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<p>Autora: Profa. Tânia Sandroni</p><p>Colaboradores: Prof. Roni Everson Muraoka</p><p>Profa. Christiane Mazur Doi</p><p>Técnicas de Reportagem e</p><p>Entrevistas Jornalísticas</p><p>Professora conteudista: Tânia Sandroni</p><p>Doutora em Letras pelo Programa de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo (2018),</p><p>mestra em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (2001) e graduada em Comunicação Social,</p><p>com habilitação em Jornalismo (1990), pela Universidade de São Paulo (USP). É professora titular da Universidade</p><p>Paulista (UNIP).</p><p>© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou</p><p>quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem</p><p>permissão escrita da Universidade Paulista.</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>S219t Sandroni, Tânia.</p><p>Técnicas de Reportagem e Entrevistas Jornalísticas / Tânia</p><p>Sandroni. – São Paulo: Editora Sol, 2021.</p><p>112 p., il.</p><p>Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e</p><p>Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.</p><p>1. Pauta. 2. Fonte. 3. Reportagem. I. Título.</p><p>CDU 070.41</p><p>U512.72 – 21</p><p>Prof. Dr. João Carlos Di Genio</p><p>Reitor</p><p>Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez</p><p>Vice-Reitora de Graduação</p><p>Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa</p><p>Prof. Fábio Romeu de Carvalho</p><p>Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças</p><p>Profa. Melânia Dalla Torre</p><p>Vice-Reitora de Unidades Universitárias</p><p>Unip Interativa</p><p>Profa. Dra. Cláudia Andreatini</p><p>Profa. Elisabete Brihy</p><p>Prof. Marcelo Vannini</p><p>Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar</p><p>Prof. Ivan Daliberto Frugoli</p><p>Material Didático</p><p>Comissão editorial:</p><p>Profa. Dra. Christiane Mazur Doi</p><p>Profa. Dra. Angélica L. Carlini</p><p>Profa. Dra. Ronilda Ribeiro</p><p>Apoio:</p><p>Profa. Cláudia Regina Baptista</p><p>Profa. Deise Alcantara Carreiro</p><p>Projeto gráfico:</p><p>Prof. Alexandre Ponzetto</p><p>Revisão:</p><p>Ricardo Duarte</p><p>Vera Saad</p><p>Sumário</p><p>Técnicas de Reportagem e Entrevistas Jornalísticas</p><p>APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7</p><p>INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7</p><p>Unidade I</p><p>1 INFORMAÇÃO: ESSÊNCIA DO JORNALISMO ............................................................................................9</p><p>1.1 Do publicismo à informação...............................................................................................................9</p><p>1.2 Jornalismo e realidade ....................................................................................................................... 10</p><p>1.3 Seleção dos fatos: critérios de noticiabilidade ......................................................................... 14</p><p>2 PAUTA .................................................................................................................................................................. 21</p><p>2.1 Conceitos e classificações ................................................................................................................. 21</p><p>2.2 Definição e elaboração de pautas ................................................................................................. 25</p><p>2.3 Pautas e perfis editoriais dos veículos ......................................................................................... 27</p><p>3 APURAÇÃO ......................................................................................................................................................... 34</p><p>3.1 O trabalho de repórter e os princípios básicos da apuração .............................................. 34</p><p>3.2 Correspondentes, enviados especiais e agências de notícia ............................................... 37</p><p>3.3 Furos e barrigas ..................................................................................................................................... 38</p><p>3.4 Jornalismo e novas ferramentas de informação ..................................................................... 40</p><p>4 FONTES DE INFORMAÇÃO ............................................................................................................................ 44</p><p>4.1 Tipificação das fontes ......................................................................................................................... 45</p><p>4.2 Critérios de seleção de fontes ......................................................................................................... 48</p><p>4.3 Capacitação das fontes ...................................................................................................................... 49</p><p>4.4 Ética no relacionamento jornalista-fonte .................................................................................. 50</p><p>Unidade II</p><p>5 ENTREVISTA ....................................................................................................................................................... 58</p><p>5.1 Entrevista como diálogo .................................................................................................................... 58</p><p>5.2 Tipos de entrevista ............................................................................................................................... 60</p><p>5.3 Técnicas de entrevista ........................................................................................................................ 63</p><p>5.4 Uso do gravador e do bloco de notas .......................................................................................... 69</p><p>5.5 Características do entrevistado e do entrevistador ................................................................ 71</p><p>6 REPORTAGEM ................................................................................................................................................... 73</p><p>6.1 Estrutura e tipos de reportagem .................................................................................................... 73</p><p>6.2 Relação com a literatura ................................................................................................................... 77</p><p>6.3 Fotos, gráficos e arte em reportagens ......................................................................................... 79</p><p>6.4 Diferentes editorias e reportagem especializada .................................................................... 83</p><p>Unidade III</p><p>7 OUTROS MODELOS DE REPORTAGEM ..................................................................................................... 89</p><p>7.1 Jornalismo flâneur e reportagem .................................................................................................. 89</p><p>7.2 Reportagem assistida por computador e jornalismo de dados ......................................... 93</p><p>8 TEXTO DA REPORTAGEM IMPRESSA ........................................................................................................ 96</p><p>8.1 Características gerais do texto da reportagem ........................................................................ 96</p><p>8.2 Estrutura do texto ................................................................................................................................ 98</p><p>7</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Caro aluno,</p><p>A práxis jornalística envolve o aprendizado de técnicas, mas não se restringe a elas. É fundamental</p><p>que o jornalista conheça os procedimentos básicos das etapas de produção das matérias informativas</p><p>(elaboração de pauta, seleção de fontes, captação de informações e redação). No entanto, apenas o</p><p>domínio técnico não o torna um profissional de excelência. São necessários senso crítico, repertório</p><p>cultural, conhecimentos gerais e princípios éticos. Por isso, existe a necessidade de um curso de nível</p><p>superior de jornalismo.</p><p>Assim, neste livro, são expostas orientações sobre o fazer jornalístico, mas também são apresentados</p><p>exemplos e casos que promovem</p><p>promovem outros discursos,</p><p>diferentes do hegemônico, valendo-se das facilidades tecnológicas, que permitem a descentralização e a</p><p>maior liberdade de emissão de conteúdo.</p><p>4 FONTES DE INFORMAÇÃO</p><p>As fontes são os produtores das ações sociais, dos atos e falas noticiáveis, que têm algo a dizer e informar,</p><p>[…] são a base essencial da ação jornalística. Sem elas, não há notícia nem noticiário.</p><p>Manuel Chaparro</p><p>Como deve ter ficado evidente no item anterior, a boa apuração depende da escolha adequada das</p><p>fontes, pois são elas que fornecem as informações. Podem ser pessoas, instituições públicas ou privadas,</p><p>documentos e grupos sociais.</p><p>45</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>De acordo com Aldo Schmitz (2011, p. 9), fontes de notícias</p><p>são pessoas interlocutoras de organizações e de si próprias ou referências;</p><p>envolvidas direta ou indiretamente a fatos e eventos; que agem de forma</p><p>proativa, ativa, passiva ou reativa; sendo confiáveis, fidedignas ou duvidosas;</p><p>de quem os jornalistas obtêm informações de modo explícito ou confidencial</p><p>para transmitir ao público, por meio de uma mídia.</p><p>As fontes são classificadas de acordo com alguns critérios, como se verá a seguir.</p><p>4.1 Tipificação das fontes</p><p>A classificação tradicional das fontes jornalísticas, segundo sua ligação com determinado órgão,</p><p>distingue entre:</p><p>• fontes oficiais;</p><p>• fontes oficiosas;</p><p>• fontes independentes.</p><p>As fontes oficiais dizem respeito às pessoas que representam, de maneira oficial, um órgão, uma</p><p>instituição ou uma empresa e falam em seu nome.</p><p>As fontes oficiosas são aquelas que estão ligadas, de alguma forma, a órgãos, empresas ou instituições,</p><p>mas que não estão autorizadas a representá-los. Comumente, os representantes das fontes oficiosas são</p><p>funcionários que ocupam cargos fora do alto escalão. Muitas vezes, são fontes que se expressam em off,</p><p>protegidas pelo anonimato.</p><p>As fontes independentes são aquelas que costumam atestar a validade do assunto que está</p><p>sendo tratado, conferindo-lhe mais veracidade. Em geral, são especialistas do assunto que está sendo</p><p>abordado ou testemunhas de um fato. Assim, em uma matéria sobre a crise hídrica, um meteorologista</p><p>que explique os fenômenos climáticos que fizeram baixar o índice pluviométrico é considerado uma</p><p>fonte independente.</p><p>Outra forma binária e bastante recorrente de classificação das fontes é fonte primária versus</p><p>fonte secundária.</p><p>Conforme Lage (2001, p. 65), a fonte primária é aquela que fornece diretamente “o essencial de uma</p><p>matéria, […] fatos, versões e números”, por estar na origem da informação ou bem próxima a ela. É uma</p><p>fonte diretamente envolvida nos fatos. Muitas vezes, é uma testemunha ocular.</p><p>46</p><p>Unidade I</p><p>A fonte secundária, por sua vez, é aquela que não está envolvida diretamente nos fatos, mas que</p><p>pode oferecer algum tipo de esclarecimento. Ela pode complementar e contextualizar as informações</p><p>obtidas a partir de uma fonte primária.</p><p>De acordo com Aldo Schmitz (2011, p. 8), a fonte secundária “contextualiza, interpreta, analisa,</p><p>comenta ou complementa a matéria jornalística, produzida a partir de uma fonte primária”. Também</p><p>pode ser consultada no planejamento de uma pauta.</p><p>Vários autores brasileiros e estrangeiros dedicaram-se à formulação de uma teoria das fontes.</p><p>Manuel Chaparro (2009) propôs uma classificação em sete tipos:</p><p>• Organizadas: relacionadas a organizações que produzem conteúdo noticiável com grande</p><p>competência e utilizam a notícia como forma de ação.</p><p>• Informais: que falam apenas por si.</p><p>• Aliadas: informantes que mantêm uma relação de confiança com os jornalistas.</p><p>• De aferição: especializadas em certos temas e em certos cenários.</p><p>• De referência: entendidas como pessoas sábias ou instituições detentoras de um conhecimento.</p><p>• Documentais: referentes a documentos de origem confiável e identificada.</p><p>• Bibliográficas: constituídas por livros, teses, artigos etc.</p><p>O pesquisador português Manuel Pinto (apud Schmitz, 2011), por sua vez, elaborou a tipificação das</p><p>fontes segundo:</p><p>• a natureza (pessoais ou documentais);</p><p>• a origem (públicas ou privadas);</p><p>• a duração (esporádicas ou permanentes);</p><p>• o âmbito geográfico (locais, nacionais ou internacionais);</p><p>• o grau de envolvimento nos fatos (primárias ou secundárias)</p><p>• a atitude diante do jornalista (ativas ou passivas);</p><p>• a identificação (explicitadas ou confidenciais);</p><p>• a estratégia de atuação (proativas ou reativas).