><p>Motivo Precaução</p><p>Os agentes podem reter moeda por precaução para atender às contingências inesperadas e às oportuni-</p><p>dades imprevistas na realização de negócios vantajosos, já que a moeda é um ativo seguro que serve</p><p>para atravessar um futuro incerto e nebuloso. Em livros-texto, os saldos para estes fins têm sido associ-</p><p>ados exclusivamente a gastos inesperados, como contas de hospital, embora Keynes tenha claramente</p><p>também enfatizado que os agentes podem desejar reter moeda para aproveitar barganhas futuras.</p><p>Pode-se argumentar que é em relação a essa demanda por moeda que a especificidade da visão de</p><p>Keynes sobre a moeda como um ativo deve ser ressaltada. Quando Keynes sugeriu que a moeda é uma</p><p>defesa contra a incerteza que domina os agentes quando simplesmente nós não sabemos o que pode vir</p><p>à frente e que a moeda acalma nossa inquietude, ele estava certamente se referindo ao sentimento de se-</p><p>gurança que a moeda confere ao seu possuidor diante das dificuldades imprevistas no futuro. A deman-</p><p>da precaucionária relaciona-se ao grau de ignorância sobre o futuro, com a moeda sendo o ativo que</p><p>permite aos agentes refazerem rapidamente suas estratégias, caso desejem ou julguem necessário.</p><p>Keynes, contudo, simplificou a função demanda precaucionária, estabelecendo que a quantia</p><p>média de gastos inesperados estava correlacionada com a renda, permitindo, assim, que os saldos por</p><p>precaução pudessem ser adicionados aos saldos para transação num mesmo período de renda. O pres-</p><p>suposto é que, embora o padrão de pagamentos seja irregular num único período de renda, ele é previ-</p><p>sível durante vários períodos seguidos de renda. Enquanto todos os saldos mantidos para o motivo</p><p>transação são gastos dentro do período em que a renda é recebida e, por isso, não são considerados</p><p>poupança, a característica distintiva dos saldos por precaução é que eles não são gastos no mesmo</p><p>período de renda em que são acumulados. Em outras palavras, a intenção de acumular saldos mone-</p><p>tários por motivo precaução é uma intenção de transportar a moeda de um período de renda para ou-</p><p>tro.2 Neste sentido, o mecanismo de agrupar as demandas por precaução e transação num mesmo pe-</p><p>ríodo de renda apresenta, do ponto de vista técnico, problemas. Ao se fundir a demanda transacional</p><p>com a demanda precaucionária, sendo ambas função da renda, as mudanças imprevistas na preferên-</p><p>cia pela liquidez decorrentes das mudanças no grau de incerteza percebido pelos agentes foram colo-</p><p>cadas de lado, levando muitos analistas à simplificação de postular funções demanda por moeda está-</p><p>veis, similares à proposta na teoria quantitativa da moeda. Para evitar tais problemas, seguidores de</p><p>Keynes, tais como Richard Kahn, explicitamente afirmaram que a quantidade de moeda demandada</p><p>para o motivo-transação depende da renda nominal, enquanto aquela relativa ao motivo precaução</p><p>depende das incertezas em relação ao futuro.</p><p>Motivo Especulação</p><p>Este motivo – que segundo Keynes é um dos menos compreendido e de grande importância entre os</p><p>motivos para demandar moeda, porque é o canal por onde agirá a política monetária – está relaciona-</p><p>do à incerteza quanto ao comportamento futuro da taxa de juros. Deste modo, a demanda por moeda</p><p>para satisfazer o motivo especulação varia de modo mais ou menos contínuo sob o efeito de alterações</p><p>graduais na taxa de juros de mercado.</p><p>50 A Demanda por Moeda, a Escolha de Ativos e a Preferência pela Liquidez em Keynes ELSEVIER</p><p>2. Chick, V. Macroeconomics after Keynes. Cambridge (Mass): MIT, 1983.</p><p>Como uma primeira aproximação ao motivo especulação, tracemos no Gráfico 4.1 uma curva rela-</p><p>cionando as variações na demanda por moeda para satisfazer o motivo especulação com aquelas que</p><p>ocorrem na taxa de juros, devidas às variações no preço dos títulos e nas dívidas de vencimento diver-</p><p>sos. A curva de preferência pela liquidez mostra que a demanda por moeda aumenta à medida que a taxa</p><p>de juros se reduz. Note-se, contudo, que a curva de preferência pela liquidez, a partir de um determina-</p><p>do ponto, torna-se horizontal, ou seja, a demanda por moeda torna-se infinitamente elástica a algum pa-</p><p>tamar baixo da taxa de juros, fenômeno que ficou conhecido como armadilha da liquidez. Isto pode</p><p>ocorrer porque há a possibilidade de que tão logo a taxa de juros tenha baixado a certo nível, a preferên-</p><p>cia pela liquidez dos agentes se torne absoluta, no sentido de que os mesmos provavelmente irão prefe-</p><p>rir manter recursos líquidos a conservar uma dívida que rende uma taxa de juros tão baixa.</p><p>Segundo Keynes, há diversas causas que explicam por que a taxa de juros vai decrescendo à medi-</p><p>da que a oferta de moeda aumenta:</p><p>a) Em primeiro lugar, se o nível de renda é dado, e, a partir dele, é estabelecida a demanda transacional</p><p>por moeda, um aumento na oferta de moeda contribui para satisfazer a demanda por moeda dos ur-</p><p>sos, sem que estes tenham que colocar títulos à venda, evitando pressionar os preços dos títulos para</p><p>baixo e elevar a taxa de juros.</p><p>b) Em segundo lugar, cada redução da taxa de juros pode aumentar a quantidade de moeda que certos</p><p>indivíduos desejam conservar, porque seus pontos de vista quanto à taxa de juros diferem das ava-</p><p>liações do mercado (este ponto é desenvolvido na exposição que se segue).</p><p>A incerteza quanto às variações futuras na taxa de juros é o fator determinante que explica a deman-</p><p>da especulativa por moeda e, consequentemente, justifica a conservação de recursos líquidos. Para</p><p>Keynes, o que importa não é o nível absoluto da taxa de juros, mas o seu grau de divergência quanto ao</p><p>que se considera um nível razoavelmente seguro dos juros. O valor observado deste, por sua vez, depen-</p><p>de em boa medida do valor futuro que se lhe prevê. Neste contexto, os agentes formam expectativas es-</p><p>pecíficas a respeito do futuro da taxa de juros, mas que não são necessariamente corretas. Todo agente</p><p>que opera com ativos no mercado financeiro tem uma avaliação subjetiva, dada sua própria experiência</p><p>e seu acesso à informação, do que constitui uma taxa normal de juros, que ele espera que prevaleça de-</p><p>pois que se descontem as flutuações observadas nessa variável no curto prazo. Essa taxa funciona como</p><p>uma âncora para suas expectativas com relação aos movimentos futuros da taxa de juros de mercado</p><p>(ou corrente). Ela define se o agente será urso ou touro, diante das taxas de juros correntes e, portanto,</p><p>se demandará moeda ou títulos.</p><p>A Demanda por Moeda, a Escolha de Ativos e a Preferência pela Liquidez em Keynes 51</p><p>M (moeda)</p><p>r</p><p>L (r)</p><p>Ta</p><p>xa</p><p>de</p><p>ju</p><p>ro</p><p>s</p><p>GRÁFICO 4.1</p><p>A Função Demanda por Moeda Motivo Especulação</p><p>Considere um agente que tenha dois ativos a escolher para aplicar seus recursos: moeda, que é um</p><p>ativo seguro, e títulos, que não são tão seguros, mas rendem juros. Conforme a taxa de juros corrente es-</p><p>teja situada acima ou abaixo da taxa normal, os agentes procurarão vender ou comprar títulos: eles com-</p><p>pram títulos quando esperam que seu preço suba (e os juros caiam) e os vendem, obtendo dinheiro em</p><p>contrapartida, quando esperam que o seu preço caia (os juros subam). Assim, sendo rc a taxa (corrente)</p><p>de juros de mercado, rn a taxa normal de juros e E (dr/dt), a expectativa em relação à taxa de juros, po-</p><p>de-se estabelecer as seguintes regras de decisão para a demanda especulativa (Ms):</p><p>Ursos: rc – rn 0 � Ms > 0 (agentes preferem reter moeda)</p><p>neste caso, se os agentes têm expectativas de que a taxa de juros suba</p><p>no horizonte de decisão, eles po-</p><p>dem preferir moeda a aplicar em títulos. Se a taxa normal de juros (rn) for maior que a taxa de juros de</p><p>mercado (rc) – e assim, rn > rc – o agente reterá moeda ao invés de comprar títulos. Logo, a demanda por</p><p>moeda por motivo especulativo é uma demanda de ursos;</p><p>Touros: rc – rn > 0 e E (dr/dt)</p><p>imediato. É o “preço” mediante o</p><p>qual o desejo de manter a riqueza em forma</p><p>líquida se concilia com a quantidade de moeda</p><p>disponível. Isto implica que, se a taxa de juros</p><p>fosse menor, isto é, se a recompensa da renún-</p><p>cia à liquidez se reduzisse, o montante agregado</p><p>de moeda que o público desejaria conservar ex-</p><p>cederia a oferta disponível e que, se a taxa de ju-</p><p>ros se elevasse, haveria um excedente de moeda</p><p>que ninguém estaria disposto a reter”.</p><p>Ainda neste capítulo, o economista inglês</p><p>pergunta:</p><p>“Dado que a taxa de juros nunca é negativa,</p><p>por que alguém preferiria guardar sua riqueza de</p><p>forma que renda pouco, ou nenhum juro, a con-</p><p>servá-la de outra que renda algum? (...) Há, to-</p><p>davia, uma condição necessária sem a qual não</p><p>poderia existir a preferência pela liquidez como</p><p>meio de conservação da riqueza. Esta condição</p><p>necessária é a existência da incerteza quanto ao</p><p>futuro da taxa de juros, isto é, quanto ao comple-</p><p>xo de taxas de vencimentos variáveis a prevalecer</p><p>em datas futuras.(...) Se a taxa corrente for positi-</p><p>va para as dívidas de qualquer prazo, será sem-</p><p>pre mais vantajoso adquirir uma dívida do que</p><p>conservar a riqueza em forma de dinheiro líqui-</p><p>do. Se, pelo contrário, a taxa futura for incerta</p><p>(...), há o risco de se incorrer em perda na aquisi-</p><p>ção de uma dívida de longo prazo ao convertê-la</p><p>depois em dinheiro, comparativamente a ter con-</p><p>servado o dinheiro como tal (...). [Portanto], as ex-</p><p>pectativas quanto ao futuro da taxa de juros, fixa-</p><p>das pela psicologia de massa, têm seus reflexos</p><p>na preferência pela liquidez; com o acréscimo,</p><p>porém, de que o indivíduo, para quem as futuras</p><p>taxas de juros estarão acima daquelas previstas</p><p>pelo mercado, tem motivos para conservar em</p><p>caixa dinheiro líquido, ao passo que quem diver-</p><p>ge no mercado em sentido oposto terá motivos</p><p>para pedir dinheiro emprestado a curto prazo, a</p><p>fim de adquirir débitos a prazo mais longo. O</p><p>preço do mercado se fixará no nível em que a</p><p>venda dos ‘baixistas’ (ursos) se equilibrar com as</p><p>compras dos ‘altistas’ (touros)”.</p><p>No capítulo 15, quando analisa os incentivos</p><p>psicológicos e empresariais para a liquidez, Key-</p><p>nes defende que a determinação da taxa de ju-</p><p>ros tem um forte componente expectacional e</p><p>psicológico:</p><p>“A cada conjunto de circunstâncias e de ex-</p><p>pectativas corresponderá uma taxa de juros</p><p>apropriada e nunca se verificará suspeitas de al-</p><p>guém modificar suas reservas líquidas habituais.</p><p>De modo geral, entretanto, uma alteração nas</p><p>circunstâncias ou expectativas provocará um rea-</p><p>juste nas reservas líquidas individuais – desde</p><p>que, de fato, uma mudança influa nas ideias dos</p><p>diferentes indivíduos de modo diverso, devido,</p><p>em parte, às diferenças de meio ambiente e ao</p><p>motivo que os levou a guardar dinheiro, e, em</p><p>parte, às diferenças de conhecimento e interpre-</p><p>tação da nova situação. Desse modo, a nova si-</p><p>tuação de equilíbrio da taxa de juros estará as-</p><p>sociada a uma redistribuição da retenção dos re-</p><p>cursos líquidos (...). A variação da taxa de juros</p><p>é, comumente, o efeito mais importante da rea-</p><p>ção a uma mudança nas informações. O movi-</p><p>mento nos preços dos títulos e obrigações está,</p><p>como costumam dizer os jornais, ‘fora de qual-</p><p>quer proporção com a atividade dos negócios’”.</p><p>Já no capítulo 17 da TG, generaliza sua teoria</p><p>da preferência pela liquidez como uma teoria de</p><p>precificação de ativos. Nesta, a peculiaridade da</p><p>moeda – em comparação a outros ativos – é as-</p><p>sim estabelecida:</p><p>“A característica fundamental do capital ins-</p><p>trumental (por exemplo, uma máquina) ou do ca-</p><p>pital de consumo (por exemplo, uma casa) é o</p><p>fato de que seus rendimentos excedem, em geral,</p><p>seu custo de manutenção e de que seu prêmio de</p><p>liquidez é, provavelmente, desprezível (...). A ca-</p><p>racterística da moeda, enfim, é ter um rendimen-</p><p>to nulo, um custo de manutenção insignificante,</p><p>porém um prêmio de liquidez substancial (...). É,</p><p>porém, uma diferença essencial entre a moeda e</p><p>todos os demais bens (ou a maioria) que, no caso</p><p>na moeda, o seu prêmio de liquidez exceda em</p><p>muito o seu custo de manutenção, ao passo que</p><p>no dos outros bens seu custo de manutenção é</p><p>muito maior que o prêmio de liquidez”.</p><p>PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ, SEGUNDO KEYNES</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>4</p><p>.</p><p>2</p><p>No capítulo 17 da Teoria Geral, Keynes elaborou uma teoria de precificação de ativos, utilizando</p><p>uma estrutura mais diversificada de ativos, em que uma dada quantidade de ativos é demandada de</p><p>acordo com sua taxa própria de juros, calculada segundo o preço corrente (à vista) dos ativos. Sua análi-</p><p>se parte do mesmo princípio geral da teoria da preferência pela liquidez de que diferentes graus de liqui-</p><p>dez devem ser compensados por retornos pecuniários que definem a taxa de retorno obtida pela posse</p><p>dos diferentes ativos, de modo a compensar sua relativa iliquidez comparada a um ativo de referência.</p><p>Neste sentido, a teoria da preferência pela liquidez não somente pode ser compatibilizada mas também</p><p>generalizada para uma teoria de precificação de ativos.</p><p>A taxa própria de juros de cada ativo é uma medida de seu retorno total esperado, medido não so-</p><p>mente em termos do direito de renda implícito nele, mas também em termos da conveniência de sua</p><p>posse e dos ganhos de capital que podem ser obtidos com sua venda. Assim, cada ativo oferecerá uma</p><p>dada taxa própria de juros e os investidores escolherão aqueles que oferecerem as mais altas taxas de re-</p><p>torno possíveis. A competição entre os possuidores de riqueza para obter os melhores ativos determina-</p><p>rá os preços destes ativos que, por sua vez, sinalizarão quais ativos são relativamente escassos e quais</p><p>estão com oferta excedente, determinando, assim, a composição da riqueza total acumulada por uma</p><p>comunidade em um determinado período.</p><p>O retorno total esperado oferecido por um ativo – a sua taxa própria de juros – é calculado através</p><p>dos valores assumidos por quatro atributos:</p><p>a) Taxa esperada de quase-renda ou, mais simplesmente, taxa de rendimentos que se espera ganhar</p><p>pela posse ou uso do ativo, como, por exemplo, máquinas dando origem a bens negociáveis que ge-</p><p>rarão lucros, os juros pagos nos títulos, dividendos de ações etc.;</p><p>b) Custo de carregamento incorrido na retenção dos ativos, como estocagem, custos de seguro etc., de</p><p>modo a manter o ativo em seu estado original;</p><p>c) Prêmio pela liquidez, que mede a facilidade de negociação de um ativo no caso de desejo de mudan-</p><p>ça da composição do portfólio, já que alguns ativos são mais facilmente negociáveis do que outros,</p><p>dando ao seu possuidor um retorno importante na forma de flexibilidade diante das mudanças ines-</p><p>peradas na economia;</p><p>d) Taxa esperada de apreciação do ativo ao final de um período, uma vez que o possuidor de riqueza</p><p>pode ganhar (ou perder) com a apreciação (ou depreciação) dos preços de mercado daquele ativo en-</p><p>tre a compra e o fim do período de retenção do mesmo.</p><p>A Demanda por Moeda, a Escolha de Ativos e a Preferência pela Liquidez em Keynes 55</p><p>Por fim, no capítulo 17, Keynes defende, ain-</p><p>da, que a noção de liquidez depende de práticas</p><p>sociais e das instituições:</p><p>“É claro que não existe um padrão de ‘liqui-</p><p>dez’ absoluto, mas simplesmente uma escala de</p><p>liquidez – um prêmio variável que se tem de le-</p><p>var em conta, além do rendimento do uso e dos</p><p>custos de manutenção, ao calcular o atrativo de</p><p>conservar diversas formas de riqueza. A noção</p><p>do que contribui para a ‘liquidez’ é, em parte,</p><p>vaga, modificando-se de tempos em tempos e</p><p>dependendo das práticas sociais e das institui-</p><p>ções. Existe, entretanto, na ideia dos possuidores</p><p>de riqueza uma ordem de preferência bem defi-</p><p>nida, na qual se exprimem em qualquer tempo o</p><p>que pensam a respeito da liquidez, e não preci-</p><p>samos de mais nada para a nossa análise do</p><p>comportamento do sistema econômico. Pode ser</p><p>que em determinadas circunstâncias históricas</p><p>os possuidores de riqueza tenham pensado que</p><p>a posse da terra se caracterizava por um alto</p><p>prêmio de liquidez; e, visto que a terra participa-</p><p>va com a moeda da particularidade de ter, em</p><p>princípio, elasticidades de produção e substitui-</p><p>ção muito baixas,</p><p>é concebível que tenha havido</p><p>na história ocasiões em que o desejo de possuir</p><p>terra haja desempenhado o mesmo papel que a</p><p>moeda em tempos recentes, no sentido de man-</p><p>ter a taxa de juros a um nível demasiado alto”.</p><p>PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ, SEGUNDO KEYNES</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>4</p><p>.</p><p>2</p><p>Partindo, portanto, da hipótese de que cada classe de ativos possui sua taxa própria de juros (ra), o</p><p>retorno total esperado de um ativo, durante um certo período, pode ser definido, como a soma das se-</p><p>guintes taxas esperadas:</p><p>ra = a + q – c + l</p><p>onde</p><p>a = apreciação do valor de mercado do ativo (taxa de apreciação);</p><p>q = rendimento do ativo;</p><p>c = custo de carregamento incorrido na conservação do ativo;</p><p>l = prêmio pela liquidez.</p><p>Nesta abordagem, a preferência pela liquidez é refletida em termos do trade-off entre retornos es-</p><p>perados (a + q – c) e o prêmio pela liquidez (l), causando substituições na estrutura de demanda por</p><p>ativos, que se diferenciam de acordo com combinações de retornos esperados e prêmio de liquidez que</p><p>eles oferecem, sendo a liquidez valorizada quando a incerteza aumenta. A fórmula acima permite a</p><p>comparação e escolha entre ativos que oferecem algum rendimento (q – c), ganhos de capital (a) ou</p><p>simplesmente segurança e flexibilidade conferida pela liquidez (l).</p><p>De fato, o mais original dos atributos identificados acima por Keynes é o prêmio pela liquidez. Li-</p><p>quidez é um conceito bidimensional, pois se refere simultaneamente à duração de tempo requerido para</p><p>se negociar um ativo e à capacidade deste ativo de conservar seu valor ao longo do tempo. Portanto, um</p><p>ativo é líquido quando o tempo requerido para negociá-lo é pequeno e a mudança esperada em seu valor</p><p>também é pequena.</p><p>Combinando os atributos acima, pode-se simplificadamente estabelecer a seguinte taxonomia de</p><p>ativos, tal como está sintetizada no Quadro 4.1. Bens de capital têm nos rendimentos sua principal ca-</p><p>racterística, mas são em geral ilíquidos e apresentam normalmente uma taxa de apreciação de capital</p><p>negativa. Moeda tem rendimento nulo (e seu custo de carregamento é insignificante), uma taxa de valo-</p><p>rização também nula, porém um prêmio de liquidez substancial. Por fim, os títulos e outros ativos fi-</p><p>nanceiros são retidos por gerarem renda e possibilidade de apreciação de capital (o que não é garanti-</p><p>do), mas com grau de liquidez variável (dependente da existência de mercados secundários organiza-</p><p>dos), ainda que maior que a dos bens de capital e menor que o da moeda.</p><p>A ideia central é que, em equilíbrio, os rendimentos esperados a serem obtidos pelos proprietários</p><p>dos ativos (não monetários) devem ser iguais à sua liquidez relativa quando comparados à moeda, de</p><p>modo a igualar as vantagens marginais entre os ativos. Os preços se moverão até que as vantagens rela-</p><p>tivas de um ativo sobre qualquer outro desapareçam. Em termos da fórmula da taxa própria de juros,</p><p>para aqueles ativos que oferecem melhores retornos prospectivos, os preços correntes (que são o deno-</p><p>minador de todos os elementos) aumentarão até que a e q – c sejam então reduzidos de forma que os ga-</p><p>nhos extras que eram antecipados desapareçam. Naturalmente, o oposto ocorre com ativos de baixo</p><p>rendimento: os preços caem de forma que os valores de a e q – c se elevem.</p><p>Em geral, quando as expectativas dos agentes estão otimistas, e a incerteza é baixa, o atributo de li-</p><p>quidez não é tão importante quanto a possibilidade de ter ganhos monetários. A taxa própria de juros de</p><p>56 A Demanda por Moeda, a Escolha de Ativos e a Preferência pela Liquidez em Keynes ELSEVIER</p><p>QUADRO 4.1</p><p>Características dos Ativos</p><p>Ativos a q – c l</p><p>Bens de capital</p><p>Moeda</p><p>Títulos</p><p>Negativa</p><p>Zero</p><p>Positiva ou negativa</p><p>Positivo</p><p>Zero</p><p>Normalmente positivo</p><p>Baixo</p><p>Elevado (máximo)</p><p>Variável, mas</p><p>normalmente alto</p><p>ativos líquidos torna-se mais baixa que as taxas próprias daqueles ativos que são esperados render ga-</p><p>nhos em a ou em q – c, tais como bens de capital. Os agentes econômicos tentarão se livrar de moeda</p><p>para obter bens de investimento, os preços à vista destes se elevarão e nova produção será estimulada.</p><p>Alternativamente, se a incerteza é alta, o prêmio de liquidez da moeda será provavelmente mais alto que</p><p>os rendimentos monetários oferecidos para outros ativos, tais como bens de capital e títulos. Agentes</p><p>tentarão manter portfólios líquidos, deprimindo os preços dos bens de capital e levando a uma contra-</p><p>ção no setor produtor deste bem. (Esta seção será desenvolvida no Capítulo 22.)</p><p>RESUMO</p><p>1. Keynes desenvolveu sua teoria da preferência pela liquidez como uma teoria alternativa à tradição clássica,</p><p>incluindo nesta a teoria dos fundos emprestáveis e a teoria quantitativa da moeda. Para a tradição clássica, a</p><p>taxa de juros é o preço que equilibra a demanda por recursos para investir (determinada pela produtividade</p><p>potencial do investimento) e a propensão de abster-se do consumo imediato enquanto para Keynes ela é um</p><p>fenômeno fundamentalmente monetário, determinado pela preferência pela liquidez dos agentes e pela políti-</p><p>ca das autoridades monetárias.</p><p>2. Para Keynes, a moeda não é um mero veículo temporário das transações que se dão entre mercadorias, mas</p><p>um ativo com atributos específicos (entre eles o de ter o maior prêmio de liquidez entre os ativos), que lhe per-</p><p>mite transportar a riqueza no tempo. A moeda é um ativo, uma forma específica de reter riqueza. A teoria da</p><p>preferência pela liquidez mostra que quando as expectativas dos agentes são pessimistas, eles podem deman-</p><p>dar segurança e flexibilidade no presente para enfrentar o futuro, representado por um ativo seguro que é a</p><p>moeda. A posse da moeda permite aos agentes manter opções abertas perante a incerteza sobre o futuro.</p><p>3. No seu Tratado sobre a Moeda, Keynes distinguiu dois circuitos de circulação monetária: a circuito indus-</p><p>trial, relacionado à quantidade de moeda necessária para dar suporte ao giro de bens e serviços produzidos na</p><p>economia, que incorpora uma visão de moeda e suas funções muito próximas da TQM; circuito financeiro,</p><p>que inclui operações com ativos financeiros, não sendo relacionado diretamente à renda corrente. Neste cir-</p><p>cuito a moeda não é apenas um meio de circulação, podendo tornar-se objeto de retenção como um ativo, o</p><p>que é um primeiro passo para Keynes se diferenciar da TQM, já que esta ignorava a possibilidade de entesou-</p><p>ramento ou retenção de saldos inativos.</p><p>4. Na Teoria Geral, Keynes formulou os motivos para demandar moeda: os motivos transação, precaução e espe-</p><p>culação. O motivo transação está relacionado ao intervalo entre recebimentos e despesas de renda e depende</p><p>do montante da renda e da duração normal do intervalo entre o seu recebimento e o seu desembolso, ou seja,</p><p>das compras projetadas e dos hábitos de pagamento dos agentes. O motivo precaução, por sua vez, refere-se</p><p>ao fato de que os agentes podem reter moeda por precaução para atender às contingências inesperadas e às</p><p>oportunidades imprevistas na realização de compras vantajosas, já que a moeda é um ativo seguro que serve</p><p>para atravessar um futuro incerto e nebuloso. Por fim, o motivo especulação está relacionado à incerteza quan-</p><p>to ao comportamento futuro da taxa de juros, como resultado de uma mudança nas informações no mercado.</p><p>A expectativa dos agentes quanto às variações futuras na taxa de juros – que os definem como “ursos” e “tou-</p><p>ros” – é o fator determinante que explica a preferência pela liquidez dos agentes e, consequentemente, justifi-</p><p>ca a conservação de recursos líquidos para o motivo especulativo. Em artigo publicado pouco depois da TG,</p><p>Keynes introduziu um novo motivo para demandar moeda: o motivo financeiro (finance), relacionado à de-</p><p>manda por moeda antecipada a alguma despesa discricionária planejada, mas não rotineira, como é o caso do</p><p>investimento em bens de capital.</p><p>5. A teoria da preferência pela liquidez pode ser vista como integrante da teoria de precificação de ativos, for-</p><p>mulada no capítulo 17 da TG. Nesta abordagem, a preferência pela liquidez é refletida em termos do trade-off</p><p>entre retornos monetários</p><p>(a + q – c) e o prêmio pela liquidez (l), determinantes da estrutura de demanda por</p><p>ativos, que se diferenciam de acordo com combinações de retornos monetários e prêmio de liquidez que eles</p><p>oferecem, sendo a liquidez valorizada quando a incerteza aumenta (e vice-versa).</p><p>A Demanda por Moeda, a Escolha de Ativos e a Preferência pela Liquidez em Keynes 57</p><p>TERMOS-CHAVE</p><p>� Prêmio de Liquidez</p><p>� Preferência pela Liquidez</p><p>� Circulação Financeira</p><p>� Motivo Precaução</p><p>� Motivo Financeiro</p><p>� Touros</p><p>� Incerteza</p><p>� Circulação Industrial</p><p>� Motivo Transações</p><p>� Motivo Especulação</p><p>� Ursos</p><p>� Taxa Própria de Juros</p><p>BIBLIOGRAFIA COMENTADA</p><p>Keynes, J.M. The General Theory of Employment, Interest and Money. London: Mac Millan, 1936.</p><p>Obra clássica da Economia em geral, em que o autor procura romper com a tradição clássica então prevalecen-</p><p>te, Keynes busca neste livro uma explicação convincente do porquê da existência de equilíbrio com desemprego</p><p>na economia, atribuindo as crises à insuficiência de demanda efetiva. Na TG a teoria monetária tem um espaço</p><p>importante, devido à centralidade da proposição de não neutralidade da moeda na macroeconomia de Keynes.</p><p>Keynes, J.M. Treatise on Money, vol. 1 e 2. London: Macmillan, 1971.</p><p>Nesta importante obra de Keynes, o autor ainda está a meio caminho da revolução teórica que iria realizar na</p><p>TG, no sentido em que, se por um lado, ainda está de alguma forma preso à tradição quantitativista, de outro já for-</p><p>mula vários desenvolvimentos teóricos que superam a TQM e que antecipam vários desenvolvimentos posterio-</p><p>res. A leitura deste livro, de dois volumes, permite elucidar alguns aspectos importantes da teoria monetária de</p><p>Keynes, que não foram devidamente expostos na TG.</p><p>Carvalho, F.C. Mr. Keynes and the Post Keynesians. Aldershot: Edward Elgar, 1992.</p><p>Chick, V. Macroeconomics after Keynes. Cambridge (Mass): MIT, 1983.</p><p>58 A Demanda por Moeda, a Escolha de Ativos e a Preferência pela Liquidez em Keynes ELSEVIER</p><p>MODELOS NEOCLÁSSICOS</p><p>KEYNESIANOS DE DEMANDA</p><p>POR MOEDA</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Neste capítulo são analisados os modelos keynesianos neoclássicos de deman-</p><p>da por moeda: o modelo de composição de carteiras de Tobin (demanda espe-</p><p>culativa); a abordagem de estoques de Baumol-Tobin (demanda transacio-</p><p>nal); assim como o modelo de racionamento de crédito de Stiglitz e outros,</p><p>relacionado à oferta de crédito bancário. As contribuições teóricas de Tobin</p><p>(1956, 1958) e Baumol (1952),1 feitas nos anos 50, mais do que um simples</p><p>detalhamento da formulação original de Keynes, constituem-se na realidade</p><p>em uma reformulação profunda de suas proposições.</p><p>Enquanto Keynes definia – como visto no capítulo anterior – as demandas</p><p>precaucionária e especulativa por moeda em função da incerteza quanto ao futu-</p><p>ro, no modelo de Tobin os agentes passam a tomar decisões orientados por cál-</p><p>culos probabilísticos de risco. Ademais, na maior parte da Teoria Geral, Keynes</p><p>formulou sua teoria da preferência pela liquidez num mundo dicotômico, em</p><p>que o agente tinha duas opções excludentes: reter moeda ou adquirir títulos. To-</p><p>bin, contudo, elaborou seu modelo de composição de carteira partindo da pre-</p><p>missa de que a maior parte das pessoas prefere reter alguma combinação de</p><p>moeda e títulos e que, portanto, dados os riscos envolvidos, é razoável supor que</p><p>carteiras mistas de ativos monetários e não monetários têm maior probabilidade</p><p>de maximizar a satisfação de aplicadores individuais do que portfólios especia-</p><p>lizados em um ou outro ativo. Por outro lado, no que se refere à demanda transa-</p><p>cional, a contribuição de Baumol-Tobin procura mostrar que os agentes pode-</p><p>rão num determinado período de renda aplicar parte de seus recursos em títulos</p><p>que rendem juros e que, deste modo, a demanda por moeda para transação se</p><p>torna também elástica com relação às mudanças na taxa de juros.</p><p>O capítulo aborda, ainda, a teoria de assimetria de informações e racionamen-</p><p>to de crédito, elaborada por Stiglitz, Weiss, Jaffee e outros autores nos anos 70 e</p><p>80. De fato, enquanto até os anos 60 a teoria keynesiana neoclássica esteve prati-</p><p>CAPÍTULO</p><p>5</p><p>1. Baumol, W.J. “The transactions demand for cash: an inventory theoretic approach”. Quaterly</p><p>Journal of Economics, vol. 66, novembro de 1952; Tobin, J. “The interest-elasticity of transacti-</p><p>ons demand for cash”. Review of Economics and Statistics, vol. 38, agosto de 1956; “Liquidity</p><p>preference as behaviour towards risk”. Review of Economics Studies, vol. 25, fevereiro de 1958.</p><p>camente voltada apenas para o estudo da demanda por moeda, a partir dos anos 70 ela focalizou principal-</p><p>mente a oferta de crédito, com implicações, evidentemente, sobre a oferta de moeda.</p><p>5.1. DEMANDA ESPECULATIVA: O MODELO DE COMPOSIÇÃO</p><p>DE CARTEIRA DE TOBIN</p><p>5.1.1 A CRÍTICA DE TOBIN A KEYNES</p><p>Tobin dedicou-se à discussão da relação entre taxa de juros e demanda por moeda em duas ocasiões.</p><p>Em uma delas, que será discutida mais adiante neste capítulo, Tobin propõe a ideia de que a demanda</p><p>transacional por moeda, apresentada no Capítulo 4, não depende apenas da renda dos agentes econô-</p><p>micos, mas também da taxa de juros corrente, lançando as bases do que veio a ficar conhecido como</p><p>abordagem Tobin/Baumol. A outra ocasião em que Tobin voltou-se para problema semelhante foi em</p><p>1958, quando publicou um artigo que se tornou clássico: A Preferência pela Liquidez como Comporta-</p><p>mento em Relação ao Risco. Nesse artigo, cujas principais ideias serão expostas a seguir, Tobin analisa</p><p>a demanda especulativa por moeda. Segundo Keynes, esta demanda, como visto no Capítulo 4, depen-</p><p>dia precisamente da taxa de juros e esta relação demanda por moeda/taxa de juros era um importante</p><p>elemento para a formulação de política monetária. Tobin aceitou a ideia fundamental de Keynes quanto</p><p>à existência de uma relação definida entre as duas variáveis, mas criticou o modo pelo qual Keynes ex-</p><p>pôs este argumento. O resultado deste reexame foi a reformulação da demanda especulativa por moe-</p><p>da, criando-se um novo modelo que se tornou um dos pilares da chamada síntese neoclássica, isto é, a</p><p>teoria criada pelos economistas que se dispuseram a sintetizar os ensinamentos tanto da economia dita</p><p>clássica quanto da keynesiana que será apresentada com mais detalhes no Capítulo 8.</p><p>Enquanto a demanda transacional por moeda privilegia a função da moeda como meio de paga-</p><p>mento, a demanda especulativa assume que a moeda é também uma reserva de valor, isto é, um ativo</p><p>que pode ser acumulado como riqueza tanto quanto qualquer outro ativo, como ações de empresas, de-</p><p>bêntures, máquinas, construções etc. A diferença entre a moeda e estes outros ativos reside, natural-</p><p>mente, no fato de que estes rendem ao seu possuidor algum retorno tangível, enquanto a moeda não.</p><p>Como vimos no Capítulo 4, Keynes havia argumentado que esta diferença é menos importante do que</p><p>parece porque a moeda rende alguma coisa: ela dá segurança a quem a possui. Mas é inegável que este</p><p>retorno não é tangível: para aqueles que não passaram por necessidades no passado, e não tiveram de</p><p>lançar mão do benefício da segurança, a acumulação de dinheiro os deixa, ao final, com a mesma rique-</p><p>za com que começaram, enquanto os que compraram ações ganharam possivelmente dividendos, os</p><p>que compraram debêntures ganharam juros etc.</p><p>A demanda por moeda, porque ela é um porto seguro para quem navega na incerteza do futuro, é</p><p>chamada de precaucional. Mas, como vimos no Capítulo 4, é ainda possível considerar uma demanda</p><p>por moeda como ativo em outra circunstância: quando se espera que ativos financeiros venham a des-</p><p>valorizar no futuro. Neste caso, se a recompensa (em juros, por exemplo) que se vai receber por aplicar</p><p>o dinheiro for menor do que a desvalorização esperada dos títulos que se está comprando, é melhor para</p><p>o investidor, ao invés de investir naquele momento, esperar até que os preços caiam e estes papéis pos-</p><p>sam ser comprados por um preço menor. Naturalmente, ninguém pode saber com certeza quando os</p><p>preços dos títulos cairão. Por isso, comprar ou deixar de comprar títulos em</p><p>um determinado momento</p><p>é uma decisão especulativa, isto é, baseada numa expectativa, não em um fato objetivo. A demanda por</p><p>moeda que resulta desta decisão foi, assim, chamada de especulativa por Keynes.