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<p>1</p><p>Cohousing: diálogos com o mercado habitacional contemporâneo</p><p>e com a dimensão socioambiental1</p><p>Fernanda Bernardino (mestranda UFABC)2</p><p>Luciana Nicolau Ferrara (Professora Dra. UFABC)</p><p>1 44º Encontro Anual da ANPOCS - SPG02 - A Sociologia das Cidades entre as crises urbanas e ambientais do</p><p>século XXI</p><p>2 Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão do Território</p><p>2</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Nos países do “capitalismo avançado”, desde 1970, o Estado de Bem-Estar Social se</p><p>transformou ao adotar políticas neoliberais e privatizar setores, inclusive a habitação social. A</p><p>produção da moradia assumiu maior relevância econômica e tornou-se uma fronteira</p><p>promissora para expansão do capital (Rolnik, 2015). Nesse contexto, com a passagem a</p><p>passagem do “administrativismo” para o “empreendedorismo” (Harvey, 2005) o planejamento</p><p>urbano assumiu o papel de reforçar o rentismo, ou seja, potencializar o uso da terra urbana pelo</p><p>e para o capital, redefinindo as diretrizes urbanísticas e transformando todos os aspectos das</p><p>vivências humanas em mercadorias, inclusive o direito de habitar.</p><p>Em resposta a falta de políticas pública diversificadas que garantissem o direito à</p><p>habitação, em consonância com novos estilos de vida e em contraposição a reprodução</p><p>indiscriminada de modelos “prontos”, surgiram as cohousing. De forma geral, seu propósito</p><p>político é uma reação à crise do urbanismo neoliberal e a ação dos governos locais, propondo-</p><p>se a combater a especulação imobiliária por meio da supressão dos intermediários que lucram</p><p>com a habitação (Figueira e Trevisan, 2019).</p><p>Segundo McCamant e Durret (1988) a cohousing se diferencia dos demais modelos de</p><p>habitação coletiva em quatro características principais: desenho de contato social que fortalece</p><p>o sentido de comunidade por meio de processos participativos; áreas comuns amplas; processo</p><p>participativo e estilo de vida colaborativa através de rede de apoio, segurança e sociabilidade,</p><p>enfatizando o valor de uso e a produção coletiva. Jarvis (2012) acrescenta que a inovação</p><p>proposta é o conjunto de práticas sociais, institucionais e de coordenação que nutrem e</p><p>canalizam esforços compartilhados, intencionais e de apoio mútuo (Jarvis, 2012).</p><p>Por outro lado, as cohousing são o tipo de comunidade intencional que mais cresce no</p><p>mundo e, portanto, cada vez mais aumenta a capacidade do mercado em absorver essa</p><p>iniciativa, tentando adotar, adaptar e cooptar o tema seguindo linhas de crescimento, formas</p><p>empresariais de governança e privatizações (Scheller e Larsen, 2020). Neste sentido, como</p><p>sugere Rocha (2017) as cohousing e outras iniciativas não hegemônicas coexistem com os</p><p>processos de contínua expansão urbana e disputa econômica do espaço das cidades (Lefebvre,</p><p>1991), sob a pressão da mercantilização urbana e da financeirização da habitação (Rolnik,</p><p>2015).</p><p>Isto posto, este artigo debate como as cohousing se diferenciam ou não do mercado</p><p>imobiliário atual no sentido da desmercantilização da moradia e na busca da sustentabilidade</p><p>social, econômica e ambiental. Com este objetivo, os métodos e técnicas utilizados se baseiam</p><p>3</p><p>em revisão bibliográfica e análise documental a partir de dois eixos de análise. O primeiro</p><p>refere-se às formas de propriedade e posse mais utilizadas pelas cohousing bem como aquelas</p><p>potencialmente inovadoras, a questão da propriedade privada e sua relação com a</p><p>mercantilização da moradia. O segundo eixo parte de uma perspectiva crítica, para</p><p>problematizar como as cohousing se inserem no mercado contemporâneo da habitação e</p><p>abordam a temática da sustentabilidade ambiental.</p><p>Será iluminada a experiência de La Borda, em Barcelona, que por meio de um sistema</p><p>de cooperativa de cessão de uso e propriedade coletiva valoriza a autopromoção,</p><p>sustentabilidade e equidade (Lacol y La Ciutat Invisible, 2018). O intuito é avaliar de que forma</p><p>se apresenta como uma resposta adaptativa a um mercado imobiliário predatório e inacessíve l</p><p>e contribui com a sustentabilidade urbana. Para isso, considerando o contexto do norte global</p><p>onde foram criadas, será analisado o processo de implantação e gestão bem como sua relação</p><p>com o contexto urbanístico, sociopolítico e ambiental local.</p><p>Debater sobre o tema se mostra oportuno visto que algumas experiências de cohousing,</p><p>como no caso de La Borda, se apresentam como micro laboratórios para modelos urbanos</p><p>inovadores de interação social, promovendo a sinergia entre a sustentabilidade social e</p><p>ecológica, e integrando um amplo movimento na busca de novas práticas urbanas e ambienta is</p><p>que podem oferecer contribuições significativas para a construção de cidades ambientalmente</p><p>e socialmente mais justas e igualitárias.</p><p>O artigo faz parte de pesquisa de mestrado em andamento na Pós-graduação em</p><p>Planejamento e Gestão do Território da UFABC, e será composto pelas seguintes seções, além</p><p>desta introdução: contexto histórico e o surgimento das cohousing, formas de inserção na</p><p>cidade, diálogos com o mercado da habitação no contexto neoliberal e a dimensão</p><p>socioambiental, a experiência de La Borda e as considerações finais.