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Elisa Bitencourt - t14 INTRODUÇÃO À PATOLOGIA É o estudo da doença, um estado de falta de adaptação ao ambiente físico, psíquico ou social, no qual o indivíduo apresenta sinais e sintomas derivados da desordem do organismo. Essa desordem é estudada pela patologia por meio das alterações estruturais, bioquímicas e funcionais. Pilares da patologia 1. Etiologia: causa; 2. Patogenia: mecanismo de instalação da doença; 3. Alterações morfológicas: mudanças celulares e teciduais nas doenças; 4. Manifestações clínicas: como o órgão responde a essas alterações. A patologia geral estuda diferentes doenças com componentes comuns, ou seja, os mecanismos celulares decorrentes de lesões. ETIOPATOGÊNESE GERAL DAS LESÕES As lesões são provocadas por agressões em que a célula não consegue se adaptar. Quanto à origem podem ser: Endógenas: do próprio organismo, como: Mecanismos gerais da lesão endógena: 1. Hipóxia ou anóxia: É a falta ou a redução da oferta de oxigênio ao tecido, gerada pela isquemia que é a diminuição do fluxo sanguíneo. Frente a falta de oxigênio para produzir energia, as células tentam se adaptar aumentando a glicólise por meio da fermentação, o que vai aumentar a captação de glicose e diminuir a gliconeogênese. Além disso, haverá ativação do HIF-1 (fator induzido por hipóxia) vai estimular a expressão de genes no tecidos, causando: ● VEGF (fator de crescimento endotelial) que promove a angiogênese para aumentar o fluxo sanguíneo da região, bem como o estímulo a eritropoetina; ● Ativa a sintetase de NO (óxido nítrico) que causa vasodilatação; ● HPS (proteínas do choque térmico) ou chaperonas, enovela as proteínas para manter a homeostase; ● Proteínas antiapoptóticas. Obs: Em situações normais, o HIF-1 é destruído nas células. 1 Elisa Bitencourt - t14 Nesse sentido, estudos indicam que tecidos submetidos à hipóxia sobrevivem melhor quando são reperfundidos de forma gradativa. Isto é, seus mecanismo de adaptação são tão eficazes que o fornecimento rápido de oxigênio pode gerar ainda mais lesões por: produção de radicais livres, ativação do sistema imunológico, choque osmótico do plasma, etc. Lesões reversíveis e irreversíveis induzidas por hipóxia Os primeiros efeitos a aparecerem são: redução das bombas de sódio e potássio, pois elas dependem de ATP, assim o sódio fica retido no citoplasma e causa acúmulo de água por osmose (degeneração hidrópica). Progredindo a hipóxia, o cálcio sai dos depósitos (retículo endoplasmático liso e mitocôndrias), chega ao citosol e ativa proteases que desarranjam o citoesqueleto. Além disso, acumula-se acetil-CoA nas mitocôndrias e aumenta a síntese de ácidos graxos, favorecendo o acúmulo de triglicerídeos no citosol (esteatose). Com a permanência prolongada da hipóxia esses efeitos são amplificados e irreversíveis, a ponto das mitocôndrias liberarem o cálcio em excesso por meio de poros e alcançarem o ponto de não retorno, se tornando disfuncionais. Além da tumefação dos lisossomos que podem se romper e iniciar a autólise. 2. Radicais livres: Espécies reativas que interferem nas estruturas celulares como a peroxidação dos lipídeos da membrana, desdobramento anormal das proteínas por atuar nas cinases ativadas por estresse, ou mutações nos ácidos nucleicos. Outros mecanismos: Imunológicos, genéticos, psicológicos, envelhecimento (senescência). Exógenas: Do ambiente. Mecanismos gerais da lesão exógena: 1. Agentes físicos: Lesões celulares podem ser causadas por agentes físicos, como traumas mecânicos (lesões físicas) podem causar hemorragias, temperaturas extremas (calor ou frio), radiação ultravioleta (UV) do sol e pressões 2 Elisa Bitencourt - t14 extremas que causam maior perfusão de nitrogênio podendo ser tóxico. 2. Agentes químicos: Produtos químicos tóxicos, como poluentes ambientais, pesticidas, produtos químicos industriais, drogas e toxinas presentes em alimentos, podem causar danos às células. 3. Radiações: As radiações ionizantes, como raios X, radiação gama e partículas alfa, beta ou gama, podem penetrar nas células e danificar o DNA. Isso pode levar a mutações genéticas, disfunção celular e, em casos extremos, morte celular. 