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<p>Aroldo Rodrigues PSICOLOGIA SOCIAL PARA PRINCIPIANTES Estudo da Interação Humana Edição EDITORA VOZES</p><p>ABDR ASSOCIAÇÃO DE Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Rodrigues, 1933- Psicologia social para principiantes : Estudo da interação humana Aroldo Rodrigues - 14. ed. - RJ : 2012. Bibliografia reimpressão, 2018. ISBN 978-85-326-0839-0 1. Psicologia social I. 05-1303 CDD-302 Índices para catálogo sistemático: 1. Psicologia social 302</p><p>1 Como é o "social" da psicologia social? A psicologia social e o estudo da depen- dência e da interdependência entre as pes- soas. Robert B. Zajone um estudante universitário muito preocupado com pro- blemas sociais. Pertence ao Diretório filiado a um partido de esquerda, participa ativamente de movimentos tanto no ambiente restrito da universidade como no da comunidade em que vive, e não se furta adar sua colaboração quando seu partido dele necessita para participar de atividades de estadual ou Embora não seja estudante de psicologia, Fer- nando decidiu matricular-se no curso Psicologia Social oferecide pelo departamento de psicologia de sua Seu ao não era outro senão de melhor para de- sempenho de sua atividade em geral e. mais especificamen- te, aprender a lidar com as massas e habilitar-se melhor para resol- ver os graves problemas sociais dos do Terceiro Fer- nando é uma aluno e interessado. Entretanto, após dois me- ses e meio de ele decidiu trancar a matrícula na disciplina e disse para si mesmo! "Que vim cu fazer aqui? Nunca pensei que num curso de psicologia social se pudesse passar quase três meses sem uma referência sequer aos problemas da miséria, da injustiça social, da violência urbana, da distribuição de do menor abandonado, enfim. dos graves problemas sociais que estão a exi- gir solução urgente. Não estou para saber como se formam as atrações interpessoais, nem como uma unanimidade errada influen-</p><p>cia julgamento de nem por que minhas atribuições susci- de interação social. Como esse convívio social, essa interação, não se pro- tam determinadas emoções e e muito menos para cessam num vácuo mas sim numa sociedade. com suas tradições, entender por que procuro justificar um comportamento a influências e condicionamentos é esperar-se que minhas Vou deixar este curso já, pois isto de a psicologia social possa contribuir com subsídios importantes para aqueles social não tem nada!" setores do saber cujo objeto primordial de estudo é a sociedade e não indi- A reação de Fernando é muito comum, tanto entre estudantes que ingres- víduo em sociedade e para as pessoas que se preocupam em resolver os pro- sam pela primeira vez num curso de psicologia social, como entre pessoas blemas sociais por meio de ativismo É errôneo pensar, todavia, que que procuram inteirar-se dos ensinamentos desta disciplina por meio de li- tais objetivos constituam a preocupação principal do social. vros, participação em conferências etc. Acredito mesmo que a maioria dos leitores interessados em Psicologia social para principiantes tenha uma ex- Estudando cientificamente processo de interação entre as pes- pectativa mais ou menos parecida com a de Esperam encontrar na soas, a psicologia social permite que se tenha uma melhor com- psicologia social elementos que lhes possam facilitar entendimento e a preensão do comportamento social humano. solução dos graves problemas sociais que enfrentamos na sociedade atual. Se leitor for mais paciente que o aluno de nosso exemplo acredita- mos que ele não sairá totalmente decepcionado ao concluir a leitura deste Fernando ao trancar a matrícula no curso de Psico- livro. Verá que a psicologia social pode, de contribuir para o melhor logia Social I. Embora seu não fosse exatamente que ele espera- entendimento de vários problemas sociais e até fornecer subsídios para a ao final do mesmo ele teria acumulado conhecimentos úteis para serem solução de alguns deles. Jamais todavia, receitas prontas para utilizados na ocasião oportuna. Afinal, a sociedade, apesar de não ser a soma serem seguidas de acordo com a natureza do problema a ser enfrentado. É das características das pessoas que a integram, é constituída por pessoas que preciso logo de início, de que a essência de um sobre se relacionam com outras em seu dia a dia. Entender as causas do comporta- psicologia social versará sobre a interação humana, ou seja, sobre os com- mento social e do pensamento ensejado pelo contato com os outros dei- portamentos e pensamentos ensejados pelo fato de vivermos em constante xa de ser algo muito relevante e com possibilidades de aplicações em qual- relacionamento com outras pessoas. o objeto principal da psicologia social é quer situação em que mais de uma envolvida. indivíduo em sociedade e não a sociedade propriamente dita. fato de não Não foi só do curso, que aborreceu Fernando, vivermos isoladamente mas. ao de estarmos em constante intera- levando-o a trancar a matrícula. A utilização do método ção com nossos familiares, com nossos amigos, com nossos inimigos, com com manipulação de variáveis independentes e verificação de seus efei- nossos chefes, com nossos subordinados, com nossos pares, com pessoas tos nas variáveis dependentes, seguido de análises estatísticas complica- que conhecemos bem, com pessoas que conhecemos com pessoas que das no tratamento dos dados obtidos, tal como descrito na maioria dos admiramos, com aquelas que desprezamos, com as que participam de nossos estudos reportados em aula pelo foi demais para valores, com as que a eles se a circunstância de sermos ani- Parecia que ele estava cursando uma disciplina num departamento de mais sociais que não podem prescindir do relacionamento com outro, faz naturais, na qual a matéria é manipulada pelo experimentador para a com que nosso pensamento e nosso comportamento sejam afetados por essa verificação de leis gerais. pensou ele, "o ser humano não é maté- Cabe à psicologia social estudar como esse convívio social se pro- ria inanimada. ser humano é livre, e dono de seu próprio des- cessa, quais as leis gerais que quais as consequências do processo Como pois, ser tratado como mero objeto de manipulações experimentais?" 15 14</p><p>Fernando não se deu conta de que a busca de regularidades prováveis renomado social atualmente na Universidade de que ini- no comportamento social humano não implica a negação de seu cia este capítulo. Especificando um pouco mais em que consiste tal depen- de sua autonomia e de seu poder Quando uma professora de psico- dência e interdependência, podemos dizer que a psicologia social estuda logia social ensina que a maioria das pessoas submetidas a uma frustração nossas percepções dos outros, nossas motivações resultantes da interação reagem mais agressivamente que aquelas que não foram expostas a uma frus- com os outros, e ainda nossas atitudes, comportamentos pró-sociais (al- ela está afirmando simplesmente que fatores situacionais (no caso, a amor) e antissociais (violência, estereótipos e preconcei- frustração) instigam determinados comportamentos, sendo, pois, mais pro- tos, o comportamento grupal, a formação de amizades, as formas de influen- vável que as pessoas que foram frustradas exibam comportamento instiga- ciar as pessoas etc., uma vez adquirido conhecimento decorrente desse do por esse fator Ao utilizar método o estudo, aplica tal conhecimento ao entendimento de situações sociais e ao social nada mais faz do que criar situações de interação social e verificar os fornecimento de subsídios para a solução de problema sociais. Nos efeitos instigadores de comportamentos sociais provocados por tais situa- los que se seguem leitor terá oportunidade de ver exemplos do conheci- ções Embora predominantemente utilizado em psicologia social, não é esse método empregado nessa disciplina. Entrevistas, levantamento de mento acumulado pela psicologia social no estudo do processo de atitudes e opiniões, observação do comportamento social no ambiente natu- interação humana. ral em que ocorre, correlação entre duas ou mais variáveis, de con- Podemos agora responder à pergunta que intitula este capítulo. "so- teudo etc., são também métodos de investigação utilizados pela psicologia cial" da psicologia social não é a sociedade, mas o indivíduo em social. Nenhum desses todavia, é capaz de estabelecer uma rela- Não é o social num sentido (movimentos políticos, institui- ção de causa e efeito tão bem como método o método ções, problemas urbanos), mas o social num sentido microscópico (a intera- correlacional é capaz de nos dizer a intensidade da associação entre duas ção entre dois ou uns poucos indivíduos, suas reações o pensa- variáveis (agressividade e tempo de exposição a filmes violentos, por exem- mento que a expectativa e contato com o outro provocam). A psicologia plo), mas não a relação causal entre essas duas social nasceu no limiar do século XX e nele floresceu. Foi exatamente nesse século que mundo "encolheu", como bem disse McLuhan, método experimental é o método de investigação social mais usa- numa aldeia global, propiciando assim muito mais contato entre as pessoas. do, mas não único utilizado pela psicologia social. Ao empregar o principal objetivo da psicologia social é estudar poder da situação social método experimental com seres humanos, a intenção do pesquisa- e como ele influencia comportamento individual ou grupal. Especifica- dor é estabelecer uma relação de causa e efeito entre fatores situa- mente, constitui interesse do psicólogo social verificar as características de cionais e o comportamento por eles suscitado. Essa relação não determinadas situações sociais que são capazes de induzir as pessoas a se determina o comportamento, mas indica qual o comportamento mais comportarem de forma distinta daquela que se comportariam caso a situação provável quando tais fatores situacionais estão presentes. social fosse diferente. Nós não nos comportamos em casa exatamente da mesma maneira que nos comportamos quando estamos em presença de estra- Do exposto se infere que Fernando possuía uma visão bastante equivo- soldados na guerra são capazes de mostrar uma agressividade bem cada da psicologia social. Esta nada mais é que um setor da psicologia que distinta daquela que normalmente exibem fora dessa situação; a tomada de estuda indivíduo em interação com outros indivíduos por meio decisão no sentido de ajudar a uma pessoa necessitada é mais rápida quando do método científico (o por excelência), compreender os com- estamos a sós com tal pessoa do que quando somos apenas uma entre muitas portamentos e pensamentos suscitados pela situação de interação social Daí pessoas que podem prestar a necessária e assim por diante. o poder da a sintética definição de psicologia social apresentada por Robert B. Zajonc, situação social constitui importante fator motivador de nosso comportamen- 16 17</p><p>to. A psicologia social estuda como diferentes situações sociais influem em Exemplos e comentários ilustrativos do Finalmente, convém salientar que a interação huma- na é do homo que distingue os estudos de intera- assunto tratado neste capítulo ção humana conduzidos pela psicologia social das especulações sobre o com- 1. A trajetória seguida pela psicologia social no estudo portamento social feitas por filósofos, moralistas, romancistas e poetas é que a psicologia social seu conhecimento no método e não de seu objeto específico em meras impressões ou intuições. Embora estas possam perfeita- Quando se verificou a perseguição dos nazistas aos judeus, mundo mente ser verdadeiras, elas carecem de comprovação sistematica e não cons- se extasiou com a crueldade dos atos praticados. Outros massacres regis- tituem um conhecimento sólido e Talvez esse rigor metodológico trados pela história (contra os armênios, por exemplo) igualmente deixaram dos sociais no estudo do indivíduo em sociedade possa também perplexa a maioria das pessoas que não podia entender que estava na raiz ter concorrido para a desilusão de Fernando com curso em que ingressou. desses atos de desejo de entender o que leva as pessoas a Talvez ele estivesse esperando posições mais arrojadas sobre papel do ser perpetrarem atos tão abomináveis fez com que pessoas de diferentes seto- humano em sociedade e propostas mais ousadas de transformações Se leitor espera o mesmo deste livro sugerimos que diminua suas res políticos, religiosos, humanistas se dedi- expectativas mas que de forma nenhuma deixe de ler os capítulos que se seguem, cassem à análise do Em psicologia social, Stanley Milgram, então pois eles contêm ensinamentos de grande aplicabilidade no entendimento de na Universidade de Harvard, realizou uma série de experimentos destina- nosso relacionamento com os outros e na promoção de mudanças em nossa dos a estudar comportamento de obediência à autoridade. Nesses experi- conduta social e na dos outros. mentos, experimentador dizia ao participante do estudo que sua tarefa consistiria em ministrar choques elétricos num estudante que estava sendo Toda vez que o estudante cometesse um experimentador Resumindo diria ao participante do estudo que apertasse um botão na situada 1) A psicologia social estuda a interação entre as pessoas. em frente a ele: tal comportamento puniria o estudante pelo erro cometido 2) o poder da situação e sua influência no comportamento das pes- através de um choque Na máquina em frente ao participante havia soas constitui principal objeto de estudo da psicologia social. 15 botões que indicavam intensidades de choque que iam de 15 a 450 volts. A partir de 300 volts, a advertência "Perigo Choque Intenso" estava es- 3) método de investigação preferido pela psicologia social é crita em letras vermelhas imediatamente abaixo dos dispensadores método de choques 4) Ao utilizar o método experimental, investigador cria situações sociais e observa seus efeitos no comportamento Contrariamente à expectativa de e psiquiatras consultados antes do experimento (os quais esperavam que no máximo 1% dos partici- 5) o conhecimento adquirido pela investigação em psi- pantes chegaria a apertar botão que descarregava 450 cerca de cologia social pode ser aplicado no entendimento e na solução de 63% dos participantes desse experimento obedeceram ao experimentador e problemas sociais específicos. ministraram choque de 450 volts, não obstante o estudante (na realidade um 6) "social" da psicologia social não é a sociedade em geral, mas aliado do experimentador que seguia um script preestabelecido e que, de sim a interação entre as pessoas. não era atingido por choque algum) gritar de dor, dizer que não aguenta- 18 19</p><p>va mais após isso, apenas gemer de dor sem emitir palavras, dando a do conhecimento obtido poderá, no futuro, evitar situações que conduzam impressão de que algo muito grave havia ao comportamento que se quer evitar. Estudos posteriores verificaram que a razão mais frequentemente alegada pelos que obedecem a uma autoridade e perpetram atos que, normalmente, 2. É necessário estudo do comportamento não seriam capazes de perpetrar, é que a autoridade tem poder legítimo de social humano? exigir tal comportamento. Atribuindo comportamento reprovável a outrem, no caso à autoridade que solicitou, perpetrador do ato se exime de res- Não foi necessário advento da psicologia social para que as ponsabilidade pelas consequências do mesmo, transferindo-a para aquele pessoas fossem capazes de entender boa parte do comportamento social huma- no. moralistas, teatrólogos, poetas etc. mostram, com que prescreveu comportamento com base em sua autoridade. A alegação de frequência, uma enorme capacidade de captar comportamento social que "estavam apenas cumprindo ordens" foi feita pelos carrascos nazistas suas características, suas causas e suas consequências. Entretanto, nem sem- acusados criminalmente nos julgamentos de Nuremberg. mesmo se deu pre suas intuições são precisas. Para que se tenha uma razoável certeza de que por parte do Tenente Caley, quando acusado em tribunal americano de ter uma afirmação relativa ao comportamento social humano é verdadeira, precisa- massacrado uma população de civis na guerra do Recentemente, sol- se obter uma confirmação do que se pensa ser verdadeiro. Não equi- dados americanos que torturaram prisioneiros iraquianos fizeram mesmo. vale isto a dizer que as intuições dos gênios sejam necessariamente falsas, ou Exteriorizando a culpa, ou seja, atribuindo a outrem a causa da perpetração que senso comum seja incapaz de afirmar verdades. Intuições e senso comum, do ato hediondo, livra seu autor de responsabilidade, pois, como também entretanto, não são suficientes para um bom entendimento do comportamento verificado em vários experimentos conduzidos por psicólogos sociais, para social humano. Vejamos, a seguir, um exemplo bastante eloquente. que se atribua responsabilidade a um ato é preciso que se perceba a causa Em o cientista social Paul Lazarsfeld escreveu em sua do desse ato como sendo interna (localizada na pessoa do perpetrador em sua livro soldado americano que, via de regra, as pesquisas de levantamento vontade de agir controlável por seu agente, e que não haja circuns- revelam regularidades nos comportamentos das pessoas que são razoavel- tâncias atenuantes ou exculpatórias. mente óbvias. Por exemplo, diz ele, é comum afirmar-se que: Eis ai a trajetória seguida em psicologia social: (1) um problema envol- 1) As pessoas mais instruídas apresentam mais-sintomas neuróticos do vendo interação entre pessoas é singularizado (no caso do exemplo anterior, que as menos (É razoável esperar-se que intelectuais sejam o comportamento cruel em obediência a ordens superiores para (2) mais atribulados que as pessoas sem muitas aspirações.) pesquisas (na maioria das vezes do tipo experimental) são conduzidas e o 2) Soldados que provêm de zonas rurais se mostram mais animados em problema é analisado de forma controlada pelo (3) fenômeno sua vida militar do que os que vieram das cidades. (As durezas do campo social é entendido em consequência das pesquisas fazem com que os primeiros suportem mais as exigências da vida militar.) Claro que entendimento de por que pessoas normais chegam a perpe- 3) Soldados sulistas aguentam melhor clima quente das ilhas do trar atos repugnantes em obediência a uma autoridade não resolve proble- sul do que os soldados que vêm do Norte. (Obviamente, os sulistas ma da ocorrência de massacres ou objetivo das pesquisas men- americanos estão mais acostumados ao calor que os nortistas.) cionadas foi apenas de procurar uma explicação para o fato de pessoas 4) Um sargento branco luta mais por uma promoção que um negro. (De- aparentemente normais chegarem a tais extremos de crueldade. A aplicação vido à opressão de que foram vítimas, os negros são menos ambiciosos que os brancos.) 20 21</p><p>5) Durante o combate, os soldados eram mais desejosos de voltar aos Esta- Para Zimbardo a resposta é simples: se colocarmos pessoas boas numa dos Unidos do que depois da capitulação da Alemanha. (Afinal de contas, é situação infernal, a situação infernal vencerá sempre. Para um ambiente compreensível que as pessoas não queiram morrer em combate.) como de uma prisão tem forças poderosas que poderão suplantar anos de Lazarsfeld propositadamente listou esses achados de forma contrária ao socialização, de traços pessoais ou de valores profundamente enraizados. que foi de fato verificado nas pesquisas. Ele fez para mostrar que afirmações O leitor provavelmente terá observado entre pessoas de suas relações como uma determinada situação social (por exemplo: um jogo de futebol, que parecem segundo o senso comum, às vezes não são um baile de Carnaval, uma passeata de natureza etc.) pode provocar Apesar de os comentários entre parênteses após cada uma das afirmações ante- comportamentos inesperados por parte dessas pessoas. riores serem perfeitos do ponto de vista do senso fato é que todas essas afirmações são erradas, isto nenhuma delas de fato ocorreu quando comportamento dessas pessoas foi observado. Portanto, embora muitas vezes correto, o senso comum pode ser responsável por afirmações totalmente equi- vocadas. Dai a necessidade da psicologia social e do rigoroso de estudo do comportamento social humano que ela utiliza. 3. o poder da situação social Um estudo conduzido por Philip Zimbardo acerca das reações de indivi- duos normais expostos a uma situação de encarceramento é um excelente exemplo da influência do poder da situação no comportamento individual. Num estudo que se tornou classico em psicologia Zimbardo criou uma de uma prisão no subsolo do departamento de psicologia da Universidade de A 12 dos 24 participantes do estudo foi atribuído papel de guardas e, aos outros 12. o de prisioneiros. Programado para 15 dias, estudo não chegou a durar uma semana: que era para ser uma simu- lação funcional transformou-se num verdadeiro drama, em que os atores per- deram de vista seus papéis passando a atuar como prisioneiros ou guardas reais. Entre os resultados inesperados, observaram-se casos de violência, ameaças, distorções perceptivas temporais, sintomas psicosso- máticos, abuso do poder e Como rapazes de classe média, sem antecedentes criminais ou alterações de personalidade conforme eviden- ciado por uma bateria de testes psicológicos puderam em tão pouco tempo mudar pensamentos e sentimentos, alterando valores de toda uma existência e deixando vir à luz lado pior de suas personalidades? 