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Marco Legal da Primeira Infância Para Todos UNIDADE I 3 UNIDADE I - Avanços e desafios na aplicação da regra da prioridade absoluta no contexto da primeira infância Introdução Nesta unidade, apresentaremos um panorama das infâncias e adolescências em nosso país, com foco na primeira infância, um histórico das conquistas de direitos em nossa legislação, culminando com o significado da construção de uma lei específica para a primeira infância, seus fundamentos, áreas prioritárias, políticas públicas a ela relacionadas, importância da parentalidade, do investimento e das estratégias de financiamento e de intersetorialidade, entre outros. Entre a lei e sua aplicação, há um caminho que depende de muitas pessoas, grupos e instituições, incluindo cada um dos profissionais que atuam cotidianamente com as crianças e suas famílias. Esperamos que os conhecimentos a serem apresentados contribuam para a compreensão do cenário atual e das perspectivas para a efetiva promoção da cidadania desde o começo da vida, como propõe o Marco Legal da Primeira Infância. A regra da prioridade absoluta é o primeiro ponto de convergência para unirmos esforços na promoção do desenvolvimento humano na primeira infância, em uma perspectiva de responsabilidade compartilhada. De fato, a Constituição Federal de 1988 utiliza a expressão prioridade absoluta apenas quando se refere às crianças, aos adolescentes e aos jovens. Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, Constituição Federal, 1988). É possível imaginar que se a regra da prioridade absoluta tivesse sido cumprida amplamente desde 1988, teríamos outro cenário de desenvolvimento em nosso país. 02 4 Segundo pesquisa nacional realizada pelo Datafolha e o Instituto Alana, em 2013, apenas 24% da população brasileira conhecia o termo prioridade absoluta. Nem a sociedade nem a família conhecem amplamente os direitos de seus filhos (DATAFOLHA, INSTITUTO ALANA, 2013). Diante dessa constatação, podemos concluir que a implementação legal se faz necessária, com ampliação do acesso ao conhecimento e aos direitos mais que com a criação de novas leis. Como será visto no decorrer do curso, o Marco Legal da Primeira Infância pode ser considerado um meio estratégico para compreensão da importância da absoluta prioridade, pois “se mudarmos o começo da história, mudamos a história toda” (REFFI- CAVOUKIEN, 2016). De acordo com o Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016, art. 2º), “considera-se primeira infância o período que abrange os primeiros 6 (seis) anos completos ou 72 (setenta e dois) meses de vida da criança” (BRASIL, 2016). E neste período a prioridade absoluta implica o dever do Estado de estabelecer políticas, programas e serviços que atendam às especificidades e relevância dessa faixa etária, visando a garantir seu desenvolvimento integral, em consonância com o Estatuto da Criança e do Adolescente e outras leis (idem, arts. 1º e 3º). 03 5 Aula 1: Panorama das infâncias e adolescências no Brasil: dados socioeconômico-culturais Atualmente, o Brasil conta com quase 20 milhões de crianças na primeira infância (PNAD, 2010). Elas representam cerca de 10% da população do País e vivem em contextos muito diversificados, pois vivemos em um país continental. Algumas se encontram em melhores condições de desenvolvimento, pois, em várias regiões do Brasil, temos índices de desenvolvimento humano (IDH) muito elevados. Outras vivem em contextos de vulnerabilidade e risco social, com difícil acesso a serviços e políticas públicas. Contudo, mesmo crianças que encontram-se em situação economicamente favorecidas podem vivenciar contextos de risco, por outros fatores. Por isso, este curso visa ampliar a implementação de ações e políticas inovadoras, assim como integrar muitas já existentes, mas ainda não suficientemente articuladas, com vistas a garantir o acesso a direitos para o desenvolvimento humano integral na primeira infância. Conhecer a realidade do público com o qual trabalhamos é muito importante para tomarmos decisões mais eficazes em relação às intervenções que realizamos. Em relação à primeira infância, nem sempre temos dados específicos, mas iniciativas estão em andamento, como o Diagnóstico Nacional da Situação de Atenção à Primeira Infância, que está sendo realizado no âmbito do Pacto Nacional pela Primeira Infância (CNJ, 2019), entre outras. Contexto familiar vinculado à situação de exclusão social Para melhor compreensão dos contextos de vida das crianças brasileiras, é importante começarmos do contexto familiar, pois toda criança vive em família ou excepcionalmente em serviço de acolhimento, de modo que as condições de vida das famílias afetam diretamente seu desenvolvimento. Segundo dados do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), aproximadamente 76 milhões de pessoas em famílias brasileiras estavam em situação de risco e vulnerabilidade social antes da pandemia da COVID-19, sendo que a população total estimada pela última PNAD é de aproximadamente 209 milhões de habitantes. Com os efeitos da crise provocada pela situação de emergência em saúde, esse número aumentou (CECAD 2.0, 2020). 04 6 A maior parcela de brasileiros e brasileiras em situação de pobreza ou extrema pobreza está na faixa da infância e da adolescência, correspondendo a um total de 27.549.850 (CECAD 2.0). Gráfico 1 – Situação de pobreza, por faixa etária, no Brasil Fonte: CECAD 2.20, Site do Ministério da Cidadania. Referência do dado: 08/2020 https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/cecad20/painel03.php 05 https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/cecad20/painel03.php 7 Dos brasileiros em situação de pobreza ou extrema pobreza, aproximadamente 10 milhões são crianças de até seis anos de idade. Desse modo, 50% das crianças na primeira infância, no Brasil, estão em potencial risco para o seu pleno desenvolvimento. Além disso, em 2018, tivemos 2.329.426 de gestantes no Brasil (SINASC/MS, 2020), das quais 851.666 eram beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF), identificadas no acompanhamento da condicionalidade da saúde. Dessa forma, 36,5% das crianças em gestação estavam em potencial risco pelo contexto de pobreza de suas mães. Porém, graças à condicionalidade de saúde do PBF, 99% das gestantes beneficiárias identificadas nesse programa estavam com o pré-natal em dia, conforme registros do Sistema Bolsa Família na Saúde (2018). Mortalidade infantil De acordo com a pesquisa “Nascer no Brasil” (BRASIL; FIOCRUZ; 2014), nos anos 2011 e 2012, a taxa de mortalidade foi de 11,1 por mil nascidos vivos, com maior incidência nas classes sociais mais desfavorecidas, nas regiões Norte e Nordeste, assim como relacionada à precariedade dos serviços de saúde. Essa mesma pesquisa identificou que aproximadamente metade das mulheres declarou que a gravidez não tinha sido desejada. No entanto, o Brasil se destacou internacionalmente na redução da mortalidade infantil, alcançando a meta prevista nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio antes do prazo, reduzindo em 2/3 a mortalidade infantil entre 1990 e 2015 (RASELLA e col., 2013). Essa redução, segundo osmesmos autores, está relacionada às condicionalidades do Programa Bolsa Família, que elevou o número de acompanhamentos no pré-natal e na vacinação das crianças, possibilitando também outros benefícios como Benefício Nutriz. Excesso de cesarianas Em relação ao nascimento, um índice que se mostra preocupante e mais frequente nas classes economicamente favorecidas é o excesso de cesarianas. Victora (2016) realizou um estudo científico há cerca de 30 anos, chamando atenção para a “pandemia de cesarianas no Brasil, quando o índice era de 28%”, enquanto o recomendado pela Organização Mundial da Saúde é de no máximo 15%. Contudo, esse índice continua aumentando; em 2012, passou para 55,8%, segundo o Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (SISNASC/Ministério da Saúde), chegando a mais de 90% em alguns municípios brasileiros, tornando o Brasil o líder mundial em cesarianas. 06 8 Dentre os vários fatores contrários a essa prática excessiva de cesarianas está a prematuridade. Victora (2016) observa que “nós temos muitas crianças nascendo antes do tempo”. “E o que as pesquisas identificam como consequência da prematuridade e do baixo peso ao nascer, em função de a criança sair antes do tempo do útero? • Aumento da morbidade e da mortalidade infantil; • Maior uso de serviços de saúde; • Maiores gastos hospitalares; • Retardo no desenvolvimento infantil; • Redução do capital humano na próxima geração.” (VICTORA, 2016, p. 116) Então, desde o nascimento, a prioridade não tem sido o ritmo da própria criança, de nascer a termo, principalmente nas classes que não estão em vulnerabilidade econômica. Gravidez na adolescência Mais de 430 mil bebês nascem de mães adolescentes anualmente, no Brasil, segundo o último relatório do Fundo de População da ONU (ONU/UNFPA). A taxa de fecundidade brasileira entre meninas de 15 a 19 anos se encontra em 62 a cada mil bebês nascidos vivos, acima da média mundial, que é de 44 a cada mil. Em relação à gravidez na adolescência, “as pesquisas indicam um discreto decréscimo no número de mães entre 15 e 19 anos, pois entre 2004 e 2014 o registro de nascidos vivos passou de 78,8 para 60,5 filhos por mil mulheres nesse grupo etário” (INDICA, 2017). Sub-registro de nascimento Segundo o Censo do IBGE de 2010, cerca de 600.000 crianças de zero a dez anos de idade, no Brasil, encontravam-se sem Registro Civil de Nascimento (RCN), praticamente sem condição de exercer uma relação formal com o Estado Brasileiro. Pessoas que, embora tenham nome, sobrenome, filiação, naturalidade, nacionalidade, do ponto de vista formal não existem, tampouco conseguem comprovar quem são e acessar os serviços a que têm direito. Filiação paterna Os dados do Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (SIRC, 2020) revelam que das quase 2,8 milhões de crianças nascidas em 2019, que tiveram seus registros enviados pelos cartórios, 6,3% não tiveram filiação paterna informada. Desse 07 https://brazil.unfpa.org/pt-br/topics/swop2019 9 modo, aproximadamente 173 mil crianças não tiveram o nome do pai inscrito no registro de nascimento, no ano de 2019. E o que isso repercute em suas vidas? Gráfico 2 – Número de crianças sem reconhecimento paterno no registro de nascimento, por Estado, em 2019 Fonte: SIRC, 2020. Acesso em: 25 set. 2020. Famílias monoparentais Dados do IBGE também apontaram para o aumento de cerca de um milhão de mães responsáveis sozinhas por suas famílias, entre 2005 e 2015 (dados do Instituto Data Popular, divulgados pela Agência Brasil, em 2015). Ao final do período do levantamento dos dados, o Brasil somava 67 milhões de mães, 31% delas estavam na condição de mulher responsável familiar, um número que chegava a aproximadamente 20 milhões. Crianças com deficiências Segundo dados do IBGE (2010), 6,7% da população brasileira tem algum tipo de deficiência grave, das quais aproximadamente 3,5 milhões são crianças de até 14 anos e quase 30% dessa população está fora da escola . No caso dos beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC), esse acompanhamento tem sido melhor estruturado a partir 08 10 do Programa BPC Escola. O BPC tem 4.655.375 milhões de beneficiários, dos quais 82.769 são crianças na primeira infância (SNAS/SEDS/MC, 2020). O público de crianças beneficiárias do BPC também é um público prioritário do Programa Criança Feliz, encontrando-se um total de 8.407 crianças na primeira infância com deficiência que passaram com suas famílias a contar com acompanhamento intersetorial com visita domiciliar semanal, visando à promoção de seu desenvolvimento (Prontuário SUAS, 2020). A partir do Programa Criança Feliz, 8.407 crianças na primeira infância, com deficiência, e sua família passaram a contar com acompanhamento intersetorial com visita domiciliar semanal, visando à promoção de seu desenvolvimento (Prontuário SUAS, 2020). Deficit de crescimento Outro dado basilar como parâmetro das condições para o desenvolvimento infantil diz respeito à nutrição e pode ser aferido pelo crescimento adequado à faixa etária. Segundo dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN/MS, 2020), o déficit de altura em crianças de até 5 anos, acompanhadas pelo Programa Bolsa Família, no Brasil, apresenta variações regionais significativas: Figura 1 – Porcentagem de deficit de altura entre as crianças acompanhadas pelo Programa Bolsa Família 09 11 Fonte: SISVAN/MS, 2020. Desnutrição x obesidade infantil O Brasil vivencia um processo de transição nutricional, caracterizado pelo aumento do excesso de peso e obesidade e por prevalências ainda preocupantes de desnutrição, especialmente em populações de maior vulnerabilidade. Dados do ano de 2019 sobre o estado nutricional de crianças menores de cinco anos acompanhadas na Atenção Primária à Saúde (APS) evidenciaram uma prevalência de déficit de estatura e déficit de peso iguais a 13,3% e 4,1%, respectivamente. Dados também de 2019 indicam uma prevalência de obesidade igual a 6,95% entre crianças nessa mesma faixa etária. Em relação aos marcadores de consumo alimentar de crianças acompanhadas na APS, os dados mostram uma prevalência de aleitamento materno exclusivo entre crianças menores de 6 meses igual a 53%, segundo os Relatórios Públicos do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional - Sisvan. E, quanto à proporção de nascidos vivos com baixo peso ao nascer (peso abaixo de 2.500g), o resultado foi de 8,7%, considerando os registros no Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos – Sinasc/Ministério da Saúde, 2020. Vacinação Segundo dados do Sistema Bolsa Família na Saúde, 99,44% das crianças menores de 7 anos, acompanhadas em função das condicionalidades do Programa Bolsa Família, apresentavam vacinação em dia, o que indica que a queda de vacinação na população brasileira esteja associada a outros fatores vivenciados no contexto das famílias com crianças de classe economicamente favorecidas. Acesso à creche Conforme o Relatório do 3º Ciclo de Monitoramento das Metas do Plano Nacional de Educação (PNE), em 2018, o Brasil alcançou a cobertura de 35,7% das crianças, o que representa cerca de 3,8 milhões de crianças atendidas (MEC, 2018). Em relação à Pré- Escola, em 2018, a taxa de cobertura medida pelo Indicador 1A alcançou 93,8%, mostrando que ainda não se atingiu a universalização do atendimento para a população de 4 a 5 anos, meta estabelecida para o ano de 2016 no PNE. Permanece o desafio de acesso à creche para muitas crianças brasileiras e suas famílias. 