4. Agentes biológicos: Microrganismos que podem invadir o corpo e causar danos celulares diretos ou indiretos através de infecções. Estes agentes biológicos podem danificar as células diretamente por meio de sua replicação e metabolismo ou indiretamente, desencadeando respostas inflamatórias e imunes. Como as lesões resultam quase sempre da interação do agente agressor com os mecanismos de defesa do organismo, é frequente a associação de causas exógenas e endógenas na origem de uma lesão ou doença. Idiopática: doença que surge sem causa clara ou identificável. DEGENERAÇÕES As degenerações são lesões reversíveis que tem como característica o acúmulo de substâncias no interior das células. Degeneração hidrópica Acúmulo de água dentro da célula. Em condições normais, a bomba de sódio e potássio mantém o gradiente tirando Na+ do meio intracelular. Quando o funcionamento dela fica deficiente, haverá acúmulo do íon dentro da célula e causar entrada de água por osmose. Tal situação ocorre por: ● hipóxia; ● desacopladores da fosforilação mitocondrial e inibidores da cadeia respiratória por agentes tóxicos que lesam a membrana mitocondrial, pois reduzem a produção de ATP; ● hipertermia exógena ou endógena (febre), por aumento no consumo de ATP; ● agressões geradoras de radicais livres, que lesam membranas; ● inibidores da ATPase Na+/K+ dependente. Aspectos morfológicos Macroscopicamente: órgão pálido, aumento de peso. Microscopicamente: células tumefeitas (inchadas), mais claras, é possível verificar 3 Elisa Bitencourt - t14 a formação de vacúolos de água caracterizando um aspecto baloniforme. Exemplo: No fígado, as células ficam mais justapostas diminuindo o espaço dos capilares sinusoides. Os hepatócitos são mais tumefeitos, com citoplasma claro. Degeneração hialina Acúmulo de proteínas dentro da célula. Resulta da condensação de filamentos intermediários (citoesqueleto); material viral; proteínas endocitadas. Aspectos morfológicos Microscopicamente: material proteico acidófilo (rosado) no citoplasma. Diferentes tipos de proteínas formam diversos tipos de corpúsculos: ● Corpúsculo de Russell: em inflamações crônicas, os plasmócitos produzem excesso de imunoglobulinas. Essas proteínas se acumulam no citoplasma formando os corpúsculos. Na imagem: os plasmócitos em normalidade são células semelhantes a cometas, ovais com núcleo periférico. Quando estão em produção ativa de anticorpos, o núcleo pode aparecer em “roda de carroça” com cromatina em grumos. ● Corpúsculo de Mallory-Denk: ocorre nos hepatócitos, quando proteínas advindas do citoesqueleto celular que sofreu agressão por radicais livres. Comum em hepatite alcoólica, tumores hepatocelulares, etc. 4 Elisa Bitencourt - t14 ● Corpúsculo Councilman-Rocha Lima: são vistos em hepatócitos em apoptose como de hepatites virais, especialmente na febre amarela. OBS: Os aspectos patológicos citados são todos intracelulares. Quando falamos de degeneração hialina extracelular é denominada amiloidose que é o acúmulo de proteína insolúvel nos tecidos causando danos, causada por doenças hereditárias raras. Degeneração gordurosa (Esteatose) Acúmulo de triglicerídeos no citoplasma de células de forma anormal. Esteatose resulta de: 1. Maior aporte de ácidos graxos por ingestão excessiva ou lipólise aumentada; 2. Síntese de ácidos graxos a partir do excesso de acetil-CoA não oxidada no ciclo de Krebs. O metabolismo do etanol, por exemplo, gera acetil-CoA; 3. Redução na utilização de ácidos graxos para a síntese de lipídeos complexos, por carência de fatores nitrogenados e de ATP; 4. Menor formação de lipoproteínas por deficiência na síntese de apoproteínas; 5. Distúrbiosno transporte de lipoproteínas por alterações no citoesqueleto. A lesão é mais conhecida no fígado pois é um local de metabolização de lipídeos e mais facilmente acumulado. Fisiopatologia da esteatose hepática na Diabetes Mellitus Os cenários de hipoglicemia são fatores estimulantes da lipólise, o diabético é incapaz de suprimir essa produção de ácidos graxos, aumentando a demanda metabólica do fígado. Em casos de hiperglicemia, assim como a síndrome metabólica e a obesidade, haverá maior mobilização de ácidos graxos no tecido adiposo. Fisiopatologia da esteatose hepática alcoólica O etanol e os efeitos tóxicos do seu metabolismo originam várias alterações na função normal do fígado. Desta forma, cabe ressaltar que a formação de acetaldeído e acetato, tanto pela via da enzima álcool desidrogenase assim como pela via do citocromo P450 2E1, causa disfunções mitocondriais diminuindo a beta-oxidação e promovendo o acúmulo de triglicerídeos. Ademais, o excesso de ácidos graxos induz aumento da sua