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<p>A LINGUAGEM DO AFETO</p><p>COMO ENSINAR VIRTUDES</p><p>E TRANSMITIR VALORES</p><p>Um guia que mostra aos pais e professores como é</p><p>fácil e imprescindível ensinar às crianças a importância</p><p>do bom humor, da valentia, da preservação ambiental,</p><p>da generosidade e de muitos outros valores.</p><p>Celso Antunes</p><p>>></p><p>http://www.papirus.com.br/</p><p>http://www.papirus.com.br/</p><p>A Celso Henrique e</p><p>Anna Lúcia,</p><p>pais admiráveis que com</p><p>tanto afeto abrem</p><p>serenos caminhos para</p><p>Ico e Duda, meus netos.</p><p>SUMÁRIO</p><p>ALGO MAIS OU MENOS COMO UMA INTRODUÇÃO</p><p>Ensinar a criança...</p><p>A SER FELIZ</p><p>A DESENVOLVER BONS SENTIMENTOS</p><p>A AGIR NATURALMENTE COM RESPEITO</p><p>A NÃO TER RECEIO DE DEMONSTRAR A ALEGRIA DE</p><p>VIVER</p><p>A SER LIVRE E A SABER USAR SUA LIBERDADE</p><p>A SABER DEMONSTRAR SEU AGRADECIMENTO</p><p>A COMPREENDER A MORTE</p><p>A GOSTAR DE LER</p><p>A DESENVOLVER SEU CARÁTER</p><p>A ASSISTIR À TELEVISÃO</p><p>A DESENVOLVER A RESPONSABILIDADE</p><p>A COMPREENDER E A AMAR A VELHICE</p><p>A JULGAR, A PONDERAR</p><p>A REJEITAR O CONSUMISMO</p><p>Ensinar à criança...</p><p>A IMPORTÂNCIA DA VALENTIA</p><p>A IMPORTÂNCIA DA BONDADE</p><p>A IMPORTÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE</p><p>A IMPORTÂNCIA DE CUIDAR DO AMBIENTE</p><p>A IMPORTÂNCIA DE COMPREENDER A DOR</p><p>A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO</p><p>A DIFERENÇA ENTRE “OLHAR” E “VER”</p><p>A DIFERENÇA ENTRE “FALAR” E “DIZER”</p><p>A DIFERENÇA ENTRE “OUVIR” E “ESCUTAR”</p><p>O VALOR DA OBEDIÊNCIA</p><p>O VALOR DO BOM GOSTO</p><p>O VALOR DA PACIÊNCIA</p><p>ALGUNS “SEGREDINHOS” PARA FAZER DO AFETO AÇÕES</p><p>DE VERDADEIRA AMIZADE</p><p>NOTAS</p><p>SUGESTÕES DE LEITURA</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>OUTROS LIVROS DO AUTOR</p><p>REDES SOCIAIS</p><p>CRÉDITOS</p><p>Algo mais ou menos como uma</p><p>introdução</p><p>Parece-me bem mais fácil dizer o que este livrinho “não é” do que</p><p>dizer o que pretendemos com ele.</p><p>Este pequeno texto não é um manual de pedagogia inspirado em</p><p>avanços e descobertas recentes da neurologia, ainda que tenha alguns</p><p>poucos fundamentos pedagógicos – pois é escrito por um educador – e</p><p>que esses funda-mentos se aproveitem de algumas recentes descobertas</p><p>sobre a mente humana e sobre a maneira como se constrói a</p><p>consciência.</p><p>As propostas, as reflexões, os eventuais conselhos e os palpites que</p><p>aqui se apresentam não têm intenção de servir como guia de autoajuda,</p><p>ainda que possam acidentalmente ajudar esta ou aquela pessoa a pensar</p><p>melhor na relação que tem com os filhos ou alunos, ou talvez despertem</p><p>a vontade de mudar um pouco o que se acreditava válido nas relações</p><p>interpessoais.</p><p>As ideias que aqui se apresentam e as virtudes que nestas páginas se</p><p>alinham não têm como objetivo constituir um receituário de</p><p>procedimentos, embora saibamos que em todas as culturas e por todo</p><p>nosso passado histórico sempre se acreditou em valores estabelecidos e</p><p>em obrigações que são essenciais para o convívio com outras pessoas.</p><p>Há que se considerar, porém, que existem opiniões divergentes</p><p>sobre esta ou aquela virtude, este ou aquele valor, e que as ideias</p><p>mostradas aqui não buscam expressar uma impossível unanimidade. Por</p><p>esse motivo, explica-se o conceito de valor, mas adverte-se que,</p><p>havendo divergência, os pais devem educar seus filhos de acordo com</p><p>seus critérios pessoais, e não pelos conceitos aqui defendidos.</p><p>Talvez pelo caminho das afirmações do que este livro não é, seja</p><p>possível concluir o que em síntese ele propõe: mostrar que assim como</p><p>é possível uma criança aprender valores e virtudes, é igualmente</p><p>possível tornarmo-nos melhores pais e professores; para isso, basta</p><p>substituirmos a arrogância de imaginar que sabemos tudo pela</p><p>fragilidade de descobrir que a cada instante aprendemos mais e que a</p><p>cada passo podemos nos reconstruir.</p><p>Os capítulos desta obra obedecem sempre à mesma estrutura. O</p><p>título representa uma ideia, um valor, um conceito que acreditamos ser</p><p>possível ampliar. Logo depois vem a abertura, que sintetiza e ao mesmo</p><p>tempo amplia o sentido desse conceito, seguida de outras três partes: o</p><p>corpo do texto, que abre os pensamentos do autor sobre a ideia do título</p><p>e convida o leitor a aceitá-los ou rejeitá-los, algumas propostas de</p><p>procedimentos, calcadas na certeza de que não é possível uma mudança</p><p>comportamental se não houver persistência e serenidade, e, finalmente,</p><p>atividades extras, que eventualmente podem complementar a ação</p><p>educativa para a construção perene de virtudes e valores. Cada capítulo</p><p>expressa um valor ou uma virtude a ser ensinado(a), e como não é</p><p>possível ensinar sem intenso amor, os diferentes capítulos compõem a</p><p>linguagem do afeto.</p><p>Princípios gerais que devem ser</p><p>levados em conta ao educar crianças</p><p>Independentemente das ideias e propostas que serão apresentadas</p><p>em cada capítulo, há alguns princípios que devem estar presentes</p><p>qualquer que seja o valor ou a virtude que se busca trabalhar. Portanto,</p><p>pais ou professores devem sempre levar em conta que:</p><p>1. O melhor mestre é sempre o exemplo. Toda criança,</p><p>mesmo quando não demonstra, é capaz de perceber a</p><p>contradição entre o que se diz e o que se faz. Se não</p><p>resistir à tentação de fazer algo diferente do que prega,</p><p>faça-o longe dos olhos da criança.</p><p>2. Nunca compare a capacidade de aprendizagem de uma</p><p>criança com a de outra. No cérebro humano existem cerca</p><p>de 200 bilhões de neurônios que recebem de mil a 10 mil</p><p>sinapses, emitindo axônios que se ramificam e que</p><p>comunicam uns neurônios com os outros. Esperar que</p><p>existam dois cérebros iguais é absolutamente impossível,</p><p>por isso jamais perca de vista as limitações de cada</p><p>criança, acreditando que uma aprende igual a outra ou</p><p>avaliando crianças diferentes com instrumentos comuns.</p><p>3. Aprenda a “ler” a maneira e o jeito próprio de ser das</p><p>crianças com as quais trabalha. Descubra suas facilidades</p><p>e suas dificuldades, veja-as lidando com suas palavras ou</p><p>com a experiência proporcionada, procurando desvendar</p><p>quando se sentem frustradas ou quando se descobrem</p><p>orgulhosas de si mesmas. Faça dessa leitura uma</p><p>“ferramenta” para opinar, sugerir, desafiar, brincar.</p><p>4. Não se deixe levar pela ilusão de que tudo o que a criança</p><p>aprende ela pode verbalizar. Sinta-se um educador de</p><p>sentimentos e, portanto, não se preocupe se a criança pode</p><p>ou não repetir com palavras os ensinamentos passados.</p><p>Valorize mais o conhecimento e as ações por ela gerados</p><p>do que a capacidade de reter informações e repeti-las</p><p>quando indagada.</p><p>5. Saiba que estímulos em demasia funcionam como</p><p>desestímulos. Cuide sempre de perceber se a criança quer</p><p>aprender, se sente prazer em brincar e nunca ultrapasse o</p><p>limite de tempo a fim de não levá-la à saturação. Pergunte</p><p>sempre se quer continuar e pare quando descobrir que</p><p>ainda sobra um gostinho de “quero mais”.</p><p>6. Conheça a si mesmo para não tentar que a criança atue à</p><p>sua imagem e semelhança. Aprenda a descobrir o encanto</p><p>que reside em sermos diferentes e jamais faça de um filho</p><p>ou de um aluno o que a vida e a experiência não fizeram</p><p>de você.</p><p>7. Considere sempre o “estilo” de aprendizagem de cada</p><p>criança e nunca generalize ações. Alguns sensibilizam-se</p><p>mais com histórias do que com jogos, outros preferem o</p><p>caminho do riso à emoção do entusiasmo. Uma boa</p><p>educação infantil consegue ser “única”, mesmo que para</p><p>muitos.</p><p>8. Considere sempre o ambiente e o “clima emocional” em</p><p>que se desenvolvem as atividades educativas. O que vale</p><p>não é uma sala maravilhosa, cheia de brinquedos, e uma</p><p>mensagem vazia, marcada pelo tédio, pela pressa e pela</p><p>precipitação, mas a capacidade emocional de fazer de cada</p><p>cantinho um verdadeiro mundo encantado de faz de conta.</p><p>Pense que seu momento com a criança não combina com</p><p>celular ou TV ligados.</p><p>9. Não restrinja a ação educativa a horários fixos. É</p><p>importante que a criança perceba que existem momentos</p><p>para brincar e para comer, assim como existem momentos</p><p>para dormir e outros para passear, portanto, reserve um</p><p>tempo de 10 a 20 minutos por dia para a “hora do faz de</p><p>conta”, mas lembre-se que nos passeios, nos bate-papos e</p><p>em outras oportunidades, é sempre válido o reforço da</p><p>lição passada, por meio do comentário amigo, da</p><p>observação atenta, da boa anedota na hora certa.</p><p>10. Não pense que o castigo deseduca. Jamais é possível</p><p>aceitar, sejam quais forem as razões, o uso da força para</p><p>obrigar uma criança a</p><p>da consciência e do caráter da criança seja a opinião dos</p><p>outros, sobretudo a dos pais e professores. E é por isso que os adultos</p><p>necessitam muito cuidado ao externar suas opiniões sobre a criança. Se</p><p>não gostar de algo que a criança fez, não tenha medo de dizer, mas</p><p>nunca a faça crer que não gosta dela, pelas coisas que fez. Essa força da</p><p>opinião de outras pessoas não dura muito, já no final da adolescência</p><p>começa-se a dispensar a opinião de uma autoridade e a aprender a julgar</p><p>a si mesmo. Mas, mesmo nessa idade, um elogio verdadeiro sempre faz</p><p>bem, e muito bem.</p><p>Ajudar a criança a construir um bom caráter é a mesma coisa que</p><p>ajudá-la a desenvolver sua consciência do erro e do acerto. Caráter e</p><p>consciência expressam a visão que ela possui de si mesma e</p><p>aproximam-se muito do sentimento de autoestima. É por essa razão que</p><p>a educação do caráter é importante: a criança torna-se “maravilhosa e</p><p>admirada pelos outros” e isso a faz sentir-se “maravilhosa e admirada</p><p>por si mesma”. A consciência do eu significa para a criança “eu sou</p><p>assim” e é muito gostoso crescer pensando sempre “eu sou assim e sou</p><p>legal”.</p><p>E ainda mais...</p><p>Uma excelente maneira de ajudar uma criança a desenvolver seu</p><p>caráter é por meio da teatralização, mesmo quando as circunstâncias</p><p>determinem que ela seja a única personagem. Para isso, é necessário</p><p>que solicitemos que ela interprete uma cena, de preferência criada pela</p><p>própria criança ou eventualmente assistida de um filme, novela ou</p><p>desenho, em que se expresse a bondade, em outra oportunidade, que</p><p>interprete cena que revele senso de justiça e assim por diante, assistindo</p><p>com interesse à sua interpretação e, após, instituindo um debate sobre</p><p>esse procedimento e sua possível ausência.</p><p>Verbalizar “o que é ser uma pessoa bondosa” – ou honesta, justa,</p><p>serena, persistente, corajosa ou ainda muitos outros valores – constitui</p><p>sempre um exercício extremamente útil, mas a utilidade reveste-se de</p><p>grandeza mais expressiva quando às palavras acrescenta-se o gesto da</p><p>ação. Se a criança revelar-se interessada em atividades dessa natureza, é</p><p>possível propor-lhe que em outras oportunidades expresse na mesma</p><p>cena dois papéis diferentes, preferencialmente antagônicos e que,</p><p>depois, comente o valor social de cada um deles. Quando houver mais</p><p>de uma criança, esse teatrinho pode ganhar as cores de um enredo mais</p><p>elaborado, construído pelo mediador e sempre auxiliado pelas crianças.</p><p>Outra forma de explorar a formação do caráter é, em primeira instância,</p><p>desassociá-lo de pessoas, transferindo-o para animais ou figuras criados</p><p>pelo imaginário infantil. Sugerir que a criança explique ao adulto a</p><p>bondade, a solidariedade, a justiça presentes em animais e que depois as</p><p>transfira para os seres humanos ajuda-a a construir quadros de exemplos</p><p>e a ampliar sua percepção infantil. La Fontaine, com suas fábulas</p><p>admiráveis, narrava ações animais para exemplificar condutas humanas.</p><p>Esse recurso nunca se esgotou ao longo do tempo.</p><p>Um bom diálogo com a criança, comparando homens e animais,</p><p>pode representar interessante recurso para mostrar que voluntariedade,</p><p>dignidade e responsabilidade constituem atributos essencialmente</p><p>humanos e que sua prática revela firmeza de caráter que a humanidade</p><p>sempre soube reconhecer. Não basta que a criança saiba o significado de</p><p>voluntariedade, mas que lhe sejam propostas situações em que seja</p><p>possível exercê-la e que seja exaltada sempre que o fizer. Naturalmente</p><p>vale o mesmo para a dignidade e para a responsabilidade. É importante</p><p>que a criança descubra que os animais podem parecer-nos “dignos” e</p><p>“responsáveis”, mas, se agem assim, não agem por uma opção que</p><p>nasceu de seus pensamentos e se solidificou pelo exercício de sua</p><p>consciência.</p><p>Situações que envolvam o uso da consciência constituem sempre</p><p>desafios desejáveis para o fortalecimento do caráter. Questões do tipo</p><p>“o que você sentiria se percebesse que magoou seu maior amigo?”,</p><p>propostas sem a expectativa dessa ou daquela resposta, e muito mais</p><p>sendo apresentadas para que a criança “pense” sobre o fato, constituem</p><p>muitas vezes uma atividade válida, como não menos válida é a atividade</p><p>de “dar um tempo de alguns minutos” para que reflita sobre sua</p><p>consciência.</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a assistir à televisão</p><p>A televisão constitui</p><p>acessório comum a</p><p>todos os lares e</p><p>representa um ícone de</p><p>paixões: há os que não</p><p>vivem sem ela e os que a</p><p>satanizam, justificando</p><p>todos os males da</p><p>humanidade como sendo</p><p>por ela causados. Mas,</p><p>amando ou odiando a</p><p>TV, é essencial que</p><p>saibamos como é</p><p>possível permitir que ela</p><p>ajude as crianças a</p><p>crescer.</p><p>O que é...</p><p>A televisão precisa ser vista como um veículo de informação, e</p><p>como todos os outros veículos, ela possui programas bons e maus,</p><p>oportunidades excelentes para aprender, interagir, pesquisar e crescer e</p><p>outras para vulgarizar a violência, antecipar sugestões sobre o sexo,</p><p>ensinar vícios, desvirtuar valores. O grande problema não é separar o</p><p>joio do trigo, selecionando os programas bons dos maus, mas saber</p><p>induzir a criança a fazer boas escolhas e, principalmente, a usar a</p><p>televisão por alguns momentos. O essencial, em síntese, é saber</p><p>aproveitar o que os programas de televisão têm de bom e descartar</p><p>aquilo que oferecem de nocivo.</p><p>O mal maior dos programas de televisão nem sempre está embutido</p><p>em suas mensagens, mas no tempo que roubam às crianças, tirando-as</p><p>do convívio com amigos, da descoberta de uma boa brincadeira, de uma</p><p>leitura interessante. É imenso o tempo que as crianças desperdiçam</p><p>diante da TV, em vez de entregarem-se a descobertas que encantam</p><p>qualquer crescimento.</p><p>Não podemos deixar-nos levar pela ilusão de que a criança vê na</p><p>TV o que nós mesmos vemos. Tudo quanto observamos é como que</p><p>“pasteurizado” por nossa cultura, nossos valores e nossa experiência de</p><p>vida; a criança, por sua vez, possui outras referências e outras</p><p>experiências e, dessa forma, aquilo a que ela assiste a marca de forma</p><p>diferente da maneira como nos marca. Cenas de alguns comerciais que</p><p>muitas vezes nem nos lembramos de termos visto podem representar</p><p>marcas significativas no processo de compreensão da criança. Além</p><p>disso, um adulto com mais de 50 anos que cresceu sem TV até pode</p><p>prescindir dela, diferentemente da criança que cresceu vendo televisão e</p><p>que a considera artefato tão normal quanto a mesa da cozinha ou a</p><p>poltrona da sala.</p><p>Por todas essas razões é que não devemos proibir que a criança veja</p><p>televisão, mas não podemos também desejar transformá-la em uma babá</p><p>que entretém a criança em momentos que desejamos e julgamos</p><p>merecer sossego.</p><p>Como fazer...</p><p>A primeira coisa a fazer é definir os horários e os programas</p><p>permitidos e mostrar-se coerente em desligar a TV ou o vídeo quando o</p><p>tempo marcado se esgotou. É claro que isso provocará choradeiras, mas</p><p>ensinará ordem e disciplina e, se tivermos à mão outras opções, com o</p><p>tempo a criança se acostumará a perceber que, tal como a sessão de</p><p>cinema, os programas de televisão têm hora para começar e para acabar.</p><p>Quando a criança for um pouco maior, esse horário poderá até ser</p><p>dilatado, mas não sem antes haver um acordo entre as partes, isto é,</p><p>entre pais e filhos, alunos e professores.</p><p>Outra ajuda significativa é estimular a memória da criança, fazendo</p><p>perguntas sobre os programas aos quais ela assistiu e conduzindo as</p><p>respostas na direção dos bons exemplos e dos valores positivos. Se o</p><p>adulto puder ver os programas vistos pelas crianças, a organização desse</p><p>questionário é bem mais fácil, mas ele é possível mesmo quando não se</p><p>assistiu ao programa mas se propôs um “bate-papo” sobre ele: “daquilo</p><p>que você viu, do que você mais gostou?”, “você observou cenas de</p><p>amizade?”, “quais foram?”, “o que você faria no lugar de...?”, “você</p><p>percebeu em algum momento como é importante a coragem?”, “para</p><p>você, o que é necessário para ser uma pessoa corajosa?”. Questões</p><p>nesse estilo ajudam a criança a decodificar mensagens e a construir</p><p>critérios.</p><p>A televisão constitui forma de comunicação que se baseia na</p><p>imagem; contudo, a exposição de imagens não fortalece</p><p>o raciocínio</p><p>nem desenvolve pensamentos, mas um adulto pode ajudar muito ao</p><p>criar, por meio de um diálogo, associações entre o que a criança viu e o</p><p>que leu, entre os programas aos quais assistiu e as lições que aprendeu</p><p>na escola.</p><p>Outro aspecto que diferencia o adulto e a criança diante da TV é</p><p>que o adulto sabe distinguir a publicidade da notícia, a ficção da</p><p>realidade, a ironia das frases e a criança não sabe. Não sabe e terá</p><p>enorme dificuldade em aprender se não contar com a ajuda de adultos</p><p>que mostrem que nem sempre o que os comerciais alardeiam é</p><p>verdadeiro, que não é toda frase que pode ser tomada ao pé da letra.</p><p>A televisão é hoje como uma luneta que traz para dentro de casa o</p><p>que está por aí no mundo: se o mundo lá fora não anda bom, não há</p><p>como despejar culpa na televisão. O que é necessário é se valer da</p><p>informação para transformá-la em conhecimento.</p><p>E com bons “papos” e ouvidos empáticos isso não é tão difícil</p><p>quanto parece...</p><p>E ainda mais...</p><p>Uma atividade interessante, sobretudo se proposta como uma</p><p>brincadeira, é por um ou dois minutos colocar uma venda nos olhos da</p><p>criança e solicitar que ela apure os ouvidos e busque identificar sentido</p><p>no que ouve nesse ou naquele programa. Segundos depois, já sem a</p><p>venda nos olhos, é interessante solicitar que ela fale de sua experiência</p><p>e que compare o que construiu ouvindo com o que construiu vendo.</p><p>Essa experiência pode tornar-se ainda mais interessante quando se tem</p><p>em mãos um vídeo qualquer ou mesmo um CD-ROM, pois é possível</p><p>retornar à cena apenas ouvida, para que a própria criança relate a</p><p>surpresa dessa comparação.</p><p>Se um adulto e uma criança assistem ao mesmo programa, não é</p><p>difícil propor o desafio de perguntas relevantes e a colocação de dúvidas</p><p>nos detalhes do que se viu: “qual jogador usava uma fita para prender</p><p>cabelo?”, “havia ou não uma toalha pendurada na rede?”, “em que</p><p>momento apareceu na tela o anúncio de uma marca de televisão?”.</p><p>Perguntas dessa natureza, colocadas sempre de forma lúdica e bem mais</p><p>para felicitar pelo acerto do que para criticar pelo erro, desenvolvem a</p><p>atenção da criança e, ampliando a acuidade de seus sentidos, educam</p><p>seu olhar.</p><p>Observações e jogos como esses podem expressar a fase inicial de</p><p>uma exploração da atenção e essa fase deve, aos poucos, evoluir para</p><p>outras que exigem atenção maior, concentração mais específica. Por</p><p>exemplo, em que momento falou-se com outras palavras a frase:</p><p>“acredito que houve um descuido por parte dela?”. Enquanto os</p><p>primeiros exercícios exploram a percepção, os do segundo grupo</p><p>buscam a compreensão e, dessa forma, simbolizam evolução em relação</p><p>aos primeiros.</p><p>Muitas vezes o papel do mediador pode se inverter com o da</p><p>criança e sugerir que ela se preocupe em colher detalhes, observar</p><p>aspectos difusos para que desafiem a nossa atenção. “Ajude-me a olhar”</p><p>é sempre um apelo de humildade que, ao retirar o foco sobre quem</p><p>ensina a quem, leva a criança a um novo papel e a novos esquemas de</p><p>aprofundamento de suas observações. Pedir que a criança conte o que</p><p>viu – mesmo que circunstancialmente não estejamos interessados no</p><p>tema – constitui um ato de afeto e ternura, pois torna o adulto cativo de</p><p>relatos que a criança acredita imprescindíveis.</p><p>Mais educa quem se dispõe a ouvir e promove oportunidades para</p><p>essa tarefa do que aqueles que, supondo-se enriquecidos de saberes,</p><p>apenas passam suas lições. A sutil lição de quem pede ajuda fortalece a</p><p>acuidade e a ternura da criança a quem se propõe ajudar.</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a desenvolver a responsabilidade</p><p>O grande desafio de</p><p>desenvolver na criança o</p><p>sentido da</p><p>responsabilidade é quase</p><p>sempre o excesso de</p><p>amor. Os pais, quase</p><p>sempre, amam seus</p><p>filhos, e esse amor</p><p>ilimitado e maravilhoso</p><p>algumas vezes faz</p><p>nascer o sentimento de</p><p>superproteção, que</p><p>atrapalha o estímulo à</p><p>responsabilidade</p><p>autônoma.</p><p>O que é...</p><p>A educação dos filhos dos seres humanos deveria ser imitada, pelo</p><p>menos em parte, a das aves e dos mamíferos. Observe que esses animais</p><p>oferecem uma proteção ilimitada aos filhotes em tudo quanto diz</p><p>respeito às condições biológicas de sobrevivência. Assim sendo, não</p><p>deixam faltar água ou alimento, cuidam da proteção dos pequenos e por</p><p>ela lutam com força que se redobra. Mas os animais não “enchem a</p><p>bola” dos filhotes, aplaudindo-os a todo momento, achando que são</p><p>especiais e muito mais lindos do que os filhotes de outros bichos, ainda</p><p>que da mesma espécie. Os humanos saudáveis, pais que efetivamente</p><p>merecem a dignidade dessa missão, também exercem cuidados e</p><p>proteções biológicos, mas às vezes exageram muito, desenvolvendo o</p><p>sentido de superproteção.</p><p>Com essas considerações não se pretende negar o que se disse</p><p>anteriormente. O amparo emocional é essencial e o elogio precisa</p><p>sempre acompanhar o crescimento, mas existe diferença entre</p><p>“proteger” e “superproteger”. Querer o melhor para os filhos não</p><p>significa jamais facilitar-lhes demais as coisas, evitar-lhes</p><p>desapontamentos, impedir que assumam o senso de responsabilidade</p><p>pelo que fazem. Existe uma diferença imensa em fingir que algo feito</p><p>de modo errado não aconteceu, acobertando a falha e estimulando a</p><p>irresponsabilidade, e “cair de pau” sobre algo que foi feito errado,</p><p>desfiando um rosário de críticas, inventando castigos e penas e fazendo</p><p>da sala de jantar – ou da sala de aula – a antecâmara de um minipresídio</p><p>correcional.</p><p>O meio-termo é a síntese do bom senso e uma boa educação</p><p>abomina a vergonha pelo erro e a sensação de culpa que exige expiação,</p><p>colocando em seu lugar o sentido de responsabilidade pela falha</p><p>cometida. Papel que se joga fora do cesto, por exemplo, é para ser</p><p>apanhado novamente para que fique no lugar certo, mas a firmeza dessa</p><p>conduta não implica “cara feia” para exigir autoridade no cumprimento.</p><p>Como fazer...</p><p>O desenvolvimento moral de uma criança[2] não é tanto uma</p><p>questão de razão, mas sim de sentimento e, portanto, lindos argumentos</p><p>favoráveis a uma conduta moral “costumam entrar por um ouvido e sair</p><p>pelo outro”.</p><p>Muito mais eficientes que palavras, muito mais marcantes que</p><p>conselhos, são os atos dos adultos exercitados em forma de exemplos,</p><p>mas evidenciados por meio de palavras que os demonstram. Levantar-se</p><p>da mesa para levar ao lixo um papel amassado, ao lado de um</p><p>comentário como “está vendo como eu não atiro coisas ao lixo, mas</p><p>levanto-me e vou até ele”, é bem mais significativo que o gesto simples,</p><p>nem sempre percebido.</p><p>Reiterando o exemplo, seria legítimo afirmar que uma criança não</p><p>desenvolve o sentimento de responsabilidade se não sentir que há outros</p><p>modos de agir e que são melhores. Se imita um amiguinho que age de</p><p>forma incorreta e se sua forma de agir causa espanto e decepção aos</p><p>pais, não é no ato de incutir-lhe sentimento de culpa e de vergonha que</p><p>se está educando para a responsabilidade, mas no sentimento que</p><p>emerge quando se mostra que nem todos agem assim. Isso não significa</p><p>ensinar-lhe que seu amigo “age de maneira errada porque não tem</p><p>responsabilidade”, mas que, talvez, não tenha aprendido que existem</p><p>maneiras mais corretas de agir. Além disso, é importante que a criança</p><p>pense que o senso de responsabilidade não constitui uma qualidade que</p><p>apenas pais e professores apreciam, mas que é apreciado por todos.</p><p>Quando for possível, extraia de desenhos animados, cenas de</p><p>novela, notícias de jornal e, sobretudo, de histórias que se conta,</p><p>exemplos de ação responsável, chamando a atenção da criança para a</p><p>beleza desse sentimento. A consciência que toda criança tem de si</p><p>mesma é elemento essencial na formação de seu senso de</p><p>responsabilidade. Não é importante que a criança diga apenas “eu sou</p><p>assim”, mas que reflita se é bom ou não “ser assim” e que seja levada a</p><p>definir se quer melhorar algo em si mesma e como pretende fazer para</p><p>que essa transformação ocorra.</p><p>Não se preocupe, nessas horas, em ser ilimitadamente explícito.</p><p>Funciona bem mais induzir com perguntas a descoberta da criança. “O</p><p>que você achou da atitude do Ronaldo?” vale bem mais que “você viu</p><p>como foi maravilhoso o que o Ronaldo fez?”.</p><p>E ainda mais...</p><p>Ajude a criança a fazer planos, a estabelecer metas. Mostre-lhe a</p><p>diferença entre os planos imediatos e os que demoram bastante para se</p><p>concretizar, os planos mais simples e os mais difíceis, os que</p><p>praticamente não envolvem a mobilização de qualquer recurso e os que,</p><p>ao contrário, parecem situados entre a fronteira do possível e do sonho.</p><p>Fazer planos a curto, médio e longo prazos é importante, mas bem mais</p><p>importante é o esforço no sentido de buscar concretizar os planos</p><p>traçados. Para que essa concretização seja construída é importante que</p><p>se anotem os planos e que se ajude a criança a pensar no tempo possível</p><p>para seu alcance. Não esqueça essas anotações e em muitas</p><p>oportunidades chame a criança para conversar sobre esses planos. Se a</p><p>criança quiser trocá-los por outros e mostrar seu enfoque em outras</p><p>metas, entenda que isso é natural, o que não é natural é tentar viver sem</p><p>qualquer planejamento, passar pela vida sem projetos, sem metas.</p><p>Jamais aceite que a criança o encare como “perfeito” ou um</p><p>“fazedor de coisas certas”. Mostre-lhe que os adultos às vezes também</p><p>se fragilizam e que não há vergonha alguma em assumir que também</p><p>erramos. Muito mais importante para a educação de uma criança é</p><p>descobrir que seu pai ou seus professores procuram sempre “corrigir sua</p><p>rota” – e, assumindo erros, buscam corrigi-los – do que acreditar que</p><p>são infalíveis.</p><p>Converse com a criança sobre “heróis”. Ouça quais ela elege como</p><p>tais e fale também de “seus” heróis, ensinando-a que o verdadeiro</p><p>heroísmo não está, por exemplo, na força, mas na forma como é usada</p><p>essa força, que ele não se exprime pela valentia em si, mas pelo uso que</p><p>se faz da valentia. Ajude-a a ser “um herói” mostrando-lhe o mérito que</p><p>existe mesmo nas pequenas conquistas, se alcançadas com persistência.</p><p>Ensine-a a ser persistente, destaque a persistência que admira em outras</p><p>pessoas e ajude-a a se tornar uma admiradora de todos aqueles que</p><p>lutam por um ideal, mesmo que, a princípio, pareça de difícil alcance.