Prévia do material em texto
<p>Copyright © Maytê Carvalho, 2022</p><p>Copyright © Editora Planeta do Brasil, 2022</p><p>Todos os direitos reservados.</p><p>PREPARAÇÃO: Renata Mello</p><p>REVISÃO: Algo Novo Editorial e Franciane Batagin</p><p>PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Nine Editorial</p><p>CAPA: Leticia Quintilhano</p><p>ILUSTRAÇÕES: Bia Lombardi</p><p>ADAPTAÇÃO PARA EBOOK: Hondana</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>Angélica Ilacqua CRB-8/7057</p><p>Carvalho, Maytê</p><p>Ouse argumentar [livro eletrônico] : comunicação assertiva para sua voz ser</p><p>ouvida / Maytê Carvalho ; prefácio de Leandro Karnal. - São Paulo : Planeta do</p><p>Brasil, 2022.</p><p>ePUB</p><p>ISBN 978-65-5535-740-0 (e-book)</p><p>1. Desenvolvimento pessoal 2. Retórica 3. Argumentação I. Título II. Karnal,</p><p>Leandro</p><p>22-1643 CDD 158.1</p><p>Índices para catálogo sistemático:</p><p>1. Desenvolvimento pessoal</p><p>Ao escolher este livro, você está apoiando o manejo responsável das florestas do mundo</p><p>2022</p><p>Todos os direitos desta edição reservados à</p><p>EDITORA PLANETA DO BRASIL LTDA.</p><p>Rua Bela Cintra, 986, 4o andar – Consolação</p><p>São Paulo – SP – CEP 01415-002</p><p>www.planetadelivros.com.br</p><p>faleconosco@editoraplaneta.com.br</p><p>http://www.planetadelivros.com.br</p><p>mailto:faleconosco@editoraplaneta.com.br</p><p>Agradecimentos</p><p>Obrigada, Ian, por me lembrar de quem eu sou.</p><p>Fátima, por me inspirar.</p><p>Cláudio, por me encorajar.</p><p>Paula, por me acolher.</p><p>E Bruno, por me provocar reflexões.</p><p>Obrigada ao meu orientador Eugênio Trivinho e aos colegas do Grupo ERA, da</p><p>PUC.</p><p>Obrigada aos meus alunos, mentorados e leitores.</p><p>Vocês são os coautores da minha obra.</p><p>Prefácio</p><p>por Leandro Karnal</p><p>Retórica e democracia são termos gregos e nossa maneira de entender seus</p><p>conteúdos, até hoje, passa pelo pensamento helênico.</p><p>Um cidadão clássico era um indivíduo pleno quando podia falar com os outros</p><p>na Ágora. Isócrates (436 a 338 a.C.), na obra O panegírico, elogia a eloquência</p><p>ateniense, pois ela representa a capacidade de extrair a civilização pelas palavras.</p><p>Fazer discursos organizados e bem construídos distinguia, aristotelicamente, o</p><p>cidadão grego dos animais e dos bárbaros. A democracia precisava da arte de</p><p>discursar em público, dominar as normas da fala e ser capaz de persuadir.</p><p>Desaparecendo o argumento teocrático que marcava o poder entre os não gregos,</p><p>surgiu a necessidade racional de redefinir uma razão do poder. Tudo isso</p><p>constituía a arte de falar.</p><p>Sabemos que o berço da retórica foi mais forense do que uma idealizada</p><p>cidadania democrática. A discussão jurídica, em última instância, era a busca de</p><p>assegurar o direito à propriedade muito mais do que o direito ao voto. O orgulho</p><p>ateniense apagou outras origens retóricas na Magna Grécia e na Jônia. Não é</p><p>nosso objetivo o debate sobre berço/função da arte/techné retórica. Queremos</p><p>outro enfoque.</p><p>Observemos dois campeões da oratória do mundo clássico. De um lado, o grande</p><p>Demóstenes (384 a 322 a.C.), reverberando os sentimentos contra Filipe da</p><p>Macedônia (382 a 336 a.C.) em orações de brilho único. Avancemos quase dois</p><p>séculos e veremos Cícero (106 a 43 a.C.) brilhando no senado contra Catilina</p><p>(108 a 62 a.C.) e todas as mudanças na República Romana. Estudamos As</p><p>filípicas e As catilinárias como peças quase modelares de uso da palavra em</p><p>favor de uma causa política. Destaco a seguir outra semelhança.</p><p>Demóstenes e Cícero são homens. A vida política excluía escravizados,</p><p>mulheres, estrangeiros e, em determinado momento, pessoas sem renda. A arte</p><p>oratória tem gênero e é masculina. A retórica é a testosterona togada.</p><p>As mulheres, os metecos (estrangeiros) e os escravizados não possuem voz. Seu</p><p>silêncio público é uma forma de exclusão e de controle. Quando Aristófanes</p><p>(447 a 385 a.C.) quer imaginar uma situação hilária ao extremo, algo que fará o</p><p>público ateniense desabar em gargalhadas, cria a comédia As mulheres na</p><p>assembleia. Tal como na peça Lisístrata, a grande graça é ver mulheres...</p><p>falando. Mais ainda, mulheres debatendo no espaço sacrossanto da assembleia,</p><p>núcleo duro da democracia e do sistema político da Ática. O público delirava</p><p>com a inversão do mundo, uma carnavalização do real. Sabemos que as</p><p>comédias possuíam (e possuem) uma discreta aliança com o reacionarismo.</p><p>Tanto os esforços de Lisístrata pela paz como as mulheres lideradas por</p><p>Praxágora na assembleia apresentam medidas absolutamente inteligentes e</p><p>inovadoras. As barbas falsas das mulheres que querem falar e votar na</p><p>assembleia garantiam o humor extra. Fascinante e irônico naquele humor era ver</p><p>mulheres com barbas falsas debatendo boas medidas como a paz.</p><p>O humor se dirige a um público conservador. Os romanos deveriam rir dos</p><p>novos ricos na cena da ceia na obra Satyricon. Os nobres de Luís XIV de França</p><p>(1638-1715) desopilavam o fígado ao verem burgueses enobrecidos de forma</p><p>ridícula nas peças de Molière (1622-1673). Rimos da diferença e rimos daquilo</p><p>que deve ser exorcizado. O teatro grego se assustava com mulheres matando</p><p>(Medeia) e gargalhava com mulheres falando. Falar era o grande risco; o grande</p><p>outro, o medo e o ridículo daquele grupo.</p><p>Uma mulher que fala é um desafio. A luta feminista produziu o voto das</p><p>mulheres no século XX. Foi uma porta de entrada. Faltava a retórica real.</p><p>Recolhidas ao seu universo, as mulheres tiveram sua voz dublada pelos homens.</p><p>Madame Bovary, Capitu e Ana Karênina são mulheres que dialogam conosco</p><p>pela imaginação masculina que as concebeu. A literatura discutia, no século</p><p>XIX, a infidelidade das esposas. A medicina tratava da histeria feminina. Em</p><p>comum? Ambas levadas adiante por homens. Silenciadas, ridicularizadas,</p><p>estigmatizadas: esses eram alguns dos efeitos da falta de uma retórica feminina,</p><p>de fato.</p><p>Maytê Carvalho lança o desafio de Ouse argumentar. É uma obra sobre a arte de</p><p>argumentar e de elaborar falas públicas. Contém técnicas práticas, reflexões bem</p><p>amarradas e, acima de tudo, um público-alvo. O texto é corajoso e passa até pela</p><p>experiência impactante da autora em um programa de televisão.</p><p>Quais são os recursos que uma mulher pode lançar mão para estruturar a sua</p><p>fala? Você, mulher, precisa ter opinião clara e direta a respeito de tudo? Como</p><p>analisar os diversos estilos de pensamento e utilizá-los a seu favor? Como evitar</p><p>o adversário abusivo ou, termo sofisticado, o argumento solipsista? Como uma</p><p>mulher deve escapar de discursos pessoais e de gênero como a fatídica frase da</p><p>oratória masculina: “Você é tão dramática”? Como se estrutura o debatedor que</p><p>usa o recurso passivo-agressivo?</p><p>Em Atenas, o salto para a democracia foi a ampliação da voz dos cidadãos na</p><p>assembleia. No mundo do século XXI, o grande pulo será o domínio da arte de</p><p>argumentar em público em um ambiente misógino e excludente do feminino.</p><p>Não se trata apenas do ingresso em uma arena definida, tradicionalmente, por</p><p>valores masculinos. Estamos diante da chance de uma revolução tripla.</p><p>Primeiramente, a inclusão de mais da metade da população no jogo do debate</p><p>público. Segundo lugar, a inclusão de pautas que, por serem femininas, os</p><p>homens observam de forma imperfeita ou até podem ser cegos a elas. Por fim, e</p><p>mais importante, ao reconhecer a importância da retórica feminina, damos uma</p><p>chance de redefinir um campo à arte de falar em público, acrescentando um</p><p>aporte distinto com seus modos específicos. Assim, não se trata de ensinar a</p><p>tradição masculina da retórica às mulheres, porém de reconhecer o limite de seus</p><p>universos patriarcais e redefinir a própria arte da argumentação a partir do</p><p>feminino. Em outras palavras, não se busca somente colocar mulheres na</p><p>política, mas também reorientar o tratado da política a partir da contribuição</p><p>feminina. Não se espera apenas a expansão numérica de um termo, mas sim a</p><p>redefinição de temas, pautas e conteúdos.</p><p>Maytê Carvalho não foi a primeira a falar de uma eloquência feminina. O</p><p>importante é que não seja a última. As mulheres são muito diferentes nas suas</p><p>concepções políticas, afetivas, nas orientações sexuais e nas inclinações</p><p>religiosas. Para que essas diferenças enriqueçam o mundo, é necessário ousar</p><p>argumentar. Maytê ousou, amparada em pioneiras notáveis.</p><p>Reconheço</p><p>com os líderes de culto</p><p>ou seita, mas estes são ainda mais perigosos.</p><p>5. Líder de culto ou seita: Trata o próprio pensamento e crença como</p><p>verdade absoluta. Sua argumentação é marcada por afirmações do tipo:</p><p>“Eu estou sempre certo”, “Eu conheço a verdade” etc. Como apela para o</p><p>divino em alguns casos, seus ultimatos não podem ser justificados com</p><p>provas lógicas, o que torna esse tipo de discurso ainda mais difícil de contra-</p><p>argumentar. Eu sei que você pensou no Charles Manson, mas tem muito</p><p>CEO líder de culto por aí, viu? Nós, o banco revolucionário versus os</p><p>bancos do passado. Nós, do coworking descolado versus os escritórios do</p><p>passado. Em startup então, vish, tá cheio.</p><p>Esteja atenta, principalmente, com os últimos. São os condutores das massas.</p><p>Mais adiante vamos falar desse tipo de pessoa no capítulo sobre com quem não</p><p>debater.</p><p>Porém, há alguns tipos específicos de debatedores que extrapolam a pirâmide do</p><p>Adam Grant. É que o Adam Grant não conhece o Brasil, e o Brasil não é para</p><p>amadores! Aqui temos uma fauna e uma flora diferentes. Saca só.</p><p>Debatedor solipsista</p><p>Sabe aquela pessoa que justifica todas as suas opiniões no microcosmo e nas</p><p>experiências individuais dela? Em geral, esse espécime adora dizer frases como:</p><p>“Comigo, foi assim”, ou “Mas o meu pai conseguiu”, ou ainda “É, mas eu nunca</p><p>vi nada disso que você está falando”. Quer ver um exemplo bem clássico?</p><p>Alguém chega e diz assim: “Precisamos adotar políticas públicas que aumentem</p><p>a presença de mulheres e outros grupos minoritários, como pessoas negras,</p><p>indígenas e com deficiência física, no conselho das empresas. Por quê? A minha</p><p>mãe veio de outro estado, sem um centavo no bolso, começou a trabalhar na</p><p>primeira empresa como estagiária, trabalhou, trabalhou, trabalhou e hoje é</p><p>presidente de conselho. Esse negócio de querer cotas, espaço ou políticas</p><p>públicas é vitimismo. Se a minha mãe conseguiu, todo mundo consegue”.</p><p>Veja que o solipsista é aquele que vê o mundo pelo próprio umbigo, sobretudo</p><p>baseado nas próprias experiências. É como se o universo fosse seu quintal, e os</p><p>acontecimentos que ocorrem com ele ou com pessoas do seu círculo imediato</p><p>fossem paradigmáticas de fenômenos coletivos. Ele não costuma se interessar</p><p>por estatísticas ou outros dados, porque enxerga as coisas pelo prisma individual.</p><p>E isso é muito perigoso!</p><p>Vamos analisar os dados?</p><p>Uma pesquisa revelou que apenas 10% das 668 maiores empresas da Europa</p><p>com participação na bolsa têm uma quantidade equilibrada de homens e</p><p>mulheres em cargos de coordenador, diretores e CEOs.⁵</p><p>O Brasil está em 38o lugar na lista da Delloite de países cujas empresas possuem</p><p>mulheres ocupando cadeiras em conselhos de diretoria.</p><p>Segundo pesquisa do IBGE, mulheres ganham menos que homens mesmo sendo</p><p>maioria com ensino superior.⁷</p><p>Olha só: analisando os dados socioeconômicos, fica evidente que a sua mãe faz</p><p>parte de uma exceção e que a história dela, portanto, apesar de legítima e</p><p>inspiradora, não pode ser tratada como regra.</p><p>A regra de ouro para ousar argumentar com solipsistas é pedir dados e confrontar</p><p>suas falas. Muitas vezes a pessoa não faz por mal, ela simplesmente ignora uma</p><p>realidade fora da própria bolha. Infelizmente, nem todo mundo segue o</p><p>Quebrando o Tabu no Instagram.</p><p>Conselho aos solipsistas</p><p>Se você é solipsista, vou te dar um conselho: a vida fica muito mais fácil quando</p><p>você entende que comparar suas necessidades, desejos emocionais, físicos ou</p><p>crenças com qualquer outra dinâmica ou relacionamento que teve é prejudicial à</p><p>saúde – e inútil.</p><p>Você não é o outro. O outro não é você. O que o outro precisa emocionalmente</p><p>pode não ser o que você precisa emocionalmente. Você pode ouvir e prestar</p><p>atenção de qualquer maneira? Sim, especialmente em relacionamentos, sejam</p><p>pessoais ou profissionais. O que seu parceiro gosta, por exemplo, pode ser</p><p>totalmente diferente do que você gosta ou do que outro parceiro pode ter</p><p>gostado. O que cria segurança para você pode não ser o que cria segurança aos</p><p>seus colegas de trabalho. O que você quer e precisa não deve ser confrontado</p><p>com o que algum ex-parceiro, ex-chefe, ex-qualquer coisa queria e precisava.</p><p>Ficar argumentando “É que eu sou assim…”, “Meu ex foi assado”, “Meu pai</p><p>com a minha mãe era xis”, “O coleguinha do outro emprego fazia desse jeito”, e</p><p>por aí vai, não significa que você aprendeu com seu passado, mas que você está</p><p>projetando sua experiência particular.</p><p>Você me entende?</p><p>Esperar que o outro viva, pense, experimente e seja da mesma maneira que nós</p><p>ou de quem está no nosso entorno imediato é desastroso, porque não dá espaço</p><p>para que os outros se mostrem, se revelem, surpreendam e nos toquem. É</p><p>verdade que o que vivemos é importante para entendermos nossos desejos e</p><p>padrões. E a experiência é uma boa professora para evitarmos cair nas mesmas</p><p>furadas. Mas não é um script das atitudes alheias. Abra-se para a verdadeira</p><p>intimidade. Vai lá e reserve um tempo para conhecer o mundo interno do outro.</p><p>Quando você tem esse mapa interno do próximo, sua capacidade de ver e</p><p>respeitar as diferenças uns dos outros pode salvar sua relação de decepções,</p><p>frustrações e ressentimentos.</p><p>O debatedor abusivo</p><p>O debatedor abusivo mal merece o nome, porque é do tipo com o qual não há, de</p><p>fato, um debate, muito menos um diálogo. Porém, é importante reconhecer seus</p><p>mecanismos, sobretudo a marca distintiva da alternância de abordagem de</p><p>comunicação, para identificar se estamos numa discussão com alguém desse</p><p>tipo.</p><p>A argumentação não é um jogo de comparação.</p><p>Relações são uma profunda exploração e expressão de</p><p>nós mesmos e um convite para que outros possam</p><p>fazer o mesmo conosco.</p><p>Em geral, o abusivo passa da sedução – parece ser charmoso e intrigante,</p><p>enaltecendo as qualidades do interlocutor – para a intimidação – ganha</p><p>contornos assustadores e agressivos, apresentando-se como uma ameaça –, e da</p><p>intimidação para a sedução.</p><p>É importante entender como essa dinâmica funciona na prática, porque ela pode</p><p>aparecer de diferentes maneiras. Uma delas é o famoso “se você não fizer o que</p><p>eu quero, você vai ver”, ou seja, ou você obedece, ou sofrerá uma retaliação.</p><p>Esse é o princípio da intimidação, que pode aparecer em frases como: “Se você</p><p>não comer a salada, não vai ter sobremesa”; “Se você não for comigo no</p><p>churrasco do meu amigo, não vou no jantar da sua família”; “Se você não for</p><p>comigo, não gosta de mim”; “Se você for embora, eu vou me matar”; e por aí</p><p>vai. Tudo o que tiver um “se tananam”, você está sendo intimidada.</p><p>Para seduzir, por outro lado, o debatedor diz algo como: “Já que você é tão legal,</p><p>você fará isso para mim”. Isso pode surgir em frases como: “Você é tão</p><p>obediente, eu tenho certeza de que vai comer a salada pra depois comer a</p><p>sobremesa”; “Eu tenho certeza de que você, que é tão querida, vai entender”;</p><p>“Você é tão inteligente, tenho certeza de que vai concordar comigo”.</p><p>O debatedor abusivo pode, e provavelmente vai, misturar a sedução com a</p><p>intimidação, num modelo híbrido que pode não ser tão explícito.</p><p>Então, o que isso gera para quem está envolvido numa dinâmica assim? A</p><p>sensação é de ultimato quando você combina um falso dilema com uma</p><p>abordagem de intimidação.</p><p>O falso dilema é quando eu apresento a você possibilidades restritas – ou isso,</p><p>ou aquilo –, quando, na realidade, há um grande espectro de opções. A pessoa te</p><p>constrange, te coage para que você escolha um aspecto: eu ou seus amigos; eu</p><p>ou o seu trabalho; ou o seu filho, ou a festa; ou tudo, ou nada; e por aí vai. A</p><p>consequência é que você é posta diante de um dilema que não existe, porque</p><p>essa dicotomia não é obrigatória ou pressuposta. Há alternativas que não são</p><p>apresentadas, ou a escolha não é colocada como um ato de liberdade, e você</p><p>acaba ignorando um espectro de possibilidades em vez de uma situação binária.</p><p>Diante de falsos dilemas e intimidações, a vítima passa a sentir que está sendo</p><p>constantemente ameaçada, diante de um ultimato, e, ao flertar com a sedução,</p><p>pode até desenvolver codependência afetiva ou medo de escapar.</p><p>Abusadores costumam reproduzir</p><p>com frequência este padrão: criam dilemas</p><p>que não são dilemas, e decisões que poderiam ser acompanhadas de um</p><p>“também” e não só “ou”. É possível sair com as amigas e também estar num</p><p>relacionamento amoroso. É possível amar o trabalho e também se dedicar aos</p><p>filhos. O principal é que nem todo abusador vem com um porrete na mão. Ele</p><p>pode ter um sorriso doce. Pode ser extremamente sedutor.</p><p>Via de regra, não aceite ultimatos.</p><p>O truco do ad hominem e ad misericordiam</p><p>Há outra falácia, muito comum no debatedor abusador, chamada ad hominem.</p><p>Agora, cuidado: essa falácia é tão popular que você pode descobrir que também</p><p>cai nela, em especial nos comentários de internet. E aí, bem, não tem como eu</p><p>passar açúcar em você: é bem possível que sua postura seja abusiva.</p><p>O ad hominem é quando a pessoa não se engaja na argumentação, mas, ao</p><p>contrário, ataca o argumentador. Em vez de discutir o tema em questão, ela ataca</p><p>o ethos, o caráter do interlocutor.</p><p>Imagine que você está desenrolando com um gatinho do Tinder. Vocês estavam</p><p>conversando bastante, mandando mensagem até tarde da noite. Porém, durante</p><p>dois dias, você desaparece: seja porque o trabalho pesou, você ficou doente ou</p><p>simplesmente perdeu o interesse. Daí, o boy começa a mandar mensagem. Se ele</p><p>for um cara legal, vai dizer como se sente: “Olha, queria saber por que você</p><p>sumiu. Pensei que iríamos nos encontrar. Eu ainda estou a fim, então, se você</p><p>quiser, podemos marcar algo. Se não, eu entendo. De todo modo, se algo de ruim</p><p>aconteceu, posso te ouvir”. Cara dos sonhos, né?</p><p>Mas o que o boy trabalhado no ad hominem vai fazer? Te escorraçar. “Pensei</p><p>que você era uma pessoa legal, mas obviamente te falta empatia. Você é uma</p><p>teaser: me deixa a fim e depois some. Péssimo da sua parte.” Soa familiar?</p><p>Ou seja, o problema não é o que aconteceu – o sumiço – nem como ele, o</p><p>locutor, se sente em relação ao sumiço. O problema é você. Sabe qual é o</p><p>supertrunfo do ad hominem? “Você tá louca.” Estudo estatística DataMaytê</p><p>comprova que 99,9% de um “Você tá louca” é falácia ad hominem, rs.</p><p>Agora, cuidado, porque há uma pegadinha. O ad hominem tem um primo, o ad</p><p>misericordiam. Neste caso, o abusivo não quer te atacar, mas provocar pena. Ele</p><p>não trabalha com o ataque direto, mas com a culpa. E diz coisas como: “Eu estou</p><p>aqui trabalhando, estou exausto, faço tudo por você, mas você não me olha, não</p><p>ajuda, não me vê”.</p><p>Atenção: só porque algumas dessas frases são utilizadas em conversas ou</p><p>debates, não significa que se trata obrigatoriamente de um debate abusivo.</p><p>Isoladas e em contextos diferentes, elas podem significar coisas diferentes. Em</p><p>geral, o importante é observar a frequência desses mecanismos e padrões, que</p><p>muitas vezes aparecem juntos, e como eles fazem você se sentir.</p><p>Acho que estou numa dinâmica abusiva. O que eu</p><p>faço?</p><p>Bom, se você identificou uma dinâmica abusiva, o primeiro passo é procurar</p><p>ajuda profissional – preferencialmente, de um terapeuta ou psicólogo – e</p><p>construir uma rede de apoio. Se houver pessoas da sua confiança com as quais</p><p>pode contar, peça ajuda. Se não houver, ou se elas não agirem de maneira a fazer</p><p>você se sentir segura, saiba que há institutos, programas e comunidades</p><p>dedicadas a ajudar pessoas que sofreram abuso.</p><p>Do ponto de vista do debate, é importante entender que não há muita conversa</p><p>com um debatedor abusivo. Seja cônjuge, parente, chefe ou até uma amizade, o</p><p>ideal é desenhar limites no convívio com essa pessoa, escolher as batalhas (nem</p><p>sempre se engajar em confronto) e, se for o caso, procurar reparações legais.</p><p>Pode parecer duro, mas é necessário, pelo menos, ganhar um distanciamento</p><p>crítico e reflexivo do que estava vivendo.</p><p>Agora, e se você achar que outra pessoa está lidando com abuso? Primeiro, não</p><p>jogue medo ou force a barra. Você não quer que a pessoa fique reativa ou se</p><p>assuste. Acolha, antes de tudo, para que ela possa enxergar em você uma aliada.</p><p>Não é ser falsa, mas escutá-la ativamente e ajudá-la a enxergar as possibilidades</p><p>de saída.</p><p>Não é recomendado, portanto, adotar uma postura ostensiva. Ofereça amor.</p><p>Lembre-a de que ela é uma pessoa maravilhosa, cheia de qualidades e opções</p><p>para que ela se aproprie de si, seja mais livre e entenda que não merece ficar</p><p>ligada a uma pessoa que a faça mal.</p><p>Acima de tudo, ajude-a a criar uma rede de apoio com profissionais, familiares e</p><p>amigos, com os quais ela pode contar. E jamais, jamais, diga: “Eu te falei”. Isso</p><p>não ajuda em nada. Nada.</p><p>E se eu sou uma debatedora abusiva?</p><p>Uma coisa é certa: você é responsável pela sua fala e suas ações. E também por</p><p>como você se coloca. E, embora não seja possível se responsabilizar pelas ações</p><p>dos outros, é importante lembrar que o debate é como um jogo de xadrez: o</p><p>outro vai se posicionar de acordo com a sua jogada, e vice-versa.</p><p>Em outras palavras, é importante que você entenda que suas falas e ações geram</p><p>consequências, reações e repercussões. Mesmo que não seja possível prever</p><p>todas, nem saber como elas vão afetar especificamente aquele interlocutor, você</p><p>pode, no mínimo, pensar se o que está dizendo é ético, agressivo ou não, e quais</p><p>suas reais intenções por trás de uma fala. Quais são suas crenças? Seu modus</p><p>operandi? Suas atitudes?