oxidação no REL e em peroxissomos, o que causa aumento de 5 Elisa Bitencourt - t14 radicais livres, que alteram proteínas do citoesqueleto e dificultam o transporte de lipoproteínas, favorecendo ainda mais o acúmulo de triglicerídeos no citosol. Aspectos morfológicos Macroscopicamente: o fígado aumenta de volume e apresenta cor amarelada. No coração, a lesão pode ser difusa ou em faixas amareladas (coração tigroide). Nos rins, há aumento de volume e peso, e o órgão fica amarelado. Microscopicamente: as células mostram vacúolos claros de tamanhos variados no citoplasma. Na forma macrovacuolar, os hepatócitos apresentam um grande acúmulo de gordura no citoplasma que desloca o núcleo para a periferia. Na forma microvacuolar, a gordura acumula-se em pequenas gotículas geralmente na periferia da célula, permanecendo o núcleo em posição central. Macro em azul; Micro em preto. Fisiopatologia da cirrose hepática As células de Kupffer (macrófagos), ao sofrerem injúrias por uma série de toxinas e passam a secretar citocinas inflamatórias que agem agora nas células de Ito (presentes no espaço de Disse) as quais normalmente produzem vitamina K, mas que sob estímulo das citocinas passam a sintetizar colágeno. Assim o tecido se torna fibroso, diminuindo o espaço sinusoidal e surgem pseudo lóbulos ovais. 6 Elisa Bitencourt - t14 Lipidoses Acúmulo intracelular de outros lipídeos não triglicerídeos, geralmente ligados a doenças metabólicas. Depósitos de colesterol 1. Aterosclerose: acúmulo de material na túnica íntima de artérias. O colesterol do tipo LDL pode infiltrar na camada endotelial devido sua baixa densidade, os macrófagos fagocitam esse material, locupletam-se de lipídeos e adquirem o aspecto de células espumosas que tendem a se romper. Os ésteres de colesterol extracelulares podem cristalizar-se e romper a túnica arterial. 2. Xantomas: macrófagos espumosos que se depositam na derme em forma de nódulos. Glicogenoses Acúmulo de glicogênio nas células (fígado, rins, coração e músculos) devido a deficiência de enzimas da glicogenólise. Como: Doença de Von Gierke: glicogenose do tipo I, por deficiência de glicose-6- fosfatase em hepatócitos e células tubulares renais. Doença de McArdle: glicogenose do tipo V, por deficiência de fosforilase em fibras musculares esqueléticas Ou hiperglicemia diabética em que há muito trânsito de glicose nos túbulos renais e, consequente, acúmulo. Microscopia: citoplasma claro, vacuolado com núcleos concêntricos. ( Imagem: Normal vs Alterado) 7 Elisa Bitencourt - t14 MORTE CELULAR Quando a lesão alcança o ponto de não retorno é irreversível e a célula morre. NECROSE Morte celular seguida de autólise, ou seja, as enzimas lisossômicas digerem os componentes celulares e rompem a membrana. Além de serem liberadas substâncias DAMP, indutoras de reação inflamatória. Aspectos morfológicos Alterações citoplasmáticas: Aumento da eosinofilia pela disseminação do RNA e proteínas plasmáticas; Vacúolos citoplasmáticos com aspecto de corrosão por traça; Aparência vítrea devido a perda das reservas de glicogênio. Alterações nucleares: Picnose (condensação e diminuição do núcleo); Cariorrexe (fragmentação da cromatina); Cariólise (núcleo pálido ou ausente). Necrose coagulativa Tem como principal característica a manutenção da arquitetura tecidual, as células necróticas (mortas) se mantêm na conformação inicial. As causas estão associadas à isquemia, e tem como patologia consequente, o infarto. Macroscopicamente, a região fica hiperemiada (compensação pela isquemia). Imagem: infarto renal Necrose liquefativa Causada por infecções bacterianas e fúngicas, promovendo a ação de leucócitos que liberam enzimas lisossômicas digerindo as células mortas e formando uma massa viscosa líquida chamada exsudato purulento. Nesse tipo de necrose, o tecido perde sua arquitetura original com grande infiltrado inflamatório. 