</p><p>Para Tobin, enquanto a lógica deste raciocínio está fundamentalmente correta, o detalhamento do ar-</p><p>gumento feito por Keynes é falho. Tobin critica principalmente dois aspectos da proposta de Keynes. Por</p><p>um lado, a existência de uma demanda especulativa por moeda parece depender de um comportamento</p><p>quase irracional e que, portanto, deveria desaparecer em equilíbrio. Em segundo lugar, a implicação em-</p><p>pírica da teoria de Keynes parece contrariar a realidade. Examinemos cada um dos argumentos de Tobin.</p><p>60 Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda ELSEVIER</p><p>5.1.2. CRÍTICA À HIPÓTESE DE KEYNES SOBRE EXPECTATIVAS</p><p>Para Keynes, a demanda especulativa por moeda seria positiva sempre que os investidores mantives-</p><p>sem a expectativa de que a taxa de juros viesse a subir no futuro próximo. O preço de mercado dos títu-</p><p>los financeiros depende da taxa de juros. É fácil mostrar-se por quê.</p><p>Títulos financeiros são demandados porque são fontes de rendimento para seu possuidor. Em ou-</p><p>tras palavras, compram-se papéis porque o detentor de papéis tem direito a auferir juros, dividendos</p><p>etc., da mesma forma que um detentor de casas tem direito a receber aluguéis, o detentor de máquinas</p><p>tem direito a receber lucros, e assim por diante. Ora, quanto maior o rendimento esperado de um deter-</p><p>minado título, maior será sua demanda e, portanto, o preço que os compradores estarão dispostos a ofe-</p><p>recer por ele. Assim, podemos dizer que, ceteris paribus, o preço dos títulos depende diretamente das</p><p>anuidades (isto é, dos rendimentos) que se espera receber por esta aplicação. Mas é preciso avançar</p><p>mais um pouco. Títulos financeiros são, na verdade, promessas de rendimento, isto é, eles oferecem a</p><p>perspectiva de obtenção de um certo rendimento numa data futura. Um título federal de maturidade de</p><p>dez anos, com pagamento integral ao final do período, representa uma promessa de recebimento de</p><p>principal e juros daqui a dez anos!</p><p>Quando se leva isto em consideração, é preciso introduzir dois elementos. O primeiro deles, que</p><p>não discutiremos aqui, é o de que quando tratamos de expectativas, temos que considerar a possibilida-</p><p>de de que elas estejam equivocadas, introduzindo-se assim a questão da incerteza que ronda decisões</p><p>orientadas por expectativas. O segundo elemento se refere ao fato de que a satisfação que a riqueza que</p><p>temos hoje nos dá é diferente se seu usufruto pode se dar imediatamente ou apenas daqui a um certo nú-</p><p>mero de períodos. O mais comum é que nós prefiramos a disponibilidade imediata de uma dada riqueza</p><p>à disponibilidade futura, mesmo que os valores sejam idênticos. Isto se justifica de diversas maneiras,</p><p>mas a que nos interessa mais diretamente é a de que, se eu tiver acesso imediato a um determinado valor</p><p>(ao invés de ter que esperar, digamos, cinco anos para usá-lo), eu posso investi-lo no presente, à taxa</p><p>corrente de juros e chegar ao final de cinco anos com um valor ainda maior. Suponhamos que me seja</p><p>dada a escolha de ganhar mil reais neste momento ou ganhá-los daqui a um ano, e que a taxa de juros</p><p>anual seja de 5%. Se eu esperar um ano para ganhar este dinheiro, ganharei R$ 1.000. Se eu recebê-lo</p><p>agora e investi-lo por um ano a 5%, chegarei ao final do ano com R$ 1.050. Deste modo, eu poderia ser</p><p>indiferente entre ganhar R$ 1.000 hoje ou R$ 1.050 daqui a um ano, mas nunca entre ganhar R$ 1.000</p><p>hoje e R$ 1.000 no futuro. Nas condições descritas no exemplo, mil reais hoje são equivalentes a mil e</p><p>cinquenta reais daqui a um ano se a taxa de juros é de 5% ao ano. Em linguagem financeira, diz-se que,</p><p>se a taxa de juros anual é de 5%, R$ 1.000 é o valor presente de R$ 1.050 recebíveis daqui a um ano.</p><p>Neste exemplo podemos determinar imediatamente a influência da taxa de juros sobre o preço dos</p><p>títulos. Suponhamos que um título financeiro que promete um pagamento de R$ 1.050 daqui a um ano é</p><p>colocado à venda. Quanto será pago por este papel no mercado atual? A resposta depende da taxa de ju-</p><p>ros. Vimos que se a taxa de juros for de 5%, poderemos pagar até R$ 1.000 por ele, porque quem tiver</p><p>mil reais à sua disposição no presente poderia ganhar exatamente R$ 1.050 em um ano aplicando no</p><p>mercado financeiro. E se a taxa de juros, no entanto, subir hoje para 10% ao ano? Neste caso, é possível</p><p>ganhar os mesmos R$ 1.050 daqui a um ano, aplicando hoje menos que R$ 1.000. Para sabermos o va-</p><p>lor presente de R$ 1.050 quando a taxa de juros é 10% temos que fazer a seguinte operação:</p><p>1.050 = X (1 + r) em que r = 0,1 (isto é, 10%) e X é o valor do investimento necessário hoje para se obter</p><p>1.050 reais daqui a um ano. Assim,</p><p>X = 1.050/(1 + 0,1) = 1.050/1,1 = 954,55 (arredondando-se os centavos)</p><p>Vemos assim que quando a taxa de juros sobe, o valor de mercado do papel, seu preço de mercado, cai.</p><p>Como o preço de mercado de títulos financeiros pode variar quando a taxa de juros muda, um in-</p><p>vestidor, ao decidir comprar ou não um papel, deve levar em conta dois elementos que determinam seu</p><p>retorno total: a taxa de juros a ser paga no período em que ele reterá o papel em sua carteira e o valor de</p><p>revenda deste papel ao final do período. Este valor de revenda ao final do período vai depender de qual</p><p>Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda 61</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>será a taxa de juros de mercado naquela data, porque ela determinará quanto outros investidores estarão</p><p>dispostos a pagar pelo papel.</p><p>Vê-se, assim, que expectativas de taxas de juros são importantíssimas na decisão de aplicação em</p><p>títulos financeiros. A relação funcional precisa entre preço do papel e taxa de juros é dada pela fórmula</p><p>do valor presente, dada em qualquer manual de matemática financeira. Tobin seguirá o procedimento</p><p>usual de se valer de um título de características especiais, chamado de perpetuidade, que permite utili-</p><p>zar uma fórmula bem mais simples.</p><p>Perpetuidades são títulos perpétuos, isto é, que não têm data para redenção, rendendo juros perpe-</p><p>tuamente. Cada investidor pode vendê-los em mercados secundários, mas o seu emissor, normalmente</p><p>o Tesouro de algum país, não tem a obrigação de redimi-los. Quando a data de redenção é infinita, a fór-</p><p>mula do valor presente de um título se resume a:</p><p>P = A / r, em que A é o valor da anuidade prometida (ou o valor do “cupom”) e r é a taxa de juros corren-</p><p>te. Vê-se que quando a taxa de juros sobe, o preço do título deve cair.</p><p>A teoria da demanda especulativa por moeda assume que quando os investidores esperam que a</p><p>taxa de juros venha a subir, eles preferem reter moeda e deixar para comprar papéis a preços meno-</p><p>res mais tarde. O contrário ocorre quando a expectativa é de baixa de taxa de juros. A questão aqui</p><p>é: como se formam estas expectativas? Keynes argumentava que a expectativa de taxa de juros de-</p><p>pendia do nível de taxa de juros que cada agente considerasse normal. Assim, se eu julgo que a taxa</p><p>de juros normal no Brasil é de 20% ao ano, e o mercado no momento está pagando uma taxa de 15%</p><p>ao ano, minha expectativa é de que esta taxa venha a subir (para os 20% normais). Se outro agente</p><p>acha que o normal é 5% ano, suas expectativas quanto à taxa de juros no futuro serão de queda. Nes-</p><p>te exemplo, que farão cada um dos dois investidores? O primeiro reterá moeda, para especulação, à</p><p>espera que a taxa de juros suba. O segundo comprará títulos, à espera de que a taxa de juros desça e</p><p>os títulos se valorizem.</p><p>É aqui que as objeções de Tobin se explicitam. Por um lado, diz ele, vamos supor que a taxa de ju-</p><p>ros permaneça inalterada por um período mais ou menos longo. Neste caso, todos acabarão achando</p><p>que esta é a taxa normal e, portanto, a demanda especulativa por moeda será zerada. Ou seja, em equilí-</p><p>brio, a demanda especulativa por moeda deve desaparecer, a não ser que os agentes sejam irracionais e</p><p>incapazes de aprender com a realidade que testemunham.</p><p>O segundo problema</p><p>Através dos anos, discussões com Antonio Barros de Cas-</p><p>tro, Fernando Carlos Lima, Antonio Licha, Adriana Amado, Luis Fernando Cerqueira, Marcos Torres,</p><p>Caio Cezar Lock Prates da Silveira, Fernando Ferrari Filho, Carmem Feijó, Gilberto Tadeu Lima e Ubi-</p><p>ratan Iorio, bem como com Paul Davidson, Jan Kregel, Gary Dymski, Vicky Chick, Philip Arestis, Ju-</p><p>lio Lopez e Steve Fazzari, em muito contribuíram para o amadurecimento das ideias, posições e teorias</p><p>que são apresentadas neste livro. O apoio de primeira hora e a orientação editorial de Ricardo Redisch e</p><p>Kátia Alves, da Editora Campus, foram elementos essenciais para viabilizar a produção deste texto.</p><p>De certa forma, os agradecimentos mais importantes, contudo, são dirigidos aos nossos alunos no</p><p>Instituto de Economia da UFRJ, no Departamento de Economia da UFF, e das Faculdades Candido</p><p>Mendes de Ipanema, que não apenas inspiraram estes esforços, como também nos permitiram, ainda</p><p>que involuntariamente, testar formulações e estruturas alternativas de teoria e política monetária para</p><p>inclusão neste livro.</p><p>Rio de Janeiro, agosto de 2000.</p><p>F.J.C.C., F.E.P.S., J.S., L.F.R.P. e R.S.</p><p>Prefácio e Agradecimentos à Primeira Edição XI</p><p>OS AUTORES</p><p>Fernando J. Cardim de Carvalho</p><p>Professor Titular do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Graduado em</p><p>Economia pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (1975), Mestre</p><p>em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (1978) e Ph.D. em Economia por Rutgers, The</p><p>State University of New Jersey, nos Estados Unidos (1986). Ex-Secretário Executivo da Associação</p><p>Nacional de Centros de Pós-Graduação em Economia (ANPEC), de 1992 a 1994, e ex-membro do Co-</p><p>mitê Assessor de Economia do CNPq, de 1996 a 1998. Tem vários artigos publicados em revistas espe-</p><p>cializadas no Brasil e no exterior, entre as quais Revista de Economia Política, Revista Brasileira de</p><p>Economia, Estudos Econômicos, Journal of Post Keynesian Economics, Cambridge Journal of Econo-</p><p>mics e Banca Nazionale del Lavoro Quarterly Review.</p><p>Francisco Eduardo Pires de Souza</p><p>Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutor em</p><p>Economia pela Universidade Estadual de Campinas, com pós-doutorado na London School of Eco-</p><p>nomics and Political Science. Coautor do livro Economia Brasileira em Marcha Forçada, agraciado</p><p>com o Prêmio Jabuti de melhor livro em Ciências Sociais em 1987. Tem artigos e capítulos em li-</p><p>vros publicados no Brasil e no exterior e artigos em revistas especializadas como a Revista de Eco-</p><p>nomia Política, Revista Brasileira de Economia, Estudos Econômicos e Revista de Economia</p><p>Contemporânea.</p><p>João Sicsú</p><p>Professor-doutor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IE-UFRJ.</p><p>Coorganizador e autor dos livros Macroeconomia do emprego e da renda: Keynes e o Keynesianismo</p><p>(Editora Manole, 2003), Agenda Brasil: políticas econômicas para o crescimento com estabilidade de</p><p>preços (Editora Manole: 2003) e Novo-desenvolvimentismo: um projeto nacional de crescimento com</p><p>equidade social (Editora Manole, 2005). É coorganizador e autor também de livros publicados pela</p><p>Editora Campus-Elsevier, entre eles, destaca-se Câmbio e Controles de Capitais. Possui vários artigos</p><p>publicados em revistas acadêmicas nacionais e internacionais, como: Revista de Economia Política,</p><p>Revista Brasileira de Economia, Estudos Econômicos, Economia & Sociedade, Nova Economia, Re-</p><p>vista Análise Econômica, Economia Aplicada e Journal of Post Keynesian Economics. É pesquisador</p><p>nível 1 do CNPq e consultor ad hoc da Capes, da Faperj e do CNPq.</p><p>Luiz Fernando de Paula</p><p>Professor Adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro</p><p>(FCE/UERJ). É doutor em Economia pela UNICAMP, com pós-doutoramento pelo St Antony’s Colle-</p><p>ge, Universidade de Oxford. Tem publicado extensamente em diversas revistas acadêmicas, como Re-</p><p>vista de Economia Política, Estudos Econômicos, Revista Brasileira de Economia, Revista de</p><p>Economia Contemporânea, Economia e Sociedade, Journal of Post Keynesian Economics, Revista de</p><p>la CEPAL e Banca Nazionale del Lavoro Quarterly Review. É coorganizador e autor de diversos livros,</p><p>entre os quais destacam-se “Monetary Union in South America: Lessons from EMU” (Edward Elgar,</p><p>2003), “Agenda Brasil” (Manole, 2003), “Globalização Financeira: Ensaios de Macroeconomia Aber-</p><p>ta” (Vozes, 2004) e “Novo-desenvolvimentismo” (Manole, 2005). É pesquisador nível 1 do CNPq e</p><p>consultor ad hoc da Capes e CNPq.</p><p>Rogério Studart</p><p>Professor Adjunto licenciado do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro</p><p>(UFRJ), é atualmente Diretor Executivo para Brasil e Suriname no Banco Interamericano de Desenvol-</p><p>vimento (BIRD). Graduado em Economia pela Faculdade de Economia e Administração da UFRJ</p><p>(1983), Mestre em Economia pelo Instituto de Economia Industrial da UFRJ e Ph.D. em Economia pela</p><p>University of London, Londres, Inglaterra (1992). Sua tese de Doutorado recebeu o Sayers Prize como</p><p>a melhor tese na área de Economia Monetária pela Universidade de Londres no biênio 1992-1993, ten-</p><p>do sido publicada como livro, com o título Investment Finance in Economic Development, pela editora</p><p>Routledge, Londres e Nova York (1995). É coautor de outros quatro livros e tem artigos publicados em</p><p>revistas especializadas no Brasil e no exterior, entre as quais Revista de Economia Política, Estudos</p><p>Econômicos, Journal of Post Keynesian Economics, Review of Political Economy e Revista Investiga-</p><p>ciones Económicas.</p><p>Os Autores 385</p><p>A MOEDA E O SISTEMA</p><p>MONETÁRIO</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>O primeiro objetivo deste capítulo é definir o que é moeda, identificar as suas</p><p>funções e características essenciais. A moeda, em economias capitalistas mo-</p><p>dernas, deve desempenhar as funções de meio de troca, unidade de conta e re-</p><p>serva de valor. Para tanto, deve possuir algumas características físicas e</p><p>econômicas que possibilitam o desempenho de tais funções. Posteriormente,</p><p>mostra-se que não somente o Banco Central, mas também os bancos comer-</p><p>ciais podem criar moeda. Define-se, então, que o conjunto de instituições cria-</p><p>doras de meios de pagamento constitui o sistema bancário ou monetário de</p><p>uma economia.</p><p>Importantes questões são ainda tratadas no capítulo, entre elas o significa-</p><p>do do termo liquidez, que é o atributo que qualquer ativo possui, em maior ou</p><p>menor grau, de conservar valor ao longo do tempo e de poder ser convertido</p><p>em moeda. Por último, apresentam-se algumas definições cujo entendimento</p><p>é essencial para o bom desempenho em um curso de economia monetária e fi-</p><p>nanceira. São apresentados os conceitos de base monetária, encaixes bancá-</p><p>rios e operações de redesconto. Todas essas definições são estudadas através</p><p>de argumentos econômicos e através do uso de balanços estilizados dos ban-</p><p>cos comerciais.</p><p>1.1. A MOEDA E SUAS FUNÇÕES</p><p>A moeda é um objeto que responde a uma necessidade social decorrente da di-</p><p>visão do trabalho. A divisão social do trabalho característica da economia ca-</p><p>pitalista moderna especializou unidades de produção e indivíduos. Os agentes</p><p>econômicos se tornaram, assim, extremamente interdependentes. Necessitam</p><p>fazer inúmeras compras e vendas em períodos, às vezes, bastante curtos. Uma</p><p>sociedade sem moeda teria uma vida econômica pouco ágil. O tempo para se</p><p>concretizar uma transação comercial aumentaria demasiadamente, e o desgas-</p><p>te físico e mental para se realizar tal operação seria, talvez, insuportável. Por</p><p>exemplo, diante de uma chuva inesperada, um indivíduo desejoso de adquirir</p><p>CAPÍTULO</p><p>1</p><p>um guarda-chuva e que tivesse um excedente em laranjas teria que encontrar alguém que tivesse um ex-</p><p>cedente de guarda-chuvas e que desejasse trocar, naquele momento, uma parcela desse excedente por</p><p>laranjas. Esse tipo de coincidências é chamado de coincidência mútua e complementar de necessida-</p><p>des. Elas podem ocorrer, mas certamente são raras e sua busca desgasta física e mentalmente os interes-</p><p>sados em transações tão específicas.</p><p>As trocas</p><p>apontado por Tobin percebe-se também do exemplo. Se eu acho que a taxa de</p><p>juros vai subir, e os preços dos títulos caírem, eu venderei agora todos os títulos que tenho e manterei só</p><p>moeda em carteira, para evitar perdas. O outro agente fará exatamente o contrário. Assim, cada investi-</p><p>dor seria inteiramente especializado em um ou outro ativo e ninguém teria carteiras diversificadas, o</p><p>que é negado pelos estudos empíricos.</p><p>A intenção de Tobin em seu trabalho de 1958 é reformular a teoria da demanda especulativa de</p><p>modo a dar-lhe bases teóricas mais sólidas e melhorar seus resultados empíricos, diante do modo pelo</p><p>qual interpreta a teoria oferecida por Keynes.</p><p>5.1.3. O MODELO DE TOBIN</p><p>Tobin inicia seu artigo modelando o argumento que atribui a Keynes. Comecemos considerando que a</p><p>remuneração esperada de um título para o seu detentor resulte de duas fontes:</p><p>a) o rendimento do título, A, sob a forma do pagamento que ele recebe como juros, normalmente ex-</p><p>presso como uma percentagem do seu valor nominal;</p><p>b) o ganho de capital potencial, g, relacionado a um possível aumento do preço do título entre o mo-</p><p>mento da compra e o da venda.</p><p>62 Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda ELSEVIER</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>A taxa de retorno de mercado do título, r, é a razão entre o seu rendimento e o seu preço, PT . Deste</p><p>modo, como visto, a taxa de mercado (r) é dada por:</p><p>PT = A / r</p><p>O ganho de capital percentual esperado, g, é o aumento de preço, em percentagem, entre o preço de</p><p>compra, PT, e o preço de venda esperado, Pe</p><p>T. Obtemos assim uma expressão para o ganho de capital es-</p><p>perado, g = (Pe</p><p>T – PT) / PT. Sendo o rendimento do título, A, fixo, temos que ao preço esperado Pe</p><p>T cor-</p><p>responde uma taxa de juros esperada, re = A / Pe</p><p>T. Assim, em termos de taxas de juros esperada e corren-</p><p>te, o ganho de capital g é dado por</p><p>g = [(A/re ) – (A/r)] / A/r</p><p>Dividindo o numerador e o denominador por A e multiplicando por r, obtemos</p><p>g</p><p>r</p><p>r e</p><p>� –1 (1)</p><p>A taxa de retorno total de um título, e, será a soma da taxa de juros de mercado com o ganho de ca-</p><p>pital. Assim, e = r + g, e substituindo g pela equação 1, obtemos uma expressão para a taxa de retorno</p><p>total:</p><p>e r</p><p>r</p><p>r e</p><p>� � –1 (2)</p><p>Considerando uma remuneração esperada das obrigações, e, e uma remuneração nula dos ativos</p><p>monetários, será de se esperar que o detentor de ativos aplique a sua riqueza líquida em títulos se ele es-</p><p>perar uma remuneração e superior a zero ou a aplique em ativos monetários se esperar “e” inferior a</p><p>zero.</p><p>Pode-se, agora, definir o nível de taxa de juros de mercado que Tobin chama de crítico, rc , isto é, o</p><p>que zeraria a remuneração dos títulos (isto é, o valor de r que torna e = 0). Quando a taxa de juros cor-</p><p>rente for superior àquele nível crítico, e assim r > rc , o indivíduo aplicará toda a sua riqueza líquida em</p><p>títulos; quando r</p><p>mantendo a carteira em diferen-</p><p>tes combinações de moeda e títulos correspondem às curvas de oportunidade, equivalentes a uma</p><p>restrição orçamentária. As curvas de oportunidade correspondem, assim, às oportunidades disponí-</p><p>veis aos indivíduos, enquanto que as curvas de indiferença aos seus objetivos e preferências.</p><p>g) A maximização da satisfação dos agentes econômicos com relação a uma carteira que proporciona</p><p>uma determinada combinação de rendimentos e riscos ocorre no ponto de tangência entre a curva de</p><p>oportunidade e a mais alta curva de indiferença possível.</p><p>O Modelo de Composição de Carteira</p><p>O modelo proposto por Tobin pretende descrever como um investidor individual faz sua escolha entre</p><p>dois tipos de ativos líquidos: moeda e títulos. O primeiro tipo de ativo, a moeda, não gera incertezas:</p><p>seu retorno é zero, e não cria nenhum risco, isto é, a retenção da moeda dá ao seu possuidor um retorno</p><p>certo igual a zero. O investidor, portanto, sabe de antemão que aquela parte do seu portfólio mantida em</p><p>moeda chegará ao fim do período exatamente com o mesmo valor com que começou. Já o segundo tipo</p><p>de ativo oferecerá um elemento de rendimento positivo, sob a forma de uma taxa de juros r, mas sua</p><p>posse implicará um risco para o investidor, pois na hora em que este quiser revender este ativo, seu pre-</p><p>ço de mercado pode ser menor que o originalmente pago. Assim, há um segundo elemento influencian-</p><p>do a remuneração total obtida, que será o ganho (ou perda) de capital, g, que, como vimos, dependerá</p><p>do comportamento da taxa de juros entre a data de compra do ativo e a data de venda.</p><p>O problema proposto por Tobin é, assim, o seguinte: em que proporções este investidor dividirá sua</p><p>carteira de ativos entre moeda e títulos, ou, em outras palavras, entre o ativo seguro mas sem remunera-</p><p>ção e o ativo pagante mas arriscado?</p><p>Chamemos de A1 e A2 as proporções em que uma carteira é dividida entre moeda e títulos, respecti-</p><p>vamente. Naturalmente, A1 + A2 = 1. Nem A1 nem A2 podem ser negativos, mas um deles pode ser nulo,</p><p>o que implicaria uma carteira inteiramente constituída de moeda ou de títulos. Tobin supõe que estas</p><p>proporções são independentes do volume total de riqueza a ser investido.</p><p>O retorno total de uma carteira constituída de moeda e títulos é dado por:</p><p>R = A1 . 0 + A2 (r + g) = A2 (r + g) (5)</p><p>Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda 65</p><p>Dado que moeda não paga juros (isto é , a taxa de juros sobre a moeda é zero) nem oferece ganhos</p><p>de capital, seu retorno é nulo. Por isso, o retorno total R de uma carteira é gerado apenas pelos juros e</p><p>ganhos de capital pagos pela proporção investida em títulos, A2.</p><p>Tobin assume que g é uma variável aleatória com valor esperado nulo e variância conhecida.</p><p>Assim, o valor esperado do rendimento da carteira E(R) é</p><p>E(R) = E [A2 (r + g)] = A2r = �R (6)</p><p>O risco deste portfólio, por sua vez, é gerado pela parcela investida em títulos. Este risco é medido</p><p>pelo desvio-padrão da distribuição de g, já que esta é uma medida de dispersão dos resultados possíveis</p><p>quanto a ganhos de capital. Assim,</p><p>�R = A2 �g (7)</p><p>E, portanto,</p><p>A2 = �R/�g (8)</p><p>Substituindo-se 8 em 6, obtém-se:</p><p>�R = (r/�g) �R (9)</p><p>Esta equação nos descreve a relação entre retornos esperados desta carteira, �R, e seus riscos, �R.</p><p>Em outras palavras, ela nos diz quais níveis de riscos têm de ser aceitos para que um investidor possa al-</p><p>mejar ganhar, em média, �R.</p><p>Para um dado �g, pode-se traçar a relação entre riscos e retornos através da curva de oportunidades</p><p>mostrada no quadrante superior do Gráfico 5.2. Esta curva descreve o trade-off entre riscos e retornos</p><p>que cada investidor tem de considerar ao tomar sua decisão de aplicação.</p><p>Conhecido �g, é possível ainda determinar-se a relação entre A2, a proporção da carteira mantida</p><p>pelo investidor, e o risco total do portfólio, �R. Com efeito, por 8 sabemos que</p><p>A2 = �R/ �g</p><p>Esta relação está descrita no quadrante inferior do Gráfico 5.2.</p><p>66 Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda ELSEVIER</p><p>mR</p><p>Inclinação = r/s g</p><p>0 s R</p><p>Inclinação = 1/s gB</p><p>W</p><p>M</p><p>Pode-se observar no quadrante inferior</p><p>do gráfico que quanto maior for a parte</p><p>da riqueza W investida em títulos (B) maior</p><p>será o seu risco ( ), e quanto maior for</p><p>a parte da riqueza mantida em moeda (M),</p><p>o inverso ocorrerá.A análise do quadrante</p><p>superior será útil para as explicações que</p><p>se seguem.</p><p>s R</p><p>GRÁFICO 5.2</p><p>Curva de Oportunidades para um Ativo</p><p>Para encontrar o ponto de equilíbrio entre risco, �R, e remuneração esperada �R, do indivíduo, é ne-</p><p>cessário confrontar a curva de oportunidades com a função utilidade do indivíduo, que, como visto, re-</p><p>presenta os níveis de utilidade proporcionados pelas diferentes combinações de risco e retorno, sendo o</p><p>investidor indiferente entre todos os pontos que compõem uma determinada curva de utilidade. A for-</p><p>ma destas curvas de indiferença depende da natureza das preferências do investidor entre risco e retor-</p><p>no, conforme será visto à frente.</p><p>Tipos de Preferências Individuais Possíveis</p><p>Os gráficos 5.3, 5.4, 5.5 e 5.6 mostram escolhas de portfólio descritos por três tipos de preferências in-</p><p>dividuais possíveis: diversificador, jogador e amante do risco. As curvas de um diversificador – expres-</p><p>sas no gráfico 5.3 – são representativas de um indivíduo avesso ao risco e, por isso, suas curvas de</p><p>indiferença têm inclinação positiva e são convexas para cima em relação à reta orçamentária, indicando</p><p>que a pessoa exige, à medida que o risco aumenta, acréscimos crescentes de remuneração, ou seja, o di-</p><p>versificador para aceitar incorrer em um risco maior o faz apenas em caso de esperar obter uma remune-</p><p>ração maior. Como o diversificador busca, nestas circunstâncias, obter a otimimização de sua carteira,</p><p>a remuneração esperada e o risco associado à sua carteira, μR, R , vão ser determinados pelo ponto de</p><p>tangência da sua reta orçamentária com a mais elevada curva de indiferença possível (ponto a do Gráfi-</p><p>co 5.4). Este ponto corresponde a uma carteira diversificada composta em parte por títulos, no montante</p><p>B0, e em parte por ativos monetários, no montante M0.</p><p>Os Gráficos 5.4 e 5.6 mostram as curvas de indiferença de indivíduos denominados jogadores. O</p><p>jogador têm tipicamente um comportamento na base do “tudo ou nada”, pois ou ele não aplica qual-</p><p>quer parcela de sua riqueza em títulos, mantendo-as sob a forma de ativos monetários (dinheiro); ou ele</p><p>aplica totalmente seus recursos sob a forma de títulos e nada em ativos monetários. No Gráfico 5.4, as</p><p>curvas de indiferença do jogador são mais inclinadas do que a reta orçamentária, de modo que ele detém</p><p>exclusivamente moeda, enquanto que no Gráfico 5.6 as curvas de indiferença são menos inclinadas do</p><p>Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda 67</p><p>μR</p><p>a</p><p>0 s R</p><p>B0</p><p>W M0</p><p>GRÁFICO 5.3</p><p>Carteira de um Diversificador</p><p>1/ s g</p><p>μR</p><p>a</p><p>0 s R</p><p>W</p><p>U0</p><p>U1</p><p>U2</p><p>B0</p><p>GRÁFICO 5.5</p><p>Carteira de um “Amante do Risco”</p><p>1/ s g</p><p>μR</p><p>0 s R</p><p>W</p><p>U0</p><p>U1</p><p>U2</p><p>GRÁFICO 5.4</p><p>Carteira de um “Jogador”: Tudo em Dinheiro</p><p>1/ s g</p><p>μR</p><p>0 s R</p><p>W</p><p>U0</p><p>U1</p><p>U2</p><p>GRÁFICO 5.6</p><p>Carteira de um “Jogador”: Tudo em Títulos</p><p>que a reta orçamentária, e, neste caso, no ponto em que a maior curva de indiferença tangencia a reta or-</p><p>çamentária a carteira do jogador detém apenas títulos e nenhuma moeda, buscando maximizar retorno</p><p>ainda que as custas de um risco maior.</p><p>Já as curvas de indiferença de um amante do risco têm inclinação negativa (ver Gráfico 5.5), o que</p><p>mostra um comportamento que busca uma maximização do risco, ou seja o indivíduo está disposto a acei-</p><p>tar uma menor remuneração esperada a fim de ter a possibilidade de ganhos futuros de capital elevados,</p><p>ainda que incorrendo em um risco maior. Também neste caso ele vai aplicar toda sua riqueza em títulos.</p><p>Tobin utiliza as curvas de indiferença referente aos diversificadores, situação representada no Gráfi-</p><p>co 5.3, como base para constituição da demanda por moeda no seu modelo de composição de carteira de</p><p>ativos, já que ele parte do pressuposto que a maioria dos indivíduos</p><p>são diversificadores. Para que se pos-</p><p>sa deduzir uma função demanda por moeda é necessário analisarmos o que acontece neste modelo quando</p><p>as taxas de juros variam. Como visto, a inclinação da reta orçamentária é estabelecida por r/�g. Assim,</p><p>quando r aumenta de r0 para r1 e para r2, tal inclinação aumenta, com a curva de oportunidades girando</p><p>para esquerda. A qualquer nível de risco dado, a remuneração aumentará quando r se eleva, fazendo com</p><p>que a curva de oportunidade tangencie curvas de indiferença sucessivamente mais altas. Pode-se, ao unir</p><p>estes pontos de tangência, obter uma curva de carteira ótima, tal como representada no Gráfico 5.7.</p><p>A expansão da taxa de juros atrai maiores parcelas de recursos para aplicação em títulos por parte</p><p>dos diversificadores, já que leva a maiores retornos esperados. Observe, contudo, que à proporção que r</p><p>vai subindo, os pontos de tangência do diversificador deslocam-se para cima e para a direita, aumentan-</p><p>do tanto a taxa de remuneração esperada quanto o risco a que está submetido, ainda que a níveis progres-</p><p>sivamente menores já que o aumento no montante de riqueza aplicada em títulos vai diminuindo pro-</p><p>gressivamente. Portanto, à medida que r se eleva com acréscimos constantes, a proporção de recursos</p><p>aplicados em títulos, B, aumenta mas com acréscimos decrescentes, ao mesmo tempo que a demanda por</p><p>moeda deve diminuir em montantes sucessivamente menores, uma vez que B + M é igual à riqueza total</p><p>W. O Gráfico 5.8 mostra a função demanda por moeda para especulação, Ls = m(y0), que relaciona M e r,</p><p>pressupondo um dado nível de rendimento real. Como pode ser visto, ao longo desta função, uma expan-</p><p>são na taxa de juros, medida por �r, provoca uma diminuição maior na demanda por moeda quando a taxa</p><p>de juros se encontra em um nível baixo do que quando ela se encontra em um nível elevado. Isto porque os</p><p>saldos monetários tendem a diminuir por conta de um aumento da taxa de juros que leva os agentes a au-</p><p>mentarem os riscos assumidos (�R) com aplicações em ativos não monetários.</p><p>Em outras palavras, dado que uma expansão da taxa de juros induz a liberação de maiores parcelas</p><p>de ativos monetários para aplicação em títulos, e, por conseguinte, em maiores riscos e maiores retor-</p><p>nos esperados, a função demanda por moeda para especulação reage inversamente à taxa de juros. Des-</p><p>te modo, o modelo de carteira de ativos de Tobin permite a constituição de uma teoria de demanda por</p><p>68 Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda ELSEVIER</p><p>Curva da</p><p>carteira ótima r2</p><p>r1</p><p>r0</p><p>Inclinação =</p><p>0</p><p>B0</p><p>B2</p><p>W</p><p>B1</p><p>s g</p><p>r</p><p>s g</p><p>1</p><p>mR</p><p>s R</p><p>GRÁFICO 5.7</p><p>Escolha da Carteira com Taxas de Juros Crescentes</p><p>moeda para especulação, ao analisar a repartição do montante de riqueza líquida existente entre títulos e</p><p>moeda, em função das taxas de juros e das expectativas com relação à remuneração e ao risco associado</p><p>aos ganhos de capital.</p><p>5.2. DEMANDA TRANSACIONAL: A ABORDAGEM</p><p>DE ESTOQUES BAUMOL-TOBIN</p><p>Como visto no capítulo anterior, Keynes considerou que a demanda por moeda para transações é pro-</p><p>porcional à renda. A abordagem de Baumol-Tobin da demanda transacional procura mostrar que esta</p><p>demanda é função não somente da renda, mas também da taxa de juros. O pressuposto básico é que o in-</p><p>divíduo, maximizador de uma função utilidade, durante um período de renda, terá um desejo de aplicar</p><p>parte de sua renda em títulos (que rendem juros), deixando apenas uma parcela sob a forma de moeda</p><p>para fazer frente às necessidades imediatas de transação, já que ele pode vender títulos quando necessá-</p><p>rio para efetuar os seus pagamentos correntes. No limite, o indivíduo poderia colocar toda a sua riqueza</p><p>em títulos e ir vendendo-os quando fosse necessário fazer pagamentos.</p><p>A resposta de Baumol a essa possibilidade limite é que um indivíduo maximizador de utilidade de-</p><p>verá manter uma quantia de saldos monetários para transação não só porque os pagamentos podem ser</p><p>oscilantes como também, e principalmente, porque a existência de uma comissão de corretagem – que</p><p>inclui não somente custos administrativos, mas ainda os custos incorridos pelas perdas de oportunidade</p><p>que resultam de se precisar negociar ativos exatamente no momento em que a moeda é necessária e que</p><p>deve ser paga quando se investe e desinveste em títulos – pode induzir a guardar parte dos recebimentos</p><p>em moeda até que vençam os pagamentos. Assim, a existência de um custo de corretagem fornece a jus-</p><p>tificativa para o indivíduo reter uma certa soma de dinheiro na forma de saldos para transações. Deste</p><p>modo, a maior ou menor retenção de moeda para transações dependerá de uma comparação entre as re-</p><p>ceitas derivadas das aplicações da riqueza líquida em títulos com os custos que resultam destas aplica-</p><p>ções, ou seja, o ponto que irá maximizar a carteira dos agentes será aquele em que a receita marginal das</p><p>aplicações em títulos se igualar ao custo marginal. Em outras palavras, haverá um certo nível de reten-</p><p>ção de títulos em que se maximiza a diferença entre os ganhos de juros e os custos da carteira.