</p><p>Por isso, diariamente, é importante praticar esse exercício e não ser uma</p><p>debatedora abusiva. Compartilhe seus questionamentos com outros – em</p><p>especial, um profissional, que é insubstituível – e tente definir se estão fazendo</p><p>você achar que é “louca”, ou se, de fato, precisa trabalhar em si mesma. E se a</p><p>resposta é sim, assuma seus problemas e as consequências das suas ações. Faça</p><p>emendas, reconheça a humanidade do outro e, antes de qualquer outra coisa,</p><p>mude.</p><p>Acima de tudo, esteja muito atenta e conectada com a sua intuição. Quando falo</p><p>da intuição, quero que você considere a conexão com a sua ancestralidade, com</p><p>a sua história – o que trouxe você até onde está. É se apropriar de você. Não tem</p><p>fórmula mágica. Se te parece estranho, investigue. Nossa intuição é muito</p><p>potente, tem uma sabedoria ali que muitas vezes a gente desconsidera.</p><p>A intuição pode ser uma grande aliada para que a gente tome decisões na nossa</p><p>vida. Seja a decisão de terminar um relacionamento ou de conversar sobre o que</p><p>está acontecendo.</p><p>AS CINCO FRASES FAVORITAS DOS</p><p>DEBATEDORES ABUSIVOS</p><p>1. “Eu não sei do que você está falando.”</p><p>Essa frase faz com que você se sinta paranoica, confusa ou que está viajando na</p><p>maionese. É quando, diante de um fato declarado ou uma afirmação, o debatedor</p><p>desmerece a interlocutora como se ela estivesse imaginando as coisas, não</p><p>interessa quão forte seja seu argumento. Diante de uma atitude dessa, diga a si</p><p>mesma e a quem deveria ouvir que sabe, sim, e não desista do seu ponto de vista.</p><p>Atacar ethos não é argumentar!</p><p>2. “Você acredita neles ou em mim?”</p><p>Ah, nada mais poderoso do que um debatedor abusivo do tipo eu versus eles.</p><p>Esse tipo de recurso separa o mundo em times e força a interlocutora a escolher</p><p>um lado. Neste caso, é importante afirmar que não se trata de acreditar em fulano</p><p>ou sicrano, mas de analisar o que está em jogo e chegar às próprias conclusões.</p><p>Ninguém pensa por você!</p><p>3. “Por que você é sempre tão dramática?”</p><p>Mulheres, quem nunca ouviu isso? Em 2021, durante a CPI da covid, mesmo</p><p>sem alterar nenhum tom de voz, senadoras foram acusadas de serem agressivas</p><p>ou descompensadas. Infelizmente, as mulheres são sempre desmerecidas – a</p><p>palavra de uma mulher é mais combatida do que o soco de um homem. A</p><p>estratégia aqui é fazer você perder seu tempo tendo que se justificar para desviar</p><p>do assunto. Tome cuidado para não cair nessa. Com o tempo, você vai</p><p>aprendendo a perceber quando é importante se defender e quando é preciso</p><p>voltar ao ponto.</p><p>4. “Todo mundo acha que você é louca, menos eu...”</p><p>Ah, que alma bondosa! Que alecrim dourado do campo! Obrigada pela sua</p><p>misericórdia em amar um ser tão desprezível como eu! Ninguém tem o direito de</p><p>fazer você se sentir difícil de ser amada, ok? Se alguém te acha doida, existe</p><p>uma chance enorme de você estar sofrendo gaslighting.</p><p>Assim como no item</p><p>anterior, aprenda a perceber quando você tem que se defender e quando você tem</p><p>que voltar ao ponto. Gaslighting é a prática de abusar psicologicamente de</p><p>alguém por meio da omissão ou distorção de informações, fazendo com que o</p><p>interlocutor questione a verdade de seus sentimentos.</p><p>5. “Depois de tudo o que eu fiz por você!”</p><p>Por último, mas não menos importante, a favorita dos abusadores! Isso só releva</p><p>que, seja lá o que foi feito, não foi por você, mas para satisfazer algum desejo do</p><p>próprio locutor. A suposta generosidade – que, muitas vezes, é uma obrigação ou</p><p>o mínimo – impõe uma espécie de contrato imaginário que não pode ser</p><p>quebrado. Aqui, não tem muito jeito: fuja.</p><p>O debatedor passivo-agressivo</p><p>Sabe aquela pessoa que dá um jeito de dar uma alfinetada em tudo que fala?</p><p>Imagina o seguinte: sua amiga te chamou para uma festa. Você tem um</p><p>imprevisto e não pode ir. Aí ela chega lá no grupo do WhatsApp e joga: “Pô, tá</p><p>metida, hein! Virou famosa?! Nem vai nas festinhas da galera...”. E você sabe</p><p>que não é piada, porque ela faz isso toda vez.</p><p>Imagine outra situação. Você está numa reunião de trabalho, discutindo o</p><p>próximo passo de um projeto. Você dá sua opinião e defende sua posição. Daí</p><p>aquele coleguinha sonso faz uma cara de “méh”. Você nota que tem algo de</p><p>errado, pergunta o que foi. O sujeitinho diz algo como: “Hum... não sei... quer</p><p>dizer, pode ser, mas não sei, não, não sei se eu faria assim”.</p><p>Apresento a você as pessoas passivo-agressivas. Haja paciência!</p><p>São aquelas que poderiam simplesmente falar usando comunicação não violenta</p><p>(ou, sei lá, né, só um pouco de educação). Por meio dela, é possível se posicionar</p><p>de uma maneira assertiva, mas cuidadosa: “Poxa, amiga, da última vez você</p><p>também não pôde ir! Sentimos a sua falta. Será que não dá para ir dessa vez?”. E</p><p>até se colocar com coragem: “Olha, entendo seu ponto, mas eu não faria desse</p><p>jeito, porque acho que pode trazer consequências ruins. E se tentássemos da</p><p>seguinte forma?”.</p><p>A comunicação não violenta parte da premissa que nós temos que cumprir quatro</p><p>fases.</p><p>1. Realizar observações: Basicamente, observar o que está acontecendo sem</p><p>fazer avaliações ou julgamentos. O que aconteceu? Quais são os fatos? O</p><p>que você realmente sabe sobre o que está em jogo? O que não sabe?</p><p>2. Atribuir sentimentos: Para se comunicar de maneira eficaz, você precisa</p><p>saber como está se sentindo. Agora, isso não é adicionar um sufixo -ida ou -</p><p>ada do lado de algum sentimento, como esquecida, abandonada, rejeitada,</p><p>porque essa abordagem já pressupõe que o outro é responsável por como</p><p>você se sente. Dizer “Me sinto triste” é diferente de dizer “Me senti</p><p>rejeitada”, certo? Rejeitada já é você contando uma história para si.</p><p>3. Estabeleça suas necessidades: O que está gerando esses sentimentos em</p><p>você? O que você precisa que não está conseguindo dessa troca? Você pode</p><p>determinar que precisa se sentir reconhecida, amada, vista, ouvida,</p><p>valorizada, e por aí vai. É sobre isso, e tá tudo bem.</p><p>4. Pedido para agir: Você faz um pedido ao seu interlocutor. Pede que ele vá</p><p>à festa, ouça sua opinião, considere seu lado, e assim por diante. Não fale</p><p>algo e depois saia correndo, como quem joga uma granada e foge. Peça e</p><p>esteja preparada para a resposta – ela pode não ser a que você gostaria,</p><p>mas, prometo, você vai se sentir muito melhor por ter tentado.</p><p>O perigo das narrativas</p><p>Eu vou ser bem sincera: há uma grande chance de eu, você e a torcida do</p><p>Flamengo, em ao menos um momento da vida, ter se comportado como um</p><p>debatedor passivo-agressivo. Especialmente em ambientes em que sentimos que</p><p>não podemos compartilhar nossas opiniões e visões de mundo de maneira direta,</p><p>mas nos quais é importante se colocar, como no trabalho.</p><p>Mas a real é que a passivo-agressividade é limitada, porque não estabelece um</p><p>processo efetivo e eficiente de comunicação. Não resolve nem cumpre nada, só</p><p>piora. E, falando em piorar, vivemos num mundo cheio de crises – política,</p><p>social, econômica, de saúde – e ninguém está em condições normais de</p><p>temperatura e pressão. Estamos tentando sobreviver mais um dia e, quase</p><p>sempre, acumulamos camadas de problemas que nos deixam estressadas. Na</p><p>hora de se comunicar, é normal acabar despejando nossos problemas nos outros.</p><p>Mas é preciso se vigiar, né?</p><p>E para conseguir se vigiar, é preciso se perguntar, antes de qualquer discussão:</p><p>que história você está contando para si mesma? Muitas vezes criamos narrativas</p><p>e embarcamos nelas. Não paramos para pensar que aquela amiga teve um</p><p>problema com seu cachorro, ficou triste ou, simplesmente, nem curte baladas</p><p>tanto assim. Nem que a colega de trabalho está tentando resolver um problema</p><p>da melhor maneira que pode e que, ao menos, teve a coragem de propor alguma</p><p>ideia.</p><p>O problema da passivo-agressividade é que ela, em geral, consiste em uma</p><p>mistura de narrativa de coitadismo com rancor. Você se sente atacada, ferida ou</p><p>vitimizada, mas não se impõe. Ou é uma narrativa que inclui uma bela dose de</p><p>medo, o que é compreensivo, mas desnecessário e, como vimos, inútil.</p><p>Em seguida, uma vez que você manja qual é a narrativa que está sustentando,</p><p>precisa avaliar: como você vai se comunicar com esta pessoa? É o caso de fazer</p><p>uma acusação formal ou de trazê-la para a comunicação não violenta?</p><p>Isso significa também pensar na resolução do conflito. A passivo-agressividade</p><p>peca porque não resolve nada, só cria mais desconforto e atrito. E claro, parte-se</p><p>da premissa de que ambas as partes estão interessadas em resolver a situação em</p><p>questão.</p><p>Eu sei que é difícil conseguir contar até dez na hora do fervo, respirar fundo e se</p><p>comunicar de boa. Mas eu garanto a você: a comunicação pode ser fluida,</p><p>orgânica e eficiente mesmo nos debates mais esquentados!</p><p>O debatedor polarizador</p><p>Esse é um pé no saco. Vou começar pelo exemplo, porque com esse tipo de</p><p>debatedor meu signo de áries com ascendente em escorpião nem sabe lidar.</p><p>Imagine aquela comunidade de Facebook, climão de fórum de internet, tendo um</p><p>debate sobre aborto.</p><p>Aí você comenta lá: “Eu acredito que o Estado deveria repensar as políticas</p><p>sobre a criminalização do aborto”. Então, o debatedor polarizador aparece</p><p>dizendo: “Ah, então você está dizendo que é a favor de matar crianças?”.</p><p>Pacientemente, você tenta se explicar: “Não, só estou propondo que o aborto seja</p><p>tratado como uma questão de saúde pública e que possamos oferecer assistência</p><p>a mulheres em situação de vulnerabilidade”. Aí a pessoa só manda um: “Mesmo</p><p>que isso seja homicídio de bebês?”.</p><p>Gente... Por onde começar?!</p><p>O debatedor polarizador divide o mundo de forma binária, maniqueísta e, como</p><p>diz o nome, polarizada. Para ele, o universo é composto de mocinhos ou vilões.</p><p>Bons e maus. Certo ou errado. Pior: ele tira sua fala de contexto e cria máximas</p><p>baseadas no que você nunca falou, extrapola o limite e reduz sua linha de</p><p>raciocínio a esse lugar estereotipado.</p><p>Com frequência, não entende as nuances das discussões. Não entende que não</p><p>existe rigidez, e que não há solução fácil e simples para problemas complexos.</p><p>Esse tipo de debatedor está sempre desenhando linhas imaginárias para sustentar</p><p>suas ideias, reduzindo as dos outros ao absurdo.</p><p>Conclusão: o debatedor polarizador tende a polemizar um tema sem tratá-lo sob</p><p>o prisma científico ou social, e frequentemente é visto de mãos dadas com o</p><p>debatedor solipsista. Sua incapacidade de lidar com a complexidade das coisas o</p><p>frustra e a única forma que ele tem de reagir é recorrendo à redução ao absurdo,</p><p>carregando nas tintas entre o bom e o mau, o certo e o errado. Quando estiver</p><p>debatendo com um polarizador, espelhe o que ele diz. Faça com que ele mesmo</p><p>ouça as palavras dele saindo da própria boca em tom de pergunta, a fim de que</p><p>ele tenha que se justificar pela fala dele, e não invertendo o ônus da prova para</p><p>você. Esse tipo de debatedor adora terceirizar a responsabilidade da fala dele</p><p>para o outro. Não caia nessa. Espelhe!</p><p>8.</p><p>Corpo e voz: como passar confiança na sua</p><p>argumentação</p><p>Quando falamos em argumentação, sempre pensamos em</p><p>ordem de razões, como</p><p>construir argumentos infalíveis, estatísticas e dados etc. E, é claro, essas coisas</p><p>são importantes – como, espero, você tem aprendido até aqui! Porém, para que a</p><p>comunicação seja eficiente, é importante levar em consideração que ela se dá por</p><p>meio de um corpo . Portanto, a forma como você se movimenta e modula sua</p><p>voz são muito importantes para poder passar uma mensagem.</p><p>A melhor maneira de entender isso é pensar na sua mãe, no seu pai ou no</p><p>responsável que te criou. Muito provavelmente, você tem alguma memória de</p><p>como essa pessoa chamava sua atenção. Sempre que a minha mãe queria puxar</p><p>minha orelha, ela falava meu nome pausadamente e de maneira enfática, focando</p><p>em ca-da sí-la-ba, mas alongando a última. Ela também colocava as mãos na</p><p>cintura, como quem dizia “agora a senhorita vai ver!”. Eu podia estar em outro</p><p>cômodo, mas, quando ouvia aquele “May-têêêêêêê”, sabia que ia levar bronca!</p><p>Não é só sobre o que é dito, mas como é dito</p><p>Você já ouviu falar em psicodinâmica vocal? Aprendi esse conceito com a minha</p><p>fonoaudióloga, a Letícia. Basicamente, a psicodinâmica vocal é a imagem</p><p>comunicativa da fala. Ela é o reino do como, que informa o teor do que é dito.</p><p>Ou seja, se a construção lógica da argumentação, no estilo do Aristóteles, é o</p><p>teor da fala, a psicodinâmica vocal é o impacto psicológico que a qualidade</p><p>vocal causa nas pessoas.</p><p>Sendo assim, a qualidade vocal é um elemento fundamental da comunicação. O</p><p>tom de voz tem que estar de acordo com a impressão que se pretende causar e é</p><p>um elemento facilitador para a melhor compreensão de conteúdos. Quando você</p><p>assiste a vídeos antigos da Michelle Obama, por exemplo, você vê que o tom de</p><p>voz dela mudou muito. É sabido e público que ela contratou um voice coach (e o</p><p>seu marido, o ex-presidente Obama, também).</p><p>Outro ponto a se entender é que, muitas vezes, o tom e o conteúdo não</p><p>combinam, gerando ruídos importantes. Bons exemplos são a arrogância ou o</p><p>desrespeito. Tem gente que acha que, só porque falou num tom de voz manso,</p><p>não está sendo arrogante; ou que, só porque não está gritando, não está sendo</p><p>agressivo. Por isso, é importante também deixar os ouvidos atentos para quando</p><p>o tom e o teor estiverem desafinados – esse descasamento pode ser típico de</p><p>debatedores do tipo abusador ou passivo-agressivo, que vimos no capítulo</p><p>anterior.</p><p>Principais tipos de qualidade vocal</p><p>Agora, vamos analisar possíveis impressões de tipos diferentes de qualidade</p><p>vocal. Leve em consideração que, obviamente, a sua voz pode ser de uma</p><p>maneira – por exemplo, você pode ter um timbre tipicamente rouco – e, daí,</p><p>pode acabar se sentindo preocupada. Leve em consideração que, aqui, se trata de</p><p>qualidade vocal, não de tipos de voz. Seguindo o exemplo da voz rouca, não</p><p>estamos nos referindo a timbres específicos – vozes como a da Elza Soares ou a</p><p>do Louis Armstrong –, mas sim a modulações eventuais – quando você</p><p>amanhece e a sua voz está rouca, com aquele aspecto de cansado. Então fique</p><p>tranquila, tá bom? Você não precisa mudar a maneira que é, deve apenas</p><p>perceber os diferentes jeitos que a sua voz se manifesta na hora de passar uma</p><p>mensagem.</p><p>Voz rouca: Sabe quando você sai de um show em que gritou muito e sua voz</p><p>fica bem rouca? Então, se você usar esse tipo de qualidade vocal num</p><p>debate, pode causar a impressão de que está cansada ao argumentar, ou que</p><p>não tem forças para defender seu ponto de vista.</p><p>Voz áspera: Aquela qualidade de voz da mãe brava que quer puxar a sua</p><p>orelha! Ela passa o sentimento de agressividade e ameaça. Por isso, atenção</p><p>quando estiver sendo áspera na comunicação.</p><p>Voz sussurrada: A fala em sussurro passa a impressão de confidência e</p><p>intimidade, um conselho particular, como quando alguém sussurra um</p><p>segredo no seu ouvido.</p><p>Voz soprosa: Este tipo de voz é quando, ao falar, você solta um pouco de ar.</p><p>É quase uma mistura de fala com sussurro. O exemplo mais clássico é de</p><p>Marilyn Monroe, que fazia uso da voz soprosa para dar o exemplo de</p><p>sensualidade típica de um sex symbol. Mas, atenção, porque a voz soprosa</p><p>também pode dar impressão de fragilidade.</p><p>Voz gutural: É aquela que surge bem da garganta, tipo aquelas vozes que</p><p>parecem que vêm do âmago, do fundo da alma da pessoa. Ela é muito usada</p><p>por vocalistas de heavy metal, porque dá a impressão de agressividade.</p><p>Voz trêmula: Aquela vozinha que carrega um tremor. Em geral, passa a</p><p>ideia de insegurança, fragilidade, medo e problemas emocionais.</p><p>Voz infantil: Sabe como você fala com seu cachorro ou gato? Esta voz. Ela</p><p>pode ser ótima para transmitir carinho e ser engraçada, mas passa a ideia</p><p>de infantilidade e ingenuidade.</p><p>Voz nasal: É aquela voz que parece que sai pelo nariz e pode ser, inclusive,</p><p>um tanto irritante – a famosa voz fanhosa. Se usada de maneira exagerada,</p><p>pode transmitir a impressão de ser uma pessoa mimada.</p><p>A psicodinâmica vocal também pode ser analisada a partir da frequência vocal</p><p>do indivíduo, assim, vozes graves transmitem maior autoritarismo e energia,</p><p>enquanto vozes agudas dão a impressão de fragilidade e infantilidade. Para</p><p>discursos mais uplifting e alegres, costumamos usar tom de voz mais agudo, ao</p><p>passo que, para assuntos mais sóbrios ou tristes, o tom costuma ser mais grave.</p><p>Mais uma vez, é importante tomar cuidado para o tom e o teor combinarem. Por</p><p>exemplo, se você transmite uma mensagem de teor denso e difícil em um tom</p><p>alegre, você fica parecendo um psicopata do nível do Coringa. Consegue</p><p>imaginar alguém falando “Lamento pela sua perda” num tom mega agudo e alto?</p><p>Cruz-credo! E, de igual maneira, se você passar uma mensagem de teor alegre</p><p>num tom monótono e grave, alguém vai achar que você precisa de ajuda médica</p><p>urgente.</p><p>E, é claro, o volume é importante – se você fala baixo demais, pode passar a</p><p>ideia de submissão; e, se fala muito alto, pode soar agressiva ou intransigente.</p><p>Assim como todo código comunica alguma coisa e deve ser intencionalmente</p><p>alocado no seu discurso, eu recomendo sempre a quem quer melhorar sua</p><p>capacidade de comunicação:</p><p>Exercícios de voz: Descubra o poder mágico de uma fono! Eu mesma tinha</p><p>uma voz verticalizada, muita dificuldade em articular, abrir a boca, sabe?</p><p>Com muitos exercícios de abertura vocal, consegui articular a minha voz e,</p><p>assim, a minha audiência passou a me compreender melhor.</p><p>Melhore sua postura: A postura não é só importante no sentido de</p><p>aparências, mas também no sentido de ajudar a sua voz a ser mais ou menos</p><p>projetada, mais ou menos clara. Os cantores sabem disso muito bem: existe</p><p>uma diferença anatômica em falar sentado ou em pé, deitado ou dançando.</p><p>A sua postura afeta a sua voz e, por isso, você deve beneficiar posições que</p><p>fazem sentido para a qualidade vocal que você quer transmitir.</p><p>Trabalhe a respiração: É tudo sobre respiração. Falar, cantar, fazer as</p><p>cordas vocais vibrarem, reverberar o som pela boca e fazê-lo sair pelos</p><p>lábios para fora. Aprender a respirar melhor, saber quais são os tipos de</p><p>respiração necessários para cada tipo de qualidade vocal é muito</p><p>importante. Fonoaudiólogos ajudam muito nisso, mas também exercícios</p><p>físicos que podem fortalecer e aumentar o controle do sistema respiratório,</p><p>como ioga, natação e companhia. Aprenda a respirar!</p><p>O corpo comunica</p><p>Com a voz, é muito importante prestar atenção na sua linguagem corporal – seus</p><p>gestos, sua postura, as caretas que você faz quando fala. Por isso, é importante</p><p>soltar o seu corpo, saber como ele se movimenta, ampliar seu repertório de</p><p>movimentos e, acima de tudo, relaxar.</p><p>Quando o assunto é psicoterapia corporal, a gente pensa em Wilhelm Reich, um</p><p>grande pensador que transitou por diferentes áreas do conhecimento – ele foi</p><p>psiquiatra, sexólogo, psicanalista, biólogo e físico. Nada mal, né?</p><p>Reich é muito importante para quem é da área de bioenergética, como meu</p><p>professor, o Pedro, que me ensinou bastante sobre o assunto. A terapia</p><p>bioenergética foi criada em 1955 por Alexander Lowen, paciente e aluno do</p><p>Reich. A bioenergética é uma técnica de integração corporal que ensina como o</p><p>corpo, a partir de respiração</p><p>e vibração, produz energia e vitalidade. Ela entende</p><p>que corpo e mente criam uma unidade e, portanto, é importante você</p><p>desenvolver o self corporal tanto quanto o psíquico (porque, bem, no fundo, eles</p><p>são partes de um mesmo todo).⁸</p><p>Uma noção importante do conceito reichiano é aprender a soltar o corpo.</p><p>Basicamente, segundo essa teoria, tudo que ocorre em nosso psiquismo acontece</p><p>de exata maneira no nosso corpo, e vice-versa. Nosso psiquismo afeta a postura</p><p>corporal e a postura afeta o psiquismo. Pesquisas revelam que depressão e</p><p>ansiedade podem ser provocadas por má postura. Ao mesmo tempo, expressões</p><p>não verbais são importantes, inclusive, para diagnosticar transtornos mentais.¹</p><p>Reich também ensinou que, muitas vezes, as pessoas trazem na fala um</p><p>conteúdo, mas o corpo expressa outra coisa. Por exemplo, você diz que sua</p><p>relação com sua sogra é maravilhosa, vocês se dão superbem, mas, na hora que</p><p>você abre a boca, seu corpo se tenciona, seu olho fecha e você solta um sorriso</p><p>amarelo. Opa! Tem algo que não bate aí. Teor e postura não estão casando.</p><p>A mente influencia o corpo e o corpo influencia a</p><p>mente.</p><p>A melhor parte é que o trabalho do Reich teve sequência na obra do Lowen, que</p><p>nos ensinou alguns exercícios de bioenergética que você pode fazer sempre que</p><p>tiver que falar em público; ou no dia a dia, se falar com outras pessoas, em geral,</p><p>é algo com que você luta.</p><p>Exercícios para melhorar sua psicodinâmica corporal</p><p>Vamos melhorar nossa psicodinâmica corporal e vocal com alguns exercícios?</p><p>Vou compartilhar dois do Lowen que gosto muito de fazer toda vez que preciso</p><p>realizar uma palestra, dar aula ou me expor na frente de várias pessoas, ou</p><p>quando só quero me sentir uma boss bitch. Há outras opções por aí, então espero</p><p>que eles sejam os primeiros de muitos que você venha a descobrir no futuro!</p><p>O arco</p><p>Fique em pé, separe os seus pés em linhas paralelas – não precisa ser demais,</p><p>mantenha-os mais ou menos na linha do quadril. Depois, flexione levemente os</p><p>joelhos, só um tiquinho. Daí você fecha ambos os punhos e os posiciona na</p><p>cintura. Essa é a postura do arco.¹¹ Você vai perceber que começará a vibrar</p><p>(louco, né?). Não se assuste: inspire e respire por vinte segundos – conte 1, 2, 3,</p><p>4... –, olhando para o alto, como quem está procurando uma de aranha no teto.