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EAD MICOLOGIA CLÍNICA EDIÇÃO: OUTUBRO/2021 EAD DIRIGENTES | PRESIDÊNCIA Prof. Dr. Clèmerson Merlin Clève | REITORIA Prof. Me. Alessandro Kinal | DIRETORIA ACADÊMICA EAD Profa. Me. Daniela Ferreira Correa | DIRETORIA ACADÊMICA PRESENCIAL Profa. Me. Márcia Maria Coelho | DIRETORIA EXECUTIVA Profa. Esp. Silmara Marchioretto | COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA DE GRADUAÇÃO EAD Prof. Me. João Marcos Roncari Mari | COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA DE PÓS-GRADUAÇÃO EAD Prof. Me. Marcus Vinícius Roncari Mari | AUTOR Prof. Me. Lucas Bochnia Bueno | COORDENAÇÃO DA PRODUÇÃO DE MATERIAIS EAD Esp. Janaína de Sá Lorusso | PROJETO GRÁFICO Esp. Janaína de Sá Lorusso Esp. Cinthia Durigan | DIAGRAMAÇÃO Esp. Janaína de Sá Lorusso | REVISÃO Esp. Ísis C. D’Angelis Esp. Idamara Lobo Dias | PRODUÇÃO AUDIO VISUAL Esp. Rafael de Farias Forte Canonico Estúdio NEAD (Núcleo de Educação a Distância) - UniBrasil | ORGANIZAÇÃO NEAD (Núcleo de Educação a Distância) - UniBrasil | IMAGENS Shutterstock FICHA TÉCNICA SUMÁRIO UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA UNIDADE 01 - MICOLOGIA BÁSICA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM ...........................................................6 INTRODUÇÃO ........................................................................................7 1. INTRODUÇÃO À MICOLOGIA ...........................................................7 1.1 História da Micologia ......................................................................7 1.2 Propriedades Gerais .......................................................................8 1.3 Classificação .................................................................................10 2. MORFOLOGIA E REPRODUÇÃO FÚNGICA ......................................10 2.1 Morfologia fúngica .......................................................................10 2.2 Reprodução fúngica ......................................................................12 3. CITOLOGIA E FISIOLOGIA FÚNGICA E MEDICAMENTOS ANTIFÚNGI- COS ..............................................................................................15 3.1 Citologia e Fisiologia Fúngica ........................................................15 3.2 Antifúngicos .................................................................................19 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................23 UNIDADE 02 - MICOLOGIA CLÍNICA: PRINCÍPIOS LABORATORIAIS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM .........................................................24 INTRODUÇÃO ......................................................................................25 1. COLETA DE AMOSTRAS MICOLÓGICAS ..........................................25 1.1 Procedimentos de coleta ..............................................................26 1.2 Avaliação do material recebido .....................................................29 2. PROCESSAMENTO DE AMOSTRAS MICOLÓGICAS ..........................30 2.1 Diagnóstico convencional .............................................................30 SUMÁRIO UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA 2.2 Diagnóstico por Biologia Molecular ..............................................36 3. IDENTIFICAÇÃO FÚNGICA .............................................................36 3.1 Identificação microscópica dos fungos ..........................................36 3.2 Identificação macroscópica dos fungos .........................................38 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................40 UNIDADE 03 - MICOLOGIA CLÍNICA: AS MICOSES - I OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM .........................................................41 INTRODUÇÃO ......................................................................................42 1. MICOSES SUPERFICIAIS ..............................................................42 1.1 Pitiríase versicolor ........................................................................42 1.2 Piedra preta ..................................................................................44 1.3 Piedra branca ...............................................................................46 1.4 Tinea nigra ....................................................................................46 2. MICOSES CUTÂNEAS .....................................................................47 2.1 Dermatofitoses .............................................................................47 2.2 Dermatofitoses quanto à localização ............................................51 2.3 Outras dermatofitoses ..................................................................53 3. MICOSES SUBCUTÂNEAS ...............................................................55 3.1 Esporotricose ................................................................................55 3.2 Cromomicose ...............................................................................57 3.3 Lobomicose ..................................................................................58 3.4 Rinosporidiose ..............................................................................59 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................60 SUMÁRIO UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA UNIDADE 04 - MICOLOGIA CLÍNICA: AS MICOSES - II OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM .........................................................61 INTRODUÇÃO ......................................................................................62 1. MICOSES SISTÊMICAS ...................................................................62 1.1 Paracoccidioidomicose .................................................................62 1.2 Blastomicose ................................................................................64 1.3 Histoplasmose ..............................................................................65 1.4 Coccidioidomicose ........................................................................67 2. MICOSES OPORTUNISTAS ..............................................................68 2.1 Criptococose .................................................................................69 2.2 Candidíase ....................................................................................71 2.3 Aspergilose ...................................................................................73 2.4 Mucormicose ................................................................................76 2.5 Outras micoses oportunistas .........................................................77 3. OUTRAS MICOSES .........................................................................77 3.1 Entomophthoromicose .................................................................77 3.2 Feo-hifomicose .............................................................................79 3.3 Pneumocistose .............................................................................80 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................81 REFERÊNCIAS ......................................................................................82 UNIDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM VÍDEOS DA UNIDADE https://bit.ly/3imkdim https://bit.ly/3F6vHQR https://bit.ly/3kYWmHz 01 MICOLOGIA BÁSICA » Conhecer as características básicas e comuns dos fungos; » Descrever os processos citológicos e bioquímicos fúngicos; » Compreender o funcionamento e estruturas fúngicas; » Reconhecer e comparar as estruturas reprodutivas; » Correlacionar os fármacos antifúngicos aos respectivos mecanismos de ação. UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 7 INTRODUÇÃO Nesta Unidade serão apresentadas as informações da Micologia Básica para conhecimento bá- sico dos fungos, como sua classificação taxonômica, sua morfologia, citologia,fisiologia, estruturas reprodutivas e os fármacos antifúngicos. Além disso, ao final desta Unidade você será capaz de identificar os tipos de fungos, além de diferenciá-los dos demais seres vivos com base nas suas características morfológicas, citológicas e reprodutivas. Também será capaz de reconhecer as diferentes formas das estruturas reprodutoras dos fun- gos, correlacionando-as aos respectivos gêneros, além de comparar os diversos fármacos antifún- gicos em relação aos mecanismos de ação de cada um. 1. INTRODUÇÃO À MICOLOGIA 1.1 HISTÓRIA DA MICOLOGIA Micologia iniciou de modo definitivo no século XIX. Entretanto, as pesquisas da época eram realizadas de modo não sistematizado e o desenvolvimento científico da área se deu de modo lento inicialmente, devido à falta de metodologias adequadas para o definitivo reconhecimento do patógeno, ocasionando diagnósticos não precisos, além do pouco conhecimento obtido nesta área na época. Apesar disso, micologistas como Agostino Bassi (1773-1856), conhecido como o “pai da micologia”, e Raymond J. A. Sabouraud (1864-1938), autor de Les Teignes (“Vermes” em tradução literal), maior e mais importante marco da micologia médica, em 1910, foram os grandes nomes que deram início ao estudo dos fungos, posteriormente conhecido como Micologia. FIGURA 1 - AGOSTINO BASSI (ESQUERDA) E RAYMOND SABOURAUD (DIREITA), DOIS DOS MAIORES NOMES DA MICOLOGIA MÉDICA Fonte: Wikiwand (2021) / Alchetron (2018). UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 8 Apesar do estudo dos fungos ter iniciado na área médica apenas no século XIX, os fungos são empregados e reconhecidos desde a Antiguidade para a produção de vinhos, cervejas (fermenta- ção) e queijos (Figura 2). Além de manuscritos que relatam que, no período pré-histórico, os fun- gos venenosos e alucinógenos já eram conhecidos pelos habitantes da Terra. No período histórico, gregos e romanos escreveram sobre o modo de separar os fungos comestíveis dos venenosos. FIGURA 2 - VINHO, PÃO E QUEIJO, EXEMPLOS DO USO DE FUNGOS PARA O BENEFÍCIO HUMANO APLICADOS DESDE A ANTIGUIDADE A micologia moderna possui diversos representantes brasileiros que contribuíram para o seu desenvolvimento, com estudos sobre fungos e micoses identificados primeiramente no Brasil, como os basidiomicetos, paracoccidioidomicose, a doença de Jorge Lobo, a cromomicose e alguns fungos agentes de eumicetomas e de hialohifomicoses. 1.2 PROPRIEDADES GERAIS 1.2.1 A FUNÇÃO DOS FUNGOS Os fungos desempenham um papel essencial no ecossistema, pois habitam praticamente todos os ambientes da Terra e são um dos principais decompositores das cadeias tróficas (Figura 3). Esses microrganismos podem ser encontrados em quase todas as partes da superfície da Terra; alguns fungos, denominados saprófitas, vivem na matéria orgânica, na água e no solo, enquanto ou- tros, denominados como parasitas, por desenvolverem uma relação ecológica interespecífica desar- mônica, vivem na superfície e no interior de animais e plantas. Os fungos também podem ser encon- trados em diversos materiais, causando deterioração do couro, plásticos e tecidos, por exemplo, bem como de geleias, picles e muitos outros alimentos. Os fungos benéficos, entretanto, são importantes na produção de alimentos como queijos, cerveja, vinho e outros itens alimentícios, além de certos fármacos (p. ex., ciclosporina, um imunossupressor) e antibióticos (p. ex., penicilina). UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 9 FIGURA 3 - FUNGOS NA NATUREZA, PRÓXIMOS A UMA GRANDE ÁRVORE. PROVAVELMENTE TAL FUNGO SAPRO- FÍTICO AUXILIA NA DECOMPOSIÇÃO DO MATERIAL VEGETAL PROVENIENTE DA ÁRVORE. Fonte: Wallup.net (2019). Estima-se que os fungos constituam o grupo mais diversificado de organismos na Terra, incluin- do leveduras, bolores e até mesmo cogumelos. Como saprófitas, sua principal fonte de alimento é constituída por matéria orgânica morta e em decomposição. Sendo, portanto, conhecidos como os “trituradores de lixo” da natureza, os “abutres” do mundo microbiano. Através da secreção de enzimas digestivas nas matérias vegetal e animal mortas, os fungos rea- lizam a decomposição dos materiais em nutrientes que podem ser absorvidos por eles próprios e por outros organismos vivos; dessa maneira, são os “recicladores” originais. Viver em um mundo sem a existência dos fungos saprófitas ou saprofíticos seria o mesmo que caminhar em imensas pilhas de plantas e animais mortos e produtos de degradação de animais. Algumas vezes, os fungos são incorretamente considerados como plantas, embora não sejam vegetais. Uma das principais diferenças é que eles não realizam fotossíntese, pois não apresentam clorofila nem outros pigmentos fotossintéticos. Além disso, as paredes celulares das células de algas e plantas contêm o polissacarídeo celulose, que está ausente nas das células fúngicas; em compensação, as paredes celulares dos fungos contêm um polissacarídeo denominado quitina, que não é encontrado nas paredes celulares de nenhum outro microrganismo, podendo ser en- contrada no exoesqueleto dos artrópodes, como crustáceos, insetos e aranhas. 1.2.2 IMPORTÂNCIA CLÍNICA Atualmente são conhecidas mais de 100 mil espécies de fungos, porém, dentro dessa vasta diversidade de fungos, apenas cerca de 200 são patogênicas aos seres humanos e aos animais. Apesar de não ser grande o número de fungos patogênicos, ao longo dos últimos anos a incidência de infecções fúngicas importantes tem aumentado. Tais infecções estão ocorrendo em unidades de cuidados da saúde e em indivíduos imunocomprometidos. Além disso, milhares de doenças causadas por fungos afetam plantas economicamente importantes, causando prejuízos de mais de um bilhão de dólares ao ano na indústria agrícola. UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 10 1.3 CLASSIFICAÇÃO A classificação taxonômica é indispensável para o estudo e para o reconhecimento da diversidade de espécies, sendo iniciada por meio da divisão dos cinco reinos: Protista, Fungi, Plantae, Animalia e Monera. Pode ser empregado, ainda, um nível de classificação superior aos reinos: o domínio, que é um conceito mais atual. Tal conceito realiza o agrupamento dos organismos em três, baseando-se nas di- ferenças moleculares entre as eubactérias, as arqueobactérias e os eucariontes. No caso dos fungos, o domínio em que estão incluídos é o Eucarya. que inclui os reinos Animalia, Fungi, Plantae e Protista. Por muito tempo, o reino Fungi foi dividido em quatro filos, sendo eles Zygomycota, Basidiomy- cota, Ascomycota e Deuteromycota (“fungos imperfeitos”). Entretanto, outra classificação mais atual, de Hibbett, define os fungos em sete filos: » Microsporidia (parasitas unicelulares endobióticos); » Chytridiomycota (quitrídios); » Blastocladiomycota (fungos saprófitas); » Neocallimastigomycota (vivem no sistema digestivo de mamíferos herbívoros); » Glomeromycota (micorrizas); » Ascomycota (alguns cogumelos, trufas e ferrugens); » Basidiomycota (ferrugens e carvões). A classificação taxonômica não é comumente utilizada, visto que os principais representantes fúngicos estão bem descritos e são agrupados, como na micologia médica, por exemplo, conforme a sua manifestação no homem. Mais de 600 espécies de fungos são descritas como infectantes para o homem, estando asso- ciadas a uma série de doenças, como as micoses, podendo também ser infectantes pelo desenvol- vimento das micotoxicoses, que são intoxicações pela ingestão de alimentos contaminados. 2. MORFOLOGIA E REPRODUÇÃO FÚNGICA 2.1 MORFOLOGIA FÚNGICA Em relação à morfologia fúngica, eles podem ser encontrados sob duas formas distintas: leve- duras e fungos filamentosos. As leveduras são caracterizadas por seu formato que varia de esférico a elipsoide, sendo seres unicelulares. Os fungos filamentosos, também conhecidos como bolores, devido seu crescimento, são seres pluricelulares.A estrutura vegetativa do fungo trata-se da porção que obtém os nutrientes, relacionada ao ca- tabolismo e ao crescimento do ser. A característica morfológica da estrutura vegetativa dos fungos filamentosos é a presença de uma rede de filamentosos conhecidos como hifas, as quais consis- tem em túbulos cilíndricos ramificados. O crescimento das hifas acarreta a formação do micélio, UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 11 que é formado por um conjunto de hifas compactadas macroscopicamente, visíveis e que crescem quando as condições ambientais estão favoráveis. As hifas podem, ainda, ser classificadas em hifas septadas (septos trans- versais) ou hifas asseptadas (quando não há divisão). As hifas septadas caracterizam-se por apresentar várias unidades celulares uninucleares. As hifas asseptadas, por sua vez, são denominadas cenocíticas e decorrem de divisões celulares repetidas, sem a formação de pa- redes transversais, septos ou membranas que separem os respectivos núcleos das células-filhas adjacentes e, por isso, são multinucleadas (Figura 4). FIGURA 4 - HIFA SEPTADA E HIFA ASSEPTADA. Algumas espécies de fungos apresentam morfologia distinta conforme a temperatura a que são submetidos, conhecidos como fungos dimórficos. Tais fungos no ambiente se apre- sentam como filamentosos, en- tretanto, nos tecidos, a tempe- ratura corporal, são leveduras. O dimorfismo pode ocorrer também pela concentração de CO2 no meio. Baixas concentra- ções resultam em leveduras e al- tas concentrações resultam em filamentosos. Essa característica pode ser diferencial na identifi- cação de agentes patogênicos como o fungo Mucor indicus. SAIBA MAIS Fonte: BURTON (2021). O crescimento das hifas se dá pelo alongamento de suas extremidades, de modo que qualquer porção da hifa tem essa capacidade. Outra região fúngica é a hifa reprodutiva, a porção responsá- vel pela reprodução, pois, durante o crescimento, há uma projeção fúngica acima da sua área de desenvolvimento (Figuras 5 e 6). FIGURA 5 - MICÉLIO VEGETATIVO E REPRODUTOR DOS FUNGOS Fonte: UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 12 FIGURA 6 - HIFAS AÉREAS E VEGETATIVAS (a) Fotomicrografia de hifas aéreas, mostrando esporos reprodutivos; (b) Uma colônia de Aspergillus niger crescendo em uma placa de ágar glicose, mostrando as hifas vegetativas e aéreas. Fonte: TORTORA (2017). 2.2 REPRODUÇÃO FÚNGICA Os fungos podem ser morfologicamente classificados como filamentosos ou leveduras, sendo que, no caso das leveduras, apresentam reprodução, majoritariamente, por brotamento. As es- pécies fúngicas podem reproduzir-se de forma assexuada ou sexuada, sendo que a maioria dos fungos de interesse clínico se reproduz de forma assexuada. Os esporos são o produto tanto da reprodução assexuada quanto da sexuada e podem ser denominados esporos anamórficos ou te- lemórficos – anamórficos quando associados à reprodução assexuada, e telemórficos, à reprodu- ção sexuada. A dispersão de esporos é uma característica de sobrevivência fundamental entre os fungos, visto que eles são estruturas resistentes às condições adversas e que permanecem em es- tado de dormência até encontrar condições favoráveis para o seu crescimento e desenvolvimento. A reprodução assexuada pode ocorrer por três formas distintas: (1) crescimento e dissemina- ção de filamentos de hifas; (2) produção assexuada de esporos; ou (3) divisão simples, como o brotamento. A reprodução sexuada, por outro lado, ocorre pela produção de esporos sexuados. Essa reprodução ocorre pela fusão dos núcleos de duas linhagens opostas de cruzamento, de uma mesma espécie fúngica, sendo, portanto, uma forma de reprodução menos comum. Esse tipo de reprodução contribui com a recombinação genética, promovendo a variabilidade necessária para o desenvolvimento genético dos fungos. No brotamento, a célula parenteral forma um broto (protuberância em sua superfície externa), que se alonga, e o núcleo da célula divide-se, ficando um núcleo na célula parenteral e outro no broto (Figu- ra 7). A parede celular se reorganiza para que o broto possa desprender-se. Quando o broto não se se- para, há a formação de uma pseudo-hifa (blastoconidio), e o conjunto de pseudo-hifas forma um pseu- domicélio. Essa característica pode ser uma forma que os fungos utilizam para invadir os tecidos, como é o caso do fungo Candida albicans, que faz parte da microbiota humana, em seu processo infeccioso. UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 13 FIGURA 7 - LEVEDURA DE BROTAMENTO Micrografia de Saccharomyces cerevisiae em diversos estágios do brotamento. Fonte: TORTORA (2017). A produção de esporos difere de acordo com a forma de reprodução. Na reprodução asse- xuada, é possível obter esporos por mitose seguida de divisão celular, não ocorrendo, portanto, fusão dos núcleos celulares. Há os conídios, esporos unicelulares ou multicelulares que não estão envolvidos por uma bolsa, e os esporangiósporos, formados no interior de bolsas. Os conídios estão relacionados aos principais fungos importantes para a micologia médica e são formados na porção lateral e em extremidades específicas. Eles podem ser: (1) artrósporos ou artroconídios; (2) clamidósporos ou clamidoconídios; e (3) blastósporos ou blastoconídios (Figura 8). Os artrósporos são formados pelos fragmentos de extremidade de hifas. Os clamidósporos caracterizam-se por serem arredondados e com parede celular espessa, o que confere resistência ao calor e à desse- cação. Os blastósporos são decorrentes do brotamento. Os esporangiósporos são oriundos da divisão mitótica e da produção de esporos no interior de sacos, os esporângios, observados em gêneros de fungos dimórficos. FIGURA 8 - ESPOROS ASSEXUADOS CARACTERÍSTICOS UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 14 Fonte: TORTORA (2017). Os esporos sexuados são os gametângios formados devido à fusão de células haploides, geran- do uma célula diploide, que sofre meiose e mitose, formando novos esporos haploides. Quando os esporos são produzidos no interior de sacos, são denominados ascósporos. Quando são formados na extremidade claviforme, os basídios, são denominados, então, basidiósporos. Essas estruturas são características dos cogumelos, nos quais a estrutura superior consiste no corpo de frutificação, denominado basidiocarpo. Quando há a fusão de hifas, nos fungos zigomicetos, temos os zigós- poros, que se caracterizam como esporos mais simples e por parede celular espessa. Os esporos sexuados costumam ser mais resistentes à desidratação, ao aquecimento, ao congelamento e a alguns agentes químicos, mas, quando comparados com as bactérias, os esporos fúngicos não são tão resistentes ao calor. Um fator que auxilia a disseminação dos esporos pelo ar e pela água é o fato de serem partículas leves que não sedimentam com facilidade nesses meios. A reprodução sexuada ocorre de forma sequencial à reprodução assexuada e se manifesta em três etapas: (1) plasmogamia, na qual há a união de dois núcleos, de modo que ambos fiquem jun- tos; (2) cariogamia, na qual ocorre a fusão dos dois núcleos, originando uma célula binucleada; e (3) meiose, que reduz o número de cromossomos a haploide e forma os esporos sexuados, que podem apresentar variação genética. Esses esporos, posteriormente, germinam em meio favorável, forman- do as hifas, que, por sua vez, ramificam-se, formando o micélio. Por apresentar uma fase assexuada durante a reprodução, há um favorecimento na disseminação das espécies fúngicas com a formação dos conídios. Dentre as leveduras, os elementos observados são os esporos, apenas. Os artroconídios, clamidoconídios e blastoconídios podem ser visualizados quando se realiza o exame direto em microscópio ao se utilizar a objetiva de 40x. A identificação desses elementos Para mais informações sobre a reprodução sexuada por meiode ascósporos, basidiósporos e zi- gósporos, leia as páginas 324 a 327 do livro: TORTORA, G. J. Microbiologia. 12. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. LEITURA UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 15 faz parte da investigação diagnóstica e auxilia os profissionais a reconhecer os agentes fúngicos contaminantes. Para os fungos filamentosos, os elementos que podem ser observados são macro- conídios, microconídios, conidióforo e esporangiofóro. Os macroconídios são os maiores conídios produzidos pelos fungos, e os microconídios, os menores. O conidióforo consiste na hifa que dá origem aos conídios, e o esporangióforo, na hifa que forma os esporângios. Um exemplo na iden- tificação dos fungos por meio de microscopia é a observação dos fialosporos dos conídios. Nos fungos do gênero Aspergillus, conídios fialosporos formam cadeias sobre fiálides, estrutura em forma de garrafa, em torno de uma vesícula que é uma dilatação na extremidade do conidióforo. Enquanto que nos fungos do gênero Penicillium falta a vesícula na extremidade dos conidióforos, que se ramificam dando a aparência de pincel. Assim como no fialosporo aspergilo, no fialosporo penicilio os conídios formam cadeias que se distribuem sobre as fiálides (Figura 10). FIGURA 10 - COMPARAÇÃO ENTRE OS CONÍDIOS DOS GÊNEROS ASPERGILLUS E PENICILLIUM Fonte: Piepenbring, CC BY-SA. 3. CITOLOGIA E FISIOLOGIA FÚNGICA E ME- DICAMENTOS ANTIFÚNGICOS 3.1 CITOLOGIA E FISIOLOGIA FÚNGICA 3.1.1 CITOLOGIA Entre as suas características morfológicas, os fungos apresentam parede celular composta por quitina, a qual lhes dá forma e os protege de variações osmóticas e ambientais. A constitui- ção principal da parede celular é de camadas de carboidratos e cadeias longas de polissacaríde- UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 16 os, as quais podem representar de 80 a 90% da composição da parede, além de glicoproteínas e lipídeos. Outros polímeros podem estar associados, conforme a espécie fúngica estudada, e os componentes da parede celular são importantes no processo de infecção, podendo desencade- ar a resposta imune do hospedeiro. Devido às variações nas paredes celulares, alguns fungos exibem pigmentação castanha ou negra, em função da constituição da parede com melanina, tratando-se, inclusive, de um fator de virulência. Esses fungos são chamados de demáceos. Essa característica é importante no mo- mento de identificação das espécies fúngicas. Quando não apresentam esse pigmento, as hifas são denominadas hialinas. A patogenicidade dos fungos não é medida por apenas uma característica, mas, sim, por um conjunto de elementos capazes de estimular diferentes respostas no hospedeiro. Os fun- gos têm habilidade de penetrar nos tecidos e invadir órgãos e fluidos do corpo humano, cau- sando lesão tecidual. Logo, se o fungo provoca algum dano tecidual, ele é considerado um fungo patogênico. Como vimos anteriormente, duas características que conferem patogenicidade são: (1) ser dimórfico, o que garante que o crescimento ocorra de duas formas distintas; e (2) ser demáceo, que está associado à presença de melanina, constituinte que protege o fungo de produtos oxidan- tes presentes nos tecidos e nas células de defesa. Apesar disso, mesmo os fungos hialinos, que não apresentam características de patogenicidade associada a um pigmento, podem causar micoses em indivíduos imunocomprometidos e/ou imunocompetentes. Nesses casos, as micoses são cha- madas de hialo-hifomicoses e manifestam-se de forma superficial, subcutânea ou sistêmica. Além disso, os fungos são capazes de inibir a produção de citocinas, diminuir a atividade fungi- cida de macrófagos, aderir e invadir as células e produzir cápsulas. Por muito tempo, os fungos foram classificados como pertencentes ao Reino Vegetalia, apesar de apresentarem características conflitantes com as típicas desse Reino. Diferentemente dos vege- tais, eles não possuem clorofila nem pigmentos fotossintéticos, obtendo sua energia por absorção de nutrientes; não armazenam o amido e não apresentam celulose na parede celular, com exceção de alguns fungos aquáticos inferiores. Por outro lado, os fungos têm algumas semelhanças com o Reino Animalia, ou seja, armazenam glicogênio e possuem quitina na parede celular. Alguns fungos apresentam, no processo de reprodução sexuado, a dicariofase, que é um fenô- meno encontrado apenas entre esses organismos. Logo após a plasmogamia, não ocorre imedia- tamente a cariogamia, mas, sim, uma fase dicariótica prolongada na qual a frutificação é composta de células binucleadas com presença simultânea de dois núcleos haploides sexualmente opostos. Eventualmente, a cariogamia pode não ocorrer e o dicário se perpetuar na espécie. A seguir, veja- mos um maior detalhamento das estruturas citológicas dos fungos. 3.1.2 CÉLULA FÚNGICA Os fungos podem ser uni ou pluricelulares. A célula fúngica é constituída pelos principais com- ponentes encontrados nos organismos eucarióticos. UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 17 3.1.3 PAREDE CELULAR A parede celular é responsável pela rigidez da célula fúngica. É composta basicamente por glu- canas, mananas, quitina, proteínas e lipídios. As glucanas e mananas estão combinadas com pro- teínas, formando as glicoproteínas, manoproteínas e glicomanoproteínas. A parede celular pode apresentar variações em sua composição, dependendo da espécie e da idade do fungo, da com- posição do substrato de crescimento, do pH e da temperatura. A quitina é o principal componente estrutural da parede celular dos fungos. 3.1.4 MEMBRANA PLASMÁTICA A membrana plasmática dos fungos tem as mesmas funções da membrana encontrada em outras células. Está ligada ao citoplasma e é composta de duas camadas de fosfolipídios revestidas por proteínas. Apresenta uma série de invaginações que dão origem a um sistema de vacúolos ou vesículas, responsáveis pelo contato entre o meio externo e o interno da célula. A membrana citoplasmática dos fungos contém esteróis na forma de ergosterol, diferentemente da membrana citoplasmática da célula animal, que contém colesterol. Essa diferença se constitui em importante sítio de ação de antifúngicos que atuam na síntese do ergosterol e que têm, portanto, toxicidade seletiva para o fungo. 3.1.5 CITOPLASMA O citoplasma é onde ocorrem as sínteses e o metabolismo energético e plástico. No citoplasma são encontrados: inclusões de glicogênio, que é a principal substância de reserva de energia dos fungos; vacúolos de alimentos e gorduras; mitocôndrias responsáveis pelos mecanismos energé- ticos; condrioma, ribossomos e retículo endoplasmático, responsáveis pela síntese de proteínas. Os vacúolos são de vários tamanhos e podem ter a função de reserva, armazenando glicogê- nio, ou digestiva. As mitocôndrias contêm DNA e, dependendo do grupo de fungos, podem ter várias formas, tamanho e relação com outras organelas celulares. O retículo endoplasmático é um sistema comunicante que se espalha pela célula e que pode ou não ser revestido externamente por ribossomos. O aparelho de Golgi é um sistema de vesículas, canalículos e estruturas tubulares, envolvido em processos de síntese e secreção, e ligado à química de carboidratos. Não apresenta cloroplastos. 3.1.6 NÚCLEO Os fungos podem ter um, dois ou mais núcleos envoltos por uma membrana nuclear de nature- za lipídica. No interior do núcleo encontra-se o nucléolo, que contém DNA, RNA e proteínas, e que é o local de produção do RNA ribossomal. 3.1.7 CÁPSULA Alguns fungos, como o Cryptococcus neoformans, apresentam uma cápsula mucopolissacarídi- ca com estrutura fibrilar composta de amilose e de um poliosídeo semelhante à goma arábica. A cápsula é importante na patogênese desse fungo, por dificultar a fagocitose. UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 18 3.1.8 FISIOLOGIA O crescimento dosfungos depende de condições que sejam favoráveis para o seu desenvolvi- mento. Para que a estrutura vegetativa e reprodutiva possa desenvolver-se, os fungos requerem temperatura, umidade, quantidade de luz, pH (4-7), concentrações de O2 e CO2, macronutrientes (C, Mg, N) e micronutrientes (Zn, F, Cu) ideais. Esse desenvolvimento pode ser facilmente observa- do quando os fungos filamentosos formam as colônias, pois algumas das zonas que eles apresen- tam são a zona de crescimento e a zona de frutificação, onde ocorre a reprodução. O crescimento fúngico se dá por meio de dois processos de obtenção de energia: respiração aeróbica e fermentação anaeróbica (Figura 11). No caso da respiração aeróbica, o fungo se utiliza de algum açúcar disponível no ambiente (glicose, frutose...) e oxigênio para realizar a produção de ATP com liberação de CO2 no ambiente. Já na fermentação anaeróbica o fungo se utiliza apenas do açúcar disponível para sua produção energética e libera para o ambiente glicerol, etanol, CO2 e succinato como metabólitos de sua produção energética. FIGURA 11 - VIAS METABÓLICAS FÚNGICAS PARA OBTENÇÃO DE ENERGIA Fonte: TORIBIO (2011). Os fungos obtêm seus nutrientes por meio da secreção de várias enzimas ao ambiente externo, digerindo o substrato, tornando-o solúvel e passível de passar pela parede celular fúngica. Entre- tanto, a presença de outros microrganismos pode ser um problema para o fungo, pois o substrato digerido pode ser utilizado para o desenvolvimento desses outros microrganismos presentes no ambiente e deve ser protegido da ação desses organismos oportunistas. Tal necessidade faz com que o fungo se utilize de seus metabólitos secundários e realize a secreção de antibióticos e micotoxinas. Os antibióticos secretados pelos fungos são de grande interesse humano e, portanto, são benéficos. Exemplos de antibióticos produzidos por fungos são a penicilina (Penicillium sp.), a cefalosporina (Cephalosporium), dictopiprazinas (Aspergillus fumi- gatus), griseofulvina (Penicillium griseofulvum) e anidulafungina (Aspergillus nidulans). UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 19 Já as micotoxinas, outro produto do metabolismo secundário, podem ser prejudiciais ao ser hu- mano com toxicidade a diversos órgãos e podem estar presentes em diversos grãos contaminados com fungos, como o milho, o amendoim, a cevada e o café, além de algumas frutas. As micotoxi- nas mais comuns e mais conhecidas são aflatoxina (principalmente em amendoins – Aspergillus), ocratoxina e patulina. 3.2 ANTIFÚNGICOS Diversos fármacos com potencial antimicrobiano já são de conhecimento clínico, entretanto os fármacos utilizados para o tratamento de doenças causadas por bactérias não têm efeito sobre OFICIAL MÉDICO INGLÊS, ALEXANDER FLEMING VOLTOU DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL COM UM SONHO: PESQUISAR UMA FORMA DE REDUZIR O SOFRIMENTO DOS SOLDADOS QUE TINHAM SUAS FERIDAS INFECTADAS, IMPONDO DOR E POR TANTAS VEZES UM PROCESSO AINDA MAIS ACELERADO EM DIREÇÃO À MORTE. DE VOLTA AO ST. MARY’S HOSPITAL, EM LONDRES, EM 1928, DEDICOU SE A ESTU- DAR A BACTÉRIA STAPHYLOCOCCUS AUREUS, RESPONSÁVEL PELOS ABSCESSOS EM FERIDAS ABERTAS PROVOCADAS POR ARMAS DE FOGO. ESTUDOU TÃO INTEN- SAMENTE QUE, UM DIA, EXAUSTO, RESOLVEU SE DAR DE PRESENTE ALGUNS DIAS DE FÉRIAS. SAIU, DEIXANDO OS RECIPIENTES DE VIDRO DO LABORATÓRIO, COM AS CULTURAS DA BACTÉRIA, SEM SUPERVISÃO. ESSE DESLEIXO FEZ COM QUE, AO RETORNAR, ENCONTRASSE UM DOS VIDROS SEM TAMPA E COM A CULTURA EXPOSTA E CONTAMINADA COM O MOFO DA PRÓPRIA ATMOSFERA. ESTAVA PRESTES A JOGAR TODO O MATERIAL FORA QUANDO, AO OLHAR NO IN- TERIOR DO VIDRO, PERCEBEU QUE ONDE TINHA SE FORMADO BOLOR, NÃO HAVIA STAPHYLOCOCCUS EM ATIVIDADE. CONCLUIU QUE O MOFO, ORIUNDO DO FUNGO PENICILLIUM, AGIA SECRETANDO UMA SUBSTÂNCIA QUE DESTRUÍA A BACTÉRIA. AINDA QUE POR ACASO, ESTAVA CRIADO O PRIMEIRO ANTIBIÓTICO DA HISTÓRIA DA HUMANIDADE – A PENICILINA – QUE É PARA TANTOS CIENTISTAS UMA DAS MAIS VITAIS DESCOBERTAS DA HISTÓRIA HUMANA. PARA ELES, A MEDICINA SÓ SE TORNOU CIÊNCIA VERDADEIRA A PARTIR DOS ANTIBIÓTICOS. ANTES DELES, ERA UM BOM EXERCÍCIO PARA O DIAGNÓSTICO DAS ENFERMIDADES INFECCIOSAS. QUANTO AO TRATAMENTO E À CURA, SÓ A INTERPRETAÇÃO RELIGIOSA PODIA COMPREENDER OU AJUDAR. COM A DESCOBERTA DE ALEXANDER FLEMING, ABRIAM-SE AS PORTAS DE UM NOVO MUNDO, COM O SURGIMENTO DE UMA GRANDE INDÚSTRIA QUE PASSOU A SE DEDICAR À PRODUÇÃO DE PENICILINA E OUTROS ANTIBIÓTICOS RESPONSÁVEIS PELA POSSIBILIDADE DE VIDA COM QUALIDADE PARA PESSOAS QUE SOFRIAM DE TUBERCULOSE, PNEUMONIA, MENINGITE, SÍFILIS, ENTRE OUTRAS INFECÇÕES. - (NOSSA CAPA..., 2009) UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 20 doenças fúngicas. Por exemplo, penicilinas e aminoglicosídeos inibem o crescimento de muitas bactérias, mas não afetam o crescimento dos fungos. Essa diferença é explicada pela presença de algumas estruturas nas bactérias e que estão ausentes nos fungos. Para um conhecimento mais aprofundado dos fármacos antifúngicos, eles serão explanados nos tópicos a seguir. 3.2.1 POLIÊNICOS (ANFOTERICINA B, NISTATINA) Os antibióticos poliênicos, os polienos, são compostos por uma grande família de drogas produ- zidas por espécies de Streptomyces e, entre eles, os mais conhecidos e utilizados na terapêutica de doenças humanas são a anfotericina B e a nistatina. Tais moléculas se ligam ao ergosterol, induzin- do a formação de poros na membrana, tendo como consequência o aumento da permeabilidade e o extravasamento de íons, principalmente potássio, levando eventualmente à morte celular. O isolamento da anfotericina B ocorreu em meados da década de 1950 e, apesar de sua elevada toxicidade, sua potência, espectro de ação e os 50 anos de experiência clínica têm assegurado que esse antifúngico permaneça como o principal fármaco de escolha no tratamento da maioria das micoses sistêmicas. A anfotericina B é associada a efeitos adversos significativos, como nefrotoxi- cidade e quadros febris. A nistatina é frequentemente utilizada no tratamento de infecções fúngicas da pele ou membra- nas mucosas, na forma de cremes, pomadas e pastas. Desde que foi comprovada sua compatibilida- de nesse tipo de aplicação, essa substância tem sido usada no tratamento de candidíase em crianças. Existem também relatos do uso tópico da nistatina em tratamentos de dermatofitoses da pele. 3.2.2 NÃO POLIÊNICOS (GRISEOFULVINA) Em 1958, a griseofulvina tornou-se o primeiro agente antifúngico oral disponível comercial- mente para o tratamento de micoses superficiais. Essa droga foi isolada como um produto do fungo Penicillium griseofulvum, em 1939. A griseofulvina inibe a síntese dos ácidos nucleicos e a mitose, paralisando a divisão celular na metáfase. Também pode interferir nas funções dos mi- crotúbulos, causar mudanças morfogenéticas nas células dos fungos e antagonizar a síntese da quitina na parede celular dos fungos. A griseofulvina é uma droga fungistática e geralmente efetiva em peles, pelos e unhas infeccionadas por dermatófitos dos gêneros Trichophyton, Microsporum e Epidermophyton. Sabe-se também que essa droga é pouco absorvida no trato gastrointestinal e não há informa- ção sobre os mecanismos de transporte até as unhas e os cabelos. Além de ser uma droga fungis- tática, a griseofulvina possui atividade anti-inflamatória e algumas propriedades vasodilatadoras, cujo efeito foi observado após a administração de altas doses. 3.2.3 ALILAMINAS Os antibióticos derivados de alilaminas, terbinafina e naftifina representam uma classe de agen- tes antifúngicos com grande espectro de atividade, incluindo dermatófitos, leveduras, bolores e fungos dimórficos (Histoplasma e Blastomyces). A terbinafina é empregada tanto tópica quanto oralmente no tratamento de infecções de pele, unhas e cabelos, causadas por fungos. Compara- UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 21 da com outrosfungicidas, essa droga, cuja atividade é mais fungicida que fungistática, pode ser utilizada em concentrações menores, por tempo reduzido e, supostamente, com mínimos efeitos colaterais. Por isso, a terbinafina é ainda considerada um antimicótico de primeira linha para o tratamento de onicomicoses. O modo de ação da terbinafina é semelhante ao dos agentes antifún- gicos tiocarbamatos (como tolnaftato), que bloqueiam a síntese do ergosterol inibindo a esquale- no epoxidase. Além da falta do ergosterol, o acúmulo do esqualeno pode ser um dos fatores que levam à morte celular. 3.2.4 DERIVADOS AZÓLICOS Os azóis (cetoconazol, miconazol, fluconazol, voriconazol, isoconazol, econazol, tioconazol, clo- trimazol, posaconazol, ravuconazol e outros) são compostos totalmente sintéticos. O mecanismo de ação baseia-se na inibição da esterol-14-alfa-desmetilase, um sistema enzimático microssomal dependente do citocromo P450, prejudicando a síntese do ergosterol na membrana citoplasmá- tica e levando ao acúmulo de 14-alfa-metilesterois. Esses metilesteróis não possuem a mesma forma e propriedades físicas que o ergosterol e levam à formação da membrana com propriedades alteradas, que não desempenha as funções básicas necessárias ao desenvolvimento do fungo. Os azóis causam menos reações adversas que a anfotericina B, mas são menos potentes. Podem ter ação fungistática ou fungicida. O uso excessivo dos azóis leva ao aparecimento de resistência em espécies suscetíveis. Os primeiros azólicos foram o miconazol e o cetoconazol, denominados imidazólicos. O ce- toconazol ainda está no mercado, mas é uma droga com certa toxicidade, podendo interferir na esteroidogênese humana e, raramente, causar hepatite fulminante. Seu uso atual restringe-se ao tratamento tópico de infecções gineco e dermatológicas, como candidíases e dermatofitoses. Na década de 1980, surgiram novos derivados azólicos, os triazólicos de primeira geração. Os novos compostos resultam de modificações moleculares de fluconazol e itraconazol. Voriconazol é o pri- meiro triazólico de segunda geração, deriva do fluconazol e inicialmente recebeu aprovação pelo Food and Drug Administration (FDA) para tratamento de aspergilose e outras infecções invasivas por fungos filamentosos emergentes pertencentes aos gêneros Fusarium e Scedosporium. Entre as três novas drogas azólicas, no presente, o voriconazol foi aprovado, para uso clínico, pelo FDA, nos Estados Unidos, e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), no Brasil, e o posaconazol, na apresentação de suspensão oral, foi aprovado pelo FDA para uso profilático de infecções fúngicas, incluindo aspergilose invasiva, em pacientes imunossuprimidos. A anidulafun- gina e o posaconazol encontram-se em análise pela Anvisa para sua aprovação no Brasil. 3.2.5 CICLOPIROX (CICLOPIROXOLAMINA) Apresentado nas formas farmacêuticas creme, solução e xampu, é indicado para o tratamen- to das tinhas de corpo, pés, candidíase e pitiríase versicolor. O mecanismo de ação da ciclopiro- xolamina consiste na inibição do transporte de substâncias essenciais, como aminoácidos, para o interior das células fúngicas. A ciclopiroxolamina interfere na biossíntese de proteínas, RNA e DNA desses microrganismos. UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 22 3.2.6 CANDINAS Equinocandinas (caspofungina e micafungina) são drogas que inibem a síntese da beta-(1,3)-D glucana, que é um componente da parede celular de muitos fungos filamentosos e de leveduras. São drogas que agem seletivamente na parede celular e não na membrana celular do fungo. As- sim, não ocorrem os efeitos na membrana celular do hospedeiro, tornando melhor a tolerância. A caspofungina é a única equinocandina aprovada nos Estados Unidos, sendo indicada no tra- tamento de candidíase. Resultados de estudos de caspofungina na candidíase invasiva e na candi- demia sugerem equivalente eficácia da anfotericina B, mas com efeitos tóxicos substancialmente menores. A caspofungina só está disponível por via endovenosa. 3.2.7 NUCLEOSÍDEOS PIRIMIDÍNICOS Outro agente antifúngico sistêmico utilizado é o pró-fármaco flucitosina, um análogo da pirimi- dina citosina. Todos os fungos sensíveis são capazes de desaminar a flucitosina em 5-fluorouracila, um potente antimetabólito; como resultado final, a síntese do DNA e RNAm desses fica prejudica- da. Embora as células dos mamíferos não convertam a flucitosina em fluorouracila, etapa essencial para a ação seletiva do composto, alguns microrganismos da flora intestinal o fazem, causando certa toxicidade aos humanos. A flucitosina tem espectro de ação restrito, com atividade clinica- mente útil somente contra Cryptococcus neoformans e os agentes da cromomicose. A resistência medicamentosa que surge durante a terapia é causa importante de fracasso terapêutico. QUADRO 1 - MECANISMOS DE AÇÃO DOS PRINCIPAIS FÁRMACOS ANTIFÚNGICOS. USO NOME DO FÁRMACO MECANISMO DE AÇÃO IMPORTANTES EFEITOS COLATERAIS Uso sistêmico (intraveno- so, oral) Anfotericina B Ligação ao ergosterol e ruptura da membrana celular dos fungos. Toxicidade renal, febre e calafrios; monitoramento da função renal; uso em dose-teste; preparações lipossomais reduzem a toxicidade. Azóis, como fluco- nazol, cetoconazol, itraconazol, voricona- zol, posaconazol Inibição da síntese do ergosterol. Cetoconazol inibe o citocromo P450 humano; a diminuição da síntese de esteroides pelas gôna- das resulta em ginecomastia. Equinocandinas, como caspofungina, micafungina Inibição da síntese de D-glicano, um com- ponente da parede celular dos fungos. Bem tolerado. Flucitosina (FC) Inibição da síntese de DNA; FC é convertida em fluoruracil, que ini- be a timidina sintase. Toxicidade para a medula óssea. Griseofulvina Ruptura do fuso mitótico por meio da ligação à tubulina. Toxicidade para o fígado. UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA U N ID A D E 0 1 23 USO NOME DO FÁRMACO MECANISMO DE AÇÃO IMPORTANTES EFEITOS COLATERAIS Uso tópico (apenas na pele); muito tóxi- co para uso sistêmico Azóis, como clotri- mazol, miconazol Inibição da síntese do ergosterol. Bem tolerado na pele. Terbinafina Inibição da síntese do ergosterol. Bem tolerado na pele. Tolnaftato Inibição da síntese do ergosterol. Bem tolerado na pele. Nistatina Ligação ao ergosterol e ruptura da membrana celular dos fungos. Bem tolerado na pele. Fonte: Adaptado de LEVINSON (2016). A ocorrência de resistência clinicamente significativa a antifúngicos é incomum. A resistência aos fármacos azólicos é rara, mas está aumentando. Reflita sobre esse assunto e sobre quais são as possíveis razões para isso. REFLITA CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao fim desta Unidade, você se tornou capaz de cumprir com os Objetivos de Aprendizagem propostos. Assim, conheceu as características básicas e comuns dos fungos, podendo descrever os processos citológicos e bioquímicos fúngicos, compreender o funcionamento e as estruturas fúngicas, reconhecer e comparar as estruturas reprodutivas, além de correlacionar os fármacos antifúngicos aos seus respectivos mecanismos de ação. ANOTAÇÕES UNIDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM VÍDEOS DA UNIDADE https://bit.ly/39QsZka https://bit.ly/3kYWaYR https://bit.ly/3me6Imb 02 MICOLOGIA CLÍNICA: PRINCÍPIOS LABORATORIAIS » Conhecer os processos de coleta e as diversas amostras para pesquisa de fungos; » Compreender a importância da coleta adequada de cada material para pesquisa fúngica. U N ID A D E 0 2 25 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA INTRODUÇÃO Um laboratório de micologia necessita de uma relação muito próxima entre o médico e os la- boratórios de referência. A estrutura precisa estar adequada quanto ao espaço físico, controle de qualidade e técnicas de diagnóstico para a execução de forma segura e precisa do diagnóstico de- finitivo da micose. No exame micológico, o fungo deve ser caracterizado como patógenoprimário, oportunista ou contaminante, para posteriormente ser liberado o laudo definitivo. O diagnóstico micológico passa por várias etapas até a liberação. A amostra inicialmente é acompanhada em fase pré-analítica, quando se processa a indicação de coleta, armazenamento e transporte até o laboratório. Segue à fase analítica, que corresponde a todo o processo de iden- tificação do microrganismo, isto é, a visualização do fungo diretamente do material biológico no microscópio óptico e, posteriormente, isolado em cultivo e identificado. Para tanto, é necessário obter um espécime apropriado. Essa fase inclui o laudo final do exame. Para fins de obtenção de dados epidemiológicos de determinada doença, é necessária uma fase pós-analítica, na qual estu- dos de pesquisa são incluídos para obter resultados com mais informações e que não são necessá- rios para o diagnóstico clínico. 