</p><p>Portanto, um indivíduo que aja racionalmente se comportará de modo a manter retenções mínimas de</p><p>estoque monetário, que possibilitem ao mesmo tempo o giro normal de suas transações, mas também</p><p>aproveitará os ganhos resultantes da aplicação do restante em títulos que rendem juros – já que os agentes</p><p>buscarão minimizar os custos de oportunidade relacionados à manutenção de saldos monetários ociosos.</p><p>Como as aplicações em títulos proporcionam um rendimento ao seu detentor, quanto maior for a</p><p>taxa de juros que os títulos rendem, mais os indivíduos reduzirão os seus saldos monetários retidos para</p><p>atender o motivo transação, de modo a poderem aumentar as suas aplicações em títulos, já que isto per-</p><p>mitirá um rendimento maior vis-à-vis os custos da carteira. Consequentemente, a demanda por moeda</p><p>para transações é sensível, em alguma medida, à taxa de juros, pois a elevação desta provoca uma redu-</p><p>Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda 69</p><p>r r</p><p>Dr</p><p>Dr</p><p>B = W-M</p><p>r3</p><p>r1</p><p>r0</p><p>0</p><p>m (y )0 M</p><p>r2</p><p>s r Ls</p><p>GRÁFICO 5.8</p><p>Demanda por Moeda para Especulação</p><p>ção da demanda por moeda para fins transacionais. Sinteticamente, é isto que a abordagem Bau-</p><p>mol-Tobin quer dizer. Vejamos com mais detalhes este enfoque, procurando responder a seguinte per-</p><p>gunta: como determinar o número ótimo de transações títulos-moeda para atender o motivo transação?</p><p>Como um primeiro passo, vejamos, tal como pode ser observado no Gráfico 5.9 a seguir, duas situa-</p><p>ções:</p><p>a) No primeiro gráfico o indivíduo faz uma única transação no início do período (de um mês, por</p><p>exemplo), transferindo seus recursos aplicados em títulos para a forma de dinheiro. Neste caso, ele</p><p>inicia o período com Yn, que vai sendo gasto ao longo do mês até atingir a zero ao final deste. A mé-</p><p>dia de caixa é, portanto, Yn/2.</p><p>b) No segundo gráfico o indivíduo faz duas retiradas de suas aplicações em títulos, sendo a primeira</p><p>Yn/2 transformada em dinheiro no início do mês, reduzida a zero na metade deste, quando então</p><p>uma outra retirada de Yn/2 é transformada em dinheiro e totalmente gasta no decorrer do restante do</p><p>mês. Neste caso a detenção média é Yn/4, que é o valor médio retido nas duas metades do mês.</p><p>Os gráficos, contudo, não nos permitem aferir qual seria o número ótimo de transações que maxi-</p><p>mizaria a satisfação de um indivíduo. Um exemplo numérico ajuda a ilustrar e entender como isto ocor-</p><p>re, supondo que o montante de dinheiro de um indivíduo a ser gasto para fins transacionais em um pe-</p><p>ríodo, aplicado inicialmente em títulos, é de R$ 100.000,00, e que a taxa de juros é de 3% no período</p><p>(que supomos ser de um mês).2 Estamos assumindo que a renda é gasta a uma taxa constante, de modo</p><p>que, no final do período, toda renda Y foi gasta.</p><p>Iniciando pelo lado da receita, para um indivíduo que não planeja efetuar qualquer transação de títu-</p><p>los por moeda, não haverá retenção de títulos durante o período e, portanto, o seu rendimento será nulo.</p><p>Se ele planeja efetuar uma transação, no</p><p>meio do período, isto significa que irá aplicar metade de Y em tí-</p><p>tulos a serem detidos durante meio mês, dividindo seu estoque inicial em dois lotes de R$ 50.000,00</p><p>(como no segundo gráfico acima). Neste caso, a receita total, R, que ele irá receber será r0/2 vezes Y/2, ou</p><p>seja, (r0Y)/4, como mostra o Quadro 5.1. Em nosso exemplo, isto proporcionará uma receita marginal</p><p>de R$ 750,00 (3% de 100.000,00/4), e, consequentemente, uma receita total de mesmo valor.</p><p>No caso em que o indivíduo planeja realizar duas transações (dividindo sua renda em três lotes de</p><p>R$ 33.333,00) como mostrado no esquema da página seguinte, normalmente ele começa a aplicar 2/3</p><p>de Y em títulos e no décimo dia do mês ele pode trocar por dinheiro metade desses títulos, ou seja, 1/3</p><p>de Y. Como cada título terá rendido r0/3, a receita obtida desta terça parte de Y será de (r0Y)/9. Dez dias</p><p>mais tarde ele poderá converter em moeda a outra metade dos títulos, cujo rendimento unitário terá sido</p><p>70 Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda ELSEVIER</p><p>Retenção em</p><p>dinheiro</p><p>Z = Yn</p><p>Z = Y /2n</p><p>0 1½ 0 1½</p><p>Tempo Tempo</p><p>GRÁFICO 5.9</p><p>Volume de Dinheiro Retido Relacionado ao Número de Retiradas</p><p>2. Nos baseamos, para o exemplo que se segue, em Branson, W. Macroeconomia: teoria e política, cap.12. Lisboa: Fundação</p><p>Calouste Gulbenkiah, 1979.</p><p>2r0/3, o que faz com que esta terça parte de Y proporcione uma receita total de (2r0Y)/9. A receita total</p><p>no caso de duas transações será, portanto, de (r0Y)/9 + (2r0Y)/9 = (r0Y)/3. O aumento na receita em rela-</p><p>ção a uma transação (receita marginal) será de (r0Y)/12. Voltando ao nosso exemplo, isto proporcionará</p><p>uma receita marginal de R$ 250,00 (calculado por 3% de 100.000,00/12), e, consequentemente, uma</p><p>receita total de R$ 1.000,00 (3% de 100.000,00/3).</p><p>Já no caso de três transações (com a renda dividida em 4 lotes de R$ 25.000,00), como é mostrado</p><p>no esquema da página seguinte, um quarto de Y renderá juros durante ¼ do mês, proporcionando um</p><p>rendimento de (r0Y)/16, enquanto que ¼ renderá durante meio mês proporcionando (2r0Y)/16 e ainda</p><p>outro quarto renderá juros durante ¾ do mês, proporcionando um rendimento de (3r0Y)/16. Conse-</p><p>quentemente, somando todos os rendimentos, a receita total será de (6r0Y)/16 ou (3r0Y)/8, sendo a re-</p><p>ceita marginal (r0Y)/24. Em nosso exemplo, para três transações, isto proporcionará uma receita margi-</p><p>nal de R$ 125,00, e, consequentemente, uma receita total de R$ 1.125,00 (3 vezes 3% de 100.000,00/8).</p><p>Observa-se, assim, que a receita marginal resultante do aumento do número de transações, n, é po-</p><p>sitiva, mas decrescente quando este número se eleva. No Quadro 5.1, pode-se observar que à medida</p><p>que n aumenta, a queda da Rmg se atenua. No Gráfico 5.10, a curva Rmg (r0) representa a receita margi-</p><p>nal como função do número de transações n, para uma dada taxa de juros r0.</p><p>Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda 71</p><p>QUADRO 5.1</p><p>Receita Marginal e Custo Marginal</p><p>Número de</p><p>transações (n)</p><p>Receita</p><p>total</p><p>Receita marginal</p><p>(Rmg)</p><p>Custo marginal</p><p>(Cmg)</p><p>Receita</p><p>total R$</p><p>Receita marginal</p><p>(Rmg) R$</p><p>Custo marginal</p><p>(Cmg) R$</p><p>0</p><p>1</p><p>2</p><p>3</p><p>....</p><p>0</p><p>r0Y/4</p><p>r0Y/3</p><p>3r0Y/8</p><p>....</p><p>0</p><p>r0Y/4</p><p>r0Y/12</p><p>r0Y/24</p><p>....</p><p>0</p><p>tc</p><p>tc</p><p>tc</p><p>....</p><p>0</p><p>750</p><p>1000</p><p>1125</p><p>....</p><p>0</p><p>750</p><p>250</p><p>125</p><p>....</p><p>0</p><p>250</p><p>250</p><p>250</p><p>....</p><p>$</p><p>total</p><p>0</p><p>3</p><p>Encaixes</p><p>médios</p><p>1/3 t 2/3 t tempo</p><p>$</p><p>Encaixes</p><p>médios</p><p>0</p><p>1/4 t 2/4 t 3/4 t tempo</p><p>total</p><p>4</p><p>Do lado dos custos, admite-se, como visto inicialmente, que cada transação de conversão de títu-</p><p>los em moeda tem um dado custo tc, relacionado ao custo do corretor ou ao custo implícito do tempo</p><p>gasto na operação de transação. Como o custo unitário é igual para cada transação, logo o custo mar-</p><p>ginal é fixo (tc), sendo no exemplo igual a R$ 250,00. No Gráfico 5.10, adiciona-se a curva de custo</p><p>marginal, em que Cmg = tc. Combinando a curva de Rmg (r0) com a de Cmg, pode-se determinar o</p><p>número n0 de transações que maximiza o ganho do indivíduo, correspondente ao ponto onde Rmg =</p><p>Cmg. Evidentemente, enquanto que a Rmg estiver acima do Cmg, a aplicação em títulos é financeira-</p><p>mente compensadora. No nosso exemplo, a maximização do resultado se dá no nível de duas transa-</p><p>ções (ver Quadro 5.1).</p><p>O exemplo apresentado anteriormente mostra que um incremento do número de transações tende a</p><p>aumentar o montante médio de saldos detidos sob a forma de títulos, ao mesmo tempo que reduz os sal-</p><p>dos retidos sob a forma de moeda, em um determinado período. No caso de uma elevação na taxa de ju-</p><p>ros – de r0 para r1 – tanto a receita total quanto marginal se alterarão para mais, o que resultaria no Gráfi-</p><p>co 5.10 em um deslocamento da curva de receita marginal para cima – de Rmg (r0) para Rmg (r1). Au-</p><p>menta, consequentemente, o número ótimo de transações, com a maior subdivisão em lotes do estoque</p><p>monetário inicial, desde que o custo marginal (Cmg) se mantenha o mesmo. Este aumento do número</p><p>de transações – de n0 para n1 – é efetuado tendo em vista elevar o saldo médio aplicado em títulos, de</p><p>modo a se beneficiar da taxa de juros mais elevada.</p><p>A principal conclusão da abordagem de Baumol-Tobin para a demanda de moeda para transações é</p><p>que as elevações da taxa de juros resultam numa ampliação do número de transações e consequente</p><p>aumento do montante de moeda aplicado em títulos. Logo, a demanda por moeda para fins transacionais</p><p>reage às mudanças nas taxas de juros, provocando um movimento inverso na demanda por moeda para</p><p>transação.3 Esta, portanto, está diretamente relacionada ao montante da renda mas inversamente rela-</p><p>cionada à taxa de juros de mercado. Assim:</p><p>Lt = f (y, r); dLt /dy > 0 e dLt /dr</p><p>transações aumenta com os acréscimos</p><p>de renda. Portanto, o modelo de Baumol</p><p>ressalta que a demanda para transações</p><p>está relacionada à raiz quadrada da ren-</p><p>da, assim como com as taxas de juros.</p><p>A HIPÓTESE DA RAIZ QUADRADA DE BAUMOL</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>5</p><p>.1</p><p>r r</p><p>Y0</p><p>Y0</p><p>Y1</p><p>Y2</p><p>0 Lt Lt Lt2 1 0 Lt Lt0 LtLt1 Lt2</p><p>GRÁFICO 5.11</p><p>Efeitos de Mudanças nas Taxas de Juros e na Renda sobre a Demanda Transacional</p><p>5.3. ASSIMETRIA DE INFORMAÇÃO E RACIONAMENTO</p><p>DE CRÉDITO</p><p>Uma vez vistos os modelos neoclássicos keynesianos tradicionais, passemos, nesta seção, a analisar uma</p><p>outra teoria keynesiana de demanda por moeda relacionada à oferta e a demanda por crédito, desenvolvida,</p><p>entre outros, por Stiglitz e Weiss, em um famoso artigo, de 1981, intitulado “Racionamento de crédito em</p><p>mercados com informação imperfeita”. O ponto de partida dessa abordagem, conhecida como teoria do ra-</p><p>cionamento de crédito, é analisar por que o mercado de crédito não funciona como um mercado competitivo</p><p>de bens e serviços, onde os desajustes entre oferta e demanda são “resolvidos” através do movimento do</p><p>preço da mercadoria. Ou seja, por que a taxa de juros cobrada nas operações de crédito não se comporta</p><p>como o preço de uma mercadoria qualquer, se elevando sempre que a demanda pela mesma aumenta?</p><p>A resposta a esta pergunta é a existência de assimetria de informações nos mercados financeiros, na</p><p>medida em que um participante deste mercado com frequência não sabe o suficiente sobre outro partici-</p><p>pante para tomar uma decisão mais precisa com respeito à transação. Por exemplo, um tomador de em-</p><p>préstimo normalmente tem uma informação melhor do que o emprestador sobre os retornos potenciais</p><p>e os riscos associados aos projetos de investimento para o qual os fundos são alocados. Esta insuficiên-</p><p>cia ou assimetria de informações pode afetar o comportamento de cada tomador individual (risco mo-</p><p>ral) ou o grau de risco do conjunto de tomares de crédito (seleção adversa), gerando um racionamento</p><p>no crédito, situação em que os emprestadores se recusam a fazer empréstimos mesmo que os tomadores</p><p>estejam dispostos a pagar a taxa de juros estabelecida ou mesmo uma taxa maior. Em outras palavras, o</p><p>racionamento de crédito é uma condição no mercado de empréstimos em que a oferta de fundos do em-</p><p>prestador é menor que a demanda do tomador, às taxas de juros e termos contratuais correntes.</p><p>A falta (ou insuficiência) de informações pode acarretar um mau funcionamento do mercado de</p><p>crédito antes ou depois de a transação financeira ser realizada. A seleção adversa, decorrente de uma</p><p>elevação da taxa de juros, é o caso em que a informação assimétrica pode causar um problema antes que</p><p>a transação ocorra. Ela decorre do fato de que o banco não consegue distinguir com precisão os bons</p><p>dos maus tomadores, ou seja, um tomador de empréstimo de alto risco de um de baixo risco. Por isso, os</p><p>tomadores potenciais que normalmente produzem um resultado indesejável (com um elevado risco de</p><p>crédito) são os que mais ativamente demandam crédito e são aqueles que normalmente são seleciona-</p><p>dos. Quanto maior a taxa de juros que um determinado demandante se dispõe a pagar, maior o grau de</p><p>risco associado ao mesmo, já que o tomador honesto, perante uma taxa de juros excessivamente eleva-</p><p>da, capaz de tornar seu retorno líquido negativo, abdica do empréstimo. Assim, dado que a característi-</p><p>ca dos tomadores individuais e seus projetos não podem ser devidamente identificados a priori, pode</p><p>ser uma boa política para o emprestador (um banco, por exemplo) estabelecer a taxa de juros de emprés-</p><p>timo abaixo da taxa de equilíbrio do mercado, e, ao mesmo tempo, racionar o crédito, mesmo que exis-</p><p>tam bons tomadores no mercado.</p><p>O risco moral (“moral harzard”), por sua vez, é o caso em que a informação assimétrica pode cau-</p><p>sar um problema depois que a transação ocorre. Ele surge porque os tomadores individuais escolhem</p><p>realizar projetos mais arriscados a taxas de juros maiores, diminuindo a probabilidade de que os em-</p><p>préstimos sejam pagos de volta. Isto acontece porque à medida que a taxa de juros se eleva só as firmas</p><p>que desejam executar os projetos mais arriscados irão demandar crédito.</p><p>Os problemas causados pela seleção adversa e pelo risco moral são um importante impedimento ao</p><p>bom funcionamento dos mercados financeiros, acarretando um racionamento no crédito. Neste contex-</p><p>to, os intermediários financeiros têm um papel importante em aprimorar a eficiência econômica, aju-</p><p>dando os mercados financeiros a canalizarem fundos de poupadores para investidores, permitindo que</p><p>estes possam aproveitar as oportunidades de investimento produtivo. O racionamento de crédito pode</p><p>ocorrer de duas formas:4</p><p>4. Conforme Mishkin, F.S. The Economics of Money, Banking, and Financial Markets. Reading, Mass., Addison-Wesley,</p><p>1998, cap. 10.</p><p>74 Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda ELSEVIER</p><p>a) A primeira ocorre quando um emprestador recusa-se a fazer um empréstimo a qualquer taxa de ju-</p><p>ros a um tomador, mesmo que o tomador esteja desejoso de pagar uma taxa de juros mais elevada.</p><p>Mas por que, quando o tomador potencial representa um risco de crédito elevado, o emprestador</p><p>não oferece um empréstimo a uma taxa de juros maior? A resposta é que a seleção adversa impede</p><p>esta solução. Indivíduos e firmas com projetos de investimento de maior risco são exatamente aque-</p><p>les que estão desejosos a pagar as taxas de juros mais altas. Cobrar uma taxa de juros mais alta so-</p><p>mente faz a seleção adversa piorar para o tomador. O emprestador, portanto, pode preferir não fazer</p><p>qualquer empréstimo a taxas de juros mais elevadas, racionando o crédito.</p><p>b) A segunda ocorre quando um emprestador deseja fazer um empréstimo mas restringe o tamanho do</p><p>empréstimo a menos do que o tomador gostaria. Neste caso, as instituições financeiras garantem</p><p>crédito aos tomadores, mas não na magnitude que eles gostariam. Tal racionamento de crédito é ne-</p><p>cessário porque quanto maior for o empréstimo, maior o benefício do risco moral, ou seja, cresce o</p><p>incentivo de o tomador se engajar em atividades que diminuem a possibilidade de pagamento de</p><p>empréstimo. Uma vez que os tomadores normalmente pagam seus empréstimos se a quantia de em-</p><p>préstimo é pequena, instituições financeiras racionam crédito provendo os tomadores com emprés-</p><p>timos menores do que eles procuravam.</p><p>A ocorrência desses efeitos no mercado financeiro depende evidentemente da existência de infor-</p><p>mação imperfeita. Caso a informação plena estivesse disponível sem custos para o emprestador (uma</p><p>instituição financeira), este seria capaz de selecionar com perfeição os tomadores, cobrando taxas de ju-</p><p>ros adequadas para cada um deles, reduzindo, deste modo, o risco de crédito no nível mínimo e conse-</p><p>quentemente, fazendo com que a demanda por moeda assumisse outra dinâmica.</p><p>Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda 75</p><p>Em um mercado de carros usados, nor-</p><p>malmente o comprador não consegue</p><p>certificar-se com precisão da qualidade do</p><p>carro que está examinando para comprar.</p><p>Consequentemente, como é difícil o com-</p><p>prador avaliar se o carro está em boas</p><p>condições para uso, ele estará disposto a</p><p>pagar apenas o preço que reflete a quali-</p><p>dade média dos carros no mercado. No</p><p>outro lado do mercado, as pessoas que</p><p>querem vender seus carros, geralmente</p><p>têm informações acuradas a respeito do</p><p>mesmo e sabem se o carro está ou não em</p><p>boas condições. Aqui aparece o problema</p><p>de seleção adversa, derivado de uma assi-</p><p>metria informacional, impedindo o funcio-</p><p>namento adequado do mercado de carros</p><p>usados: enquanto o comprador está dis-</p><p>posto a pagar o preço médio do mercado</p><p>por um carro, os vendedores de carros em</p><p>boas condições acham que o preço de</p><p>venda do seu carro está subestimado, da</p><p>mesma forma que os vendedores de car-</p><p>ros ruins poderão observar que os preços</p><p>de seus carros estão supervalorizados. O</p><p>resultado final é que não somente poucos</p><p>carros em bom estado serão vendidos,</p><p>como também o volume total das vendas</p><p>deverá ser baixo, devido ao medo de se</p><p>comprar um carro</p><p>em estado ruim.</p><p>A solução para a superação do proble-</p><p>ma de seleção adversa no mercado de</p><p>carros usados é a existência de revende-</p><p>doras, que atuam como intermediárias</p><p>entre vendedores e compradores de car-</p><p>ros usados. Como as revendedoras que-</p><p>rem manter uma boa reputação junto a</p><p>seus clientes, elas acabam disseminando</p><p>as informações aos compradores, ven-</p><p>dendo os carros (bons e ruins) a seu devi-</p><p>do preço.</p><p>Fonte: Akerlof, A. “The market for ‘lemons’:</p><p>quality uncertainty and the market mecha-</p><p>nism”. Quaterly Journal of Economics, 84,</p><p>1970.</p><p>SELEÇÃO ADVERSA EM UM MERCADO DE CARROS USADOS</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>5</p><p>.</p><p>2</p><p>RESUMO</p><p>1. Neste capítulo foram analisados os modelos keynesianos neoclássicos de demanda por moeda – o modelo de</p><p>composição de carteiras de Tobin (demanda especulativa); a abordagem de estoques de Baumol-Tobin (de-</p><p>manda transacional), e também o modelo de racionamento de crédito de Stiglitz e outros. No caso dos dois pri-</p><p>meiros, a atenção esteve voltada para uma redefinição dos motivos para demandar moeda, elaborados</p><p>originalmente por Keynes, enquanto, no caso do último, a atenção voltou-se para o lado da oferta de crédito,</p><p>procurando-se “microfundamentar” por que a assimetria de informações pode gerar racionamento de crédito</p><p>e afetar a demanda por moeda.</p><p>2. Há diferenças nas premissas seguidas por Keynes e Tobin: enquanto Keynes definiu a demanda precaucionária</p><p>e especulativa em função da existência de incerteza quanto ao futuro, no modelo de composição de carteira de</p><p>Tobin os agentes passam a agir em função de um risco mensurável. Ademais, na maior parte da Teoria Geral,</p><p>Keynes formulou sua teoria da preferência pela liquidez num mundo dicotômico em que o agente tinha duas op-</p><p>ções excludentes: reter moeda ou adquirir títulos. Tobin, contudo, elaborou seu modelo de composição de carte-</p><p>ira partindo da premissa que a maior parte das pessoas prefere, uma dada combinação de moeda e títulos e que,</p><p>portanto, dados os riscos envolvidos, é razoável supor que um misto de ativos monetários e não monetários é que</p><p>maximiza a satisfação individual com relação à composição de carteira de um indivíduo.</p><p>3. A conclusão que se obtém no desenvolvimento teórico do modelo de Tobin é que, dado que uma expansão da</p><p>taxa de juros induz a liberação de maiores parcelas de ativos monetários para aplicação em títulos, e, por con-</p><p>seguinte, em maiores riscos e retornos esperados, a função demanda por moeda para especulação reage inver-</p><p>samente à taxa de juros. Deste modo, o modelo de carteira de ativos de Tobin permite a constituição de uma</p><p>teoria de demanda por moeda para especulação, ao analisar a repartição do montante de riqueza líquida exis-</p><p>tente entre títulos e moeda, em função das taxas de juros e das expectativas com relação à remuneração e ao</p><p>risco associado aos ganhos de capital.</p><p>4. No que se refere à demanda transacional, que segundo Keynes é função da renda corrente, a contribuição de</p><p>Baumol-Tobin procura mostrar que os agentes poderão num determinado período de renda aplicar parte de seus</p><p>recursos em títulos que rendem juros, deixando apenas uma pequena parte sob a forma de moeda para fazer fren-</p><p>te às necessidades imediatas de transação, já que ele pode vender títulos quando necessário para efetuar os seus</p><p>pagamentos correntes. A principal conclusão do modelo Baumol-Tobin para demanda de moeda para transa-</p><p>ções é que as elevações da taxa de juros resultam numa ampliação do número de transações e consequente au-</p><p>mento do montante de moeda aplicado em títulos. Logo, a demanda por moeda para fins transacionais reage às</p><p>mudanças nas taxas de juros, provocando um movimento inverso na demanda por moeda para transação.</p><p>5. O ponto de partida da teoria de racionamento de crédito é analisar por que o mercado de crédito não funciona</p><p>como um mercado competitivo de bens e serviços, onde os desajustes entre oferta e demanda são “resolvidos”</p><p>através do movimento do preço da mercadoria. Ou seja, por que a taxa de juros cobrada nas operações de cré-</p><p>dito não se comporta como o preço de uma mercadoria qualquer, se elevando sempre que a demanda pela</p><p>mesma aumenta? A resposta dada a esta pergunta é a existência de assimetria de informações nos mercados</p><p>financeiros, na medida em que um participante deste mercado com frequência não sabe o suficiente sobre ou-</p><p>tro participante para tomar uma decisão mais precisa com respeito à transação. Por exemplo, um tomador de</p><p>empréstimo normalmente tem uma informação melhor do que o emprestador sobre os retornos potenciais e os</p><p>riscos associados aos projetos de investimento para o qual os fundos são alocados. Esta insuficiência ou assi-</p><p>metria de informações pode afetar o comportamento de cada tomador individual (risco moral) ou o grau de</p><p>risco do conjunto de tomadores de crédito (seleção adversa), gerando um racionamento no crédito, situação</p><p>em que os emprestadores se recusam a fazer empréstimos mesmo que os tomadores estejam dispostos a pagar</p><p>a taxa de juros estabelecida ou mesmo uma taxa maior. Em outras palavras, o racionamento de crédito é uma</p><p>condição no mercado de empréstimos em que a oferta de fundos do emprestador é menor que a demanda do</p><p>tomador, nos termos contratuais estabelecidos.</p><p>TERMOS-CHAVE</p><p>� Demanda por Moeda</p><p>� Modelo de Composição de Carteira</p><p>� Abordagem de Estoque da Demanda Transacional</p><p>� Assimetria de Informações</p><p>� Racionamento de Crédito</p><p>� Risco Moral</p><p>� Seleção Adversa</p><p>76 Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda ELSEVIER</p><p>BIBLIOGRAFIA COMENTADA</p><p>Tobin, J. “The interest-elasticity of transactions demand for cash”. Review of Economics and Statistics, vol. 38,</p><p>agosto de 1956; “Liquidity preference as behaviour towards risk”. Review of Economics Studies, vol. 25, feverei-</p><p>ro de 1958.</p><p>Neste último artigo, James Tobin elabora seu modelo de composição de carteira para explicar a demanda espe-</p><p>culativa por moeda. Trata-se de um texto de leitura relativamente difícil, requerendo do leitor um certo traquejo</p><p>matemático e um bom conhecimento prévio de teoria monetária, mas fundamental para quem quiser se aprofun-</p><p>dar no tema.</p><p>Stiglitz, J. & Weiss, A. “Credit rationing in markets with imperfect information”. American Economic Review,</p><p>vol. 71, n. 3, June 1981.</p><p>Artigo clássico em que os autores desenvolvem um modelo de racionamento de crédito que inclui tanto o efei-</p><p>to risco moral quanto o efeito seleção adversa. Tal como o texto acima, requer do leitor um certo traquejo matemá-</p><p>tico, mas é imprescindível para quem quiser se aprofundar no tema.</p><p>Baumol, W.J. “The transactions demand for cash: an inventory theoretic approach”. Quaterly Journal of Eco-</p><p>nomics, vol. 66, novembro de 1952.</p><p>Jaffee, D. “Credit rationing”. In P. Newman et alli (ed.). The New Palgrave Dictionary of Money & Finance.</p><p>London: Macmillan, 1992.</p><p>Modelos Neoclássicos Keynesianos de Demanda por Moeda 77</p><p>A DEMANDA POR MOEDA</p><p>NO MODELO MONETARISTA:</p><p>A NOVA TEORIA</p><p>QUANTITATIVA DA MOEDA</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Este capítulo analisa o modelo de demanda por moeda formulado pelos monetaristas,</p><p>que na realidade trata-se de uma retomada, em uma base mais elaborada, da teoria</p><p>quantitativa da moeda, em particular na abordagem de Cambridge. Ao contrário desta,</p><p>o modelo monetarista, elaborado nos anos 50, particularmente por Milton Friedman, o</p><p>mais conhecido economista monetarista, inclui novas variáveis – como a taxa de juros</p><p>dos títulos – na função demanda por moeda. Contudo, a conclusão final do modelo é</p><p>semelhante à encontrada pelos antigos teóricos quantitativistas, ou seja, a de que a de-</p><p>manda por moeda depende fundamentalmente da renda da comunidade, e que qual-</p><p>quer aumento na taxa de crescimento da oferta de moeda acima da taxa de crescimento</p><p>do produto acarreta no longo prazo tão-somente um aumento no nível preços. Daí por</p><p>que os monetaristas se autointitulam novos quantitativistas, e se posicionam de forma</p><p>crítica à análise da demanda por moeda elaborada pelos keynesianos, em particular a</p><p>abordagem Tobin-Baumol.</p><p>Deve-se destacar ainda que os monetaristas deram especial atenção ao comporta-</p><p>mento</p><p>da demanda por moeda na hiperinflação, conforme a análise clássica feita por</p><p>Philip Cagan, em seu artigo de 1956, The Monetary Dynamics of Hyperinflation. O</p><p>desenvolvimento deste modelo, como será visto neste capítulo, está de acordo com os</p><p>pressupostos teóricos monetaristas, inclusive no que se refere à adoção da hipótese de</p><p>expectativas adaptativas.</p><p>O capítulo está dividido em 5 seções, além desta introdução. Na Seção 6.1 são feitas,</p><p>de forma breve, algumas considerações sobre a teoria monetarista. Na Seção 6.2 é desen-</p><p>volvido o modelo de demanda por moeda, tal como formulado por Milton Friedman, re-</p><p>servando-se a seção seguinte para assinalar algumas diferenças entre a teoria monetarista</p><p>e a keynesiana no que se refere à demanda por moeda. A Seção 6.4 aborda a análise de Ca-</p><p>gan sobre o comportamento da demanda por moeda na hiperinflação.</p><p>CAPÍTULO</p><p>6</p><p>6.1. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A TEORIA MONETARISTA</p><p>As raízes do monetarismo remontam à teoria quantitativa da moeda (TQM), que formou a base da eco-</p><p>nomia monetária clássica do século XVII, tal como visto no Capítulo 3 deste livro. Como destacado an-</p><p>teriormente, a TQM explica as mudanças na renda nominal agregada em termos de variações no</p><p>estoque de moeda e na velocidade de circulação da moeda, que a longo prazo é tida como estável. No</p><p>longo prazo, o crescimento do volume físico do produto é determinado exclusivamente por fatores reais</p><p>– como produtividade, tecnologia, acumulação de capital, crescimento populacional –, de tal forma que</p><p>as mudanças monetárias influenciam apenas o nível de preços da economia. No curto prazo, o impacto</p><p>de mudanças na oferta de moeda é muito mais complexo e variado, influenciando preços e produto real,</p><p>podendo, assim, ter efeitos, ainda que transitórios, sobre as variáveis reais da economia.</p><p>Milton Friedman sustenta que a TQM deve ser vista como uma teoria da demanda por moeda e que</p><p>esta última está relacionada a um conjunto limitado de variáveis econômicas de uma forma previsível e</p><p>estável, na qual a renda permanente é a mais importante. O modelo de demanda por moeda de Fried-</p><p>man, que será visto a seguir, é um ressurgimento, em bases teóricas mais sofisticadas, da tradicional</p><p>abordagem quantitativa na sua versão de Cambridge (M = kPy). Contudo, ao invés de considerar k</p><p>como essencialmente fixa, este economista assume k como uma função estável de um número restrito</p><p>de variáveis econômicas, o que permite postular ser o comportamento da velocidade-renda da moeda</p><p>previsível, ainda que ela não seja constante.</p><p>Uma vez que a demanda por moeda é uma função estável de um certo número de variáveis, altera-</p><p>ções na oferta de moeda terão um impacto significativo mas previsível sobre o comportamento dos</p><p>agentes, mesmo que exista algum movimento de compensação na velocidade de circulação da moeda.</p><p>O estoque de moeda é visto como estando sob o controle do governo e, assim, a oferta de moeda é deter-</p><p>minada exclusivamente pelas autoridades monetárias. Logo, a demanda por moeda deve mudar quando</p><p>a oferta de moeda for alterada pelas autoridades monetárias. Como o efeito substituição entre moeda e</p><p>outros ativos é tido pelos monetaristas como pequeno, ou seja, a elasticidade da demanda por moeda à</p><p>taxa de juros é baixa, é o nível de renda que deve se alterar para colocar a demanda por moeda em linha</p><p>com uma oferta de moeda maior.</p><p>A visão monetarista trata a moeda como um ativo que rende um fluxo particular de serviços para o</p><p>seu possuidor e dependente de valores permanentes da riqueza, da renda e da taxa de juros. O tratamen-</p><p>to dado à demanda por moeda é similar à demanda por estoque de outros ativos. Em particular, a de-</p><p>manda por moeda depende do volume de transações, das frações da renda e da riqueza que o público de-</p><p>seja manter sob a forma de saldos monetários e dos custos de oportunidade de reter moeda em vez de</p><p>outros ativos que produzem juros, como ativos financeiros, ativos físicos (bens de consumo duráveis,</p><p>entre outros) etc. Neste modelo, é aceita a substitutibilidade da moeda em relação a um conjunto de al-</p><p>ternativas.</p><p>6.2. O MODELO DE DEMANDA POR MOEDA DE FRIEDMAN</p><p>Milton Friedman propõe-se a construir uma teoria da demanda por moeda como se ela fosse um ramo</p><p>da teoria do capital: trata-se de abordar a moeda como uma forma de riqueza, a ser retida da mesma for-</p><p>ma que outras formas de riqueza. Que proporção de sua riqueza um indivíduo desejará reter em forma</p><p>monetária dependerá: (a) do valor do próprio estoque de riqueza a ser retido (indivíduos pobres podem</p><p>preferir meios seguros, para evitar a perda do pouco que têm, enquanto ricos podem ser mais ousados,</p><p>porque têm menos, relativamente, a perder); (b) dos atributos da moeda diante dos atrativos das formas</p><p>alternativas de riqueza.</p><p>É importante destacar dois aspectos que nos parecem distintivos na análise de Friedman sobre a de-</p><p>manda por moeda: (a) sua análise da demanda por moeda por parte das unidades básicas detentoras de</p><p>riqueza na sociedade é feita de forma análoga à análise da demanda por um bem de consumo, e, por</p><p>A Demanda por Moeda no Modelo Monetarista: a Nova Teoria Quantitativa da Moeda 79</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>80 A Demanda por Moeda no Modelo Monetarista: a Nova Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>Em seu clássico artigo “A teoria quantitati-</p><p>va da moeda – uma reafirmação”, pu-</p><p>blicado originalmente em 1956, Milton</p><p>Friedman estabelece assim as premissas</p><p>de seu modelo de demanda por moeda:</p><p>“1. A teoria quantitativa é, em primeiro</p><p>lugar, uma teoria da demanda por moe-</p><p>da. Não é uma teoria do produto, ou da</p><p>renda monetária, ou do nível de preços.</p><p>(...)</p><p>2. Para as unidades detentoras de ri-</p><p>queza básica da economia, a moeda é</p><p>uma espécie de ativo, uma maneira de</p><p>manter riqueza. Para a empresa produti-</p><p>va, a moeda é um bem de capital, uma</p><p>fonte de serviços produtivos que são com-</p><p>binados com outros serviços produtivos</p><p>para produzir os bens que a empresa ven-</p><p>de. Consequentemente, a teoria da de-</p><p>manda por moeda é um tópico especial da</p><p>teoria de capital; enquanto tal, ela tem a</p><p>característica muito incomum de combi-</p><p>nar um pedaço de cada lado do mercado</p><p>de capital, a oferta de capital (...) e a de-</p><p>manda por capital (...).</p><p>3. A análise da demanda por moeda</p><p>por parte das unidades básicas detentoras</p><p>de riqueza na sociedade pode ser tomada</p><p>como formalmente idêntica à análise da</p><p>demanda por um serviço de consumo.</p><p>Como na teoria usual da preferência do</p><p>consumidor, a demanda por moeda (ou</p><p>qualquer outro ativo específico) depende</p><p>de três conjuntos principais de fatores: a)</p><p>a riqueza total a ser mantida de várias for-</p><p>mas – o análogo da restrição orçamentá-</p><p>ria; b) o preço dessa forma de riqueza e de</p><p>formas alternativas e o retorno sobre elas;</p><p>c) os gostos e preferências das unidades</p><p>detentoras de riqueza. (...)</p><p>4. Do ponto de vista mais amplo e mais</p><p>geral, a riqueza total inclui todas as fontes</p><p>de “renda” ou de serviços consumíveis.