22</p><p>2 Como conhecemos as pessoas com as quais interagimos? Não vemos as coisas como elas nós as vemos como nós Anais Nin Você viu como Paulo me olhou?! Viu como ele quis parecer tico? Será que ele não sabe que eu sou comprometida e que não quero nada com ele? Se isso acontecer outra ele vai ouvir que não gosta. Luiza, isso é o jeito ele não faz por Paulo sempre está com um sorriso nos lábios quando encontra uma pessoa. Talvez ele goste mesmo de mostrar-se mas não há segundas in- tenções no comportamento dele. Eu o conheço bem e sei que ele seria incapaz de fazer o que você lhe está Que Você está dizendo isso porque é amiga dele. Ele já fez isso com a Gilda Ele não respeita as Por que João, aquele que estava com ele, não teve esse comportamento? De- pois, eu conheço Homem com aquele modo de com aquele penteado, com aquele jeito macio de falar, só pensa em con- quista. Conheço vários desse tipo. parece que não mesmo lhe convencer. Saiba, entre- tanto, que você está fazendo uma grande injustiça com o Paulo. Você já procurou descobrir por que você desconfia de todo mundo que é judeu? como este são comuns. Constantemente estamos procurando as intenções subjacentes aos comportamentos das pessoas com quem interagimos. Se vemos uma pessoa dando uma esmola a um pobre, muitas</p><p>vezes especulamos sobre as possíveis razões de tal comportamento. to tenha concorrido para a impressão que fez de Paulo como conquistador que se trata de uma pessoa genuinamente caridosa? Ou será que está fazen- desrespeitoso, de vez que a negatividade de sua atitude para com os judeus do isso para parecer caridoso? Ou será ainda que está dando esmola apenas veio reforçar e adequar-se bem à sua teoria sobre homens que sorriem e para livrar-se do pobre? Assim como Luiza demonstrou no diálogo anterior, olham para as mulheres, mesmo que tais comportamentos possam ser inter- não raro temos uma teoria implicita de personalidade, segundo a qual pes- pretados diferentemente por outras pessoas que não sejam preconceituosas e soas que manifestam determinados traços apresentarão necessariamente com- que não tenham a mesma teoria que relaciona certos comportamen- portamentos compatíveis com esses traços, tudo de acordo com um esquema tos a certas disposições De acordo com a epígrafe que inicia este preestabelecido e determinado pela teoria que formulamos. A crença numa Márcia muito provavelmente está vendo Paulo não necessariamen- teoria que aglutina características pessoais nos possibilita, uma vez encon- te como ele é, mas como ela tradas tais características nas pessoas, fazer inferências sobre suas intenções preconceito é uma atitude negativa em relação às pessoas de um gru- e comportamentos, facilitando nosso entendimento dos outros. Às vezes pos- po. A base cognitiva do preconceito é estereótipo. Geralmente o preconcei- suímos teorias sobre determinados grupos. É que os sociais to deriva da tendência que temos a categorizar as pessoas e a diferenciar chamam de estereótipos e que consistem na atribuição de determinados tra- "nós" dos Tudo que pertence ao é bom e e tudo que aos membros de um certo grupo. pertence à categoria "outros" é mau e Mas há outros fatores que No Brasil temos acerca dos nordestinos, dos cariocas, dos conduzem à atitude preconceituosa. Quando grupos disputam recursos es- paulistas, dos mineiros, dos gauchos etc. mesmo acontece com grupos cassos ou quando se identificam com um grupo específico (por exemplo: um nacionais e com grupos raciais. Esses estereótipos possuem algo de verda- clube de futebol, uma universidade, um estado ou é comum surgir deiro, porém podem, num caso particular, ser totalmente falsos. Eles decor- preconceito em relação ao adversário na luta por recursos ou aos membros rem da generalização de observações individuais para todo grupo a que dos outros grupos diferentes. Pesquisas em psicologia social indicam o pertence a pessoa em que recaiu a preconceito pode ser diminuído ou mesmo eliminado por meio de contato fato de termos uma experiência desagradável com um por direto entre os grupos, que, muitas vezes, propicia mais conhecimento mútuo exemplo, não significa que todos os franceses procederão da mesma forma em consequência, uma mudança nos que alimentam o precon- que esse francês em particular. Quando é integrado por aspec- ceito; estímulo à cooperação entre grupos também leva à diminuição de pre- tos puramente negativos (por exemplo: os negros são preguiçosos e conceito; e ainda, a existência de uma ameaça externa que afeta os grupos delinquentes; os judeus são avaros e falsos estamos diante daquilo que preconceituosos pode levá-los a unirem-se contra tal ameaça e a uma consequen- se chama em psicologia social de preconceito. Apesar de ilógico, nós utiliza- te redução da atitude negativa entre eles. mos esses esquemas sociais em nosso dia a dia. Rotulamos as pessoas (es- Não é só em relação aos outros que reagimos de forma quemas os grupos (estereótipos e preconceitos); as funções Existem também os autoesquemas ou esquemas dirigidos a nosso próprio eu (esquema de papéis, como ocorre quando esperamos determinados compor- e que funcionam da mesma forma que os demais esquemas. Temos sobre tamentos de professores, atletas, funcionários públicos No que nós mesmos um conjunto de crenças acerca de como somos e essas crenças iniciou este capítulo, vimos que Márcia tem sua própria teoria acer- podem ou não ser verdadeiras. Em nossos esforços de conhecermos os ou- ca de pessoas que sorriem e olham de uma certa maneira e em determinadas tros e suas intenções, nós nos baseamos também em certas expressões faciais circunstâncias a julgar-se pela insinuação de Luiza, possui uma e gestos corporais que são razoavelmente inequívocos (o riso, choro, atitude preconceituosa contra os judeus. É pois, que seu preconcei- franzir a testa, arregalar os olhos, o abrir a boca que, mais ou menos univer- 26 27</p><p>acima ilustra um muito frequente no relaciona- comportamento observado em outro. Finalmente, quando Mônica chama a mento interpessoal. Fritz Heider. um dos maiores sociais de atenção para comportamento idêntico de Cláudia, ela imediatamente segue todos os tempos, mostrou que tendemos a atribuir nossas ações e a dos tendência atribuindo à sua sinceridade fato de ter sido outros a fatores internos (nossas próprias disposições e intenções) e a fato- boazinha e não ao desejo de agradar a José, como lembrado por res externos (pressão características da situação etc.). Os estudiosos do de atribuição afirmam que é frequente nós incidirmos naquilo que denominam erro fundamental de atribuição, qual consiste na tendên- Ao fazermos atribuições causais ao comportamento de outras pes- cia de atribuirmos às ações de outras pessoas causas internas disposicionais, soas, somos influenciados por certas tendenciosidades cognitivas Em outras palavras, quando julgamos as ações de ten- que influem no processo atribuicional. Tais tendenciosidades po- demos a descartar possíveis fatores externos capazes de produzir o compor- dem fazer com que nossas inferências não correspondam à reali- dade. tamento observado e focalizamos apenas as disposições internas da pessoa que as emitiu. Outra tendência muito comum apontada pelos estudiosos do de atribuição é a tendência a fazermos atribuições a fatores inter- Embora nossas atribuições sejam afetadas por erros e nos quando julgamos os outros e a fatores externos quando julgamos nossas os sociais têm procurado identificar certos fatores que nos aju- próprias Assim, se uma pessoa deixa cair um prato da nós a dam a fazer inferências mais correspondentes entre os atos e as disposições consideramos desatenta e desastrada; se fazemos a mesma coisa, logo das pessoas. Segundo os sociais E. Jones e K. Davis, há três fato- atribuímos o acidente a fatores externos, tais como alguém nos haver empur- res que nos levam a sentir-nos mais confiantes de que nossas atribuições rado, ou o prato estar escorregadio etc. somos influenciados por correspondem de fato às disposições subjacentes ao comportamento de uma aquilo que esses estudiosos chamam de tendenciosidade autosservidora, pessoa, e que emanam de sua vontade. Tais fatores são: ou seja, uma tendência a fazermos atribuições que nos protejam, que sirvam liberdade na emissão do comportamento, isto nada indica que a pes- ao nosso ego, que nos façam parecer bem aos nossos olhos e aos olhos dos soa tenha sido forçada a comportar-se da maneira que fez; outros. Assim, quando temos atribuímos a razão do sucesso às nossas comportamento não é uma consequência comum a várias causas, ou qualidades; por outro lado, se fracassamos, a culpa é sempre de algo ou seja, típico de uma determinada disposição interna da pessoa; isto de fatores externos a comportamento não é um comportamento muito desejado socialmen- Essas tendências são prevalentes em nosso comportamento, mas elas ou não segue necessariamente uma norma social que o prescreva não são os fatores instigadores desse comportamento. Quando há in- numa determinada situação. teresses em jogo, estes podem prevalecer sobre tais Vimos no diálogo fictício que precedeu esta seção acerca do processo de atribuição Quando um comportamento de uma pessoa é percebido como atendendo que Mônica começa incidindo no erro fundamental de atribuição ao dizer a essas três nos sentimos mais confiantes ao inferirmos as que Mário só ia casar-se com Joana por motivações internas (querer se mos- disposições a ele subjacentes. Por exemplo, digamos que uma pessoa se diri- trar) e não por fatores externos (qualidades de Joana). Em seguida, como seu ge livremente a um organizador de uma festa e lhe diz: "Olha, fulano, veja se interesse era desmerecer Joana, ela faz atribuições externas para o bom com- na próxima vez organiza uma festa porque esta estava portamento de Joana apontado por Cláudia. Prevaleceu interesse em Ora, a pessoa não foi solicitada a fazer esse comentário e fez por livre e denegrir Joana sobre a tendência de fazermos atribuições internas para o espontânea vontade; trata-se de um comportamento que não é comum a causas, como seria, por exemplo, um comportamento de elogio à 30 31</p><p>festa, pois isso poderia ser causado pelo fato de a pessoa estar de fato Maria um temperamento e querelante ou a causa de seu comportamen- apreciando a festa ou pelo fato de ela querer ser finalmente, esse to é a atitude de seu professor? Se sabemos que Maria discute sempre com comportamento não é prescrito por qualquer norma social de polidez. Nessas (alta consistência), que também discute com seus outros professores (bai- circunstâncias é bem provável que tal comportamento conduza à inferência especificidade), e que os outros alunos não discutem com professor de de que a pessoa não gostou mesmo da festa. português (baixo concluímos que a causa das discussões de Ma- Outro renomado teórico da atribuição, Harold Kelley, também apresenta ria com seu professor reside em seu temperamento critérios importantes para nossas atribuições de causalidade interna (motivos e Finalmente, uma breve referência a dois estudados pelos intenções da pessoa) ou externa (influência de fatores do mundo exterior). logos sociais quando focalizam de percepção social e de cogni- Para quando procuramos as razões para comportamento de uma social, isto quando procuram entender como percebemos as outras pessoa, prestamos especial atenção a três fatores principais, a saber: pessoas e nossos próprios comportamentos em direção a essas pessoas e como consenso, ou seja, a medida em que outras pessoas reagem de forma idêntica nosso pensamento processa as informações derivadas do processo de intera- à da pessoa cujo comportamento estamos considerando frente ao mesmo es- ção social. Esses tópicos dizem respeito ao que ficou conhecido pelo tímulo ou consistência, isto a medida em que a pessoa reage da nome de e de tendenciosidade (bias). mesma forma ao mesmo estímulo ou evento em outras e especifici- Heurística é o nome dado a regras simples e rápidas, isto a verdadei- dade, ou seja, a medida em que a pessoa reage da mesma forma ou não a ros "atalhos" por utilizados para fazermos inferências (nem sempre cor- outros estímulos diferentes. Um exemplo ajudará entender melhor a posição retas...). Tendenciosidade é o nome usado para significarmos os erros e as de Kelley. Digamos que uma pessoa ri de uma piada. Como saberemos se a distorções que cometemos em nosso processo de percepção e de cognição piada é de fato engraçada ou se a pessoa "tem riso frouxo"? Seguindo-se os social. erro fundamental de atribuição autosservidora, três critérios apontados por Kelley, poderemos fazer atribuição de jocosidade já mencionados anteriormente, são exemplos de tendenciosidades cogniti- à piada ou de facilidade de rin à pessoa da seguinte forma: primeiramente, vas. Quanto aos "atalhos" que fazemos para facilitar nosso entendimento da procuramos saber se outras pessoas riem da mesma piada; se riem, realidade social, podemos citar seguinte: nossa tendência em rapidamente mos que consenso é alto. Em seguida, indagamos se sempre que a piada é enquadrar uma pessoa numa categoria, uma vez verificado que ela apresenta contada as pessoas riem, ou se o fazem em certas se sempre alguns traços de um exemplar típico dessa categoria. Outro atalho conhecido riem, fator consistência é também alto. Finalmente, perguntamos se a pes- é chamado de "falso que trata da propensão a achar que nossa soa ri dessa piada ou de toda e qualquer piada que lhe se ela ri posição a respeito de algum ou assunto é partilhada por um grande especificamente diante desta e não de qualquer piada, a especificidade é tam- de pessoas. "Todo mundo acha isso" é que frequentemente dize- alta. Quando consenso, consistência e especificidade são todos altos, mos em apoio à nossa sem nos darmos conta que nem sempre isso é comportamento é atribuído a causas externas, isto no exemplo dado, con- verdadeiro. Outro exemplo de recurso a tais atalhos que nos permitem ir clui-se que a piada é de fato engraçada. o oposto, ou seja, que direto à conclusão sem necessário exame completo da situação é a tendên- a pessoa que riu é que tem a característica de à toa. caso consenso fosse cia que temos a sermos influenciados por aquilo que nos está mais facil- baixo (outras pessoas não riem da a consistência fosse alta (a pessoa mente à disposição. Por exemplo: ao sabermos da ocorrência de um desastre sempre ri da piada) e a especificidade fosse baixa (a pessoa ri sempre diante de avião, somos mais propensos a julgar que viajar de avião é mais perigoso de qualquer piada e não apenas diante desta em particular). Vejamos um do que viajar de um julgamento que é invalidado pelas outro exemplo. Maria sempre discute com seu professor de Terá cas de acidentes com esses dois meios de transporte. Como a notícia do 32 33</p><p>acidente de avião está mais saliente em nossa tendemos a recorrer mentos que percebemos, isto queremos conhecer as disposições internas esse dado facilmente à disposição e não ao conjunto de informações sobre a que explicam comportamento observado. Nessa incidimos em vá- frequência de acidentes ocorridos com aviões e com rios erros de atribuição e de julgamento. Esses erros são causados por ten- denciosidades cognitivas, por atalhos utilizados para inferências, pelo fato de tendermos a ter uma teoria de personalidade que nos faz agrupar Esforços têm sido feitos no sentido de indicar critérios que tor- certos traços de personalidade e daí inferir outros, e ainda pela interferência nem nossas atribuições mais correspondentes à realidade. de nossos interesses, estereótipos, valores e preconceitos no processo per- Quando temos suficiente informação acerca do comportamen- ceptivo. A psicologia social nos mostra quão suscetíveis somos ao que to a que atribuímos determinadas causas, os critérios aponta- chamamos de erros de atribuição e de interpretação. Ela nos ensina também dos por Jones e Davis e por Kelley nos ajudam a fazer atribui- como proceder para minimizar tais erros, quer através da conscientização da ções mais correspondentes à realidade. Muitas vezes, porém, existência dessas tendências, quer através de recomendações para atribui- não temos suficiente informação e, além disso, é dificil eliminar ções correspondentes e válidas. Se leitor ainda tem alguma dúvida sobre a totalmente a influência do erro fundamental de atribuição e de- correção das descobertas da psicologia social, sugerimos que ele preste aten- mais Em virtude de tendermos ao menor a uma discussão entre pessoas com e interesses esforço cognitivo possível, recorremos a atalhos cognitivos ou Tudo que possa parecer bom no comportamento do antagonista é percebido heurísticas que, ao mesmo tempo que tornam mais fácil nos- como sendo causado por fatores tudo que sinaliza conduta é sas inferências, muitas vezes nos induzem a erros. percebido como genuinamente decorrente de uma disposição interna do ad- versário. Muitas vezes, fatos extremamente parecidos são interpretados de Muito importante no processo de atribuição de causalidade são as carac forma totalmente diversa pelas partes em conflito. Isso era muito de ser terísticas de internalidade ou externalidade, estabilidade ou instabilidade visto no tempo da guerra fria. Se a então União invadia a Hungria controlabilidade ou incontrolabilidade da causa de um determinado compor ou a seus defensores atribuiam esse ato a uma necessidade tamento. Conforme demonstrado por Bernard Weiner, tais características de proteção desses países contra a agressão imperialista; a ex-União Sovieti- causais determinam os afetos e os comportamentos que se seguirão às atri- ca era, então, percebida por seus simpatizantes como defensora da liberdade buições feitas. Se fracassamos por falta de esforço (uma causa interna, insta- protetora de seus aliados. Aos olhos dos Estados Unidos e de seus aliados, vel e sentiremos remorso, culpa e vergonha e procuraremos nos todavia, a conduta dos era percebida como uma agressão revol- esforçar mais no futuro; se fracassamos por falta de aptidão (uma causa inter tante e injustificada, verdadeiro estupro a um país indefeso e amante de sua na, estável e sentiremos tristeza e decepção mas não remorso liberdade e soberania. Se, entretanto, era a vez de os Estados Unidos invadi- ou culpa, e provavelmente seremos pessimistas quanto à possibilidade de rem a Dominicana ou a Ilha de Granada, tal ato era execrado pelos não fracassar no futuro. Em outros capítulos deste livro voltaremos a consi- como mais uma agressão imperialista, enquanto que os america- derar a contribuição de Weiner que se aplica a situações sociais. nos alegavam estar apenas defendendo a democracia num país ameaçado pela tirania comunista. Como dizia o poeta Virgílio, felix qui potuit rerum Conclusão cognoscere causas (feliz aquele que pode conhecer as causas das coisas). Nós estamos sempre procurando as causas das coisas via de encon- Concluindo, podemos dizer que em nossos contatos sociais temos a ten- trando-as. Infelizmente, nem sempre elas constituem as verdadeiras dência de procurar conhecer as características subjacentes aos comporta- causas dos comportamentos por nós observados. Verdadeiras ou não, que 35</p><p>importa para que se entenda comportamento das pessoas em interação com em pé, em atitude de confrontação, um sendo branco e outro negro. homem outras é como elas percebem os independentemente de estas per branco segurava em sua mão uma navalha. A cena era brevemente mostrada cepções corresponderem ou não à realidade. participante do estudo que, em seguida, era solicitado a narrar que viu a outro participante que, por sua vez, era solicitado a descrever a cena a um Resumindo terceiro, e assim por Depois da sexta pessoa a receber a descrição da na maioria das sessões em que o estudo foi repetido, a navalha que 1) Em nossa interação com as outras pessoas, registramos que estava inicialmente na mão do homem branco era apresentada agora como acontece de forma mais ou menos distorcida, em função de nos- estando na mão do homem de cor, numa clara demonstração de como pre- SOS interesses, vieses, atitudes e formas de fazer atribuições. conceito racial das pessoas é capaz de alterar suas percepções para 2) Esquemas sociais e (atalhos cognitivos) são parti- compatíveis com suas atitudes internas. cularmente importantes influentes em nossas percepções. Ao mesmo tempo em que facilitam a feitura de inferências acerca da 2. Exemplo de profecia autorrealizadora realidade social, eles nos levam a distorções dessa mesma reali- dade. Em 1968, os sociais Robert Rosenthal e Lenore Jacobson conduziram um estudo que consistiu no seguinte: aplicaram um teste que 3) o fenômeno da atribuição de causalidade é um fenômeno co- media o QI dos estudantes de uma escola em seguida, seleciona- mum e complexo. Tendemos a buscar as causas das coisas e ram arbitrariamente uns tantos alunos e disseram aos professores que tais dos comportamentos, mas nem sempre somos capazes de fazer alunos mostraram desempenho superior no teste e que, certamente, eles atribuições corretas. iriam despontar no próximo ano como alunos Com isso eles 4) As características das causas (internalidade/externalidade es- criaram uma determinada expectativa nos professores em relação ao desem- tabilidade/instabilidade e controlabilidade/incontrolabilidade) influ- penho superior desses alunos escolhidos ao Os alunos foram observa- em nos afetos que se seguem à atribuição causal, bem como nos dos em classe periodicamente no ano seguinte fim do ano, seus QIs comportamentos que suscitam. avaliados Tal como esperado, aqueles alunos que foram classifi- cados ao acaso como "muito promissores" aumentaram seus escores no teste de QI significativamente mais do que os que não foram assim rotulados. Exemplos e comentários ilustrativos do tratamento dispensado pelos professores aos alunos rotulados como "muito assunto tratado neste capítulo promissores" foi responsável por essa diferença. Pela observação dos experimentadores, os professores, durante ano, deram maior atenção 1. Distorções perceptivas causadas pela existência de aos "promissores", e lhes deram mais apoio e os professores preconceito também deram material de estudo mais difícil, melhor feedback após as tare- mais oportunidades em classe e mais tempo para responder perguntas do Em os sociais Gordon Allport e Leo Postman apresen- que deram aos demais alunos. Esse tratamento diferencial foi responsável taram a um participante de seu estudo um desenho de uma cena num carro de pela "confirmação da profecia" de que os "promissores" despontariam como A cena apresentava cinco pessoas sentadas nos bancos e dois homens alunos brilhantes no ano seguinte. 