</p><p>Ensiná-la a ser responsável significa tornar-se alguém capaz de</p><p>“responder” pelos seus atos e, dessa forma, acatar que toda causa gera</p><p>uma consequência. Se a criança porta-se mal em uma festa ou em um</p><p>shopping, não há qualquer problema em retirá-la desse lugar, mas, após</p><p>passar a raiva, deve-se conversar com a criança mostrando que seu</p><p>castigo não surgiu do desejo adulto de castigá-la, mas como inevitável</p><p>consequência da maneira como agiu. Ajude a criança a construir um</p><p>código de sanções que acredita seja viável para atos praticados e</p><p>desperte sua responsabilidade para cumprir essas mesmas sanções que</p><p>estabeleceu.</p><p>Tornar-se responsável é, antes de mais nada, saber dizer “não” , e</p><p>não se chega a esse estágio sem muita conversa, sem valer-se de muitos</p><p>exemplos e sem que a criança descubra que nem todas as normas</p><p>desagradáveis são normas injustas.</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a compreender e a amar a velhice</p><p>Não pode existir forma</p><p>mais indigna de educar</p><p>que ensinar uma criança</p><p>a “sentir pena” dos</p><p>velhinhos. O sentimento</p><p>de pena muitas vezes</p><p>surge como produto da</p><p>consciência humana e</p><p>não podemos não senti-</p><p>la. Mas uma coisa é ver</p><p>brotar em nós mesmos o</p><p>sentimento de pena, seja</p><p>em relação a quem for</p><p>ou por que motivo for, e</p><p>outra é a instrução para</p><p>sentir pena. Os velhos</p><p>querem amizade e</p><p>compreensão, respeito e</p><p>solidariedade, não pena.</p><p>O que é...</p><p>É impossível despertar sentimentos em outra pessoa. Podemos, por</p><p>exemplo, afirmar que “sentimos” frio e influenciar uma pessoa a pensar</p><p>nisso, mas ninguém tem o poder de fazer uma outra pessoa sentir, pois</p><p>“sentimento” é estado emocional próprio e intransferível. Portanto, se</p><p>sentimos pena dos velhos, paciência. É uma absurda tolice, mas fazer o</p><p>quê? O que não podemos é julgar que possamos nos tornar</p><p>“professores” dessa tolice.</p><p>Tolice porque a velhice é um estágio da vida como outro qualquer e</p><p>sentir pena dos idosos é tão sem sentido como ter pena de alguém por</p><p>ter nascido e ter sido criança. Podemos ter pena de algumas coisas que</p><p>acontecem na infância e na velhice, mas isso não significa sentir pena</p><p>das pessoas que estão nessa etapa da vida. Não existe, por exemplo, na</p><p>etapa da juventude, situações que causam pena?</p><p>O que realmente necessitamos é nos libertar de muitos preconceitos</p><p>que até alguns anos atrás associavam-se à velhice: “a inteligência</p><p>diminui com a idade”, “deve ser triste sentir-se velho”, “o idoso está</p><p>mais perto da morte”, “o velho não tem futuro”, “velhos não se</p><p>apaixonam mais” e uma porção de outras bobagens que, de tanto</p><p>repetidas, levou-nos a pensar que eram verdades. São preconceitos, e se</p><p>um conceito é “pré” e esse prefixo significa “anterioridade”, então trata-</p><p>se de um conceito anterior à realidade.</p><p>E, em geral, a realidade dos velhos é bem outra. Existem talentos</p><p>admiráveis na infância, outros que são magníficos na idade adulta, mas</p><p>existem os talentos da velhice que importam ao adulto perceber e à</p><p>criança encontrar. É essencial que toda criança – conviva ou não com</p><p>velhos em sua família – aprenda que hoje em dia as pessoas</p><p>“envelhecem vivendo”, e não mais como antes se propalava, que elas</p><p>“viviam envelhecendo”.</p><p>Educar a criança para compreender e amar a velhice significa, em</p><p>primeiro lugar, fazê-la descobrir que muito do que ela ouve sobre a</p><p>velhice são preconceitos, e que conviver com velhos significa descobrir</p><p>segredos, aprender com a própria experiência.</p><p>Como fazer...</p><p>Existem dois princípios que são essenciais para que a criança</p><p>aprenda a compreender e a amar a velhice. O primeiro princípio é de</p><p>que se construiu uma série de preconceitos sobre a idade avançada e que</p><p>um preconceito nada mais é que uma bobagem, como muitas bobagens</p><p>que existem no mundo. O segundo princípio é de que o estágio da</p><p>velhice é bem diferente de outros estágios da vida e que sempre temos</p><p>muito a aprender descobrindo coisas diferentes.</p><p>Para trabalhar esses dois princípios é importante que a criança nos</p><p>ouça falar sobre eles. Podemos falar sobre o preconceito, mostrando que</p><p>ele é uma espécie de “doença cultural” e que, portanto, deve ficar longe</p><p>das pessoas de bom senso. Os preconceitos sobre a velhice, tal como os</p><p>preconceitos sobre a cor da pele, a paixão pelo clube, os ideais</p><p>religiosos e outros existem e são repetidos, mas nem por isso são</p><p>verdadeiros. A criança, por acaso, não conhece alemães que odeiam</p><p>cerveja? Portugueses inteligentíssimos? Judeus perdulários? Existe, por</p><p>acaso, tolice maior em afirmar que “todo flamenguista é isto ou é</p><p>aquilo”?</p><p>É interessante inventar com a criança uma espécie de “caça aos</p><p>preconceitos”, fazendo-a procurá-los e, ao descobri-los, perceber o</p><p>quanto são tolos. Essa caçada aos preconceitos pode ser empreendida</p><p>nos comerciais exibidos na TV, em algumas notícias de jornal ou em</p><p>entrevistas com pessoas conhecidas. A criança que aprende a rir dos</p><p>preconceitos acaba por conscientizar-se de que a cultura popular é cheia</p><p>de verdades, mas que abriga bobagens também.</p><p>O segundo princípio consiste em se trabalhar a grandeza das</p><p>diferenças. As flores, por acaso, não podem ser diferentes e todas</p><p>lindas? Um passeio ao zoológico não mostrará animais diferentes, mas</p><p>cada um extraordinário em seu jeito de ser? Ao sentir-se atraída pela</p><p>descoberta da diferença, a criança aos poucos descobrirá que tem coisas</p><p>boas a trocar com os velhos e que os velhos, por certo, vão adorar</p><p>aprender e ensinar.</p><p>Na verdade, ao ensinar uma criança a compreender e a amar a</p><p>velhice, está-se caminhando muito além; está-se educando essa criança</p><p>a abominar qualquer forma de preconceito, a achar graça na tolice que</p><p>ele abriga, mostrando que nem tudo o que é diferente necessita ser visto</p><p>como esquisito. Aprende-se muito com coisas que, para nós, não são</p><p>iguais.</p><p>E ainda mais...</p><p>Não se ensina uma criança chinesa, de maneira sistemática e com</p><p>lições de moral, a respeitar a velhice.</p><p>Não se ensina porque não é necessário fazê-lo. Entre muitos povos</p><p>orientais, e mesmo entre várias tribos indígenas brasileiras, o amor aos</p><p>mais velhos não emerge como circunstância de “pena” e menos</p><p>ainda</p><p>como regra social que necessita ser cumprida, goste-se ou não. Nessas</p><p>culturas, existe a compreensão verdadeira do sentido da sabedoria que a</p><p>experiência agrega e, assim, respeitam-se os velhos porque se ama a</p><p>sabedoria, porque se almeja a experiência.</p><p>Vivemos no Ocidente outra realidade, nossa cultura não traz em sua</p><p>estrutura o sentimento de afeto e de ternura aos que envelheceram e, por</p><p>isso, buscamos colocar em seu lugar a piedade e as regras morais. Uma</p><p>coisa é seguir uma regra moral ou demonstrar um sentimento que não se</p><p>tem, outra coisa é compreender realmente que a cultura com a qual se</p><p>conviveu desde o berço exalta valores e, por isso, eles são aceitos. É por</p><p>isso que achamos que é preciso ensinar uma criança a respeitar a velhice</p><p>e é por isso também que se arquiteta que tipos de lições poderiam ser</p><p>usados. Algo como colocar um esparadrapo em uma falha cultural. Isso</p><p>em nada ajuda na construção de sentimentos verdadeiros.</p><p>Não se trata de usar lições específicas e nem de apelar para a</p><p>pieguice ou para a exaltação de sentimentos que não se possui. Trata-se,</p><p>isto sim, de algo mais difícil, que é mostrar a diferença cultural que</p><p>temos e admirar o que de mais sábio e belo uma outra cultura tem. É por</p><p>esse motivo que uma criança aprende a admirar a experiência quando,</p><p>em todas as oportunidades, externamos essa admiração. Se pudermos</p><p>mostrar o quanto nos encanta o exercício de valores que pelas</p><p>circunstâncias de nossa cultura não usamos, não será difícil a criança</p><p>envolver-se por esse encantamento. É por essa razão que somos contra o</p><p>apelo à piedade e à ideia de que “criança que ama os velhinhos é uma</p><p>boa criança”. O amor que assim se prega é um amor egoísta.</p><p>Desde cedo é importante que a criança descubra que tudo o que se</p><p>faz e que tudo o que se pensa pode ser feito de outra maneira ou</p><p>pensado de outra forma e que amar os mais velhos é menos uma</p><p>questão convencional e bem mais a vontade de pensar – e agir – de</p><p>maneira diferente. Para que se consiga êxito nessa tarefa, é essencial</p><p>que estejamos dispostos a “motivar” a criança a um outro pensar. As</p><p>normas e as convenções sociais não se transformam por si mesmas e é</p><p>até natural que haja resistência às mudanças, sobretudo se a manutenção</p><p>de uma forma de agir não implicar sanções. Ninguém é castigado</p><p>porque não ama os velhos. Motivar uma criança a fazê-lo é mostrar-lhe</p><p>que vale a pena pensar e agir de maneira diferente de como agem e</p><p>pensam “quase todos os outros em nossa cultura”. Não há nada mais</p><p>belo que mostrar com sinceridade a uma criança a serenidade e a doçura</p><p>das rugas, que parecem esculpidas pelo sofrimento, no rosto de um</p><p>homem do povo.</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a julgar, a ponderar</p><p>O mesmo dicionário que</p><p>apresenta o verbo julgar</p><p>como sendo o ato de</p><p>“decidir” apresenta-o</p><p>como sendo o ato de</p><p>“avaliar”. Mas existe</p><p>imensa diferença entre</p><p>“decidir” e “avaliar”.</p><p>Quem decide, define,</p><p>estabelece, resolve;</p><p>quem avalia, na verdade,</p><p>pondera, examina,</p><p>reflete. Ensinar uma</p><p>criança a julgar é afastá-</p><p>la do preconceito da</p><p>decisão precipitada, é</p><p>levá-la à ternura da</p><p>reflexão pela escolha, da</p><p>ponderação à luz da</p><p>reflexão.</p><p>O que é...</p><p>Nenhuma criança julga porque traz em seu genoma essa</p><p>propriedade. As crianças não julgam da mesma forma como os cães</p><p>ladram. A capacidade de discernimento não representa, pois, um</p><p>instinto; ela é, essencialmente, uma aprendizagem. Mas se essa</p><p>aprendizagem é conquistada de quem nunca refletiu sobre o sentido</p><p>ambíguo do julgar, a criança crescerá julgando sem reflexão, deixando-</p><p>se influenciar por estereótipos.</p><p>O julgamento precipitado é irmão gêmeo da generalização (é bem</p><p>mais fácil e cômodo crer que se um é, todos são). Dessa forma,</p><p>desenvolve-se o hábito de acolher impressões cheias de preconceitos e</p><p>tomá-las como verdade, sem cuidadosa reflexão. Quando se percebe</p><p>que a criança está, aos poucos, tornando-se juiz sem critério, busca-se</p><p>reprimir tais juízos de valor, ensinando-lhe outros. Mas não seria bem</p><p>mais fácil ensinar essa criança a ponderação e o discernimento? Como</p><p>ensinar uma criança a julgar?</p><p>O primeiro passo deve ser realizado longe da criança. É produto de</p><p>uma sincera conversa que temos com nós mesmos, perguntando-nos se</p><p>efetivamente nossas opiniões e nossos juízos de valor estão</p><p>fundamentados em verdadeira “avaliação” ou se são produtos culturais</p><p>conquistados, prontos e embalados, e, por comodismo, usados como</p><p>referência. Somos pessoas que generalizam com facilidade e que de um</p><p>fato particular chegam a uma ideia geral ou realmente não assumimos</p><p>uma ideia sem antes ponderá-la, observá-la por outros ângulos,</p><p>conhecê-la de outras maneiras? Se esse exame de consciência realizado</p><p>em particular apontar para o fato de que efetivamente não temos o</p><p>hábito de julgar com ponderação, de olhar os dois lados de uma questão</p><p>antes de optarmos por uma escolha, temos de assumir que seremos</p><p>péssimos professores no ensino do bom julgar. Ou mudamos o enfoque</p><p>desse olhar ou escolhemos outras pessoas para ajudar as crianças a</p><p>desenvolver sua capacidade de discernimento.</p><p>Após esse primeiro passo, a melhor forma de ensinar uma criança a</p><p>julgar é mostrar-lhe, em todas as oportunidades possíveis – notícias de</p><p>jornal, comentários sobre ações de amigos, filmes assistidos etc. –, a</p><p>possibilidade de assumir “um outro ponto de vista” antes de chegar a</p><p>uma conclusão definitiva.</p><p>Como fazer...</p><p>Existe uma interessante estratégia pedagógica que ensina o aluno a</p><p>julgar e, se aplicada com critério, não apenas instrui, como ajuda a</p><p>disciplinar a mente para a busca de uma coerência. Essa atividade,</p><p>geralmente realizada com alunos das últimas séries do ensino</p><p>fundamental ou do ensino médio, pode também ser adaptada para se</p><p>trabalhar a necessidade de exame cuidadoso de todos os lados de uma</p><p>questão com alunos e crianças mais novas.</p><p>Monta-se um júri simulado e apresenta-se uma questão polêmica,</p><p>atual ou antiga. Formam-se “bancas” de alunos, que atuarão como</p><p>“advogados” de defesa e de acusação da questão. Os componentes de</p><p>cada banca deverão reunir os argumentos que apresentarão e buscar</p><p>saber quais os que poderão ser utilizados pela banca oponente, para</p><p>melhor rebatê-los. No dia marcado para essa atividade, tal como em um</p><p>júri, há um espaço de tempo para a acusação, outro para a defesa,</p><p>instantes de interpelação e, a seguir, o envolvimento dos demais alunos</p><p>como “jurados”. Quanto maior o número de argumentos propostos e</p><p>quanto mais intenso o empenho dos alunos na construção das bases das</p><p>ideias que defenderão, mais valorosa será essa prática educativa.</p><p>Um júri simulado, de poucas pessoas, pode ser provocado sempre</p><p>que se pedir a opinião da criança sobre os mais diversos assuntos, mas,</p><p>sobretudo, quando lhe for solicitada a busca de “argumentos” para</p><p>fundamentar sua opinião. Se a criança não souber como alinhar esses</p><p>argumentos (e geralmente não sabe mesmo), o monitor está diante de</p><p>uma excelente oportunidade para ele mesmo assumir, em tempos</p><p>distintos, os papéis de “acusação” e de “defesa”, com a maior</p><p>imparcialidade possível.</p><p>Não há erro algum em que, após o julgamento por parte da criança</p><p>e levando em conta os argumentos propostos, o adulto assuma sua</p><p>opinião. Esta, entretanto, deve estar oculta quando “acusa” ou quando</p><p>“defende” a causa em questão. A prática de construir argumentos a</p><p>favor e contra – este ou aquele fato histórico, esta ou aquela</p><p>personagem da novela, do filme ou até mesmo de seres não humanos</p><p>retratados nesta ou naquela história – revela que sempre existem</p><p>“maneiras diferentes de ver uma causa” e ajuda a criança a transformar</p><p>“definições” em “reflexões”.</p><p>E ainda mais...</p><p>Uma das mais eficientes definições de “pessoas criativas” aponta-as</p><p>como sendo aquelas que, em todas as oportunidades, buscam olhar uma</p><p>mesma questão por diferentes ângulos. Pessoas com essa característica</p><p>costumam ter uma desenvolvida capacidade de julgamento imparcial,</p><p>tanto de atos que envolvem outras pessoas, como também de valores</p><p>estéticos, máquinas, planos urbanísticos e tudo o mais. Elas parecem</p><p>envolvidas pela permanente</p><p>inquietude de pensar que tudo o que existe</p><p>pode ser visto por um outro olhar e, dependendo do julgamento que essa</p><p>nova maneira de ver propicie, aceitar as coisas como estão ou mudá-las.</p><p>Ainda que muitas pessoas pareçam trazer consigo essa habilidade –</p><p>que, segundo se sabe, está ligada a um uso mais persistente da</p><p>integração entre os hemisférios cerebrais esquerdo, mais racional, e</p><p>direito, mais estético –, isso não significa que não seja possível</p><p>aprimorá-la valendo-se de uma paciente educação. Essa educação,</p><p>portanto, insiste em se colocar contrária à generalização e ao</p><p>reducionismo, atitudes mentais que assumimos de forma quase</p><p>inconsciente por essa teimosa tendência de nossos neurônios em “ligar o</p><p>piloto automático”.</p><p>Entretanto, é impossível sermos contrários à generalização sem</p><p>uma aguda reflexão a respeito desse hábito e da conveniência de</p><p>transformá-lo em uma concepção de vida mais “tolerante”. Tolerância,</p><p>diga-se de passagem, que não deve surgir como “acomodação” ou como</p><p>“paciência”, mas como a prática de saber que as pessoas veem a vida de</p><p>modo diferente umas das outras e que, nem por isso, sua forma de ver é</p><p>“errada”. O reducionismo parece caminhar junto com a generalização e</p><p>indica procedimentos mentais comuns a pessoas que buscam a extrema</p><p>simplificação das causas que explicam os eventos. Para mentalidades</p><p>reducionistas, não existem ações conjuntas na explicação de qualquer</p><p>fenômeno. Tudo se passa como se “as coisas fossem o que são porque</p><p>têm que ser” e, assim, substitui-se a busca das causas por uma resposta</p><p>imediata e irrefletida.</p><p>Reducionismo e generalização são “doenças” culturais, mas não são</p><p>males incuráveis. Como refletem os efeitos de uma educação</p><p>imperfeita, podem, com uma nova educação, vir a ser corrigidos. Essa</p><p>correção é essencial para todos os que acreditam que ensinar uma</p><p>criança a julgar é mais do que ensinar-lhe um verbo, que é, na verdade,</p><p>ajudá-la a aprender a viver bem.</p><p>Da mesma forma como é muito difícil levar a criança a comer</p><p>verduras se nós também não as comemos, é igualmente complicado</p><p>ensiná-la a julgar, se apenas pensamos que julgamos.</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a rejeitar o consumismo</p><p>A descoberta da mente</p><p>humana, ainda que</p><p>tímida em seus avanços,</p><p>sinaliza para novos e</p><p>bons tempos para a</p><p>educação. Nunca, como</p><p>agora, foi possível saber</p><p>que atenção, memória,</p><p>emoção, linguagem,</p><p>motivação, criatividade,</p><p>valores, virtudes e ainda</p><p>muitos outros atributos</p><p>são educáveis. Mas se os</p><p>tempos de agora têm</p><p>boas coisas para educar,</p><p>existem por certo alguns</p><p>males e se torna</p><p>essencial corrigi-los.</p><p>O que é...</p><p>Torna-se tarefa difícil dizer quais são os maiores males dos tempos</p><p>que vivemos. Difícil não porque não existem muitos, mas exatamente</p><p>difícil porque são tantos, que qualquer hierarquia é sempre incompleta.</p><p>Contra muitos desses males, nada se pode realmente fazer. Como</p><p>impedir que segregacionistas excluam, que assassinos matem, que</p><p>corruptores corrompam? Educar, pois, não significa eliminar os males</p><p>do tempo em que se vive; significa, antes, alertar sobre eles e buscar</p><p>proteger os que são alcançados por uma boa e serena educação. É, pois,</p><p>com essa missão de alerta que cabe falar contra dois desvios de nosso</p><p>tempo, aceitos como lógicos e normais, mas que, levados ao exagero,</p><p>representam sementes de males ainda maiores.</p><p>O primeiro desses desvios é o que habitualmente chamamos de</p><p>consumismo. O consumismo não é, em si, um mal; é, em verdade, um</p><p>desvio. Todos precisamos consumir e o próprio livro que você segura</p><p>neste momento foi feito para ser “consumido”. O consumismo que se</p><p>combate é o “querer por querer”, o desejo de trocar afetos por presentes,</p><p>abraços por artefatos, sorrisos por sorvetes. Esse consumismo, que às</p><p>vezes não custa tão caro assim, representa perversidade</p><p>comportamental, situando-se muito além de seu custo. Levada a</p><p>associar visitas a brinquedos, a criança perde a noção da pessoa e passa</p><p>a lembrar-se dos ausentes pelas lembranças materiais deixadas. Com o</p><p>tempo, acostuma-se e já não sabe mais crescer sem pedir; desejar sem</p><p>subornar.</p><p>O segundo desvio é filho do primeiro. Uma educação consumista</p><p>acaba se transformando em uma educação economicista, atribuindo</p><p>valor preponderante ao dinheiro e àquilo que ele conquista,</p><p>confundindo, dessa forma, o trabalho com o sucesso, o valor desse ou</p><p>daquele emprego pelo salário que ele pode render. Quando nos</p><p>embriagamos assim, educamos as crianças para a competitividade, para</p><p>o pódio, para ser sempre a primeira. Sem nos darmos conta, estamos</p><p>plantando e regando a angústia e a infelicidade. Quando, por exemplo,</p><p>acreditamos piamente que “temos direito de possuir um carro”, estamos</p><p>imaginando que todos possuem igual direito, e se esse direito é dado a</p><p>todos, tira-nos o direito de circular com esse carro.</p><p>Como fazer...</p><p>O mais difícil em uma educação que se opõe ao consumismo não é</p><p>ensinar a criança para que não o descubra como um valor em si, e sim</p><p>educar os adultos que estão ao lado dessas crianças a não seduzi-las</p><p>com presentes a toda a hora, com balas e brinquedos a cada visita, com</p><p>sorvetes e ingressos em cada passeio.</p><p>Não há mal algum em presenteá-las em ocasiões propícias, mas o</p><p>melhor presente é sempre aquele pelo qual se espera com ansiedade,</p><p>aquele que, antes de se possuir, com ele se sonhou. Mas como impedir</p><p>que avós, tios, primos, amigos, vizinhos façam de cada encontro alguma</p><p>oferta? Conversar com esses adultos? Será que isso adianta? Será que,</p><p>por exemplo, o avô ou a avó, o tio ou a tia, com bom senso, deixam-se</p><p>seduzir por esse novo educar, se eles próprios sentem-se realizados por</p><p>oferecer ao neto “tudo o que o céu permite”?</p><p>É claro que pouco adianta, mas mesmo assim, com doçura e</p><p>firmeza, devemos fixar nosso ponto de vista. Invertendo-se a máxima de</p><p>Voltaire, os pais devem pensar: “não concordo de forma alguma com</p><p>esse jeito consumista de agradar, mas defenderei até a morte o direito de</p><p>fazê-lo”. Se pouco pode ser feito com relação aos adultos, algumas</p><p>coisas necessitam ser estabelecidas em relação à criança.</p><p>A primeira medida é, por volta dos cinco ou seis anos, conversar</p><p>com a criança, fazê-la descobrir que as pessoas valem mais do que as</p><p>coisas, que o brinquedo oferecido pela titia pode quebrar, mas que o</p><p>afeto que a titia tem pela criança não se quebra jamais. Essa conversa,</p><p>menos que um fortuito conselho depressa esquecido, deve se afigurar</p><p>como um verdadeiro valor familiar, uma linha de conduta que, por meio</p><p>de exemplos, sempre se repete, por meio de histórias e de casos, sempre</p><p>se reforça.</p><p>Uma segunda medida é fazer os adultos compreenderem que se</p><p>quiserem agir assim com a criança possuem todo direito de fazê-lo, mas</p><p>que devem respeitar, por parte da criança, ação oposta, e valorizar,</p><p>muito e sempre, o sorriso que dela recebem, o abraço carinhoso que em</p><p>cada oportunidade esperam. Muito mais nocivo para a educação</p><p>anticonsumista de uma criança é, ao mesmo tempo, aceitar que valorize</p><p>mais os presentes do que a pessoa que os ofereça e que saiba retribuir a</p><p>essa pessoa apenas com outros presentes.</p><p>A esses procedimentos devem ser acrescentados outros, com vistas</p><p>a valorizar, em cada história que se conta, em cada comentário de vídeo</p><p>a que se assiste ou em cada filme que se compartilha, as ações não</p><p>materiais, levando a criança a descobrir que uma ação bondosa não se</p><p>mede por preço algum, que a alegria que dela se espera fundamenta-se</p><p>em desejar que ela seja feliz, e que felicidade e sucesso são coisas</p><p>diferentes.</p><p>E ainda mais...</p><p>Constitui uma prática na preparação de promotores de vendas</p><p>alertar que muitos pais costumam ser econômicos consigo mesmos,</p><p>seguros em gastos pessoais, mas que, em geral, são “mãos abertas” em</p><p>relação aos filhos. Se pensarmos em profundidade de tudo o quanto nos</p><p>privamos, para não privar a(s) criança(s) que amamos, veremos que a</p><p>lista é imensa em favor dela(s). Essa atitude, vista de determinado</p><p>ângulo, é indiscutivelmente bela e reforça o sentimento de ternura e</p><p>carinho que desperta a quem mais amamos, mas, levada ao extremo,</p><p>acaba por se desgastar</p><p>e, perigosamente, por nos tornar péssimos</p><p>educadores, verdadeiros promotores do consumismo. Nesse sentido, a</p><p>primeira tarefa educativa é a que devemos fazer com respeito a nós</p><p>mesmos, substituindo presentes por abraços sinceros, ofertas materiais</p><p>generosas pela generosidade do tempo que disponibilizamos a essa</p><p>criança.</p><p>Falar é fácil, dirão todos. Realmente, falar é mais fácil que fazer,</p><p>mas se compreendermos em profundidade o risco de uma educação</p><p>escorada em atributos materiais e transformarmos nossa ação</p><p>consumista em uma verdadeira pedagogia do afeto, aos poucos não será</p><p>muito difícil nos disciplinarmos e, com paciência, disciplinar a criança.</p><p>Mas a firmeza da consciência moral, no adulto, ainda não é suficiente. É</p><p>essencial que ele disponha de tempo para oferecer à criança e,</p><p>sobretudo, que possua estratégias para usar bem esse tempo. Assim</p><p>como todo quarto de criança deveria ser decorado como “um mundo de</p><p>fantasias”, cheio de elementos simples ou de desenhos que a induzissem</p><p>a sonhar, também toda ação adulta deveria fazer dele um “mágico”,</p><p>sempre rico em histórias para contar, artimanhas para propor, sugestões</p><p>de visitas e passeios para compartilhar.</p><p>Não raramente todo adulto “prepara-se” para uma entrevista</p><p>importante, para ter um bom desempenho numa ocasião especial, para o</p><p>churrasco com o qual quer recepcionar bem seus amigos. Se esse</p><p>preparo, muitas vezes, é até melhor do que a própria festa, por que não</p><p>preparar-se para brincar com as crianças, decorando rimas, aprendendo</p><p>histórias, conhecendo mágicas ou organizando uma seleção de</p><p>brincadeiras verbais (Antunes 2000, 2003) que nada custam e que</p><p>entretêm a criança de forma bem mais significativa?</p><p>Ainda que nem sempre gostemos de pensar assim, é necessário que</p><p>a cada dia saibamos nos preparar para conversar com as crianças. O que</p><p>temos a dizer deve ressaltar um não ao consumismo e um sim à</p><p>generosidade, um não aos recursos materiais e um sim à coragem, um</p><p>não ao anseio de ganhar todas, mas um sim à franqueza do amor à</p><p>verdade, ao próximo e ao desejo de ser e de saber.</p><p>Ensinar à criança...</p><p>a importância da valentia</p><p>Valentia e bravata são</p><p>palavras que gostam de</p><p>andar juntas, mas não</p><p>são irmãs. A valentia é a</p><p>competência de quem</p><p>tem coragem, enquanto</p><p>a bravata é a</p><p>fanfarronice, a</p><p>arrogância de quem se</p><p>diz valente. Separando o</p><p>sentido dessas duas</p><p>palavras e ficando-se</p><p>apenas com a pureza da</p><p>valentia, descobre-se</p><p>que é uma virtude</p><p>essencial em todos os</p><p>tempos, mas que se</p><p>encontra meio fora de</p><p>moda nos dias de hoje.</p><p>O que é...</p><p>Uma provável razão pela qual a valentia ficou à margem das</p><p>grandes virtudes é porque muitos associam a qualidade guerreira como</p><p>valor militar ou atributo que qualifica mais o homem que a mulher, e</p><p>como nunca se falou tanto em paz – ainda que em presença de inúmeras</p><p>guerras – como nos dias de hoje e também porque vivemos numa época</p><p>de combate ao doentio machismo, muitos acreditam que a valentia</p><p>perdeu seu espaço. Entretanto, esse é um erro que deve ser evitado.</p><p>Em primeiro lugar, a valentia pode se manifestar em uma guerra,</p><p>mas não é apenas nos combates que ela emerge; em segundo lugar, a</p><p>valentia nada tem de exclusivamente masculina e nada torna mais clara</p><p>a imagem de valentia que a luta feminina contra o sexismo e o</p><p>machismo.</p><p>É, pois, hora de revalidar essa virtude, e como ela não se manifesta</p><p>se não vier a ser aprendida, é chegada a hora de ensiná-la. Uma criança,</p><p>não importa se menina ou menino, mostra-se valente quando assume a</p><p>coragem de libertar-se da chupeta, revela a valentia quando cede à</p><p>injeção dolorida e até mesmo em hospitais infantis, em leitos onde se</p><p>descobrem crianças terminais, encontram a coragem que, para todos os</p><p>adultos, para todo o sempre, deveria servir de lição.</p><p>Mas se a fragilização da ideia de valentia não vem de se pensar nela</p><p>como atributo guerreiro ou exclusividade masculina, de onde vem?</p><p>Vem, por certo, da mania moderna de dar tudo à criança, de obter</p><p>seu sorriso à custa de presente, de suborná-la, ao substituir nossa</p><p>presença que elas tanto querem pela televisão, que nos é mais</p><p>confortável, ou pela esfarrapada desculpa de que “o trabalho nos</p><p>chama”. Claro que chama, mas existe trabalho maior e mais digno do</p><p>que fazer os filhos autenticamente felizes?</p><p>Enquanto a criança não descobrir a imensa distância que existe</p><p>entre “preço” e “valor”, provavelmente não descobrirá em si mesma a</p><p>energia para tornar-se corajosa, para cultuar com orgulho sua valentia.