8 Elisa Bitencourt - t14 EXCEÇÃO: TECIDO NERVOSO No cérebro, a isquemia causa necrose liquefativa (e não coagulativa como se esperava). Isso porque, o tecido nervoso é ricamente irrigado, sendo muito difícil a hipóxia completa da região. Assim, quando um coágulo acontece nos capilares nervosos e alguma região tem morte celular por hipóxia, as outras regiões rapidamente conduzem células de defesa pela circulação colateral para capturar a neuróglia morta. Tendo em vista que o tecido nervoso é eletricamente isolado por bainha de mielina (lipídeos), a digestão dessas células dão aspecto amolecido e liquefeito, compondo características da necrose liquefativa. Infarto cerebral recente Aumento de celularidade; Neurônios necróticos se tornam eosinófilos. Imagem 1: normal; Imagem 2: necrótico. Esses neurônios necróticos são fagocitados por células grânulo-adiposas (um tipo de macrófago) e desaparecem em cerca de 4 dias do infarto. As células grânulo-adiposas possuem núcleo periférico de cromatina frouxa e citoplasma espumoso. Tumefação e proliferação das células endoteliais devido ao VEGF. Infarto cerebral tardio Após 5 dias do infarto, aparecem os astrócitos gemistocíticos, células que produzem proteína glial (uma proteína de aspecto fibrilar que formam uma teia no tecido em cicatrização). Essa cicatriz é chamada gliose. 9 Elisa Bitencourt - t14 Necrose caseosa Acontece em doenças crônicas causadas por microorganismos multirresistentes que o sistema imunológico não consegue combater e, para evitar sua disseminação, é formada a estrutura granulomatosa para isolar o patógeno. Granuloma Centro: material a ser isolado; Células gigantes de Langhans: macrófagos modificados que unem seus citoplasmas. Células epitelioides: macrófagos modificados que envoltam as células gigantes. Núcleo alongado, cromatina frouxa e citoplasma abundante. Cinturão de linfócitos: cercam todo conteúdo. São células mononucleadas, com pouco citoplasma. Outros tipos de necrose: Necrose gangrenosa Termo clínico para necrose isquêmica dos membros. Seca: desidratação do tecido, aspecto de mumificação. Úmida: isquemia com infecção por bactérias anaeróbicas que liberam enzimas que levam a necrose liquefativa. Gasosa: secundária a infecção do tecido necrosado por Clostridium, bactéria produtora de gás. Necrose gordurosa Ocorre na pancreatite aguda necro-hemorrágica. Decorrente da liberação de enzimas digestivas do pâncreas que leva à liquefação das células de gordura na cavidade peritoneal. Necrose fibrinóide Ocorre principalmente na parede dos vasos sanguíneos em decorrência da deposição de imunocomplexos, causando reação inflamatória celular e vazamento de fibrina. Esta coloração observada aparece como um material amorfo rosa brilhante. 10 Elisa Bitencourt - t14 APOPTOSE É a lesão em que a célula é estimulada a acionar mecanismos que culminam com a sua morte. Diferentemente da necrose, a célula em apoptosenão sofre autólise nem ruptura da membrana citoplasmática; a célula se fragmenta e forma corpos apoptóticos, que ficam envolvidos pela membrana citoplasmática e são endocitados por células vizinhas, sem liberar citocinas pró-inflamatórias e sem provocar resposta inflamatória. Pode ser programada (fisiológica), regulada (em casos de infecção) ou acidental (por agressões). Aspectos morfológicos Picnose (cromatina muito condensada); célula desidrata e encolhe seu citoplasma; fragmentação em corpos apoptóticos. Mecanismos bioquímicos da apoptose Primeira fase: Ativação das enzimas proteases chamadas caspases. Pela via intrínseca (ou mitocondrial): Quando a célula precisa entrar em apoptose, os sensores de proteínas BH3 ativam os efetores BAX e BAK. Esses efetores são responsáveis por formar poros nas mitocôndria, além de bloquear proteínas anti-apoptóticas (BCL-2, BCL-X) As proteínas pró-apoptóticas, como o citocromo C, conseguem sair da mitocôndria e alcançar o citoplasma para ativar as caspases desencadeadoras c-9. Pela via extrínseca: algumas células como linfócitos possuem em sua membrana os chamados receptores de morte (TNF). Quando uma substância lesiva se liga a esses receptores e ativa as caspases desencadeadoras c-8 e c10. Os linfócitos possuem uma substância chamada Granzima B, usada para promover a apoptose pela via extrínseca em células alteradas. 11 Elisa Bitencourt - t14 Segunda fase: As caspases executoras c-3 e c-6 formam os corpos apoptóticos pela degradação do DNA e proteínas celulares. Remoção dos corpos: Para sinalizar aos macrófagos os fragmentos que devem ser fagocitados, a substância membranosa fosfatidilserina é externalizada e, assim, os corpos são localizados e fagocitados. ⬇ Necroptose: morte programada, independente de caspases com características morfológicas semelhantes a necrose, que ocorre quando a apoptose é bloqueada por inibidores de caspases. Autofagia: processo catabólico celular que dá origem à degradação de componentes da própria célula utilizando os lisossomas, pode acontecer por falta de nutrientes. 12