1. COLETA DE AMOSTRAS MICOLÓGICAS A coleta é a primeira fase do diagnóstico micológico, por isso, é essencial que o procedimento seja realizado de forma adequada, a fim de evitar resultados falsos positivos ou negativos. É con- veniente que a coleta seja feita no próprio laboratório. Caso contrário, alguns critérios devem ser observados para que a amostras coletada seja adequada e suficiente para a realização dos exames solicitados. Sendo assim, no procedimento de coleta externa ao laboratório, deve-se: » Enviar o material biológico para o laboratório o mais rapidamente possível após a coleta. A amostra deve estar identificada e conservada em recipiente estéril e fechado; se possível, evitar swabs. » Para coleta de sangue ou medula óssea, o tubo deverá conter anticoagulante. Um diagnóstico micológico errôneo pode ser consequência de material coletado de forma ina- dequada e informações incorretas. É importante que acompanhe, juntamente com o material, dados do paciente que favoreçam o diagnóstico micológico, como: » Identificação e dados pessoais: idade, sexo, grupo étnico, profissão e outros; » Naturalidade, cidade onde reside e residiu; para pacientes de áreas endêmicas, identificar locais para onde viajou; » Resumo da história clínica, tempo de evolução da doença, localização e aspectos clínicos da lesão, entre outros; U N ID A D E 0 2 26 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA » Atividade profissional ou lazer, possível contato com animais, como gatos ou cães (dermato- fitose), galinhas (histoplasmose), pombos (criptococose), entre outros; » Uso de antifúngicos nos últimos trinta dias. O laboratório de micologia não requer técnicas complicadas nem utiliza diversos materiais para a coleta em geral. São necessários lâminas de vidro, cureta, bisturi sem fio e ponta arredondada, pinça, alça bacteriológica, tesoura e outros. Poucas coletas eventualmente podem necessitar de algo a mais. O material, quando coletado inadequadamente, pode fornecer resultados falso-negativos. Devem ser tomados cuidados também com o ambiente em que a coleta será realizada, por exemplo: o local deve estar fechado, tanto portas quanto janelas. Posteriormente, na manipulação do material coletado para o exame micológico, deve ser processado junto da chama do bico de Bunsen, para evitar contaminação. A área que circunda o sítio infectado está normalmente contaminada com flora saprófita, às vezes de crescimento rápido, o que compromete o isolamento de espécimes patógenas de cresci- mento mais lento. Para isso é necessária boa assepsia no local antes da coleta. Em lesões descama- tivas ou vesículas fechadas, deve-se utilizar éter sulfúrico ou álcool etílico 70%, e, se forem abertas, limpar com solução fisiológica ou água destilada estéril. 1.1 PROCEDIMENTOS DE COLETA No dia da coleta, o paciente pode e deve fazer a higiene corporal normalmente. Não é permi- tido o uso de cremes, loções, pomada ou outras substâncias gordurosas, pois, além de possuírem artefatos, dificultam a detecção de estruturas fúngicas, impedindo o isolamento dos fungos. 1.1.1 LESÕES CUTÂNEAS Após a assepsia, deve-se realizar um raspado das bordas ativas da lesão, na direção da pele sadia. Conservar o material coletado em recipientes estéreis até o processamento. Se na lesão houver vesícula, retirar com tesoura a parte superior. Após a coleta, remeter o material ao labora- tório para seu processamento. As lesões inguinais, inguinocrurais ou axilares, como são regiões de dobras, geralmente encon- tram-se úmidas, fazendo-se necessária a assepsia com álcool a 70%. Deixar a região secar e tentar raspar a pele. Coletar também em solução salina estéril e preparar duas lâminas com fita adesiva transparente, tentando obter pelos (raros) presos na fita. Na lesão anal e perianal, além de coletar a amostra na solução salina estéril, preparar duas lâminas com fita adesiva transparente. 1.1.2 PELOS Em lesões do couro cabeludo, barba ou outros locais, arrancar o pelo com pinça e raspar as escamas com lâmina de microscopia, cureta ou bisturi sem fio estéril. Em caso de piedras, cortar os pelos que contenham os nódulos. U N ID A D E 0 2 27 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA O uso da luz ultravioleta (lâmpada de Wood) é útil na coleta de lesões micóticas que apresen- tem fluorescência. Deve-se acondicionar e conservar o material em recipiente estéril até o processamento. 1.1.3 UNHAS Deve-se cortar a unha, sem esmalte, e remover todo o excesso de material da parte espessada da unha. Raspar a pele no limite entre a unha lesada e a sadia. Quando a micose se manifesta na superfície da lâmina ungueal (leuconíquia ou onicomicose su- perficial branca), raspar com uma cureta ou lima até atingir a matriz ungueal e ali retirar o material, no limite entre o tecido sadio e o doente, ou perfurar com bisturi abrindo uma “janela” na unha. Em micoses de unhas acompanhadas de inflamação em volta da região periungueal, deve-se coletar o raspado e também o pus, quando houver. Acondicionar e conservar o material em recipiente estéril até o processamento. Dados na literatura descrevem que materiais obtidos de raspagem da pele, de unhas e os pelos podem manter-se viáveis até 12 meses, quando mantidos sob temperatura ambiente e com que- ratina suficiente para sua sobrevivência. 1.1.4 PUS Coletar o pus por aspiração, com swab ou com alça bacteriológica. Quando coletado com a alça bacteriológica, deve ser semeado em meio de cultura ágar Sabouraud dextrose ou outros, no momento da coleta. 1.1.5 ESCARRO É coletado por expectoração, de preferência o primeiro da manhã, após prévia limpeza da boca com bochechos de água e em jejum. Quando escasso ou ausente, pode-se induzi-lo com nebuliza- ção utilizando solução de NaCl 10%. Aspirados traqueobrônquicos, biópsias transbronquiais, lavado brônquico ou lavado bronco- alveolar são bons espécimes clínicos para o diagnóstico de micoses, quando coletados de forma adequada e por médico. Em pacientes traqueostomizados, a aspiração favorece a contaminação do material pela flora contaminante da pele, podendo dificultar o diagnóstico micológico. Acondicionar e conservar em frasco estéril. Esse tipo de amostra deve ser processado em até duas horas após a coleta. 1.1.6 SANGUE OU MEDULA ÓSSEA O sangue deve ser coletado por punção venosa e colocado diretamente em meio de cultu- ra contendo anticoagulante, seguindo as instruções do fabricante, quando a amostra for proces- sada em sistemas automatizados. Quando o procedimento for por metodologia convencional, o anticoagulante mais utilizado no meio de cultura é o polianetol sulfonato de sódio (SPS). U N ID A D E 0 2 28 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA A coleta de medula óssea é feita por punção e sempre por um profissional médico. O volume da amostra depende da necessidade da investigação. A quantidade de 1 mL é suficiente para os procedimentos de diagnósticos microbiológico e hematológico. A amostra deve ser colocada di- retamente em meio de cultura,contendo anticoagulante, seguindo as mesmas orientações de acondicionamento e conservação do sangue. 1.1.7 URINA O método de escolha, para evitar contaminação da flora normal, é a punção suprapúbica ou urina coletada por sonda vesical introduzida no momento da coleta, a fim de se obter um volume de 3 a 5 mL. Para evitar desconforto do paciente, pode ser feita a coleta por micção normal, com prévia assepsia. Na mulher, a genitália externa deve ser lavada com água e sabão neutro e, no homem, a lavagem do meato urinário. Em ambos, desprezar o primeiro jato de urina e o restante, cerca de 20 a 30 mL do jato médio, recolher em frasco estéril. Excepcionalmente em crianças ou em pacientes nos quais não for possível a coleta pelos mé- todos descritos, pode ser usado o saco plástico coletor ou a sonda vesical já implantada. Fazer a assepsia prévia da genitália masculina ou feminina antes de colocar o coletor. Quando coletada, a urina deve ser processada o mais rapidamente possível, em até duas horas. 1.1.8 LÍQUIDOS ORGÂNICOS ESTÉREIS (LÍQUOR, LÍQUIDOS PLEURAL, PERICÁRDICO, PERITONEAL E SINOVIAL) Devem ser coletados assepticamente por punção e conservados em frasco estéril. O procedi- mento de coleta será sempre realizado por profissional médico. 1.1.9 TRATO GENITAL Em secreção vaginal ou endocervical, deve-se introduzir o espéculo para visualizar o fundo de saco vaginal e o endocérvice. A coleta da secreção vaginal ou endocervical poderá ser realizada com swab acompanhado do meio de transporte. Para a coleta de secreção uretral, masculina ou feminina, deve-se introduzir o swab no canal uretral, em movimentos de rotação para retirar o máximo de secreção e, posteriormente, devol- vê-lo ao meio de transporte. 1.1.10 CONJUNTIVA E CÓRNEA A coleta deve ser feita por raspagem ou debridamento das partes, quando houver tecido necro- sado. Todo esse procedimento deve ser realizado preferencialmente por oftalmologista, e o mate- rial deve ser conservado em frasco estéril. O procedimento da amostra deve ser realizado o mais rapidamente possível para evitar dessecação e perda. Se não houver a possibilidade de manuseio imediato, conservá-la em frasco estéril contendo salina e refrigerada por até 24 horas. U N ID A D E 0 2 29 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA 1.1.11 BIÓPSIA Esse procedimento de coleta é realizado somente por profissional médico. Na coleta, devem ser retirados fragmentos de tecido em dois locais da lesão, no centro e na periferia. Conservá-los em frasco estéril contendo salina, na temperatura ambiente, por até 24 horas, e, se não for possível, processar as amostras imediatamente. 1.1.12 GÂNGLIOS OU ABSCESSOS A coleta é realizada por punção, aspirando o material em seringa. Conservar o material na pró- pria seringa até o procedimento. Em caso de abscessos abertos com pouca quantidade de secre- ção, pode-se coletar o material por swab contendo meio de transporte. 1.1.13 FEZES As fezes são coletadas em frasco estéril ou por swab anal. Processar a amostra o mais rapida- mente possível, em até duas horas, ou excepcionalmente em meio de transporte para manter estável a microbiota contaminante. 1.1.14 OUVIDO As infecções fúngicas de ouvido são geralmente secas, exceto quanto associadas a infecções bacterianas. A raspagem do material é sempre melhor para o diagnóstico laboratorial, embora o swab também possa ser usado. 1.1.15 OUTROS MATERIAIS São coletados como de rotina para os procedimentos em bacteriologia. 1.2 AVALIAÇÃO DO MATERIAL RECEBIDO Certos materiais que chegam ao laboratório de micologia para serem processados são inade- quados para o exame micológico. O profissional deve conhecer as características de um bom ma- terial pela observação das características macro e microscópicas. Quanto aos aspectos macroscópicos, devem ser observados aparência, consistência e odor. No escarro, por exemplo, a amostra deve apresentar consistência mucoide e ser descartada quando aquosa e com saliva. Na microscopia, busca-se a presença de elementos fúngicos na amostra jun- tamente com as estruturas citológicas relativas ao sítio em questão. Em amostras de escarro, deve haver a presença de leucócitos polimorfonucleares, macrófagos alveolares e células do epitélio cilíndrico e poucas células epiteliais de revestimento da cavidade oral. Determinadas amostras não podem ser aceitas para realizar o exame micológico, como amos- tras coletadas em swab sem meio de transporte por mais de duas horas. Também amostras de sangue ou medula óssea coaguladas, cabelos e unhas quando cortadas ao acaso ou, ainda, escarro coletado há mais de duas horas. U N ID A D E 0 2 30 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA 2. PROCESSAMENTO DE AMOSTRAS MICO- LÓGICAS 2.1 DIAGNÓSTICO CONVENCIONAL A rotina em um laboratório de micologia ainda é simples e de baixo custo, mas necessita de pro- fissional habilitado para o diagnóstico adequado do fungo e com capacidade para utilizar técnicas laboratoriais de maneira apropriada. O bom diagnóstico micológico inicia com a coleta de material de forma adequada e segue com várias alternativas, conforme a necessidade do diagnóstico do agente envolvido no processo infeccioso, como: » Exame direto; » Cultura; » Cultura em lâmina; » Testes bioquímicos e biológicos; » Sorologia; » Lâmpada de Wood; » Hemocultura; » Exame anatomopatológico; » Intradermorreação. 2.1.1 EXAME DIRETO O exame direto é o primeiro contato com o material clínico de forma microscópica. Indica, na maioria das vezes, se o material examinado contém ou não estruturas fúngicas. Em muitos casos, o diagnóstico já pode ser obtido pelo exame direto, como nos casos de Malassezia sp., em escamas, Cryptococcus sp., no líquor, e Paracoccidioides brasiliensis, no escarro. São vários os procedimentos disponíveis para realizar a pesquisa direta, e são usadas soluções para o exame a fresco, como o KOH 10-40%, lactofenol azul, tinta da China ou nanquim e calco- fluor white. Essa é uma solução fluorescente que necessita de microscópio de fluorescência com excitação ultravioleta, violeta ou azul brilhante usando objetiva 10 ou 25 vezes, epiluminação para observação da lâmina, cujo resultado é visto como células de levedura, pseudo-hifa e hifa em cor verde-maçã fluorescente e as células epiteliais e outros artefatos de fundo em laranja. Em prepa- rações, a lâmina pode ser corada por gram, giemsa, gomori methenamine silver (GMS) ou prata, ácido periódico de Shiff (PAS), mucicarmin, alcion-blue, Ziehl-Neelsen, hematoxilinaeosina (HE) e outros. Os métodos mais amplamente utilizados são preparações a fresco com KOH 10-40% ou KOH 20% acrescido de tinta Parker na proporção 4:1. U N ID A D E 0 2 31 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA O exame direto corresponde a preparados imediatos utilizados no diagnóstico clínico, portanto, deve ser sempre realizado por profissional qualificado. A escolha do procedimento técnico depen- de do espécime a ser manipulado. O manejo correto do material para o procedimento de busca da presença do agente fúngico, microscopicamente, segue alguns critérios para cada tipo de amostra. 2.1.2 CULTURA Após o exame microscópico direto, a cultura é necessária para o isolamento e a identificação do fungo. Em micologia, existem diversos meios de cultura e poucos são necessários para o cresci- mento e o isolamento dos fungos. Um meio básico usado é o ágar Sabouraud dextrose (ASD), que permite o crescimento de qualquer fungo oportunista ou patógeno primário, podendo também ser utilizado para análise de presença de fungos no ar com acréscimo de Lactofenol azul como indicador e incubado a temperatura ambiente. Um meio seletivo com ASD acrescido de cloranfe- nicol e cicloeximida inibe o crescimento bacteriano, fungos oportunistas e leveduras. Desse modo, cada material biológico apresenta suas peculiaridades quanto ao crescimento primário, cabendo ao micologistaa escolha do meio de cultura mais adequado para o isolamento dos fungos sem a perda do diagnóstico correto para cada processo infeccioso. O meio de cultura pode ser preparado tanto em placa quanto em tubo. A semeadura é feita usando a alça bacteriológica ou alça de Drigalski, inoculando-se o material sobre o meio de cultura em pontos equidistantes. Se houver suspeita de Candida sp., podem ser usados meios de cultura cromogênicos para identificação das principais espécies patogênicas do gênero, a fim de facilitar a visualização de colônias mistas. O material, quando coletado por swab, é depositado em uma extremidade da placa ou do tubo e semeado por esgotamento com a alça bacteriológica em toda a extensão do meio de cultura. Em materiais líquidos, após centrifugação, o sedimento é depositado em uma extremidade da placa ou do tubo e semeado por esgotamento com a alça bacteriológica. Para a urina, segue-se a mesma rotina da urocultura bacteriana; a amostra é semeada com alça calibrada 0,001 mL e o crescimento também é interpretado como na urocultura bacteriana. Nos casos suspeitos de micoses por zigomicetos, os fragmentos de material biológico podem ser cobertos por pequenos fragmentos de pão úmido. Em espécime clínico contaminado, como escarro, adiciona-se 0,2 mL de cloranfenicol para cada 1 mL do material, para diminuir a flora con- taminante, antes da semeadura. Atualmente, como rotina, o material é semeado em ASD e ASD suplementado com cloranfeni- col e cicloeximida, incubado entre 25 e 30°C ou, quando necessário, entre 35 e 37°C, para pesquisa de fungos dimórficos, atmosfera convencional e tempo variando conforme o fungo – de 24 a 72 horas para leveduras e até 30 dias para fungos filamentosos e dimórficos. Recomenda-se usar mais de um tubo ou placa de meio de cultura. O ágar infuso cérebro-coração (BHI) é recomendado para obtenção da fase leveduforme dos fungos dimórficos. O ágar sangue e o ágar chocolate também podem ser usados na micologia para se obter a fase leveduriforme de fungos dimórficos na temperatura entre 35 e 37°C, sendo estes preparados a partir do próprio meio de ágar Sabouraud. U N ID A D E 0 2 32 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA Para a identificação dos fungos, é realizada a observação macro e microscópica das colônias. O diagnóstico microscópico é processado retirando uma pequena porção da colônia, que é observada entre lâmina e lamínula, com uma gota de KOH 10-40% e objetiva de 10 ou 40 vezes. Em alguns casos, deve-se utilizar provas adicionais, como o uso de meio de cultura pobre em nutrientes para acelerar o desenvolvimento do aparelho reprodutor dos fungos, por exemplo, o ágar lactrimel e o ágar corn meal. Outras provas: a do tubo germinativo para Candida albicans; o teste da urease e perfuração do pelo para diferenciação das espécies Trichophyton mentagrophy- tes do T. rubrum; e a cultura em lâmina para observação da colônia íntegra com seus órgãos de frutificação. O isolamento de fungos oportunistas em sítios estéreis, como sangue, líquor, líquido sinovial e outros, é representativo de infecção. Porém, em materiais normalmente contaminados, a inter- pretação deve estar associada à clínica do paciente. 2.1.3 CULTURA EM LÂMINA A cultura em lâmina é necessária quando o exame direto e/ou a cultura não forem suficientes para o diagnóstico definitivo do fungo em questão. Essa técnica permite a observação das estrutu- ras fúngicas vegetativas e de esporulação em sua integridade (Figura 1). O método de Riddel ou o modificado por Harris podem ser usados. FIGURA 1 - CULTURA EM LÂMINA OU MICROCULTIVO Fonte: Universidad de Murcia/Departamento de Sanidad Animal. 2.1.4 TESTES BIOQUÍMICOS E BIOLÓGICOS Os testes bioquímicos ou biológicos também são úteis para o diagnóstico micológico quando o fungo não é identificado por exame direto e/ou cultura. U N ID A D E 0 2 33 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA 2.1.4.1 PROVAS BIOQUÍMICAS » Auxonograma e zimograma Para o diagnóstico diferencial das diversas leveduras, as provas de assimilação de carbono e nitro- gênio (auxanograma) ou de fermentação dos açúcares (zimograma) são usadas na rotina micológica. » Prova da urease Alguns fungos têm a capacidade de hidrolisar a ureia, tornando o meio alcalino. Quando no meio de cultura houver um indicador de pH, este muda de cor. A técnica consiste em repicar uma porção da colônia para o ágar Christensen ureia. Incubar entre 25 e 30°C, por até cinco dias. A atividade ureásica produz alteração alcalina do pH do meio, modificando a cor original do amarelo para róseo quando o indicador de pH for o vermelho de bromofenol. O Trichophyton mentagrophytes apresenta essa característica, e o T. rubrum, não. Os gêneros Cryptococcus, Rhodotorula e Trichosporon são positivos, e Candida e Geotrichum são negativos. » Provas biológicas Também são provas auxiliares no diagnóstico micológico, tanto para fungos filamentosos quan- to para leveduras. » Tubo germinativo Serve para o diagnóstico de algumas espécies de Candida. Uma suspensão da colônia de Candi- da sp. é preparada em 0,5 a 1 mL de soro humano ou fetal bovino. C. albicans, C. stellatoidea e C. dubliniensis têm a capacidade de formar o tubo germinativo, e as outras espécies, não (Figura 2). FIGURA 2 - TUBO GERMINATIVO Fonte: MEZZARI (2012). U N ID A D E 0 2 34 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA » Teste de perfuração do pelo in vitro Diferencia o Trichophyton mentagrophytes, que é positivo, do T. rubrum, negativo. Pelos estéreis são colocados em caldo ou ágar Sabouraud juntamente com o inóculo. O pelo é retirado do meio de cultura e examinado no microscópio óptico, para verificar a capacidade do fungo de perfurar ou não o pelo em busca da queratina para sua nutrição. O T. mentagrophytes perfura o pelo, e o T. rubrum, não. » Pigmentação Alguns fungos, como os dermatófitos, têm a capacidade de pigmentar o meio de cultura ao uti- lizarem determinados nutrientes presentes em sua composição. O Trichophyton rubrum pigmenta de vermelho o meio ágar batata, e o T. mentagrophytes, não. Na prova do tubo germinativo, resultados falso-negativos podem ser obtidos em pacientes com neoplasia em tratamento de quimioterapia ou em pacientes em tratamento antifúngico, quando se utiliza uma alíquota muito grande do isolado ou quando o soro utilizado na prova tiver sido sub- metido a refrigeração por tempo prolongado. Resultados falso-positivos podem ocorrer quando o tempo de incubação for superior a 3 horas, visto que outras espécies de Candida e de outros gêneros podem formar tubo germinativo nesse período. SAIBA MAIS Para saber mais sobre o ágar cromogênico, acesse os links referentes a duas empresas que desenvolvem o produto para a diferenciação das espécies de Candida sp. BD Sabouraud GC Agar / CHROMagar Candida Medium (Biplate). Disponível em: https://goo.gl/eYHEGi. Acesso em: jul. 2021. Mbiolog – Agar Cromogênico. Disponível em: https://goo.gl/J4GRSn. Acesso em: jul. 2021. LEITURA 2.1.5 SOROLOGIA A evidência de infecção fúngica é feita pela demonstração do fungo pelo exame direto ou cultu- ra do material biológico. No entanto, indiretamente, pode-se observar, pelo estado hipersensível, aumento do título de anticorpo específico ou antígenos circulantes. Os dados sorológicos, porém, devem ser criteriosamente interpretados, pois os resultados positivos nem sempre confirmam a infecção e negativos não a excluem. Os testes sorológicos auxiliam no diagnóstico, bem como são importantes no monitoramento do paciente. A quantificação de anticorpos durante e após a terapia antifúngica proporciona dados para avaliação do tratamento e prognóstico dos casos. U N ID A D E 0 2 35 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA O soro de pacientes infectados com agentes fúngicos pode conter anticorpos específicos. Sen- do assim, o laboratório tem condições de realizartestes imunológicos para detectá-los, como o teste de imunodifusão radial, aglutinação de partículas de látex, fixação de complemento, imuno- fluorescência indireta, enzimaimunoensaio e imunoeletroforese. 2.1.6 LÂMPADA DE WOOD É um auxiliar no diagnóstico e controle de tratamento de micoses, como nas tinhas do couro cabeludo, pitiríase versicolor e eritrasma. Os pelos, quando atacados por dermatófitos, emitem fluorescência de cores variadas. A pele que contém o fungo Malassezia sp. como agente de pitiríase versicolor emite fluorescência pra- teada (Figura 3). FIGURA 3 - USO DA LÂMPADA DE WOOD PARA DIAGNÓSTICO DE MICOSES Fonte: Veasey (2018)/ResearchGate. 2.1.7 HEMOCULTURA A presença de qualquer fungo na corrente circulatória pode ser detectada pela cultura do san- gue. Usam-se tanto técnicas convencionais quanto automatizadas na hemocultura. 2.1.8 ANATOMOPATOLOGIA Em cortes histológicos corados, pode ser observada a presença de elementos fúngicos no tecido em casos de micoses subcutânea e sistêmica, possibilitando muitas vezes o diagnóstico micológico. 