</p><p>Como fazer...</p><p>A estratégia mais eficiente para ensinar a valentia é fazer a criança</p><p>sentir que tudo, absolutamente tudo que custa algum esforço tem</p><p>imenso valor. Quando a criança aprende isso, descobre que se a palavra</p><p>“bravata”, como se disse antes, nada tem de irmã da palavra “valentia”,</p><p>sua irmã gêmea é a palavra “esforço”. Mas criança alguma aprende o</p><p>valor do esforço quando amparada pela superproteção, quando cercada</p><p>de mimos que confundem o sentido do verdadeiro afeto.</p><p>Nenhuma criança saudável é preguiçosa, apática ou indolente.</p><p>Esses atributos são aprendidos quando é transformada em “príncipe”</p><p>para quem todos os adultos são seus pajens. Não se aprende valentia</p><p>como se aprende que Cabral é o nome do descobridor do Brasil, mas</p><p>quando se descobre que toda conquista envolve esforço, que todo</p><p>resultado somente é verdadeiro quando fruto de abnegação. Ainda que</p><p>seja impossível generalizar, as estatísticas não mentem quando exaltam</p><p>que entre jovens internados por consumo excessivo de drogas</p><p>predominam os que cresceram em ambientes frouxos, onde não</p><p>precisaram lutar por nada e não lhes foi outorgada a possibilidade de</p><p>exibir sua valentia.</p><p>Os desenhos e os filmes a que assistem, as histórias que ouvem dos</p><p>adultos são muitas vezes cheios de heróis e repletos de valentia, mas</p><p>esses desenhos e filmes pouco contribuem para a consciência valente</p><p>quando não são explicados com detalhes, quando após sua apresentação</p><p>não surge um delicioso “bate-papo” entre adultos e crianças mostrando</p><p>que em toda pessoa valente existe sempre um herói esforçado, uma</p><p>pessoa, real ou não, com força de vontade para superar obstáculos e</p><p>vencer a preguiça, a indolência e a apatia. Já imaginou um super-</p><p>homem preguiçoso?</p><p>Mas o ensino da valentia e da coragem tem limites e eles</p><p>necessitam ser severos. Uma linha muito estreita separa a valentia da</p><p>ousadia. Se não cuidarmos de mostrar essa sutileza, corremos o risco de,</p><p>ao afastarmos o medo da criança, criarmos nela a intempestividade no</p><p>agir. O verdadeiro valente não tem medo de ter medo e somente o</p><p>supera por uma causa que julga inteiramente válida.</p><p>É improvável que uma criança torne-se corajosa se não encontrar</p><p>em sua vida oportunidades para extrair a coragem que oculta dentro de</p><p>si.</p><p>E ainda mais...</p><p>Uma maneira admirável de despertar uma criança para a valentia é</p><p>sugerir “metas” e propor desafios para alcançá-las. Por exemplo:</p><p>“Vamos explorar o parquinho da Granja? Eu vou acompanhá-lo(a), mas</p><p>você será o ‘chefe’ dessa exploração. Você escolherá as trilhas que</p><p>deverão ser percorridas. Eu vou fazer apenas uma relação de itens que</p><p>deverão ser observados e, ao final de nossa exploração, você deverá ser</p><p>capaz de responder a uma porção de perguntas que farei sobre esses</p><p>itens”.</p><p>É necessário que, para a organização dessa lista, conheça-se o lugar</p><p>a ser explorado. Com base nesse conhecimento, incluir na lista, por</p><p>exemplo, onde estava uma árvore bem alta? Em que lugar ouviu-se pela</p><p>primeira vez o barulho da água correndo? Qual a árvore de tronco mais</p><p>grosso encontrado? Onde existem flores amarelas? Essa atividade</p><p>impulsiona a criança ao prazer da aventura e da descoberta, desperta-lhe</p><p>o sentido de liderança nessa exploração, mas garante a segurança de um</p><p>acompanhamento e de uma intervenção, se necessária.</p><p>A valentia que se deseja ensinar é o espírito de iniciativa e ele se</p><p>fortalece quando a criança descobre que seus pais ou seus professores</p><p>confiam em sua capacidade de realizar pequenas tarefas</p><p>supervisionadas. Essa supervisão, entretanto, não deve ser para</p><p>“corrigir”, “limitar”, “fazer pela</p><p>criança”, mas tão somente para garantir</p><p>que nessa realização não ocorram acidentes desnecessários. Toda</p><p>criança “adora” realizar tarefas e essa realização exalta sua autoestima,</p><p>mesmo que em muitas circunstâncias a criança pense que pode fazer o</p><p>que na verdade ainda não pode.</p><p>É essencial que aprenda a se servir. Se houver risco de quebrar o</p><p>prato ou o copo é bem mais sensato substituir copos e pratos de louça</p><p>por outros, plásticos, mas jamais tolher a iniciativa. É importante que a</p><p>criança, aos poucos, saiba usar o banheiro, escovar os dentes, servir-se</p><p>de água e um mundo de outras iniciativas. Mas é preciso muito cuidado</p><p>para jamais propor desafios que se coloquem acima da efetiva</p><p>capacidade da criança de cumpri-los. Saiba exaltar e aplaudir seus</p><p>pequenos sucessos, mostre-lhe como você aplaude seus gestos de</p><p>ousadia.</p><p>Se, na realização de uma aventura ou na busca de um desafio</p><p>explorador, a criança não conseguir realizar a tarefa, não a deixe sentir-</p><p>se frustrada. Mostre que ocorre a todos nós de, na primeira tentativa,</p><p>não conseguir realizar muita coisa. Se a “raiva” persistir, um convite</p><p>para um banho quente, para ouvir uma música gostosa ou para tentar</p><p>uma outra brincadeira pode ser a alternativa. O essencial é que a</p><p>frustração – que é natural – não contamine o resto do dia.</p><p>Ensinar à criança...</p><p>a importância da bondade</p><p>Existe coisa mais fora de</p><p>moda que a bondade?</p><p>Será que ensinando as</p><p>crianças a serem</p><p>bondosas não as estamos</p><p>fazendo tolas, fáceis de</p><p>serem enganadas e</p><p>iludidas por qualquer um</p><p>em qualquer parte? Essa</p><p>é uma impressão</p><p>extremamente atual, o</p><p>que não significa,</p><p>entretanto, que é uma</p><p>impressão verdadeira. A</p><p>bondade é uma virtude</p><p>que jamais envelhece e</p><p>coloca-se a meio</p><p>caminho entre dois</p><p>defeitos humanos muito</p><p>comuns: a avareza e a</p><p>prodigalidade.</p><p>O que é...</p><p>Realmente a bondade está no equilíbrio exato entre as pessoas</p><p>avarentas, que pensam apenas em si mesmas e querem tudo para seu</p><p>conforto e alegria, e entre as pessoas “mãos abertas”, que jamais</p><p>pensam em si e dilapidam depressa tudo quanto ganham ou conquistam.</p><p>Uma pessoa é verdadeiramente bondosa quando consegue livrar-se da</p><p>avareza, do egoísmo, da preocupação doentia com a posse e a poupança,</p><p>mas quando sabe evitar cair no extremo oposto e não se tornar um</p><p>perdulário, pessoa que não dá valor a nada e, muitas vezes, não dá valor</p><p>também à amizade e a outras pessoas.</p><p>À primeira vista, pensa-se que a bondade é uma virtude associada a</p><p>bens materiais. Mas não é. Há pessoas riquíssimas e que são admiradas</p><p>pela bondade que demonstram não porque fazem doações ou cobrem</p><p>seus amigos e empregados de dinheiro e bens, mas porque jamais</p><p>escondem a palavra generosa, a opinião alegre, o sorriso de um “bom</p><p>dia” autêntico. Pesquisas mostram que os patrões mais amados não são</p><p>os que pagam os mais altos salários, mas os que descem de sua</p><p>prepotência e de seu poder e, com extrema simplicidade, são bondosos</p><p>na acolhida e no afeto com que olham para todos com igual olhar de</p><p>doçura.</p><p>Uma das principais razões da avareza se assenta na desigualdade</p><p>social e, nesse campo, o Brasil, infelizmente, bate quase todos os</p><p>demais países. Somos um país de imensos contrastes sociais onde os</p><p>que têm, têm muito e parecem querer ter cada vez mais e os que nada</p><p>têm sentem-se amarrados por um círculo vicioso que os leva da pobreza</p><p>à miséria. Há muita gente egoísta, mas há muitas pessoas generosas</p><p>também. Pessoas que se entregam a uma causa, que são solidárias</p><p>diante de um drama, que se envolvem ajudando o outro não porque</p><p>possuem fome de reconhecimento, mas porque sentem que a bondade</p><p>habita nelas e porque não sabem viver sem compartilhar, distribuir e</p><p>ajudar, com ou sem bens materiais.</p><p>Pessoas verdadeiramente bondosas são todas aquelas que</p><p>conseguiram libertar-se de si mesmas e descobrir que a felicidade</p><p>responde por uma estranha matemática: é um produto que quanto mais</p><p>se divide, mais se acumula.</p><p>Como fazer...</p><p>Para ensinar uma criança a ser bondosa, deve-se começar</p><p>explicando-lhe o que é a bondade, fazendo com que ela a descubra nas</p><p>personagens dos filmes e desenhos a que assiste e nos belos exemplos</p><p>dos livros que lê. Começa-se a ensinar uma criança a ser bondosa</p><p>quando se mostra que a bondade independe da força, do poder ou do</p><p>heroísmo. Assim como não é necessário ter força ou poder, o fato de tê-</p><p>los não impede a pessoa de ser boa, generosa.</p><p>Ensinar uma criança a ser bondosa implica mostrar-lhe não ser</p><p>excessivamente apegada ao que é seu e que existe beleza no ato de</p><p>receber e agradecer, mas existe também beleza no ato de dividir. Até os</p><p>quatro anos essa pedagogia parece apresentar resultados muito tímidos;</p><p>a criança é essencialmente um ser centralizador e não é nada fácil</p><p>vencer seu anseio de posse para perceber a alegria de oferecer. Os</p><p>resultados parecem tímidos, mas com persistência e paciência – jamais</p><p>com imposição ou valendo-se do suborno – os resultados começam a</p><p>aparecer e, depois dessa idade, manifestam-se mais fortemente.</p><p>Mas é essencial que a criança aprenda que a bondade não se</p><p>restringe apenas a recursos materiais. Existe bondade quando se respeita</p><p>o outro, quando se descobre que nem sempre o que é bom para nós é</p><p>também bom para o irmão ou a irmã ou para os amiguinhos. Ainda uma</p><p>vez, essa descoberta não se dá por si. A doce palavra da mãe e do pai</p><p>sempre reiterada e o excelente exemplo da professora e do professor</p><p>sempre repetido vão cristalizando na criança a certeza das diferenças e</p><p>que há bondade em compreendê-las. Bons exemplos sempre ajudam e</p><p>não faltam: as flores e os animais não são diferentes e ainda assim não</p><p>podem ser bonitos?</p><p>É absolutamente natural que toda criança, como ocorre com todo</p><p>adulto, tenha suas preferências e, portanto, suas simpatias e antipatias.</p><p>Por isso é essencial que aprenda, novamente com exemplos, que é bem</p><p>mais fácil ser bondoso com quem nos é simpático, contudo, a pessoa</p><p>verdadeiramente bondosa é aquela que acolhe mesmo quem não se</p><p>inclui entre os preferidos.</p><p>A bondade, como se disse, não se coloca apenas entre a avareza e a</p><p>prodigalidade, mas coloca-se também muito além do orgulho. É</p><p>essencial que a criança sinta-se orgulhosa do que faz e tenha orgulho de</p><p>suas conquistas, mas orgulho em exagero significa bondade reduzida.</p><p>E ainda mais...</p><p>Uma boa “dica” para reforçar o sentimento de bondade em uma</p><p>criança pode ser a criação de um conselho familiar, reunião semanal ou</p><p>quinzenal em que todos os membros da família – ou da classe – sentam-</p><p>se juntos, em igualdade de condições, para relatar experiências, fazer</p><p>queixas e, sobretudo, identificar problemas, distribuir tarefas de</p><p>solidariedade, expressar a gratidão. Essas reuniões devem ser agendadas</p><p>com regularidade, possuir horário claramente definido para início e fim,</p><p>propiciar tempo relativamente igual para todos e seguir linhas</p><p>consensualmente estabelecidas. Por exemplo: “falar sempre a verdade”,</p><p>“não culpar os outros” e ainda regras de respeito mútuo, empatia etc.</p><p>Como toda reunião, os conselhos familiares podem ter cargos rotativos</p><p>de “presidente”, “secretário”, “cronometrista” e ainda outros.</p><p>Outra atividade que reforça o domínio da bondade é sugerir, por</p><p>exemplo, a elaboração dos “Dez mandamentos da boa ação”, em que</p><p>adultos e crianças estabeleçam projetos de cooperação e definição de</p><p>regras – ou “leis familiares” – em que, com bom humor, criem-se</p><p>mandamentos de boas ações. Por exemplo, ser gentil e cortês com</p><p>parentes e amigos, evitar nos momentos de raiva usar palavras</p><p>ofensivas, envolver-se em campanhas de doação de roupas e brinquedos</p><p>usados, planejar visitas a parentes e amigos e ainda muitas outras.</p><p>Esses “Dez mandamentos da boa ação” podem ainda sugerir a</p><p>elaboração de um trabalho de montagem, criando-se um quadro bonito,</p><p>com figuras e colagens, e que ficará, por exemplo, atrás da porta do</p><p>quarto da criança. A iniciativa, na medida do possível, deve sempre vir</p><p>de “baixo para cima”, isto é, ainda que sugerida pelos adultos, deve-se</p><p>enfatizar que ela “nasceu” da ideia e da sugestão da criança. Os</p><p>mandamentos nunca devem</p><p>assumir posição punitiva para eventuais</p><p>descumprimentos, mas oferecer um plano de diálogo saudável em que</p><p>seja possível reconhecer as limitações e, a partir delas, saiba se fazer</p><p>projetos para, passo a passo, superá-las.</p><p>Ensinar à criança...</p><p>a importância da espiritualidade</p><p>É absolutamente</p><p>impossível pensar em</p><p>uma pessoa “completa”,</p><p>sem que essa pessoa</p><p>possua também uma</p><p>dimensão espiritual. A</p><p>espiritualidade constitui</p><p>uma virtude que torna o</p><p>humano mais humano e</p><p>guarda expressiva</p><p>distância com a religião.</p><p>A religião é uma questão</p><p>de foro íntimo e é</p><p>importante que saibamos</p><p>respeitar quem tem esta</p><p>ou aquela e até quem</p><p>não tem nenhuma. Mas</p><p>não ter uma religião não</p><p>significa desrespeito à</p><p>espiritualidade.</p><p>O que é...</p><p>A espiritualidade deveria estar presente de forma marcante em</p><p>todos os currículos escolares, desde a educação infantil até o ensino</p><p>superior, pois se uma pessoa “formada” é aquela que possui</p><p>fundamentos de ciências, conhecimentos de estética e sensibilidade na</p><p>administração de emoções, é difícil imaginar que não falta a essa pessoa</p><p>o cuidado com uma formação espiritual saudável.</p><p>Quando se fala em espiritualidade não se está destacando ritos,</p><p>crenças, mistérios e dogmas da fé. Não que religião não seja importante,</p><p>mas trata-se de linhas específicas desta ou daquela família, condizentes</p><p>com esta ou aquela formação. Ao se destacar a necessidade do ensino da</p><p>espiritualidade, discute-se a importância de se abrir as portas do</p><p>conhecimento da criança de que a realidade material de sua vida</p><p>precede de uma realidade espiritual, da qual sua consciência é parte</p><p>integrante.</p><p>O ensino da religião envolve o aluno com os rituais e os caminhos</p><p>para o bem, enquanto o ensino da espiritualidade – que pode ser</p><p>realizado pela mesma pessoa, ainda que em circunstâncias diferentes –</p><p>trabalha a essência do “eu”, os valores e as virtudes de sentir-se bem,</p><p>aquilo que nos precedeu e como será o mundo para os que irão nos</p><p>substituir.</p><p>Ao assim dizer, é possível pensar que o ensino da espiritualidade</p><p>estaria incluso no ensino da filosofia. Isso necessariamente não ocorre,</p><p>ainda que seja possível identificar espiritualidade em muitos discursos</p><p>filosóficos. A dimensão espiritual humana busca levar-nos a encontrar</p><p>um sentido para a vida, um significado para nossos atos e emoções e</p><p>uma busca para um crescente aprimoramento, chegando, quem sabe, ao</p><p>alcance da sabedoria.</p><p>Como fazer...</p><p>É perfeitamente possível ministrar uma aula sobre a Nova Zelândia</p><p>sem nunca ter passado por lá, assim como é possível analisar as</p><p>comunidades dos gorilas não tendo vivido entre elas. O que é difícil,</p><p>muito difícil, é ensinar espiritualidade a uma criança sem que os valores</p><p>que a caracterizam não se mostram presentes dentro de nós. Nesse caso,</p><p>melhor seria passar essa tarefa para um professor ou uma professora,</p><p>para um avô ou uma avó, enfim, para alguém que, possuindo um forte</p><p>sentimento de espiritualidade, possa falar sobre ele e mostrá-lo por meio</p><p>de seus exemplos.</p><p>Ensina-se espiritualidade a uma criança quando se destacam o valor</p><p>da verdade, o valor da bondade, o encanto da beleza. Ensina-se</p><p>espiritualidade quando se exaltam o respeito pelo outro e a profunda</p><p>reverência por todas as formas de vida. Ensina-se espiritualidade</p><p>quando se mostra valor na perseverança e quando se buscam as razões e</p><p>os motivos para nossas ações mais corriqueiras.</p><p>Esse ensino, entretanto, não pode apresentar-se estático e finito.</p><p>Estático no sentido de ser um discurso, uma lição ou uma tarefa a ser</p><p>executada. Deve manifestar-se nas histórias que contamos para a</p><p>criança, nos comentários que fazemos, nas parábolas, nas metáforas e</p><p>até nas anedotas.</p><p>Dizemos também que esse ensino não se restringe a um momento</p><p>ou a uma fase da vida. Sua importância é perene e, por isso, precisa</p><p>sempre ser retomado. Pode começar, devagarinho, por volta dos três</p><p>anos, mas necessita persistir por todo o tempo possível.</p><p>Uma estratégia interessante para trabalhar a espiritualidade vem de</p><p>um convite para a reflexão. Perguntas como “por que gosto de você?”,</p><p>“por que você se gosta?”, “do que você mais gosta em você?”, “do que</p><p>você menos gosta em você?” são exercícios significativos, quando se</p><p>tem ouvidos empáticos para ouvir, quando não se espera uma resposta</p><p>que mereça o aplauso ou a crítica.</p><p>Percebe-se que uma criança começa a desenvolver seu sentimento</p><p>de espiritualidade quando seus assuntos percorrem não apenas as coisas,</p><p>mas quando incluem as pessoas, quando ela pensa e fala de seus</p><p>pensamentos, de seus sonhos, de seus desejos, dos defeitos que tem e</p><p>que gostaria de suplantar, das qualidades que admira nas pessoas com as</p><p>quais convive.</p><p>E ainda mais...</p><p>Uma interessante experiência no ensino da espiritualidade é levar as</p><p>crianças a descobrirem citações místicas em obras de grandes poetas ou</p><p>em trechos da literatura. Mesmo considerando que nem sempre essas</p><p>poesias e esses textos são infantis e, portanto, plenamente</p><p>compreensíveis para as crianças, ler para elas uma poesia ou um</p><p>pequeno texto onde há referência a Deus e explicar-lhes o que o poeta</p><p>pretendeu dizer – ainda que não assumindo necessariamente plena</p><p>concordância com ele – estimulam reflexões sobre o transcendental. Da</p><p>mesma forma, nas historinhas ou em músicas populares, é possível</p><p>proceder a uma análise dessa letra, explicando para a criança e</p><p>interrogando-a sobre a dimensão espiritual presente nas ações e nos</p><p>casos cotidianos.</p><p>Outra maneira de despertar sentimentos de espiritualidade é</p><p>promover interrogações existenciais nas crianças sobre a grandeza do</p><p>universo, a harmonia das estrelas, os mistérios do mar ou a beleza e a</p><p>ternura que se escondem no amanhecer. Ainda que seja mais fácil dizer-</p><p>lhes que a beleza exuberante na natureza é obra divina, e dessa forma</p><p>encerrar o assunto, é bem mais interessante dividir a perplexidade que</p><p>sentimos por algo que não podemos racionalmente explicar. E essa</p><p>divisão de perplexidade se faz levantando questões, deixando no ar</p><p>alguma incerteza, mas fazendo-a pensar que nem tudo que se vê se</p><p>explica e nem tudo que se pode sentir pode ser definido por uma</p><p>justificativa racional.</p><p>Uma conversa amigável sobre religião, mostrando-a como um fator</p><p>de “religação” entre o natural e o sobrenatural, e uma pesquisa sobre</p><p>diferentes religiões, ressaltando a integridade de seus pontos comuns,</p><p>também podem ser bons caminhos.</p><p>Ensinar para as crianças que nas relações humanas existem “leis de</p><p>ouro” (devemos fazer aos outros o que desejamos que nos façam), “leis</p><p>de prata” (não devemos atingir o outro da mesma forma como não</p><p>desejamos ser atingidos), “leis de bronze” (se fizerem a mim, farei, ou,</p><p>amo se sou amado) e “leis de lata” (faço a mim e aos meus, os outros</p><p>que se defendam) e convidá-las a identificar a aplicação dessas leis nos</p><p>diversos casos apresentados nas novelas e nas histórias também são</p><p>formas de ensinar espiritualidade, sobretudo ao mostrar que os</p><p>princípios éticos e morais estão sempre presentes nesta ou naquela</p><p>religião, na que eventualmente professamos e nas que outras pessoas</p><p>professam.</p><p>O essencial é que o ensino da espiritualidade, mesmo sob a égide de</p><p>uma religião professada pela família, não se oponha a outras. Mostrar</p><p>que a escolha de um “caminho” não exclui o direito à busca de outros</p><p>constitui forma serena de levar a criança a sentir em si a força do</p><p>transcendental e a perceber nas ações que a envolvem a dimensão da</p><p>espiritualidade.</p><p>Ensinar à criança...</p><p>a importância de cuidar do ambiente</p><p>A maior parte das</p><p>campanhas que</p><p>defendem o meio</p><p>ambiente procura</p><p>ensinar a cuidar hoje</p><p>para garantir o amanhã,</p><p>e, com isso, a criança</p><p>pensa em seu futuro. É</p><p>importante que ela pense</p><p>assim, mas o futuro vai</p><p>além, muito além, da</p><p>nossa existência. Cuidar</p><p>do ambiente é, antes de</p><p>tudo, crescer sentindo o</p><p>valor da</p><p>responsabilidade por</p><p>quem não se conhece.</p><p>O que é...</p><p>Cuidar do ambiente começa sempre pelo lar. É em casa que se</p><p>aprendem e se desenvolvem hábitos de preservação e se constroem</p><p>sentimentos de um “não” ao desperdício. Por que jogar fora as garrafas</p><p>vazias e as latas de refrigerantes se podem transformar-se em comida ou</p><p>agasalho para alguém? Por que não reciclar o lixo? Será assim tão</p><p>difícil separar vidro de papéis? Mas é evidente que toda educação</p><p>preservacionista se fragiliza quando não se ampara em boas razões.</p><p>Não cuidaremos do meio ambiente se não soubermos por que isso</p><p>deva ser feito. E boas razões nunca faltam. Reflita em voz alta, diante</p><p>das crianças, que o verde das árvores e das plantas é belo, mas sua</p><p>importância vai muito além da beleza. É belo porque é importante e é</p><p>importante porque é belo. Sem o verde as cidades perdem a qualidade</p><p>do ar e a chuva não retida pelas folhas acaba transformando-se em</p><p>inundações, trazendo tristeza e dor.</p><p>Os seres que estão vivos, todos eles, viverão melhor com pequenos</p><p>cuidados. Mas o cuidado com o meio ambiente não deve visar somente</p><p>aos seres vivos de hoje, mas também a todos os que ainda não</p><p>nasceram. Estes não podem defender-se dos estragos que fazemos e</p><p>possuem o direito de reclamar por um mundo que, se não puder ser</p><p>melhor, que seja ao menos tão bom quanto o nosso. A imensa</p><p>humanidade atual – mais de seis bilhões de habitantes – é uma multidão</p><p>ainda pequena perante os que ainda não nasceram. É por nós mesmos</p><p>que necessitamos cuidar do ambiente, por pessoas que estão vivas e</p><p>pelas que não conhecemos, mas também pelas gerações futuras. Entre</p><p>elas estarão nossos filhos e os filhos de nossos filhos.</p><p>Como fazer...</p><p>Toda criança facilmente se empolga quando é envolvida pelas boas</p><p>ideias de uma campanha. Com entusiasmo, sentem-se apaixonar pela</p><p>possibilidade de salvar golfinhos, defender rouxinóis, garantir vida à</p><p>árvore que uma ou outra empreiteira quer derrubar. O problema com</p><p>essas campanhas é que: (a) elas podem acontecer ou não; (b) nem</p><p>sempre acontecem no momento certo para criar sentimentos de</p><p>preservação e, principalmente, (c) na maior parte das vezes, ficam</p><p>reduzidas à “ação”, não educando sentimentos. Provocam sentimentos</p><p>“exteriores”, mas poucas vezes esses sentimentos são trabalhados para</p><p>fazer acordar a conversa consigo mesmo e o brotar de sentimentos</p><p>interiores. Essa dificuldade, entretanto, pode ser bem resolvida quando a</p><p>campanha é organizada em casa, no prédio ou na rua em que se mora,</p><p>na escola que se frequenta. Toda campanha deve nascer de uma reunião</p><p>onde se colocam os problemas e, com eles, se definem os objetivos do</p><p>que deve ser feito. É claro que essa reunião não pode assemelhar-se a</p><p>um discurso em que prevalece o comando de uma liderança, a</p><p>autoridade de um adulto que fala para ser ouvido. Deve ser uma reunião</p><p>democrática, em que os problemas claramente expostos necessitam de</p><p>consciência e acolhida pelas estratégias de ação. Definido o que vai ser</p><p>feito e como vai ser feito, é essencial que se organize um “cronograma”,</p><p>uma espécie de linha do tempo que marque as fases da campanha, a</p><p>época prevista para sua conclusão e uma análise de seus resultados.</p><p>Tudo deve ser estabelecido em conjunto, de modo que todos os</p><p>envolvidos possam opinar.</p><p>Mesmo no estreito limite de um lar, pai, mãe e irmão podem</p><p>irmanar-se em uma “verdadeira campanha” que economiza água, recicla</p><p>lixo, limpa trechos de uma praia ou rua, que evita o desperdício. Aos</p><p>poucos, a campanha vai ganhando contornos de uma gostosa gincana,</p><p>em que pais e filhos refletem sobre acertos e erros. Não parece uma</p><p>ideia interessante uma vez por semestre levar roupas e brinquedos que</p><p>não se usam mais para uma creche ou um asilo?</p><p>Não importa a dimensão do que se conquistou, importa a imagem</p><p>admirável que ficará na lembrança da criança e sua certeza de que, ao</p><p>menos por alguns instantes, refletiu sobre a imensa multidão de pessoas</p><p>que um dia herdará a Terra.</p><p>E ainda mais...</p><p>Quando meus filhos eram pequenos, numa manhã no sítio em que</p><p>morávamos, notei que o Luli, então com seus sete anos, usava uma</p><p>varinha para teimosamente simular uma espada e cortar pequenos</p><p>ramos. Advertido, parou, mas na primeira oportunidade voltou ao</p><p>brinquedo que o encantava. Sentindo que as palavras representariam</p><p>reforço inútil, dias depois comprei duas mudas de paineira, fabriquei</p><p>duas plaquetas com os nomes “paineira Luli” e “paineira Ceri” e, num</p><p>domingo, de maneira solene, fiz o plantio explicando que haviam se</p><p>tornado “patronos” das paineiras, cuidando de zelar por elas e de</p><p>verificar se cresciam tanto quanto o crescimento de cada um deles.</p><p>Envolvidos por sentirem-se responsáveis por essas mudas, não apenas</p><p>abandonaram o hábito agressivo contra os ramos, como tornaram-se</p><p>serenamente responsáveis pelos cuidados ambientais que, segundo</p><p>observo, são preservados até hoje, sobretudo no Luli.</p><p>Proponha, como uma interessante aventura, uma brincadeira de</p><p>limpeza de um trecho da praia, de uma parte do leito do rio ou de</p><p>qualquer parte da comunidade ou parque que resolvam frequentar. Se</p><p>esse “projeto” envolver amigos e outras pessoas da família, será melhor</p><p>ainda, pois, além de ser uma atividade preservacionista, representa um</p><p>exercício cujos efeitos são claramente visíveis.</p><p>Toda criança adora desenhar e sente-se feliz quando percebe que os</p><p>adultos valorizam esse trabalho. As atividades de desenho podem ser</p><p>acrescidas de outras, colecionando, em um caderno, folhas de plantas</p><p>diferentes colhidas no chão ou pétalas distintas. Melhor ainda quando a</p><p>essa coleção somar-se uma outra de sementes, de cascas de árvores, de</p><p>botões de flores e de outros elementos naturais.</p><p>Ensine a criança a fotografar e faça um passeio pelo campo, pelo</p><p>zoológico ou por uma praça, sugerindo fotos de árvores diferentes, de</p><p>bichos engraçados, de árvores vistas de perto ou olhadas como</p><p>integrantes de uma paisagem.</p><p>Ensinar à criança...</p><p>a importância de compreender a dor</p><p>A dor é uma</p><p>companheira que ao</p><p>longo de toda a vida</p><p>percebemos. É doloroso</p><p>nascer, dói a sensação de</p><p>insegurança pelo abrigo</p><p>do ventre perdido, dói a</p><p>luz nos olhos e muitos</p><p>pediatras afirmam que</p><p>não existe dor maior que</p><p>a que acompanha o</p><p>nascimento dos dentes.</p><p>Ninguém gosta da dor e</p><p>todos fazem muito bem</p><p>em evitá-la, mas de nada</p><p>adianta fingir que ela</p><p>não vai aparecer. É,</p><p>assim, importante que</p><p>aprendamos a conviver</p><p>com essa companheira.</p><p>O que é...</p><p>A dor é tanto mais forte e tão mais insuportável quanto maior a</p><p>consciência que temos dela. Se um dentista afirma que vai doer muito,</p><p>com certeza a criança sentirá bem mais dor do que se ele disser,</p><p>consolando-a, que não vai doer e que o único incômodo será ficar</p><p>alguns minutos com a boca aberta. É por isso que as mães, mesmo as</p><p>pouco informadas e inexperientes, correm ao primeiro tempo, agitam-se</p><p>ao primeiro corte, alertando que “não vai doer” e que, soprando um</p><p>pouquinho, a dor por certo logo passará.