</p><p>Veja se sua ansiedade não vai diminuir e se você não vai se sentir mais aterrada!</p><p>Grounding invertido</p><p>Essa é a postura do aterramento. De novo, coloque os pés paralelos, na linha do</p><p>quadril. Dê aquela semiflexionada com os joelhos afastados – você não quer que</p><p>eles se batam um com o outro ou fiquem virados um para o outro. Tem que ficar</p><p>para fora, criando linhas paralelas imaginárias com o chão. Feito isso, com</p><p>cuidado e devagar, enquanto expira o ar, abaixe a cabeça até a altura dos pés –</p><p>ou o máximo que conseguir. Pelo amor de Deus, não se machuque. Solte a</p><p>tensão dos ombros. Relaxe, se entregue. Se conseguir, pode colocar as mãos no</p><p>chão. Se não, deixe-as leves, livres e soltas. Inspire e respire nessa posição por</p><p>vinte segundos. Na hora de subir, volte devagar, arredondando a coluna de cima</p><p>para baixo e, por último, levante a cabeça.</p><p>Lembre-se sempre de respirar. Respirar é vida. Nossa vida é do tamanho da</p><p>nossa respiração. É o primeiro ato vital do ser humano, que está presente durante</p><p>toda a nossa existência. Ao ser cortado o cordão umbilical, o ser humano entra</p><p>em contato com o mundo por meio da respiração. É a forma que temos de sentir</p><p>os outros e o ambiente. Sempre que estamos tensos e estressados, ficamos com a</p><p>respiração cortada, ofegante ou acelerada. Relaxe, respire fundo – livre-se das</p><p>couraças musculares, conecte-se com seu centro e descubra a sua voz.</p><p>Grounding invertido.</p><p>Caminhar livre</p><p>Esse eu fazia muito nas minhas aulas de teatro! Bora liberar essa couraça</p><p>muscular! Essa é a hora de aterrar o pé no chão. Caminhe descalça de cinco a</p><p>dez minutos, mas caminhe consciente. Sinta cada dedo do pé tocando o chão,</p><p>caminhe com os calcanhares, caminhe na ponta dos pés, alterne. Esteja mindfull</p><p>de qual parte dos seus pés está tocando o chão. Sinta o peso do seu corpo. Sinta</p><p>o seu corpo. Você nunca vai tocar o chão, o que você sente é o seu próprio pé</p><p>sendo tocado pelo chão. Mas você nunca vai sentir o chão. Meio lacaniano, mas</p><p>vem comigo. Pra mim, é o melhor exercício de aterramento que tem. Me sinto</p><p>mais segura e presente para encarar apresentações e palestras quando faço esse</p><p>exercício. Pode ser em casa, na natureza, onde for: caminhe de forma livre por</p><p>cinco a dez minutos, mas caminhe consciente.</p><p>Exercício de respiração</p><p>Estudos de Stanford demonstram que respirar de maneira presente e devagar</p><p>melhora a ansiedade e te tranquiliza aos poucos.¹² Esse é o meu favorito! Deite-</p><p>se ou sente-se confortavelmente, coloque a mão direita na barriga e a mão</p><p>esquerda no peito e, então, inspire em quatro tempos (in, in, in, in), segure em</p><p>quatro tempos (confia, confia, confia, confia) e expire em quatro tempos (ex, ex,</p><p>ex, ex). Repita de quatro a seis vezes. O ato de confiar que o ar estará ali, que ele</p><p>existirá, é muito potente para acalmar a nossa ansiedade. Por isso é importante</p><p>segurar antes de expirar. Quando vamos falar em público, é muito normal nos</p><p>sentirmos nervosos, e acabamos esquecendo de respirar direito, engatilhando o</p><p>pânico. Essa respiração sempre me ajuda a estar presente no aqui e no agora e o</p><p>resultado é uma fala sem estar ofegante e sem passar nervosismo para o meu</p><p>interlocutor, mas transmitindo segurança e potência.</p><p>9.</p><p>A ousada arte de usar a própria voz</p><p>Que jornada maravilhosa estamos trilhando! Mentalidade, retórica, oratória,</p><p>psicodinâmica vocal, corporal… Ninguém te segura! Temos todas as ferramentas</p><p>necessárias para nos apropriarmos do poder da fala. Agora vou compartilhar com</p><p>vocês como ter uma voz autêntica. Mas, antes, preciso que você me prometa</p><p>uma coisa. Vamos fazer um pacto? Vamos combinar que a gente não vai ser</p><p>aquela pessoa smilinguida , sem voz definida, que topa tudo, que só diz sim, que</p><p>não se coloca? Apenas... não. Sim, eu sei que tem situações em que ficamos</p><p>tímidas. Entendo que nem sempre a gente tem forças para dialogar. Tudo bem ter</p><p>momentos de fragilidade e vulnerabilidade, dias amuados e pra baixo – eu</p><p>entendo, e tá tudo bem. O que não quero é que você seja esta pessoa:</p><p>Emily Murname</p><p>@emily_murname</p><p>Todos os e-mails de trabalho que enviei:</p><p>Ei!</p><p>Desculpa te incomodar.</p><p>Eu estava me perguntando</p><p>(se não for nenhum incômodo)...</p><p>Será que você poderia fazer aquela coisa que disse que iria fazer?</p><p>Tudo bem se não der!</p><p>Provavelmente é minha culpa mesmo, eu sou uma idiota.</p><p>Desculpa o incômodo!</p><p>Mil desculpas!</p><p>Só me avisa!</p><p>Emily</p><p>Para te ajudar, vou dar algumas dicas espertas sobre como recuperar seu senso de</p><p>poder e governança. Todo mundo tem uma voz, às vezes você só perdeu a sua.</p><p>Mas não se preocupe, nós vamos achá-la de novo e da maneira mais autêntica</p><p>que existe. Venha comigo!</p><p>Seja irreverente</p><p>Sei que isso parece coisa de publicitário, mas tem uma palavra que os norte-</p><p>americanos usam e abusam que não tem uma tradução literal. Te apresento:</p><p>unapologetic. Significa sem remorso, dor na consciência, vergonha – sem se</p><p>desculpar (o tal “desculpa pelo incômodo”). É o que eu decidi chamar neste livro</p><p>de irreverente.</p><p>Na língua portuguesa, irreverente, às vezes, é visto como aquele que não tem</p><p>muito respeito, é pouco educado, sem apreço pelas regras sociais. Mas</p><p>irreverente para nós, aqui, é unapologetic – do jeitinho da Rihanna. Significa</p><p>projetar a sua voz com protagonismo e impacto, sem ser tomada por culpa ou</p><p>remorso por ser uma badass. É ousar argumentar.</p><p>Para que você possa descobrir sua verdadeira voz, vou te ensinar dois exercícios</p><p>e conceitos que me ajudam muito: a Roda da Voz e o Journaling. Com eles, você</p><p>terá duas ferramentas poderosíssimas para ousar encontrar e utilizar a própria</p><p>voz, de acordo com o objetivo que você quer alcançar, além de entender com</p><p>maior profundidade como a comunicação funciona e como ser mais persuasiva.</p><p>A Roda da Voz</p><p>Há um teórico</p><p>da comunicação que eu amo chamado Kenneth Burke. Ele</p><p>mostrou que as relações entre cinco elementos – ato, cena, agente, agência e</p><p>propósito – organizam a interação humana. Inspirada em Burke, criei a Roda da</p><p>Voz, um framework poderoso que ajuda você a ter consciência da sua voz,</p><p>controle da sua performance e domínio de falas públicas. Com ela, você</p><p>consegue se tornar esse mulherão potente que eu sei que você pode ser!</p><p>Vou partir de um exemplo pessoal para você entender como a Roda da Voz pode</p><p>ser usada. Com o passar do tempo e prática, esse exercício vai se tornar tão</p><p>natural e intrínseco que você nem vai ter que pensar muito nele. A princípio, vou</p><p>fornecer um pequeno formulário para você preencher e conseguir sacar como</p><p>articular cada elemento para comunicar o que você quer.</p><p>No primeiro exemplo, eu tenho que dar uma palestra sobre persuasão no</p><p>colóquio de retórica de uma universidade (o que acontece com frequência).</p><p>No caso da universidade, preciso pensar: qual é a minha audiência? Acadêmicos,</p><p>pesquisadores, professores e alunos. Diante desse público, qual é a personalidade</p><p>mais adequada? Decido que é a sóbria – ainda que, é claro, mantendo a</p><p>irreverência. “Ah, Maytê, então você vai pagar de falsiane e interpretar um papel</p><p>para agradar o mundo acadêmico?” Acalme-se, não é isso. Nossa personalidade</p><p>é feita de várias subpersonalidades, vamos assim dizer. Essas subpersonalidades</p><p>são as personas; você não age exatamente igual quando está apresentando um</p><p>projeto para um cliente e quando está conversando com o seu sobrinho de 5</p><p>anos, certo? E tá tudo bem. Eu também! Existe a persona Maytê acadêmica,</p><p>Maytê filha, Maytê irmã, Maytê colega de festa... Eu só escolhi a que faz mais</p><p>sentido para essa ocasião.</p><p>Em seguida, penso em qual emoção, tom e linguagem utilizar – neste caso,</p><p>decido que tem que ser algo próximo de um ceticismo (que não é uma emoção</p><p>per se, mas implica não querer ser nem excessivamente alegre, nem raivosa, nem</p><p>odiosa), um tom alarmista e uma linguagem mais formal. Afinal de contas, quero</p><p>levar uma reflexão crítica e ética sobre o uso da persuasão. Euzinha estudo o</p><p>impacto da persuasão homem-máquina (que é basicamente o estudo de como o</p><p>fazer persuasivo se dá no mundo digital), sabendo que a pesquisa pressupõe uma</p><p>visão bem crítica e um vocabulário específico dos estudantes da retórica. Posso</p><p>usar palavras bonitas como inventio, por exemplo, porque a galera vai saber do</p><p>que estou falando.</p><p>E aí chegamos ao propósito. Qual é o ponto disso tudo? O que eu pretendo nessa</p><p>fala? Meu propósito é informar e promover uma reflexão sobre a persuasão, em</p><p>especial no recorte da minha pesquisa, e iniciar um debate teórico com</p><p>graduados e graduandos, mestres e mestrandos, doutores e doutorandos.</p><p>Resultado? Ela: a minha voz.</p><p>Agora, eu te pergunto: e se, depois, eu quisesse fazer um reels sobre persuasão?</p><p>Ou sobre a relação homem-máquina na persuasão? Será que o resultado seria o</p><p>mesmo? Claro que não! A minha audiência no Instagram é bem mais</p><p>heterogênea – maioria de mulheres e/ou profissionais liberais. Estamos falando</p><p>de mulheres entre 25 e 45 anos, que podem ter só um diploma de ensino médio</p><p>ou Ph.D. em Medicina.</p><p>Elas não necessariamente manjam de persuasão – eu posso ser seu primeiro</p><p>contato com o assunto – e consomem um conteúdo cujo propósito é o</p><p>crescimento pessoal e profissional por meio da comunicação. Isso exige uma</p><p>Maytê mais crua, acessível e informal (como a deste livro). Preciso ser afetuosa,</p><p>dar acolhimento e falar de uma maneira coerente com um momento de lazer ou</p><p>ócio, típico de quem está passando tempo nas redes sociais. E, claro, preciso ser</p><p>rápida: coisa de cinco minutos, não cinquenta. O propósito é inspirar e prestar</p><p>um serviço utilitário, e não discutir o sexo dos anjos (não que seja isso que a</p><p>gente faz na Academia, mas você me entende!).</p><p>PEQUENO FORMULÁRIO PARA DOMINAR A</p><p>RODA DA VOZ</p><p>Para se preparar para uma fala pública, ou para descobrir sua voz num ambiente</p><p>específico – como o de trabalho –, ou para entender como se comunicar numa</p><p>situação particular – como educar os filhos –, tente preencher o formulário a</p><p>seguir. Não precisa escrever nada, só pense e reflita sobre os cinco elementos do</p><p>pentagrama do Burke e tente encontrar a sua voz.</p><p>1. Qual é a minha audiência?</p><p>Com quem você está falando? Quem é seu público? No caso de eventos</p><p>profissionais ou falas públicas, seja numa rede social ou numa palestra, tente</p><p>averiguar qual é a demografia de quem vai te ouvir em nível psicográfico –</p><p>atributos de personalidade e emoção – ou biopsicossocial – dimensões</p><p>biológicas, sociais e psicológicas.</p><p>2. Qual modulação de personalidade preciso assumir</p><p>diante dessa audiência?</p><p>Qual versão de você precisa aparecer ou é mais condizente com esse contexto?</p><p>Será que uma versão mais descolada e divertida ou clássica e sóbria? É preciso</p><p>ser mais acessível ou se apresentar como uma especialista?</p><p>3. Quais emoções quero transmitir na minha fala?</p><p>Quero transmitir quais emoções? Não só em relação a mim mesma, mas quais</p><p>emoções quero provocar na minha audiência? Amor? Raiva? Revolta? Alegria?</p><p>Indignação?</p><p>4. E o tom de voz? Qual é o mais adequado?</p><p>Aqui entram as qualidades de voz que falamos antes, mas na medida em que elas</p><p>traduzem as emoções que quero passar. É importante que o tom seja</p><p>motivacional, uplifting e otimista? Ou talvez apaziguador, calmo, que refreia</p><p>ânimos? Ou, não, ele precisa ser raivoso e agressivo? Ou alarmista e crítico?</p><p>5. E a linguagem? Qual registro linguístico eu quero</p><p>utilizar?</p><p>É preciso usar uma linguagem mais culta, acadêmica, sem palavrões, mais</p><p>preocupada com gramática e que aloque conceitos específicos? Ou posso usar</p><p>dialetos, gírias e falar de maneira informal, talvez até usando expressões</p><p>coloquiais aqui e ali?</p><p>6. Qual é o propósito da sua fala?</p><p>Gata, o que você quer? É se engajar? É educar? Talvez vender um produto ou</p><p>serviço? É informar e disseminar informações? Ou é inspirar? No fim das</p><p>contas, o que você quer que a sua audiência sinta ao término da sua fala? Se</p><p>sinta aprendendo algo novo, inspirada a mudar de atitude, a fim de comprar um</p><p>serviço/produto? Abaixo, anote o que você quer para as principais áreas da sua</p><p>vida (se tiver mais, é só desenhar um novo círculo e escrever nele também).</p><p>Resultado = você dominando a ousada arte de usar a sua voz, a chamada</p><p>irreverência.</p><p>Destrave o seu potencial</p><p>O que Albert Einstein, Marie Curie, Mark Twain, Charles Darwin, Thomas</p><p>Edison, Frida Kahlo, Marco Aurélio e Sêneca tinham em comum? Todos faziam</p><p>journaling: atividade contínua, quando não diária, de escrever o que aconteceu</p><p>no dia, como você se sente, quais são os seus pensamentos e ideias. O bom e</p><p>velho diário. É uma maneira muito eficaz de destravar o seu potencial, porque</p><p>cria um fluxo de reflexão que pode revelar muito sobre quem você é e o que</p><p>deseja – ou seja, ajuda a descobrir a sua voz.</p><p>Escritores, cientistas e filósofos relatam os benefícios do journaling em sua</p><p>criatividade e produtividade. Um estudo de Harvard¹³ concluiu que a</p><p>performance de pessoas que praticam o journaling é 25% superior em</p><p>comparação a de quem não mantém um diário.</p><p>E produtividade não é tudo! Escrever é importante para fazer o que a professora</p><p>Julia Cameron chama de “drenagem cerebral”:¹⁴ liberar demônios, pensamentos</p><p>sabotadores e crenças limitantes. De Marco Aurélio a Tim Ferriss, escrever tira</p><p>as ideias da cabeça e as emoções do coração para sublimá-las no papel.</p><p>Para começar a prática do journaling amanhã mesmo, vou te passar um exercício</p><p>que vai ajudá-la a entrar no flow e ganhar tração para iniciar esse processo!</p><p>Palavra é ação e pode gerar mudanças no mundo.</p><p>1. Compre um caderno bem bonito. Aqui, vamos fazer o estilo analógico.</p><p>Pode ser uma agenda diária ou qualquer caderno pautado. Se você é mais</p><p>da tecnologia, há aplicativos específicos para journaling , ou basta escrever</p><p>um e-mail para você mesma! De toda maneira, se puder ser por escrito, na</p><p>sua letra, é bem mais gostoso e pessoal!</p><p>2. Durante trinta dias, você vai acordar e escrever de uma a</p><p>três páginas</p><p>logo pela manhã. Não interessa o assunto. Pode ser “Acordei e não sei o que</p><p>escrever” até o sonho doido que você teve, uma lista de coisas que gostaria</p><p>de fazer ou os planos para o fim de semana. O importante é se esforçar para</p><p>preencher ao menos uma página – vai, não é tão difícil! Exercícios de livre</p><p>associação podem ajudar aqui: mesa, cadeira, caneca, café… escreva o que</p><p>você vê pela frente e em que estiver pensando, sem filtros.</p><p>3. Na sua descrição, é necessário incluir como você se sente. De entediado</p><p>até com raiva, de ansiosa até nas nuvens. Dê nome aos seus sentimentos e a</p><p>como as atividades listadas fazem você se sentir.</p><p>4. Finalizados os trinta dias, quero que você reserve um dia para reler tudo</p><p>o que escreveu. Perceba quais palavras são mais recorrentes; quais desejos e</p><p>vontades aparecem com frequência; o que te surpreendeu e o que era óbvio.</p><p>Quanto mais você escrever no journaling, mais perto estará de encontrar a sua</p><p>verdadeira voz. Sua voz autêntica. O exercício do journaling traz à tona emoções</p><p>e desejos. Nos mostra as palavras que gostamos de usar para descrever nossos</p><p>sentimentos. Ao escrever, nos apropriamos da nossa narrativa. Saber narrar a</p><p>nossa história está intrinsecamente ligado ao ato de encontrar a própria voz. Ao</p><p>se tornar um narrador melhor da própria história, você se torna um protagonista</p><p>melhor. Não somente, descobre como usar com sabedoria a voz que possui.</p><p>E se eu conheço minha voz, mas ninguém me entende?</p><p>Conta-se que Cassandra, filha de Príamo, o rei de Troia, após um</p><p>desentendimento com o deus Apolo, foi amaldiçoada: ninguém nunca mais iria</p><p>entender o que ela dizia, sendo condenada a ser vista como louca. Por isso,</p><p>quando ela passou a avisar ao seu pai e irmão, Heitor, que Troia estava</p><p>condenada à destruição, ninguém deu ouvidos – porque ninguém a entendeu.</p><p>Muitas vezes, no processo de comunicação, nos sentimos verdadeiras</p><p>Cassandras. Até sabemos usar a nossa voz, mas falamos A e o povo entende B. E</p><p>não é que isso acontece uma vez na vida e outra na morte. Diariamente, toda vez</p><p>que alguém abre a boca e outra pessoa escuta, esbarramos com ruídos de</p><p>comunicação. Isso porque a comunicação nunca é 100% clara, óbvia e</p><p>transparente. A comunicação é, antes de mais nada, uma expectativa. Mesmo</p><p>quando conseguimos nos fazer entender, sempre tem alguma coisinha que não é</p><p>exatamente bem compreendida. A boa notícia é que esses ruídos são</p><p>oportunidades de aprendizado.</p><p>Pare e pense num balão.</p><p>Pensou?</p><p>Descreva pra mim o seu balão.</p><p>Como ele é? É um balão tipo uma bexiga? Ou mais que nem um balão de</p><p>aniversário? Ou tipo aqueles balõezinhos da Turma da Mônica (foi o que eu</p><p>pensei)? De que cor é o seu balão?</p><p>Provavelmente você pensou num balão de aniversário, mas se esqueceu de que</p><p>há esculturas de bexiga, balão de ar (desses usados para transporte), e deve ter</p><p>tido aquele momento de “Ahhhhhhh”.</p><p>Se isso é verdade para algo tão simples quanto um balão, o que você acha que</p><p>acontece no dia a dia, com ideias complexas?</p><p>“Maytê, peraí. Então você tá me dizendo que não importa o quanto eu estude, a</p><p>comunicação sempre vai ser ruidosa? O que eu estou fazendo aqui, então?”</p><p>Calma. É verdade que há ruídos, mas você não concorda que tem ruídos que são</p><p>baixinhos e leves, que podem até atrapalhar um pouquinho, mas não te impedem</p><p>de ouvir os sons ao redor? E que há outros que são ensurdecedores, tipo quando</p><p>a música da balada está tão alta que é impossível ouvir o que a outra pessoa está</p><p>dizendo, mesmo que ela berre no seu ouvido?</p><p>A mesma coisa serve para os ruídos de comunicação. Eles são uma oportunidade</p><p>para nós ajustarmos e afinarmos a nossa voz, criando pontes mais ou menos</p><p>fortes com os outros. Também é um convite para o autoconhecimento e também</p><p>para conhecer o outro.</p><p>Cada pessoa tem uma formação biopsicossocial diferente. Por isso, diante de um</p><p>ruído, você precisa tentar entender como o outro está percebendo o mundo.</p><p>Claro, a conclusão pode ser desagradável: você pode aprender que a sua esposa</p><p>não está ouvindo você ou que seu colega não é dos mais atenciosos. Mas existe</p><p>uma grande possibilidade de que a sua mensagem não tenha sido tão clara para</p><p>aquela pessoa; que ela não tinha todas as informações possíveis; que a</p><p>linguagem estivesse inadequada para aquela audiência, e por aí vai.</p><p>Ferramentas de retórica são importantes justamente porque diminuem esses</p><p>ruídos de maneira que ainda seja possível estabelecer uma conversa, o que é</p><p>essencial para a argumentação. Em um debate, o excesso de ruídos pode ser</p><p>desastroso e pode fazer com que, em vez de aproximar as pessoas, elas se</p><p>afastem e não consigam estabelecer um diálogo.</p><p>E como nunca é possível saber do outro a não ser o que ele nos revela, você tem</p><p>que começar o trabalho por você. Precisa se autoconhecer, entender o que quer</p><p>dizer e de onde está partindo, porque o outro, muito provavelmente, vai se</p><p>posicionar a partir daquilo que você apresentar. Isso não só é verdade para a</p><p>relação familiar ou de um casal, mas também para qualquer tipo de troca entre</p><p>duas ou mais pessoas. Eu posso até entender (ou achar que entendo, né,</p><p>convenhamos) como alguém se sente ou o que quer dizer, mas, no fundo, a gente</p><p>só sabe mesmo de si. Então, a partir dos ruídos, vamos ajustando a conversa,</p><p>estabelecendo limites e contornos para continuar trocando ideias.</p><p>Estabelecer essa linha tênue entre escuta e imposição de limites é o grande</p><p>segredo da vida – é saber andar nessa corda bamba, a expressão máxima da</p><p>irreverência e ousadia. Acima de tudo, é se comunicar com clareza e eficiência</p><p>(o que espero que, ao fim deste livro, você já tenha dominado) para minimizar</p><p>esses ruídos, pedindo de forma clara e objetiva o que se quer.</p><p>10.</p><p>Como você reage em uma discussão?</p><p>Ao falar de argumentação, também é preciso falar de como a gente reage. Em</p><p>geral, a forma como você lida com o que é dito é sintomático do tipo de debate</p><p>no qual você está inserida. Há um mito de que uma discussão acalorada não é</p><p>eficiente, mas eu discordo. Raiva, cólera e medo são indicadores poderosos de</p><p>limites sendo desrespeitados – contanto que não sejam nossos mestres. Da</p><p>mesma forma, nem toda discussão aparentemente pacífica está indo para algum</p><p>lugar. Vou abrir um parênteses aqui: pessoalmente vejo a raiva como uma</p><p>poderosa aliada, como um combustível, pois ela me aponta a direção e me leva a</p><p>agir. Se eu sinto raiva, é porque algo me atingiu e eu preciso descobrir de onde</p><p>vem essa minha reação. Enxergue suas reações não como uma ação, e sim como</p><p>um convite à ação.</p><p>Por isso, neste capítulo, vamos trabalhar as possíveis reações num debate. O</p><p>importante é que você tenha clareza de como está respondendo – não só em teor,</p><p>mas também em qualidade vocal e postura corporal. E de que maneira a sua</p><p>reação pode reforçar ou completamente destruir a sua irreverência.</p><p>Nada é o que parece ser</p><p>Como você deve ter percebido, entender o seu lugar num debate tem muito a ver</p><p>com a sua história, quem você é e sua capacidade de se conectar com a sua</p><p>essência. No caso das reações, não é nem um pouco diferente. A maneira como a</p><p>mensagem é compreendida e atravessada pode ter mais a ver com você do que</p><p>com o locutor. Por isso, antes de mais nada, quero que você reflita um</p><p>pouquinho em como reagiu numa discussão, num debate ou numa argumentação</p><p>qualquer.</p><p>DIAGNÓSTICO DE REAÇÃO EM DEBATES</p><p>1. O que estou apreendendo do que foi dito?</p><p>Quando alguém diz alguma coisa, qualquer coisa, o que você realmente está</p><p>absorvendo? O que fica contigo? Qual história está sendo contada, ou qual</p><p>argumento está sendo construído? O que está sendo posto diante de você?