2.1.9 INTRADERMORREAÇÃO As provas cutâneas também têm sido usadas para auxiliar no diagnóstico, no tratamento e na pesquisa epidemiológica das micoses sistêmicas ou avaliar a hipersensibilidade por fungos de U N ID A D E 0 2 36 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA indivíduos com asma ou rinite. No paciente hipersensível, o contato da pele com extratos mice- lianos ou célula intacta dos agentes fúngicos e micoses sistêmicas, como a blastomicina, histo- plasmina, coccidioidina e esferulina, ou de outros fungos do ambiente, induzem resposta local caracterizada por vermelhidão, inflamação e enduração em 24 a 48 horas. O significado dessa reação positiva é que o paciente teve contato com o fungo no decorrer de sua vida. Entretanto, pode ocorrer reação cruzada entre antígenos, devendo-se, portanto, avaliar previamente o valor diagnóstico do teste cutâneo. O teste cutâneo é realizado injetando-se 0,1 mL de antígeno, subcutâneo, no antebraço. Após 48 horas, o aparecimento de pápula eritematosa igual ou superior a 5 mm significa resultado posi- tivo. O resultado pode indicar infecção ativa, passada ou apenas sensibilização ao antígeno. É útil em levantamento epidemiológico nas regiões endêmicas e como valor prognóstico duran- te o tratamento de algumas micoses. 2.2 DIAGNÓSTICO POR BIOLOGIA MOLECULAR Com o aumento da incidência das infecções fúngicas e decorrente mortalidade nas duas últimas décadas do século XX, a necessidade de um diagnóstico mais preciso e exato se tornou extremamente necessário. As micoses vêm se manifestando de forma distinta no homem, não somente por causa da virulência do agente etiológico, mas também pela suscetibilidade ge- nética e resposta imune do próprio hospedeiro. Dessa forma, algumas manifestações clínicas podem fugir do usual e, quando conjuntamente o antígeno encontrar-se escasso no material biológico, o emprego de métodos fenotípicos clássicos pode retardar o diagnóstico etiológico final. Assim, por causa dos inconsistentes resultados de identificação que as tradicionais téc- nicas apresentam, o uso da biologia molecular na taxonomia e na tipagem desses microrganis- mos apresenta o esperado desempenho com as necessidades diagnósticas atuais requeridas na micologia clínica. 3. IDENTIFICAÇÃO FÚNGICA 3.1 IDENTIFICAÇÃO MICROSCÓPICA DOS FUNGOS A identificação das espécies fúngicas requer uma série de etapas para o diagnóstico clínico. A primeira etapa consiste na realização do exame direto, que revelará se há presença de fungos no material coletado. A identificação ocorre a partir de uma avaliação microscópia, que se realiza com a colheita de uma porção da colônia, que é analisada entre lâmina e lamínula com uma gota de KOH 20%. Para uma melhor visualização das estruturas fúngicas, a lâmina pode ser levemente aquecida sob um bico de Bunsen ou pode-se aguardar de 5 a 10 minutos antes da análise em mi- croscópio. O microscópio é ajustado para observação na objetiva de 10x ou de 40x. U N ID A D E 0 2 37 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA Os corantes que podem ser utilizados conforme a orientação de investigação fúngica são lactofenol azul, tinta de nanquim ou da China, nigrosina, calcofluor white (calcofluorado bran- co) e coloração panótica. A tinta de nanquim é utilizada preferencialmente em amostras de líquor, urina, secreções ou exsudatos para identificação de espécies de Cryptococcus, por meio da prova de cápsula. No caso do uso do calcofluorado branco, é necessário utilizar microscopia de fluorescência com o uso de excitação ultravioleta, a qual permite a visualização de leveduras, pseudo-hifas e hifas com coloração em verde e outros elementos celulares que possam estar presentes na cor laranja. A coloração panótica é comumente utilizada em análises hematológi- cas, como giemsa e Wright, e pode ser utilizada na identificação de Histoplasma capsulatum, uma vez que destaca o fungo (Figura 4). Além disso, algumas características específicas das espécies fúngicas permitem que elas sejam identificadas no exame direto, pois é nesse momento que se observa a presença das estruturas reprodutivas e vegetativas dos fungos. Conforme o tipo de fungo, o exame direto já consegue identificar o patógeno, como é o caso de infecções causadas por Malassezia sp., Cryptococcus sp. e Paracoccidioides brasililiensis. Malassezia é uma levedura lipofílica e, por isso, pode ser identificada pelo exame microscópico direto em raspados de pele infectada. O Cryptococcus também é uma levedura que tem como principal característica ser encapsulada, de modo que pode ser observada no exame direto e com o recurso da tinta de nanquim (Tinta da China, Nanquim da China) em amostras de líquor (Figura 5). O Paracoccidioides brasililiensis caracteriza-se, na microscopia, por apresentar aspecto levedu- riforme esférico birrefrigente, com 10 a 30 μm de diâmetro, de parede grossa e com múltiplos bro- tamentos, unidos por hastes estreitas às células-mãe (Figura 6). Os fungos podem ser identificados a partir de amostras como escarro, raspados de lesões cutâneas e de mucosas, aspirado ganglionar e material obtido por fibrobroncoscopia. FIGURA 4 – HISTOPLASMA CAPSULATUM EM FORMA LEVEDURIFORME INTRAMACROFÁGICA Fonte: Bongomin (2020)/ ResearchGate. U N ID A D E 0 2 38 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA FIGURA 5 - CRIPTOCOCCUS OBSERVADO EM AMOSTRA DE LÍQUOR UTILIZANDO A TINTA DA CHINA PARA DIFERENCIÁ-LO POR SUA GRANDE CÁPSULA Fonte: Cientistas Feministas (2019). FIGURA 6 - PARACOCCIDIOIDES OBSERVADO EM AMOSTRAS CLÍNICAS Fonte: Volk; Mossman/Botit Botany (2005)/University of Wisconsin-Madison. Essa avaliação é importante para se realizar a diferenciação entre fungos que são filamentosos e aqueles que são dimórficos e estão em sua fase filamentosa. No entanto, devido às semelhanças que podem ser observadas entre as duas apresentações de fungos, outras metodologias devem ser empregadas para a diferenciação. 3.2 IDENTIFICAÇÃO MACROSCÓPICA DOS FUNGOS Cabe ao profissional estar atento, após a realização do exame direto ou microscópico (com co- loração), a quais meios de cultura irá semear o isolado. Desse modo, é fundamental que a espécie fúngica esteja isolada, ou seja, que ela seja uma colônia pura. Para isso, aplicam-se técnicas de semeadura em superfície (de esgotamento do inóculo) e de crescimento (na superfície do meio U N ID A D E 0 2 39 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA de cultura), até técnicas de diluições sucessivas. O meio para o isolamento não deve ser seletivo, a fim de permitir o crescimento dos fungos patogênicos e de crescimento rápido, visto que os fungos podem ser tanto contaminantes do meio ambiente quanto agentes infectantes de caráter oportu- nista. O meio convencional escolhido para o cultivo das espécies fúngicas é o ágar Sabouraud dex- trose,que costuma estar associado ao uso de antibióticos (clorafenicol) para inibir o crescimento bacteriano. No entanto, conforme a investigação de interesse, outros meios podem ser escolhidos. A escolha do meio de cultivo é orientada pelos achados no exame direto, pelo tipo de amostra coletado e pela suspeita clínica. O meio celular de cultivo pode interferir no aparecimento dos ele- mentos de interesse, sendo necessário utilizar outros meios de cultura que orientem o diagnósti- co. O ágar Sabouraud pode ser utilizado de forma mais seletiva, com a combinação de cicloeximida para fungos oportunistas. Para fungos dimórficos mais dispendiosos, que requerem mais de 15 dias para o seu crescimen- to, é indicado o uso de meios enriquecidos, como o ágar infusão de cérebro-coração (BHI), para que o crescimento seja mais rápido. As amostras devem ser semeadas em dois tubos e incubadas em temperatura de 30°C. Com o crescimento das colônias, a identificação macroscópica é realizada e baseia-se nas se- guintes propriedades: (1) tamanho da colônia, (2) bordas, (3) textura, (4) relevo e (5) pigmentação. O tamanho atribui-se à capacidade de crescimento do fungo. O tamanho da colônia é um aspecto que depende, principalmente, da qualidade do substrato e do isolado. Atualmente, os laboratórios dão preferência para o uso de tubos em vez de placas de cultivo, com o intuito de preservar os iso- lados e diminuir a contaminação. Pelas bordas, pode-se observar diferenças em relação à colônia. Conforme coloração, projeções irregulares e desenhos morfológicos, pode-se realizar associação com determinado patógeno. A textura é um aspecto bastante importante para a identificação, uma vez que, com base nesse indicador, as colônias são classificadas em: algodonosas, furfuráce- as, penugentas, arenosas, veludosas ou glabrosas (Quadro 1). QUADRO 1 - DESCRIÇÃO DOS ASPECTOS APRESENTADOS PELAS COLÔNIAS FÚNGICAS COLÔNIA ASPECTO Algodonosas Semelhante ao algodão. Furfuráceas Semelhante a um punhado de substância farinácea espalhada em uma superfície. Penugentas Na superfície do meio, ficam evidentes estruturas que lembram pequenos fragmentos de penugem de aves. Arenosas Semelhante à areia da praia. Veludosas Semelhante ao tecido veludoso (aveludado). Glabrosas Aspecto visual de cera ou manteiga, semelhante às colônias bacterianas. Fonte: Adaptado de FRANÇA (2018). U N ID A D E 0 2 40 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA O relevo também pode ser classificado de diferentes formas, como: (1) colônias cerebriformes (presença de circunvoluções e semelhantes ao aspecto observado nos cérebros); (2) colônias ru- gosas (variação das colônias cerebriformes, mas com pregas não tão evidentes, localizadas a partir do centro da colônia); (3) colônias apiculadas (presença de saliência na parte central da colônia, semelhante a um cume); (4) colônias crateriformes (apresentam aspecto de cratera devido ao aprofundamento no meio da colônia). Em relação à pigmentação, é fundamental considerar o local no qual a pigmentação está pre- sente, visto que pode ser na superfície da colônia ou no reverso. Desse modo, é preciso avaliar se o pigmento se encontra apenas na superfície ou no reverso da colônia, se está em ambos os locais e se o pigmento é capaz de difundir-se. As colônias variam em relação à cor; usualmente, a coloração varia de branca a creme, acinzentada ou rósea. Além disso, a coloração da colônia não é um aspecto que se mantém uniforme, de modo que as tonalidades podem variar conforme o meio de cultivo. O fungo Sporothrix schenckii pode ser identificado a partir da macroscopia da colônia pela formação de bordas que se tornam escuras gradativamente, de acordo com o envelhecimento da colônia, pela ação da enzima tirosinase. No Blastomyces dermatitidis, as colônias são enrugadas, de consistência macia e com coloração de branca a marrom. Histoplasma capsulatum apresenta colônia de coloração branco-cotonosa e aspecto filamentoso, que, posteriormente, torna-se acas- tanhada e granulosa. A colônia do fungo Paracoccidioides brasiliensis tem cor creme, aspecto en- rugado e cerebriforme. Coccidioides immitis apresenta colônia algodonosa, com micélios aéreos variando de brancos a acastanhados. Essas características são uma forma de auxiliar na identificação das espécies fúngicas e podem ser encontradas alterações nesses aspectos. Os fungos são organismos que se adaptam ao meio, conforme a necessidade, e, consequentemente, mudanças nas suas propriedades fenotípicas po- dem ocorrer. No caso dos fungos dimórficos, o tempo de crescimento também auxilia na sua iden- tificação. São fungos de crescimento lento (>15 dias) Histoplasma capsulatum e Paracoccidioides brasiliensis, e de crescimento moderado (8 a 14 dias), Sporothrix schenckii. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao fim desta Unidade, você foi capaz de cumprir com os Objetivos de Aprendizagem propos- tos. Nesse sentido, conheceu a base dos processos de coleta de amostras micológicas, compre- endeu o processamento dessas amostras clínicas e soube diferenciar os métodos diagnósticos utilizados comumente na Micologia. Além disso, tornou-se capaz de diferenciar as culturas fún- gicas micro e macromorfologicamente. IMPORTANTE Se um paciente apresenta um quadro clínico característico de alguma infecção fúngica e, no cultivo em meio de cultura, a colônia se apresenta com as respectivas características macromorfológicas desse fungo, o diagnóstico está praticamente completo, faltando apenas a confirmação micromorfológica. UNIDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM VÍDEOS DA UNIDADE https://bit.ly/3maAFnf https://bit.ly/3onnrGc https://bit.ly/39VnGjo 03 MICOLOGIA CLÍNICA: AS MICOSES - I » Conhecer os diferentes fungos que podem infectar o organismo humano; » Compreender suas vias de infecção; » Diferenciar os fungos com base nos tipos de lesões e local acometido. U N ID A D E 0 3 42 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA INTRODUÇÃO As micoses são as manifestações clínicas, sob a forma de doenças, das infecções fúngicas. Elas são classificadas conforme o local e a forma de infecção, de modo que encontramos micoses su- perficiais, cutâneas, subcutâneas, sistêmicas e oportunistas. As micoses superficiais caracterizam- -se por infectar as camadas mais superficiais do extrato córneo; nas micoses cutâneas, os fungos invadem o extrato córneo; e, nas micoses subcutâneas, o fungo infecta os tecidos subcutâneos, como o tecido conjuntivo, sobretudo por meio de um trauma. As micoses superficiais podem acometer os pelos, a pele, as unhas e dobras periungueais, o conduto auditivo externo, as mucosas e as zonas cutâneo-mucosas, infectando, portanto, as ca- madas mais superficiais. Entretanto, é possível que algumas espécies sejam capazes de provocar lesões mais profundas ou, inclusive, produzir metabólitos que atuam distantes do sítio primário da micose. Uma vez que não são doenças que exigem notificação compulsória, não há dados epide- miológicos precisos a respeito da infecção. 1. MICOSES SUPERFICIAIS As micoses superficiais são causadas por um grupo de fungos heterogêneos, leveduriformes hialinos e demáceos. O fungo parasita as camadas mais superficiais do extrato córneo. Os pelos são apenas envolvidos pelo microrganismo. São diferentes clínica e micologicamente, não causam IDES, ou seja, não são capazes de sensibilizar o organismo humano e provocar reação de hipersen- sibilidade cutânea a distância do foco infeccioso. Fazem parte desse grupo: » Pitiríase versicolor; » Piedra preta; » Piedra branca; » Tinea nigra. 1.1 PITIRÍASE VERSICOLOR 1.1.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS A pitiríase versicolor ou tinea versicolor é uma micose superficial, cujo agente etiológico é a leve- dura Malassezia sp. Atualmente, sete espécies são as mais frequentemente encontradas causando micose: M. furfur (abriga as espécies Pityrosporum ovale e P. orbiculare), M. pachydermatis, M. sympodialis, M. globosa, M. obtusa, M. restrictae M. slooffiae. A levedura tem distribuição mundial, porém é mais frequente nas zonas tropicais e subtropicais. Acomete indivíduos de todas as raças e ambos os sexos, sendo a faixa etária mais acometida a entre 20 e 40 anos. Fungo da microbiota cutâ- nea humana, coloniza o indivíduo já nas primeiras semanas de vida, porém as manifestações clínicas U N ID A D E 0 3 43 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA ocorrem com maior prevalência na população adulta. Essa levedura tem sido encontrada em outras manifestações clínicas, como dermatite seborreica, onicomicose e infecções sistêmicas. Em deter- minados indivíduos, provoca lesão cutânea com tendência a cronicidade e com recidivas frequentes após tratamento. É encontrada em áreas com maior afluxo de glândulas sebáceas. 1.1.2 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS É uma das mais frequentes micoses; em geral é assintomática, porém facilmente identificada pelo médico. Apresenta lesões do tipo manchas hipocrômicas, hipercrômicas ou eritematosas, arre- dondadas, isoladas ou confluindo em placas maiores, bordas bem definidas, com descamação fina, furfurácea, localizadas geralmente na parte superior do tronco, abdome, pescoço e face. As lesões eritematosas são discretamente elevadas por apresentarem um componente inflamatório. Apresen- ta, portanto, variabilidade na coloração das lesões, o que leva à denominação de versicolor. A área acometida apresenta lesões e pele com pigmentação normal. Excepcionalmente localizam-se fora das áreas características, como região cervical, braço, membros inferiores e região inguinal. O diagnóstico clínico é feito pelo aspecto da lesão e pelos sinais de Besnier, sinal da unhada ou sinal da cureta, o qual consiste em raspar a lesão com unha ou cureta obtendo uma fina descama- ção furfurácea. O sinal de Zileri consiste no estiramento da pele afetada com os dedos, facilitando a visualização de discreto esfacelamento da queratina da pele local. Quando as lesões são expostas à fluorescência por lâmpada de Wood (raios ultravioletas de 360 nm de comprimento), surge uma fluorescência verde-amarelada. A micose é crônica, e os pacientes costumam referir problemas estéticos ao procurar assistên- cia médica. Eventualmente, alguns relatam prurido e ardor. A levedura Malassezia sp., saprófita endógeno obrigatório e parte da flora normal da pele em aproximadamente 90% dos adultos, é também responsável por outras infecções de pele, como der- matite seborreica e foliculite. Excepcionalmente, pode causar onicomicoses e infecções sistêmicas. 1.1.3 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL 1.1.3.1 COLETA O material é coletado por raspagem nas bordas das lesões para obter escamas da pele. Even- tualmente, pode-se também coletar o material com fita colante (sinal de Porto): coloca-se a fita (lado gomado) sobre a lesão, retira-se e cola-se sobre a lâmina. Nesse caso, o material só serve para o exame direto. A lâmpada de Wood pode auxiliar na coleta ao revelar fluorescência verde-amarelada onde se encontra o fungo em atividade. 1.1.3.2 EXAME DIRETO O material de escama é colocado em lâmina com KOH 10-40% e lamínula. Pode também ser usado KOH acrescido de tinta Parker (na proporção de três partes de KOH e uma parte de tinta). Além desses, azul de metileno, giemsa, PAS e calcoflúor podem ser utilizados. Ao exame microscópico, as estruturas U N ID A D E 0 3 44 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA fúngicas apresentam forma de elementos leveduriformes arredondados, ovais isolados ou agrupados em cachos e hifas curtas de parede grossa, septada, ligeiramente curvada e irregular. Essa observação define o aspecto característico do fungo Malassezia sp., bastando para diagnosticar a micose. Quando coletado em fita gomada, observar no microscópio óptico as estruturas fúngicas características. 1.1.3.3 CULTURA Os laboratórios de diagnóstico não costumam cultivar o fungo de rotina, pois a cultura não é es- sencial para o diagnóstico de pitiríase. Atualmente, recomenda-se realizar o exame de cultura para verificar a viabilidade do fungo e identificar a espécie. Assim, é possível conhecer a epidemiologia da micose contribuindo para o diagnóstico de recidiva ou reinfecção. A cultura pode ser feita em ágar Sabouraud dextrose contendo óleos naturais, como azeite de oliva, milho, soja ou girassol. Todos são compostos de ácidos graxos de cadeia larga, entre 12 e 24 unidades de carbono. Esse meio de cultura possibilita identificar sete espécies de Malassezia, seis das quais são lipodependentes e uma lipofílica, a M. pachydermatis. Também pode ser usado o meio de Dixon ou outros. O meio de cultura é incubado entre 35 e 37°C, durante 7 a 10 dias. A colônia aparece entre o segundo e o quarto dia de incubação e apresenta aspecto leveduriforme, brilhante, e ao microscópio observam-se blastoconí- dios globosos, arredondados ou ovalados, com característica comum o brotamento monopolar fia- lídico, com uma imagem semelhante a uma garrafa de boliche, com uma base espessa separando a célula-mãe da célula-filha, distinguindo-se uma cicatriz ou colarete com reprodução por brotamento. Sendo um fungo que depende de longas cadeias de ácidos graxos para seu desenvolvimento, não cresce ou cresce lentamente em meio líquido ou sólido sem suplementação de lipídios. Por essa razão, também na cultura de sangue é necessário que o sangue do paciente tenha lipídios suficientes para iniciar in vitro o crescimento de subculturas em meio contendo também lipídios. 1.1.4 TRATAMENTO O paciente deve tentar prevenir o desenvolvimento da pitiríase versicolor cuidando dos hábitos de higiene e passando produtos oleosos na pele. Quando instalada a micose, o tratamento pode ser tópico com agentes queratolíticos, como: xampu de sulfeto de selênio 2,5% ou cetoconazol 2%; solução de hipossulfito de sódio 20%. Além disso, o tratamento sistêmico é recomendado quando o tratamento local não é efetivo ou quando a área atingida for muito extensa; nesses casos, podem ser usados cetoconazol, itraconazol ou fluconazol. A exposição ao sol acelera a repigmentação, mas só vai ocorrer definitivamente quando houver a recuperação dos melanócitos lesados. Para evitar as recidivas, podem ser aplicados os medicamentos locais, uma a duas vezes por mês. 1.2 PIEDRA PRETA 1.2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS O agente etiológico é um ascomiceto, a Piedraia hortai. É uma feo-hifomicose superficial, por ser um fungo demáceo. Clinicamente se manifesta na forma de nódulos endurecidos, de coloração U N ID A D E 0 3 45 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA escura, nos cabelos e raramente em outros pelos. Não acomete a pele próxima da região atingida. O fungo tem sido encontrado no solo de florestas úmidas e nas margens dos rios. Afeta ambos os sexos, com leve aumento no sexo masculino. Predomina em clima tropical e subtropical; no Brasil é relativamente frequente. FIGURA 1 - NÓDULO DE P. HORTAI, AGENTE CAUSADOR DA PIEDRA PRETA Fonte: Atlas de Parasitologia e Micologia (2016). Os nódulos de cor castanha a negra se apresentam com consistência pétrea firmemente aderi- dos ao pelo, sendo difícil sua remoção (Figura 1). É uma infecção crônica e assintomática, na qual os folículos pilosos não são envolvidos. 1.2.2 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL 1.2.2.1 EXAME DIRETO O exame micológico do pelo com potassa 10-40% mostra o nódulo castanho-escuro aderido ao pelo e, em seu interior, observa-se uma trama de hifas de paredes escuras, septos espessos dispos- tos regularmente e espaços mais claros chamados lojas ascígeras (ascos), que contêm ascósporos fusiformes e encurvados e que são responsáveis pela disseminação da infecção. 1.2.2.1 CULTURA Na cultura em ágar Sabouraud dextrose, o fungo cresce bem em cerca de 21 dias, entre 25 e 30°C. As colônias são pretas ou cinza-esverdeadas, de aspecto variável. O exame microscópico da colônia revela hifas septadas acastanhadas, grossas, irregulares, septadas e numerosos clamidoco-nídeos intercalares. Quando a lâmina é feita da parte central da colônia, eventualmente pode ser observada a presença de ascos. 1.2.3 TRATAMENTO Antifúngicos tópicos e o corte dos cabelos evitam a recorrência da micose. U N ID A D E 0 3 46 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA 1.3 PIEDRA BRANCA 1.3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS Seu agente etiológico, o Trichosporon spp. (T. ovoides, T. inkin, T. asahii, T. asteroi-des, T. cuta- neum e T. mucoides), manifesta-se na forma de nódulos castanho-claros, firmes e irregulares, que aderem à cutícula do pelo, determinando uma infecção fúngica crônica e assintomática. Não com- promete a pele vizinha à infecção, sendo mais frequente em pelos pubianos, perianais, axilas, bar- ba e bigode, ocorrendo raramente no couro cabeludo. Não afeta o folículo piloso. A micose pode ser confundida clinicamente com uma infecção bacteriana por Tricomicose palmelina. O fungo tem sido encontrado amplamente distribuído na natureza (no solo, na água e em ani- mais) e no próprio homem (na pele, na mucosa oral e no trato intestinal). Tem distribuição geográ- fica preferencialmente em climas tropicais e temperados. No Brasil, é prevalente na região Norte. Não tem sido observada relação da piedra branca com higiene. 1.3.2 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL 1.3.2.1 EXAME DIRETO Ao exame direto do pelo, com potassa 10-40%, apresenta nódulo castanho-claro aderido, artro- conídeos e blastoconídeos no interior, enquanto na Tricomicose palmelina observa-se uma massa amorfa aderida ao pelo sem os esporos. 