36 37</p><p>3. de certas características centrais na entre pessoas de diferentes raças, propiciado pelo fato de viverem num pro- percepção de pessoas jeto residencial integrado, provocaria mudança na atitude de preconceito de brancos em relação a pessoas da raça negra. estudo se realizou em dois Em 1950, o renomado social Harold H. Kelley disse a diferentes projetos residenciais, um nas proximidades e outro na cidade de Nova turmas de estudantes universitários que um conferencista por ele convidado estudo tinha por objetivo principal verificar a influência exercida pelo fato seria encarregado de ministrar a aula da semana seguinte. Os estudantes de um desses projetos ser segregado e o outro integrado racialmente, na even- foram também informados de que departamento a que pertenciam estava tual mudança de atitude preconceituosa de brancos em relação a negros. Fo- interessado em saber como diferentes turmas reagem a diferentes conferen- ram conduzidas 525 entrevistas com donas de casa moradoras em ambos os cistas por isso, eles iriam receber uma breve descrição sobre a formação projetos residenciais, as quais foram selecionadas por meio de um procedi- a experiência e a personalidade do conferencista antes de a aula mento de escolha aleatória. começar em seguida, seriam solicitados a responder a um Os estudantes receberam por escrito uma breve descrição do conferencista. Duas A conclusão mais importante da pesquisa foi a de que a convivência descrições foram confeccionadas. Elas eram absolutamente idênticas no que inter-racial no projeto integrado fazia com que os brancos tivessem atitudes diz respeito à formação à experiência e à personalidade do confe- mais favoráveis aos negros. Tal ocorreu apenas no projeto residencial inte- rencista, à exceção de que uma versão dizia que "as pessoas que conhecem grado. Como dizem Deutsch e Collins "num experimento ex post (isto bem conferencista consideram uma pessoa muito afetuosa, realizadora, um experimento que estuda um fato depois de mesmo ter ocorrido), com boa capacidade pratica e decidida"; e a outra, era idêntica em "como que estamos descrevendo aqui, há sempre a necessidade de sermos tudo, exceto ao dizer que conferencista era tido como "uma pessoa fria" ao cautelosos ao fazer inferências de causa e efeito. Temos que enfrentar, inevi- invés de "afetuosa". Em outras palavras, a diferença na descrição do tavelmente, a pergunta: 'Que veio Isto as diferenças de atitudes conferencista era que, em uma versão ele era descrito como uma pessoa entre as donas de casa do projeto integrado e as do projeto segregado bfr- afetuosa na outra, como uma pessoa Essas duas versões foram distri- racial existiam antes de elas residirem em tais projetos e talvez tenham buídas aleatoriamente aos alunos. conferencista, depois de sua exposição, fato de elas residirem num ou noutro tipo de projeto residencial? Ou dedicou os vinte minutos finais à discussão da mesma com os alunos. Os as diferenças em atitude resultaram do fato de elas viverem nos dois projetos resultados da pesquisa confirmaram esperado, ou seja, os que receberam a diferentes?" (cf. p. 615). Faz-se mister determinar com precisão se havia ou versão descrevendo conferencista como "afetuoso" avaliaram-no mais po- não uma atitude pelo menos mais fraca de preconceito contra negro por parte sitivamente e fizeram maior de perguntas na não obstante daquelas donas de casa que habitavam no projeto residencial integrado an- o fato de a pessoa avaliada ser a mesma e a conferência proferida ter sido tes de lá residirem. Se isto não for esclarecido, problema da autosseleção idêntica. Esse estudo ilustra a influência de certas características centrais (os menos preconceituosos iam para projeto integrado racialmente e os (afetuoso/frio) em nossas percepções dos outros. mais preconceituosos se recusavam a passaria a desempenhar papel preponderante, invalidando as conclusões da pesquisa. Em outras palavras, poder-se-ia dizer que as duas amostras não eram semelhantes ao ingressarem 4. Diminuição de preconceito racial por meio de contato nos projetos residenciais. Elas se teriam autosselecionado no sentido de que, direto em face à diferença de atitude preexistente em relação a negro, as pessoas Em 1951, os sociais Morton Deutsch e Mary E. Collins con- integrantes das amostras se dirigiram seletivamente para um ou para outro duziram uma pesquisa em ambiente natural para verificar se o maior contato tipo de projeto residencial. 38 39</p><p>Deutsch e Collins apresentam, no entanto, uma série de indícios de que tidade de contato mantido antes da mudança, não se verificou diferença entre não havia diferença em atitudes antes de as pessoas ingressarem nos projetos os dois projetos, diminuindo assim a possibilidade de que as moradoras do residenciais. Vejamos aqui alguns deles. Os pesquisadores salientam que na projeto integrado tinham, inicialmente, menos preconceito racial. Um último ocasião em que os moradores ingressaram no projeto havia uma desesperada indício de que a conclusão dos autores está correta: comparando os morado- procura de habitação. Acreditam eles que essa motivação seria superior a res do projeto integrado que estavam nele há muitos anos com os que nele qualquer desejo de evitar contato com pessoas de outra levando-os, por residiam há pouco verificou-se que os primeiros tinham atitudes me- conseguinte, a acreditar que não houve seleção prévia, pois a necessidade de nos preconceituosas que os que demonstra a influência do conví- obter moradia era premente. Além disso, na ocasião em que ingressaram, os independentemente de atitudes iniciais. moradores não tinham opção entre projeto segregado ou integrado, pois to- Esse estudo mostra que a mudança no dos que dos os projetos segregados já estavam completamente lotados. Buscando servem de base a uma atitude preconceituosa gera uma mudança na própria mais indícios de que não houve autosseleção, os pesquisadores verificaram atitude a que serviam de base. convívio propiciado pelo fato de serem a porcentagem de pessoas que se recusaram a morar nos projetos residen- vizinhos fez com que os brancos verificassem a inadequação de vários este- ciais estudados quando lhes foi oferecida a oportunidade. Houve apenas 5% que mantinham em relação às pessoas da raça que suscitou de recusas dentre esses apenas alguns alegaram motivos relacionados mudança na atitude preconceituosa. com problema racial. Por outro lado, a maioria das pessoas entrevistadas revelou que sabia, anteriormente à sua mudança para os conjuntos residen- ciais, que eles eram integrados ou Indicação adicional em favor de não ser a possível existência de atitudes prévias favoráveis aos negros entre as donas de casa residentes nos dois projetos é o fato de uma amostra de crianças em ambos os projetos ter sido entrevistada. Os resultados confir- maram a menor ocorrência de preconceito contra negros entre as crianças do projeto integrado. Ora, é improvável que as crianças tivessem exercido qual- quer participação relevante na decisão tomada pelos pais de morarem nesse ou naquele projeto. Elas simplesmente seguiram que foi decidido. fato de constatar-se entre as crianças uma diferença entre os moradores dos dois projetos aumenta a certeza de que a convivência favorece a dimi- nuição do preconceito. Ademais de todos esses Deutsch e Collins fizeram perguntas especificamente destinadas a verificar como as donas de casa entrevistadas se sentiam antes de morarem nos conjuntos residenciais no que concerne a preconceito. Por meio de perguntas retrospectivas, foi verificado o quanto elas haviam mudado em suas ideias acerca de negros antes e depois de habitarem no qual a quantidade de contato que elas haviam tido com negros antes de se mudarem etc. As respostas a essas perguntas indicaram que as donas de casa do projeto integrado reconheciam uma signifitiva mudança em suas ideias acerca de quanto à quan- 40</p><p>3 Como conhecemos a nós mesmos? Uma pessoa pode entender cosmos, mas nunca seu eu: eu está mais distante do que qualquer estrela. G.K. Chesterton (a) Ricardo diz para si mesmo: - Eu pensava que era uma pessoa mas depois que vi os meus colegas se comportarem quando colocados na mesma situação em que me veri- fiquei que não sou tão tenso assim. (b) Sendo Andrea uma moça refinada, formada em medicina e lente desportista, é entender-se por que ela é tão autoconfiante. (c) Luiza está sempre se depreciando e se julgando inferior a suas amigas. Apesar de possuir ela sempre se consi- dera aquém de suas (d) Ao preparar-se para uma entrevista de seleção para um Jorge faz uma lista cuidadosa de todas as suas virtudes e estuda a melhor maneira de responder ao procurando assim dar a melhor impressão possível de si mesmo. (e) Antes de iniciar uma partida de Roberto tem por hábito dizer aos presentes ao jogo que ele não está no melhor de sua forma física e técnica e que acha muito vencer a partida. (f) João diz a Paulo: - Essa guerra contra o terrorismo não vai termi- nar nunca. Paulo responde: - Como pode você saber disso? Ao que João retruca: - Já falei com varias pessoas que estudam o problema do terrorismo e todas elas concordam comigo.</p><p>(g) Flávia pergunta a Joana: Por que você usa esse produto se por Daryl Bem, a teoria da propõe que para termos certeza sabe que há outros melhores? E Joana responde: Porque esse é de como são nossos sentimentos e nossas atitudes é necessário atentar para o que está na moda e sendo usado pela alta sociedade. comportamento que exibimos quando experimentamos tais sentimentos ou No capítulo anterior vimos que, ao tentarmos conhecer as outras pes- expressamos tais atitudes. Assim, se eu pratico uma boa ação quando a re- soas, somos influenciados por uma série de fatores subjetivos, justificando a compensa para fazê-lo é elevada, mas não a pratico quando a recompensa é epígrafe daquele capítulo segundo a qual vemos a realidade não como pequena ou inexistente, concluo que não sou uma pessoa genuinamente boa mas, ao contrário, uma pessoa que só faz bem por interesse próprio. ela mas como nós somos. E quanto ao conhecimento que temos de mesmos? Será que existe maior objetividade nesse conhecimento? Esse É por isso que se uma criança faz algo bom espontaneamente (motivação tem atraído a atenção dos sociais nas décadas. Como devemos elogia-la e mas nunca em demasiado, veremos, também aqui seguimos nossas tendenciosidades e não é fácil for pois a existência de fortes razões externas (motivação para a crian- mar-se uma impressão verdadeira de como somos realmente. Mas os estudos emitir bom comportamento que emitia espontaneamente pode fazer com sobre esse tema vão além da mera tentativa de conhecer-nos a nós que sua motivação intrínseca por diminua, e ela passe a emiti-lo ape- estudo do eu em psicologia social engloba três aspectos principais: como nas quando na presença de incentivos externos. nos conhecemos a nós mesmos (aspecto quanto gostamos de nos Podemos também conhecer nossas emoções através da observação das mesmos (aspecto e como nós nos apresentamos aos outros (aspecto circunstâncias nas quais elas são vividas. Se as batidas de nosso coração se comportamental). Vejamos a seguir cada um desses três aspectos. aceleram quando um feroz de se aproxima, esta alteração fisiológica nos sinaliza que estamos com medo; a mesma alteração fisiológica verifica- Como conhecemos a nós mesmos da quando na presença da pessoa amada nos indica atração sexual. Uma terceira forma de nos conhecermos é através de comparação com Apesar da epígrafe acima ter alguma validade, fato é que todos nos outras pessoas. o exemplo constante da letra (a) dos vários pequenos fazemos um esforço para conhecermos nosso eu, como realmente os que iniciam este capítulo nos mostra como isso ocorre. Ricardo julgava mos. Uma das formas utilizadas para conhecermos como somos é a in- ser uma pessoa tensa até que se deparou com comportamento de outras isto a reflexão acerca daquilo que nos caracteriza. Examinar a pessoas em situações Comparando seu com o maneira pela qual pensamos, sentimos e agimos nos fornece valiosas de seus colegas, ele se deu conta de que eles mostravam muito mais nervosis- mações acerca de como nos Essa forma de conhecimento de nosso mo e ansiedade do que ele, levando-o a concluir que não é uma pessoa tão próprio eu não é completamente eficaz por dois motivos: (a) via de regra, tensa como pensava. não dedicamos muito tempo a refletir acerca de como somos; (b) Leon Festinger, famoso social e proponente de importantes fatores inconscientes podem induzir-nos a percebermo-nos de uma maneira teorias psicossociais, em sua teoria sobre os processos de comparação social que não corresponde exatamente ao que somos na realidade. nos diz que, na ausência de critérios objetivos para avaliar nossas habilida- Outra forma de nos conhecermos é por meio de inferências tiradas de des e nossas recorremos ao processo de comparação social para nossos comportamentos. Assim, se nosso comportamento mostra preocupa- obtermos uma ideia mais precisa dessas habilidades e A teoria diz ção pelo bem-estar de outrem, concluímos que somos empaticos e ainda que não nos comparamos com qualquer pessoa, mas sim com aquelas Se passamos as tardes de domingo ouvindo música inferimos que que são parecidas a ou seja, de idade semelhante, de experiências pare- somos amantes de música erudita. E assim por diante. Uma teoria proposta cidas, da mesma cultura, do mesmo nível intelectual etc. Se queremos saber 47 46</p><p>se somos bons ou maus jogadores de futebol. não vamos comparar o real e seu eu ideal: dai seu descontentamento consigo mesma, embora a desempenho com o desempenho de campeões mundiais desse esporte. Fare maneira pela qual ela se vê possa não corresponder à mos a comparação com pessoas de idade não dedicados a treina- Pessoas com baixa autoestima são inseguras e, dependendo da intensi- mento especial, não profissionais do futebol etc. mesmo ocorre quando dade do sentimento de baixa autoestima, necessitam de ajuda profissional queremos avaliar a validade de uma opinião nossa. o reproduzido na para melhor viver suas vidas. Como esse é um assunto mais de psicologia letra (f) do início do capítulo mostra que João se baseou na opinião de clínica do que de psicologia social, não nos alongaremos sobre o mesmo. soas igualmente estudiosas do terrorismo para fazer a afirmação que fez para Em geral, as pessoas tendem a evitar sentimentos de baixa autoestima. Paulo. mesmo foi visto no cenário (a) já comentado anteriormente. A com- Uma das maneiras de é através da atribuição de seus fracassos a cau- paração com outros semelhantes é capaz de nos fornecer um conhecimento sas externas (azar, dificuldade da tarefa, interferência de outrem etc.) de mais exato de nossas habilidades e de nossas opiniões quando carecemos de seus sucessos, a causas internas (sua habilidade, seu esforço etc.). A isso se critérios objetivos para Mais adiante veremos caso especial em chama em psicologia social de "tendenciosidade autosservidora". Como vi- que nos comparamos com pessoas que não são semelhantes a mos no capítulo a teoria de Weiner sobre atribuição de causalidade explica essa tendenciosidade a proteger o cu. Para atribuição de sucesso a Além de nos examinarmos interiormente para atingirmos melhor causas internas conduz às emoções de orgulho e fortalecimento da autoestima, conhecimento de nós mesmos, a observação de nossos compor- enquanto que atribuição de fracasso a causas internas suscita as emoções de tamentos e das circunstâncias que acompanham nossas emo- vergonha, possivelmente, culpa (se a causa é percebida como interna e ções, bem como a comparação com outros semelhantes a nós, controlável). constituem meios pelos quais adquirimos melhor conhecimento acerca de nós mesmos. 1) Nossos afetos (positivo ou negativo) em relação ao nosso eu revelam a nossa autoestima. Quanto maior a discrepância en- Como nos sentimos em relação a nós tre que somos (eu real) e que gostariamos de ser (eu ideal), mesmos (autoestima) maior sentimento de baixa autoestima. 