</p><p>Uma dessas fontes é a capacidade produ-</p><p>tiva dos seres humanos, e consequente-</p><p>mente essa é uma das formas nas quais a</p><p>riqueza pode ser mantida. Desse ponto de</p><p>vista, “a” taxa de juros expressa a relação</p><p>entre o estoque que é a riqueza e o fluxo</p><p>que é a renda, de modo que se Y for o flu-</p><p>xo de renda total, e r “a” taxa de juros, a</p><p>riqueza total é</p><p>W</p><p>Y</p><p>r</p><p>�</p><p>5. A riqueza pode ser mantida de nu-</p><p>merosas formas, e a unidade básica de-</p><p>tentora de riqueza deve ser considerada</p><p>como dividindo sua riqueza entre elas</p><p>(ponto [a] de 3), de modo a maximizar a</p><p>“utilidade” (ponto [c] de 3), sujeita sejam</p><p>quais forem as restrições que afetem a</p><p>possibilidade de converter uma forma de</p><p>riqueza em outra (ponto [b] de 3). Como é</p><p>usual, isso implica que ela buscará uma</p><p>partilha de sua riqueza tal que a taxa à</p><p>qual ela pode substituir uma forma de ri-</p><p>queza por outra é igual à taxa à qual ela</p><p>está exatamente disposta a fazê-lo. (...) A</p><p>manutenção de uma forma de riqueza em</p><p>vez de outra envolve uma diferença na</p><p>composição do fluxo de renda, e são es-</p><p>sencialmente essas diferenças que são</p><p>fundamentais para a “utilidade” de uma</p><p>estrutura de riqueza</p><p>particular. Em conse-</p><p>quência, para descrever completamente</p><p>as combinações alternativas de formas de</p><p>riqueza que estão disponíveis a um indiví-</p><p>duo, devemos levar em conta não só seus</p><p>preços de mercado (...), mas também a</p><p>forma e o tamanho dos fluxos de renda</p><p>que elas produzem.</p><p>Basta que ressaltemos as principais</p><p>questões que essas considerações susci-</p><p>tam para considerar cinco formas diferen-</p><p>tes nas quais a riqueza pode ser mantida:</p><p>i) moeda (M), interpretada como unidades</p><p>de direitos ou de mercadorias que são ge-</p><p>ralmente aceitas em pagamento de dívi-</p><p>das a um valor nominal fixo; ii) títulos (T),</p><p>interpretados como direitos a fluxos tem-</p><p>porais de pagamentos fixados em unida-</p><p>des nominais; iii) ações (A), interpretadas</p><p>como direitos a participações pro rata es-</p><p>tabelecidas dos retornos das empresas; iv)</p><p>bens físicos não humanos; v) capital hu-</p><p>mano (H)”.*</p><p>* Friedman, M. “A teoria quantitativa da moeda</p><p>– uma reafirmação”. In Carneiro, R. (org.). Os</p><p>Clássicos da Economia, vol. 2. São Paulo, Ed.</p><p>Ática, 1997, p. 235-7. Publicado originalmente</p><p>em inglês com o título “The quantity theory of</p><p>money: a restatement”. In Friedman, M. Studies</p><p>in the Quantity Theory of Money. Chicago, The</p><p>University of Chicago Press, 1956.</p><p>A RECONSTRUÇÃO DA TEORIA QUANTITATIVA DA MOEDA</p><p>POR FRIEDMAN</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>6</p><p>.</p><p>1</p><p>isso, a moeda é um ativo que produz um fluxo de serviços para o seu possuidor; daí a importância de</p><p>considerar a restrição orçamentária do agente detentor de riqueza, os preços e retornos dos ativos e os</p><p>gostos e preferências dos agentes; (b) o ponto de partida do seu modelo de demanda por moeda é que a</p><p>manutenção de uma forma de riqueza em vez de outra no portfólio do indivíduo envolve uma diferença</p><p>na composição dos fluxos de renda gerados por um dado portfólio, e são essencialmente essas diferen-</p><p>ças que são fundamentais para determinar o nível de utilidade oferecido por uma estrutura qualquer de</p><p>carteira.</p><p>Os elementos determinantes da função demanda por moeda, nesta abordagem, são apresentados a</p><p>seguir:</p><p>Riqueza</p><p>Friedman considera a riqueza, W, como um dos determinantes da demanda por ativos em geral, e por</p><p>moeda, em particular. Valores para W, porém, são muito difíceis de se obter, especialmente pela difi-</p><p>culdade de se avaliar estoques de gerações diferentes. Por isso, Friedman se vale da relação</p><p>Y = r.W (1)</p><p>onde r é a taxa de juros e que indica que a renda (Y) de uma sociedade é o retorno que se pode obter da</p><p>sua riqueza acumulada (W). Friedman substitui W por Y/r, duas variáveis, em princípio, mais facilmen-</p><p>te observáveis.</p><p>É preciso ter cuidado, porém, e observar que Y não é a renda que se observa efetivamente a cada pe-</p><p>ríodo (como, por exemplo, o valor do PIB brasileiro publicado pelo IBGE), mas a renda permanente,</p><p>ou seja, um conceito que mede a capacidade de usufruto permanente da riqueza existente, desprezan-</p><p>do-se flutuações conjunturais. Para Friedman, isto é importante porque a demanda por moeda, sendo</p><p>parte da escolha de portfólio, deve ser orientada por fatores de longo prazo, sendo pouco ou nada afeta-</p><p>da por fatores transitórios ou conjunturais, como flutuações da renda observada. De qualquer forma, é</p><p>importante que nunca se perca de vista que enquanto a renda na TQM tradicional era um indicador do</p><p>volume de bens e serviços a ser transacionado em um dado período, na nova TQM de Friedman, a renda</p><p>se torna uma variável usada para se obter uma aproximação do valor da riqueza social.</p><p>A riqueza total inclui todas as formas de riqueza, inclusive a moeda e os bens de capital físicos, pos-</p><p>suídas diretamente pelas unidades econômicas. Trata-se de um conceito que terá um papel análogo ao</p><p>da restrição orçamentária na teoria convencional de escolha do consumidor. Segundo Friedman, a ri-</p><p>queza total é composta de riqueza humana, relacionada à capacidade produtiva dos seres humanos, e de</p><p>riqueza não humana, que engloba riqueza material, como moeda, ativos financeiros (títulos, ações) e</p><p>um conjunto heterogêneo de bens físicos (por exemplo, imóveis). A riqueza total é o valor presente de</p><p>todas as rendas futuras provenientes da capacidade produtiva dos seres humanos (riqueza humana) e de</p><p>outros ativos, como títulos, moeda, propriedades e bens duráveis (riqueza não humana).</p><p>Para efeitos de estimação, a renda permanente será dada por uma média ponderada das rendas cor-</p><p>rentes e passadas das unidades detentoras de riqueza.</p><p>A demanda por moeda das unidades detentoras de riqueza, Md, é uma função direta do nível de ren-</p><p>da total (Y), o que significa que “efeitos renda”, indistinguíveis neste caso de “efeitos riqueza”, têm im-</p><p>pacto positivo sobre a demanda por moeda. Assim:</p><p>Md = f (Y), sendo dMd / dY > 0 (2)</p><p>Relação entre Riqueza Humana e Não-humana</p><p>O ativo maior de muitos detentores de riqueza é sua própria capacidade de ganho pessoal, ou seja, seu</p><p>capital humano. Contudo, enquanto a riqueza não humana pode ser comprada e vendida, o mesmo não</p><p>ocorre com a riqueza humana, pois não há mercado para esta forma de riqueza, o que a faz menos líqui-</p><p>A Demanda por Moeda no Modelo Monetarista: a Nova Teoria Quantitativa da Moeda 81</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>da do que a riqueza não humana. Assim, dado um determinado estoque de riqueza, quanto maior for a</p><p>participação de riqueza humana no portfólio do indivíduo, maior deverá ser a demanda por moeda de</p><p>modo a compensar a iliquidez da riqueza humana, e vice-versa. Por isso, considerando que w = Rh / Rnh ,</p><p>em que Rh é a riqueza humana e Rnh a riqueza não humana, à medida que a proporção w aumenta, maior</p><p>se torna a necessidade de se reter moeda. Portanto, coeteris paribus,</p><p>Md = f (w), sendo dMd / dw > 0 (3)</p><p>Custo de Oportunidade de Retenção de Saldos Monetários</p><p>Se o nível de preços permanecer estável, a moeda em si produzirá um retorno unicamente em espécie,</p><p>na forma usual de comodidade, segurança etc. Seu custo de oportunidade, contudo, é medido em rela-</p><p>ção às taxas de retorno dos ativos financeiros de renda variável e de renda fixa. Se os preços não forem</p><p>estáveis, será preciso considerar também a taxa esperada da inflação. O pressuposto básico é que ao</p><p>manter saldos monetários, o indivíduo perde um rendimento que poderia obter com um outro ativo que</p><p>gera uma determinada renda. A taxa de retorno nominal sobre os outros ativos (que não sejam ativos</p><p>monetários) consiste de duas partes: (a) o rendimento corrente pago, tais como juros sobre títulos, divi-</p><p>dendos sobre ações etc., ou custo, tais como custos de estocagem sobre ativos físicos; (b) uma mudança</p><p>no preço nominal do ativo, particularmente sob condições de inflação e deflação.</p><p>O custo de oportunidade de se manter moeda no portfólio cresce quando a taxa de retorno (por</p><p>exemplo, juros de um título) dos ativos não monetários se eleva, já que o montante de rendimentos per-</p><p>dido cresce. Por isso, quando o retorno dos outros ativos – a taxa esperada de retorno dos títulos de ren-</p><p>da fixa (ra) ou dos títulos de renda variável (rb) aumenta, a demanda por moeda tende a cair.</p><p>Da mesma forma, a taxa de inflação é um fator que também afeta o custo de retenção de vários ati-</p><p>vos, particularmente a moeda. Variações positivas na taxa de inflação são um fator que afeta a utilidade</p><p>dos saldos monetários, reforçando o efeito negativo de uma inflação mais alta sobre a quantidade de</p><p>moeda demandada. Deste modo, se a inflação esperada for positiva, o valor real dos saldos monetários</p><p>retidos diminui. Consequentemente, o custo de oportunidade de se manter moeda aumenta.</p><p>Em síntese, a demanda por moeda das unidades detentoras de riqueza, Md, é uma função inversa das</p><p>taxas de retorno dos ativos financeiros de renda fixa (ra), e de renda variável (rb) e da taxa esperada de</p><p>inflação no tempo (1/P dP/dt):</p><p>Md = f (ra , rb, 1/P dP/dt) (4)</p><p>Outras Variáveis Relacionadas a Gostos e Preferências e Fatores</p><p>que Podem Afetar a Utilidade da Moeda</p><p>Os gostos e preferências das unidades detentoras de riqueza pelos fluxos de serviço oriundos de dife-</p><p>rentes formas de riqueza influenciam o comportamento da função demanda por moeda. Por exemplo,</p><p>é</p><p>razoável supor que os indivíduos queiram manter uma fração maior de sua riqueza em forma de moeda</p><p>– aumentando sua demanda por liquidez – quando estão se movimentando geograficamente ou estão</p><p>sujeitos a uma incerteza incomum (por exemplo, instabilidade política) do que em outras condições.</p><p>Outra variável importante que afeta a utilidade proporcionada pelo uso da moeda é o grau de estabilida-</p><p>de econômica que se espera que prevaleça, uma vez que a instabilidade aumenta o valor dado pelos de-</p><p>tentores de riqueza aos atributos vinculados à liquidez. Esta é a razão por que um aumento notável nos</p><p>saldos reais frequentemente acompanha o desencadeamento de uma guerra.</p><p>Como normalmente (ainda que nem sempre) estes fatores ocasionam um aumento na demanda por</p><p>moeda, temos que:</p><p>Md = f (u), sendo dMd /du>0 (5)</p><p>82 A Demanda por Moeda no Modelo Monetarista: a Nova Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>A Função Demanda por Moeda</p><p>Como em todas as análises de demanda baseadas na maximização de uma função utilidade definida em</p><p>termos de magnitudes reais, a equação de demanda por moeda deve ser considerada independente de</p><p>qualquer sentido essencial das unidades nominais usadas para medir as variáveis monetárias. Assim, se</p><p>a unidade na qual são expressos os preços e a renda monetária for alterada, o montante de moeda de-</p><p>mandado deverá ser alterado proporcionalmente. Deste modo, temos uma função demanda por moeda</p><p>cuja equação expressa a demanda por saldos reais como uma função de variáveis reais, independentes</p><p>dos valores monetários nominais:</p><p>M</p><p>P</p><p>� f (w, ra, rb,</p><p>1</p><p>P</p><p>dP</p><p>dt</p><p>, y, u) (6)</p><p>em que</p><p>M = estoque de moeda (quantia de moeda desejada pelo público);</p><p>P = nível de preços;</p><p>y = riqueza real total (Y/P), representada pela renda permanente;</p><p>w = relação entre riqueza humana e não humana;</p><p>ra = taxa esperada de retorno dos títulos de renda fixa (títulos);</p><p>rb = taxa esperada de retorno dos títulos de renda variável (ações);</p><p>1</p><p>P</p><p>dP</p><p>dt</p><p>= taxa esperada de variação dos preços dos bens;</p><p>u = gostos e preferências e outros fatores que podem afetar a utilidade da moeda.</p><p>A função acima é uma equação M = kPy na forma expandida. Em princípio, uma mudança na</p><p>oferta de moeda altera o equilíbrio preexistente, podendo resultar em mudanças compensatórias em</p><p>qualquer das outras variáveis. Na prática, contudo, o impacto inicial normalmente ocorre sobre a</p><p>riqueza total (y) e sobre as taxas esperadas de retorno dos ativos, mas o impacto final se dá predomi-</p><p>nantemente sobre o nível de preços (P), tal como estabelecido pela teoria quantitativa. Isto ocorre</p><p>porque, de acordo com Friedman, sob a hipótese de os preços permanecerem estáveis, as expectati-</p><p>vas de mudanças na taxa de inflação são praticamente nulas, e ainda, tal como os estudos empíricos</p><p>revelaram no caso da economia americana, a elasticidade da demanda por moeda em relação à taxa</p><p>de juros é próxima de zero. Assim, a função demanda por moeda depende principalmente do nível</p><p>de riqueza total dos agentes (em nível agregado pode-se considerar a renda nacional como um indi-</p><p>cador aproximado da riqueza total).</p><p>Demanda por Moeda das Empresas</p><p>Existem algumas diferenças entre a demanda por moeda das unidades básicas detentoras de riqueza (as</p><p>famílias) e a das empresas, mas essas diferenças não são de tal magnitude que venham a alterar signifi-</p><p>cativamente a função demanda por moeda. Em primeiro lugar, as empresas veem a moeda como um</p><p>elemento que interage com os seus fatores de produção e não apenas como um ativo líquido em sua car-</p><p>teira, que pode ser transformado em outras formas de ativo (e vice-versa). Em segundo, como proxy da</p><p>riqueza total das empresas podem ser usados alguns indicadores relacionados à produção, como valor</p><p>adicionado líquido, valor bruto de produção, volume de vendas etc., ainda que nenhuma se revele um</p><p>substituto perfeito para o conceito de riqueza total. Em terceiro, a divisão da riqueza entre a forma hu-</p><p>mana e não humana não tem relevância especial para as empresas de negócio, já que elas normalmente</p><p>compram os serviços de ambas as formas no mercado. Isto porque a capacidade produtiva dos seres hu-</p><p>A Demanda por Moeda no Modelo Monetarista: a Nova Teoria Quantitativa da Moeda 83</p><p>manos (riqueza humana) pode ser “comprada” no mercado de trabalho pelos empresários enquanto um</p><p>fator de produção disponível no mercado. Em quarto, as taxas de retorno da moeda e de ativos alternati-</p><p>vos são altamente relevantes para elas, pois essas taxas determinam o custo da retenção de saldos mone-</p><p>tários. Entretanto, as taxas particulares que são relevantes podem diferir daquelas que são relevantes</p><p>para as famílias. Por exemplo, as taxas cobradas pelos empréstimos bancários são de menor importân-</p><p>cia para as famílias, mas podem ser de extrema importância para os empresários, uma vez que os em-</p><p>préstimos bancários podem ser uma forma pela qual eles podem adquirir capital. Por último, quanto à</p><p>importância para as empresas de negócio da variável u, um determinado subconjunto de variáveis –</p><p>como expectativas sobre a estabilidade econômica e a variação do nível de preços – é normalmente co-</p><p>mum, tanto para as empresas quanto para as famílias.</p><p>Em resumo, a função demanda por moeda das empresas é bastante próxima da função das unidades</p><p>familiares, sendo que as diferenças fundamentais relacionam-se ao conceito de riqueza total e à impor-</p><p>tância (ou não) da divisão da riqueza total em riqueza humana e não humana, e as taxas de retorno de</p><p>ativos que são importantes para cada uma delas.</p><p>6.3. DIFERENÇAS DA TEORIA MONETARISTA</p><p>COM RELAÇÃO À TEORIA KEYNESIANA</p><p>Algumas diferenças entre os keynesianos (na abordagem neoclássica de Tobin-Baumol) e os novos</p><p>quantitativistas, no que se refere à demanda por moeda, têm sido destacadas por monetaristas, como</p><p>Milton Friedman:</p><p>a) Os keynesianos consideram uma mudança na quantidade de moeda como afetando em primeira ins-</p><p>tância “a” taxa de juros, identificando esta última como uma taxa de mercado sobre uma classe es-</p><p>treita de obrigações financeiras, e consideram o gasto como afetado somente “indiretamente”, uma</p><p>vez que a nova taxa de juros altera a lucratividade e, assim, o gasto em investimentos reais, que atra-</p><p>vés do multiplicador afeta, por sua vez, o gasto total. A ênfase é posta na análise das elasticida-</p><p>des-juros da demanda por moeda e do gasto de investimento. Já os teóricos quantitativistas ressal-</p><p>tam um impacto “direto” mais amplo do gasto, em que indivíduos procuram dispor de seus saldos</p><p>monetários em excesso pagando uma soma maior para compra de títulos, bens e serviços e ainda</p><p>para o pagamento de suas dívidas.</p><p>b) A diferença entre teóricos quantitativistas e keynesianos seria, assim, menos de concepção da natu-</p><p>reza do processo e mais do espectro de ativos considerados. Os keynesianos tendem a se concentrar</p><p>em um espectro estreito de ativos negociáveis (moeda e títulos de renda fixa) e taxa de juros, en-</p><p>quanto os quantitativistas consideram um espectro maior de ativos e de taxa de juros que devem ser</p><p>levadas em conta, tais como bens duráveis e semiduráveis e outros ativos reais. Talvez, por isso, o</p><p>famoso economista keynesiano Franco Modigliani tenha dito em seu discurso presidencial da Ame-</p><p>rican Economic Association, em 1976, que “não há nenhum desacordo analítico sério entre moneta-</p><p>ristas e não monetaristas”.</p><p>c) Há divergências quanto ao papel da taxa de juros na função demanda por moeda: enquanto keynesi-</p><p>anos criticam a TQM dizendo que mudanças na oferta de moeda e na velocidade de circulação (de-</p><p>manda por moeda) não são independentes e que a mudança na oferta de moeda leva a uma alteração</p><p>na quantidade de moeda demandada, como resultado de mudanças na taxa de juros, quantitativistas</p><p>em geral não enfatizam o papel da taxa de juros e consideram-na como tendo um pequeno papel na</p><p>função demanda por moeda.</p><p>84 A Demanda por Moeda no Modelo Monetarista: a Nova Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>6.4. DEMANDA POR MOEDA NA HIPERINFLAÇÃO</p><p>Philip Cagan, em seu clássico estudo sobre hiperinflações</p><p>na Europa nos pós-guerras mundiais (Primei-</p><p>ra e Segunda Guerra Mundial) – The Monetary Dynamics of Hyperinflation –, definiu que uma hiperin-</p><p>flação “começa no mês em que o aumento dos preços ultrapassa 50% e termina no mês antes que o au-</p><p>mento dos preços caia abaixo desse valor e que assim permaneça durante pelo menos um ano”. Este</p><p>fenômeno ocorreu no primeiro pós-Guerra Mundial na Áustria, Alemanha, Hungria, Polônia e Rússia;</p><p>e no segundo pós-Guerra Mundial na Hungria (país com hiperinflação recorde, com média de inflação</p><p>de 19.800% ao mês, de ago./45 a jul./46!), China, Grécia e Taiwan. As sete experiências analisadas por</p><p>Cagan estão na Tabela 5.1. Depois destas experiências, o mundo ficou 34 anos, de 1949 a 1983, sem ter</p><p>hiperinflação. Contudo, na década de 1980, vários países (entre eles, Bolívia, Argentina, Peru e Brasil)</p><p>tiveram inflações superiores a 100% num período de 12 meses, ainda que em muitos deles não tenha</p><p>ocorrido o fenômeno da hiperinflação.</p><p>Segundo Cagan, aumentos extremos no nível de preços – típicos dos fenômenos hiperinflacioná-</p><p>rios – não podem ocorrer sem aumentos correspondentes no estoque de moeda, que são normalmente</p><p>menos que proporcionais por causa da diminuição na demanda por saldos monetários reais (ver Tabe-</p><p>la 6.1). Uma característica comum de todas as hiperinflações é que o aumento de preços é sempre ma-</p><p>ior que o aumento da oferta monetária e, assim, os encaixes reais caem para níveis muito baixos. Go-</p><p>vernos, segundo Cagan, recorrem à emissão de moeda rapidamente quando são incapazes de conter a</p><p>expansão das despesas orçamentárias e aumentam a tomada de empréstimos junto ao público. Em to-</p><p>dos os casos verificados de hiperinflação, o crescimento do estoque de moeda é alto porque o déficit</p><p>orçamentário é elevado. A criação de moeda é uma forma especial de tributação que é arrecadada so-</p><p>bre os estoques de moeda em poder do público, fenômeno conhecido como senhoriagem, que é ex-</p><p>presso da seguinte forma:</p><p>�M</p><p>M</p><p>M</p><p>P</p><p>�</p><p>�</p><p>�</p><p>�</p><p>�</p><p>As emissões excessivas de moeda para financiar o orçamento do governo são agregadas ao gasto</p><p>global na economia e ocasionam um aumento no nível de preços.</p><p>TABELA 6.1</p><p>Sete Experiências Hiperinflacionárias nas Décadas de 1920 e 1940</p><p>País</p><p>Início da</p><p>hiperinflação</p><p>Fim da</p><p>hiperinflação PT/P0</p><p>Taxa mensal</p><p>média de</p><p>inflação (%)</p><p>Taxa mensal média de</p><p>expansão monetária</p><p>(%)</p><p>Áustria</p><p>Alemanha</p><p>Grécia</p><p>Hungria I</p><p>Hungria II</p><p>Polônia</p><p>Rússia</p><p>Outubro 1921</p><p>Agosto 1922</p><p>Nov. 1943</p><p>Março 1923</p><p>Agosto 1945</p><p>Janeiro 1923</p><p>Janeiro 1921</p><p>Agosto 1922</p><p>Nov. 1923</p><p>Nov. 1944</p><p>Fev. 1924</p><p>Julho 1946</p><p>Janeiro 1924</p><p>Janeiro 1924</p><p>70</p><p>1,0 x 1010</p><p>4,7 x 106</p><p>44</p><p>3,8 x 1027</p><p>699</p><p>1,2 x 105</p><p>47</p><p>322</p><p>365</p><p>46</p><p>19.800</p><p>82</p><p>57</p><p>31</p><p>314</p><p>220</p><p>33</p><p>12.200</p><p>72</p><p>49</p><p>PT/P0: nível de preços no último mês da hiperinflação dividido pelo nível de preços do primeiro mês.</p><p>Fonte: Cagan, P. “The monetary dynamics of hyperinflation”, Tabela 1; in Friedman, M. (1956).</p><p>A depreciação da moeda durante a aceleração inflacionária aumenta enormemente o custo de re-</p><p>tê-la. Embora as moedas depreciadas não sejam abandonadas completamente, o público empreende es-</p><p>forços custosos para reduzir seus encaixes de uma moeda em rápida depreciação, inclusive com o uso</p><p>A Demanda por Moeda no Modelo Monetarista: a Nova Teoria Quantitativa da Moeda 85</p><p>de substitutos mais estáveis, como as moedas estrangeiras. Estes esforços resultam em uma enorme re-</p><p>dução nos saldos monetários em termos reais e em um grande aumento na velocidade de circulação da</p><p>moeda. Em outras palavras, à medida que a inflação aumenta, o custo de oportunidade de reter moeda</p><p>aumenta, levando as pessoas a reduzirem seus saldos monetários reais, já que a demanda por encaixes</p><p>reais depende do custo alternativo de se reter moeda. No caso da hiperinflação alemã de 1922/23, a</p><p>quantidade de encaixes reais no auge da hiperinflação caiu a 1/20 do seu nível pré-hiperinflação.</p><p>O estudo de Cagan estimou a demanda por saldos monetários reais na hiperinflação como depen-</p><p>dente inversamente da taxa esperada de inflação, resultado que é plenamente compatível com o modelo</p><p>de demanda por moeda de Friedman. Em condições anormais de aceleração inflacionária, a taxa esperada</p><p>de inflação se torna o fator fundamental no comportamento da demanda por moeda. Expectativas sobre</p><p>o futuro podem diferir das condições presentes e determinar a resposta do público à inflação. Cagan tes-</p><p>tou a hipótese de que expectativas são formadas adaptativamente, onde valores esperados são ajustados</p><p>em proporção à sua discrepância dos valores efetivos.1 A implicação teórica é que a inflação esperada</p><p>pode ser estimada como uma média ponderada exponencialmente das taxas de inflação passadas.</p><p>Se mantida por um longo período de tempo, uma taxa elevada de expansão monetária acaba por le-</p><p>var a um aumento proporcional tanto da inflação corrente quanto da esperada e à diminuição dos saldos</p><p>monetários reais. Se o crescimento da oferta de moeda for maior do que a quantidade que maximiza a</p><p>senhoriagem, o aumento na disponibilidade de moeda provocará a diminuição da senhoriagem. Com o</p><p>tempo, o governo perceberá que a expansão da oferta de moeda rende cada vez menos senhoriagem e</p><p>que não poderá financiar um déficit orçamentário cada vez maior no longo prazo com uma taxa cons-</p><p>tante de expansão monetária. Assim, a única forma de lograr êxito será aumentar de maneira contínua a</p><p>taxa de expansão monetária. Por isso, as hiperinflações quase sempre se caracterizam pelo aumento das</p><p>taxas de expansão monetária e da inflação.</p><p>O Gráfico 6.1 mostra o comportamento da demanda por encaixes reais (M/P) em relação à taxa de</p><p>inflação esperada. Pode-se observar no gráfico que quando a inflação aumenta, cresce o custo de opor-</p><p>tunidade de detenção da moeda, o que leva a uma redução, por parte dos detentores de moeda, do volu-</p><p>me de encaixes reais que escolhem reter. Esta redução nos encaixes reais é parte importante no processo</p><p>de ajustamento diante de um aumento no crescimento monetário, pois significa que em média os preços</p><p>devem subir mais rápido do que a moeda.</p><p>86 A Demanda por Moeda no Modelo Monetarista: a Nova Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>E'</p><p>E</p><p>M</p><p>P</p><p>M</p><p>P</p><p>L( )pe</p><p>Encaixes reais</p><p>pe</p><p>Dp</p><p>( )1 ( )0</p><p>GRÁFICO 6.1</p><p>Demanda por Encaixes Reais</p><p>1. Para um aprofundamento maior sobre a hipótese de expectativas adaptativas, ver Capítulo 9.</p><p>Formalmente, consideremos inicialmente que a demanda por moeda depende da taxa nominal de</p><p>juros (i). Uma taxa nominal de juros maior aumenta o custo de oportunidade de deter moeda em vez de</p><p>títulos de dívida e faz com que as pessoas reduzam seus saldos monetários reais. Assim, temos que:</p><p>M</p><p>P</p><p>L i� ( ) (7)</p><p>Considerando que a taxa nominal de juros (i) é aproximadamente igual à taxa real (r) mais a taxa de</p><p>inflação esperada (πe), a função demanda de moeda pode ser representada da seguinte forma:</p><p>M</p><p>P</p><p>= L (r + πe) (8)</p><p>Portanto, os saldos monetários reais dependem da taxa real de juros (r) e da inflação esperada (πe).</p><p>Em períodos de inflação muito alta, as variações da taxa nominal de juros i são provocadas principal-</p><p>mente por variações de πe em vez de variações de r, podendo esta ser considerada constante. Assim, en-</p><p>quanto a taxa real de juros varia num período de tempo apenas alguns pontos percentuais, a taxa nomi-</p><p>nal pode variar em centenas ou milhares de pontos percentuais. Consequentemente, como em períodos</p><p>de hiperinflação o nível de demanda por encaixes reais depende principalmente do nível de inflação es-</p><p>perada, podemos escrever a equação anterior da seguinte maneira:</p><p>M</p><p>P</p><p>= L (r + πe) (9)</p><p>A barra sobre r significa que esta variável é considerada constante. Observe que, quando a inflação</p><p>esperada é alta, as pessoas querem manter os encaixes reais (M/P) em níveis baixos, pois o custo de</p><p>oportunidade de manter o dinheiro (em vez de investi-lo, por exemplo, em um título que rende juros) é</p><p>muito elevado. Assim, à medida que a inflação esperada cresce e a posse da moeda torna-se cada vez</p><p>mais onerosa, as pessoas tendem a reduzir seus saldos</p><p>diretas somente seriam eficazes em sociedades com economias primitivas, onde os indi-</p><p>víduos e/ou grupos familiares fossem basicamente autossuficientes; isto é, onde a divisão do trabalho</p><p>praticamente inexistisse: uma sociedade em que cada indivíduo produzisse o que necessita e transacio-</p><p>nasse somente quando houvesse um excedente, eventual, não planejado da sua produção. Nessa socie-</p><p>dade, um indivíduo não necessita realizar transações para se proteger do frio, para comer, para acender</p><p>o fogo. Quando (e se) a transação do seu excedente produtivo ocorrer, ele pode obter uma satisfação ex-</p><p>tra, além das suas necessidades básicas. O agente não depende da realização de uma transação para</p><p>atender as suas necessidades. A produção individual ou familiar garante a satisfação de necessidades.</p><p>As transações, quando realizadas, gerariam satisfação extra. Assim, no regime de trocas diretas, uma</p><p>transação é, ao mesmo tempo, venda de uma mercadoria e compra de uma outra.</p><p>Em uma economia monetária, os agentes recebem suas remunerações em moeda e podem, portan-</p><p>to, fazer planos mais flexíveis. Adquirem liberdade para comprar o que desejarem e quando desejarem,</p><p>em geral, sem qualquer perda de tempo ou o desgaste físico e mental com as dificuldades em realizar</p><p>transações que requerem coincidências muito específicas. Quando desejam comprar guarda-chuvas,</p><p>utilizam moeda, que possui aceitação geral a qualquer tempo. A troca com intermediação monetária se-</p><p>para as transações comerciais em operações de compra e operações de venda, permitindo um sistema de</p><p>trocas indiretas. É muito mais fácil vender mercadorias e/ou serviços por moeda e, posteriormente,</p><p>comprar outras mercadorias e/ou serviços pagando em moeda do que trocar coisas diretamente por coi-</p><p>sas diferentes. A função de intermediário de trocas é uma função básica da moeda. Ao permitir que</p><p>vendas e compras sejam feitas em datas diferentes, a moeda exerce a função de meio de pagamento. A</p><p>moeda possui além desta função, mais duas: unidade de conta e reserva de valor. A importância da fun-</p><p>ção meio de troca/meio de pagamento já foi destacada: é a função que elimina as fricções das transações</p><p>comerciais que seriam marcantes em sociedades rudimentares.</p><p>A função unidade de conta é extremamente importante. Nas sociedades capitalistas modernas, a di-</p><p>visão do trabalho transformou a produção de mercadorias e serviços em um processo complexo. Por ve-</p><p>zes, inúmeras firmas participam da produção de uma única mercadoria (automóveis, por exemplo).</p><p>Assim sendo, é necessário que existam instrumentos que coordenem as decisões de produção desses di-</p><p>versos agentes econômicos. São os contratos estabelecidos entre tais agentes que possibilitam a refina-</p><p>da coordenação que é necessária entre os participantes desse complexo processo produtivo. Os contra-</p><p>tos entre os trabalhadores e as firmas fixam as tarefas que serão desempenhadas, o número de horas da</p><p>jornada de trabalho, o salário-monetário a ser recebido, entre outros quesitos. Os contratos entre as fir-</p><p>mas estabelecem as datas de entregas de insumos, as suas especificações técnicas, o valor monetário</p><p>dos pagamentos a serem feitos pelo comprador etc. Os contratos entre as firmas e os bancos fixam o li-</p><p>mite de crédito entre as partes, a taxa de juros, os pagamentos mínimos que podem ser efetuados pela</p><p>empresa e muito mais. Percebe-se, assim, que há algo que é comum a todos os contratos: a unidade de</p><p>medida monetária da economia.</p><p>Os contratos estabelecem fluxos de mercadorias e/ou serviços contra o pagamento em moeda</p><p>em uma determinada data. Os contratos não poderiam existir sem uma unidade de conta que possi-</p><p>bilitasse a determinação da quantidade de unidades monetárias que liquidariam as suas obrigações.</p><p>Consequentemente, a divisão acentuada do trabalho e o aumento da produtividade não teriam ocor-</p><p>rido sem um apurado sistema de coordenação, que é executado pelo conjunto de contratos de uma</p><p>economia. Este, por sua vez, depende da função unidade de conta da moeda para existir. Tal função</p><p>também é essencial para as transações à vista. Elas envolvem um contrato informal de recebimento</p><p>de um produto e/ou serviço e um pagamento em unidades monetárias. As transações à vista ocor-</p><p>rem, por exemplo, em um restaurante, em um supermercado ou, ainda, em um salão de cabeleireiro.</p><p>O fato de não existir algum documento assinado não isenta as partes de suas obrigações; o dever da</p><p>2 A Moeda e o Sistema Monetário ELSEVIER</p><p>parte que está obtendo a mercadoria e/ou serviço é fazer o pagamento de acordo com a unidade de</p><p>conta estabelecida a priori.</p><p>A forma de liquidar uma obrigação contratual (que se refere ao pagamento de um número determi-</p><p>nado de unidades monetárias) é através do uso da moeda corrente. A moeda de conta, ou unidade de</p><p>conta contratual, é a representação intangível da moeda; a moeda como meio de troca ou meio de paga-</p><p>mento é sua representação concreta. A função moeda de troca deriva da função moeda de conta. A exis-</p><p>tência da moeda de troca é requerida porque se atribuem a todas as mercadorias, serviços e ativos de</p><p>uma economia valores na forma de moeda de conta. A moeda de conta que aparece no conjunto de con-</p><p>tratos estabelece qual será a moeda corrente de uma economia. Assim, a moeda é aceita, em geral, por</p><p>todos em todas as transações. Caso existam substitutos perfeitos para a moeda, tal como os depósitos à</p><p>vista nos bancos comerciais (que permitem pagamentos com cheques), tais substitutos também terão a</p><p>propriedade de liquidar dívidas contratuais, e também serão considerados moeda.</p><p>A função unidade de conta da moeda, que aparece em todos os contratos de uma economia, expressa</p><p>a ideia de que o valor da quantidade de moeda que é capaz de liquidar a dívida estabelecida no contrato,</p><p>em uma determinada data futura, possuirá aproximadamente a mesma capacidade de compra do presente</p><p>(no momento da assinatura do contrato). Portanto, a unidade de conta, enquanto representação de valor</p><p>aos olhos do público, deve ser estável. Consequentemente, a moeda pode se tornar também reserva de va-</p><p>lor. A função reserva de valor decorre da existência de amplos mercados futuros e à vista na economia.</p><p>No momento em que um agente econômico recebe recursos na forma monetária, ele ganha o direito de re-</p><p>ter poder de compra, em tese, indefinidamente sem temer perdas. A função reserva de valor dá ao detentor</p><p>de moeda a possibilidade de reter recursos por períodos longos sem que tal atitude lhe imponha qualquer</p><p>custo (de carregamento). Contrariamente, em uma economia em estado hiperinflacionário, a moeda perde</p><p>esta função de reserva de valor. Reter moeda nessa economia seria uma atitude custosa ao agente detentor,</p><p>pois a moeda perderia poder de compra ao longo do tempo. Em uma economia hiperinflacionária, riqueza</p><p>em forma monetária perde poder de compra na mesma proporção da variação dos preços.