</p><p>47</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Aldo Schmitz sintetizou diferentes classificações e seus respectivos critérios no quadro a seguir.</p><p>Quadro 2</p><p>Categoria Grupo Ação Crédito Qualificação</p><p>Primária e secundária</p><p>– Pinto (2000)</p><p>– Lage (2001)</p><p>Oficial</p><p>– Gierber e Johnson</p><p>(1961)</p><p>Ativa e passiva</p><p>– Gans (1980)</p><p>Explicitada ou</p><p>confidencial</p><p>– Pinto (2000)</p><p>Confiável e duvidosa</p><p>– Gans (1980)</p><p>Oficial e não</p><p>governamental</p><p>– Sigal (1973)</p><p>Ativa, passiva,</p><p>proativa e reativa</p><p>– McNair (1998)</p><p>Confiável</p><p>– Lage (2001)</p><p>Oficial e oficiosa,</p><p>institucional e pessoal</p><p>– Gans (1980)</p><p>Ativa ou passiva,</p><p>proativa ou reativa</p><p>– Pinto (2000)</p><p>Fidedigna e duvidosa</p><p>– Charaudeau (2009)</p><p>Pessoal ou</p><p>documental, pública</p><p>ou privada</p><p>– Pinto (2000)</p><p>Informal e aliada</p><p>– Chaparro (2009)</p><p>Oficial, oficiosa</p><p>e independente;</p><p>testemunha e expert</p><p>– Lage (2001)</p><p>Organizada, de</p><p>aferição, de referência</p><p>e bibliográfica</p><p>– Chaparro (2009)</p><p>Fonte: Schmitz (2011, p. 6).</p><p>Como se pode ver, são várias as classificações existentes, e os manuais de redação dos principais</p><p>veículos divergem na tipificação que adotam.</p><p>No trabalho jornalístico, não se pode crer na existência de um tipo de fonte pura. Por uma questão</p><p>de ética, deve-se sempre guardar certo distanciamento de quem está transmitindo todo tipo de</p><p>informação, além de sempre fazer checagem e confrontação de dados, para evitar imprecisões e erros</p><p>jornalísticos graves.</p><p>Saiba mais</p><p>Leia o livro indicado a seguir.</p><p>SCHMITZ, A. A. Fontes de notícias: ações e estratégias das fontes no</p><p>jornalismo. Florianópolis: Combook, 2011. Disponível em: https://bit.ly/2X94wU4.</p><p>Acesso em: 4 ago. 2021.</p><p>48</p><p>Unidade I</p><p>4.2 Critérios de seleção de fontes</p><p>Para a apuração adequada, é necessário selecionar bem as fontes. No Manual da redação (2001, p. 7)</p><p>da Folha de S. Paulo, temos a orientação a seguir.</p><p>Hierarquizar as fontes de informação é fundamental na atividade jornalística.</p><p>Cabe ao profissional, apoiado em critérios de bom senso, determinar o grau</p><p>de confiabilidade de suas fontes e o uso a fazer das informações que lhe</p><p>passam. Esse bom senso também deve ser aplicado em relação à internet: há</p><p>sites de grande confiabilidade, como o do IBGE, e outros cujas informações</p><p>exigem cruzamento com uma ou mais fontes.</p><p>Quando uma pauta é elaborada, são sugeridas possíveis fontes para a matéria. No entanto, espera-se</p><p>que o repórter, na apuração, levante outras. É possível que, entre seus contatos, ele consiga pessoas que o</p><p>ajudem nessa tarefa. Por isso, é importante também que o jornalista cultive suas fontes próprias. Cleide</p><p>Floresta e Ligia Braslauskas (2009, p. 20) aconselham o que se expõe a seguir.</p><p>Faça o maior número de contatos e crie uma agenda cheia de “fontes”,</p><p>preferencialmente de áreas diferentes. Mais do que ter alguns números de</p><p>telefone na agenda – porque isso é relativamente fácil de conseguir –, o</p><p>repórter deve ter pessoas confiáveis para quem ligar na hora em que alguma</p><p>grande história acontece.</p><p>Não existe quantidade certa de fontes por matéria, mas há uma proporção entre o tamanho e a</p><p>densidade dela e o número de fontes. É imprescindível que o repórter tente ouvir os envolvidos no fato.</p><p>O art. 12 do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (s.d.) postula que o jornalista deve,</p><p>ressalvadas as especificidades da assessoria de imprensa, ouvir sempre,</p><p>antes da divulgação dos fatos, o maior número de pessoas e instituições</p><p>envolvidas em uma cobertura jornalística, principalmente aquelas que são</p><p>objeto de acusações não suficientemente demonstradas ou</p><p>verificadas.</p><p>Na maioria dos casos, é aconselhável ouvir fontes qualificadas, que podem fornecer uma</p><p>perspectiva especializada, mais distanciada do fato, e contribuir para que o leitor amplie sua visão</p><p>sobre o tema. No entanto, como alertam Floresta e Braslauskas (2009), deve-se evitar ouvir sempre a</p><p>mesma fonte sobre determinado assunto. Por exemplo, não é adequado que matérias sobre economia</p><p>tenham sempre como entrevistado certo economista.</p><p>Também se deve destacar que existem fontes que estão presentes em matérias de praticamente</p><p>todos os veículos. Normalmente são fontes oficiais ou primárias, consideradas “óbvias” para aquele tema.</p><p>Para diferenciar sua reportagem daquelas produzidas por seus concorrentes, o repórter deve acrescentar</p><p>outras vozes, oferecendo ao leitor uma visão mais plural e abrangente da realidade.</p><p>49</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Leia a reportagem intitulada “Ao menos 8 crianças são acolhidas após abandono diariamente no</p><p>Brasil”, disponível em: https://bit.ly/3gz0NX0, e identifique as fontes utilizadas.</p><p>4.3 Capacitação das fontes</p><p>No jornalismo contemporâneo, desde o final do século XX, as fontes têm se capacitado e atuado</p><p>para divulgar informações de acordo com os seus interesses.</p><p>Nas palavras de Aldo Schmitz (2011, p. 7), as fontes “deixaram de apenas contribuir na apuração da</p><p>notícia. Passaram também a produzir e oferecer conteúdos genuinamente jornalísticos, levando a mídia</p><p>a divulgar os seus fatos e eventos, mantendo os seus interesses”.</p><p>Manuel Chaparro é um pesquisador que defende a hipótese da “revolução das fontes”, ou seja, ele</p><p>considera que o jornalismo deslocou o foco das redações para as fontes. Além de produzirem fatos,</p><p>as fontes têm a capacidade de desenvolver conteúdos com atributos de notícia, e isso influencia os</p><p>sistemas e os processos jornalísticos.</p><p>O autor aponta que, em alguns casos, as fontes chegam a espalhar boatos a fim de desviar a atenção</p><p>sobre algo que pode prejudicá-las. Ele conta o caso exposto a seguir.</p><p>João Havelange, presidente da Fifa, poucos meses antes do início da</p><p>Copa do Mundo de Futebol de 1990, prendeu a atenção da imprensa</p><p>internacional e conquistou espaço considerável nos principais jornais</p><p>do mundo, com uma especulação sobre mudanças radicais nas regras do</p><p>futebol. Um ano depois, no Rio de Janeiro, acossado pelos repórteres</p><p>que queriam saber como estavam os estudos sobre as tais mudanças,</p><p>confessou uma trapaça: “Usei um artifício ao falar que pretendia</p><p>dividir o jogo em quatro tempos de 25 minutos. O meu objetivo,</p><p>plenamente atingido naquela ocasião, era desviar a atenção da imprensa</p><p>sobre a demora das obras nos campos da Itália às vésperas da Copa”</p><p>(CHAPARRO, 1994, p. 67).</p><p>De acordo com Wilson Bueno (2009, p. 236), parte considerável das pautas têm “sido gestadas,</p><p>pensadas, planejadas nas assessorias de imprensa a serviço das empresas, entidades e mesmo do governo”.</p><p>As fontes, atualmente, planejam ações estratégicas para manter uma imagem positiva perante seus</p><p>públicos e perante a sociedade, e contam, para isso, com a contratação de jornalistas.</p><p>Aldo Schmitz (2011, p. 12) aponta essa atuação das fontes no trecho a seguir.</p><p>50</p><p>Unidade I</p><p>Segundo os americanos Harvey Molotch e Marilyn Lester (1974), mesmo</p><p>quando os jornalistas (news assemblers) produzem as notícias, são</p><p>pressionados pelas fontes (news promoters) a alterar o enfoque ou aceitar</p><p>as notícias produzidas por elas, principalmente quando apresentadas no</p><p>enquadramento (frame) de interesse do público.</p><p>A mudança do comportamento das fontes está associada ao crescimento das assessorias de imprensa.</p><p>Elas não se limitam à produção e à distribuição de releases, notas, artigos e sugestões de pauta. Em</p><p>vez disso, elaboram políticas de comunicação e planos de divulgação, realizam a gestão das relações</p><p>das fontes com a mídia, administram crises, monitoram as notícias e capacitam fontes e porta-vozes</p><p>(media training).</p><p>Na capacitação, abordam-se os métodos e as atitudes dos repórteres e os valores-notícia.</p><p>Observação</p><p>Os releases, em geral, são estruturados em linguagem de notícia, ou seja:</p><p>• título atraente e com verbo de ação;</p><p>• lead com a essência do fato;</p><p>• ganchos que estimulam a leitura;</p><p>• textos com efeito de objetividade, no estilo recomendado pelos</p><p>manuais de redação.</p><p>Segundo Aldo Schmitz (2011, p. 42), “executivos, políticos e celebridades, principalmente, cada vez</p><p>mais participam de um treinamento, denominado de media training, com o propósito de criar e manter</p><p>uma interface positiva com os jornalistas”.</p><p>A relação entre jornalistas que trabalham em redações e assessores de imprensa costuma ser marcada</p><p>por um misto de cooperação e conflito, uma vez que seus interesses são distintos. De acordo com</p><p>Chaparro (2010, p. 20), “de um lado estão os jornalistas e seu obrigatório vínculo ao interesse público;</p><p>do outro, as organizações, em ações determinadas pela prioridade do interesse particular”.</p><p>4.4 Ética no relacionamento jornalista-fonte</p><p>Nilson Lage (2017, p. 89) afirma que ética é o estudo</p><p>dos juízos de valor (bem/mal) aplicáveis à conduta humana, no todo</p><p>ou em campo específico. Moral é o conjunto das regras de conduta</p><p>consideradas eticamente válidas. Deontologia é o tratado dos deveres</p><p>51</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>morais das pessoas, além de ser o estudo dos princípios e sistemas de</p><p>moral. Os códigos de ética são, mais exatamente, códigos deontológicos.</p><p>As ações dos jornalistas devem obedecer ao código de ética da profissão. Os primeiros códigos de</p><p>ética e deontológicos do jornalismo surgiram no começo do século XX. Eles determinam normas</p><p>de conduta para os que atuam na imprensa.</p><p>O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros conta com 27 artigos. Embora eles contemplem questões</p><p>essenciais à profissão, a atuação cotidiana propõe vários desafios ao jornalista.</p><p>Saiba mais</p><p>Leia o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros em vigor.</p><p>CÓDIGO de Ética dos Jornalistas Brasileiros. [s.d.].</p><p>Disponível em: https://bit.ly/37wQCgD. Acesso em: 4 ago. 2021.</p><p>Cláudio Abramo (1988, p. 109) apresenta a questão da ética jornalística de forma bastante</p><p>interessante, como se vê no trecho a seguir.</p><p>Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão.</p><p>Suponho que não se vai esperar que, pelo fato de ser jornalista, o sujeito</p><p>possa bater carteira e não ir para a cadeia. Onde entra a ética? O que o</p><p>jornalista não deve fazer que o cidadão comum não deve fazer? O cidadão</p><p>não pode trair a palavra dada, não pode abusar da confiança do outro, não</p><p>pode mentir. No jornalismo, o limite entre o profissional como cidadão e</p><p>como trabalhador é o mesmo que existe em qualquer profissão. É preciso</p><p>ter opinião para poder fazer opções e olhar o mundo da maneira que</p><p>escolhemos. Se nos eximimos disso, perdemos o senso crítico para julgar</p><p>qualquer outra coisa. O jornalista não tem ética própria. Isso é um mito. A ética</p><p>do jornalista é a ética do cidadão. O que é ruim para o cidadão é ruim para</p><p>o jornalista.</p><p>Os princípios éticos contemplam a relação dos jornalistas com suas fontes, que deve ser pautada</p><p>pela cordialidade e pelo respeito. Como Cleide Floresta e Ligia Braslauskas (2009) apontam, fonte “séria”</p><p>só se conquista com confiança mútua.</p><p>Lage (2017) ressalta que a fonte tem o direito de ter divulgado o conteúdo correto (e não</p><p>necessariamente a forma) do que declarou. Caso haja comprovadamente distorções ou informações</p><p>incorretas sobre ela, deve ocorrer reparação, que normalmente é feita sob a forma de “erramos” no veículo.</p><p>52</p><p>Unidade I</p><p>Segundo Aldo Schmitz (2011, p. 66),</p><p>a revisão de uma informação incorreta configura-se em regra elementar do</p><p>trabalho jornalístico. Uma notícia pode ser desmentida ou corrigida pelas</p><p>fontes, especialistas, testemunhas e colegas jornalistas, principalmente</p><p>porque as suas bases de certeza e a pretensão à verdade são frágeis.</p><p>Afinal, não há veículo nem jornalista que não</p><p>erra, os sérios e rigorosos</p><p>distinguem-se ao reconhecerem os erros. Alguns veículos reservam um</p><p>espaço para as correções, embora ínfimo, explicitando o equívoco cometido</p><p>e admitem o direito de resposta.