</p><p>2. Já me senti assim antes?</p><p>Diante disso que está sendo absorvido, volte o olhar para dentro e analise seus</p><p>sentimentos. Como você se sente? É raiva, ódio, desprezo, ansiedade, medo,</p><p>excitação, alegria? E onde, ou em quais situações, você se sentiu assim antes?</p><p>Qual é o gatilho denominador comum que te leva para esse lugar? É alguma</p><p>palavra específica, um contexto?</p><p>3. Como esse tipo de situação foi tratado no seu</p><p>sistema familiar?</p><p>É, não tem jeito: muito de como reagimos tem a ver com a nossa história</p><p>familiar. Traumas infantis, dinâmicas e padrões vivenciados dentro de uma</p><p>família, ou até mesmo a ausência de uma, tendem a ser reproduzidos. Muitas</p><p>vezes, você pode reagir de uma forma porque é a gramática que aprendeu, possui</p><p>feridas que não cicatrizaram ou que precisam ser separadas do debate em</p><p>questão. Seu pai sempre interrompia sua fala e dizia que você estava equivocada;</p><p>um dia, um colega de trabalho faz o mesmo e você acessa essa memória e acaba</p><p>reagindo de uma forma desproporcional. Na realidade, você só embarcou nessa</p><p>narrativa.</p><p>4. O que eu preciso investigar sobre a minha reação</p><p>para avançar e aprender com ela?</p><p>Uma vez que você respondeu às perguntas anteriores, é hora de avaliar o que nas</p><p>respostas precisa ser tratado. O que não parece estar coerente ou proporcional à</p><p>discussão específica? Ou, pelo contrário, será que você já domina a arte do</p><p>debate?</p><p>Essas perguntas devem ser especialmente consideradas diante de discussões</p><p>acaloradas ou se você sair de um debate se sentindo muito mal. Sabe quando a</p><p>gente tem uma altercação pesada com um chefe, uma discussão tensa com uma</p><p>grande amiga, uma briga com o cônjuge ou estresse com os filhos? Pois é. Mas,</p><p>se debates, em geral, te deixam nervosa, tímida, insegura, inclusive com reações</p><p>físicas, como suor nas mãos, pressão baixa, dor de barriga, formigamento ou</p><p>algum sintoma psicossomático, responda às perguntas anteriores e tente</p><p>descobrir o que tá pegando.</p><p>A maneira como a gente reage também é um poderoso indicador de que algum</p><p>limite foi ultrapassado. Pode ser que o problema não esteja em você, mas,</p><p>inadvertidamente ou na base da má-fé, você está presa numa dinâmica que não é</p><p>muito legal.</p><p>Como vimos no Capítulo 7, há debatedores que possuem mecanismos sutis,</p><p>híbridos, que não são transparentes naquilo que querem dizer, ou misturando</p><p>sedução e intimidação, como no caso do abusivo, ou emitindo meias palavras,</p><p>como no passivo-agressivo. Por isso, atenção!</p><p>Como saber quando ser mais ou menos reativa?</p><p>A partir das perguntas anteriores, você também vai conseguir delimitar algo</p><p>fundamental: quando ser mais ou menos reativa? Infelizmente, não há uma</p><p>receita de bolo que sirva para todos os debates, tendo em vista que o contexto, a</p><p>mensagem, a audiência e os interlocutores são fatores decisivos.</p><p>Mas, ao ter maior clareza do que está sendo emitido e dos seus padrões de</p><p>resposta, é possível entender até que ponto é preciso se impor mais ou quando</p><p>você pode estar tendo uma reação completamente desproporcional, que não</p><p>condiz com aquela situação em especial. Lembre-se: a ousadia é saber caminhar</p><p>numa corda bamba.</p><p>O importante é não deixar que as suas reações deixem de ser endereçadas. Você</p><p>precisa fazer o esforço de se conhecer melhor. Inclusive, sentimentos tidos como</p><p>negativos, como a raiva que já comentei, podem ser aliados poderosos – se bem</p><p>canalizados, podem ser grandes fontes de energia. Além disso, falas podem ser</p><p>violentas e reações à altura do golpe desferido evitam traumas.</p><p>Não perca de vista, entretanto, que um debate é uma troca entre mundos,</p><p>repertórios, maneiras de ser e de estar, que costumam ser fundamentalmente</p><p>diferentes. Mesmo quando há semelhanças enormes entre você e a sua audiência,</p><p>ninguém sente e pensa da mesma forma, porque cada um tem a sua história.</p><p>Entender a linha entre o mais e o menos, o aceitável e o inaceitável, o certo e o</p><p>errado não é simples, porque depende muito da alteridade, da nossa capacidade</p><p>de presumir que cada pessoa é única. E, na maioria das vezes, achar a medida</p><p>correta entre reações virá com muita tentativa e erro, experiência e, sobretudo,</p><p>autoconhecimento (eu sei, eu falo isso toda hora, mas é porque é verdade).</p><p>Ousada, mas com limites</p><p>Mas é aquilo, né, a gente pode fazer o dever de casa e mesmo assim... dá tudo</p><p>errado. Isso acontece porque, infelizmente, é impossível agradar a todos. Repita</p><p>comigo, leia em voz alta, anote num post-it, pregue na geladeira e, se necessário,</p><p>tatue no seu braço: É impossível agradar a todos.</p><p>Por isso, tome cuidado para, na análise das suas performances em debate, não</p><p>confundir sucesso com aprovação. Se a sua parada for um desejo de validação,</p><p>ou se constatar que um limite foi ultrapassado, você precisa questionar se está</p><p>“desapontando” as pessoas certas (spoiler: se elas forem certas, não se sentirão</p><p>desapontadas, mas não estamos prontas para essa conversa – ainda; fica para o</p><p>próximo livro).</p><p>Parte de estabelecer limites saudáveis numa discussão é delimitar quem você</p><p>está disposto a desagradar. A quem você dá o poder de autorizar suas emoções,</p><p>seus pensamentos, suas ideias, seus projetos e seus argumentos. No fim do dia,</p><p>muito provavelmente você vai descobrir que a única pessoa que deveria ser</p><p>capaz de fazer isso é você.</p><p>Tem uma frase que vi circulando na internet um dia desses que dizia: “Mulheres</p><p>levantam a voz quando sentem que não estão sendo ouvidas. Homens levantam a</p><p>voz quando sentem que não estão sendo obedecidos”. Acho que isso é bem</p><p>verdade, como também poderia ser para outros grupos minoritários, como</p><p>pessoas negras, em especial mulheres negras, pessoas com deficiência, membros</p><p>da comunidade LGBTQIA+ e todo mundo que fica na interseção de alguns ou</p><p>todos esses grupos.</p><p>É impossível agradar a todos.</p><p>Bota a mão na consciência e pensa comigo: quando você levantou a sua voz, se</p><p>sentiu invalidada? Reflita. A pessoa do outro lado tinha uma posição de</p><p>autoridade, como uma chefia ou um dos seus pais? Ou, talvez, não era uma</p><p>pessoa de autoridade, mas importante para você, como o cônjuge ou um amigo?</p><p>Pois é, estabelecer limites é importante para podermos ousar argumentar. E</p><p>lembre-se: na dúvida, você pode usar o silêncio (o ativo, que aprendemos láááá</p><p>atrás, não o passivo, tá?). Você pode silenciar para não ser silenciada.</p><p>E veja bem: limites são diferentes de violência ou vulgaridade (não no sentido</p><p>moralista da palavra, mas de não ser educada). Dá para ter firmeza sem ser uma</p><p>agressora; dá para ser enérgica e, ainda assim, polida. Um “não” bem dito meio</p><p>tom mais baixo pode reverberar mais do que um grito. A ousadia e a irreverência</p><p>não são sobre desrespeito, mas autenticidade, autocuidado e empatia. Afinal,</p><p>meu objetivo aqui é fazer você se tornar uma rainha autêntica, não uma otária,</p><p>rs.</p><p>RESPONSABILIDADES</p><p>SUAS DO OUTRO</p><p>Suas palavras Palavras do outro</p><p>Seu comportamento Comportamento do outro</p><p>Seu modus operandi Modus operandi do outro</p><p>Seus esforços Esforços do outro</p><p>Seus erros Erros do outro</p><p>Suas ideias Ideias do outro</p><p>Consequências de suas ações Consequências das ações do outro</p><p>Outro ponto importante para ser ousada sem ser vulgar é entender quais são as</p><p>narrativas imaginárias que você está trazendo para a mesa (a famosa neurose).</p><p>Quantas vezes adiamos alguma conversa, término ou começo, hesitantes da</p><p>reação do outro? Ou, diante de uma reação inesperada, a gente começa o delírio:</p><p>“Fulano disse isso, mas, no fundo, eu sei que ele quer dizer aquilo”, ou “Ela</p><p>disse que tá tudo bem, mas eu sei que não está, é tudo culpa minha”.</p><p>Para evitar cair nesse lugar, num plano prático, tratando-se de um debate factual,</p><p>você pode tentar responder a algumas perguntas:</p><p>1. O que eu falei?</p><p>2. O que eu fiz?</p><p>3. O que eu falei e fiz é condizente com meus valores?</p><p>Como já vimos, em qualquer situação de conflito, debate, oposição de</p><p>pensamentos, valores ou desejos, muitas vezes imprimimos os nossos</p><p>julgamentos e nossa régua nas ações do outro. Essa dissonância cognitiva gera</p><p>frustrações. Mas, como eu já te disse e repito, somos responsáveis única e</p><p>exclusivamente pelas nossas ações e falas. Assumir isso é perturbador porque</p><p>revela que, bem, não controlamos muita coisa e, certamente, como o outro</p><p>entende a minha mensagem.</p><p>No fim, gata, para ser ousada, mas não vulgar, tenha valores – e aja de acordo</p><p>com eles.</p><p>11.</p><p>Quando não há debate</p><p>Cada vez mais o mundo está polarizado. Na internet, a gente vê uns debates</p><p>repletos de teoria da conspiração e com pessoas que já vêm com quatro</p><p>pedras</p><p>na mão. Por isso, é importante se perguntar: quando é que vale a pena debater?</p><p>É como diz o ditado: escolha suas batalhas. Antes de se engajar numa discussão,</p><p>eu paro uns cinco segundos e penso: Faz sentido comprar essa briga? Se a</p><p>resposta é não, eu sigo em frente. Até porque não nasci para ser Madre Teresa de</p><p>Calcutá. Não dá para tomarmos para nós todas as dores do mundo e achar que</p><p>conseguimos lidar com todos os adversários.</p><p>Num mundo ideal, nós conseguimos dialogar com pessoas de sentimentos e</p><p>ideias dos mais diversos. Seria possível abrir campos de discussão com qualquer</p><p>um, sem treta, sem xingamento, sem falácia, sem se sentir ameaçada. O</p><p>problema é que a realidade é muito mais complicada, e há brigas que não cabem</p><p>a nós – porque, como vimos no capítulo anterior, estabelecer limites é essencial</p><p>para ousar argumentar.</p><p>Por exemplo, quando estou no meio de uma discussão e percebo que a pessoa</p><p>acredita em teorias da conspiração, é terraplanista ou negacionista, antivacina,</p><p>anticiência, adoradora fervorosa de determinado político ou partido, eu não me</p><p>engajo – de verdade. E aconselho que você não perca o seu tempo. Esse tipo não</p><p>está disposto a mudar de ideia; não está genuinamente a fim de promover uma</p><p>troca saudável. Em especial, se cultua um líder de forma quase religiosa.</p><p>Não dá para se engajar com quem tá procurando um</p><p>pai</p><p>Galera assim só quer ser amada e pertencer. Essa é a real. Freud diz que o amor é</p><p>responsável pelas ligações existentes nos grupos humanos. Baseiam-se na</p><p>solidariedade entre os membros do grupo e seu líder. Nesse sentido, o amor se</p><p>alimenta das idealizações intragrupais, responsáveis pelo estabelecimento do</p><p>processo de identificação. Ou seja, a partir do momento que um grupo de</p><p>indivíduos tem interesses, objetivos e propósitos comuns, partilham também um</p><p>ideal de “eu”.</p><p>Segundo Freud, a massa é o reflexo da horda primitiva e é o primeiro pai, um</p><p>líder narcisista, incapaz de amar alguém, temido e, mesmo assim, considerado</p><p>como ideal para governar as massas. Nessa linha da psicanálise de Freud, os</p><p>membros das massas partilham entre si essa ilusão de serem amados ou odiados</p><p>por esse líder.</p><p>As massas artificiais, a título de exemplificação, estão muito presentes no</p><p>exército e na igreja, universos com regras estabelecidas e lugares demarcados</p><p>para líderes, chefes, guias e outras figuras de autoridade, que podem ser</p><p>facilmente entendidas como encarnações de mestre. Esse mestre assume o papel</p><p>de construir o discurso unificante – que é violenta e arduamente defendido</p><p>quando confrontado.</p><p>Ao longo do tempo, o laço civilizador do “discurso do mestre” atribui à sua</p><p>palavra as orientações dominantes e responsáveis pela estruturação dos laços</p><p>sociais. Ele expõe em seu modo de organização um conjunto de regras (mesmo</p><p>que não democráticas) com a função de promover a coesão social. E é aí que</p><p>mora o perigo. O laço social levado ao grau extremo pode dar vazão à</p><p>constituição de regimes totalitários, como nos casos de Hitler e Stálin. E vale</p><p>lembrar que ambos eram extremamente carismáticos.</p><p>Esses momentos históricos revelam a necessidade de muitos em ter um pai</p><p>primevo. Ah, como queremos um pai! O desejo por um pai/mestre que forneça</p><p>respostas e tenha certezas, no campo de verdades estabelecidas, indica o</p><p>comportamento neurótico. E quando o neurótico ocupa o espaço de autoridade</p><p>definido pelo papel de pai/mestre, é aí que tá o babado. É aqui que começa a</p><p>formação de problemas no campo da paranoia. Os delírios paranoicos</p><p>compartilhados às massas, a partir do fortalecimento do ciúme e da traição,</p><p>abrem espaço para a concretização de golpes e conspirações e, por conseguinte,</p><p>implantação de regimes totalitários.</p><p>E não dá para discutir com paranoicos.</p><p>Fuja das garotas malvadas</p><p>Outra dica é evitar debater com pessoas que fazem parte de um grupo</p><p>psicológico, formado por indivíduos, independentemente dos seus modos de</p><p>vida, que se unem numa mentalidade coletiva – mesmo que, no cotidiano,</p><p>pensem, ajam e sintam de maneira diferente. É tipo aquela galera da escola que,</p><p>quando se une, parece que perde a personalidade? Tipo em Garotas malvadas,</p><p>quando a personagem da Lindsay Lohan parece que esqueceu qual era a tarefa, é</p><p>contagiada pelo “ritmo ragatanga” e começa a agir que nem a patotinha da</p><p>Regina George? Pois é. Em um grupo psicológico, o indivíduo perde suas</p><p>características específicas e, provisoriamente, absorve novas, vindas do</p><p>inconsciente. É nesse momento que temos o apagamento do senso de</p><p>responsabilidade social e individual, ou seja, dá babado.</p><p>Em casos assim, a capacidade intelectual do indivíduo pode ser reduzida. Por</p><p>exemplo, um homem pode ser muito culto, letrado, erudito, ter todo o discurso</p><p>progressista, mas se transformar em um bárbaro quando inserido em</p><p>determinado grupo, conforme os interesses coletivos em vigência. Eu vi muito</p><p>isso na minha timeline das redes sociais nas últimas eleições. Chega a ser</p><p>assustador a quantidade de gente inteligente e bem formada compartilhando fake</p><p>news e vociferando discursos de ódio como animais.</p><p>Os interesses coletivos são determinados pelo inconsciente. Dessa forma, o</p><p>grupo e o inconsciente não esperam pela realização dos seus desejos, apenas</p><p>sentem o anseio de serem dirigidos. E acredite: não desejam a verdade.</p><p>De acordo com Ricardo Salztrager, a transitoriedade é um dos componentes</p><p>cruciais dos fenômenos de massa, pois a velocidade com que esses grupos se</p><p>formam é a mesma com que se diluem, dando espaço a uma nova massa. E, em</p><p>um mundo em que as informações se espalham à velocidade da luz na internet,</p><p>isso tudo só amplia as possibilidades para aproximar ou construir interesses</p><p>comuns. A geração de dados e metadados nas plataformas digitais pode</p><p>colaborar para a constituição de uma mente coletiva.</p><p>Vimos isso no Brexit e na eleição do Trump, quando estourou o escândalo da</p><p>Cambridge Analytica. Tem um documentário maravilhoso sobre isso na Netflix,</p><p>chamado Privacidade hackeada, que mostra exatamente como o Steve Bannon</p><p>usou os dados fornecidos nas redes sociais para manipular as eleições norte-</p><p>americanas e o resultado do referendo do Brexit.</p><p>Cuidado: nenhum de nós está a salvo. É importante entender como se dá essa</p><p>lavagem cerebral e separar os afetos na hora de argumentar com seguidores</p><p>fervorosos de determinado político, terraplanistas e negacionistas. No fundo, eles</p><p>já foram pessoas racionais um dia e foram seduzidos por esse</p><p>pseudopertencimento. Eu acolho, explico, mas se não há reciprocidade, não me</p><p>demoro. Não é sobre “vencer debates”. Você não tem que provar nada para</p><p>ninguém. Escolha suas batalhas.</p><p>Não corra riscos desnecessários</p><p>É importante ressaltar que, em alguns casos, insistir em um debate quando não</p><p>há nenhuma possibilidade da escuta pode te colocar em perigo. E, cara, na boa,</p><p>tem risco que não vale a pena. Riscos existem desde uma batida policial até se</p><p>traduzir de maneiras mais indiretas. No mercado de trabalho, muitas vezes,</p><p>estamos desprotegidas por uma cultura extremamente arraigada no servilismo.</p><p>Nós sabemos que, em alguns lugares, a situação é tão precária que respirar de</p><p>uma maneira que desagrade alguém em posição de poder pode fazer com que</p><p>você perca o seu emprego ou acabe com a sua carreira. Nesses casos, o segredo é</p><p>buscar uma autoridade competente, o RH, o Ministério Público, ou pular fora e</p><p>trocar de emprego imediatamente, se tiver condições para fazer isso.</p><p>Sejamos honestas: o mundo não é justo e, muitas vezes, não estamos em posição</p><p>de igualdade. Já falamos que ousadia não é desrespeito, e também não é colocar</p><p>sua sobrevivência e integridade física e emocional sob riscos desnecessários. São</p><p>admiráveis as pessoas que possuem força para combater injustiças sozinhas –</p><p>quando Rosa Parks se recusou a dar seu assento a uma pessoa branca, esse ato</p><p>simples, mas perigoso, contribuiu para mudar a história do mundo. Mas ser uma</p><p>heroína tem um ônus que você tem que estar disposta a pagar. Rosa vivia nos</p><p>Estados Unidos segregados e foi presa. Por isso, reflita sobre entrar em</p><p>discussões se elas</p><p>cobrarem um preço que você não está disposta, ou não tem</p><p>como pagar.</p><p>Mas, então, com quem vale a pena debater?</p><p>Em poucas palavras? Com quem estiver disposto a ouvir. E, na boa, a gente sabe</p><p>quem essas pessoas são; a gente reconhece porque, mesmo quando há pontos de</p><p>conflito, não bate aquele desespero no peito, aquele temor súbito, aquela raiva</p><p>descontrolada.</p><p>Veja o exemplo da terra plana. Tem uma galera na internet que ainda defende</p><p>que existe terraplanismo (se você é dessas, assim, por favor, dá uma estudada).</p><p>Vamos supor que, numa discussão com um parente, na ceia de Natal, que</p><p>defende besteiras como essa, você utilize as ferramentas que aprendeu aqui e,</p><p>por meio de dados e provas lógicas, apresente as informações que desbancam</p><p>esse argumento.</p><p>Se a pessoa ouve, aprende e se sente estimulada a saber mais, ainda que ela não</p><p>termine a discussão concordando com você, show, parabéns, você fez uma</p><p>contribuição para deixar o mundo um tanto menos insuportável. Agora, se</p><p>depois de tudo, o alecrim dourado insiste no papo, o que resta a fazer? Não perca</p><p>seu tempo.</p><p>Onde não há escuta, não há debate.</p><p>E se, de antemão, você sabe que esse espécime não está a fim de ouvir, que há</p><p>grandes chances de só te tirar do sério, sem possibilidade de mudança, e você</p><p>não está com forças emocionais para barganhar e apostar que talvez, talvez, vai</p><p>ser diferente... pule fora e gaste a sua energia em outro lugar.</p><p>Lembre-se de que ser irreverente também significa saber quando dar as costas e</p><p>ir embora.</p><p>12.</p><p>Qual debatedora você quer ser?</p><p>Agora que você já sabe tudo sobre como ser uma debatedora irreverente e</p><p>ousada, se apropriando da sua voz de uma forma autêntica, quero compartilhar</p><p>tipos de debatedoras que são verdadeiras inspirações. Vale a pena pesquisar nas</p><p>redes e maratonar os vídeos dessa mulherada porque elas são potentes!</p><p>A debatedora ousada</p><p>A debatedora ousada questiona o status quo. Com ela, não tem certo ou errado,</p><p>não existem normas: ela banca o rolê dela. Uma personalidade que exemplifica</p><p>bem esse perfil é a Maria da Conceição de Almeida Tavares.</p><p>Maria da Conceição de Almeida Tavares¹⁵ é uma economista, matemática e</p><p>escritora. Trabalhou na elaboração do de e atualmente é da (Unicamp) e</p><p>professora-emérita da (UFRJ). E com todos esses títulos, ela usa jargões</p><p>populares e coloquiais, gesticula, fala alto, fuma cigarro. Uma rockstar!</p><p>Conheci Maria da Conceição Tavares pela minha querida editora Clarissa!</p><p>Fiquei obcecada. Quando ela foi ao Roda Viva, eu tinha apenas 5 anos, então</p><p>seria difícil mesmo me lembrar de algo. Independentemente da sua orientação</p><p>política, não podemos negar a capacidade retórica de Maria. Que eloquência!</p><p>Sua voz rouca, a forma como ela gesticula, como grita. Sim, ela grita. kkkkk</p><p>“Mas, Maytê, você explicou sobre psicodinâmica vocal… como assim ela,</p><p>rouca, grita e tá tudo bem?” Tudo depende de como você banca o seu rolê.</p><p>Foi justamente por isso que quis trazê-la como exemplo. Se você ler esses livros</p><p>de oratória tradicionais, vão te dizer: “Não grite. Não mexa as mãos demais. Não</p><p>aponte o dedo na cara de alguém”. E ela faz tudo isso e muito mais.</p><p>Eu diria para não fazer mesmo nada disso… a não ser que você banque. E ela</p><p>banca! Se qualquer outra pessoa fizesse, não seria igual. Mas ela foi lá e fez o</p><p>checklist, bingo completo, cartela cheia do que NÃO fazer, e deu muito certo!</p><p>Odeio cagação de regra. Não pode isso, não pode aquilo… Pode tudo! É preciso</p><p>ousar, mas, para quebrar a regra, tem que conhecê-la antes. Por isso deixei esse</p><p>exemplo para o fim do livro.</p><p>A irreverência de Maria da Conceição é sua marca registrada. No Roda Viva (por</p><p>favor, assista! É uma verdadeira aula de ousadia), ela questiona o editor da Folha</p><p>de S.Paulo da época, Carlos Sardenberg, e diz: “Cê tá brincando, Sardenberg?”;</p><p>até mesmo sua entrevista ao Jô Soares é genial. Siga @acervotavares no Twitter</p><p>para entender do que estou falando.</p><p>A debatedora imponente</p><p>Sabe aquela pessoa que, ao expor sua opinião, a roupa, o jeito de gesticular já</p><p>falam antes mesmo de ela abrir a boca? Todo código comunica! Quem</p><p>personifica essa debatedora muito bem é a Bozoma St. John.</p><p>Já fiz dois cursos dela, a sigo nas redes sociais, acompanhei palestras dela em</p><p>Cannes e em Austin, no SXSW (sim, sou groupie da BOZ). BOZ! Ela reduziu o</p><p>seu nome e fez um trocadilho com “boss” – que significa “chefe” em inglês. Mas</p><p>não somente. BAD ASS BOZ é a sua @ no Instagram, tem ideia? A mulher é</p><p>Chief Marketing da Netflix, já foi Head de marketing na Beats e na Uber e ela se</p><p>autointitula Bad Ass Boz. Mais que isso. Bozoma é uma celebridade, além de ser</p><p>professora em Harvard!</p><p>A habilidade em entender que todos os códigos comunicam de uma forma</p><p>intencional é o que a transformou em uma das CMOs mais influentes do mundo,</p><p>de acordo com a Forbes.