</p><p>1.1.1. AS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS E ECONÔMICAS DA MOEDA</p><p>Para desempenhar suas três funções, a moeda deve possuir algumas características que são essenciais.</p><p>Características físicas e econômicas são necessárias ao desempenho das funções meio de troca, unidade</p><p>de conta e reserva de valor. Como foi dito, a unidade de conta que aparece nos contratos se torna moeda</p><p>corrente, mas para isso é necessário que este objeto que será moeda corrente possua os seguintes atribu-</p><p>tos econômicos: custo de estocagem e custo de transação negligenciáveis (aproximadamente nulo). O</p><p>trigo, por exemplo, tem reduzidas chances de se tornar moeda em uma economia desenvolvida porque</p><p>o seu custo de estocagem não é desprezível e seu custo de transporte ao mercado (custo de transação)</p><p>pode ser elevado. O trigo, o sal, a soja, dentre outros, se eleitos socialmente como moeda, onerariam em</p><p>demasia seus possuidores.</p><p>A moeda deve também possuir determinadas características físicas. Deve ser divisível, durável,</p><p>difícil de falsificar, manuseável e transportável. A divisibilidade é necessária porque a moeda deve po-</p><p>der ser fracionada em múltiplos e submúltiplos, para que as transações</p><p>monetários reais. Alternativamente, quando a</p><p>taxa de inflação esperada πe for mantida baixa, os encaixes reais deverão ser mantidos em níveis cons-</p><p>tantes.</p><p>RESUMO</p><p>1. Milton Friedman – o mais conhecido entre os teóricos monetaristas – sustenta que a teoria quantitativa da moe-</p><p>da deve ser vista como uma teoria da demanda por moeda e que esta está relacionada a um conjunto limitado</p><p>de variáveis econômicas de uma forma previsível e estável, entre as quais a renda permanente é a mais impor-</p><p>tante. O modelo de demanda por moeda de Friedman, portanto, é um ressurgimento, em bases teóricas mais</p><p>sofisticadas, da tradicional abordagem quantitativa na sua versão de Cambridge (M = k.P.y). Contudo, ao in-</p><p>vés de considerar “k” como essencialmente fixa, este economista assume “k” como uma função estável de um</p><p>número menor de variáveis econômicas, o que permite ver a velocidade-renda da moeda como previsível, ain-</p><p>da que não constante.</p><p>2. Sua análise da demanda por moeda por parte das unidades básicas detentoras de riqueza na sociedade é feita</p><p>de forma análoga à análise da demanda por um serviço de consumo, e, por isso, a moeda é um ativo que pro-</p><p>duz um fluxo de serviços para o seu possuidor. Daí a importância de considerar a restrição orçamentária do</p><p>agente detentor de riqueza, os preços e retornos dos ativos e os gostos e preferências dos agentes.</p><p>3. A demanda por moeda, de acordo com Friedman, é função da riqueza total – y (representada pela renda per-</p><p>manente); relação entre riqueza humana e não humana – w; gostos e preferências e outros fatores que podem</p><p>afetar a utilidade da moeda – u; taxa esperada de retorno dos títulos de renda fixa – ra; taxa esperada de retorno</p><p>dos títulos de renda variável – rb; e taxa esperada de variação dos preços – 1/P dP/dt; sendo a função direta-</p><p>mente proporcional às três primeiras variáveis e inversamente proporcional às três últimas.</p><p>A Demanda por Moeda no Modelo Monetarista: a Nova Teoria Quantitativa da Moeda 87</p><p>4. A função demanda por moeda na teoria monetarista é uma equação M = kPy na forma expandida. Em princí-</p><p>pio, uma mudança em qualquer das variáveis acima que venha a produzir uma mudança na oferta de moeda</p><p>altera o equilíbrio preexistente, podendo resultar em mudanças compensatórias em qualquer das outras va-</p><p>riáveis. Na prática, contudo, o impacto inicial normalmente ocorre sobre a riqueza total (y) e sobre as taxas</p><p>esperadas de retorno dos ativos, mas o impacto final se dá predominantemente sobre o nível de preços (P),</p><p>tal como estabelecido pela teoria quantitativa original. Como a elasticidade da demanda por moeda em rela-</p><p>ção à taxa de juros é baixa, a função demanda por moeda depende principalmente do nível de riqueza total</p><p>dos agentes.</p><p>5. Segundo o modelo de demanda por moeda na hiperinflação de Cagan, aumentos extremos no nível de preços</p><p>– típicos dos fenômenos hiperinflacionários – não podem ocorrer sem aumentos correspondentes no estoque</p><p>de moeda, que são normalmente menos que proporcionais por causa das diminuições na demanda por saldos</p><p>monetários reais. Uma característica comum de todas as hiperinflações é que o aumento de preços é sempre</p><p>maior que o aumento da oferta monetária e, assim, os encaixes reais caem para níveis muito baixos. Governos</p><p>recorrem a emissão de moeda rapidamente quando eles são incapazes de conter a expansão das despesas orça-</p><p>mentárias e aumentam a tomada de empréstimos junto ao público. Em todos os casos verificados de hiperin-</p><p>flação, o crescimento da moeda é alto porque o déficit orçamentário é elevado.</p><p>6. Caso mantida por um longo período de tempo, uma taxa maior de expansão monetária acaba por levar a um</p><p>aumento proporcional das inflações corrente e esperada e à diminuição dos saldos monetários reais. Se o cres-</p><p>cimento da moeda for maior do que a quantidade que maximiza a senhoriagem, o aumento no crescimento da</p><p>moeda provocará a diminuição da senhoriagem. Com o tempo, o governo perceberá que a expansão da moeda</p><p>rende cada vez menos senhoriagem e que não poderá financiar um déficit orçamentário cada vez maior no lon-</p><p>go prazo com uma taxa constante de expansão monetária. Assim, a única forma de lograr êxito será aumentar</p><p>de maneira contínua a taxa de expansão monetária. Por isso, as hiperinflações quase sempre se caracterizam</p><p>pelo aumento das taxas de expansão monetária e da inflação.</p><p>7. O estudo feito por Cagan estimou a demanda por saldos monetários reais na hiperinflação como dependente</p><p>inversamente da taxa esperada de inflação, resultado que é plenamente compatível com o modelo de deman-</p><p>da por moeda de Friedman. Em condições anormais de aceleração inflacionária, a taxa esperada de inflação se</p><p>torna o fator fundamental no comportamento da demanda por moeda.</p><p>TERMOS-CHAVE</p><p>� Demanda por Moeda</p><p>� Demanda por Encaixes Reais</p><p>� Teoria Quantitativa da Moeda</p><p>� Monetarismo</p><p>� Renda Permanente</p><p>� Hiperinflação</p><p>� Expectativas Adaptativas</p><p>� Taxa de Inflação Esperada</p><p>BIBLIOGRAFIA COMENTADA</p><p>Friedman, M. “A teoria quantitativa da moeda – uma reafirmação”. In: Carneiro, R. (org.). Os Clássicos da</p><p>Economia, vol.2. São Paulo: Ed. Ática, 1997.</p><p>Neste texto clássico de Friedman, o autor desenvolve de forma detalhada sua teoria de demanda por moeda,</p><p>vista neste capítulo do livro. Leitura obrigatória para quem quer se aprofundar no assunto. O leitor brasileiro tem</p><p>disponível uma boa tradução do texto, o que é raro em textos acadêmicos de economia no país.</p><p>Cagan, P. “The monetary dynamics of hyperinflation”. In: Friedman, M. (ed.). Studies in the Quantity Theory</p><p>of Money. Chicago: The University of Chicago Press, 1956.</p><p>Texto clássico quando o assunto é hiperinflação. O autor faz uso do instrumental econométrico para estabele-</p><p>cer relações entre demanda por moeda, saldos monetários reais e senhoriagem, à luz da experiência em sete países</p><p>que tiveram hiperinflação nos pós (1a e 2a)-guerras mundiais. Ademais, utiliza a hipótese de expectativas adapta-</p><p>tivas para explicar estas relações, coerente com a abordagem monetarista.</p><p>Friedman, M. “Quantity theory of money”. In: P. Newman et alli (ed.). The New Palgrave Dictionary of Mo-</p><p>ney & Finance. London: Macmillan, 1992.</p><p>88 A Demanda por Moeda no Modelo Monetarista: a Nova Teoria Quantitativa da Moeda ELSEVIER</p><p>A TEORIA DA POLÍTICA</p><p>MONETÁRIA NO MODELO</p><p>DE KEYNES</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Segundo John Maynard Keynes, a política monetária é um importante instru-</p><p>mento capaz de auxiliar na redução do desemprego. Contudo, os economistas</p><p>seguidores das ideias de Keynes não formam um grupo completamente homo-</p><p>gêneo. Alguns deles não acreditam que a política monetária seja eficaz para</p><p>reduzir o desemprego. Entre esses, destacam-se os chamados velhos-keyne-</p><p>sianos e os keynesianos horizontalistas. Entre os primeiros, merecem ser cita-</p><p>dos os Prêmios Nobel Paul Samuelson e Lawrence Klein. A teoria e a política</p><p>monetária dessas correntes keynesianas serão apresentadas no capítulo se-</p><p>guinte.</p><p>Há, contudo, keynesianos que, tal como Keynes, consideram que a políti-</p><p>ca monetária é eficaz para alterar variáveis reais. Entre estes estão, por exem-</p><p>plo, Hyman Minsky, Paul Davidson, Jan Kregel e Victoria Chick. Esse grupo</p><p>de economistas ficou conhecido como os pós-keynesianos. Este capítulo apre-</p><p>senta a teoria da política monetária dessa tradição keynesiana e é complemen-</p><p>tar ao Capítulo 4. Será discutida detalhadamente a concepção sobre o papel da</p><p>moeda na teoria de Keynes e dos pós-keynesianos. Na primeira seção, apre-</p><p>senta-se a visão de Keynes e dos pós-keynesianos sobre o papel da moeda e da</p><p>política monetária na economia. Posteriormente, cada instrumento de política</p><p>monetária e sua forma de operar são também discutidos com detalhes. Con-</p><p>clui-se que uma expansão monetária que visa à redução do desemprego deve</p><p>ser prioritariamente realizada no open-market. E, na última seção, busca-se</p><p>responder à seguinte pergunta: “A política monetária sugerida por Keynes e</p><p>pelos pós-keynesianos será sempre eficaz?” A resposta é que a sua eficácia</p><p>para alterar variáveis reais dependerá da forma como os agentes econômicos</p><p>decidem alocar a sua riqueza.</p><p>CAPÍTULO</p><p>7</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>7.1. A TEORIA DA POLÍTICA MONETÁRIA</p><p>DE KEYNES E DOS PÓS-KEYNESIANOS</p><p>Os pós-keynesianos, que consideram que a política monetária é capaz de afetar o nível de emprego, se</p><p>apóiam nos escritos originais de Keynes. Seu ponto de partida é a principal mensagem do conhecido ar-</p><p>tigo A Monetary Production Economy, onde o economista inglês afirmou que:</p><p>“...a moeda joga um papel próprio e afeta motivos e decisões e é, em síntese, um dos fatores operati-</p><p>vos na situação, de tal forma que o curso dos eventos não pode ser previsto seja no curto seja no lon-</p><p>go período, sem o conhecimento do comportamento da moeda entre o último e o primeiro estágio. E</p><p>é isso que podemos dizer quando falamos de uma economia monetária.”</p><p>Como subproduto dessas afirmações, Keynes disse mais: “...não existe uma única posição de equi-</p><p>líbrio de longo período igualmente válida sem se considerar o tipo de política monetária das autorida-</p><p>des. Ao contrário, existem inúmeras posições que correspondem a diferentes políticas” (Keynes,</p><p>CWJMK: 29, p. 55).1 Em suma, Keynes defendeu a ideia que a moeda não é neutra nem no curto nem</p><p>no longo período e que, consequentemente, a política monetária pode ser eficaz para alterar variáveis</p><p>reais. Os argumentos apresentados neste capítulo se apóiam nessas ideias de Keynes e nos seus progres-</p><p>sos teóricos realizados pelos pós-keynesianos. No apêndice do capítulo, as principais ideias econômi-</p><p>cas de Keynes são apresentadas.</p><p>Ao longo da apresentação feita neste capítulo está subjacente a existência de uma economia com</p><p>mercado de títulos públicos bastante organizado e que movimenta volumes consideráveis de recursos.</p><p>Cabe destacar que Keynes elaborou sua teoria da política monetária baseando-se em economias com</p><p>essas características institucionais, as economias inglesa e americana. Entretanto, para a visão de Key-</p><p>nes e dos pós-keynesianos, o que importa é que a estrutura institucional existente e seus instrumentos</p><p>possibilitem a realização de uma política que induza decisões de portfólio (o que será discutido detalha-</p><p>damente nas Seções 7.2, 7.3 e 7.4). Em outras palavras, o relevante é a forma de operar da política mo-</p><p>netária e não a existência de determinada organização institucional.</p><p>7.1.2. OS INSTRUMENTOS</p><p>As autoridades monetárias têm à sua disposição três instrumentos para atingir seus objetivos: (a) a fixa-</p><p>ção compulsória de reservas bancárias; (b) a determinação da taxa de juros das operações de redesconto</p><p>(e empréstimos de liquidez); e (c) as operações de compra e venda de títulos públicos. Os dois primeiros</p><p>instrumentos afetam a capacidade dos bancos comerciais de conceder crédito de curto termo para satis-</p><p>fazer as necessidades de antecipação de receitas das firmas. As receitas são antecipadas para que sejam</p><p>validados os compromissos com fornecedores de insumos e para que seja paga a folha salarial. Como</p><p>disse Keynes:</p><p>“...se uma firma decide empregar trabalhadores para utilizar o equipamento de capital para produzir</p><p>mercadorias, deve possuir suficiente comando sobre recursos monetários para pagar os salários dos</p><p>trabalhadores e comprar aquelas mercadorias que tem que adquirir de outras firmas durante o perío-</p><p>do que se expira antes que o produto possa ser, convenientemente e economicamente, vendido por</p><p>moeda.” (Keynes, CWJMK: 29, p. 64.)</p><p>90 A Teoria da Política Monetária no Modelo de Keynes ELSEVIER</p><p>1. A notação CWJMK refere-se à coletânea das obras de Keynes intitulada Collected Writings of John Maynard Keynes orga-</p><p>nizada por Donald Moggridge e publicada em 30 volumes pela editora MacMillan. O número que aparece após a notação</p><p>CWJMK refere-se ao volume da coletânea.</p><p>Em geral, esses recursos monetários são antecipados pelos bancos. Keynes acreditava que mesmo</p><p>aquelas empresas que praticavam uma política de distribuição reduzida de lucros aos seus proprietários</p><p>não eram capazes de diminuir a sua dependência em relação ao sistema bancário. Portanto, qualquer ne-</p><p>cessidade de recursos deveria ser atendida pelos bancos, já que os fundos acumulados por essas empre-</p><p>sas dificilmente estariam sob a forma dos insumos necessitados ou de moeda, mas, sim, sob a forma de</p><p>ativos financeiros que raramente ofereceriam a possibilidade vantajosa de resgate no exato momento</p><p>que surgia a necessidade de recursos.</p><p>Logo, por parte das firmas existe a necessidade de antecipação de receitas e por parte dos bancos há</p><p>o interesse em realizar esse tipo específico de empréstimo. Isto ocorre porque esse tipo de empréstimo é</p><p>bastante líquido, dado que seus tomadores transformam rapidamente as mercadorias produzidas, gra-</p><p>ças ao financiamento bancário, em moeda. Nesse sentido, os bancos desempenham uma função útil à</p><p>produção em uma economia monetária. Assim, a capacidade de antecipação de receitas dos bancos tem</p><p>uma relação direta com o volume de produto gerado pelas firmas. Através do controle de reservas com-</p><p>pulsórias e da taxa de juros das operações de redesconto, as autoridades monetárias afetam diretamente</p><p>o volume de crédito ofertado pelos bancos e, consequentemente, as decisões empresariais relativas ao</p><p>volume de produção (também chamadas sinteticamente de decisões de produção).</p><p>Para os pós-keynesianos, as operações de compra e venda de títulos públicos realizadas pelo Banco</p><p>Central podem afetar as decisões empresariais de investimento. Os potenciais investidores têm sempre</p><p>variadas opções no momento em que decidem adquirir um ativo. Podem adquirir máquinas, títulos pú-</p><p>blicos etc. Sendo assim, fazem uma comparação levando em consideração principalmente dois quesitos</p><p>dos ativos em questão: rentabilidade esperada e liquidez. A liquidez de uma máquina é inferior à liqui-</p><p>dez de um título público. Então, quando a taxa de juros dos títulos públicos é superior ao rendimento es-</p><p>perado dos ativos de capital, os detentores de recursos monetários optam pela compra de títulos – e não</p><p>realizam investimentos.</p><p>Uma máquina somente é adquirida quando o seu rendimento esperado é superior à taxa de juros, de</p><p>tal forma que a sua iliquidez relativa seja compensada pela sua eficiência marginal do capital (este ter-</p><p>mo foi utilizado por Keynes no seu livro A Teoria Geral do Emprego do Juro e da Moeda para designar</p><p>a taxa de rendimentos esperados de um ativo de capital). Assim, como afirmou Keynes: “Uma queda na</p><p>taxa de juros estimula a produção de bens de capital não porque reduz o seu custo de produção, mas por-</p><p>que cresce o seu preço de demanda” (Keynes, CWJMK: 5, p.189). Em outras palavras, uma queda na</p><p>taxa de juros tende a estimular a demanda por ativos de capital. Quando uma operação de compra de tí-</p><p>tulos é realizada pelo Banco Central, as decisões das autoridades monetárias podem estimular as deci-</p><p>sões de investimento, tal como é descrito a seguir, já que a traxa de juros pode ser reduzida para um pa-</p><p>tamar bem inferior à eficiência marginal do capital.</p><p>O Gráfico 7.1 descreve uma operação de open-market que reduz a taxa de juros. O eixo vertical re-</p><p>presenta a taxa de juros dos títulos públicos. O eixo horizontal representa a soma de moeda retida para a</p><p>compra de títulos e a quantidade de títulos retida pelos agentes: da esquerda para a direita indica-se a</p><p>quantidade de moeda (M), e da direita para a esquerda, a quantidade de títulos absorvida pelo mercado</p><p>(B). A oferta de títulos, que é administrada pelas autoridades monetárias, é representada pela função</p><p>MB. A demanda por moeda e títulos dos agentes relacionada à taxa de juros é representada pela função</p><p>A Teoria da Política Monetária no Modelo de Keynes 91</p><p>M B</p><p>PL</p><p>i</p><p>M1 M2</p><p>i’</p><p>i”</p><p>MB MB’</p><p>compra de títulos pelo</p><p>Banco Central</p><p>GRÁFICO 7.1</p><p>Uma Operação de Compra de Títulos Realizada pelo Banco Central</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>PL, também chamada de função preferência pela liquidez. A interseção dessas duas funções determina</p><p>a taxa de juros (i) e a quantidade de títulos e moeda retida no open-market. Uma operação de compra de</p><p>títulos por parte do Banco Central é demonstrada pelo deslocamento da</p><p>função MB para a direita (de</p><p>MB para MB’). Essa compra reduz a taxa de juros (de i’ para i’’) e aumenta a quantidade de moeda (de</p><p>M1 para M2) no mercado de títulos, consequentemente, torna a aquisição de títulos menos atrativa.</p><p>Na visão de Keynes e dos pós-keynesianos, a redução dos percentuais de reservas bancárias com-</p><p>pulsórias e/ou a redução da taxa de juros das operações de redesconto por parte das autoridades monetá-</p><p>rias com o objetivo de estimular decisões privadas de investimento poderia não ser bem-sucedida. Essa</p><p>redução simplesmente poderia aumentar as reservas disponíveis dos bancos, mas não estimularia a to-</p><p>mada de crédito que financiaria decisões de investimento. Nessas circunstâncias, os agentes privados</p><p>não teriam motivos para alterar a composição dos seus portfólios adquirindo ativos ilíquidos – compa-</p><p>rativamente, papéis financeiros, máquinas ou apartamentos alugados teriam seus retornos esperados</p><p>inalterados. A utilização do instrumento reservas compulsórias associada a uma redução da taxa de ju-</p><p>ros das operações de redesconto pode aumentar a oferta de fundos para a concessão de empréstimos,</p><p>mas não estimula necessariamente o aumento de demanda por esses fundos com a intenção de realiza-</p><p>ção de compras de ativos de capital. Se as autoridades possuem o objetivo de promover o investimento,</p><p>uma política monetária mais adequada seria aquela que desperta o interesse pela recomposição de port-</p><p>fólios com o objetivo de torná-los mais ilíquidos (porém, mais rentáveis) e, simultaneamente, provê</p><p>fundos à economia para que essa estratégia possa ser realizada. Tal política é descrita na próxima seção.</p><p>Uma redução das reservas bancárias compulsórias, ceteris paribus, reduz a taxa de juros de curto</p><p>termo. Tal diminuição pode estimular o aumento da produção corrente, dado que as firmas fazem parte</p><p>de uma franja de tomadores insatisfeitos de crédito. Keynes cunhou essa expressão no seu livro Trata-</p><p>do sobre a Moeda para evidenciar o fato de que sempre existirão firmas com demandas de crédito não</p><p>atendidas à taxa de juros corrente se a competição no mercado de crédito é imperfeita. Logo, o aumento</p><p>da oferta de crédito bancário e a diminuição da taxa de juros das operações de redesconto podem redu-</p><p>zir o número de potenciais tomadores insatisfeitos e aumentar a produção corrente. Contudo, tal políti-</p><p>ca monetária não pode diretamente induzir os empresários a realizar operações de investimento.</p><p>O investimento somente ocorreria se já existisse uma demanda reprimida por empréstimos para fi-</p><p>nanciar a sua realização anterior ao aumento da disponibilidade de crédito bancário. Mas ainda assim,</p><p>essa política monetária foi considerada por Keynes como limitada, que afirmou: “O processo de estí-</p><p>mulo do investimento por esta via não pode ir além do ponto no qual não existe mais qualquer franja de</p><p>insatisfeitos...” (Keynes, CWJMK: 6, p. 327.)</p><p>7.2. A OPERAÇÃO DA POLÍTICA MONETÁRIA</p><p>O Banco Central opera suas políticas em uma economia monetária que pode ser sinteticamente definida</p><p>como sendo uma economia de duas esferas de circulação da moeda: a industrial e a financeira. Keynes</p><p>descreveu essas esferas também no seu Tratado sobre a Moeda. Estes conceitos foram examinados em</p><p>algum detalhe no Capítulo 4. Na primeira esfera, a moeda exerce a sua função de meio de troca, faz gi-</p><p>rar bens e serviços. O volume de produto e serviços, o nível de preços e a velocidade de circulação da</p><p>moeda determinam o volume de meios de pagamento que satisfaz as necessidades dos agentes que rea-</p><p>lizam transações nessa esfera. Na outra esfera, a da circulação financeira, a moeda faz girar ativos fi-</p><p>nanceiros, isto é, papéis que possuem uma diversidade de graus de liquidez, exigem diferentes custos</p><p>de manutenção e podem gerar diferenciados ganhos de juros e ganhos de capital. Nessa esfera, a moeda</p><p>transforma-se em um ativo que possui os mesmos atributos dos ativos que faz girar. Em geral, seu custo</p><p>de manutenção é nulo, gera ganhos de juros e capital nulos, mas possui liquidez plena – tal como descri-</p><p>to no Capítulo 1. Quando a moeda se transforma em um ativo, passa a concorrer com os demais ativos</p><p>pela demanda dos agentes.</p><p>As duas esferas descritas não são ilhas isoladas de uma economia monetária, conforme é apresenta-</p><p>do na Figura 7.1. Existe uma ponte que liga essas duas ilhas. Nessa ponte, somente a moeda vai e volta.</p><p>92 A Teoria da Política Monetária no Modelo de Keynes ELSEVIER</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>aneli</p><p>aneli</p><p>O mesmo objeto, a moeda, quando vai à ilha da circulação industrial assume um papel de meio de troca;</p><p>quando volta à ilha da circulação financeira, transforma-se num ativo – como qualquer outro produto</p><p>circulante nesse locus. A arte da política monetária sugerida por Keynes e pelos pós-keynesianos, que</p><p>visa ao aumento do produto ou, equivalentemente, à redução do desemprego, é conseguir transformar</p><p>moeda-ativo em moeda meio de troca. Em outras palavras, a arte é induzir a viagem de moeda da circu-</p><p>lação financeira para a circulação industrial. Então, recomenda-se aumentar o estoque monetário da cir-</p><p>culação financeira por meio de operações de mercado aberto para reduzir a taxa de juros dos ativos lí-</p><p>quidos com o objetivo de estimular estratégias privadas de recomposição de portfólios. Em outras pala-</p><p>vras, deve-se estimular a composição de portfólios que contenham itens comercializados na circulação</p><p>industrial, que não são líquidos, mas que podem render lucros compensadores em relação aos juros ofe-</p><p>recidos pelos ativos líquidos da circulação financeira.</p><p>Nesse sentido, a política monetária que objetiva o crescimento econômico visa, por um lado, à tro-</p><p>ca de liquidez por iliquidez e, por outro, à troca de rendimentos de juros por lucros recompensadores,</p><p>isto é, busca desestimular a posse de ativos financeiros e estimular a aquisição e uso de máquinas, por</p><p>exemplo. Assim, esse tipo de política monetária, diferentemente de uma política fiscal de gastos, não</p><p>age diretamente sobre o produto na circulação industrial. Simplesmente induz o vazamento de moeda</p><p>em direção a essa circulação. Logo, a política monetária pós-keynesiana que visa ao aumento do inves-</p><p>timento tem imediatamente à sua frente não o seu objetivo final, o produto, mas sim agentes que devem</p><p>agir de acordo com as possibilidades sinalizadas pelo Banco Central.</p><p>7.3. A POLÍTICA MONETÁRIA PÓS-KEYNESIANA</p><p>SERÁ SEMPRE EFICAZ?</p><p>A política monetária, diferentemente da política fiscal de gastos, não age diretamente sobre o produto</p><p>na circulação industrial. Simplesmente induz o vazamento de moeda em direção a essa circulação. Sen-</p><p>do assim, a política monetária pós-keynesiana que visa ao aumento do investimento tem a sua frente</p><p>não o seu objetivo final, o produto, mas sim os agentes econômicos que devem agir de acordo com os</p><p>sinais emitidos pelo Banco Central. Contudo, as decisões de recomposição de portfólio são tomadas</p><p>com base em cálculos subjetivos, que envolvem variáveis esperadas, ou seja, expectativas de cenários</p><p>futuros. Portanto, a eficácia da política monetária não depende exclusivamente da utilização dos seus</p><p>instrumentos, mas é função, fundamentalmente, das avaliações sobre contextos futuros feitas pelos</p><p>agentes econômicos. Foi por isso que Keynes disse na sua Teoria Geral que “...se, entretanto, nós esta-</p><p>mos tentados a afirmar que a moeda é a bebida que estimula o sistema para a atividade, devemos lem-</p><p>brar que podem existir alguns contratempos entre a taça e os lábios”.</p><p>Além das firmas e dos indivíduos, entre os agentes que tomam decisões a partir de uma política de</p><p>operações de mercado aberto, estão os bancos. Em geral, os bancos são os principais negociantes de pa-</p><p>péis. Logo, uma compra de títulos por parte do Banco Central faz aumentar suas reservas. Essas reser-</p><p>vas podem ser complementarmente aumentadas com uma redução da taxa do recolhimento compulsó-</p><p>A Teoria da Política Monetária no Modelo de Keynes 93</p><p>MOEDA</p><p>CIRCULAÇÃO</p><p>INDUSTRIAL</p><p>CIRCULAÇÃO</p><p>FINANCEIRA</p><p>A moeda faz girar bens</p><p>e serviços.</p><p>A moeda é meio de troca.</p><p>A moeda faz girar ativos</p><p>financeiros.</p><p>A moeda torna-se um ativo.</p><p>FIGURA 7.1</p><p>O Esquema de uma Economia Monetária</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>rio por parte das autoridades monetárias. Com reservas aumentadas, os bancos tomam decisões seme-</p><p>lhantes a qualquer agente privado: (1) podem exercer a sua demanda por liquidez de forma plena, reten-</p><p>do todo o acréscimo de moeda ou (2) compram papéis financeiros.</p><p>Além das opções 1 e 2 do parágrafo anterior, o público não bancário possui, ainda, uma terceira al-</p><p>ternativa: (3) comprar ativos reais que geram rendimentos, isto é, ativos de capital. Se os agentes econô-</p><p>micos, em geral, e os bancos, em particular, seguem a primeira opção, a política monetária teria efeito</p><p>nulo sobre o produto. Em verdade, sob tais condições, recursos não vazariam da circulação financeira</p><p>para a circulação industrial. A despeito das ações do Banco Central, a recomposição de portfólios se da-</p><p>ria pela troca de rendimentos de juros por rendimentos nulos compensados pela troca de ativos líquidos</p><p>por ativos plenamente líquidos.</p><p>Se a segunda opção, de forma generalizada, fosse escolhida pelos bancos, pelas firmas e pelos</p><p>indivíduos, a política monetária poderia produzir desde efeitos nulos até efeitos plenos sobre o pro-</p><p>duto. Caso o aumento de reservas dos agentes econômicos fosse utilizado para a compra de papéis</p><p>financeiros em mercados secundários, o efeito da política monetária seria nulo. Haveria</p><p>tão-somente uma pressão altista sobre os preços dos itens financeiros já existentes. Isto poderia ter</p><p>ocorrido porque, segundo avaliação geral, os ganhos de juros e a apreciação e o prêmio de liquidez</p><p>dos ativos financeiros já existentes superariam os ganhos futuros de lucros dos ativos de capital.</p><p>Então, como disse Keynes “... as expectativas referentes ao futuro afetam a situação hoje”. Dessa</p><p>forma, os recursos injetados pelas autoridades monetárias não vazariam da circulação financeira</p><p>para a circulação industrial – somente produziriam uma recomposição de portfólio entre ativos lí-</p><p>quidos. Cabe observar, entretanto, que se existissem firmas desejosas de investir, estas provavel-</p><p>mente lançariam papéis novos no mercado primário com preços e remunerações para concorrer</p><p>com os ativos financeiros já existentes. Logo, se os agentes optassem pela segunda via dificilmente</p><p>os resultados seriam completamente nulos.</p><p>Se, entretanto, a compra de papéis é feita integralmente em mercados primários de ativos de</p><p>longo termo emitidos por empresas não financeiras, isto é, no balcão de firmas desejosas de inves-</p><p>tir, a política monetária cumpriria integralmente o seu objetivo de reduzir o desemprego. As em-</p><p>presas emitiriam papéis para financiar projetos de investimentos porque considerariam que o retor-</p><p>no total esperado dos ativos financeiros já existentes não seria compensador quando comparado</p><p>com o retorno total esperado dos ativos de capital. Haveria, portanto, a transformação de moe-</p><p>da-ativo em moeda meio de troca.</p><p>Contudo, se a compra de papéis fosse feita no balcão de empresas financeiras, o efeito da política</p><p>monetária dependeria de como essas instituições utilizariam as reservas disponíveis. Tais instituições</p><p>poderiam reter os recursos monetários ou poderiam comprar ativos financeiros em mercados secun-</p><p>dários ou primários de outras empresas financeiras ou de empresas não financeiras. Logo, quando a se-</p><p>gunda opção é predominantemente escolhida pelos agentes, os efeitos reais (mais intensos ou menos in-</p><p>tensos) da política monetária expansionista são função basicamente da intensidade das compras de ati-</p><p>vos-papéis realizadas nos mercados primários de empresas não financeiras.</p><p>Se a terceira via fosse escolhida pelo público não bancário e os bancos comprassem nos mercados</p><p>primários ativos financeiros das firmas desejosas de investir, a política monetária teria efeito pleno so-</p><p>bre o produto e o emprego. O público não bancário recomporia seu portfólio preterindo papéis e prefe-</p><p>rindo ativos de capital e os bancos emprestariam recursos às firmas investidoras. Portanto, os recursos</p><p>injetados pelas autoridades monetárias vazariam integralmente da circulação financeira para a circula-</p><p>ção industrial.</p><p>Assim, a descrição das três vias demonstrou que a eficácia da política monetária que visa à redução</p><p>do desemprego dependerá, por um lado, das ações das autoridades monetárias e, por outro, das reações</p><p>dos bancos, firmas e indivíduos. Mais precisamente: dependerá em última instância da forma pela qual</p><p>esses segmentos desejam compor os seus portfólios. A Figura 7.2 resume as três vias apresentadas, as</p><p>decisões de portfólio correspondentes e os efeitos da política monetária sobre o produto.</p><p>94 A Teoria da Política Monetária no Modelo de Keynes ELSEVIER</p><p>Opções</p><p>Três Vias</p><p>Comportamento</p><p>Decisões de Portfólio</p><p>Efeito</p><p>sobre o Produto</p><p>1a retenção de moeda nulo</p><p>aquisição de ativos financeiros em mercados secundários nulo</p><p>2a aquisição de ativos financeiros em mercados primários</p><p>de firmas não financeiras pleno</p><p>aquisição de ativos financeiros</p><p>de firmas financeiras em mercados primários incerto</p><p>3a</p><p>aquisição de ativos ilíquidos pleno</p><p>FIGURA 7.2</p><p>Os Efeitos da Política Monetária e as Decisões de Portfólio</p><p>RESUMO</p><p>1. Keynes e os pós-keynesianos acreditam que a moeda afeta motivos e decisões e é, em síntese, um dos fatores</p><p>mais fundamentais em uma economia, de tal forma que não existe uma única posição de equilíbrio de longo</p><p>período igualmente válida sem se considerar a política monetária corrente. Ao contrário, existem inúmeras</p><p>posições que correspondem a diferentes políticas monetárias. Em suma, Keynes e os pós-keynesianos defen-</p><p>dem a ideia de que a moeda não é neutra nem no curto nem no longo período e que, consequentemente, a polí-</p><p>tica monetária pode ser eficaz para alterar variáveis reais.</p><p>2. As autoridades monetárias têm à sua disposição três instrumentos para fazer uso com o intuito de atingir</p><p>seus objetivos: (a) a fixação compulsória de reservas bancárias; (b) a determinação da taxa de juros das ope-</p><p>rações de redesconto (e empréstimos de liquidez); e (c) as operações de compra e venda de títulos públicos.</p><p>Os dois primeiros instrumentos afetam a capacidade dos bancos comerciais de conceder crédito de curto</p><p>termo para satisfazer as necessidades de antecipação de receitas das firmas, isto é, afetam as decisões de</p><p>produção. Com as operações de open-market, as autoridades monetárias podem afetar as decisões de inves-</p><p>timento da economia.</p><p>3. O Banco Central opera suas políticas em uma economia monetária que pode ser sinteticamente definida</p><p>como sendo uma economia de duas esferas de circulação da moeda: a industrial e a financeira. Na primeira</p><p>esfera, a moeda exerce a sua função de meio de troca, faz girar bens e serviços. Na outra, a moeda faz girar</p><p>ativos financeiros. Nessa esfera, a moeda transforma-se em um ativo que possui os mesmos atributos dos</p><p>ativos que faz girar.