</p><p>Um ponto importante na relação jornalista-fonte diz respeito à distinção entre o público e o privado.</p><p>De acordo com o código de ética, o jornalista deve respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra</p><p>e à imagem do cidadão. No entanto, sabemos que há setores da imprensa que têm como foco a exposição</p><p>da intimidade de celebridades, por exemplo. Em alguns casos, a fonte concorda em expor sua casa e sua</p><p>família – por exemplo, ao público de uma revista. Em outros, sua intimidade é invadida, sem consentimento.</p><p>A questão da privacidade não diz respeito apenas a celebridades. Em um acidente ou em um crime,</p><p>muitos veículos exploram imagens com a vítima de modo a chamar a atenção do público.</p><p>Saiba mais</p><p>No livro indicado a seguir você encontra atividades que discutem a</p><p>ação ética do jornalista em algumas situações.</p><p>PEREIRA JUNIOR, L. C. Exercícios de jornalismo: 50 atividades didáticas.</p><p>Petrópolis: Vozes, 2016.</p><p>Uma situação polêmica no quesito ética refere-se à identidade falsa adotada por jornalistas</p><p>para desmascarar alguma situação criminosa, por exemplo. Vamos supor que haja a denúncia de que</p><p>determinado consultório médico falsifica atestados. O repórter que irá investigar pode usar o artifício</p><p>de não revelar sua intenção e se fazer passar por outra pessoa, interessada em um atestado. Uma vez no</p><p>consultório, ele grava secretamente a conversa e comprova a denúncia.</p><p>Embora esse procedimento já tenha revelado informações importantíssimas para a sociedade, ele é</p><p>questionável. Segundo Luiz Costa Pereira Junior (2016, p. 21),</p><p>falsa identidade é crime. Um repórter não está autorizado a enganar as</p><p>pessoas, fazendo-se passar pelo que não é para obter notícias. O Código</p><p>Penal tampouco admite que um jornalista possa cometer qualquer outro</p><p>delito em nome do “bem maior” que é informar o público.</p><p>53</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Há ainda os casos em que a fonte pede sigilo em relação à sua identidade (declaração em off). O</p><p>jornalista deve respeitar essa condição. Ele pode se valer da informação, mas não pode usá-la e revelar</p><p>o nome da fonte.</p><p>Em algumas situações, as fontes aceitam conceder entrevistas mediante pagamento. Trata-se de</p><p>uma situação complicada, como explica Schmitz (2011, p. 76) no trecho a seguir.</p><p>Pagar à fonte por uma entrevista é uma questão ética delicada e incômoda</p><p>aos meios de comunicação. A maioria evita o assunto, embora haja casos</p><p>notórios. Se a notícia é um produto à venda, a informação tem um preço?</p><p>“Quem fala de graça é papagaio”, argumenta o contabilista Antônio Artella</p><p>Ferreira, envolvido no caso de acesso aos dados fiscais da filha do político</p><p>brasileiro José Serra. Também em outubro de 2010, os 33 mineiros chilenos,</p><p>após serem resgatados da mina San José, onde ficaram isolados por setenta</p><p>dias, foram assediados pela mídia internacional e tentaram cobrar por</p><p>algumas entrevistas. Outro episódio famoso é o de Richard Nixon, que ao</p><p>renunciar à presidência dos EUA, no escândalo de Watergate, em 1977,</p><p>exigiu 600 mil dólares para conceder uma entrevista ao apresentador</p><p>britânico David Frost.</p><p>Algumas empresas oferecem brindes para os jornalistas e, em alguns casos, benefícios de maior</p><p>valor, como viagens, jantares em restaurantes caros e joias. Trata-se de situações que podem intimidar</p><p>o repórter a produzir uma matéria positiva para a imagem da organização.</p><p>Jorge Duarte e Wilson Fonseca Júnior (2010, p. 355) afirmam que “a oferta de brindes pode ser</p><p>simpática, mas as circunstâncias devem ser analisadas”. Para eles, é possível oferecer “algo da própria</p><p>empresa, que não possa sugerir tentativa de cooptação”.</p><p>54</p><p>Unidade I</p><p>Resumo</p><p>Nesta unidade, partimos da ideia de que o jornalismo é responsável</p><p>pela mediação social entre os fatos e o público. Embora se apoie na</p><p>realidade, o jornalismo não é seu espelho. Trata-se de uma construção</p><p>dos acontecimentos que tem como base o compromisso com a veracidade</p><p>e com a precisão.</p><p>A partir do século XIX, os textos do gênero informativo (notícias,</p><p>reportagens, perfis) foram ganhando destaque nos veículos, de tal modo</p><p>que hoje a associação entre jornalismo e informação é imediata.</p><p>A produção de matérias informativas tem início com a pauta, que</p><p>contém as orientações gerais para a apuração. Trata-se de um planejamento,</p><p>e não de um roteiro que deve ser seguido à risca. O repórter, de acordo</p><p>com os resultados da investigação, pode alterar a pauta ou até mesmo</p><p>modificá-la totalmente. Pode ocorrer também que a pauta simplesmente</p><p>“caia”. As pautas podem ser propostas por editores, pauteiros ou repórteres</p><p>e podem ser quentes ou frias. Em muitos casos, um acontecimento de</p><p>grande repercussão oferece ganchos para reportagens de fôlego.</p><p>Na captação, são fundamentais a checagem das informações e a escolha</p><p>das fontes. É preciso sempre ouvir todos os envolvidos no fato. Quando</p><p>se colhem informações na internet, são necessárias a verificação de sua</p><p>veracidade e também a complementação com outras fontes.</p><p>No último item da unidade, abordamos os tipos de fonte, com base</p><p>em diferentes critérios e autores. Tratou-se da capacitação das fontes, as</p><p>quais têm conquistado espaço na imprensa de acordo com seus interesses.</p><p>Atualmente, é comum que as pautas partam das próprias fontes. Nesse</p><p>processo, o crescimento das assessorias de imprensa foi fundamental.</p><p>Também foram comentadas brevemente questões éticas no relacionamento</p><p>entre jornalistas e fontes.</p><p>55</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Exercícios</p><p>Questão 1. Observe os quadrinhos e avalie as afirmativas.</p><p>Figura 11</p><p>Disponível em: https://bit.ly/3mbt6xZ. Acesso em: 4 ago. 2021.</p><p>I – Os quadrinhos abordam a questão dos critérios de noticiabilidade, com o objetivo de evidenciar</p><p>que a proximidade é o mais importante, pois as pessoas têm maior interesse pelos acontecimentos que</p><p>ocorrem na sua cidade e no seu país.</p><p>II – De forma irônica, os quadrinhos indicam que as situações de normalidade não podem ser</p><p>consideradas notícias.</p><p>III – Os quadrinhos fazem referência ao atentado de 11 de setembro de 2001, criticando, ironicamente,</p><p>a exposição exagerada do fato na mídia.</p><p>56</p><p>Unidade I</p><p>É correto o que se afirma apenas em:</p><p>A) I e II.</p><p>B) II e III.</p><p>C) I.</p><p>D) II.</p><p>E) III.</p><p>Resposta correta: alternativa D.</p><p>Análise da questão</p><p>Os quadrinhos, de forma irônica, criticam o discurso de que os jornais só publicam os fatos ruins,</p><p>em vez de focalizar o que está bom. Para isso, mostram o dia do atentado de 11 de setembro às Torres</p><p>Gêmeas e o noticiário mencionando a quantidade de prédios que permaneceram de pé. Dessa forma,</p><p>pretende que o leitor perceba que a “normalidade” não é um critério de noticiabilidade.</p><p>Questão 2. (Enade 2012) Leia o texto a seguir.</p><p>Repórteres, não acreditem na primeira versão sobre o que quer que seja. Nem na segunda, mesmo</p><p>que ela coincida ou se pareça com a primeira. Sejam céticos. Extremamente céticos. Duvidem de tudo e</p><p>de todo mundo. Duvidem de vocês mesmos, da própria capacidade de apurar bem. Duvidem até do que</p><p>imaginam ter visto. Duvidem da memória. Por isso, apurem bem. Anotem tudo que puderem anotar –</p><p>desde que a tarefa não desvie sua atenção da notícia.</p><p>NOBLAT, R. A arte de fazer um jornal diário. São Paulo: Contexto, 2004. p. 54. Adaptado.</p><p>De acordo com o autor do texto, o repórter deve ser:</p><p>A) Cauteloso: checar as informações obtidas, registrar tudo o que for possível e conferir sua veracidade.</p><p>B) Desconfiado: duvidar das informações obtidas e desconsiderar qualquer fonte secundária.</p><p>C) Cético: não acreditar em nada nem em ninguém, para manter uma postura de total imparcialidade.</p><p>D) Esperto: acreditar em seus familiares e colegas, desenvolver boas amizades e se valer delas.</p><p>E) Cuidadoso: dispensar fontes desconhecidas e recorrer à agenda de contatos construída</p><p>em</p><p>sua carreira.</p><p>Resposta correta: alternativa A.</p><p>57</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Análise da questão</p><p>O trecho do enunciado indica a necessidade da boa apuração. O repórter deve checar todas as</p><p>informações que recebe. Não pode simplesmente tomar como verdade aquilo que lhe é dito.</p><p>a reflexão sobre esse fazer, sobre a responsabilidade social intrínseca</p><p>à profissão.</p><p>Neste material, destacamos a produção de entrevistas e de reportagens, o que envolve o planejamento,</p><p>a execução e a divulgação. Apresentamos ainda diferentes tipos de matéria, destacando as características</p><p>do texto e da linguagem.</p><p>Boa leitura!</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A disciplina Técnicas de Reportagem e Entrevistas Jornalísticas tem como objetivo oferecer ao</p><p>aluno as informações necessárias para a compreensão da dinâmica envolvida na produção de notícias,</p><p>reportagens e entrevistas para veículos de imprensa. Espera-se estimular a elaboração de pautas criativas,</p><p>a seleção adequada de fontes, o uso de métodos corretos de pesquisa e apuração e a boa redação de</p><p>reportagens e entrevistas.</p><p>Para isso, este livro foi dividido em três unidades.</p><p>Na primeira unidade, após considerações sobre a essência do jornalismo e seu compromisso com a</p><p>veracidade, apresentam-se as etapas e os elementos necessários à produção da notícia e da reportagem,</p><p>como a pauta e a definição das fontes. Também são comentados os princípios que devem nortear a</p><p>apuração e as ações do repórter. Explicamos por que faz sentido a afirmação de Ricardo Kotscho de que</p><p>“lugar de repórter é na rua”.</p><p>Na segunda unidade, são detalhadas as entrevistas e as reportagens. Além de classificações,</p><p>apresentam-se os elementos que diferem a entrevista bem realizada da entrevista mal realizada e as</p><p>características que devem ter as boas reportagens, tanto no que se refere à apuração quanto no que se</p><p>refere à redação.</p><p>8</p><p>Na terceira unidade, apresenta-se um tipo específico de reportagem, que depende do olhar atento</p><p>do repórter, que busca histórias cotidianas que “querem” ser contadas. No último item, discutem-se as</p><p>qualidades do texto da reportagem impressa.</p><p>Bom estudo!</p><p>9</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Unidade I</p><p>1 INFORMAÇÃO: ESSÊNCIA DO JORNALISMO</p><p>Ser repórter é bem mais do que simplesmente cultivar belas-letras, se o profissional entender que sua tarefa</p><p>não se limita a produzir notícias segundo alguma fórmula “científica”, mas é a arte de informar para transformar.</p><p>Ricardo Kotscho</p><p>1.1 Do publicismo à informação</p><p>Quando buscamos um jornal, uma revista, um telejornal ou um portal, estamos interessados em</p><p>informações. Claro que podemos querer também ler uma crônica ou um artigo, mas, normalmente,</p><p>procuramos saber, ainda que de maneira superficial, o que aconteceu na nossa cidade, no nosso país</p><p>ou no mundo.</p><p>Essa associação imediata entre jornalismo e informação foi se consolidando desde o século XIX,</p><p>especialmente em meados do século XX, quando a imprensa se tornou adepta da lógica mercadológica.</p><p>Segundo Nilson Lage, os primeiros jornais, que começaram a circular no século XVII, tinham como</p><p>objetivo central difundir as ideias burguesas e, mais tarde, alguns veículos dedicaram-se a publicar</p><p>temas caros à aristocracia, como festas e casamentos. Durante muito tempo, a pretensão do jornal era</p><p>orientar e interpretar a realidade. “A linguagem dominante ficava entre a fala parlamentar, a análise</p><p>erudita e o sermão religioso” (LAGE, 2017, p. 11).</p><p>Dessa forma, a atuação principal do jornalista, naqueles tempos, era a de um publicista. Em outros</p><p>termos, podemos dizer que predominava, então, o gênero opinativo do jornalismo.</p><p>Observação</p><p>Publicista é a pessoa que escreve sobre política, economia, questões</p><p>sociais ou jurídicas.</p><p>Lembrete</p><p>No jornalismo atual, de acordo com a classificação de José Marques</p><p>de Melo (MELO; ASSIS, 2016), distinguimos normalmente os seguintes</p><p>gêneros: informativo, opinativo, interpretativo, diversional e utilitário.</p><p>10</p><p>Unidade I</p><p>No século XIX, o público leitor ampliou-se significativamente, e os jornais tiveram que adaptar seu</p><p>conteúdo, com a inclusão de narrativas. As novelas e os folhetins ganharam espaço na imprensa, assim</p><p>como os cartuns. As histórias “da vida real” também passaram a atrair a atenção e, assim, as notícias e</p><p>as reportagens foram se tornando os textos essenciais do jornalismo.