1.3.2.2 CULTURA O material é semeado em ágar Sabouraud dextrose, entre 25 e 30°C. As colônias crescem ra- pidamente em cerca de sete dias, sendo cremosas, leveduriformes, branco-amareladas com su- perfície lisa, tornando-se rugosas e cerebriformes mais tarde. Ao exame microscópico, as colônias apresentam hifas septadas, hialinas, artroconídios e blastoconídios característicos do gênero. A identificação das espécies é realizada com provas que caracterizem a fisiologia, como assimilação de carboidratos, temperatura de crescimento e sensibilidade à cicloeximida. 1.3.3 TRATAMENTO Antifúngicos de uso tópico e corte dos pelos na região afetada são indicados. 1.4 TINEA NIGRA 1.4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS Manifesta-se por lesão acinzentada ou acastanhada, pouco descamativa, bordos bem delimi- tados, pouco pruriginosa, localizada principalmente em regiões palmoplantares, raramente em outros locais. O agente etiológico é um fungo demáceo, a Hortaea werneckii, anteriormente Cla- dosporium werneckii, Exophiala werneckii e Phaeoannellomyces werneckii. É doença tropical e U N ID A D E 0 3 47 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA subtropical e atinge ambos os sexos e todas as idades – com maior prevalência nos jovens por volta dos 20 anos. As mulheres são mais atingidas que os homens, cerca de 3 a 5 vezes. O fungo é encontrado no solo com elevada concentração de sal, sendo isolado do mar, peixes e frutos do mar e areia da praia. Deve-se fazer o diagnóstico diferencial entre nevo, melanoma e outros. 1.4.2 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL 1.4.2.1 EXAME DIRETO A coleta é feita por raspado da lesão. Ao exame direto entre lâmina e lamínula do material, com potassa 10-40%, observam-se hifas acastanhadas, septadas, lisas, irregulares e ramificadas. 1.4.2.2 CULTURA A cultura é feita em ágar Sabouraud dextrose. A colônia de P. werneckii cresce em duas a três semanas, sob temperatura entre 25 e 30°C; inicialmente é enegrecida, cremosa, leveduriforme e, posteriormente, torna-se filamentosa. Ao exame microscópico, na forma filamentosa, apresenta hifas septadas, acastanhadas, conidióforo contendo anelóforos rudimentares ou bem desenvolvi- dos, nos quais formam-se vários aneloconídeos. Na forma leveduriforme, apresenta conídios, na maioria, com septo. 1.4.3 TRATAMENTO A lesão é fácil de tratar com queratolíticos ou antimicóticos tópicos, podendo às vezes desapa- recer somente com raspado da coleta para o diagnóstico. Recidivas só ocorrem com nova exposi- ção a materiais contaminados. 2. MICOSES CUTÂNEAS As micoses cutâneas são infecções causadas por fungos que invadem as camadas do extrato córneo. Às vezes o agente etiológico pode aprofundar-se na epiderme, atingindo a derme e for- mando granulomas; o que vai influir é o equilíbrio imunológico existente entre o fungo e o hospe- deiro. Entre as micoses cutâneas, estão as dermatofitoses e as dermatomicoses. 2.1 DERMATOFITOSES 2.1.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS São um grupo de micoses, denominadas tineas ou tinhas, provocadas por fungos denominados dermatófitos, que atingem a camada córnea e a porção extrafolicular do pelo, bem como as unhas. Os gregos as denominavam herpes, pelo aspecto circular de crescimento para todas as direções. Os romanos chamavam de tinea, porque acreditavam ser uma doença provocada por insetos. U N ID A D E 0 3 48 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA Os dermatófitos constituem um grupo de fungos que se assemelham taxonômica, fisiológica, morfológica e imunologicamente. Existem cerca de 35 espécies de dermatófitos, agrupadas em três gêneros: Epidermophyton (com uma espécie), Microsporum (com 14 espécies) e Trichophy- ton (com ± 20 espécies). Os dermatófitos causam as chamadas tineas ou tinhas nos animais e no homem e, de acordo com a localização, denominam-se tinea pedis, tinea manum, tinea unguium, tinea capitis, tinea barbae, tinea cruris, tinea corporis e tinea imbricata. Os dermatófitos e as espécies correlatas produzem esporos e conídios. O estágio caracterizado pela produção de conídios (macro e microconídios) corresponde à reprodução assexuada e é de- nominado estado imperfeito ou fase anamórfica do fungo; e o estágio caracterizado pelos esporos (ascosporos), reprodução sexuada, denomina-se estado perfeito ou fase teleomórfica. Muitos dermatófitos têm a fase teleomórfica ainda desconhecida, sendo então conhecidos pelo nome anamórfico. Alguns dermatófitos são cosmopolitas, outros têm distribuição geográfica limita- da. Assim, o número de espécies varia de país para país, região para região, até mesmo dentro de um mesmo país. A distribuição das dermatofitoses varia por influência de fatores populacionais como: » Sexo: mais comum no sexo masculino; » Idade: tinha do couro cabeludo mais comum em crianças; tinha do pé e inguinal mais co- muns no adulto; » Imunidade: imunocomprometidos são mais atingidos; » Hábitos: sociais, culturais, religiosos e econômicos; » Populações fechadas: tripulações de navios e creches têm maior incidência de dermatofitose; » Migrações: T. violaceum foi transportado por imigrantes do mediterrâneo e de Portugal para o Brasil; » Sazonalidade: as dermatofitoses são mais frequentes no verão e no outono. Fatores geográficos como intensidade solar, movimento da atmosfera, índice pluviométrico, regime fluvial, constituição do solo, vegetação, densidade, variedade anual e densidade populacio- nal influenciam na distribuição dos dermatófitos. IMPORTANTE O reconhecimento do habitat da espécie fúngica é importante, visto que, quanto mais distante filogeneticamente o agente fúngico está do hospedeiro humano, maior será a resposta inflama- tória desencadeada. Desse modo, fungos zoofílicos terão uma resposta inflamatória maior do que a dos fungos antropofílicos ao infectarem o homem. No entanto, os antropofílicos têm mais tendência à cronicidade. A incidência dos dermatófitos tem relação com as condições do meio ambiente, higiene pesso- al, suscetibilidade individual, virulência, sua adaptação (geofílicos são menos adaptados que os antropofilicos) ou outros fatores. Os locais de banho público, como piscinas e vestiários, estão U N ID A D E 0 3 49 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA fortemente interligados com a incidência de tinea pedis. A integridade da epiderme comporta-se como barreira natural. O calor e a umidade local são fatores que contribuempara a inoculação e a sobrevivência do dermatófito na pele. Nas dermatofitoses, o início do processo patogênico ocorre pela inoculação de um artroconídio ou fragmento de hifa depositado sobre a pele, e o processo será favorecido por uma lesão cutâ- nea ou escoriação preexistente, permitindo que esse se fixe na camada córnea da epiderme. A lesão que se forma é resultante do crescimento dicotômico, circular e centrífugo do fungo, que se manifesta como pruriginosa com forma anular, eritematoescamosa, bordas nítidas e vesiculosas. Indivíduos que usam corticoterapia apresentam lesões atípicas, que são denominadas tinha incóg- nita ou tinha oculta. Os pelos, quando atacados, sempre estão acompanhados de uma lesão da pele. O dermatófito progride até chegar a uma região do orifício piloso e se aprofunda em direção ao infundíbulo do pelo. 2.1.2 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL 2.1.2.1 EXAME DIRETO O exame microscópico das escamas da pele, dos pelos epilados e das unhas é realizado em KOH 10-40%. Os dermatófitos aparecem em forma de hifas artroconidiadas. Às vezes são confundidos com leveduras. Não é possível o diagnóstico de gênero ou espécie por meio do exame direto, apenas pode ser comunicada a presença de fragmentos de hifas. Os esporos e/ou hifas dos dermatófitos podem infectar os pelos por dentro (endotrix), por fora (ectotrix) ou por dentro e fora (endoectotrix) e, ainda, permanecerem indiferentes (actotrix). 2.1.2.2 CULTURA O material de raspagem, escamas da pele e unhas ou pelos epilados, são semeados em um ou mais tubos de ágar Sabouraud dextrose acrescido de cicloheximida e cloranfenicol e incubados entre 25 e 30°C, por no mínimo 15 a 20 dias. A identificação dos dermatófitos é feita pela observação dos aspectos macro e microscópicos da colônia. Às vezes, é necessário As dermatofitoses estão entre as infecções mais prevalentes no mundo e estima-se que aproxi- madamente 10% a 15% da população humana total pode ser infectada em algum momento da sua vida. Há três gêneros associados às dermatofitoses (Epidermophyton, Microsporum e Tri- chophyton) e, juntos, eles correspondem a, aproximadamente, 40 espécies de interesse clínico. O Epidermophyton tem apenas uma espécie (Epidermophyton flocossum) de interesse clínico (BROOKS et al., 2015). SAIBA MAIS U N ID A D E 0 3 50 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA realizar outras provas fisiológicas, como produção de urease, ataque ao pelo ou necessidades nutricionais de vitaminas e aminoácidos para identificação das espécies. Eventualmente é necessário o pareamento sexual para reconhecimento de algumas espécies. Quando o diagnóstico macro e microscópico não for possível, o que ocorre com mais frequên- cia no gênero Trichophyton, é necessária a semeadura em lâmina ou em meio de cultura que au- mente o desenvolvimento das estruturas de esporulação ou a produção de pigmento dos derma- tófitos. Podem ser utilizados os meios de cultura lactrimel úteis para a esporulação, o ágar batata para a pigmentação, em que o T. rubrum pigmenta o meio de vermelho, o ágar Trichophyton e o meio nutritivo para os dermatófitos. O cultivo em lâmina permite demonstrar, ao exame microscópico, a morfologia dos fungos, tornando possível a visualização das estruturas íntegras, hifas, conídios. Há outras provas, como a da urease (prova bioquímica), em que o T. mentagrophytes utiliza a ureia e a desdobra em carbono e nitrogênio tornando o meio alcalino, cuja reação é revelada pela mudança de cor do meio de cultura de amarelo para róseo em decorrência da presença de um indicador de pH, o vermelho de bromofenol. O T. mentagrophytes é urease positiva, e o T. rubrum, urease negativa. Além dessas, outras provas com menor frequência podem ser úteis. A luz de Wood é útil na tinha do couro cabeludo. O gênero Microsporum apresenta fluorescên- cia esverdeada, ao passo que o gênero Trichophyton não fluoresce, com exceção da tinha favosa (T. shoenleinii). 2.1.3 APRESENTAÇÃO CLÍNICA Os dermatófitos infectam a pele glabra (pele sem pelos), pele com pelos e unhas. Em consequência da pouca vascularização no local da unha, o tratamento é difícil, necessitando geralmente de medicação via oral para que se deposite na base da unha e esta cresça com a me- dicação aí impregnada. 2.1.4 TRATAMENTO As dermatofitoses são tratadas conforme o local e o agente etiológico da lesão. Fungos zoofíli- cos e geofílicos respondem aos antimicóticos tópicos (loções, pomadas, cremes ou spray) com de- rivados imidazólicos (miconazol, cetoconazol, clotrimazol, fluconazol), terbinafina e outros. Fungos antropofílicos são mais resistentes e necessitam de antifúngicos orais (griseofulvina, cetoconazol, itraconazol ou outros). No couro cabeludo, mesmo que o fungo seja zoofílico ou geofílico, deve-se usar griseofulvina oral, porque há mais penetração. O tempo de tratamento conforme o local é: » Um mês para pele glabra; » Dois meses no couro cabeludo; » Seis meses a um ano em lesões ungueais. U N ID A D E 0 3 51 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA 2.2 DERMATOFITOSES QUANTO À LOCALIZAÇÃO As dermatofitoses apresentam lesões bastantes variadas quanto ao aspecto clínico, resultante da combinação da destruição da queratina e associada a uma resposta inflamatória. Essa variação clínica da lesão está relacionada à espécie do dermatófito envolvido, ao sítio anatômico acometido e ao estado imunológico do paciente. Quanto ao sítio anatômico da lesão, as tineas são denomina- das tinea corporis (corpo), tinea capitis (couro cabeludo), tinea unguium (unhas), tinea pedis (pés) e manum (mãos), tinea cruris (inguinal), tinea barbae (barba) e tinea imbricata (pele) (Quadro 1). QUADRO 1 - TIPOS DE DERMATOFITOSES QUANTO À LOCALIZAÇÃO TIPO AGENTE LOCAL EPIDEMIOLOGIA CARACTERÍSTICAS DAS LESÕES Tinea corpo- ris Qualquer dermatófito Pele glabra As formas clínicas observadas são herpes circinado, lesões interdigitoplantares e palmares e a lesão imbricata ou Toke- lau. A forma mais comum é a anular, crescimento centrífugo e cura central observada como a forma herpes circinado. Pode-se manifestar também como vesículas inflamatórias ou placas, sem cura central. Tinea capitis Microsporum (M. canis) e Trichophyton (T. tonsurans) Couro cabeludo (formas tonsuran- te, supu- rativa e fávica) A tinea tonsurante é a forma mais frequente a acometer crianças no período escolar, entre 4 e 10 anos. É pouco frequente em recém-nasci- dos e nas fases pré-escolar e adulta. A tinea supurativa acome- te tanto crianças quanto adultos. A tinea fávica provoca alopé- cia definitiva, crônica, persis- tente na vida adulta, conta- giosa, estando relacionada ao baixo nível de higiene e de condições socioeconômicas da população. Clinicamente, na tinea ton- surante, o couro cabeludo apresenta uma ou várias placas de alopécia, mas que tendem à cura espontânea na puberdade. As lesões microspóricas são flu- orescentes à lâmpada de Wood e o parasitismo é ectotrix; quando não fluorescem, é do tipo tricofítica com parasitismo endotrix ou ectotrix. A tinea supurativa se carac- teriza pela presença de placa escamosa evoluindo para uma inflamação serpentiginosa com edema, rubor e secreção puru- lenta, o que resulta em perda dos pelos. Esse quadro clínico é conhecido como Kerion Celsi. A tinea fávica tem como agente etiológico o Trichophyton sho- enleinii, com lesões crostosas e semelhantes ao favo de mel e são denominadas escútulas ou godet. Podem infectar tanto os pelos quanto a pele glabra. A fusão de várias escútulas leva à formação da crosta. As escútulas são exclusivamente conglomerados de hifas. U N ID A D E 0 3 52 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA TIPO AGENTE LOCAL EPIDEMIOLOGIA CARACTERÍSTICAS DAS LESÕES Tinea un- guium Principalmente do gênero Can- dida, T. rubrum e o T. mentra- grophytes Unhas Nas onicomicoses por derma- tófitos, são observados quatrotipos de acometimento das unhas das mãos e dos pés: subungueal distal, subungueal proximal, branca superficial ou leuconicomicose superficial e a onicodistrofia total. Tinea pedis/ ma- num T. rubrum e o T. tonsurans nas lesões escamosas ou hiperquera- tóticas e o T. mentagrophy- tes nas lesões vesiculosas ou desidróticas Regiões inter- digitais plantares e palma- res A forma vesiculosa ou desidró- tica se inicia com a presença de vesículas que se rompem e liberam um líquido citrino, fre- quentemente na região plantar, podendo ocorrer também na forma palmar. Com o passar do tempo, as lesões se transfor- mam em placas. A forma escamosa ou hiper- queratótica apresenta placas eritematoescamosas na região plantar ou na borda lateral do pé. Na mão, as lesões ocorrem na região palmar e na parte lateral dos dedos. A forma intertriginosa, também conhecida como “pé de atleta”, caracteriza-se por intensa mace- ração entre os interdígitos dos pés e das mãos, podendo evo- luir para a formação de fissuras, permitindo a invasão secundária por bactérias. Tinea cruris T. rubrum e o Epidermophy- ton floccosum Região inguinal É uma micose contagiosa e pode apresentar epidemias em ambientes escolares, militares e familiares. Maior incidência entre homens que entre mulheres, na faixa etária dos 18 aos 30 anos, e excepcionalmente entre crianças com menos de 10 anos e adultos com idade superior a 60 anos. São fato- res predisponentes para que ocorra: o calor, a umidade, a maceração das camadas córneas acrescida da prática de esportes aquáticos e o compartilhamento de peças íntimas, como calções de banho, cuecas ou toalhas. Inicia-se com manchas averme- lhadas. São lesões cujas bordas apresentam aspecto eritema- tovesiculoso ou pustuloso. Podem apresentar prurido moderado ou intenso. U N ID A D E 0 3 53 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA TIPO AGENTE LOCAL EPIDEMIOLOGIA CARACTERÍSTICAS DAS LESÕES Tinea bar- bae T. mentagro- phytes e T. verrucosum Barba Em mulheres, rapazes na pré-puberdade e crianças, é chamada tinea facei. O con- tágio ocorre por lâminas de barbear, barbeadores, contato com gado, cavalos e outros. As lesões se caracterizam por eritema, pápulas perifoliculares e pústulas, drenagem de fluido sorossanguinolento e escamas. Tinea imbri- cata T. concentri- cum Originária da ilha polinésia chamada Tokelau. No entan- to, essa micose é encontra- da também em outras ilhas do Pacífico, da China, na Índia, nas Américas, bem como de alguns pontos isolados da África. A doença se caracteriza pela presença de uma ou mais lesões escamosas com crescimento excêntrico, que evoluem para a forma em círculos concêntricos que se imbricam, formando desenhos bizarros e que servem de adorno aos aborígenes. Fonte: MEZZARI (2012). 2.3 OUTRAS DERMATOFITOSES Os dermatófitos têm como manifestação clínica lesões que atingem a camada queratinizada de pele, pelos e unhas. Porém, em determinadas situações, ao esgotarem o extrato córneo, em vez de serem destruídos, conseguem invadir camadas mais profundas da pele, atingindo a região sub- cutânea ou até órgãos. Os quadros clínicos causados nessas situações são granuloma tricofítico, micetoma dermatofítico e doença dermatofítica. 2.3.1 GRANULOMA TRICOFÍTICO Caracteriza-se pela presença de nódulos subcutâneos que tendem à ulceração ou fibrose. A histopatologia evidencia granuloma com células gigantes na parte central, cercadas na periferia por infiltrado de polimorfonucleares, monócitos e plasmócitos. A doença ocorre com maior frequência em pacientes com dermatofitoses pelo T. rubrum e que fazem uso de corticoterapia prolongada. 2.3.2 MICETOMA DERMATOFÍTICO O micetoma dermatofítico ou pseudomicetoma ocorre nos indivíduos portadores de derma- tofitose crônica. Pode ocorrer a formação de nódulos subcutâneos não aderidos que evoluem na forma de tumor e aparecimento de fístula que drena secreção purulenta ou serossanguinolenta e que contém grãos formados por emaranhados de estruturas fúngicas dermatofíticas. Vários der- matófitos podem formar grãos, entre eles Microsporum canis, T. rubrum e M. ferrigineum. 2.3.3 DOENÇA DERMATOFÍTICA Pacientes que apresentam distúrbios imunológicos celulares, ainda na infância, podem apre- sentar lesões de pele e unhas que tendem à generalização do quadro entre os 15 e 25 anos, aco- U N ID A D E 0 3 54 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA metendo vários órgãos. Os dermatófitos mais frequentes nesse distúrbio são T. rubrum, T. schoen- leinii e T. violaceum. 2.3.4 DERMATOMÍCIDES OU DERMATOFÍTIDES Exprimem reações de hipersensibilidade cutânea à distância do foco infeccioso. Como estão relacionados aos agentes dermatofíticos, pode-se denominá-los tricofítides, epidermofítides e mi- crospórides, indicando, dessa forma, o gênero do dermatófito sensibilizador. Uma dermatomícide é caracterizada por: » Lesão asséptica (sem a presença do fungo causador); » Foco séptico em outro ponto do organismo, próximo ou a distância da região hipersensibili- zada; » Sensibilidade à intradermorreação pela tricofitina (filtrado de cultura de uma ou várias espé- cies tidas como capazes de desencadear tais reações); » Desaparecimento espontâneo da lesão asséptica após o tratamento do foco infeccioso. A prova de sensibilidade à intradermorreação pela tricofitina deve ser feita com muita cautela, pois é capaz de transformar uma dermatomícide localizada em uma reação de hipersensibilidade generalizada, com risco de choque anafilático. Quando se suspeitar dessa sensibilidade, deve-se experimentar, primeiramente, a tricofitina diluída ao centésimo, ou até mais, e depois ir concen- trando para 0,05 mL, até chegar a 0,1 mL. A reação positiva é obtida pela leitura 48 horas após a inoculação e manifesta-se por reação eritematopapulosa nítida no local da inoculação. O resultado deve ser interpretado cuidadosamente, porque exprime tanto uma micose atual quanto uma anti- ga, de modo que o passado micótico do paciente deve ser avaliado. 2.3.5 DERMATOMICOSE São micoses provocadas por uma variedade de fungos filamentosos queratinofílicos não der- matófitos e que produzem lesões de pele, pelo e unhas, clinicamente semelhantes às dermatofi- toses. São fungos denominados contaminantes ou sapróbios. Estão distribuídos na natureza, em matéria orgânica e detritos vegetais. Esses fungos habitam o cimento intracelular ou a queratina desnaturada pelo trauma ou pela doença. São invasores secundários e aí permanecem colonizando ativamente a epiderme. São agentes mais frequentes os fungos Hendersonula toruloidea, Scytalidium hyalinum, Scopu- lariopsis brevicaulis, Fusarium oxysporum, Aspergillus sp., Curvularia sp. e Penicillium sp. Os fungos Hendersonula toruloidea e Scytalidium hyalinum têm sido transmitidos de homem a homem em indivíduos que residem ou visitam áreas endêmicas. Eles apresentam patogenicidade na superfície cutânea queratinizada e permanecem viáveis em escamas a tem- peratura ambiente por vários meses, ao contrário dos demais agentes de dermatomicose. Para diferenciá-los dos dermatófitos, é importante seguir critérios que determinem seu papel como agente etiológico, uma vez que esses fungos produzem infecções clinicamente semelhantes U N ID A D E 0 3 55 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA às dermatofitoses. Deve-se verificar seu isolamento no material clínico repetidas vezes. Observar se não houve isolamento de outros patógenos em meio de cultura e testar sua capacidade para crescer sob temperatura entre 35 e 37°C, o que caracteriza sua patogenicidade. 3. MICOSES SUBCUTÂNEAS São infecções causadas por um grupo de fungos patogênicos para o homem e os animais. As lesões se manifestam a partir do ponto de inoculação direta do agente fúngico, principalmente por traumatismo. Podem permanecer localizadas ou se espalhar pelos tecidos adjacentes, porvia linfática ou hematógena. Esses fungos habitam o solo e os vegetais em decomposição e são mais frequentes em climas tropicais e subtropicais. Quando inoculados no homem, atingem principal- mente as camadas subcutâneas da pele. São micoses subcutâneas a esporotricose, a cromomico- se, a lobomicose e a rinosporidiose. 3.1 ESPOROTRICOSE 3.1.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS É uma infecção fúngica granulomatosa crônica ou subaguda do homem e de animais, causada por fungo dimórfico Sporothrix schenckii, isto é, reproduz-se por gemulação, forma da levedura, no tecido parasitado e em meios de cultura na temperatura em torno de 37°C, e, na forma fila- mentosa, apresenta micélio septado com estrutura reprodutora característica na temperatura em torno de 30°C. Tanto homem quanto animais são infectados, e as lesões geralmente limitam-se a pele, tecido subcutâneo e linfático e raramente disseminam-se para ossos, órgãos internos ou como doença primária sistêmica, com início pulmonar. As formas cutaneodisseminada e sistêmica têm sido descritas em indivíduos imunocomprometidos. Com distribuição universal, o fungo é encontrado na natureza, como solo, plantas, restos de vegetais e poeira. Indivíduos de qualquer idade, sexo ou raça podem ser infectados. O período de incubação varia de 7 dias a 12 semanas. Leia o artigo indicado a seguir, sobre a epidemiologia do Trichophyton tonsurans na cidade de Fortaleza, em casos de tinea capitis. BRILHANTE, R.S.N. et al. Epidemiologia e ecologia das dermatofitoses na cidade de Fortaleza: o Trichophyton tonsurans como importante patógeno emergente da Tinea capitis. Revista da So- ciedade Brasileira de Medicina Tropical, v. 33, n. 5, set./out. 2000. Disponível em: https://bit. ly/3zhmFwP. Acesso em: 20 maio 2021. LEITURA U N ID A D E 0 3 56 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA A infecção ocorre sobretudo na pele, raramente nas mucosas, por inoculação direta do agente por meio de material contaminado, como espinhos de plantas, lascas de madeira, mordida de cão ou gato e bicada de aves. Na pele forma-se uma lesão ulcerada, seguindo o aparecimento de um nódulo linfático, o qual será seguido por uma série, posteriormente. 