2) Atribuição de causas internas a nossos fracassos geram senti- Na seção anterior vimos diferentes meios que nos possibilitam conhecer mentos de vergonha e culpa e diminuem a nossa autoestima. a mesmos. Baseado no conhecimento que temos de nosso 3) Nossa autoestima é reforçada quando atribuímos nossos su- vemos nossa autoestima que poderá ser positiva ou negativa. Pessoas com cessos a causas internas. Uma forma de evitar diminuição da baixa autoestima são propensas a apresentar problemas de personalidade e a autoestima consiste em atribuir nossos fracassos a causas ex- encontrarem dificuldades na escola, no trabalho, nos esportes, nas relações ternas. interpessoais e em outras atividades da vida quotidiana. Todos nós temos um eu real (aquele que somos) e um eu ideal (aquele que de ser). Quanto maior a discrepância entre o eu real e o eu menor a autoestima; Como nos apresentamos aos outros e, naturalmente, quanto mais semelhantes esses dois tipos de eu, maior a Existe uma tendência natural em apresentar-nos aos outros de maneira No cenário (b) vemos que Andrea possui razões suficientes para favorável. Em certas situações essa tendência é ainda mais acentuada, como ter uma alta já Luiza c) apresenta discrepância entre seu 48 49</p><p>no caso ilustrado no cenário (d) do início deste capítulo. Para aumentar suas serem ou não os melhores. Pessoas muito sensíveis ao que os outros possibilidades de ser Jorge faz um cuidadoso exame de como se pensam norteiam seus comportamentos fundamentalmente em função da opi- deve apresentar na entrevista, naturalmente preparando-se para mostrar suas nião deles. qualidades e esconder seus defeitos. Essa tendência a manejar a informação que damos aos outros acerca de como somos tem sido pelos logos sociais. Vejamos a seguir algumas formas comumente utilizadas no 1) Utilizamos várias estratégias de manejo de impressão a fim de manejo de informações sobre a nossa pessoa. transmitirmos às pessoas com quem interagimos uma impressão favorável de nós mesmos. No da letra (e) anterior, Roberto teme perder a partida de Para preparar as outras pessoas para isso, ele predispõe as pessoas que vão 2) Autodepreciação, comparação com pessoas de menor habili- assistir ao jogo a atribuir sua eventual derrota a fatores situacionais, tais como dade e obediência às normas sociais são algumas dessas estra- não estar bem preparado física e tecnicamente. Quando nos autodepreciamos frente aos outros, em geral estamos preparando o terreno para um eventual fracasso que, caso venha a ocorrer, tem uma justificativa e, caso não ocorra, Por que o conhecimento de nós mesmos é evidencia quão bom nós somos... importante em psicologia social? Vimos anteriormente que a teoria dos processos de comparação social de Festinger estabelece que, quando queremos avaliar nossas e nos- Se a psicologia social, como vimos no primeiro capítulo, é estudo da sas habilidades e não dispomos de critérios objetivos, recorremos ao proces- interação humana, não seria o conhecimento do nosso eu algo mais pertinen- so de comparação de nossas e habilidades com aqueles de outras à psicologia ou à psicologia da personalidade, já que estudo de eu pessoas semelhantes a É que Ricardo fez para validar seu grau de focaliza mais a pessoa do que sua interação com outras? À primeirawista ansiedade (cenário a) e foi como João procedeu para validar sua parece, de que estudo do eu é mais da área de outros setores da acerca do que pensava f). Entretanto, quando queremos fortalecer psicologia do que da psicologia social. Como vimos neste capítulo, todavia, nossa autoestima e apresentar-nos aos outros de maneira mais a imagem que temos de nós mesmos influencia a maneira pela qual interagi- comparamos nossas habilidades com pessoas que possuem menos habi- mos com outros além a interação com outras pessoas nos ajuda a lidade do que A isto se chama "comparação para utilizada quan- conhecermo-nos melhor. Sendo assim, a imagem que formamos de nosso eu do tais objetivos são buscados. Se, entretanto, nosso objetivo não é proteger ao mesmo tempo decorre de um processo social de interação com outros e nossa autoestima ou causar melhor impressão aos outros mas aperfeiçoar influi em nosso comportamento perante os outros. o interesse da psico- nossas habilidades, tendemos a compararmo-nos com pessoas de habilidade logia social pelo estudo do eu. eu que a psicologia social estuda é "eu superior ("comparação para cima"). É caso de atletas que estão constante- ou seja, o eu decorrente de interação social e influente nessa mesma mente querendo igualar-se (ou mesmo superar) aos que apresentam resulta- interação, e não eu caracterizado por traços específicos de personalida- dos melhores nas competições desportivas. de ou o perturbado por distúrbios psíquicos. Finalmente, cenário da letra (g) nos revela outro aspecto interessante Visto à luz dessas considerações, estudo do eu social constitui, sem relativo ao que fazemos para nos apresentarmos de maneira favorável aos qualquer dúvida, um tópico de interesse da psicologia social. Processos de outros. no cenário mencionado, procura usar produtos que são valori- comparação social para melhor conhecimento de nós mesmos ou para prote- zados por pessoas significantes para ela, independentemente de tais produ- ção de nossa autoestima, manejo de para apresentarmo-nos mais 50 51</p><p>favoravelmente aos outros e atribuição de causalidade a sucessos e c) estudantes holandeses consideram-se mais honestos, mais persisten- e sua influência na imagem que formamos de nosso exemplificam mais originais, mais amigáveis e mais merecedores de confiança que como eu social está intrinsecamente ligado ao processo de interação social. a média dos d) as pessoas tendem a perceber-se como mais inteligentes, mais bem Resumindo apessoadas e menos preconceituosas do que a maioria das pessoas: e) estudantes que terminam um curso universitário acreditam que obte- 1) Todos nós procuramos conhecer como nós somos. Para tanto rão empregos melhores e de maneira mais que a maioria das pes- utilizamos observação de nossos comportamentos soas. e emoções, e comparação com outros semelhantes. Essa tendência a termos uma visão favorável de mesmos, de nos 2) Procuramos apresentar-nos aos outros de forma a que façam considerarmos melhores do que a média das pessoas, e de acharmos que as uma imagem favorável do que somos. Para atingir esse fim, utili- coisas serão sempre melhores para nós do que para os outros pode nos levar zamos várias táticas de manejo de impressão. a um "otimismo irrealista". Como veremos no capítulo nós devemos ser 3) o conhecimento que formamos acerca de como somos influ- otimismo nos ajuda a ter sucesso atlético e profis- encia nossa autoestima. Pessoas que apresentam grande discre- nos faz mais saudáveis e nos traz maior sensação de bem-estar. Deve- pância entre aquilo que pensam que são (eu real) e aquilo que mos nos acautelar, todavia, contra o "otimista que se manifesta gostariam de ser (eu ideal) tendem a possuir baixa autoestima. quando consideramos que somos imunes a acidentes, doenças e outras tragé- 4) estudo do eu social é relevante em psicologia social devido à dias que, infelizmente, fazem parte da vida. Encontrar a medida exata de sua importância no fenômeno de interação social. otimismo saudável e produtivo constitui uma meta que todos devemos nos esforçar para atingir. Exemplos e comentários ilustrativos do assunto tratado neste capítulo 2. Utilização da tendência a apresentarmo-nos como pessoas coerentes e sinceras como forma de lograr 1. A tendência a proteger nosso eu mudança de comportarmento Vimos neste capítulo que quando temos uma visão favorável de Eliot Aronson e seus associados conduziram dois estudos interessantes mesmos, isto faz com que tenhamos alta Ora, possuir alta nos quais lograram obter mudança de comportamento por meio da criação de autoestima é bem melhor do que ter baixa autoestima. Muitas pesquisas têm uma situação em que os participantes da pesquisa, para evitar serem conside- demonstrado que as pessoas tendem a considerar-se melhor que a média. Eis rados incoerentes e exibiam comportamento desejado pelo pes- alguns exemplos ilustrativos: quisador. a) a maioria dos executivos considera-se mais e mais eficiente do Num primeiro estudo, estes investigadores tinham como objetivo au- que a média dos mentar o uso de contraceptivos em rapazes sexualmente ativos. Quatro gru- b) a maioria dos motoristas acredita que dirigem melhor que a média dos pos experimentais foram criados: (grupo 1) os participantes deste grupo eram motoristas: solicitados a listar os perigos do engajamento em sexo desprotegido e a reco- 52 53</p><p>Entre as do grupo que não foram solicitadas a aderir ao abaixo-assinado e não mendar uso de preservativo (grupo 2) os participantes foram lembradas de seus hábitos de tomar banhos longos, a média de dura- segundo grupo eram solicitados a fazer mesmo dos do grupo anterior, po ção de seus banhos foi de pouco mais de sete minutos, ou seja, dobro de rém deveriam gravar em vídeo O texto preparado, o qual seria mostrado estudantes secundários a fim de alertá-los sobre os perigos de atividade se duração do grupo anterior. xual sem utilização de medidas protetoras. Em cada um desses grupos, meta de dos participantes eram solicitados a dizer em sua atividade sexual, eles usam protetores ou não (grupos 3 e 4, respectivamente). Como a maioria rapazes não se protege ao ter relações sexuais, conscientes de estavam pregando algo que não praticam sinalizava incoerência e o grupo em que tais sentimentos de incoerência e hipocrisia seriam mais acentuados era grupo em que as declarações dos participantes seriam gra vadas em vídeo para que fossem mostradas a estudantes secundários e qual havia sido solicitada a lembrança de que, em suas relações sexuais, participantes em geral não faziam o que estavam recomendando. A dos investigadores se confirmou. Quando oferecida a oportunidade de com prar preservativos masculinos a preço convidativo, os integrantes desse gru- po compraram mais do que os dos outros, principalmente quando compara do ao grupo ao qual não era solicitado gravar em vídeo e que não lembrado de seus hábitos anteriores. Estudo semelhante foi conduzido para induzir moças a tomarem banho mais curtos a fim de economizar energia. Moças que safam de uma piscina altamente clorada eram solicitadas a ver um cartaz em que se salientava necessidade de economizar energia elétrica. Metade delas foi solicitada a assinar um abaixo-assinado que se seguia ao cartaz e que seria afixado em vários locais. Esses dois grupos foram então divididos em outros dois, um em que se perguntava às moças se elas economizavam energia tomando ba- nhos curtos e outro em que tal pergunta não era Como ocorreu no estu- do anterior, grupo que experimentou maior foi aquele que se comprometia com o cartaz assinando abaixo-assinado e que se dava conta de que, na prática, não fazia aquilo a que estavam dando sua adesão. Da mesma para manter a integridade do seu sem parecer incoerente esse grupo deveria tomar banhos mais curtos. Uma pessoa com um esperava as moças no vestiário. As moças do grupo de maior tomaram banhos que duraram, em média, três minutos e meio 54</p><p>4 Como influenciamos as pessoas e como somos por elas influenciados? Agradar as pessoas constitui o maior pas- so no sentido de persuadi-las. Lord Chesterfield Não consigo fazer com que Felipe, meu filho, tome regularmente remédio que o médico prescreveu. Já castiguei de várias maneiras, mas não deu resultado: ai ao invés de dar-lhe um chocolate em cada dia que ele tomasse Melhorou um pou- mas se eu não pudesse estar presente na hora de ele tomar reme- dio, muitas vezes ele não tomava. Apelei então para um grande amigo dele. pedindo que ele insistisse para que Felipe tomasse regu- larmente remédio; além fiz ver a ele que médico é um especialista no assunto e que, portanto, se ele prescreveu Felipe deveria por como tudo isso melhorasse mas não resolvesse o disse-lhe que, como sua mãe, eu tinha direito de exigir que ele tomasse remédio todos os Ele melho- rou um pouco mais, mas ainda não toma como deve a medicação. Não sei mais o que fazer, Laura! Laura pensa um pouco e diz: Você já tentou, Denise, explicar direitinho ao Felipe que proble- ma que ele tem terá consequências muito sérias para ele no futuro que remédio prescrito pelo justamente por conter nio de que ele precisa, resolverá todos os seus problemas e fará dele um rapaz saudável e normal no futuro? Em nosso processo de interação com outras pessoas, estamos frequen- temente tentando mudar comportamento de outrem. ou sendo alvo da ten-</p><p>tativa de outrem para mudar nosso comportamento. São os pais querendo que se recusava a comer legume de que não gosta, um de seus pais que seus filhos façam certas coisas e deixem de fazer são os professo poderá levá-la a comer legume ameaçando-a com uma punição. Nesse caso, que a influência social foi exercida com base no poder que os pais res tentando fazer mesmo com seus são os vendedores querendo nos persuadir a comprar os produtos que vendem; são os policiais de trânsi possuem de punir seus filhos. Dois psicólogos sociais, John French e Bertram estudaram fenômeno de influência social. Definiram poder como to prescrevendo comportamentos a serem seguidos pelos motoristas; são influência potencial e influência como o poder em ação. Estabeleceram uma médicos procurando fazer com que seus pacientes cumpram suas prescri das bases do poder social, ou seja, uma relação das formas são as autoridades sanitárias tentando influenciar a população no do de observar certas regras de higiene e saúde são os políticos e de poder que são subjacentes à influência exercida e que, portanto, permitem missionários querendo arrebanhar pessoas para seus partidos e suas crenças que a influência se materialize na mudança efetiva de um comportamento. A por eles apresentada inclui cinco bases de poder. Posteriormente, religiosas, respectivamente; e assim por diante. Haven acrescentou uma sexta, como veremos a seguir. Em todos esses casos, estamos lidando com fenômeno que os psicolo gos sociais chamam de influência social, e que consiste no fato de uma diálogo fictício que inicia este capítulo ilustra todas essas bases de soa induzir outra a um determinado comportamento desejado pelo agente di poder. Nele vimos que Denise, mãe de Felipe, estava se queixando de não ter influência. o objetivo do agente da influência é lograr uma mudança de com logrado influenciar filho no sentido de cumprir a prescrição do médico. Denise tentou exercer essa influência invocando cinco das seis bases de po- portamento, isto levar uma pessoa a fazer algo que não quer fazer. Obtido comportamento desejado pelo processo de influência der propostas por Raven, a saber: poder de coerção (ameaça de castigo), cial teve êxito. Como veremos no capítulo seguinte, nem sempre a poder de recompensa (oferecimento de chocolate), poder de referência (ape- ao melhor amigo), poder de conhecimento (capacidade do médico) e po- de comportamento implica mudança de atitude, que envolve uma reestru turação interna das crenças e das preferências da pessoa. As formas de lograr der legítimo (direito da mãe sobre filho). A base de poder não utiliza- mudança de atitude serão consideradas no capítulo que se segue a este. da por Denise e constante da taxonomia de Raven foi, exatamente, a que sua momento consideraremos apenas fato de uma pessoa conseguir mudar amiga Laura lhe sugeriu: poder de informação (apresentar argumentos con- comportamento de outra necessariamente, lograr uma mudança de vincentes). Vejamos mais especificamente em que consistem essas seis fon- les de influência social. atitude. Por exemplo: uma criança pode ser forçada por seus pais a comer um legume de que não gosta por medo de ser punida, mas continuará não gostan Diz-se que uma pessoa tem poder de coerção sobre outra quando ela é do daquele legume. de infligir punições nesta outra, caso ela resista à influência desejada peta pessoa detentora de tal poder. Ocorre quando uma pessoa ameaça outra castigos caso esta não como a primeira deseja. ao invés Influência social ocorre quando uma pessoa logra fazer com que de ser capaz de infligir castigo, uma pessoa tem condições de gratificar a uma outra emita um comportamento que, a se recusará diz-se que ela tem poder de recompensa sobre essa outra. Essas duas a emitir. formas de poder dependem da capacidade de uma pessoa de poder punir ou gratificar outra. As consequências do uso dessas formas de poder é que a As bases do poder social pessoa influenciada não internaliza o comportamento exibido, ou seja, ela só na presença do influenciador ou sob fiscalização de designa- Na base de toda influência social está poder da pessoa em lograr do pelo influenciador. Um aluno, por exemplo, que exibe um determinado influência desejada. Assim, por exemplo, como vimos no exemplo da crian 59 58</p><p>comportamento em aula apenas por medo do ou para dele recebe fama de fazer maus negócios pode, por seu comportamento, algo que deseja, não o exibirá numa outra situação em que o professor não a fazer exatamente oposto do que ela faz no mundo financeiro. Final- esteja presente, ou não possa saber se ele se comportou ou não da manein se uma pessoa tem poder de informação sobre outra. ela é capaz de desejada pelo professor. convencer a outra de que deve fazer que ela Essa é a forma mais Isso não acontece, por exemplo, se a base do poder é a legitimidade, de influência, de vez que independe de supervisão por parte do conhecimento ou a referência. Se uma pessoa exerce poder legítimo influenciador e independe, ainda, uma vez exercida a influência, da própria outra, isto significa que esta outra reconhece legitimidade naquilo que est pessoa detentora do poder. Se uma pessoa me convence de algo por meio do sendo prescrito pelo influenciador. Se líder de um grupo, por exemple poder de informação, mesmo que ela venha a mudar de posição, eu con- democraticamente escolhido por seus seguidores, prescreve um me comportando de acordo com a influência inicial, de vez que eu curso de ação a seus liderados, estes obedecem com base no aderi internamente à posição prescrita anteriormente. A força do argumento é mento de que ele pode, legitimamente, determinar esse curso de ação. Se fonte da influência exercida. detentor de poder legítimo extrapola suas atribuições, isto se ele tenta Pesquisas conduzidas pelo autor deste livro nos últimos anos mostraram mais além do que sua investidura legitimamente lhe faculta, ele quando somos influenciados por outrem a fazer algo que achamos que capacidade de exercer esse tipo de poder. o exercício de tal poder, todavia não devemos fazer e a base da influência é poder de conhecimento, ou ao contrário dos dois primeiros tipos anteriormente descritos, e à semelhan poder ou de coerção, nós temos mais facilidade em nos eximir de ça dos demais tipos de que falam French e Raven, não depende de supervisa responsabilidade pelo comportamento exibido. Tal acontece, por exemplo, para que seja exercido. A pessoa influenciada através de poder legítimo quando um soldado cumpre uma ordem de seu superior, mesmo que com ela birá comportamento prescrito, mesmo na ausência da pessoa influenciadora não Os carrascos nazistas, durante os julgamentos de Nuremberg, o mesmo ocorre quando a base do poder é o conhecimento, a referência ou alegaram que estavam simplesmente "cumprindo ordens e que, informação. Se sigo as prescrições de um médico ou de qualquer outro pro portanto, não eram responsáveis pelos crimes cometidos e que não deveriam fissional especializado porque acredito que ele conhece mais do que eu o que ser punidos. exemplo ilustrativo de como a psicologia social procede no está fazendo, deverei seguir suas prescrições em sua área de competência estudo do processos de interação social, mencionado no capítulo 1 e relativo independentemente de ele estar ou não presente. Diz-se, nesse caso, que experimento de Milgram, constitui exemplo do que acaba de ser dito. profissional exerce sobre mim poder de conhecimento. Da mesma forma Obedecendo à determinação de uma autoridade legítima (o se sigo a influência de uma pessoa com base no poder de referência, ou seja participantes se julgaram menos responsáveis pela aplicação dos choques com base no fato de eu gostar dela e de ela ser uma referência positiva de alta voltagem. mesmo acontece quando a base da influência é o conhe- serei por ela influenciado com ou sem sua fiscalização. Se, entretanto cimento ou a ameaça de punição. Se um especialista nos força a fazer algo, eu me submeto à sua influência apenas para ela estará exercendo tendemos a atribuir a ele pelo que fizemos; mesmo se sobre mim poder de recompensa e não de referência. Nesse caso, quando somos ameaçados por outros mais poderosos. Em relação às ou- vimos anteriormente, sua influência só será eficaz se eu souber que ela, de tras três bases de poder recompensa, referência e informação os resulta- alguma forma, tomará conhecimento de meu comportamento. poder de dos das pesquisas mostram, ao contrário, que comportamento exibido em referência se exerce também no caso de referência negativa, ou seja, quando função desses tipos de influência são percebidos como mais dependentes da não gostamos ou mesmo desprezamos uma pessoa e por isso nos comporta pessoa que os emite e mais sob seu controle a decisão de emiti-los ou A mos de maneira oposta ao por ela sugerido. Por exemplo, uma pessoa que consequência desses achados é que não devemos utilizar conheci- 60 61</p><p>legitimidade e coerção quando queremos que a pessoa por in toda vez que temos nossa liberdade supressa ou ameaçada por outrem senti- fluenciada se sinta responsável pelo comportamento a que foi por nós indu mos um desejo de restabelecer ou proteger tal liberdade, Varela provoca zida. É importante não esquecer que tais achados se verificam quando psicológica de forma a que as pessoas respondam da maneira por comportamento induzido é considerado pela pessoa influenciada como sen- Vejamos um exemplo de uma tentativa de persuasão planejada do algo que ela não deve fazer (seja por razões de ordem por Varela a fim de convencer uma pessoa que precisava fazer um check-up profissional, cultural, ou de outra ordem relevante para ela). médico e que se negava a Neste exemplo, Varela utiliza-se basica- mente da teoria da reatância de Brehm e de outra teoria motivacional psicos- Se desejamos que uma pessoa exiba um comportamento que vai social a teoria da cognitiva de Leon Festinger. Esta última de encontro a seus e queremos que ela se sinta res- teoria essencialmente, que todas as vezes que contemplamos dois pensa- ponsável por ele, não devemos basear nossa influência nos po- mentos que não se harmonizam sentimos uma motivação a torná-los compa- deres de conhecimento, legitimidade ou coerção, mas sim nos de a fazer com que se harmonizem. por exemplo, se temos conhe- recompensa, informação ou referência. cimento de que fumamos e, ao mesmo tempo, temos conhecimento de que fumo é prejudicial à entramos em e seremos motivados a eliminar ou, pelo menos, a reduzir essa dissonância, ou parando de fumar ou No entre Denise e Laura, vimos que Denise, mãe de Felipe, não questionando a correção dos dados sobre os malefícios do hábito de fumar. A logrou internalização do comportamento de tomar remédio através da utili- de Festinger é uma das mais importantes em psicologia social e sobre zação do poder de coerção ou do poder de recompensa. Os outros três tipos de ela falaremos, de forma um pouco mais extensa, no