¹ Sua fala é enérgica, seu tom de voz é otimista, ela</p><p>sabe rir de si mesma e não se leva tão a sério. Conta histórias de quando chorou</p><p>em reunião do conselho de empresa, abre sua vulnerabilidade de uma forma</p><p>humana e real e por isso se tornou esse fenômeno com mais de 380 mil</p><p>seguidores no Instagram. Recomendo que assista ao seu Ted Talks: o carisma do</p><p>bom orador atravessa os afetos da audiência, e Boz sabe conduzir o storytelling e</p><p>a narrativa de sua vida, carreira e palestras como ninguém. Acho importante</p><p>ressaltar que ela possui estudos de caso relevantes em sua carreira para além de</p><p>saber trabalhar o seu branding pessoal. É uma CMO proficiente no dia a dia para</p><p>além de uma poderosa influencer digital.</p><p>A debatedora carismática</p><p>Nem todo mundo nasce com carisma e irreverência. E isso é uma excelente</p><p>notícia. Porque significa que você pode aprender! É difícil acreditar que um dia</p><p>Michelle Obama já virou os olhos durante uma entrevista e inclusive era</p><p>passivo-agressiva com os repórteres, não é?</p><p>Quem assiste aos vídeos do comecinho da vida pública dela vai perceber a</p><p>grande diferença entre a Michelle de hoje em dia e a do passado. Sisuda,</p><p>eyerolling, dedo em riste, fala tensa, sem fazer contato visual com as pessoas…</p><p>A boa notícia é que se ela se tornou esse furacão, você também consegue!</p><p>Nature × nurture (natureza × cultura).</p><p>Existe um ditado americano que diz que todos os dons são ou vindos da natureza</p><p>ou nutridos e adquiridos durante a vida. No caso da Michelle foi treinado,</p><p>adquirido. E não por isso vale menos.</p><p>When they go low, we go high (quando eles descem, nós subimos).</p><p>Essa frase marcou a carreira da Michelle, ovacionada numa conferência do</p><p>partido democrata. A sua postura, gesticulação, a forma como interage e faz</p><p>contato visual com a audiência, tudo foi lapidado em Michelle. Humanizaram a</p><p>imagem da Michelle mãe, mostraram seus filhos, ela dançando para fazer</p><p>campanha de conscientização contra a obesidade e o sedentarismo na TV aberta,</p><p>ela em turnê com a Oprah pelos Estados Unidos para promover seu livro.</p><p>Michelle tornou-se a imagem da amiga conselheira, de mulher sábia que todas</p><p>nós gostaríamos de ser ou de pelo menos ter uma amiga assim. Com ela</p><p>podemos aprender que é possível, SIM, se tornar uma grande oradora, ainda que</p><p>não tenhamos nascido com essa aptidão.</p><p>“Já estive na mesa das pessoas mais poderosas do mundo e elas não são tão</p><p>inteligentes assim, acredite”, Michelle citou, certa vez. Toda vez que fico</p><p>nervosa antes de uma apresentação, eu mentalizo e faço a Michelle. Se ela</p><p>conseguiu, a gente também consegue.</p><p>A debatedora sábia</p><p>Sabe aquela pessoa que, ao expor seus argumentos, parece o mestre dos magos?</p><p>Para mim, a personificação dessa debatedora é a Oprah. Ela é um fenômeno. Seu</p><p>vídeo com o discurso do Globo de Ouro de 2018, em que foi premiada, tem dez</p><p>milhões de views no YouTube! Uau!</p><p>Oprah é a minha musa inspiradora, não vou fingir costume. Choro assistindo às</p><p>suas entrevistas. Ela tem uma habilidade incrível de extrair verdades fortes de</p><p>seus entrevistados, principalmente por demonstrar atenção e interesse genuínos</p><p>aos seus interlocutores. Ela os espelha. No tom de voz, na linguagem corporal,</p><p>na fala. E, ao espelhar o entrevistado, tira absolutamente tudo</p><p>o esforço dela de refazer a retórica por novos caminhos mais</p><p>inclusivos, menos agressivos e salvar a todos de uma masculinidade tóxica ruim</p><p>no trânsito, na família e no tratado das empresas e do meio ambiente. Quer</p><p>ousar? Pensa em redefinir sua fala em um mundo agressivo e cruel? Leia!</p><p>Sumário</p><p>Carta à leitora, ou melhor, coautora</p><p>1. Insubordinada, irreverente e má: desmistificando a argumentação</p><p>2. Não ateie fogo em si mesma para os outros ficarem aquecidos</p><p>3. A arte do falar bem</p><p>4. Como construir uma fala impactante</p><p>5. Os sete passos para estruturar a sua fala</p><p>6. Você não precisa ter uma opinião sobre tudo</p><p>7. Quem é você no debate?</p><p>8. Corpo e voz: como passar confiança na sua argumentação</p><p>9. A ousada arte de usar a própria voz</p><p>10. Como você reage em uma discussão?</p><p>11. Quando não há debate</p><p>12. Qual debatedora você quer ser?</p><p>13. Quem é o que é não precisa performar</p><p>Carta à leitora, ou melhor, coautora</p><p>Eu vejo você como uma coautora deste livro, não leitora. Toda leitora é coautora</p><p>do texto que lê. Toda leitura é uma releitura. Quanto a mim, me considero um</p><p>instrumento. O que trago aqui não é inédito. Afinal, só se fazem livros sobre</p><p>outros livros, e este é sobre um conhecimento poderoso e transformador: o poder</p><p>da fala, isto é, das palavras.</p><p>As palavras vêm do mundo social. Ninguém nasce falando, a gente aprende a</p><p>falar com o outro: nossa mãe, nosso pai, nossa professora… Ou seja, as pessoas</p><p>são nossas tradutoras do mundo. Ouvimos, ouvimos, ouvimos e, depois,</p><p>repetimos. E, por isso, não seria estranho pensar que a própria origem do nosso</p><p>pensamento e da nossa fala é exterior a nós mesmos. Nossa maneira de falar</p><p>nasce da polifonia em que estamos inseridos. Em outras palavras, nada do que</p><p>pensamos ou falamos é neutro. É construído em relação àquilo que está ao nosso</p><p>redor.</p><p>Por isso, toda produção intelectual é ideológica, porque está atrelada à</p><p>linguagem. E toda enunciação de uma ideia tem uma dimensão de</p><p>enfrentamento, porque, ao falar, você toma para si o que antes foi dado a você.</p><p>Não repete passivamente as palavras que aprendeu, mas, antes, as reúne de</p><p>maneira própria. Passa a narrar.</p><p>Mas isso não é tudo: a palavra tem uma flexibilidade mágica que autoriza a</p><p>comunhão de almas. Ela nos liga enquanto membros falantes, membros de uma</p><p>sociedade, com uma humanidade em comum. Expressa o nosso mundo</p><p>intersubjetivo, inconsciente, que conecta nossos desejos individuais a ações</p><p>coletivas. A palavra nos trouxe até aqui, como bem coloca o autor Yuval Harari</p><p>em Sapiens. As habilidades linguísticas que os sapiens modernos adquiriram há</p><p>mais de setenta milênios permitiram que chegássemos até aqui e formássemos</p><p>bandos. O avanço da linguagem também nos ajudou a conquistar territórios,</p><p>preservar a hegemonia da espécie humana e possibilitou a criação de histórias e</p><p>mitos. A linguagem é uma ferramenta poderosa e anda de mãos dadas com o</p><p>poder.</p><p>Historicamente, os maiores líderes da humanidade usam o poder da palavra para</p><p>que sejam realizadas transformações sociais. Martin Luther King, Mandela, os</p><p>Obama, Greta Thunberg. Vozes de uma geração que representam um zeitgeist¹ e</p><p>o ecoam politicamente.</p><p>E quando nem todos nós somos apresentados ao poder da fala da mesma</p><p>maneira? Para alguns, ela é ensinada como símbolo de poder, conquista e</p><p>domínio. Outros são ensinados a se calar tão logo aprendem a falar; são tidos</p><p>como geniosos, complicados, irrequietos, insubordinados, difíceis – inclusive, e</p><p>sobretudo, nós, mulheres. Para nós, abrir a boca – quem dirá argumentar,</p><p>defender ideias e ideais – é sempre um ato de rebeldia. De irreverência.</p><p>No meu primeiro livro, Persuasão, queria que você aprendesse a ser protagonista</p><p>da própria história. Agora, quero que você dê um passo a mais: passe a ter voz</p><p>ativa na sua vida, nas suas relações e na sua carreira. Te convido a ressignificar o</p><p>poder da fala. Quero que tenha a ousadia de argumentar: dizer de onde as coisas</p><p>vêm, compreender como elas se apresentam e decidir sobre como elas serão</p><p>amanhã. De ser também narradora da própria história, alguém que conhece, que</p><p>sabe, que se expõe, que se apropria do poder das palavras para conquistar o que</p><p>deseja.</p><p>Quero que você se torne mais potente ao aprender a contar a sua história,</p><p>realmente desenvolvendo seu lugar de agente no mundo, quer dizer, sendo ativa,</p><p>e não passiva. Sabemos que o mundo é difícil; já é fato que ele é repleto de</p><p>injustiças, dificuldades e obstáculos – uns maiores do que outros. Mas o que</p><p>você pode fazer diante disso?</p><p>Nada aconteceu para mim; eu tive que me virar com o que me foi dado. Ao</p><p>ponto de todas as minhas batalhas e lutas terem sido ressignificadas, e pude fazer</p><p>da minha história um conto de redenção. Ter tomado a minha fala, a minha</p><p>palavra e a minha vida como responsabilidade minha foi meu maior ato de</p><p>liberdade. E quero que seja para você também.</p><p>Do múltiplo – conversas, vínculos, textos, códigos – criamos algo nosso e</p><p>avançamos. Mas o primeiro passo é negar que as coisas são como são e não</p><p>continuar engolindo em seco o que nos tentam empurrar goela abaixo. Ouse</p><p>questionar. Ouse debater. Ouse expressar a sua visão de mundo, apropriando-se</p><p>do poder das palavras em alto e bom som. Sua voz importa – e será ouvida.</p><p>1.</p><p>Insubordinada, irreverente e má: desmistificando a</p><p>argumentação</p><p>Infelizmente, nós, mulheres, crescemos ouvindo que temos que colocar a</p><p>necessidade dos outros acima da nossa. Para nos sentarmos assim ou assado,</p><p>falarmos baixo, como toda menina deve fazer. Sorrir sempre, ser doce e, de</p><p>quebra, não ficar com a cara fechada. E ai de nós se soltarmos um palavrão ou</p><p>dissermos “não”!</p><p>Para você ter uma ideia do quanto isso é real, segundo o Informe de percepção</p><p>de gênero, divulgado pelo LinkedIn em 2018,² mulheres são mais seletivas ao se</p><p>candidatarem a uma vaga de emprego: elas tentam 20% menos vagas que os</p><p>homens – porque elas sentem que precisam cumprir 100% dos requisitos</p><p>solicitados pelos empregadores. A maior parte dos homens, no entanto,</p><p>simplesmente se arrisca e se inscreve, mesmo tendo apenas 60% dos requisitos.</p><p>São 60% versus 100%.</p><p>Quantas vezes você foi bem em uma prova e disse: “Fui bem porque a prova</p><p>estava fácil”? E os homens provavelmente disseram: “Fui bem na prova porque</p><p>sou inteligente”? Passamos no concurso público e pensamos: Deve ser porque</p><p>poucos se candidataram. Os homens? Passei porque mereci, estudei e sou capaz.</p><p>Desde muito cedo aprendemos que devemos ser educadas e controladas. E que</p><p>não devemos nos gabar de nossas conquistas porque é feio. Sua aparecida!</p><p>Eu mesma, quando consegui o meu visto de gênio (estrangeiro com habilidades</p><p>extraordinárias) para poder trabalhar nos Estados Unidos, costumava falar o</p><p>seguinte para as pessoas: “Deve ser porque poucas pessoas se aplicaram no meu</p><p>ano! Por isso eu consegui”. Cara, olha isso! Significa que sou melhor do que</p><p>alguém por ter esse visto? Não! Significa que preciso ter vergonha de contar em</p><p>voz alta? Também não! Qual é a história que a gente conta para nós mesmos</p><p>sobre as nossas conquistas? Quanto do seu mérito você não atribui à sorte ou a</p><p>fatores externos?</p><p>Quero que você se inscreva para aquela vaga de trabalho com que tanto sonha,</p><p>mas para qual se acha incapaz. Eu quero que você se aproprie da sua nota alta e</p><p>das suas conquistas porque mereceu, e não porque a avaliação “estava fácil”.</p><p>Quero que poste sobre isso. Que conte para todos em voz alta e com orgulho. E</p><p>quem não souber lidar com isso não é um problema seu. Não tem como ter uma</p><p>vida próspera e saudável estando rodeado de pessoas que não vibram pelas</p><p>nossas conquistas. Pode fazer ayurveda, yoga, acupuntura… mas se você chegou</p><p>em casa e não pôde celebrar suas conquistas com o próprio namorado porque ele</p><p>te chamaria de metida, reveja seu relacionamento. A nossa qualidade de vida</p><p>depende da qualidade das nossas relações.</p><p>Você é sujeito da sua vida ou só responde a demandas? O que você quer? Pense:</p><p>O que eu quero? Essa pergunta tem sujeito (eu) e desejo (quero). Não há desejo</p><p>fora do movimento do discurso.</p><p>Quando você começar a reclamar</p><p>aquilo que a</p><p>pessoa talvez estivesse hesitante em falar.</p><p>Essa capacidade de transbordar paixão, experiência e sabedoria faz a diferença</p><p>na hora de assistirmos a uma entrevista sua ou fala pública. Oprah é o tipo de</p><p>gente à vontade no mundo. Ela que, mesmo tendo passado por tudo que já</p><p>passou (abandono na infância, abusos, pobreza e miséria), SEMPRE andou de</p><p>queixo e cabeça erguida. Ela é uma espécie de mágica da comunicação, uma</p><p>maga capaz de manipular a atenção da audiência e levar a gente para onde</p><p>quiser. Ela fala devagar, não demonstra ansiedade, não quer acabar a história. E</p><p>você também não quer que acabe!</p><p>A Oprah é meio pastora, meio reverenda. O Obama tem essa vibe também. Eles</p><p>terminam de falar e você se coça para não responder: “Amém, eu recebo,</p><p>irmão!”. As pausas que ela faz são pausas de pregação. Ela pausa para receber</p><p>aplauso e segura o próprio aplauso da audiência com as mãos; ela conduz. Oprah</p><p>repete e reitera frases como um pastor repete um versículo, uma ideia central.</p><p>Quem já foi a uma igreja batista ou evangélica sabe do que estou falando. Toda</p><p>pregação tem uma ideia central e a partir daquela ideia, que geralmente é um</p><p>versículo, eles desenvolvem a pregação. A Oprah sempre tem uma ideia</p><p>principal e ela repete essa ideia duas, três vezes.</p><p>Tem uma palestra da Oprah, em Atlanta, em que ela tira os sapatos no meio da</p><p>fala. Ela está usando um salto alto Louboutin, então os remove lentamente e diz:</p><p>“Todo mundo gosta de se achar especial, importante, chique e tal… a gente é</p><p>tudo igual. Eu posso estar usando sapatos caros, mas são só sapatos”. Cara.</p><p>Gênia. E ela sempre faz perguntas que aproximam a plateia:</p><p>“Mais alguém aqui já passou por isso?”</p><p>“Levanta a mão quem sabe do que eu tô falando.”</p><p>“Vocês entendem do que estou falando?”</p><p>Quem mais faz isso? Pastores! Quem mais tem oratória de pastor? Obama!</p><p>Martin Luther King! Grande MLK. “Eu tenho um sonho” me faz arrepiar toda</p><p>vez.</p><p>Talvez o tipo que você goste não esteja contemplado aqui – essa lista não é</p><p>absoluta. E que bom! O importante é você ver que há mulheres incríveis que</p><p>estão criando os próprios paradigmas e mostrando que há outras possibilidades.</p><p>E você pode também.</p><p>13.</p><p>Quem é o que é não precisa performar</p><p>Eu sou a coisa feia da terra dos indígenas barrigudos. Quando fui fazer faculdade</p><p>em São Paulo, resolvi fingir que era paulistinha porque, na minha época, pessoas</p><p>de Guarulhos, que nem eu, sofriam bullying . Falava-se que éramos de Bagulhos.</p><p>Para não ouvir besteira, eu dizia que morava na “Grande São Paulo”, rs. Não me</p><p>entenda mal: eu sempre soube que guarulhense era povo forte e guerreiro. Quem</p><p>pega cartão BOM pode tudo nesta vida. Mas, sabe como é, né, eu estava no meio</p><p>do pessoal descolado da ESPM e queria me encaixar. Eu lembro que pensava</p><p>comigo: Porra, e pra piorar o nome da cidade significa terra do indígena</p><p>barrigudo...</p><p>Pior que isso... só o significado do meu próprio nome.</p><p>Coisa feia. É, Maytê significa coisa feia em tupi-guarani. Vocês têm noção do</p><p>que é saber que você se chama coisa feia? Aparentemente era uma carranca,</p><p>aquela escultura de cara feia. Assim como elas, li uma vez que as Maytês</p><p>protegiam as aldeias dos maus espíritos e eram muito importantes na tribo.</p><p>Ainda assim, que esculacho… Hoje ainda nascem um monte de Maitês/Maytês</p><p>por aí, mas na minha época… só tinha eu na sala. Não era um nome muito pop</p><p>nos anos 1990, mas amo meu nome hoje em dia!</p><p>Quer saber? Depois de muita porrada que levei nesta vida, resolvi assumir quem</p><p>eu sou. Em vez de fingir ser outra coisa, simulando a voz dos outros e abaixando</p><p>a cabeça para quem me faz mal, resolvi me assumir como a coisa feia da terra</p><p>dos indígenas barrigudos. E o que antes era motivo de desconserto, hoje, é de</p><p>onde eu tiro toda a minha força (aqui é Guarulhos, porra!).</p><p>Antes de falar em público – seja para dar aula, palestrar, fazer um stories –, eu</p><p>medito e repito meu mantra: “Eu sou a coisa feia da terra dos indígenas</p><p>barrigudos, não tenho nada a perder”. Eu dou o melhor de mim. Pareço aqueles</p><p>atletas de fim das Olimpíadas: estou ali, me concentrando para não errar o salto.</p><p>Não perder a onda. Não tropeçar nos últimos metros da corrida. Eu dou tudo, e</p><p>se eu pensar: Ah, o que vão pensar de mim?, bem, tudo dá errado. O segredo é se</p><p>lembrar de quem você é. Eu sou a coisa feia da terra dos indígenas barrigudos –</p><p>queiram vocês ou não.</p><p>Escolhi não me negar, mas me assumir.</p><p>Quando criança, sempre gostei de falar. Colocava meus bichinhos de pelúcia</p><p>como dignatários perfilados em uma solenidade na escada do sobrado em que</p><p>morávamos. Como filha de professores, dava aula, obviamente. Também</p><p>cantava, dançava, apresentava um programa de TV sem pé nem cabeça – e eles</p><p>amavam. Eu acho, rs. Eu até fazia o ticket do ingresso com minha irmã, nos</p><p>preparávamos para a apresentação e, às vezes, o meu pai e minha mãe se</p><p>juntavam ao público de pelúcia.</p><p>Eu era tão matraca que meus pais diziam que, quando a gente ia ao shopping, eu</p><p>pedia para comprar balão de gás hélio, daqueles bonitos que se vendia muitos</p><p>anos atrás, mas não porque eu gostava de balão. Não! É porque, com um balão</p><p>em mãos, as pessoas faziam contato visual comigo e eu aproveitava para me</p><p>apresentar: “Oi, eu sou a Maytê, tudo bem?”.</p><p>Mais tarde, quando eu tinha uns 9 ou 10 anos, eu organizei sozinha uma</p><p>excursão para um show de Sandy & Junior em São Paulo. Só quem já morou em</p><p>Guarulhos sabe o que é cruzar a Dutra. Gente, a Dutra: cai uma jaca de um</p><p>caminhão no meio da Dutra e você nunca mais vai conseguir sair da cidade.</p><p>Cruzar a Dutra é atravessar o rio Hudson.</p><p>Bom, euzinha fretei um ônibus e convenci a tia Vanilda, a diretora do meu</p><p>colégio, a me deixar passar de sala em sala para ver quem mais tinha interesse</p><p>em ir ao show. Bati na porta de cada sala e apresentei a oportunidade incrível:</p><p>um ônibus, que levaria a gente para o show das nossas vidas, da maneira mais</p><p>segura possível, para o outro lado do mundo que era São Paulo. Consegui o</p><p>número mínimo para a conta fechar, separei meu look (provavelmente uma</p><p>camiseta do Animaniacs e uma calça da Side Play) e lá fomos nós!</p><p>Essa sem-vergonhice também foi determinante nos meus 12 anos, quando fui</p><p>eleita a representante da sala da sexta série. Fiz uma campanha que deixaria</p><p>muito candidato à presidência no chinelo, com direito a logo, slogan e nome</p><p>artístico – Maytê Tyler, porque eu amava o Steven Tyler (que, por sinal, conheci</p><p>anos mais tarde).</p><p>Mais velha é que fiquei com menos coragem. Às vezes, a vida pisa na gente, ou</p><p>a gente ainda está tentando entender como funciona o mundo, e daí perdemos</p><p>aquilo que temos de mais precioso: nossa própria voz, nossa capacidade de ir lá</p><p>e verbalizar nossos desejos, nos abrir para o mundo, dividir nossas ideias,</p><p>estabelecer trocas. O bom é que o processo é reversível – como, eu espero, você</p><p>tenha aprendido neste livro.</p><p>Hoje, toda vez que preciso dar uma opinião em voz alta numa reunião</p><p>importante, numa palestra ou evento, eu sintonizo na frequência da Maytê que</p><p>curtia conversar com estranhos, organizava fretado para o show e tinha a</p><p>pachorra de se intitular Maytê Tyler. A coisa feia da terra dos indígenas</p><p>barrigudos. Essa menina não tinha medo de nada. Ela nunca hesitou. Ela estava</p><p>preparadíssima, afinal de contas, treinou muito com seus bichos de pelúcia. Ela</p><p>se jogava! Ela sabia um segredo poderoso: se você é, você não precisa</p><p>performar. Eu sou, não performo. Larguei mão de buscar a validação dos outros.</p><p>Eu ouso argumentar.</p><p>Esse é o mindset que eu quero que você tenha na sua próxima reunião das</p><p>galáxias, na entrevista dos sonhos, na peça da escola, no vídeo de YouTube –</p><p>aonde for, sempre que precisar. Conecte-se com aquela criança, adolescente ou</p><p>adulta destemida que um dia você foi. E, se você não conseguir pensar num</p><p>momento assim (embora, eis a minha dica, pense direitinho, eu sei que ele</p><p>existe), conecte-se com aquilo que faz você se sentir você.</p><p>Para isso, vou passar as últimas dicas para acessar esse estado de presença!</p><p>1. No dia de uma apresentação ou evento público, faça uma playlist com as suas</p><p>músicas favoritas da infância (músicas que você curtia, que seus pais ouviam no</p><p>carro, trilha sonora do Rei Leão, o que for).</p><p>2. Coma as coisas de que você gostava quando pequena (Ana Maria de baunilha,</p><p>chocolate de desenho, macarrão gravatinha).</p><p>3. Medite e converse com o seu “eu criança”. Visualize como você era quando</p><p>mais novinha. Como você agia? Você daria algum conselho à adulta que se</p><p>tornou?</p><p>4. Enumere seus prêmios. Quando eu falo isso eu digo: a olimpíada de História</p><p>que você venceu, o campeonato de boliche que você arrasou, aquele dia na aula</p><p>em que o professor te elogiou e você se sentiu especial. Esquece essa papagaiada</p><p>de Forbes 500, pense nos prêmios no seu hall da fama. Aproprie-se de como</p><p>você se sentiu majestosa e importante.</p><p>5. Ande descalça, na ponta dos pés, no calcanhar, com o pé de lado. Tipo como</p><p>você fazia quando criança. Aterre-se.</p><p>6. Respire pelo nariz e solte pela boca. Desafie sua criança interior a fazer os</p><p>barulhos mais engraçados do mundo ao soltar o ar. Brrrrr com os lábios. Barulho</p><p>de hummmmm. Risadas ou vozinhas engraçadas.</p><p>7. Cante em voz alta. Desafinado mesmo, ninguém está te avaliando. Não é o</p><p>The Voice. Eu te autorizo, se é isso que você precisa para se sentir bem.</p><p>8. Preste atenção. Atenção é conexão. Aqui, agora. Nada, nenhum movimento</p><p>sob o Sol é desprovido de beleza. Até mesmo a Dutra engarrafada numa</p><p>segunda-feira de chuva. Olhe em volta: o que você vê ao seu redor?</p><p>9. Use uma roupa inusitada. Troque o par de meias (ninguém vai ver mesmo).</p><p>Sabe quando você é mais novo e acha incrível uma roupa que os adultos acham</p><p>espalhafatosa? É essa que eu quero que você use! Não precisa usar uma capa de</p><p>chuva rosa-choque na reunião. Mas que tal usar pantufas de Star Wars com um</p><p>terno durante uma reunião de Zoom?</p><p>Voilà, você está preparada para sua reunião com os c-level sóbrios e poderosos</p><p>da sua empresa, porque todos, sem exceção, já foram crianças um dia.