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<p>Autora: Profa. Lidiane Diniz Fernandes</p><p>Colaboradores: Prof. Roni Muraoka</p><p>Profa. Christiane Mazur Doi</p><p>Livro-Reportagem e</p><p>Jornalismo de Revista</p><p>Professora conteudista: Lidiane Diniz Fernandes</p><p>Natural de Santos, Lidiane Diniz Fernandes é graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo</p><p>pela Universidade Católica de Santos (2000) e mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São</p><p>Paulo (2008-2010). Atuou como estagiária, repórter e editora no jornal Diário do Litoral, como editora de cultura e</p><p>sub-editora do diário Hoje Jornal e como repórter do Grupo A Tribuna, no qual integrou equipes de diferentes</p><p>plataformas e veículos da empresa, como portal de notícias, jornal impresso, edições especiais e comemorativas</p><p>e a AT Revista. Tem experiência, ainda, em assessoria de imprensa. Trabalhou nas empresas Tree Comunicação e FSB</p><p>Comunicação, no atendimento pleno da conta do Terminal Portuário Santos Brasil e na equipe de Comunicação da</p><p>Prefeitura de Santos. Desde 2015, dedica-se à docência de nível superior. Atua nos cursos de graduação em Jornalismo</p><p>e Publicidade e Propaganda da Universidade Paulista (UNIP) e em Jornalismo, Publicidade e Propaganda e Relações</p><p>Públicas da Universidade Católica de Santos (UniSantos). Além de lecionar, publicou artigos científicos e capítulos</p><p>de livros e orientou projetos de iniciação científica e trabalhos de conclusão de curso, incentivando a produção</p><p>acadêmica e a disseminação do conhecimento em comunicação.</p><p>© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou</p><p>quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem</p><p>permissão escrita da Universidade Paulista.</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>F363l Fernandes, Lidiane Diniz.</p><p>Livro-Reportagem e Jornalismo de Revista / Lidiane Diniz</p><p>Fernandes. – São Paulo: Editora Sol, 2024.</p><p>156 p., il.</p><p>Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e</p><p>Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.</p><p>1. Livro-reportagem. 2. Revista. 3. Mercado. I. Título.</p><p>CDU 070.41</p><p>U519.88 – 24</p><p>Profa. Sandra Miessa</p><p>Reitora</p><p>Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez</p><p>Vice-Reitora de Graduação</p><p>Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo</p><p>Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa</p><p>Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini</p><p>Vice-Reitora de Administração e Finanças</p><p>Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia</p><p>Vice-Reitor de Extensão</p><p>Prof. Fábio Romeu de Carvalho</p><p>Vice-Reitor de Planejamento</p><p>Profa. Melânia Dalla Torre</p><p>Vice-Reitora das Unidades Universitárias</p><p>Profa. Silvia Gomes Miessa</p><p>Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal</p><p>Profa. Laura Ancona Lee</p><p>Vice-Reitora de Relações Internacionais</p><p>Prof. Marcus Vinícius Mathias</p><p>Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária</p><p>UNIP EaD</p><p>Profa. Elisabete Brihy</p><p>Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto</p><p>Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli</p><p>Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar</p><p>Material Didático</p><p>Comissão editorial:</p><p>Profa. Dra. Christiane Mazur Doi</p><p>Profa. Dra. Ronilda Ribeiro</p><p>Apoio:</p><p>Profa. Cláudia Regina Baptista</p><p>Profa. M. Deise Alcantara Carreiro</p><p>Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes</p><p>Projeto gráfico: Revisão:</p><p>Prof. Alexandre Ponzetto Lucas Ricardi</p><p>Aline Ricciardi</p><p>Vera Saad</p><p>Sumário</p><p>Livro-Reportagem e Jornalismo de Revista</p><p>APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7</p><p>INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8</p><p>Unidade I</p><p>1 AS ORIGENS DO LIVRO-REPORTAGEM .....................................................................................................9</p><p>1.1 Livro-reportagem e jornalismo literário: a relação realidade/ficção</p><p>no jornalismo ................................................................................................................................................. 16</p><p>2 FUNÇÕES DO LIVRO-REPORTAGEM ......................................................................................................... 21</p><p>2.1 Diferenciais dos veículos pertencentes aos campos jornalístico e editorial ................ 31</p><p>3 CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE LIVRO-REPORTAGEM: TUDO COMEÇA</p><p>PELA PAUTA ........................................................................................................................................................... 33</p><p>3.1 O processo de produção: o mergulho no trabalho de campo, as técnicas</p><p>de observação, a entrevista em profundidade e a humanização dos relatos ..................... 40</p><p>4 A REDAÇÃO EM LIVRO-REPORTAGEM .................................................................................................... 45</p><p>4.1 Estilo, construção de narrador, construção de cena, descrição</p><p>detalhada, diálogo ....................................................................................................................................... 48</p><p>Unidade II</p><p>5 A HISTÓRIA DAS REVISTAS NO MUNDO ................................................................................................ 58</p><p>6 AS REVISTAS NO BRASIL .............................................................................................................................. 63</p><p>6.1 As revistas femininas .......................................................................................................................... 84</p><p>6.2 As revistas especializadas ................................................................................................................101</p><p>Unidade III</p><p>7 MERCADO: TENDÊNCIAS E POSSIBILIDADES .....................................................................................108</p><p>7.1 Panorama geral do mercado de revista e livro-reportagem: situação atual .............110</p><p>7.2 Os diferentes tipos de revistas – de consumo, profissionais, de empresas</p><p>e organizações – e do mercado editorial .........................................................................................113</p><p>8 CARACTERÍSTICAS DO TEXTO EM PROFUNDIDADE: OS PRINCÍPIOS DO BOM</p><p>TEXTO, ESTILO, PONTO DE VISTA E ANGULAÇÃO ...................................................................................116</p><p>8.1 O planejamento de publicações: diferenças e semelhanças do livro e</p><p>da revista .......................................................................................................................................................119</p><p>8.2 As revistas no ambiente digital e as oportunidades de distribuição do</p><p>conteúdo em novos formatos ..............................................................................................................121</p><p>7</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Caro aluno,</p><p>Este livro-texto busca tratar da importância da grande-reportagem, destacando as diferenças entre</p><p>as produções para revistas especializadas e livros-reportagens. A proposta é fornecer aos estudantes</p><p>subsídios que os preparem para compreender e identificar as peculiaridades dessas produções, assim</p><p>como os procedimentos que envolvem as diversas fases do “fazer jornalístico” na construção tanto de</p><p>um livro-reportagem como de matérias produzidas para revistas, impressas ou digitais.</p><p>O material pretende, ainda, despertar no aluno a habilidade de analisar reportagens a partir de</p><p>uma abordagem mais profunda e humanizada, com um olhar atento às tendências de mercado, assim</p><p>como produzir materiais mais complexos e com linguagem literária, caraterísticas evidentes desses dois</p><p>gêneros jornalísticos. A proposta é prepará-lo para os desafios enfrentados no mercado de trabalho,</p><p>que exigem do profissional de jornalismo um perfil cada vez mais maleável, que seja multiplataforma e</p><p>sensível às necessidades da sociedade da era digital.</p><p>Assim, a disciplina tem como objetivo estimular o conhecimento e o entendimento das especificidades</p><p>e características de dois dos principais gêneros jornalísticos da atualidade:</p><p>contrastes de sentimentos, até mesmo profundos silêncios, que muitas vezes valem</p><p>mais que qualquer resposta”, afirma Fernandes (2016, p. 3) no texto de abertura de seu livro.</p><p>A aluna Thaiany Gouvea também optou por desenvolver um livro-reportagem. No entanto, ela</p><p>investiu numa área do jornalismo especializado que atrai muita atenção: esportes. Seu livro tem como</p><p>tema os bastidores e as memórias sobre o clube de futebol Portuguesa Santista. Inspirada na experiência</p><p>do próprio pai, que foi jogador profissional desse time, a aluna conseguiu depoimentos exclusivos e foi a</p><p>fundo buscar histórias de grandes nomes da história da “Portuguesinha”, como o clube é carinhosamente</p><p>chamado por torcedores e seguidores.</p><p>Ela aproveitou o gancho do aniversário dos 100 anos do clube para investir na história e angariar</p><p>memórias afetivas que resgataram momentos importantes e marcantes para o clube.</p><p>40</p><p>Unidade I</p><p>Tudo começou antes de sua inauguração em uma barbearia na rua Joaquim</p><p>Távora. Antes de se tornar, oficialmente, a Associação Atlética Portuguesa</p><p>Santista, em 1917, a Briosa era apenas um grupo de “canteiros” (lavradores de</p><p>pedras) que trabalhavam em uma pedreira que existia no local do atual campo</p><p>do clube. Em meio a inúmeras reuniões na então barbearia, os trabalhadores</p><p>resolveram fundar um time português para competir com os clubes de outras</p><p>colônias existentes na região de Santos, litoral de São Paulo. Através de uma</p><p>ata, a Portuguesa foi fundada em 20 de novembro de 1917 e recebeu os</p><p>apelidos carinhosos de Briosa e Lusinha (Gouvea, 2017, p. 17).</p><p>Mas foi a partir das percepções e das pesquisas iniciais – tanto bibliográficas como de campo – que</p><p>as autoras formularam uma pauta sistematizada, com enfoque, abordagem e fontes. Isso porque elas</p><p>tiveram primeiro que ter uma dimensão mais ampla do tema escolhido para, depois disso, definir quais</p><p>passos tomariam para desenvolver o livro que queriam.</p><p>Percebe-se nos títulos definidos por Gouvea no sumário (“Uma história de paixão e resgate”; “Uma</p><p>história de família”; “Dos gramados para a sala de aula”; “Walter Dias, testemunha viva”; “A batalha em</p><p>Moisés Lucarelli”; “Paixão nacional” e “Conclusão: sou mais Briosa”), que os capítulos são compostos por</p><p>histórias vivenciadas por pessoas junto ao clube. Essas histórias vão além das experiências individuais, já</p><p>que têm como objetivo resgatar parte da memória do próprio clube, fazendo menção a alguns momentos</p><p>marcantes e que retratam a trajetória da Briosa ao longo de décadas.</p><p>É importante ressaltar, no entanto, que assim como em uma pauta factual, para um veículo periódico,</p><p>a pauta no livro-reportagem não é imutável. Muito pelo contrário: apenas da definição do plano, com a</p><p>transcrição de um roteiro, as pesquisas e entrevistas com as fontes podem levar a novas descobertas</p><p>que podem interessar ou mesmo mudar o rumo do planejamento inicial. O olhar atento e observador</p><p>do jornalista, mais uma vez, fará toda a diferença nesse momento, porque é a percepção da importância</p><p>de novos fatos ou mesmo a inexistência de outras informações que vão determinar os rumos e, claro, o</p><p>resultado final do projeto.</p><p>3.1 O processo de produção: o mergulho no trabalho de campo, as técnicas</p><p>de observação, a entrevista em profundidade e a humanização dos relatos</p><p>O jornalismo é uma atividade que se destina e se dirige a atender o direito à informação do cidadão,</p><p>porque, sem o atendimento ao direito à informação, a democracia simplesmente não funciona.</p><p>A roda da máquina da democracia simplesmente não gira. Só há democracia quando as informações</p><p>de interesse público se encontram amplamente compartilhadas entre os cidadãos. “Portanto, não se</p><p>concebe democracia sem o compartilhamento das informações de interesse público, sem a liberdade de</p><p>expressão e a sua outra face que é exatamente o direito à informação” (Bucci, 2019, p. 106).</p><p>O jornalismo cidadão apoia-se na difusão de ideias sob a ótica da filosofia de publicação aberta. Isso</p><p>significa reforçar a função máxima do jornalismo a favor do exercício da cidadania.</p><p>41</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Porém, há dificuldades. A mídia tem apontado sérias contradições. Impregnados por negociação</p><p>progressiva, os veículos de comunicação enfrentam ostensivas pressões de mercado para noticiar o</p><p>“noticiável”, apenas o que assegura lucro. É cada vez mais frequente a recusa dos veículos em divulgarem</p><p>matérias – mesmo quando os fatos são checados e verdadeiros – diante da possibilidade remota ou</p><p>próxima de perder anunciantes efetivos ou em potencial.</p><p>E é justamente esse cenário tenebroso que tem impulsionado ainda mais o mercado editorial no</p><p>jornalismo. Livre das amarras do tempo, do espaço e, principalmente, comerciais, o livro proporciona</p><p>mais autonomia e liberdade aos jornalistas que buscam ir além da cobertura óbvia e superficial dos</p><p>diários, sejam impressos, eletrônicos ou on-line. Isso porque, além de uma linguagem mais solta e</p><p>opinativa, característica do jornalismo literário, o livro-reportagem explora elementos que não podem</p><p>ser tratados com a mesma importância ou profundidade nos veículos factuais – seja pelos motivos que</p><p>acabamos de descrever ou por falta de interesse do público leitor.</p><p>Também não pode deixar de ser registrado como fator da expansão dos</p><p>livros-reportagem a própria crise da imprensa escrita diária, particularmente</p><p>a partir dos anos 1990, com queda de circulação, redução de assinaturas,</p><p>muitas demissões de repórteres especializados, falta de investimento</p><p>financeiro na produção de grandes reportagens e concorrência com a</p><p>internet. Acuados em seu campo de trabalho, os jornalistas mais experientes</p><p>apostaram no livro (Maciel, 2017, p. 11).