</p><p>Nilson Lage afirma que a mudança começou com a Revolução Industrial, no século XIX. À medida</p><p>que o público leitor aumentava, “as tiragens cresciam, o investimento na produção de um veículo</p><p>aumentava com a mecanização, e o conteúdo relevante dos jornais deslocava-se para os segmentos</p><p>de informação e entretenimento” (LAGE, 2017, p. 174). Então, nasceram a notícia, a reportagem e o</p><p>jornalismo como os conhecemos hoje.</p><p>Desse modo, os formatos do gênero informativo assumiram lugar de destaque no jornalismo, e o</p><p>jornalista tornou-se um narrador da contemporaneidade – ou, nas palavras de Cremilda Medina (2003,</p><p>p. 34), o “mediador social dos discursos da atualidade”.</p><p>Como aponta Manuel Chaparro (1994), o bom texto jornalístico é o relato verdadeiro e compreensível</p><p>da atualidade. Lage (2017, p. 19) completa afirmando que o “jornalismo progressista não é aquele que</p><p>seleciona apenas discursos tidos como avançados em dado momento, mas o que registra com amplitude</p><p>e honestidade fatos e ideias do seu tempo”.</p><p>1.2 Jornalismo e realidade</p><p>Não há dúvidas de que o jornalismo se ampara no real. Ele deve se apoiar em algo que aconteceu,</p><p>indubitavelmente. No entanto, ele não se confunde com a realidade. O jornalismo deve ser compreendido</p><p>como uma construção do real, como uma versão dos fatos. Isso não significa que as matérias podem ser</p><p>ficcionais. Há sempre o compromisso com a veracidade.</p><p>De acordo com Juarez Bahia (1990, p. 9), jornalismo “quer dizer apurar, reunir, selecionar e difundir</p><p>notícias, ideias, acontecimentos e informações gerais com veracidade, exatidão, clareza, rapidez, de</p><p>modo a conjugar pensamento e ação”.</p><p>Nesse trecho, temos palavras-chave do jornalismo. A primeiro delas é justamente veracidade. As</p><p>informações divulgadas devem ser verdadeiras, não podem ser inventadas. Contudo, isso não significa</p><p>que o jornalismo é o espelho da realidade. Vamos explicar melhor.</p><p>O bom jornalismo traz sempre a melhor versão possível da realidade, com o cruzamento de</p><p>perspectivas diversas. O jornalista deve buscar sempre os vários ângulos de um acontecimento para</p><p>construir seu texto.</p><p>Marcilene Forechi (2015) explica, no trecho a seguir, como o jornalismo é uma construção, que</p><p>envolve subjetividades.</p><p>11</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Os processos narrativos não são neutros ou desinteressados e, no caso</p><p>das narrativas jornalísticas, podemos dizer que elas nada têm de isentas</p><p>ou imparciais. Elas narram e descrevem em um processo que é também e,</p><p>sobretudo, criativo. Em outras palavras, o jornalismo constrói verdades por</p><p>meio de narrativas sobre a realidade. O mecanismo de criação no jornalismo</p><p>é sutil, imperceptível a olhares condicionados às reportagens produzidas</p><p>pelos veículos de massa.</p><p>Tudo o que lemos, ouvimos ou assistimos nesses veículos passa por um</p><p>processo que seleciona, corta, edita e apresenta. O que chega para os</p><p>receptores da informação jornalística não é uma representação. O que</p><p>chega são leituras de outras leituras já feitas de acordo com padrões,</p><p>que têm na técnica e no compromisso com a verdade seus fetiches. Não há</p><p>representação, e sim construção.</p><p>Além desses padrões técnicos, há outros, que chamam menos a atenção e estão</p><p>ligados às condições objetivas da produção jornalística e às subjetividades</p><p>de quem as produz. A tentativa de separar objetividade de subjetividade</p><p>é uma impossibilidade, sendo que a primeira é evocada como que para</p><p>garantir legitimidade ao discurso do jornalismo. Jornalistas supostamente</p><p>detêm um conhecimento que permite identificar o que é notícia e, desta</p><p>forma, produzir narrativas sobre os fatos de modo isento e objetivo.</p><p>Lembrete</p><p>O jornalismo é uma representação simbólica da realidade. Não corresponde</p><p>aos fatos que aparecem nos jornais, mas sim à construção deles. Isso não</p><p>significa que o jornalismo não deva ter compromisso com a verdade.</p><p>A mentira é algo que não pode acontecer no jornalismo, pois fere os princípios</p><p>básicos da profissão.</p><p>Isso não significa, no entanto, que ela não apareça, inclusive em veículos que têm credibilidade.</p><p>Tornaram-se famosos alguns casos de jornalistas que inventaram, ao longo de sua carreira, notícias</p><p>e reportagens. Um deles é Stephen Glass, que durante três anos inventou fontes e relatos na revista The</p><p>New Republic. Outro caso é o do alemão Claas Relotius, jornalista de prestígio na Der Spiegel, que foi</p><p>desmascarado por um colega.</p><p>Nesses casos, houve má-fé explícita dos profissionais. Muitas vezes, porém, são divulgadas</p><p>informações incorretas por falhas na apuração, como veremos adiante.</p><p>12</p><p>Unidade I</p><p>Saiba mais</p><p>Para conhecer mais a história do jornalista da revista The New Republic,</p><p>assista ao filme:</p><p>O PREÇO de uma verdade. Direção: Billy Ray. Estados Unidos; Canadá:</p><p>Cruise/Wagner Productions; Baumgarten Merims Productions; Forest Park</p><p>Pictures, 2003. 94 min.</p><p>Outra palavra de destaque na citação de Bahia é exatidão. As informações divulgadas devem ser</p><p>exatas. E, para isso, a apuração deve ser rigorosa.</p><p>Manuel Chaparro (1994) conta um episódio da imprensa brasileira em que a falta de competência</p><p>na apuração resultou na divulgação de informações falsas. Em 1992, pescadores de Cananeia, no litoral</p><p>de São Paulo, apanharam um tubarão. Em um jornal, foi dito que o animal tinha 5 metros; em outro,</p><p>garantia-se que o comprimento dele era de 7 metros. As dimensões eram destacadas no título dos dois</p><p>veículos. Na verdade, ele media 5,30 metros.</p><p>Também publicaram que era uma fêmea prenha. No entanto, o volume na barriga do animal devia-se</p><p>ao conteúdo do seu estômago: quatro cabeças de tubarões e pedaços de outro peixe e de um mamífero</p><p>marinho. Houve veículo que chegou a publicar que havia, na sua barriga, outro tubarão, de 60 quilos.</p><p>Repare que a má apuração, que pode ter acontecido por vários motivos, como a escolha errada de</p><p>fontes ou a pressa em publicar a notícia, prejudicou a exatidão das informações.</p><p>Na atividade jornalística, a exatidão é sempre necessária. Por isso, devem ser coletadas todas as</p><p>informações: nomes completos, cargos, datas, locais e demais dados. A falta de precisão compromete a</p><p>credibilidade da matéria.</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Tomemos um exemplo. Leia o início de notícia reproduzido a seguir.</p><p>Polícia prende jovem acusada de matar atriz pornô a facadas na Baixada Fluminense</p><p>Extra</p><p>7 de junho de 2021</p><p>Policiais da 57ª DP (Nilópolis) prenderam, nesta segunda-feira, no Centro de Nilópolis,</p><p>na Baixada Fluminense, a jovem Vitória Roberta Alves da Silva, de 19 anos. Ela é apontada</p><p>como autora do homicídio da atriz pornô Luane Honorio de Souza, conhecida como Aline</p><p>13</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Rios. O crime aconteceu em maio de 2020, e a vítima acabou morrendo três meses depois,</p><p>aos 28 anos, após um longo período internada no Hospital Estadual Adão Pereira Nunes, em</p><p>Duque de Caxias, também na Baixada.</p><p>A notícia completa está disponível em: https://bit.ly/2UdLgUm.</p><p>Veja que o texto apresenta todas as informações de maneira precisa. Retomemos, agora, o título e</p><p>o lead, com alterações.</p><p>Polícia prende jovem acusada de matar atriz pornô</p><p>Policiais prenderam a jovem Vitória. Ela é apontada como autora do homicídio da atriz</p><p>pornô Luane. O crime aconteceu há uns meses, e a vítima acabou morrendo após um longo</p><p>período internada no hospital.</p><p>Repare que a exclusão de dados mais precisos, como o nome completo das envolvidas, a época,</p><p>o lugar e o nome do hospital, dá um efeito vago à notícia, e ela perde o efeito de referencialidade.</p><p>Não chegamos nem mesmo a saber em que lugar aconteceu o crime. Dessa forma, o leitor não fica</p><p>bem informado.</p><p>Observação</p><p>Devemos ressaltar, contudo, que a presença de dados precisos não garante</p><p>a veracidade das informações. Há casos de jornalistas que inventaram suas</p><p>fontes e atribuíram a elas nome completo, idade e profissão.</p><p>Voltando à citação de Bahia, temos ainda a questão da clareza. A informação deve ser bem</p><p>compreendida pelo receptor. Para isso, é necessário que não haja dupla interpretação. Muitas vezes,</p><p>problemas redacionais fazem com que a mensagem não seja interpretada da forma adequada.</p><p>A primeira instrução do Manual de redação e estilo do jornal O Estado de S. Paulo aconselha o que</p><p>segue: “Seja claro, preciso, direto, objetivo e conciso. Use frases curtas e evite intercalações excessivas</p><p>ou ordens inversas desnecessárias. Não é justo exigir que o leitor faça complicados exercícios mentais</p><p>para compreender o texto” (MARTINS, 1997, p. 15).</p><p>Há pouco tempo, uma rádio publicou em suas redes sociais esta chamada: “Americana recebe mais de</p><p>11 mil doses de vacina contra covid-19”. A intenção do veículo era se referir à cidade do interior paulista.</p><p>No entanto, a palavra Americana pode ser entendida, na linguagem comum, como uma mulher</p><p>nascida nos Estados Unidos da América, interpretação usada por um internauta, que escreveu brincando:</p><p>“coitada, imagina como tá o braço da mulher?”.</p><p>14</p><p>Unidade I</p><p>Claro que, no exemplo, o bom senso, para quem conhece a referida cidade, faz com que seja</p><p>compreendido o sentido correto do título, mas isso não significa que ele tenha sido redigido da</p><p>melhor forma.</p><p>Outro substantivo apontado por Juarez Bahia é rapidez. Ela é essencial quando se trata de relatar</p><p>um acontecimento no jornalismo diário, mas o tempo de apuração e de redação varia de acordo com o</p><p>tipo de texto. Um livro-reportagem, por exemplo, pode exigir anos de trabalho.</p><p>Com o que foi exposto até aqui, deve ter ficado claro que o jornalismo está ancorado na realidade,</p><p>mas não pode ser confundido com ela. O jornalismo envolve, essencialmente, escolha e hierarquização.</p><p>Charaudeau (2009, p. 236) faz a seguinte afirmação:</p><p>Comunicar, informar, tudo é escolha. Não somente escolha de conteúdos</p><p>a transmitir, não somente escolha das formas adequadas para estar de</p><p>acordo com as normas do bem falar e ter clareza, mas escolha de efeitos</p><p>de sentido para influenciar o outro, isto é, no fim das contas, escolha de</p><p>estratégias discursivas.</p><p>1.3 Seleção dos fatos: critérios de noticiabilidade</p><p>O jornalismo seleciona os acontecimentos da realidade que devem virar notícia. A questão, portanto,</p><p>é saber quais os critérios que tornam um fato pauta de uma matéria.</p><p>Vamos iniciar tal reflexão ouvindo a música e lendo a letra de “Notícia de jornal”, interpretada por</p><p>Chico Buarque, disponível em: https://spoti.fi/3xU8P2x.</p><p>A canção narra a tentativa de suicídio de uma “Joana de tal” por causa de “um tal João”, enfatizando</p><p>o conteúdo lírico do acontecimento. Predomina, na narrativa, a função poética da linguagem, o que a</p><p>distancia do relato jornalístico, caracterizado pelo efeito de objetividade e pela precisão das informações.</p><p>Trata-se de um episódio marcante para a vida de Joana, mas que não atrai o interesse da imprensa,</p><p>como expressa o verso: “A dor da gente não sai no jornal”.</p><p>Lembrete</p><p>Segundo o linguista Roman Jakobson (2010), são seis as funções da</p><p>linguagem, definidas de acordo com o elemento da comunicação que se</p><p>encontra em destaque: emotiva, apelativa, referencial, metalinguística,</p><p>fática e poética.</p><p>A letra da canção nos remete, assim, ao que torna, ou não, um fato noticiável. Em outras palavras,</p><p>como o jornalista, em meio aos inúmeros acontecimentos do dia a dia, seleciona aqueles que serão</p><p>abordados nos veículos? Essa pergunta leva-nos aos critérios de noticiabilidade.</p><p>15</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Mauro Wolf (2003, p. 195) explica a noticiabilidade como resultante da cultura profissional e da</p><p>organização do trabalho. Segundo ele, a noticiabilidade “é constituída pelo complexo de requisitos que</p><p>se exigem para os eventos – do ponto de vista da estrutura do trabalho nos aparatos informativos e do</p><p>ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas –, para adquirir a existência pública de notícia”.