</p><p>É evidente que ninguém gosta de sentir dor e seria maravilhoso se</p><p>fosse possível passar pela experiência de crescer sem sofrimento. Nada</p><p>mais absurdo na educação de uma criança que a glorificação da dor.</p><p>Mas a dor não pode ser vista apenas por sua consequência; ela</p><p>existe para nos servir de alerta, para nos avisar que alguma coisa em</p><p>nosso corpo não vai muito bem. Isso a criança necessita aprender e,</p><p>desde pequenina, deve saber separar a “dor mentirosa”, que é usada</p><p>para subornar e conquistar um doce ou um brinquedo, da “dor</p><p>verdadeira”, que nos avisa dos cuidados necessários. Uma tarefa fácil,</p><p>mas requer a atenção de pais e professores para fazer a leitura correta</p><p>das lágrimas infantis.</p><p>A criança aprende depressa que a simulação da dor pode se</p><p>constituir em mercadoria de troca e, com esse pretexto, pode usar a</p><p>lágrima para não comer aquilo de que não gosta, conquistar as</p><p>guloseimas que adora, reclamar pelo colo que no momento deseja. É</p><p>nessa hora que necessitamos ser firmes para mostrar que aprendemos a</p><p>“ler seu sofrimento” e que corremos no atendimento e no cuidado à dor</p><p>e à lágrima verdadeiras, mas, com serenidade e calma, que também</p><p>sabemos compreender quando a criança busca a inconsciente</p><p>chantagem, a mentira, às vezes engraçada, da simulação.</p><p>Como fazer...</p><p>Talvez uma primeira estratégia para se trabalhar a dor seja legitimá-</p><p>la. Mostrar</p><p>à criança que a dor existe, que é desconforto verdadeiro, que</p><p>pessoas e animais a sentem. Mostrar-lhe também que existem</p><p>sofrimentos inevitáveis, mas que, com prudência, podemos fugir de</p><p>muitos deles. É importante dizermos à criança por que nos assustam</p><p>janelas altas, escadas íngremes e certas brincadeiras que podem ocultar</p><p>a dor evitável.</p><p>Mas é importante também que a criança aprenda que existem dores</p><p>necessárias e que elas ajudam a evitar dores maiores. É claro que a</p><p>injeção não é “brinquedo” desejado, é evidente que a ida ao dentista não</p><p>se compara a um passeio pelo shopping, mas a criança deve descobrir</p><p>que certas dores pequenas ajudam a impedir que outras bem maiores</p><p>apareçam.</p><p>Outra lição que a dor nos ensina é que ela, em certos limites, pode</p><p>levar à coragem, um valor imprescindível a todo super-herói que as</p><p>crianças, sobretudo os meninos, apreciam muito. A dor também pode</p><p>ser lição para ensinar que existe um “outro” e que em muitos lugares</p><p>pessoas sofrem com a guerra, são martirizadas por mísseis ou</p><p>atormentadas pela fome e pela violência. Mas podemos mostrar à</p><p>criança que a solidariedade é estrada segura para remediarmos um</p><p>pouquinho a imensa dor existente no mundo. Existe muita dor que pode</p><p>ser atenuada com ações solidárias.</p><p>Não parece interessante um bate-papo com crianças sobre projetos</p><p>para diminuir a dor evitável lá fora? A dor da solidão dos velhinhos, a</p><p>dor da exclusão, a dor da fome. Aprendendo a lutar contra a dor evitável</p><p>do outro, aos poucos e com persistência, aprende-se também a evitar a</p><p>dor inútil causada pela agitação, pela pressa, pela ambição. Não parece</p><p>ser saudável expor a criança à dor do outro e nem mesmo procurar</p><p>seduzi-la para a solidariedade fazendo-a assistir a longas reportagens</p><p>sobre o sofrimento, mas “não expor” não significa jamais “ocultar” e,</p><p>com ou sem exposição deliberada, ela trará perguntas para a casa e para</p><p>a escola.</p><p>Toda criança que pergunta, reflete. Por isso, a boa resposta é</p><p>sempre aquela que faz nascer mais perguntas, caminho com o qual se</p><p>colhem sugestões e se vê brotar a vontade da ajuda, o desejo de</p><p>combater a dor evitável aqui e ali.</p><p>E ainda mais...</p><p>É natural que a criança associe a dor a um mal orgânico e, ainda</p><p>mais, associe a dor ao sofrimento. É evidente que a dor induz ao</p><p>sofrimento, mas é ainda mais evidente que o sofrimento inclui “muitas</p><p>formas de dor” além da dor orgânica: a dor da perda de um ente</p><p>querido, a dor pelo fim de um momento de infinita ternura que, muitas</p><p>vezes, se conquista em um final de semana, a dor pela frustração de</p><p>uma conquista não realizada e, até mesmo, a dor por não conseguir o</p><p>brinquedo pretendido. Constitui uma atividade de forte valor educativo</p><p>mostrar à criança os diferentes tipos de dor para que,</p><p>circunstancialmente envolvida pela dor física, possa ser levada a</p><p>conversar sobre as dores que naquele momento não sente.</p><p>É importante, entretanto, que essa conversa não possa ser insinuada</p><p>como forma de “consolo” ou como tentativa de “desviar a atenção da</p><p>criança para seu mal”. Como se disse anteriormente, é essencial que</p><p>possamos levar a criança a “legitimar sua dor”, a saber que seu corpo</p><p>iria se sentir bem melhor sem esse desconforto, que providências foram</p><p>tomadas no intuito de reduzi-la, mas que ainda assim o tempo de</p><p>duração de uma dor orgânica pode ser bem menor que outros tipos de</p><p>dores. Além disso, uma criança que sofre a circunstância de um</p><p>momento doloroso pode ter sua fragilidade reduzida ao descobrir a</p><p>solidariedade que ela desperta, o interesse de amigos e de parentes, a</p><p>coragem que pode exibir em suportar esse incômodo.</p><p>A exaltação dessa coragem, entretanto, não deve incluir restrições.</p><p>Não é mais corajoso o que não chora ou aquele que não se lamenta, mas</p><p>todo aquele que, com tenacidade, sabe esperar que o tempo o liberte da</p><p>temporária angústia. Nesses momentos é importante que a criança fale</p><p>bastante, que encontre espaços para acender sua curiosidade, mas,</p><p>sobretudo, que perceba que existem adultos – e até mesmo outras</p><p>crianças – interessados em ouvi-la e em “torcer” por sua rápida</p><p>recuperação.</p><p>Se uma criança adoentada tem limites para brincar na rua ou com</p><p>outras crianças, não os tem para entreter-se com jogos, para montar</p><p>quebra-cabeças, para assistir a filmes interessantes, sempre sendo</p><p>intermediada por adultos que possam propor desafios, estimular sua</p><p>criatividade e dar asas aos seus sonhos.</p><p>Ensinar à criança...</p><p>a importância do trabalho</p><p>O trabalho não deveria</p><p>chamar-se “trabalho”.</p><p>Essa palavra, se tomada</p><p>em seu sentido</p><p>etimológico, representa</p><p>as tripas usadas para o</p><p>chicote com o qual se</p><p>batia nos escravos,</p><p>fazendo-os trabalhar.</p><p>Com essa origem, por</p><p>muitos anos</p><p>desenvolveu-se a ideia</p><p>de que o trabalho é coisa</p><p>da plebe e que o nobre</p><p>era nobre porque não</p><p>trabalhava. Não existe</p><p>nobreza maior que a</p><p>trazida pelo bom</p><p>trabalho.</p><p>O que é...</p><p>Herdeiros que somos de uma cultura europeia, curvamo-nos ao</p><p>trabalho como quem se curva a um castigo, a uma maldição. Mas, se</p><p>olharmos por um outro ângulo, as coisas não são exatamente assim e se,</p><p>efetivamente, existe uma maldição pesando sobre o ser humano, é</p><p>justamente a falta de trabalho, o desemprego.</p><p>Existe algo mais perverso, mais injusto e mais triste que descobrir-</p><p>se uma mulher ou um homem sentindo o vigor em seus músculos e a</p><p>paixão por uma tarefa que sabem e que gostam de fazer e verem-se</p><p>marginalizados pelo desemprego, pela ociosidade forçada e atroz de</p><p>contar os minutos inutilmente, de verem outras pessoas partindo para o</p><p>trabalho e sentirem-se prisioneiros de uma situação que não querem e</p><p>que não pediram, mas que lhes foi imposta pelos tempos modernos?</p><p>Mas se para qualquer adulto não é difícil sentir a importância e a</p><p>alegria do trabalho e o lado amargo da moeda, simbolizado pelo</p><p>desemprego, nem sempre passamos às crianças o sentimento da</p><p>dignidade que existe no ser humano em trabalhar. Foi o trabalho que</p><p>construiu as coisas mais belas no mundo que temos. Se olharmos a</p><p>selva amazônica, vemos que ela é linda e natural, mas para chegarmos</p><p>lá existem os transportes, as estradas, os hotéis e tudo o que torna</p><p>possível apreciar a natureza.</p><p>Muitas vezes, sem nem mesmo percebermos, inoculamos na</p><p>infância a ideia do trabalho como a de uma cruz a carregar – “agora</p><p>papai (ou mamãe) não pode mais brincar com você, precisa ir</p><p>trabalhar”, “querido, agora não posso ver desenhos com você, tenho que</p><p>trabalhar” – e, com mensagens assim, cândidas e inocentes, a criança</p><p>vai crescendo e descobrindo o trabalho como algo que rouba seu</p><p>companheiro ou sua companheira de brincadeiras, que lhe furta a</p><p>alegria pela qual reclama.</p><p>É por essas razões que é essencial educar a criança para descobrir,</p><p>no trabalho, a alegria e a realização, e não há melhor maneira para</p><p>reverter essa marca cultural do que demonstrar amor pelo trabalho que</p><p>se tem, pelas coisas que se faz, fazendo nascer na criança igual amor</p><p>pelo “seu trabalho” em arrumar os brinquedos, em atender à porta, em</p><p>ajudar o trabalho do papai e da mamãe, da professora e de outras tantas</p><p>pessoas em toda a parte.</p><p>Como fazer...</p><p>Talvez a mais importante forma de educar a criança para reconstruir</p><p>uma imagem positiva sobre o trabalho seja a de desvincular o trabalho</p><p>do salário, a de desassociar o serviço como uma espécie convencional</p><p>de suborno em que impera a ideia “trabalho porque ganho”. É claro que</p><p>a criança não deve ser enganada; ela deve perceber que essa associação</p><p>existe e que é justo que se receba pelo trabalho que se executa, mas uma</p><p>coisa é mostrar que uma das muitas vantagens do trabalho é o que se</p><p>ganha e outra, muito pior, é emprestar bem mais sentido ao dinheiro</p><p>como produto do trabalho.</p><p>Mas como fazer quando não se gosta do que se faz? Mentir para a</p><p>criança, fingir amor ao trabalho que se odeia? Claro que não! A verdade</p><p>sempre deve prevalecer nas conversas entre pais e filhos, professores e</p><p>alunos, e essa verdade cresce quando a criança descobre que é possível</p><p>separar “trabalho” de “emprego”. É natural saber que mamãe adora</p><p>trabalhar e adora quem trabalha, mas no momento não</p><p>fazer ou a não fazer algo, mas se</p><p>qualquer palmada constitui agressão injustificável, é</p><p>importante que a criança descubra que a vida é cheia de</p><p>regras e que o descumprimento desta ou daquela envolve</p><p>sanções. Ficar um ou dois minutos (um minuto para cada</p><p>ano de vida é uma boa média) sentado sem poder fazer</p><p>nada porque agiu contra as regras combinadas ou ser</p><p>levado embora de uma festa porque não está sabendo se</p><p>comportar não faz com que qualquer criança cresça</p><p>odiando o pai ou a mãe, mas mostra-lhe que a vida é feita</p><p>de causas e consequências e que boas ações merecem</p><p>elogios ou recompensas e atitudes negativas implicam</p><p>algum tipo de preço.</p><p>11. Seja um excelente ouvinte e não espere a criança</p><p>demonstrar vontade de falar. Carregue sempre uma porção</p><p>de pontos de interrogação e coloque-os em qualquer</p><p>oportunidade. Toda criança que desenvolve a curiosidade</p><p>aprende a ser criativa e inteligente e não há bons</p><p>educadores que não tenham educado seus ouvidos a serem</p><p>empáticos.</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a ser feliz</p><p>Existe colossal</p><p>presunção e imensa</p><p>ingenuidade ao se dizer</p><p>que a única coisa que</p><p>queremos é que nossos</p><p>filhos sejam felizes. A</p><p>felicidade é tudo e ao</p><p>desejá-la por completo</p><p>se está renunciando à</p><p>construção de pequenas</p><p>coisas que edificam uma</p><p>maneira melhor de viver.</p><p>O que é...</p><p>O verdadeiro sentido de uma educação com amor não deveria ser o</p><p>acalanto do sonho de apenas desejar felicidade, mas de poder esmiuçar</p><p>as pequeninas coisas que a estruturam e, serenamente e a cada dia,</p><p>construir o objetivo de saber buscá-la. Felicidade não é estado perene</p><p>que se alcança para toda a vida ou bem estável que se compra, mas</p><p>passos miúdos dados a cada dia e em cada coisa que se busca encontrar.</p><p>Diferentemente de um animalzinho que se sente feliz quando se</p><p>descobre seguro, com conforto e sem fome, o ser humano pensa, reflete,</p><p>troca anseios e, sobretudo, tem sonhos que a cada minuto se alteram e</p><p>que em cada instante se reconstroem.</p><p>Ajudar uma criança a ser feliz não significa aliviá-la de suas</p><p>ambições e desejos e nem impedir que substitua o sorriso desse</p><p>momento pela lágrima do instante seguinte, posto que isso é impossível,</p><p>mas levá-la a descobrir que podemos conviver com as emoções e que</p><p>entre a frustração e a dor podem existir curtos instantes pelos quais vale</p><p>a pena viver. Não podemos jamais confundir: há uma falsa felicidade</p><p>que se esconde no imediatismo – é a felicidade pela bala que se ganha,</p><p>pelo cigarro que se fuma, pela droga na qual se vicia – e há uma</p><p>felicidade autêntica e verdadeira – que é um estado permanente de</p><p>segurança, alegria, autoestima, coragem etc.</p><p>Constitui uma ilusão supor que a criança nasce sabendo essas</p><p>coisas ou que elas, tal como o dente do siso, um dia se desenvolverão</p><p>por instinto. Ao contrário, como os valores são aprendidos, é importante</p><p>ensiná-la a ser feliz, menos com palavras do que com exemplos, não</p><p>com belos conselhos que, por certo, serão depressa esquecidos, mas</p><p>com a lenta persistência do guia que vai mostrando detalhes em cada</p><p>passo e os desvios em cada caminhada.</p><p>Isso, entretanto, leva tempo e essa palavra precisa ser percebida em</p><p>duas dimensões significativas: a construção da felicidade não tem hora</p><p>para acabar, pois representa ação lenta e persistente, e é essencial que</p><p>saibamos inventar tempo para dedicarmo-nos aos nossos filhos, não</p><p>apenas “permanecendo ao lado deles”, mas assumindo a consciência de</p><p>estar com eles, de saber ouvi-los, desligando-nos das agitações externas</p><p>a fim de desfrutar esses instantes.</p><p>Como fazer...</p><p>Mostrando para a criança sempre que houver oportunidade que</p><p>mais importante que fazer o que se gosta é descobrir o gostoso no que</p><p>se faz. Sem exageros e com prudência, exaltar, por exemplo, como é</p><p>linda a manhã, como é gostoso o sol, como é diferente o azul do céu...</p><p>Ajudá-la a distinguir a felicidade do prazer, fazendo-a descobrir que</p><p>o prazer é restrito e esgotável, enquanto a felicidade é “estado”, e não</p><p>“coisa”. Mostrar à criança o valor da moderação, moderando seus risos,</p><p>suas emoções, suas frustrações, e não acreditando nos modelos de</p><p>felicidade que a televisão exibe a toda hora. Ensinar-lhe que o “mais</p><p>feliz” não é necessariamente o mais rico, o mais forte, o que mais coisas</p><p>possui. Levá-la a entender que nem sempre é importante ganhar e que</p><p>ser feliz não consiste em conquistar tudo o que se quer.</p><p>Fazê-la descobrir que a felicidade não existe sozinha e que sempre</p><p>precisamos dos outros para sentirmo-nos realmente felizes; levá-la a</p><p>perceber, passo a passo, a importância de distinguir o que é essencial –</p><p>comida, higiene, segurança, amor – do que é descartável. Enfim,</p><p>mostrar que existem coisas que nos dão prazer, mas que são</p><p>descartáveis, e que ninguém é feliz de verdade comprando tudo o que</p><p>quer, gastando tudo quanto pode.</p><p>E ainda mais...</p><p>Experimente manter uma espécie de “diário” atualizado das</p><p>atividades desenvolvidas.</p><p>Perca (na verdade, ganhe) dois ou três minutos por dia com esse</p><p>diário, registrando o que fez, qual a reação da criança, aquilo de que</p><p>mais gostou e qual deve ter sido a experiência positiva do trabalho</p><p>desenvolvido. Registre de forma sumária o que fez, as perguntas feitas</p><p>pela criança, as respostas dadas por você e por ela. De tempos em</p><p>tempos, chame-a para ler com você o diário, acordando suas lembranças</p><p>para este ou aquele feito. Toda criança fica absolutamente encantada ao</p><p>descobrir como aprendeu coisas e como aos poucos vai se tornando a</p><p>cada dia mais “sabida”.</p><p>Date cada anotação, coloque o nome das pessoas que participaram</p><p>da atividade e o nome de outras crianças. Se desejar, anexe às páginas</p><p>desse diário recortes de matérias jornalísticas ou mesmo xerox de</p><p>artigos sobre a infância que pareceram interessantes, ou peça</p><p>depoimentos de outras pessoas para tornar esse registro cada vez mais</p><p>fiel. Não o faça muito trabalhoso, para ter a certeza de que, consumindo</p><p>pouco tempo, poderá ser mantido e atualizado sempre.</p><p>De vez em quando, faça uma página retrospectiva com anotações</p><p>de tudo o que a criança aprendeu nos últimos dois, três ou seis meses.</p><p>Se quiser, você pode ilustrar esse diário, colocando aqui e ali uma</p><p>foto, um desenho, um recorte. Habitue-se a consultar esse seu diário e a</p><p>fazer dele um guia seguro de suas ações. Se preferir, ou se for mais</p><p>fácil, faça um “diário sonoro”, gravando os registros dessas</p><p>experiências numa fita e, além de fotos, organize depoimentos da</p><p>criança, simbolizados por palavras ou frases.</p><p>Separe sempre um tempo para registrar novos conhecimentos e,</p><p>caso se esqueça de manter esse diário atualizado, volte a ele de tempos</p><p>em tempos. É melhor um diário incompleto que a ausência de um</p><p>registro.</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a desenvolver bons sentimentos</p><p>Até poucos anos atrás</p><p>acreditava-se que todo</p><p>sentimento era</p><p>espontâneo e que as</p><p>crianças nasciam</p><p>modeladas para</p><p>guiarem-se pela vida da</p><p>forma como seu genoma</p><p>as havia esculpido. Hoje</p><p>sabemos que essas ideias</p><p>eram tolas e que, ainda</p><p>que se aceite expressiva</p><p>influência da biologia,</p><p>os sentimentos são</p><p>educáveis e que é</p><p>possível ajudar uma</p><p>criança a construir bons</p><p>ou maus sentimentos.</p><p>O que é...</p><p>Quando se fala em “bons sentimentos” parece que se está fugindo</p><p>de um dos mais importantes sentimentos: a liberdade. Afinal de contas,</p><p>o que é o “bom” e o que é o “bem”? O “bem” para alguns não pode ser</p><p>o “mal” para outros? Será que ao se falar em “bons sentimentos” não se</p><p>está buscando suprir a liberdade de opção, impondo a todos as ideias de</p><p>alguns?</p><p>Não. As coisas não são assim e propugnar-se por “bons</p><p>sentimentos” não inclui abandonar a ideia de liberdade. A “ética”</p><p>representa valor universal e perene e não existe uma ética verdadeira</p><p>quando ela é só sua ou só minha. Dizem os dicionários que ética é “o</p><p>domínio da filosofia que procura determinar a finalidade da vida</p><p>humana e os meios de a alcançar; ciência que tem por objeto o juízo de</p><p>apreciação para distinguir o bem e o mal”. A ética é a ciência da moral,</p><p>e como os seres humanos não podem viver sozinhos, precisam se</p><p>conduzir por linhas éticas que são essenciais para organizar</p><p>está no emprego</p><p>que gostaria de estar.</p><p>O lar constitui um espaço extraordinário para ensinar o amor ao</p><p>trabalho, mas de igual valor para a criança é a escola, pois realmente é</p><p>na escola que se descobrem a sistematização de seu primeiro emprego, a</p><p>importância inefável de cumprir horários, de desempenhar tarefas.</p><p>Nesse sentido, levar uma criança à escola deve ser sempre missão</p><p>antecedida de alegria, “colorida” pelo entusiasmo. E não só a ida à</p><p>escola, mas todos os resultados do “trabalho” que a criança executa na</p><p>escola. Fomentar o prazer em estudar, desenhar, fazer lições, aprender</p><p>coisas é fácil, desde que essas ações não se apresentem ocasionais,</p><p>praticadas apenas quando não estamos preocupados com outras coisas.</p><p>Uma experiência interessante é, por exemplo, convidar a criança</p><p>para comer “uma fatia de um bolo feito por mil pessoas”. Fazer a</p><p>criança pensar em um bolo colossal e descobrir depois que em uma fatia</p><p>comum existe o trabalho de toda uma multidão que se juntou para a</p><p>gulosa experiência. Não haveria o bolo sem o agricultor, sem as</p><p>ferramentas, sem os transportes, sem os trabalhadores que moeram o</p><p>trigo, sem o comércio e sem toda uma multidão unida pela dignidade e</p><p>pela grandeza do trabalho.</p><p>Ensinar à criança a importância do trabalho é mostrar-lhe que</p><p>quando nos unimos no trabalho, tornamo-nos fortes. Uma pessoa</p><p>sozinha não move a mesa pesada e nem dez a movem se não se unirem</p><p>no esforço comum de um trabalho com finalidade.</p><p>E ainda mais...</p><p>Uma forma interessante de ajudar a criança a descobrir a</p><p>importância e a seriedade do trabalho é ajudá-la a organizar a “agenda</p><p>de suas atividades diárias”, ensinando-lhe a administrar o tempo.</p><p>Esse ensino, entretanto, não pode ser obsessivo, e essa agenda</p><p>necessita abrigar bastante espaço para o lazer, a alegria, a diversão e a</p><p>criatividade e, naturalmente, espaços essenciais para as lições de casa, a</p><p>organização dos brinquedos, as pesquisas e outras atividades. O</p><p>importante na organização dessa agenda é que a criança descubra que há</p><p>tarefas que despertarão maior ou menor interesse, mas que não</p><p>necessariamente atividades de “lazer” são “boas” e atividades que</p><p>envolvam a ideia de “trabalho” são “desagradáveis”. Por isso mesmo é</p><p>que a organização das atividades diárias deve vir acompanhada de uma</p><p>certeza de que é muito bom administrar o tempo para fazer tudo o que é</p><p>necessário e que tudo isso associa de forma íntima o trabalho ao lazer.</p><p>Da organização das atividades diárias pode-se chegar a uma</p><p>“agenda semanal”, e mesmo sabendo que eventuais circunstâncias</p><p>podem alterar os planos traçados, é sempre muito bom dispor de planos,</p><p>organizar metas, estabelecer hierarquias a respeito da possível</p><p>concretização dos sonhos que construímos.</p><p>Outra maneira extremamente construtiva de despertar na criança o</p><p>sentimento de valor pelo trabalho é lhe informar o que esperamos</p><p>dela:“Vou precisar que você abra a porta do elevador! Posso contar com</p><p>a sua ajuda?”.</p><p>Para mostrar a importância de que sejamos prestativos, pode-se</p><p>elogiar –de modo comedido mas sincero – os pequenos trabalhos que a</p><p>criança executar e destacar sua contribuição para os que deles se</p><p>beneficiarem, ajudando-a a perceber que pode existir alegria autêntica</p><p>no servir, extrema dignidade em cooperar e, assim, em trabalhar. A</p><p>criança é extremamente sensível ao elogio indireto e, quando em sua</p><p>presença fala-se a outra pessoa da ajuda por ela prestada, cresce a</p><p>consciência de como é essencial, despertando seu sentimento de que é</p><p>apreciada pelo adulto pelo trabalho que realiza.</p><p>Ensinar à criança...</p><p>a diferença entre “olhar” e “ver”</p><p>O ato do olhar constitui</p><p>imensa tarefa,</p><p>prodigiosa e lenta lição.</p><p>Mas, enquanto para</p><p>pessoas normais</p><p>constitui aprendizagem</p><p>sem conflito,</p><p>conquistada pouco a</p><p>pouco, para adultos que</p><p>recuperaram a visão que</p><p>jamais tiveram,</p><p>representa uma</p><p>experiência muito mais</p><p>difícil que aprender a</p><p>falar. Não significa,</p><p>entretanto, que pessoas</p><p>que “podem” ver não</p><p>consigam desenvolver</p><p>bem melhor essa</p><p>capacidade se</p><p>“aprenderem” a ver.</p><p>O que é...</p><p>Assim como podemos ajudar um garoto que sabe apenas correr,</p><p>fazendo dele um atleta e um eventual campeão de corridas, é também</p><p>possível ajudar crianças normais a evoluírem progressivamente nesse</p><p>aprendizado e a perceberem a diferença entre a frieza do olhar e a</p><p>majestosa missão do ver, tornando-os infinitamente melhores do que são</p><p>nessa magistral tarefa.</p><p>Para que essa missão se concretize, torna-se indispensável que</p><p>possamos assumir três conceitos:</p><p>1º Existe uma enorme diferença entre olhar e ver. Olhar é</p><p>simplesmente identificar alguma coisa através dos olhos,</p><p>ver é perceber detalhes, captar belezas, sentir a diversidade</p><p>de formas, cores e perspectivas.</p><p>2º Não podemos ensinar uma criança a olhar, uma vez que</p><p>essa capacidade é herdada e, assim, representa elemento</p><p>natural em seu desenvolvimento biológico, mas a carga</p><p>genética não aprimora o olhar e, dessa forma, essa</p><p>conquista é plausível por meio da educação.</p><p>3º Ainda que não seja propriamente “difícil” ensinar uma</p><p>criança a ver, esse trabalho é lento e progressivo, e só se</p><p>concretiza com imensa paciência e múltiplas intervenções</p><p>de um adulto efetivamente interessado.</p><p>Ao olharmos com admiração uma flor ou, com infinita ternura, a</p><p>pessoa que amamos, estamos colocando em ação duas partes distintas</p><p>do corpo, que agem em uma função orquestrada: o nervo ótico, que</p><p>capta as imagens, e a mente, que as processa. Ainda que ambos sejam</p><p>indispensáveis e a lesão de um ou outro implique inevitável cegueira, é</p><p>perfeitamente possível a pais e/ou professores contribuírem para que</p><p>uma criança desenvolva acuidade mais acentuada no que olha, não</p><p>apenas impregnando de sentido e, portanto, de conceito, o que percebe,</p><p>mas enriquecendo de forma extraordinária esse sentido e esse volume</p><p>de conceitos, saindo da frieza de simplesmente olhar, e passando, como</p><p>o faz um fotógrafo ou um pintor, para uma etapa mais ampla da</p><p>percepção, que é a magia do “ver”.</p><p>Como fazer...</p><p>Crianças abandonadas por seus pais e que sobreviveram “adotadas”</p><p>por lobos, como Amala e Kamala[3] da Índia, ou mesmo outras que</p><p>passaram sua infância em meio a ursos, tornaram-se vítimas incuráveis</p><p>de problemas da fala, da percepção e da compreensão do mundo, do</p><p>sentido e da educação do pensamento, mas certamente não sofreram</p><p>limitações visuais. Assim sendo, parece evidente não existir perdas para</p><p>as conquistas do nervo ótico com a ausência da educação visual e, dessa</p><p>forma, recebendo ou não os cuidados de um mediador, a criança</p><p>crescerá sabendo olhar. Mas tal não ocorre com sua capacidade de</p><p>“ver”, sendo assim imprescindível a ajuda de um ou mais adultos que,</p><p>atuando como mediador(es), possa(m) dar sentido coerente às</p><p>informações visuais que a criança progressivamente conquista.</p><p>A iniciação de uma criança nesse aprendizado pode começar</p><p>mostrando-se a ela a existência das diferentes cores, levando-a a</p><p>perceber a intensidade e o brilho das manifestações coloridas no</p><p>ambiente. Um pouco mais tarde é essencial que ela seja levada a</p><p>perceber que a combinação de cores pode implicar a formação de uma</p><p>terceira, que existem diferentes matizes de uma mesma cor e que o</p><p>sentido da “beleza” pode ser conquistado com a ajuda de cores. A</p><p>descoberta da cor implica sua identificação ao brilho e, dessa maneira,</p><p>ela deve aprender que as cores podem ser opacas ou brilhantes e que o</p><p>sol, por exemplo, sem alterar a cor da folha sobre a qual incide,</p><p>diferencia-a pelo brilho que desperta.</p><p>Mais tarde – mas não muito – será interessante que a criança</p><p>descubra que existem cores “frias” e cores “quentes”, a magia de sua</p><p>distribuição na natureza, a policromia diversificada de cada planta e</p><p>animal, os arroubos de sua mutabilidade no fogo, nas nuvens e no mar e</p><p>a forma como foram captadas pelos diversos pintores, integrantes de</p><p>diferentes escolas.</p><p>Usando retalhos de tecidos, cartões coloridos, fotografias coloridas</p><p>e em branco e preto ou em sépia, é possível levar a criança a inventar o</p><p>encanto, a multiplicar a beleza, a criar diversificações estéticas</p><p>e a</p><p>descobrir um mundo que olhos não educados jamais revelariam</p><p>sensibilidade para perceber.</p><p>Da mesma forma como a cor, pode ser desenvolvido trabalho</p><p>semelhante tomando como referência as perspectivas assumidas pelas</p><p>coisas e pelas pessoas, a tridimensionalidade dos detalhes, a contradição</p><p>nas figuras, a mutabilidade nas expressões e seus múltiplos significados,</p><p>a incrível diversidade de formas que compõem o ambiente e o</p><p>progressivo desvendar de segredos que envolve a magia da luz e as</p><p>sinistras figuras das sombras.</p><p>Ensinar à criança...</p><p>a diferença entre “falar” e “dizer”</p><p>A palavra “falar” vem</p><p>do latim fabulari e</p><p>significa “exprimir por</p><p>palavras”. A palavra</p><p>“dizer” também tem</p><p>origem latina, pois</p><p>provém de dicere, e</p><p>aparentemente tem o</p><p>mesmo significado de</p><p>falar. Falar, entretanto,</p><p>associa-se à fábula e,</p><p>portanto, expressa um</p><p>dizer mais amplo, uma</p><p>busca de palavras que,</p><p>expressando</p><p>pensamentos, não os</p><p>aceita tímidos, bruscos,</p><p>restritos. Falar é,</p><p>portanto, bem mais do</p><p>que dizer.