</p><p>O jornalista Percival de Souza, que ganhou quatro prêmios Esso, faz questão de frisar que seus livros</p><p>não são mera reprodução das reportagens originalmente publicadas na imprensa, mas uma forma de</p><p>lançar um olhar mais aprofundado e contextualizado sobre os temas: a reportagem sai publicada no</p><p>jornal, conforme combinado com a chefia de redação, “mas como nem tudo que se apura pode, por</p><p>limitação de espaço do jornalismo diário, ser publicado, costumo construir uma outra história, que nada</p><p>tem a ver com a reportagem” (Maciel, 2017, p. 10).</p><p>Observação</p><p>Entre as principais obras de Souza, estão algumas das mais importantes</p><p>do livro-reportagem no Brasil: A prisão (1979), trazendo as histórias humanas</p><p>dos presos da Casa de Detenção de São Paulo; O crime da rua Cuba (1989),</p><p>que repercute seu trabalho de repórter policial; Eu, cabo Anselmo (1999), no</p><p>qual conseguiu depoimentos-chave desse nome controverso da história;</p><p>Autópsia do medo (2000), sobre o também polêmico delegado Sérgio</p><p>Fleury; e Narcoditadura (2002), a respeito das circunstâncias do assassinato</p><p>do repórter investigativo Tim Lopes na mão de narcotraficantes.</p><p>42</p><p>Unidade I</p><p>Saiba mais</p><p>Sobre o assassinato de Tim Lopes, leia o texto a seguir:</p><p>PREVIDELLI, F. Tim Lopes: há 20 anos jornalista era brutalmente</p><p>executado por traficantes. Aventuras na História, 2 jun. 2022. Disponível</p><p>em: http://tinyurl.com/3zv2yb3u. Acesso em: 9 fev. 2024.</p><p>Percival faz parte, juntamente com Fernando Morais, da primeira fase de crescimento do</p><p>livro-reportagem no país. No entanto, foi a partir da década de 1980 que o produto foi encarado como</p><p>é hoje: um espaço muito mais aprofundado para o exercício da reportagem. Foi a partir desse momento</p><p>que as editoras passaram a investir em repórteres que apresentam projetos exclusivos de reportagens</p><p>para livros, principalmente na modalidade biografias, tornando ainda mais variada e consistente a</p><p>produção de livros-reportagem após os anos 1990.</p><p>Com isso, a dedicação e o trabalho de campo do profissional de imprensa tornaram-se ainda mais</p><p>intensos. As técnicas de observação foram ainda mais aprimoradas. Livros como os da jornalista gaúcha</p><p>Eliane Brum, um dos ícones do livro-reportagem da atualidade, são extremamente ricos em detalhes</p><p>e observações.</p><p>No entanto, os textos</p><p>de Brum, que é considerada uma das maiores jornalistas brasileiras da</p><p>atualidade, só são possíveis graças às técnicas de imersão e vivência do repórter, que se desloca para</p><p>observar e averiguar os acontecimentos in loco. Prática cada vez mais abandonada nas redações nos</p><p>dias de hoje – em que o jornalismo é feito por redes sociais, com entrevistas em áudio, o que contribui</p><p>com a redução do número de jornalistas e o custo do deslocamento deles às fontes ou aos locais dos</p><p>acontecimentos –, a observação, a descrição e a ambientação pelo repórter são alguns dos principais</p><p>elementos nos livros-reportagens.</p><p>Saiba mais</p><p>Conheça o trabalho de Eliane Brum com o texto a seguir:</p><p>OLIVEIRA, J. Eliane Brum e a arte de escrever para não matar e para não</p><p>morrer. El País, 18 out. 2019. Disponível em: http://tinyurl.com/3sz6ajbr.</p><p>Acesso em: 4 jan. 2024.</p><p>43</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Leia com atenção ao trecho a seguir:</p><p>Destaque</p><p>“A Menina Quebrada”, de Eliane Brum</p><p>Uma carta para Catarina, que descobriu que até as crianças quebram.</p><p>Era uma festa. Comemorávamos a vinda de um bebê que ainda morava na barriga da</p><p>mãe. Eu havia acabado de segurá-la para que ela passasse a pequena mão na água da fonte</p><p>do jardim. Ela tentava colocar o dedo gorducho no buraco para que a água se espalhasse,</p><p>como tinha visto uma criança mais velha fazer. Parecia encantada com a possibilidade</p><p>de controlar a água. Tem 1 ano e oito meses, cabelos cacheados que lhe dão uma</p><p>aparência de anjo barroco e uns olhos arregalados. Com olheiras, Catarina é um bebê</p><p>com olheiras, embora durma bem e muito. De repente, ela enrijeceu o corpo e deu um</p><p>grito: “A menina…. A menina…. Quebrou”.</p><p>Era um grito de horror. O primeiro que eu ouvia dela. Animação, manha, dor física,</p><p>tudo isso eu já tinha ouvido de sua boca bonita. Aquele era um grito diferente. Não parecia</p><p>um tom que se pudesse esperar de alguém que ainda precisava se esforçar para falar</p><p>frases completas. Catarina estava aterrorizada. “A menina… A menina…” Ela continuava</p><p>repetindo. Olhei para os lados e demorei um pouco a enxergar o que ela tinha visto em</p><p>meio à tanta gente. Uma garota, de uns 10, 12 anos, talvez, com uma perna engessada.</p><p>“Quebrou…” Catarina repetia. “A menina… quebrou.”</p><p>Ela não olhava para mim, como costuma fazer quando espera que eu esclareça</p><p>alguma novidade do mundo. Era mais uma denúncia. Pelo resto da festa, ela gritou</p><p>a mesma frase, no mesmo tom aterrorizado, sempre que a menina quebrada passava</p><p>por perto. Nos aproximamos da garota, para que Catarina pudesse ver que ela parecia</p><p>bem, e que os amigos se divertiam escrevendo e desenhando coisas no gesso, mas nada</p><p>parecia diminuir o seu horror. Os adultos próximos tentaram explicar a ela que era algo</p><p>passageiro. Mas ela não acreditava. Naquele sábado de janeiro Catarina descobriu que as</p><p>pessoas quebravam.</p><p>Fonte: Brum (2013).</p><p>Nesse trecho, é possível observar a linguagem envolvente e literária empreendida pela jornalista na</p><p>coluna jornalística que deu nome ao livro. A obra, que reúne algumas das principais colunas de Eliane</p><p>Brum e que se transformou em um fenômeno de audiência, tem como proposta proporcionar ao leitor</p><p>uma fotografia do tempo atual, visto pelo olhar de quem observa as ruas do mundo com um olhar que</p><p>vai além, para desacomodar o olhar de quem a lê. O livro ganhou o prêmio Açorianos de Literatura 2013.</p><p>44</p><p>Unidade I</p><p>Figura 13 – Capa do livro A menina quebrada, que reúne artigos e crônicas da jornalista</p><p>Fonte: Brum (2013, capa).</p><p>Para conseguir atingir esse nível de profundidade, Lima (2004) aponta que o jornalista tem de oferecer</p><p>um contexto na informação, já que o livro-reportagem explora a literatura da realidade, um trabalho</p><p>que ele considera autoral, já que oferece soluções inovadoras, como observação, análise e expressão.</p><p>Exige imersão do repórter do cenário sobre o qual ele escreve, resgatando</p><p>a dimensão humana dos personagens, lança os recursos de linguagem aos</p><p>extremos da arte de comunicar, transforma a compreensão do mundo</p><p>(Lima, 2004, p. 83).</p><p>Nesse sentido, a entrevista em profundidade é fundamental. O repórter deve se dedicar a essa tarefa</p><p>de forma intensa. Não é como fazer uma entrevista corriqueira para uma cobertura factual. A entrevista</p><p>do livro-reportagem exige tempo e paciência. Serão horas de conversa, encontros e desencontros.</p><p>Há necessidade, muitas vezes, de entrevistar pessoas próximas ao convívio do personagem principal.</p><p>A proposta é ter uma dimensão maior de sua vida e sua rotina. Para isso, muitas vezes, é necessário</p><p>participar inclusive como observador de seu dia a dia.</p><p>Isso significa que o livro-reportagem é um projeto de fôlego que exige investigação, empenho,</p><p>envolvimento, apuração de dados. O objetivo é que o repórter entenda com profundidade e detalhes</p><p>todo o contexto de uma história, se empenhe em pesquisa e despenda tempo suficiente para entrevistas</p><p>detalhadas, permeadas por informações que vão além das respostas dos entrevistados.</p><p>Para passar o maior número de detalhes ao leitor, é necessário que o jornalista seja observador e se</p><p>empenhe na descrição das características físicas, psicológicas e comportamentais de um personagem.</p><p>Além disso, ele deve tratar da descrição do ambiente da mesma forma, com o mesmo empenho. A ideia</p><p>é contar uma história com seus complexos significados, fazer com que o leitor se sinta próximo dos</p><p>personagens e “dentro” da própria história.</p><p>45</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>4 A REDAÇÃO EM LIVRO‑REPORTAGEM</p><p>Escrever um livro não é tarefa fácil. Por ser um projeto longo, com uma série de critérios e</p><p>procedimentos específicos, o livro-reportagem exige bastante do jornalista. Habituados com tarefas</p><p>rápidas e curtas, características da instantaneidade da era digital, profissionais de imprensa costumam</p><p>ter dificuldade para desenvolver um projeto como o livro-reportagem. Além disso, por ser um produto</p><p>de produção em longo prazo, o livro-reportagem exige disciplina, organização e muito empenho do</p><p>autor. Nem sempre o plano inicial flui de acordo com o cronograma e os recursos definidos previamente.</p><p>Isso porque durante a pesquisa e as entrevistas, muitas novas informações podem mudar os rumos do</p><p>desenvolvimento e, claro, o resultado da redação.</p><p>Por essa razão, há uma série de dicas que podem ser elencadas para quem está produzindo um livro.</p><p>Vale reforçar aqui que, além dos procedimentos e das técnicas jornalísticas, a habilidade com a escrita é</p><p>fundamental para o sucesso de um bom texto. Isso porque, apesar de essencialmente jornalístico, com</p><p>base em entrevistas, pesquisa documental e declarações de fontes qualificadas, o livro-reportagem tem</p><p>uma linguagem literária que permite ao autor empreender estilo próprio, com percepções e opiniões</p><p>pessoais, baseadas sempre em fatos e informações, sejam declarações ou mesmo observações.</p><p>Lembrete</p><p>Por ser um produto jornalístico, o livro-reportagem atende às</p><p>características jornalísticas tanto em termos de procedimentos quanto de</p><p>técnicas. Uma delas é que toda a história é baseada em fatos reais, ainda</p><p>que ofereça a possibilidade de o autor empreender suas características</p><p>pessoais, como percepções, sensações e mesmo opinião fundamentada</p><p>em observações.</p><p>Isso significa que nada pode ser inserido no livro que não seja fiel à realidade, ainda que seja uma</p><p>percepção pessoal do autor. É claro que todo esse processo tem uma carga um tanto quanto subjetiva,</p><p>pois um mesmo fato visto por diferentes pessoas pode ser interpretado de maneiras diferentes.</p><p>Contudo, é preciso considerar que os livros-reportagens, ainda que tenham funções diversas e</p><p>possam ser explorados de formas diferentes dependendo do autor, têm características comuns, em</p><p>especial na escrita.</p><p>Por ser um produto de comunicação que informa em profundidade, uma das dicas para o</p><p>desenvolvimento de sua escrita é apresentar o texto quando já tiver o domínio de toda a sua</p><p>história ou pelo menos de boa parte dela, em especial as partes principais, que</p><p>estruturarão o texto,</p><p>o encaminhamento da história ou aquilo que se costuma chamar de “coluna vertebral” do texto, isto é,</p><p>que vai conduzir o desenrolar do livro e pode dar abertura para outras histórias secundárias ou de menor</p><p>importância, por exemplo.</p><p>46</p><p>Unidade I</p><p>Olga, lançado em 1985, é um desses exemplos. “Uma história triste, mas ao mesmo tempo exemplar,</p><p>de uma pessoa que dá a vida em defesa de ideias” (Sanches, 2022), como define o autor da obra Fernando</p><p>Morais, Olga trata da história da companheira do líder comunista Luís Carlos Prestes e foi escolhida pelo</p><p>autor que a tornou protagonista numa história em que ela era apenas coadjuvante.</p><p>Saiba mais</p><p>Há um texto bastante interessante sobre o assunto no link a seguir:</p><p>SANCHES, P. A. Fernando Morais: Olga Benário, a mulher que sacrificou</p><p>a vida para mudar o mundo. Opera Mundi, 5 out. 2022. Disponível em:</p><p>http://tinyurl.com/24pt7vxm. Acesso em: 9 fev. 2024.</p><p>Segundo o jornalista e biógrafo, seu livro começa com um episódio de sua primeira juventude,</p><p>quando ela entrou no tribunal que julgava seu namorado, Otto Braun, por traição à Alemanha e ligações</p><p>com a União Soviética.</p><p>“Ela tira uma pistola da bolsa, encosta na cabeça do soldado que traz Otto</p><p>Braun e diz: ‘ou entrega ou morre’. Imagina, uma menina, eles não têm outra</p><p>alternativa. Ela tira o namorado, saem correndo por Berlim com a polícia</p><p>atrás”, rememora. “Olga era revolucionária desde o começo. Correu riscos,</p><p>inclusive o risco que acabou levando-a à câmara de gás, para mudar o mundo,</p><p>num país do outro lado do planeta”, completa Morais (Sanches, 2022).</p><p>Saiba mais</p><p>Leia alguns trechos selecionados da obra Olga no site a seguir:</p><p>MALANOVICZ, A.; MORAIS, F. Olga, de Fernando Morais – trechos escolhidos.</p><p>Recanto das Letras, 6 mar. 2008. Disponível em: http://tinyurl.com/pm3m967w.</p><p>Acesso em: 6 fev. 2024.</p><p>O livro foi base de um filme e, mais recentemente, a produção de uma ópera. A produção</p><p>cinematográfica, que ganhou inclusive as telas de cinemas no país, não contou com a participação do</p><p>autor do livro-reportagem, Fernando Morais. “Apenas me comprometi com a Rita (Buzzar), assim como</p><p>tinha feito com Guilherme Fontes no ‘Chatô’, a fazer uma leitura da versão final para evitar alguma</p><p>derrapagem histórica”. Para Morais, a produtora e roteirista Rita Buzzar fez uma “adaptação exemplar”.</p><p>“Apesar de algumas fusões de personagens, algo inevitável num filme assim, ela conseguiu o prodígio de</p><p>dar tratamento dramatúrgico à história sem trair os fatos”. Morais considera natural a opção de Buzzar</p><p>47</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>e Jayme Monjardim de concentrar o filme em Olga Benário, deixando em segundo plano o contexto</p><p>político e a história de Prestes (Couto, 2003).</p><p>Saiba mais</p><p>Leia essa entrevista na íntegra no link a seguir:</p><p>COUTO, J. G. Para escritor, roteiro de “Olga” é “exemplar”. Folha de</p><p>S.Paulo, 6 nov. 2003. Disponível em: http://tinyurl.com/4cj8yh5d. Acesso</p><p>em: 6 fev. 2024.