</p><p>Observação</p><p>A questão do que determina o que é ou não notícia é objeto de discussão</p><p>nas teorias do jornalismo. Para a teoria do</p><p>gatekeeper, por exemplo, é a</p><p>ação pessoal do editor que determina o que deve ou não ser publicado.</p><p>Essa questão será retomada em outra disciplina do curso.</p><p>É possível observar que alguns fatos aparecem em praticamente todos os veículos da imprensa,</p><p>ainda que com abordagens diferentes. Veja, por exemplo, estas manchetes do dia 7 de abril de 2021:</p><p>• Coronavac é eficaz contra variante P.1, indica estudo com 67 mil trabalhadores da saúde de</p><p>Manaus. (O Estado de S. Paulo)</p><p>• Coronavac é efetiva contra variante de Manaus, mostra estudo. (Folha de S. Paulo)</p><p>Os dois grandes jornais de São Paulo não só selecionaram o fato como noticiável como também</p><p>o escolheram para destaque na primeira página. Isso ocorreu devido à relevância dele: a confirmação</p><p>de que a vacina é efetiva contra a nova variante do vírus. Trata-se de algo que afeta diretamente o</p><p>cotidiano dos brasileiros.</p><p>Observação</p><p>Repare que o fato é o mesmo, mas denominar a cepa como variante</p><p>de Manaus ou como variante P.1 produz efeitos de sentido diferentes.</p><p>Manuel Chaparro (1994, p. 119) aponta que o interesse é o atributo de definição do jornalismo: “Só</p><p>é notícia o relato que projeta interesses, desperta interesses ou responde a interesses”.</p><p>A intensidade do interesse, por sua vez, depende dos atributos de relevância, ou dos elementos da</p><p>notícia, na nomenclatura de Warren:</p><p>• atualidade;</p><p>• proximidade;</p><p>• proeminência;</p><p>16</p><p>Unidade I</p><p>• curiosidade;</p><p>• conflito;</p><p>• suspense;</p><p>• emoção;</p><p>• consequências.</p><p>No entanto, existem várias classificações para os fatores que determinam a noticiabilidade, pois</p><p>diversos estudiosos dedicaram-se a esse tema.</p><p>No quadro a seguir, temos uma síntese das classificações dos principais autores.</p><p>Quadro 1 – Elencos de valores-notícia</p><p>Stieler Novidade, proximidade geográfica, proeminência e negativismo</p><p>Lippman Clareza, surpresa, proximidade geográfica, impacto e conflito pessoal</p><p>Bond</p><p>Referente à pessoa de destaque ou personagem público (proeminência), incomum (raridade), referente</p><p>ao governo (interesse nacional), que afeta o bolso (interesse pessoal/econômico), injustiça que provoca</p><p>indignação (injustiça), grandes perdas de vida ou bens (catástrofe), consequências universais (interesse</p><p>universal), que provoca emoção (drama), de interesse de grande número de pessoas (número de pessoas</p><p>afetadas), grandes somas (grande quantia de dinheiro), descoberta de qualquer setor (descobertas/</p><p>invenções) e assassinato (crime/violência)</p><p>Galtung e Ruge Frequência, amplitude, clareza ou falta de ambiguidade, relevância, conformidade, imprevisão,</p><p>continuidade, referência a pessoas e nações de elite, composição, personificação e negativismo</p><p>Golding e Elliot Drama, visual atrativo, entretenimento, importância, proximidade, brevidade, negativismo, atualidade,</p><p>elites e famosos</p><p>Gans Importância, interesse, novidade, qualidade e equilíbrio</p><p>Warren Atualidade, proximidade, proeminência, curiosidade, conflito, suspense, emoção e consequências</p><p>Hetherington Importância, drama, surpresa, famosos, escândalo sexual/crime, número de pessoas envolvidas,</p><p>proximidade e visual bonito/atrativo</p><p>Shoemaker et al. Oportunidade, proximidade, importância/impacto, consequência, interesse, conflito/polêmica,</p><p>controvérsia, sensacionalismo, proeminência, novidade, curiosidade e raridade</p><p>Wolf Importância do indivíduo (nível hierárquico), influência sobre o interesse nacional, número de pessoas</p><p>envolvidas e relevância quanto à evolução futura</p><p>Erbolato</p><p>Proximidade, marco geográfico, impacto, proeminência, aventura/conflito, consequências, humor,</p><p>raridade, progresso, sexo e idade, interesse pessoal, interesse humano, importância, rivalidade,</p><p>utilidade, política editorial, oportunidade, dinheiro, expectativa/suspense, originalidade, culto de heróis,</p><p>descobertas/invenções, repercussão e confidências</p><p>Chaparro Atualidade, proximidade, notoriedade, conflito, conhecimento, consequências, curiosidade,</p><p>dramaticidade e surpresa</p><p>Lage Proximidade, atualidade, identificação social, intensidade, ineditismo e identificação humana</p><p>Adaptado de: Silva (2005, p. 102).</p><p>Mesmo com as diferentes denominações, os critérios de noticiabilidade são fatores que procuram</p><p>justificar, de forma objetiva, o que leva um fato a ser considerado ou não uma notícia. Nas palavras de</p><p>Traquina (2008, p. 63), trata-se do</p><p>17</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>conjunto de critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um</p><p>tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como notícia. Assim, os critérios</p><p>de noticiabilidade são o conjunto de valores-notícia que determinam se um</p><p>acontecimento, ou assunto, é susceptível de se tornar notícia, isto é, de ser</p><p>julgado como merecedor de ser transformado em matéria noticiável e, por</p><p>isso, possuindo valor-notícia.</p><p>Observação</p><p>A relevância está relacionada com o impacto que o fato tem na</p><p>vida das pessoas.</p><p>No caso do exemplo apresentado, a efetividade da vacina contra o vírus que alterou a vida das</p><p>pessoas no mundo é de extrema relevância, é de interesse público.</p><p>Deve ficar claro que, até aqui, estamos tratando da seleção primária dos fatos, de uma escolha do</p><p>que pode ou não ser transformado em matéria jornalística. No entanto, os critérios de noticiabilidade</p><p>estão presentes também em outras instâncias, como na edição. Nessa etapa, é necessário hierarquizar</p><p>os fatos selecionados, ajustar os textos e definir os espaços que eles ocuparão.</p><p>Na explicação de Golding e Elliot (apud WOLF, 2003, p. 203), os valores-notícia</p><p>são usados de duas maneiras. São critérios para selecionar, do material</p><p>disponível para a redação, os elementos dignos de serem incluídos no</p><p>produto final. Em segundo lugar, eles funcionam como linhas-guia para</p><p>a apresentação do material, sugerindo o que deve ser enfatizado, o que</p><p>deve ser omitido, onde dar prioridade na preparação das notícias a serem</p><p>apresentadas ao público. […] Os valores-notícia são a qualidade dos eventos</p><p>ou da sua construção jornalística, cuja ausência ou presença relativa os indica</p><p>para a inclusão num produto informativo. Quanto mais um acontecimento</p><p>exibe essas qualidades, maiores são suas chances de ser incluído.</p><p>Assim, o processo não se esgota na seleção primária. Veja que, no nosso exemplo, além de a eficácia</p><p>da vacina ter sido considerada como notícia pelos dois jornais (e pela maioria dos veículos), ela foi</p><p>destaque na primeira página.</p><p>Vejamos o exemplo a seguir, citado por Felipe Pena (2006, p. 130).</p><p>Suponha que você seja um repórter de TV e que acabe de chegar à redação</p><p>com uma reportagem sobre um assunto relacionado ao governo de seu estado.</p><p>Entretanto, faltam 30 minutos para o telejornal entrar no ar e você precisa</p><p>editar a matéria. Naturalmente, sua edição dará prioridade à entrevista com o</p><p>governador do estado. Mas isso não quer dizer que você esteja manipulando</p><p>18</p><p>Unidade I</p><p>a reportagem a favor do governo. Apenas seguiu uma das lógicas internas</p><p>da rotina produtiva, como a hora do fechamento e a escolha da figura mais</p><p>representativa (o governador), que é um critério de noticiabilidade.</p><p>Assim, na edição das matérias, além dos valores-notícia, são considerados outros fatores, como a</p><p>qualidade da apuração e do texto, os interesses do veículo e o público a que o veículo se destina.</p><p>Muitas vezes, o interesse do público, e não o interesse público, prevalece. No caso das revistas</p><p>especializadas em celebridades, por exemplo, a vida amorosa de atores e atrizes costuma ser pauta,</p><p>embora isso não afete, em geral, a vida da sociedade.</p><p>No exemplo a seguir, a presença de Sandy e Júnior em uma festa familiar ganhou destaque como</p><p>matéria principal da revista.</p><p>Figura 1</p><p>Fonte: Caras (2019, capa).</p><p>19</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Outro exemplo pode ser encontrado nos produtos sensacionalistas. Normalmente, as tragédias e os</p><p>crimes hediondos atraem a curiosidade dos receptores, e essa característica do comportamento humano</p><p>faz com que o jornalismo sensacionalista tenha grande audiência.</p><p>Repare</p><p>na tirinha a seguir.</p><p>Figura 2</p><p>Fonte: O Estado de S. Paulo (2001).</p><p>O personagem Calvin, nos dois primeiros quadrinhos, mostra-se indignado com o sensacionalismo,</p><p>mas, no final, admite que cede aos seus apelos e gosta deles.</p><p>As matérias jornalísticas desse tipo são caracterizadas pela exacerbação das emoções, pela repetição</p><p>e pela ênfase em aspectos sórdidos dos fatos, normalmente da área policial. Além disso, usam-se palavras</p><p>do registro popular de linguagem e, muitas vezes, explora-se o duplo sentido.</p><p>Vejamos o exemplo a seguir, uma capa de um jornal conhecido como um dos pioneiros do gênero</p><p>no Brasil, o Notícias Populares.</p><p>20</p><p>Unidade I</p><p>Figura 3</p><p>Fonte: Notícias Populares (1997, p. 1).</p><p>Saiba mais</p><p>Assista ao filme A montanha dos sete abutres. No enredo, um repórter</p><p>explora o acidente de um homem que fica preso em uma mina para conseguir</p><p>um furo jornalístico. Ele faz com que o resgaste demore para manter o interesse</p><p>dos leitores.</p><p>A MONTANHA dos sete abutres. Direção: Billy Wilder. Estados Unidos:</p><p>Paramount Pictures, 1951. 111 min.</p><p>21</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>2 PAUTA</p><p>O passado mais recente, o passado imediatamente anterior a hoje, o passado de ontem, este não é história, é jornalismo.</p><p>O que aconteceu ontem, o que aconteceu horas atrás, não é fato histórico, é notícia. Embora o que</p><p>provavelmente vai acontecer amanhã, no futuro mais próximo, seja jornalismo também.</p><p>Danton Jobim</p><p>2.1 Conceitos e classificações</p><p>Em geral, o início de uma matéria jornalística acontece com a pauta. Em síntese, podemos dizer que</p><p>se trata do planejamento da notícia, da reportagem ou da entrevista. É a orientação que a apuração</p><p>deve seguir. Uma pauta bem elaborada e estruturada tem como resultado uma matéria melhor. Ela</p><p>também pode ser a responsável por uma abordagem original do fato, que diferencie o veículo em</p><p>relação a seus concorrentes.</p><p>A pauta tornou-se efetivamente uma prática nas redações brasileiras na década de 1950 e</p><p>generalizou-se nos anos 1970. Nilson Lage (2017, p. 33) lembra como se dava o planejamento das edições:</p><p>Antes da instituição da pauta, apenas as matérias principais ou de interesse</p><p>da direção eram programadas. O noticiário do dia a dia dependia da produção</p><p>dos repórteres que cobriam setores. Estes se obrigavam a trazer diariamente</p><p>sua cota de textos, o que significava, na prática, ter uma programação de</p><p>notícias frias ou reportagens adiáveis para os dias de menor atividade. De certa</p><p>forma, o planejamento da edição era, assim, descentralizado.</p><p>O Manual de redação e estilo do Estadão dedica um verbete à pauta, em que aparecem os itens</p><p>reproduzidos a seguir.</p><p>1. Chama-se pauta tanto o conjunto de assuntos que uma editoria está</p><p>cobrindo para determinada edição do jornal como a série de indicações</p><p>transmitidas ao repórter, não apenas para situá-lo sobre algum tema, mas,</p><p>principalmente, para orientá-lo sobre os ângulos a explorar na notícia.</p><p>2. A pauta constitui um roteiro mínimo fornecido ao repórter. Se ela for</p><p>muito específica e pedir que ele apure apenas alguns aspectos da notícia, o</p><p>repórter deverá obedecer a essa orientação, para evitar que suas informações</p><p>conflitem com as de outros jornalistas que estejam trabalhando no mesmo</p><p>caso ou as repitam.</p><p>3. O pauteiro (preparador da pauta) deverá sempre que possível incluir na</p><p>pauta os telefones de pessoas a entrevistar, endereços de locais que deverão</p><p>ser procurados e dados semelhantes, que permitirão ganho de tempo. O</p><p>repórter, no entanto, deverá ter iniciativa suficiente para encontrar as</p><p>pessoas ou locais necessários quando esses dados não estiverem disponíveis</p><p>ou forem insuficientes.</p><p>22</p><p>Unidade I</p><p>4. Pautas óbvias não necessitarão de muito texto. Espera-se, por exemplo,</p><p>que um repórter de cidade saiba o que perguntar ao prefeito ou a um</p><p>secretário, o que apurar numa mudança de trânsito, como cobrir uma</p><p>expulsão de invasores de área pública, etc.