</p><p>A criança dá tudo de si. A criança não tem medo da vulnerabilidade, ela a</p><p>transforma em potência. A criança só é. Ela imagina. Cria. Faz o próprio mundo,</p><p>e eu te digo: ele é muito bom.</p><p>Eu nem acredito que tô contando isso para vocês. Desde o meu primeiro livro,</p><p>tenho vontade de contar o meu segredo para ousar argumentar por aí, mas eu</p><p>pensava: Que mico! Como meus amigos do mestrado em Semiótica da PUC vão</p><p>reagir? Preciso de substância! Se eu falar “acesse sua criança interior”, minha</p><p>editora vai tirar meu livro da categoria negócios e colocar em autoajuda. Ah,</p><p>não! Eu sou séria demais para ser autora de autoajuda! Imagina eu posando de</p><p>braço cruzado vociferando algo motivacional ao lado de algum charlatão barato!</p><p>Eu, não. Eu tenho pedigree. Eu estudei pós-estruturalismo! Lacan! Hegel! Escola</p><p>de Frankfurt! Quanta bobagem. Quanto ego. Quanta vaidade!</p><p>A criança não nutre nada disso. Ela não precisa de títulos. Cargos. Chief</p><p>Escorregador Officer. Head of Amarelinha. Já pensou? Criança brinca com</p><p>papelão e Lego, e se diverte igual. Imagina mundos de fantasia, interpreta</p><p>papéis, corre, dança, se joga. Criança respira! Não existe performance review</p><p>por quarter no mundo das crianças. Quer dizer, talvez em algumas escolas hoje</p><p>em dia até tenha isso; coitadas das crianças! Mas, tirando essas más influências,</p><p>o barato é fazer ciranda e abraçar jabuti ouvindo “O carimbador maluco” do</p><p>Raul Seixas (ou isso foi só eu que fiz?).</p><p>Sabe o que eu mais gosto sobre acessar a criança? Além da criatividade, claro.</p><p>As crianças são espontâneas. Elas não tratam o gari diferente do senador. Elas te</p><p>contam quando tem salsinha no seu dente. Elas são autênticas! Não existe</p><p>encontrar a própria voz sem se apropriar da sua autenticidade. E a sua</p><p>autenticidade está dentro de você, protegida por sua criança interior.</p><p>Muito prazer, eu sou a Maytê de Guarulhos.</p><p>E você, quem é?</p><p>©Gerson Lopes Mayete</p><p>Mayté Carvalho é diretora de estratégia de negócios na TBWA Los Angeles,</p><p>uma das cinco maiores agências de publicidade do mundo; autora do best-</p><p>seller Persuasão –como usar a retórica e a comunicação persuasivana sua</p><p>vida pessoal e profissional (Buzz); fellowresearcher no Instituto de</p><p>Tecnologia e Inovação na Universidade de Berkeley, Califórnia; mestranda</p><p>em Comunicação e Semiótica na PUC-SP; pesquisadora do Grupo de</p><p>Estudos Retóricos Argumentativos da PUC-SP e professora na ESPM e na</p><p>Casa do Saber. Tem o visto americano de estrangeiro com habilidades</p><p>extraordinárias nos Estados Unidos, onde trabalha e reside.</p><p>Além de experiência na comunicação, acumula background empreendedor. Foi</p><p>vencedora da edição especial de O Aprendiz e participante das demais edições.</p><p>Participou do reality Sharktank Brasil, por onde conquistou investimento para a</p><p>sua startup. Foi eleita Top 6 empreendedoras do Brasil pela Revista GQ com seu</p><p>app “Beleza de farmácia”, que alcançou o posto de #1 na App Store.</p><p>@maytecarvalhos</p><p>www.maytecarvalho.com.br</p><p>maytecarvalhos</p><p>PlanetaLivrosBR</p><p>planetadelivrosbrasil</p><p>planetadeLivrosBrasil</p><p>planetadelivros.com.br</p><p>#acrditamosnoslivros</p><p>1 Basta saber que é uma expressão alemã que significa, grosso modo, “espírito</p><p>do tempo”. A gente usa para falar da vibe cultural de uma época. Em português,</p><p>pronunciamos como “zaitigasti”.</p><p>2 LINKEDIN TALENT SOLUTIONS. Gender Insights Report: How Women</p><p>Finds Jobs Differently . Disponível em:</p><p>https://business.linkedin.com/content/dam/me/business/en-us/talent-solutions-</p><p>lodestone/body/pdf/Gender-Insights-Report.pdf . Acesso em: 03 fev. 2022.</p><p>3 KANTAR. The Reykjavik Index for Leadership 2020/2021: Measuring</p><p>Perceptions of Equality for Men and Women in Leadership . Disponível em:</p><p>https://www.kantar.com/campaigns/reykjavik-index . Acesso em: 03 fev. 2020.</p><p>4 Em tradução livre: “Venham, escritores e críticos, / que profetizam com suas</p><p>canetas/ E mantenham seus olhos abertos, / a chance não virá novamente/ E não</p><p>falem cedo demais,/ pois a roda ainda está girando/ E não há como prever quem</p><p>ela vai escolher/ Pois o perdedor de agora logo mais irá vencer/ Porque os</p><p>tempos, eles estão mudando”. (N.E.)</p><p>5 VILELA, Luisa. Percentual de mulheres em cargos de liderança dobrou nos</p><p>últimos anos. Consumidor Moderno , 23 fev. 2021. Disponível em:</p><p>https://www.consumidormoderno.com.br/2021/02/23/percentual-mulheres-</p><p>cargos-lideranca-dobra/ . Acesso em: 22 dez. 2021.</p><p>6 MULHERES no conselho. Deloitte . Disponível em:</p><p>https://www2.deloitte.com/br/pt/pages/risk/articles/mulheres-no-conselho.html .</p><p>Acesso em: 22 dez. 2021.</p><p>7 CAVALCANTE, Talita. IBGE: mulheres ganham menos que homens mesmo</p><p>sendo maioria com ensino superior. IBGE , 7 mar. 2018. Disponível em:</p><p>https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-03/ibge-mulheres-ganham-</p><p>menos-que-homens-mesmo-sendo-maioria-com-ensino-superior . Acesso em: 22</p><p>dez. 2021.</p><p>8 MINISTÉRIO DA SAÚDE. Bionergértica: Conhecendo as práticas</p><p>integrativas e complementares em saúde . Disponível em:</p><p>https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/praticas_integrativas_saude_bioenergetica_1ed.pdf</p><p>. Acesso em: 24 dez. 2021.</p><p>9 LIMA, Adriana. Má postura pode causar estresse e até depressão. Jornal NH ,</p><p>Cotidiano | Viver com Saúde, 30 maio 2020. Disponível em:</p><p>https://www.jornalnh.com.br/cotidiano/viver_com_saude/2020/05/29/ma-</p><p>postura-pode-causar-estresse-e-ate-depressao.html . Acesso em: 24 dez. 2021.</p><p>10 AG��NCIA FAPESP. Expressão não verbal ajuda a diagnosticar a depressão .</p><p>22 fev. 2016. Disponível em: https://agencia.fapesp.br/expressao-nao-verbal-</p><p>ajuda-a-diagnosticar-a-depressao/22712/ . Acesso em: 24 dez. 2021.</p><p>11 SOBAB. Exercícios de bioenergética – o caminho para uma saúde vibrante.</p><p>Disponível em: https://www.analisebioenergetica.com.br/exercicios-de--</p><p>bioenergetica-o-caminho-para-uma-saude-vibrante/ . Acesso em: 22 dez.2021.</p><p>12 GOLDMAN, Bruce. Study shows how slow breathing induces tranquility.</p><p>Stanford Medicine , 30 mar. 2017. Disponível em:</p><p>https://med.stanford.edu/news/all-news/2017/03/study-discovers-how-slow-</p><p>breathing-induces-tranquility.html . Acesso em: 22 dez. 2021.</p><p>13 HARVARD BUSINESS SCHOOL. Making Experience Count: The Role of</p><p>Reflection in Individual Learning</p><p>. Disponível em:</p><p>https://www.hbs.edu/ris/Publication%20Files/14-093_defe8327-eeb6-40c3-aafe-</p><p>26194181cfd2.pdf . Acesso em: 22 dez. 2021.</p><p>14 CAMERON, Julia. O caminho do artista : Desperte seu potencial criativo e</p><p>rompa seus bloqueios. Rio de Janeiro: Sextante, 2017.</p><p>15 MARIA da Conceição Tavares. In : Wikipedia. Disponível em:</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_da_Concei%C3%A7%C3%A3o_Tavares .</p><p>Acesso em: 22 dez. 2021.</p><p>16 FORBES Ranks World’s Most Influential CMOs, Featuring Preeminent Chief</p><p>Marketing Officers Who Are Challenging The Status Quo To Create Lasting</p><p>Impact. Forbes, 29 set. 2021. Disponível em:</p><p>https://www.forbes.com/sites/forbespr/2021/09/29/forbes-ranks-worlds-most-</p><p>influential-cmos-featuring-preeminent-chief-marketing-officers-who-are-</p><p>challenging-the-status-quo-to-create-lasting-impact/ . Acesso em: 07 jan. 2022.</p><p>Cover Page</p><p>Capa</p><p>Carta à leitora, ou melhor, coautora</p><p>1. Insubordinada, irreverente e má: desmistificando a argumentação</p><p>2. Não ateie fogo em si mesma para os outros ficarem aquecidos</p><p>3. A arte do falar bem</p><p>4. Como construir uma fala impactante</p><p>5. Os sete passos para estruturar a sua fala</p><p>6. Você não precisa ter uma opinião sobre tudo</p><p>7. Quem é você no debate?</p><p>8. Corpo e voz: como passar confiança na sua argumentação</p><p>9. A ousada arte de usar a própria voz</p><p>10. Como você reage em uma discussão?</p><p>11. Quando não há debate</p><p>12. Qual debatedora você quer ser?</p><p>13. Quem é o que é não precisa performar</p><p>em voz alta o seu poder, conflitos irão surgir. E</p><p>isso é bom! O conflito não é necessariamente algo ruim. Devemos olhar para o</p><p>conflito como uma oportunidade de requalificar relações e dinâmicas. De mudar</p><p>as cláusulas do contrato tácito da amizade e do amor (e da família!). De mudar</p><p>as cláusulas de uma educação e uma socialização que nos ensinaram que ser</p><p>quem se é não é bom, que falar em voz alta o que se quer, colocar limites e</p><p>celebrar conquistas deve ser evitado.</p><p>Essa educação estrutural machista é refletida na nossa maneira de nos expressar</p><p>– tanto pessoal quanto profissionalmente. Muitas vezes, por sermos silenciadas,</p><p>nem sequer temos coragem de abrir a boca.</p><p>Nada comunica mais do que o silêncio. A ausência. A morte. A entropia. O</p><p>vazio. Tanto é que, quando não queremos nos comunicar com o outro, apenas</p><p>falamos. Falamos, falamos, falamos, falamos, falamos... O famoso blablablá. O</p><p>silêncio é poderoso demais para ser sustentado.</p><p>Ser silenciada é diferente de escolher o silêncio como</p><p>resposta.</p><p>Porém, há dois tipos de silêncio. Às vezes, ao não proferir uma palavra, você</p><p>pode estar aceitando ou recusando alguma coisa. Por exemplo, quando presos</p><p>políticos ficam em silêncio, recusando-se a denunciar seus companheiros, eles</p><p>estão protestando sem emitir uma única palavra. Nesses casos, o silêncio é uma</p><p>forma de se posicionar.</p><p>Por outro lado, a comunicação também é um sistema de sobrevivência.</p><p>Escolhemos falar porque queremos nos proteger, nos sentir confiantes, dividir</p><p>ideias, lutar por direitos e veicular nossos desejos. Nesse sentido, a fuga para a</p><p>comunicação é a fuga para a liberdade; e o silêncio, a morte simbólica.</p><p>O silêncio pode ser tudo ou nada. Por quem você se cala?</p><p>Entender a diferença entre os dois é muito importante. Se você não diz nada</p><p>porque, assim, coloca limites, defende um posicionamento e se recusa a dobrar-</p><p>se ao poder: maravilhoso. Mas você pode acabar se silenciando porque tem</p><p>medo de perder alguma coisa – pessoas que ama ou oportunidades. Teme que, se</p><p>disser algo, não vão ouvir ou entender você; pior, podem até te xingar ou te</p><p>desmerecer. O problema é que, ao fazer, você não percebe que aos poucos está</p><p>perdendo a si mesma.</p><p>Ainda que não de maneira direta e explícita, quantas vezes você foi coagida ao</p><p>silêncio? Quantas vezes não ouviu: “Você é muito geniosa, cheia de opiniões!”.</p><p>Ou ousou usar sua voz e as palavras esmaeceram e sumiram na mesa de reunião?</p><p>No jantar? Daí, ao vê-las ressurgir na boca de um colega, todos prestaram</p><p>atenção, alguns até acharam “genial”? Só que, quando saiu da sua boca, ninguém</p><p>deu a menor bola. E então você se encolheu – e aprendeu que é melhor ficar</p><p>calada.</p><p>Isso aconteceu comigo. Eu tinha medo de ser grande demais. Das minhas ideias</p><p>destoarem. Da minha fala causar tumulto. Da minha opinião ser controversa e</p><p>polêmica. Das minhas roupas incomodarem. Fingi não saber uma resposta para</p><p>não chamar a atenção. Já banquei a pequena para não incomodar ninguém. Em</p><p>reuniões de trabalho, em jantares com amigos, até mesmo em reuniões</p><p>familiares.</p><p>Sabe o que o mundo ganhou quando eu banquei a pequena? Nada. Por que</p><p>escolher vibrar na mediocridade (do latim, “estar na média”) se você pode</p><p>brilhar sendo do seu tamanho? Você já se encolheu para caber? Em algum</p><p>relacionamento? Dinâmica de trabalho? Sala de aula? Com amigos? Pois agora,</p><p>chega: quando você brilha, você autoriza a todos ao seu redor a brilharem</p><p>também.</p><p>E se excluírem, rirem, condenarem suas ideias, apequenarem você, lembre-se:</p><p>você não foi feita para caber. Você foi feita para transbordar! Se sacar que é</p><p>grande demais para aquele lugar, não demore: vá embora! Eu não me encolho</p><p>mais. Dá dor nas costas e inaugura um lento suicídio espiritual. Vale para</p><p>amores, amizades, trabalho e vida acadêmica.</p><p>Fonte: Adaptada da ilustração de Liana Finck.</p><p>Mas eu sei, eu sei. Sei que, muitas vezes, você ainda vai se encolher. Afinal,</p><p>conforme o tempo foi passando, começou a ser elogiada e reconhecida por</p><p>diminuir de tamanho: “Mas olha como a Maria é uma querida! Guerreira. Ela</p><p>sacrifica as próprias vontades pelas vontades da família, dos irmãos, do</p><p>marido!”. E é muito difícil se desfazer, do dia para a noite, da vontade de</p><p>pertencer, dos juízos morais que fizeram com que você acreditasse que ser</p><p>menos era o melhor para todos.</p><p>A gente sempre cresce vendo essa dicotomia da mulher boa, que se coloca à</p><p>disposição do outro e anula os próprios desejos e vontades, e a mulher má, a</p><p>bruxa que se coloca como prioridade e tem coragem de ser detestada. Que não</p><p>está ali para servir e agradar ao outro, mas coloca os seus desejos, a sua opinião,</p><p>o que serve para ela em primeiro lugar. Fomos socializadas para escolher a</p><p>primeira opção; para sermos dóceis e queridas. Manda quem pode, obedece</p><p>quem tem juízo, não é mesmo?</p><p>Pois quero te fazer um convite: seja irreverente. Quem manda? Quem pode</p><p>mandar? Você! Eles que obedeçam. Sim, vão dizer de novo que você é geniosa.</p><p>Mas você pode fazer o que te parece melhor. Se posicione.</p><p>Ao ler a obra A coragem de não agradar, de Ichiro Kishimi e Fumitake Koga,</p><p>tive uma epifania. O livro é uma espécie de conversa entre um jovem e um</p><p>filósofo. Em dado momento, o filósofo diz o seguinte ao aprendiz: “Você só será</p><p>livre de verdade quando tiver a coragem de ser detestado”.</p><p>Faço essa provocação: você tem coragem de ser</p><p>detestada?</p><p>O índice The Reykjavik Index for Leadership, de 2020, feito pela consultoria</p><p>Kantar, mostra que 59% dos brasileiros não se sentem confortáveis quando veem</p><p>uma mulher liderando uma empresa.³ Mais da metade dos homens não quer ver</p><p>uma mulher líder.</p><p>É uma verdade dura, mas sustentada por dados: você não vai agradar quando</p><p>exercer protagonismo.</p><p>Esse mesmo estudo ainda apontou que existem setores considerados pelas</p><p>pessoas como mais adequados para o comando de uma mulher, como beleza e</p><p>moda. O setor automotivo e o de engenharia, porém, são vistos como mais</p><p>masculinos.</p><p>Você está pronta para causar desconforto ao ser uma líder? Não agradar? Nem</p><p>todas nós estamos prontas. As pessoas me falam: “Ahhhh… sabe o que falta nas</p><p>mulheres? Autoconfiança”. Eu discordo. Não é falta de confiança em si mesma,</p><p>é medo de não pertencer. De não ser acolhida pelo grupo. De não ser amada. E</p><p>isso tem a ver com séculos de machismo estrutural, em que nossos direitos</p><p>individuais e até mesmo políticos só eram legítimos se atrelados à figura de um</p><p>homem: conta no banco, voto, compra de imóvel. “Como posso arriscar ser</p><p>detestada? Se eu for detestada, não terei acesso a bens e oportunidades, minha</p><p>voz não será ouvida!” É aí que está a armadilha. É uma ilusão de pertencimento.</p><p>E, ao silenciarem as nossas vozes, nos deram a ilusão de que tínhamos uma.</p><p>Fui detestada ainda muito jovem. Fui cancelada antes mesmo de a cultura do</p><p>cancelamento existir. Quando O Aprendiz passou na televisão dez anos atrás, na</p><p>primeira edição de que participei, eu tinha 18 anos; na segunda, eu tinha 22 anos</p><p>e fui trending topics do Twitter. Fui a mulher má. Megera – era assim que me</p><p>chamavam. Sabe por quê? Porque ousei argumentar.</p><p>Fui detestada em vários momentos pelos participantes, pelos apresentadores,</p><p>pela mídia, pela internet. E digo a você: foi uma das melhores coisas que me</p><p>aconteceram. A partir desse momento, entendi que o meu valor não era dado</p><p>pelo outro. O fato de não gostarem da minha atitude, de como falo e penso é um</p><p>problema deles. Eu me libertei! Aí consegui exercer a minha própria</p><p>autenticidade. Quando vivemos buscando a validação externa, confiamos aos</p><p>outros o nosso bem mais valioso: a vida.</p><p>Fora que existe sempre a possibilidade de culpar as outras pessoas por desejos</p><p>não realizados. É muito mais fácil dizer: “Ah, não tô fazendo o que eu realmente</p><p>quero porque o meu pai me obrigou a fazer isso”; “Eu não corto meu cabelo</p><p>porque sei que as pessoas vão achar que enlouqueci”; “Se fizer isso, o que os</p><p>outros vão dizer?”.</p><p>De todas as maneiras, você fica retroalimentando uma narrativa que coloca, na</p><p>mão alheia, o poder sobre você e suas escolhas. Quando você se liberta, assume</p><p>a coragem de</p><p>ser detestada. Você diz ao mundo: “Pode mandar ver, eu sei que</p><p>não sou megera, não sou arrogante nem irritante. Eu não me encolho para</p><p>caber!”. Você assume a sua narrativa e se apropria de quem é de verdade.</p><p>Fonte: FARIA, Tiago. Maytê é demitida em ‘Aprendiz – O Retorno’ e</p><p>desabafa: “Não sou uma megera”. Veja São Paulo, São Paulo, 04 dez. 2013.</p><p>Disponível em: https://vejasp.abril.com.br/blog/pop/mayte-e-demitida-em-</p><p>8216-aprendiz-8211-o-retorno-8217-e-desabafa-8220-nao-sou-uma-megera-</p><p>8221/. Acesso em: 03 dez. 2021.</p><p>Imagine ser chamada de herege na televisão por apresentar um modelo de</p><p>negócios que democratiza o acesso à beleza? Foi assim comigo, no Shark Tank</p><p>Brasil. Vocês acham que me encolhi ou enfrentei? Tive coragem de desagradar</p><p>uma das investidoras ali – meus valores eram radicalmente acessíveis para a</p><p>visão elitista dela –, mas consegui investimento com outra no mesmo programa,</p><p>que tinha valores alinhados aos meus. Sempre vai ter alguém que entende você e</p><p>te acompanha, e é assim que você deve agir: “Esses são os meus valores, e quem</p><p>se identificar vem comigo”. Não se encolha para caber em quem te reprime ou</p><p>censura.</p><p>Por isso, o primeiro passo é: tenha coragem de não agradar! A pessoa que tem a</p><p>coragem de não agradar exerce a sua mais plena potência. Ela não está fazendo</p><p>aquilo por ninguém, a não ser ela mesma! Para ter a sua voz ouvida e</p><p>reconhecida, você precisa estar disposta a encarar o desafio de desagradar</p><p>algumas pessoas. Especialmente alguns homens que, como a pesquisa bem</p><p>mostrou, não vão gostar de te ver exercendo o seu poder.</p><p>Por isso, para todas as mulheres que são chamadas de agressivas: continuem</p><p>sendo assertivas.</p><p>Mandonas? Continuem liderando.</p><p>Briguentas? Continuem dizendo a verdade.</p><p>Espaçosas? Continuem ocupando espaços e impondo limites.</p><p>Complicadas? Continuem fazendo as perguntas difíceis.</p><p>Continuem. Sigam. Resistam.</p><p>E quando for o sinônimo de resistência – quando o seu silêncio reverberar mais</p><p>do que gritar “não” – aí, sim, se calem.</p><p>Aponte a câmera do seu celular ou utilize a URL https://youtu.be/69CA9EEX1bs para acessar.</p><p>2.</p><p>Não ateie fogo em si mesma para os outros ficarem</p><p>aquecidos</p><p>Antes de desenvolver a atitude necessária para argumentar, precisamos aprender</p><p>a falar não, porque argumentar é diferente de se justificar. Como vimos, fomos</p><p>criadas para sermos pacatas, gentis e subordinadas. Além disso, nos ensinaram</p><p>desde cedo que precisamos merecer o amor. Ou seja, que o amor está atrelado à</p><p>performance. Você é boa quando tira notas altas na escola, quando ganha troféu,</p><p>quando é elogiada pela professora, quando vence o concurso de redação ou passa</p><p>no vestibular.</p><p>E nós acreditamos nisso, porque temos medo de que, a qualquer momento, a</p><p>pessoa que cuida da gente nos abandone. E aí a gente aprende a se justificar, a</p><p>pedir desculpas, a se explicar, mesmo na vida adulta: “Tenho que ir, porque se</p><p>não vou perder o emprego!”; “Ela vai ficar chateada se eu disser não”.</p><p>Se você já pensou ou disse algo do tipo, saiba que não é a única. Eu mesma me</p><p>pego autojustificando ou pensando que deveria me justificar! Um pouco</p><p>neurótica (haha). Especialmente quando desenho um limite. Quando digo não:</p><p>“Não quero ir a esse evento”; “Não quero fazer essa viagem”; “Não tenho</p><p>disponibilidade para esse projeto”. Lá vem a vozinha dizendo: “Eita, vão te</p><p>detestar por conta disso!”.</p><p>Fico imaginando coisas horríveis que o outro vai pensar sobre mim. No fundo, é</p><p>como se me tornasse aquela criança assustada de novo, que não se acha boa o</p><p>suficiente. Mas a verdade é que a gente não precisa provar o nosso valor. A gente</p><p>não precisa pedir desculpas por impor limites e desenhar contornos. Tampouco</p><p>pelas nossas ambições, necessidades, sonhos e desejos. Mesmo que eles tragam à</p><p>tona as inseguranças das pessoas ao nosso redor.</p><p>A gente só precisa ser.</p><p>Ser basta.</p><p>Ser é suficiente.</p><p>Por muito tempo, estabeleci uma dinâmica na minha vida chamada performance</p><p>based love, ou, em bom português, amor pautado em performance. Sempre quis</p><p>ser a primeira da classe, a ganhar prêmio e ser reconhecida. Tudo isso para ser</p><p>amada pelos meus pais, pela professora, pelos amigos – para pertencer.</p><p>O problema é que, por conta disso, pedia desculpas antes mesmo de falar, me</p><p>justificava o tempo todo. Se eu negava uma oportunidade de trabalho, me sentia</p><p>uma pessoa cruel e pedia desculpas. Se negava um convite de um amigo, me</p><p>achava a bruxa e pedia desculpas. Cheguei ao ponto de prestar serviços aos meus</p><p>ex-namorados: fazia site, escrevia resenha, virava empresária da carreira deles só</p><p>para que me valorizassem.</p><p>Diga não para os outros e sim para você.</p><p>Mas com o passar do tempo, e muita terapia, eu aprendi a abdicar desse padrão,</p><p>desse esquema desnecessário. Aprendi a separar autossacrifício de amor. E é isso</p><p>que faremos agora: aprenderemos a dizer não para os outros e sim para você.</p><p>Primeiro passo: Esteja atenta aos folgados e</p><p>manipuladores</p><p>Tem gente que vai tirar vantagem da sua baixa capacidade de dizer não.</p><p>Identifique e enumere quem são essas pessoas. Às vezes é um colega de trabalho</p><p>que se aproveita e te sobrecarrega, às vezes é um irmão folgado que não ajuda</p><p>em casa ou uma amiga que não sabe a hora de ir embora. Comece a colocar</p><p>limites. Não adianta reclamar e não fazer nada sobre isso: comunique e peça.</p><p>Qual é a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?