</p><p>A linguagem trabalhada em um livro-reportagem também é um item fundamental para ser analisado</p><p>e pode determinar o sucesso ou o fracasso de uma obra. A escolha da forma como se desenvolve um</p><p>texto não é aleatória, diferentemente do que muitos podem até pensar. Deve ser cuidadosa e ter como</p><p>base o público, o objetivo e a própria característica do autor.</p><p>Para ter ideia, há obras escritas em primeira pessoa e outras na terceira. Além disso, há autores que</p><p>optam por uma história mais descritiva, narrativas mais poéticas ou formais, enquanto alguns preferem</p><p>uma linguagem mais coloquial e menor envolvimento do narrador, utilizando-se muito mais dos recursos</p><p>literários, como travessões e pontos de exclamação, como se a história se desenrolasse sozinha.</p><p>Apesar de não haver regras claras e impostas, o importante é ressaltar que o livro-reportagem deve</p><p>ter uma linguagem fluida, com encaixe de histórias umas nas outras. As descrições de cenas, ambientes,</p><p>personagens e épocas também são fundamentais nesse tipo de obra.</p><p>Queda livre, de Otávio Frias Filho, é um desses exemplos em que a linguagem foi pensada para</p><p>quebrar uma das regras número um do jornalismo diário: a escrita em primeira pessoa. O livro, que</p><p>reúne sete reportagens com experiências de Frias Filho em “investigações participativas”, foi lançado</p><p>pela editora Companhia das Letras em 2017.</p><p>as experiências de Frias Filho serviram não apenas para testar os seus</p><p>próprios limites físicos e psicológicos, mas como pretexto para explorar</p><p>temas e sentimentos definidores de qualquer subjetividade (o medo, a</p><p>alucinação, o prazer, a consciência da finitude etc.). Para que o experimento</p><p>funcionasse, ele teve que lançar mão de uma dose incomum de franqueza</p><p>e honestidade intelectual na descrição das próprias reações e pensamentos.</p><p>É um exercício de equilíbrio: se não fosse capaz de tratar a si mesmo e a suas</p><p>experiências com a mesma objetividade e rigor com que tratava outras</p><p>pessoas e fatos – ou pelo menos tentar fazer isso –, a narração em primeira</p><p>pessoa perderia força e cumpriria de maneira manca o seu papel no relato</p><p>jornalístico (Cariello, 2020).</p><p>48</p><p>Unidade I</p><p>Saiba mais</p><p>O jornalista Otávio Frias Filho narra em primeira pessoa as reportagens</p><p>que o levaram a experiências radicais: saltar de paraquedas, tomar o chá</p><p>alucinógeno do Santo Daime na Amazônia, viajar num submarino, atuar</p><p>numa peça de teatro, peregrinar pelo caminho de Santiago, explorar o</p><p>mundo do sexo transgressivo e aproximar-se do suicídio.</p><p>Saiba mais um pouco da trajetória desse jornalista e histórico diretor da</p><p>Folha de S.Paulo na publicação do Portal de Jornalistas:</p><p>FRIAS FILHO, O. Queda livre: ensaios de risco. São Paulo: Companhia das</p><p>Letras, 2017.</p><p>4.1 Estilo, construção de narrador, construção de cena, descrição detalhada,</p><p>diálogo</p><p>Assim como ocorre na linguagem, a construção do narrador deve ser algo planejado no</p><p>desenvolvimento. Isso porque há diferentes formas de contar uma história, seja pelo ponto de vista de</p><p>um personagem, seja pela própria condução do conteúdo apresentado.</p><p>No jornalismo narrativo (ou literário), o procedimento é outro.</p><p>A hierarquização explícita do conteúdo e da apresentação mais ou menos</p><p>telegráfica das informações dá lugar a um texto que depende de um arco</p><p>narrativo (ou seja, que deve ser lido do princípio ao fim para fazer sentido),</p><p>com tramas e subtramas – à maneira de um conto ou de um romance,</p><p>embora comprometido com a verdade e com a precisão factual. É como se</p><p>Fidípedes, dispondo de tempo e fôlego, pudesse descrever a batalha e saciar</p><p>as justificáveis curiosidades dos atenienses (Cariello, 2020).</p><p>O olho da rua: uma repórter em busca da literatura da vida real, de Eliane Brum, pode ser apontado</p><p>como um bom exemplo. O livro traz dez reportagens – cinco delas urbanas, quatro na Amazônia e uma</p><p>sobre a geografia íntima da autora, que começa por um nascimento nos confins da Amazônia, pelas</p><p>mãos de parteiras da floresta, e se encerra com uma morte em São Paulo, quando Eliane testemunha</p><p>os últimos 115 dias de vida de uma merendeira de escola. Essas reportagens sobre diferentes temas</p><p>foram produzidas em vários lugares do Brasil para a revista Época entre os anos de 2000 e 2008. Ao</p><p>término delas, a autora faz comentários sobre o processo da organização das viagens, os lugares e</p><p>pessoas com quem conviveu mais diretamente, e dá outras informações sobre a elaboração dos textos,</p><p>desvelando um pouco mais sobre o processo de escrever. Pelo caminho, o leitor descobre o povo do</p><p>meio, um punhado de brasileiros desconhecidos do próprio Brasil, e enreda-se nos romances arrojados</p><p>dos vira-latas da Brasilândia.</p><p>49</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>O livro foi lançado no dia 6 de outubro na Banca do Largo, em Manaus.</p><p>Figura 14 – Capa do livro O olho da rua</p><p>Fonte: Brum (2017, capa).</p><p>Saiba mais</p><p>Leia os textos a seguir, para se aprofundar no assunto e conhecer um</p><p>trecho do livro de Eliane Brum:</p><p>FRANÇA, A. S. S. A. Imprensa de mulheres, imprensa para instruir</p><p>mulheres: a atuação de Francisca Senhorinha da Motta Diniz no periódico</p><p>O sexo feminino. Revista Interinstitucional Artes de Educar, v. 7, n. 2,</p><p>p. 891-908, 2021. Disponível em: http://tinyurl.com/y39t9zvt. Acesso em:</p><p>6 fev. 2024.</p><p>PROSA, Verso e Arte. Tumblr, 28 maio 2022. Disponível em:</p><p>http://tinyurl.com/2avsc4v4. Acesso em: 9 fev. 2024.</p><p>Considerando que o livro-reportagem é o resultado mais latente da união entre jornalismo e</p><p>literatura, é possível dizer que o produto é uma espécie de romance que busca uma linguagem</p><p>aprofundada e que tem como objetivo intensificar a utilização de elementos narrativos para estruturar</p><p>seu relato.</p><p>50</p><p>Unidade I</p><p>Não à toa, teóricos apontam o livro como um subsistema híbrido, que incorpora procedentes</p><p>operacionais do jornalismo – pauta, temática, redação e edição – com condicionamentos literários e</p><p>editoriais – elementos narrativos, mercado, público, esquemas de distribuição (Lima, 2004, p. 36).</p><p>Esse tipo de narrativa possibilita um aprofundamento, um envolvimento</p><p>maior do leitor com a história, numa vazão do jornalismo a vertentes</p><p>literárias, sem deixar de reportar ou apurar determinada notícia. O</p><p>livro-reportagem atinge, desse modo, um território que mergulha no fato</p><p>e conta uma história. É daí que emana a sedução e emoção desta obra</p><p>jornalística, e, ao mesmo tempo, literária. Ampliam-se não só as páginas</p><p>escritas, mas também, o contato entre a reportagem, o jornalista e o leitor</p><p>(Oliveira, 2006).</p><p>51</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Resumo</p><p>O livro-reportagem é um dos produtos mais densos do jornalismo.</p><p>Baseado em fatos reais, o texto do livro-reportagem é resultado de muita</p><p>pesquisa. Ele é apresentado no formato de livro físico ou digital, com regras</p><p>e procedimentos jornalísticos – da pauta à linguagem.</p><p>O livro-reportagem é uma publicação não periódica que tem como</p><p>principal função informar o leitor profundamente sobre fatos abordados</p><p>ou explorados com superficialidade pela imprensa diária, seja por causa do</p><p>tempo, espaço ou por razões financeiras ou editoriais que impedem que</p><p>o jornalista desenvolva um assunto específico. Portanto, é no livro que a</p><p>reportagem tem encontrado a extensão e a autonomia necessárias para</p><p>garantir um conteúdo denso, já que tal produto não requer publicidade e</p><p>não tem concorrência que interfira na escolha de suas temáticas.</p><p>Outra característica desse veículo de comunicação é a linguagem.</p><p>Ainda que seja um produto jornalístico, especialistas acreditam que o</p><p>livro-reportagem está exatamente entre os gêneros jornalístico e literário.</p><p>Isso porque tem influência do movimento que dominou a imprensa</p><p>conhecido como New Journalism, isto é, mesmo preservando a realidade</p><p>no relato dos fatos, utiliza recursos narrativos da literatura, como descrição,</p><p>pesquisa e linguagem envolvente, inclusive com emprego de adjetivos.</p><p>O principal objetivo é atrair e manter a atenção do leitor.</p><p>Para Lima (2004), o livro-reportagem seria então o resultado da união</p><p>entre jornalismo e literatura. Um romance que busca uma linguagem</p><p>aprofundada, cujo objetivo reside em intensificar a utilização de elementos</p><p>narrativos para estruturar seu relato.</p><p>Outra questão de extrema importância para o sucesso de um</p><p>livro-reportagem é o planejamento, que tem início pela pauta. Desde a</p><p>pesquisa, o projeto deve ser minuciosamente esquematizado, considerando</p><p>o longo prazo. Portanto, questões como pesquisa de campo, entrevistas em</p><p>profundidade, assim como prazos, recursos, redação, revisão, diagramação,</p><p>publicação, distribuição e divulgação devem ser projetadas e previstas pelo</p><p>autor e envolvidos.</p><p>Vale ressaltar, no entanto, que nenhum esquema é imutável, já que</p><p>novos personagens e histórias podem ser descobertos e surgir ao longo</p><p>do processo de pesquisa e mesmo das entrevistas. Diferentemente de</p><p>um profissional de redação, o jornalista que se debruça em um projeto</p><p>52</p><p>Unidade I</p><p>de livro-reportagem geralmente desenvolve um conteúdo independente</p><p>e não tem garantia de publicação e muito menos de ganho com o</p><p>desenvolvimento do produto, exceto em raras ocasiões.</p><p>O livro-reportagem tem surgido como uma grande oportunidade para</p><p>os profissionais de imprensa que não encontram na rotina das redações</p><p>tempo, estímulo e espaço necessários para desenvolver assuntos complexos</p><p>com profundidade.</p><p>Além disso, apesar da desaceleração do mercado literário registrada</p><p>nas últimas décadas, o livro-reportagem tem se mantido como um projeto</p><p>autoral interessante aos profissionais de imprensa, com boa receptividade</p><p>editorial, e uma excelente alternativa para jornalistas que buscam outras</p><p>oportunidades em novos espaços, apontando a importância do jornalismo</p><p>nos mais diferentes segmentos da sociedade.</p><p>53</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Exercícios</p><p>Questão 1. Leia o texto a seguir, publicado em 3 de março de 2023:</p><p>Revista Time completa 100 anos</p><p>Em 100 anos, a revista Time, uma das mais prestigiadas do mundo, já publicou mais de cinco mil</p><p>capas com personagens e marcas temporais icônicos.</p><p>Julia Possa – 3 de março de 2023</p><p>Figura 15</p><p>Engana-se quem pensa que as capas icônicas da Time são a primeira coisa a ser escolhida no processo</p><p>de criação. Na verdade, todas elas, desde a primeira, lançada em 3 de março de 1923, só são finalizadas</p><p>no último minuto da edição da revista.</p><p>Essa é uma prática rotineira há exatos cem anos, completados nesta sexta-feira (3 de março de</p><p>2023). No começo, os fundadores Henry Luce e Briton Hadden se enrolavam em prazos apertados, como</p><p>descreveu o atual diretor criativo da magazine, D. W. Pine.</p><p>54</p><p>Unidade I</p><p>Na primeira edição, eles pediram para que uma agência de publicidade criasse o layout da capa em</p><p>cima da hora e compraram um retrato do então presidente da Câmara dos EUA, Joseph Cannon, do</p><p>artista William Oberhardt, por US$ 50.</p><p>A imagem ilustrava uma história de apenas 300 palavras sobre a aposentadoria do político, mas deu</p><p>certo. Nascia ali um dos recursos que faria a revista Time ser reconhecida no mundo inteiro: a capa como</p><p>moldura para uma figura do seu tempo.</p><p>Ao longo da história, foram mais de cinco mil edições.</p><p>Figura 16 – Primeira edição da revista Time, de 3 de março de 1923, traz</p><p>uma ilustração do então presidente da Câmara dos EUA, Joseph Cannon</p><p>Na capa com Joseph Cannon, a revista conta como o “grande ancião do Congresso” vai se aposentar</p><p>da vida pública, aos 86 anos. O político cumpriu 23 mandatos na Câmara dos EUA.</p><p>“Tio Joe é algo mais do que um político com um recorde de idade. Ele é a personificação de uma</p><p>tradição, uma teoria política, uma técnica de governo partidário e disciplina que está rapidamente</p><p>perecendo”, diz a reportagem.</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/4unpa529. Acesso em: 27 dez. 2023.</p><p>55</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas:</p><p>I – Na famosa revista norte-americana Time, lançada em 3 de março de 1923, a criação das suas</p><p>capas icônicas é o último item no processo de produção.</p><p>II – Na primeira edição da Time, os próprios fundadores, Henry Luce e Briton Hadden, criaram o layout</p><p>da capa com bastante antecedência e usaram a imagem do então presidente dos EUA, Joseph Cannon.</p><p>III – A imagem da capa da primeira edição da Time ilustrava uma história relativamente curta sobre</p><p>a aposentadoria de Joseph Cannon e fez com que a revista fosse mundialmente identificada pela</p><p>“capa moldura”.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>A) I, apenas.</p><p>B) II, apenas.</p><p>C) III, apenas.</p><p>D) I e III, apenas.</p><p>E) I, II e III.</p><p>Resposta correta: alternativa D.</p><p>Análise das afirmativas</p><p>I – Afirmativa correta.</p><p>Justificativa: segundo o texto, “engana-se quem pensa que as capas icônicas da Time são a primeira</p><p>coisa a ser escolhida no processo de criação”. Na realidade, “todas elas, desde a primeira, lançada em 3 de</p><p>março de 1923, só são finalizadas no último minuto da edição da revista”.</p><p>II – Afirmativa incorreta.</p><p>Justificativa: segundo o texto, na primeira edição da revista</p><p>Time, seus fundadores, Henry Luce e</p><p>Briton Hadden, “pediram para que uma agência de publicidade criasse o layout da capa em cima da hora</p><p>e compraram um retrato do então presidente da Câmara dos EUA, Joseph Cannon, do artista William</p><p>Oberhardt, por US$ 50”.