10 1012 Crianças afastadas da família por medida de proteção Os dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), administrado pelo Conselho Nacional de Justiça, revelam, em maio/2020, a existência de 32.791 crianças e adolescentes vivendo em serviços de acolhimento, número que constata que a porcentagem de crianças acolhidas diminuiu em 25,47% em relação ao ano de 2013 (CNJ, 2020). Apesar de mais de 10.000 crianças e adolescentes terem sido adotados nos últimos cinco anos no Brasil e existirem mais de 34.000 pretendentes à adoção cadastrados nas Varas da Infância e Juventude e habitados para adotar, aproximadamente 5.000 crianças e adolescentes se encontram aptos para adoção, sem encontrarem uma família disponível para acolhê-los, em função de apresentarem problemas de saúde, idade superior a 7 anos ou pertencerem a grupos de irmãos (CNJ, 2020). Outra importante fonte de informações sobre serviços de acolhimento no Brasil é o Censo SUAS, ferramenta de monitoramento do Sistema Único de Assistência Social, gerenciada pela Secretaria Nacional de Assistência Social e alimentada anualmente pelos estados e os municípios. O Censo SUAS 2018 identificou 33.146 crianças e adolescentes acolhidos no Brasil, sendo 26% na Primeira Infância. Portanto, atualmente, os dados do CNJ e do SUAS mostram os mesmos resultados, sendo as diferenças apenas uma questão da temporalidade da coleta dos dados. Essas crianças estão em um total de 2.834 Unidades de Acolhimento Institucional, onde estavam acolhidos 95,8% das crianças e dos adolescentes, e 332 em Serviços de Família Acolhedora, onde estavam 4,2% delas. Acesso a tecnologias de informação De acordo com o estudo do Cetic.br (2019), embora venha crescendo a cada ano o número de usuários da rede de internet no Brasil, há fortes contrastes entre diversas classes socioeconômicas. Nas classes A e B, 95% dos habitantes já fazem uso regular da rede mundial de internet, enquanto, nas classes D e E, esse índice não passa de 57%. Entre outros impactos, o acesso precário reduz a oportunidade de acessar informações e alcançar benefícios tangíveis e, assim, reproduz a desigualdade social, com implicações para os filhos dos adultos privados das tecnologias de informação. Exposição precoce ao meio digital 11 11 13 Ao mesmo tempo que as famílias devem contar com acesso de qualidade à rede de internet e à comunicação cidadã, as crianças entre 0 e 6 anos necessitam de proteção contra a excessiva exposição a conteúdos de mídia, pois esta limita a interação da criança com outras pessoas e atividades, como as brincadeiras, a alimentação e o sono. De fato, a OMS (2019) enfatiza que bebês e crianças até dois anos de idade não deveriam ser entretidos por meio de telas digitais ou eletrônicas. Além disso, as crianças com mais de dois anos não deveriam passar mais de uma hora por dia em frente às telas, segundo pesquisa realizada em 2017 pelo conglomerado Viacom (2017), com foco em crianças de idades entre 2 e 5 anos de 12 países, que apontou que, no Brasil, elas passavam cerca de 42 horas por semana diante das diversas telas – 50% a mais do que a média global, que é de 28 horas. Denúncias de violações contra crianças e adolescentes Em 2003, o Governo Brasileiro criou o Disque 100, proporcionando um sistema de recebimento de denúncias de violações de direitos humanos. Em 2019, o número de denúncias em relação a violências contra crianças e adolescentes aumentou 14% em relação a 2018, atingindo aproximadamente 55% do total de denúncias recebidas, com 86.837 denúncias. Estas se referiam a mais de 118 mil crianças e adolescentes, entre os quais 20,2% tinha até 3 anos de idade, e 24,4%, entre 4 e 7 anos de idade (MMFDH, 2019). Trabalho infantil De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em 2016, existiam 2,4 milhões de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil, das quais 104 mil tinham entre 5 e 9 anos. Segundo o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI, s/d), o trabalho de crianças é mais prevalente nas áreas rurais em detrimento do trabalho dos adolescentes, que é mais urbano. O Censo Agropecuário IBGE de 2017 mostra que houve queda de quase 50% no número de crianças e adolescentes até 14 anos trabalhando na área rural. Ainda segundo o estudo do FNPETI, essa redução se deu em decorrência dos avanços de políticas públicas de educação, assistência social e geração de renda, entre outras. O número de crianças e adolescentes negros em situação de trabalho é maior do que o de não negros. As regiões Nordeste (39,5%) e Sudeste (25,1%) apresentam os maiores percentuais de crianças em situação de trabalho infantil. Também é mais visível o 12 12 14 trabalho dos meninos do que o das meninas, uma vez que formas como o trabalho doméstico são mais difíceis de serem identificadas. É importante lembrar que essa pesquisa não mensura algumas das piores formas de trabalho infantil, como a exploração sexual, o tráfico de crianças e o aliciamento para o tráfico de drogas. Figura 2 – Panorama da situação da infância e da adolescência no Brasil, segundo o relatório do UNICEF (2018) Fonte: UNICEF (2018). Outros dados que corroboram o desafio de cumprimento da regra da prioridade absoluta de assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes são trazidos pelo Relatório de Atenção dos Municípios com a Primeira Infância (INSTITUTO ALANA; FMCSV, 2020): 42% das crianças e dos adolescentes entre 0 e 14 anos vivem abaixo da linha da pobreza, duas crianças morrem por dia no Brasil em razão de diarreia provocada pela falta de saneamento básico, 2,8 milhões de crianças se encontram fora da escola e 79.000 crianças de 5 a 9 anos são submetidas ao trabalho infantil. 13 13 15 Figura 3 – Panorama sobre pobreza na infância e na adolescência no Brasil Fonte: UNICEF, 2018. Figura 4 – Panorama sobre pobreza na infância e na adolescência no Brasil 14 14 16 Fonte: UNICEF (2018). Um estudo de linha de base de Avaliação de Impacto do Programa Criança Feliz analisou aproximadamente 3 mil crianças de até três anos idade e suas famílias, vinculadas ao Programa Bolsa Família. Observaram que mais de 90% das casas em que viviam eram construídas de tijolos, cerca de 87% das famílias dispunham de água encanada dentro de casa, e quase 80% dispunham de sanitário com descarga. As famílias eram compostas, em média, por cinco pessoas. A escolaridade média dos pais era de cerca de 8,5 anos, sendo que apenas metade trabalhava diariamente e mais de um quarto não trabalhavam. A maioria das crianças teve parto hospitalar, sendo metade aproximadamente partos de cesariana (VICTORA, BOTELHO, SAGI, 2019). Entre os achados nessa pesquisa, observou- se alta prevalência de sintomas depressivos maternos e que menos de 10% das crianças possuíam algum livro ou revistinha em casa, o que teria um papel importante para a estimulação intelectual (ibdem). Você sabia? O Brasil acabou de ganhar duas ferramentas importantes para conhecimento dos dados específicos da atenção à primeira infância. Trata-se do Índice Município Amigo da Primeira Infância – IMAPI, que traz inicadores de saúde, assistência social, educação e cuidados responsivos às crianças de até 6 anos de idade, em cada município brasileiro. Foi desenvolvido pela Universidade de Brasília, em parceria com a Universidade Federal da Bahia, com apoio da Fundação Bill e Melinda Gates. Você pode pesquisar os indicadores sobre a situação de atenção à primeira infância em seu município em: https://imapi.org/.Outra importante ferramenta é a Plataforma OBSERVA, desenvolvida pela Rede Nacional Primeira Infância, que contém dados detalhados sobre crianças de até seis anos de idade em saúde, educação e assistência social, por município. Você pode monitorar a implementação do Marco Legal da Primeira Infância com a ajuda dessa plataforma, em: mpiobserva@org.br. Consulte também: FUNDAÇÃO ABRINQ. A Criança e o Adolescente nos ODS: Marco zero dos principais indicadores brasileiros. São Paulo, 2019. Disponível em: <https://www.fadc.org.br/sites/default/files/2019-11/ODS-10.pdf>. 15 15 https://imapi.org/ mailto:mpiobserva@org.br https://www.fadc.org.br/sites/default/files/2019-11/ODS-10.pdf 17 VÍDEO 1 Para finalizar este tema, assista à pílula do documentário O Começo da Vida sobre os DIREITOS DAS CRIANÇAS: https://ocomecodavida.com.br/direitos-das-criancas/. E reflita sobre as condições de desenvolvimento em que se encontram as crianças de seu território de atuação. Você pode registrar em um portifólio quais situações problemas lhe chamaram mais atenção a partir da leitura realizada. Referências bibliográficas: AGÊNCIA BRASIL. 2105. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2015-05/brasil- tem-mais-de-20-milhoes-de-maes-solteiras-aponta-pesquisa. Acesso em: 20.set.2020. BRASIL. Constituição Federal, de 5 de outubro 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 set. 2020. BRASIL. Marco Legal da Primeira Infância, de 8 de março de 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2016/Lei/L13257.htm#:~:text=1%C2%BA%20Esta%20Lei%20estabelece%20princ%C3% ADpios,e%20diretrizes%20da%20Lei%20n%C2%BA. Acesso em: 16 set. 2020. CECAD 2.0. Cadastro Único, 2020. Disponível em: https://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/cecad20/painel03.php. Acesso em: 24 set. 2020. CETIC.BR. TIC Domicílios 2019. Disponível em: <https://cetic.br/pt/tics/domicilios/2019/domicilios/A5/>. CNJ. Diagnóstico da Situação de Atenção à Primeira Infância no Sistema de Justiça. Portal do Pacto Nacional pela Primeira Infância. 2019. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/programas-e- acoes/pacto-nacional-pela-primeira-infancia/diagnostico/. Acesso em: 30 set. 2020. CNJ. Diagnóstico do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, 2020. 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Panorama dos direitos da criança e do adolescente: a condição peculiar de desenvolvimento, do menorismo à proteção integral, o melhor interesse da criança, a prioridade absoluta dos direitos da criança e do adolescente e a responsabilidade compartilhada “Crianças e adolescentes: que experiência de vida estamos lhes ofertando hoje, neste presente que virá a ser um dia o seu passado moldador?” Edson Seda A citação de Edson Seda (2018 [1993]), um dos redatores do Estatuto da Criança e do Adolescente, instiga a reflexão sobre como nossas tradições contemporâneas se portam na direção da efetivação da regra da prioridade absoluta e dos princípios estatutários e que passado estamos construindo. Um passado organizado em tradições que garantem, promovem e defendem direitos humanos de crianças ou um passado que se organiza em práticas que ignoram, menosprezam e violam direitos humanos de crianças, reproduzindo tradições anteriores? Durante a década de 90, o Brasil, assim como muitos países, experienciaram o surgimento de profundas mudanças no entendimento do significado da infância, dando origem ao chamado reconhecimento da criança e do adolescente como pessoas plenas de direitos - sujeitos de direitos - reconhecidos como pessoas em uma condição peculiar de desenvolvimento, própria das suas idades. Nesse sentido, surge a Doutrina da Proteção Integral, que representa um grande marco regulatório porque a criança passa a ser compreendida como sujeito de direitos. Isso se dá com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989), a Constituição Federal (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). A partir desses três elementos normativos, pode-se falar de uma doutrina jurídica da proteção integral (VERONESE, 2020). A CONDIÇÃO PECULIAR DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE COMO PESSOAS EM DESENVOLVIMENTO Condição peculiar, segundo outro redator do Estatuto da Criança e do Adolescente, Antônio Gomes da Costa (2016), “significa que a criança e o adolescente têm todos os direitos, de que são detentores os adultos, desde que sejam aplicáveis à sua idade, ao grau de desenvolvimento físico ou mental e à sua capacidade de autonomia e 19 21 discernimento”. Essa compreensão tem respaldo nas ciências humanas e biológicas a respeito da condição de pessoas em desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e sociocultural, que merecem proteção especial por se encontrarem em um estágio importante e peculiar da vida. Segundo Gomes (2016), ao interpretar todos os demais artigos da legislação, esse princípio deve servir como critério: "Art. 6º - Na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento" (BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990). Ainda sobre esse aspecto, Seda (2018 [1993]) afirma que “(...) qualquer medida adotada em relação a esta ou àquela criança, qualquer programa coletivo de trabalho, qualquer política pública formulada, deve sempre, defendendo a criança, defender também a sociedade”. De acordo com o autor, essa exigência é própria da cidadania, na qual fazer valer os interesses de cada um envolve também promover a exigência de preservação do bem comum, da coletividade. ● DO MENORISMO à PROTEÇÃO INTEGRAL Os caminhos históricos da infância no Brasil são permeados por privações, omissões e estigmatizações, destacando-se as situações marcadas por maus-tratos, violações sexuais, mortalidade, miséria, fome, abandono, escravidão, discriminação etc. As primeiras ações dirigidas a corrigir essa situação estiveram a cargo dos jesuítas, em um modelo europeu que muito se diferenciava da realidade das crianças que viviam no Brasil Colônia, trazendo sérias dificuldades para a adaptação delas à proposta pedagógica jesuítica (DEL PRIORI, 1995, citado em PASSETI s/a, p. 4). Segundo Neto, no século XVIII: “(...), um estrondoso número de bebês abandonados eram deixados pelas mães à noite, nas ruas sujas. Muitas vezes eram devorados por cães e outros animais que viviam nas proximidades ou vitimados pelas intempéries ou pela fome” (NETO, 2000, p. 107). Como solução a essa situação considerada caótica, foi instalada, na Colônia, a chamada Roda dos Expostos. De acordo com