capítulo 5. Voltemos poder utilizados, poder de referência, o poder de conhecimento e poder legítimo tiveram um pouco mais de mas não total. Foi poder de agora ao exemplo de persuasão apresentado por Varela em seu livro Solu- psicológicas para problemas sociais (Ed. Cultrix, 1975). Eis diálogo informação, sugerido por sua amiga Laura, que levou Felipe a passar a tomar (resumido) entre o persuasor e a pessoa que tentava a ir fazer remédio independentemente de supervisão por parte de sua mãe. um exame Sabe, José, eu não acho que você ama a sua família. (Esta decla- poder de informação, que deriva sua eficácia da força dos ar- ração inicial causará considerável fazendo com que a gumentos, é uma forma eficiente de influência social, pois o com- reduza afirmando o oposto.) portamento por ele provocado ocorre independentemente da pes- José: Por que é que você diz tal coisa? Acho que não dou mostras soa que o exerce e não necessita de supervisão para ser emitido. disso? então passa a enumerar as razões pelas quais não é certo dizer que ele não ama sua família.) Nem sempre poder de informação se baseia numa demonstração racio- X: Está acho que você tem Devo reco- nal do porquê daquilo que é prescrito. Jacobo Varela, um engenheiro uru- nhecer que você passa bastante tempo com sua família. (O guaio que se dedicou ao desenvolvimento do que chamou tecnologia social, aqui, sabendo que José trabalhava demais e ficava pouco com a famí- utilizou-se de teorias psicossociais acerca de nossas motivações a fim de lia, provoca uma situação de dissonância, pois tem que reconhe- influenciar as pessoas que necessitavam, para seu próprio benefício, mudar cer que passa pouco tempo com a família e, ao mesmo tempo, ama sua Ademais, a afirmação categorica do persuasor de que determinados comportamentos. Por exemplo, baseando-se na teoria psicos José passa muito tempo com a família provoca reatância e ele social da reatância psicológica proposta por Jack segundo a qual afirma contrário, entrando em 62 63</p><p>José: você está enganado de novo. Esse é justamente um dos Vimos nesse exemplo como, através da utilização de teorias psicosso- meus principais Trabalho tanto que me parece nunca pode-se levar uma pessoa a mudar de posição em pouco tempo. Cum- tempo suficiente para estar com Maria e os pre notar, todavia, que antes de ser planejada a persuasão, é necessário que o X: Lamento ouvir me parece que você está trabalhando persuason faça um da situação e consiga o máximo de informa- Mas você pode fazer pois parece gozar de muito melhor saúde possíveis sobre o alvo de sua do que quando casou. (O provoca nova reatância.) Além das formas de influência social vistas até aqui, os so- José: Você se engana. Eu não poderia hoje fazer as coisas que fazia através da observação e de pesquisas várias quando jovem. muitas vezes me sinto cansado e deprimi outras. Robert Cialdini, um especialista no estudo do processo de influência do. (O persuasor levou a admitir que sua saúde não é tão menciona várias dessas formas sutis e eficazes de Vejamos, assim. Sabendo que ele não tem seguro de saúde, o para terminar este capítulo, algumas das formas mais eficazes de persua- que se segue.) de que nos fala Cialdini em sua obra Influence: science and practice X: mesmo que você reconheça que sua saúde talvez não seju (HARPER & COLLINS, 1988). tão boa quanto era antes e que deverá continuar a declinar no uma vez que você trabalha tanto, qualquer coisa que lhe aconteça não afetará materialmente sua família, pois você cuidou bem do futu Princípio do contraste ro de José: Não, meu caro infelizmente não posso dizer A casa Quando desejamos fazer com que uma pessoa não reaja de forma severa está hipotecada e ainda não consegui fazer um seguro suficiente. frente a um eventual erro, má ação ou fracasso nosso, pelo princípio do X: Você parece estar se preocupando demais com isso. Afinal, contraste devemos acreditar que fizemos coisas muito mais graves nossa idade é raro um homem ter problemas de saúde muito Quando a pessoa estiver pronta para desencadear sobre nós toda a que não possam ser tratados quando os sintomas aparecem. sua ira, espanto e imediatamente dizemos que tudo isso José: Não esteja tão certo Lembra-se de Pedro e como mas que de fato fizemos... e se conta fato de menos gravidade caso de úlcera dele foi horrivel? Ele se sentia nervoso e indisposto que realmente ocorreu. A pessoa, aliviada por não ser tudo o que se há algum tempo. Se tivesse cuidado disso antes, seu caso não teria disse de muito mais grave, tenderá a considerar que de fato fizemos como sido tão (O persuasor está próximo de sua meta final. de menor gravidade, pelo efeito de do José a emitir publicamente o que antes recalcava ou não se dava Cialdini exemplifica esta forma de influência social por meio de uma carta conta, logrou estabelecer uma situação de forte escrita por uma aluna a seus A carta começa com desculpas por não haver dissonância entre que afirma e sua atitude de negar-se a fazer escrito antes e solicita que os receptores da mesma se sentem antes de conti- um exame médico.) nuar a leitura, pois as notícias são alarmantes. Com essa a aluna X: Que você acha que Pedro deveria ter feito? começa a narrar vários acontecimentos desagradáveis (um incêndio em seu Ele deveria ter consultado um feito um exame e acho dormitório, sua queda tentando escapar que resultou numa concussão que deveria fazer mesmo agora. aparecimento de um namorado, boa pessoa mas com pouca instrução, que a Na versão original do caso narrado por Varela no livro citado, o engravidou e lhe transmitiu uma doença Tudo isso é narrado de for- continua com José até fazer com que ele marque uma consulta com ma verossímel e ponderada. No a missivista diz que não um médico. houve com ela nada disso que ela contou antes. Entretanto, ela foi reprovada 64 65</p><p>em Química e tirou uma nota baixa em Em outras palavras, a aluna quis vender inicialmente é muito caro e compreendo sua mas influenciou seus pais no sentido de não reagirem muito negativamente a agora estou apresentando um produto barato e você deverá reconhecer que fracassos escolares. Pintando um quadro dramatico antes de confessar fra dessa vez estou lhe oferecendo uma boa casso fez com que, pelo contraste da gravidade das duas situações e Uma consequência dessa forma de influência social é a seguinte: experimentado ao saber que drama não havia ocorrido, seus pais reagissem um menino quer que sua mãe lhe um real para comprar balas e a proba- seu fracasso escolar da maneira suave que a aluna desejava. de consegui-lo é pequena, ele deve pedir a ela, por exemplo, 20 para comprar bala. Após sua recusa, ele deverá dizer: então será A regra da reciprocidade que você pode me dar um real para eu comprar chocolate mais barato que 0 baleiro vende? Esperamos que as pessoas retribuam o que fazemos para elas. Se damos alguém para jantar, esperamos que a gentileza seja eventualmente Pressão social retribuída; se ajudamos uma pessoa a empurrar seu esperamos que, em situação ela nos ninguém gosta de ser considerado ingra Uma das formas mais eficazes de influência é a utilização da pressão so- to ou aproveitador. Na por exemplo, a regra da reciprocidade isto a alegação de que os outros estão Nós não gostamos, de funciona de forma tal que se sobrepuja até as recomendações mais elementa uma maneira geral, de nos sentirmos diferentes dos outros. É comum nos depa- res da ética. Portanto, se quisermos influenciar uma pessoa a fazer-nos algu com a situação de um punhado de pessoas começarem a olhar para o ma coisa, uma forma eficaz de consegui-lo é fazer com que ela se sinta deve topo de um edifício apontando algo e, logo em seguida, uma multidão estar dora de algo em relação a Quantas vezes não ouvimos uma pessoa mesmo. Nesse caso, entra também fator curiosidade, mas não deixa a outra: "Ontem eu mudei a TV para programa que você queria, lembra-se de estar presente fator pressão social, isto é, ao ver outros, somos influencia- Pois agora é minha vez. Quero ver programa X e não este que dos a Consequentemente, dizer que muitas pessoas apoiam nossa está vendo". E situações semelhantes são frequentes em nosso quotidiano posição em relação a um determinado tema constitui uma forma de influenciar Uma forma mais sutil de utilizar-se a regra da reciprocidade em nossa uma outra pessoa no sentido de concordar conosco. Estamos, nesse caso, tentativas de influência social é a seguinte: se queremos uma coisa de usando a pressão social da validade de nossa posição como forma de pessoa, começamos pedindo-lhe muito após sua negativa, nós con Cialdini apresenta ainda outras formas de influência social, e leitor cordamos mostrando que, de fato, ela tem razão e que nosso pedido en interessado poderá consultar a obra mencionada anteriormente. Todas essas exorbitante. Com isso já lhe tornamos um tanto devedora de nossa atitude formas de influência apresentadas por Cialdini estão empiricamente com- compreensiva. Uma vez estabelecido pedimos o que de fato queremos provadas, tanto através de observação do comportamento de vendedores como que é muito menos do que pedimos A pessoa se sentira por meio de experimentação controlada em impelida a reciprocar nossa "atitude sendo agora compreen siva Influência normativa e influência de Exemplos do funcionamento da regra da reciprocidade nessa forma minorias sutil também são frequentes. Vendedores utilizam-se muito dela tentando induzir-nos a adquirir algo muito caro para, em seguida, Outra razão pela qual somos influenciados a emitir determinado com- nossa negativa, apresentar algo bem mais barato, como que dizendo: "de fato portamento é a seguinte: nós temos a tendência a obedecer que constitui a 66 67</p><p>norma social, isto a maneira habitual de as pessoas se comportarem frente As proposições de Freud, pelo menos inicialmente, não tinham uma a certos estímulos sociais. As normas de etiqueta social, os papéis prescritos relação com as sociais e econômicas em curso na para certas funções, o que as tradições culturais tudo isso nos Europa, que poderiam favorecer sua aceitação, e Freud tampouco induz a conformarmos. Não é fácil ir de encontro a normas sociais estabele desfrutava de qualquer posição de poder ou de Foi, então, cidas, a papéis atribuídos a certas funções e a tradições culturais. Sempre acrescenta a estratégia particular de Freud em defender de portanto, que alguém invoca a existência dessas fontes de influências nor forma veemente e persistente a validade de sua mesmo sendo a pressão a emitir comportamento coerente com elas é maior. Por violentamente criticado, fator diretamente responsável por sua isso é (embora não impossível) modificar as tradições culturais e as normas sociais Estudos do psicologo social francês Sèrge Moscovic Um exemplo mais atual pode ilustrar como a força de uma mino- demonstram que uma minoria decidida e persistente pode alterar a posição ria está na origem da maior parte dos movimentos sociais. Como bem afirmou Ralph Waldo Emerson, "toda a história é um registro do da maioria. Em seu livro Psicologia social, os autores Aroldo Rodrigues poder das até de minorias de À afro-americana Rosa Eveline Maria L. Assmar e Bernardo Jablonski se referem aos trabalhos de Parks, falecida em outubro de 2005, é creditada a deflagração do Moscovici da seguinte maneira: movimento dos direitos civis norte-americanos quando ela se recu- Para esse autor, se é verdade que os grupos promovem uniformidade sou a ceder seu lugar a um branco no em que viajava, como de como, então, explicar as mudanças nas normas e valore obrigava a lei então em vigor no de uma sociedade? Em suas próprias palavras: "Se grupo fosse Uma série de pesquisas conduzidas por Moscovici demonstrou em- sempre bem sucedido na tarefa de silenciar os não conformistas piricamente que, de fato, a influência pode se dar no sentido rejeitando os que pensam de forma diferente e persuadindo qual seja a de indivíduos ou de minorias a seguirem a voz da maioria, como se dariam as mudanças opiniões e as atitudes da maioria dentro de um Por meie de do sistema? todos espécies de marchando em um procedimento padrão baseado na consistência expressando monotona incapazes até de nos adaptarmos a uma mesmo ponto de vista ao longo do tempo membros minoritários de lidade em mudança" (MOSCOVICI, 1985: 380). um grupo podem exercer uma influência significativa dentro Duas respostas imediatas poderiam ser sugeridas. Em primeiro lu lançando mão do poder das informações. Apoiado nesses estudos, gar, os grupos mudam para atender a novas circunstâncias externas Moscovici identificou três fatores determinantes principais da como, por exemplo, partidos políticos alteram suas plataformas para cia das minorias: (a) a coerência e persistência na defesa ir ao encontro da opinião pública ou de condições econômicas de suas posições tornam-nas capazes de desenvolver argumentos con- mudança. Uma outra possibilidade seria creditar a mudança às vincentes e persuasivos, que levam muitos membros a refletir mais soas detentoras de maior poder e status dentro do próprio profundamente sobre as questões que (b) a coerência e Ainda que importantes, tais fontes de mudança, segundo persistência transmitem autoconfiança, que pode fazer com que não são capazes de explicar, por si uma série de exemplos histo membros da maioria comecem a reconsiderar sua posição, principal- ricos. o sucesso da é trazido por esse autor em apoio mente se e não estiverem em (c) as defecções suas ideias de que a influência da minoria possível porque grupo da isto uma minoria persistente enfraquece a ilusão de não é perfeitamente homogêneo e contém dentro dele divisões poten levando as pessoas a se sentirem mais livres para pen- Nesse são os desviantes que, agindo de forma a da pertinência das contrárias às suas temente consistente e tornam explicitas essas e até a "passarem para outro do conflito dai resultante novas normas acabam por emergin no 68 69</p><p>Uma revisão relativamente recente de aproximadamente cem Resumindo dos sobre influência social demonstrou que membros majoritários podem fazer com que os demais membros do grupo se conformem 1) Quando uma pessoa logra fazer com que uma outra mude seu às ideias e regras do grupo por meio da influência normativa. Tal comportamento, verifica-se o fenômeno de influência social. conformidade pode ser meramente pública, isto "para uso sem haver, de uma aceitação privada, tal como teria 2) Influência social deriva, na maioria dos casos, de uma ou mais rido nos clássicos experimentos de Asch sobre pressão social e con das seguintes bases de poder social: coerção, recompensa, legi- Em contraste, os membros minoritários dificilmente referência, conhecimento ou informação. seguem influenciar a maioria recorrendo à influência normativa, 3) Os poderes de coerção e de recompensa dependem de super- uma vez que os membros dessa maioria resistem fortemente a visão para serem eficazes; tal não acontece quando a influência monstrar aquiescência pública às opiniões "estranhas e inusitadas social deriva das outras quatro bases de poder. da minoria. Resta-lhes, portanto, lançar mão da influência 4) Dependendo da base de poder utilizada para levar uma pes- isto da informação nova e desconhecida, forçando o grupo a examinar com atenção suas ideias e ponderações e. possivelmente, a soa a fazer algo com que não concorda, a pessoa se sentirá mais caso conclua que há mérito e coerência em seus posiciona ou menos responsável por esse comportamento. mentos. 5) A utilização dos conhecimentos decorrentes de teorias de mo- Em suma, as maiorias geralmente induzem à complacência tivação social quando aplicados com habilidade, induzir ca por meio da influência social normativa, enquanto as minorias as pessoas à modificação de seu comportamento. principalmente se persistentes e produzem a aceitação 6) reciprocidade e pressão social constituem também privada devido à influência social informativa. formas eficazes de influência social. perguntar, após ter-se entrado em contato com tantas formas 7) A psicologia social estuda os fatores que explicam a influência de influenciar os outros, se a psicologia social não é um setor do social; cabe a quem utiliza esse conhecimento a responsabilida- mento que, nesta destaca-se pela falta de ética. Afinal, não é de pelas consequências das mudanças comportamentais. utilizarmos um conhecimento especializado para induzir as pessoas a fazer que queremos? A resposta a esta indagação é muito simples. A psicologia social, como ciência que estuda a interação humana, procura estabelecer Exemplos e comentários ilustrativos do princípios que norteiam tal interação. A finalidade para a qual tais conheci assunto tratado neste capítulo mentos serão utilizados é de responsabilidade de quem os utiliza. Eles dem ser usados para induzir uma pessoa a tomar drogas como podem 1. Justificativa de Bush e Blair para empregados para evitar que uma pessoa adquira Aids: para levar um jovem à a invasão do Iraque delinquência ou fazê-lo aplicar-se mais aos e assim sucessivamente Quando Presidente Bush, Primeiro-ministro Blair e seus respectivos À psicologia social cabe a aplicação desse conhecimento é de res assessores decidiram invadir Iraque, precisavam convencer a população de ponsabilidade de quem aplica. seus países, bem como a seus aliados, que a guerra era necessária. Que fize- então? Alegaram que Iraque armas de destruição em massa". Isso é equivalente a dizer o seguinte: "Estamos invadindo Iraque para pro- 70 71</p><p>teger a vida de nossos cidadãos e dos povos ameaçados por Sadam Hussein" porta do comprador. Uma vez conseguido isso, passo seguinte é come- Como vimos antes, as pesquisas conduzidas pelo autor mostraram que um a falar do produto cuja venda era seu objetivo inicial. vendedor tem comportamento negativo e criticável (no caso em pauta, a decisão unilateral agora um potencial comprador disposto a ouvi-lo (regra da reciprocidade de invadir outro quando perpetrado para evitar sofrimento é mais vista anteriormente), em retribuição ao presente que Na maioria das e seu agente menos responsabilizado, do que quando comporta vezes, esta técnica leva recebedor do pequeno presente a comprometer-se mento repreensível é exibido para que seu agente receba uma comprar algo que não tinha a menor intenção de comprar, vítima da manipu- Se os invasores do Iraque dissessem que a invasão era necessária para que lação utilizada pelo vendedor. leitor interessado encontrará nos livros pudessem explorar as reservas de daquele país, ou porque Sadam Influence: science and practice de Robert Cialdini e The power of persuasion, Hussein era uma pessoa detestada por eles e eles queriam se vingar, destruin- de Robert V. Levine, inúmeros exemplos de utilizadas para per- do-o, pouca gente lhes daria apoio e as atrocidades cometidas na guerra seri- suadir-nos a fazer que expontaneamente não queremos. am de sua exclusiva responsabilidade. Criando mito da existência de armas de destruição em massa, Bush, Blair e seus encontraram uma jus tificativa para seu comportamento reprovável e lograram obter o apoio dos 3. social normativa e fatores que diminuem cidadãos de seus países e de alguns poucos chefes de Estado que acreditaram sua eficácia no mito das armas de destruição em massa. Recordando uma vez mais experimento de Milgram sobre obediência A história está repleta de exemplos de atos hediondos cometidos sob a uma autoridade legítima, modificações experimentais posteriores mostra- alegação de que seus perpetradores estavam sendo ameaçados. fam que (a) se experimentador se ausenta da sala experimental, ou (b) dois mento fornecido pela psicologia social de que punição e recompensa levam outros participantes solicitados que administrarão os choques se recusam a a diferentes inferências no que concerne à atribuição de responsabilidade a porcentagem de participantes que obedecem à ordem de adminis- explica por que alegações de "legítima defesa" são invocadas pelos agentes choques cada vez mais severos significativamente. mesmo dessas acontece em outra situação experimental de pressão social, a por Salomon Asch. Este investigador colocou sete participantes de seu experi- 2. A arte de induzir-nos a comprar mento um ao lado do outro e mostrou-lhes um conjunto de três linhas de que não queremos comprimento claramente diferentes. Ao lado dessas três linhas havia uma outra, considerada a linha padrão, igual em comprimento a uma dessas três. Uma das técnicas comumente utilizadas por vendedores que batem de Dos sete participantes, apenas um era de fato um sujeito experimental, os porta em porta é aquela conhecida como do pé na porta". Ela outros seis eram aliados do experimentador e instruídos a comportarem-se funciona da seguinte maneira: vendedor telefona ou manda uma carta ao de maneira predeterminada pelo mesmo. Em oito de doze apresentações das cliente potencial oferecendo-lhe um presente, como, por exemplo, um utensi- linhas de diferentes comprimentos e de uma linha padrão de comprimento lio de cozinha, um enfeite para casa, ou coisa semelhante que tenha algum igual a uma das outras os seis sujeitos aliados do experimentador eram atrativo e que, ao mesmo tempo, não custe muito caro ao vendedor. Se instruídos a dizer que a linha que era do mesmo comprimento da linha pa- potencial comprador aceita receber o vendedor para ganhar presente pro- drão era uma linha de comprimento claramente diferente desta. o participan- metido, vendedor consegue seu primeiro objetivo, ou seja, entrar em conta- ou seja, aquele que agia espontaneamente e não de acordo com to pessoal direto com o possível comprador. Em outras palavras, ele instrução prévia do era solicitado a dizer qual das três li- 72 73</p><p>nhas, em sua tinha o mesmo comprimento da linha verificou que cerca de 37% dos participantes colocados em tal situação, seja, a de confrontar-se com uma maioria claramente equivocada, cedem pressão social e dizem que a linha que se equipara à linha padrão é a que maioria não obstante a flagrante diferença de comprimento elas. Entretanto, se ao invés de uma maioria unanime, uma das seis vai de encontro à maioria e aponta a linha certa como sendo a que tem mesmo comprimento da linha o participante naive resiste à pressa da maioria e indica a linha certa. Tais exemplos experimentais demonstram claramente duas coisas: (a) força da influência normativa, ou seja, como as pessoas procuram se com portar da maneira esperada pela ou pelas normas e (b) com a existência de um comportamento contranormativo é capaz de diminuir força da influência</p><p>6 Como tomamos decisões? Não é fazer muita força para fazer coisas, mas sim para decidir que Herbert Hubbard Kátia vem meses lendo os de jornal na procura do melhor carro para comprar. Já viu mas está muito indecisa entre dois tipos de automóvel: um é mais mais econômico e mais apro- priado à sua o outro não tem essas vantagens, porém é mais bonito, mais durável e tem major valor de revenda. Depois de enfren- tar esse finalmente decide comprar carro mais caro. Quando perguntada por uma amiga como iria custear combustível exigido por tal ela prontamente responde: Ele não gasta tanto ademais custo do combustível item que pesa menos na manutenção de um carro. que importa é sua qualidade, pois sendo boa, quase não dá que é realmente que pesa. E. além disso, como ele tem ótimo valor de revenda, isso compensará menor gasto de um carro mais barato, mas sem valor de revenda. Em nossa vida quotidiana estamos constantemente tomando decisões. Algumas são muito importantes como, por exemplo, decidirmos onde vamos que emprego vamos aceitar, com que pessoa vamos nos casar etc. Outras são mais triviais, tais como escolher um filme para um restau- onde comer ou a roupa que vamos vestir. Seja como for, a vida nos apresenta frequentemente situações em que temos que escolher uma entre duas ou mais alternativas.