</p><p>1. CONTEXTO HISTÓRICO: SURGIMENTO DAS COHOUSING</p><p>Há certa controvérsia em relação ao local de surgimento das cohousing, Enquanto</p><p>McCamant e Durret (1988), como a grande maioria dos pesquisadores, defendem que o</p><p>fenômeno se originou na Dinamarca, outros autores a exemplo de Meltzer (2005) e Fromm</p><p>(1991), ressaltam que este movimento surgiu simultaneamente na Suécia, Holanda e na</p><p>Dinamarca. A diferença entre elas está na forma, escala e intenção social (Sargisson, 2011). O</p><p>conceito é frequentemente contestado pelos diferentes significados empregados por</p><p>4</p><p>especialistas, formas de planejamentos nacionais e contextos históricos, políticos, econômicos,</p><p>sociais e culturais específicos (Jarvis, 2015; Hagbert et al, 2020).</p><p>Em 1964, o arquiteto Jan Gudmand-Hoyer e sua esposa estavam insatisfeitos com os</p><p>modelos de habitações urbanas oferecidos na Dinamarca e inspirados no livro “Utopia”, de</p><p>Thomas More (1956), que descreve a cidade “como cooperativas compostas por famílias que</p><p>compartilham instalações e refeições comuns, e que organizam o cuidado às crianças e outras</p><p>funções práticas”, o casal reuniu um grupo para discutir a possibilidade de viverem em um</p><p>ambiente de vida mais favorável (McCamant e Durret, 1988). Em 1972, 27 famílias se mudaram</p><p>para Saettedammen, em Copenhagen, projetado por Gudmand-Hoyer e, em seguida, outros dois</p><p>projetos foram construídos até 1976. Esta primeira fase é descrita por Larsen (2019) como</p><p>sendo “uma nova consciência crítica das circunstâncias culturais, sociais e políticas”.</p><p>Se por um lado o modelo emergiu em diversos aspectos das críticas à sociedade da</p><p>época, por outro, em sua fase inicial foi praticamente baseado na marca da sociedade burguesa,</p><p>com direitos de propriedade privada (Larsen, 2019). Apesar de alguns autores apontarem as</p><p>habitações públicas de aluguéis por meio de associações sem fins lucrativos como uma</p><p>possibilidade real, na prática elas nunca assumiram a liderança nas comunidades</p><p>intergeracionais dinamarquesas.</p><p>A segunda fase de desenvolvimento destas comunidades, nos anos 80, marcou o</p><p>estabelecimento de cooperativas de novas moradias com apoio estatal, que mesmo não</p><p>produzindo uma política específica para as cohousing acabou por favorecê-las. Além da posse</p><p>cooperativa tornar esta iniciativa mais acessível, também possibilitou maior autonomia dos</p><p>grupos.</p><p>Embora o crescimento destas comunidades na Europa tenha sido constante ao longo das</p><p>décadas de 1970, 1980 e 1990, na América do Norte cresceu exponencialmente após o</p><p>lançamento do livro “Cohousing: a contemporary approach to housing ourselves”, de</p><p>Katherine McCamant e Charles</p><p>Durrett, em 1988. Neste contexto, alguns pesquisadores como</p><p>Williams (2005), distinguem as cohousing entre uma “primeira onda” na Europa nórdica e a</p><p>“segunda onda” surgindo na América do Norte com um formato estruturalmente distinto.</p><p>Enquanto na Europa as comunidades combinam tipos de posse, como casas alugadas e</p><p>particulares e até mesmo todas de aluguéis, na América do Norte a maioria é de casas privadas.</p><p>Outro diferencial é que nos Estados Unidos e no Canadá este modelo não foi financ iado</p><p>pelo Estado como aconteceu na segunda fase da cohousing na Europa. O modelo americano</p><p>também apresenta maior ênfase nas soluções ambientais, sugerindo um pragmatismo ecológico</p><p>(Sargisson, 2012).</p><p>5</p><p>A terceira fase, que corresponde a década de 90 até os dias atuais, tem como elemento</p><p>principal as comunidades intergeracionais com crescimento dos modelos sêniores e,</p><p>essencialmente, representa a retomada das características presentes nas fases anteriores,</p><p>principalmente, a propriedade privada e pelos vieses econômicos que seguem esse tipo de posse</p><p>(Hagbert et. al, 2020). Os modelos se disseminaram particularmente em países como Alemanha</p><p>e EUA (Tummers, 2015) e seu desenvolvimento foi facilitado por redes internacionais de</p><p>associações nacionais fixadas em países como Holanda, Dinamarca, Suécia, Estados Unidos,</p><p>Canadá, Nova Zelândia, Austrália e Reino Unido.</p><p>Até 2010, mais de 700 comunidades foram construídas na Dinamarca, variando de seis</p><p>a trinta e quatro famílias com quinze a trinta e três residentes. Nos últimos 25 anos, McCamant</p><p>e Durret projetaram e co-projetaram ou co-desenvolveram mais de 50 comunidades nos Estados</p><p>Unidos, Canadá, Dinamarca e Nova Zelândia, trabalhando em todos os estágios de organização,</p><p>projeto, financiamento, normas e leis e recrutamento (McCamant e Durret, 2011). Em outros</p><p>países, como no caso da Espanha, o recente florescimento destas iniciativas deve ser entendido</p><p>como uma resposta à crise imobiliária de 2008, que atingiu fortemente o país e como um desafio</p><p>ao desenvolvimento social, político e econômico de longo prazo (Hagbert et. al, 2020).</p><p>Apesar das suas características socializantes, a cohousing contemporânea enfrenta uma</p><p>escassez e falta de moradias que precisam ser entendidas em relação às condições do mercado</p><p>imobiliário. Definidas por uma reversão das políticas habitacionais e combinadas com o</p><p>aumento do investimento do capital em propriedades habitacionais e terrenos urbanos, essas</p><p>condições estabelecem um processo que envolve a especulação, mercantilização e</p><p>financeirização da habitação (Hagbert et. al, 2020).