Passeti, “(...) a primeira foi aberta na Santa Casa de Misericórdia em Salvador, no ano de 1726. Ainda no período colonial, uma segunda e última roda é estabelecida em Recife. Mesmo, após a independência do Brasil, 21 20 22 essas rodas continuaram a funcionar. Em 1825, uma outra roda é instalada na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo” (PASSETI, s/a, p. 10). Esta roda era uma espécie de dispositivo onde eram colocados os bebês abandonados por quem desejasse fazê-lo. Apresentava uma forma cilíndrica, dividida ao meio, sendo fixada no muro ou na janela da instituição. O bebê era colocado numa das partes desse mecanismo que tinha uma abertura externa. Depois, a roda era girada para o outro lado do muro ou da janela, possibilitando a entrada da criança para dentro da instituição. Prosseguindo o ritual, era puxada uma cordinha com uma sineta, pela pessoa que havia trazido a criança, a fim de avisar o vigilante ou a rodeira dessa chegada, e imediatamente a mesma se retirava do local (PASSETI, s/a, p. 9). Segundo os registros oficiais, a criança pequena foi, pela primeira vez, objeto de normatização legal da parte de seus interesses com o advento da Lei do Ventre Livre, instituída em 1871 – Lei nº 2.040. Em seus artigos 1º e 2º, essa lei assegurou que os filhos nascidos de escravos seriam pessoas livres, bem como proibiu a venda de crianças com idade inferior a 12 anos. Durante os séculos XVIII e XIX, a titularidade das ações de “amparo” às crianças esteve a cargo das Santas Casas de Misericórdia e das ações de algumas paróquias, em especial nas metrópoles do Rio de Janeiro e São Paulo. Em 1911, o Governo da República criou o Instituto Sete de Setembro, na Capital da República, com a finalidade de recolher e atender as crianças abandonadas nas ruas da cidade, bem como aquelas envolvidas em delitos, sendo aquele o precursor das ações oficiais do Estado Brasileiro, transformando- se, posteriormente, no Serviço de Assistência ao Menor (SAM), de 1941, que, por sua vez, deu origemà Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM), em 1964. Vale destacar que, na virada do século XIX para o XX, grupos de imigrantes chegavam ao país, inúmeros negros escravizados foram libertados e as principais cidades contavam com uma população em crescimento. Como ressaltado por Alvarez (2003, p. 693), “o antigo medo das elites diante dos escravos será [foi] substituído pela grande inquietação em face da presença da pobreza urbana nas principais metrópoles do país”. Assim, para dar conta do novo “problema”, as atenções estatais se voltavam para hábitos, costumes, modos de pensar e relações interpessoais da população. Diante das mudanças no contexto político e social mencionadas, um grande número de pessoas não integradas ao novo mundo do trabalho assalariado dos centros urbanos passou a ser percebido pelas elites enquanto uma “classe perigosa”, tornando-se uma preocupação constante das 22 21 23 autoridades públicas e policiais (ALVAREZ, 2003). A juventude em situação de vulnerabilidade torna-se, então, um problema no Brasil: Vemos pelas ruas mais centrais da cidade inúmeras crianças vagando à toa, mendigando aos transeuntes, crianças, aliás, dotadas de robustez física, indicada por sinais que revelam uma boa constituição psicológica, mas que, entretanto, colocadas em um meio deletério, habituadas à vida minguada da terra donde partiram, acreditando que neste país a vida absolutamente nada custa, vivem à toa, à procura de seu destino, como se neste como em todos os países fosse possível a conquista da vida por outra lei que não a lei do trabalho (SÃO PAULO, 1893, citado em:ALVAREZ, 2003, p. 64). De acordo com Rizzini (2007), o Estado descobre a possibilidade de moldar novos cidadãos. No lugar de investir em uma política nacional de educação de qualidade para todos, optou-se por investir em uma política tutelar predominantemente jurídico- assistencialista para a juventude em situação de vulnerabilidade econômica e social (RIZZINI, 2007). Surge, nesse sentido, uma nova forma de pensar o papel do Estado em relação a um determinado grupo de jovens. Juntamente com esse modelo, passaram a emergir, de forma mais robusta, debates a respeito de jovens “delinquentes, pequenos mendigos, vadios, viciosos, abandonados”, levantando-se a necessidade de mudanças legislativas e institucionais para dar conta da questão da chamada “menoridade” (ALVAREZ, 1989, p. 50). Tais preocupações e discussões irão culminar, entre outras disposições, no Decreto n. 16.272 de 1923, em que são criadas normas de assistência social visando “proteger os menores abandonados e delinquentes”, base para a criação do Código de Menores de 1927. No âmbito da Justiça, somente em 1923 foi criado o primeiro Juizado de Menores no país, que, entre outras tarefas, teve a missão de trazer para a legislação brasileira a Doutrina da Situação Irregular, consumada no primeiro Código de Menores, em 1927, conhecido como Melo Mattos. O Código de Menores de 1927 reconhecia como objetivos principais a proteção e a assistência. Por um lado, foram criados dispositivos inovadores, estabelecendo a proibição do trabalho dos menores de 12 anos, bem como a proibição do trabalho infantil noturno. Por outro lado, foram criados artefatos legais voltados para aqueles que viviam em situação de vulnerabilidade econômica, estabelecendo, assim, um tratamento jurídico- 23 22 24 penal especial para essa parcela da população jovem, a chamada Doutrina da Situação Irregular (CIFALI, 2019). O Código previa que a autoridade competente deveria se informar a respeito do estado psíquico, mental e moral do jovem, além da situação social, moral e econômica de pais, tutores ou pessoas incumbidas de sua guarda. Não havia uma diferenciação entre jovens que eram acusados de haver cometido atos contrários à lei e aqueles em situação de abandono. Além disso, nos casos envolvendo infrações penais, ainda que o jovem fosse absolvido, poderia ser encaminhado a uma instituição ou ser submetido à liberdade vigiada. O delito não era tão preponderante como a situação econômica e social do jovem e de sua família. Os pais, assim como os jovens, eram repreendidos por viverem em condições miseráveis, isolando-se o jovem em instituições estatais precárias sob o argumento de que era para o seu próprio bem (CIFALI, 2019). Já o Código Penal de 1940, em sua exposição de motivos, declarava que: “não cuida o projeto dos imaturos (menores de 18 anos) senão para declará-los inteira e irrestritamente fora do direito penal, sujeitos apenas à pedagogia corretiva da legislação especial”, o Código de Menores (BRASIL, 1940). Ou seja, optou-se por manter a intervenção estatal sobre os menores de 18 anos em um âmbito especializado. Em seguida, em 1942, foi criado o SAM (Serviço de Assistência aos Menores), órgão que atuaria como um equivalente ao sistema penitenciário para a população adolescente, tendo surgido diante do aumento da população juvenil institucionalizada (SARAIVA, 2005; RIZZINI, 2007). Em 1964, foi estabelecida a Política Nacional de Bem-Estar do Menor (PNBEM), executada pela Fundação Nacional de Bem-Estar do Menor (FUNABEM). A PNBEM tinha um caráter nacional. O Instituto Sete de Setembro, o SAM e a FUNABEM surgiram como integrantes do Ministério da Justiça, sendo a última transferida para o Ministério da Previdência Social, de 1972 até 1986. Com as constituições aprovadas por Vargas, o Código de Menores sofreu pequenas alterações, porém, prevaleceu na sua essência até 1979, quando o Brasil teve aprovado o Código Cavaliere, seu segundo Código de Menores Brasileiro. Este foi inspirado na mesma doutrina do anterior, inaugurada em 1927, embora nesse período outros países já tivessem iniciado uma outra concepção, representada pela Declaração dos Direitos da Criança de 1924, a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959. 24 23 https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/DeclDirCrian.html https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/DeclDirCrian.html https://www.oas.org/dil/port/1948%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal%20dos%20Direitos%20Humanos.pdf http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Crian%C3%A7a/declaracao-dos-direitos-da-crianca.html http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Crian%C3%A7a/declaracao-dos-direitos-da-crianca.html 25 Curiosamente, nesse ano de 1979, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituía, por provocação da Polônia, um grupo ad hoc para percorrer todos os territórios do planeta, durante 10 anos, visando à construção do texto-base para a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, na perspectiva de avançar a legislação internacional na direção da Doutrina da Proteção Integral, que veio a ser aprovada na Assembleia Geral da ONU de 1989. Mas o que pretendia a Doutrina da Situação Irregular? A Doutrina da Situação Irregular estabelecia a atuação da Justiça em situações de abandono, prática de infração penal, desvio de conduta, falta de assistência ou representação legal, carência material, entre outros. A lei não pretendia a atuação na prevenção, mas se ocupava do conflito instalado. Calcada em uma concepção segregacionista em relação à criança e ao adolescente, considerava como conflito com a lei estar irregular perante a sociedade e o poder público: Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instruçãoobrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III - em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI - autor de infração penal (BRASIL, Código de Menores, 1979). Os destinatários das disposições contidas na legislação “menorista” eram apenas algumas crianças e adolescentes, tão somente aquelas enquadradas em uma hipótese de situação irregular, então tratadas como objeto de intervenção da Justiça. 25 24 26 A Lei 6.697/79 surgiu em um momento em que a sociedade brasileira e, em especial, a maioria das pessoas que atuavam na atenção à infância entendiam que o modelo adotado no país para o atendimento às crianças só havia colecionado sucessivos fracassos, quer seja no que diz respeito às ações empreendidas pelo poder público, em que as FEBEMs se constituíam em “carros-chefe”, ou nas ações desenvolvidas pelas Organizações da Sociedade Civil, impregnadas pelo filantropismo assistencialista. Essa lei foi aprovada em um contexto de fortes críticas, inclusive internacionais, ao tratamento da questão no Brasil, sendo uma resposta ainda dentro do contexto do regime militar, que ignorou as discussões e as propostas que já estavam sendo realizadas, alinhadas às novas concepções de proteção integral. Dessa forma, em sua vigência, o Código de Menores foi mais objeto de críticas e contestações do que de apoio e alinhamento pelo conjunto das instituições e das iniciativas da sociedade. Por outro lado, o menorismo no Brasil foi invadido por inúmeras iniciativas que buscavam estabelecer outros parâmetros de atendimento e proteção à infância e à adolescência, destacando-se projetos como “Alternativas para Atendimento a Meninos e Meninas de Rua” - cujo processo de mobilização deu origem a uma Organização, o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua; as Casas Lares, com o intuito de reformular o modelo de institucionalização de crianças em pequenas unidades e as Repúblicas Juvenis, como estratégia para a retirada de meninos e meninas das ruas das grandes cidades (RIZZINI; PILOTTI, 2009). Todas as iniciativas nesse período tinham iluminação nos 10 pontos trazidos pela Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959, sendo essas as bases para a discussão do que viria a ser, em 1989, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Pode-se inferir que o período de vigência do último Código de Menores (10 anos) foi o período de efervescência da sua negação, com o amadurecimento da Doutrina da Proteção Integral. Até esse período, as ações privadas e públicas de atendimento às crianças pequenas no Brasil se sustentavam no viés assistencialista e de caráter meramente compensatório. Inexistia uma política nacional e integrada. Porém, nesse período, ocorreu uma marcante transformação na concepção sobre a finalidade social da Educação Infantil enquanto um direito das crianças, ainda que sobre forte influência da vertente do direito da família cujas mães eram trabalhadoras e que, portanto, deviam portar um direito de assistência aos filhos. 26 25 http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/Crian%C3%A7a/declaracao-dos-direitos-da-crianca.html 27 As questões sociais, políticas e econômicas, amplamente constatadas por diversos segmentos envolvidos na atenção à criança pequena, fizeram com que ganhasse corpo a organização de um processo de mobilização das instituições públicas e sociais com vista a se ter garantida na nova Constituição Federal, em construção, a proteção integral aos direitos humanos de todas as crianças e os adolescentes, liderados pelo Movimento Nacional Criança e Constituinte. Figura 5 – As crianças na Constituinte (Fonte: Plenarinho, Câmara dos Deputados) No texto constitucional de 1988, ficou estabelecido o atendimento institucional educacional às crianças, conforme dispõe o artigo 208, inciso IV: “O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de [...] atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade” (BRASIL, Constituição Federal, 1988). A concepção da criança e do adolescente como sujeitos portadores de direitos fundamentais foi ampliada no caput do artigo 227 de nossa CF, que convém ser compreendida em seu valor histórico pela leitura de seu preâmbulo: Constituição Federal do Brasil PREÂMBULO Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a 27 26 28 segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (...) Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) Essa conquista histórica foi seguida de diversas iniciativas visando à regulamentação do artigo 227, reunindo agentes/servidores públicos, profissionais liberais, educadores, juízes, promotores, defensores, lideranças religiosas e organizações internacionais em uma grande cruzada nacional para a construção do Marco Legal dos Direitos da Criança e do Adolescente, inspirados pelo resultado das discussões que viriam a dar origem ao texto da Convenção Internacional de 1989. Assim, em 13 de julho de 1990, esse marco legal foi aprovado por unanimidade no Congresso Nacional, constituindo a Lei n° 8.069 – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). VÍDEO 2 Assista, a seguir, ao vídeo construído em homenagem aos 30 anos do ECA, retratando a importante conquista representada por sua promulgação. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/agendas/congresso-digital-dos-30-anos-do-estatuto-da-crianca- e-do-adolescente/. Na sua operacionalidade, nesses 30 anos de vigência, o ECA requereu algumas alterações na direção de um adequado detalhamento das normas, com vistas a ampliar sua capacidade de induzir a alteração da realidade vivida por crianças e adolescentes. Dentre essas alterações destacam-se a lei do direito à convivência familiar e comunitária, também conhecida como lei da adoção (Lei 12.010/2009), a lei contra maus-tratos (Lei 13.046/2014), o sistema nacional de socioeducação (Lei 12.594/2012) e o marco legal da primeira infância (Lei 13.257/2016). 2 28 27 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc65.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Emendas/Emc/emc65.htm#art2 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm https://www.cnj.jus.br/agendas/congresso-digital-dos-30-anos-do-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente/ https://www.cnj.jus.br/agendas/congresso-digital-dos-30-anos-do-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente/29 A Lei 12.010/2009 foi de suma importância para uma maior efetividade dos direitos da criança e do adolescente na realidade concreta. Isso porque, no passado, a adoção de crianças tinha o único objetivo de suprir as vontades e as necessidades do adotante. Contudo, com o passar do tempo e o desenvolvimento das ideias democráticas, o interesse do infante foi sendo priorizado no ordenamento jurídico, de modo que, atualmente, o papel da adoção não é mais o de conceder uma criança a uma família, mas uma família para uma criança (GHESTI, 2010; RIBEIRO, 2019). No que tange ao sistema nacional de socioeducação, este representa um grande avanço também para a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo em vista que se constitui em uma importante conquista na atenção e na intervenção de adolescentes autores de atos infracionais. Com o SINASE (Lei 12.594/2012), por meio de ações articuladas e ações pedagógicas, estabelece-se um potencial para proporcionar a ressignificação das trajetórias infratoras, visando à não reincidência infracional e à construção de novos projetos de vida para esses jovens. A Lei 13.046/2014 contra maus-tratos determina a presença de especialistas em lugares públicos ou privados que saibam reconhecer suspeitas de maus-tratos. De acordo com pesquisa “Ocultos à plena luz”, divulgada em 2014 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), “6 em cada 10 crianças, de 2 a 14 anos de idade, no mundo, sofrem punições físicas dos cuidadores. Geralmente, o castigo físico vem acompanhado da agressão psicológica”. Portanto, a implementação dessa lei corroborou e corrobora para o avanço da efetivação da democracia na realidade, possuindo suma importância para garantir os direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil. Com essas iniciativas por parte de instituições, segmentos sociais e profissionais, vem sendo gradativamente pavimentado o caminho para a construção de um passado marcado por valor, respeito, igualdade de direito e importância pessoal, social e econômica da criança cidadã. A construção dessa via bem estruturada é um enorme desafio e sua realização tem sido gradativa. Nessa trajetória, destaca-se o Marco Legal da Primeira Infância, que, para se estabelecer/detalhar como um conjunto de direitos específicos de um segmento etário da população de crianças, necessitou de um período de maturação da sociedade e das instituições sobre as normas gerais da cidadania infantojuvenil. Levando em conta a regra constitucional da prioridade absoluta, quanto mais tenra a idade da criança, maior deve ser o nível de prioridade dirigida à atenção das suas 29 28 30 necessidades e interesses – direitos fundamentais, pois é justamente nos primeiros anos de vida de uma criança, em função de suas naturais condições de maturações físicas, psíquicas, biológicas e sociais que elas mais necessitam da atuação dos adultos para fazer valer o direito de ter direitos. Essa concepção se encaixa perfeitamente na reflexão que Costa nos trouxe em seu texto sobre a Política de Atendimento, publicado no site Pro- Menino em dezembro de 2012: O atendimento aos direitos da criança e do adolescente deve ser encarado como prioridade absoluta, devido ao fato de esses: 1. não conhecerem suficientemente seus direitos; 2. não terem condições de suprir por si mesmos suas necessidades básicas, 3. serem pessoas em condição peculiar de desenvolvimento, e, finalmente, 4. possuírem um valor intrínseco (são seres humanos integrais em qualquer fase de seu desenvolvimento) e um valor projetivo (são portadores do futuro de suas famílias, de seus povos e da espécie humana) (COSTA, 2012). Uma expressão importantíssima sempre ouvida desse mestre em diversos momentos é que a implementação da Doutrina da Proteção Integral exige de todos – gestores, trabalhadores sociais, educadores, autoridades da justiça, defensores dos direitos da criança e da sociedade como um todo – uma mudança definitiva na maneira de “ver, pensar e agir” frente a uma criança e ao que ela demanda das providências dos adultos. ● A PRIORIDADE ABSOLUTA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Por muitos anos, a prioridade absoluta estabelecida nos Art. 227 da CF e Art. 4º do ECA foi considerada como um princípio para efetivação dos direitos da criança e do adolescente e, mesmo depois de três décadas, ainda são amplamente desconhecidos por grande parte da população e, por outros, incompreendidos ou mesmo contestados. Uma nova compreensão tem sido trazida a partir de ações desenvolvidas, por exemplo, pelo Programa Prioridade Absoluta, promovido pelo Instituto Alana, que difunde que não se trata de um princípio, mas de uma regra. Destaca-se, ainda, que em nenhum outro trecho da CF se fala em prioridade absoluta. Essa visão convoca a necessária mobilização para o cumprimento de nossa Constituição Cidadã, que, magistralmente, 30 29 31 reconhece que nada é mais importante para uma nação do que cuidar, com absoluta prioridade, dos cidadãos crianças, adolescentes e jovens. Além disso, a regra da prioridade absoluta, na CF (art. 227) e no ECA (art.4º), iguala e nomina quem deve cumpri-lo: “...é dever da família, (comunidade) sociedade do poder público garantir com absoluta prioridade a efetivação dos direitos...”. Para quem lê o caput desses dois artigos, não resta dúvida de que todos, absolutamente todos, devem garantir com absoluta prioridade a efetivação dos direitos. Trata-se de uma responsabilidade de todos, uma responsabilidade compartilhada entre a família, a sociedade e o Estado. Figura 2 – Cartaz do Programa Prioridade Absoluta (Fonte: Instituto Alana, 2018) . Diante, então, da realidade repleta de tradições que se organizam de forma avessa (contrária do lado direito), prevalecendo o absolutismo das velhas prioridades, o que fazer? A tentativa de resposta exige resgatar a tríade destacada por Antônio Carlos Gomes: é preciso promover mudanças na forma de ver, pensar e agir em relação às crianças. Não é impossível, porém pouco provável, que se possa atuar priorizando a efetivação dos direitos de crianças, agindo sob a égide daquelas tradições que não conseguem reconhecer o valor humano e a condição especial, peculiar, singular das pessoas nessa faixa de idade. Prosseguindo nos ditames legais, é preciso resgatar a amplitude estabelecida na legislação sobre o que compreende a regra da prioridade absoluta. Isso fica expresso no Art. 4º do ECA, parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. (BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990, art. 4º) 31 30 32 Então, se levarmos em conta o que a ciência e as boas práticas de políticas públicas produziram no Brasil e no mundo, tão logo surge uma vida: a uma criança deve ser reservado o melhor que o poder público e a sociedade têm para garantir o seu pleno desenvolvimento. Embora não exista hierarquia na destinação de recursos específicos na efetivação da cidadania dessa ampla faixa que compreende crianças e adolescentes, é certo que quão mais cedo se puder atender a plenitude de direitos, demandas e necessidades, menos se terá o que compensar nos anos vindouros. ● O Melhor Interesse da Criança Muitas vezes, não é fácil conciliar as necessidades e os interesses dos vários titulares de direitos, encontrando-se a criança frequentemente em meioa disputas de interesses dos adultos. Nesse contexto, em consequência da evolução normativa, é preciso ter um critério para balizar a tomada de decisões. Esse critério é: “o melhor interesse da criança” ou “interesse superior da criança”. Esse critério balizador não está explícito na CF nem no ECA, mas respalda-se claramente na Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, ratificada no Brasil com a promulgação do Decreto Legislativo nº 99.710/90. O Decreto torna norma legal todos os princípios e artigos da Convenção e, assim sendo, lá essa expressão é tácita: Art. 3.1 - Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança". (ONU/UNICEF, 1989) Nesta trajetória de avanços legislativos, o Marco Legal da Primeira Infância, por sua vez, inscreve este critério na lei: Art. 4º As políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos da criança na primeira infância serão elaboradas e executadas de forma a: I - atender ao interesse superior da criança e à sua condição de sujeito de direitos e de cidadã (...) (BRASIL, Lei 13.257/2016) Para alguns autores, como Gonçalves (2020), resta a necessidade de definição do sentido exato do melhor interesse, que não é de fácil apreensão e sujeito a interpretações controversas. Na CF e no ECA, tem-se o direito de liberdade, o direito ao respeito e dignidade às crianças e aos adolescentes, além do direito de participação, de ser ouvido 32 31 33 nas situações que lhes dizem respeito e que envolvem possíveis conflitos aos seus interesses. A menoridade criminal e civil e a ausência de condição de defender, administrativa ou judicialmente, os seus interesses, não anula o direito de crianças e adolescentes se manifestarem em qualquer situação, administrativa ou judicial, no que diga respeito aos seus direitos. (...) a participação da criança e do adolescente no processo de decisão sobre seu melhor interesse afigura-se essencial e obrigatória, em observância aos valores positivados pelo legislador e, em especial, para a concretização da dignidade que se realiza pela concepção da criança como sujeito de direito e não apenas como objeto de proteção (GONÇALVES, 2020). Esse direito, critério e condição de efetivação são ainda mais detalhados no Marco Legal da Primeira Infância, quando, em seu artigo 4º, prevê que também se deve incluir a participação da criança – mesmo na primeira infância – na definição das ações que lhe digam respeito, em conformidade com suas características etárias e de desenvolvimento. Essa é a forma de “promover sua inclusão social como cidadã”, reconhecendo-se que a participação da criança e sua escuta requerem a atuação de profissionais qualificados em processos de escuta adequados às diferentes formas de expressão infantil (Lei 13.257/2016). ● A RESPONSABILIDADE COMPARTILHADA No caso dos direitos assegurados a todas as crianças brasileiras pelo Art. 227 da CF, cabe ao Estado, à Sociedade e à Família o dever de cumpri-los. Trata-se, assim, de uma responsabilidade compartilhada. Ao contrário da doutrina anterior, que responsabilizava apenas as famílias pelas condições das crianças e dos adolescentes, as novas disposições vêm trazer a responsabilidade de toda a sociedade, assim como do Estado, no cuidado e na atenção à infância e à adolescência. Assim, cada um possui seu papel para efetivar os direitos constitucionais, estatutários e do Marco Legal da Primeira Infância. Este, mais ainda, prevê também a responsabilidade do setor empresarial, por meio do “conceito de responsabilidade social e investimento social privado” (BRASIL, Marco Legal da Primeira Infância, 2016, art. 12). No 33 32 34 entanto, para exercer a responsabilidade é necessário ter conhecimento dela e de como exercê-la. Você sabia? Segundo pesquisa do Instituto Datafolha, “oitenta e um por cento (81%) dos brasileiros não se consideram informados o suficiente sobre os direitos das crianças previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)” (DATAFOLHA; INSTITUTO ALANA, 2013). Neste sentido, o Marco Legal da Primeira Infância buscou aprimorar no ECA o dispositivo para promover a todos o conhecimento sobre os direitos das crianças e adolescentes, inclusive para as crianças na primeira infância: Art. 36. A Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 , passa a vigorar acrescida do seguinte art. 265-A: “ Art. 265-A. O poder público fará periodicamente ampla divulgação dos direitos da criança e do adolescente nos meios de comunicação social. Parágrafo único. A divulgação a que se refere o caput será veiculada em linguagem clara, compreensível e adequada a crianças e adolescentes, especialmente às crianças com idade inferior a 6 (seis) anos.” (Lei 13.257/2016, art. 36) Depois de percorrer todas essas informações consistentes do ponto de vista normativo e doutrinário, pode-se fazer uma pausa para refletir sobre os efeitos dessas conquistas na realidade brasileira e formular alguns questionamentos. Retome o texto, se necessário, e se pergunte: ● Qual a minha percepção sobre esse sujeito denominado criança? ● Que condutas, atitudes e disposição revelam o meu comportamento perante esse sujeito? ● Como tenho percebido minha responsabilidade sobre a realidade que lhes é ofertada cotidianamente? ● Percebo-me responsável, de alguma forma, por todas as crianças, não apenas pelos meus filhos? Então, a que conclusões chegou? 