</p><p>5. O repórter deverá também ter bom senso suficiente para mudar a</p><p>angulação de uma pauta sempre que um assunto levantado no meio de</p><p>uma entrevista ou cobertura se sobrepuser aos demais pedidos pela pauta.</p><p>Em caso de dúvida, convém que ele entre em contato com o chefe de</p><p>reportagem ou editor para saber se a sua decisão é correta.</p><p>6. Evite dispersão desnecessária de esforços ao montar uma pauta. Você</p><p>não precisa pedir a toda a rede local e nacional da empresa entrevistas com</p><p>30 ou 40 médicos sobre o avanço da aids, nem depoimentos de 30 ou 40</p><p>pacientes a respeito da doença, quando meia dúzia ou uma dezena deles já</p><p>darão um quadro satisfatório da situação.</p><p>7. De qualquer forma, não hesite em tornar uma pauta grande, sempre que</p><p>o julgar necessário. Qualquer aspecto específico de um assunto somente</p><p>poderá ser cobrado do repórter se tiver sido pedido na pauta. Mais do que</p><p>isso, porém: o pauteiro, por sua própria função (tentar cercar todos os ângulos</p><p>da notícia), pode ter ideias que não ocorreriam ao repórter. E vice-versa:</p><p>por isso, é igualmente indispensável que o repórter complemente uma</p><p>pauta que tenha deixado de lado algum aspecto importante de um assunto</p><p>(MARTINS, 1997, p. 214).</p><p>Como se vê no verbete, a pauta não é um roteiro que deva ser seguido à risca. Muitas vezes, na</p><p>apuração, a pauta “cai”, ou seja, verifica-se que o tema não rende a matéria esperada. Cabe, então, ao</p><p>repórter ver se é possível redirecionar a pauta, buscando outro viés ou mesmo outro fato relacionado</p><p>ao tema. Em algumas situações, a nova abordagem mostra-se muito mais interessante do que aquela</p><p>prevista. Em outras, o assunto é simplesmente deixado de lado.</p><p>Uma das anedotas tradicionais que se contam a respeito dos focas (jornalistas inexperientes), em</p><p>escolas de jornalismo, é a história de um jovem repórter que foi designado para entrevistar o capitão</p><p>após a primeira viagem transatlântica de um navio. Diz a piada que o jornalista voltou para a redação</p><p>afirmando que não haveria notícia, pois a embarcação tinha naufragado… Essa anedota é uma forma de</p><p>retratar, de maneira hiperbólica, a falta de preparo de um profissional que não percebe que a mudança</p><p>na pauta lhe traria uma matéria muito mais impactante do que a originalmente planejada.</p><p>Lembrete</p><p>O repórter deve alterar a pauta se surgirem informações que indiquem</p><p>um caminho mais interessante.</p><p>23</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Normalmente, as pautas são classificadas em quentes e frias. Essa classificação tem como base a</p><p>“validade” da pauta, ou seja, o tempo que ela permanece interessante ao leitor.</p><p>As pautas quentes referem-se a fatos que precisam ser divulgados naquele momento, em um curto</p><p>período. É o caso, por exemplo, de um acidente de avião, ou do resultado de uma final de campeonato,</p><p>ou de um crime, ou de uma decisão do governo.</p><p>As pautas frias, por sua vez, podem ser realizadas com tempo mais extenso, pois sua publicação não</p><p>está atrelada a um fato. É o caso, por exemplo, de uma reportagem sobre a vida no Pantanal, ou de um</p><p>retrato da situação de moradia em São Paulo.</p><p>Devemos destacar que há pautas que ampliam um fato, abordando questões correlatas a ele. Embora</p><p>essas matérias tenham características de pautas frias, elas são “esquentadas” por um fato. No jargão</p><p>jornalístico, chamamos isso de gancho.</p><p>É o caso da reportagem a seguir, planejada após a morte do menino Henry em março de 2021. O caso</p><p>gerou a pauta sobre a agressão a crianças no Brasil.</p><p>Vejamos um trecho da reportagem.</p><p>Abusos e maus-tratos contra crianças e adolescentes: saiba como identificar e</p><p>por onde denunciar</p><p>O número do Disque-Denúncia no Rio é (21) 2253-1177. Há ainda o Disque 100, da</p><p>Secretaria de Direitos Humanos, que encaminha o assunto aos órgãos competentes do</p><p>município de origem da criança ou adolescente.</p><p>Por G1 Rio</p><p>08/04/2021 19h12 Atualizado há 4 meses</p><p>A mãe e o padrasto do menino Henry Borel, de 4 anos, foram presos nesta quinta (8) por</p><p>suspeita na morte da criança.</p><p>A garantia dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes é</p><p>dever da família, da</p><p>sociedade e do Estado, segundo a Constituição Federal. Todos devem ainda proteger os</p><p>menores de qualquer forma de exploração ou violência.</p><p>Os eventuais abusos e maus-tratos precisam ser denunciados pelas pessoas mais</p><p>próximas aos órgãos públicos competentes. (Veja os canais de denúncia mais abaixo).</p><p>24</p><p>Unidade I</p><p>Mas nem sempre as agressões são perceptíveis e familiares não são capazes de</p><p>identificar o problema.</p><p>Segundo o Manual de Atendimento às Crianças e Adolescentes Vítimas de Violência,</p><p>elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) em parceria com a Sociedade de</p><p>Pediatria de São Paulo (SPSP), os tipos de violência podem ser divididos em:</p><p>• doméstica ou intrafamiliar, que pode ser física, sexual, psicológica ou por negligência;</p><p>• extrafamiliar, praticada fora de casa, frequentemente por pessoas que detêm a</p><p>guarda temporária ou estranhos;</p><p>• autoagressão, que inclui colocar-se em atividades de risco, formas de se autolesionar</p><p>e suicídio.</p><p>Leia o texto completo em: https://glo.bo/3gyXCi2.</p><p>Nilson Lage (2017, p. 39) explica como um fato pode gerar pautas para notícias e reportagens:</p><p>Um desastre aéreo, em termos de cobertura noticiosa, pode gerar, nos dias</p><p>seguintes, o acompanhamento da remoção dos destroços, da recuperação dos</p><p>sobreviventes (se houver), do sepultamento dos mortos e do inquérito sobre</p><p>as causas. Em termos de reportagem, motiva textos sobre a segurança dos</p><p>voos, indústria aeronáutica, serviços de salvamento, operação de aeroportos,</p><p>atendimento médico de emergência etc.; ou então histórias pessoais com</p><p>conteúdo trágico, dramático ou cômico relacionadas ao acidente.</p><p>Alguns autores propõem os tipos de pauta apresentados a seguir.</p><p>• Factual: é aquela atrelada ao fato, ao acontecimento.</p><p>• Suíte: é aquela que aborda o desdobramento do fato.</p><p>• Gancho: é aquela gerada pelo fato, mas que propõe uma abordagem mais ampla do que ele.</p><p>• Independente: é aquela que surge da observação do repórter.</p><p>• Vinculada à fonte: é aquela fornecida pela própria fonte.</p><p>As chamadas pautas especiais referem-se àquelas que planejam grandes reportagens. Elas devem</p><p>ser mais detalhadas, e a apuração consome mais tempo do que as demais.</p><p>25</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Observação</p><p>A pré-pauta, como o nome sugere, é uma indicação dos assuntos que</p><p>precisam ser apurados, mas que ainda não foram estruturados em uma</p><p>pauta organizada.</p><p>2.2 Definição e elaboração de pautas</p><p>A pauta pode ser proposta por um profissional, denominado pauteiro, e também pelos editores e</p><p>jornalistas. Em muitos veículos, ocorrem as reuniões de pauta, em que todos contribuem com sugestões.</p><p>Quando existe a figura do pauteiro, é ele quem cuida da estruturação das pautas e da coordenação delas.</p><p>Segundo Cleide Floresta e Ligia Braslauskas (2009, p. 11), o pauteiro “é o responsável por estruturá-la</p><p>e abastecê-la diariamente, não há dúvida, mas a definição dos assuntos é feita com base nas</p><p>sugestões dos repórteres, nos pedidos dos editores e na cobertura que os cadernos estão fazendo</p><p>de determinados casos”.</p><p>Ainda segundo as autoras, o pauteiro cuida do recebimento do retorno dos repórteres quando eles</p><p>estão apurando. Esse profissional deve ter uma visão ampla do veículo em que trabalha e também deve</p><p>estar a par dos principais assuntos do momento.</p><p>Observação</p><p>O jornalista, independentemente de sua função no veículo, deve</p><p>ler, todos os dias, jornais e revistas, além de acompanhar os noticiários</p><p>nos outros meios.</p><p>Muitas vezes, a pauta é definida pelo alto escalão da empresa jornalística, por motivos pessoais.</p><p>Manuel Chaparro (1994, p. 30) comenta uma pauta realizada pelo jornal O Estado de S. Paulo, em</p><p>novembro de 1989, sobre o racionamento de água na cidade. Com o título “Sabesp mente sobre o</p><p>rodízio” e o subtítulo “Moradores de diversos bairros se surpreendem com a falta d’água não prevista</p><p>pela empresa”, a matéria trazia depoimentos de moradores do bairro Perdizes e arredores, supostamente</p><p>afetados pelo racionamento. No entanto, segundo Chaparro, a reprodução das falas dos entrevistados</p><p>não foi fiel ao que eles disseram. Uma cirurgiã-dentista, fonte da matéria, afirmou aos pesquisadores o</p><p>que se expõe a seguir.</p><p>Não falei isso. Pelo contrário: são tão poucos os dias em que falta água</p><p>que não faz diferença. Deu-se muito alarde para uma notícia que não tinha</p><p>razão de sair. A repórter não estava ouvindo. Queria fazer uma reportagem</p><p>com todo mundo dizendo que faltava água. Ficou ridículo sair publicado</p><p>26</p><p>Unidade I</p><p>que eu armazenei água em baldes. Isso é anti-higiênico, sou uma dentista,</p><p>moro num bairro bom, tenho caixa d’água e não guardo água em balde e</p><p>panela. Achei absurdo o que fizeram com meu depoimento.</p><p>Nesses casos, o repórter parte para a apuração já com as respostas que quer ouvir. Isso invalida a</p><p>investigação jornalística.</p><p>Chaparro considera um dado significativo: o então diretor de redação do Estadão morava em Perdizes,</p><p>em uma das zonas em que houvera corte de água no dia anterior à realização da matéria. A repórter</p><p>revelou que a pauta foi exigência dele e que seu lead foi alterado na edição, de modo a destacar o não</p><p>cumprimento do cronograma da Sabesp.</p><p>Saiba mais</p><p>Conheça mais sobre esse e outros casos em:</p><p>CHAPARRO, M. C. Pragmática do jornalismo: buscas práticas para uma</p><p>teoria da ação jornalística. São Paulo: Summus, 1994.</p><p>Lembrete</p><p>Os jornalistas também devem propor pautas aos editores e, para isso, é</p><p>necessário que tenham um olhar atento e sensível à realidade.</p><p>Deve-se destacar que não há um modelo único para a pauta. Cada veículo e cada editoria têm</p><p>formas próprias de construir uma pauta.</p><p>De acordo com Nilson Lage (2017), as pautas devem conter:</p><p>• o evento;</p><p>• a hora e o local;</p><p>• as exigências para a cobertura e os contatos;</p><p>• a indicação de recursos e equipamentos;</p><p>• o esperado para a edição (tamanho ou duração).</p><p>27</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Também é conveniente indicação de fontes secundárias.</p><p>Cleide Floresta e Ligia Braslauskas (2009, p. 9) apresentam um exemplo, referente ao caso Eloá, em</p><p>que uma jovem de 15 anos permaneceu nas mãos do ex-namorado por dias até ser morta. Sua amiga</p><p>Nayara, que também estava no cativeiro, sobreviveu. Vejamos o exemplo.</p><p>19 de novembro de 2008</p><p>Sequestro em Santo André, ABC paulista</p><p>O repórter terá de acompanhar a reconstituição do crime, que está marcado</p><p>para as 10h. No local, estarão os peritos da polícia e a estudante Nayara,</p><p>que diz que Lindemberg só atirou após os disparos dos policiais. Precisamos</p><p>encontrar um local bem próximo de onde será a reconstituição. Um repórter</p><p>tentará acompanhar tudo de um prédio em frente. Enquanto isso, outro</p><p>repórter estará embaixo para observar a ação da polícia. Tentaremos</p><p>entrevistar o delegado e a estudante após a reconstituição. Estaremos no</p><p>local com fotógrafos.</p><p>Saiba mais</p><p>O link a seguir mostra alguns exemplos de pauta proposta e</p><p>matéria finalizada.</p><p>DOIS exemplos reais de pauta e como elas ficaram como reportagem.</p><p>Treinamento Folha, 18 jun. 2009. Disponível em: https://bit.ly/2Ud1PzI.</p><p>Acesso em: 4 ago. 2021.</p><p>2.3 Pautas e perfis editoriais dos veículos</p><p>Depois de realizadas as pautas, na etapa de edição, definem-se efetivamente o espaço e a posição</p><p>que cada uma terá no veículo.</p><p>Repare na primeira página de dois jornais no dia 30 de maio de 2021.</p><p>28</p><p>Unidade I</p><p>Figura 4</p><p>Fonte: O Estado de S. Paulo (2021a, p. 1).</p><p>29</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Figura 5</p><p>Fonte: O Globo (2021, p. 1).</p><p>30</p><p>Unidade I</p><p>Os dois veículos foram criticados por profissionais da imprensa e por internautas pelo fato de não</p><p>terem destacado, na sua primeira página, as manifestações contra o governo federal, ocorridas no</p><p>dia anterior.</p><p>A Folha de S. Paulo, por sua vez, decidiu pôr o fato entre as pautas principais da edição, como se vê</p><p>na imagem a seguir.