</p><p>2. FORMAS DE INSERÇÃO NA CIDADE: CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E</p><p>ESTRATÉGIAS DE DESENVOLVIMENTO</p><p>Segundo os maiores especialistas no tema, McCamant e Durrett (2011), as cohousing</p><p>(“collaborative housing”), oferecem uma abordagem contemporânea para a questão</p><p>habitacional. Cada caso se estabelece em um contexto específico e possui seu próprio processo</p><p>de desenvolvimento pautado em ambições projetuais, de localização e dimensões, entretanto,</p><p>alguns indicadores de qualidade urbana são comuns: processo participativo – os residentes</p><p>organizam e participam do processo de planejamento e projeto, além de se responsabilizarem</p><p>como grupo por todas as decisões finais; design que facilita a comunidade – o desenho físico</p><p>encoraja um forte senso de comunidade por meio de elementos (tamanho, localização,</p><p>6</p><p>vantagens ambientais, tipos de financiamentos e propriedades, por exemplo) que estimulam</p><p>maiores possibilidades de interação social e combatem a alienação e o isolamento, retomando</p><p>o senso de pertencimento e o modelo e convivência nas cidades; amplas instalações comuns –</p><p>desenhadas para uso diário como suporte as áreas privadas; autogestão – os moradores</p><p>gerenciam o próprio desenvolvimento, definindo normas e regras internas a partir de decisões</p><p>de interesse comum; estrutura não hierarquizada – responsabilidade pelas decisões é</p><p>compartilhada entre todos, e fonte de rendas separadas – os moradores têm suas próprias fontes</p><p>de receita e a comunidade não gera recursos diretamente, como é típico de um condomínio</p><p>todos pagam mensalmente uma taxa, além de cotas para a associação de proprietários</p><p>(Scotthanson e Scotthanson, 2005 e McCamant e Durrett, 2011).</p><p>A cohousing surge como um modelo alternativo de moradia que intrinsicamente enfatiza</p><p>o valor de uso em vez de seu valor de troca. Nasce da intencionalidade de um grupo de pessoas</p><p>normalmente com afinidades e interesses comuns, que através de ferramentas de comunicação</p><p>não-violenta, sociocracia, consenso e procedimentos de tomada de decisão vão construir a visão</p><p>coletiva que norteará todo o planejamento, construção, normas e diretrizes da comunidade.</p><p>Após estudar e reunir material de 285 comunidades, McCamant and Durrett (2011)</p><p>pontuam que o design tem um impacto inquestionável na viabilidade e vitalidade social dos</p><p>grupos, pois é o responsável por sustentar a comunidade através de um processo deliberativo.</p><p>O processo participativo é dividido em três partes, respectivamente: programa do projeto,</p><p>programa da casa comum, programa da casa privada (Figura 01).</p><p>Figura 01 - Implantação da comunidade Earthsong Eco Neighbourhood , Auckland, Nova Zelândia.</p><p>Fonte: Site da “Earthsong Eco Neighbourhood”. Traduzido pela pesquisadora. Acesso em: Nov. de 2019.</p><p>7</p><p>Entretanto, a complexidade da cohousing vai além da dimensão social e Droste (2012)</p><p>oferece uma matriz de influências baseada na economia – valor da terra, mercado imobiliá r io,</p><p>disponibilidade e parcerias com o mercado; política – estado de Bem-Estar social, cultura de</p><p>planejamento e estrutura de suporte público; construção – sustentabilidade, tecnologias,</p><p>estoque e histórico; sociedade civil – novos estilos de vida, envelhecimento e gênero e</p><p>demografia, que determinam o seu desenvolvimento. Dificilmente serão encontrados fatores</p><p>dominantes únicos até mesmo pela grande variedade de formas possíveis em países com</p><p>diferentes culturas sociais, políticas e econômicas.</p><p>Neste contexto, a cohousing tem se apresentado mais como um novo processo de</p><p>desenvolvimento de moradias do que um novo tipo de habitação. A inovação está embutida na</p><p>prática social dinâmica de interação e engajamento (Jarvis, 2015).</p><p>2.1 FORMAS DE INSERÇÃO: PROPRIEDADE, POSSE, ESTUTURA LEGAL E</p><p>FINANCIAMENTO</p><p>As estratégias de desenvolvimento e financiamento das cohousing variam dependendo</p><p>do contexto, dos recursos disponíveis à comunidade e das condições do mercado. Percebe-se</p><p>uma crescente importância da colaboração entre diferentes tipos de atores e instituições em</p><p>parcerias público-privadas-cívicas, que parecem envolver cada vez mais estas comunidades.</p><p>A conexão dos projetos de cohousing com o mercado dá-se principalmente em sua</p><p>forma de propriedade e posse refletindo, portanto, as especificidades da legislação, da política</p><p>habitacional e das condições do mercado imobiliário em cada país. É também resultado de</p><p>escolhas coletivas baseadas em compromissos ideológicos que determinam em que medida os</p><p>projetos em questão podem colocar em prática seus valores e como afetam as possibilidades</p><p>em enfrentar as crises urbanas contemporâneas (Hagbert et al., 2020).</p><p>Vale ressaltar que o direito de propriedade está ligado à titularidade, a posse resulta da</p><p>propriedade e “o uso é um estado da propriedade” (Terra, 2019). Portanto, sob os regimes de</p><p>propriedade existentes é possível uma diversidade de apropriação expressas pelo tipo de posse.</p><p>Também há diferentes formas de produção da habitação, que conforme Jaramillo3 (1982)</p><p>podem ser mais ou menos mercantilizadas, ao resultar de arranjos diversificados entre agentes</p><p>e finalidades de obtenção de lucro e rendas em relação aà esse produto especial que é a moradia.