34 33 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm#art265a 35 É certo que leis, normas e regras, por si, não alteram a realidade, senão pelo seu uso cotidiano. Isso exige uma mudança interna, que vai do particular/individual para o geral/coletivo. Exige aceitação e reconhecimento da maneira como temos agido no particular e no geral e, mais ainda, percepção do que fazemos sob a influência de velhas tradições – aquelas que ignoram a condição de igualdade, respeito, dignidade que as crianças portam naturalmente na sua existência. Para que o novo se estabeleça como real, várias transformações são necessárias, iniciando pela percepção de que o que se tinha precisa ser alterado e aquilo de que se dispõe são instrumentos/ferramentas para a construção do novo. Então? Fazemos o novo – a nova realidade da cidadania da criança, usando as velhas tradições ou introduzindo novas tradições? Percebe-se, inclusive, que, com o advento do dever constitucional, algumas tradições foram construídas na direção da negação da responsabilidade, dando origem ao chamado “encaminhamento”, ou seja, a velha e conhecida transferência de responsabilidade. Para saber mais: ● Cartilha Primeira Infância é Prioridade Absoluta, Instituto Alana. Disponível em: https://prioridadeabsoluta.org.br/wp-content/uploads/2017/11/cartilha_primeira- infancia.pdf. ● DIDONET, V. Trajetória dos direitos da criança no Brasil – de Menor e Desvalido a Criança Cidadã, Sujeito de Direitos. Em: Avanços do Marco Legal da Primeira Infância. Câmara dos Deputados: Centro de Estudos e Debates Estratégicos (e-book), 2016, p. 60-75. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/a- camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira- infancia. Referências Bibliográficas ALVAREZ, M. C. A emergência do Código de Menores de 1927: uma análise do discurso jurídico e institucional de assistência e proteção aos menores. 1989. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,Departamento de Sociologia, USP, São Paulo. ALVAREZ, M.C. Bacháreis, criminologistas e juristas. São Paulo: IBCCrim, 2003. BRASIL. Constituição Federal, de 5 de outubro 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 16 set. 2020. 35 34 https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infancia https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infancia https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infancia http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm 36 BRASIL. Lei 6.697, de 10 de outubro de 1979. Código de Menores. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970-1979/L6697impressao.htm. Acesso em: 16 set. 2020. BRASIL. Lei 8069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. 13 de julho 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 16 set. 2020. BRASIL. Lei 13.267, de 8 de março de 2016. Marco Legal da Primeira Infância. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2016/Lei/L13257.htm#:~:text=1%C2%BA%20Esta%20Lei%20estabelece%20princ%C3% ADpios,e%20diretrizes%20da%20Lei%20n%C2%BA. Acesso em: 16 set. 2020. CIFALI, A. C. As disputas pela definição da justiça juvenil no Brasil: atores, racionalidades e representações sociais. 2019. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/8884. Acesso em: 20 set. 2020. COSTA, A. C. G. da. A condição peculiar da pessoa em desenvolvimento. Fundação Telefônica Vivo, 2016. 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B. C. Adolescente em conflito com a lei. Da indiferença à proteção integral. Uma abordagem sobre a responsabilidade penal juvenil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. SÊDA, E. Construir o passado ou como mudar hábitos, usos e costumes tendo como instrumento o Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Malheiros, 2018, Edição revista de 1993.. ONU/UNICEF. Convenção Internacional dos Direitos da Criança. 1989. Disponível: https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca. Acesso em: 16 set. 2020. VERONESE, J. R. P. Estatuto da Criança e do Adolescente – 30 anos – entre avanços e desafios. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2020. 37 36 https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca 38 Aula 2: A Era dos Direitos Positivos: esforço histórico do Marco Legal da Primeira Infância Na trajetória de desenvolvimento dos direitos da criança no Brasil, você está sendo convidado a mobilizar diversos conhecimentos, buscar saberes especializados e integrar redes intersetoriais para contribuir na implementação de uma lei inédita no mundo, que é o Marco Legal da Primeira Infância. Esta nova legislação busca reforçar as conquistas anteriores construídas especialmente no Artigo 227 da Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, ancorados na Convenção sobre os Direitos da Criança. Parte-se da compreensão de que ao se promover atenção específica no começo da vida se oportuniza com mais plenitude o desenvolvimento como um todo, possibilitando de fato a cidadania na infância. De fato, todos passam pela primeira infância, esta fase impacta a adolescência, a juventude, a vida adulta e a terceira idade. O Marco Legal da Primeira Infância compõe-se de 17 artigos específicos e outros que alteram outras leis, trazendo maior visibilidade às crianças na primeira infância: 1º Esta Lei estabelece princípios e diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas para a primeira infância em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano, em consonância com os princípios e diretrizes da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) ; altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente); altera os arts. 6º, 185, 304 e 318 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal) ; acrescenta incisosao art. 473 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 ; altera os arts. 1º, 3º, 4º e 5º da Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008 ; e acrescenta parágrafos ao art. 5º da Lei nº 12.662, de 5 de junho de 2012 . (BRASIL, 2016, Marco Legal da Primeira Infância, Lei 13.257). Disto se observa que as crianças brasileiras contam agora com uma lei que reconhece seu direito ao desenvolvimento integral, desde o início da vida. Com este objetivo, o Marco Legal da Primeira Infância estabeleceu princípios e diretrizes para a 37 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11770.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11770.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12662.htm 39 formulação e a implementação de políticas públicas voltadas às crianças de 0 a 6 anos no País. Art. 4º As políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos da criança na primeira infância serão elaboradas e executadas de forma a: I – Atender ao interesse superior da criança e à sua condição de sujeito de direitos e de cidadão; II – Incluir a participação da criança na definição das ações que lhe digam respeito, em conformidade com suas características etárias e de desenvolvimento; III – respeitar a individualidade e os ritmos de desenvolvimento das crianças e valorizar a diversidade da infância brasileira, assim como as diferenças entre as crianças em seus contextos sociais e culturais; IV – Reduzir as desigualdades no acesso aos bens e serviços que atendam aos direitos da criança na primeira infância, priorizando o investimento público na promoção da justiça social, da equidade e da inclusão sem discriminação da criança; V – Articular as dimensões ética, humanista e política da criança cidadã com as evidências científicas e a prática profissional no atendimento da primeira infância; VI – Adotar abordagem participativa, envolvendo a sociedade, por meio de suas organizações representativas, os profissionais, os pais e as crianças, no aprimoramento da qualidade das ações e na garantia da oferta dos serviços; VII – articular as ações setoriais com vistas ao atendimento integral e integrado; VIII – descentralizar as ações entre os entes da Federação; IX – Promover a formação da cultura de proteção e promoção da criança, com apoio dos meios de comunicação social. Parágrafo único. A participação da criança na formulação das políticas e das ações que lhe dizem respeito tem o objetivo de promover sua inclusão social como cidadã e dar-se-á de acordo com a especificidade de sua idade, devendo ser realizada por profissionais qualificados em processos de escuta adequados às diferentes formas de expressão infantil (BRASIL, 2016) Ao trazer o foco para um momento da vida em que ações podem ser promovidas mais oportunamente e com mais intencionalidade antes que o agravo ou a violação já tenham ocorrido, com vistas à promoção do desenvolvimento humano integral da pessoa, podemos considerar que estamos diante da oportunidade de construção de uma Era de Direitos Positivos. 38 40 1.2.1 As infâncias, as crianças e a era do direito Prestem atenção no que eu digo, Pois eu não falo por mal: Os muitos adultos que me perdoem, Mas infância é sensacional!... ...Lá no seu tempo de infância, Será que não foram felizes? Mas se tudo o que fizeram Já fugiu de sua lembrança, Fiquem sabendo o que eu quero: Mais respeito, eu sou criança! Pedro Bandeira Todos profissionais que estão participando deste curso devem ter acesso a conhecimentos inerentes às infâncias e vivências junto a crianças, a começar da própria criança que já fomos um dia. Como podemos efetivamente garantir uma atuação que supere o senso comum, que não se restrinja apenas ao atendimento das necessidades básicas imediatas das crianças, mas que as levem a viverem experiências promotoras de desenvolvimento humano integral, a conhecerem e a explorarem os espaços sociais em que vivem, de maneira a apropriarem-se de referências cognitivas, afetivas e sociais para – em muitos casos – superarem, com o apoio dos adultos, as condições de vulnerabilidade em que muitas vezes se encontram? E a sentirem-se valorizadas em toda sua riqueza enquanto ser humano único e protagonista de sua própria história, em seu contexto cultural igualmente próprio e de valor intangível? Em uma Nação que se dispõe a ser “dos filhos deste solo, mãe gentil”? O ponto de partida pode ser ter a clareza das concepções de infâncias e de crianças que permeiam os diversos contextos em que cada um atua e então fazer prevalecer concepções que se sustentam no reconhecimento das crianças como sujeitos de direitos, cidadãs. A perspectiva que se apresenta é de superação da visão tradicional das crianças como receptáculos vazios, vistas como tábulas rasas ou como devir (NASCIMENTO, 2008). Essa perspectiva manteve-se presente nos processos formativos durante muitas décadas, mas os contributos da Sociologia da Infância (CORSARO, 2002; DELGADO; MÜLLER, 2005; PINTO; SARMENTO, 2005) tem auxiliado na superação dessa visão reduzida sobre 39 41 as infâncias e as crianças. Apresenta novos conceitos, a partir de perspectivas teóricas que reconhecem que: A concepção de infância singular vai ganhando contornos diferentes quando conseguimos compreendê-la como categoria social, categoria humana, que é um período de vida de cada um – de 0 a mais ou menos 12 anos de idade – e que, portanto, assume uma perspectiva plural – infâncias – que pode se constituir de diversas formas, a depender do contexto social e cultural em que se concretiza (ALMEIDA, 2016. p. 135) Esquematicamente, essa mudança de perspectiva pode ser assim esboçada: Essa nova configuração e reconhecimento da pluralidade das infâncias são substratos importantes para o desenvolvimento de ações de dimensão nacional, envolvendo profissionais que exercem papéis relevantes no reconhecimento dos direitos das crianças. O reconhecimento social das crianças gera uma mudança de olhar para o papel que desempenham na sociedade, na construção de seus saberes, suas culturas e nas relações com seus pares e adultos. À medida em que as valorizamos, permitimos que as mesmas participem ativamente do meio em que vivem, elas podem, inclusive, assumir papel ativo na explicitação das contradições sociais, já que, muitas vezes, encontram-se expostas e vulneráveis a essas contradições. O olhar das crianças permite revelar fenômenos sociais que o olhar dos adultos deixa na penumbra ou obscurece totalmente. Assim, interpretar as representações sociais das crianças pode ser não apenas um meio de acesso à infância como categoria social, mas às próprias estruturas e dinâmicas sociais que são desocultadas no discurso das crianças. (PINTO e SARMENTO,1997, p. 25) INFÂNCIA Categoria social geracional Categoria da história humana Período da vida (+- 0 a 12 anos) INFÂNCIAS 40 42 O reconhecimento do protagonismo social das crianças dá-se exatamente quando as incluímos em seus contextos de vida, valorizamos e respeitamos os seus discursos e suas ações e nos dispomos a apoiá-las em seu desenvolvimento, considerando sua centralidadee superior interesse. É importante reconhecê-las como cidadãs, sujeitos de direitos, seres pensantes, ativos, criativos e capazes. Dessa maneira, poderemos reconhecer a pluralidade das concepções de crianças que vivem as diversas infâncias, conforme expresso neste esquema: A apropriação dessas concepções é fundamental para que possamos dimensionar o espaço social de validação e implementação das políticas públicas para a primeira infância. As estratégias devem ser estabelecidas em conjunto para se qualificar instituições e profissionais das diversas áreas (educação, saúde, assistência social, direitos humanos, cultura, justiça, entre outros) e setores, em âmbito nacional, a fim de se promover a garantia dos direitos das crianças, especialmente das que se encontram na primeira infância, período determinante para a formação e desenvolvimento humano. Não se pode perder de vista que urge a necessidade de uma mobilização nacional para se construir estratégias conjuntas de aprimoramento das atuais práticas e processos do sistema de justiça e da rede de serviços. Importa ressaltar que as crianças, na era dos direitos positivos, estão respaldadas há 30 anos pela entrada em vigor da Doutrina de Proteção Integral e agora, com o Marco Legal da Primeira Infância, com uma doutrina de promoção do desenvolvimento integral desde o início da vida. Mais que proteção, elas tem direito a ações que impulsionem seu desenvolvimento, não apenas que não o deixem desprotegido. E levem em consideração a razão de ser de sua prioridade. CRIANÇA Sujeito de direitos Cidadã Produtora de cultura e conhecimento CRIANÇAS 41 43 SEU NOME É HOJE Somos culpados de muitos erros e faltas porém nosso pior crime é o abandono das crianças negando-lhes a fonte da vida Muitas das coisas de que necessitamos podem esperar. A criança não