</p><p>Figura 6</p><p>Fonte: Folha de S. Paulo (2021a, p. 1).</p><p>31</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>É bastante comum que os veículos da chamada grande imprensa apresentem como destaque a</p><p>mesma pauta e, não raro, com o mesmo enfoque.</p><p>É o que observamos nas primeiras páginas a seguir.</p><p>Figura 7</p><p>Fonte: O Estado de S. Paulo (2017, p. 1).</p><p>32</p><p>Unidade I</p><p>Figura 8</p><p>Fonte: Folha de S. Paulo (2017, p. 1).</p><p>33</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Figura 9</p><p>Fonte: O Globo (2017, p. 1).</p><p>34</p><p>Unidade I</p><p>Note que os três jornais trazem uma imagem do ex-presidente e sua declaração (em discurso direto</p><p>ou indireto) de que não renunciaria.</p><p>As decisões sobre o que pautar, o destaque que cada assunto terá e o viés que a matéria deve</p><p>apresentar estão atreladas à linha editorial do veículo.</p><p>Segundo Cleide Floresta e Ligia Braslauskas (2009, p. 13), a pauta</p><p>precisará estar de acordo com a linha editorial do veículo e da editoria.</p><p>O perfil de um maître, por exemplo, dificilmente entrará em um jornal</p><p>sem um gancho específico, que pode ser uma reportagem revelando ao</p><p>leitor personalidades que fazem história em restaurantes paulistanos. Já a</p><p>revista pode explorar com mais facilidade os personagens da cidade, sem</p><p>necessariamente ter tal gancho.</p><p>Saiba mais</p><p>Leia o capítulo 1 do livro indicado a seguir.</p><p>FLORESTA, C.; BRASLAUSKAS, L. Técnicas de reportagem e entrevista em</p><p>jornalismo: roteiro para uma boa apuração. São Paulo: Saraiva, 2009.</p><p>3 APURAÇÃO</p><p>Aprendi com meu filho de dez anos</p><p>Que a poesia é a descoberta</p><p>Das coisas que eu nunca vi.</p><p>Oswald de Andrade</p><p>3.1 O trabalho de repórter e os princípios básicos da apuração</p><p>A epígrafe que abre este item tem um propósito: estabelecer certa comparação entre o olhar do</p><p>poeta e o olhar do jornalista. Se o profissional da imprensa tiver a vista cansada, embaçada pela rotina,</p><p>ele não será capaz de produzir boas reportagens. Nota-se que, muitas vezes, de forma equivocada, o</p><p>repórter vai para a apuração já “sabendo” o que vai encontrar. Desse modo, sua visão torna-se limitada</p><p>e, não raro, míope. É necessário, em uma boa apuração, ter os poros abertos para as descobertas.</p><p>Lembrete</p><p>Um repórter não deve sair da redação com as respostas na cabeça ou</p><p>com julgamentos prévios.</p><p>35</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Isso significa, em outros termos, que um jornalista deve saber ouvir as fontes. O jornalista e cineasta</p><p>Ricardo Calil, na apresentação do documentário Os arrependidos, no festival É Tudo Verdade de 2021,</p><p>mencionou o princípio que guiou a produção vencedora do evento: o importante é ouvir as razões das</p><p>pessoas, mesmo que não concordemos com elas. O documentário trata de um tema espinhoso, pois</p><p>traz depoimentos de ex-guerrilheiros que se arrependeram de ter participado da luta armada contra a</p><p>ditadura militar no Brasil.</p><p>Para ouvir, de fato, a fonte, o jornalista deve se desfazer de preconceitos e de pressuposições. Nilson</p><p>Lage (2017, p. 42) apresenta bem a questão no trecho a seguir.</p><p>Preconceitos e pressupostos ajudam pouco e atrapalham muito em</p><p>jornalismo. A crença de que uma metrópole é violenta pode obscurecer a</p><p>realidade de que boa parte das pessoas se diverte com tranquilidade nas</p><p>noites dessa mesma metrópole. A suposição de que os jovens são galhofeiros</p><p>e irresponsáveis oculta o fato de que a maioria não o é. A tese de que os</p><p>países ricos são mais civilizados desaba diante do espetáculo da brutalidade</p><p>das torcidas de futebol, da recorrência do fenômeno do fascismo ou de</p><p>excentricidades tolas, desde o leilão de quinquilharias até a luta por recordes</p><p>sem qualquer sentido.</p><p>A apuração não pode ser afetada pelas crenças pessoais do repórter ou pelos seus sentimentos. Se</p><p>a pauta orienta a realização de uma matéria sobre a vida dos mulçumanos em São Paulo, por exemplo,</p><p>o repórter não deve partir de sua fé ou de preconceitos. É necessário que ele se abra a conhecer o</p><p>cotidiano dessas pessoas, sem julgamentos.</p><p>Observação</p><p>O repórter pode, eventualmente, em uma investigação, descobrir</p><p>informações relevantes para o caso, seja ele político ou policial. No entanto,</p><p>sua função não é julgar. Não lhe cabem as atribuições de delegado ou de</p><p>juiz. Sua missão é tornar públicas as informações precisas.</p><p>Qualquer trabalho de apuração deve ser norteado pela necessidade de checagem. É fundamental</p><p>que o jornalista tenha certeza das informações que coleta. Para isso, é necessário ter boas fontes, como</p><p>se verá adiante.</p><p>Muitas vezes, na pressa e na confusão dos acontecimentos, essa tarefa não é fácil. Luiz Costa Pereira</p><p>Junior (2010) comenta sobre a dificuldade que foi estimar o número de mortos no atentado às Torres</p><p>Gêmeas em 11 de setembro de 2001. O jornal Agora, no dia, falava em 10 mil; outros, como Folha, Estado</p><p>e O Globo, em 6 mil. Cerca de um ano depois, o número definitivo foi consolidado em 3.025. No entanto,</p><p>logo após o atentado, era muito difícil ter uma estimativa. “Um fértil volume de fatos imprecisos e não</p><p>confirmados, de especulação e boatos, espalhados mesmo por fontes confiáveis, marcou aquela que foi</p><p>a maior mobilização já feita pelos diários num só instante em torno de um mesmo fato” (PEREIRA JR.,</p><p>2010, p. 67).</p><p>36</p><p>Unidade I</p><p>Outro princípio básico da apuração jornalística é a obrigação de ouvir os lados envolvidos no</p><p>acontecimento. Quando há duas versões contraditórias, de acordo com o princípio da imparcialidade, é</p><p>necessário dar espaço a elas.</p><p>Os quadrinhos a seguir constroem seu humor com base nesse princípio.</p><p>Figura 10</p><p>Fonte: Quino (2012, p. 89).</p><p>Em muitos casos, ao ouvir o outro lado do fato, o jornalista pode mudar o rumo da pauta ou até</p><p>mesmo abandoná-la.</p><p>37</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Observação</p><p>Na apuração jornalística, considera-se que, se três pessoas que</p><p>não se conhecem fornecem as mesmas informações, estas podem ser</p><p>consideradas verdadeiras.</p><p>De acordo com o Manual da redação (2001, p. 26) da Folha de S. Paulo,</p><p>toda boa reportagem exige cruzamento de informações. Esse mecanismo</p><p>jornalístico consiste em, a partir de um fato transmitido por uma determinada</p><p>fonte, ouvir a versão sobre o mesmo fato de outras fontes independentes. O</p><p>recurso é útil tanto para comprovar a veracidade de uma notícia quanto para</p><p>enriquecer a reportagem com aspectos não formulados pela fonte original.</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Que tal praticar a experiência de ter outras visões do mesmo fato de uma forma diferente? Para isso,</p><p>ouça a música e leia a letra de “Incompatibilidade de gênios”, interpretada por João Bosco, disponível</p><p>em: https://spoti.fi/37HpwmQ.</p><p>O narrador é um marido que explica ao juiz (o “dotô”) por que quer se separar da esposa. Procure</p><p>criar a versão da mulher sobre os mesmos fatos apontados pelo homem.</p><p>Saiba mais</p><p>Para conhecer um pouco melhor o dia a dia da apuração em uma</p><p>redação, leia o capítulo 2 do livro indicado a seguir.</p><p>FLORESTA, C.; BRASLAUSKAS, L. Técnicas de reportagem e entrevista em</p><p>jornalismo: roteiro para uma boa apuração. São Paulo: Saraiva, 2009.</p><p>3.2 Correspondentes, enviados especiais e agências de notícia</p><p>Na captação de informações, os veículos também contam com a atuação de correspondentes e</p><p>enviados especiais e com o material enviado pelas agências de notícias.</p><p>Veículos de grande porte mantêm, geralmente, profissionais em diferentes cidades ou regiões para</p><p>cobrir os assuntos mais relevantes. Esses profissionais são os correspondentes. A sua tarefa é produzir</p><p>informação sobre acontecimentos da área geográfica da sua dependência.</p><p>38</p><p>Unidade I</p><p>Segundo Cleide Floresta e Ligia Braslauskas (2009, p. 22), o correspondente tem</p><p>de se virar em dobro para sobreviver no dia a dia. Sem a estrutura da sede, é</p><p>preciso correr atrás da notícia para ganhar espaço. Há sempre os pedidos de</p><p>pautas que vêm da matriz, mas espera-se que o repórter que está cobrindo</p><p>determinada região acrescente, e muito, à pauta do dia. Afinal de contas,</p><p>nada melhor do que alguém que está em determinada cidade para saber o</p><p>que é ou não notícia por ali.</p><p>Apesar dessas dificuldades, Clóvis Rossi considerava que o correspondente</p><p>é um repórter privilegiado,</p><p>pois pode “olhar o bosque inteiro, e não apenas as árvores” (apud DELUCA, 2021).</p><p>O enviado especial, por sua vez, é o jornalista designado para cobrir um acontecimento fora da</p><p>cidade em que trabalha. Nesses casos, é importante que o profissional se informe sobre as características</p><p>sociais, políticas e culturais do seu destino.</p><p>Observação</p><p>Euclides da Cunha (1866-1909) tornou-se famoso com a obra Os</p><p>sertões, resultado de sua atuação como enviado especial do jornal O Estado</p><p>de S. Paulo para cobrir o conflito de Canudos.</p><p>As agências de notícias, como o nome indica, são empresas jornalísticas especializadas em difundir</p><p>informações e notícias para os veículos de comunicação. Dessa forma, as agências não se destinam ao</p><p>público, mas sim para os jornais, as revistas, as emissoras e os sites.</p><p>As agências operam por meio de escritórios localizados em diferentes cidades do mundo. Eles</p><p>transmitem o que foi apurado para as centrais, que divulgam o material para os clientes mediante a</p><p>cobrança de taxas ou de assinaturas mensais pelos serviços prestados (textos e fotos).</p><p>Há ainda as agências cooperativas, formadas pela associação de diversos órgãos.</p><p>Atualmente, com a internet, as informações são disseminadas com muita facilidade e rapidez. Isso</p><p>faz com que as matérias de diferentes veículos fiquem mais parecidas. Assim, o diferencial de um veículo</p><p>pode estar na atuação de um enviado ou de um correspondente.</p><p>3.3 Furos e barrigas</p><p>No jargão jornalístico, o termo furo (scoop, em inglês) refere-se a uma notícia dada em primeira</p><p>mão por um veículo. Os repórteres buscam constantemente um furo, pois ele confere destaque ao</p><p>veículo em relação a seus concorrentes.</p><p>39</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>Um dos grandes furos da história do jornalismo foi o caso Watergate na década de 1970. A</p><p>investigação dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, provocou a queda do</p><p>presidente Nixon, nos Estados Unidos.</p><p>Quando a apuração não é bem realizada, ocorrem as barrigas. Elas acontecem por falta de habilidade</p><p>ou de eficiência do repórter. Mesmo profissionais experientes não estão imunes a erros.</p><p>Saiba mais</p><p>O texto indicado a seguir relata um caso de 2014 que teve grande</p><p>repercussão.</p><p>NALDONI, T. Colunista de Folha e O Globo entrevista “falso” Felipão e</p><p>gera “Erramos” em cascata. Portal Imprensa, 19 jun. 2014. Disponível em:</p><p>https://bit.ly/3xMV858. Acesso em: 4 ago. 2021.</p><p>Há também casos em que os jornalistas agem com má-fé. Neles, a matéria falsa é construída</p><p>propositalmente.</p><p>Luiz Costa Pereira Junior (2010, p. 31) comenta o caso de uma entrevista inventada com Chico</p><p>Buarque, publicada na revista Sexy em 2000. A repórter recortou diversas declarações do compositor em</p><p>diferentes veículos e construiu uma suposta entrevista. A jornalista chegou a contar como havia sido</p><p>a suposta entrevista e descreveu gestos e ações do entrevistado. Somente depois confessou a fraude.</p><p>Chico Buarque, indignado com a farsa, declarou o que segue.</p><p>Inventaram uma história, tiraram várias coisas de outros lugares, outras</p><p>entrevistas. E a mulher colocou na minha boca, com palavras dela. Não que</p><p>as informações estejam erradas, mas eu fiquei parecendo um débil mental</p><p>falando. E, olha que coisa de maluco, eu canto no meio da entrevista,</p><p>respondo perguntas com trechinhos de canções.</p><p>Outro caso de notícia falsa é apontado pelo mesmo autor. Em 1993, a revista Veja publicou, na capa, o furo</p><p>de que havia sido descoberta uma movimentação de 1 milhão de dólares na conta de Ibsen Pinheiro,</p><p>ex-presidente da Câmara. A informação não foi checada na hora. Já haviam rodado 1,2 milhão de</p><p>exemplares da revista quando o chefe da equipe de checagem percebeu que havia um erro na conversão</p><p>para o dólar. O total era de mil dólares, não de 1 milhão. Comenta-se que o editor da revista foi avisado,</p><p>mas não quis descartar a tiragem rodada e manteve a informação errada. O fato destruiu a imagem do</p><p>deputado, ainda que, posteriormente, outros veículos tenham denunciado o erro. Nesse caso, houve</p><p>uma mistura de incompetência com má-fé.