</p><p>3 Apesar de a reflexão de Jaramillo estar baseada empiricamente</p><p>à realidade de Bogotá e às cidades latino -</p><p>americanas, consideramos que sua abordagem colabora para a análise das experiências de cohousing no contexto</p><p>dos países do norte.</p><p>8</p><p>Em resumo, as formas de produção são: a promoção privada capitalista que se</p><p>caracteriza por pequenas empresas, convertidas em capital de tamanho limitado e que produzem</p><p>habitação de forma contínua para o mercado geral. Estabelece uma relação de capital-trabalho</p><p>assalariado que produz a mais-valia com objetivo de acumulação de capital; a produção por</p><p>encomenda em que há transferência de capital de outras áreas envolvendo um construtor que se</p><p>encarrega de construir a moradia destinada ao uso direto de um contratante. Não há por</p><p>finalidade a acumulação de capital; a autoconstrução ou produção doméstica na qual o</p><p>consumidor final é o produtor direto, sendo responsável simultaneamente pelo controle técnico</p><p>e econômico da produção. É um produto inserido no contexto global da produção capitalis ta,</p><p>no qual a possibilidade de ter um valor de uso, neste caso a moradia, é seu estímulo; a produção</p><p>estatal capitalista desvalorizada em que instituições estatais produzem moradias com foco no</p><p>valor de uso e ainda que vinculado aos processos de acumulação buscam menores taxas de</p><p>rendimento.</p><p>Atualmente, a produção para mercado, na forma de produção privada, que pode ou não</p><p>se combinar a produção estatal (por meio de financiamento ou subsídio, por exemplo), é a forma</p><p>hegemônica e exerce maior impacto na produção do espaço urbano. Isso se dá principalmente</p><p>pelo desenvolvimento das relações capitalistas presentes na indústria da construção civil e, nas</p><p>últimas décadas, com a participação do capital financeiro e de incorporação. Sob a lógica da</p><p>acumulação do capital “a diferenciação dos setores habitacionais associada ao processo de</p><p>diversificação das formas de produção é fundamental para a reestruturação da cidade” (LAPP,</p><p>2008). Assim sendo, visando interpretar a cohousing à luz das formas de produção propostas</p><p>por Jaramillo, até que ponto respondem a diversificação levantada por LAAP (2008) e se</p><p>apresentam como resistência as estratégias dominantes, a seguir serão descritas as principa is</p><p>configurações adotadas por estas comunidades.</p><p>De acordo com Scotthanson e Scotthanson (2005), dentro do modelo de</p><p>desenvolvimento de cohousing é fundamental que os grupos estabeleçam uma entidade legal</p><p>para se ter credibilidade e direitos frente a acordos legais e, em seguida, definam qual estrutura</p><p>de propriedade será adotada. Existem algumas configurações disponíveis, sendo as principa is</p><p>delas: propriedade privada, cooperativa ou parceria. Hagbert, et al. (2020) endossam essas</p><p>configurações e as descrevem da seguinte maneira:</p><p>1. O modelo de propriedade privada: as unidades individuais negociadas a preço de</p><p>mercado são o elemento definidor deste modelo, entretanto, as formas legais e de posse podem</p><p>9</p><p>variar, como por exemplo cooperativas ‘privatizadas’. Visando à acessibilidade e inclusão, a</p><p>propriedade privada aponta como forma menos socialmente sustentável de cohousing.</p><p>2. O modelo de cooperativa: envolvem propriedade coletiva e não especulativa, que, na</p><p>maioria dos casos, representa a compra da “participação” para se tornar membro, sendo que</p><p>estas ações não podem ser vendidas no mercado. Pequenas e grandes cooperativas definem um</p><p>contrato de aluguel com os grupos de cohousing sublocando casas ou apartamentos.</p><p>3. O modelo de parceria público-privada: são projetos de cohousing que cooperam com</p><p>empresas de habitação públicas ou privadas. Este modelo é proeminente na Suécia, embora</p><p>também exista na Alemanha. Apesar dessas associações serem organizações da sociedade civil,</p><p>são dependentes direta e indiretamente dos estados locais.</p><p>Além destas configurações, através de uma análise documental ampla e minucio sa,</p><p>foram identificados outros tipos de posse e propriedade mais recentes e específicos,</p><p>envolvendo, inclusive, a participação nos projetos a partir de cotas de ações.</p><p>Ainda que a obtenção de lucro não seja o principal objetivo nem mesmo final destas</p><p>comunidades, constatou-se que a maioria dos tipos de propriedade está alinhada ao mercado</p><p>imobiliário convencional, baseado na posse privada assim como grande parte dos modelos</p><p>habitacionais disponíveis atualmente. Neste sentido, tais experiências não têm obtido êxito na</p><p>‘descomodificação’ (ou desmercantilização) e na ‘des-financeirização’ da habitação (Jakobsen</p><p>e Larsen, 2019) e na América do Norte isto é ainda mais perceptível. Com objetivo de</p><p>complementar e enriquecer a análise, foi desenvolvido o seguinte quadro baseado nos tipos de</p><p>produção estabelecidos por Jaramillo (1982) e dos tipos de posse e propriedade identificados</p><p>nas cohousing (figura 02):</p><p>10</p><p>Figura 02 – Quadro apresentando a comparação das formas propostas por Jaramillo (1982) e as</p><p>configurações adotadas pelas comunidades. Fonte: Elaborado pela pesquisadora.