</p><p>Segundo passo: Seja sempre transparente</p><p>Não invente desculpas para dizer não, pois serão facilmente desmentidas pelo</p><p>Instagram, amigos em comum etc. Seja sincera. Use comunicação não violenta</p><p>se for necessário (fato + observação + sentimento + pedido). A comunicação não</p><p>violenta consiste em trazer para si a responsabilidade das necessidades no lugar</p><p>de acusar o outro. Em vez de: “Você atrasou para vir me buscar e agora vamos</p><p>chegar atrasados no evento”, use: “Quando combinamos às oito e você chega às</p><p>nove, eu me sinto triste. Preciso de antecedência e de organização para cumprir</p><p>meus compromissos profissionais. Você poderia me pegar no horário combinado</p><p>da próxima vez?”. É sobre você, e não sobre o outro. Saiba nomear seus</p><p>sentimentos.</p><p>Eu sei, parece difícil… Às vezes você acha que está com raiva, mas era fome.</p><p>Inconformada, mas era sono. Por isso, o mindfulness é tão importante na jornada</p><p>do autoconhecimento: vai te ajudar a nomear seus sentimentos com clareza.</p><p>Terceiro passo: Comece com uma frase positiva</p><p>Antes de dizer não, reconheça o pedido da outra pessoa e faça uma observação</p><p>positiva. Comece dizendo: “Eu entendo que...”, “Fico feliz por ter lembrado de</p><p>mim” e, em seguida, explique por que não pode atender ao pedido. Assim fica</p><p>claro que você tem uma boa intenção e fica mais fácil de o outro respeitar a sua</p><p>decisão.</p><p>Quarto passo: Você em primeiro lugar</p><p>Pergunte-se: o que você perde com isso? Ou ganha? Faça prós e contras do não.</p><p>Como diz o escritor Stephen Covey no livro Os 7 hábitos das pessoas altamente</p><p>eficazes: “Toda vez que você diz sim para uma situação em que deveria ter dito</p><p>não, você disse sim para o outro e não para você mesmo”.</p><p>Para prosseguirmos, vou propor um exercício. Na página a seguir, anote o nome</p><p>de cinco pessoas ou situações às quais você tem que começar a dizer não. Podem</p><p>ser situações de trabalho – seu chefe, seus colegas – ou pessoais – parceiros,</p><p>familiares, amigos. Pode ser desde “dizer não à minha sogra” até “minha chefe”.</p><p>Ao lado, quero que você escreva como se sentiu ao colocar limites. Releia</p><p>depois. E faça esse exercício quantas vezes for preciso!</p><p>Nome da pessoa ou situação O que eu disse para a pessoa ou na situação</p><p>1.</p><p>2.</p><p>3.</p><p>4.</p><p>5.</p><p>Lembre-se: você não pode atear fogo em si mesma para manter os outros ao</p><p>seu redor aquecidos.</p><p>3.</p><p>A arte do falar bem</p><p>Agora que você já entendeu a importância de usar a própria voz, não tema.</p><p>Estamos só no início. Fiz questão de enfatizar a potência de ressignificarmos o</p><p>poder da fala nos dois primeiros capítulos, expondo as armadilhas da nossa</p><p>socialização, para agora oferecer ferramentas que irão te auxiliar na jornada de</p><p>encontrar sua</p><p>voz – e se apropriar dela!</p><p>Existe uma ciência prática chamada retórica que pode ajudar você a manusear a</p><p>linguagem e se tornar excelente com as palavras. É a arte do falar bem com a</p><p>finalidade de alcançar o convencimento – ou seja, perfeita para quem quer ter a</p><p>ousadia de usar a própria voz. Por isso, vou introduzi-la nessa prática, com uma</p><p>pitada de irreverência.</p><p>A retórica nasceu no século V a.C., no campo do direito. O primeiro tratado é de</p><p>465 a.C., escrito por Córax e seu pupilo Tísias. Ambos eram dois oradores que</p><p>se destacavam na defesa das vítimas, diante dos horrores cometidos por</p><p>Trasíbulo, uma espécie de tirano. Inaugurava-se nesse momento o fundamento</p><p>filosófico da retórica: o verossímil é mais arrebatador do que a verdade. Em</p><p>outras palavras, o que parece ser verdade é mais verdadeiro que a própria</p><p>verdade. Maluco, não é? Imagine o que os antigos gregos diriam das fake news!</p><p>Mais ou menos na mesma época, Péricles, reconhecido publicamente como um</p><p>dos principais líderes democráticos de Atenas, possibilita mudanças altamente</p><p>contributivas e transformadoras para a retórica. O discurso, ou gênero judiciário,</p><p>consistia no orador tomar para si a função de acusar ou defender alguém. Esse</p><p>tipo de argumentação era pautado em valores que variavam entre o justo e o</p><p>injusto, como um advogado hoje faz diante de um tribunal do júri.</p><p>A base de sua argumentação sustentava-se no entimema, um nome difícil para</p><p>uma coisa simples. Algo que seria definido como argumento no qual uma das</p><p>premissas está implícita. Por exemplo:</p><p>1. Paulo veio me visitar.</p><p>2. Paulo está faminto [implícita, porque Paulo não falou nada!].</p><p>3. Logo, Paulo veio me visitar porque precisa comer.</p><p>Soa familiar, não é? Ok, mas segura aí que vamos avançar um pouquinho na</p><p>história.</p><p>Tempos depois, um cara chamado Górgias eleva o discurso demonstrativo à</p><p>mesma categoria do discurso judiciário, este aí inventado por Córax, Tísias e</p><p>com a participação especial de Péricles. Tá, Maytê, mas o que é discurso</p><p>demonstrativo? É um discurso com função de louvar ou censurar, prestar</p><p>homenagens ou repudiar as pessoas merecedoras de elogios ou críticas perante o</p><p>público. Seus valores transitavam entre o belo e o feio, sendo compreendido</p><p>como o gênero das festas públicas. Era algo do tipo: “Fulano de Tal é um</p><p>excelente cidadão, que pratica ações maravilhosas; é um dos nossos melhores</p><p>guerreiros e salvou o Sicrano em batalha”. Seja lá o que os gregos falavam nessa</p><p>época.</p><p>Quero mostrar, assim, que a retórica nasce da necessidade de convencer alguém</p><p>de alguma coisa, sobretudo na vida pública, para defender ou repudiar ações</p><p>consideradas morais ou imorais tanto em situações jurídicas como em festas ou</p><p>homenagens. E, por isso, ela é uma excelente ferramenta para você argumentar e</p><p>defender ideias em todas as esferas da sua vida.</p><p>A retórica surge de uma necessidade do orador em</p><p>conquistar a adesão de seu auditório, em situações</p><p>públicas; em reuniões políticas, tribunais do júri ou</p><p>ocasiões festivas.</p><p>A retórica era utilizada frequentemente pelos sofistas, uma vez que seus</p><p>objetivos se dirigiam ao encontro de conquistar vitórias em debates políticos, na</p><p>Grécia antiga. Obtinham muitos lucros, vindos da fama e do dinheiro, para que</p><p>ensinassem os jovens atenienses. Era tipo um coach da Grécia antiga (existem</p><p>coaches sérios, mas nesse caso estou falando dos charlatões). Os sofistas faziam</p><p>“gol de mão”, tudo pelo aplauso, vamos assim dizer.</p><p>Eles se preocupavam especificamente com o convencimento, não importava se o</p><p>que era dito era verdadeiro ou falso. Por isso que um filósofo chamado Sócrates</p><p>ficou receoso com eles, assim como seu pupilo mais importante, Platão, pois não</p><p>levariam em conta a verdade e a essência das coisas. Climão.</p><p>Massss… corta a cena para um pouco mais pra frente, quando surge Aristóteles</p><p>em cena. Aristóteles foi aluno e, depois, professor de retórica na academia de</p><p>Platão. Aristóteles organizou a retórica a partir da filosofia. Como Atenas era</p><p>um estado democrático, em que os cidadãos deveriam participar ativamente no</p><p>governo da pólis, era muito importante saber argumentar sobre seus projetos e</p><p>ideias – quem fizesse isso bem, levava.</p><p>Aristóteles organizou o rolê e determinou o seguinte: sem razão (que ele</p><p>chamava de logos) não há retórica, o que não significa deixar de lado a emoção e</p><p>a credibilidade. Afinal de contas, é necessário tentar sensibilizar o outro para</p><p>agir. Se você persuadir alguém, essa pessoa faz o que você deseja. Persuadir,</p><p>então, refere-se à possibilidade de fazer com que o outro aceite as suas</p><p>conclusões como verdadeiras.</p><p>Por isso, vai ser com nosso amigo Aristóteles que vamos aprender um pouco</p><p>mais sobre argumentação. A noção aristotélica se ancorava em reflexões sobre o</p><p>que é verdade e o que parece ser verdade (representação), a possibilidade de</p><p>refutação – e, como sempre, era guiada pelo questionamento.</p><p>Qual é o seu objetivo ao argumentar?</p><p>Antes de tudo, é preciso entender o que você busca ao argumentar. Você pode,</p><p>por um lado, tentar convencer o outro de uma dada representação da verdade.</p><p>Por outro, na ausência de certezas ou evidências lógicas, é possível polemizar e</p><p>discutir conhecimentos prováveis, inclusive crenças e valores responsáveis por</p><p>moldar relações sociais, políticas e econômicas.</p><p>Nesse contexto, é indispensável o domínio do orador diante do discurso, para</p><p>cativar a adesão do seu auditório em favor das suas causas. A partir dessa linha</p><p>de raciocínio, compreendemos a primeira missão da retórica: persuadir ou</p><p>convencer. Para ter êxito, o orador faz uso de ferramentas para que o outro</p><p>concorde com ele.</p><p>Mas olhe lá: persuadir e convencer não são a mesma coisa. O convencimento é</p><p>feito a partir de provas lógicas, no âmbito da racionalidade, a partir de usos</p><p>discursivos promovidos de apelo à razão do outro para convencê-lo de uma</p><p>verdade. Por exemplo, quando alguém diz algo como: “Se dois mais dois é igual</p><p>a quatro, e depois eu subtraio um, óbvio que o resultado é três!”.</p><p>Já o persuadir refere-se às ações voltadas ao ato de levar o outro a aceitar um</p><p>ponto de vista, por meio do uso habilidoso das palavras, sem que haja</p><p>imposições. Move-se o interlocutor a partir da razão, mas também da paixão e da</p><p>credibilidade por meio de uma fala impactante. E é sobre isso que nós vamos</p><p>falar neste livro (e tá tudo bem).</p><p>Por isso, a primeira coisa que você tem que se perguntar é: qual é o intuito da</p><p>sua argumentação? O que você quer por meio dela?</p><p>A tríade da retórica</p><p>Ok, vamos supor que você foi convencida por mim e pelo Aristóteles à prática</p><p>da persuasão. Agora, você precisa saber o que é necessário para argumentar em</p><p>primeiro lugar. No campo retórico, é indispensável a presença de:</p><p>1. Um orador – representado pelo ethos . Quem leu o meu primeiro livro,</p><p>sabe bem do que estou falando. Segundo Aristóteles, o orador possui</p><p>credibilidade constituída em seu caráter, em sua virtude, em sua honra.</p><p>2. Um auditório – representado pelo pathos. Deve ser convencido por meio</p><p>de acordos centrados em suas crenças ou paixões.</p><p>3. Um discurso – representado pelo logos . E há diferentes tipos de discurso.</p><p>Podemos dizer, com isso, que a argumentação vincula a retórica, “a arte de</p><p>falar bem”, à lógica, “a arte de pensar corretamente”.</p><p>Conhecer a origem da retórica e a sua dimensão política nos ajuda a entender o</p><p>poder dessa disciplina não somente na Antiguidade, mas principalmente nos dias</p><p>atuais. De grandes líderes como Alexandre, o Grande, mentorado por</p><p>Aristóteles, que mobilizou as massas nas praças públicas, aos grandes oradores</p><p>da atualidade que mobilizam milhares de pessoas nas redes sociais, quem</p><p>domina o poder da fala e exerce a capacidade retórica é capaz de definir o</p><p>destino da sua vida e da comunidade em que está inserido. Só fala bem quem</p><p>pensa bem (como já dizia Aristóteles). É preciso ser estratégica e intencional na</p><p>hora de usar a sua voz. É preciso conhecer seu auditório para construir um</p><p>discurso eficiente e valorizar seu ethos como oradora. Sem uma oradora digna de</p><p>fé, não há nada.</p><p>4.</p><p>Como</p><p>construir uma fala impactante</p><p>Para ser percebida como uma oradora digna de fé, você precisa construir uma</p><p>fala que gere impacto. Antes de entender como construir uma fala impactante, é</p><p>importante aprender a diferença entre retórica e oratória. Muita gente acha que é</p><p>a mesma coisa, mas não é.</p><p>A retórica é a arte do falar bem quando nos referimos à composição do texto em</p><p>si, tanto é que, na Grécia antiga, a pessoa que escrevia o discurso não era a que o</p><p>apresentava; quem fazia isso era o orador. Veja, então, que você pode ter um</p><p>bom encadeamento de ideias, ou seja, uma boa retórica, mas pode não saber</p><p>como realizar o delivery da mensagem, com tom de voz, postura e gestos</p><p>adequados, que seriam quesitos de oratória.</p><p>Aristóteles, como a gente viu no capítulo anterior, fala que um bom orador</p><p>precisa cativar a atenção da audiência, e não só se apresentar. E Joshua Gunn,</p><p>um comunicólogo da atualidade, endossa o que o filósofo grego disse milênios</p><p>atrás. Gunn é chefe do Departamento de Comunicação na Universidade de</p><p>Austin, no Texas, e cita que existem seis formas de você introduzir qualquer</p><p>discurso persuasivo, que são os attention getters, que aqui chamaremos de iscas</p><p>de atenção.</p><p>Já falei no meu primeiro livro, mas vale a pena repetir: ninguém está tão</p><p>interessado na sua ideia quanto você. Você passou anos da sua vida pesquisando</p><p>sobre literatura inglesa, vamos supor, sobre Shakespeare. Você vai apresentar um</p><p>seminário para leigos e… puxa! Shakespeare e literatura inglesa são a sua vida.</p><p>Você vai lá achando que todo mundo sabe tudo sobre Shakespeare. Achando que</p><p>todo mundo está tão interessado no autor quanto você… só que não. Eu sei, dói.</p><p>Mas é a verdade.</p><p>Então, para que as pessoas passem a ficar tão entusiasmadas quanto você, é</p><p>preciso das iscas de atenção. Sabe aquela hora antes de começar a aula, iniciar</p><p>uma apresentação, um pitch ou uma reunião em que todo mundo está no celular</p><p>ou pensando nos boletos?</p><p>As iscas de atenção servem para tirar a pessoa da apatia e fazê-la se interessar</p><p>pelo que você está falando. Se você só começa falando: “Oi, meu nome é Maytê</p><p>Carvalho”, provavelmente a pessoa está lá pensando: “Será que tirei a roupa do</p><p>varal? Parece que vai chover...”. Com a isca certa, você quebra a objeção da</p><p>audiência e faz com que ela preste atenção em você.</p><p>De acordo com Gunn, estas são as seis formas de introduzir um assunto e cativar</p><p>a audiência:</p><p>1. Citação: A primeira é a citação ou frase de efeito. Então vamos supor que</p><p>eu tô falando sobre Shakespeare, tá? Eu começaria o meu discurso, post, ou</p><p>seja lá o que for, dizendo: “‘Ser ou não ser, eis a questão’. Nenhuma outra</p><p>fala resume melhor Hamlet , uma das peças mais famosas de William</p><p>Shakespeare”, e por aí vai.</p><p>2. Dados numéricos: Outra possibilidade é cativar a sua audiência com</p><p>números surpreendentes. Eu poderia começar dizendo: “Há três mil</p><p>palavras da língua inglesa usadas até hoje que são atribuídas a William</p><p>Shakespeare”. Uau! Esse número impressionante mostra a dimensão do</p><p>legado de Shakespeare. Começar com números grandes é meter o pé na</p><p>porta.</p><p>3. Piada: Há sempre a possibilidade de começar de maneira leve,</p><p>descontraindo a audiência. Por exemplo, você poderia dizer: “Esses dias fui</p><p>num encontro do Tinder e perguntei ao boy: ‘Já leu Shakespeare?’. Ele me</p><p>respondeu: ‘Não, quem escreveu?’”. E a partir daí falo mais sobre o poeta e</p><p>dramaturgo inglês. Só cuidado, viu? A piada tem que ter graça!</p><p>4. Visualização: A visualização nem sempre funciona em todos os ambientes,</p><p>então deve ser usada com cautela. Eu inspiro minha audiência a visualizar o</p><p>que eu estou propondo. “Aqui, neste mesmo auditório, neste mesmo palco, a</p><p>peça Romeu e Julieta foi interpretada mais de quarenta vezes.”</p><p>5. Pergunta: A quinta forma começa com uma indagação retórica (sem</p><p>trocadilhos, é daí que vem a expressão) à audiência: “Ser ou não ser?”,</p><p>seguida de uma pausa dramática, “Eis a questão”. E, a partir daí, você pode</p><p>começar a falar sobre William Shakespeare. Só tome cuidado, porque a</p><p>pergunta não pode ser capciosa ou extremamente constrangedora. Por</p><p>exemplo, suponha que você comece perguntando: “Que tipo de pessoa</p><p>nunca leu Shakespeare?”. E ninguém da plateia leu uma linha de</p><p>Shakespeare na vida. Climão. Logo, use essa isca com muito cuidado para</p><p>conseguir fisgar a plateia! E, via de regra, evite perguntas óbvias do tipo:</p><p>“Quem quer ser rico e ter saúde?”. “Ah, todo mundo?! Nossa!”. É</p><p>constrangedor, porque não gera a tensão necessária para que essa</p><p>ferramenta funcione.</p><p>6. Reconhecimento da situação: É quando você começa falando do contexto</p><p>em que está inserido, mesmo que seja meio óbvio. “Estamos aqui reunidos,</p><p>no aniversário de morte de Shakespeare, para falar sobre sua produção</p><p>literária.” E você ainda pode trazer um evento para dentro da situação, tipo</p><p>assim: “Neste exato dia, há quatrocentos anos, Shakespeare morreu”.</p><p>Gente, essas seis formas são infalíveis. Aposto que vocês vão começar a assistir</p><p>discurso político e falar: “Ah lá, tá citando Mandela, começou com citação”.</p><p>Veja qualquer TED Talk e provavelmente vão começar com dados numéricos.</p><p>Mas atenção: a isca ideal vai depender de quem é a sua audiência. Para que você</p><p>possa escolher a melhor delas, ou até mesmo o que dizer dentro de um desses</p><p>formatos, é muito importante ter clareza com quem está falando e em que</p><p>contexto.</p><p>Tem um vídeo da Oprah Winfrey que é um excelente exemplo de piada. Ela está</p><p>recebendo o prêmio Power of Women (Poder das Mulheres, em português) da</p><p>revista Variety, uma das mais importantes da indústria do entretenimento, num</p><p>almoço em que muitos convidados eram jornalistas. Ela sobe no palco e diz:</p><p>Ok, tudo bem!</p><p>Obrigada!</p><p>Oh, hey, delicioso, obrigada.</p><p>Obrigada, Yves, isso foi tão bom.</p><p>Sabe, todos esses anos, 25 anos fazendo o The Oprah Show e indo para o</p><p>trabalho às 5h30 da manhã, estando na cadeira de maquiagem às 6h30, para</p><p>depois literalmente rastejar para casa à noite – por vinte e cinco anos –, eu</p><p>costumava me perguntar o que as senhoras que almoçavam estavam fazendo.</p><p>Sério, eu estava muito atraída por pinturas de mulheres almoçando... então é</p><p>assim que é?</p><p>Mas este é ainda melhor, porque é um almoço empoderador.</p><p>Você sacou o que ela fez? A premissa da piada dela é que jornalista não almoça,</p><p>porque eles estão sempre na redação, atrás do próximo furo. E ela, Oprah,</p><p>entende bem como é isso, porque também é jornalista. Imediatamente a plateia</p><p>riu. Ela quebrou o gelo. Olha a importância de conhecer a sua audiência! Se ela</p><p>estivesse fazendo um discurso em um jóquei-clube para a associação filantrópica</p><p>de bilionários, pode ser que a piada não fosse pegar bem, porque provavelmente</p><p>as pessoas que estivessem lá poderiam almoçar com tranquilidade todos os dias.</p><p>Mas aqui ela estabelece um rapport, uma conexão com a audiência dela: “Eu sou</p><p>como vocês, também não almoço, viu? Que bom que a gente está aqui hoje</p><p>almoçando nesse evento chique. Pode gostar de mim, porque eu sou como</p><p>vocês”. Ela deixou de ser a Oprah da televisão e se tornou mais uma jornalista. E</p><p>essa é a magia que ela, a Michelle Obama e outras grandes mulheres poderosas</p><p>costumam ter: fazem você se esquecer de que são as mais bilionárias e incríveis</p><p>do mundo ao se colocarem em nosso lugar.</p><p>Aponte a câmera do seu celular ou utilize a URL https://www.youtube.com/watch?v=6Rfn94k717U para acessar.</p><p>Outro exemplo foi um TED Talk do chef Jamie Oliver, que, logo após se</p><p>apresentar, começou a palestra com dados numéricos:</p><p>Infelizmente, nos próximos dezoito minutos, durante nosso bate-papo, os</p><p>americanos serão mortos pela comida que comeram. Meu nome é Jamie Oliver.</p><p>Eu tenho 34 anos. Sou de Essex, na Inglaterra, e nos últimos sete anos tenho</p><p>trabalhado de maneira justa e incansável para salvar vidas do meu próprio jeito.</p><p>Não sou médico, sou chef, não tenho equipamentos nem remédios caros. Eu uso</p><p>informação, educação.</p><p>Uau! Ele capturou minha atenção e, com certeza, a sua também. Quem não para</p><p>e presta atenção nisso? Ele conectou a audiência ao tempo e espaço em que</p><p>estava. Garanto a você que, na hora, quem</p><p>estava pensando no boleto, quem</p><p>estava pensando na roupa no varal, entrou em sincronia com ele. Jamie capturou</p><p>a atenção dos ouvintes ao trazer algo que acontecia lá para o tempo-espaço da</p><p>plateia, ou seja, para o aqui e agora. E por que funciona? Porque ele está num</p><p>auditório confortável, com pessoas que provavelmente têm acesso à boa</p><p>alimentação, apontando que, em outro lugar, neste mesmo instante, outros estão</p><p>sofrendo.</p><p>Tudo depende da maneira como você apresenta. Jamie Oliver poderia ter</p><p>começado a falar normalmente e, no meio da apresentação, metralhado uma</p><p>série de números. Ele ia perder toda a atenção, porque a atenção se sustenta sob</p><p>tensão. E a tensão tem que ser estabelecida no início do discurso. Senão, não leio</p><p>o livro, não termino a palestra, não vejo os stories. As informações transformam-</p><p>se em apenas mais um ruído no meio de uma imensidão de dados.</p><p>Aponte a câmera do seu celular ou utilize a URL https://www.youtube.com/watch?v=go_QOzc79Uc para acessar.</p><p>Se você não tiver a atenção da audiência, você não tem</p><p>nada.</p><p>Isso é especialmente notável em textos acadêmicos. Em geral, eles trazem uma</p><p>surra de números e são caracterizados por serem textos mais duros, cheios de</p><p>referências bibliográficas, com citações, notas de rodapé e vários nomes de</p><p>pesquisadores. Muitas vezes, é um saco ler – e ouvir é pior ainda! Já foi a um</p><p>colóquio? Na maioria, eu fico com sono.</p><p>Quer ver outro exemplo incrível? Steve Jobs. Tem um vídeo em que ele está em</p><p>uma conferência anual de investidores da Apple. Ele começa assim:</p><p>Bom dia e bem-vindos à reunião anual de acionistas da Apple de 1984. Gostaria</p><p>de começar a reunião com um velho poema, um poema de quase vinte anos, de</p><p>Dylan – isto é, Bob Dylan:</p><p>Come writers and critics</p><p>Who prophesize with your pens</p><p>And keep your eyes wide</p><p>The chance won’t come again</p><p>And don’t speak to soon</p><p>For the wheel’s still in spin</p><p>And there’s no tellin’ who</p><p>That it’s namin’</p><p>For the loser now</p><p>Will be later to win</p><p>For the times they are a-changin’⁴</p><p>Agora...</p><p>Era uma reunião para apresentar resultados financeiros! Ele podia chegar lá</p><p>falando: “Oi, bom dia! A gente cresceu 50% no último trimestre, bateu 30% das</p><p>metas”. Começar com número atrás de número. Mas o que ele preferiu fazer?</p><p>Citar Bob Dylan. Hoje, isso parece nada, porque Dylan venceu o Prêmio Nobel</p><p>de literatura. Mas, na época, seria como começar uma reunião de trabalho</p><p>citando Raul Seixas ou Chorão.</p><p>Por que ele fez essa escolha? A mensagem da música é: os tempos estão</p><p>mudando. E aqueles que estão ousando profetizar sobre o futuro precisam saber</p><p>que as coisas não serão mais como antes. Isso não foi aleatório, e sim</p><p>completamente intencional. Bob Dylan representava contracultura, subversão.</p><p>Ele foi um ativista dos direitos humanos nos anos 1970, no movimento hippie.