</p><p>56</p><p>Unidade I</p><p>III – Afirmativa correta.</p><p>Justificativa: segundo o texto, a imagem da capa da primeira edição da Time “ilustrava uma história</p><p>de apenas 300 palavras sobre a aposentadoria do político [Joseph Cannon], mas deu certo. Ali, nascia</p><p>“um dos recursos que faria a revista Time ser reconhecida no mundo inteiro: a capa como moldura para</p><p>uma figura do seu tempo”.</p><p>Questão 2. Em relação ao livro-reportagem, avalie as afirmativas:</p><p>I – Embora não tenha sido o primeiro a ser lançado, A sangue frio, de autoria do escritor, roteirista</p><p>e dramaturgo norte-americano Truman Capote (1924–1984), é considerado, por muitos especialistas, o</p><p>ápice do livro-reportagem.</p><p>II – O livro-reportagem é uma forma narrativa, ficcional ou não, que utiliza técnicas literárias para</p><p>explorar e aprofundar eventos, temas ou histórias da atualidade, sem a necessidade de obedecer aos</p><p>princípios do jornalismo.</p><p>III – Tal qual os textos jornalísticos comuns, com um lead objetivo e imparcial, o livro-reportagem</p><p>trabalha exclusivamente com a objetividade.</p><p>É correto o que se afirma em:</p><p>A) I, apenas.</p><p>B) II, apenas.</p><p>C) III, apenas.</p><p>D) I e III, apenas.</p><p>E) I, II e III.</p><p>Resposta correta: alternativa A.</p><p>Análise das afirmativas</p><p>I – Afirmativa correta.</p><p>Justificativa: em relação ao livro-reportagem intitulado A sangue frio, de Truman Capote, temos</p><p>o que segue.</p><p>“Fruto de uma intensa investigação, feita ao longo de meses, A sangue frio é um dos livros que</p><p>fundaram o jornalismo literário, gênero que combina a objetividade factual e os recursos da narrativa de</p><p>57</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>ficção. O clássico de Truman Capote conta a história da brutal chacina da família Clutter e dos autores</p><p>do crime, executados em 1965.”</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/4xmz5cyc. Acesso em: 27 dez. 2023.</p><p>Veja, a seguir, uma das capas de A sangue frio:</p><p>Figura 17 – Capa do livro A sangue frio</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/45nh6dce. Acesso em: 27 dez. 2023.</p><p>II – Afirmativa incorreta.</p><p>Justificativa: vimos, no livro-texto, que o livro-reportagem é uma forma narrativa não ficcional</p><p>que utiliza técnicas literárias para explorar e aprofundar eventos, temas ou histórias da atualidade,</p><p>combinando os princípios do jornalismo e os elementos da escrita literária, envolvendo o leitor em uma</p><p>obra que é fruto de uma pesquisa detalhada.</p><p>III – Afirmativa incorreta.</p><p>Justificativa: vimos, no livro-texto, que, diferentemente dos textos jornalísticos comuns, com um lead</p><p>objetivo e imparcial, o livro-reportagem trabalha certa subjetividade, com suas páginas contando uma</p><p>história com escrita detalhada e extensa.</p><p>o livro-reportagem e o</p><p>jornalismo de revista. O conteúdo disponível nas próximas páginas trata dos formatos, da linguagem e do</p><p>processo de produção teórica e prática de produtos jornalísticos que têm como uma das características</p><p>principais o texto aprofundado e humanístico, com publicação e transmissão por meio físico ou digital.</p><p>Além de oferecer conhecimento teórico e embasamento para análise e discussão sobre o mercado</p><p>atual, a proposta deste livro-texto é proporcionar ao aluno técnicas de produção de livros e revistas,</p><p>desde o planejamento de pauta, passando pela definição de fontes, entrevistas, apuração e checagem,</p><p>assim como o desenvolvimento do próprio texto, sua edição e publicação.</p><p>Destaca-se que o mercado para livro-reportagem nunca foi tão atrativo como produto jornalístico.</p><p>Alternativa para o enxugamento das redações, assim como para o investimento restrito dos conglomerados</p><p>de comunicação, o livro-reportagem surge como um dos conteúdos transmídias mais assertivos no</p><p>campo do jornalismo. Por outro lado, as revistas têm vivenciado um novo momento de crescimento e</p><p>efervescência com a possibilidade das publicações digitais. Além disso, vale ressaltar que a tendência da</p><p>segmentação e personalização do conteúdo, característica marcante da era digital, aparece como uma</p><p>possibilidade para a exploração dos interesses específicos de grupos, tornando o jornalismo especializado</p><p>de revista em um nicho em potencial para os novos profissionais no mercado atual.</p><p>Boa leitura!</p><p>8</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Nas últimas décadas, o jornalismo no Brasil foi caracterizado pelas grandes transformações</p><p>tecnológicas. A era digital trouxe desafios e modificações até então impensadas. O mercado de trabalho</p><p>e a rotina diária do jornalista registraram intensa mudança, a qual passou a ser cada vez mais acirrada,</p><p>principalmente nos meios digitais, exigindo do profissional de imprensa capacidade multifuncional e</p><p>visão mercadológica a fim de garantir público.</p><p>Novos conteúdos ganharam importância entre os leitores, que passaram a ter acesso quase que</p><p>instantâneo aos acontecimentos. Além disso, novos formatos ganharam espaço entre os produtos</p><p>jornalísticos, como é o caso do livro-reportagem.</p><p>É possível dizer que o livro-reportagem é um dos produtos jornalísticos mais interessantes do mercado</p><p>atual. Isso porque é um conteúdo multiplataforma, que explora a informação em profundidade, livre das</p><p>amarras tempo-espaço impostas pelos veículos de comunicação, sem contar os interesses comerciais.</p><p>Não à toa, o mercado editorial tem chamado a atenção dos profissionais de imprensa, que</p><p>assertivamente têm explorado as possibilidades proporcionadas por esse novo conteúdo. Na tendência do</p><p>empreendedorismo, jornalistas passaram a explorar muito mais os fatos em textos autorais a partir</p><p>do desenvolvimento de projetos que permitem um envolvimento maior, além de recursos narrativos</p><p>e opinativos.</p><p>Já as revistas, que viveram seu auge pouco antes da segunda metade do século XX, com o surgimento</p><p>de títulos que marcaram história no jornalismo, ganharam novo fôlego explorando novos recursos e as</p><p>plataformas digitais. Muito mais interativas – com vídeos, áudios, links e podcasts –, as revistas passaram</p><p>a atingir diferentes públicos, o que ampliou sua atuação na internet, ainda que sigam explorando o</p><p>interesse de nichos específicos, característica essencial dos produtos especializados.</p><p>9</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Unidade I</p><p>1 AS ORIGENS DO LIVRO‑REPORTAGEM</p><p>De acordo com Edvaldo Pereira Lima,</p><p>O livro-reportagem não estando, como não está, preso à rotina industrial</p><p>dos veículos periódicos, tem o potencial, em teoria, para se livrar da</p><p>captação premida pelo tempo, estando liberto da objetividade reducionista</p><p>e puramente tecnicista que habitualmente impera na imprensa regular</p><p>(Lima, 2004, p. 106).</p><p>Nos Estados Unidos, no início do século XX, surgiu o cenário para a reportagem como a conhecemos</p><p>hoje. A imprensa passava por um período de profissionalização, testada de forma única com o desenrolar</p><p>da Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914 e 1918, o que fez com que o jornalismo tivesse pela</p><p>primeira vez a missão de informar as pessoas sobre um evento mundial. O episódio, por sua complexidade,</p><p>revelou que uma guerra não pode ser entendida a partir de inúmeros fatos isolados. Seria preciso “ir ao</p><p>encontro da crescente demanda de noticiário em profundidade”, segundo Künsch (2005, p. 49).</p><p>Naquele período, diz Lima (2004), a imprensa estava muito presa aos fatos, ao ato de relatar as</p><p>ocorrências do cotidiano, mas era incapaz de costurar uma ligação entre elas, levando ao leitor o rumo e,</p><p>principalmente, os sentidos dos acontecimentos. Foi nesse momento que a reportagem passou a ganhar</p><p>espaço não apenas nos jornais e veículos diários, mas também nas revistas semanais de informação</p><p>geral, que caracterizaram a década de 1920. O modelo da revista Time, criada nos EUA em 1923, é tão</p><p>bem-sucedido que inspirou “filiais” em várias partes do mundo, sobretudo na Europa e no Brasil, como</p><p>é o caso da revista Veja, fundada em 1968.</p><p>Figura 1 – Capa da primeira edição da revista Time, lançada em março de 1923</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/3um6p4rw. Acesso em: 29 jan. 2024.</p><p>10</p><p>Unidade I</p><p>Observação</p><p>A famosa revista norte-americana Time foi lançada em 3 de março de</p><p>1923, tendo recentemente completado 100 anos em circulação. A criação</p><p>de suas capas icônicas é o último item no processo de produção, desde que</p><p>foi lançada. Na sua primeira edição, seus fundadores, Henry Luce e Briton</p><p>Hadden, pediram para uma agência de publicidade criar o layout da capa</p><p>em cima da hora e compraram um retrato do então presidente da Câmara</p><p>dos EUA, Joseph Cannon, por US$ 50. A imagem, que ilustrava a história da</p><p>aposentadoria do político, impulsionou um recurso que faria a revista Time</p><p>ser reconhecida no mundo inteiro: a capa como moldura.</p><p>Saiba mais</p><p>Leia o artigo a seguir:</p><p>POSSA, J. Revista “Time” completa 100 anos; confira 10 capas famosas.</p><p>Giz_br, 3 mar. 2023. Disponível em: http://tinyurl.com/ya3j96mc. Acesso</p><p>em: 9 fev. 2024.</p><p>Não há como explicar a existência do livro-reportagem sem fazer referência direta à reportagem.</p><p>Segundo Sodré e Ferrari (1986, p. 11), reportagem “é uma extensão da notícia e, por excelência, a forma</p><p>narrativa do veículo impresso”. Dessa forma, se a notícia é o relato do fato jornalístico, a reportagem</p><p>seria a narrativa que aborda as origens, as implicações e os desdobramentos de um fato, assim como</p><p>apresenta os personagens envolvidos nele, humanizando-os.</p><p>Toda reportagem requer investigação e interpretação, segundo Lage (2001); é a expressão do</p><p>jornalismo interpretativo, que busca preencher os vazios informativos deixados pela notícia por meio</p><p>de uma narrativa composta por elementos como contexto, antecedentes, projeção no futuro, suporte</p><p>especializado – quem possui conhecimento sobre o fato – e perfil dos personagens relacionados ao fato</p><p>(Lima, 2004).</p><p>A reportagem tem como proposta ampliar os fatos para uma dimensão contextual e colocar para o</p><p>receptor uma compreensão de maior alcance, objetivo melhor atingido na prática da grande-reportagem,</p><p>proporcionando um mergulho de fôlego nos fatos e em seu contexto e oferecendo ao seu autor maior</p><p>liberdade para “quebrar” padrões e fórmulas convencionais de tratamento da notícia.</p><p>Nos Estados Unidos, o livro de Truman Capote intitulado A sangue frio é considerado o ápice do</p><p>livro-reportagem. Apesar de não ser o primeiro lançado, especialistas apontam-no como um clássico</p><p>do gênero no mundo.</p><p>11</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Figura 2 – Capa do livro A sangue frio, de Truman Capote</p><p>Fonte: Capote (2003, capa).</p><p>Observação</p><p>O escritor, roteirista e dramaturgo norte-americano Truman Streckfus</p><p>Persons, mais conhecido como Truman Capote, nasceu em 1924, em Nova</p><p>Orleans, Louisiana. É autor de vários contos, romances e peças teatrais.</p><p>Seu livro A sangue frio, lançado em 1965, trata de um brutal assassinato</p><p>de uma conhecida família até a execução dos assassinos. Considerado um</p><p>marco do jornalismo investigativo mundial, a história tem início com a</p><p>morte de quatro membros de uma mesma família, em novembro de 1959,</p><p>em uma fazenda na cidade de Holcomb, no Kansas, Estados Unidos. No</p><p>local, pai, mãe e filhos foram amordaçados e baleados por Richard Eugene</p><p>“Dick” Hickock e Perry Edward Smith.</p><p>O crime teve ampla cobertura da imprensa, por se tratar de uma família</p><p>conhecida e pela gravidade dos fatos. Porém, pouco havia sido falado sobre</p><p>as motivações. Assim que soube da notícia, Capote resolveu viajar para o</p><p>Kansas para cobrir a história. Juntamente com a escritora e colega Nelle</p><p>Harper Lee, entrevistou os assassinos, que revelaram detalhes da chacina.</p><p>12</p><p>Unidade I</p><p>Na verdade, a essência do livro-reportagem está na grande-reportagem. Afinal, nessa modalidade,</p><p>é possível o aprofundamento intensivo e extensivo da reportagem tradicional, aquela vista em jornais</p><p>impressos e digitais, sites e mesmo em produtos especiais no dia a dia. O aprofundamento extensivo/</p><p>horizontal, para Lima (2004), amplia quantitativamente a taxa de conhecimento do leitor sobre o tema</p><p>por meio de dados, números, informações e detalhes relacionados. Já o aprofundamento intensivo/</p><p>vertical amplia qualitativamente essa taxa, apontando causas, consequências, efeitos, desdobramentos,</p><p>repercussões e implicações do assunto reportado.</p><p>Para ser mais direto e preciso, o livro-reportagem é um veículo de comunicação impressa não</p><p>periódico, que apresenta reportagens em grau de amplitude muito superior ao dado pelos veículos de</p><p>comunicação periódicos e tradicionais. Lima (2004) o define como o grau de tratamento superior do</p><p>tema em foco nos aspectos extensivo e intensivo.</p><p>Observação</p><p>O livro-reportagem tem origem no próprio livro. Segundo o Dicionário</p><p>de Comunicação, de Gustavo Barbosa e Carlos Alberto Rabaça (2002), a</p><p>concepção de livro como publicação não periódica consiste materialmente</p><p>na reunião de folhas de papel impresso ou manuscritas, organizadas</p><p>em cadernos, soltas ou presas por processo de encadernação e técnicas</p><p>similares. Seguindo as normas da Organização das Nações Unidas para</p><p>Educação, Ciência e Cultura (Unesco, s.d.), considera-se livro a publicação</p><p>com mais de 48 páginas.</p><p>O livro-reportagem pode ser resultado da simples compilação de reportagens já publicadas com uma</p><p>proposta clara e objetiva – por exemplo, o acompanhamento de um único assunto ou reportagens de</p><p>autoria de um único profissional. Também pode ser resultado de uma proposta desenvolvida para um</p><p>livro, pensado como tal produto e que contenha características específicas jornalísticas.