</p><p>Segundo os estudos de Hagbert, et al. (2020) nas experiências europeias, valores</p><p>relativos à sustentabilidade social e econômica, como por exemplo auto governança,</p><p>acessibilidade e coesão social, tem maiores chances de serem colocados em prática através das</p><p>propriedades cooperativas, no entanto, isso implica um alto grau de autonomia visto que o grupo</p><p>deve intervir em todos os aspectos da habitação. As parcerias entre organizações sem fins</p><p>lucrativos e grupos de cohousing tem um grande potencial futuro para produzir opções mais</p><p>acessíveis de moradia, mesmo as associações sendo direta e indiretamente dependentes do</p><p>estado.</p><p>Além disso, os autores pontuam que a política de cohousing é moldada por duas forças</p><p>principais: uma reação à crise do urbanismo neoliberal e a ação dos governos locais, que</p><p>historicamente adotaram, adaptaram ou cooptaram a coabitação como instrumento político, a</p><p>exemplo de Hamburgo e Barcelona. Entretanto, com o neoliberalismo, o Estado enquanto</p><p>provedor perde força e uma lacuna surge, possibilitando a cohousing se estabelecer</p><p>potencialmente entre a autoconstrução individual e a oferta institucional ou de mercado,</p><p>dialogando com o público e o privado.</p><p>Nesta linha, à luz de Jaramillo (1982), as cohousing podem constituir uma combinação</p><p>variada e híbrida de formas de produção, sendo algumas delas voltadas à interesses finance iros</p><p>mais explícitos, enquanto outras apontam para a produção por encomenda ou produção</p><p>11</p><p>doméstica coletivizada, ainda que sejam minoritárias. Ou seja, é na intersecção e</p><p>interdependência entre a autoconstrução e produção doméstica e a produção estatal que as</p><p>inovações em cohousing acontecem, a exemplo das formas destacadas: Cooperativas (cessão</p><p>de uso, organização sem fins lucrativos, LLC e MHOS) e as PPP4.</p><p>3.0 COHOUSING: DIALÓGOS COM O MERCADO DA HABITAÇÃO NO</p><p>CONTEXTO NEOLIBERAL</p><p>Desde meados dos anos 70, e como resultado de privatizações neoliberais e políticas</p><p>orientadas para a classe média, a expansão da propriedade individual aumentou</p><p>significativamente na maioria dos países europeus e o estímulo à propriedade privada cresceu</p><p>por meio de programa de privatizações em grande escala, desenvolvimento de condomínios</p><p>além de privilégios e incentivos para compradores e proprietários de imóveis. Neste sentido, o</p><p>capitalismo trata a habitação como uma importante mercadoria devido ao seu valor de troca e,</p><p>portanto, é politicamente promovida como um ideal altamente valorizado (Luxemburg, 2018).</p><p>Segundo Hagbert et al. (2020), do ponto de vista da lógica econômica e política do</p><p>desenvolvimento urbano contemporâneo, em que um elemento fundamental da agenda da</p><p>sustentabilidade, o econômico, é definido e praticado em termos de “crescimento primeiro”</p><p>condicionou o desenvolvimento aos mercados capitalistas de terras e habitação, gerando um</p><p>aumento significativo dos valores das propriedades e dos custos relacionados</p><p>à habitação,</p><p>restringindo a acessibilidade. Neste cenário, os projetos de cohousing podem ser concebidos</p><p>como potenciais atores da gentrificação, no qual o capital cultural se torna mercantilizado e</p><p>capitalizado por empresas privadas.</p><p>Segundo a “Urban Cohousing Associates”, por uma questão de conveniência jurídica e</p><p>financeira, praticamente todas as comunidades na América do Norte utilizam a estrutura de</p><p>propriedade legal de condomínio que é facilmente aceita pelos credores. A pesquisa identificou</p><p>que apenas três comunidades adotaram com sucesso a estrutura de propriedade cooperativa por</p><p>meio de associações habitacionais e foram capazes de conseguir o financiamento necessário.</p><p>Nesta linha, os autores direcionam a orientação exclusivamente para o financiamento através</p><p>4 As PPP são firmadas entre os municípios e as cohousing, geralmente constituídas por uma associação ou</p><p>cooperativa autônomas e sem fins lucrativos. Em síntese, existem dois cenários principais em Hamburgo e</p><p>Gotemburgo: a venda de terrenos a preços baixos, como contrapartida por habitação acessível e a introdução de</p><p>cohousing no âmbito do parque habitacional regulado por empresas municipais através do arrendamento de</p><p>apartamentos.</p><p>12</p><p>de instituições de crédito como bancos, empresas hipotecárias, companhias de seguros, onde</p><p>possam ser realizados empréstimos para a construção do projeto.</p><p>Em 2010, um relatório desenvolvido pela Bartholomew Associates, empresa de</p><p>avaliação de imóveis, concluiu que as revendas de casas em comunidades de cohousing no norte</p><p>da Califórnia vendiam de 1,7 a 3,12 vezes o preço de outras residências urbanas e condomínios</p><p>da região (McCamant e Durret, 2011), configurando uma situação real de especulação</p><p>imobiliária envolvendo comunidades norte-americanas.</p><p>Além disso, apesar do extensivo debate sobre a importância do desenvolvimento em</p><p>conjunto com o grupo residente, existem casos pontuais de proprietários de terras e investido res</p><p>nos Estados Unidos utilizando as cohousing como opção de investimento, considerando a</p><p>possibilidade de construir fisicamente a comunidade e atrair posteriormente os compradores</p><p>(Scotthanson e Scotthanson, 2005; McCamant e Durret, 2011). Enquanto as cohousing norte-</p><p>americana estão completamente inseridas no modelo da propriedade privada e no financiamento</p><p>através de empréstimos, a realidade europeia apesar de ter a propriedade privada como modelo</p><p>dominante (Jarvis, 2015), têm apresentado algumas alternativas.