</p><p>O que é...</p><p>É impossível ensinar uma criança a dizer. Dizer é um ato biológico</p><p>e, dessa forma, as crianças dizem da mesma forma com que os pássaros</p><p>cantam ou os gatos miam. Constitui fator “instintivo” inerente ao</p><p>desenvolvimento biológico da espécie humana e, dessa forma, toda</p><p>criança que não possua disfunções específicas, começa, por volta dos</p><p>dois anos, a dar sentido aos sons que pronuncia e pouco a pouco começa</p><p>a dizer.</p><p>Falar, entretanto, é muito mais do que dizer. Significa expressar-se</p><p>com precisão, pronunciar com clareza e impregnar de beleza as frases.</p><p>Toda sentença dita por uma criança traduz um objetivo, e como a única</p><p>preocupação com que usa as palavras é o alcance desse objetivo, não se</p><p>dá conta de que é possível, sem abrir mão do objetivo, expressar-se com</p><p>mais graça, mais harmonia e maior beleza. Todo adolescente é capaz de</p><p>falar de saudade, mas a saudade, quando explicada por um grande</p><p>poeta, compositor ou escritor, parece mais bela, mais expressiva, mais</p><p>pungente.</p><p>É por essa razão que, sendo impossível ensinar uma criança a dizer,</p><p>é plenamente plausível intervir com doçura no que ela expressa por</p><p>palavras, propondo algum desafio, estimulando a busca de uma beleza</p><p>maior. Esse trabalho, entretanto, não deve ser feito antes dos cinco anos</p><p>– uma vez que não será bem compreendido –, mas a partir dessa idade</p><p>algumas brincadeiras e jogos,[4] propostos com objetivos e</p><p>progressivamente, despertarão na criança o interesse pela palavra, o</p><p>gosto pela sentença bem-feita, o entusiasmo pelo conteúdo e também</p><p>pela estrutura estética da mensagem.</p><p>Como fazer...</p><p>Existem dois ingredientes absolutamente imprescindíveis nas</p><p>atividades que estimulam a progressão do dizer para o exercício do</p><p>falar. O primeiro é a legitimação do ato de falar, a crença de que essa</p><p>evolução é possível e a certeza de quem fala bem não o faz por ter</p><p>herdado biologicamente um “dom”, mas pelo exercício, ainda que às</p><p>vezes involuntário, da leitura crítica, da construção de textos e de belas</p><p>formas de expressão oral. Em outras palavras, é essencial que a criança</p><p>descubra que falar e escrever bem e bonito é algo possível de aprender</p><p>e, sobretudo, que perceba que essa conquista desperta entusiasmo e</p><p>encantamento nos adultos. O elogio comedido pelo progresso, o sincero</p><p>aplauso pelo esforço da conquista representam elemento essencial no</p><p>aperfeiçoamento dessa transformação. O segundo ingrediente é</p><p>reservar-se alguns minutos semanais para “exercitar” com a criança o</p><p>aprimoramento de suas mensagens, a melhoria estética de seus recados.</p><p>Brincadeiras do tipo “como seria possível dizer de uma maneira poética</p><p>que você está triste porque chove lá fora?” ajudam bastante, como</p><p>também ajuda convidar a criança para “passear” pelo dicionário, não</p><p>apenas como quem busca ajuda para um problema linguístico, mas</p><p>também como quem quer descobrir novas palavras para empregá-las</p><p>com as que habitualmente se conhecem.</p><p>Esses ingredientes podem ainda ser associados a interessantes</p><p>brincadeiras, levando a criança a perceber que uma palavra não</p><p>expressa apenas um significado, mas que nela pode conter beleza ou</p><p>agressividade, doçura ou severidade. Mostrar, por exemplo, que</p><p>palavras como “ternura” e “carícia” são belas independentemente do</p><p>que expressam, mas sugerir à criança que busque outras palavras, que</p><p>conquiste a cada dia uma forma melhor de dizer o que diz.</p><p>E ainda mais...</p><p>Quando olhando um jornal ou ouvindo uma notícia pelo rádio ou</p><p>pela televisão, o adulto chama a atenção da criança não só pelo</p><p>“sentido” mas também pela “forma” com que as palavras construíram a</p><p>sentença, está não apenas alertando-a para esse detalhe, mas, sobretudo,</p><p>reafirmando o quanto admira a frase bem-escrita, o pensamento</p><p>expresso com clareza, a ideia proposta com as palavras corretas.</p><p>Um paradigma imprescindível para estimular a criança a falar e a</p><p>sentir gosto pela diferença entre o dizer e o falar é propor-lhe sempre</p><p>muitas perguntas. Essas perguntas, entretanto, não devem ser como</p><p>aquelas utilizadas em um interrogatório e nem devem preocupar-se em</p><p>buscar uma resposta esperada. Devem ser perguntas que explorem o</p><p>sonho, que proponham fantasias, que conduzam a divagações. Sugerir,</p><p>por exemplo, que as crianças usem as palavras que conhecem e que</p><p>acabam de aprender para contar como seria:</p><p>• uma nova maneira de jogar futebol;</p><p>• uma nova forma de inventar uma sopa;</p><p>• um brinquedo que todas as crianças iriam adorar.</p><p>Sempre que possível, reúna uma coleção de provérbios populares e</p><p>proponha que eles possam ser refeitos com palavras novas que</p><p>expressem ideias convencionais. Por exemplo: “de grão em grão... a</p><p>galinha fica inteiramente saciada e morta de sede para melhor digerir”,</p><p>ou, ainda, “água mole em pedra dura... caindo muitas vezes e sempre,</p><p>destrói com mais força que uma martelada”, “quem ri por último... não</p><p>estava necessariamente na última fila, mas foi quem melhor</p><p>compreendeu a anedota”.</p><p>Quando, por volta dos cinco ou seis anos, a criança entrar na</p><p>admirável fase dos “por quês”, respondê-los sempre não de forma seca,</p><p>afogando sua curiosidade com a pronta solução, mas com o convite</p><p>entusiasmado para, juntos, irem a um dicionário, buscarem a resposta</p><p>num jornal, num telefonema, numa enciclopédia ou numa navegação</p><p>pela Internet. Todo adulto que ama a leitura encanta-se com a beleza de</p><p>mensagens esteticamente bonitas e sabe exaltar essa paixão, não tendo</p><p>qualquer dificuldade em fazer desse encantamento um ritual para</p><p>“incendiar” a capacidade de expressão dos que o cercam.</p><p>Ensinar à criança...</p><p>a diferença entre “ouvir” e “escutar”</p><p>Talvez você tome as</p><p>palavras “escutar” e</p><p>“ouvir” como palavras</p><p>sinônimas. Se assim age,</p><p>faz como a maior parte</p><p>das pessoas. Existe,</p><p>entretanto, imensa</p><p>diferença no sentido</p><p>etimológico dessas</p><p>palavras e, portanto, em</p><p>sua significação.</p><p>“Ouvir” vem do latim</p><p>audire e significa</p><p>perceber sons através do</p><p>aparelho auditivo.</p><p>Escutar é bem mais do</p><p>que simplesmente ouvir.</p><p>O que é...</p><p>Se examinarmos o Dicionário etimológico Nova Fronteira da</p><p>língua portuguesa (ANO), a palavra “escutar”, ainda que também</p><p>provenha do latim, expressa conceito distante de “ouvir”. Significa</p><p>“tornar-se ou estar atento para ouvir”. Repare na imensa sutileza dessas</p><p>diferenças. A tarefa de escutar envolve necessariamente a atenção e,</p><p>dessa forma, significa bem mais que ouvir. Se estivermos sentados em</p><p>uma sala, em um ônibus ou em um banco de uma praça, entretidos na</p><p>leitura de um texto que nos encanta e empolga, certamente nossos</p><p>ouvidos não estão desligados e, dessa forma, ouvimos os sons que nos</p><p>rodeiam, mas, atentos à leitura, sentimos que esses sons parecem não</p><p>existir, não representando importância alguma para nossa atenção.</p><p>Se, entretanto, ouvirmos nosso nome ou um ruído – próximo ou</p><p>distante – que nos apavora e, “assaltados” por essas emoções, deixamos</p><p>por um instante a leitura de lado, passamos então a escutar. Percebe-se,</p><p>assim, que “escutar” é sempre ato voluntário, decisão específica, em</p><p>que se usa o insubstituível recurso da atenção. Se é verdade que</p><p>nenhuma</p><p>pessoa pode ensinar outra a ouvir, posto que essa é uma</p><p>função orgânica do aparelho auditivo que jamais necessita ser ligada,</p><p>não é menos verdadeiro que podemos ensinar uma pessoa a escutar.</p><p>Mas por que o faríamos? A pergunta procede. Ainda que se aceite que</p><p>escutar é bem mais do que ouvir, essa graduação por si só não justifica o</p><p>empenho em ensinar crianças a escutar. É por esse motivo que a</p><p>pergunta merece uma resposta: “ensinamos uma criança a escutar para</p><p>que ela extraia maior emoção e beleza de seu entorno, para que viva</p><p>mais plenamente, para que coloque esse notável recurso cerebral a</p><p>serviço da beleza e do encantamento, da fantasia e dos sonhos. Quem</p><p>aprende a escutar vive mais intensamente, extrai de cada instante da</p><p>vida segmento de maior beleza.</p><p>Ouvir, por exemplo, é identificar os sons que chegam de uma</p><p>orquestra. Escutar é “tornar a orquestra inteiramente nossa”,</p><p>compartilhando a beleza de cada nota, a harmonia diferente de cada</p><p>instrumento, a “admirável” conversa entre o maestro e o encantamento</p><p>da música, os sonhos do compositor na composição de nossos próprios</p><p>sonhos.</p><p>Como fazer...</p><p>Ensinar uma criança a escutar é, ao mesmo tempo, extremamente</p><p>fácil e extremamente difícil. Fácil porque essa tarefa não requer</p><p>instrumentos, dispensa artefatos ou até mesmo o conhecimento de</p><p>complicados recursos procedimentais; mas ensinar uma criança a</p><p>escutar é também difícil porque exige tempo, segurança na proposta de</p><p>quem educa e paciência para perceber os tímidos progressos de quem</p><p>aprende.</p><p>Como a tarefa de escutar exige atenção, não podemos esperar por</p><p>resultados positivos sem que trabalhemos essa atenção passo a passo.</p><p>Talvez a forma mais eficiente para isso seja marcar um tempo e ir a um</p><p>lugar qualquer com o deliberado propósito de aprender a escutar, ou</p><p>seja, saber “ouvir” o aparente silêncio do ambiente e colher com os</p><p>ouvidos os sons diferentes que chegam, buscando discriminá-los,</p><p>identificar sua causa, perceber sua intensidade e sua direção.</p><p>Essa tarefa não pode ser longa e nem mesmo ter dia e horário</p><p>marcados. Preferivelmente, deve ter a duração de oito a doze minutos,</p><p>no máximo, em circunstâncias propícias, e proposta como um jogo</p><p>desafiador em que cada um dos participantes busca diferenciar o que</p><p>escutou do que teria escutado seu acompanhante. Da mesma forma</p><p>como essa tarefa sistemática vai progressivamente “treinando” o ouvido</p><p>e levando a identificações cada vez mais complexas e significativas, ela</p><p>também deve se respaldar pela importância de seu significado.</p><p>Um adulto experiente é capaz de perceber a sutileza que há entre a</p><p>sensibilidade de quem verdadeiramente “escuta” e o grosseiro</p><p>utilitarismo de quem apenas ouve, mas como não vivemos imersos em</p><p>um ambiente que valoriza “as cores do som”, é natural que a criança,</p><p>antes mesmo de começar a tornar seus ouvidos mais aprimorados,</p><p>aprenda que, se fizer assim, estará projetando seus sentimentos para se</p><p>tornar mais completa, dando à vida o verdadeiro sentido que a vida</p><p>deveria ter.</p><p>E ainda mais...</p><p>A imersão da criança no mundo da música, sua capacidade de</p><p>perceber no conjunto de sons a individualidade desse ou daquele</p><p>instrumento, a harmonia de uma execução primorosa de outra apenas</p><p>razoável, constituem etapas seguintes em sua educação para ouvir.</p><p>Aprendendo a valorizar suas conquistas, descobrindo a magia dos</p><p>sons nas falas, no vento, no ambiente, ela deve, aos poucos, ser</p><p>introduzida na descoberta dos instrumentos musicais. Um dia “deverá</p><p>ser apresentada” ao violão, outro dia, ao piano e em um terceiro dia, por</p><p>exemplo, ao violino. Aos poucos, deve perceber a diferença de cada um</p><p>e identificar seu papel na música e na harmonia do conjunto. Deve</p><p>descobrir em cada instrumento os diferentes timbres e, paulatinamente,</p><p>ser levada a perceber que as cordas não são mais ou menos importantes</p><p>que os metais e que, na verdadeira música, os instrumentos de</p><p>percussão são tão essenciais quanto os de sopro. Analogamente, deve</p><p>sentir que na “orquestra da vida” também é possível conquistar e</p><p>identificar diferentes timbres: o timbre do sopro do vento e do barulho</p><p>do mar, das vozes humanas e dos segredos da noite. É impossível</p><p>imaginar que possamos chegar a essa distinção sem o empenho de um</p><p>mediador, sem a atenta cooperação de pais e professores que constroem</p><p>significações.</p><p>Fazer ou não dessa criança um músico no futuro é complemento</p><p>irrelevante ao ensiná-la a escutar. Se ela desejar, poderá optar por essa</p><p>profissão, como será também legítima sua opção por outra profissão</p><p>qualquer. O que se quer dizer com isso é que não se busca ensinar uma</p><p>criança a escutar pensando na eventual “finalidade prática” dessa</p><p>aprendizagem. O valor da educação dos ouvidos está bem mais na</p><p>essência desse aperfeiçoamento, na capacidade da criança de descobrir</p><p>como é capaz de evoluir em sua percepção sonora, do que nos frios</p><p>objetivos de capacitá-la ou não para uma profissão.</p><p>Talvez a mais significativa razão para ensinar uma criança a escutar</p><p>se apoie no desejo de auferir-lhe uma “liberdade” maior. Liberdade não</p><p>no sentido político dessa expressão, mas na compreensão de que se é</p><p>possível caminharmos, não há por que pararmos; se podemos nos tornar</p><p>melhores em nossos sentidos, essa busca constitui privilégio e condição</p><p>essencialmente humana.</p><p>Toda criança que percebe seus limites e que, com dedicação e</p><p>esforço, busca sempre sua progressiva superação, é verdadeiramente</p><p>livre.</p><p>Ensinar à criança...</p><p>o valor da obediência</p><p>É necessário não se</p><p>deixar enganar pelo</p><p>sentido das palavras. O</p><p>sentido de obediência,</p><p>por exemplo, pode ser</p><p>visto como submissão,</p><p>como servilismo. Ora,</p><p>não há sentido em</p><p>ensinar a uma criança o</p><p>servilismo, a humildade,</p><p>a submissão e, dessa</p><p>forma, o obedecer por</p><p>obedecer. A verdadeira</p><p>obediência tem valor</p><p>quando aprendemos que</p><p>viver em sociedade</p><p>significa construir regras</p><p>e, sobretudo, quando</p><p>obediência tornar-se</p><p>sinônimo de</p><p>autocontrole.</p><p>O que é...</p><p>Se sou o único morador de uma ilha imaginária e pretendo</p><p>sobreviver nesse isolamento, a primeira coisa com a qual devo me</p><p>preocupar é definir quais as normas a cumprir. Como vou coletar água?</p><p>De que maneira vou arrumar alimentos? Como me protegerei do Sol e</p><p>das tempestades? É impossível pensar que existe esperança de</p><p>sobrevivência sem que eu me organize com base em algumas regras e</p><p>sem que tenha autocontrole sobre mim mesmo para a elas me submeter.</p><p>É o preço da sobrevivência.</p><p>Se não sou o único morador desse lugar e vivo entre pessoas, além</p><p>das regras de autocontrole, necessito conhecer regras que norteiam</p><p>minha relação com os outros e a relação dos outros comigo mesmo. A</p><p>vida em sociedade pressupõe a soma de regras de autocontrole com o</p><p>desenvolvimento de habilidades sociais. Quanto maior meu domínio</p><p>sobre esses valores, mais fortalecidas estão minha sobrevivência e</p><p>minha felicidade.</p><p>A construção de regras que desenvolvam em mim o autocontrole e</p><p>o desenvolvimento das habilidades sociais não significa a privação da</p><p>liberdade, antes, a acomodação do conceito de liberdade ao conceito de</p><p>felicidade. A pessoa que possui autocontrole e que administra bem as</p><p>regras sociais é uma pessoa livre e sabe tornar-se uma pessoa feliz.</p><p>Percebe-se, assim, que não há contradição entre a boa obediência e a</p><p>liberdade, entre a disciplina e a felicidade. Quando vemos um bando de</p><p>crianças brincando, “reinando” e sorrindo juntas em um gramado,</p><p>estamos diante de um espetáculo de pura felicidade, imensa alegria e,</p><p>sobretudo, de administração de regras de autocontrole e de habilidades</p><p>sociais. Basta a uma dessas crianças o descumprimento dessa</p><p>obediência para que se sinta excluída e veja a alegria e a felicidade da</p><p>brincadeira escaparem-lhe das mãos.</p><p>Dessa maneira, conclui-se que a obediência não é uma virtude em</p><p>si, mas torna-se uma qualidade quando se constrói, juntamente com essa</p><p>obediência, o belo sentido de respeito a si próprio e ao outro.</p><p>Como fazer...</p><p>Não existe aprendizagem sem que existam algumas regras. Ainda</p><p>que não tenhamos nos dado conta, existem regras quando caminhamos,</p><p>quando compramos,</p><p>quando passeamos, quando nos vestimos e até</p><p>mesmo quando falamos. Podemos não aprender essas regras na escola,</p><p>nem com esta ou aquela pessoa, mas as aprendemos observando,</p><p>copiando, olhando, enfim, construindo-as para nós mesmos. As regras</p><p>que dominamos para jogar um videogame ou dirigir um veículo por</p><p>uma estrada podem parecer mais explícitas que as regras para conversar</p><p>com amigos ou comer uma pizza, mas tanto num caso como noutro</p><p>essas regras estão sempre presentes. Educar para a obediência não é</p><p>passar uma lista de coisas permitidas ou proibidas, mas despertar na</p><p>criança a consciência de que é importante vencer a tentação de infringir</p><p>as regras e, mais ainda, estarmos atentos para sua existência.</p><p>Todas as regras são produtos de uma convenção, representam</p><p>acordos ou “contratos” sociais e, é claro, poderiam ser mudadas. Se</p><p>pessoas que vivem em um lugar distante combinarem que o sinal verde</p><p>significa “pare” e o sinal vermelho equivale a “siga”, essas pessoas</p><p>estão convencionalmente mudando uma regra internacional. Isso passa</p><p>a ser uma regra desse grupo, ainda que seja diferente das regras que</p><p>organizam a vida de outros grupos. É essencial que as crianças</p><p>descubram essas coisas e é importante que saibamos ajudá-las nesse</p><p>desafio.</p><p>É importante também que aprendam que existem regras que não se</p><p>questionam e que existem outras que são questionáveis. Não vou</p><p>questionar o perigo de pôr minha mão no fogo e entrar muito fundo no</p><p>mar, mas posso questionar por que não sair na chuva se brincar na água</p><p>é tão gostoso. É por isso que a obediência se consolida quando, junto</p><p>com as regras, vem a razão. Brincar na chuva é gostoso, mas pode</p><p>provocar um resfriado, que é bem desagradável e dura muito mais.</p><p>Chega-se, assim, ao segredo de uma boa educação: as regras são</p><p>cumpridas quando compreendidas, quando a criança sente um motivo</p><p>para cumpri-las. É o que em educação chama-se de motivação.</p><p>Assim, não devemos pregar a obediência pela obediência, o “não”</p><p>porque “não”, a necessidade de se cumprir o que queremos, apenas</p><p>porque queremos – devemos levar a criança à compreensão de que as</p><p>regras são essenciais para a vida e de que é imprescindível que</p><p>saibamos os motivos que devem nos levar a cumpri-las.</p><p>Motivar significa mostrar, mais com exemplos do que com</p><p>palavras, que o esforço para cumprir regras é “um bom negócio”, que</p><p>vale realmente a pena. É importante que a criança descubra que pode</p><p>existir uma obediência servil, mas que ser obediente é sentir em si</p><p>mesmo a capacidade de autocontrole, e sentir na relação com os outros</p><p>a enorme vantagem de fazer, das regras sociais, as nossas regras</p><p>particulares.</p><p>E ainda mais...</p><p>Nunca é demais insistir que o sentido verdadeiramente educativo da</p><p>“obediência” não é o de “submeter-se às ordens de alguém” e, dessa</p><p>forma, curvar-se ao imperativo da força ou da autoridade, mas o de</p><p>“jogar o bom jogo das regras sociais”.</p><p>Obedecemos de forma consciente quando não o fazemos pelo temor</p><p>das consequências, mas pela grandeza da compreensão de um</p><p>verdadeiro partilhar com o outro, de ceder sempre quando um valor</p><p>maior se aclama. Essa ideia, entretanto, não é a ideia que a criança</p><p>geralmente faz da obediência e, por esse motivo, ela raramente obedece</p><p>pelo imperativo de um valor que se constrói. É exatamente porque</p><p>constitui ideia generalizada um sentido perverso de “obediência” que se</p><p>torna importante conversar com a criança e mostrar o sentido usual e o</p><p>bom sentido do ato de obedecer. Existem circunstâncias em que a</p><p>prudência e o bom senso levam-nos a obedecer mesmo sabendo que o</p><p>fazemos para evitar consequência pior. Quem dirige no trânsito caótico</p><p>das grandes cidades, por exemplo, muitas vezes cede espaço para quem</p><p>não merece porque esse preço é melhor que a afronta, mesmo tendo</p><p>razão para afrontar. Essa “obediência”, entretanto, não é a única forma</p><p>civilizada de obedecer.</p><p>Toda criança necessita ouvir de um mediador, de forma serena e por</p><p>meio de muitos exemplos, que existe uma obediência injusta, ainda que</p><p>amparada pelo bom senso, mas que existe também uma “boa</p><p>obediência”, cumprida por quem sabe que conviver com os outros</p><p>envolve cumprir regras comuns. Assim, obedece-se ao sinal fechado</p><p>não só por temor à multa ou ao acidente, mas pelo respeito ao direito do</p><p>outro. Existem, pois, muitas circunstâncias em que é possível mostrar a</p><p>prática da “boa obediência”.</p><p>Da mesma maneira como esse valor se aprende, é importante que a</p><p>criança aprenda o valor de uma sanção. Dessa forma, o castigo nunca</p><p>deveria ser produto da prepotência ou da desobediência cega, mas algo</p><p>como um “pagamento que se executa” por um determinado erro que se</p><p>cometeu. Toda criança compreende que o refrigerante que se quer</p><p>adquirir custa um preço e, por meio de exemplos como esses, não é</p><p>difícil mostrar que quem obedece não o faz pelo medo do castigo, mas</p><p>pelo prêmio à cooperação. Se a criança, por exemplo, quer jogar com os</p><p>amigos, não necessita cumprir regras? Nessas ocasiões, não as cumpre</p><p>sem pensar que elas representam castigo? Não existe no futebol ou em</p><p>outro esporte a “bola fora”? Se a bola sai do campo, a regra é parar o</p><p>jogo. Não se para o jogo para punir este ou aquele jogador, mas porque</p><p>todos necessitam se integrar no cumprimento de um propósito comum.</p><p>Qual a diferença, pois, entre a regra do jogo de futebol que se aceita e a</p><p>regra de se guardar os brinquedos, após a brincadeira?</p><p>Como é fácil perceber, a vida é riquíssima em inúmeros exemplos</p><p>do bom obedecer e das sanções que surgem pelo descumprimento das</p><p>regras, cabendo a todo educador, seja pai ou professor, valer-se dessa</p><p>vida que emerge em todo lugar para ainda uma vez – e sempre –</p><p>mostrar e exaltar a boa obediência.</p><p>Ensinar à criança...</p><p>o valor do bom gosto</p><p>Desenvolver o bom</p><p>gosto é mais ou menos</p><p>como jogar tênis. Se</p><p>ninguém nos ensina, é</p><p>até possível entrar em</p><p>uma quadra, segurar as</p><p>raquetes e bater na</p><p>bolinha, mas essa ação</p><p>fica anos-luz da maneira</p><p>como joga tênis uma</p><p>pessoa treinada. O</p><p>primeiro passo para</p><p>ajudar uma criança a</p><p>desenvolver o bom gosto</p><p>é pensar que isso é coisa</p><p>que se aprende.</p><p>O que é...</p><p>Abra um dicionário escolar e procure a palavra “estética”. Verá que</p><p>significa “teoria que estuda as concepções do belo e da beleza”. Nesse</p><p>mesmo dicionário repare que existem verbetes para “esteta”,</p><p>“esteticismo”, “esteticista”, “estético” e ainda outros. Todas essas</p><p>palavras estão ligadas ao belo e à beleza. Se puder, entre em uma</p><p>livraria e repare na quantidade de livros publicados sobre estética. Verá</p><p>que esse é um assunto de primeira importância e que o bom gosto não é</p><p>uma questão subjetiva, em que cada um tem o seu e que, portanto, nasce</p><p>e cresce com a pessoa.</p><p>Mais ainda. Se usarmos como referências alguns educadores</p><p>contemporâneos, como Gardner, por exemplo, perceberemos que existe</p><p>uma certeza de que a escola tem como finalidade primeira de sua</p><p>existência ensinar a verdade – valendo-se, para isso, das ciências –,</p><p>ensinar a bondade – recorrendo à história e à filosofia – e ensinar a</p><p>beleza – dando sentido e valor, muito mais valor, às aulas de artes.</p><p>Todos nós deveríamos aprender “artes” não para sermos artistas</p><p>profissionais, mas para desenvolvermos o bom gosto, para educarmos a</p><p>sensibilidade estética.</p><p>Ensinar a uma criança o belo não implica padronizar seu gosto.</p><p>Somos diferentes e essa diferença nos faz interessantes. Graças a ela</p><p>nasce a solidariedade, mas se as crianças desenvolverem sua</p><p>sensibilidade para a beleza, crescerão em um mundo muito mais lindo e,</p><p>literalmente, verão a vida se desenrolar com outros olhos, mas cada uma</p><p>delas acabará revelando preferências que serão marcas de sua</p><p>singularidade.</p><p>Existe o bom gosto na música, na pintura, na escultura, na</p><p>literatura, na maneira de se vestir, na forma de arrumar a casa, nas</p><p>relações humanas e muito mais. E como existe o bom gosto, é claro que</p><p>existe também o mau gosto, contudo, deve haver um cuidado essencial</p><p>para ensinar o bom gosto às crianças: jamais usar o nosso bom gosto</p><p>como modelo do que essa criança achar que deve ser o bom gosto. As</p><p>regras e os princípios</p><p>estéticos devem ser usados com clareza e cuidado.</p><p>O trabalho do educador – pais ou professores – é mostrar caminhos sem</p><p>insinuar quais devam ser os eleitos. Tal como um treinador, o</p><p>importante é que a criança saiba jogar tênis e, depois, descubra em si</p><p>mesma o seu estilo.</p><p>Como fazer...</p><p>Uma primeira aula de estética – que se deve repetir muitas vezes,</p><p>em lugares e ocasiões diferentes – é dividir com a criança a sensação de</p><p>alegria e encanto que a beleza lhe desperta. Um breve comentário –</p><p>“repare como o sol brilha nas folhas!”, “veja que as gotinhas de chuva</p><p>parecem pedras preciosas!” – vai aos poucos fazendo com que a criança</p><p>“sinta” a beleza, e não há educação mais marcante do que aquela feita</p><p>por meio das sensações.</p><p>Da mesma forma, não hesite em mostrar, em diversas</p><p>oportunidades, o que é mau gosto, deixando na criança a liberdade para</p><p>ter ou não opinião igual. Por exemplo: “eu acho que o verde desta blusa</p><p>não combina com o azul desta saia, o que você acha?”; “venha ver as</p><p>calças e as camisas que separei e vamos ver quais combinações você</p><p>acha mais bonitas!”. Se a criança combinar de forma agressiva, nã o é</p><p>hora de afirmar que ela não possui bom gosto, mas é uma oportunidade</p><p>para falar das cores e da sua harmonia, sempre por meio de exemplos.</p><p>Uma lição também muito importante sobre a estética é fazer com</p><p>que a criança, pouco a pouco, aprenda a perceber que nem tudo que fica</p><p>bem em uma situação, fica bem em outra. Um tênis combina muito bem</p><p>com um short – pois ambos são peças esportivas –, mas não combina</p><p>muito bem com uma roupa social.</p><p>Outro cuidado que se deve ter na educação para o bom gosto é</p><p>saber diversificar. Como se disse anteriormente, o bom gosto está em</p><p>uma sala arrumada, em uma roupa que se veste e até nos brinquedos</p><p>organizados em uma estante. Ao arrumar, peça a opinião da criança e</p><p>apresente a sua. Não como aquele que sabe e ensina, mas como quem,</p><p>conhecendo melhor e possuindo mais experiência, aceita a discordância</p><p>valendo-se sempre de bons argumentos para defender suas ideias.</p><p>Outra atividade interessante é fazer com que a criança perceba que</p><p>alguns princípios de bom gosto são válidos em alguns lugares e não o</p><p>são em outros, que, no passado, valorizavam-se algumas coisas que não</p><p>se valorizam mais. Nessa viagem através do bom gosto pelo espaço</p><p>geográfico e pelo tempo histórico, é importante realçar que essa</p><p>variação de estilos ocorre com limites. Uma estátua de Michelângelo</p><p>era bela há 500 anos, é belíssima ainda hoje e, provavelmente, será</p><p>admirada por pessoas que ainda nem nasceram.</p><p>Ensinar a criança a desenvolver o bom gosto significa levá-la para</p><p>passear em museus e pinacotecas, sugerir a descoberta do bom e do mau</p><p>gostos nos programas de TV aos quais assiste, acompanhá-la na</p><p>descoberta sobre a diversidade das cores, dos sons, das formas, e fazê-la</p><p>perceber o bom gosto na educação, no respeito, na amizade, no</p><p>companheirismo.</p><p>E ainda mais...