pode Agora é o momento em que seus ossos estão se formando seu sangue também o está e seus sentidos estão se desenvolvendo A ela não podemos responder “amanhã” Seu nome é hoje. Gabriela Mistral, poetiza chilena Esta poesia é muito profunda, pois além de nos remeter ao fato de que o tempo da criança é hoje, também explicita que a criança é a protagonista do seu tempo e da sua História, a quem nos cabe ser afetuosamente responsivos, encorajadores, apoiadores, educadores, cuidadores, inspiradores. Por isso, o Marco Legal da Primeira infância nos traz a importância da escuta e o princípio do respeito ao ritmo de desenvolvimento de cada criança (Lei 13.257/2016, artigo 4º, III). Não nos cabe impor nosso ritmo de desenvolvimento, mas responder diante de sua prontidão e redimensionar o papel do adulto, da família e da comunidade na interação com a criança enquanto pessoa hoje, não apenas no futuro. § 1º Os programas que se destinam ao fortalecimento da família no exercício de sua função de cuidado e educação de seus filhos na primeira infância promoverão atividades centradas na criança, focadas na família e baseadas na comunidade. (BRASIL, 2016, Lei 13.257/2016, art. 14). A abordagem positiva não pode prescindir da atuação dos diversos profissionais, que se disponham a assumir papel ativo na implementação da regra da prioridade absoluta, 42 44 de maneira a promover processos sensíveis às necessidades e interesses das crianças na primeira infância, sem nunca deixar de promover as oportunidades possíveis para seu desenvolvimento integral. Art. 3º A prioridade absoluta em assegurar os direitos da criança, do adolescente e do jovem, nos termos do art. 227 da Constituição Federal e do art. 4º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 , implica o dever do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira infância que atendam às especificidades dessa faixa etária, visando a garantir seu desenvolvimento integral. (BRASIL, 2016, Lei 13.257/2016) A Frente Parlamentar para a Primeira Infância tem atuado na perspectiva dos direitos positivos. Não apenas se ocupou de promover a capacitação de parlamentares e gestores a partir de um Programa de Liderança Executiva em Desenvolvimento da Primeira Infância, de propor e aprovar o Marco Legal da Primeira Infância, permanece proativamente envolvida em sua implementação. 43 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art227. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm#art4 45 Todas essas iniciativas contribuem para dar visibilidade ao Marco Legal da Primeira Infância e, especialmente, às ações que devem ser empreendidas para sua implementação, de tal modo que cumpra seu papel, levando os diversos atores sociais a deixarem o campo do discurso e a tomarem decisões efetivas para a garantia dos direitos das crianças. Saiba mais sobre o papel da Frente Parlamentar da Primeira Infância ouvindo o áudio que se segue e consultando o site: https://frentedaprimeirainfancia.com.br/blog/ Objetivos da Frente Parlamentar da Primeira Infância https://www.camara.leg.br/radio/programas/559554-leandre-pv-pr-frente- parlamentar-em-defesa-da-primeira-infancia/ A Rede Nacional Primeira Infância (RNPI) constituiu um conjunto de entidades civis e governamentais organizadas em rede e também trabalha como porta-voz das crianças na primeira infância. Além do esforço em traduzir a atenção que elas merecem, por meio da formulação do Plano Nacional pela Primeira Infância, em 2010, que em 2020 foi revisto e atualizado, esteve ativa durante todo processo de construção do Marco Legal da Primeira Infância. Além de estar em processo de proposição da versão atualizada do Plano Nacional pela Primeira Infância, agregando novos temas para as ações finalísticas e estendendo sua vigência até 2030, a Rede Nacional Primeira Infância está lançou no dia 8 de outubro de de 2020 o Observatório de Implementação do Marco Legal da Primeira Infância (acessível na Plataforma OBSERVA, em: mpiobserva.org.br). 44 https://frentedaprimeirainfancia.com.br/blog/ https://www.camara.leg.br/radio/programas/559554-leandre-pv-pr-frente-parlamentar-em-defesa-da-primeira-infancia/ https://www.camara.leg.br/radio/programas/559554-leandre-pv-pr-frente-parlamentar-em-defesa-da-primeira-infancia/ 46 De fato, não se pode falar em uma legislação de promoção de direitos sem um processo de monitoramento de sua implementação (PAES DE BARROS, COUTINHO, MENDONÇA, 2016). As crianças vivem no mundo real, de modo que a lei de fato existe para elas quando se traduz em ações concretas. Saiba mais sobre a atuação da Rede Nacional Primeira Infância e também sobre as Redes Estaduais da Primeira Infância em: http://primeirainfancia.org.br/ O Sistema de Justiça ingressou de forma significativa no reconhecimento da importância do Marco Legal da Primeira Infância, realizando com a sociedade civil e o apoio do Ministério da Justiça o Seminário: “Justiça Começa na Infância: A Era dos Direitos Positivos”, em 18.set.2020, reunindo a alta cúpula do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública em prol da implementação da regra da prioridade absoluta desde o começo da vida. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gd1llzC9YNE 45 http://primeirainfancia.org.br/ https://www.youtube.com/watch?v=gd1llzC9YNE 47 E em abril de 2020 foi lançado o Pacto Nacional pela Primeira Infância, por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, com base no Projeto “Justiça começa na Infância: Fortalecendo a atuação do Sistema de Justiça na promoção do desenvolvimento humano Integral”, do qual o presente curso éuma das ações. Para saber maiores detalhes, acesse o Portal do Pacto Nacional pela Primeira Infância: https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pacto-nacional-pela-primeira- infancia/ 1.2.2. Como o Marco Legal da Primeira Infância coloca o Brasil na Era dos Direitos Positivos? De acordo com Paes de Barros e colegas (2016), no Brasil, tradicionalmente, “temos monitorado aquilo que podemos chamar de direitos negativos, ou seja, temos cuidado para que ninguém impeça as crianças de se desenvolverem (...), ou seja, ninguém pode praticar uma violência contra a criança” (p. 197). Contudo, com o Marco Legal da Primeira Infância, “mais do que não atrapalhar, ou deixar de atrapalhar o desenvolvimento da criança, queremos também interagir de uma maneira afetiva e construtiva com ela (...), 46 https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pacto-nacional-pela-primeira-infancia/ https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/pacto-nacional-pela-primeira-infancia/ 48 queremos começar a promover, a ajudar. Isso é o que chamamos de direito positivo” (idem). Nessa perspectiva, compreendemos a mudança de paradigma representada pelo Marco Legal da Primeira Infância como a passagem da era dos direitos negativos, tais como não morrer prematuramente, não passar fome, não ser vítima de maus tratos ou negligência para a era dos direitos positivos, tais como o direito ao brincar, a ser estimulada de acordo com sua faixa etária, a desenvolver seu potencial físico, emocional, social e cognitivo. Esta distinção também representa a passagem de ações como proteger, defender, prevenir, para ações mais construtivas como promover oportunidades para se desenvolver, promover condições para poder efetivamente usufruir das oportunidades oferecidas e estimular o aproveitamento das oportunidades disponíveis (BARROS, 2018). Outra mudança de paradigma nesta concepção é a compreensão do recurso destinado às ações para primeira infância como “investimentos”, não como “gastos”. Finalmente, Paes de Barros (2018) aponta que um dos fatores que geram diferenças entre países é justamente que os mais enriquecidos são os que investem nos direitos positivos e assim se fortalecem. Enquanto os países com economias menos sustentáveis despendem muitos gastos com direitos negativos, os quais não oferecem significativo retorno e desenvolvimento nem para os indivíduos nem para a Nação. O processo de criar mecanismos para investimento na atenção à primeira infância coloca o Brasil na era dos direitos positivos, conforme se observa: 47 49 48 50 1.2.3 As crianças e o Marco Legal da Primeira Infância: história e políticas Dós filhos deste solo, és Mãe Gentil, Pátria amada, Brasil... Trecho do Hino Nacional Brasileiro Um breve histórico A Lei do Marco Legal da Primeira Infância – Lei º 13.257 foi aprovada em 08 de Março de 2016, e resultou da apresentação de Projeto de Lei 6.998/2013, de autoria do Deputado Osmar Terra e outros membros da Frente Parlamentar da Primeira Infância, propondo atualização do Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, assim como de outras leis para dispor sobre a primeira infância. Sua tramitação se iniciou em dezembro de 2013, contou com seminários internacionais, seminários regionais, audiências públicas e reuniões técnicas, promovendo uma interlocução do parlamento com as diversas esferas do governo, sociedade civil, especialistas e universidades Esta lei tem grande relevância na busca da promoção dos direitos das crianças de até seis anos de idade, que hoje somam mais de 20 milhões no Brasil. Enseja o estabelecimento de princípios e diretrizes importantes para formulação e implementação de políticas públicas para a primeira infância, em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano. Além de criar um campo específico para a primeira infância, em seus primeiro dezessete artigos, na sequência a Lei do Marco Legal aperfeiçoa as seguintes legislações, trazendo maior visibilidade ao cuidado necessário na primeira infância em diferentes matérias, que serão objeto de atenção ao longo do curso: 49 51 Principais inovações instituídas pelo Marco Legal da Primeira Infância: ✓ A Política Nacional Integrada para atendimento aos direitos da criança na primeira infância; ✓ A criação de comitês intersetoriais específicos, com a participação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, nos diversos níveis de governo; ✓ O estabelecimento de um conjunto de áreas prioritárias para as políticas públicas voltadas à primeira infância, que devem atuar de forma integrada; ✓ A criação/adequação de cursos especializados voltados à qualificação técnica dos profissionais que atuam na execução das políticas e programas destinados à primeira infância; ✓ A instituição de mecanismos de monitoramento e coleta sistemática de dados, avaliação periódica dos elementos que constituem a oferta dos serviços à criança e divulgação dos seus resultados; ✓ A divulgação do orçamento investido na primeira infância; ✓ A criação de programas governamentais de apoio às famílias para promoção do desenvolvimento na primeira infância, considerando a visita domiciliar e a intersetorialidade como estratégicas. ECA Lei 8.069/1990 Código de Processo Penal Dec.-Lei 3.689/1941 CLT Dec.-Lei 5.452/1943 EMPRESA CIDADÃ Lei 11.770/2008 Declaração de Nascido Vivo Lei 12.662/2012 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A PRIMEIRA INFÂNCIA Marco Legal da Primeira Infância Lei 13.257/2016 50 52 ✓ O apoio à participação das famílias nas "redes de proteção e cuidado" da criança em seus contextos sociofamiliar e comunitário visando, entre outros objetivos, a formação e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, com prioridade aos contextos que apresentem riscos ao desenvolvimento da criança e às famílias em condição de vulnerabilidade; ✓ A necessidade de ampliação da oferta de educação infantil de qualidade para crianças de 0 (zero) a 3 (três) anos, assim como a criação de espaços lúdicos que propiciem o bem-estar, o brincar e o exercício da criatividade em locais públicos e privados onde haja circulação de crianças, bem como a fruição de ambientes livres e seguros em suas comunidades. ✓ A prisão domiciliar em caso de gestantes ou mães cumprindo prisão preventiva, de modo a não se comprometer as condições de desenvolvimento da criança. ✓ Entre muitos outros dispositivos que propiciam condições positivas para o desenvolvimento da criança, no momento oportuno. Trata-se, portanto, de um artefato legal instituído no sentido de promoção de condições para o desenvolvimento integral da pessoa em sua fase mais oportuna, que é a primeira infância. Reforça-se que as crianças tem direito a serem tratadas com afetividade, respeito e estímulos apropriados ao desenvolvimento de todas suas competências. Deste modo, temos uma lei que nos proporciona melhores concepções e dispositivos para se efetivar a plena garantia dos direitos da criança, que historicamente reclama especial atenção do Poder Público e da sociedade civil. Esta ressalta estratégias desde o planejamento à implementação de ações específicas, voltadas ao atendimento qualificado das necessidades e interesses das crianças, em um momento tão relevante da vida e que, por certo, trará repercussões positivas em toda sua existência, assim como na sociedade como um todo. Para saber mais: O processo de debates, fundamentos científicos e práticos que culminaramcom a aprovação do Marco Legal da Primeira Infância pode ser acessado por meio do e-book produzido junto ao Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados, com apoio do Senado Federal. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/a- 51 https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infancia 53 camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal- da-primeira-infancia VÍDEO 3 Vídeo sobre a Lei do Marco Legal da Primeira Infância, produzido pelo Senado Federal. Disponível em:https://www.youtube.com/watch?v=jTxb1w7F9jo Referências Bibliográficas: ALMEIDA, Ordália Alves de. O Marco Legal da Primeira Infância: quais infâncias, quais crianças? Em: Caderno de trabalhos e debates da Câmara Federal. Brasília, 2016, p. 133 a 140. BARROS, Ricardo Paes; COUTINHO, D.; MENDONÇA, R. Monitoramento e Avaliação: Desenhando e implementando programas de promoção do desenvolvimento infantil com base em evidências. Em: Brasil. Câmara dos Deputados. Avanços do Marco Legal da Primeira Infância. Brasília: Cadernos de Trabalhos e Debates do Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados, 2016, p. 133-141. BARROS, Ricardo Paes. Apresentação realizada na Conferência Internacional "O Poder do Investimento na Primeira Infância para o Desenvolvimento com Equidade". Brasília: Ministério da Cidadania, 2018. BRASIL. Lei 13.257/2016, de 8 de março de 2016. Dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância e altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, e a Lei nº 12.662, de 5 de junho de 2012. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.htm, acesso 23 de setembro de 2020 CORSARO, W. A. A reprodução interpretativa no brincar ao faz-de-conta das crianças. Educação, Sociedade e Cultura, Porto, Portugal, n.17, p.113-134, 2002. DELGADO, Ana Cristina C.; MÜLLER, Fernanda. Sociologia da infância: Pesquisa com crianças. Educ. Soc., Campinas, vol. 26, n. 91, p. 351-360, Maio/Ago. 2005. FREEMAN, Michael. Taking Children´s Rights More Seriously. Em: Children, rights and the law. Alston, P.; Parker, S. Seymour, J. Oxford. Clarendon Press, pp. 52-71. NASCIMENTO, Claudia T.; BRANCHER, Vantoir Roberto, OLIVEIRA, Valeska F. A Construção Social do Conceito de Infância: algumas interlocuções históricas e sociológicas. Unijuí: Revista Contexto e Educação. v. 23 n. 79, 2008. PINTO, M.; SARMENTO, M.J. (Coord.). As crianças: contextos e identidades. Braga: Centro de Estudos da Criança, Universidade do Minho, 1997. 52 https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infancia https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infancia https://www.youtube.com/watch?v=jTxb1w7F9jo http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.htm 54 SARMENTO, Manoel J. Gerações e alteridade: interrogações a partir da sociologia da Infância. Revista Educação e Sociedade, Campinas, v. 26, n. 91, p. 361-78, mai./ago, 2005. 53 0 55 Aula 3: Teorias do Desenvolvimento e a Neurociência da Primeira Infância Neste tópico trataremos dos fundamentos e das teorias do desenvolvimento que justificaram a proposição de uma lei específica para a primeira infância e fornecem as bases para uma atuação promotora do direito ao desenvolvimento humano integral. Procuraremos, também, responder às seguintes perguntas: • Por que a primeira infância merece uma atenção específica? • Como a genética e o ambiente interagem na formação do ser humano? • Qual é o principal ingrediente para um desenvolvimento saudável? Entre os principais pensadores e cientistas que contribuíram para a construção da ciência do desenvolvimento humano, podemos citar os seguintes: Figura 1 – Formas de “cuidado” das crianças no século XVII (CANDILIS-HUISMAN, 1997). ➢ No clássico “Emílio: Um Tratado sobre Educação” (1762), Rousseau (1712-1778) pediu liberdade para o desenvolvimento infantil, pois à época as crianças permaneciam enfaixadas desde o nascimento até o primeiro ano de vida. ➢ Charles Darwin (1809-1882) ocupou-se do estudo da evolução do comportamento humano na obra “A Expressão das Emoções no Ser Humano e nos Animais” (1872). ➢ A Psicanálise, criada por Sigmund Freud, trouxe uma teoria da subjetividade (id, ego e superego), com observação da gênese dos conflitos e da estrutura da personalidade na vida infantil. Em seus estudos sobre a angústia, destacou o fenômeno da “ansiedade de separação”, experimentada pela criança quando a mãe se ausentava. ➢ Konrad Lorenz (1903-1989) cunhou o conceito de imprinting, ou estampagem, observando que todo animal desenvolve uma fixação com o primeiro ser vivo que encontra ao nascer. 54 56 ➢ Harry Harlow (1905-1981) observou, a partir de um experimento com primatas não humanos, que a necessidade de segurança e afeto sobressaía-se à necessidade de alimento. ➢ John Bowlby (1907-1990) e Donald Woods Winnicott (1896-1971) desenvolveram a Teoria do Apego, observando a importância da relação inicial que se desenvolve entre o bebê e seu cuidador principal – geralmente a mãe. Notaram, ainda, que o vínculo afetivo, denominado apego, oferece a segurança necessária para a criança explorar o ambiente e assim aprender, como estabelece o padrão de relacionamentos subsequentes. ➢ René Spitz (1887-1974) e Françoise Dolto (1908-1988) contribuíram para a compreensão das correlações entre o desenvolvimento, o apego e o ambiente, identificando efeitos da situação de privação afetiva, como a depressão anaclítica em bebês, o hospitalismo e a importância da comunicação com os bebês. ➢ Wilhelm Reich (1897-1957) trouxe a compreensão da autorregulação do comportamento pela própria criança como importante aspecto de desenvolvimento humano. ➢ A antropóloga Margaret Mead (1901-1978) iniciou o debate sobre o papel do aprendizado social na formação da identidade, questionando a crença em comportamentos instintivos e trazendo a compreensão do papel da cultura no desenvolvimento humano desde a infância. ➢ Albert Bandura (1925-) iniciou a Teoria Social Cognitiva, ampliando a abordagem behaviorista para consideração dos aspectos sociais de aprendizado pela imitação. ➢ Henri Wallon (1879-1962) observou que o desenvolvimento motor precede o cognitivo, enfatizando a importância da afetividade e dos aspectos físicos para a construção da inteligência. A Teoria de Wallon foi muito importante para os trabalhos relacionados à psicomotricidade, e ele foi precursor da superação da dicotomia entre natureza e cultura, ao considerar que “o ser humano é um ser biologicamente social”. ➢ O psicólogo russo Lev Vygotsky (1896-1934) postulou a Teoria Sócio-histórica, observando que as crianças aprendem ativamente e através de experiências práticas, e cunhou o conceito de zona de desenvolvimento proximal, que é o espaço entre o que a criança pode fazer com ajuda e o que ela pode fazer por conta própria. ➢ Interessando-se pela gênese do pensamento, a partir da observação de seus próprios filhos, Jean Piaget (1896-1990) desenvolveu a Teoria dos Estágios de 55 57 Desenvolvimento Infantil (sensório-motor, pensamento operacional, pensamentoformal e formal) e também inaugurou o estudo científico do desenvolvimento moral. ➢ A partir de sua experiência no cuidado de crianças institucionalizadas em Lóczy, Budapeste, a médica austríaca Emmi Pikler (1902-1984) observou a importância do movimento livre e do cuidado realizado por figuras de referência para a promoção do desenvolvimento autônomo da criança. A Abordagem Pikler tem especial relevância para compreensão da importância do respeito à individualidade e ao ritmo de desenvolvimento de cada criança. ➢ Ampliando a compreensão de como o contexto influencia o desenvolvimento, Urie Bronfenbrenner (1917-2005) criou a Teoria Ecológica do Desenvolvimento Humano, definindo que este é um processo de mudanças e continuidade das características biopsicológicas dos indivíduos, no curso da vida e das gerações, em função de quatro elementos que interagem: o processo, a pessoa, o contexto e o tempo (PPCT). Figura 2 – Esquemas da Teoria Ecológica do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner) ➢ Após atender cerca de 25 mil crianças, o pediatra do Hospital de Boston, Thomas Berry Brazelton (1918-2018) elaborou a Teoria dos Momentos Críticos do Desenvolvimento (Touchpoints), considerando que o período mais decisivo do desenvolvimento humano seria até os três anos. Ele observou que nessa fase, por um breve espaço de tempo, o comportamento da criança se desestrutura e, sem compreender esses processos, muitos pais ou cuidadores também se desestabilizam, 56 58 destacando então a importância de ajudar os pais a entenderem o que acontece com seus filhos (BRAZELTON, 2002). ➢ Abraham Maslow, em 1943, identificou uma hierarquia de necessidades humanas básicas que orientam a motivação dos adultos, destacando as necessidades de segurança e auto-realização. ➢ Seguindo essa inspiração, Brazelton e seu colega Greenspan (2002) buscaram identificar as Necessidades Essenciais das Crianças para crescer, aprender e se desenvolver, identificando as seguintes: • Relacionamentos sustentadores contínuos. • Proteção física, segurança e regras. • Experiências que respeitem as diferenças individuais. • Experiências adequadas ao desenvolvimento. • Estabelecimento de limites justos, organização e expectativas. • Comunidades estáveis, amparadoras e de continuidade cultural. De acordo com esses autores, “a privação emocional pode causar tanto estrago quanto a privação física e nutricional. Em alguns aspectos, o impacto da privação emocional é ainda mais devastador devido à dor e à desorganização que ele causa” (BRAZELTON; GREENSPAN, 2002, p. 179). Mas há intervenções reparadoras, que, por meio da plasticidade cerebral e da resiliência, podem restaurar o curso do desenvolvimento. Eles enfatizam, ainda, que “apenas indivíduos bem-alimentados e educados são capazes de unir-se e abraçar uma ética mais ampla, de humanidade compartilhada” (BRAZELTON; GREENSPAN, 2002, p.182). 1.4.1 Teorias do Desenvolvimento na perspectiva do ciclo de vida e da Neurociência: a janela de oportunidades na primeira infância Com os avanços tecnológicos foi possível realizar pesquisas com neuroimagens, mensuração da atividade cerebral, análise biomolecular das células e do DNA, Projeto Genoma e estudos longitudinais. A partir disso, pôde-se observar fenômenos como a concepção e a vida intrauterina, tão incríveis que podem ser considerados como a “Odisseia da Vida”. 57 59 VÍDEO 4 Assista ao vídeo “A Odisseia da Vida” para experimentar as novas possibilidades de conhecimento sobre o processo de geração e nascimento de uma criança, que se tornaram possíveis a partir dos avanços tecnológicos e científicos. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=TajhWjYGADs> Com o advento das Neurociências foi possível aumentar o conhecimento sobre o que se passa no cérebro desde o início da vida, corroborando e aprimorando vários achados científicos. O investimento científico nesta área foi tão expressivo que a década de 1990 veio a ser conhecida como a década do cérebro, marcada por um grande investimento em pesquisas que permitiram compreender melhor a especificidade do desenvolvimento na primeira infância e perceber que as experiências vividas se inscrevem nos genes, gerando-se o campo da Epigenética. Os anos iniciais do desenvolvimento humano estabelecem a arquitetura básica e a função do cérebro. Esse período inicial de desenvolvimento – da concepção aos 6-8 anos de idade – afeta o estágio seguinte do desenvolvimento, assim como os estágios posteriores. Hoje, por meio da neurobiologia do desenvolvimento, compreendemos melhor como as experiências no início da vida interferem nessas diferentes fases (FRASER MUSTARD, 2010). Embora no Brasil a primeira infância tenha sido consensuada como o período que vai até os seis anos de idade, em outros países ela vai até os oito anos (FUJIMOTO, 2016). E na própria primeira infância há períodos ainda mais sensíveis, conhecidos como Primeiríssima Infância e Estratégia dos 1.000 dias. Cesar Victora, ex-presidente da Sociedade Internacional de Epidemiologia e professor emérito da Universidade Federal de Pelotas, destaca um período mais determinante dentro da primeira infância, que são os 1.000 primeiros dias de vida, que vão da gestação até os dois anos de idade. 9 meses x 30 dias + 365 dias + 365 dias = 1.000 dias “Os primeiros mil dias de vida determinam a saúde e o capital humano do adulto”, explica Victora (2016). Por capital humano entende-se “a criança atingir a altura para a qual tem o potencial genético, atingir o nível de inteligência, avançar na escola, ser 58 https://www.youtube.com/watch?v=TajhWjYGADs 60 economicamente produtiva como adulto e ter filhos saudáveis também” (idem). Deste modo, “os primeiros dois anos são muito mais críticos que o terceiro, o quarto e o quinto ano. São todos importantes, mas o começo da vida é mais crítico ainda” (VICTORA, 2016). Esta afirmação se dá a partir de estudos longitudinais, nos quais Victora e sua equipe acompanham o desenvolvimento de grupos de crianças de Pelotas-(RS desde o nascimento até a vida adulta. Seus primeiros estudos de Coorte iniciaram em 1982 e lhe permitiram correlacionar diversas variáveis, como aleitamento materno e quociente de inteligência na vida adulta. O dado mostra que aquela criança que foi amamentada por mais tempo, pelo menos por nove meses, tem o QI de 3 a 5 pontos mais alto aos 30 anos de idade. Isso porque o leite materno é essencial para a formação do cérebro humano. O tipo de ácido graxo que forma a infraestrutura do cérebro só é encontrado no leite materno (VICTORA, 2016). Você sabia? Graças a pesquisas coordenadas pelo cientista brasileiro Cesar Victora, na década de 1990, milhões de crianças do mundo inteiro tiveram a chance de passar a se beneficiar do aleitamento materno exclusivo. Além de nutritivo e afetivo, o aleitamento materno previne a mortalidade por diarreia e tem um efeito de imunização. Isso aconteceu porque ele revisou as curvas de crescimento que se encontravam nas Cadernetas de Saúde das crianças. Antes de suas pesquisas, as curvas eram parametrizadas a partir de uma amostra de crianças americanas, amamentadas artificialmente, o que fazia os bebês ganharem mais peso em menos tempo. Ao utilizar essas curvas, os pediatras consideravam as crianças que recebiam aleitamento materno abaixo do peso, então recomendavam substituir o leite materno pelo leite artificial. Seus estudos corrigiram esse equívoco e a curva de crescimento por ele construída passou a ser adotada pela OMS em 142 países. O grande impacto disso revelou-se após aproximadamente duas décadas e rendeu-lhe a mais importante premiaçãocientífica do Canadá, o Prêmio Gardner, nunca antes concedido a um brasileiro, tornando-o um potencial candidato à indicação ao Nobel. Confirma mais detalhes no Portal do Ministério da Educação: http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/42411 59 http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/42411 61 Os avanços das neurociências no campo do desenvolvimento humano na primeira infância As Neurociências estudam o sistema nervoso, com ênfase no cérebro, combinando conhecimentos da fisiologia, anatomia, biologia molecular, psicologia e ciências do desenvolvimento em geral. O cérebro é considerado o órgão mais importante do ser humano devido à sua extrema complexidade e ao seu papel preponderante de coordenação das funções do corpo e da mente. Desde a formação do feto, ele é que primeiro se desenvolve e se torna o aparato biológico responsável pela consciência, pelas emoções, pela memória, pela inteligência e pelo comportamento. Ao mesmo tempo em que é na primeira infância que o cérebro encontra seu maior desenvolvimento, também é nesta fase que ele é mais vulnerável às influências do ambiente. Em relação às outras espécies, o ser humano é o que nasce mais dependente de cuidados, pois seu cérebro termina de se formar após o nascimento – mas é justamente isso que lhe permitiu um nível maior de evolução, como discutido por Laredo (2016). Enquanto um primata não humano nasce com um cérebro já em 40% de seu tamanho quando adulto, o ser humano nasce com um tamanho de aproximadamente 25% (LAREDO, 2016). Mas no período até os sete anos de vida, o cérebro humano alcança aproximadamente 70% de seu tamanho total (massa cerebral), o que se correlaciona à formação de sua estrutura e organização. Isso se dá pela formação dos neurônios e das conexões que se estabelecem entre eles, chamadas de sinapses, que configuram a arquitetura cerebral. Por isso a cabeça da criança é proporcionalmente maior do que as demais partes do corpo, que crescem proporcionalmente mais em outros momentos do desenvolvimento (Figura 3). 