</p><p>Em economia há muito se estuda fenômeno decisório. A teoria da encontrava nesse período do processo decisório. Durante essa fase, ela são, e as que dela derivam (como a teoria da utilidade, por exemplo), poderia sentir-se inclinada por um determinado modelo de automóvel mas, se ram estabelecer de forma quais as variáveis que influenciam de fato não havia se decidido por aceitaria facilmente uma pessoas em suas escolhas. A teoria dos jogos, originada na matemática feita por alguém que o conhecesse melhor e passaria a inclinar-se por outro aplicada à psicologia de forma bastante intensa nas décadas, apre modelo. Em outras palavras, fato de ainda não ter se decidido por um determi- senta um arcabouço formal de grande utilidade no estudo das decisões, de nado tipo de carro fazia com que encarasse com as informa- um ponto de vista puramente racional. Em economia, matemática e relativas aos vários carros que estava considerando. Quando se sentisse problema decisório é encarado de um ponto de vista racional e utilità em condições de decidir, isto quando tivesse coletado informações suficien- rio, ou seja, a orientação seguida nessas é a de estabelecer os que permitissem optar por um determinado passaria pelos quais as decisões tomadas deverão maximizar os ganhos e minimizar para a fase de tomada de decisão propriamente Esta é a segunda fase do as perdas, buscando sempre os atos decisórios que acarretem um resultado processo decisório de acordo com a teoria de Festinger. A terceira e última fase tão próximo quanto possível do valor esperado em termos de utilidade. psicológica desse processo é a fase pós-decisional, na qual as avaliações dos Em psicologia, todavia, um misto de aspectos racionais e emocionais prós e contras das alternativas consideradas deixam de ser racionais e objeti- influencia processo decisório. Nossas decisões têm consequências impor e passam a ser emocionais e tendenciosas no sentido de justificar a alter- tantes, tanto para nós mesmos como para os que são eventualmente atingido nativa escolhida. A partir do momento em que comprou um determinado carro, por ela. Embora, à primeira vista, processo decisório pareça ser limitado como vimos, passou a desvalorizar suas características negativas (preço exclusivamente ao plano pessoal, é compreensível interesse da psicologia elevado e alto consumo de combustível) e a enfatizar seus aspectos positivos social pelo assunto, pois nossas decisões são também influenciadas por aqui (valor de revenda e solidez mecânica). Isto se porque, segundo a teoria da lo que os outros pensarão delas ademais, o fato de vivermos em socieda dissonância cognitiva, após a decisão sentimos necessidade de reduzir de, e de nossas decisões serem públicas, faz com que pensamento que dissonância criada pelo fato de existirem aspectos positivos nas alternativas precede seja um "pensamento social" portanto, de interesse da psicologia rejeitadas e aspectos negativos na alternativa escolhida. o fato de carro social, como vimos no capítulo 1. escolhido por consumir muito combustível, por exemplo, é uma caracte- negativa. Ela então minimiza tendenciosamente essa característica e Fases psicológicas do processo decisório supervaloriza as características positivas do veículo escolhido. Ao estará agindo mais emocional que racionalmente, a fim de reduzir a dissonância Consideremos a situação por que passou no fictício que gerada pela decisão que tomou. cia este capítulo. Antes de finalmente decidir-se por comprar um determinado Vivemos situações como experimentada por constantemente em tipo de ela se encontrava numa situação de conflito que, segundo nossa vida o processo decisório via de regra, um processo penoso, Leon Festinger, famoso social americano autor da teoria da pois é precedido por uma situação de conflito a qual, ao ser tomada a deci- dissonância cognitiva, constitui a fase predecisional do processo decisório não se extingue totalmente de vez que existem aspectos positivos nas Em tal de acordo com a teoria da dissonância cognitiva, a pessoa conside alternativas rejeitadas e negativos na escolhida. Dai a experiência de um ra objetivamente os e os contras das alternativas e as avalia cuidadosa inevitável estado de dissonância cognitiva e a consequente necessidade de Katia leu vários e deve ter conversado com várias eliminá-lo ou, se isto não for possível, pelo menos reduzi-lo. Somente no sobre as vantagens e as desvantagens dos vários tipos de automóvel enquanto caso de uma decisão entre duas alternativas em que uma delas possua apenas 100 101</p><p>aspectos positivos e, a somente aspectos negativos, é que uma deci- Decisão individual e decisão em grupo são não seria seguida de dissonância cognitiva. Tal circunstância, todavia, é quase impossível de ocorrer na realidade. o que torna processo decisório Vários estudos demonstraram que as decisões grupais são, via de regra, penoso exatamente, fato de a realidade, via de regra, não nos apresentar mais arriscadas que as decisões individuais. Algumas explicações são apre- uma situação decisória como esta. sentadas para isso. Uma delas é que, em grupo, a responsabilidade pela de- é dividida, tornando-se fácil para cada membro sentir-se menos res- o processo decisório consiste de três fases: (1) conflito, quando ponsável pela decisão. Se a mesma se mostra equivocada, cada um dos mem- ponderamos objetivamente os prós e os contras das alternativas bros se defende atribuindo ao grupo, e não a si individualmente, a responsa- consideradas; (2) decisão propriamente dita, que consiste em optar bilidade pelo erro. por uma das alternativas; (3) redução de dissonância, quando Outra explicação geralmente oferecida para fato de as decisões grupais tendemos a valorizar os aspectos positivos da alternativa escolhi- serem mais ousadas do que as individuais é que prevalece entre nós uma da, desvalorizar seus aspectos negativos, desvalorizar os aspec- norma de valorização do risco e da audácia. Num grupo é mais fácil obter-se tos positivos da alternativa rejeitada e valorizar seus aspectos apoio social para essa norma e a maior frequência de decisões grupais negativos. Esta última fase do processo decisório, contrariamen- arriscadas. te à primeira, é tendenciosa e não objetiva. Muitas vezes os grupos tomam decisões muito inadequadas. Esse fato chamou a atenção do psicologo social americano Irving Janis, que analisou Quanto maior conflito predecisional, maior a motivação a reduzir várias decisões históricas malsucedidas e tomadas por grupos de pessoas dissonância após a decisão. Kurt Lewin classificou os conflitos em três qualificadas, inteligentes, experientes e, capazes de aproximação-afastamento e acertadas. Num livro chamado Victims of Groupthink, que tra- mento. primeiro tipo ocorre quando nos duzir por Vítimas do pensamento grupal, Janis analisa seis fiascos mundial- frontamos com duas alternativas atraentes e temos que optar por uma delas mente famosos, entre eles a não antecipação do ataque japonês a Pearl É o caso, por exemplo, de termos que decidir em aceitar um entre dois bons Harbour, a invasão da Baía dos Porcos e a escalada da guerra do Em empregos, escolher um entre dois bons programas de férias, ou um entre dois todos os casos analisados por Janis, as decisões equivocadas foram tomadas excelentes restaurantes etc. Esse tipo de conflito é relativamente fácil de por grupos cujos membros, ao invés de atentarem para as evidências que as solver e a dissonância que a ele se segue é fácil de ser eliminada ou várias situações lhes apresentavam, preferiram uma falsa, autor- No segundo tipo de conflito, as alternativas pos reforçadora, que lhes satisfaziam o ego, à custa de total desprezo pelos dados suem aspectos positivos e negativos simultaneamente. Tal tipo de da realidade. Janis define groupthink como sendo uma deterioração da efi- ocorre, por exemplo, quando desejamos uma coisa que custa muito ciência do teste de realidade e do julgamento moral que decorre de terceiro tipo, ocorre quando temos que decidir entre pressões originadas no grupo. Em sua análise dos grandes fiascos duas alternativas desagradáveis. É caso, por exemplo, de ter que aturar um decorrentes de decisões grupais equivocadas, Janis salienta que todos pos- suem, pelo menos, seis características comuns, a saber: patrão indesejável ou perder o emprego, ter que suportar um apartamento desconfortável e barato ou mudar-se para um melhor, porém caro. Nesse 1) grupo limita sua decisão a umas poucas alternativas, sem se preocu- casos, a dissonância provocada pela decisão é intensa e sua redução, difícil par com a consideração de todo espectro possível de alternativas Tais conflitos são também difíceis de resolver. veis; 102 103</p><p>2) o grupo se nega a reavaliar curso de ação originalmente tomado pela Decisões tomadas em grupo são, em geral, mais arriscadas que maioria de seus membros; decisões tomadas individualmente. Grupos são, muitas vezes, 3) o grupo negligencia alternativas inicialmente avaliadas como insa- vítimas do que Irving Janis denominou de groupthink, e que con- tisfatórias pela dedicando pouco ou nenhum tempo à conside siste em deixar-se levar pelo desejo de manter a coesão do grupo ração de possíveis formas de corrigir eventuais falhas das alternati e ignorar aspectos objetivos que desaconselham o curso de ação vas desprezadas; preferido pelo grupo. Para evitar ser vítima de "pensamento 4) os membros do grupo não se preocupam em obter informações de várias medidas são recomendadas e devem ser observadas pelo pessoas competentes que não pertencem ao grupo, numa supervalorização grupo. da capacidade de seus membros e desprezo pelas contribuições de pes- soas que não pertencem ao Conclusão 5) tendenciosidade seletiva, isto é, na percepção de informação con trária ao curso de ação preferido pelo grupo; Vimos neste capítulo que existem vários aspectos psicológicos a serem 6) os membros do grupo dedicam pouco tempo à consideração de fato observados no de tomada de decisão, este bastante fre- res, tais como inércia e possível sabotagem na execução do quente em nossa vida diária. Todos sabemos que tomar uma decisão é algo plano decidido, deixando assim de tomar precauções para enfrentar tais muitas vezes penoso, como insinua a epígrafe no início deste capítulo. Fre- quentemente preferimos ter alguem que tome decisões por nós para que não tenhamos que passar pelo incômodo do conflito predecisional e da dissonância As recomendações de Janis para que um grupo evite tomar decisões equi interesse da psicologia social por esse assunto decorre do vocadas são as seguintes: fato de todos nós termos consciência de que nossas decisões são avaliadas por 1) fazer com que grupo se dê conta do que seja groupthink; outros. Vimos no diálogo fictício que abre este capítulo que Kátia sentiu neces- 2) ser não endossar precipitadamente nenhuma sidade de reduzir a dissonância quando perguntada por que havia comprado 3) solicitar a todos que façam avaliações encorajar as um determinado tipo de É provavel que ela sentisse essa mesma 4) atribuir a um dos membros papel de "advogado do necessidade mesmo que fosse uma e que viesse a tomar conhe- de sua escolha. o porém, de vivermos em sociedade, em 5) formar subgrupos que se reunam separadamente e discutam nuo contato com outros, torna muito mais forte a necessidade de sermos coe- te as alternativas possíveis; rentes e de possuirmos justificativas para as decisões que tomamos. Daí inte- 6) depois de uma decisão preliminar, solicitar pontos de vista discordan resse da psicologia social no estudo desse Decisões não são tomadas tes numa reunião posterior; apenas Decisões podem também ser tomadas por grupos e 7) convidar peritos que não pertencem ao grupo para avaliar a decisão; possuem características um tanto distintas das decisões Não há 8) encorajar os membros do grupo a partilharem com outras pessoas de de que a decisão grupal é menos onerosa para seus membros do que se confiança e obter cada um tivesse que decidir por si e assumir a responsabilidade por tal Quando esses cuidados são tomados, as decisões são mais demoradas, comum verificarmos que, quando confrontados com críticas a determinadas mas têm maiores probabilidades de serem corretas. decisões, as pessoas-alvo dessas críticas defendem-se dizendo "esta foi uma decisão da ou grupo quis assim", ou "foram os associados que 104 105</p><p>resolveram" etc. Em capítulos anteriores, vimos que uma das formas de Resumindo defendermos é fazer com que os outros atribuam a fatores externos a responsa bilidade por atos nossos que são objeto de É exatamente isto que 1) Contrariamente ao que governa as decisões de acordo com as quando os membros de um grupo se defendem das críticas às decisões por teorias estudadas em economia, em que decisões são recomen- uma das formas mais eficientes de reduzirmos ou mesmo dadas com base em aspectos puramente racionais e objetivos, minarmos a dissonância pós-decisional justamente, atribuir a fatores exter em psicologia social atenção especial é dada aos aspectos emo- nos a responsabilidade por nossa decisão. De pouch cionais e subjetivos presentes no processo decisório. ou nenhuma dissonância se, sob a ameaça de um em nossa cabeca 2) Distinguem-se, em psicologia, três fases no processo decisório: decidissemos fazer algo que normalmente não capazes de Nes a fase predecisional, a decisão propriamente dita e a fase pós- se caso, a responsabilidade por nosso ato à ameaça externa decisional. Cada uma dessas fases possui características psi- nossa própria vida. cológicas distintas, tal como ensinado pela teoria da dissonância Na vida verificamos com frequência essa forma de cognitiva. Promessas de campanha não cumpridas e decisões cujos resul 3) Nas decisões tomadas em grupo, verifica-se uma certa difu- tados mostram claramente sua inadequação são explicadas por seus respon são de responsabilidade pelas consequências da decisão, que sáveis por meio da busca de um "bode expiatório". Sempre aparecem "for explica o fato de grupos tomarem decisões mais arriscadas que ças "pressões "catástrofes climáticas" e justificati isoladamente. vas desse gênero para serem responsabilizados pelas decisões. E com tal 4) o fenômeno de groupthink é responsável por decisões erradas atitude os governantes mantêm sua autoestima e continuam a errar e a tomadas por grupos altamente coesos. buir a fatores externos a responsabilidade por seus erros. Finalmente, vimos que denominado por Janis de "pensa mento grupal" pode ser causador de decisões equivocadas. Este é Exemplos e comentários ilustrativos do tão mais provável de ocorrer quanto mais autoritário e fechado é o grupo assunto tratado neste capítulo Grupos carismáticos, que se julgam capazes de soluções milagrosas, e gru pos integrados por pessoas pretensiosas que se supervalorizam são também 1. Como reagimos após tomarmos uma decisão? propensos a serem vítimas do "pensamento grupal". No Brasil, antes do Pla Num experimento conduzido pelo social Jack os par- no Real, tivemos oportunidade de ver (e de sofrer suas consequências) ticipantes eram solicitados a avaliar a atratividade de oito aparelhos trágicas tomadas por grupos de "brilhantes economistas heterodoxos ticos (liquidificador, torradeira etc.), todos mais ou menos do mesmo preço. que eram insensíveis às críticas e que se alimentavam na atmosfera coesa e Depois de avaliarem quão atraente eram esses aparelhos, o experimentador ilusória de seu grupo. dizia que eles poderiam escolher um para levar para casa. Havia, entre- uma limitação na escolha. Para um grupo, apenas os aparelhos indica- dos pelos participantes que ocupavam 4° e 5° lugares em sua preferência estavam disponíveis para serem oferecidos a eles; para outro grupo experi- mental, a escolha deveria ser feita entre 2° e colocados em sua ordem de preferência. o estado de dissonância cognitiva deveria ser maior para grupo que teria que escolher entre dois objetos muito parecidos em sua atra- 106 107</p><p>tividade, enquanto que para outro, no qual os objetos se distanciavam quer com elogios, quer com referência a sucessos anteriormen- em sua ordem de atratividade, a dissonância deveria ser menor. Após a quer lhes dando oportunidade de reafirmar suas convieções. Isso lha dos participantes dos dois grupos, o experimentador lhes pedia para era oferecido ao outro grupo experimental. Tal como por ele esperado, todos os oito objetos quanto à sua grupo que teve seu eu reforçado não expressou redução de dissonância Os resultados confirmaram as predições da teoria da dissonância cogni enquanto o tiva. o produto escolhido foi valorizado pelos participantes em sua Parece, pois, que de redução de ocorre pela avaliação o preterido, Além disso, a valorização do necessidade que temos de mostrar aos outros que somos coerentes, inteligen- to escolhido e a desvalorização do rejeitado foi maior no grupo em que (tomamos decisões não somos imorais ou mentirosos etc. Em dissonância cognitiva foi maior (escolha entre e colocados) do que quando nosso eu se sente ameaçado por possíveis reações a nossas no grupo no qual ela foi menor (escolha entre e decisões, procuramos reforçar a correção das mesmas. Se, entretanto, temos Esse estudo demonstra que geralmente acontece quando nós alta autoestima e nosso eu se encontra bem fortalecido por realizações forçados a tomar uma Geralmente reduzimos a dissonância a necessidade que temos de valorizar nossas decisões ressaltando decisional valorizando aquilo que escolhemos e desvalorizando que rejei aspectos positivos da alternativa escolhida e os negativos da rejeitada não Claro que isso não ocorre em 100% das vezes, pois se assim fosse grande. jamais com os nossos erros. É possível, pois, que depois de tomarmos uma decisão venhamos a reconhecer que tomamos a decisão erra Externalização da culpa: uma maneira eficiente de da. na maioria das vezes, a necessidade de reduzir a dissonância criada justificarmos nossas decisões erradas pelas características negativas da alternativa escolhida e as positivas da jeitada nos levam a minimizar os aspectos negativos da alternativa escolhida Uma forma muito comum de nos defendermos quando somos confron- e os positivos da alternativa rejeitada. Da mesma maneira, somos instigado lados com fato de havermos tomado uma decisão equivocada é a ex- a valorizar mais os aspectos positivos da alternativa escolhida e a da responsabilidade pela Em outras palavras, não fo- mais os aspectos negativos da alternativa rejeitada. mos nós que escolhemos errado, mas sim outra pessoa, ou circunstância fora de nosso que nos induziu a A história está cheia de exem- 2. Existem diferenças individuais quanto à necessidade de plos de tal Quando as coisas iam mal na Alemanha após a Primei- Guerra os judeus foram responsabilizados por tudo de ruim que reduzir a dissonância pós-decisional? a maioria dos chefes de quando as coisas vão mal devido social Claude Steele, da Universidade de Stanford, afirma decisões equivocadas de seus governos, buscam razões externas para justi- que nem sempre reduzimos dissonância após tomarmos uma Para ficar estado de coisas (ataques terroristas, calamidades climáticas, ele, a necessidade de reduzir é tanto maior quanto mais fraco for ocultas" etc.). Vimos anteriormente como as pessoas tendem a justi- seus crimes alegando obediência a uma autoridade que assim os deter- nosso a nossa autoestima. Quando, por qualquer razão, minou que Aqui também o fenômeno de exteriorização da culpa se satisfeitos com mesmos e com o nosso eu fortalecido, segundo Steele manifesta, pois eles "lavam as mãos" como Pilatos, alegando que que fize- não sentimos necessidade de eliminar ou reduzir estado de dissonância que fam não decorreu de iniciativa deles mas sim daqueles que for- se segue às nossas decisões. Para demonstrar sua posição, ele conduziu a agir da maneira que rios experimentos nos quais os participantes eram solicitados a Em seguida, a um dos grupos experimentais Steele reforçava o eu dos No fenômeno de "pensamento grupal" ou groupthink de que falamos anteriormente, fato de a decisão em grupo ser tomada por todos os seus 108 109</p><p>membros e não por uma pessoa específica serve para diluir a responsabilida Já havia, portanto, um plano de invasão do Iraque anteriormente aos de pela mesma. Assim, quando a decisão do grupo se mostra equivocada, de 11 de setembro. A partir de então, a administração Bush passou a mais fácil para cada um de seus integrantes eximir-se de responsabilidad dedicar atenção crescente à melhoria do plano de invasão, tal como detalha- atribuindo-a ao grupo como um todo. Por isso as decisões grupais via de do e documentado no livro de Isso foi feito sem a aprovação do regra, mais arriscadas que as decisões individuais e pensamento grupal Congresso quando plano ficou foi montado mito das armas de mais levianamente expresso que aquele que decorre de alguém que possa set destruição em massa a fim de que fosse obtida essa aprovação e assegurado identificado como responsável pelo pensamento equivocado. 