3.1.2 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A esporotricose apresenta-se sob duas formas: » Cutânea: cutaneolinfática (mais comum), localizada e disseminada; » Extracutânea: pulmões, articulações, meninges e outros. 3.1.3 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL 3.1.3.1 EXAME DIRETO Ao contrário das outras micoses, o exame direto tem pouco valor diagnóstico, porque dificil- mente o parasito é observado, tanto na potassa 10-40% quanto em colorações de PAS, prata ou outros. O exame direto geralmente é negativo. Quando positivo, observam-se raras formas arre- dondadas, ovais, em “forma de charuto”, cercadas por halo claro como uma cápsula e com gemu- lação simples. São gram-positivos intra e extracelulares. 3.1.3.2 CULTURA É o método de escolha para o diagnóstico. Cresce bem em meios de ágar Sabouraud dextrose ou ágar Sabouraud suplementado. A colônia inicialmente é branca, passando posteriormente para negra. Às vezes já aparece negra de início na temperatura entre 25 e 30°C, com forma filamento- sa. Na temperatura entre 35 e 37°C, o fungo cresce na forma de levedura como colônia cremosa, úmida e de cor amarelada. Ao exame microscópico da colônia filamentosa (25 a 30°C), são observados conídios ovalados que se dispõem em forma de “margarida” e se implantam em conidióforos. Essa é a forma de diagnóstico do S. schenckii. 3.1.3.3 IMUNOLOGIA É realizado o teste intradérmico com a esporotriquina, que é preparada a partir do filtrado de culturas da fase miceliana ou leveduriforme do S. schenckii. Consiste de uma injeção intradérmica de 0,1 mL do antígeno, e a leitura é realizada em 48 horas. Tem valor epidemiológico, terapêutico e diagnóstico. 3.1.4 TRATAMENTO É o mais simples dentre as micoses subcutâneas, sendo o iodeto de potássio bem empregado em quase todas as formas de esporotricose. Consiste na administração de iodeto de potássio satu- rado, via oral. O iodeto de potássio não deve ser administrado a gestantes. Seus efeitos colaterais U N ID A D E 0 3 57 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA mais frequentes são gosto metálico, coriza e expectoração; na pele, pústulas, eritema, urticária e petéquias. Todos são bem tolerados. Em casos de esporotricose extracutânea ou de cutânea dis- seminada, tem sido recomendado o itraconazol e a anfotericina B. 3.2 CROMOMICOSE 3.2.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS Caracteriza-se pelo aspecto parasitário de seus agentes, que são fungos demáceos que formam células fúngicas globosas e ovaladas, com parede espessa, coloração castanha e com ou sem sep- tação interna, sendo denominados corpos fumagoides, corpos escleróticos ou talo moriforme. A infecção ocorre por inoculação direta do fungo por traumatismo, e as lesões se desenvolvem no local da inoculação. Habitam o solo em todo o mundo, mas a doença ocorre com maior frequência em climas tro- picais e subtropicais. O homem é o mais atingido, na faixa entre 30 e 50 anos de idade, por causa da maior exposição. Não é transmitido de homem para homem e raramente ocorre em animais. Os agentes etiológicos mais frequentes são: Phialophora verrucosa, Fonsecaea compacta, Cla- dosporium carrionii, Fonsecaea pedrosoi e Rhinocladiella aquaspersa. No Brasil, o agente mais frequente é o F. pedrosoi. A reprodução ocorre assexuadamente por conidióforos do tipo rinocladiela, fialofora e clados- porium, o que permite caracterizar o gênero e a espécie. O estudo micromorfológico dos tipos de conídios e a porcentagem destes na micromorfologia são fundamentais para a determinação do gênero e da espécie do fungo. A cromomicose, também conhecida como cromoblastomicose, blastomicose negra, micose de Pedroso e Lane, doença de Carrion, doença de Fonseca, doença de Fonseca-Carrion e outras, é uma doença granulomatosa com manifestações em forma de pápula, nódulos, verrugas e outros. Os agentes etiológicos são fungos demáceos, sendo o Fonsecaea pedrosoi o mais fre- quente no Brasil. 3.2.2 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As lesões se iniciam como pápulas, verrugas ou ulcerações superficiais e indolores. Evoluem por meses ou anos. Com o passar do tempo, adquirem aspecto eritematoescamoso, psoriaseforme, papuloso, com nódulos infiltrados, massas ulceradas e tumores. Essas lesões sangram com facili- dade e eliminam líquido seroso que seca, formando crostas, com aspecto de couve-flor. Localizam- -se mais frequentemente no pé e na perna, sendo raramente bilateral, podendo ocorrer também em ombros, braços e mãos, e com menor frequência nas nádegas e em outras regiões do corpo. O prognóstico é bom, mas a cronicidade e a dificuldade de tratamento podem afetar o membro atingido. As lesões ulceradas e as cicatrizes podem evoluir para os carcinomas. U N ID A D E 0 3 58 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA 3.2.3 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL 3.2.3.1 EXAME DIRETO O diagnóstico da cromomicose é feito pela demonstração do agente no material coletado direto da lesão, dos microabscessos ou dos “pontos negros”, por raspagem ou biópsia. Observa-se em KOH 10-40%. Os cortes histológicos são corados por hematoxilina-eosina, PAS ou prata. Os fungos se apresentam como células fúngicas globosas, ovaladas, parede espessa, coloração castanha, com ou sem septação interna, e são denominados corpos fumagoides, corpos escleróti- cos ou talo moriforme de cor amarelo-havana ou castanha. Essa estrutura é característica de todos os agentes. Raramente formas filamentosas septadas aparecem nos tecidos. Como o número de parasitas é muito pequeno no material clínico, deve-se fazer várias lâminas e procurar com cuidado antes de liberar um resultado negativo. 3.2.3.2 CULTURA A cultura é feita em ágar Sabouraud dextrose com cloranfenicol ou gentamicina. Incubação entre 25 e 30°C, por 20 a 30 dias. A colônia é escura, filamentosae não permite o diagnóstico de gênero e espécie. A identificação é feita pela observação macro e microscópica da colônia, de preferência com cultura em lâmina, uma vez que se pode observar o tipo de reprodução (esporu- lação) apresentado pelo fungo, com predomínio de um deles para cada gênero e/ou espécie. 3.2.4 TRATAMENTO É um problema, pois as medicações nem sempre atuam em todos os casos. Quando o acesso é fácil e a lesão não é extensa, a retirada cirúrgica é utilizada, porém, mesmo assim podem ocorrer recidivas. Os medicamentos anfotericina B, 5-flu-orocitosina e itraconazol têm sido utilizados na forma isolada ou associada, com resultados variáveis. Cabe ao clínico escolher o tratamento mais adequado para cada quadro clínico. 3.3 LOBOMICOSE 3.3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS Causada pelo fungo Lacazia loboi. A infecção foi observada pela primeira vez por Jorge Lobo, no Recife, em 1931, em um paciente proveniente da região amazônica. Micose subcutânea, crônica e benigna, que raramente atinge o sistema linfático, não se mani- festa por disseminação viceral, somente na forma cutânea. É também conhecida como blastomi- cose queloidiana ou doença de Jorge Lobo. Caracteriza-se por infecção granulomatosa, podendo apresentar ulcerosa, esporotricoide, cicatricial ou outros. Condições climáticas ideais encontram- -se na região amazônica. O Brasil é o país com maior número de casos. Os pacientes, quando procuram o médico com a doença, geralmente já se encontram em avançada evolução. O início da infecção tem manifestação de diferentes formas, dificultando, U N ID A D E 0 3 59 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA assim, o conhecimento do verdadeiro mecanismo de transmissão. Acredita-se que seja pela im- plantação direta do fungo através de traumatismo local. Os sintomas referidos pelos pacientes são prurido e dor. 3.3.2 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As lesões clínicas se manifestam com maior frequência nos membros inferiores e superiores e no pavilhão auricular, sendo geralmente unilateral. A forma característica é o nódulo queloidiano, “pequena verruga”. Os nódulos apresentam tamanho variado, na forma de massas nodulares com consistência sólida, lisa, brilhante, cor “café com leite” ou “marfim queimado” e com pequenas escamas e crostas. A micose é restrita à pele e ao tecido subcutâneo. A infecção ocorre com maior frequência em adultos jovens com atividades de pesca, caça e agricultura. 3.3.3 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL 3.3.3.1 EXAME DIRETO O material é coletado por biópsia ou por escarificação da pele. Do material obtido se faz um exame direto e histopatológico. O exame direto pode ser feito com KOH 10-40% entre lâmina e lamínula ou corte histológico corado. Os fungos se apresentam com formas arredondadas, mem- brana dupla e espessa, com aspecto catenular de três a oito elementos, ligados uns aos outros por uma formação tubular. Às vezes podem aparecer gemulações laterais, sugerindo o Paracoccidioi- des brasiliensis. Diferenciam-se pelo tamanho dos gêmulos, que raramente são pequenos no L. loboi, ao contrário do P. brasiliensis. 3.3.3.2 CULTURA Na cultura ainda não se obteve o crescimento do L. loboi. 3.3.4 TRATAMENTO O tratamento com antimicóticos é difícil. Geralmente, as lesões são retiradas por processos cirúrgicos e faz-se uma correção plástica. Nas lesões mais extensas, ocorrem recidivas com frequ- ência. Muitas vezes é necessária a mutilação da região afetada. 3.4 RINOSPORIDIOSE 3.4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS Seu agente etiológico, Rhinosporidium seeberi, afeta as mucosas, principalmente nasal e ocu- lar. Formam-se pólipos, resultando em massas de coloração avermelhada ou vinhosa com pontos brancos, ricos em microrganismos de onde devem ser pesquisados. É uma infecção granulomatosa crônica e benigna. U N ID A D E 0 3 60 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA Acredita-se que a contaminação ocorra pela via dos orifícios naturais do corpo, por contato direto, banhando-se em águas contaminadas de açudes e águas estagnadas e também da poeira; não ocorre de homem a homem. Os indivíduos de baixa renda são os mais afetados. No Brasil, os casos são esporádicos. 3.4.2 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Na cavidade nasal, ocular ou outras mucosas, surge uma massa polipoide, em forma de pe- quenas granulações ou grandes massas com superfície irregular, avermelhada, semelhante a um morango, salpicada por pontos brancos, os esporângios, que sangram com facilidade. Provocam obstrução nasal, seguida de prurido, cefaleia e rinorreia. No olho, pode atingir a conjuntiva e o saco lacrimal, simulando uma conjuntivite. Nos outros locais, surge a sensação de corpo estranho, obstrução e tosse. A doença atinge qualquer idade, sendo os homens os mais afetados. 3.4.3 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL 3.4.3.1 EXAME DIRETO Ao exame microscópico desses pontos brancos com KOH 10-40% ou corado por hematoxilina- -eosina, observam-se formas arredondadas e grandes, além de paredes espessas contendo grande quantidade de esporos no interior. 3.4.3.2 CULTURA Não há cultivo do parasito até o momento, nem inoculação em animal. 3.4.4 TRATAMENTO O tratamento recomendado é cirúrgico e eletrocauterização da base, sendo frequente a recidi- va da doença. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao fim desta Unidade, você foi capaz de cumprir com os Objetivos de Aprendizagem propostos. Nesse sentido, conheceu as diferentes micoses superficiais, cutâneas e subcutâneas. Além disso, aprendeu a diferenciar as diferentes micoses quanto ao seu sítio e ao agente causador. ANOTAÇÕES UNIDADE OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM VÍDEOS DA UNIDADE https://bit.ly/2Y3JmqW https://bit.ly/3imO4qZ https://bit.ly/3omB88D 04 MICOLOGIA CLÍNICA: AS MICOSES - II » Conhecer os diferentes fungos que podem infectar o organismo humano; » Compreender suas vias de infecção; » Diferenciar os fungos com base nos tipos de lesões e local acometido. U N ID A D E 0 4 62 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA INTRODUÇÃO As micoses sistêmicas são causadas por espécies fúngicas que invadem sistemas e órgãos do in- divíduo. Elas são representadas pela paracoccidioidomicose, pela blastomicose, pela histoplasmo- se e pela coccidioidomicose. A paracoccidioidomicose e a coccidioidomicose representam maior importância para o Brasil, devido ao maior número de casos associados. No entanto, as quatro são de interesse para a micologia médica, visto que, ao invadir os sistemas e/ou órgãos, podem disse- minar-se pelo organismo e levar o indivíduo a óbito. As micoses oportunistas têm adquirido maior relevância e, normalmente, quando não identi- ficadas e tratadas a tempo, acabam causando a morte. Diante disso, é importante que os profis- sionais estejam capacitados para diagnosticá-las. As principais micoses oportunistas são criptoco- cose, candidíase, aspergilose e mucormicose, mas existem outras de menor importância, como fusariose, penicilose e acremoniose. 1. MICOSES SISTÊMICAS As micoses sistêmicas caracterizam-se por fungos que invadem os sistemas ou órgãos do indiví- duo. Tais fungos são mais invasivos e, por isso, apresentam mais fatores de virulência e patogenici- dade, de modo que as espécies fúngicas associadas são dimórficas. As infecções podem ser locais ou podem evoluir para um quadro mais grave. Uma característica importante desses fungos é que eles podem permanecer por anos em estado de latência; logo, o indivíduo pode ser portador do fungo sem apresentar qualquer manifestação clínica. 1.1 PARACOCCIDIOIDOMICOSE A paracoccidioidomicose tem como principal agente etiológico o Paracoccidiodes brasiliensis e foi descrita, pela primeira vez, no Brasil, em 1908. Outra espécie descrita foi o Paracoccidiodes lutzii, a qual foi isolada na região Centro-Oeste do Brasil e na região Amazônica próxima ao Equa- dor e que se difere em termos de patologia e de resposta ao tratamento em comparação com o Paracoccidiodes brasiliensis. O fungo é saprófita, de modoque está presente no solo e nos vegetais e infecta, principal- mente, trabalhadores rurais – por isso, está mais associado aos homens do que às mulheres. No entanto, outro motivo pode estar relacionado à liberação de estrogênio, que age como um efeito protetor, uma vez que se liga aos receptores da célula fúngica e diminui ou retarda a conversão dos conídios em leveduras. Logo, a paracoccidioidomicose é uma doença de importância ocupacional. Trata-se da micose respiratória mais frequente na América do Sul, na América Central e no México, sendo limitada ao continente americano. No Brasil, as regiões Centro, Sudeste e Sul apresentam mais casos da doença. Os estados mais afetados são São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Goiás e Rio Grande do Sul. U N ID A D E 0 4 63 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA Os fungos infectam por meio da inalação dos conídios, de modo que seu sítio primário é nos pulmões. Podem infectar, também, animais domésticos e silvestres, sendo o tatu-galinha um re- servatório do P. brasiliensis. Normalmente, mantêm-se em estado de dormência no organismo hu- mano, e essa fase pode prolongar-se por anos. Além disso, podem se manter isolados nos pulmões ou espalhar-se para outros órgãos, fato que dependerá do tipo de infecção e das condições clínicas do hospedeiro. Ao se disseminar, normalmente, afetam a pele, o tecido mucocutâneo, os linfono- dos, o baço, o fígado, as glândulas suprarrenais e outras regiões. A gravidade de manifestação da doença pode estar relacionada à quantidade fúngica inalada. A infecção normalmente é assintomática, pois o sistema imune é ativado e consegue destruir o invasor. No entanto, frequentemente ocorre um processo inflamatório granulomatoso, que se manifesta com sintomas como pneumonia, febre, sudorese, tosse e falta de ar, pois atinge os pul- mões. Quando o fungo se dissemina, o que pode ocorrer, inclusive, na ausência de sintomas asso- ciados, há a formação de úlceras vermelhas na pele e nas mucosas, sobretudo na boca e no nariz. A infecção ocorre pelo contato de um indivíduo hígido com o fungo infectante e caracteriza-se pela presença de reação intradérmica positiva ao antígeno específico (que pode ser utilizada como teste diagnóstico) e achado de fungos latentes em necropsia. A doença juvenil, em sua forma aguda e subaguda, manifesta-se em crianças e adolescentes e corresponde de 5 a 25% dos casos. Os estados do Maranhão, Minas Gerais, Pará, Goiás e São Paulo são os mais prevalentes. Nessa forma, a infecção é de rápida evolução; quando aguda, dissemina- -se em poucas semanas e, na sua versão subaguda, evolui em alguns meses. A forma crônica em adultos é responsável pela maior ocorrência dos casos e representa de 74 a 96% destes. A faixa etária é de 30 a 60 anos e com predomínio no sexo masculino. Nessa forma, a doença é assintomática e instala-se no organismo lentamente. Muitos trabalhadores só descobrem a doença ao realizarem os exames ocupacionais ou check-up, podendo apresentar comprometimento pulmonar em 90% dos indivíduos. Consequentemente, os casos leves estão relacionados a uma perda ponderal abaixo de 5% do peso habitual e envolvimento de um único órgão ou comprometimento restrito de órgãos ou tecidos sem disfunção. Os casos graves estão associados a insuficiência respiratória, disfunção adrenal, síndrome neurológica ou abdome agudo, enquanto a forma residual ocorre devido às consequências promovidas pelas cicatrizes, que podem alterar anatômica e funcionalmente os vários órgãos afetados pela doença. A paracoccidioidomicose pode manifestar-se com outras infecções, como tuberculose, hansení- ase, leishmaniose, doença de Chagas, histoplasmose, criptococose, cromomicose e sífilis. Devido à condição clínica do indivíduo, há uma capacidade reduzida na defesa imunológica do organismo. Há uma alta incidência de neoplasias, sobretudo carcinomas da boca, laringe, faringe e pulmões, junto de paracoccidiomicose. Acredita-se que as lesões causadas pela doença, com o desenvolvimento de uma inflamação crônica e fibrosante, favorecem a ocorrência de um processo neoplásico. O material de colheita para a análise costuma ser escarro ou fluidos e fragmentos de tecidos das lesões, os quais podem ser analisados entre lâmina e lamínula e KOH 10–40%. No entanto, U N ID A D E 0 4 64 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA pode-se requisitar processamento prévio do material antes da sua análise. O padrão-ouro para o diagnóstico é o achado de elementos fúngicos no material clínico analisado. Esse fungo é dimórfico conforme a temperatura: filamentoso a temperatura ambiente (25– 30°C) e leveduriforme nos tecidos (35–37°C). Em temperatura ambiente e em meio Sabouraud, cresce lentamente e produz colônia branca ou creme, com pregas e dobras elevadas (pipoca es- tourada). O micélio é curto e a colônia é bem aderida ao meio. O exame microscópico mostra hifas septadas com artrósporos e clamidósporos. Na fase leveduriforme, o fungo, quando cultivado em ágar BHI ou ágar sangue com glicose e cis- teína, entre 35 a 37°C, produz colônia de coloração creme com aspecto enrugado e cerebriforme. Microscopicamente, apresenta levedura arredondada ou ovalada de parede espessa, isolada ou agrupada. Pode apresentar um único ou multibrotamentos (blastoconídios), o qual é caracterizado como “roda de leme de navio” ou “Mickey Mouse”. Como testes complementares, cita-se a reação intradérmica de hipersensibilidade com a pa- racoccidioidina, que pode ser realizada em regiões endêmicas da doença. Provas bioquímicas apresentam baixo valor como recurso a ser utilizado na identificação fúngica. Testes imunológi- cos podem ser realizados, uma vez que os indivíduos infectados produzem anticorpos específi- cos que podem ser analisados. Entretanto, para esses testes, apesar de a sensibilidade ser alta, a especificidade é baixa, pois pode ser confundido com outros antígenos produzidos por espécies fúngicas referentes às micoses sistêmicas. O marcador é o gp43, antígeno específico para o P. brasiliensis, e é detectado no soro e na urina. A titulação dos antígenos pode ser utilizada para monitoramento durante o tratamento. O tratamento eficaz é realizado com três grupos de drogas: anfotericina B, sulfazidina e deriva- dos azólicos (cetoconazol, itraconazol e fluconazol). A cura clínica é obtida na maioria dos casos, mas o paciente deve ser acompanhado para que não haja recidiva. 1.2 BLASTOMICOSE A blastomicose é causada pelo fungo Blastomyces dermatitidis. A localização geográfica do fungo se encontra, principalmente, nos Estados Unidos e no Canadá, sendo a região central (Vale do Mississipi, Illinois e região dos Lagos) a que tem o maior número de casos. Há casos, ainda, na África, no México, na Polônia e em alguns países asiáticos. O Blastomyces dermatitidis é um fungo saprófita que infecta o homem e os animais, sobretudo cães. No entanto, desconhece-se o nicho ecológico da espécie fúngica, apesar de se acreditar que seja o reino vegetal e o solo próximos a lagos e rios e ambientes úmidos. A infecção ocorre pela inalação dos conídios, está mais associada à região rural e acomete, principalmente, homens na faixa etária de 20 a 40 anos. As mulheres raramente são infectadas, a menos que seja por alterações hormonais, como gravidez, menopausa, entre outras. Crianças também não são usualmente infectadas, porém, quando o são, há maior gravidade. U N ID A D E 0 4 65 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA A doença caracteriza-se clinicamente por ser uma infecção crônica, granulomatosa e supurati- va. A manifestação clínica pode ser classificada em: (1) forma pulmonar aguda e crônica; (2) forma cutânea de evolução crônica; (3) forma cutânea de inoculação primária; e (4) forma disseminada. A forma pulmonar é uma das mais frequentes. Na forma aguda, após um período de incubação de até 15 semanas, manifesta-se como quadro gripal. Pode haver comprometimentopulmonar uni ou bilateral, com a presença de um quadro infiltrativo e/ou lesões nodulares. Alguns pacientes podem evoluir para a forma crônica, de modo que os sintomas permanecem e há perda de peso e dor torácica associada. As lesões podem permanecer isoladas ou disseminar-se para pele, ossos, articulações e sistema geniturinário. A forma cutânea de evolução crônica também é frequente e ocorre devido à disseminação he- matogênica. A manifestação clínica se dá pelo aparecimento de pápulas ou nódulos subcutâneos que produzem secreções que formam crostas aderentes. Ao evoluírem, as lesões adquirem aspec- to verrucoso, podendo comprometer a funcionalidade da região afetada. A forma cutânea de inoculação primária ocorre por inoculação traumática do fungo em condi- ções de manipulação laboratorial ou necropsia e é considerada rara. Nesse caso, as lesões são na região das mãos e formam nódulos ulcerativos autolimitados e que apresentam cura rápida. A forma disseminada não é frequente e caracteriza-se por comprometimento pulmonar grave, leucocitose e múltiplas lesões cutâneas em regiões como os ossos, articulações e trato genituriná- rio. Na blastomicose disseminada, estima-se que haja comprometimento nos ossos e nas articula- ções em 50% dos casos e de 20 a 30% no trato geniturinário. Para o diagnóstico laboratorial, o material clínico pode ser biópsia, líquor, escarro e urina. Ao realizar o exame direto microscópico da cultura mantida a 37°C, observa-se leveduras com parede celular dupla e refratária e um broto simples de base larga. A cultura em temperatura ambiente (25 a 30°C) produz, após três a quatro semanas, colônia com coloração branca a marrom, lisa, com centro elevado. Já na temperatura de 35 a 37°C, em ágar BHI, apresenta colônia glabrosa, leveduriforme, com sulcos e dobras. Testes complementares podem ser utilizados, como o cultivo da espécie fúngica em ágar Sa- bouraud enriquecido com cicloeximida, uma vez que inibe o crescimento na fase leveduriforme e, na fase filamentosa, não. Testes sorológicos podem ser aplicados, mas, apesar da boa sensibi- lidade, apresentam baixa especificidade, visto que podem ocorrer reações cruzadas com outras espécies fúngicas que também provocam micoses sistêmicas. 