</p><p>No Brasil, Os sertões, de Euclides da Cunha, é apontado como o primeiro livro-reportagem</p><p>nacional. A obra-prima escrita pelo autor completou 120 anos em 2022 e também é um clássico do</p><p>gênero. A obra surgiu de uma cobertura intensa de Euclides da Cunha da Guerra de Canudos, entre 1896</p><p>e 1897, para o jornal O Estado de S. Paulo. Cunha foi enviado pelo periódico como correspondente de</p><p>guerra a convite do jornalista Júlio de Mesquita, proprietário do jornal.</p><p>É assim Os sertões do Sr. Euclides da Cunha: um livro vivo: terra, céus e</p><p>almas. Não é uma descrição trabalhada – é uma região e são fatos; [...].</p><p>As páginas têm a energia da natureza [...].</p><p>O livro de Euclides da Cunha é o mais belo que, no seu gênero, tem sido</p><p>publicado no Brasil [...].</p><p>13</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>E uma terra que possui tais escritores não é uma terra morta, dispõe do</p><p>primeiro elemento de progresso que é o pensamento e da melhor fonte de</p><p>civilização, que é a Arte no que ela tem de mais nobre, mais difícil e mais</p><p>comunicativo que é a criação verbal (Coelho Netto, 1904, p. 89–99).</p><p>Figura 3 – Capa da segunda edição corrigida do livro Os sertões: campanha de Canudos, de Coelho Netto, que</p><p>reúne as primeiras resenhas de Cunha e está disponível em PDF da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin</p><p>Fonte: Coelho Netto (1904, capa).</p><p>Saiba mais</p><p>Leia a obra na íntegra no link a seguir:</p><p>COELHO NETTO, H. In: Juízos críticos – Os sertões: campanha de Canudos. Rio</p><p>de Janeiro: Laemmert, 1904. p. 88–99. Disponível em: http://tinyurl.com/4a548uyr.</p><p>Acesso em: 9 fev. 2024.</p><p>14</p><p>Unidade I</p><p>A cobertura do conflito armado para encerrar a suposta contestação popular ao regime republicano</p><p>que surgiu no interior da Bahia se transformou em um clássico brasileiro, como uma verdadeira</p><p>epopeia da vida do sertanejo, que lutou diuturnamente contra as dificuldades impostas pela natureza,</p><p>enfrentando ainda a incompreensão daqueles que formavam a elite nacional da época.</p><p>Observação</p><p>Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em Cantagalo, Rio de</p><p>Janeiro, em 20 de janeiro de 1866. Foi um importante escritor modernista</p><p>brasileiro, que atuou também como professor, filósofo, historiador,</p><p>sociólogo, jornalista, engenheiro e geógrafo. Em 1903, foi eleito patrono da</p><p>cadeira n. 7 da Academia Brasileira de Letras (ABL).</p><p>Ele escreveu Os sertões ao longo de cinco anos, de 1897 a 1902. A obra</p><p>é considerada o primeiro livro-reportagem do Brasil, pois procura ser muito</p><p>mais do que literatura: busca ser uma obra de não ficção, uma não ficção</p><p>literária ou mesmo um livro jornalístico-literário, pois Cunha relatou fatos,</p><p>ainda que o tenha feito de forma literária.</p><p>O que deve ficar claro é que o livro-reportagem se distingue dos demais tipos de livro por três</p><p>condições essenciais: conteúdo, tratamento e função.</p><p>Sobre conteúdo, seu objetivo de abordagem corresponde a um acontecimento ou a vários fatos</p><p>reais. Nunca um livro-reportagem trata de histórias fictícias. Portanto, todo o seu conteúdo obedece aos</p><p>mesmos procedimentos jornalísticos que uma matéria comum e é estritamente baseado em fatos reais.</p><p>Quanto ao tratamento, sua linguagem é jornalística, preservando o equilíbrio entre a comunicação</p><p>objetiva e eficaz, evidenciada pelo registro formal e o registro coloquial, possibilitando ao autor deixar</p><p>sua marca autoral pelas descrições detalhadas de ambientes, de características físicas dos personagens,</p><p>de situações e mesmo das percepções do ambiente, caso essas informações sejam pertinentes e</p><p>contribuam para o entendimento e a compreensão do leitor.</p><p>Já em sua função, o livro-reportagem serve a distintas e variadas finalidades com o objetivo</p><p>de informar, orientar e explicar, abarcando diversos gêneros jornalísticos, como o interpretativo,</p><p>opinativo, investigativo, policial e mesmo diversional ou de entretenimento.</p><p>Segundo Lima (2004, p. 4),</p><p>O livro-reportagem cumpre um relevante papel, preenchendo vazios deixados</p><p>pelo jornal, pela revista, pelas emissoras de rádio, pelos noticiários da</p><p>televisão, até mesmo pela internet quando utilizada jornalisticamente nos</p><p>mesmos moldes das normas vigentes na prática impressa convencional.</p><p>Mais do que isso, avança para o aprofundamento do conhecimento do nosso</p><p>15</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>tempo, eliminando, parcialmente que seja, o aspecto efêmero da mensagem</p><p>da atualidade praticada pelos canais cotidianos da informação jornalística.</p><p>Suas características e especificidades se formam a partir da necessidade de complementar o</p><p>noticiário diário e periódico e criam possibilidades para aprofundar assuntos mais complexos e extensos.</p><p>Uma de suas justificativas está exatamente na capacidade de esse produto jornalístico se desvincular da</p><p>necessidade de ser essencialmente atual, diferentemente do que baseia a seleção de notícias dos veículos</p><p>de imprensa periódicos – que, de certa forma, acabam limitados ao imediatismo dos fatos ocorridos no</p><p>presente em detrimento ao que é tido como passado, “velho” e, portanto, fora da pauta diária.</p><p>Para entender a contemporaneidade, o livro-reportagem avança nos estudos e pesquisas históricas,</p><p>dando um novo significado ao que já estaria no passado para os veículos de imprensa com periodicidade</p><p>mais curta. Isto é, o que seria descartado por jornais, sites e mesmo</p><p>revistas acaba tendo uma versão</p><p>revigorada nos livros-reportagens a partir de novos olhares, contextos, ligações e mesmo outros</p><p>significados. Dessa forma, o livro-reportagem acaba escapando da lei tradicional da imprensa, em que o</p><p>ineditismo e a atualidade são conceitos básicos que determinam qualquer pauta.</p><p>Com isso, é possível compreender o livro-reportagem como um produto jornalístico que se aproxima</p><p>da história, o que não acontece de forma acidental, pois o exercício do jornalismo literário como suporte</p><p>ao livro dialoga diretamente com diversos recursos das ciências humanas e sociais.</p><p>Lembrete</p><p>O livro-reportagem é uma obra baseada em fatos reais, resultante de</p><p>técnicas e procedimentos jornalísticos – da pauta à linguagem, passando</p><p>por entrevistas, pela apuração e pelo processo de checagem. De forma</p><p>alguma, nesse produto jornalístico, cabem elementos de ficção, sejam</p><p>histórias ou mesmo personagens.</p><p>O livro-reportagem surge essencialmente da possibilidade de aprofundar uma história ou um</p><p>caso abordado de forma corriqueira e muito mais superficial por um veículo de comunicação, cuja</p><p>periodicidade, espaço físico e ligações publicitárias impedem muitas vezes o profissional de imprensa de</p><p>“mergulhar” em um assunto de maneira mais profunda, ainda que o tema mereça atenção e dedicação</p><p>especiais. Isso porque a lógica de mercado obriga, em frequentes ocasiões, a reportagem a tomar forma</p><p>e corpo de notícia pela necessidade de sintetizar e reduzir o texto, respeitando o esquema tradicional</p><p>de pirâmide invertida, em que as informações principais e consideradas as mais importantes são</p><p>colocadas no primeiro parágrafo, ou seja, no topo da matéria.</p><p>Sem tempo, espaço e investimento, a reportagem tem encontrado nos livros extensão e autonomia</p><p>necessários, já que não requer publicidade e não possui concorrência que interfira na escolha de suas</p><p>temáticas. O veterano jornalista Ricardo Kotscho (1989) lembra que grandes-reportagens exigem</p><p>investimento de dinheiro e de tempo, motivos pelos quais estariam desaparecendo dos noticiários</p><p>periódicos, sejam eles impressos, digitais ou em emissoras de televisão. O desinteresse da audiência e</p><p>16</p><p>Unidade I</p><p>a linha editorial dos grandes veículos de comunicação também podem ser incluídos nos motivos que</p><p>levaram a reportagem “de fôlego” a encontrar nos livros espaço mais adequado para seu desenvolvimento.</p><p>É claro que esse caminho também foi impulsionado pela motivação e inquietude dos jornalistas</p><p>impedidos, no trabalho cotidiano, de dizer tudo o que gostariam e com o potencial narrativo de que</p><p>dispõem – um exemplo candente é o de Caco Barcellos, autor de Rota 66 e Abusado, livros-reportagem</p><p>que se tornaram referências brasileiras a partir de investigações e inspirações oriundas do trabalho</p><p>de repórter.</p><p>1.1 Livro-reportagem e jornalismo literário: a relação realidade/ficção</p><p>no jornalismo</p><p>A liberdade em relação à estrutura empresarial favorece a expressão das marcas autorais do</p><p>jornalista que escreve um livro-reportagem, no qual se identificam o estilo e a forma de narrar de quem</p><p>o produz. Embora o livro-reportagem seja uma obra jornalística e não ficcional, a aproximação com a</p><p>literatura é inegável.</p><p>Quando uma história se mantém no foco do interesse público, é quase certo</p><p>virar uma “reportagem-novela”. Reproduz-se, então, a mesma fórmula do</p><p>folhetim, que veio a dar no romance – e surge o livro-reportagem (Sodré;</p><p>Ferrari, 1986, p. 94).</p><p>É fato que o flerte entre jornalismo e literatura é bem antigo. Na verdade, é na literatura que o</p><p>jornalismo finca suas raízes originárias e formadoras do campo, já que a própria história do jornalismo</p><p>se confunde com a da literatura. No sentido prático, Clóvis Rossi (2002) compara o jornalismo a uma</p><p>batalha pela conquista da atenção do público. Assim como na literatura, a palavra escrita torna-se</p><p>o principal recurso que caracteriza a ação do jornalismo para atingir seu principal alvo.</p><p>Num primeiro contato, pode-se dizer que o jornalismo aproveita os recursos literários para compor</p><p>sua imagem de campo específico. Antes de 1930, os jornais utilizavam a literatura para entreter o</p><p>leitor por meio de suas histórias. Não à toa, grandes nomes da literatura em todo o mundo atuaram</p><p>em grandes jornais. No Brasil, literatos como Machado de Assis, Euclides da Cunha e Graciliano Ramos</p><p>foram alguns nomes com atuação reconhecida em jornais com circulação nacional.</p><p>17</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Figura 4 – Machado de Assis teve suas obras publicadas em folhetins na imprensa</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/432dcf85. Acesso em: 29 jan. 2024.</p><p>Observação</p><p>Joaquim Maria Machado de Assis, conhecido apenas como Machado</p><p>de Assis, foi jornalista, cronista, romancista, poeta e teatrólogo. Filho do</p><p>pintor e dourador Francisco José de Assis e da açoriana Maria Leopoldina</p><p>Machado de Assis, o literato nasceu no Rio de Janeiro, em 21 de junho de</p><p>1839, e faleceu também no Rio, em 29 de setembro de 1908. Foi criado no</p><p>Morro do Livramento e perdeu a mãe muito cedo.</p><p>É fundador da cadeira n. 23 da Academia Brasileira de Letras, tendo</p><p>ocupado a sua presidência por dez anos, passando esta a ser chamada</p><p>também de Casa de Machado de Assis.</p><p>Entre seus livros, estão Ressurreição, publicado em 1872, sua primeira</p><p>obra. Em 1874, O Globo (jornal de Quintino Bocaiúva) publicou em</p><p>folhetins o romance A mão e a luva. Intensificou a colaboração em jornais</p><p>e revistas, como O Cruzeiro, A Estação e Revista Brasileira, escrevendo</p><p>crônicas, contos, poemas e romances, que iam saindo em folhetins e depois</p><p>eram publicados em livros. Entre suas obras, estão clássicos da literatura</p><p>em língua portuguesa, como Dom Casmurro, Memórias póstumas de Brás</p><p>Cubas, O alienista, Quincas Borbas e A cartomante, entre outros.</p><p>18</p><p>Unidade I</p><p>Saiba mais</p><p>Algumas das obras de Machado de Assis publicadas na imprensa podem</p><p>ser revistas em seu site, criado pela Academia Brasileira de Letras, no</p><p>link a seguir:</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/356xjcxa. Acesso em: 3 jan. 2024.</p><p>Esses jornais eram responsáveis pela publicação de contos ou artigos, muitos compilados e</p><p>transformados em livros, hoje, clássicos literários brasileiros, conhecidos na época como folhetins.</p><p>A partir do momento em que se insere na área da cultura mercadológica, o veículo passa a vender</p><p>histórias. O jornalismo articulava a literatura enquanto produto de consumo, e não mais como um</p><p>“mero” caderno literário. A literatura, por sua vez, encontra no jornal uma notoriedade diferente e uma</p><p>maior proximidade com o público. Para Lima (2004), esse é o principal fator que atrai os escritores até as</p><p>redações de jornal e, consequentemente, transporta a literatura para as páginas impressas do jornalismo.</p><p>Inicialmente, é o jornalismo que bebe na fonte e na “boêmia” literária.</p><p>Depois, é a literatura que descobre no jornalismo um meio de repensar sua</p><p>prática, através da realidade efetiva com um “sabor literário”, baseado na</p><p>precisão da textualidade, clareza e simplicidade. Ou seja, a literatura retira</p><p>temáticas do jornalismo que podem construir a realidade de suas histórias</p><p>(Oliveira, 2006, p. 2).</p><p>Lima (2004) aponta essa relação como um constante sistema de trocas que marcam o desenvolvimento</p><p>dos gêneros jornalístico e literário. Segundo ele, o jornalismo absorve elementos do fazer literário, mas</p><p>os transforma, dando um aproveitamento direcionado a outro fim. E é essa tarefa, a de sair do real</p><p>para coletar dados e retratá-los, a missão que o jornalismo exige das formas de expressão que passa a</p><p>importar da literatura, adaptando-as e transformando-as.</p><p>Mas há algo que esses dois gêneros não podem negar, que é a diluição de ambos no emprego</p><p>da criatividade e habilidade narrativa para descrever e relatar situações do cotidiano, no caso do</p><p>jornalismo, e imaginárias, no caso da literatura. Apesar das caraterísticas distintas, ambos têm muito a</p><p>contribuir entre si.