</p><p>4. A arte da política monetária sugerida por Keynes e pelos pós-keynesianos, que visa ao aumento do produto, é</p><p>transformar moeda-ativo em moeda meio de troca. A arte é induzir a viagem de moeda da circulação financei-</p><p>ra para a circulação industrial. Então, recomenda-se aumentar o estoque monetário da circulação financeira</p><p>por meio de operações de mercado aberto para reduzir a taxa de juros dos ativos líquidos com o objetivo de es-</p><p>timular estratégias privadas de recomposição de portfólios mais ilíquidos e, ao mesmo tempo, que rendam lu-</p><p>cros compensadores.</p><p>5. A política monetária não afeta diretamente o produto na circulação industrial. Simplesmente induz o vaza-</p><p>mento de moeda da circulação financeira em direção à circulação industrial. Sendo assim, a política mone-</p><p>tária pós-keynesiana que visa ao aumento do investimento se depara com os agentes econômicos que</p><p>devem agir de acordo com os sinais emitidos pelo Banco Central. Entretanto, as decisões de recomposição</p><p>de portfólio são tomadas com base em expectativas de cenários futuros. Portanto, a eficácia da</p><p>política mo-</p><p>netária não depende exclusivamente da utilização dos seus instrumentos, mas é função, fundamentalmente,</p><p>das avaliações sobre contextos futuros feitas pelos agentes econômicos e, consequentemente, das decisões</p><p>de portfólio daí resultantes.</p><p>A Teoria da Política Monetária no Modelo de Keynes 95</p><p>TERMOS-CHAVE</p><p>� Decisões de Portfólio � Instrumentos Monetários � Decisões de Produção</p><p>� Decisões de Investimento � Circulação Financeira � Circulação Industrial</p><p>� Preferência pela Liquidez � Mercado Primário � Mercado Secundário</p><p>BIBLIOGRAFIA COMENTADA</p><p>Cardim de Carvalho, F. (1999). Políticas Econômicas para Economias Monetárias. In: Lima, G., Sicsú, J. e De</p><p>Paula, L.F. Macroeconomia Moderna: Keynes e a Economia Contemporânea. Rio de Janeiro: Editora Campus.</p><p>Neste capítulo do livro Macroeconomia Moderna, o autor se contrapõe à onda conservadora que emergiu,</p><p>principalmente, a partir do início dos anos 70. Esta onda tem como objetivo a crítica ao intervencionismo macroe-</p><p>conômico. Finalmente, descreve as políticas econômicas que podem ser associadas às ideias de Keynes e é mos-</p><p>trado que o economista inglês não era favorável à aplicação de qualquer política isoladamente, ou seja, toda</p><p>intervenção tópica deveria fazer parte de um plano global em que as políticas deveriam agir de forma coordenada.</p><p>Keynes, J.M. (1987). The General Theory of Employment. In: The General Theory and After: Defence and</p><p>Development. Londres: Macmillan.</p><p>Nesse artigo, publicado em 1937, Keynes tentou responder aos críticos do seu livro A Teoria Geral do Empre-</p><p>go, do Juro e da Moeda, lançado no ano anterior. Embora seja um texto cuja leitura não é fácil, torna mais claro al-</p><p>guns pontos do seu livro. Especialmente, Keynes esclarece que as expectativas e as decisões sobre a forma como a</p><p>riqueza monetária é alocada podem, de fato, afetar as variáveis reais da economia.</p><p>Feijó, C. (1999). Decisões Empresariais em uma Economia Monetária de Produção. In: Lima, G., Sicsú, J. e De</p><p>Paula, L.F. Macroeconomia Moderna: Keynes e a Economia Contemporânea. Rio de Janeiro: Editora Campus/</p><p>Elsevier.</p><p>96 A Teoria da Política Monetária no Modelo de Keynes ELSEVIER</p><p>APÊNDICE</p><p>O PRINCÍPIO DA DEMANDA EFETIVA DE JOHN</p><p>MAYNARD KEYNES</p><p>Keynes rejeitou a teoria do emprego da velha economia clássica. Rejeitou a utilização da tesoura</p><p>marshalliana aplicada ao mercado de trabalho como instrumento útil à determinação do nível de empre-</p><p>go. As curvas de oferta e demanda por mão-de-obra da tesoura marshalliana são sustentadas, segundo</p><p>Keynes, por dois postulados da velha economia clássica. A curva de demanda por trabalho é derivada</p><p>do primeiro postulado clássico (“o salário [real] é igual ao produto marginal do trabalho”) associado à</p><p>hipótese de retornos marginais decrescentes. Assim, obtém-se uma curva de demanda por trabalho (Nd)</p><p>negativamente inclinada no plano salário real (W/P) � nível de emprego (N) – tal como é mostrado no</p><p>Gráfico 7.2. Keynes aceitou esse primeiro postulado.</p><p>Keynes recusou o segundo postulado clássico: “A utilidade do salário [real] quando um dado volume</p><p>de trabalho está empregado é igual à desutilidade marginal do montante de emprego.” Os motivos que o</p><p>levaram a essa negação foram: (i) trabalhadores não podem determinar o salário real, mas simplesmente</p><p>têm influência sobre a determinação do salário nominal, já que os preços dos bens-salário (wage-goods)</p><p>são determinados exclusivamente pelos empresários e (ii) trabalhadores não abandonam seus empregos</p><p>quando há uma queda nos salários reais – ainda que fossem capazes de determinar o salário nominal em</p><p>função de um nível esperado de preços durante o processo de barganha. A rejeição ao segundo postulado</p><p>conduziu Keynes a negar a existência da curva clássica de oferta de trabalho positivamente inclinada no</p><p>plano do Gráfico 7.2. O fato é que Keynes não rejeitou a existência de qualquer função oferta, mas sim-</p><p>plesmente negou a função clássica, dado que o comportamento dos trabalhadores não satisfaz essa curva.</p><p>Keynes supôs implicitamente que os trabalhadores preferirão trabalhar a não trabalhar, e que eles irão</p><p>se ater a um contrato (que especifica salário nominal e jornada de trabalho) para uma ampla gama de salá-</p><p>rios reais; isto é, trabalhadores irão manter seus empregos nos termos fixados nos contratos mesmo diante</p><p>de uma queda do salário real. Essas suposições podem ser descritas por uma função oferta de trabalho re-</p><p>presentada por uma área – ao invés de uma curva – tal como é mostrado no Gráfico 7.2. Para salários abai-</p><p>xo de (w/p)1, os trabalhadores poderão se recusar a trabalhar – eles poderiam, por exemplo, entrar em gre-</p><p>ve – dado que um salário inferior a (w/p)1 não seria nem suficiente para atender aos requisitos mínimos de</p><p>sobrevivência. A disponibilidade de mão-de-obra, independentemente do salário real, possui um limite fí-</p><p>A Teoria da Política Monetária no Modelo de Keynes 97</p><p>N</p><p>W/P</p><p>N*</p><p>(w/p)1</p><p>Nd</p><p>Ns</p><p>GRÁFICO 7.2</p><p>O Mercado de Trabalho na Teoria de Keynes</p><p>aneli</p><p>Sublinhado</p><p>sico. No Gráfico 7.2, tal limite é representado por N*. O Gráfico 7.2 mostra que existe um conjunto infini-</p><p>to de pontos potenciais de equilíbrio que corresponde à curva Nd para N 0 (1)</p><p>Seja D (do Gráfico 7.3) o valor monetário esperado das vendas derivado dos gastos de consumo</p><p>(D1) e dos gastos na forma de novos investimentos (D2). Assim, em função dos gastos esperados, os em-</p><p>presários decidem qual o nível adequado de mão-de-obra a empregar. Então:</p><p>D1 + D2 = D = f (N), dD / dN > 0 (2)</p><p>O ponto A do Gráfico 7.3 em que as curvas de oferta e demanda agregada se interceptam foi chama-</p><p>do por Keynes de ponto de demanda efetiva. Nesse ponto, dadas as condições de oferta e a demanda es-</p><p>perada, obtém-se o nível de emprego da economia e, consequentemente, o produto (Y) que esta</p><p>mão-de-obra pode gerar.2 Portanto, o ponto A (de demanda efetiva) pode ser formalmente definido</p><p>como: A: Z = D => N, Y.</p><p>98 A Teoria da Política Monetária no Modelo de Keynes ELSEVIER</p><p>Z = Nf</p><p>D = f (N)</p><p>N</p><p>Receitas necessárias ($) (Z)</p><p>Receitas esperadas ($) (D)</p><p>Nf</p><p>A</p><p>GRÁFICO 7.3</p><p>O Princípio da Demanda Efetiva</p><p>2. Pode-se perceber que a solução desse sistema depende das inclinações relativas das duas curvas: a inclinação da curva de deman-</p><p>da deve ser menor que a da curva de oferta. Caso contrário, o princípio da demanda efetiva descreveria uma dinâmica da economia</p><p>que careceria de realismo. Quando houvesse a expectativa de uma oferta superior à demanda – a região à esquerda do ponto A – ha-</p><p>veria um incentivo para se reduzir a produção e, quanto maior fosse essa redução, maior seria o incentivo para a economia aumentar</p><p>tal redução, até que a produção fosse nula. À direita de A, haveria o incentivo a aumentar a produção e, quanto maior fosse esse au-</p><p>mento, maior seria a demanda em relação à produção ofertada: quanto maior</p><p>fosse a oferta, muito maior seria a demanda (uma su-</p><p>perlei de Say). Se as curvas tivessem, ambas, a mesma inclinação e fossem superpostas, a economia representada funcionaria de</p><p>acordo com a lei de Say. E curvas paralelas não-coincidentes seriam representativas de um sistema sem solução.</p><p>Cabe, neste momento, dizer que para Keynes são as expectativas empresariais sobre a demanda fu-</p><p>tura que determinam emprego e produto correntes. Uma questão deve ainda ser examinada no princípio</p><p>da demanda efetiva, a saber, os fatores responsáveis pela determinação de D, os gastos esperados. Ini-</p><p>ciar-se-á pelos gastos esperados com investimentos, D2. Tais gastos dependem de duas variáveis: a efi-</p><p>ciência marginal do capital (emc) e a taxa de juros (i) – como indicado na equação 3,</p><p>D2 = (emc,i), ∂D2 / ∂emc > 0, ∂D2 / ∂i 0 (4)</p><p>As rendas monetárias (Qe) dependem, por seu turno, dos preços esperados das mercadorias que os</p><p>empresários investidores desejam vender no futuro (Pe) – como mostrado na equação 5,</p><p>Qe = (Pe), dQe / dPe > 0 (5)</p><p>A taxa de juros, a outra variável que influencia o volume de gastos com investimento, é determina-</p><p>da pela quantidade de moeda (Mi) que está fora da circulação ativa (isto é, a circulação de bens e servi-</p><p>ços) e pela preferência pela liquidez (PL). Então,</p><p>i = (Mi, PL), ∂i / ∂Mi 0 (6)</p><p>Como visto no Capítulo 3, quanto mais moeda inativa existir, dada uma preferência por reter moe-</p><p>da, menor será a taxa de juros. A taxa de juros é o prêmio cobrado pelos agentes para abrir mão da liqui-</p><p>dez que possuem. Portanto, quanto menos escassos são os recursos monetários inativos, menor é a taxa</p><p>de juros.</p><p>Dada uma velocidade de circulação da moeda razoavelmente estável, a quantidade de moeda que é</p><p>utilizada na circulação de bens e serviços depende do nível nominal dos preços (P) e salários (W).</p><p>Quanto menor for esse nível, dado um estoque de moeda, mais recursos se tornam ociosos e vazam da</p><p>circulação ativa para a retenção inativa e, quanto maior a quantidade de moeda inativa, menor será a</p><p>taxa de juros, dada uma preferência por liquidez, tal como é mostrado na equação 7, que é:</p><p>Mi = (W, P), ∂Mi/∂W 0 (8)</p><p>que, dessa forma, deve ser lida: quanto mais incerto é considerado o futuro, maior é a preferência pela</p><p>liquidez no presente.</p><p>No que se refere a gastos com ativos de capital, a variação do volume de demanda esperada, isto é,</p><p>um deslocamento do ponto de demanda efetiva, depende, como visto anteriormente, de duas variáveis,</p><p>a eficiência marginal do capital e a taxa de juros. Contudo, tal variação depende também da variação</p><p>dos gastos de consumo. Esse, por sua vez, é função da renda (Y) e da propensão a consumir da comuni-</p><p>dade (c), como apresentado na equação 9,</p><p>D1 = λ(Y,c) ∂D1 / Y > 0 , ∂D1 / ∂c > 0 (9)</p><p>Merece destaque, portanto, a propensão a consumir da comunidade que pode ser decomposta na</p><p>propensão a consumir dos trabalhadores (ct) e na propensão a consumir dos demais agentes (cd), empre-</p><p>sários e rentistas. Então, a propensão a consumir da comunidade é uma média das propensões de cada</p><p>segmento ponderadas por suas participações na renda. Portanto, pode-se escrever a equação 10. Essa</p><p>equação mostra que variações distributivas de renda podem influenciar a determinação do ponto de de-</p><p>manda efetiva porque podem alterar a propensão a consumir da comunidade:</p><p>c = act + bcd a + b = 1 (10)</p><p>Em resumo, o nível de emprego e de renda, segundo o princípio da demanda efetiva, depende dos</p><p>gastos esperados. Contudo, somente se pode esperar um nível de demanda efetiva mais elevado quan-</p><p>do, dado um nível inicial de renda, ceteris paribus, houver um crescimento da eficiência marginal do</p><p>capital ou uma queda da taxa de juros ou uma elevação da propensão marginal a consumir da comunida-</p><p>de – tal como descrito na equação 11:</p><p>Z = D = (emc, i, c) ∂D / ∂emc > 0, ∂D / ∂i (11)</p><p>100 A Teoria da Política Monetária no Modelo de Keynes ELSEVIER</p><p>A TEORIA DA POLÍTICA</p><p>MONETÁRIA NO MODELO</p><p>KEYNESIANO</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Foi visto no capítulo anterior que, segundo John Maynard Keynes, a política mo-</p><p>netária é um importante instrumento capaz de auxiliar na redução do desemprego.</p><p>Contudo, como já foi dito, os seguidores das teorias de Keynes não formam um</p><p>grupo completamente homogêneo. A corrente denominada velho-keynesiana (ou</p><p>síntese neoclássica) não acredita que a política monetária seja potente para alterar</p><p>variáveis reais da economia. São expoentes dessa corrente, entre outros, os Prê-</p><p>mios Nobel, Paul Samuelson e Lawrence Klein. A teoria da política monetária</p><p>dessa corrente keynesianaa é apresentada neste capítulo.</p><p>Inicialmente, a visão dos velhos-keynesianos sobre a (im)potência da po-</p><p>lítica monetária para alterar variáveis reais é apresentada conjuntamente com</p><p>o modelo IS-LM. Esse modelo é apresentado passo a passo com o objetivo de</p><p>descrever a ideia velho-keynesiana de que reduções da taxa de juros podem</p><p>não influenciar de forma considerável o aumento do investimento e, em con-</p><p>sequência, a redução do desemprego. Por último, mostra-se que os velhos-</p><p>keynesianos optam por utilizar a política fiscal como instrumento estabiliza-</p><p>dor da economia.</p><p>É importante esclarecer que a apresentação do modelo IS-LM, apesar de ser</p><p>feita com muitos detalhes, não objetiva discutir todas as questões referentes a</p><p>esse instrumental. Por exemplo, o multiplicador dos gastos públicos não é trata-</p><p>do, entre outros tópicos importantes. Tais elementos são essenciais, mas devem</p><p>ser tratados com maior atenção nos cursos e livros-texto de macroeconomia. O</p><p>desenvolvimento do modelo IS-LM no capítulo objetiva tão-somente apresen-</p><p>tar a teoria da política monetária da corrente velho-keynesiana.</p><p>8.1. A TEORIA DA POLÍTICA MONETÁRIA</p><p>DOS VELHOS-KEYNESIANOS</p><p>O receituário de política monetária de Keynes é radicalmente diferente do rece-</p><p>ituário sugerido pelos velhos-keynesianos, que formam a corrente que se tornou</p><p>CAPÍTULO</p><p>8</p><p>conhecida como síntese neoclássica. Embora reconheçam que teoricamente existem mecanismos capa-</p><p>zes de explicar a influência de variações no volume de moeda sobre o produto, consideram que a política</p><p>monetária possui uma potência reduzida, pelo menos quando comparada com a política fiscal. O receituá-</p><p>rio proposto pelo velho-keynesianismo advém da constatação empírica de que</p><p>a função demanda por bens</p><p>de capital exibe uma baixa elasticidade-juros. O Gráfico 8.1 representa esta relação, onde o eixo horizon-</p><p>tal mostra o volume de investimentos (I) e o eixo vertical denota a taxa de juros (i). A função investimento</p><p>B tem a forma semelhante à função que foi estatisticamente constatada pelos velhos-keynesianos. Portan-</p><p>to, uma grande redução da taxa de juros provocaria tão-somente uma reduzida ampliação do investimen-</p><p>to. A função A foi aceita apenas teoricamente. A esse respeito, as palavras de Lawrence Klein, em seu</p><p>livro La Revolucion Keynesiana, publicado na Espanha em 1952, são ilustrativas:</p><p>“Keynes foi muito favorável à manipulação da taxa de juros com a finalidade de estimular o desejo</p><p>de investir. Tais medidas estão baseadas na suposição e na crença de que o investimento é sensível</p><p>às mudanças na taxa de juros; porém,... todos os sinais indicam ... que a curva estática do investi-</p><p>mento é inelástica aos juros hoje em dia. Observamos uma grande queda da taxa de juros de longo</p><p>termo de 1932 a 1941 e, não obstante, não observamos um alto nível de investimento.”</p><p>Dessa forma, o velho-keynesianismo relegou a moeda e a política monetária a um papel secundário</p><p>em relação à política fiscal de gastos governamentais. Para essa corrente keynesiana, uma política mo-</p><p>netária expansionista que reduza a taxa de juros drasticamente teria um impacto desprezível sobre as</p><p>decisões empresariais de investimento e, portanto, um reduzido efeito sobre o nível de emprego e renda.</p><p>Como uma política de gastos públicos, por exemplo, causa impacto diretamente sobre essas variáveis, a</p><p>política fiscal é sempre preferida à política monetária que requer um grande esforço (de redução da taxa</p><p>de juros) para obter resultados desprezíveis sobre o produto. Daí advém o caráter fiscalista do keynesia-</p><p>nismo americano de L. Klein, W. Heller, G. Ackley, O. Eckstein, P. Samuelson, entre outros. Uma ex-</p><p>ceção que merece destaque entre os velhos-keynesianos é o Prêmio Nobel James Tobin, que sempre de-</p><p>fendeu que a política monetária é potente para alterar variáveis reais. Suas ideias são resumidamente</p><p>apresentadas no Box 8.1.</p><p>102 A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano ELSEVIER</p><p>I</p><p>i</p><p>Função Investimento B</p><p>Função Investimento A</p><p>GRÁFICO 8.1</p><p>A Função Investimento Keynesiana</p><p>A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano 103</p><p>É através do coeficiente que ficou conhecido como q de Tobin que se pode explicar como</p><p>a política monetária pode afetar as variáveis reais da economia. O q de Tobin é definido</p><p>como o valor de mercado das ações de uma firma, dividido pelo custo contábil do seu</p><p>capital, tal como a seguir:</p><p>q</p><p>V</p><p>C</p><p>F</p><p>R�</p><p>em que</p><p>VF = valor de mercado de uma firma e</p><p>CR = custo do seu capital.</p><p>Esta razão permite mensurar o hiato entre o valor real da empresa (avaliada pelo</p><p>mercado de ações) e o preço dos bens de capital possuídos pela firma (segundo o</p><p>mercado de bens de capital), constituindo-se um bom mecanismo para avaliar o re-</p><p>torno de um novo investimento. Quando q é maior que 1 (preço de mercado da firma</p><p>é maior que o custo do seu capital), isto significa que adquirir novos bens de capital é</p><p>recompensador se comparado com o valor de mercado da firma.</p><p>O q de Tobin possui uma lógica bastante convincente. O significado de um q superi-</p><p>or à unidade é que o mercado reconhece que, nas mãos de uma firma determinada,</p><p>aquele conjunto de equipamentos é capaz de gerar um excedente sobre seu próprio</p><p>valor. Este excedente, VF, é o valor capitalizado dos lucros esperados no horizonte re-</p><p>levante. Um valor superior a 1 para q agregado significa que a avaliação feita pelos</p><p>investidores de que o conjunto de firmas desta economia é esperado ser capaz de</p><p>gerar excedentes. As empresas são estimuladas a investir, neste caso, não apenas</p><p>porque têm expectativas de lucro, mas também porque a colocação de papéis junto</p><p>ao público, para financiar estes investimentos, se torna mais barata.</p><p>A conexão entre a política monetária e o preço das ações pode ser compreendida</p><p>com o auxílio do esquema a seguir. Com um aumento na oferta de moeda, os agen-</p><p>tes possuem mais recursos, o que leva a um aumento do dispêndio. Uma das possibi-</p><p>lidades para a alocação dos recursos adicionais é o mercado de ações. Segundo a lei</p><p>da oferta e procura, uma maior demanda por ações culmina com o aumento dos pre-</p><p>ços das ações. Sendo assim, há um aumento no q, o que por sua vez leva a um maior</p><p>investimento e consequente expansão no produto. E, em decorrência, as firmas com</p><p>uma emissão pequena de ações podem obter recursos suficientes para adquirir uma</p><p>grande quantidade de novos bens de investimento.</p><p>Elaborado com a colaboração de Helder Ferreira de Mendonça</p><p>JAMES TOBIN E A EFICÁCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA</p><p>Elevação do</p><p>de Tobinq</p><p>Expansão</p><p>monetária</p><p>Aumento dos</p><p>preços das ações</p><p>Aumento do</p><p>investimento</p><p>Crescimento</p><p>do produto</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>8</p><p>.</p><p>1</p><p>8.2. O RECEITUÁRIO VELHO-KEYNESIANO E O MODELO IS-LM</p><p>John Hicks, em seu artigo “Mr. Keynes and the Classics: A Suggested Interpretation”, publicado na re-</p><p>vista Econometrica em 1937, elaborou o modelo que ficou conhecido como IS-LM. Alvin Hansen, nas</p><p>décadas de 1940 e 1950, desenvolveu essas ideias. Os velhos-keynesianos consideram que esse mode-</p><p>lo, posteriormente batizado de Hicks-Hansen, é o instrumental básico, que, embora simples, descreve</p><p>os fenômenos essenciais da macroeconomia. Inicialmente, será descrita a curva IS. Posteriormente,</p><p>será construída a curva LM e discutido o receituário de política econômica do velho-keynesianismo,</p><p>tendo como base as duas curvas.</p><p>8.2.1. A CURVA IS</p><p>A curva IS é o conjunto de pontos de equilíbrio no mercado de bens (demanda igual ao produto oferta-</p><p>do) representado no plano renda (Y) e taxa de juros (i). A curva IS é o conjunto de pares (Y, i) que man-</p><p>têm a condição de equilíbrio, a qual é formalmente deduzida em seguida. A equação 1 afirma que a</p><p>renda (o lado da oferta) é igual à soma do consumo (C) com os gastos com investimento (I), mais os</p><p>gastos (G) governamentais (o lado da demanda). O investimento privado aparece na equação 1 como</p><p>função da taxa de juros, tal como o indicado no Gráfico 8.1, então:</p><p>Y = C + I(i) + G (1)</p><p>O consumo é apenas parte da renda (Y), o restante da renda é a poupança e a arrecadação tributária</p><p>do governo, que é uma função crescente da renda. Assim, a renda menos a poupança (S) e a arrecadação</p><p>(T) é igual ao consumo, tal como indicado na equação 2:</p><p>C = Y – S – T(Y) (2)</p><p>Então, substituindo-se 1 em 2, pode-se escrever a equação 3:</p><p>Y = Y – S – T(Y) + G + I(i) (3)</p><p>Da equação 3, pode-se deduzir a condição de equilíbrio em termos de I, S, G e T:</p><p>S + T(Y) = I(i) + G (4)</p><p>Portanto, pode-se dizer que a oferta de bens e serviços é igual à sua demanda quando a poupança</p><p>(mais a arrecadação tributária) é igual ao investimento (mais os gastos governamentais).</p><p>Todas as relações até aqui apresentadas, que são passos para a dedução da curva IS, são representa-</p><p>das no Gráfico 8.2 de quatro quadrantes. A numeração dos quadrantes obedece ao sentido anti-horário.</p><p>No quarto quadrante, são representadas as relações da equação 2, em que parte da renda é poupada. No</p><p>segundo quadrante, está representado o investimento privado como função decrescente da taxa de juros</p><p>e os gastos públicos que dependem de decisões governamentais são, portanto, representados por uma</p><p>reta vertical. Neste quadrante, os valores de I e G são somados (horizontalmente), obtendo-se a curva</p><p>I + G como função de i. O terceiro quadrante estabelece a condição de equilíbrio. Traça-se uma reta</p><p>com 45� de inclinação que permite igualar a poupança (mais a arrecadação tributária) ao investimento</p><p>(mais os gastos governamentais).</p><p>A partir das relações apresentadas nesses três quadrantes (2o, 3o e 4o), pode-se deduzir a curva do</p><p>primeiro quadrante, que é a curva IS que representa pares (Y, i) sob a condição de equilíbrio do mercado</p><p>104 A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano ELSEVIER</p><p>de bens e serviços. Escolhe-se um determinado nível de renda a e percorre-se os três</p><p>quadrantes (na se-</p><p>guinte ordem, 4o, 3o e 2o), encontra-se, então, a taxa de juros a’ que corresponde ao nível a de renda.</p><p>Esse par obedece à condição de equilíbrio estabelecida do terceiro quadrante. Então, o ponto A (a, a’)</p><p>do primeiro quadrante é um ponto da curva IS. Um segundo ponto é necessário para que a curva IS pos-</p><p>sa ser traçada. Realiza-se o mesmo procedimento a partir do nível b de renda e encontra-se o ponto B (b,</p><p>b’). Com dois pontos, traça-se a curva IS negativamente inclinada no plano (Y, i).</p><p>8.2.2. A CURVA LM</p><p>A curva LM é o conjunto de pontos de equilíbrio no mercado monetário (demanda por moeda igual à</p><p>oferta) representado no plano renda (Y) e taxa de juros (i). A curva LM é o conjunto de pares (Y, i) que</p><p>sustenta a condição de equilíbrio, a qual é formalmente apresentada em seguida. A equação 5 indica</p><p>que a oferta real de moeda (M/P, em que M é a oferta nominal de moeda e P é um dado nível de preços) é</p><p>igual à sua demanda, que, por sua vez, é composta pela demanda pelo motivo-transação (dt) que é fun-</p><p>ção crescente da renda (Y) e pela demanda motivo-especulação (ds) que é função decrescente da taxa de</p><p>juros (i) (veja os Capítulos 4 e 5):</p><p>M</p><p>P</p><p>= dt (Y) + ds (i) (5)</p><p>Estas relações monetárias, que são passos para a dedução da curva LM, são representadas no Gráfi-</p><p>co 8.3 de quatro quadrantes. A numeração dos quadrantes obedece ao sentido anti-horário. No quarto</p><p>quadrante, está representada a demanda por moeda motivo-transação como função crescente da renda.</p><p>No segundo quadrante, está representada a demanda motivo-especulação como função decrescente da</p><p>taxa de juros. No terceiro quadrante, traça-se uma reta com 45� de inclinação que permite estabelecer a</p><p>condição de equilíbrio, oferta real de moeda igual à demanda total. M/P é a oferta real de moeda no ter-</p><p>ceiro quadrante, então, se a demanda motivo-transação é igual a c, a demanda especulativa é igual a</p><p>M/P menos c. As propriedades geométricas do triângulo-retângulo garantem que a condição de equilí-</p><p>brio sempre será satisfeita. Qualquer ponto sobre a reta de 45� indica uma demanda por transação e uma</p><p>demanda especulativa que adicionadas serão sempre iguais à oferta real de moeda.</p><p>A partir das relações apresentadas nesses três quadrantes (2o, 3o e 4o), pode-se deduzir a curva do</p><p>primeiro quadrante que é a curva LM que representa pares (Y, i) sob a condição de equilíbrio do merca-</p><p>do monetário. Escolhe-se um determinado nível de renda a e percorre-se os três quadrantes (na seguinte</p><p>A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano 105</p><p>Y</p><p>S + T</p><p>I + G</p><p>i</p><p>45°</p><p>Curva IS</p><p>2º</p><p>3º 4º</p><p>1º</p><p>G + I</p><p>G</p><p>a b</p><p>a’</p><p>b’</p><p>A</p><p>B</p><p>GRÁFICO 8.2</p><p>A Curva IS</p><p>ordem: 4o, 3o e 2o) e encontra-se, então, a taxa de juros a’ que corresponde ao nível a de renda. Esse par</p><p>obedece à condição de equilíbrio estabelecida do terceiro quadrante. Então, o ponto A (a, a’) do primei-</p><p>ro quadrante é um ponto da curva LM. Um segundo ponto é necessário para que a curva LM possa ser</p><p>traçada. Realiza-se o mesmo procedimento a partir do nível b de renda e encontra-se o ponto B (b, b’).</p><p>Com dois pontos, traça-se a curva LM positivamente inclinada no plano (Y, i).</p><p>8.3. A IMPOTÊNCIA DA POLÍTICA MONETÁRIA E O FISCALISMO</p><p>Traçando-se a curva IS que representa as inúmeras situações de equilíbrio do mercado de bens e a curva</p><p>LM que representa as situações de equilíbrio no mercado monetário, obtém-se o Gráfico 8.4 a seguir. A</p><p>interseção das duas curvas é o ponto E0, em que a economia está em equilíbrio no mercado monetário e</p><p>no mercado de bens.</p><p>Com o instrumental IS-LM, pode-se facilmente verificar os efeitos das políticas monetária e fiscal</p><p>sobre a renda e a taxa de juros. Contudo, alguns passos devem ainda ser dados. Iniciemos assumindo</p><p>que as relações descritas na equação 5 são lineares, então:</p><p>106 A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano ELSEVIER</p><p>Y</p><p>i</p><p>45°</p><p>Curva LM</p><p>2º</p><p>3º 4º</p><p>1º</p><p>ba</p><p>A</p><p>c</p><p>b’</p><p>a’</p><p>B</p><p>ds</p><p>dt</p><p>M/P</p><p>M/P</p><p>GRÁFICO 8.3</p><p>A Curva LM</p><p>LM</p><p>IS</p><p>E0</p><p>i</p><p>Y</p><p>GRÁFICO 8.4</p><p>Equilíbrio nos Mercados de Bens e Monetário</p><p>M</p><p>P</p><p>= kY – hi , k>0; h>0 (5a)</p><p>em que k é o parâmetro que reflete a sensibilidade-renda da demanda por moeda e h é o parâmetro que</p><p>mede a sensibilidade-juros da demanda por moeda. A demanda por moeda motivo transação depende</p><p>do nível da renda, porque os agentes necessitam de recursos para pagar as suas despesas correntes. A</p><p>demanda por moeda depende também da taxa de juros. O custo de se reter moeda é o quanto se deixa de</p><p>ganhar se a opção fosse a aquisição de títulos que rendem juros. Assim, quanto mais alta é a taxa de ju-</p><p>ros, menor é o estímulo para se reter moeda e maior o estímulo para se reter títulos. Logo, a retenção de</p><p>moeda pelo motivo especulação é inversamente proporcional à taxa de juros. Isto justifica o sinal nega-</p><p>tivo à frente do parâmetro h na equação 5a. E, resolvendo-se essa equação em função de i, tem-se que:</p><p>i</p><p>kY</p><p>h</p><p>M</p><p>hP</p><p>� � (5b)</p><p>Esta é a equação de LM. Percebe-se, então, que a oferta real de moeda é parte do coeficiente linear da</p><p>equação. Portanto, um aumento do estoque nominal de moeda (M), ceteris paribus, aumentará esse coefi-</p><p>ciente e deslocará a curva LM paralelamente para a direita, tal como mostrado no Gráfico 8.5. A economia</p><p>se deslocará do ponto E0 para o novo ponto de equilíbrio E1. Essa política pode ter sido executada, por</p><p>exemplo, por intermédio de uma compra de títulos públicos por parte do Banco Central no open-market.</p><p>Tal operação reduziu a taxa de juros e, consequentemente, aumentou o investimento e a renda.</p><p>Como pode ser observado no Gráfico 8.5, a potência de uma política monetária expansionista de-</p><p>pende também da inclinação da curva IS. Quanto mais inclinada a curva IS, menos potente será a políti-</p><p>ca monetária que visa a uma ampliação da renda. Mas que variáveis influenciam a inclinação da curva</p><p>IS? Para responder esta pergunta é necessário deduzir a equação da reta IS e verificar a composição do</p><p>seu coeficiente angular. Esta tarefa é agora realizada. Como fizemos no caso da LM, vamos simplificar</p><p>um pouco o problema, assumindo que todas as funções tratadas são lineares.</p><p>A variável consumo que aparece na equação 1 pode ser descrita pela seguinte função:</p><p>C = C + c[Y – T(Y)] (6)</p><p>Há uma parte do consumo que independe da renda, que é C, chamado, portanto, de consumo autô-</p><p>nomo. A outra parte, c[Y–T(Y)], depende não diretamente da renda, mas sim da renda disponível, que é</p><p>A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano 107</p><p>E0</p><p>E1</p><p>LM</p><p>IS</p><p>i</p><p>Y</p><p>LM’</p><p>Y Y’</p><p>i</p><p>i’</p><p>GRÁFICO 8.5</p><p>Uma Política Monetária Expansionista</p><p>a renda líquida, depois de pagos os impostos. A arrecadação tributária é definida pela seguinte função:</p><p>T = tY (7)</p><p>A variável investimento (I) que aparece também na equação 1 pode ser representada por:</p><p>I = – bi + j (8)</p><p>em que b é o parâmetro que mede a sensibilidade do investimento aos juros e j é uma constante positiva.</p><p>Agora, substituindo-se 6, 7 e 8 na equação 1, obtém-se:</p><p>Y = C + c(1 – t) Y – bi + j + G (1a)</p><p>E, resolvendo-se essa equação em função de i, obtém-se:</p><p>i</p><p>Y</p><p>b</p><p>C</p><p>b</p><p>G</p><p>b</p><p>j</p><p>b</p><p>� � � � �</p><p>�</p><p>�</p><p>�</p><p>�</p><p>�</p><p>(1b)</p><p>em que = 1/[1 – c(1 – t)]. A equação 1b é representativa da curva IS. Após ter sido deduzida essa fun-</p><p>ção, pode-se identificar quais os parâmetros que explicam a sua inclinação. São eles: e b. O segundo</p><p>parâmetro mede a sensibilidade-juros do investimento que, segundo os velhos-keynesianos, é muito</p><p>baixa. Então, a curva IS é, para eles, basicamente vertical, como mostra o Gráfico 8.6. Logo, a política</p><p>monetária torna-se quase que impotente para alterar a renda. Em verdade, não é recompensador fazer</p><p>uma expansão monetária, que provavelmente será custosa, já que precisa reduzir drasticamente a taxa</p><p>de juros para obter apenas reduzidos aumentos da variável renda. No Gráfico 8.6, a redução da taxa de</p><p>juros de i para i' obtém como resultado um pequeno aumento da renda de Y para Y'.</p><p>Resta, então, aos adeptos da síntese neoclássica, como instrumento de intervenção macroeconômi-</p><p>ca, a política fiscal – que pode ser exercida através da variação dos gastos</p><p>governamentais (no Box 8.2,</p><p>mostra-se que tal política pode também ser exercida pela redução da alíquota dos impostos). Um au-</p><p>mento dos gastos públicos desloca paralelamente a curva IS para a direita, já que a variável G é parte do</p><p>coeficiente linear da equação 1b. Um aumento dos gastos governamentais, como mostra o Gráfico 8.7,</p><p>eleva a taxa de juros (de i para i’) e a renda (de Y para Y’). O aumento da renda provoca um aumento da</p><p>108 A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano ELSEVIER</p><p>LM</p><p>IS</p><p>E0</p><p>i</p><p>i</p><p>Y</p><p>LM’</p><p>E1</p><p>Y Y'</p><p>i’</p><p>GRÁFICO 8.6</p><p>A Impotência da Política Monetária</p><p>taxa de juros. Isto ocorre porque a demanda transacional por moeda aumenta. Dado que a oferta de</p><p>moeda é fixa, a taxa de juros precisa aumentar para reduzir a demanda especulativa, liberando moeda</p><p>para as transações.