</p><p>Jakobsen e Larsen (2019), baseados em análises sistemáticas de pesquisas sobre</p><p>cohousing e temas relacionados desenvolvidos nas últimas cinco décadas, produziram estudos</p><p>com objetivo de investigar e contextualizar as três fases da cohousing dinamarquesa. Os autores</p><p>compararam dados referentes aos três principais tipos de posse: cooperativa, propriedade</p><p>privada e aluguéis. Cada fase está diretamente relacionada às mudanças gerais na legislação</p><p>habitacional, portanto, é notável que a introdução e eventual término do apoio estatal às</p><p>cooperativas habitacionais de construção reduziram significativamente a produção deste</p><p>modelo a partir dos anos 2000.</p><p>Embora tanto na Dinamarca quanto principalmente nos países subdesenvolvidos, as</p><p>desigualdades sócias geográficas estão cada vez mais relacionadas à propriedade da habitação,</p><p>as estruturas de propriedades e posse elencadas no quadro apresentado na seção anterior, têm</p><p>sido apontadas como alternativas a este cenário seletivo e especulativo das formas dominantes</p><p>de habitação. Dentre elas, podemos destacar: as LLC sem fins lucrativos aliada a posse coletiva;</p><p>cooperativas que envolvem propriedade coletiva com direito de uso do solo e alugué is</p><p>acessíveis; organizações sem fim lucrativo com propriedade coletiva; parcerias público-privada</p><p>e propriedade mútua com aluguéis acessíveis;</p><p>3.1 COHOUSING E A DIMENSÃO SOCIAMBIENTAL</p><p>13</p><p>A questão da sustentabilidade ambiental e urbana é controversa e sua complexidade está</p><p>diretamente ligada ao fato de que “sustentabilidade urbana”, termo cunhado no contexto</p><p>neoliberal, está associada a uma abordagem hegemônica na qual é predominante a defesa do</p><p>crescimento econômico capitalista, mas não a qualquer custo.</p><p>Nesse sentido, a sustentabilidade urbana está frequentemente associada ao</p><p>“esverdeamento” de projetos ou a soluções tecnológicas de menor impacto, nos edifícios e na</p><p>escala urbana. Por um lado, contribuindo para a valorização e encarecimento dos imóveis, ao</p><p>mesmo tempo em que não altera as causas que geram desigualdade e degradação ambienta l,</p><p>podendo até mesmo aprofundá-las. Além disso, a imprecisão do conceito permite que sua</p><p>apropriação seja feita de diversas formas pelos setores envolvidos, sendo considerado, portanto,</p><p>um campo em disputa e que remete a diferentes práticas sociais e ambientais (Acselrad, 1999).</p><p>Partindo de uma perspectiva crítica, Ferreira e Ferrara (2015), defendem que a</p><p>sustentabilidade urbana deve ser entendida como “a busca prioritária pela justiça</p><p>socioambiental” e o conceito caminha, antes de mais nada, no sentido de transformar os atuais</p><p>padrões de urbanização e estabelecer uma nova matriz urbana. Para os autores, considerando a</p><p>incompatibilidade da preservação da natureza no modo de produção capitalista “a verdadeira</p><p>discussão transformadora será lançada quando as sociedades contemporâneas encontrarem</p><p>meios alternativos e menos destrutivos para sobreviver harmonicamente no planeta” (Ferreira,</p><p>Ferrara, p.45, 2015)</p><p>Neste contexto, as cohousing se apresentam como um catalisador de práticas cotidianas</p><p>baseadas em princípios que direcionam para o desenvolvimento sustentável. Entretanto, apesar</p><p>de não ser um problema restrito às cohousing, atualmente o movimento destas comunidades é</p><p>pautado em avaliações qualitativas e da perspectiva das mudanças climáticas ainda é difíc il</p><p>avaliar seu impacto.</p><p>Ainda assim, um dos diferenciais adotados pelo modelo é pensar no global e agir no</p><p>local. Desta forma, tem sido visto como uma prática instrutiva com potencial de gerar</p><p>aprendizados relevantes para a mitigação do clima. Partindo da ótica dos usuários oferecem</p><p>uma visão ativa e integrada e a nível prático de aplicação, a ajuda mútua e uso de recursos</p><p>combinados proporcionam possibilidades para jardins comuns, parques infantis, instalação de</p><p>centros de reciclagem, placas solares, sistemas de aquecimentos coletivos, materiais de</p><p>isolamento térmico e acústico, reaproveitamento das águas pluviais, reciclagem seletiva,</p><p>compartilhamento de recursos e serviços, entre outros. Independente dos objetivos de cada</p><p>comunidade, percebe-se uma preocupação geral em pelo menos trabalhar para reduzir a conta</p><p>14</p><p>de energia e um esforço para transformar o modo de pensar e agir em prol do coletivo buscando</p><p>reduzir os impactos destrutivos causados ao meio ambiente.</p><p>Acima de tudo, o potencial em ser uma alternativa ecologicamente sustentável vincula -</p><p>se diretamente ao engajamento da comunidade, a maneira como impulsiona normas socia is,</p><p>questiona padrões espaciais e materiais e adota práticas cotidianas de baixo impacto, bem como</p><p>encara a cohousing como um projeto social e político que promove a sinergia entre a</p><p>sustentabilidade social e ecológica. Desta forma, as cohousing evidenciam como os</p><p>condicionantes sociais e técnicos da habitação estão diretamente relacionados (Tummers,</p><p>2017).