0 apoio da opinião pública. Não resta dúvida de que governo há muito tempo, 4. o fracasso dos serviços de inteligência que precedeu a decidira invadir Iraque e promover a mudança de regime, retirando Saddam invasão do Iraque por forças americanas e inglesas Hussein do poder. Para justificar ato diante do povo americano e do mun- fazia-se necessária uma razão E essa razão foi a alegação da Atualmente, temos conhecimento de que um fracasso constrangedo existência de armas de destruição em massa no Iraque e a disposição de dos Serviços de Inteligência precedeu a invasão do Iraque. Tanto a Saddam Hussein em utilizá-las contra seus inimigos ou a organiza- gência americana quanto a inglesa levaram Blair, Cheney, Powell terroristas, principalmente a Al-Qaeda. outros, a fazerem que acabou sendo nada mais que assertivas falsas sobre Como vimos anteriormente, social Irving Janis após fazer a existência de armas de destruição em massa no Iraque e a capacidade uma revisão dos inúmeros fiascos na chegou à conclusão de que desse país em fazer uso George Bush e Condolezza Rice falaram todos eles tinham características em comum e de que em todos podia ser repetidamente sobre perigo de que a reação a Saddam só ocorresse detectada uma forte solidariedade grupal, fenômeno designado como um uma nuvem atômica aparecer sobre solo Blair declarou que "elevado sentimento de A esses eventos desastrosos podemos acres- Iraque poderia ter capacidade nuclear em questão de semanas. Powell centar agora mais a fracasso surpreendente do Serviço de Inteli- trou fotos das Nações Unidas revelando que se alegou serem caminhões gência dos Estados Unidos que precedeu a invasão do Iraque. nos quais armas químicas eram feitas e transportadas. Tudo isso, como sa Tanto a administração americana quanto a inglesa estabeleceram que bemos hoje, era falso. Saddam Hussein constituía uma ameaça para o mundo e deveria ser deposto. Sabemos agora que a principal fonte de informação da Inteligência pro De igual modo, decidiram que um pretexto plausível e aceitável para a inva- vinha de exilados do Iraque interessados em destruir Saddam Hussein, espe do Iraque seria argumento de que esse país possuía armas de destruição cialmente de Ahmad Chalabi, que tinha livre trânsito no Departamento de em massa e estava disposto a usá-las ou a aos terroristas. Tal tipo Defesa norte-americano e relações estreitas com a Casa Branca. de pensamento predominava entre as pessoas que se encarregavam da coleta Sabemos também agora que a invasão do Iraque vinha sendo planejada de informações para Serviço de Inteligência. Tudo que dava razão aos desde a posse do governo de George W. Bush em janeiro de 2000 e tomou agentes da Inteligência para acreditar que o Iraque possuía armas químicas fôlego após ataque terrorista a Nova York, em 11 de setembro. Tal como era aceito sem qualquer crítica, e tudo que poderia em risco essa posição relatado por Bob Woodward em novembro de Bush chamou Rumsfeld era descartado ou rejeitado. e perguntou-lhe sobre plano de guerra que ele tinha para Iraque. Rumsfeld enviado especial das Nações Unidas, Hans Blix, afirmou que a admi- retrucou que plano existente não era mais apropriado, necessitando nistração de Bush era pouco receptiva a qualquer coisa que os inspetores nas melhorado e atualizado. Nações Unidas dissessem que pudesse ser interpretado como capaz de au- 110 111</p><p>mentar as dúvidas sobre a existência de armas químicas no Iraque, Cheney e Blair criaram um ambiente em torno de seus agentes da Intelige cia que os levou a se tornarem vítimas do pensamento grupal. A sentimento de "nós contra os outros" que vigorava entre os membros dess administrações, limitado de alternativas contempladas, a em reavaliar curso de ação escolhido, a rejeição de qualquer conselho trário às suas crenças, a tendenciosidade seletiva na busca de evidências recusa em questionar a inércia dos membros na execução do curso de escolhido, tudo isso estava presente durante os meses que precederam a no Iraque e representa um exemplo clássico de pensamento grupal, que you ao embaraçoso fiasco da Inteligência evocado como justificativa guerra. Se os membros do grupo de Inteligência das administrações de Bush Blair tivessem conhecimentos de psicologia social, eles poderiam ter toma do as precauções sugeridas por Janis como capazes de evitar o di groupthink e, consequentemente, a rationale para a invasão do Iraque se mostrado inviável.</p><p>11 Quais são as características e os fenômenos típicos dos grupos sociais? Atualmente amplamente reconhecido que grupo é mais do que a soma ou, mais exatamente, diferente da soma de seus membros. Ele tem sua própria seus próprios objetivos e suas relações com outros grupos. Kurt Lewin (a) Miguel é conhecido por sua timidez e é tido como uma pessoa intro- vertida e reservada. Entretanto, quando reunido com sua família, Miguel se transforma numa das pessoas mais animadas, alegres e expansivas. (b) Cecília conseguiu, em três meses, mudar totalmente perfil da seção em que trabalha. Tal seção, que apresentava baixa produtivida- grande turn-over e falta de motivação entre os funcionários, pas- sou a ser coesa, estável e A todos impressionou como a simples mudança de uma chefe de seção tenha operado transforma- ções tão significativas. Vimos no primeiro capítulo deste livro introdutório que a psicologia so- cial estuda as relações interpessoais. Estas relações podem cingir-se a duas pessoas ou a um grupo de pessoas. o estudo da dinâmica social dos grupos psicológicos atingiu um tal estado de desenvolvimento que, hoje em dia, ela pode ser considerada como uma área autônoma da psicologia. Entretanto, como ela surgiu da psicologia social e utiliza vários conceitos e teorias oriun- dos da psicologia social, é praxe os livros de psicologia social apresentarem os conceitos principais de dinâmica dos grupos.</p><p>Os dois pequenos episódios fictícios que iniciam este capítulo teatro, nada disso reune as condições acima descritas para que tais mam que o grupo mais do que a soma de suas partes, tal como de pessoas constituam um grupo pois não reúnem as décadas por Kurt Lewin. A timidez e introversão de Miguel condições exigidas para a existência do mesmo. quando ele é parte de seu grupo familiar. o que isso quer dizer que Quando um grupo social atende aos quatro requisitos forma- características de timidez e em grande parte, do atmosfera grupal que, como salientamos, é emergente e é mais do que po em que ele está inserido. o grupo possui uma dinâmica própria com Boma das características individuais das pessoas que integram. racterísticas distintas da soma das partes que integram. Uma vez fora da dinâmica gerada pelo grupo Miguel volta a exibir suas cas de timidez e Um grupo social se caracteriza pela frequente interação entre seus membros, pela semelhança de valores, existência de objetivos semelhante ocorre na seção de trabalho com ou sem Cecília 0 comuns e consciência de pertencerem a um grupo. Quanto mais poder e estilo de liderança de Cecília é um catalisador favorável à dade do grupo, mudando assim a sua dinâmica e tornando-a totalmente dife grupos se aproximam dessas características, mais claramen- se enquadram na definição de grupo em psicologia social. rente da que prevalecia quando outra pessoa era a chefe da seção. Os mos funcionários sob a liderança de Cecília constituem um grupo dinamica mente distinto daquele que sob a liderança do chefe Alguns fenômenos grupais a necessidade de os grupos serem estudados como entidades com vida pria, distinta da soma das partes que os constituem. Vários fenômenos tipicamente grupais podem ser notados quando obser- funcionamento dos grupos sociais. Veremos a seguir os principais. Os grupos sociais possuem características próprias, não tantes da mera soma das partes que os integram. a Coesão dade de estudar-se a dinâmica que emerge da interação entre os Grupos psicológicos diferem entre si no que tange à quantidade de coe- membros do grupo. Pequenas modificações nos elementos existente entre seus membros. grupal pode ser definida como a grantes do grupo podem afetar essa dinâmica, fazendo com que o quantidade de pressão exercida sobre os membros do grupo para que nele grupo apresente características muito diferentes. permaneçam. É a resultante das forças que agem sobre um membro para que ele permaneça no grupo. razões capazes de levar uma pessoa a que é um grupo social? pertencer a um determinado grupo. Atração pelo grupo ou por seus membros uma delas: outra pode ser fato de a filiação ao grupo permitir atingimento Em psicologia social considera-se como existindo um grupo social quan de certos objetivos. Seja qual for a razão pela qual uma pessoa resolve inte- do as pessoas que integram (a) possuem objetivos comuns, (b) gran um grupo social, a maior ou menor coesão existente entre seus membros com (c) exibem valores bastante semelhantes e (4) têm suscita comportamentos importante, pois, não é por que o cia de pertencerem a um grupo específico. Portanto, não é qualquer situação grupo exerce atração sobre seus membros, mas sim que, uma vez existindo em que várias pessoas estão juntas que pode ser caracterizada como um coesão num grupo, comportamento de seus membros assume peculiarida- grupo social em psicologia social. Passageiros num vagão do pessoas des decorrentes da coesão existente. Estudos sobre coesão grupal assistindo a uma cerimônia os assistentes de uma peça teatral num têm conduzido a conclusões relativamente tais como: 192 193</p><p>a) quanto maior a coesão do grupo, maior a satisfação experimentada Normas existem em grupos de qualquer tamanho e até mes- seus membros; numa relação entre duas pessoas que interagem Por exem- b) quanto maior a coesão do grupo, maior a quantidade de comunicação um casal não raro estabelece normas a serem seguidas por ambos, a fim de entre os atritos e propiciar um relacionamento mais harmonioso. quanto maior a coesão do grupo, maior a quantidade de Há décadas, Muzafer Sherif, um social da Universidade de exercida pelo grupo em seus realizou um estudo que se tornou em psicologia social e d) quanto maior a coesão do grupo, maior a sua que ilustra como se formam as normas num grupo. Sherif conduziu vários que um arranjo experimental básico em que os parti- Nem só vantagens, todavia, decorrem da existência de alta coesão grupal eram solicitados a estimar a distância percorrida por um ponto de luz Grupos altamente coesos são sujeitos ao descrito por Irving projetado num ambiente totalmente desprovido de iluminação. Na realidade como groupthink ou pensamento grupal, ao qual nos referimos no ponto de luz era entretanto, devido a uma ilusão perceptiva e que pode levar o grupo a tomar decisões Como diz Janis, conhecido como "efeito ao contemplarmos um ponto lumino- termo groupthink é utilizado para significar o que acontece com grupos alta num ambiente totalmente escuro, temos a ilusão de que esse ponto lumi- mente coesos, "onde desejo de manter a coesão através do consenso BOSO se move em várias direções. o ocorre invariavelmente com unanimidade se sobrepõe à motivação para considerar realisticamente todas as pessoas, porém as estimativas da "distância percorrida" pelo foco de ação alternativos" (JANIS, Irving. Victims of p. 9). É tal variam de pessoa a pessoa. união entre seus membros, que eles se mostram pouco críticos, incapazes de tornando-se presa de sérias distorções da realidade Em um de seus experimentos, Sherif obteve as estimativas de uma pessoa quando colocada a sós numa sala escura e, em seguida, colocou-a compa- nhia de um aliado do experimentador cuja função era fazer estimativas bas- Via de regra, grupos que apresentam coesão alta são mais agra- tante diferentes das apresentadas pela pessoa quando a sós. se a dáveis, suscitam maior comunicação entre seus membros e são pessoa quando sozinha dizia que ponto luminoso havia se movimentado mais produtivos do que grupos de coesão baixa. Tais grupos, aproximadamente 20cm, o aliado do experimentador dizia que, em sua opi- porém, quando têm que tomar decisões, devem acautelar-se con- nião, mesmo ponto se movera apenas 3cm. À medida que novas estimati- tra possíveis distorções da realidade causadas pelo desejo de vas eram feitas pelas duas pessoas numa mesma sala e observando o mesmo seus membros de evitar Esse desejo afeta a ca- foco luminoso, verificou Sherif que as duas pessoas tendiam a fazer estima- pacidade de construtiva entre os membros do grupo. tivas menos discrepantes. Cada um cedia um pouco, isto aquele cuja ten- dência era de ver maiores distâncias percorridas pelo foco luminoso dimi- b) Formação de normas essas distâncias, enquanto outro membro do grupo aumentava as Após uma série de avaliações, os dois chegavam a um consenso (norma so- Todo grupo, para funcionar necessita estabelecer normas cial) que constituía um compromisso entre suas estimativas iniciais e que era a serem seguidas por seus membros. De uma maneira geral, podemos definir repetido nas avaliações subsequentes. normas sociais como sendo padrões ou expectativas de comportamento parti o estabelecimento de normas grupais constitui-se num excelente substi- pelos membros de um grupo. Estes membros utilizam esses padrões para julgar a propriedade ou adequação de suas sentimentos e tuto para uso do poder que, muitas vezes, provoca tensão e ônus nos mem- bros do grupo. Em vez de líder estar constantemente utilizando sua capaci- 194 195</p><p>dade de influenciar seus liderados, a existência de normas facilita seu traba Durante muito tempo, acreditou-se na existência do líder nato. lho e dispensa o constante exercício e demonstração de poder. Os ticas tais como inteligência, autoconfiança, sociabilidade, persistência, extro- do grupo, ao nele ingressarem, sabem que têm que obedecer às normas criatividade, otimismo e outras eram consideradas como indicativas de prevalentes. Em grupos de pouca pode haver dificuldade em estabe líderes em potencial. Não há dúvida de que muitas dessas características aju- lecerem-se normas devido à multiciplicidade de interesses e pontos de vista dam a pessoa a tornar-se um líder, mas não se pode dizer que uma pessoa será Nessas circunstâncias, para que se formem normas, é via de necessariamente um líder pelo simples fato de possuir todas ou algumas dessas gra, a seguinte sequência de acontecimentos: Faz-se mister que essas (ou outras) características se harmoni- a) especificação das atitudes ou comportamentos desejados; zem com as finalidades do grupo e com a atmosfera nele prevalente. Os b) fiscalização pelos membros do grupo da obediência a essas especifi do cinema antigo, verdadeiros ídolos de tantas pessoas, passam despercebidos pela nova geração, cujos padrões de beleza são bem c) aplicação de sanções aos não Três tipos de liderança são comumente identificados pelos estudiosos do fenômeno: lideranças democratica e permissiva (laissez-faire). Em suma, as normas sociais facilitam a vida em grupo. Imagine-se seria desgastante e conflitivo se uma família, a cada dia, tivesse que Na liderança verifica-se total centralização do poder e este po- der é exercido coercitivamente; na liderança as decisões são por consenso ou imposição da pessoa de maior quais seriam as horas das refeições, quando e quem poderia ligar a televisão etc. A existência de tomadas por maioria e o líder é apenas um catalisador da expressão da von- tade de seus liderados; no terceiro tipo, não há propriamente uma ação de normas partilhadas por todos os membros dispensa esse esforço. Essas non liderança, sendo permitido que cada membro do grupo faça que queira. mas não são necessariamente muitas delas são que Estudos levando em conta estes três tipos de atmosferas grupais demonstra- as caracteriza, entretanto, é fato de serem partilhadas, conhecidas e ram que a liderança democratica torna os liderados menos dependentes do das pelos membros do grupo. Via de regra, não conformista é expelido lider; a atmosfera autocrática gera maior produtividade, porém torna seus grupo pelos demais membros. A existência de normas é uma condição ao convívio numa sociedade civilizada. membros extremamente dependentes do líder e incapazes de funcionar ade- quadamente sem sua presença: a liderança do tipo laissez-faire produziu os piores resultados em termos de produtividade, satisfação do grupo e ativida- Os grupos possuem normas que são padrões de comportamento de construtiva. partilhados por seus membros. A existência de normas facilita a Uma característica essencial ao exercício de uma boa liderança é reco- vida em grupo e sua observância mantém a coesão do grupo. nhecimento de sua legitimidade pelos liderados. É por isso que, via de regra, Membros que não se conformam às normas do grupo tendem a a tentativa de impor, à força, um líder a um grupo resulta em efeitos desastro- abandoná-lo ou a serem dele expelidos pelos demais membros. e na impossibilidade de manter-se a coesão grupal. c) Liderança Não há dúvidas hoje em dia de que a liderança é um processo Liderança é um dos fenômenos grupais mais conhecidos e interacional, com características emergentistas, sendo impossi- Como vimos no segundo cenário fictício que inicia este uma boa vel estabelecer-se de antemão, com absoluta segurança, qual a liderança pode transformar totalmente a atmosfera prevalente num grupo pessoa mais indicada para liderar um determinado grupo. com isso, comportamento de seus membros. terá que emergir do grupo durante processo de interação com 196 197</p><p>seus membros. No caso de lideres que assumem essa função em status social (situação menos frequente, mas ela deverá sentir-se virtude de seu status no grupo, sua eficácia dependerá de sua bajulada e não merecedora do que grupo lhe porporciona. Isso também capacidade de adequar sua liderança às reais necessidades e produzirá desajustamento e dificuldade para seu funcionamento no grupo. anseios dos membros do grupo. status subjetivo elevado faz com que a pessoa espere receber