</p><p>Uma versão especial do receituário velho-keynesiano de política econômica emerge quando além</p><p>da função demanda por bens de investimento com baixa elasticidade-juros (isto é, o parâmetro b com</p><p>valor muito baixo), assume-se uma função demanda por moeda com elevadíssima elasticidade-juros</p><p>(ou seja, o parâmetro h com valor muito alto). Dessa forma, a IS seria basicamente vertical e a LM, qua-</p><p>se horizontal. Essa versão especial do modelo é caracterizada pelo pessimismo das elasticidades. Esse</p><p>termo foi utilizado por Axel Leijonhufvud em seu artigo Keynes and the Keynesians: a suggested inter-</p><p>pretation publicado na American Economic Review em 1967. O pessimismo das elasticidades caracte-</p><p>A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano 109</p><p>Walter Heller, um keynesiano, foi quem</p><p>assumiu o cargo de chefe do Conselho de</p><p>Consultores Econômicos (Council of Eco-</p><p>nomics Advisers) do Governo de John Ken-</p><p>nedy, no início da década de 1960. Fize-</p><p>ram parte ainda do Conselho ou partici-</p><p>param de uma consultoria informal ao</p><p>Governo: James Tobin, Otto Eckstein,</p><p>Gardner Ackley, Paul Samuelson, Arthur</p><p>Okun, entre muitos outros conhecidos</p><p>keynesianos.</p><p>Eles reconheciam que o maior proble-</p><p>ma da economia capitalista era que exis-</p><p>tiam flutuações de curto prazo na de-</p><p>manda agregada que poderiam se agra-</p><p>var e levar a economia para situações de</p><p>depressão e desemprego agudo. O re-</p><p>médio era promover uma sintonia fina,</p><p>basicamente através do uso de instru-</p><p>mentos de política fiscal. A sintonia de-</p><p>veria seguir a fórmula sugerida, por</p><p>exemplo, por Otto Eckstein, em seu livro</p><p>Foundations of Modern Economics, pu-</p><p>blicado em 1964 nos Estados Unidos:</p><p>“Quando o produto nacional bruto esti-</p><p>ver abaixo do nível de pleno emprego, a</p><p>política fiscal deve ser expansionista.</p><p>Isso se pode fazer reduzindo as taxas dos</p><p>impostos ou aumentando os gastos;</p><p>qualquer dessas medidas aumentará a</p><p>demanda agregada. Quando a deman-</p><p>da estiver demasiadamente elevada ...</p><p>provocando inflação; a política fiscal</p><p>deve ser restritiva, aumentando impos-</p><p>tos ou reduzindo o programa de gastos.”</p><p>A proposta inicial feita ao Presidente</p><p>Kennedy foi a redução de impostos visan-</p><p>do ao estímulo do investimento privado e</p><p>do consumo. Contudo, entre os keynesia-</p><p>nos que apoiavam a administração Ken-</p><p>nedy não havia um consenso em relação à</p><p>proposição. John Kenneth Galbraith, em-</p><p>baixador na Índia à época, propunha al-</p><p>ternativamente um aumento dos gastos</p><p>governamentais para satisfazer carências</p><p>sociais não atendidas pelo serviço público,</p><p>por exemplo, a construção de hospitais e</p><p>escolas. Mas a preferência da equipe che-</p><p>fiada por Heller era sem dúvida pela redu-</p><p>ção do que chamou sucção fiscal. Em seu</p><p>livro Novas Dimensões da Economia Políti-</p><p>ca, publicado no Brasil em 1969, ele dis-</p><p>se: “Nossa maior confiança estava na re-</p><p>dução de impostos.” E, esse foi o caminho</p><p>adotado.</p><p>Em verdade, os velhos-keynesianos</p><p>americanos estavam divididos em dois</p><p>grupos: os progressistas e os conserva-</p><p>dores. Os primeiros propunham políticas</p><p>fiscais através de gastos do governo que</p><p>provessem bens públicos aos segmentos</p><p>de baixa renda. Os conservadores pro-</p><p>punham a redução de impostos como</p><p>forma de fomentar a demanda agrega-</p><p>da. Os conservadores argumentavam</p><p>que a redução da carga tributária vitali-</p><p>zava a livre iniciativa, tornando-a mais</p><p>ousada, porque os fundos internos que</p><p>deveriam ser acumulados para a realiza-</p><p>ção de novos investimentos seriam mais</p><p>facilmente retidos. Ademais, tal medida</p><p>estimulava o consumo. Os progressistas</p><p>argumentavam que a poupança acumu-</p><p>lada poderia não se transformar em gas-</p><p>tos. Alternativamente, uma política de</p><p>gastos atingiria diretamente e imediata-</p><p>mente o produto e o emprego. Além do</p><p>que, promoveria uma distribuição indi-</p><p>reta de renda se escolas e hospitais fos-</p><p>sem construídos.</p><p>O FISCALISMO AMERICANO DOS ANOS 60: AUMENTO</p><p>DE GASTOS OU REDUÇÃO DE IMPOSTOS?</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>8</p><p>.</p><p>2</p><p>riza a situação conhecida como armadilha da liquidez, em que uma política monetária expansionista</p><p>produziria efeitos desprezíveis sobre a renda. Na armadilha da liquidez, o público transforma todo au-</p><p>mento de oferta monetária em encaixes inativos (fundos especulativos) e não em recursos ativos (fun-</p><p>dos transacionais). Sob esta condição, somente uma política fiscal expansionista pode afetar considera-</p><p>velmente a renda, tal como é mostrado no Gráfico 8.8.</p><p>RESUMO</p><p>1. O receituário de política monetária de Keynes é bastante diferente do receituário sugerido pelos ve-</p><p>lhos-keynesianos. Embora reconheçam que teoricamente existem mecanismos capazes de explicar a influên-</p><p>cia de variações no volume de moeda sobre o produto, consideram que a política monetária possui uma</p><p>potência reduzida, pelo menos quando comparada com a política fiscal. O receituário proposto pelo velho-</p><p>keynesianismo advém da constatação empírica de que a função demanda por bens de capital possui uma baixa</p><p>elasticidade-juros.</p><p>110 A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano ELSEVIER</p><p>LM</p><p>IS IS'</p><p>E0</p><p>i</p><p>i</p><p>E1</p><p>i’</p><p>YY Y’</p><p>GRÁFICO 8.7</p><p>A Eficácia da Política Fiscal</p><p>E0 E1</p><p>Y Y’</p><p>LM</p><p>IS</p><p>i</p><p>Y</p><p>IS’</p><p>GRÁFICO 8.8</p><p>A Armadilha da Liquidez</p><p>2. O velho-keynesianismo relegou a moeda e a política monetária a um papel secundário em relação à política</p><p>fiscal de gastos governamentais. Uma política monetária expansionista que reduza a taxa de juros drastica-</p><p>mente teria um impacto desprezível sobre as decisões empresariais de investimento e, portanto, um reduzido</p><p>efeito sobre o nível de emprego e renda. Como uma política de gastos públicos, por exemplo, impacta direta-</p><p>mente essas variáveis, a política fiscal é sempre preferida à política monetária, que requer um grande esforço</p><p>(de redução da taxa de juros) para obter resultados desprezíveis sobre o produto.</p><p>3. Os velhos-keynesianos consideram que o modelo IS-LM é o instrumental capaz de descrever os fenômenos</p><p>essenciais da economia. A curva IS é o conjunto de pontos de equilíbrio no mercado de bens (demanda igual</p><p>ao produto) representado no plano renda (Y) e taxa de juros (i). A curva LM é o conjunto de pontos de equilí-</p><p>brio no mercado monetário (demanda por moeda igual à oferta) representado no mesmo plano. A interseção</p><p>das duas curvas é o ponto em que a economia está em equilíbrio no mercado monetário e no mercado de bens.</p><p>4. A curva IS é, para os velhos-keynesianos, basicamente vertical. Logo, a política monetária torna-se quase que</p><p>impotente para alterar a renda. Em verdade, não é recompensador fazer uma expansão monetária, que prova-</p><p>velmente será custosa, já que precisa reduzir drasticamente a taxa de juros para obter apenas reduzidos au-</p><p>mentos da variável renda. Resta, então, aos adeptos da síntese neoclássica, como instrumento de intervenção</p><p>macroeconômica, a política fiscal.</p><p>5. Uma versão especial do receituário velho-keynesiano de política econômica emerge quando associada à fun-</p><p>ção demanda por bens de investimento com baixa elasticidade-juros vislumbrando-se uma função demanda</p><p>por moeda com elevadíssima elasticidade-juros. Dessa forma, a IS seria basicamente vertical e a LM, quase</p><p>horizontal. Essa versão especial tornou-se conhecida como a armadilha da liquidez. Nessa situação, o público</p><p>transforma todo o aumento de oferta monetária em encaixes inativos.</p><p>Assim, somente uma política fiscal ex-</p><p>pansionista poderia afetar consideravelmente a renda. Uma política monetária expansionista produziria efei-</p><p>tos nulos sobre as variáveis reais.</p><p>TERMOS-CHAVE</p><p>� Elasticidade-juros � Elasticidade-renda � Curva IS</p><p>� Curva LM � Demanda Transacional � Demanda Especulativa</p><p>� Equilíbrio dos Mercados � Fiscalismo � Armadilha da Liquidez</p><p>BIBLIOGRAFIA COMENTADA</p><p>Branson, W. (1986). Macroeconomia, Teoria e Política. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.</p><p>Nos capítulos 4 e 5 do seu Macroeconomia, Teoria e Política, Branson faz uma detalhada apresentação do mo-</p><p>delo IS-LM. Tal apresentação é comum em diversos livros de macroeconomia. Entretanto, o autor merece desta-</p><p>que porque a cada passo de sua apresentação oferece um explicação matemática, gráfica (geométrica) e</p><p>econômica. Dessa forma, torna o funcionamento do modelo de fácil entendimento, assim como o seu significado</p><p>econômico.</p><p>Heller, W. (1969). As Novas Dimensões da Economia Política. Rio de Janeiro: Zahar Editores.</p><p>Walter Heller foi presidente do Conselho de Consultores Econômicos dos governos Kennedy e Johnson. No li-</p><p>vro, a experiência da equipe econômica velho-keynesiana é relatada. São descritas, com detalhes, as dificuldades</p><p>dos economistas acadêmicos keynesianos para enfrentar os problemas da realidade. É feita uma narração, inclusi-</p><p>ve, de alguns diálogos e problemas econômicos que eram discutidos com o Presidente.</p><p>Hicks, J. (1937). “Mr. Keynes and the classics: a suggested interpretation”. Econometrica, abril, p.147-59. Re-</p><p>publicado em português em Clássicos de Literatura Econômica. Rio de Janeiro: Ipea-Inpes, 1988.</p><p>Klein, L. (1952). La Revolucion Keynesiana. Madri: Editorial de Revista de Derecho Privado.</p><p>Tobin, J. (1987). Policies for Prosperity. Brighton: Wheatsheaf Books.</p><p>A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano 111</p><p>APÊNDICE</p><p>A TEORIA DA POLÍTICA MONETÁRIA</p><p>KEYNESIANA HORIZONTALISTA</p><p>A impotência da política monetária não foi sugerida apenas pela síntese neoclássica. Com argumentos</p><p>totalmente diversos do velho-keynesianismo, Nicholas Kaldor, em seu livro The Scourge of Moneta-</p><p>rism, defendeu também tal proposição. Kaldor concluiu que as autoridades monetárias devem tão-</p><p>somente fixar uma taxa de juros (compatível, por exemplo, com uma taxa de crescimento econômico) e</p><p>conceder livremente liquidez ao sistema monetário para atender às demandas por reservas dos bancos.</p><p>Nesse caso, a quantidade de moeda da economia seria determinada pela demanda por reservas dos ban-</p><p>cos junto ao Banco Central, que resulta da demanda por crédito de consumidores e investidores junto</p><p>aos bancos. Assim, a função oferta de moeda da economia seria perfeitamente juros-elástica, tal como</p><p>indicado no Gráfico 8.9, em que Ms representa a oferta de moeda e Dm a demanda por moeda.</p><p>Como essa função horizontal sintetiza as linhas gerais do modelo representativo de uma das corren-</p><p>tes keynesianas, Basil Moore, em seu livro Horizontalists and Verticalists, batizou tal corrente de hori-</p><p>zontalista.</p><p>Segundo o horizontalismo, qualquer tentativa do Banco Central de modificar a taxa de juros e/ou a</p><p>quantidade de moeda da economia (que é estabelecida pela demanda por moeda de investidores e con-</p><p>sumidores) poderia: (a) criar excesso de reservas bancárias ou (b) afetar a solvência das instituições que</p><p>concedem crédito. Para essa corrente, uma política monetária expansionista poderia criar somente um</p><p>excesso de reservas bancárias, porque não seria capaz de despertar os espíritos empreendedores dos</p><p>empresários. São motivos espontâneos (isto é, não monetários) – espírito inovador, por exemplo – que</p><p>estimulam os empresários a tomar decisões de investimento. Inversamente, uma política monetária</p><p>contracionista poderia ser prejudicial porque poderia afetar a solvência dos bancos.</p><p>Em suma, para os horizontalistas, a melhor política monetária que o Banco Central pode (e deve)</p><p>praticar é aquela que mantém a taxa de juros constante e, ao mesmo tempo, concede reservas aos bancos</p><p>de acordo com as suas necessidades. Para o horizontalismo, o instrumento de política econômica eficaz</p><p>seria tão-somente a política fiscal. Portanto, o horizontalismo é também uma corrente essencialmente</p><p>fiscalista, tal como a síntese neoclássica.</p><p>112 A Teoria da Política Monetária no Modelo Keynesiano ELSEVIER</p><p>MS</p><p>Dm</p><p>i</p><p>M</p><p>GRÁFICO 8.9</p><p>A Oferta Monetária no Modelo Horizontalista</p><p>A TEORIA DA POLÍTICA</p><p>MONETÁRIA DO MODELO</p><p>MONETARISTA</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Em oposição à velha tradição keynesiana, Milton Friedman, o maior expoente</p><p>do monetarismo, tentou demonstrar durante as décadas de 1950 e 1960 que a</p><p>moeda importa. Segundo Friedman, é possível reduzir a taxa de desemprego</p><p>com políticas monetárias expansionistas, ainda que apenas temporariamente.</p><p>Daí vem a denominação dessa corrente, o monetarismo, em oposição ao fisca-</p><p>lismo keynesiano. Friedman apoia suas ideias no tripé: taxa natural de desem-</p><p>prego, curva de Phillips e expectativas adaptativas.</p><p>Inicialmente, este capítulo apresenta a teoria que sustenta a hipótese da</p><p>existência de uma taxa natural de desemprego na economia que é o ponto de</p><p>partida para a construção da teoria da política monetária friedmaniana. Poste-</p><p>riormente, apresenta-se a teoria da curva de Phillips com expectativas adaptati-</p><p>vas, isto é, expectativas em que os agentes levam em conta somente as informa-</p><p>ções sobre o passado. Uma versão especial da curva de Phillips, chamada de</p><p>aceleracionista, também é tratada no capítulo. Por último, apresentam-se duas</p><p>proposições friedmanianas. A primeira é que apesar de a política monetária ser</p><p>eficaz para alterar variáveis reais, ela não deve ser utilizada para este fim. A se-</p><p>gunda, que todo processo inflacionário tem causa monetária e que, portanto,</p><p>uma política monetária contracionista é a única solução desinflacionista, a qual</p><p>terá como efeito, necessariamente, o aumento do desemprego.</p><p>9.1. A TAXA NATURAL DE DESEMPREGO</p><p>A hipótese da existência de uma taxa natural de desemprego é o ponto de par-</p><p>tida para a construção da teoria da política monetária friedmaniana. Quando a</p><p>economia está em repouso, isto é, não está sob o efeito de nenhuma interven-</p><p>ção de política macroeconômica, a sua taxa corrente de desemprego é igual à</p><p>taxa natural. O termo natural foi usado, por Friedman, no sentido wicksellia-</p><p>no: separar as causas de natureza estrutural e institucional das causas interven-</p><p>cionistas-monetárias. Portanto, a taxa natural é aquela taxa de desemprego que</p><p>incorpora as características estruturais e institucionais do mercado de trabalho</p><p>CAPÍTULO</p><p>9</p><p>e do mercado de bens, tais como a tecnologia, as imperfeições, as variações sazonais na demanda e oferta,</p><p>o custo e o tempo de coletar informações sobre vagas disponíveis e o custo e o tempo de mobilidade de</p><p>um emprego para outro – entre outras características. Quando a economia possui uma taxa de desem-</p><p>prego igual à sua taxa natural, somente vigoram o desemprego friccional e o desemprego voluntário.</p><p>Em seguida, o significado desses dois tipos de desemprego é explicado.</p><p>O desemprego friccional é aquele em que os trabalhadores estão apenas temporariamente de-</p><p>sempregados, isto é, estão em transição entre um emprego e outro. Por um lado, os trabalhadores</p><p>possuem diferentes habilidades e anseios salariais, por outro, para os diversos postos de trabalho</p><p>são exigidos diferentes conhecimentos e são oferecidas diferenciadas remunerações. Contudo, as</p><p>informações entre os candidatos e os empresários que estão oferecendo as vagas com determinadas</p><p>características não são instantâneas. Há ainda que se considerar que a mobilidade geográfica dos</p><p>trabalhadores e os processos de admissão das empresas não são imediatos. Assim, o desemprego</p><p>existente em função de incompatibilidades passageiras entre os trabalhadores e as vagas é chamado</p><p>de desemprego friccional.</p><p>O desemprego voluntário é aquele em que os trabalhadores estão decididamente desempregados</p><p>porque consideram que não vale a pena trabalhar pelo salário real que lhes é oferecido. Tanto as horas</p><p>livres para</p><p>que exigem valor fracionado ou</p><p>transações que movimentem grandes valores sejam realizadas sem custos adicionais. A moeda deve ser</p><p>durável, isto é, deve manter suas características físicas, para que a sua condição de ser aceita de forma</p><p>generalizada seja mantida e não prejudique o seu último detentor. A moeda deve ser, na medida do pos-</p><p>sível, difícil de falsificar – já que tal característica aumenta a confiança do público de que não há repro-</p><p>dução indevida – auxiliando consequentemente a sua aceitação generalizada. A moeda deve ser manu-</p><p>seável e transportável, para que a função meio de troca não seja prejudicada, impondo ao seu detentor</p><p>custos de transação.</p><p>Quando uma moeda possui as características físicas que são essenciais, pode-se dizer que está habi-</p><p>litada a desempenhar as suas três funções típicas: meio de troca, unidade de conta e reserva de valor.</p><p>Contudo, possuir tais características não garante necessariamente o desempenho das funções. Por</p><p>A Moeda e o Sistema Monetário 3</p><p>exemplo, no Brasil, durante o período de inflação alta e crônica, nas décadas de 1980 e na primeira me-</p><p>tade dos anos 90, a moeda oficial não era utilizada como unidade de conta do sistema de contratos. Ade-</p><p>mais, somente para períodos bastante curtos (três dias ou, no máximo, uma semana) a moeda desempe-</p><p>nhava a função de reserva de valor. A moeda oficial era somente meio de troca. Com a instituição do</p><p>Real, em 1994, e o fim do processo inflacionário, a moeda oficial recuperou todas as suas funções.</p><p>Por último, cabe ressaltar que, com o acelerado desenvolvimento tecnológico, particularmente nos</p><p>campos da informática e telecomunicações, as características necessárias ao bom desempenho das fun-</p><p>ções típicas da moeda podem existir em objetos de diferentes formas, especialmente em cartões magné-</p><p>ticos e microchips. Assim, esses objetos podem ser transformados no chamado dinheiro eletrônico. O</p><p>cartão de débito automático em conta-corrente é hoje a forma mais comum de dinheiro eletrônico. Há</p><p>uma tendência mundial de redução de operações com recursos monetários físicos em favor de opera-</p><p>ções eletrônicas. Os pedágios em estradas e as compras em supermercados, entre muitos outros, podem</p><p>ser facilmente pagos com a utilização de dinheiro eletrônico.</p><p>1.2. A CRIAÇÃO DE MEIOS DE PAGAMENTO E O SISTEMA</p><p>MONETÁRIO</p><p>A moeda de uma economia, ou seja, o conjunto de meios de pagamento, consiste na totalidade de ativos</p><p>possuídos pelo público que pode ser utilizado a qualquer momento para a liquidação de qualquer com-</p><p>promisso futuro ou à vista. Sendo assim, os meios de pagamento (MP) somam mais do que o pa-</p><p>pel-moeda (e a moeda metálica) em poder do público (PMPP); englobam também os depósitos à vista</p><p>nos bancos comerciais (DVBC). Então:</p><p>MP = PMPP + DVBC</p><p>O papel-moeda (e a moeda metálica) em poder do público (PMPP) também é chamado de moeda</p><p>manual. Os depósitos à vista nos bancos comerciais (DVBC) são chamados de moeda escritural. Logo,</p><p>pode-se dizer que a soma da moeda manual com a moeda escritural de uma economia é igual aos seus</p><p>meios de pagamento, isto é:</p><p>MP = Moeda Manual + Moeda Escritural</p><p>Os saldos de cartões de crédito não são considerados meios de pagamento porque são tidos apenas</p><p>como um meio de se obter crédito, que deverá ser honrado com moeda escritural ou manual em uma</p><p>data futura. Como será visto, nem toda criação de crédito significa criação de moeda – e o pagamento</p><p>feito através do uso de um cartão de crédito significa tão-somente a obtenção de crédito sem qualquer</p><p>criação de moeda.</p><p>O Banco Central tem o poder instituído legalmente para emitir papel-moeda. Entretanto, nem todo</p><p>o papel-moeda emitido (PME) transforma-se em PMPP. O PME menos a caixa do Banco Central (CBC)</p><p>é igual ao montante de papel-moeda em circulação (PMC), ou meio circulante. Os bancos comerciais</p><p>retêm parte do PMC para fazer seu caixa. Assim, o PMC menos o caixa dos bancos (Et), também cha-</p><p>mado de encaixe técnico, é que é igual ao PMPP. Então:</p><p>PME – CBC = PMC</p><p>PMC – Et = PMPP</p><p>PME = CBC + Et+ PMPP</p><p>4 A Moeda e o Sistema Monetário ELSEVIER</p><p>1.2.1. A CRIAÇÃO DE MOEDA ESCRITURAL</p><p>Os bancos comerciais são instituições autorizadas pelo Banco Central a receber depósitos à vista. Se</p><p>uma instituição está autorizada a receber depósitos à vista, que são geralmente aceitos para liquidação</p><p>de pagamentos, verdadeiramente ela está autorizada a criar moeda escritural. Quando um indivíduo</p><p>toma um empréstimo junto a um banco, essa instituição realiza uma operação contábil de criação de</p><p>depósitos à vista. Para conceder um crédito no valor de 5.000 unidades monetárias (u.m.), o banco lan-</p><p>ça no lado do ativo do seu balancete “empréstimo no valor de 5.000 u.m.”. No lado do passivo, lança</p><p>“depósito à vista no valor de 5.000 u.m.”. O banco simplesmente abre uma conta-corrente com saldo no</p><p>valor do empréstimo concedido e emite um talão de cheques para uso do devedor. O banco, ao conceder</p><p>o crédito, criou meios de pagamento. O talão de cheques em posse do devedor, em si, não é moeda, mas</p><p>lhe dá o direito de usar o valor de 5.000 u.m. para fazer pagamentos, exatamente como poderia fazer se</p><p>tivesse em mãos moeda manual. O banco pode criar depósitos à vista com uma simples operação con-</p><p>tábil porque nem todos aqueles que possuem direito de saque irão exercer esse direito simultaneamen-</p><p>te. Este mecanismo será estudado, em detalhes, no Capítulo 16. Por ora, basta apontar que há um índice</p><p>estatisticamente considerado seguro da relação entre reservas técnicas em moeda que um banco deve</p><p>possuir para atender as operações de saque e os depósitos à vista existentes. Logo, o montante de depó-</p><p>sitos à vista pode ser muito maior que o montante de reservas bancárias em moeda. Essa é a explicação</p><p>de como um banco pode criar depósitos à vista, ou seja, como pode criar moeda. O Quadro 1.1 mostra</p><p>como esta operação é contabilmente realizada.</p><p>O sistema formado pelas instituições que podem criar moeda é chamado de sistema monetário.</p><p>Então, o sistema monetário (ou sistema bancário) de uma economia é formado pelos seus bancos co-</p><p>merciais e pelo seu Banco Central. Os primeiros criam moeda escritural, o último cria moeda manual.</p><p>As demais instituições financeiras não autorizadas a receber depósitos à vista, tais como bancos de de-</p><p>senvolvimento, bancos de investimento, sociedades de poupança (cadernetas de poupança), formam o</p><p>sistema financeiro não monetário.</p><p>1.3. OS AGREGADOS MONETÁRIOS E O CONCEITO DE LIQUIDEZ</p><p>As autoridades monetárias (o Banco Central) emitem papel-moeda. Contudo, somente parte da quantida-</p><p>de dos recursos emitidos se encontra em poder do público; uma parcela se encontra no interior do próprio</p><p>Banco Central e outra parcela está no interior dos bancos comerciais. A rigor, dentre o total emitido pelo</p><p>Banco Central, apenas o valor que vai para o caixa dos bancos e para as mãos do público não bancário é</p><p>que se constitui em emissão monetária. O que permanece no caixa do Banco Central não é, legalmente,</p><p>A Moeda e o Sistema Monetário 5</p><p>Ba lance te Es t i l i zado do Banco Comerc ia l</p><p>Ativo Passivo</p><p>(1) Empréstimos novo 5.000 u. m.</p><p>(2) Saldo das demais contas</p><p>(1) + (2)Total do Ativo =</p><p>Depósitos à vista novo 5.000 u. m. (3)</p><p>Saldo das demais contas (4)</p><p>(3) + (4)Total do Passivo =</p><p>QUADRO 1.1</p><p>Uma Operação Contábil-Bancária de Concessão de Crédito e de Criação de Meios de Pagamento</p><p>moeda. As emissões de moeda são um item do passivo do Banco Central em favor dos bancos ou do pú-</p><p>blico não bancário. Nenhuma instituição emite passivos a seu próprio favor, por isso, papel pronto a ser</p><p>lançado como moeda, mas que ainda não tenha sido, é apenas papel, não é moeda. Assim, a quantidade de</p><p>moeda manual é menor do que a quantidade de papel-moeda criada pelo Banco Central. É importante no-</p><p>tar que somente se considera moeda manual a quantidade de recursos emitidos que não está no interior do</p><p>sistema monetário, ou seja, a quantidade que efetivamente está em poder do público não bancário.1 Cabe</p><p>ressaltar ainda que a estatística da quantidade de PMPP engloba os recursos que</p><p>o lazer proporcionado pelo desemprego quanto os bens adquiridos com o salário pago pelo</p><p>trabalho proporcionam satisfação. Os trabalhadores cujas preferências indicam que a satisfação das</p><p>horas livres é maior que aquela que poderia ser proporcionada pelo salário real em vigor decidem vo-</p><p>luntariamente por não trabalhar. Os trabalhadores que estão empregados têm preferências inversas.</p><p>Eles avaliam que os bens-salário geram uma satisfação superior às horas de lazer devido à condição</p><p>de desemprego voluntário. Enfim, quando a taxa de desemprego da economia é igual à sua taxa natu-</p><p>ral, todos estão satisfazendo as suas preferências, empregados ou não. Não existe, então, desemprego</p><p>involuntário.</p><p>Tanto Friedman quanto os novos clássicos (cujas ideias serão discutidas no próximo capítulo) enfa-</p><p>tizam que a taxa natural não é imutável, nem inalterável. Muitas das características estruturais ou insti-</p><p>tucionais de uma economia, incluindo as preferências dos agentes, podem mudar com o passar do tem-</p><p>po, assim, mudando a taxa natural de desemprego. E muitas das características institucionais podem ser</p><p>alteradas, por exemplo, podem ser melhorados os processos de informação sobre a oferta de vagas dis-</p><p>poníveis, alterando dessa forma a taxa natural de desemprego.</p><p>De acordo com o arcabouço teórico monetarista, a taxa corrente de desemprego corresponde à taxa</p><p>natural de desemprego quando o conjunto de trabalhadores (empregados ou não) está obtendo satisfa-</p><p>ção plena. A hipótese da taxa natural pode ser resumida na noção de que existe um único ponto de de-</p><p>semprego (friccional e voluntário) de equilíbrio na economia em que os agentes têm as suas preferên-</p><p>cias satisfeitas. Será visto que quando a economia se encontra em posição de desequilíbrio, isto é, a sua</p><p>taxa corrente de desemprego é diferente da taxa natural, existirão trabalhadores cujas preferências não</p><p>estão sendo satisfeitas.</p><p>Como o ponto de equilíbrio econômico é único, diz-se que o equilíbrio possui a propriedade da</p><p>unicidade. Diz-se ainda que o equilíbrio é estável ou, equivalentemente, que possui a propriedade</p><p>da estabilidade, porque a taxa corrente de desemprego converge em direção à taxa natural na ausência</p><p>de intervenções monetárias. Tal propriedade vigora, dado que o monetarismo considera que os merca-</p><p>dos se equilibram via variações em preços e salários, que são considerados plenamente flexíveis. Todos</p><p>os detalhes sobre esse processo de convergência serão discutidos nas duas próximas seções.</p><p>O Gráfico 9.1 resume algumas das ideias até aqui expostas sobre a taxa natural de desemprego. A</p><p>taxa natural de desemprego muda ao longo do tempo em função, por exemplo, de mudanças nas prefe-</p><p>rências dos trabalhadores entre lazer e trabalho e de melhorias em outras condições, entre elas uma mo-</p><p>bilidade geográfica maior dos trabalhadores ou a busca de empregos e empregados via Internet. O grá-</p><p>fico mostra também que somente existe, para cada período t, um único ponto de equilíbrio econômico,</p><p>o ponto em que existe a coincidência entre a taxa natural e a taxa corrente de desemprego. E, por último,</p><p>pode-se perceber que a taxa corrente de desemprego gravita em torno da taxa natural de desemprego, o</p><p>que indica que vigora a propriedade da estabilidade.</p><p>114 A Teoria da Política Monetária do Modelo Monetarista ELSEVIER</p><p>9.2. A CURVA DE PHILLIPS COM EXPECTATIVAS ADAPTATIVAS</p><p>No modelo monetarista, os trabalhadores formam expectativas de preços utilizando-se exclusivamente</p><p>de infomações sobre o passado. A fórmula apresentada a seguir é um dos exemplos de processos de for-</p><p>mação de expectativas consistentes com o modelo, que são chamadas genericamente de expectativas</p><p>adaptativas:</p><p>� �P Pt</p><p>e</p><p>t� �1 (1)</p><p>Na equação 1, a expectativa de inflação para o período t é exatamente a inflação do período imedia-</p><p>tamente anterior. No Apêndice deste capítulo, é desenvolvida uma fórmula, também compatível com o</p><p>modelo monetarista, em que o agente forma suas expectativas de inflação com base na expectativa que</p><p>teve para o período anterior e no erro que cometeu, isto é, faz uma média ponderada entre a sua expecta-</p><p>tiva de inflação para o período anterior e a inflação efetiva nesse período.</p><p>Partindo-se de uma situação de equilíbrio, em que o estoque de moeda tenha sido mantido constan-</p><p>te por vários períodos, uma expansão monetária provocará uma redução da taxa corrente de desempre-</p><p>go em relação à taxa natural, se as expectativas são formadas tal como na equação 1. Caso haja uma ex-</p><p>pansão monetária, os empresários podem oferecer um salário nominal mais elevado aos trabalhadores</p><p>que estão voluntariamente desempregados. Estes, por sua vez, pensarão que um salário nominal mais</p><p>elevado representa um salário real mais elevado. Suas expectativas são de que não haverá inflação por-</p><p>que os preços estavam constantes no passado, já que o estoque de moeda não foi alterado por vários pe-</p><p>ríodos. No modelo monetarista, o nível de preços é função direta do estoque de moeda. Dessa forma, al-</p><p>guns trabalhadores, antes ociosos, aceitarão trabalhar pelo novo salário esperado. Outros ainda conti-</p><p>nuarão considerando que o salário real esperado mais elevado não proporcionará mais satisfação que as</p><p>horas de lazer e, então, continuarão a manter a sua condição de desemprego voluntário.</p><p>Dentre aqueles trabalhadores que até então estavam na condição de desempregados voluntariamen-</p><p>te, alguns pensarão que o salário esperado gerará mais satisfação do que as horas de lazer que têm des-</p><p>frutado, e, por isso, preferirão trabalhar, abandonando a condição de desempregados. A consequência é</p><p>que a taxa corrente de desemprego torna-se menor do que a taxa natural. Entretanto, o salário nominal</p><p>mais elevado não representará um salário real mais elevado porque os preços estão aumentando em fun-</p><p>ção da expansão do estoque de moeda. Haverá uma decepção de expectativas – afinal, não havia expec-</p><p>tativas de qualquer inflação, tal como mostra a equação 1.</p><p>A Teoria da Política Monetária do Modelo Monetarista 115</p><p>t</p><p>Un</p><p>Un</p><p>Ut</p><p>Ut</p><p>= Taxa Natural de Desemprego</p><p>= Taxa Corrente de Desemprego</p><p>U</p><p>GRÁFICO 9.1</p><p>A Taxa Natural de Desemprego e a Taxa Corrente de Desemprego</p><p>Os trabalhadores, contudo, somente perceberão que estavam sofrendo de ilusão monetária quando</p><p>estiverem realizando suas compras. Nesse momento, irão perceber que o salário que receberam não pode</p><p>adquirir os bens e serviços que gerariam mais satisfação do que o lazer que estavam desfrutando enquanto</p><p>estavam ociosos. A elevação de preços, somente percebida a posteriori, fez com que o aumento nominal</p><p>de salários não representasse um aumento real. Desfeita a ilusão monetária, os trabalhadores decidem re-</p><p>tornar ao desemprego voluntário que lhes proporcionava um nível mais elevado de satisfação do que o</p><p>emprego é capaz de proporcionar. Em suma, uma expansão monetária (tal como esta que foi descrita) re-</p><p>duz o desemprego. Entretanto, reduz também o nível de satisfação dos trabalhadores que estavam mone-</p><p>tariamente iludidos. Por isso, quando a ilusão se desfaz, o desemprego se recompõe.</p><p>A chamada curva de Phillips versão Friedman, apresentada no Gráfico 9.2, pode expressar os resul-</p><p>tados de uma política monetária expansionista em que se parte de uma situação de equilíbrio sem de-</p><p>cepção de expectativas – o ponto A, onde a taxa corrente de desemprego é igual à taxa natural de de-</p><p>semprego. Neste ponto, a inflação esperada é igual à inflação efetiva; portanto, a inflação do presente é</p><p>igual à inflação do passado. Quando os trabalhadores subestimam a inflação futura em razão de uma polí-</p><p>tica monetária expansionista, o desemprego se reduz, por exemplo, para o ponto B, onde a taxa corrente</p><p>de desemprego é menor do que a taxa natural. A curva de Phillips indica que quanto maior for a decepção</p><p>de expectativas, maior será a diferença entre a taxa corrente e a taxa natural de desemprego.</p><p>9.3. A CURVA DE PHILLIPS ACELERACIONISTA</p><p>Pode-se perceber que, após ter sido implementada uma política monetária que aumenta a taxa de inflação</p><p>e reduz o desemprego, os trabalhadores</p><p>estão em posse dos go-</p><p>vernos (central, regional e local), assim como das instituições financeiras não monetárias, dentre outras.</p><p>A capacidade de demanda de produtos e serviços de uma sociedade é, a princípio, representada pela</p><p>soma da quantidade de moeda manual com a de moeda escritural presente na economia. Entretanto, tem se</p><p>tornado díficil precisar com exatidão a capacidade potencial de demanda do público, porque existem ativos</p><p>financeiros que podem ser convertidos em moeda com um custo de transação desprezível e em tempo bas-</p><p>tante curto. Tais ativos são, por exemplo, os depósitos a prazo que possuem formas, regras de aplicação e re-</p><p>munerações diversas. Em princípio, um depósito a prazo não poderia ser resgatado a qualquer data. Contu-</p><p>do, como estão lastreados em ativos financeiros que possuem um mercado secundário (de revenda) organi-</p><p>zado, tais ativos podem ser revendidos e o detentor do depósito a prazo pode transformá-lo em depósito à</p><p>vista (em tempo bastante curto e com algum custo, em geral, inferior à remuneração auferida).