1.3 HISTOPLASMOSE A histoplasmose apresenta as variações clássica e africana. Ambas estão relacionadas ao mes- mo fungo, Histoplasma capsulatum. A clássica é decorrente do Histoplasma capsulatum var. cap- sulatum e a africana, do Histoplasma capsulatum var. duboisii. Os fungos são geofílicos e estão presentes, principalmente, no solo e em animais. O Histoplas- ma capsulatum var. capsulatum (1-4 µm) está associado aos cães e o Histoplasma capsulatum U N ID A D E 0 4 66 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA var. duboisii (3-5 µm) pode estar associado aos bugios. Eles encontram-se distribuídos geografi- camente pelo planeta, estando mais frequentemente associados a regiões de clima subtropical e temperado. O fungo é saprófita e é encontrado em microambientes abrigados, como cavernas, construções abandonadas, galinheiros, ocos de árvores, além de locais onde o solo está enriqueci- do com excretas de morcegos, galinhas e outros animais de pequeno porte. O Histoplasma capsulatum var. capsulatum apresenta alta prevalência nos Estados Unidos, no México, em Honduras, na Guatemala, na Nicarágua, no Panamá, em várias ilhas do Caribe (Jamai- ca, Porto Rico, Martinica e Cuba) e em diversos países sul-americanos, principalmente Venezuela, Colômbia, Peru, Brasil, Argentina e Uruguai. O Histoplasma capsulatum var. duboisii predomina na África, onde as duas variantes coexistem, e no Sudeste Asiático, em particular na Tailândia, na Malásia, na Indonésia, na Índia e no Vietnã. No Brasil, é prevalente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso e Minas Gerais. A Histoplasma capsulatum var. capsulatum apresenta maior interesse para o Brasil e, assim como as demais micoses sistêmicas, a infecção ocorre pela inalação dos conídios, que, ao se ins- talarem nos pulmões, desenvolvem um quadro clínico semelhante à tuberculose, afetando desde crianças até adultos. Após um período de incubação de 2–3 semanas, a infecção pode se dissemi- nar para outros órgãos (via hematogênica), como o fígado, o baço, os linfonodos, a medula óssea e outros. As formas de manifestação clínica do Histoplasma capsulatum var. capsulatum são: (1) histoplasmose infecção (assintomática ou sintomática), (2) histoplasmose aguda, (3) histoplasmo- se disseminada e (4) histoplasmose pulmonar crônica. A histoplasmose infecção e a histoplasmose aguda ocorrem em indivíduos normais que aca- bam infectando-se e representam cerca de 95 a 99% dos casos em áreas endêmicas. Essas for- mas são autolimitadas e regridem espontaneamente. A histoplasmose disseminada está relacio- nada a pacientes com comprometimento no sistema imunológico, e a histoplasmose pulmonar crônica, com a presença de defeito anatômico pulmonar. Quando não diagnosticada e não tra- tada, a infecção pode levar a óbito. Os materiais clínicos normalmente colhidos são escarro, biópsia, nódulo linfático, medula ós- sea, líquor, sangue e outros. No diagnóstico laboratorial, a observação do fungo no exame micros- cópico direto é dificultada, visto que apresenta tamanho reduzido (fator que não permite a dife- renciação das espécies pela proximidade de tamanho) e intracelular e tem morfologia semelhante a outras espécies fúngicas. Para isso, utiliza-se o recurso de corante de prata, giemsa ou panótico, a fim de auxiliar na identificação fúngica. O cultivo pode ser em ágar Sabouraud dextrose ou ágar Sabouraud com cloranfenicol e ci- cloheximida. A colônia filamentosa (25 a 30°C) apresenta crescimento lento de 3–4 semanas, com pigmentação branca, aspecto cotonoso e, com o tempo, torna-se acastanhada e granulosa. Na microscopia, observa-se a presença de hifas septadas hialinas e microconídios e macroconídios de parede espessa e projeções da parede celular. A colônia leveduriforme a 37°C, em ágar BHI, tem colônia glabra, lisa, pigmento branco-amarelado. A microscopia apresenta células leveduriformes pequenas (± 3 μm), ovais, parede celular fina e de base estreita. U N ID A D E 0 4 67 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA Pode-se utilizar o diagnóstico histopatológico devido ao perfil granulomatoso da doença, sendo possível observar a presença de elementos leveduriformes em cortes histológicos corados com hematoxilina-eosina. O teste cutâneo com histoplamina pode ser realizado para estudos epide- miológicos, mas não pode ser utilizado para o diagnóstico da doença. Testes imunoenzimáticos são utilizados para detectar o antígeno específico do Histoplasma circulante, que está presente no início da doença, ou como forma de acompanhamento ao tratamento, que pode ser realizado com anfotercina B, itraconazol, cetoconazol, entre outros. 1.4 COCCIDIOIDOMICOSE O principal agente fúngico associado à coccidioidomicose é Coccidioides immitis, mas uma nova espécie foi identificada dentro do gênero, denominada Coccidioides posadasii. As áreas endêmicas localizam-se nos Estados Unidos, na Bolívia, no Paraguai, na Argentina e no Nordeste do Brasil, visto que é um fungo geofílico encontrado, principalmente, em regiões desér- ticas e semiáridas, com altas temperaturas e solos alcalinos. Com a identificação da nova espécie, rastreou-se a distribuição geográfica e identificou-se que o C. immitis está associado aos isolados na Califórnia, nos Estados Unidos, e o agente C. posadasii encontra-se em todas as demais áreas endêmicas do continente americano, desde o sul dos Estados Unidos até a Argentina. Não há distinção entre as espécies infectantes. Os fungos infectam humanos e animais, princi- palmente cães, havendo registros em tatus. Por isso, acredita-se que o costume de realizar caças e desentocar tatus em seu habitat natural em estados como Piauí, Ceará, Maranhão e Bahia consisteem um risco para a região. A contaminação ocorre pela inalação de artroconídios presentes no solo, visto que o fungo é sa- prófita, e, ao invadirem os pulmões, crescem e transformam-se em grandes esférulas com parede dupla, espessa e refratária, com endósporos em seu interior, os quais são observados na análise dos tecidos infectados. A coccidioidomicose apresenta três formas clínicas: (1) forma pulmonar primária, (2) forma pulmonar progressiva e (3) forma disseminada. A forma pulmonar primária é a mais frequente e manifesta-se após um período de incubação de, aproximadamente, três semanas. Em torno de 60% dos indivíduos infectados evoluem para a cura espontânea e os demais evoluem para do- ença respiratória aguda, com sintomas semelhantes a febre. A severidade da infecção depende da quantidade inalada do fungo infectante e pode haver disseminação via hematogênica. Nesse caso, há um acometimento grave respiratório, que pode acarretar em insuficiência respiratória e evoluir para óbito. Na forma pulmonar progressiva, há a presença de lesões nodulares ou cavitárias, doença pulmonar fibrocavitária cujos achados são visualizados radiograficamente. A forma disseminada oriunda da forma pulmonar primária ocorre raramente. Nesse caso, pele, sistema nervoso cen- tral, ossos e articulações são acometidos. Uma vez que a evolução costuma ser aguda e atinge diversos órgãos e sistemas, é, geralmente, fatal. Caracteriza-se por lesões disseminadas, sendo mais comumente encontrada na pele. U N ID A D E 0 4 68 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA O diagnóstico laboratorial baseia-se na presença da espécie fúngica em seu estado parasitá- rio no exame direto microscópico de escarro, aspirado brônquico, líquor, raspado de lesões, pus, secreções e biópsias. Observa-se a presença de esférulas de parede espessa contendo, em seu interior, endósporos uninucleados. O cultivo da espécie fúngica deve ser evitado devido ao seu elevado grau de virulência e ao risco de contaminação, de modo que deve ser realizado em cabine de segurança biológica de nível II. Quando cultivada, tanto em temperatura ambiente quanto a 37°C, em ágar Sabouraud, a colônia apresenta textura algodonosa, com micélios aéreos brancos passando a castanho e crescimento entre 5 a 10 dias. Para auxiliar no diagnóstico, é realizada avaliação histopatológica dos tecidos infectados, assim como testes para a detecção do antígeno específico, teste intradérmico com coccidioidina. Para o tratamento, as drogas de escolha são fluconazol, itraconazol, cetonazol e anfotericina B. 2. MICOSES OPORTUNISTAS As micoses oportunistas infectam os seres humanos que estão com comprometimento no sis- tema imune, ou seja, imunodeprimidos e/ou imunossuprimidos. Algumas condições que levam o indivíduo a estar nessas situações são: doenças autoimunes, transplantes, uso de medicamentos imunossupressores, neoplasias, quimioterapia. Em indivíduos imunocompetentes, tais micoses não costumam ser capazes de provocar doenças por sua baixa virulência. O fungo aproveita-se do rompimento da barreira de defesa da pele e das mucosas e invade o organismo. As micoses oportunistas são causadas pelos gêneros fúngicos: Cryptococcus (criptococose), Candida (candidíase), Aspergillus (aspergilose), Mucor e Rhizopus (mucormicose), e quase todas podem apresentar sintomatologia parecida com pneumonia. Algumas características gerais dos fungos oportunistas estão presentes no Quadro 1. QUADRO 1 – CARACTERÍSTICAS IMPORTANTES DAS DOENÇAS CAUSADAS POR FUNGOS OPORTUNISTAS GÊNERO FORMA MICROS- CÓPICA OBSER- VADA NO TECIDO LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA IMPORTANTES ACHA- DOS CLÍNICOS DIAGNÓSTICO ABORATORIAL Candida Levedura formadora de pseudo-hifas (também hifas) No mundo todo Cândida da boca e na vagina; endocar- dite em usuários de drogas intravenosas. Gram-positiva; a cultura apresenta crescimento de colônias de leveduras; Candida albicans forma tubos germinativos. Cryptococ- cus Levedura com cápsula bem desenvolvida No mundo todo Meningite A tinta nanquim evidencia leveduras com cápsula proeminente; a cultura gera colônias intensamen- te mucoides. U N ID A D E 0 4 69 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA Aspergillus Micélio com hifa septada No mundo todo Massa micelial no pulmão; infecções por queimadura e ferida; infecções em cateteres; sinusite. A cultura gera micélio com esporos verdes; conídios em cadeia. Mucor e Rhizopus Micélio com hifa asseptada No mundo todo Lesão necrótica produzida quando o micélio invade os va- sos sanguíneos; fato- res de predisposição são a cetoacidose diabética, a acidose renal e câncer. A cultura gera micélio com esporos pretos; conídios no interior de uma bolsa, chamada esporângio. Fonte: Adaptado de LEVINSON (2016). 2.1 CRIPTOCOCOSE A criptococose é causada por duas espécies fúngicas: o Cryptococcus neoformans e o Crypto- coccus gattii. O fungo foi isolado pela primeira vez em 1894, na Alemanha, mas foi apenas em 1938 que recebeu o nome de Cryptococcus neoformans. O fungo saprófita tem distribuição universal e está presente na excreta de aves, sobretudo, pombos, os quais são um nicho de proliferação dos fungos, sobretudo o C. neoformans. Devido ao fato de o fungo do gênero Cryptococcus estar presente em fezes de aves, sobretudo, pombos, reflita: Quais locais são mais propícios para a disseminação dessa infecção fúngica? REFLITA O Cryptococcus é cosmopolita, de modo que está associado, principalmente, a núcleos urbanos. Casos da doença são mais prevalentes em regiões tropicais e subtropicais, cujos locais com mais ca- sos são Austrália, Nova Guiné, África (região Central), Ásia (região Sudeste), México, Estados Unidos e Brasil. O perfil epidemiológico da doença é diferente conforme a região do país. Nas regiões Sul e Sudeste, a infecção está mais associada a indivíduos com HIV e, nas regiões Norte e Nordeste, o fun- go contamina, sobretudo, indivíduos nativos, com maior prevalência em crianças e adultos jovens. Nesse caso, há uma mortalidade elevada, correspondendo a entre 50 e 80% dos casos. Ao contaminar o homem, esses fungos podem infectar qualquer órgão do corpo, mas têm predisposição a infectar os pulmões e o sistema nervoso central (SNC), sendo a principal micose encontrada em pacientes com HIV/Aids. Dados do Ministério da Saúde do Brasil apontam a infec- ção fúngica pelo Cryptococcus como primeira manifestação oportunista em 4,3% dos casos de U N ID A D E 0 4 70 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA HIV. No entanto, a infecção também pode estar associada a pacientes com neoplasias, diabetes, transplantados, uso de corticosteroides ou desnutrição severa. Além disso, o fungo é o principal responsável pela meningoencefalite fúngica. Normalmente, infecta os homens, sendo duas vezes mais frequentes no sexo masculino. O Cryptococcus neoformans manifesta-se, principalmente, em pacientes imunodeprimidos, é generalizada, não responde bem ao tratamento clássico e, por isso, geralmente evolui para óbito. Por sua vez, o Cryptococcus gattii está mais associado a pacientes imunocompetentes, apresenta manifestação pulmonar significativa e responde bem ao tratamento clássico, evoluindo, portanto, a um bom prognóstico. A diferença entre as espécies é vista pela morfologia das leveduras e nos basidiósporos: no C. neoformans é uniformemente globosa e com basidiósporos de formato elíptico e de paredes rugosas; no C. gattii, as leveduras apresentam morfologia com mistura de globosa à elíptica e basi- diósporos com formato bacilar e paredes lisas. Uma forma de seleção, que permite a identificação robusta de cepas de C. gattii em meio canavanina-glicina-bromotimol azul (CGB) com crescimento, altera a cor do meio para azul cobalto, enquanto o ágar CGB inoculado com cepas de C. neofor- mans permanece inalterado. O fungo apresenta um fator de virulência bastante agravante, a presençade uma cápsula cons- tituída de um complexo de carboidratos (polissacarídeos, polímeros da xilose, manose e ácido glicurônico, livres de nitrogênio e enxofre), a qual é visível em microscopia com o auxílio de Tinta Nanquim (Tinta da China ou Nanquim da China). Há, também, a presença de melanina na parede celular, que contribui para a virulência da espé- cie C. neoformans. Além disso, a principal razão pela qual C. neoformans e C. gattii são os únicos patógenos bem sucedidos entre as mais de 70 espécies de Cryptococcus é sua capacidade de crescer robustamente em temperaturas fisiológicas. A degradação da urease permite ao fungo a sua propagação nos pulmões e a possibilidade de atravessar a barreira hematoencefálica. A infecção fúngica ocorre pela inalação das leveduras encapsuladas, de modo que, consequen- temente, o primeiro sítio de infecção são os pulmões. O fungo pode manter-se incubado por anos, até manifestar outros sintomas e evoluir para infecção no SNC. Há duas classificações distintas a respeito da manifestação clínica da doença: uma a divide em cutânea e sistêmica, enquanto a outra, em forma pulmonar regressiva, pulmonar progressiva e disseminada. A forma cutânea caracteriza-se por manifestações de lesões acneiformes, rash cutâ- neo, ulcerações ou massas subcutâneas que simulam tumores. A forma sistêmica surge como uma meningite subaguda ou crônica, caracterizada por febre, fraqueza, dor no peito, rigidez de nuca, dor de cabeça, náusea e vômito, sudorese noturna, confusão mental e alterações de visão. Nesse caso, pode haver comprometimento ocular, pulmonar e ósseo. A criptococose pulmonar regressiva representa as lesões pulmonares primárias, as quais quase não são identificadas. Geralmente, o diagnóstico é realizado por acaso em exames histopatológi- cos pela presença de nódulos residuais pulmonares, de caráter periférico e não calcificados. U N ID A D E 0 4 71 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA A criptococose pulmonar progressiva representa cerca de 10% dos casos e os sintomas asso- ciados são inespecíficos, podendo manifestar-se na forma de febre, dor no peito, tosse, perda de peso e escarro mucoide e sanguinolento. Nessa forma, radiologicamente são observados nódulos, geralmente, nos lóbulos inferiores, com acúmulo de massa fúngica rica em material capsular no interior da lesão. Conforme a condição clínica do paciente, a tendência à invasão e à disseminação da infecção aumenta. A criptococose disseminada corresponde a 90% dos casos e é representada pelo quadro extra- pulmonar, acometendo o sistema nervoso central. A disseminação ocorre via hematogênica, e o fungo infecta outros órgãos e sistemas. A manifestação mais comum é a meningoencefalite, que promove cefaleia, alterações de comportamento, náuseas, vômitos, febres, entre outros. A doença pode ser facilmente confundida com tuberculose pulmonar, de modo que é neces- sário o diagnóstico laboratorial para identificá-la. Além disso, informações epidemiológicas são importantes para orientar na suspeita clínica. Os materiais clínicos que costumam ser utilizados são urina, escarro, líquor e sangue. Conforme o exame clínico, deve-se realizar biópsia de gânglios periféricos aumentados e de lesões cutâneas. Para o diagnóstico laboratorial, no exame direto microscópico, observa-se a presença da leve- dura encapsulada após a amostra ser colocada em contato com uma gota de tinta de nanquim entre lâmina e lamínula. Após cultivo em meio ágar Sabouraud dextrose, cresce entre 30 e 35°C em, aproximadamente, 72 horas. Forma colônias brilhantes, viscosas e com aspecto úmido e colo- ração creme; com o tempo, adquirem textura mucoide e aspecto de leite condensado. Ambas as espécies do Cryptococcus apresentam as mesmas características macroscópicas da colônia. O diagnóstico imunológico pode ser realizado pela pesquisa de antígenos capsulares por meio de aglutinação de partículas de látex sensibilizadas, para a qual o material clínico indicado é o lí- quor. A especificidade e a sensibilidade são superiores a 90%. O tratamento indicado é com o uso de anfotericina B, 5-fluocitosina, fluconazol e itraconazol. No entanto, o tratamento se dá de acordo com a forma de manifestação clínica da doença e se a infecção está, ou não, associada ao HIV. 2.2 CANDIDÍASE A candidíase é causada pelas leveduras do gênero Candida sp., principalmente Candida albi- cans, e difere dos demais agentes etiológicos, pois faz parte da microbiota humana. Logo, é difícil realizar o diagnóstico correto e a distinção entre infecção e microbiota. A levedura é capaz de pro- mover doenças superficiais, cutâneas, subcutâneas ou sistêmicas. É oportunista porque, confor- me a condição clínica do indivíduo, provoca alteração no equilíbrio entre o fungo e o hospedeiro, sendo capaz de desencadear uma infecção. A candidíase é a micose oportunista mais frequente. O gênero Candida apresenta diversos fatores de virulência, como a presença de proteinases e lipases e a formação de pseudo-hifas que auxiliam na invasão do hospedeiro. U N ID A D E 0 4 72 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA Dentre as 80 espécies de Candida que aproximadamente já foram descritas, C. albicans, C. glabrata, C. parapsilosis, C. tropicalis e C. krusei são as mais comumente relacionadas às manifestações clínicas da candidíase, sendo a Candida albicans responsável por mais de 50% das candidemias. Além da espécie humana, o fungo está presente nos primatas, e os animais domésticos e pássaros são considerados reservatórios. No homem, a C. albicans localiza-se na mucosa digestiva e vaginal. Por isso, pode ser encontrada na natureza, no solo e/ou na água que contenha excretas humanas ou de animais. As formas de manifestação clínica da doença são: mucocutânea, cutânea ou sistêmica. A candidíase mucocutânea afeta os tecidos da mucosa oral, provocando candidíase oral e vaginal, com a vulvovaginite, e pode evoluir para a forma crônica, que costuma ocorrer em pacientes com defeitos genéticos, endócrinos (diabetes), hematológicos, imunológicos e metabólitos. A candidíase cutânea manifesta-se em áreas intertriginosas da pele das mãos, das virilhas, dos órgãos sexuais e das axilas. As lesões são eritematosas, úmidas, com bordas mal definidas e esca- mosas e podem formar vesículas e apresentar fissuras. Podem estender-se, causando onicomico- ses cujo caráter costuma ser crônico e evoluir para a destruição total da unha. Na candidíase sistêmica, há invasão fúngica em diversos órgãos e maior gravidade. Tem como causa a disseminação do fungo por via hematogênica ou origem exógena, como, por exemplo, infusão de líquidos contaminados. A manifestação clínica pode ser variável e inespecífica, causan- do problemas nos pulmões, rins, fígado, articulações, ossos, ocular e lesões no SNC. Essa forma da infecção está associada a indivíduos com fatores que comprometem o sistema imune, como pacientes neutropênicos, transplantados, neonatos, com rupturas de barreiras mecânicas (cateter intravenoso e queimaduras) e HIV. As manifestações clínicas da candidíase estão relacionadas com o perfil e estilo de vida do in- divíduo, de modo que pessoas que costumam estar em contato com a água podem desenvolver onicomicoses; obesos apresentam a micose nas dobras mamárias e abdominais; recém-nascidos manifestam a infecção na mucosa oral, popularmente reconhecida como “sapinho”; e, nas mulhe- res, quando afeta a mucosa vaginal, provoca uma secreção branco-leitosa, com odor desagradável e prurido vulvar. Há também a candidíase alérgica, que é provocada pelo contato com a levedura e pode ocasio- nar: (1) a não manifestação de lesão clínica, e o paciente não chega a apresentar resultado imuno- lógico positivo; (2) a não manifestação clínica, mas com intradermorreação e provas imunológicas positivas; (3) a presença de lesões clínicas estéreis e alérgicas, que se relacionam à presença de leveduras, causando infecção em outro sítio. Costumaestar presente nos espaços interdigitais das mãos ou em outras partes do corpo. O material clínico utilizado para a investigação diagnóstica é oriundo das lesões, de aspirado, lavado brônquico, urina, biópsias de diversos órgãos, sangue e outros. Uma vez que as espécies de Candida sp. são sensíveis à dessecação, conforme o material, devem ser imediatamente se- meadas ou armazenadas em salina estéril. No exame direto microscópico, observa-se blastoco- nídios que podem, ou não, estar associados a pseudo-hifas e pseudomicélios. Caso a espécie U N ID A D E 0 4 73 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA infectante seja Candida albicans ou C. tropicalis, também é possível observar hifas verdadeiras. Para o cultivo, os meios que costumam ser utilizados são o Sabouraud, Sabouraud + clorafenicol e Sabouraud + clorafenicol e cicloeximida – a temperatura de 25 a 37°C. A colônia cresce entre dois a cinco dias e apresenta aspecto cremoso, textura glabrosa, branca, opaca. Pode apresen- tar variações de cerebriforme a rugosa. O reverso apresenta a mesma coloração do verso e não apresenta pigmento difusível. Todas as espécies apresentam a mesma macroscopia das colô- nias. Outros testes complementares que podem ser realizados são: auxanograma, zimograma e formação de tubo germinativo. O tratamento será realizado conforme a forma de manifestação clínica da infecção e a gravida- de da doença. Destaca-se a necessidade de tratar a causa da infecção, e não apenas o fungo. Para obter mais informações a respeito do CHROMagar Candida, acesse as instruções de uso de uma marca específica (BD), disponível em: https://goo.gl/uqwWYm. Acesso em: 10 jun. 2021. LEITURA 2.3 ASPERGILOSE A aspergilose é uma micose oportunista causada pelas espécies do gênero Aspergillus, que apresenta mais de 300 espécies fúngicas. O fungo saprófito apresenta abundante distribuição na natureza em diversos lugares, como restos orgânicos, solo, vestimentas, residências, ar-condicionado e, inclusive, meios estéreis, tra- tando-se de um agente infectante nos laboratórios de micologia. Cerca de 20 espécies estão re- lacionadas ao