</p><p>Quando a Apple, por meio de Jobs, fundador e representante do ethos da</p><p>empresa, diz “Eu vou citar Bob Dylan”, o que ele está dizendo é: “Eu sou a</p><p>contracultura, eu sou o anti-establishment, eu sou contra o status quo e contra o</p><p>sistema, eu sou o que pensa diferente”. Ele pega carona no ethos de Bob Dylan e</p><p>o associa à empresa, com o que quer trazer para seus acionistas. Não à toa,</p><p>“Think different” (pense diferente) é o slogan da marca.</p><p>Aponte a câmera do seu celular ou utilize a URL https://www.youtube.com/watch?v=NSkoGZ8J1Ag para acessar.</p><p>Quando a Kamala Harris faz o discurso da posse dela, ela cita o congressista</p><p>John Lewis, que dizia que a democracia não está garantida. Lewis fez história</p><p>como um dos principais ativistas negros e estadistas na luta dos direitos</p><p>humanos, e havia morrido no ano anterior. Então, o que Kamala faz ao começar</p><p>assim? Ela coloca sua relação com esse legado; assume seu papel de estadista</p><p>negra ao citar um estadista negro, que abriu caminho para que ela pudesse estar</p><p>ali, naquele momento. E isso diante dos milhões de norte-americanos que se</p><p>sentem representados por ela.</p><p>Por isso, ao escolher a sua isca de atenção, você também tem que se atentar ao</p><p>ethos que quer personificar. Ao escolher uma citação, por exemplo, você está</p><p>associando o seu discurso, e o seu ethos, ao da personalidade citada. Ou quando</p><p>você retuíta a fala de alguém, ou faz aquele post no LinkedIn ou Instagram com</p><p>a frase de alguma pessoa. Tome cuidado com os famosos! Quantas vezes não vi</p><p>alguém postar algo e depois ler nos comentários: “Mas esse cara é nazista!”. Ou</p><p>citações incoerentes, como feministas que ficam citando Bukowski, um autor</p><p>notório por ser misógino. Penso comigo: Sério mesmo que você está citando</p><p>Bukowski? Tem ninguém melhor, não?</p><p>Aponte a câmera do seu celular ou utilize a URL https://www.youtube.com/watch?v=2VdwMNexBHc para acessar.</p><p>A mesma coisa pode acontecer com números ou situações. Vimos, antes, como a</p><p>Oprah conseguiu associar seu ethos aos dos jornalistas com quem estava. E</p><p>como, ao mencionar a morte por doenças geradas por má alimentação, Oliver se</p><p>colocou como alguém que se preocupa com a saúde. Escolha suas iscas com</p><p>cuidado e pertinência editorial de acordo com seu público, seu posicionamento e</p><p>sua visão de mundo – todo o resto vai depender de como você começa.</p><p>5.</p><p>Os sete passos para estruturar a sua fala</p><p>Você deve estar se perguntando: “Ok, Maytê, entendi como começar, mas e o</p><p>resto ?”. Não tema, pois agora vou ensinar os sete passos para você estruturar a</p><p>sua fala. É bem verdade que quem criou esse método foi o teórico da</p><p>comunicação Monroe: o método é conhecido como Monroe Motivated</p><p>Sequence, e quem me apresentou esses templates inspirados no trabalho dele foi</p><p>a professora Maria Clara Martucci, um mulherão que também ensina outras</p><p>pessoas a falar bem na Universidade Wayne. Estamos aqui abordando o</p><p>exercício da inventio (se fala “invêncio”), que é o exercício de conceber,</p><p>descobrir e criar a nossa fala. Vamos lá!</p><p>Primeiro, preciso que você responda ao questionário a seguir para ter clareza de</p><p>suas intenções, e sobre o que quer compartilhar e como. Mas atenção, é preciso</p><p>responder em uma linha só!</p><p>1. Qual é o seu propósito geral?</p><p>( ) Informar ( ) Convencer ( ) Celebrar uma ocasião especial</p><p>2. Qual é o seu propósito específico? Sua agenda.</p><p>3. Qual é a sua tese central? A ideia que pode ser traduzida em uma frase.</p><p>4. Quais são os principais subtópicos da sua tese central? Exemplos: linha</p><p>cronológica, relação causa-efeito.</p><p>5. Quais tipos de provas você vai usar na sua fala? Depoimentos, estatísticas,</p><p>definições do dicionário, exemplos, metáforas?</p><p>6. Quais tipos de fontes você está citando na sua prova? Coloque-as para a sua</p><p>audiência: revistas, blogs, pesquisas, livros.</p><p>7. Quais são outras três fontes de credibilidade que você pode usar no seu</p><p>discurso que corroboram o seu ponto de vista/a sua tese? Se apoie no ethos</p><p>dessas fontes macro.</p><p>Template Monroe</p><p>Uma vez que você conseguiu mapear as respostas para o questionário anterior,</p><p>está na hora de começar a elencar o que está a seu favor, ou seja, as ferramentas</p><p>que utilizará para compor sua argumentação. Na hora de pensá-las, contudo, não</p><p>deixe de relembrar o que foi respondido no questionário anterior.</p><p>Para isso, dê uma olhada na imagem abaixo. Nela, você terá um resumo de cada</p><p>uma das etapas de uma argumentação. Em seguida, você aprenderá cada uma</p><p>delas por meio de um exercício.</p><p>Passo 1. Isca de atenção: O seu gancho para capturar a atenção da sua audiência.</p><p>Passo 2. Necessidade: Explicite o problema e como esse problema afeta a vida</p><p>da sua audiência diretamente.</p><p>Passo 3. Solução: O que você pode fazer para mudar esse contexto? Aqui você</p><p>usa o checklist ethos, pathos, logos: credibilidade, emoção e razão. É hora de</p><p>caprichar nas provas e nas fontes.</p><p>Passo 4. Visualização: Conte para todos e os faça imaginar como seria diferente</p><p>o contexto com a solução apresentada. Grandes líderes e estadistas inspiradores</p><p>são experts em técnicas de visualização.</p><p>Passo 5. Convite à ação: O que você quer da audiência? Mandar um “bom</p><p>pessoal, é isso” é péssimo. Você convida a se inscrever em um link? Assinar uma</p><p>petição? Investir? Doar dinheiro? Tempo?</p><p>Mentoria? Do que você precisa?</p><p>Com esse framework e checklist você está pronta para começar a rascunhar sua</p><p>fala pública. Eu, muitas vezes, uso até para escrever textão do WhatsApp. Me</p><p>ajuda a obter clareza no que eu quero comunicar, com quem e como. Contra-</p><p>argumentar alguma posição principalmente. Mas nem sempre eu estou a fim</p><p>também de me engajar. Precisamos escolher nossas batalhas. E também é preciso</p><p>assumir que não temos uma opinião formada sobre tudo.</p><p>6.</p><p>Você não precisa ter uma opinião sobre tudo</p><p>Nem sempre a gente tem uma opinião formada sobre um assunto, porque nem</p><p>sempre sabemos sobre o que está sendo discutido. Eu sei muitas coisas, mas</p><p>principalmente sei que não sei tantas outras.</p><p>Eu. Não. Sei. Como é difícil dizer em voz alta: “Eu. Não. Sei”.</p><p>Essa dificuldade é resultado da vulnerabilidade – uma palavra da moda, hype</p><p>nos documentários da Netflix, em palestras corporativas, em livros best-seller. É</p><p>tão lindo ler que é “preciso transformar vulnerabilidade em potência”. Tão lindo</p><p>quanto difícil de pôr em prática.</p><p>Vem cá: você consegue tolerar a zona do desconhecido? Ou você precisa saber</p><p>tudo o tempo todo? Ter todas as respostas? Colecionar opiniões sobre todos os</p><p>assuntos? Mandar a resposta certa na reunião de trabalho? A opinião definitiva</p><p>sobre um problema na escola do seu filho? Um ponto de vista absoluto sobre</p><p>uma tomada de decisão polêmica no seu casamento?</p><p>Nós, mulheres, somos socializadas de tal maneira que muitos padrões e</p><p>dinâmicas dependem da gente para acontecer. É uma sobrecarga mental, é</p><p>pesado. Por conta disso, é comum começarmos a acreditar que temos que ter</p><p>todas as respostas. E, com alguma frequência, argumentamos sem refletir.</p><p>Especialmente nos relacionamentos.</p><p>Vou dar um exemplo. Você é mãe e a tomadora oficial de decisão da sua casa.</p><p>Ninguém nunca fez uma cerimônia e te condecorou, mas você, seus filhos e o</p><p>seu marido sabem: é você quem manda. Se os filhos vão fazer o Kumon ou não.</p><p>Se a criança vai poder viajar com o melhor amigo para a chácara. Se vocês vão</p><p>ou não comprar um sofá novo para a sala. Algumas vezes você até envolve seu</p><p>marido ou os filhos na dinâmica da escolha, mas, no fundo, é você quem vai</p><p>decidir. E isso não acontece porque você é controladora ou neurótica, mas por</p><p>um único motivo: é você quem vai lidar com os desdobramentos reais e</p><p>operacionais dessas escolhas. É você quem, muitas vezes, vai ter que sair mais</p><p>cedo do trabalho para levar e buscar no Kumon. É você quem vai ter que parar o</p><p>seu dia e ligar para a mãe do melhor amigo. É você quem vai até a loja escolher</p><p>o sofá. E, se você não fizer nada, o que acontece? Exato: nada. Ninguém toma a</p><p>dianteira, ninguém resolve, ninguém consegue decidir o melhor caminho.</p><p>Um dia, no entanto, em uma discussão trivial… você não sabe o que responder.</p><p>Ou cansou de ter todas as respostas na ponta da língua. Sabe quando a gente</p><p>pensa: Eu até sei, mas não sei se quero saber? Há momentos de uma</p><p>argumentação em que parecemos estar no piloto automático, sem estar, de fato,</p><p>elaborando uma opinião própria. Quando isso acontece, em geral, nos sentimos</p><p>compelidas a nos posicionar, porque nos fizeram acreditar que devemos ter as</p><p>respostas para todos os problemas do mundo.</p><p>Eu já me engajei em cada discussão besta que depois de um tempo pensava:</p><p>Gente, eu nem sei se essa era mesmo a minha opinião. Eu tinha um fetiche com</p><p>alguns argumentos: eles eram seguros, confortáveis, validavam meu conjunto de</p><p>crenças e valores. A gente tende a pensar: na minha família foi assim, meu pai</p><p>fez dessa forma, minha mãe fazia desse jeito... e acabamos reproduzindo esses</p><p>padrões familiares. A gente reproduz as dinâmicas que conhece.</p><p>Em uma discussão, você pode dizer: “Eu não sei como resolver isso, mas juntos</p><p>vamos encontrar a melhor resposta”. Ou: “Eu estou fazendo o melhor que posso</p><p>com as informações que tenho”. E até mesmo: “Lamento muito, não faço ideia.</p><p>Não tenho como te ajudar”. Ai, essa doeu, eu sei. Como ter coragem de</p><p>responder isso? Nem sempre precisamos tomar para nós a responsabilidade de</p><p>encontrar uma resposta. Às vezes as pessoas têm que se virar sem a nossa ajuda,</p><p>especialmente quando já oferecemos inúmeras respostas negligenciadas.</p><p>Isso é transformar vulnerabilidade em potência. “Eu não sei” é libertador, e</p><p>digo mais: ouse não argumentar em algumas situações específicas e veja a</p><p>mágica acontecer.</p><p>Trago novidades: você nem sempre precisa ter a</p><p>resposta sobre tudo.</p><p>Quem cala consente?</p><p>Como já vimos, o silêncio é um elemento importante na argumentação. E, ao</p><p>delimitarmos o que não sabemos – os nossos “não sei” –, temos também que</p><p>lidar, mais uma vez, com o silêncio – que você já aprendeu que é mais</p><p>multifacetado do que aparenta ser.</p><p>Por isso, gostaria de discordar publicamente do ditado “quem cala consente” e</p><p>convidar você a refletir comigo. No Capítulo 1, expliquei que há uma diferença</p><p>entre se silenciar e ser silenciada. A partir disso, podemos pensar que existe o</p><p>silêncio como escolha (que pressupõe um sujeito ativo), o silenciamento (sujeito</p><p>passivo, que é calado) e o tratamento de silêncio. E é muito importante que a</p><p>gente não coloque tudo no mesmo cesto.</p><p>Imagine o seguinte: Maria namorava João. Ela vivia sempre na iminência e em</p><p>alerta com ele, sem saber o que dizer ao certo, porque ele se irritava com</p><p>facilidade ou simplesmente a ignorava. Às vezes, ele se recusava a falar com ela</p><p>por horas a fio, às vezes passava dias sem responder mensagens (o famoso</p><p>ghosting). O que será que eu fiz de errado?, Maria pensava. Ela vivenciou o</p><p>silêncio de João pela primeira vez quando eles estavam ainda no comecinho do</p><p>namoro. Ele sentiu que Maria parecia muito feliz enquanto dançava com um</p><p>amigo numa festa, então saiu sem se despedir e desapareceu por semanas.</p><p>Ao longo dos anos, ela aprendeu a lidar com os silêncios cruéis de João,</p><p>continuando a cozinhar, a lavar e a dobrar suas roupas, mesmo quando ele a</p><p>ignorava por longos períodos, dias e noites. O tratamento silencioso, geralmente,</p><p>terminava com João agindo como se nada tivesse acontecido, recusando-se a</p><p>discutir o assunto ao alegar que ela estava agindo como uma louca.</p><p>Ser ignorada é especialmente difícil para uma pessoa isolada pelo abuso e</p><p>controle, e que depende da aprovação do agressor para se sentir segura e valiosa.</p><p>Então, quando dizemos que “quem cala consente”, não levamos em consideração</p><p>situações em que aquele que se cala está numa situação de vulnerabilidade. Isso</p><p>é verdade para relações pessoais – entre cônjuges, pais e filhos, para mencionar</p><p>algumas – e também profissionais – quem já teve uma chefia abusiva sabe do</p><p>que estou falando.</p><p>No caso do tratamento de silêncio, ele pode ser uma arma mais poderosa do que</p><p>insultos ou gritos. Quando alguém grita ou discute com você, pelo menos é</p><p>possível saber o que se passa na mente do outro e, assim, avaliar melhor a sua</p><p>própria segurança e a de quem depende de você. Mas o tratamento de silêncio</p><p>não abre nenhum espaço de entendimento mais profundo, só reforça sentimentos</p><p>de fragilidade e medo.</p><p>Muita gente ignora emocionalmente os outros para magoá-los, puni-los ou</p><p>manipulá-los. E eu te digo mais: essas pessoas, em geral, cresceram assim.</p><p>Muitas vezes seus próprios pais as criaram na cultura do silêncio como punição.</p><p>Não chamavam para jantar. Excluíam do passeio do domingo por conta de uma</p><p>malcriação. Não perguntavam o que elas queriam fazer, comer ou vestir. Sabe</p><p>quando você é criança, apronta e depois seus pais te ignoram? Às vezes, por</p><p>dias? Você provavelmente se sentia menos humana, como um fantasma.</p><p>Há também a prática de uma forma mais baunilha do tratamento de silêncio, em</p><p>que não há um silêncio absoluto, mas há uma prática de negligência que ainda</p><p>fere as pessoas. Por exemplo, Joana trabalha para Márcia, chefe conhecida por</p><p>ser temperamental. Quando Márcia não estava disponível, ela fazia uma “cara</p><p>sóbria” e, com frequência, dava respostas cortantes num tom frio e impessoal,</p><p>como se Joana fosse uma estranha mais do que uma funcionária da empresa.</p><p>Como Márcia era assim com todos os subordinados,</p><p>Joana não achava que</p><p>Márcia tentava fazê-la se sentir mal. “Não é pessoal”, diziam seus colegas.</p><p>Ainda assim, Joana ficava incomodada com a falta de abertura para diálogo.</p><p>Inclusive, quando Joana trazia uma demanda de ajuda, Márcia parecia esperar</p><p>que ela resolvesse por si só, como achasse melhor. Mais tarde, se algo não saísse</p><p>do jeito que Márcia esperava, era comum que ela reagisse de maneira agressiva</p><p>ou inapropriada para um espaço de trabalho. Só de ver uma mensagem nova da</p><p>chefe no celular ou na caixa de e-mail, Joana já sentia um frio na espinha.</p><p>Essa dinâmica se repetiu por anos e anos. Esse modus operandi de retenção</p><p>hostil começou a deixar Joana extremamente ansiosa. E a consequência? Joana</p><p>triplicou os seus esforços para obter a aprovação de Márcia, trabalhando cada</p><p>vez mais, sendo extremamente meticulosa, silenciando as próprias necessidades,</p><p>ideias e desejos para não prejudicar sua carreira. Quando conversava com seus</p><p>familiares, Joana ouvia que “todo chefe é assim”, “chefe é chefe”, “manda quem</p><p>pode, obedece quem tem juízo”, “nenhum emprego é ideal”. E, ao relatar suas</p><p>dores para colegas de confiança, Joana ouvia histórias de retaliação e perda de</p><p>oportunidade de quem se posicionou contra Márcia, ou até mesmo procurou um</p><p>novo emprego, sendo “desleal” com a chefe. Quantas pessoas como a Joana nós</p><p>infelizmente conhecemos? Quantas vezes nós não fomos Joanas?</p><p>Se você ou alguém de quem você gosta está sendo submetido ao tratamento do</p><p>silêncio, vem comigo e aprenda algumas dicas importantes de sobrevivência e</p><p>combate.</p><p>1. Não se isole: Manter relacionamentos em comunidade, seja com</p><p>familiares, amigos, vizinhos ou colegas de trabalho, dará a você o senso de</p><p>que você importa, que tem com quem contar e não depende de abusadores.</p><p>Em um primeiro momento, se você não encontrar pessoas assim no seu</p><p>entorno, continue a sua busca – em vários lugares, on-line ou off-line, há</p><p>grupos de pessoas dispostas a te ouvir.</p><p>2. Mantenha uma vida interior potente: Concentre sua energia nos seus</p><p>hobbies, seus livros, suas atividades pessoais. Dedique seus esforços ao que</p><p>também te dá prazer e que você faz por si mesma, com você mesma, e</p><p>aproveite a própria companhia.</p><p>3. Procure ajuda profissional: Um(a) terapeuta, em especial que entenda de</p><p>controle e abuso, pode te ajudar. Não precisa ter vergonha! Pelo contrário, é</p><p>um passo crucial para não só sair de uma relação abusiva, como também</p><p>cuidar das suas feridas e evitar cair em novas ciladas.</p><p>4. Considere terminar a dinâmica: Você não precisa permanecer em uma</p><p>relação em que alguém é mau ou cruel seja por meio de tratamento</p><p>silencioso, abuso verbal ou outros tipos de humilhação. O término do</p><p>vínculo com essa pessoa é sempre uma saída a ser considerada. Se for uma</p><p>situação de trabalho, considere dar um feedback explícito para a pessoa ou</p><p>denunciar ao RH. Se nada for feito, avalie possibilidades de emprego em</p><p>empresas com uma cultura organizacional saudável.</p><p>E não se esqueça: há sempre uma alternativa. Mesmo quando parecer que você</p><p>não vai sobreviver, se sustentar, encontrar o amor de novo, ter uma rede de afeto</p><p>ou se virar, lembre-se de que, ao tolerar esses abusos, você está dizendo para si</p><p>mesma como merece ser tratada. Reconheça em você o seu talento e afeto para</p><p>se fortalecer antes de enfrentar essas dinâmicas.</p><p>A diferença entre tempo-limite e tratamento de</p><p>silêncio</p><p>É importante não confundir tempo-limite com tratamento de silêncio. Quando,</p><p>no calor da emoção, você sente que vai ferir o outro com suas palavras, ou sente</p><p>que algo serviu de gatilho para uma reação desastrosa, é super saudável pedir um</p><p>tempo-limite para pensar. Sair para tomar um ar, caminhar, respirar, decantar o</p><p>que foi dito. Há uma expressão americana que diz que, diante de situações</p><p>difíceis, é bom “sleep on it”, ou seja, dormir e ver como se sente no dia seguinte.</p><p>Quando usado com sabedoria, o tempo – com afastamento e silêncio – pode ser</p><p>um poderoso aliado na comunicação.</p><p>A pausa para meditar sobre algum assunto e assimilar afetos é muito</p><p>recomendada, porque seu objetivo é melhorar a comunicação e a colaboração. O</p><p>tratamento de silêncio, por sua vez, é uma afirmação de domínio e controle. A</p><p>vítima saberá notar a diferença. Em geral, a gente sabe.</p><p>É muito importante observar os contornos do silêncio quando argumentado.</p><p>Entre escolher o silêncio, ser silenciada e manifestar que não sabe ou não possui</p><p>uma opinião formada sobre determinado assunto, há diversas nuances. Trouxe</p><p>esses exemplos porque eu mesma já vivi situações em que não soube identificar</p><p>exatamente o que estava acontecendo. Minha chefe me ignora porque está me</p><p>retaliando? Será que falei algo errado? Meu namorado visualizou e não</p><p>respondeu há dias porque está doente ou está querendo me dizer algo?</p><p>Essas situações nos adoecem aos poucos. Saber identificar e separar o tempo-</p><p>limite do tratamento do silêncio, e o silêncio como manifesto de um</p><p>silenciamento abusivo, é reconquistar sua autonomia nas relações. Acima de</p><p>tudo, desmistificar o peso de ter que saber tudo e performar para se render à</p><p>potência de não ter uma resposta na ponta da língua. Pode ser numa discussão</p><p>familiar, corporativa ou até mesmo num debate do WhatsApp. Eu não sei, vou</p><p>me informar melhor. Eu não sei, mas juntos podemos descobrir. Eu não sei. E</p><p>está tudo bem em não saber. Como diria Confúcio: “Quem crê ter todas as</p><p>respostas, certamente não fez todas as perguntas”.</p><p>Eu prefiro fazer todas as perguntas.</p><p>7.</p><p>Quem é você no debate?</p><p>Por falar em fazer todas as perguntas, quais tipos de perguntas você se faz ao</p><p>debater? O autor Adam Grant publicou esta pirâmide da hierarquia dos estilos de</p><p>pensamento. É um serviço de utilidade pública traduzi-la e vou compartilhá-la</p><p>aqui com vocês. Ela nos mostra as diferentes maneiras de pensar e os tipos de</p><p>personalidade relacionados a elas. A partir desse esquema, conseguimos</p><p>identificar quem somos e quem queremos ser num debate.</p><p>Fonte: Adaptada do site de Adam Grant. Disponível em:</p><p>https://twitter.com/adammgrant/status/1371564806352822274. Acesso em:</p><p>22 dez. 2021.</p><p>1. Cientista: É aquele que debate usando a lógica de pensamento que Grant</p><p>nomeia como sendo do cientista. Ele pode ser identificado com frases como:</p><p>“Eu posso estar errado”, e suas iscas de atenção geralmente costumam ser</p><p>dados e números. É o tipo que está mais alto na pirâmide, porque é mais</p><p>raro e, também, mais ideal. É o tipo que pressupõe estar errado, se atenta ao</p><p>caráter informativo do debate e, com frequência, gosta mais de descobrir</p><p>algo novo do que ganhar o argumento. Ele não se preocupa em estar errado,</p><p>quer seguir o método. Estar errado faz parte da jornada!</p><p>2. Pensador crítico: Do tipo que se engaja com diversas fontes de</p><p>informação, lê os jornais de direita, de esquerda, de centro. Esse tipo</p><p>questiona viés de credibilidade das fontes e pesquisas. Em geral, é quem diz</p><p>algo como: “Isso deve estar errado” ou “Tem certeza?”. Gosta de apontar</p><p>diversas vertentes para responder sobre um mesmo tema. Por exemplo, se o</p><p>tema é saúde mental, ele sempre vai trazer três pontos de vista diferentes</p><p>sobre o tema em questão. Uma vertente social, outra biológica, uma da</p><p>psicanálise… Vai buscar fontes diferentes e bibliografias múltiplas para</p><p>formar opinião.</p><p>3. “Do contra”: Esse é o famoso chato. Rebate e procura falhas no raciocínio</p><p>do outro, mas ignora as falhas do próprio raciocínio. É aquela pessoa que</p><p>adora cortar os outros dizendo algo como “Você está errado!”, “Não é nada</p><p>disso”. Geralmente usa ad hominem , a falácia do ataque pessoal, nas suas</p><p>argumentações. Desqualificar o argumento do outro é mais importante do</p><p>que qualificar o seu (é que, geralmente, eles não têm um ponto de vista para</p><p>sustentar mesmo).</p><p>4. Político: Pega a sua crença e persegue a crença ideológica dos outros. Usa</p><p>a ferramenta do nós versus eles o tempo todo: nós do partido X, eles do</p><p>partido Y. Nós que acreditamos em X, eles que acreditam em Y. Você</p><p>consegue identificá-lo porque cria argumentos do tipo: “Vocês estão</p><p>errados, nós é que estamos certos”. Parece bastante</p>