</p><p>Os meios de pagamento (PMPP + DVBC) são ativos com plena liquidez, isto é, desempenham em</p><p>sua plenitude a função reserva de valor e podem, em qualquer momento, liquidar dívidas estabelecidas</p><p>em contratos formais ou obrigações advindas de transações realizadas em mercados à vista. Todo ati-</p><p>vo que possui essas características especiais é considerado moeda. A liquidez, portanto, é o atributo que</p><p>qualquer ativo possui, em maior ou menor grau, de (i) conservar valor ao longo tempo e (ii) ser capaz de</p><p>liquidar dívidas.</p><p>Nos Estados Unidos, os títulos emitidos pelo Tesouro são ativos considerados líquidos porque con-</p><p>servam valor e podem ser facilmente convertidos em dólares com o intuito de liquidar dívidas. Em con-</p><p>traste, um bem de capital (máquinas e equipamentos) é geralmente considerado um ativo ilíquido por-</p><p>que seu valor de revenda pode estar muito abaixo do valor original de aquisição e dificilmente será con-</p><p>vertido em moeda, com o objetivo de saldar compromissos, dada a dificuldade de haver potenciais de-</p><p>mandantes. Uma questão importante deve ser observada. Há uma tendência recente dos mercados fi-</p><p>nanceiros de criação de ativos com alta liquidez, o que torna quase equivalente possuir um depósito a</p><p>prazo lastreado nesses ativos ou um depósito à vista, com a vantagem de que o primeiro paga juros ao</p><p>seu detentor. O Box 1.1 apresenta uma taxonomia de ativos segundo graus de liquidez.</p><p>As estatísticas de diversos agregados monetários e financeiros são, dessa forma, necessárias. São</p><p>úteis, por exemplo, para se avaliar qual a força dos agentes econômicos para gerar inflação devido a sua</p><p>capacidade de demanda. Com essas estatísticas, pode-se saber qual é o portfólio (carteira de ativos) do</p><p>público em cada momento. Podem ser definidas inúmeras estatísticas dessa natureza. Em geral, defi-</p><p>ne-se como meios de pagamento a soma do papel-moeda em poder do público com o total de depósitos</p><p>à vista. Tal estatística é chamada de M1. O Box 1.2 resume as estatísticas M1, M2, M3 e M4, segundo a</p><p>metodologia do Banco Central do Brasil.</p><p>Em regimes de alta inflação, tal como ocorreu no Brasil até 1994, M1 tende a ser bastante reduzido</p><p>em relação a M2, M3 e M4, porque o público busca abandonar os depósitos à vista em favor de aplica-</p><p>ções em fundos lastreados em títulos, públicos e privados, incluídos nos agregados M2 a M4. Com a es-</p><p>tabilização de preços, por outro lado, M2, por exemplo, se reduziu e M1 aumentou (M2, à época, era a</p><p>soma de M1 com os depósitos a prazo mais os títulos públicos). A análise da relação M1/M2 foi neces-</p><p>sária para auxiliar o cálculo do processo de remonetização da economia brasileira no início do Plano</p><p>Real, em 1994. Monetizar significa elevar o estoque de meios de pagamento de uma economia. O Box</p><p>1.3 informa onde podem ser encontradas as estatísticas de agregados monetários e financeiros da eco-</p><p>nomia brasileira; e o Box 1.4, por sua vez, mostra a evolução de M1 e M2 durante o ano de 1994, o ano</p><p>de implementação do Plano Real (de acordo com a definição de M1 e M2 que vigoravam à época).</p><p>6 A Moeda e o Sistema Monetário ELSEVIER</p><p>1. Estas relações já foram apresentadas nas equações: PME – CBC = PMC e PMC – Et = PMPP.</p><p>aneli</p><p>Riscado</p><p>A Moeda e o Sistema Monetário 7</p><p>O economista inglês John R. Hicks, em seu</p><p>livro Critical Essays in Monetary Theory,</p><p>publicado pela editora da Universidade de</p><p>Oxford em 1967, classificou os ativos da</p><p>economia, segundo os seus graus de liqui-</p><p>dez, em três categorias:</p><p>Ativos plenamente líquidos. Incluem a</p><p>moeda e quaisquer outros ativos que pos-</p><p>sam, eventualmente, ser convertidos em</p><p>moeda sem perda de tempo e a uma taxa</p><p>de conversão fixa e conhecida. Assim, ati-</p><p>vos plenamente líquidos são todos aque-</p><p>les objetos que são reserva de valor e que</p><p>podem ser utilizados para cumprir obriga-</p><p>ções contratuais e realizar transações à</p><p>vista. Por exemplo, os depósitos à vista</p><p>(que podem ser transferidos em paga-</p><p>mento através de cheques ou com cartões</p><p>de débito).</p><p>Ativos líquidos. Incluem, entre outros,</p><p>títulos públicos, ouro e obras de arte. Estes</p><p>objetos são transacionados em mercados</p><p>bem organizados, isto é, mercados cujos</p><p>local e horário de funcionamento são co-</p><p>nhecidos e possuem uma quantidade bas-</p><p>tante ampla de potenciais demandantes.</p><p>Quando um indivíduo adquire um ativo lí-</p><p>quido, é porque possui planos de revenda.</p><p>Sabe que incorrerá em algum custo de</p><p>manutenção e/ou carregamento do ativo,</p><p>mas espera obter ganhos na venda do ati-</p><p>vo que sejam superiores a esses custos.</p><p>Ativos ilíquidos. Os mais importantes</p><p>são as máquinas (ativos de capital) adqui-</p><p>ridas pelas empresas e os bens duráveis</p><p>demandados por consumidores. As em-</p><p>presas demandam tais objetos porque es-</p><p>peram obter lucros compensadores com a</p><p>venda das mercadorias que suas máqui-</p><p>nas produzem. Os consumidores adqui-</p><p>rem bens duráveis porque objetivam au-</p><p>mentar a sua satisfação com o fluxo de</p><p>serviços que tais objetos podem gerar du-</p><p>rante períodos mais longos. Quando um</p><p>ativo ilíquido é adquirido, seu possuidor</p><p>não possui planos de revenda. Tais ativos</p><p>são transacionados em mercados pobre-</p><p>mente organizados. Em geral, quando se</p><p>consegue revendê-los, seus preços estão</p><p>muito aquém dos preços de aquisição.</p><p>Paul Davidson, em seu livro Money and</p><p>the Real World, publicado pela Macmillan</p><p>em 1972, ressaltou que certamente as</p><p>fronteiras entre essas classes de ativos</p><p>não são claras, absolutas e imutáveis ao</p><p>longo do tempo. O grau de liquidez de um</p><p>ativo depende do grau de organização do</p><p>mercado onde é transacionado, o que,</p><p>por sua vez, depende das características</p><p>do mercado. As práticas sociais e a exis-</p><p>tência de instituições determinam, em últi-</p><p>ma instância, o grau de liquidez de um ati-</p><p>vo. A própria moeda pode deixar de ser</p><p>considerada um ativo plenamente líquido.</p><p>Em economias com hiperinflações agu-</p><p>das, tal como a alemã no início da década</p><p>de 1920, a moeda nacional, o marco, dei-</p><p>xou de ser aceita como intermediária de</p><p>trocas, reserva de valor e unidade de con-</p><p>ta. A moeda perdia liquidez na mesma ve-</p><p>locidade em que a inflação aumentava. A</p><p>inflação alemã, apenas no mês de outu-</p><p>bro de 1923, foi de aproximadamente</p><p>29.500%.</p><p>A LIQUIDEZ DOS ATIVOS DA ECONOMIA</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>1</p><p>.</p><p>1</p><p>M1 = PMPP + depósitos à vista</p><p>M2 = M1 + depósitos especiais remunerados + depósitos de poupança + títulos</p><p>emitidos por instituições depositárias</p><p>M3 = M2 + quotas de renda fixa + operações compromissadas registradas no Selic</p><p>M4 = M3 + títulos públicos de alta liquidez</p><p>Fonte: Banco Central do Brasil, nota técnica “Reformulação dos Meios de Pagamento – notas meto-</p><p>dológicas”, de julho de 2001.</p><p>AS ESTATÍSTICAS MONETÁRIAS</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>1</p><p>.</p><p>2</p><p>1.4. A BASE MONETÁRIA, OS ENCAIXES E O REDESCONTO</p><p>A base monetária (B) é a soma do papel-moeda em poder do público (PMPP) com as reservas totais dos</p><p>bancos comerciais (ET). A base monetária é, então, igual ao total de moeda colocada em circulação pelo</p><p>Banco Central. É, por vezes, chamada de estatística M0 (eme zero). Então:</p><p>8 A Moeda e o Sistema Monetário</p><p>ELSEVIER</p><p>O Banco Central do Brasil divulga diversas es-</p><p>tatísticas de agregados monetários. São divul-</p><p>gadas pelo Boletim do Banco Central, que é</p><p>publicado mensalmente, e podem ser acessa-</p><p>das, também, via Internet (o endereço é http://</p><p>www.bcb.gov.br). São divulgados mensalmen-</p><p>te o total de meios de pagamento, as estatísti-</p><p>cas de M2, M3 e M4, entre muitas outras.</p><p>AS ESTATÍSTICAS MONETÁRIAS DA ECONOMIA BRASILEIRA</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>1</p><p>.</p><p>3</p><p>A EVOLUÇÃO DE M1 E M2 EM 1994</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>1</p><p>.</p><p>4</p><p>Antes do Plano Real Após o Plano Real</p><p>Antes do Plano Real Após o Plano Real</p><p>Evolução de M1 – 1994</p><p>0</p><p>5000</p><p>10000</p><p>15000</p><p>20000</p><p>25000</p><p>Em</p><p>M</p><p>ilh</p><p>õe</p><p>s</p><p>de</p><p>R</p><p>ea</p><p>is</p><p>Em</p><p>M</p><p>ilh</p><p>õe</p><p>s</p><p>de</p><p>R</p><p>ea</p><p>is</p><p>Evolução de M2 – 1994</p><p>0</p><p>50000</p><p>100000</p><p>150000</p><p>200000</p><p>11 22 33 44 55 66 77 88 99 1010 1111 1212</p><p>Distribuição dos Agregados Jan/94</p><p>M1</p><p>9%</p><p>M2</p><p>91%</p><p>Distribuição dos Agregados Dez/94</p><p>M2</p><p>76%</p><p>M1</p><p>24%</p><p>Distribuição dos Agregados Jan/94</p><p>M2 – M1</p><p>90%</p><p>M1</p><p>10%</p><p>Distribuição dos Agregados Dez/94</p><p>M1</p><p>32%</p><p>M2 – M1</p><p>68%</p><p>B = PMPP + ET = PMC</p><p>Os bancos comerciais mantêm reservas (ou realizam encaixes, Et) para poderem honrar seus compro-</p><p>missos com o público e, consequentemente, gerar confiança na conversibilidade dos seus depósitos. Os</p><p>bancos realizam também encaixes junto às autoridades monetárias. Tais encaixes são impostos externa-</p><p>mente, ou encaixes compulsórios; e aqueles que são decididos internamente, ou encaixes voluntários.</p><p>As reservas compulsórias (Ec) são determinadas pelas autoridades monetárias, que estabelecem um</p><p>percentual dos depósitos à vista a ser recolhido ao Banco Central na forma de moeda. Historicamente,</p><p>essa obrigação tem sido exigida por regulamentação das autoridades monetárias, objetivando mostrar</p><p>ao público que os bancos são capazes de saldar seus compromissos com os clientes e, assim, evitar pâ-</p><p>nicos e corridas de saques contra os mesmos. As reservas bancárias (o caixa dos bancos, Et) são de outra</p><p>natureza. São decididas pelos próprios bancos para que possam operar diariamente. Em verdade, os</p><p>bancos buscam manter a razão encaixe técnico/depósitos à vista em um determinado intervalo que con-</p><p>sideram seguro, de modo a garantir a manutenção das suas operações de saques quotidianamente.</p><p>Os encaixes dos bancos, junto às autoridades monetárias, portanto, podem ser de caráter voluntá-</p><p>rio. Recursos são mantidos no interior das agências bancárias (Et) para cobrir diferenças entre saques e de-</p><p>pósitos que, porventura, possam ocorrer. Recursos podem também ser enviados voluntariamente (Ev)</p><p>para a câmara de compensação de cheques (que está sob a responsabilidade da autoridade monetária) e</p><p>visam a cobrir eventuais diferenças entre cheques emitidos a favor e contra o banco. Assim como, em</p><p>uma parte do dia, podem ocorrer mais saques do que depósitos nas agências de um determinado banco,</p><p>em um determinado dia, podem ocorrer mais cheques emitidos contra esse banco (saques) do que che-</p><p>ques emitidos a favor (depósitos). Em resumo, o encaixe total dos bancos (ET) possui três componentes:</p><p>ET = Et + Ec + Ev</p><p>RELAÇÕES FUNDAMENTAIS</p><p>PME – CBC = PMC</p><p>PMC – Et = PMPP</p><p>PME = CBC + Et+ PMPP</p><p>Como B = PMPP + ET e ET = Et + Ec + Ev</p><p>então: B = PMPP + Et + Ec + Ev</p><p>B = PMC - Et + Et + Ec + Ev</p><p>Logo:</p><p>B = PMC + Ec + Ev</p><p>PME = Papel-moeda emitido</p><p>CBC = Caixa do Banco Central</p><p>PMC = Papel-moeda em circulação</p><p>PMPP = Papel-moeda em poder do público</p><p>ET = Encaixe total dos bancos comerciais</p><p>Et = Encaixe técnico dos bancos comerciais (o caixa dos bancos)</p><p>Ec = Encaixe compulsório dos bancos comerciais junto ao Banco Central</p><p>Ev = Encaixe voluntário dos bancos comerciais junto ao Banco Central</p><p>A Moeda e o Sistema Monetário 9</p><p>Quando os bancos encontram-se em dificuldades, por exemplo, quando a razão encaixe técnico/de-</p><p>pósitos à vista está muito baixa, podem pedir auxílio ao Banco Central. Genericamente, tem-se chama-</p><p>do tal auxílio de operação de redesconto. Contudo, é necessário distinguir uma operação propriamente</p><p>dita de redesconto de uma operação de concessão de crédito. O resdesconto ocorre quando o Banco</p><p>Central compra títulos de um banco. Esta é uma operação de crédito, colateralizada por um ativo fi-</p><p>nanceiro. O Banco Central empresta ao banco tomador um valor inferior ao do ativo dado em garantia.</p><p>Quando o banco for saldar o empréstimo, recomprará o ativo pelo seu valor pleno. A diferença entre os</p><p>dois valores exprime a taxa de redesconto, isto é, o custo para o tomador do empréstimo feito pelo Ban-</p><p>co Central. A aquisição de títulos por parte do Banco Central expande, a princípio, os encaixes do banco</p><p>que necessitou ser socorrido. O processo alternativo é, simplesmente, um empréstimo direto do Banco</p><p>Central ao banco que se encontra em dificuldade. A função do Banco Central conhecida como empres-</p><p>tador de última instância é exercida através dessas operações. Tal função será apresentada no Capítulo</p><p>2 e detalhada em outros capítulos do livro.</p><p>Um ponto crucial dessas operações é a determinação da taxa (de juros) de redesconto que pode ser</p><p>fixada em um patamar punitivo. Uma taxa punitiva é aquela que é maior do que a taxa de juros que re-</p><p>munera os ativos que o banco socorrido possui. A compra por parte do Banco Central de títulos (ou a</p><p>concessão de um empréstimo) com taxas punitivas desestimula o banco que recebeu o auxílio a manter</p><p>a posse dos ativos cuja compra reduziu as suas reservas. Assim, haveria um incentivo à venda desses</p><p>ativos e, consequentemente, a recomposição de reservas para um patamar mais seguro. A manutenção</p><p>desses ativos em carteira transformaria tal estratégia em uma posição que geraria perdas cumulativas</p><p>por parte do banco que estaria pagando taxas de juros punitivas ao Banco Central.</p><p>1.5. O BALANCETE DOS BANCOS COMERCIAIS</p><p>E A CRIAÇÃO DE CRÉDITO E MOEDA</p><p>Os bancos possuem as seguintes fontes de recursos: os recursos próprios ou patrimônio líquido, os de-</p><p>pósitos à vista e a prazo, os empréstimos tomados no exterior, os auxílios do Banco Central (redescon-</p><p>tos e empréstimos) e outras fontes menos importantes. Esse é o passivo bancário. O ativo dos bancos</p><p>(suas aplicações) é constituído principalmente por: empréstimos ao setor privado, encaixes, títulos pú-</p><p>blicos e privados, imobilizado bancário (ou seja, suas instalações físicas) e outras aplicações de menor</p><p>relevância. O Quadro 1.2 mostra de forma estilizada o balancete dos bancos comerciais.</p><p>O mecanismo de criação de moeda por parte dos bancos comerciais já foi apresentado anteriormen-</p><p>te. Entretanto, devido a sua importância, repete-se tal explicação com novos detalhes. Agora, pode-se</p><p>10 A Moeda e o Sistema Monetário ELSEVIER</p><p>Ativo Passivo</p><p>(1) Empréstimos</p><p>(2) Reservas bancárias</p><p>(3) Títulos públicos e</p><p>privados</p><p>(4) Imobilizado</p><p>(5) Outras aplicações</p><p>Passivo Monetário</p><p>Passivo Não monetário</p><p>Depósitos à vista (6)</p><p>Depósitos a prazo (7)</p><p>Empréstimos internos e do exterior (8)</p><p>Redescontos e empréstimos (9)</p><p>Outras fontes (11)</p><p>Patrimônio líquido (10)</p><p>Total do Ativo Total do Passivo</p><p>QUADRO 1.2</p><p>Balancete Estilizado de um Banco Comercial</p><p>aneli</p><p>Riscado</p><p>refletir sobre tal operação já tendo conhecimento das principais aplicações e fontes dos bancos co-</p><p>merciais. Quando um banco concede um empréstimo a um cliente, realiza uma operação meramente</p><p>contábil no seu balanço. O banco abre uma conta-corrente em nome do seu cliente-tomador do emprés-</p><p>timo e realiza todos os procedimentos regulares, tais como a emissão do talão de cheques e do cartão de</p><p>pagamento (ou cartão de débito). Faz um lançamento na conta depósitos à vista no valor do empréstimo</p><p>(do lado do passivo) e faz um lançamento de mesmo valor na conta empréstimos (do lado do ativo). A</p><p>conversibilidade dos depósitos à vista em meio circulante, se desejada, é suposta pelos demais agentes</p><p>econômicos, sem qualquer dúvida. Por isso, estes aceitam liquidar dívidas e vender mercadorias e/ou</p><p>serviços recebendo em contrapartida a titularidade sobre um depósito.</p><p>Um banco, portanto, ao conceder crédito, criou depósitos à vista, criou moeda escritural. É impor-</p><p>tante destacar que não é necessário</p><p>que um banco receba depósitos anteriormente à operação de em-</p><p>préstimo para que possa realizar tal operação: basta que seja autorizado pelo Banco Central a receber</p><p>(criar) depósitos à vista e os certificados desses depósitos (seus cheques e seu cartão de débito) gozem</p><p>de credibilidade perante os demais agentes. É importante ressaltar, ainda, que toda vez que um banco</p><p>concede crédito está criando moeda. Contudo, crédito pode ser concedido por qualquer agente econô-</p><p>mico. Um estabelecimento comercial que aceita parcelar suas vendas com cheques pré-datados conce-</p><p>de crédito. Uma mercearia que aceita que seus clientes paguem seus gastos ao final de cada mês conce-</p><p>de crédito. Entretanto, somente a concessão de crédito bancário é criação de moeda.</p><p>RESUMO</p><p>1. Em condições ideais, a moeda oficial de uma economia deve possuir três funções. A função meio de troca</p><p>é decorrente da acentuda divisão do trabalho que é uma das mais importantes características das econo-</p><p>mias capitalistas modernas. O sistema de contratos é necessário para coordenar a produção realizada sob</p><p>tais condições. A função unidade de conta é necessária para que contratos sejam firmados entre as partes.</p><p>A função reserva de valor concede ao agente detentor de moeda a liberdade para adiar gastos e/ou reini-</p><p>ciá-los.</p><p>2. É considerado moeda em uma economia todo ativo capaz de liquidar quaisquer dívidas contratuais futuras ou</p><p>à vista. Portanto, todo ativo com plena liquidez é considerado moeda, isto é, meio de pagamento. A liquidez é</p><p>o atributo que qualquer ativo possui, em maior ou menor grau, de conservar valor ao longo do tempo e de ser</p><p>capaz de liquidar dívidas.</p><p>3. O conceito de base monetária é equivalente ao conceito de papel-moeda posto em circulação pelo Banco Cen-</p><p>tral mais os depósitos (voluntários e compulsórios) dos bancos junto às autoridades monetárias. A base mone-</p><p>tária é, portanto, o somatório do papel-moeda em poder do público com o total de reservas dos bancos</p><p>comerciais. Os bancos mantêm reservas técnicas, compulsórias e voluntárias. Quando um banco está em difi-</p><p>culdade em virtude da falta de reservas, o Banco Central pode socorrê-lo através de operações de redesconto</p><p>de títulos e/ou empréstimos diretos.</p><p>4. Quando um banco concede um empréstimo, realiza uma operação meramente contábil no seu balancete. Faz</p><p>um lançamento na conta “depósitos à vista” no valor do empréstimo (do lado do passivo) e faz um lançamento</p><p>de mesmo valor na conta “empréstimos” (do lado do ativo). Assim, os agentes econômicos aceitam liquidar</p><p>dívidas recebendo em contrapartida a titularidade sobre um depósito à vista. Um banco, portanto, ao conceder</p><p>crédito, criou meios de pagamento, criou moeda escritural.</p><p>5. Os bancos comerciais e as autoridades monetárias podem, portanto, criar meios de pagamento. O Banco Cen-</p><p>tral cria a chamada moeda manual. Os bancos comerciais criam a moeda escritural. Sendo assim, o sistema fi-</p><p>nanceiro pode ser dividido em dois grandes blocos: (a) sistema monetário, que é formado pelas instituições</p><p>que criam meios de pagamento e (b) sistema não monetário, que é formado pelas instituições financeiras que</p><p>não estão autorizadas a receber depósitos à vista (isto é, que não podem criar moeda).</p><p>A Moeda e o Sistema Monetário 11</p><p>TERMOS-CHAVE</p><p>� Moeda � Meio de Troca � Unidade de Conta</p><p>� Reserva de Valor � Contratos Futuros � Meios de Pagamento</p><p>� Depósitos à Vista � Moeda Manual � Moeda Escritural</p><p>� Reservas Bancárias � Crédito � Liquidez</p><p>� Base Monetária � Redesconto/Empréstimos � Agregados Monetários</p><p>� Sistema Financeiro � Sistema Monetário � Sistema Não monetário</p><p>BIBLIOGRAFIA COMENTADA</p><p>Galbraith, J.K. (1997). Moeda: de onde veio, para onde foi. São Paulo: Editora Pioneira.</p><p>Keynes, J.M. (1971 a 1989). Treatise on Money. In: The Collected Writings of John Maynard Keynes, coleção</p><p>em 30 volumes, volume V. Moggridge, D. (editor). London: Macmillan.</p><p>No primeiro capítulo, Keynes mostra que a moeda e o sistema de contratos de uma economia estão íntima e</p><p>inevitavelmente relacionados. Ressalta a importância da função unidade de conta para o entendimento do que</p><p>deve ser considerado como moeda em uma economia. Tal abordagem é bastante distinta das visões que explicam</p><p>a existência da moeda como decorrência exclusiva da necessidade de um intermediário de trocas na economia ca-</p><p>pitalista.</p><p>Tobin, J. (1992). Money. In: The New Palgrave Dictionary of Money and Finance. Newman, P., Milgate, M.</p><p>& Eatwell (editors). London: Macmillan.</p><p>Em um verbete, criativo e que confronta ideias divergentes, vários aspectos sobre o tema moeda são aborda-</p><p>dos. Alguns estão relacionados diretamente com o conteúdo deste capítulo, tais como a moeda como uma conven-</p><p>ção social e as funções da moeda. Outros vão além do seu escopo, entre eles a teoria quantitativa da moeda e a sua</p><p>neutralidade (que serão abordados em capítulos posteriores deste livro).</p><p>12 A Moeda e o Sistema Monetário ELSEVIER</p><p>O BANCO CENTRAL E O</p><p>SISTEMA MONETÁRIO</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Inicialmente o capítulo apresenta as funções típicas do Banco Central, que</p><p>são: emissor de papel-moeda e controlador da liquidez da economia, banquei-</p><p>ro dos bancos, regulador do sistema financeiro e depositário de reservas inter-</p><p>nacionais do país. Busca-se mostrar, na medida do possível, como essas</p><p>funções podem ser expressas através de um balanço estilizado do Banco Cen-</p><p>tral. Estudado esse balanço, discute-se com mais detalhes o conceito de base</p><p>monetária apresentado no Capítulo 1. Agora são destacadas as operações que</p><p>fazem com que o volume de base monetária e a quantidade de meios de paga-</p><p>mento que circulam na economia sejam alterados.</p><p>Por último, é deduzido o chamado multiplicador monetário. Ao longo do</p><p>capítulo conclui-se que os meios de pagamento são um múltiplo da base mo-</p><p>netária. Portanto, torna-se necessário conhecer o multiplicador monetário da</p><p>economia, que é a razão meios de pagamento/base monetária pois, assim, po-</p><p>de-se mensurar qual o impacto sobre o total de meios de pagamento de uma</p><p>contração ou expansão da base monetária.</p><p>2.1. O BANCO CENTRAL E SUAS FUNÇÕES TÍPICAS</p><p>O Banco Central possui algumas funções típicas: emissor de papel-moeda e</p><p>controlador da liquidez da economia, banqueiro dos bancos, regulador do sis-</p><p>tema financeiro e depositário de reservas internacionais do país. A seguir cada</p><p>uma dessas funções é apresentada. No Box 2.1 é feita uma breve descrição so-</p><p>bre a origem histórica dos bancos centrais.</p><p>Emissor de Papel-moeda e Controlador de Liquidez. O Banco Central detém</p><p>o monopólio de emissão de papel-moeda e de cunhagem de moedas metálicas</p><p>(uma proposta alternativa à manutenção do monopólio de emissão pelo Banco</p><p>Central é apresentada no Box 2.2). O Banco Central pode, ainda, controlar a</p><p>quantidade de papel-moeda em circulação, isto é, o tamanho da base monetá-</p><p>CAPÍTULO</p><p>2</p><p>14 O Banco Central e o Sistema Monetário ELSEVIER</p><p>A história mostra que os bancos centrais</p><p>modernos descendem de bancos priva-</p><p>dos que financiaram o Estado e o desen-</p><p>volvimento econômico, em troca de fa-</p><p>vores especiais e do monopólio de emis-</p><p>são. Estes bancos foram criados origina-</p><p>riamente para dar elasticidade ao crédi-</p><p>to, adquirindo graus de autonomia e ob-</p><p>jetivos diferenciados em vários períodos.</p><p>Este é o caso, por exemplo, do Banco da</p><p>Inglaterra e do Federal Reserve, nos</p><p>Estados Unidos.</p><p>O Federal Reserve System (FED) foi cria-</p><p>do em 1913, com o objetivo de facilitar o</p><p>desconto de títulos comerciais e realizar a</p><p>inspeção dos bancos privados, numa épo-</p><p>ca em que os fluxos monetários irregula-</p><p>res e a escassez de moeda e crédito difi-</p><p>cultavam o crescimento econômico. A obri-</p><p>gação de manter a estabilidade de preços</p><p>não estava entre os objetivos iniciais do</p><p>banco. Tal objetivo somente aparece na</p><p>forma de lei em 1977. Mas está implícito</p><p>desde o início que, além de propiciar con-</p><p>dições favoráveis ao crescimento econô-</p><p>mico e à redução do desemprego, o FED</p><p>deveria combater tanto a inflação quanto</p><p>a deflação.</p><p>A crise de 1929 levou a uma série de</p><p>mudanças fundamentais nos estatutos do</p><p>FED, as quais tiveram</p><p>como objetivo forta-</p><p>lecer a sua autoridade e a independência</p><p>do sistema, em virtude dos fortes interes-</p><p>ses econômicos e pressões políticas parti-</p><p>culares. Os bancos privados, tidos como</p><p>responsáveis pela grande depressão e por</p><p>suas severas consequências, tiveram suas</p><p>influências sobre as decisões do FED redu-</p><p>zidas a partir de então.</p><p>O Banco da Inglaterra foi fundado em</p><p>1694, por um ato do Parlamento, com o</p><p>objetivo explícito de emprestar dinheiro</p><p>ao Governo, que se encontrava em difi-</p><p>culdades financeiras. Desde o começo de</p><p>suas atividades, o Banco da Inglaterra</p><p>desenvolveu uma estreita associação</p><p>com o Governo, obtendo grande ascen-</p><p>dência sobre os demais bancos devido</p><p>aos privilégios de que gozava como, por</p><p>exemplo, o privilégio da emissão de no-</p><p>tas bancárias.</p><p>O Banco continuou a exercer as suas</p><p>atividades privadas de banco comercial,</p><p>assumindo paulatinamente as funções</p><p>de um Banco Central. A facilidade de en-</p><p>tendimento entre o Governo e o Banco</p><p>da Inglaterra é uma das características</p><p>da história monetária inglesa, em que</p><p>tradicionalmente se procurou resolver as</p><p>desavenças antes de anunciar publica-</p><p>mente qualquer decisão.</p><p>Entretanto, foi quando deixaram de ser</p><p>privados e se tornaram instituições públi-</p><p>cas que os bancos centrais passaram a ser</p><p>criticados pela excessiva proximidade em</p><p>relação aos governos. Esta proximidade,</p><p>segundo os seus críticos, tornaria a moeda</p><p>refém de grupos políticos e criaria, sobre-</p><p>tudo nas democracias, ameaças inflacio-</p><p>nárias permanentes.</p><p>Para conter essas ameaças inflacio-</p><p>nárias, difundiu-se, a partir dos anos 80,</p><p>a tese da independência do Banco Cen-</p><p>tral que se apoia, em grande medida, na</p><p>crença de que existiria uma verdadeira</p><p>função original e natural das autorida-</p><p>des monetárias, que é perseguir unica-</p><p>mente a estabilidade de preços. A crença</p><p>de que existe uma função natural e origi-</p><p>nal dos bancos centrais não é, contudo,</p><p>corroborada pela história, tal como foi</p><p>visto.</p><p>É necessário examinar cuidadosamen-</p><p>te as experiências nacionais para se en-</p><p>tender as causas que explicam a evolução</p><p>de grande parte dos bancos centrais, ou</p><p>seja, entender a evolução, desde a época</p><p>em que eram financiadores do desenvol-</p><p>vimento, aos dias de hoje, em que alguns</p><p>se tornaram instituições autônomas e se</p><p>dedicam acima de tudo a garantir a esta-</p><p>bilidade de preços. A tese da autonomia</p><p>dos bancos centrais será discutida em de-</p><p>talhes no Capítulo 10.</p><p>Elaborado com a colaboração de Inês Patrício.</p><p>A ORIGEM DOS BANCOS CENTRAIS</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>2</p><p>.</p><p>1</p><p>ria. Pode também, como será visto, neste capítulo e nos Capítulos 12 e 13, inibir a criação de moeda pe-</p><p>los bancos comerciais. Sendo assim, pode controlar a liquidez da economia.</p><p>Banqueiro dos Bancos. O Banco Central é responsável pela compensação de cheques, realiza o trans-</p><p>porte de cédulas e moedas metálicas aos bancos, mantém parte das reservas dos bancos, entre outras ati-</p><p>vidades de auxílio ao sistema bancário. A função de emprestador de última instância é uma função</p><p>decorrente da posição de banqueiro dos bancos e que, portanto, deve zelar pela saúde do sistema</p><p>financeiro. O Banco Central deve socorrer os bancos comerciais e as instituições financeiras em difi-</p><p>culdade, concedendo liquidez aos mesmos através de empréstimos ou redescontando títulos.</p><p>Regulador do Sistema Monetário e Financeiro. Muitos bancos centrais regulam as operações dos ban-</p><p>cos comerciais e de instituições financeiras, tais como os bancos de investimento. Supervisionam os</p><p>negócios bancários para proteger os depósitos dos clientes e para garantir a solvência de cada banco em</p><p>particular de forma a impedir possíveis crises sistêmicas. O Banco Central pode exigir capital mínimo</p><p>para a instalação de um banco, pode estabelecer limites para certas operações com o intuito de impedir</p><p>que os bancos se exponham excessivamente a situações de risco, pode restringir ou impedir certas ope-</p><p>rações, pode realizar inspeções regulares e intervenções em instituições mal administradas etc.</p><p>O Banco Central e o Sistema Monetário 15</p><p>Friedrich A. Hayek, considerado um dos</p><p>mais importantes pensadores liberais do</p><p>século XX, apresentou uma curiosa pro-</p><p>posta em seu livro Denationalisation of</p><p>Money, publicado em 1976, pelo Institu-</p><p>te of Economic Affairs. Hayek considera</p><p>que os grandes males do capitalismo,</p><p>tais como a inflação e as instabilidades</p><p>macroeconômicas, são provocados por</p><p>governos indisciplinados em relação à</p><p>emissão de moeda e seus gastos. Têm</p><p>origem, portanto, na capacidade de</p><p>emissão de moeda que é exclusiva do</p><p>governo. Sua proposta é, então, que o</p><p>monopólio governamental de emissão</p><p>de moeda seja substituído pela livre</p><p>emissão, que seria realizada por bancos</p><p>privados.</p><p>Hayek considera que é impossível se</p><p>constituir um governo responsável e dis-</p><p>ciplinado em relação à emissão de moe-</p><p>da porque os interesses políticos indivi-</p><p>duais dos dirigentes se sobrepõem ao in-</p><p>teresse público. Avalia, também, que a</p><p>moeda em nada difere de outros produ-</p><p>tos. Assim, seu abastecimento seria me-</p><p>lhor efetuado por meio da competição</p><p>entre bancos que têm interesse em pre-</p><p>servar a boa qualidade do seu produto,</p><p>ou seja, o valor da moeda que emitem.</p><p>Seriam vitoriosas na competição aquelas</p><p>moedas cujo valor se mantivesse estável</p><p>ao longo do tempo. São ilustrativas as</p><p>palavras de Hayek:</p><p>“Caberia a cada emissor de uma moe-</p><p>da distinta regular sua quantidade de</p><p>forma a torná-la mais aceitável para o</p><p>público – e a competição o forçaria a</p><p>agir dessa forma. Realmente, o emissor</p><p>saberia que a penalidade por fracassar</p><p>em atender às expectativas desperta-</p><p>das seria a ruína de seus negócios. (...)</p><p>Parece que, nessa situação, o mero de-</p><p>sejo de lucro já poderia produzir uma</p><p>moeda melhor do que a que o gover-</p><p>nor emitiu.”</p><p>O argumento a favor das moedas com-</p><p>petitivas descende diretamente da corren-</p><p>te de pensamento econômico denomina-</p><p>da escola austríaca. Hayek foi o principal</p><p>divulgador das ideias dessa escola, desde</p><p>o início da década de 1930, quando foi le-</p><p>cionar na London School of Economics. Lá,</p><p>divulgou as obras de outros importantes</p><p>expoentes austríacos, entre eles, Von Mi-</p><p>ses e Böhm-Bawerk. A principal mensa-</p><p>gem da escola austríaca é que um am-</p><p>biente de total liberdade para o indivíduo</p><p>econômico (sem qualquer interferência do</p><p>governo, de monopólios privados ou de</p><p>sindicatos) é a única via que, de fato, con-</p><p>duz ao desenvolvimento.</p><p>A DESESTATIZAÇÃO DA MOEDA: A PROPOSTA DE HAYEK</p><p>B</p><p>O</p><p>X</p><p>2</p><p>.</p><p>2</p><p>Depositário de Reservas Internacionais. O Banco Central pode deter grande parte das reservas interna-</p><p>cionais do país. Os agentes econômicos residentes e não residentes realizam transações. O Banco Cen-</p><p>tral deve reter moeda estrangeira para atender a demanda daqueles que têm compromissos a saldar no</p><p>exterior e evitar possíveis situações de escassez de divisas, que elevam demasiadamente a taxa de câm-</p><p>bio e que, no limite, impõem a decretação de moratória (suspensão temporária do pagamento de com-</p><p>promissos no exterior). Ademais, possuindo uma quantidade considerável de reservas, o Banco Central</p><p>pode, em certa medida, tentar controlar a taxa de câmbio realizando operações de compra ou venda no</p><p>mercado de divisas internacionais. Cabe destacar, entretanto, que com a globalização desses mercados,</p><p>tal possibilidade de controle foi bastante reduzida. É importante saber, ainda, que parte das reservas em</p><p>posse do Banco Central são investidas, por exemplo, em títulos do Tesouro Americano, com objetivo</p><p>de obter ganhos de juros e aumentar a quantidade total de divisas.</p><p>2.2. O BALANCETE DO BANCO CENTRAL E DO SISTEMA</p><p>MONETÁRIO</p><p>Entre os recursos monetários, a mais importante rubrica é a quantidade de papel-moeda emitido. Con-</p><p>tudo, se tal conta fosse registrada no passivo, implicaria lançar a conta-caixa das autoridades monetári-</p><p>as no lado do ativo. Como já foi visto, a quantidade de recursos emitidos menos a caixa do Banco</p><p>Central é igual à base monetária; então, optou-se por escriturar essa última conta que aparece no lado do</p><p>passivo do balancete do Banco Central – tal como é mostrado no Quadro 2.1.</p>

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