</p><p>Samuel Wainer (1987), em suas memórias, conta que cobriu o Tribunal de Nuremberg, que tinha</p><p>o objetivo de julgar os crimes dos chefes nazistas durante a guerra. Após a leitura da sentença, que</p><p>40</p><p>Unidade I</p><p>condenou os réus, um grupo de jornalistas foi a um bar para esperar a consumação das penas. Um</p><p>correspondente do Daily Express decidiu “adiantar” a matéria, dando um furo, e narrou detalhadamente</p><p>o enforcamento de Hermann Göring na prisão. No entanto, antes de ser executado, o militar havia</p><p>se suicidado.</p><p>Saiba mais</p><p>O caso Escola Base foi um dos principais erros da história do jornalismo.</p><p>Leia o livro indicado a seguir.</p><p>RIBEIRO, A. Caso Escola Base: os abusos da imprensa. 2. ed. São Paulo:</p><p>Ática, 2000.</p><p>3.4 Jornalismo e novas ferramentas de informação</p><p>O surgimento da internet e das redes sociais alterou os modelos de comunicação e impactou todas</p><p>as áreas da sociedade. Segundo Manuel Castells (2003, p. 8), a internet</p><p>é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação</p><p>de muitos com muitos, em um momento escolhido, em escala global. Assim</p><p>como a difusão da máquina impressora no Ocidente criou o que McLuhan</p><p>chamou de a galáxia de Gutenberg, ingressamos agora em um novo mundo</p><p>de comunicação: a galáxia da internet.</p><p>No caso do jornalismo, as novas tecnologias proporcionaram outros recursos e métodos para os</p><p>processos de coleta e produção das matérias.</p><p>Lembrete</p><p>O fazer jornalístico envolve etapas. A primeira dessas etapas é a</p><p>definição da pauta, ou seja, a determinação de quais fatos serão noticiados.</p><p>Depois de definido o que vai ser abordado, deve-se pensar no viés da</p><p>matéria e nas fontes necessárias para produzi-la.</p><p>Raquel Recuero (2009) aponta três relações possíveis entre jornalismo e redes sociais: as redes sociais</p><p>podem atuar como fontes produtoras de informação, como filtros de informação ou como espaços de</p><p>reverberação dessas informações.</p><p>A rede social pode ser, portanto, ponto de partida para uma notícia quando uma discussão ou uma</p><p>postagem feita por alguém com relevância social desperta a atenção da mídia. Nesse sentido, “as redes</p><p>sociais, enquanto circuladoras de informações, são capazes de gerar mobilizações e conversações que</p><p>41</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>podem ser de interesse jornalístico na medida em que essas discussões refletem anseios dos próprios</p><p>grupos sociais” (RECUERO, 2009, p. 38).</p><p>As redes atuam também como fontes. De acordo com João Canavilhas (2010), “enquanto fontes,</p><p>os blogs e as redes sociais suscitam cada vez mais atenção dos jornalistas nas suas rotinas diárias</p><p>de pesquisa”.</p><p>Elias Machado (2002) salienta que o uso das informações digitais disponíveis constrói as bases de</p><p>um fazer jornalístico capaz de libertar os jornalistas das visões limitadas típicas das fontes oficiais. O</p><p>alcance das redes derruba limites impostos pelas distâncias físicas.</p><p>A apuração, a checagem de informações e a obtenção de declarações por intermédio de perfis</p><p>disponíveis nas mídias sociais são situações comuns na redação dos veículos jornalísticos.</p><p>Segundo Cleide Floresta e Ligia Braslauskas (2009, p. 50),</p><p>os avanços tecnológicos devem ser encarados como aliados e facilitadores,</p><p>e há um fator importante a ser citado: a internet oferece uma busca mais</p><p>ampliada, em jornais do mundo inteiro, e dá acesso a reportagens com</p><p>grandes nomes que, às vezes, ainda não foram publicados no Brasil. Ela</p><p>acrescenta muito, mas é importante saber onde e como buscar. Ou seja, não</p><p>se deve dispensar a pesquisa direto na “fonte” nem abrir mão do banco de</p><p>dados. A ideia é somar, sempre.</p><p>No entanto, a internet não traz apenas benefícios para a prática jornalística. Como afirma Dominique</p><p>Wolton (2004, p. 215), “quanto mais fácil tecnicamente fazer informação, mais seu conteúdo traz</p><p>dificuldades. O que se ganha em facilidade técnica se perde em significação”.</p><p>A falta de credibilidade é o primeiro dos problemas. É necessário que o jornalista, de forma criteriosa,</p><p>certifique-se da veracidade da informação obtida na rede antes de divulgá-la.</p><p>Vale, assim, a orientação do Manual da redação (2001, p. 26) da Folha de S. Paulo reproduzida a seguir.</p><p>Atualmente, o jornalista deve atentar para as informações que capta na</p><p>internet. Elas também – e sobretudo – devem estar sujeitas à confirmação</p><p>cuidadosa, uma vez que o simples fato de estarem difundidas em</p><p>um meio de alcance global não significa necessariamente que sejam</p><p>procedentes e verídicas.</p><p>Outro ponto negativo é a superficialidade do material produzido quando se recorre apenas à internet</p><p>para a captação das informações. Quando uma notícia é construída sem a presença do jornalista in loco</p><p>ou sem o diálogo dele com as fontes, a tendência é de que ela perca densidade. Com isso, o jornalismo</p><p>perde sua função de permitir que o leitor interprete a realidade.</p><p>42</p><p>Unidade I</p><p>Deve-se ressaltar ainda a banalização do acontecimento jornalístico, uma vez que se observa que</p><p>um fato pode virar notícia se tiver grande número de compartilhamentos, como se esse fosse um novo</p><p>critério de noticiabilidade.</p><p>Outro aspecto importante é que, ao lado das indústrias de entretenimento e de informação,</p><p>incrementadas pelos equipamentos multimídia, temos a participação do cidadão comum e das empresas</p><p>na troca de informações, em sites de relacionamento, e-mails, blogs e redes sociais.</p><p>De acordo com Dênis Moraes (2007, p. 1), a internet é “um ecossistema digital caracterizado por</p><p>arquitetura descentralizada, multiplicação de fontes de emissão, disponibilização ininterrupta de dados,</p><p>sons e imagens, utilização simultânea e interações singulares”.</p><p>O ciberespaço constituiu-se, assim, num novo ambiente de sociabilidade, com impacto na esfera</p><p>cultural e social, tornando fácil a interação. É no ciberespaço que assistimos à combinação entre</p><p>informação, comunicação e tecnologia, denominada cibercultura.</p><p>As comunidades virtuais desmaterializam as relações convencionais. Nos chats e nos sites de</p><p>relacionamento, encontramos indivíduos de variadas origens, classes sociais, crenças e experiências. O</p><p>ciberespaço constitui-se, assim, como uma extensão da realidade material e simbólica coletiva.</p><p>Os blogs, páginas da internet utilizadas para publicar conteúdo na rede, são como um diário pessoal.</p><p>O tamanho e o aumento constante da blogosfera comprovam a consolidação desse meio como forma de</p><p>comunicação. Ter um blog muito lido e com credibilidade exige novas habilidades do seu criador. No caso</p><p>de um blog jornalístico, o autor deve ser ainda mais empreendedor do que em outras épocas. Em muitos</p><p>casos, não há o suporte de um “veículo oficial”, como um jornal ou uma revista de grande circulação.</p><p>Observação</p><p>Todas as webformas de comunicação rompem com o modelo</p><p>emissor-receptor. Os papéis misturam-se, um está imiscuído no outro, o</p><p>emissor também recebe e o receptor também emite.</p><p>De acordo com Pierre Lévy (1995), as mídias interativas e as comunidades virtuais desterritorializadas</p><p>abrem uma nova esfera pública, que favorece a liberdade de expressão. A internet cria um espaço de</p><p>comunicação inclusivo, transparente e universal, que dá margem à renovação profunda das condições</p><p>da vida pública, no sentido de maior liberdade e responsabilidade dos cidadãos.</p><p>O autor observa que as webmídias estão liberadas, pelo menos no plano técnico, das limitações</p><p>associadas a qualquer suporte particular existente. É viável editar, ao mesmo tempo e de maneira</p><p>complementar, textos, imagens e sons. Elas englobam textos, imagens e sons, com conteúdo organizado</p><p>por temas, e não mais segundo grades de programação.</p><p>43</p><p>TÉCNICAS DE REPORTAGEM E ENTREVISTAS JORNALÍSTICAS</p><p>O dispositivo comunicacional, de acordo com o autor, pode ser dividido em três categorias,</p><p>citadas a seguir.</p><p>• Um-todos: um emissor envia sua mensagem a um grande número de receptores. São exemplos o</p><p>rádio, a imprensa e a televisão.</p><p>• Um-um: relação estabelecida entre indivíduo e indivíduo, ponto a ponto. Temos, como exemplos,</p><p>o telefone e o correio.</p><p>• Todos-todos: dispositivo comunicacional original, possibilitado pelo ciberespaço, que permite que</p><p>comunidades constituam de forma progressiva e de maneira cooperativa um contexto comum.</p><p>Como exemplos, temos as redes sociais, a conferência eletrônica e o ambiente de educação</p><p>a distância.</p><p>No contexto do ciberespaço, o produtor intelectual passa a ser dono do próprio meio de produção</p><p>e divulgação, e essa autonomia faz com que o espaço midiático seja fragmentado, o que inibe</p><p>concentrações e monopolizações.</p><p>As novas tecnologias provocaram, portanto, alterações nos tradicionais papéis de emissor e receptor,</p><p>flexibilizados pela rede. Assim, diferentes práticas e novas ferramentas foram incorporadas à rotina</p><p>jornalística, entre as quais o uso de tecnologias móveis digitais e conexões sem fio como plataformas</p><p>de produção.</p><p>Dessa forma, com a internet, a produção e a veiculação de conteúdo tornaram-se descentralizadas,</p><p>rompendo com o controle dos meios de comunicação de massa. Em outros termos, as novas modalidades</p><p>midiáticas abalaram o papel centralizador do jornalismo como emissor de informações.</p><p>Tal característica provoca certa confusão no receptor, que precisa saber selecionar o que é informação</p><p>verdadeira, e permite a proliferação de fake news. Esse tema tem sido bastante discutido ultimamente,</p><p>levando as redes sociais a adotarem algumas medidas.</p><p>Observação</p><p>As fake news apresentam, normalmente, uma “roupagem” jornalística,</p><p>isto é, são escritas de acordo com as características dos textos da imprensa</p><p>e procuram citar fontes, mesmo que inventadas. Isso cria, no leitor, um</p><p>efeito de credibilidade.</p><p>A nova configuração permitiu também o surgimento de mídias alternativas, formadas por grupos</p><p>que atuam fora das empresas de comunicação, o que possibilita a divulgação de maior pluralidade de</p><p>visões de mundo, rompendo com o discurso hegemônico dos mass media tradicionais.</p><p>44</p><p>Unidade I</p><p>Dênis de Moraes (apud COUTINHO, 2008) aponta a importância e o papel da comunicação alternativa</p><p>na atuação contra-hegemônica. Para compreender o pensamento do autor, é necessário mencionar</p><p>brevemente o conceito de hegemonia de Gramsci.</p><p>Segundo o pensador italiano, a hegemonia consiste na construção de legitimidade da classe</p><p>dominante por meio de valores culturais. Em outras palavras, a dominação de uma classe social não</p><p>ocorre apenas por meio da coerção ou do poder econômico, mas também pela ideologia. Para ele, é</p><p>por meio da hegemonia que a sociedade entende como seus os interesses que são, de fato, da classe</p><p>social dominante.</p><p>Nesse contexto, é evidente o papel dos meios de comunicação de massa na construção do pensamento</p><p>hegemônico. Esses meios, ao lado de outras instituições, fazem parte dos aparelhos da sociedade civil e</p><p>atuam como portadores materiais de ideologia.</p><p>De acordo com Dênis de Moraes (2010, p. 68), “é no domínio da comunicação que se esculpem</p><p>os contornos da ordem hegemônica, seus tentáculos ideológicos, suas hierarquias, suas expansões</p><p>contínuas no bojo da mercantilização generalizada dos bens simbólicos”.</p><p>Esse cenário, contudo, sofreu alterações com as novas tecnologias comunicacionais. Nas redes</p><p>sociais, é possível ter acesso a informações que não são destacadas pela grande imprensa e, além disso,</p><p>é possível conhecer outros pontos de vista sobre os fatos divulgados por ela.</p><p>Desse modo, a comunicação alternativa atua como meio de difusão contra-hegemônica. Para</p><p>Dênis de Moraes (apud COUTINHO, 2008), os discursos produzidos de forma alternativa rompem com o</p><p>controle da mídia tradicional, defendem a cidadania, a democratização da vida coletiva e a liberdade de</p><p>expressão e opõem-se ao “pensamento único” do neoliberalismo.</p><p>Nesse sentido, a rede torna-se um campo de luta pela hegemonia no interior da sociedade civil. As</p><p>mídias alternativas, formadas por cidadãos, não necessariamente jornalistas,</p>