do grupo deter- minadas recompensas. Quando não há congruência entre essas expectativas que ocorre na realidade, surgem necessariamente problemas de adapta- d) Status da pessoa ao grupo. Vejamos, como exemplo, o que ocorre com frequência Em qualquer grupo social é possível estabelecer-se o status de cada no grupo familiar hoje. Até há algumas décadas, a estrutura familiar era orga- membro, bem como papel que lhe cabe desempenhar no grupo. Em socio nizada tendo homem como a pessoa de maior status social. Tradicionalmen- logia, status refere-se à posição de uma pessoa no sistema social. sentido cabia a ele prover as necessidades materiais da família, resolver os proble- em que termo será tomado aqui, todavia, difere do mas que envolvessem estabelecer as diretrizes básicas que raremos status como sendo prestígio desfrutado por um membro do norteariam comportamento familiar, seus costumes e valores. Era sem Esse prestígio pode ser tal como a pessoa percebe (status subjetivo) vida a figura central, mais importante e com maior poder. Com aumento crescente do poder da mulher, reivindicando para si grande parte das prerro- pode resultar do consenso do grupo acerca dessa pessoa (status gativas até então reservadas aos a mulher passou a esperar outras status subjetivo pode ou não corresponder ao status social. Se, em relação recompensas do grupo familiar de vez que seu status subjetivo aumentou aos resultados obtidos pelos demais membros do grupo, um dos membros Investindo mais por meio da obtenção de grau universi- considera recebedor de resultados mais gratificantes, isto produzirá contribuindo para a receita familiar etc., a mulher adquiriu na socieda- a sensação de status subjetivo elevado. Se os demais membros do de um status subjetivo que exigir recompensas coeren- consideram essa pessoa como necessária e capaz de mediar les com mesmo. A mudança da situação familiar tem suscitado conflitos e conducentes à satisfação geral do grupo, essa pessoa terá também status problemas que, por vezes, resultam na dissolução do vínculo A cial elevado. Obviamente, status subjetivo pode ou não corresponder ao discrepância entre expectativas e resultados é um tema que interessa bastante status social. Quando isso estamos diante do fenômeno conhecido aos sociais, pois a percepção dessa leva a pessoa como "incongruência de que a percebe a sentir-se injustiçada e insatisfeita. Dependendo da natureza do grupo, determinados atributos pessoais rão ou não significativos para a conferição de status social. Por exemplo: num grupo de professores universitários um desses professores joga A congruência entre expectativas e resultados obtidos numa rela- bem tal predicado terá pouca ou nenhuma relevância para o ção grupal é fundamental para a harmonia e a coesão entre seus lecimento de seu status social; já se ele possui muitas publicações, membros. Esta congruência é importante em qualquer situação acadêmicos importantes etc., isto lhe conferirá não só status subjetivo eleva social. A não existência de tal congruência gera sentimentos de como também deverá proporcionar-lhe status social elevado no insatisfação e injustiça e conduzem ao término da relação social. A não congruência entre status subjetivo e status social causar problemas de adaptação da pessoa ao grupo. Se ela tem alto e) Cooperação, competição e conflito subjetivo e baixo status social ela deverá sentir-se incorfortável no grupo razoável que dele se se ela possui baixo status subjetivo e Grupos sociais podem viver em harmonia ou em conflito. Muitas vezes, uma fase de conflito, as partes litigantes chegam a um acordo e a har- 198 199</p><p>monia é restaurada. Conflito entre patrões e empregados, por exemplo, utilizar dela, já que seus pontos de destino eram geograficamente opostos. vezes são intensos mas, no final da barganha, um compromisso entre solução conducente a maiores lucros (os participantes eram remunerados partes é feito e uma solução é aceita por ambos os grupos no tempo gasto para entregar a mercadoria) seria para os participan- vezes, porém, como no conflito arabe-israelense, conflito se assumirem uma postura cooperativa em função da qual eles alternariam violência se alimenta na e um conflito altamente da via mais rápida através das várias repetições do experimento. Entre- os resultados mostraram que os participantes optam por competir pela A psicologia social tem estudado a fundo o problema do conflito mais não obstante tal decisão resultar em maiores perdas para partes com interesses A maioria dos primeiros estudos nesse as utilizou que ficou conhecido como "dilema do prisioneiro" e Na vida diária nos deparamos constantemente com motoristas tentando em torno do mesmo. dilema do prisioneiro consiste no seguinte: dois vantagem" utilizando-se da contra-mão ou da lateral das estradas para peitos de crime são presos pela polícia. Embora a esteja passar na frente dos veículos parados. A consequência dessa atitude de que eles perpetraram um crime grave, ela possui apenas provas competitiva é que trânsito na região fica ainda pior, fazendo com que de condená-los por uma pequena Para pelo crime todos sejam prejudicados. Uma postura cooperativa seria a de não tentar a polícia necessita de uma confissão dos Interrogando levar obedecer às regras do trânsito com isso, diminuir o tempo separadamente, a seguinte proposta é feita a cada um: se nenhum de espera no trafego congestionado. ambos recebem apenas uma pequena punição decorrente das provas existen Conflitos podem ser construtivos ou destrutivos. Nos conflitos constru- tes: se ambos confessarem ambos recebem uma punição tivos prevalece a postura cooperativa, ambas as partes litigantes estando dis- rém menor do que a correspondente ao crime se um deles postas a negociar no intuito de atingirem uma solução justa e No sar e outro que confessar é liberado e o outro recebe a pena máxima conflito destrutivo, prevalece a postura competitiva, na qual a finalidade é correspondente a seu crime. Atribuindo um arbitrário de anos de destruir o dilema seria o seguinte: se nenhum confessa, ambos recebem um ano de prisão; se ambos confessam, ambos recebem cinco anos de prisão; se Outra situação da vida real, na qual se pode claramente verificar a preva- um confessa e outro não, que não confessar recebe dez anos de prisão e lência de uma postura em detrimento de uma atitude cooperativa, é que confessou vai em se os prisioneiros cooperarem en conflito entre os defensores do meio ambiente e os que a eles se Uma tre si, a pena a ser-lhes aplicada é se procurarem competir e levar atitude individualista não se preocupa com a poluição dos rios, dos mares e vantagem, correm risco de receber a pena do ar, visando apenas maiores lucros para suas atividades industriais. Já uma postura cooperativa faz com que as pessoas estejam dispostas a sofrerem Inúmeros experimentos que utilizam esse paradigma indicam que, via de a fim de preservar a natureza para o bem da regra, as pessoas preferem competir a cooperar. Deutsch e Krauss, gos sociais da Universidade de Columbia, utilizaram um jogo no qual duas Infelizmente, que os estudos de psicologia social nos mostram é que a firmas transportadoras eram solicitadas a transportar uma mercadoria pere natureza humana é mais competitiva que cooperativa, principalmente nas Havia duas rotas que os caminhões poderiam utilizar, partindo de pon- culturas individualistas. Fatores culturais e de personalidade sem dúvida in- tos geograficamente Uma era tortuosa e longa e, a outra, reta e cur- fluem no tipo de conflito que se desenrola entre as partes, mas aspectos situa- ta. Acontece, que a via reta e curta permitia a passagem de um cionais (sucesso anterior no manejo de conflitos, comportamento cooperati- caminhão. Sendo assim, primeiro que nela chegasse impediria o outro de mostra de disposição a negociar) desempenham papel fundamental no tipo de conflito que se estabelecerá entre as partes. 200 201</p><p>1) Pessoas e grupos com interesses opostos engajam-se em con que se tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com flitos que podem ser construtivos (os que visam uma solução nego igualdade, é desigualdade flagrante e não igualdade real". ciada) ou destrutivos (os que visam apenas a prevalência dos inte Em psicologia social assunto foi abordado inicialmente por George resses de uma das partes). Homans, psicólogo social da Universidade de Harvard em seguida, por 2) Apsicologia social tem mostrado que as pessoas preferem com Stacy Adams, social pesquisador da General Electric. Segundo petir a cooperar, mesmo quando uma postura cooperativa traz mais Adams, nós experimentamos mal-estar quando participamos de situações benefícios para as partes. sociais caracterizadas por iniquidade. Para ele, há iniquidade quando o que 3) Sem cooperação e disposição a negociar, os conflitos tendem a investimos na relação social e que dela recebemos não é proporcional ao seguir uma crescente espiral de violência, levando ao impasse e que outros investem e dela auferem. Assim, se dois empregados igualmente busca intransigente da vitória de uma parte e a derrota da qualificados recebem salários distintos pelo mesmo trabalho, o que recebe menos sentir-se-a injustiçado, pois a situação viola a regra da equidade. No exemplo da bolsa de estudos, se o critério de alocação tivesse sido de Uma nota sobre a justiça nas relações sociais desempenho acadêmico e se dois estudantes, com o mesmo desempenho, tivessem recebido tratamento desigual na concessão do benefício, um deles Embora a experiência de injustiça não se limite a situações grupais, acres se sentiria centaremos aqui algumas considerações acerca do fenômeno que é relevante não somente à dinâmica dos grupos, mas a situações envolvendo Embora princípio da equidade seja, sem uma regra importante pessoas que são alvo de injustiça. de justiça na alocação de recursos escassos, ele não a Há quem julgue mais justa a regra da igualdade (distribuir os bens igualmente a todos Suponhamos que haja vinte candidatos a bolsas de estudos e a pessoa não segundo seus investimentos ou ou a regra da necessidade encarregada de alocar as bolsas aos alunos dispõe apenas de dez. Hipo (dar mais aos mais necessitados). Seja como for, tema é de singular relevan- tetizemos ainda que haja dez mil pretendentes a casas populares e que cia nas relações interpessoais e nas relações grupais. Um grupo em que seus Estado possua apenas mil a serem Em situações desse tipo, como membros se sintam injustamente tratados tenderá a desfazer-se rapidamente. devemos proceder de forma a que se sinta injustiçado, ou seja, que as expectativas e os resultados auferidos pelas pessoas sejam compatíveis? o problema da alocação de recursos escassos é conhecido em psicologia Atmosfera grupal e rendimento social, e também em filosofia, como constituindo um problema de justiça Uma pergunta que se faz constantemente é a seguinte: as pessoas em distributiva. juristas e sociais tem se ocupado desse grupo funcionam melhor ou pior do que quando estão a Este problema o qual diz respeito a algo muito importante para todos a sensa- tem interessado os sociais desde os primórdios do desenvolvi- ção de termos sido tratados justa ou injustamente. mento dessa disciplina. Em 1897, Triplett verificou que pessoas quando na na Ética a defende o princípio de que justo é presença de outros ou em competição com outras se desempenhavam melhor ou seja, devemos dar mais a quem vale mais e menos a quem nas tarefas que lhes eram confiadas do que quando a sós. estudos se vale menos. o mesmo princípio é defendido pelo eminente jurista brasileiro seguiram ao de Triplett e os resultados foram bastante ora se Ruy Barbosa que, em sua famosa Oração aos moços, diz: "a verdadeira igual- verificava melhor desempenho quando a pessoa estava com outras do que dade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais na medida quando estava a e ora se verificava contrário. Finalmente, em 202 203</p><p>1965, conciliou esses diferentes achados mostrando que a presença de 2) A dinâmica dos grupos é setor do saber que se encarrega do tros facilita o desempenho quando a tarefa a ser realizada é fácil ou a estudo dos grupos. está bem treinada para em tarefas complexas ou quando a não a domina bem, trabalho a sós leva a desempenho melhor. 3) Dentre os fenômenos grupais de interesse, focalizamos neste quando se pensava que a estimulação causada pela presença de outros me capítulo os seguintes: coesão grupal, formação de normas, lide- desempenho individual, esse foi denominado de rança, status, competição e conflito. Grupos mais tação social". Sabe-se agora que o termo é melhor empregado quando coesos funcionam melhor que grupos de baixa coesão. Normas trata de estimulação causada pela presença de outros em tarefas bem sociais são padrões ou expectativas de comportamento partilha- didas ou muito Outro aspecto interessante do desempenho das dos pelos membros do grupo. A congruência entre status subjeti- soas em grupo é o conhecido por "vadiagem social". Consiste este e status social é fundamental para o bom funcionamento dos no fato de as pessoas de um grupo esforçarem-se menos quando grupos sociais. Interesses opostos levam pessoas e grupos a em grupo do que quando a sós. Não é raro verificar-se em trabalhos realiza engajarem-se em conflitos. Quando não há disposição entre as dos em grupo nas escolas fato de alguns dos membros do grupo não traba partes de cooperar e de atingir uma solução negociada, os confli- lharem tanto quanto outros. Esse é tão mais provável de acontecer tos se tornam destrutivos e tendem a perpetuar-se até a destruição quando menor for a possibilidade de detectar a produção individual. Uma de uma parte pela outra. das maneiras mais eficazes de evitar a "vadiagem social" num grupo é sem 4) Quando recursos escassos devem ser alocados a pessoas de pre dispor-se de um meio de avaliar-se não a produção grupal, mas tam um grupo, equidade, igualdade e necessidade são as principais a contribuição individual de cada membro para produto final. bases valorativas capazes de levar a uma alocação considerada justa pelos membros do grupo. 1) As pessoas em grupo podem, estimuladas pela presença de 5) Facilitação social e vadiagem social são fenômenos de ocorrên- outros, render mais ou menos em suas tarefas. Tarefas fáceis e cia frequente quando as pessoas desempenham tarefas em gru- bem aprendidas são mais bem desempenhadas na presença de pos ou diante da mera presença de outras pessoas. outros, enquanto as mais difíceis e ainda não bem aprendidas são mais bem executadas a sós. Exemplos e comentários ilustrativos do 2) Quando não há meios de verificar a contribuição individual dos assunto tratado neste capítulo membros de um grupo para produto final, nota-se com frequência o fenômeno de "vadiagem social", no qual alguns membros do gru- 1. Previnindo uma terceira guerra mundial po se esforçam menos que os demais. No auge da Guerra Fria, Morton Deutsch, um social que dedi- cou toda a sua carreira ao estudo dos conflitos sociais, apresentou na reunião Resumindo anual da American Psychological Association de 1982 uma conferência so- 1) Os grupos possuem características e dinâmica próprias, mere- bre iminente perigo de o conflito entre as grandes potências da época (Es- tados Unidos e ex-União Sovietica) atingir tal malignidade que uma terceira cendo estudo específico. Eles não podem ser entendidos por meio do estudo individualizado das partes que os guerra mundial se tornaria inevitável. 204 205</p><p>Para Deutsch, um conflito maligno caracteriza-se por vários aspectos 2. Aplicando a regra da equidade no pagamento de uma dos quais destacamos os principais: (a) a situação social é anárquica e conta de restaurante racional; (b) a orientação das partes é competitiva e não cooperativa: (c) existem conflitos internos que as partes procuram minimizar através da Não raro um grupo de amigos se para um almoço em certo restau- se no conflito ou seja, a necessidade que têm de derrotar oponente rante. Suponhamos que as diferentes pessoas do grupo façam pedidos bas- (d) há rigidez cognitiva das partes em que lhes impede de conside tante distintos no que diz respeito ao custo da refeição. Uma, por exemplo, rar alternativas para a solução do (e) há manutenção de pede um prato de massa e uma já uma outra pede uma entrada, profecias isto a crença de que um conflito armado é qual é seguida de lagosta, vinho branco e sobremesa; uma terceira pede unica solução faz com que as partes se comportem de forma tal que esta apenas um prato, mas antes da refeição toma algumas doses de whisky es- torne, de fato, a solução (f) existência de uma espiral crescen e assim seguem as demais pessoas componentes do grupo, cada te na intensidade do conflito, a qual decorre de uma visão equivocada de uma pedindo o que quer, umas preocupadas com custo e outras, não. A não obstante os erros perpetrados, a vitória final será alcançada se a buscar refeição chega ao fim e o garçom apresenta uma conta que, se dividida igual- mos com persistência. mente entre as pessoas do grupo, daria cerca de 100 reais para cada uma. Tais características se aplicam a todos os conflitos intensos e persisten Numa situação como essa, é muito que quem se limitou a co- tes, quer sejam eles entre superpotências, quer sejam entre pessoas, facções mer um prato de massa com uma Coca-Cola® se sinta injustiçada por ter que políticas opostas, conflitos raciais, religiosos etc. A não ser que as partes pagar pelo que os demais consumiram em seus pedidos; certamente, no caso disponham a refletir e a procurar livrar conflito dessas características des de uma divisão por igual da conta, umas pessoas se sentiriam prejudicadas e trutivas, resultado final será prejudicial a todos. beneficiadas. Num caso como esse, mais justo seria aplicar a regra da equidade e A história nos mostra que a Guerra Fria terminou quando Reagan Gorbachev decidiram reverter a espiral destrutiva do conflito maligno em dividir a conta proporcionalmente ao que foi consumido por cada uma das que se encontravam. Os encontros entre os dois estadistas propiciaram um pessoas do grupo. Por outro lado, se a(s) pessoa(s) ou pessoa(s) que se entendimento direto, uma compreensão melhor dos problemas e das inten sentisse(m) injustiçada(s) com a divisão conforme a regra da igualdade re- ções de cada um, que levou a substituição da desconfiança pela clamassem da divisão não equitativa, tal comportamento poderia criar um confiança no desejo de cooperar, e a substituição da crença em que certo mal-estar no grupo. a guerra seria a solução pela convicção de que somente entendimento Muitas são as situações da vida quotidiana nas quais as pessoas discor- tuo poderia livrar mundo de uma atômica. dam no que concerne a que regra de justiça distributiva deva ser aplicada. Décadas se passaram e o mundo se encontra novamente frente a outros Certas pessoas podem favorecer a regra da equidade, enquanto outras con- conflitos malignos (o conflito arabe-israelense, que se perpetua, e conflito sideram mais justa a regra da igualdade ou, ainda, a regra da necessidade (a entre os terroristas islâmicos e mundo ocidental). Será que seus protoganistas cada um de acordo com suas necessidades). chegarão à conclusão de que a unica solução para tais conflitos é entendi- A fim de evitar a tensão e mal-estar decorrentes da percepção de injusti- a e a disposição sincera de cooperar? A história nos dará ça por parte dos integrantes de um grupo, é necessário que seus integrantes a resposta. decidam de antemão que regra de justiça distributiva será aplicada ao caso concreto. Em outras palavras, é necessário que se chegue a um consenso acer- ca do processo que será seguido na distribuição da parte que cabe a cada um. 207 206</p><p>3. Fatores capazes de eliminar ou diminuir significativamente a vadiagem social o da vadiagem social e as maneiras de evitá-lo tem sido mente estudado em psicologia social. Em culturas "coletivistas", ou seja, las em que o bem da coletividade é visto com maior importância do que o individual, verifica-se menos vadiagem social que em culturas tas". A preocupação com bem-estar do grupo e o sucesso do grupo a que pessoa pertence 6 tal, que o comodismo individualista ocorre com muito frequência. Outros estudos mostraram que quando a tarefa em grupo é penhada por amigos ou pessoas muito identificadas com grupo a que vadiagem social também ocorre menos Outro fator de diminuir a vadiagem social ocorre quando a tarefa a ser desempenhada pessoas em grupo é desafiante, motivante e capaz de realmente interessar membros do grupo. Se a probabilidade de os membros de um grupo rem-se muitas vezes após a execução de uma tarefa é alta, é menos seus membros exibam vadiagem social. Todos esses achados de pesquisas conduzidas tendo a vadiagem social como alvo revelam que embora comum grupos, pode evitado quando os fatores mencionados estão presentes. Teste seu conhecimento do assunto</p>