</p><p>O New Journalism é considerado o movimento que marcou essa mudança nos veículos</p><p>periódicos</p><p>tradicionais. Surgido nos Estados Unidos em meados da década de 1960, o New Journalism foi uma</p><p>alternativa ao jornalismo de estilo objetivo e distanciado dos fatos, que caracterizava a imprensa</p><p>americana até então. A reportagem deixava de ser um simples relato para se transformar num texto</p><p>quase literário, que reconstruía os acontecimentos a partir da vivência do repórter.</p><p>19</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Observação</p><p>Considerado um “jornalismo de autor”, o New Journalism abandonava</p><p>dogmas do jornalismo tradicional, como neutralidade, distanciamento e</p><p>narrativa sempre na terceira pessoa, para valorizar a figura do repórter</p><p>no meio dos acontecimentos, dando a ele liberdade para criar e ousar a</p><p>partir do registro de detalhes como gestos, hábitos, decoração e vestuário.</p><p>A reportagem foi transformada numa espécie de novela realista. Ao estilo</p><p>se dedicaram repórteres – depois escritores – como Tom Wolfe, Truman</p><p>Capote e Gay Talese.</p><p>O New Journalism chegou ao Brasil em 1966, com o lançamento, em São Paulo, da revista Realidade</p><p>e do Jornal da Tarde, ambos trazendo reportagens que se aproximavam da literatura e que abrigaram</p><p>toda uma geração de jornalistas-escritores.</p><p>Figura 5 – Primeira capa da revista Realidade, publicada em abril de 1966</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/2rte7wfz. Acesso em: 30 jan. 2024.</p><p>20</p><p>Unidade I</p><p>Observação</p><p>A revista Realidade foi lançada pela Editora Abril e circulou de abril</p><p>de 1966 até março de 1976. Ela tinha características inovadoras para a</p><p>época, com matérias em primeira pessoa e fotos que deixavam perceber</p><p>a existência do fotógrafo. Tinha um design pouco convencional para a</p><p>época. A publicação ganhou destaque por suas grandes reportagens,</p><p>permitindo que o repórter “vivesse” a matéria por um mês ou mais, até</p><p>a publicação. Foi inspirada nas revistas Life, Look e Paris Match, mas com</p><p>uma pauta mais revolucionária do que elas. A proposta da publicação era</p><p>valorizar as grandes reportagens.</p><p>Especialistas acreditam que o livro-reportagem está exatamente “no meio do caminho” entre os</p><p>gêneros jornalístico e literário. Tem um pouco da influência do movimento que dominou a imprensa,</p><p>como o New Journalism, mas seria muito mais identificado como um produto híbrido. Na verdade,</p><p>o livro-reportagem é marcado por características de ambos os gêneros – jornalismo e literatura –,</p><p>preservando a realidade no relato dos fatos, mas que se utiliza de recursos como descrição, pesquisa e</p><p>linguagem envolvente, inclusive com emprego de adjetivos, para atrair e manter a atenção do leitor.</p><p>É justamente por esse motivo que autores como Amoroso Lima (1969) insistem na hipótese de que</p><p>o jornalismo é um gênero literário.</p><p>O estilo jornalístico – atualidade, objetividade, realismo, precisão, concisão, clareza e cultura –,</p><p>como defende Amoroso Lima, constitui o traço diferencial que faz do jornalismo um gênero literário.</p><p>É justamente esse estilo que seleciona o que fará parte do campo; por isso, o jornalismo é uma espécie de</p><p>literatura desprovida de ficção. Essas são as características essenciais ao jornalismo (Lima, 1969, p. 64).</p><p>Para Edvaldo Pereira Lima (2004, p. 36), o livro-reportagem seria o resultado da união entre</p><p>jornalismo e literatura. Um romance que busca uma linguagem aprofundada, cujo objetivo reside em</p><p>intensificar a utilização de elementos narrativos para estruturar seu relato. “Um subsistema híbrido,</p><p>que incorpora procedentes do jornalismo – pauta, temática, redação e edição – com condicionamentos</p><p>literários e editoriais – elementos narrativos, mercado, público, distribuição”.</p><p>Lembrete</p><p>Todo processo de produção do livro-reportagem obedece às regras e</p><p>aos procedimentos jornalísticos – da pauta, da entrevista, da apuração</p><p>e da checagem até a redação. A esse tipo de produto cabe uma linguagem</p><p>mais informal, descritiva e até o texto em primeira pessoa. Tudo depende</p><p>da função e da proposta do produto em desenvolvimento. Algo, porém, é</p><p>bem característico desse tipo de conteúdo jornalístico: a profundidade e a</p><p>complexidade das informações, que contam com dados e pesquisas que</p><p>apoiam e embasam o texto.</p><p>21</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>2 FUNÇÕES DO LIVRO‑REPORTAGEM</p><p>O livro-reportagem é uma forma narrativa não ficcional que utiliza técnicas literárias para</p><p>explorar eventos, temas ou histórias da atualidade e aprofundar-se neles, combinando os princípios</p><p>do jornalismo e os elementos da escrita literária, envolvendo o leitor em uma obra que é fruto de uma</p><p>pesquisa detalhada.</p><p>Nesse tipo de obra, a estrutura é baseada a partir da divisão de capítulos, cada qual explorando um</p><p>aspecto diferente do tema abordado pelo livro. Nesse caso, são feitas pesquisas extensas, com entrevistas</p><p>e análises, de acordo com Martins (2021).</p><p>Diferentemente dos textos jornalísticos comuns, com um lead objetivo e imparcial, o livro-reportagem</p><p>explora uma certa subjetividade. Suas páginas contam uma história com uma escrita detalhada</p><p>e extensa, o que não é característico nos meios de comunicação convencionais.</p><p>A grande-reportagem é a essência do jornalismo. Nela, os profissionais apresentam novos significados,</p><p>novos contextos, novos olhares para fatos que permeiam o cotidiano, desde os grandes acontecimentos</p><p>aos assuntos comuns. A grande-reportagem permite liberdades não possíveis de vivenciar no jornalismo</p><p>diário, que é ligeiro e apressado (Santos, 2009).</p><p>Nesse tipo de texto, os personagens do cotidiano recebem grande atenção, e o ordinário se torna</p><p>extraordinário, seja por uma história triste, de superação, de um evento emocionante ou de uma grande</p><p>perda. O personagem se torna um grande objeto de pesquisa para o jornalista.</p><p>Dessa maneira, o livro-reportagem busca por eventos, relatos e histórias não convencionais,</p><p>realizando um estudo aprofundado sobre o assunto retratado e estabelecendo, muitas vezes, uma</p><p>conexão emocional com o leitor, que se sente instigado a continuar a leitura. Apesar de utilizar-se desses</p><p>aspectos, o jornalista mantém durante todo o tempo um compromisso com a precisão factual, pois,</p><p>embora trate de assuntos subjetivos e delicados, ele deve se ater ao compromisso com a ética jornalística.</p><p>Tal qual o historiador, o jornalista é o profissional da imprensa que seleciona os fatos que acontecem</p><p>no mundo a partir de critérios de valoração, conforme uma complexa interação entre fontes, formas de</p><p>captação de dados, e, mais que isso, sob a influência do contexto histórico, social, político e cultural em</p><p>que vive. O jornalismo, então, vive e sobrevive nessa rede de fios do passado e do presente para tecer</p><p>a narrativa da contemporaneidade, no dever de estar sempre ligado ao vetor da ética (Santos, 2009).</p><p>Lima (2004) define o livro-reportagem como um veículo de comunicação jornalística que desempenha</p><p>um papel específico: prestar informação ampliada sobre fatos, situações e ideias de relevância social,</p><p>visando abraçar uma grande variedade de temas.</p><p>22</p><p>Unidade I</p><p>Lembrete</p><p>O livro-reportagem busca por eventos, relatos e histórias não</p><p>convencionais, realizando um estudo aprofundado sobre o assunto retratado</p><p>e estabelecendo, muitas vezes, uma conexão emocional com o leitor, que se</p><p>sente instigado a continuar a leitura. Apesar de utilizar-se desses aspectos,</p><p>o jornalista mantém durante todo o tempo um compromisso com a precisão</p><p>factual, pois, embora trate de assuntos subjetivos e delicados, ele deve se</p><p>ater ao compromisso com a verdade e a ética jornalística.</p><p>O livro-reportagem ocupa um espaço importante no mercado editorial, preenchendo as lacunas</p><p>deixadas pelos jornais, revistas, emissoras de rádio, noticiários e redes sociais, já que apresenta um</p><p>panorama mais completo, analítico e profundo dos acontecimentos.</p><p>Saiba mais</p><p>O livro Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão</p><p>do jornalismo e da literatura (2004) é essencial para compreender o</p><p>universo do livro-reportagem. Edvaldo Pereira Lima é referência no</p><p>mundo do jornalismo e buscou traçar as técnicas,</p><p>os procedimentos e as</p><p>atitudes necessárias para que os jornalistas possam realizar sua atividade</p><p>com excelência.</p><p>Nesse trabalho, Lima propõe uma definição teórica do livro-reportagem,</p><p>baseando-se no passado e no contexto em que escreveu, realizando uma</p><p>definição e proposta para o futuro. O autor busca explorar os portais</p><p>que conectam o jornalismo de profundidade, a literatura, a história, a</p><p>antropologia, a sociologia. Ao longo da narrativa, são apresentados exemplos</p><p>nacionais e internacionais. Nesse sentido, Lima discute informações para</p><p>que o jornalista possa escrever uma obra ética e comprometida com</p><p>a realidade.</p><p>Leia a obra:</p><p>LIMA, E. P. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do</p><p>jornalismo e da literatura. 2. ed. Barueri: Manole, 2004.</p><p>23</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>.</p><p>Figura 6 – Capa do livro Páginas ampliadas, de Edvaldo Pereira Lima</p><p>Fonte: Lima (2004, capa).</p><p>Lima (2004) considera que, para realizar um bom livro-reportagem, o jornalista deve se ater a três</p><p>principais conceitos baseados na Teoria Geral dos Sistemas, de Ludwig von Bertalanffy:</p><p>1. Contextualizar o fenômeno analisado e estudado, objetivando detectar a realidade em torno dele</p><p>e as características intrínsecas que possam afetar seu comportamento.</p><p>2. Mapear o fenômeno relacionando-o ao tempo, buscando definir suas particularidades e</p><p>antecedentes e procurando inferir possíveis desdobramentos no futuro.</p><p>3. Identificar a função que o sistema desempenhou, desempenha e possa vir a desempenhar.</p><p>As bases para a compreensão da interpretação do livro-reportagem com</p><p>o jornalismo provêm do que se chama de ordem hierárquica, na Teoria</p><p>Geral dos Sistemas. Trata-se de uma proposição que concebe a realidade</p><p>como constituída por diferentes entidades organizadas, numa superposição</p><p>de muitos níveis. Cada nível é dotado de um princípio organizador, e o</p><p>conjunto das diferentes entidades organizadas forma um todo único, com</p><p>interligações entre elas (Lima, 2004, p. 19).</p><p>Assim, segundo o autor, o livro-reportagem é um subsistema do jornalismo e a função que ele exerce</p><p>o precede, essencialmente, bem como os recursos técnicos utilizados para escrevê-lo. Dessa maneira, o</p><p>livro-reportagem é fruto da inquietude do jornalista que não encontra espaço para fazê-lo em seu</p><p>âmbito regular de trabalho na imprensa cotidiana, que preza pela objetividade e pela velocidade da</p><p>reprodução da notícia ou hard news.</p><p>24</p><p>Unidade I</p><p>Edvaldo Pereira Lima, importante escritor, jornalista e educador na área do jornalismo, realizou a</p><p>separação em categorias para classificar o livro-reportagem:</p><p>• livro-reportagem-perfil;</p><p>• livro-reportagem-depoimento (action-story / testemunha privilegiada);</p><p>• livro-reportagem-retrato (não focaliza uma figura humana, mas um objeto em questão);</p><p>• livro-reportagem-ciência (divulgação científica);</p><p>• livro-reportagem-ambiente (interesses ambientais / ecossistemas / não foca no humano);</p><p>• livro-reportagem nova consciência (novas correntes comportamentais / sociais / culturais e outras);</p><p>• livro-reportagem-instantâneo (fatos recém-concluídos / atualidade / não é efêmero / livro-reportagem</p><p>da história imediata);</p><p>• livro-reportagem-atualidade (seleciona os temas atuais, mas cujos desdobramentos finais ainda</p><p>não são reconhecidos);</p><p>• livro-reportagem-antologia (reportagens agrupadas);</p><p>• livro-reportagem-denúncia (propósito investigativo de denunciar escândalos);</p><p>• livro-reportagem-ensaio (ponto de vista evidenciado do autor / foco narrativo);</p><p>• livro-reportagem-viagem;</p><p>• livro-reportagem-história.</p><p>Observação</p><p>Edvaldo Pereira Lima possui mestrado em Ciências da Comunicação pela</p><p>Universidade de São Paulo (1982), doutorado em Ciências da Comunicação</p><p>pela Universidade de São Paulo (1990) e pós-doutorado em Educação pela</p><p>Universidade de Toronto (2001).</p><p>É autor de importantes livros na área do jornalismo, como Jornalismo</p><p>literário avançado (2010), Páginas ampliadas: o livro-reportagem como</p><p>extensão do jornalismo e da literatura (1995) e Escrita total: o método (2013).</p><p>25</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Saiba mais</p><p>Assista ao vídeo a seguir:</p><p>JORNALISMO Literário: Edvaldo Pereira Lima comenta Gay Talese. 2015.</p><p>1 vídeo (4 min). Publicado pelo canal Edvaldo Pereira Lima. Disponível em:</p><p>http://tinyurl.com/26muyzv3. Acesso em: 4 jan. 2024.</p><p>O livro-reportagem de perfil busca evidenciar o lado humano e a personalidade do personagem</p><p>retratado. Nessa classificação, o perfil ganha cada vez mais espaço no jornalismo, pois é através desse</p><p>gênero que se pode conhecer a realidade de um artista ou de uma pessoa pública, revelando a vida</p><p>privada ou profissional dos personagens. Para Santos (2016), o texto de perfil é um tipo de texto</p><p>biográfico, sobre uma pessoa viva, famosa ou não.</p><p>Em relação à narrativa, o texto-perfil apresenta uma escrita proeminentemente reflexiva. Santos</p><p>(2016) aponta que esse tipo de livro-reportagem apresenta como características ser uma reportagem</p><p>narrativa-descritiva, ter o enfoque em uma história de vida e expressar a vida em seu contexto e o modo</p><p>de pensar e viver do entrevistado.</p><p>O livro-reportagem-depoimento tem algumas semelhanças com o texto de perfil, porém, nesse caso,</p><p>as informações são relatadas pelo próprio personagem. Ele é quem relata os fatos ocorridos, carregados</p><p>por sua subjetividade e pelo seu ponto de vista.