</p><p>A criança adora jogar e o jogo, quando realizado com uma</p><p>preocupação estética, ajuda a desenvolver o bom gosto. É perfeitamente</p><p>possível riscar o chão para um jogo de amarelinhas de uma forma</p><p>grosseira e que permita a realização da atividade, mas quando o</p><p>mediador revela alguma preocupação com o belo, o espaço onde se joga</p><p>amarelinha pode ser mais bem organizado, como é também possível</p><p>buscar linhas estéticas na quadra onde se brinca, nas caixas onde se</p><p>guardam os jogos, na moldura das folhas onde se desenha o que se quer</p><p>criar. O que importa não é estabelecer uma definição do que pode e do</p><p>que não pode ficar mais bem-arrumado, mas manter o desejo e a</p><p>vontade constantes de revelar à criança, em todas as oportunidades, que</p><p>“arrumar melhor um lugar para brincar” não significa apenas</p><p>estabelecer as linhas de sua funcionalidade, mas também destacar “o</p><p>que pode e o que não pode ser feito para deixar esse cantinho mais</p><p>bonito”.</p><p>Na ação contínua dessa busca, é necessário sempre o equilíbrio</p><p>entre aceitar as ideias e as sugestões da criança, mas estar consciente de</p><p>que o sentido do gosto é sempre produto de uma aprendizagem, mas</p><p>não de rígida obediência ao bom gosto de quem ensina: “eu penso que a</p><p>melhor maneira de dizer esta frase é usar as palavras desta forma; e</p><p>você, o que acha?”, “por favor, me ajude a pensar como ficaria mais</p><p>bonita esta sala!”, “que tal se enquanto fizéssemos esta colagem</p><p>organizássemos um fundo musical?”, “de que tipo de música você</p><p>gostaria?”, “estou pensando em arrumar um lugar para você jogar</p><p>botão; vamos fazer um estádio bem bonito?”.</p><p>A preocupação com a estética pode insinuar-se em numerosas</p><p>atividades ou jogos propostos neste livro. Ler um texto interessante não</p><p>significa, por exemplo, que algumas “frases mais marcantes” não</p><p>possam também ser selecionadas; o hábito de tirar fotografias não</p><p>impede que se consulte, juntamente com a criança, algum manual com</p><p>“dicas” mais expressivas. Essas “dicas” devem sempre associar a</p><p>técnica à arte. A boa foto, a boa pintura, o bom texto, o bem falar, a</p><p>elegância ao vestir-se ou ao cumprimentar, o belo desenho etc.</p><p>necessitam sempre ser compreendidos como meta que envolve em uma</p><p>mesma intensidade a técnica e a beleza, e que quanto mais beleza se</p><p>procura, mais importante torna-se aprimorar a técnica.</p><p>A criança, geralmente, possui dificuldade em descobrir sozinha os</p><p>elementos estéticos de uma composição. Pode achar um rosto bonito,</p><p>mas raramente detém-se em perceber a beleza dos olhos, o formato</p><p>delicado do nariz, as linhas da boca. Mas toda criança aprende</p><p>facilmente a destacar esses elementos se é pacientemente orientada.</p><p>Uma interessante brincadeira, por exemplo, é levá-la a olhar fotos para</p><p>descobrir detalhes: “qual desses retratos exibe, na sua opinião, o mais</p><p>belo sorriso?”, “por que você acha que um animal é mais elegante do</p><p>que outro?”. Questões como essas, acompanhadas de respostas que</p><p>induzem a perceber, na harmonia, a beleza, marcam de forma</p><p>significativa a impressão da criança e leva-a à busca constante de</p><p>progressivo aperfeiçoamento.</p><p>Ensinar à criança...</p><p>o valor da paciência</p><p>A ansiedade da</p><p>expectativa constitui</p><p>uma característica</p><p>extremamente positiva</p><p>em todo ser humano e</p><p>sua ausência caracteriza</p><p>a apatia e o desconforto</p><p>da frieza. É, pois, muito</p><p>bom que uma criança</p><p>seja ansiosa e que</p><p>coloque toda força de</p><p>suas emoções em uma</p><p>espera; mas saber</p><p>esperar é algo que se</p><p>aprende, é aprendizagem</p><p>que não se faz sem</p><p>ajuda.</p><p>O que é...</p><p>Até certo ponto, é natural que toda criança tenha mais dificuldade</p><p>que o adulto em conter sua ansiedade, em aguentar a demora. É natural</p><p>por dois motivos diferentes: o primeiro é que o adulto tem melhor</p><p>previsibilidade sobre a ocorrência de um acontecimento e, dessa</p><p>maneira, sua espera não guarda curiosidade tão expressiva. Na</p><p>expectativa de que algo vai ou não ocorrer, sua experiência de vida de</p><p>alguma forma antecipa com mais clareza a possibilidade efetiva e essa</p><p>antecipação torna a espera motivo de angústia menor do que para uma</p><p>criança.</p><p>A segunda razão é que toda estimativa de tempo – e, portanto, de</p><p>espera – que fazemos leva em conta, ainda que de forma inconsciente, a</p><p>experiência de tempo que a vida nos ensinou, e essa experiência, para</p><p>um adulto que viveu mais anos, torna a espera “menor” do que o é para</p><p>qualquer criança. Por exemplo, um adulto de 40 anos que necessita</p><p>esperar algo por seis meses projeta essa expectativa por cerca de 1,25%</p><p>de sua vida, já uma criança de seis anos que necessita aguardar igual</p><p>tempo tem que esperar uma “enormidade”, o que corresponde a mais de</p><p>8% de sua experiência de vida. Essas razões acabam por fixar a imagem</p><p>de que a criança impaciente é assim porque quer ser e isso provoca no</p><p>adulto uma reação de oposição como se essa criança fosse igual a ele.</p><p>Dessa sensação de voluntariedade na impaciência de toda criança,</p><p>nasce a oposição e uma impressão de que se somos capazes de aguardar,</p><p>não há por que a criança não possa fazer o mesmo. Cérebros de pessoas</p><p>adultas processam a ideia de tempo com expressiva diferença e, dessa</p><p>forma, uma criança que pareça ser “impaciente” é muitas</p><p>vezes até mais</p><p>paciente que o adulto. Saber essa diferença de processamento cerebral</p><p>do tempo entre adultos e crianças não deve servir apenas de curiosidade.</p><p>Antes, deve levar todo adulto que lida com crianças a desenvolver uma</p><p>vontade de “pensar como a criança está pensando” e, dessa maneira,</p><p>trabalhar sua impaciência, colocando-se verdadeiramente no lugar da</p><p>criança e buscando sentir o que ela sente.</p><p>Só do fato de não nos mostrarmos muito intolerantes quando uma</p><p>criança perde a paciência, já estamos ajudando-a muito. Na verdade, é</p><p>necessário paciência dobrada para não perder a paciência diante de toda</p><p>criança extremamente impaciente. Mas se essa paciência maior é</p><p>importante, ainda não é tudo. Existem muitas outras coisas que</p><p>podemos – e devemos – fazer.</p><p>Como fazer...</p><p>A criança e o adulto lidam de modo diferente com a angústia</p><p>ocasionada pela espera do que consideram importante.</p><p>Quando esperamos por uma notícia ou aguardamos um</p><p>acontecimento de expressão significativa, costumamos achar que é</p><p>impossível “pensar em outra coisa” e mesmo que façamos tentativas, na</p><p>maior parte das vezes esse pensamento nos domina e escraviza. Com</p><p>uma criança, isso é diferente. Seu foco de expectativa, como vimos, é</p><p>maior que o nosso, mas sua capacidade de desviar pensamentos é</p><p>também muito maior, e isso torna mais fácil a um adulto distraí-la,</p><p>propondo um passeio, um filme, uma brincadeira ou alguma coisa que a</p><p>ajudará a desviar o foco de sua ansiedade. “Desviar” é a palavra certa.</p><p>Não se trata de buscar fazê-la “esquecer”.</p><p>A expectativa é útil ao ser humano e a paciência ou a impaciência é</p><p>característica comportamental que necessita ser “educada”, jamais</p><p>suprimida. Se nosso empenho em desviar a atenção do foco causador da</p><p>ansiedade mostra-se muito significativo, a criança até pode esquecer a</p><p>razão de sua espera, quando bem mais útil seria que essa criança</p><p>progressivamente “fosse educada” e, portanto, que não trocasse os</p><p>pensamentos ansiosos por outros, mas que outros pensamentos</p><p>temporários pudessem ajudá-la, por algum tempo, a conter a ansiedade.</p><p>Nesse sentido, devemos substituir o “vamos deixar de pensar nesse</p><p>assunto” por um compreensivo “é muito bom que você se mostre</p><p>ansiosa nessa espera”, mas enquanto não resta outra alternativa a não</p><p>ser “esperar mesmo”, que tal recortar uma revista, montar um quebra-</p><p>cabeça ou brincar de trânsito agitado com seus carrinhos?</p><p>Outra importante forma de trabalhar a ansiedade é conversar</p><p>calmamente com a criança sobre a possibilidade de que ocorra, mas</p><p>também de que não ocorra, o que ela tanto espera. Por exemplo, se a</p><p>criança aguarda o resultado de uma decisão esportiva, eis uma</p><p>oportunidade muito boa de conversar com ela sobre a eventualidade da</p><p>vitória e a eventualidade da derrota: “claro que é gostoso ganhar, mas</p><p>por acaso quando uns ganham, outros não perdem?”, “o que significa,</p><p>para você, perder?”, “por acaso, não existem perdas maiores?”, “o que</p><p>seria, para você, uma perda muito maior do que a derrota de seu time</p><p>favorito?”.</p><p>Conversas como essas após a angústia de uma derrota ou o</p><p>desfecho inesperado são rapidamente esquecidas e como que</p><p>“atropeladas” pela força da frustração ou da raiva, mas se colocadas</p><p>com serenidade, quando ainda existe a expectativa da alegria, ajudam a</p><p>criança a descobrir, aos poucos, a relatividade de todo evento e o</p><p>sentido moral da gangorra da vida, que para todos alterna o desencanto</p><p>ao gostoso encanto.</p><p>E ainda mais...</p><p>Como em capítulos anteriores se repetiu, “não existem receitas”</p><p>para ensinar valores e virtudes a uma criança, mas se essa inexistência</p><p>de receitas constitui indiscutível verdade, não é menos verdade que</p><p>existem três atributos extremamente úteis na educação infantil, sejam</p><p>aplicados para crianças ricas ou pobres, com validade que não se</p><p>sofisma no país ou fora dele. Esses atributos são o exemplo, a</p><p>persistência e o tempo.</p><p>Não existe maneira mais correta de ensinar do que dar o exemplo,</p><p>principalmente quando esse exemplo é mais praticado do que falado,</p><p>quando é exercido em um momento diferente daquele no qual a criança</p><p>errou. Dar um exemplo como uma “lição” vale menos que fazer com</p><p>que esse exemplo se manifeste em qualquer oportunidade ou momento.</p><p>Se, por exemplo, na conversa com outro adulto que a criança finge não</p><p>acompanhar, mostramo-nos tolerantes, animados, calorosos, afetuosos,</p><p>estamos passando esses valores, mesmo que sejamos levados a pensar o</p><p>contrário. Mas se o exemplo é a melhor ferramenta de ensino, é</p><p>essencial que saibamos também o que ensinar por meio do exemplo e,</p><p>nesse aspecto, é importante que tenhamos muito claro em nossa</p><p>memória ou até mesmo em nossos pensamentos os valores e as virtudes</p><p>que, por meio dos exemplos, buscamos passar. É inútil buscar nos livros</p><p>sentimentos que de forma alguma não se encontram dentro de nós</p><p>mesmos.</p><p>Tão importante quanto o exemplo é o fator tempo. A menos que se</p><p>acredite em bruxaria, tudo quanto uma criança aprende afeta, de uma</p><p>maneira ou de outra, o seu cérebro. Na verdade, não existe melhor</p><p>definição de aprendizagem do que uma mudança cerebral. Mas a</p><p>mutabilidade das redes neuroniais não se dá senão pela persistência de</p><p>uma ação repetida. As boas aprendizagens são lentíssimas e ocorrem</p><p>com passos bem miúdos. Nesse particular, o cérebro funciona como os</p><p>músculos: quanto mais exercitados, mais fortes podem se tornar.</p><p>Ninguém, jamais, conseguirá músculos fortes ou sinapses ativas, senão</p><p>com paciência e muito estímulo. Dedicar-se com paixão aos filhos não é</p><p>apenas permanecer com eles, nem jamais ficar ao seu lado pensando no</p><p>trabalho, enquanto assistem a desenhos infantis. Como bem ensina</p><p>Rousseau, “a regra mais importante, a maior e mais útil em toda</p><p>educação, não consiste em ganhar tempo, mas em saber perdê-lo”.</p><p>Ao mencionar o segundo atributo essencial da educação, que é o</p><p>tempo, já se anunciou o terceiro, que é a persistência. Persistência e</p><p>tempo são elementos parecidos, mas não são a mesma coisa. Um</p><p>candidato a bons músculos pode ficar três horas exercitando-se em uma</p><p>sala de ginástica e conquistar rendimento menor do que um outro que,</p><p>bem orientado, fique um tempo bem menor. A metáfora vale para a</p><p>educação de uma criança: se transformá-la exige tempo, exige a</p><p>persistência no bom caminho, a certeza de que tudo se conquista quando</p><p>se sabe o que e como se quer.</p><p>Alguns “segredinhos” para fazer do</p><p>afeto</p><p>ações de verdadeira amizade</p><p>O afeto pode levar à construção da amizade quando é um</p><p>sentimento recíproco. Mas nem sempre isso é possível. Às vezes,</p><p>sentimos imensa afeição por alguém distante, por líderes inacessíveis,</p><p>por músicos ou escritores que já morreram. Podemos até mesmo pensar</p><p>que nessa afeição reside uma certa “amizade platônica”, mas esta, por</p><p>certo, não é a mesma amizade despertada pelo prazer de se estar junto e</p><p>de conviver com intensidade cada instante. É dessa amizade que aqui se</p><p>fala entre adultos (pais ou professores) e crianças (filhos e alunos). Para</p><p>reforçá-la, alguns procedimentos não podem ser esquecidos:</p><p>• Acredite sempre na criança</p><p>Toda criança que desenvolve um senso extraordinário de</p><p>se sentir capaz e responsável provém de lares e escolas em</p><p>que pais e professores sempre a viam assim. Uma ou outra</p><p>criança, por certo, não alcançará o limite do que para ela</p><p>se sonha ou se deseja, mas, se efetivamente encorajada,</p><p>descobrirá trilhas e inventará caminhos para surpreender</p><p>os adultos com capacidades que jamais pensamos.</p><p>• Aprenda a usar sempre um vocabulário positivo</p><p>Raramente nos damos conta da prodigiosa força das</p><p>palavras e, dizendo-as sem reflexão ou cuidado, podemos</p><p>estar minando potenciais, corroendo esperanças. A criança</p><p>que se vê persistente, e não teimosa, dinâmica, e não</p><p>explosiva, cheia de energia, e não selvagem,</p><p>entusiasmada, e jamais barulhenta, criativa, e não</p><p>bagunceira, não se abate pela vergonha de ser o que é e de</p><p>descobrir em si mesma valores que não supunha possuir.</p><p>• Tenha sempre uma lente de aumento para realizações</p><p>positivas</p><p>Não se trata de “mimar” em excesso ou de construir uma</p><p>postura mais ou menos rígida. Educar,</p><p>como vimos, é</p><p>ensinar o não, a ordem, a regra; a amizade verdadeira não</p><p>se contrapõe à firmeza, ela se consolida em observar</p><p>sempre o lado positivo, as conquistas efetivas, mesmo se</p><p>pequenas.</p><p>• Defina expectativas realistas</p><p>O que mais deve interessar a um pai ou a um professor é a</p><p>“felicidade” de seus filhos ou alunos, e se essa meta é</p><p>verdadeira, é essencial que jamais possamos deixar-nos</p><p>seduzir pela tolice de que a criança precisa ser melhor em</p><p>tudo, competente na superação de qualquer desafio. O</p><p>amigo verdadeiro é o que aprende a gostar, respeitando os</p><p>limites e aceitando as dificuldades sem lamentá-las.</p><p>• Aprenda a julgar com dignidade e ensine que a verdadeira</p><p>justiça não esconde hipocrisias</p><p>A capacidade de julgamento de uma criança não nasce</p><p>como atributo genético nem se desenvolve como a</p><p>dentição. A capacidade de perceber o que é certo e o que é</p><p>errado é construída por meio de estágios progressivos e a</p><p>criança só pode aceitar seu erro se os elementos de sua</p><p>mente já a amadureceram para essa compreensão.</p><p>Crianças com menos de sete ou oito anos não apresentam</p><p>desenvolvimento de raciocínio para compreender por que</p><p>um comportamento é certo ou errado e, dessa forma,</p><p>quando o assumem, o fazem como quem presenteia o</p><p>adulto – de nada adiantam os “sermões”, e tampouco</p><p>deve-se esperar que o procedimento “correto” de ontem</p><p>seja assumido plenamente hoje.</p><p>• Saiba atribuir responsabilidades crescentes</p><p>Aprender a assumir responsabilidade por si mesmo é um</p><p>elemento marcante para uma vida feliz e, dessa forma, o</p><p>verdadeiro amigo é aquele que tem sempre em mente</p><p>projetos para desenvolver progressivamente e sem pressa a</p><p>autonomia da criança. À medida que as crianças vão</p><p>crescendo, precisam ir descobrindo que se atenua a tutela</p><p>para irem ao banheiro sozinhos, dormirem no escuro,</p><p>escolherem sua própria roupa, subirem até o alto do</p><p>escorregador e, até mesmo, mais tarde, lidarem com o</p><p>dinheiro e dormirem na casa de um amigo.</p><p>• Ajude a criança a desenvolver habilidades sociais</p><p>→ escutar;</p><p>→ iniciar e manter uma conversa;</p><p>→ fazer perguntas;</p><p>→ agradecer;</p><p>→ cumprimentar uma pessoa;</p><p>→ apresentar-se;</p><p>→ pedir ajuda;</p><p>→ dar e seguir instruções;</p><p>→ pedir desculpas;</p><p>→ argumentar;</p><p>→ conhecer seus próprios sentimentos;</p><p>→ expressar suas emoções;</p><p>→ entender e saber lidar com os sentimentos dos outros;</p><p>→ expressar afeição;</p><p>→ compartilhar;</p><p>→ pedir permissão;</p><p>→ defender seus argumentos;</p><p>→ responder a provocações;</p><p>→ dizer “não”;</p><p>→ manter equilíbrio em uma derrota;</p><p>→ ser leal;</p><p>→ lidar com a contradição;</p><p>→ decidir sobre algo a fazer;</p><p>→ estabelecer um objetivo.</p><p>Essas habilidades sociais não constituem comportamentos inatos e,</p><p>portanto, se não aprendidas no lar e na escola, transformam-se quase</p><p>sempre em experiências frustrantes de infinitos ensaios e erros. O</p><p>desenvolvimento de habilidades sociais – das mais simples às mais</p><p>complexas – necessita de uma ajuda amiga e do amparo imprescindível</p><p>da educação com propósitos claros.</p><p>Uma boa educação transforma cada um desses itens em um</p><p>pequeno projeto e define objetivos para sua concretização e avaliação;</p><p>prioriza sempre o exemplo ao conselho, o ensaio da prática persistente e</p><p>da experiência vivenciada às “broncas” e ao comodismo do “deixa estar</p><p>que se eu não fizer a escola fará”.</p><p>Fazer um amigo é como escalar uma montanha. Os passos</p><p>necessitam ser seguros, os desvios podem ser fatais, a prudência e a</p><p>coragem precisam sempre andar juntas. Não é possível se deixar levar</p><p>pela ansiedade e pela precipitação, e toda vez que se escorrega – e</p><p>escorregões são inevitáveis na escalada –, é necessário ter paciência e</p><p>persistência para recomeçar com entusiasmo.</p><p>Fazer um amigo é como escalar uma montanha. A conquista do</p><p>infinito é admirável e a vista do alto, inesquecível. Mas a escalada vale</p><p>bem mais que atingir o topo. A alegria de tentar é muitas vezes maior do</p><p>que a certeza de efetivamente conseguir.</p><p>NOTAS</p><p>[1] Para maior aprofundamento, consultar Antunes (1999).</p><p>[2] Para maior aprofundamento, consultar Antunes (2002).</p><p>[3] Nomes de duas meninas, resgatadas em 1920 por um missionário japonês em Midnapore,</p><p>na Índia, com idades presumidas de dois e oito anos, e que sobreviveram harmoniosamente</p><p>em meio a um bando de lobos. Levadas a Tóquio, Amala morreu em pouco tempo, mas</p><p>Kamala resistiu a diversas tentativas de uma educação formal, aprendendo com enorme</p><p>dificuldade a ficar ereta, a servir-se das mãos e a falar, sendo capaz de pronunciar cerca de</p><p>50 palavras apenas.</p><p>[4] Para maior aprofundamento, consultar Antunes (2003).</p><p>Sugestões de leitura</p><p>AMARILHA, Marly (1997). Estão mortas as fadas?. Petrópolis: Vozes.</p><p>ANTUNES, Celso (1999). A construção do afeto: Como estimular as múltiplas inteligências de</p><p>seus filhos. São Paulo: Augustus.</p><p>___________ (2000). A teoria das inteligências libertadoras. Petrópolis: Vozes.</p><p>___________ (2002). A alfabetização moral em sala de aula e em casa: Do nascimento aos</p><p>doze anos. Petrópolis: Vozes. (Na Sala de Aula, fasc. 6)</p><p>___________ (2003). Jogos para bem falar: Homo sapiens, Homo loquens. Campinas: Papirus.</p><p>CAMPS, Victória (2003). O que se deve ensinar aos filhos. São Paulo: Martins Fontes.</p><p>DIAMOND, Marian e HOPSON, Janet (2000). Árvores maravilhosas da mente. Rio de Janeiro:</p><p>Campus.</p><p>PAPALIA, Diane E. e OLDS, Sally Wendkos (1998). O mundo da criança. São Paulo: Makron</p><p>Books.</p><p>PIAGET, Jean (1975). A formação do símbolo na criança. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar.</p><p>PINKER, Steven (2004). Tábula rasa. São Paulo: Companhia das Letras.</p><p>REIS, Sílvia Marina Guedes dos (2002). 150 idéias para o trabalho criativo com crianças de 2</p><p>a 6 anos. Campinas: Papirus.</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>Celso Antunes é autor de mais de 180 livros didáticos e paradidáticos, mais de 300</p><p>artigos, crônicas e ensaios sobre temas educacionais e cerca de 50 obras</p><p>pedagógicas sobre diversos temas, entre os quais: as inteligências múltiplas, o</p><p>estímulo às capacidades e competências, as estratégias de avaliação, os estudos</p><p>neurobiológicos sobre a ação da mente no processo de aprendizagem, a</p><p>criatividade e o uso da memória, além de glossários e jogos como estímulo.</p><p>Inicialmente publicadas no Brasil, várias dessas obras foram traduzidas na América</p><p>do Sul, na América do Norte e na Europa e, atualmente, suas ideias e propostas são</p><p>discutidas em todo o mundo. Durante muitos anos foi professor de ensino</p><p>fundamental e médio, coordenador e diretor de estabelecimentos de ensino. Como</p><p>mestre, ministrou aulas em cursos de graduação, pós-graduação, universidades da</p><p>terceira idade e proferiu palestras em todo o país, na América Latina e na Europa.</p><p>OUTROS LIVROS DO AUTOR</p><p>ALUNO, O PROFESSOR, A ESCOLA (O): UMA CONVERSA SOBRE EDUCAÇÃO</p><p>Rubem Alves e Celso Antunes</p><p>DIÁRIO DE UM EDUCADOR: TEMAS E QUESTÕES ATUAIS</p><p>Celso Antunes</p><p>HISTÓRIAS MÍNIMAS: UM PROJETO PARA TRABALHAR A</p><p>INTERDISCIPLINARIDADE</p><p>Celso Antunes</p><p>INTELIGÊNCIAS MÚLTIPLAS E SEUS ESTÍMULOS (AS)</p><p>Celso Antunes</p><p>http://www.papirus.com.br/livros_detalhe.aspx?chave_livro=3990</p><p>http://www.papirus.com.br/livros_detalhe.aspx?chave_livro=3015</p><p>http://www.papirus.com.br/livros_detalhe.aspx?chave_livro=3715</p><p>http://www.papirus.com.br/livros_detalhe.aspx?chave_livro=3820</p><p>Siga-nos nas redes sociais:</p><p>>> >> >> >></p><p>Acesse também nosso catálogo on-line</p><p>http://www.facebook.com/PapirusEditora</p><p>http://www.twitter.com/PapirusEditora</p><p>http://papiruseditora.blogspot.com.br/</p><p>http://www.youtube.com/editorapapirus</p><p>http://issuu.com/papiruseditora</p><p>Capa: Fernando Cornacchia</p><p>Objeto de capa: José Proteti</p><p>Foto de capa: Rennato Testa</p><p>Coordenação: Beatriz Marchesini</p><p>Copidesque: Maria Lúcia A. Maier</p><p>Revisão: Anna Carolina Garcia de Souza e Solange F. Penteado</p><p>ePUB</p><p>Coordenação: Ana Carolina Freitas</p><p>Produção: DPG Editora e Papirus Editora</p><p>Revisão: Edimara Lisboa e Isabel Petronilha Costa</p><p>eISBN 978-85-449-0118-2</p><p>Exceto no caso de citações, a grafia deste livro está atualizada segundo o Acordo</p><p>Ortográfico da Língua Portuguesa adotado no Brasil a partir de 2009.</p><p>Proibida a reprodução total ou parcial da obra de acordo com a lei 9.610/98. Editora afiliada</p><p>à Associação Brasileira</p><p>dos Direitos Reprográficos (ABDR).</p><p>DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA:</p><p>© M.R. Cornacchia Livraria e Editora Ltda. – Papirus Editora</p><p>editora@papirus.com.br | www.papirus.com.br</p><p>mailto:%20editora@papirus.com.br</p><p>http://www.papirus.com.br/</p><p>A LINGUAGEM DO AFETO: COMO ENSINAR VIRTUDES E TRANSMITIR VALORES</p><p>SUMÁRIO</p><p>ALGO MAIS OU MENOS COMO UMA INTRODUÇÃO</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A SER FELIZ</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A DESENVOLVER BONS SENTIMENTOS</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A AGIR NATURALMENTE COM RESPEITO</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A NÃO TER RECEIO DE DEMONSTRAR A ALEGRIA DE VIVER</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A SER LIVRE E A SABER USAR SUA LIBERDADE</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A SABER DEMONSTRAR SEU AGRADECIMENTO</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A COMPREENDER A MORTE</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A GOSTAR DE LER</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A DESENVOLVER SEU CARÁTER</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A ASSISTIR À TELEVISÃO</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A DESENVOLVER A RESPONSABILIDADE</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A COMPREENDER E A AMAR A VELHICE</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A JULGAR, A PONDERAR</p><p>ENSINAR A CRIANÇA... A REJEITAR O CONSUMISMO</p><p>ENSINAR À CRIANÇA... A IMPORTÂNCIA DA VALENTIA</p><p>ENSINAR À CRIANÇA... A IMPORTÂNCIA DA BONDADE</p><p>ENSINAR À CRIANÇA... A IMPORTÂNCIA DA ESPIRITUALIDADE</p><p>ENSINAR À CRIANÇA... A IMPORTÂNCIA DE CUIDAR DO AMBIENTE</p><p>ENSINAR À CRIANÇA... A IMPORTÂNCIA DE COMPREENDER A DOR</p><p>ENSINAR À CRIANÇA... A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO</p><p>ENSINAR À CRIANÇA... A DIFERENÇA ENTRE “OLHAR” E “VER”</p><p>ENSINAR À CRIANÇA... A DIFERENÇA ENTRE “FALAR” E “DIZER”</p><p>ENSINAR À CRIANÇA... A DIFERENÇA ENTRE “OUVIR” E “ESCUTAR”</p><p>ENSINAR À CRIANÇA... O VALOR DA OBEDIÊNCIA</p><p>ENSINAR À CRIANÇA... O VALOR DO BOM GOSTO</p><p>ENSINAR À CRIANÇA... O VALOR DA PACIÊNCIA</p><p>ALGUNS “SEGREDINHOS” PARA FAZER DO AFETO AÇÕES DE VERDADEIRA AMIZADE</p><p>NOTAS</p><p>SUGESTÕES DE LEITURA</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>OUTROS LIVROS DO AUTOR</p><p>REDES SOCIAIS</p><p>CRÉDITOS</p><p>os grupos,</p><p>estruturar as sociedades.</p><p>É importante que estejamos amadurecidos para descobrir que</p><p>sentimentos éticos – os bons sentimentos – não são como cor de camisa</p><p>que cada um escolhe segundo sua vontade, mas a certeza e a</p><p>compreensão de que bons sentimentos não são “coisas”, são valores</p><p>para uns e para outros. Normas essenciais a todos.</p><p>Se pudéssemos apanhar uma máquina do tempo e voltar para o</p><p>passado, ou se essa mesma máquina nos levasse para os mais distantes</p><p>países, perceberíamos que muita coisa mudou na humanidade e que</p><p>existem diferenças essenciais entre o lá e o cá, mas essas diferenças não</p><p>incluem as bases dos procedimentos éticos. O respeito pelo outro, a</p><p>cortesia, a educação, a solidariedade, a percepção clara dos limites não</p><p>são prerrogativas desta ou daquela época, deste ou daquele lugar.</p><p>Ensinar a uma criança os bons sentimentos é ensinar-lhe ética, essa</p><p>mesma moral de que a criança precisará por toda a vida, em qualquer</p><p>tempo, onde quer que seja.</p><p>Como fazer...</p><p>O mais importante na educação dos bons sentimentos é, pelo</p><p>exemplo, mostrar à criança que é inútil pensar em bons sentimentos se</p><p>esses pensamentos não nos levarem a uma ação. Há uma imperdoável</p><p>hipocrisia em “sentir” pena de uma pessoa ou de um animal e, mesmo</p><p>podendo, não ajudá-los. Não há valor algum na “boa intenção” se ela</p><p>não se transforma em um gesto. Mas se, por um lado, a ação é essencial</p><p>para caracterizar o sentimento, por outro, ela não surge</p><p>espontaneamente se não mostrarmos em todas as oportunidades</p><p>possíveis o “certo” e o “errado”, o “bom” e o “belo”.</p><p>Entendemos por “todas as oportunidades possíveis” as análises e os</p><p>comentários sobre a novela, a cena de rua, a notícia de jornal ou mesmo</p><p>a presença desses sentimentos – bons ou maus – nos filmes ou nos</p><p>desenhos a que assistimos com a criança. Dessa maneira, a primeira</p><p>etapa da educação dos bons sentimentos é sua legitimação. O que é</p><p>“legitimação”? Legitimação é tornar algo verdadeiro, visível, palpável,</p><p>perceptível. A criança não nasce pronta para perceber à sua volta os</p><p>sentimentos que emanam das pessoas e de seus atos, por isso, é</p><p>essencial que seja ensinada, alertada.</p><p>Mas se a primeira etapa da educação dos bons sentimentos é sua</p><p>legitimação, ela de nada valerá se não vier seguida de uma proposta de</p><p>ação. Mesmo que essa ação seja inviável, é importante a criança refletir</p><p>“o que faria no lugar de”, “como agiria se fosse com ela”, reflexões</p><p>estas que necessitam ser balizadas pelos valores éticos.</p><p>A criança precisa de um adulto que possa mostrar-lhe em todas as</p><p>oportunidades possíveis que egoísmo, raiva, cobiça, desespero nem</p><p>sempre são sentimentos adequados e que o verdadeiro crescimento</p><p>inclui saber colocar-se no lugar do outro, pensar como o outro para,</p><p>verdadeiramente, sentir como o outro. Descobre-se, assim, que a ética</p><p>caminha junto com a empatia.</p><p>Não é simples coincidência descobrir que em um ponto todos os</p><p>profetas concordam com Confúcio ao lembrar que “não devemos fazer</p><p>aos outros o que não queremos que nos façam”.</p><p>Essa maravilhosa identidade de pensamento ensina que a ética se</p><p>sobrepõe ao tempo e é essencial em qualquer lugar.</p><p>E ainda mais...</p><p>Na oportunidade em que tiver que ficar bastante tempo com as</p><p>crianças – esperando mamãe que ainda não acabou de se arrumar, em</p><p>uma viagem ou mesmo em momentos de chuva intensa que frustram um</p><p>programa ao ar livre –, brinque de exercitar os bons sentimentos. Por</p><p>exemplo, comece uma frase com:</p><p>“Acho uma pessoa maravilhosa aquela que...”,“uma coisa que me</p><p>deixa superfeliz é...”, “o que mais admiro na Rafaela é...”