</p><p>Na virada do milênio, Scheller e Thörn (2018) descrevem que houve na Europa um</p><p>interesse renovado pelas cohousing entre políticos, urbanistas e arquitetos. Em certa medida,</p><p>isso se deve ao trabalho de ativistas e pesquisadores que através de suas habilidades</p><p>profissionais começaram a promover o tema. A conferência internacional sobre cohousing</p><p>realizada em Estocolmo em 2010 é um exemplo significativo desta ação. De acordo com o</p><p>relatório produzido, o crescente interesse</p><p>fez emergir um novo campo de pesquisa: o</p><p>planejamento para estilos de vida sustentáveis (Vestbro, 2010). Em 2012, uma edição da</p><p>Revista Built Environment dedicou-se a discutir sobre cohousing tanto do ponto de vista da</p><p>contribuição para a renovação urbana quanto como uma maneira de atingir a sustentabilidade</p><p>em um sentido mais amplo (Krokfors, 2012).</p><p>Durante a conferência ONU Habitat III, em 2016 em Quito, a cidade de Hamburgo, na</p><p>Alemanha, o projeto de revitalização do bairro de “Central Altona” que abriga uma cohousing</p><p>(Möwe Altnonah) autoconstruído foi apresentado como exemplo de melhores práticas para o</p><p>planejamento urbano sustentável por estabelecer maiores oportunidades de integração,</p><p>mobilidade e conectividade. Isto demonstra como a cidade de Hamburgo bem como a de</p><p>Gotemburgo, na Suécia, tem priorizado a sustentabilidade como fator primordial no processo</p><p>de requalificação urbana.</p><p>Nos estudos realizados por Scheller e Thörn (2018), embora estas municipalidades</p><p>tenham feito grande esforço em prol de uma agenda sustentável, devido a amplitude e as</p><p>inconsistências apresentadas pelo conceito de sustentabilidade, o desenvolvimento urbano</p><p>sustentável desempenha uma função dominante nos processos de governança urbana e no que</p><p>diz respeito aos grupos de cohousing sinaliza uma tensão inseparável entre o processo de</p><p>responsabilização e a luta pela autonomia.</p><p>Apesar de reconhecerem o potencial das cohousing como um modelo de vida</p><p>sustentável potencialmente viável, os autores pontuam que por si só não representam uma</p><p>15</p><p>solução aos desafios da sustentabilidade associados à vida urbana. É fundamental uma mudança</p><p>de mentalidade tanto do ponto de vista das políticas públicas que precisam promover incentivos</p><p>à adoção de estilos de vida sustentáveis quanto da sociedade que necessita se envolver mais na</p><p>gestão administrativa municipal e na participação do processo político local.</p><p>4. A EXPERIÊNCIA DE LA BORDA, BARCELONA</p><p>O projeto construído em 2018 é de propriedade e liderado pela cooperativa La Borda</p><p>que representa 28 famílias e conta com especialistas de diversas áreas como a LaCol,</p><p>responsável pelo projeto arquitetônico, uma cooperativa responsável pelos aspectos</p><p>econômicos e gestão do orçamento e a Coop57 que funciona como um banco cooperativo e</p><p>fornece subsídios para projetos sociais.</p><p>Para Ferrán Aguiló, a manutenção da estrutura social e da continuidade da cessão de uso</p><p>da terra depende diretamente da “musculatura social” que além de defender os direitos dos</p><p>moradores e facilitar a negociação junto a prefeitura, é composta por uma grande variedade de</p><p>fontes, sendo a maior parte derivada de fundos participativos, seguida da contribuição de</p><p>membros colaboradores e em terceiro lugar, de membros residentes.</p><p>Segundo os cálculos realizados, entre 2025 e 2030 a cooperativa terá liquidados todos</p><p>os investimentos e a partir de então conseguirá se capitalizar. Este planejamento visa a</p><p>renegociação da terra após os 75 anos de uso ou caso precisem mudar para outro lugar se a área</p><p>for destinada legitimamente a outro uso. Comprometida com o impacto social, se o dinheiro</p><p>não for necessário para este fim, o excedente tem destino certo para ajudar outras cooperativas</p><p>na amortização de despesas e na promoção do acesso à moradia digna.</p><p>La Borda é uma comunidade intergeracional em que o acesso a habitação está</p><p>intrinsicamente vinculado ao processo de participação da comunidade. Cada unidade</p><p>habitacional deve pagar uma quota inicial de 18.500 euros, recuperáveis caso decidam se mudar</p><p>ou em caso de morte, e uma renda que varia de 300 a 600 euros mensais que devem ser pagos</p><p>à cooperativa. Estes valores representam uma redução de 50% se comparados aos preços de</p><p>mercado.</p><p>Pelo fato do edifício estar construído em um terreno cedido pelo município (Figura 03)</p><p>é imprescindível que o aluguel não exceda o preço da habitação social. Cumpre, desta forma,</p><p>critérios de habitação de proteção social por meio do direito de superfície adquirido junto a</p><p>Câmara Municipal por 75 anos, devido ao teto máximo de aluguel fixado e a transferência do</p><p>direito de uso das habitações (Peborde, 2016). Assim sendo, a propriedade privada adquire valor</p><p>16</p><p>através do uso da habitação e não pelo seu valor de troca, enfraquecendo uma possível tentativa</p><p>de uso especulativo (LaCol e La Ciudad Invisible, 2018).</p><p>Figura 03 – Fachadas da La Borda e corte transversal esquemático.</p><p>Fonte: Imagens retiradas do site da cooperativa La Borda.</p><p>As cooperativas LaCol e La Ciudad Invisible (2018) afirmam que os ideais de</p><p>cooperação e comunidade superam a forma de financiamento, se estendendo para a promoçã o</p><p>do projeto e fomentando a socialização e colaboração mútua para além da esfera privada,</p><p>concebendo o complexo inteiro como uma grande casa comum.</p><p>Do ponto de vista da sustentabilidade ambiental o edifício foi desenvolvido por meio de</p><p>diversas ações e estratégias visando o mínimo impacto desde a construção até a sua vida útil.