</p><p>O livro-reportagem-retrato não focaliza uma figura humana, mas busca explorar um objeto</p><p>específico, como um local, um evento ou um fenômeno natural. Essa categoria busca transformar algo</p><p>simples e ordinário em uma reportagem complexa e aprofundada.</p><p>Um livro-reportagem de divulgação científica trata de um estudo com informações aprofundadas</p><p>sobre pesquisas e estudos de cunho científico e acadêmico; o livro-reportagem-ambiente aborda</p><p>temáticas como ecossistemas e meio ambiente; e o livro-reportagem-viagem trabalha de maneira</p><p>objetiva e clara o tema sem utilizar figuras humanas como personagem.</p><p>O livro-reportagem-história trata de uma narrativa com foco em explorar eventos históricos. Um</p><p>exemplo dessa categoria é o já mencionado livro Os sertões, do pré-modernista e jornalista Euclides</p><p>da Cunha. O autor retratou e documentou a Guerra de Canudos na Bahia, como é possível observar no</p><p>seguinte trecho:</p><p>Escrito nos raros intervalos de folga de uma carreira fatigante, este livro, que</p><p>a princípio se resumia à história da Campanha de Canudos, perdeu toda a</p><p>atualidade, remorada a sua publicação em virtude de causas que temos por</p><p>escusado apontar.</p><p>26</p><p>Unidade I</p><p>Demos-lhe, por isto, outra feição, tomando apenas variante de assunto</p><p>geral o tema, a princípio dominante, que o sugeriu. Intentamos esboçar,</p><p>palidamente embora, ante o olhar de futuros historiadores, os traços atuais</p><p>mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil. E fazemo-lo porque a sua</p><p>instabilidade de complexos de fatores múltiplos e diversamente combinados,</p><p>aliada às vicissitudes históricas e deplorável situação mental em que jazem,</p><p>as tomam talvez efêmeras, destinadas a próximo desaparecimento ante às</p><p>exigências crescentes da civilização e a concorrência material intensiva das</p><p>correntes migratórias que começam a invadir profundamente a nossa terra</p><p>(Cunha, 1901, p. 1).</p><p>Saiba mais</p><p>O site Domínio Público disponibiliza a obra Os sertões, de Euclides da</p><p>Cunha, em PDF, gratuitamente. Basta entrar no link a seguir, pesquisar pelos</p><p>dados do livro e baixar o arquivo digital na íntegra.</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/yc2s9k95. Acesso em: 4 jan. 2024.</p><p>Figura 7 – Euclides da Cunha</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/3f8r2zpc. Acesso em: 8 fev. 2024.</p><p>27</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Observação</p><p>No trecho “Escrito nos raros intervalos de folga de uma carreira fatigante,</p><p>este livro, que se resumia à história da Campanha de Canudos [...]”, Euclides</p><p>da Cunha relata o que seria o início do primeiro livro-reportagem da</p><p>história do Brasil.</p><p>O jornalista foi convidado pelo jornal O Estado de S. Paulo</p><p>para cobrir</p><p>a Guerra de Canudos, ocorrida entre 1896 e 1897 e liderada por Antônio</p><p>Conselheiro, e viajou à Bahia para denunciar esse sangrento conflito. Surge,</p><p>assim, a obra regionalista de caráter crítico e realista. O livro Os sertões tem</p><p>mais de 600 páginas e é dividido em 3 capítulos: “A terra”, “O homem” e</p><p>“A luta”, em que Euclides apresenta o sertão em um estudo geográfico da</p><p>região, as características do homem sertanejo, os antecedentes da guerra</p><p>e o conflito em si.</p><p>Saiba mais</p><p>Assista ao vídeo a seguir:</p><p>OS SERTÕES é marco do jornalismo, defende pesquisador Edvaldo Lima.</p><p>2021. 1 vídeo (3 min). Publicado pelo canal Agência Brasil. Disponível em:</p><p>http://tinyurl.com/46nr32n3. Acesso em: 4 jan. 2024.</p><p>Os livros-reportagens com temáticas como atualidades, o instantâneo – que retrata acontecimentos</p><p>que ocorreram há pouco tempo e que possuem grande valor para a sociedade – e de denúncia</p><p>participam de um mesmo enfoque: acontecimentos relevantes social ou culturalmente e que merecem</p><p>uma pesquisa aprofundada.</p><p>Há também uma classificação para os livros-reportagem de antologia, que reúnem diversas</p><p>reportagens significativas agrupadas por temática, autor ou ano. Por fim, há o livro-reportagem-ensaio,</p><p>que possui enfoque no ponto de vista do autor e tem um grande foco narrativo.</p><p>Exemplos de grandes livros-reportagem nacionais:</p><p>• Olga, de Fernando Morais;</p><p>• Xingu: uma flecha no coração, de Washington Novaes;</p><p>• Conversas com Vargas Llosa, de Ricardo Setti;</p><p>28</p><p>Unidade I</p><p>• 1968 – O ano que não terminou: a aventura de uma geração, de Zuenir Ventura;</p><p>• Holocausto brasileiro, de Daniela Arbex;</p><p>• O olho da rua, de Eliane Brum;</p><p>• Rota 66, de Caco Barcelos;</p><p>• Presos que menstruam: a brutal vida das mulheres – tratadas como homens – nas prisões</p><p>brasileiras, de Nana Queiroz.</p><p>Saiba mais</p><p>A publicação Livro-Reportagem em Revista trata de algumas das</p><p>principais obras escritas por jornalistas no país. Leia o texto a seguir:</p><p>OLIVEIRA, I. D. 05 livros-reportagem nacionais para se ler hoje.</p><p>Livro-reportagem em revista, [s.d.]. Disponível em: http://tinyurl.com/2x96ury4.</p><p>Acesso em: 8 fev. 2024.</p><p>Exemplos de grandes livros-reportagem internacionais:</p><p>• A sangue frio, de Truman Capote;</p><p>• Hiroshima, de John Hersey;</p><p>• Vozes de Tchernóbil, de Svetlana Aleksiévitch;</p><p>• Repórter: memórias, de Seymour M. Hersh;</p><p>• Notícia de um sequestro, de Gabriel García Márquez;</p><p>• Todos os homens do presidente, de Bob Woodward e Carl Bernstein;</p><p>• Gomorra, de Roberto Saviano.</p><p>29</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Observação</p><p>Grande autora de livros-reportagem, Svetlana Aleksiévitch escreveu</p><p>clássicos como Vozes de Tchernóbil, A guerra não tem rosto de mulher</p><p>e O fim do homem soviético. A autora parte dos olhares, relatos e</p><p>testemunhos para construir sua narrativa. Em A guerra não tem rosto de</p><p>mulher, Aleksiévitch apresenta relatos de mulheres combatentes soviéticas</p><p>na Segunda Guerra Mundial, e seus testemunhos partem da memória</p><p>e lembrança das depoentes.</p><p>O livro é “um romance constituído a partir de vozes da própria vida,</p><p>do que eu encontrara na infância, do que agora se escuta na rua, em casa,</p><p>no café, no trólebus. [...]. Achei o que estava procurando. O que estava</p><p>pressentindo” (Aleksiévitch, 2016b, p. 11).</p><p>Saiba mais</p><p>Leia mais nos artigos:</p><p>MARTINEZ, M.; HELLER, B. A guerra não tem rosto de mulher: Svetlana</p><p>Aleksiévitch reescreve a Segunda Guerra Mundial. E-Compós, v. 23, 2020.</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/4cjxcnd. Acesso em: 8 fev. 2024.</p><p>Veja também o vídeo a seguir, em que Tatiana Feltrin fala um pouco</p><p>mais da obra:</p><p>A GUERRA não tem rosto de mulher (Svetlana Aleksiévitch) | Você</p><p>Escolheu #65 | Tatiana Feltrin. 2021. 1 vídeo (9 min). Publicado pelo canal</p><p>tatianagfeltrin. Disponível em: http://tinyurl.com/8k5erzy6. Acesso em:</p><p>4 jan. 2024.</p><p>30</p><p>Unidade I</p><p>Figura 8 – Capa do livro A guerra não tem rosto de mulher</p><p>Fonte: Aleksiévitch (2016a, capa).</p><p>A) B)</p><p>Figura 9 – Capas dos livros Todos os homens do presidente (A) e Vozes de Tchernóbil (B)</p><p>Fonte: A) Bernstein e Woodward (2014, capa);</p><p>B) Aleksiévitch (2016b, capa).</p><p>31</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>2.1 Diferenciais dos veículos pertencentes aos campos jornalístico e editorial</p><p>No que diz respeito aos diferenciais existentes no campo jornalístico e editorial, é relevante ressaltar</p><p>que o jornalismo tem um compromisso ético com a sociedade e com a notícia, buscando sempre ser</p><p>o mais objetivo e claro possível com seu leitor. Dessa forma, o jornalismo, enquanto segmento de</p><p>comunicação de massa, exerce a função de informar, explicar e orientar, porém possui outras funções</p><p>subjacentes importantes, como a econômica, ideológica, educativa e social.</p><p>Mas o que diferencia de fato o jornalismo de outras atividades é o</p><p>desempenho da tarefa informativa e orientativa. O alimento dessa função</p><p>é a ocorrência social sobre a qual se debruça o jornalismo para, a partir daí,</p><p>manter a sua audiência a par dos acontecimentos cotidianos da sociedade</p><p>moderna (Lima, 2004, p. 20).</p><p>Assim, o jornalismo deve se ater ao compromisso com os elementos citados anteriormente, tendo</p><p>como fim a busca pela profundidade na pesquisa, pela investigação ética e pela objetividade. Nilson Lage</p><p>(2014) defende que o jornalismo é uma prática social que se baseia na ideia da evolução da sociedade</p><p>e na fragmentação de conhecimentos e funções da vida social, além de ter um compromisso ético com</p><p>a realidade e com os fatos, sendo papel do jornalista selecionar o que interessa ao público da maneira</p><p>mais imparcial possível.</p><p>A objetividade jornalística é um conceito que já foi amplamente estudado no meio acadêmico, e</p><p>a sua orientação serve como parâmetro para a prática dos jornalistas e para seu público no consumo</p><p>diário de notícias.</p><p>Quem produz a informação tem a pretensão de estar de algum modo,</p><p>e em alguma medida, revelando fatos e acontecimentos da realidade</p><p>cotidiana. Por outro lado, quem consome as informações também o faz</p><p>porque acredita que o produto jornalístico é o resultado de um trabalho</p><p>comprometido, que condiz, pelo menos em algum grau, com a verdade dos</p><p>fatos (Henriques, 2018, p. 2).</p><p>A notícia é a ação de um sujeito com interesses (o jornalista) sobre uma realidade inacessível (o fato</p><p>puro). Ou seja, o trabalho do jornalista na produção de notícias já afeta a objetividade do fato em si. Por</p><p>isso, o bom jornalista deve seguir rituais estratégicos que buscam minimizar a interferência subjetiva</p><p>dos acontecimentos:</p><p>Notícias bem-feitas seriam interpretações, o mais fielmente possível, para</p><p>acontecimentos jornalisticamente interessantes. Esse é o entendimento de</p><p>Sponholz, que reconhece que o conhecimento total e absoluto, isto é, da</p><p>objetividade nela mesma, é impossível, mas, a inspiração pela objetividade</p><p>deve ser entendida como a busca e aproximação da realidade. Neste sentido,</p><p>ela não só é possível, como também necessária. O conhecimento total da</p><p>realidade continua sendo uma utopia, a busca deste é, no entanto, o que nos</p><p>leva a ir adiante (Sponholz, 2009, p. 13 apud Henriques, 2018, p. 3).</p><p>32</p><p>Unidade I</p><p>Assim, cabe ao jornalista selecionar o que é útil ao público, ter comprometimento com a verdade,</p><p>ser fiel às ideias que transmite e interpreta, aceitar diferentes versões de um mesmo fato e ser fiel a seus</p><p>compromissos éticos.</p><p>O jornalista deve saber selecionar o que interessa e é útil ao público</p><p>(o seu público, o público-alvo); buscar a associação entre essas duas</p><p>qualidades, dando à informação veiculada a forma mais atraente possível;</p><p>ser verdadeiro quanto aos fatos (verdade, aí, é a adequação perfeita do</p><p>enunciado aos fatos, adaequatio intellectus ad rem) e fiel quanto às ideias</p><p>de outrem que transmite ou interpreta; admitir a pluralidade de versões</p><p>para o mesmo conjunto de fatos, o que é um breve contra a intolerância;</p><p>e manter compromissos éticos com relação a prejuízos causados a pessoas,</p><p>coletividades e instituições por informação errada ou inadequada a</p><p>circunstâncias</p><p>sensíveis (Lage, 2014, p. 21).</p><p>Nesse sentido, o jornalista deve ser fiel aos fatos e divulgar honestamente as informações, pois seu</p><p>compromisso é com o público, mesmo que este possa ter reações adversas ao jornalista, implicando</p><p>conflitos de interesse.</p><p>A objetividade no jornalismo é um dos seus diferenciais, pois, segundo Pena (2007), é impossível</p><p>atingir 100% de objetividade no jornalismo, que é uma aproximação da realidade e participante ativo</p><p>da construção social da realidade, sendo feita a partir da enunciação do trabalho do jornalista.</p><p>Lembrete</p><p>O jornalista tem como papel selecionar o que é de interesse do público</p><p>para o qual escreve. Sua função exige comprometimento com a verdade e</p><p>com as ideias que transmite e interpreta, aceitando diferentes versões de</p><p>um mesmo fato, além de ter compromisso com a ética profissional.</p><p>A substituição do jornalismo opinativo pelo jornalismo factual, juntamente com criação do lead e</p><p>da pirâmide invertida, garante um método objetivo ao jornalista: “o método é que deveria ser objetivo,</p><p>não o repórter’’ (Traquina, 2004, p. 134), permanecendo o profissional com suas características, porém,</p><p>aplicando tais métodos para garantir às suas matérias a maior proximidade possível com a realidade. Os</p><p>métodos e técnicas de redação que buscam afastar a subjetividade e aplicar a objetividade priorizando</p><p>os fatos devem ser almejados pelos profissionais do jornalismo:</p><p>As normas jornalísticas têm muito mais importância do que preferências</p><p>pessoais na seleção e filtragem de notícias. Entretanto, se, como venho</p><p>argumentando ao longo deste texto, a objetividade surge porque há uma</p><p>percepção de que os fatos são subjetivos, então também podemos concluir</p><p>que eles são mediados por indivíduos com interesses, carências, preconceitos</p><p>e, inclusive, ideologias (Pena, 2007).</p><p>33</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Dessa forma, as condutas éticas e a busca pela objetividade que o profissional estabelece como</p><p>diferenciais de veículos do campo jornalístico e editorial podem ser consideradas.</p><p>3 CONSTRUÇÃO DE UM PROJETO DE LIVRO‑REPORTAGEM: TUDO COMEÇA</p><p>PELA PAUTA</p><p>A pauta no jornalismo é o início de todo o processo da elaboração da notícia, funcionando como</p><p>uma espécie de planejamento. Na verdade, pode-se dizer que a pauta é um roteiro sistematizado e</p><p>detalhado dos procedimentos necessários, um passo a passo para o jornalista obter o resultado daquilo</p><p>que pretende apresentar como produto final, isto é, o texto revisado, diagramado e pronto para ser</p><p>apresentado e consumido como informação jornalística.