.</p><p>Nunca deixe de levar em conta a idade da criança e não espere que</p><p>perguntas dessa natureza possuam respostas “certas” ou “erradas”. O</p><p>que importa é que a criança responda. Se houver várias crianças, ouça-</p><p>as uma a uma, não importando as respostas dadas. Compare uma</p><p>resposta com as outras, mas jamais demonstre que uma é melhor do que</p><p>a outra.</p><p>Se perceber que a criança está animada com a brincadeira, sugira a</p><p>troca de papéis. Solicite à(s) criança(s) que em vez de responder(em),</p><p>faça(m) perguntas. A curiosidade infantil é sempre muito grande, mas</p><p>da mesma forma que um pé de milho, necessita ser regada. Curiosidade</p><p>não estimulada acaba morrendo e da curiosidade nasce a criatividade.</p><p>Se o homem das cavernas não se mostrasse extremamente curioso, é lá</p><p>que estaríamos morando.</p><p>Quando possível, reúna pessoas da escola (porteiros, seguranças,</p><p>pessoal da limpeza, inspetores, funcionários da cantina e outros), da</p><p>comunidade (pais de alunos que se disponham a cooperar, babás, o</p><p>comerciante da esquina etc.) e, principalmente, membros da família e</p><p>durante 15 minutos ou meia hora abra um espaço para que cada um fale</p><p>de “bons sentimentos” e apresente qualidades que admira. Alerte-os</p><p>para evitarem expressar-se na primeira pessoa do singular e envolva a(s)</p><p>criança(s) nessa “aula coletiva” ou “nessa reunião comunitária”,</p><p>fazendo-a(s) falar também. Administre o tempo para que todos tenham</p><p>igual oportunidade.</p><p>Se perceber que a atividade foi interessante, repita-a a cada dois ou</p><p>três meses.</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a agir naturalmente com respeito</p><p>Existem pessoas que</p><p>conquistam o respeito</p><p>por sua fama ou fortuna,</p><p>outras que procuram</p><p>impor respeito valendo-</p><p>se de sua posição ou</p><p>força. Essas são formas</p><p>torpes e equivocadas de</p><p>respeito, pois o</p><p>verdadeiro e autêntico</p><p>respeito é o que se</p><p>conquista com a imensa</p><p>grandeza da</p><p>simplicidade e da</p><p>percepção do outro em</p><p>si.</p><p>O que é...</p><p>Uma fina linha de sutil diferença parece separar os conceitos de</p><p>“autoritário” e de “respeito”, levando muitas pessoas a confundi-los.</p><p>Alguém autoritário é respeitado pelo medo que transmite ou impõe,</p><p>conquistando alguma veneração pela força; dessa forma, é</p><p>completamente diferente de algum outro, respeitado pela coerência</p><p>entre suas palavras e seus atos, pela verdade simples de sua forma de</p><p>viver, pela segurança que a todos oferece, sem se preocupar em</p><p>anunciá-la. Hitler foi um político extremamente autoritário e despertava</p><p>verdadeira veneração pela arrogância de seus discursos e pelos atos</p><p>satânicos que perpetrou contra a humanidade. Quem o via poderia supor</p><p>que era respeitado, mas a subserviência nascia da imposição, jamais da</p><p>admiração. Gandhi, ao contrário, não precisou de exércitos ou lacaios e</p><p>com mostras de verdadeira valentia, persistência, coerência e tolerância</p><p>dobrou diante de sua verdade a colossal força do Império Britânico.</p><p>Frequentemente ouvimos por toda parte que vivemos tempos de</p><p>desrespeito, que os jovens já não respeitam seus pais, seus professores,</p><p>os mais velhos, e que a arrogância os leva a ironizar os valores da</p><p>religião e da família. Há uma ponta de verdade nessa afirmação. Apenas</p><p>uma ponta porque nem todos os jovens se encaixam nessa generalização</p><p>e também porque passamos, em relativamente pouco tempo, de uma</p><p>sociedade fortemente hierarquizada, em que as pessoas eram respeitadas</p><p>pelo lugar que ocupavam na família e na sociedade, para outra</p><p>sociedade mais democrática e autêntica, pagando o preço dessa</p><p>transição com a quebra da figura de qualquer autoridade. A mudança</p><p>social se radicalizou e não houve nuança entre a hipocrisia de ontem e a</p><p>permissividade de hoje. Isso não significa, entretanto, que o respeito</p><p>perdeu seu valor e menos ainda que clamar por ele seja sinal de querer</p><p>viver agora os tempos de antes. É consenso, que o respeito é um valor</p><p>inestimável e que é possível associarmos uma educação para a liberdade</p><p>com uma educação com respeito.[1]</p><p>Como fazer...</p><p>Uma das primeiras coisas que importa mostrar a uma criança é</p><p>nossa grande dependência em relação ao universo das profissões.</p><p>Podemos ser muito eficientes em tudo quanto fazemos</p><p>profissionalmente, mas estamos à mercê do mecânico, do encanador, do</p><p>marceneiro e de outros prestadores de serviço, pois, por mais humilde</p><p>que seja o ofício de cada um, eles nos são essenciais. Isso não deve ser</p><p>expresso na forma de discurso em uma noite qualquer antes do jantar,</p><p>mas manifestar-se cotidianamente em nossa relação com a criança,</p><p>fazendo-a descobrir</p><p>que existe uma divisão de ofícios e de saberes</p><p>essencial e que o respeito por todos eles não constitui apenas uma</p><p>necessidade social, mas uma harmonia na forma de viver com os outros,</p><p>a fim de que faça parte de nós. Muitas vezes o desrespeito nasce do não</p><p>reconhecimento da importância e do valor do outro. Esse exercício pode</p><p>ser uma ponte de ligação para levar essa criança a compreender que na</p><p>família também existem posições e que, por mais democráticas e</p><p>abertas que sejam as relações familiares, é essencial que cada um</p><p>cumpra coerente e verdadeiramente seu papel.</p><p>O pai não é apenas aquele que provê, a mãe não é apenas aquela</p><p>que consola; pais e mães possuem funções e papéis fundamentais, assim</p><p>como os irmãos, os primos, os avós e os outros familiares,</p><p>concretizando a maneira de ensinar o essencial para o desenvolvimento.</p><p>De forma paciente, esperando os momentos certos, não esquecendo as</p><p>sanções, os cuidados, os conselhos e o carinho necessários, é possível</p><p>levar a criança a descobrir seu papel na família e a respeitar os demais</p><p>papéis. Amar um filho jamais pode justificar envolvê-lo na febre de</p><p>relações igualitárias: a criança pode rolar com o pai pelo piso da sala,</p><p>mas deverá sempre saber que nesse ato de ternura existe o respeito pela</p><p>diferença de papéis. Compreender e aceitar essa diferença revela a</p><p>aprendizagem do respeito.</p><p>Fazer a criança descobrir o respeito é etapa essencial de sua</p><p>educação, mas não etapa única. Segue-lhe a aprendizagem das formas</p><p>de manifestar o respeito, aprendendo a cumprimentar, a ceder às vezes o</p><p>lugar, a agradecer. É fácil para uma criança “decorar” frases respeitosas,</p><p>mas essa memorização não a conduz ao respeito verdadeiro, pois ela</p><p>necessita compreender que ele nasce na consciência e se externa nos</p><p>atos. Essa diferença não se descobre sozinho, mas pode ser demonstrada</p><p>por meio do exemplo, exercitando-a em “pequenas dramatizações” que</p><p>assumem ares de brincadeira.</p><p>Respeita-se o que se ama, mas o respeito vai muito além do amor. A</p><p>criança não deve negar o beijo para a tia distante apenas porque não a</p><p>sente em seu coração. Essa tia, assim como as outras pessoas, deve ser</p><p>respeitada pelo que é, como é. Afinal, o mais importante é aprender a</p><p>respeitar o distante e o diferente – como gente de outros países, culturas</p><p>ou costumes –, pois o que e aqueles a quem amamos já respeitamos</p><p>espontaneamente.</p><p>E ainda mais...</p><p>O desenvolvimento do sentimento de respeito começa com sua</p><p>legitimação, isto é, a criança necessita aprender que o ser humano</p><p>possui sentimentos diferentes, que são expressos mesmo sem palavras, e</p><p>que é essencial que saibamos diferenciá-los. Respeitar o outro é também</p><p>respeitar seus sentimentos. Com o passar do tempo, os adultos</p><p>aprendem a diferença entre tristeza e alegria, felicidade e frustração,</p><p>orgulho e vergonha, euforia e mágoa, preocupação e ansiedade,</p><p>abandono e acolhida, energia e tédio, rejeição e afeto e um mundo</p><p>imenso de outras palavras que expressam os sentimentos, mas, para as</p><p>crianças, essa descoberta é lenta.</p><p>Experimente fazer uma relação de sentimentos, escrevê-los em um</p><p>pedacinho de papel e depois recorte de revistas velhas uma porção de</p><p>rostos de pessoas. Proponha à(s) criança(s) uma espécie de jogo em que</p><p>deve(m) colocar em cada expressão encontrada o sentimento</p><p>correspondente. Isso a(s) ajudará a descobrir a associação entre as</p><p>expressões corporal e facial e a palavra que melhor designa o</p><p>sentimento vivido. Faça desse jogo uma oportunidade para um bate-</p><p>papo e pergunte pelos sentimentos que a(s) criança(s) aprecia(m) e dos</p><p>quais não gosta(m). Se for possível, depois abra um álbum de</p><p>fotografias e transfira para personagens familiares a busca dos</p><p>sentimentos expressos pela fisionomia. Nesse bate-papo destaque que o</p><p>bom respeito é a compreensão dos sentimentos alheios. O jogo é uma</p><p>boa oportunidade para perguntas interessantes: O que você gosta que eu</p><p>faça quando está triste? O que você acha que eu gosto quando estou</p><p>triste? O que seria bom fazer para as pessoas tristes? O que podemos</p><p>fazer para diminuir a tristeza do mundo? Continuando a brincadeira,</p><p>ajude a(s) criança(s) a descobrir como manifestar de forma apropriada o</p><p>que sentimos.</p><p>Invente também uma tabela de crescimento emocional. Faça em</p><p>folhas de papel coladas uma tabela da altura da criança com espaços</p><p>separados a cada dez centímetros. Diga que cada vez que você perceber</p><p>a prática do respeito autêntico – na rua, em casa, no carro, na escola –,</p><p>você irá pintar um quadradinho na tabela. Combine que quando a tabela</p><p>chegar na altura da criança vai haver uma comemoração. Não importa</p><p>que essa comemoração seja apenas um doce ou um refrigerante, mas,</p><p>para a criança, a tabela representa uma forma engraçada de materializar</p><p>e valorizar suas ações de respeito.</p><p>Invente uma lousa de sentimentos e escreva no alto: “Hoje estou</p><p>...”. Deixe em um vidro ao lado pedaços de papel onde tenha</p><p>previamente escrito palavras expressando sentimentos diferentes. Vez</p><p>por outra vá com a criança verificar essa pequena lousa. Pergunte a ela</p><p>o que poderia ser feito para melhorar seus sentimentos e tornar pessoas</p><p>conhecidas mais felizes. Ajude-a a imaginar que em cada casa, atrás da</p><p>porta, existiria uma lousa como essa e peça ajuda para descobrir boas</p><p>palavras para que sejam escritas nessa lousa imaginária de pessoas</p><p>amigas e conhecidas.</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a não ter receio de demonstrar a</p><p>alegria de viver</p><p>Existem maneiras</p><p>diferentes de se</p><p>demonstrar inteligência,</p><p>mas talvez nenhuma seja</p><p>tão completa quanto a</p><p>que se demonstra através</p><p>da alegria. Em todas as</p><p>latitudes e em qualquer</p><p>cultura, todos possuem</p><p>apreço especial e sincera</p><p>admiração pelas pessoas</p><p>alegres, bem-humoradas</p><p>e que sabem preservar o</p><p>humor, mesmo em</p><p>circunstâncias</p><p>incomuns. A alegria é a</p><p>mais universal forma de</p><p>boa educação.</p><p>O que é...</p><p>A propensão para ser bem ou mal-humorado depende de três</p><p>fatores, entre os quais o terceiro é, sem dúvida, o mais importante. O</p><p>primeiro fator deve-se às condições de temperamento e, dessa forma,</p><p>está ligado à carga genética de cada um; o segundo fator é ambiental e</p><p>depende em grande parte da maneira como o grupo social evoluiu para</p><p>acolher o riso e o bom humor como indícios de educação e inteligência,</p><p>mas o mais importante fator é, ainda uma vez, a educação. Se é verdade</p><p>que a criança não necessita aprender a rir e a chorar, não é menos</p><p>verdade que aprende a dosar o riso e as lágrimas, usando-os de maneira</p><p>pertinente.</p><p>E ainda que o choro seja elemento comportamental típico da</p><p>criança, é pelo riso que ela mais se identifica. Crianças abandonadas</p><p>choram apenas quando um desconforto ou uma necessidade material se</p><p>impõe, mas riem a qualquer hora, para qualquer brincadeira que se lhes</p><p>faça. Uma casa com crianças, em qualquer contexto social, é sempre</p><p>uma casa que irradia alegria.</p><p>Nenhuma criança nasce sabendo controlar suas emoções e, dessa</p><p>forma, salta da frustração para o encantamento, da alegria para a tristeza</p><p>em segundos, mas sua convivência com os adultos vai pouco a pouco</p><p>modelando esse descontrole emocional, levando-a a se compreender</p><p>melhor e a saber usar suas emoções de acordo com as circunstâncias.</p><p>Essa autocompreensão é lenta e não se manifesta de forma completa até</p><p>a adolescência, mas não podemos confundir a manifestação de uma</p><p>capacidade de autoaceitação com a ideia de que essa manifestação não</p><p>se sedimenta em episódios múltiplos ao longo de toda a infância. Em</p><p>outras palavras, a aceitação pessoal evidencia-se por volta dos 12 ou 13</p><p>anos nas meninas e de um a dois anos mais tarde nos rapazes, mas essa</p><p>evidência será maior ou menor dependendo das lições que nos foram</p><p>transmitidas na infância.</p><p>Como fazer...</p><p>É necessário que se reconheça que é bem mais difícil ensinar a ter</p><p>bom humor e alegria do que a ter respeito ou bons sentimentos. Isso</p><p>porque a mais importante arma para a educação da alegria é, sem</p><p>dúvida, o clima emocional que envolve essa criança, tanto no lar quanto</p><p>na escola. Pessoas extremamente sérias e sisudas, que parecem</p><p>ofendidas quando ouvem uma brincadeira, que</p><p>preferem a sedução do</p><p>drama ao encanto da comédia, não facilitam ambientes para que</p><p>crianças cresçam alegres, assim também como não simbolizam esse</p><p>clima admirável as escolas extremamente “sérias” ou, pior ainda,</p><p>estressadas pela concepção errônea de que precisam ensinar muito e,</p><p>por isso, não podem perder tempo com a frugalidade da alegria. Existe,</p><p>entretanto, um remédio para esse tipo de cenário: assim como não</p><p>desejamos que os filhos reproduzam nossas limitações, é essencial que</p><p>lhes ensinemos não a ser, mas a sempre buscar o que se quer ser, em um</p><p>processo contínuo de aperfeiçoamento, construindo, desse modo, uma</p><p>maneira mais feliz de viver e que se construa em casa, em torno da</p><p>criança, um clima no qual sua alegria espontânea seja sempre bem-</p><p>vinda.</p><p>Além disso, a criança necessita ser sempre muito elogiada em seus</p><p>acertos e esse elogio deve abranger sua capacidade de se sentir alegre.</p><p>Não podemos continuar a acreditar que elogio é “mimo” e que,</p><p>assumido pela criança, ele a modifica; ao contrário, a criança sabe de</p><p>sua fragilidade e do quanto depende dos adultos e, por esse motivo,</p><p>quando se sente elogiada, percebe o quanto é importante para o adulto e</p><p>quanto pode contar com ele, construindo assim com mais firmeza um</p><p>sentimento de segurança.</p><p>Usar de sarcasmo é sempre uma forma perversa de educar, como o</p><p>é banalizar os medos infantis, seu fracasso escolar, sua falta de jeito</p><p>para imitar ou seu eventual insucesso nessa ou naquela iniciativa. A</p><p>superação dessas dificuldades jamais deve ser manifestada pela ironia</p><p>ou pela perversidade da gozação, antes, necessita de alguém que as</p><p>compreenda e que saiba ouvi-las, mesmo que não se tenha nada a</p><p>aconselhar. A alegria é companheira inseparável da ternura e dela</p><p>emerge a coragem para suplantar dificuldades.</p><p>Se parecer extremamente difícil transformarmo-nos para gerar o</p><p>clima de autêntica alegria que a criança tanto ama e deseja, que ao</p><p>menos nos sobre vontade férrea para lutar contra a tristeza, para reduzi-</p><p>la aos momentos efetivamente necessários em que ela se faz emergir.</p><p>Não se responde com uma piada a uma dor imensa, mas atenuamos a</p><p>dimensão dessa dor se mostramos capacidade de ouvir, ternura ao</p><p>compreender, paciência ao esperar que essa angústia passe.</p><p>E ainda mais...</p><p>A criança não sabe expressar sua alegria de uma maneira contida.</p><p>Quando se sente feliz, pula, bate os pés, grita ou corre desbaratadamente</p><p>de um lado para outro. Quando nos tornamos adultos, aprendemos a</p><p>conter a alegria, a ser circunspectos, a substituir a gargalhada pelo</p><p>sorriso. Se as convenções sociais nos impõem esse comportamento,</p><p>paciência. Mas não precisamos ser assim, contidos, quando estamos</p><p>com as crianças. Saibamos saudar um encontro, uma chegada, não</p><p>apenas com um “oi” restrito e contido, mas com a alegria do abraço,</p><p>com a saudação de quem vibra pelo gol do time preferido.</p><p>Tenha em casa óculos engraçados, nariz de palhaço, uma cabeleira,</p><p>um chapéu de carnaval e, quando descobrir a criança com tédio ou</p><p>tristeza, convide-a para mudar sua aparência e olhar-se no espelho, não</p><p>tenha vergonha de provocá-la para que, juntos, tornem-se diferentes.</p><p>Assumir nosso lado palhaço de vez em quando faz com que nos</p><p>sintamos mais autênticos. Invente um truque, treine caretas, mexa os</p><p>ombros.É bom para a criança e bom também para o adulto.</p><p>Quando estiver procurando um CD de seu intérprete favorito,</p><p>reserve algum dinheirinho para comprar um ou outro de música infantil,</p><p>de historietas. Veja se descobre uma música capaz de mexer com as</p><p>crianças e use-a para levantar seu astral. Não a use toda hora para não</p><p>cair na rotina, mas reserve-a para momentos especiais, para um fim de</p><p>semana ou para quando pressentir que as nuvens do tédio parecem</p><p>querer pairar sobre o ambiente.</p><p>Guarde sempre uma “caixa de bobagens” onde jamais falte</p><p>brinquedinhos como apitos, línguas de sogra, chapéus diferentes,</p><p>bigodes, chifres, brinquedos esquecidos, perucas, bonecos engraçados</p><p>adquiridos não para oferecer como presente, mas exatamente para fazer</p><p>parte dessa coleção de bobagens, e saiba inventar comemorações sem</p><p>qualquer razão. Não creia que só se comemora quando houver motivos;</p><p>é sempre interessante inventar uma comemoração e, depois, discutir</p><p>possíveis motivos. Se não achar motivo algum, lembre-se de que viver e</p><p>estar junto de crianças será sempre um motivo excelente.</p><p>Quando tiver um pouquinho mais de tempo, faça um jornal da</p><p>família ou da classe. Convide as crianças e transforme-as em repórteres.</p><p>Tenha revistas velhas em mãos, corte e recorte, fazendo de personagens</p><p>da revista os personagens da família. Guarde sempre essas edições de</p><p>notícias malucas e, paulatinamente, vá descobrindo seções novas.</p><p>Quanto mais gozações, piadas, brincadeiras e manchetes feitas para a</p><p>ocasião, melhor será o jornal.</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a ser livre e a saber usar sua</p><p>liberdade</p><p>Assim que a criança</p><p>nasce e antes mesmo</p><p>que perceba, é envolvida</p><p>pelas normas sociais.</p><p>Tem que vestir a</p><p>roupinha que ganhou,</p><p>necessita ainda na</p><p>maternidade suportar a</p><p>rotina dos parentes que a</p><p>visitam. Não poucas</p><p>vezes a criança se</p><p>revolta com essas</p><p>normas impostas e chora</p><p>ou dorme quando os</p><p>adultos a querem</p><p>sorridente e acordada.</p><p>Nesse instante revela seu</p><p>anseio de liberdade,</p><p>mostrando seu grito de</p><p>autonomia.</p><p>O que é...</p><p>A liberdade é a mais estranha das contradições humanas. Cada um</p><p>de nós a reivindica e nada nos agride mais violentamente que nos</p><p>descobrir privados dela; mas da mesma forma que a queremos e que por</p><p>ela lutamos a cada instante, mais e mais vamos descobrindo que viver</p><p>em meio a outros implica aceitar princípios e regras, formas sutis de</p><p>calar essa mesma liberdade que tanto ansiamos. É em nome dessa</p><p>contradição que precisamos compreender a liberdade, ensinando que ser</p><p>livre não significa opor-se às normas, mas relacionar-se amistosamente</p><p>com elas, descobrindo que viver significa “assinar uma espécie de</p><p>contrato” que garanta nossa autonomia e, ao mesmo tempo, preserve a</p><p>organização social.</p><p>A verdadeira liberdade de que necessitamos termina onde começa a</p><p>liberdade do outro e isso significa que é importante ser livre não para</p><p>fazer tudo quanto se quer no momento em que se quer, mas para</p><p>acomodar nosso “querer” aos limites e ao direito dos outros. Em síntese,</p><p>a criança precisa construir seu ideal de liberdade dentro de um contexto</p><p>de organização social e de respeito ao outro.</p><p>Essa é sempre uma dura aprendizagem para a criança quando sai do</p><p>lar e chega pela primeira vez à escola. Em casa, muitas vezes o afeto</p><p>dos pais oferece-lhe uma liberdade quase sem limites, mas ao descobrir</p><p>a necessidade de conviver com os outros, sofre a dolorosa frustração de</p><p>não poder fazer tudo o que quer, vivenciando o primeiro grande</p><p>exercício do desamor. Mas, aos poucos, vai sobrevivendo ao choque</p><p>dessas privações e descobrindo que pode ser livre nos limites do</p><p>respeito à liberdade dos demais. Mas a criança não necessita estar</p><p>sozinha nessas descobertas e na construção dessas normas. A vida em</p><p>grupo não será a “selva” terrível onde os mais fortes ou mais agressivos</p><p>imporão sua vontade. Nesse cenário existem adultos de boa vontade e</p><p>preparados para mediar essas relações, ajudando a organização do grupo</p><p>a fim de garantir alguma liberdade a cada um. Assim, percebe-se que</p><p>liberdade é algo que se aprende, é conceito que se constrói com a vida.</p><p>Como ocorre com toda aprendizagem, é essencial que a aprendizagem</p><p>da liberdade seja bem aprendida e que quem a ensine tenha consciência</p><p>clara que quer, com suas lições, tornar-nos livre, isto é, que busquemos</p><p>a necessária liberdade pelos limites da razão.</p><p>Como fazer...</p><p>Há duas regras essenciais para o ensino da liberdade: a primeira é</p><p>buscar evitar que o sentido de proteção à criança ocorra sem limites.</p><p>Cabe aos pais e aos professores mostrar a força imperiosa do “não”,</p><p>estabelecida pelos limites da responsabilidade. A criança que cresce</p><p>observando que pode tudo e que o que quer lhe é oferecido</p><p>gratuitamente jamais desenvolverá autonomamente o valor de</p><p>responsabilizar-se pelos seus atos. Ensinar</p><p>à criança o sentido do “não”</p><p>é essencial, e ainda mais importante é criar nela, de forma lenta e</p><p>progressiva, a capacidade de dizer-se não.</p><p>A segunda regra é jamais permitir que a criança associe liberdade a</p><p>poder. Tempos atrás a educação da criança marcava-se pelo fato de que</p><p>ela nada podia. Dessa fase saltou-se abruptamente para outra,</p><p>extremamente oposta, e o bom senso do meio-termo perdeu-se nessa</p><p>caminhada. Não é necessário restabelecer os estreitos limites de uma ou</p><p>duas gerações atrás cheias de proibições, mas é essencial construir um</p><p>capítulo intermediário na educação, em que muitas coisas são</p><p>permitidas, mas dentro dos limites da razão.</p><p>Essas duas regras devem estar presentes em todas as circunstâncias</p><p>e permear o crescimento da criança, aceitando-se que esse crescimento</p><p>envolve conquistas progressivas. Mais tarde se descobrirá que a</p><p>liberdade não é presente que um dia se ganha, mas valor que passo a</p><p>passo se conquista. Isso vale para os limites do tempo que se pode ficar</p><p>diante da televisão, para o respeito pelas coisas e pelos brinquedos que</p><p>pertencem a outros, para o momento que é necessário ir para a cama,</p><p>para o direito de passar a noite na casa dos amiguinhos. Mais tarde, por</p><p>certo, valerá também para questões que envolvam sexo.</p><p>Nada na educação dos limites pode ser omitido, ignorado ou</p><p>banalizado pela ideia de que “o que não se aprender em casa, por certo</p><p>se aprenderá em outro lugar”. O diálogo entre pais e filhos necessita</p><p>estar sempre presente e cabe à escola poder dar continuidade a tudo</p><p>quanto no lar começou. Não pode haver assuntos “proibidos” em casa,</p><p>por mais que alguns deles sejam desagradáveis de serem</p><p>compartilhados. Em famílias onde se cria o hábito de se falar tudo,</p><p>jamais surgirão temas difíceis e qualquer assunto será apenas mais um.</p><p>A boa educação é a que constrói um ponto intermediário e</p><p>adequado a respeito de qualquer tema, jamais fazendo-o extremamente</p><p>solene ou encarando-o de forma singelamente banal. A boa liberdade</p><p>não é o direito ilimitado, mas a construção democrática de limites,</p><p>impossível de ser pensada sem a ajuda de pais e de professores.</p><p>E ainda mais...</p><p>A liberdade nasce da confiança. Ninguém se sente livre quando</p><p>cercado pela insegurança, quando tem medo de suas ações e impõe</p><p>limites aos seus desejos. Ensinar uma criança a ser livre e a saber usar</p><p>bem a liberdade implica trabalhar sua autoestima e entre as muitas</p><p>maneiras de agir assim, pense, por exemplo, na possibilidade de criar</p><p>em sua casa uma condecoração, um diploma especial, e usar esses</p><p>certificados cada vez que a criança conquistar algo que buscou. Não</p><p>banalize a concessão dessa condecoração, entregando-a por qualquer</p><p>motivo ou pensando em usá-la somente para “elevar o astral”. Ao</p><p>contrário, faça desse diploma ou dessa medalha – existem muitas no</p><p>comércio e são baratas, mas podem também ser confeccionadas com</p><p>papelão – a oportunidade para uma conversa e explique o que é uma</p><p>condecoração, citando exemplos de todo cerimonial que envolve essa</p><p>outorga. Então, diga que agora também sua família vai atribuir</p><p>condecorações para conquistas especiais que simbolizem prova de</p><p>autonomia e conquista da liberdade consciente.</p><p>Depois de “solenizar” a importância do fato, combine os objetivos e</p><p>quando uma conquista qualquer se processar – uma boa nota, dormir</p><p>sozinho em seu quarto, ficar numa “boa” quando os pais viajam, um</p><p>livro lido por inteiro, um comportamento exemplar em uma festa, o</p><p>envolvimento da criança com uma causa nobre e muitas outras coisas –</p><p>faça a entrega da condecoração com uma festinha em casa ou em</p><p>restaurante, com direito a aviso aos parentes, envio de telegrama de</p><p>congratulações, banners e tudo o mais... Nessa festa solte a alegria,</p><p>faça-a invadir o ambiente e mostre que quem condecora fica muitas</p><p>vezes mais feliz do que quem é condecorado. Mostre que “saber ser</p><p>livre” é um valor e esse valor é ainda maior quando se sabe “usar</p><p>plenamente o direito à liberdade”.</p><p>Além de um diploma ou uma medalha, você pode fazer em um PC</p><p>– ou até mesmo mandar imprimir – cartões de visita para a criança e,</p><p>nesses cartões, embaixo do nome, destaque uma característica marcante</p><p>da personalidade da criança e digna de admiração. Seu filho ficará</p><p>orgulhoso em saber que “sua profissão” é a integridade, “bom em</p><p>pulos”, “futuro campeão de natação”, “torcedor apaixonado” e tudo</p><p>mais quanto se inventar para registrar nesse seu cartão.</p><p>Uma maneira autêntica de promover a liberdade é levar a criança a</p><p>aprender a pensar positivamente a seu respeito, incentivando-a a falar</p><p>de si mesma de forma carinhosa e alegre. Tenha em mãos um gravador</p><p>e entreviste-a sempre. Ajude-a a construir algumas afirmações</p><p>verdadeiras e positivas sobre si mesma e, na entrevista, estimule-a a</p><p>falar reanimando sua alegria e sua autoconfiança por uma vitória,</p><p>mesmo que simples.</p><p>Se puder, faça um arquivo de fitas gravadas com pequenos</p><p>depoimentos e breves respostas em que o “entrevistado” conte uma</p><p>conquista, uma superação, um bom resultado. Uma maneira de dar um</p><p>charme muito especial a esses momentos é inventar um “boné feliz”,</p><p>que deve ser usado em momentos especiais nessas entrevistas, como se</p><p>o boné o ajudasse a pensar em voz alta, para que saiba “ouvir seus</p><p>próprios pensamentos”. Use o boné de vez em quando, instituindo-o</p><p>como “algo de nossa família” e que serve para ser usado por pessoas</p><p>diferentes, sempre quando elas querem falar bem de si mesmas e</p><p>alegremente, diante de uma conquista, um êxito ou do uso racional da</p><p>liberdade.