</p><p>Entre as principais decisões adotadas destacam-se: otimização das soluções construtivas e do</p><p>programa de necessidades; parâmetros bioclimáticos para desenvolver um edifício passivo com</p><p>ações ativas na gestão climática das habitações; aproveitamento de recursos locais, recicláve is,</p><p>fontes fosseis e renováveis; estudo e plano de gestão detalhado de resíduos e separação seletiva</p><p>na obra; sistema centralizado de geração térmica e climatização; serviços e consumos</p><p>associados centralizados e com gestão inteligente.</p><p>Como parte da auto-organização e corresponsabilidade, os moradores participaram do</p><p>monitoramento e do treinamento para que fossem capacitados a garantir o uso adequado do</p><p>projeto bioclimático desenvolvido para o edifício e vários outros recursos de economia de</p><p>energia e água. O resultado positivo tem sido analisado pela Agência de Energia de Barcelona</p><p>com intuito a analisar se é replicável em outras experiências.</p><p>Claramente a iniciativa proposta pela comunidade La Borda se relaciona diretamente</p><p>com os princípios propostos pelas cohousing. Além disso, integra um grupo de comunidades</p><p>intencionais com amplos esforços na promoção e no desenvolvimento de alternativas as formas</p><p>de habitação propostas tanto pelo mercado capitalista quando pelo estado. A experiência de La</p><p>Borda nos mostra que aqueles projetos baseados no modelo de direito de uso das cooperativas</p><p>17</p><p>habitacionais vinculados a fatores socioeconômicos terão mais chances de combater a</p><p>especulação imobiliária e a oferta seletiva de habitação.</p><p>5. CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Em primeiro lugar, ficou evidente neste trabalho as diferentes abordagens sobre as</p><p>cohousing. Se por um lado, os principais teóricos americanos apresentam o tema sob uma</p><p>perspectiva pragmática e eco modernista da habitação que fornece benefícios práticos da vida</p><p>cotidiana e social, sem intenção de propor uma agenda política ou uma declaração ideológica,</p><p>por outro lado, para alguns pesquisadores o caráter “não-especulativo” é fundamenta l</p><p>(Tummers, 2015) e para outros a inovação está em seu aspecto essencialmente socioespacial</p><p>(Jarvis, 2015).</p><p>Além dos diversos desafios apresentados, vale destacar que uma série de tradições de</p><p>planejamento atuam como obstáculos à adesão efetiva destas comunidades e sua contribuição</p><p>à desmercatilização da habitação. Como por exemplo, padrões de projeto e construção; o</p><p>domínio de grandes empresas imobiliárias e incorporadoras; noções arraigadas sobre o modelo</p><p>de família nuclear e; os instrumentos legais, de políticas e de planejamento que, na maioria das</p><p>vezes, não estão adaptados às práticas de propriedade compartilhada e desenvolvimento</p><p>coletivo (Tummers, 2017).</p><p>Embora os estudos evidenciem que o modelo proposto pela cohousing mudou de um</p><p>fenômeno de nicho da contracultura para um movimento predominantemente de classe média,</p><p>o recente aumento do interesse</p><p>por essas comunidades intencionais pode ser visto como</p><p>resultado da pressão constante dos movimentos de habitação popular em diferentes períodos de</p><p>tempo (Hagbert et. al, 2020). Desta forma, o enfoque na sustentabilidade social entre os projetos</p><p>atualmente além de ser resultado de deficiências políticas específicas propagadas pelo</p><p>urbanismo neoliberal, também está representada na luta dos movimentos habitacionais.</p><p>Com base na revisão bibliográfica, nas experiências estudadas e nos resultados</p><p>apresentados, um possível caminho para que as políticas viabilizem a cohousing de maneira</p><p>sustentável, deve aliar políticas que fomentem o crescimento de cooperativas não especulativas</p><p>e articulem projetos de cohousing e empresas de habitação pública ou associações de habitação</p><p>sem fins lucrativos. Outros aspectos importantes que se somam aos citados estão a necessidade</p><p>de provisão de apoio jurídico e financeiro do Estado e de terras sem fins lucrativos para uso</p><p>democrático colaborativo, a autonomia e a auto-organização dos projetos (Scheller et. al, 2020)</p><p>e a convergência de processos “bottom-up”.</p><p>18</p><p>Pela ótica crítica do desenvolvimento sustentável, o projeto de La Borda apresenta</p><p>soluções técnicas e projetuais que contribuem diretamente para a sustentabilidade urbana.</p><p>Entretanto, comum a outros tipos de comunidades intencionais, o maior diferencia l desta</p><p>iniciativa é relativo à dimensão social. Enquanto o grande desafio se encontra no campo da</p><p>sustentabilidade econômica. A justificativa quanto a relevância da sustentabilidade social é</p><p>principalmente válida da perspectiva da dimensão cultural que deve ser entendida a partir de</p><p>desafios e oportunidades e é capaz de influenciar diretamente a sustentabilidade econômica e</p><p>ambiental de um projeto.</p><p>Por meio deste artigo constatou-se, a exemplo de La Borda, que as cohousing não se</p><p>apresentam como solução a crise imobiliária e a problemática ambiental, mas são um marco de</p><p>experimentação de produção coletiva e representam papel importante na desconstrução da</p><p>propriedade privada como modelo único de habitação e em direção a construção de cidades</p><p>mais sustentáveis.</p><p>6. BIBLIOGRAFIA</p><p>ACSELRAD, H. Discursos da Sustentabilidade Urbana. Revista Brasileira de</p><p>Estudos Urbanos e Regionais, nº1, p. 79-90. 1999.</p><p>COHABITAR SEMINAR. La Borda: La revolución de vivir em comunidad.</p><p>Disponível em: . Acesso em: Junho/2020.</p><p>DROSTE, C. 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