desenvolvimento de doenças nos seres humanos e animais domésticos. Isso se dá pela produção de toxinas, denominadas aflatoxinas, que são capazes de induzir processo carcino- gênico. As principais espécies associadas são A. fumigatus (75–85%), A. flavus (5–10%), A. niger (1,5–3%) e A. terreus (2–3%). O mais abundante em regiões de clima temperado e a espécie mais comum nas manifestações de aspergilose é o A. fumigatus, uma vez que está presente no solo e a condição ideal de crescimento é de 37 a 40°C, enquanto o A. flavus e o A. niger são mais prevalentes em regiões de clima subtropical. Devido à ubiquidade do fungo e à grande dispersão de pequenos conídios no ar, indivíduos com comprometimento no sistema imunológico são facilmente infectados. Assim como as de- mais infecções oportunistas, a aspergilose é uma doença presente em pacientes imunodepri- midos, portadores de HIV, neutropenia prolongada, imunodeficiência primária, transplantados pulmonares e de medula óssea. Para a aspergilose, os principais fatores que contribuem para as complicações associadas à in- fecção são: agranulocitopenia, pós-quimioterapia rigorosa e prolongada, uso de corticosteroides e imunossupressão. As complicações associadas ao quadro pulmonar são: tabagismo, antecedentes U N ID A D E 0 4 74 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA de tuberculose e fibrose pulmonar. A principal forma de infecção é a invasão fúngica pulmonar por meio da inalação dos conídios, ingesta de alimentos contaminados com aflatoxinas ou por meca- nismos de hipersensibilidade do hospedeiro. As formas de manifestação clínicas da doença podem ser classificadas em invasiva, saprofítica e alérgica, que resultam em quadros clínicos observados na forma de aspergilose cutânea, aspergilo- ma e aspergilose pulmonar. A aspergilose cutânea ocorre em pacientes imunossuprimidos e pode ser decorrente de um traumatismo cutâneo (pacientes queimados) ou devido à disseminação da infecção via hematogênica. O indivíduo apresenta lesões polimórficas com a presença, ou não, de nódulos, pústulas, abscessos, granulomas e/ou necrose. Como manifestação clínica primária, pode-se desenvolver onicomicose, cuja espécie mais frequente é o A. terreus, e, como manifes- tação clínica secundária, ocorre a otomicose aspergilar (infecção secundária presente no conduto auditivo externo e que está presente em pacientes com lesões eczematosas que fizeram uso de antimicrobianos e corticoides tópicos). A. fumigatus e A. niger são as espécies mais prevalentes. O aspergiloma corresponde à inalação dos conídios, os quais se acumulam em cavidades pulmonares causadas por doenças pulmonares prévias. Em condições nutricionais ideais de de- senvolvimento, o fungo se reproduz e forma uma massa miceliana compactada, caracterizando uma bola fúngica ou aspergiloma. As espécies mais frequentes relacionadas são A. fumigatus, A. flavus e A. niger. A aspergilose pulmonar é uma das manifestações da aspergilose mais frequente; também é decorrente da inalação de conídios e pode atingir, inclusive, os seios da face. A manifestação dos sintomas é inespecífica, representada por febre, dor torácica, tosse e dispneia. Pode cau- sar lesões de evolução rápida e ocasionar broncopneumonia necrosante, infarto hemorrágico, abscesso pulmonar e pneumonia lobar. Pode ter caráter semi-invasivo ou invasivo, além de se disseminar para outros órgãos. A aspergilose imunoalérgica caracteriza-se por possíveis reações alérgicas, que podem ser cau- sadas em decorrência da inalação dos conídios. Nesse caso, manifesta-se na forma de aspergilose broncopulmonar alérgica ou de alveolite alérgica, conforme a condição clínica do indivíduo. Outra forma importante de infecção é pela intoxicação por produtos metabólicos do Asper- gillus, as micotoxinas, que são adquiridas após a ingestão de alimentos contaminados. A infecção pode causar problemas hepáticos, como hepatite aguda, necrose e carcinomatose. Para o diagnóstico laboratorial, as amostras que costumam ser analisadas são: escarro, la- vado brônquico, raramente isolados no sangue, urina e líquor. Muitas vezes, solicita-se amos- tras em dias consecutivos ou alternados para certificar-se de que se trata de uma infecção fúngica, e não de uma espécie contaminante. Geralmente, o material também passa por uma análise histopatológica, visto que a verificação da presença de estruturas fúngicas invadindo o tecido, com o uso de corantes, fica mais evidente. No exame microscópico direto, observa-se hifas hialinas de cerca de 4 μm de diâmetro, septadas e bifurcadas em ângulo agudo, além dos conídios (Figura 1). U N ID A D E 0 4 75 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA FIGURA 1 – MICROMORFOLOGIA DO ASPERGILLUS SP. Fonte: MEZZARI (2012). O meio de cultivo ideal é o ágar Sabouraud dextrose com cloranfenicol, entre 25 e 30°C, por dois a quatro dias; cresce uma colônia filamentosa, pulverulenta (pela cabeça aspergilar dos co- nídios), com variação de cores, como preto, verde e amarelo. A diferenciação das espécies pode ser realizada identificando-se particularidades nas características macroscópicas e microscópicas da colônia. As colônias adquirem novas características após a formação das cabeças aspergilares. O Aspergillus niger e o Aspergillus flavus são bastante utilizados na indústria. O A. niger é em- pregado na produção de ácido cítrico e de outros ácidos orgânicos, enquanto o A. flavus, na produção de enzimas proteolíticas. SAIBA MAIS Testes imunológicos são indicados para a determinação da forma de infecção e para diferenciar casos de aspergiloma e aspergilose imunoalérgica. Quando se trata de aspergilose invasiva, os re- sultados, comumente, são negativos. O tratamento indicado é variável, sendo tópico, sistêmico e/ou procedimento cirúrgico confor- me a forma e a manifestaçãoclínica da doença. Os antifúngicos mais utilizados são anfotericina B, 5-fluorocitosina, itraconazol e cetoconazol. Para as aspergiloses imunoalérgicas e as micotoxico- ses, realiza-se a remoção dos fatores causadores e terapêutica específica. U N ID A D E 0 4 76 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA 2.4 MUCORMICOSE O gênero fúngico mais prevalente é o Rhizopus, sendo os demais gêneros associados Mucor, Rhizomucor, Absidia, Apophysomyces, Saksenaea, Cunninghamella, Cokeromyces e Syncephalas- trum. Os fungos apresentam distribuição universal, preferencialmente em clima quente e úmido. Estão presentes no solo e na matéria orgânica em decomposição, podendo ser encontrados como contaminantes de amostras clínicas. Eles são termotolerantes, ou seja, crescem em temperaturas de 36 a 43°C. No gênero Rhizopus, as espécies podem sobreviver em temperaturas de até 82°C por até 72 horas, assim como outras espécies que também crescem em temperaturas extremas. A infecção ocorre pela inalação de esporos por meio de poeira ou água contaminada. Conse- quentemente, a doença afeta pulmões, SNC e trato gastrintestinal. Lesões cutâneas são decor- rentes da inoculação traumática dos esporos, esparadrapos e gazes contaminados e, raramente, de picadas de insetos. As manifestações pulmonares estão relacionadas a pacientes com câncer e transplantados de medula óssea, enquanto infecções cerebrais e disseminadas, em usuários de drogas de abuso in- travenosas e em pacientes que recebem deferoxamina (quelante de ferro – o quelante interfere, pois os fungos utilizam o ferro ligado a esses quelantes para favorecer o seu crescimento). Na mu- cormicose cerebral, o principal fator de risco é o imunocomprometimento pela diabetes mellitus. As formas de manifestação clínica da doença podem ser: (1) mucormicose cutânea/subcutânea (19%), (2) mucormicose pulmonar (24%), (3) mucormicose rinocerebral (rino 39%, cerebral 9%), (4) mucormicose gastrointestinal (7%), (5) mucormicose disseminada ou sistêmica (3%). A mucormicose cutânea pode ser ocasionada pela inoculação de esporos por algum traumatismo ou pela manifestação disseminada da infecção. Há a formação de uma lesão, que promove a resposta inflamatória, formando abscessos, edema e necrose tecidual. Em sua forma primária, invade os tecidos cutâneos e subcutâne- os, alcançando os músculos. Dissemina-se aos outros tecidos e órgãos via linfática e/ou hematogênica. A mucormicose pulmonar ocorre por meio da inalação de esporos, que se instalam nos pulmões e disseminam-se via hematogênica. Os sintomas podem ser confundidos com os da pneumonia, o que prejudica o diagnóstico da doença, podendo levar o paciente a óbito por insuficiência pulmonar. A mucormicose rinocerebral é a forma mais frequente e está presente em aproximadamente 50% dos casos da doença. Apresenta alta mortalidade, cerca de 70%, bem como relação com a cetoacidose diabética. Ao inalar os esporos, eles instalam-se nos seios nasais, confundindo-se com os sintomas de sinusite, e evoluem rapidamente; pode ser considerada uma forma de sinusite invasiva. A evolução da doença promove um comprometimento do nervo óptico e, consequente- mente, o SNC pode ser afetado. A mucormicose gastrintestinal é decorrente da inalação via alimentos contaminados. Na forma invasiva, promove a formação de úlceras necróticas gástricas ou intestinais, que podem tornar-se um quadro de peritonite. Com isso, há uma elevada taxa de mortalidade associada, podendo che- gar a 98%. A mucormicose disseminada ou sistêmica está relacionada à disseminação do fungo via U N ID A D E 0 4 77 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA hematogênica a partir de um foco pulmonar primário. Os sintomas são trombose, invasão vascular, infarto e necrose tecidual. Devido à variabilidade das manifestações clínicas, o diagnóstico acaba não sendo associado à doença, que tem resultado fatal. A mortalidade associada a essa forma de manifestação é de 80 a 95%. O diagnóstico laboratorial é realizado com raspados de lesões, escarro e lavado brônquico como fonte de material clínico. No exame microscópico direto, observa-se hifas hialinas, largas, pleomór- ficas, pouco ou não septadas, cenocíticas e com ramificações em ângulos de 45° a 90°. Pode-se utilizar como recurso para melhor visualização dos elementos o calcofluor white, que mostra os elementos fúngicos em verde-amarelo brilhante. A colônia tem crescimento rápido, em até 4 dias, em meio Sabouraud, ágar batata, ágar-extrato de malte. Apresentam micélio aéreo com textura algodonosa, com coloração branca a amarela, que se torna cinza ou acastanhada com a maturação dos esporângios. O reverso, normalmente, é branco ou igual ao verso da colônia. A identificação das espécies deve basear-se na observação da microscopia da colônia de itens como: (1) padrão de esporulação, (2) estrutura do esporângio e (3) morfologia do zigósporo. Na microscopia, observa-se esporangióforos largos e compridos e esporângios de formato esférico. De forma complementar, realiza-se exame histopatológico para visualizar as espécies fúngicas infectando os tecidos. Testes sorológicos para a detecção de anticorpos costumam ser inespecífi- cos, e a baixa especificidade acaba indisponibilizando o uso dessa avaliação. Para o tratamento, é necessária mais de uma medida, como excisão cirúrgica dos tecidos afetados, terapia antifúngica imediata e correção das patologias de base que predispõem o paciente à doença. 2.5 OUTRAS MICOSES OPORTUNISTAS Há outras micoses consideradas oportunistas, mas que não apresentam uma prevalência tão grande quanto as anteriormente citadas. Dentre as hialo-hifomicoses, que são provocadas por fungos filamentosos de parede hialinas, destaca-se a aspergilose. No entanto, os gêneros fúngicos Penicillium sp., Fusarium sp. e Acremonium podem estar associados às micoses oportunistas. 3. OUTRAS MICOSES 3.1 ENTOMOPHTHOROMICOSE Fungos da ordem Entomophthorales, os gêneros Conidiobolus sp. e Basidiobolus sp. são os agentes das doenças denominadas conidiobolomicose e basidiobolomicose, respectivamente. É uma micose subcutânea e cutaneomucosa, crônica, atinge principalmente indivíduos imunocom- petentes, tendo bom prognóstico. A via de inoculação pode ser traumática por picada de insetos, contato com solo e vegetais ou por inalação dos esporos. A basidiobolomicose acomete mais crianças menores de 10 anos do U N ID A D E 0 4 78 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA sexo masculino, e a conidiobolomicose tem o paciente adulto como o mais atingido e raramente crianças ou adolescentes. A entomoftoromicose se manifesta nas formas subcutânea crônica, centrofacial e visceral. 3.1.1 CONIDIOBOLOMICOSE Na conidiobolomicose o agente mais frequente é o C. coronatus, com baixo poder de virulên- cia, e o menos frequente é o C. incongruus. O C. coronatus é encontrado mais frequentemente causando a zigomicose centrofacial. Apresenta termotolerância a 37°C, demonstrando ser bem adaptado à temperatura humana. A invasão se inicia no tecido subcutâneo e por infiltração para os seios paranasais, resultando em aumento do tecido subcutâneo do nariz, lábios, tecido perinasal e olhos. Aparecem nódulos ou tumorações subcutâneas, duros à palpação, em geral assintomáticos pela invasão do tecido subcutâneo e muscular. A disseminação é rara. O C. incongruus tem sido relatado como o responsável por casos de infecções invasivas e gra- ves, em imunocompetentes ou em imunodeprimidos. Ocorre em climas quentes e úmidos. No Brasil, o maior número de casos ocorre no Nordeste e no Norte, sobretudo nos estados da Bahia, Maranhão, Piauí e Pará. 3.1.2 BASIDIOBOLOMICOSE O agente da basidiobolomicose, o B. ranarum, é um fungo com poucos fatores de virulência conhecidos. Apresenta relativa termotolerância, crescendo em até 37°C. Infecção que atinge os tecidos subcutâneos e periféricos, geralmente nos membros inferiores. A manifestaçãoclínica ocorre na forma de nódulos pouco dolorosos que progridem de forma len- ta, sendo fortemente aderidos a planos profundos. As lesões eventualmente ulceram e a área atin- gida se apresenta inflamada, eritematosa e quente. Excepcionalmente pode disseminar-se. Ocorre em clima quente. No Brasil, o maior número de casos ocorre no Nordeste. O diagnóstico é realizado por meio de exames micológico, histopatológico e da clínica do pa- ciente. O diagnóstico laboratorial é importante para o diagnóstico diferencial entre doenças como a esporotricose, elefantíase, tuberculose ou linfoma. O exame direto é realizado com o material coletado e processado com KOH 10-40%, em esfre- gaços ou cortes histológicos corados com PAS ou GMS em que se observam hifas largas, ramifica- das, paredes finas e raras septações. Cresce em ágar Sabouraud dextrose ou outros, incubado a 30°C ou a 37°C. Apresenta crescimento rápido, colônia branca ou bege e aspecto membranoso. O cultivo em lâmina facilita a visualização dos conídios de reprodução sexuada e assexuada de ambos Conidiobolus sp. e Basidiobolus sp. O tratamento da entomophthoromicose ainda é empírico. A remoção dos nódulos e a utiliza- ção de medicamentos têm sido usadas. No entanto, não existe a droga de eleição dos agentes da entomoftoromicose. Algumas drogas têm sido usadas com sucesso, como a solução saturada de iodeto de potássio, sulfametoxazol-trimetoprim, anfotericina B e derivados azólicos combinados com o iodeto de potássio, entre eles o cetoconazol. U N ID A D E 0 4 79 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA 3.2 FEO-HIFOMICOSE A denominação feo-hifomicose corresponde a toda infecção fúngica causada por fungos de- máceos, com exceção da cromomicose. Os agentes são patógenos em indivíduos sadios e imuno- comprometidos. A doença pode ocorrer também em animais. Esses fungos podem causar, além da feo-hifomicoses, também micetomas eumicóticos. Os fungos dematiáceos septados representam um grupo de fungos patogênicos com pigmentos de melanina dentro da parede celular. Dentre os potencialmente patogênicos ao homem, desta- cam-se Pseudallescheria boydii, Scedosporium prolificans (Scedosporium inflatum), Bipolaris spp., Cladophialophora bantiana (Cladosporium bantianum), Dactylaria gallopava, Alternaria spp. e Curvularia spp. Cada vez mais reconhecido como patógeno, esse grupo de fungos é associado a quadros de pneumonia, sinusites e infecções sistêmicas em pacientes imunocomprometidos. Estudos clínicos e experimentais em laboratório demonstram que esses microrganismos apresentam crescente predisposição para infecções do SNC. São caracterizados por conter parede celular com pigmento melânico de cor marrom a amarela e colônias pretas a marrom. Conforme a localização, manifestam-se clinicamente nas formas su- perficiais, cutâneas e subcutâneas por implantação traumática ou evoluem para sistêmicas. São vários os fungos responsáveis pela feo-hifomicose, sendo oportunistas, cosmopolitas e en- contrados principalmente na zona rural. Os fungos demáceos mais frequentemente envolvidos em feo-hifomicoses são Cladosporium bantianum, Wangiella dermatitidis, Exophiala jeanselmei, Phialophora richardsiae, Scytalidium lignicola, Phoma sp., Curvularia geniculata, Alternaria sp., Bipolaris hawaiiensis, Hendersonula toruloidea e outros. Outro patógeno esporádico, mas também considerado emergente, é a Wangiella (Exophiala) dermatitidis, convencionalmente identificada em culturas apenas como um fungo dematiáceo. É um típico fungo filamentoso demáceo que desenvolve hifas nos tecidos infectados, principalmente nas infecções do SNC. É relatada resistência adquirida a diversos agentes antifúngicos. A feo-hifomicose se manifesta de forma variável, dependendo do sítio anatômico acometido, a espécie fúngica envolvida e o estado imunológico do indivíduo. A partir desses achados a doença pode se apresentar como uma micose superficial, subcutânea ou sistêmica. A feo-hifomicose superficial caracteriza-se pelas formas clínicas que envolvem o extrato córneo da pele, pelos e unhas. Clinicamente são semelhantes às dermatofitoses. A forma subcutânea é a mais comum e caracteriza-se pela evolução crônica, de início por trau- matismo, que inocula o fungo demáceo. No local da inoculação, surgem nódulos com secreção serossanguinolenta ou seropurulenta. Os nódulos são de consistência mole, não aderidos à pele, flutuantes e envolvidos por uma cápsula. Esses nódulos podem ulcerar espontaneamente e drenar secreção rica em hifas demáceas. A feo-hifomicose sistêmica é a forma clínica mais rara, encontrada em pacientes imunocom- prometidos, como diabéticos, leucêmicos e outros. A doença se instala a partir da inalação dos U N ID A D E 0 4 80 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA elementos fúngicos infectantes e, por disseminação hematogênica, atinge órgãos, especialmente o cérebro e outros, como coração, intestino, fígado, baço, rins. A forma cerebral geralmente é aco- metida pelo fungo Cladosporium bantianum (Xylohypha batiana). O exame direto, a cultura e o histopatológico são essenciais para o diagnóstico. Ao exame direto com KOH 10-40% de qualquer material biológico, são observadas hifas demáceas com aspecto toruloide. No exame histopatológico, as colorações mais utilizadas são a HE ou PAS para procurar a pigmentação castanha das hifas. A coloração prata não permite visualização, mascarando, por- tanto, a presença de fungos demáceos. Cresce bem em ágar Sabouraud dextrose sem ciclo-heximida, entre 25 e 30°C, em período de 5 a 30 dias. O fungo Xylohypha batiana suporta bem temperaturas de até 42 a 43°C. As macro e micromorfologias coloniais fornecem o diagnóstico. O tratamento depende da localização da doença e do fungo envolvido. A terapêutica antifúngi- ca varia entre uso tópico, oral, intravenoso e outros. Em algumas apresentações clínicas, o trata- mento cirúrgico é a opção de escolha. Os antifúngicos mais usados são anfotericina B, 5-fluocito- sina, itraconazol e fluconazol. 3.3 PNEUMOCISTOSE O agente da pneumocistose, o Pneumocystis jiroveci, foi descrito como agente de infecção humana em 1952. Microrganismo extracelular que se desenvolve nos alvéolos pulmonares de ani- mais domésticos e vertebrados selvagens, é o agente causador de pneumonia em prematuros e crianças desnutridas. Tem distribuição universal com facilidade de transmissão e acentuado tro- pismo pulmonar. É adquirido no ambiente por inalação, causando pneumocistose pulmonar. Cerca de 75% das crianças sadias, nos primeiros anos de vida, apresentam títulos de anticorpos detectáveis para o P. jiroveci. A infecção primária é assintomática ou subclínica no indivíduo imunocompetente. Permanece latente em lesões granulomatosas. Na alteração do sistema imunológico, pode mani- festar-se como pneumonia ou disseminação. Tem alta frequência em pacientes com Aids. Além da forma pulmonar ou disseminada, o P. jiroveci também pode provocar lesões cutâneas, coriorreti- nites e processos perirretais. O gênero contém uma espécie com variações genotípicas e fenotípicas na estrutura antigênica, sugerindo a existência de espécies ou cepas diferentes. Acomete, de forma esporádica, indivíduos HIV negativos que apresentem algum tipo de imunodeficiência, como transplante, uso de drogas imunossupressoras ou outros. Casos raros ocorrem em indivíduos imunocompetentes. Em crian- ças, ocorre em prematuros ou mal nutridos, de forma epidêmica. O exame direto é o método de diagnóstico definitivo para o P. jiroveci, porque não há possibi- lidade de cultivo do fungo. São usadas colorações como prata, giemsa, Papanicolaou e outros. O material biológico usado para o diagnóstico pode ser biópsia, escarro, lavado broncoalveolar (LBA), escovados ou outros. U N ID A D E 0 4 81 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA As técnicas de diagnóstico para o P. jiroveci ainda apresentam pouca sensibilidade e especifici- dade. Recentemente,técnicas que utilizam anticorpos monoclonais como a PCR, as que pesqui- sam ácidos nucleicos e a genotipagem têm sido utilizadas na busca de melhores resultados que as colorações convencionais. Porém, a especificidade diagnóstica ainda necessita de melhoras. Como o fungo não apresenta ergosterol na membrana celular, o uso de antifúngicos é inade- quado. O tratamento de escolha tem sido o sulfametoxazol-trimetoprim, também usado como profilaxia em pacientes que recebem transplantes ou terapia antineoplásica. Outras drogas são utilizadas como segunda alternativa, a pentamidina ou a dapsona, e como terceira escolha, a clindamicina e primaquina. Nos pacientes não tratados, a mortalidade atinge 100% e, em pacientes tratados, em torno de 15%. Para diminuir a incidência de pneumocistose, tem-se usado a quimioprofilaxia para prevenir a doença; isso se deve ao alto índice de mortalidade. Nos pacientes imunodeprimidos que não apresentam a doença, deve-se evitar o contato com os portadores da micose, pois o fungo já foi detectado no ar exalado por pacientes com pneumocistose. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao fim desta Unidade, você se tornou capaz de cumprir com os Objetivos de Aprendizagem pro- postos. Nesse sentido, conheceu as diferentes micoses sistêmicas, oportunistas e outras micoses. E, além disso, aprendeu a diferenciar as diferentes micoses quanto à sua manifestação clínica e ao agente causador. ANOTAÇÕES 82 UN IB RA SI L EA D | M IC OL OG IA C LÍ NI CA REFERÊNCIAS BLACK, J. G. Microbiologia: fundamentos e perspectivas. 10. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koo- gan, 2021. BROOKS, G. F. et al. Microbiologia médica. 26. ed. Porto Alegre: AMGH, 2012. ENGELKIRK, P. G.; DUBEN-EGELKIRK, J. Burton Microbiologia para as ciências da saúde. 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. FRANÇA, F. S.; LEITE, S.B. Micologia e virologia. 1. ed. Porto Alegre: SAGAH, 2018. MEZZARI, A.; MENEGHELLO, A. Micologia no laboratório clínico. 1. ed. Barueri: Manole, 2012. NOSSA capa: Alexander Fleming e a descoberta da penicilina. J. Bras. Patol. Med. Lab., Rio de Janeiro, v. 45, n. 5, p. 1, out. 2009. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_art- text&pid=S1676-24442009000500001&lng=en&nrm=iso. TORTORA, G. J. Microbiologia. 12. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. ZAITZ, C. et al. Compêndio de micologia médica. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. EAD