</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a saber demonstrar seu</p><p>agradecimento</p><p>Uma criança não pede</p><p>para nascer mas, em</p><p>contrapartida, tudo que</p><p>recebe após o</p><p>nascimento lhe é dado</p><p>por alguém. Talvez por</p><p>essa dependência que</p><p>surge de sua extrema</p><p>fragilidade é que pais e</p><p>professores insistem que</p><p>ela deve aprender a</p><p>agradecer. Externar um</p><p>agradecimento não é</p><p>mais difícil que decorar</p><p>o nome de um amigo ou</p><p>de um cachorrinho, mas</p><p>bem mais importante</p><p>que falar palavras de</p><p>agradecimento é</p><p>construir em seu íntimo</p><p>o sentimento de</p><p>gratidão.</p><p>O que é...</p><p>A gratidão não é sentimento apenas humano. O cachorro que recebe</p><p>a comida e o gato que acolhe o afeto demonstram gratidão, assim como</p><p>as flores parecem demonstrá-la quando recebem a água generosa. Mas</p><p>se a gratidão não é sentimento especificamente humano, somente os</p><p>homens podem sentir a imensa alegria em receber de outro esse</p><p>sentimento e, para muitos, alegria ainda maior em oferecê-lo.</p><p>Contudo, os tempos modernos, marcados pela globalização e pelo</p><p>consumismo, estão mudando a face da gratidão. Cada vez mais</p><p>associamos esse sentimento a uma “coisa”, a um bem conquistado ou a</p><p>um favor recebido. A gratidão verdadeira vai muito além dessa troca,</p><p>manifesta-se quando nos sentimos com saúde, evidencia-se pela manhã</p><p>de sol, pela onda generosa que acolhe e nos abraça em praia repleta de</p><p>calor. As crianças, ainda bem mais que os adultos, mostram-se mais</p><p>sensíveis a esse consumismo desenfreado. Se não forem educadas na</p><p>descoberta do sentimento de gratidão, crescem supondo que uma certa</p><p>palavra ou um certo sorriso é o preço que devem pagar pelos brinquedos</p><p>que pedem. Fazem comprar e acreditam firmemente nesse “toma lá, dá</p><p>cá”.</p><p>Outra associação que os tempos de agora usam para perverter a</p><p>gratidão é construir a falsa imagem de que este é um sentimento apenas</p><p>dos pobres, dos excluídos. Talvez por dependerem mais dos outros,</p><p>externem com mais frequência palavras de agradecimento, mas não é</p><p>possível confundir: agradecer é um gesto, uma palavra, uma ação</p><p>corporal, sentir-se agradecido vai além do corpo, pois acalenta a alma e</p><p>aquece o coração.</p><p>Como fazer...</p><p>Algumas experiências simples marcam para todo o sempre a vida</p><p>de uma criança. Como muito bem nos diz Guerra Junqueiro: “As almas</p><p>infantis são brancas como a neve / são pérolas de leite em peitos</p><p>virginais. / Tudo quanto se grava e neles se escreve / cristaliza em</p><p>seguida e não se apaga mais”. Uma dessas experiências marcantes é</p><p>alertar a criança para a beleza do Sol, a policromia da natureza, o ruído</p><p>do vento, a diversidade</p><p>de consistência da terra. Tal alerta deve vir</p><p>acompanhado de um agradecimento, mas, mais importante que ele, é o</p><p>sentimento. Por isso, experiências como essas não podem ser reduzidas</p><p>a circunstâncias ocasionais. É importante que nos habituemos a nos</p><p>sentir gratos por tudo quanto a vida nos dá, para que possamos passar às</p><p>crianças esses sentimentos e as palavras que possam externá-los.</p><p>Além disso, também é essencial que lhes ensinemos que viagens,</p><p>passeios, brinquedos, festas e tudo o que as alegra surge em ocasiões</p><p>eventuais e por um motivo específico. É essencial que a criança possa</p><p>esperar por um acontecimento e que jamais o desgaste por causa de sua</p><p>banalização. Brinquedo a cada solicitação, festa quase todo fim de</p><p>semana, agrado material em cada visita ao shopping são ferramentas</p><p>que transformam o agrado em rotina e empalidecem o sentimento de</p><p>gratidão.</p><p>Um elemento essencial na educação da gratidão – e não somente</p><p>dela – é construir com a criança a sensação de expectativa. Antes de</p><p>levá-la à realização de um sonho, ensiná-la a esperar pelo sonho, a</p><p>contar os minutos que o antecedem. Miguel de Cervantes já lembrava</p><p>que “a jornada é mais valiosa que a estalagem”, mostrando que a</p><p>conquista que se obtém após alguma espera possui doçura maior,</p><p>encantamento mais amplo. E para desenvolver essa sensação de</p><p>expectativa não são necessários grandes prêmios ou eventos</p><p>espetaculares: a criança aprende a esperar e depois a agradecer o jogo</p><p>de botão que se promete para mais tarde, a bala pequena mais saborosa</p><p>que a aguarda ao fim do dia.</p><p>Nunca podemos associar a gratidão ao suborno. A criança necessita</p><p>aprender que certas coisas devem ser feitas porque constituem “seu</p><p>trabalho”, sua obrigação, não para ganhar isso ou aquilo. A verdadeira</p><p>gratidão emerge não como uma troca, mas como uma conquista pela</p><p>qual, com ansiedade crescente, muito se esperou.</p><p>E ainda mais...</p><p>Converse com as crianças sobre o que é “formar-se”, por que as</p><p>pessoas se formam, o que significa o diploma que os diversos</p><p>profissionais recebem quando seus cursos terminam. Mostre que</p><p>formar-se significa que “você alcançou um fim”, que “você atingiu um</p><p>alvo”. Posteriormente, explique que você vai inventar uma brincadeira</p><p>de “formar” uma pessoa, concedendo-lhe um diploma. Que tal um</p><p>“diploma de boa educação”? Faça o diploma e explique às crianças que</p><p>a conquista de qualquer diploma, a formatura, somente tem sentido</p><p>quando a pessoa conquistou conhecimentos para merecê-lo. Discuta</p><p>quais seriam as “matérias” que se deveriam saber para receber um</p><p>diploma como esse. Ouça o que as crianças têm a dizer.</p><p>Crie com elas, de maneira alegre, os fundamentos para aferir quem</p><p>pode e quem não pode ganhar esse diploma, tendo por critério a</p><p>frequência de uso de expressões como “obrigado”, “com licença”, “por</p><p>favor” etc. Vá além e imagine situações diferentes em que a boa</p><p>educação e o agradecimento devem estar presentes. Como é ser bem-</p><p>educado em uma praia? E em uma festa? E em um ônibus? Como é ser</p><p>educado com as pessoas mais simples? Com os amigos? Imagine</p><p>situações, invente uma espécie de teatrinho mostrando situações</p><p>diversas em que se percebam a boa e a má educação.</p><p>Veja nos desenhos aos quais a criança assiste, nos programas que</p><p>vê, nas histórias que ouve, nas cenas que presencia a existência do</p><p>agradecimento e de sua falta. Quando esse sentimento se apresentar</p><p>bem claro, após vários dias mostrando-o aqui e ali, combine sobre a</p><p>entrega do diploma. Sugira que a criança também possa outorgá-lo. A</p><p>quem ela daria um diploma de pessoa que sabe agradecer? Caso não</p><p>exista o diploma impresso, ainda assim importa pensar de que maneira</p><p>podemos agradecer quem nos é agradecido. Se a ideia do diploma</p><p>vingar, marque um prazo, crie um conselho – a presença da criança é</p><p>imprescindível – para discutir a quem entregar ou a quem não entregar</p><p>esse diploma. Se for o caso, invente uma bela festa de formatura...</p><p>Mostre à criança que uma maneira de não saber agradecer é usar</p><p>preconceitos ou fazer generalizações. Mais saudável que generalizar é o</p><p>progressivo exercício de descobrir e reconhecer em cada pessoa um</p><p>lado bom. Mostre que na História ocorreram muitos erros graves e que</p><p>durante muito tempo esses erros geraram atitudes de não</p><p>reconhecimento ao valor do outro. Fale do absurdo da escravidão, da</p><p>ideia tola de superioridade racial e mostre que agora vivemos outros</p><p>tempos e que nesses nossos tempos agradecer é bom não por motivos de</p><p>interesse, mas pela grandeza pessoal.</p><p>Convide as crianças a escrever ou relatar diante de um gravador</p><p>uma pequena história sobre personagens que sabem e personagens que</p><p>não sabem mostrar seu agradecimento. Procure fotos e figuras em</p><p>revistas e descubra cenas em que parece existir ou não agradecimento.</p><p>Se possível, proponha tirar fotos das crianças quando agradecem com o</p><p>sorriso, com o aperto de mão, com a alegria em receber...</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a compreender a morte</p><p>Por esta página passa-se</p><p>correndo. Seria bom</p><p>nem olhá-la e muito</p><p>menos escrever sobre</p><p>esse assunto. Criança é</p><p>paixão, ternura, carinho</p><p>e carícia e merece todo o</p><p>amor do mundo, por que</p><p>então entristecê-la,</p><p>falando de coisas</p><p>abomináveis que nem</p><p>sequer deveriam existir?</p><p>Não seria bem melhor</p><p>deixar a questão “morte”</p><p>de lado?</p><p>O que é...</p><p>Nem sempre a melhor resposta é a que se quer ouvir. No Ocidente a</p><p>morte constitui a face pavorosa da vida e parece ser consenso</p><p>educacional deixá-la fora de cogitações. Não é sem razão que quem a</p><p>pinta ou a descreve exagera no horror, mostrando figura esquelética e</p><p>sinistra, armada de alfanje cortante. Não é de mau gosto trazer esse</p><p>assunto para a educação dos filhos e dos alunos?</p><p>A resposta é negativa. Quer a mantenhamos ou não distante, quer</p><p>evitemos o assunto, é quase impossível uma pessoa crescer sem</p><p>conviver de perto com a morte. Desde a morte que não se sente porque</p><p>atinge o outro que está distante, até a morte que se saúda, do vilão ou do</p><p>bandido, nos desenhos da TV; desde a morte que se esquece depressa,</p><p>atropelada por tantas outras que o noticiário traz, até a morte do escritor,</p><p>do poeta ou do músico famoso, que se reverencia e se lamenta, mas</p><p>também depressa se esquece.</p><p>Mas não é apenas a morte distante que acompanha o crescimento de</p><p>toda pessoa. Muitas vezes é necessário conviver com a morte de</p><p>parentes queridos, de bichos de estimação, de amigos, de pais e tios de</p><p>colegas ou até mesmo de crianças que a criança aprende a conhecer e</p><p>amar. E então? As pessoas, na maioria, pensam que quando a tragédia</p><p>ocorre é que é chegada a hora de falar sobre ela. Concordamos que é</p><p>imperioso que se fale sobre as catástrofes que nos abalam, mas esse</p><p>falar fica bem mais fácil e torna-se bem mais compreendido – ainda que</p><p>não necessariamente menos doloroso – quando a criança aprende a</p><p>conhecer a morte.</p><p>Manuel Bandeira, um dos poetas maiores de nossa língua, narra que</p><p>o fantasma da morte assustava o velho homem, até ter a coragem de vê-</p><p>la de frente e descobrir: “Figura toda banhada / De suave luz interior / A</p><p>luz de quem nesta vida / Tudo viu e tudo perdoou”. O poeta mostra em</p><p>suas palavras que sempre se evolui quando se aprende a substituir os</p><p>mitos e os medos pela serenidade da luz e da verdade.</p><p>Não é necessário que romantizemos a morte ou que venhamos</p><p>elegê-la a figura central na educação de toda criança, mas de forma</p><p>alguma podemos ignorá-la, escondê-la e pintá-la como algo que não</p><p>existe. Mais intensamente consegue amar a vida quem aprende a</p><p>conhecer a morte.</p><p>Como fazer...</p><p>Uma das maneiras de iniciar uma criança a conhecer a morte é levá-</p><p>la a um bosque ou a um jardim e, com uma conversa serena, fazê-la</p><p>comparar folhas vivas e folhas mortas, as que ainda estão nas árvores,</p><p>necessárias à planta, e as que completaram seu ciclo e que logo mais</p><p>serão carregadas pelo vento. Nesse passeio, se possível, falar também</p><p>de insetos mortos e, dessa maneira, fazer a criança descobrir, aos</p><p>poucos, que vida e morte são faces distintas de uma mesma realidade.</p><p>No devaneio dessa lição, deixar a criança perguntar o que quiser e</p><p>responder sem exagero,</p><p>jamais ocultando a verdade.</p><p>As pessoas também morrem, os mais velhos costumam seguir à</p><p>frente, embora nem sempre seja assim e a morte não seja</p><p>necessariamente o fim. Caso se pratique essa ou aquela religião, falar</p><p>como ela encara esse fenômeno, mas jamais esconder que existem</p><p>outras maneiras de pensar e que pessoas diferentes nem sempre pensam</p><p>da mesma forma.</p><p>O passeio cria a oportunidade de se mostrar a convivência entre a</p><p>vida e a morte e a lição de que há folhas, flores e insetos nascendo e</p><p>morrendo a todo instante, e que não há nada de excepcional nesse ciclo.</p><p>Quando o assunto voltar e a curiosidade da criança insistir, é</p><p>interessante buscar velhas fotos e percorrê-las mostrando o</p><p>envelhecimento das pessoas como uma viagem maravilhosa pelo tempo.</p><p>As viagens, todos sabemos, terminam um dia! E, por isso, é essencial</p><p>que a criança descubra que os adultos que ela ama foram crianças e que,</p><p>ao longo da vida, perderam amigos, perderam parentes...</p><p>Mas a ideia das perdas necessita ser trabalhada como um processo</p><p>contínuo e natural, sem traumas ou ameaças apavorantes. É interessante</p><p>mostrar que a morte de quem se ama causa a imensa aflição da dor, mas</p><p>a dor do sentimento, tal qual a dor do corpo, se cicatriza e, com o</p><p>tempo, vai ficando cada vez menor e transformando-se em admiração e</p><p>numa gostosa saudade.</p><p>Não se deve trazer o tema da morte como aula obrigatória, mas</p><p>fazer o assunto nascer de forma mansa e serena ou esperar que a criança</p><p>o traga como resultado das conversas que ouve, dos filmes aos quais</p><p>assiste, da vida que vive. E, gostemos ou não, vivemos para morrer...</p><p>E ainda mais...</p><p>Millôr Fernandes, em uma de suas fábulas fabulosas, fala de uma</p><p>criança que procurou o pai em desespero, porque acreditara que seu</p><p>animalzinho de estimação havia morrido. Para abrandar o pânico e a</p><p>frustração da criança, o pai sentiu que seria melhor envolvê-la em um</p><p>cerimonial de enterro tal como uma festa, que passasse naturalmente</p><p>por todos os eventos, mas que, em cada um deles, saudasse não o</p><p>desespero da perda, mas a compreensão de que, como inevitável, é</p><p>essencial que saibamos conviver com a morte. O envolvimento da</p><p>criança nos rituais dessa solenidade deu-se com tal intensidade e ânimo</p><p>– pois incluía preparo de um pequeno caixão, roupa especial, bolo para</p><p>amigos etc. – que, mais tarde, ao constatar que se equivocara e que o</p><p>bichinho estivera apenas desmaiado, sugeriu ao pai que o matasse. É</p><p>evidente que nessa fábula existe a intenção do humor e a ironia</p><p>sarcástica do cronista, mas nem por isso essa fábula isenta-nos de</p><p>lições.</p><p>Para a criança, o que provoca a dor pungente da morte, sobretudo</p><p>da morte de seus animais de estimação, não é apenas a descoberta da</p><p>perda inevitável, mas o ritual cerimonioso de tristeza e dor que cerca</p><p>todos os que o acompanham.</p><p>Se, a exemplo da fábula, pudermos mostrar que a morte é na</p><p>verdade uma libertação, uma mudança, uma partida, e que o cerimonial</p><p>que a envolve, ainda que não possa ser transformado em uma festa,</p><p>pode ser ao menos pungente, a criança por certo aceitará o inevitável de</p><p>uma outra perspectiva. Não há por que ignorar que outras culturas</p><p>ritualizam a morte de forma não desesperadora e que cercam o</p><p>sepultamento por um momento de encontro, reflexão e festa. É evidente</p><p>que não se pode buscar pela alegria, mas não é menos verdade que o</p><p>sentimento de tristeza pode conviver com um ritual festivo de</p><p>despedida, tal como o que cerca a possibilidade de um parente migrar</p><p>para o exterior.</p><p>Outra providência interessante é sugerir à criança que faça uma</p><p>pesquisa sobre os costumes relacionados à morte em outras culturas.</p><p>Como é o ritual fúnebre nas tribos indígenas? O que é a cerimônia do</p><p>Quarup? Como os japoneses reverenciam seus mortos? Seria possível</p><p>descobrir-se como os tailandeses, os coreanos ou os vietnamitas o</p><p>fazem? Será que não é possível realizar uma entrevista com pessoas</p><p>dessas culturas ou buscar respostas em livros, enciclopédias ou na</p><p>Internet? Será que não existem livros infantis que tratem desse tema?</p><p>Pesquisas como essas em épocas normais, isto é, não quando da</p><p>aflição da dor, podem ir preparando a criança não apenas para a perda,</p><p>mas, sobretudo, para o fortalecimento de seu caráter e para o domínio</p><p>de padrões culturais que a preparem para olhar o mundo com outros</p><p>olhos e para compreender mais plenamente a alegria e a renovada</p><p>surpresa da vida.</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a gostar de ler</p><p>Pais que gostam de ler</p><p>adoram quando seus</p><p>filhos devoram livros;</p><p>pais que não gostam de</p><p>ler ficam admirados</p><p>quando seus filhos</p><p>demonstram gosto pela</p><p>leitura. Crianças ricas</p><p>são fascinantes quando</p><p>se mostram encantadas</p><p>pelo hábito de ler e nada</p><p>é mais doce que</p><p>observar crianças pobres</p><p>descobrindo a biblioteca.</p><p>É possível ensinar uma</p><p>criança a gostar de ler</p><p>O que é...</p><p>Nossos hábitos, bons ou maus, são sempre adquiridos. Podemos</p><p>nascer com esta ou aquela característica física, nossa carga genética</p><p>responde pela escultura de nosso corpo e em parte pela potencialidade</p><p>de nossa mente, mas o desenvolvimento de gostos ou hábitos – como,</p><p>por exemplo, o hábito de ler – é sempre uma característica aprendida.</p><p>Quando se afirma que este ou aquele hábito é produto de</p><p>aprendizagem não se está insinuando que essa aprendizagem seja</p><p>sempre intencional. A criança não se transforma no adolescente ou no</p><p>adulto que será sem passar por “escolas”, mas as “escolas” que forjam</p><p>os hábitos são muitas: a família e seus exemplos são uma magnífica</p><p>escola, as amizades que se conquistam são uma escola, a própria escola</p><p>é outra escola, como o são também a televisão, o cinema, o pátio, a rua</p><p>e toda modificabilidade de entornos que acompanham nosso crescer.</p><p>Gêmeos idênticos, se separados ao nascer, continuarão idênticos pela</p><p>vida inteira, mas seus hábitos e valores serão tanto mais diferentes</p><p>quanto mais diferentes são as escolas que a vida lhes proporcionou. Não</p><p>podemos colocar em dúvida o que é consenso para a ciência e, por esse</p><p>motivo, a questão acima apresenta resposta indubitavelmente positiva: é</p><p>claro que é possível ensinar uma criança a gostar de ler, ainda que</p><p>algumas desenvolvam potencialidades maiores e envolvam-se mais</p><p>apaixonadamente pela leitura do que outras. Afirmações assim,</p><p>categóricas, quase sempre provocam indagações: “se tenho dois filhos e</p><p>se ambos cresceram no mesmo lar e na mesma família, recebendo um</p><p>tudo quanto o outro recebeu, por que um deles apaixonou-se pelos</p><p>livros e o outro cresceu indiferente?”.</p><p>Não se tem dúvida na resposta: o mesmo lar pode pensar que educa</p><p>da mesma forma, mas nem sempre isso ocorre. A semelhança é visível</p><p>no “atacado”, mas no “varejo”, no dia a dia, nos exemplos colhidos aqui</p><p>e ali, surgem pequenas diferenças que o tempo aumenta e, dessa forma,</p><p>filhos que crescem no mesmo ambiente nem sempre recebem em toda a</p><p>plenitude a mesma forma de educação.</p><p>É por esse motivo que, se desejarmos que as crianças amem a</p><p>leitura, é essencial que esse estímulo seja carregado de intencionalidade.</p><p>Quando pais e professores envolvem-se na firmeza de um projeto – e</p><p>este inclui o gosto pela leitura –, todas as crianças crescem com a</p><p>mesma paixão, ainda que com gostos diferentes.</p><p>Como fazer...</p><p>Como se viu, a palavra-chave para desenvolver na criança o gosto</p><p>pela leitura é intencionalidade. Essa palavra se opõe a acidentalidade e,</p><p>dessa maneira, descobre-se que é essencial que pais e professores</p><p>mostrem forte intenção em despertar nos filhos e nos alunos o gosto</p><p>pela leitura.</p><p>Mas, como afirma o provérbio, “de boa intenção o inferno está</p><p>cheio” – e está mesmo. É por isso que a intencionalidade necessita vir</p><p>acompanhada de “procedimentos” que, materializando as intenções,</p><p>possam torná-las efetivas. E parece não haver melhor maneira de</p><p>desenvolver hábitos em relação à leitura do que criar um ritual próprio,</p><p>isto é, fazer desses hábitos uma rotina, desenvolvendo-os quase como</p><p>um conjunto de regras a ser seguido de forma sistemática.</p><p>Uma dessas regras é habituar-se a ler próximo à criança, fazendo</p><p>com que ela perceba o quanto você gosta da leitura. Chamá-la</p><p>vez por</p><p>outra para mostrar uma foto, comentar uma informação, “esmiuçar”</p><p>uma notícia que pode interessá-la. Qualquer livro que se esteja lendo,</p><p>ou mesmo um jornal, pode servir para esse gostoso “compartilhar”.</p><p>Outra regra simples é, sempre que possível, contar histórias para a</p><p>criança, recheando-as de questões que exijam sua opinião. Mesmo</p><p>quando se conhece uma história de cor, ainda assim é interessante abrir</p><p>um livro e demonstrar que livros são lugares que guardam histórias,</p><p>segredos, mistérios, surpresas, risos etc.</p><p>Ainda com um livro, uma revista ou um jornal em mãos, leve a</p><p>criança a descobrir o sentido das palavras; busque com ela um</p><p>dicionário e invente a mesma frase lida antes, lida agora com palavras</p><p>diferentes que preservam sentido igual.</p><p>Um bom leitor ensina palavras como um bom guia ensina</p><p>caminhos: mostrando segredos, revelando curiosidades, despertando a</p><p>imaginação. Por acaso, não existem palavras doces – ternura –, palavras</p><p>ríspidas – raiva –, palavras esquisitas – fronha –, palavras ambíguas –</p><p>manga?</p><p>Gostar ou não gostar de ler não constitui oportunismo biológico ou</p><p>atributo evolucionista, mas hábito que se conquista juntamente com os</p><p>adultos, quando estes mostram, com paciência e ternura, por exemplo, a</p><p>diferença entre livros e jornais, notícias e informações, mensagens e</p><p>pensamentos. Converse sobre escritores, faça com que a criança</p><p>descubra admiração por eles e prometa para o dia seguinte um verso,</p><p>uma mensagem ou uma personagem da literatura. Toda criança</p><p>amparada por pais e professores que amam a leitura (ou, se não amam,</p><p>que demonstram esse sentimento) e fazem desse amor uma declaração</p><p>consistente, acabam amando a leitura também e, assim, sem virar as</p><p>costas à televisão, descobrem o amor pelas palavras impressas, o doce</p><p>segredo que cada frase escrita ousa revelar.</p><p>E ainda mais...</p><p>Desenvolva na criança a paixão pelos livros. Quando fizer uma</p><p>pergunta, mesmo que seja o número de um telefone ou um endereço,</p><p>mostre a ela que são nos livros – a Lista Telefônica e o Guia das Ruas</p><p>também são livros – que se conquistam informações. Habitue-a a</p><p>perceber como você pesquisa nos livros, nos jornais, nas revistas.</p><p>Não importa que em sua casa haja poucos livros ou se a biblioteca</p><p>da escola não é muito grande, valem bem mais o carinho, o respeito e a</p><p>paixão com que são tratados os livros do que uma enorme quantidade</p><p>deles.</p><p>Diga à criança o que é um sábio. Prometa que um dia você a</p><p>apresentará a um deles. Depois, mostre que esse sábio pode ser uma</p><p>pessoa, mas pode também ser uma obra. Conte dos livros que leu, da</p><p>influência que tiveram em sua vida. Mostre à criança que muitos</p><p>desenhos que ela vê na TV e adora nasceram em livros. Tarzan? O Sítio</p><p>do Pica-pau Amarelo? Se puder, faça dos amigos e parentes “pessoas</p><p>especializadas” neste ou naquele tema e, vez por outra, convide a</p><p>criança a telefonar a essas pessoas para obter respostas específicas.</p><p>Quando a criança perguntar algo diferenciado, lembre-a: “Opa, acho</p><p>que isto é com o tio Luli”, “creio que meu colega Marcondes sabe</p><p>responder! Que tal ligar para ele?”.</p><p>Acostume a criança a ganhar livros, jamais exagerando, uma vez</p><p>que o exagero para tudo é sempre prejudicial. Mas saiba criar</p><p>expectativa. Fale do presente antecipadamente para que a criança, aos</p><p>poucos, vá criando admiração, entusiasmo.</p><p>Verifique se é possível doar alguns livros ou revistas antigas. Em</p><p>caso afirmativo, anime a criança a participar “inteira” nessa doação.</p><p>Tire algumas horas por mês para convidar as crianças a ajudar você na</p><p>arrumação da estante, no cuidado dos livros: “puxa, este aqui bem</p><p>merece uma capa!”, “e agora, como você acha que vamos resolver o</p><p>problema dessas folhas que estão se soltando?”, “um paninho com um</p><p>pouco de lustra-móveis vai deixar essa estante bonita, você não acha</p><p>que os livros vão adorar uma casa assim, limpinha?”.</p><p>Anime as crianças a escrever cartas para os autores. Se não tiver</p><p>endereço deles, envie-as para as editoras. Será uma alegria imensa</p><p>receber respostas e elas sempre chegam. Mesmo que o autor seja</p><p>falecido, anime as crianças a escrever “cartas de mentirinha” e deixá-las</p><p>guardadas nas páginas do livro. Depois de algum tempo será uma</p><p>surpresa e uma alegria relê-las.</p><p>Ensinar a criança...</p><p>a desenvolver seu caráter</p><p>Ao vermos uma criança</p><p>rebelde, implicante,</p><p>mandona, costumamos</p><p>afirmar que essa criança</p><p>possui mau caráter e</p><p>costumamos pensar</p><p>também que não é</p><p>possível ser feito nada</p><p>para mudá-la. É um</p><p>engano. O caráter de</p><p>uma pessoa é construído</p><p>aos poucos, por meio de</p><p>sua interação com o</p><p>meio e com os outros. O</p><p>“bom” caráter tem muito</p><p>pouco de estrutura</p><p>genética... a educação é</p><p>tudo, o resto, quase</p><p>nada.</p><p>O que é...</p><p>Somos como somos pela influência do ambiente em que crescemos,</p><p>dos amigos, dos livros que lemos, dos programas a que assistimos e das</p><p>marcas profundas que deixaram os adultos com quem convivemos.</p><p>Entre esses adultos incluem-se nossos pais, irmãos e professores, mas</p><p>também outros, dos quais, às vezes, nem nos lembramos.</p><p>Nosso caráter foi assim moldado na infância, mas pela vida inteira</p><p>continua a ser progressivamente lapidado. Quantas pessoas você não</p><p>conheceu que quando jovens eram instáveis, inseguras, egoístas,</p><p>medrosas e que, na maturidade ou na velhice, apresentaram</p><p>comportamentos tão diferentes que até “nem pareciam as mesmas</p><p>pessoas”? Essa modelagem do caráter mostra o poder das</p><p>transformações ditadas pelas “circunstâncias” – isto é, pelas relações,</p><p>pela situação financeira, pelo trabalho, pelos gostos, pelas leituras, pelas</p><p>ideias, pela época –, mas devemos tomar cuidado para não levar tal</p><p>constatação a extremos.</p><p>A criança não é lousa vazia onde tudo se escreve. Ao chegar ao</p><p>mundo, essa “lousa” já vem escrita com a herança de informações</p><p>genéticas, mas durante muitos anos deu-se imenso valor a essa parte já</p><p>escrita e essa importância fez com que crescesse muito a suposição de</p><p>que nada poderia ser realizado para que o caráter humano fosse</p><p>alterado. Melhor seria pensar que alguma porcentagem – entre 20 e 40%</p><p>– da lousa efetivamente chega escrita, mas é a educação que escreverá o</p><p>restante. Daí a imensa importância dos pais e dos professores.</p><p>Como fazer...</p><p>Os avós e os velhos professores costumam apresentar pontos de</p><p>vista idênticos sobre a formação do caráter. Reiterando que “água mole</p><p>em pedra dura, tanto bate até que fura”, eles mostram que bons hábitos</p><p>se conquistam pela repetição e pela persistência. Uma criança que se</p><p>sente elogiada e aplaudida pelas boas coisas que faz acaba por sentir-se</p><p>atraída por esse bom fazer.</p><p>A direção oposta se manifesta por posição contrária. Toda criança</p><p>que é aplaudida por um gesto de que gostamos hoje, mas é esquecida ou</p><p>ignorada pelo mesmo gesto amanhã, que recebe de um adulto a</p><p>sensação de alegria pelo acerto, mas que, aos olhos de outro adulto,</p><p>descobre que o acerto é erro, cresce na insegurança e acaba modelando-</p><p>se pelo conformismo. Sem saber como os adultos reagem, uma vez que</p><p>na mesma casa falam-se diferentes linguagens, deixa-se levar pelo que</p><p>lhe parece mais fácil, influencia-se pela ação que julga mais</p><p>confortável. Dessas considerações, depreende-se que a modelagem do</p><p>caráter apoia-se em duas forças de igual valor: persistência e coerência.</p><p>Devemos ser persistentes e coerentes, por exemplo, ao exigirmos</p><p>higiene, ordem nos brinquedos espalhados, cuidado no trato dos irmãos</p><p>e dos amigos e tudo o quanto gostamos de ver como sendo exercícios de</p><p>caráter. Um adolescente, por exemplo, pode sentir-se desconfortável ao</p><p>ser advertido em fazer xixi fora do vaso, a não usar o guardanapo, a não</p><p>se deitar na hora combinada etc. e tomar cuidado para que isso não se</p><p>repita numa próxima vez; já uma criança não possui essa “consciência</p><p>do erro” e, por isso, necessita ser acompanhada com firmeza, elogiada,</p><p>ainda que de forma singela e simples, a cada acerto. A “bronca” pelo</p><p>erro assusta, mas vale bem menos que o aplauso.</p><p>A persistência e a coerência da ação educativa, como se disse</p><p>anteriormente, são essenciais, ainda que o que efetivamente contribui na</p><p>formação</p>