</p><p>No caso do livro-reportagem, é um roteiro estabelecido em longo prazo, detalha desde o enfoque, os</p><p>personagens a serem entrevistados, os documentos e fontes oficiais a serem consultadas, assim como</p><p>os procedimentos técnicos a serem executados, apurados e checados. Tudo para obedecer uma ordem</p><p>logística, com prazos e recursos necessários para execução.</p><p>Historicamente, veículos impressos sempre planejaram suas edições. Seja por organização ou</p><p>mesmo como forma de rentabilizar suas produções – para evitar perda de tempo e, claro, investimento.</p><p>Mas a instituição da pauta, de acordo com Lage (2001), é razoavelmente recente, haja vista o tempo</p><p>de existência da imprensa. De acordo com o autor, a pauta foi instituída pelas revistas, chamadas de</p><p>magazines. Por não terem a obrigação de cobrir necessariamente todos os assuntos, apenas aqueles</p><p>de interesse de seu público-alvo, as revistas sempre precisaram selecionar quais seriam tratados em</p><p>suas páginas, escolhendo alguns entre vários disponíveis.</p><p>A revista, bem mais do que o jornal, obedece a um discurso institucional</p><p>que lhe é próprio: magazines sobre automóveis vendem a cultura do</p><p>automóvel (não necessariamente produtos de uma fábrica ou marca); os de</p><p>informática, a cultura dos computadores; as de arquitetura, certos padrões</p><p>de gosto e estilo; as eróticas, alguma estética e certa ética, ainda que</p><p>liberal. A identificação pelo leitor dessa ideologia ou forma de ver o mundo</p><p>é o segredo de marcas como Time, Playboy ou The National Geographic</p><p>Magazine (Lage, 2001, p. 14).</p><p>A revista Time, lançada em 1923, foi a pioneira em seu gênero e uma das primeiras a organizar-se</p><p>como indústria de informação, segundo Lage, realizando semanalmente sua reunião de pauta. De</p><p>acordo com ele, as matérias são programadas não apenas quanto aos fatos a serem apurados, mas,</p><p>principalmente, quanto à linha de orientação dos textos. Além disso, a publicação tem como proposta</p><p>reunir volume de informação muito maior do que o publicado, justamente para permitir a seleção de</p><p>fatos que deem apoio à linha editorial, escolhendo e ampliando os que se sustentem e desprezando ou</p><p>minimizando os que a contrariam.</p><p>34</p><p>Unidade I</p><p>Nos diários brasileiros, a pauta foi introduzida juntamente com a reforma editorial, iniciada pela</p><p>mudança gráfica na década de 1950, do jornal de Samuel Weiner, o Última Hora, que fazia parte do</p><p>conglomerado Diários Associados, de Assis Chateaubriand.</p><p>Figura 10 – Capa do jornal Última Hora, de Samuel Weiner</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/53ru9a35. Acesso em: 30 jan. 2024.</p><p>Saiba mais</p><p>Leia a respeito do jornal Última Hora no link a seguir:</p><p>JORNAL Última Hora. História do Brasil e do Mundo, [s.d.]. Disponível</p><p>em: http://tinyurl.com/ymyhte34. Acesso em: 4 jan. 2024.</p><p>Observação</p><p>Nascido na Bessarábia (atual Moldávia), Samuel Weiner era garoto</p><p>quando sua família veio para São Paulo. Começou sua carreira no Diário de</p><p>Notícias e, em 1938, lançou a revista Diretrizes. Depois de alguns anos nos</p><p>Diários Associados, fundou seu próprio jornal, o Última Hora, em 1951. Em</p><p>1977, tornou-se colunista da Folha de S. Paulo, colaborando com o jornal</p><p>até sua morte, em 1980.</p><p>35</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>No entanto, foi apenas na década de 1970 que os diários se instauraram de forma generalizada no</p><p>país. Segundo Lage, uma das primeiras pautas estruturadas e completas em diários brasileiros ocorreu</p><p>no início da década de 1960, no Jornal do Brasil, que levou adiante a reforma iniciada no Diário. A pauta</p><p>foi redigida no dia anterior, abrangendo o jornal todo, e chegou a ser publicada como serviço ao leitor</p><p>durante algumas semanas. A publicação acabou sendo interrompida, pois, além de ajudar no trabalho</p><p>dos concorrentes, continha comentários irreverentes ao expressar livremente o ponto de vista da chefia</p><p>da reportagem.</p><p>Lage reforça ainda que foi a partir da década de 1970, em São Paulo, que a pauta passou a fazer</p><p>parte do processo de produção jornalístico junto com as técnicas de redação, como a programação</p><p>gráfica das páginas e os procedimentos gerenciais que caracterizam a imprensa industrial moderna.</p><p>O modelo escolhido foi a cópia dos jornais americanos. Exemplo disso é o costume de colocar o</p><p>número correspondente à idade das pessoas entre vírgulas, depois do nome: é claro que isso cabe</p><p>perfeitamente em inglês, língua em que a idade é tida como atributo (“X years old”) e fica estranho</p><p>em português, no qual a idade é tratada como propriedade, no genitivo (“de X anos”). A estranheza se</p><p>evidencia na leitura em voz alta – por exemplo, no rádio.</p><p>Para ser mais claro, a denominação pauta aplica-se a duas coisas distintas. Lage (2001, p. 16) as</p><p>define da seguinte forma:</p><p>a) o planejamento de uma edição ou parte da edição (nas redações</p><p>estruturadas por editorias – de cidade, política, economia etc.), com a</p><p>listagem dos fatos a serem cobertos no noticiário e dos assuntos a serem</p><p>abordados em reportagens, além de eventuais indicações logísticas e</p><p>técnicas: ângulo de interesse, dimensão pretendida da matéria, recursos</p><p>disponíveis para o trabalho, sugestões de fontes etc.</p><p>b) cada um dos itens desse planejamento, quando atribuído a um repórter.</p><p>Ele dirá: “a minha pauta”, quer a tenha recebido como tarefa, quer a tenha</p><p>proposto (o que é comum, particularmente com free lancers).</p><p>Isso significa que independentemente do formato e da proposta do veículo jornalístico, a</p><p>informação</p><p>que se pretende abordar deve ser detalhadamente planejada, desde o tema até as fontes de pesquisa e</p><p>os entrevistados, passando pela angulação e pelo enfoque. Esse planejamento, considerado uma técnica</p><p>estruturante dos procedimentos jornalísticos, é fundamental para o êxito e para a qualidade da matéria</p><p>que se pretende desenvolver. Isso não significa que, ao longo do processo de pesquisa, entrevista</p><p>e apuração o “roteiro”, não possa ser alterado. Muito pelo contrário, o êxito de uma pauta depende</p><p>essencialmente de quem a executa, no caso, o repórter.</p><p>Lage (2001, p. 35) reforça que o trabalho de reportagem não é apenas o de seguir um roteiro de</p><p>apuração e apresentar um texto correto:</p><p>36</p><p>Unidade I</p><p>Como qualquer projeto de pesquisa, envolve imaginação, insight: a partir</p><p>dos dados e indicações contidos na pauta, a busca do ângulo (às vezes apenas</p><p>sugerido ou nem isso) que permita revelar uma realidade, a descoberta de</p><p>aspectos das coisas que poderiam passar despercebidos.</p><p>Não é diferente no livro-reportagem, em que o profissional de imprensa vislumbra a possibilidade de</p><p>trabalhar de forma muito mais profunda e complexa assuntos que, muitas vezes, são tratados de maneira</p><p>corriqueira pelos veículos de imprensa diários, como jornais, sites de notícia e mesmo os telejornais.</p><p>A diferença da pauta do livro-reportagem para os veículos diários é que, para o livro, a pauta é extensa,</p><p>deve ter um planejamento em longo prazo e com espaços para mudanças e descobertas, ainda que o</p><p>essencial esteja previsto.</p><p>Lembrete</p><p>A pauta é um planejamento detalhado e sistematizado. Trata com</p><p>detalhes a informação que se pretende abordar, desde o tema até as</p><p>fontes de pesquisa e os entrevistados, passando pela angulação e pelo</p><p>enfoque. Esse planejamento, considerado uma técnica estruturante dos</p><p>procedimentos jornalísticos, é fundamental para o êxito e para a qualidade</p><p>da matéria que se pretende desenvolver.</p><p>Um exemplo de como a pauta para o livro-reportagem é desenvolvida pode ser observado nos</p><p>trabalhos do jornalista e escritor Fernando Morais. Ele, que tem grandes títulos do gênero biografia,</p><p>afirma que todas as suas obras são livros-reportagens, tanto pela linguagem como pela proposta e</p><p>técnicas empregadas (Prêmio Wladimir Herzog, 2023).</p><p>Observação</p><p>Autor de mais de 10 livros, entre eles alguns dos maiores sucessos</p><p>editoriais do Brasil, traduzidos em 36 idiomas, Fernando Morais foi</p><p>homenageado no 45º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia</p><p>e Direitos Humanos de 2023. Ele é reconhecido como um dos maiores</p><p>jornalistas e principais biógrafos do país. Trabalhou em redações brasileiras,</p><p>como da revista Veja, Jornal da Tarde, Folha de S. Paulo e TV Cultura.</p><p>Recebeu três vezes do Prêmio Esso de Jornalismo e quatro vezes o Prêmio</p><p>Brasil. É autor de obras consideradas clássicas, como A ilha (1976), Olga</p><p>(1985), Chatô, o rei do Brasil (1994), Corações sujos (2000), Cem quilos de</p><p>ouro (2003), Na toca dos leões (2005), O mago (2008), Os últimos soldados</p><p>da Guerra Fria (2011) e Lula – vol 1 (2021).</p><p>37</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>A) B)</p><p>Figura 11 – Capas dos livros Chatô, o rei do Brasil (A) e Olga (B)</p><p>Fonte: A) Morais (1994, capa); B) Morais (1985, capa).</p><p>Morais (1994) acredita que uma boa pauta pode surgir sem pesquisa prévia. É o olhar jornalístico,</p><p>atento aos detalhes e oportunidades, que pode fazer a diferença na decisão de iniciar e conduzir um</p><p>projeto. Em entrevista aos organizadores do 45º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos</p><p>Humanos, em outubro do ano de 2023, Morais afirmou que</p><p>há um grau enorme de dificuldade de obter informações de bastidor, assim,</p><p>a sangue frio, no ato. Claro que há exceções. O ideal é começar alimentando</p><p>fontes que abram portas. Acompanhar temas ou personagens que talvez não</p><p>estejam no foco da imprensa no momento. Certamente, pela influência da</p><p>minha origem mineira, eu diria que é como procurar minhoca para pescar.</p><p>Tem que cavoucar. Cavoucando acha (Prêmio Wladimir Herzog, 2023).</p><p>Ele revela ainda que encontrar uma pauta, muitas vezes, também é questão de sorte, um acaso. “Um</p><p>assunto tromba com você, você tromba com o assunto”, reforça. Como exemplo, ele cita a história de</p><p>Olga, uma comunista, ativista do começo do século passado, que acabou se envolvendo com Luís Carlos</p><p>Prestes. Segundo ele, a história de Olga surgiu porque ele começou a “cavoucar e descobrir que ali tinha</p><p>uma tragédia humana pedindo um autor”. Porém garante que o caminho para as grandes reportagens</p><p>inclui ainda alimentar a relação com as fontes que abram portas, prestar atenção a assuntos que não</p><p>estejam na pauta da imprensa e olhar os fatos com outros olhos, além de ter uma certa dose de sorte</p><p>(Prêmio Wladimir Herzog, 2023).</p><p>O mesmo, de acordo com o jornalista, aconteceu com outras histórias. Corações sujos teria “caído</p><p>em seu colo” quando estava pesquisando sobre Assis Chateaubriand, personagem central da biografia</p><p>Chatô: o rei do Brasil.</p><p>38</p><p>Unidade I</p><p>Observação</p><p>Publicado nos anos 2000 pela Companhia das Letras, Corações sujos</p><p>relata a história de uma organização secreta japonesa chamada Shindo</p><p>Renmei, localizada no interior de São Paulo, cujos participantes sustentavam</p><p>que o Japão havia vencido a Segunda Guerra Mundial. Esse trabalho visa</p><p>contribuir para o estudo das relações entre jornalismo e literatura.</p><p>Figura 12 – Capa do livro Corações sujos</p><p>Fonte: Morais (2011, capa).</p><p>Saiba mais</p><p>Conheça melhor Fernando Morais acessando os links a seguir:</p><p>PRÊMIO VLADIMIR HERZOG. Jornalista e escritor Fernando Morais é</p><p>homenageado na 45ª edição do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos</p><p>Humanos. 2023. Disponível em: http://tinyurl.com/4babk4hu. Acesso em:</p><p>6 fev. 2024.</p><p>JORNALISTAS & Cia. Fernando Morais: um olho no jornalismo e o</p><p>outro na literatura. E os dois na grande reportagem. Ed. 15, 20 set. 2010.</p><p>Disponível em: http://tinyurl.com/yeyszahe. Acesso em: 4 jan. 2024.</p><p>39</p><p>LIVRO-REPORTAGEM E JORNALISMO DE REVISTA</p><p>Outro exemplo é o material desenvolvido pela aluna Natali Fernandes como Trabalho de Conclusão</p><p>de Curso (TCC), parte obrigatória para finalização da Graduação em Jornalismo pela Universidade</p><p>Paulista (UNIP). É possível perceber o percurso feito pela aluna para o desenvolvimento do projeto.</p><p>Com o título Além do movimento: a falta de acesso da pessoa com deficiência ao Ensino Superior, o</p><p>livro-reportagem traz uma breve explicação da autora no material introdutório. A escolha da pauta, da</p><p>abordagem e dos personagens teve como ponto de partida a experiência vivenciada durante o ingresso</p><p>na universidade e que a fez prestar atenção na dificuldade de pessoas com diferentes deficiências no</p><p>acesso à educação no Ensino Superior. A situação de um colega de turma foi o que a inspirou a escolher</p><p>a temática para dar seguimento ao projeto.</p><p>No primeiro ano de faculdade havia um colega com deficiência auditiva.</p><p>Infelizmente ele não conseguiu acompanhar o restante da turma e trancou</p><p>o curso. Presenciei, mesmo que por pouco tempo, que ele sofria exclusão por</p><p>parte de alguns colegas de classe e professores. A partir daquele momento</p><p>resolvi que este seria um bom tema de cidadania e inclusão para ser abordado</p><p>(Fernandes, 2016, p. 7).</p><p>A partir desse olhar, a estudante foi pesquisar dados que a fizeram levantar números e estatísticas</p><p>que proporcionaram a dimensão da realidade em que vivem as pessoas com deficiência no Brasil, além</p><p>de considerar a própria legislação que ampara e regulamenta os direitos e os acessos dessas pessoas,</p><p>ainda que sejam totalmente igualitários.</p><p>O resultado disso foram sete entrevistas em profundidade com cinco reportagens que revelam</p><p>alguns dos momentos mais marcantes de suas vidas, desde a infância até as lutas pelo acesso ao</p><p>sistema educacional e ao reconhecimento social, passando pelas relações interpessoais com a família</p><p>e os amigos. “Temos que ser éticos em nossa profissão. Além das palavras, temos as nossas próprias</p><p>percepções, cheiros,</p>