60 62 Figura 3 – Mudanças nas proporções corporais do 2º mês fetal à idade adulta (AQUINO, 2011). As pesquisas realizadas no campo das neurociências permitiram observar que a criança nasce com aproximadamente 100 bilhões de células cerebrais que se formaram no período gestacional e que nos primeiros anos de vida uma criança realiza de 700 a 1.500 sinapses por segundo. Por isso a primeira infância é um momento diferenciado, pois nela ocorre o desenvolvimento das sinapses em uma velocidade e quantidade que não se repetirão em nenhum outro momento da vida. Aos três anos de idade, a criança apresenta o dobro de conexões cerebrais que um adulto (SHORE, 1997). Neurônio Sinapse Mielinização Arquitetura cerebral Célula cerebral responsável por transmitir informações do cérebro para a periferia do corpo, e vice-versa, por meio de impulsos elétricos. É formado por um núcleo e uma ramificação, chamada axônio. Forma de comunicação entre as células cerebrais, por meio de um espaço virtual (os neurônios não se tocam). Quando um impulso chega à extremidade do prolongamento do neurônio (axônio), as vesículas sinápticas “despejam” neurotransmissores (emissários químicos) na fenda sináptica. Difundindo- se por esta fenda, os neurotransmissores encontram a membrana do próximo neurônio e se conectam a receptores celulares que despolarizam a próxima célula, gerando um novo impulso elétrico, que ocorre em milissegundos. Mielina é a substância composta de proteína e gordura que envolve o prolongamento dos neurônios (axônios), facilitando a condução do impulso elétrico, melhorando assim a comunicação entre os neurônios. A mielinização acontece principalmente após o nascimento e pode ser afetada pela desnutrição. Durante a primeira infância a criança precisa se alimentar no mínimo de 3 em 3 horas em função da formação da bainha de mielina (mielinização). Rede de neurônios que se estabelece a partir dos estímulos que promovem as conexões. O desenvolvimento na arquitetura cerebral na Primeira Infância pode ser comparado à construção de uma casa em que as etapas subsequentes são realizadas sobre uma fundação sólida. O desenvolvimento da arquitetura do cérebro de uma criança fornece a base para todo aprendizado, comportamento e saúde futuros. Figura 4 – Síntese sobre neurônios, sinapses, mielinização e arquitetura cerebral (ENCICLOPÉDIA SOBRE O DESENVOLVIMENTO NA PRIMEIRA INFÂNCIA, s/d) 61 63 Desenvolvimento sináptico A arquitetura do cérebro é construída por meio de um processo contínuo que começa antes do nascimento e continua até a idade adulta. Entre a terceira e quarta semana da gestação, o cérebro forma as conexões, ou sinapses, dos primeiros neurônios. Os circuitos cerebrais vão se definindo e construindo a arquitetura cerebral, que será moldada por algo em torno de 700 a 1.500 sinapses por segundo até os dois anos de vida da criança. Após esse período de rápida proliferação, na segunda década de vida, as conexões são reduzidas por meio de um processo chamado poda neural, que permite que os circuitos cerebrais se tornem mais especializados. A arquitetura do cérebro é composta por bilhões de conexões entre neurônios individuais em diferentes áreas do cérebro, que permitem a comunicação rápida entre neurônios especializados em diferentes tipos de funções cerebrais. As pesquisas indicam que as conexões que se formam no início fornecem uma base forte ou fraca para as conexões que se formam posteriormente (CENTER FOR DEVELOPING CHILD, 2013a). Mensagem básica O cérebro se alimenta de nutrientes e estímulos, a partir dos quais as crianças formam sinapses em quantidade e velocidade que não se repetirão em nenhum outro período da vida. Por isso, as experiências que ela tiver oportunidade de vivenciar na primeira infância, incluindo a amamentação e os vínculos afetivos de confiança, acompanhados de cuidados responsivos, serão a base de sua arquitetura cerebral saudável, isto é, dos padrões a partir dos quais ela estabelecerá seu relacionamento consigo mesma e com o mundo. VÍDEO 5 Para visualizar a formação da arquitetura cerebral nos primeiros anos de vida, assista ao vídeo “Arquitetura do Cérebro – Arquitetura Cerebral”, pílula do documentário: “O Começo da Vida”. Disponível em: <https://ocomecodavida.com.br/arquiteturadocerebrocc/>. 62 https://ocomecodavida.com.br/arquiteturadocerebrocc/ 64 Janela de oportunidades A partir desses conhecimentos, foi estabelecido o conceito de “janelas de oportunidades” para denominar os períodos sensíveis (ou críticos) do desenvolvimento, nos quais o cérebro está com maior prontidão para receber estímulos relacionados a determinada função. Se o estímulo não é oferecido, a janela de oportunidade pode se fechar e a habilidade a qual ela se relaciona pode se tornar mais difícil de se desenvolver. As Neurociências identificaram os seguintes períodos sensíveis do desenvolvimento: Figura 5 – Períodos sensíveis do desenvolvimento cerebral (NELSON, 2000). Segundo o gráfico acima, o período mais oportuno para o desenvolvimento das habilidades auditivas, por exemplo, ocorre do 6º mês de gestação até os 6 primeiros meses de vida, enquanto que a linguagem encontra seu momento cerebral mais propício do 6º mês de gestação aos 4 anos de idade (aqui está o respaldo científico para a importância de se conversar com bebê ainda na barriga). E as funções cognitivas, por sua vez, têm seu período crítico de desenvolvimento dos seis mesesde gestação aos 16 anos. Emitir sons, falar, engatinhar, sentar e caminhar são capacidades sensório-motoras que são acrescidas de funções cognitivas cada vez mais complexas em função das experiências vividas. O processo de remodelação dos circuitos neurais é chamado de plasticidade cerebral, pelo qual o cérebro remodela a função e se organiza mais notadamente na primeira infância, mas continua se desenvolvendo sempre que acontece uma nova aprendizagem. 63 65 Figura 6 – Habilidades de funções executivas construídas nos primeiros anos da vida adulta (CENTER FOR DEVELOPING CHILD, 2013b). Funções executivas As funções executivas são habilidades complexas que possuem um forte componente neurobiológico e estão por trás das capacidades de autocontrole, tomada de decisão e responsabilidade, isto é, autonomia na vida (NCPI, 2016). São elas: • Memória de trabalho: permite armazenar, relacionar e pensar informações no curto prazo. Sem essa capacidade o indivíduo não se lembraria do que estava fazendo após ser interrompido. • Controle inibitório: possibilita controlar e filtrar pensamentos, ter o domínio sobre atenção e comportamento, e adiar gratificação. Conseguir ler um texto, mesmo na presença de barulhos incômodos, é um exemplo de uso dessa habilidade. • Flexibilidade cognitiva: permite mudar de perspectiva no momento de pensar e agir, e considerar diferentes ângulos na tomada de decisão. Essa capacidade é fundamental para o indivíduo perceber um erro e poder corrigi-lo. Certas habilidades, como criatividade, perseverança, cooperação, respeito mútuo, disciplina e flexibilidade são dependentes de funções executivas operantes e equilibradas. O córtex pré-frontal, associado a outras áreas do cérebro, é fundamental para o controle da atenção, do raciocínio e do comportamento. Na Primeira Infância, a arquitetura dessa região se desenvolve a partir de experiências, principalmente das interações sociais. O primeiro foco de atenção de uma criança é a face humana, por isso é muito importante manter o olhar sustentado para ela. 64 66 Conhecimento aplicado Funções executivas prejudicadas no adulto podem ter sua raiz em situações adversas durante o período de desenvolvimento na primeira infância, portanto, é importante não culpabilizar ou julgar famílias que não conseguem cuidar bem das suas crianças. Elas podem não ter tido oportunidade de desenvolver essas capacidades operativas no momento oportuno de suas vidas e precisam ser ajudadas a aperfeiçoar suas funções executivas bem como proporcionar o bom desenvolvimento do autocontrole e da autonomia das crianças. Ao estudar as funções cerebrais, Shonkoff (2016) observou que “as habilidades para se capacitar a ser bons pais parecem ser as mesmas habilidades de que se necessita para se conseguir um emprego”. Ele se referiu às funções executivas, que se relacionam à mesma área cerebral, ilustrando como o desenvolvimento é sistêmico e uma habilidade facilita a outra. As pesquisas demonstram que memória, aprendizagem e comportamento, por exemplo, são funções codependentes das associações com outras áreas, como as sensoriais e motoras, que surgem primeiro na cronologia do desenvolvimento. A ruptura desse processo, que ocorre em situações de exposição ao estresse tóxico, por exemplo, poderá prejudicar o desenvolvimento escolar adequado, a saúde e as habilidades sociais e de relacionamentos duradouros (SHONKOFF; PHILLIPS; NELSON, 2000). Estresse tóxico O conceito de estresse tóxico cerebral tem sido o núcleo de um conjunto de avanços na compreensão da importância dos cuidados na primeira infância e suas consequências para a vida adulta. Seu autor, Dr. Jack Shonkoff (Professor de Pediatria na Faculdade de Medicina de Harvard e do Hospital Infantil de Boston, e Diretor do Centro da Criança em Desenvolvimento da Universidade de Harvard) usou teorias de diversos campos – da Biologia às Ciências Sociais, passando pela Teoria Política – para sustentar o impacto do estresse tóxico cerebral na saúde dos indivíduos e da sociedade. Agredir verbalmente uma criança ou menosprezá-la com frequência, mesmo que pareça banal para certos pais, é um exemplo de estímulo repetido de fraca a moderada intensidade, que pode ativar um processo de estresse tóxico por ser algo prolongado no 65 67 tempo. Quanto mais experiências adversas na infância, maior a probabilidade de atrasos no desenvolvimento e problemas de saúde posteriores, incluindo doenças cardíacas, diabetes, abuso de substâncias e depressão, pois o elevado nível de cortisol no sangue por ativação prolongada do sistema de resposta ao estresse repercute sobre o sistema neuroendocrinoimunológico e pode destruir a ligação entre as sinapses que forma a arquitetura cerebral, ou mesmo os próprios neurônios. Figura 7 – Imagem do Cérebro de uma criança com desenvolvimento normal e uma criança que sofreu negligência na primeira infância (PEERY, 2002). Essas imagens ilustram o impacto negativo da negligência no cérebro em desenvolvimento. Na tomografia computadorizada, à esquerda, está uma imagem de uma criança saudável de três anos com um tamanho médio da cabeça (50º percentil). A imagem à direita é de uma criança de três anos sofrendo de grave negligência por privação sensorial e afetiva. O cérebro desta criança é significativamente menor do que a média (3º percentil) e tem ventrículos aumentados e atrofia cortical. Sistema de resposta ao estresse Apesar de o estresse ser algo indesejado, é importante saber que nem todo estresse é tóxico. Shonkoff (2016) reconhece que situações de estresse fazem parte da vida e que o sistema de resposta a ele existe nos animais para prepará-los para luta ou fuga, em um mecanismo de sobrevivência e evolução da espécie. O hipotálamo, que está na região central do cérebro, produz e secreta o hormônio adrenocorticotrópico (ACTH), que, ao cair no sangue, estimula a produção do cortisol, também conhecido como “hormônio do estresse”. Quando ocorre um estímulo adverso, este sistema é ativado, mas cessado o estímulo, os níveis de cortisol retornam aos níveis normais, promovendo processos de adaptação e formando resiliência. 66 68 Estresse positivo Experiências estressantes são muito comuns durante a infância, como receber uma vacina, ter ansiedade para ir à escola ou enfrentar a ausência temporária da mãe nos primeiros meses de vida. Estes são casos de estresse leve a moderado, em que a criança se recupera logo, porque o sistema de resposta volta a seu nível inicial. Quando a criança experimenta relacionamentos protetivos com a presença de adultos afetuosos e responsivos bem como ambientes seguros, o estresse positivo pode contribuir para o crescimento e desenvolvimento, desde que o estímulo não seja excessivo ou dure muito tempo, excedendo a capacidade de adaptação da criança às situações. Estes desafios são oportunidades para aprender diante de experiências negativas e adversas, desenvolvendo assim a capacidade de resiliência. O estresse é tolerável quando a criança responde a situações em que a exposição a experiências ou estímulos apresentam um nível mais elevado de ameaça ao indivíduo, mas em níveis toleráveis. Diante da perda de um membro da família, uma doença grave ou desastres naturais, o impacto para a criança pode ser moderado ou reduzido se ela estiver em ambientes protegidos ou amparada por um adulto. O estresse fisiológico do organismo da criança pode ser minimizado ou amortecido quando o ambiente promove alguma resposta que transmita à criança sentido de poder contarcom um adulto que a ajude a compreender o que está acontecendo, ao favorecer uma sensação de controle sobre a situação. Isso facilita respostas adaptativas às experiências adversas. VÍDEO 6 e FÓRUM 1 Assista ao filme “O estresse tóxico prejudica o desenvolvimento saudável”, do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI), disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Wczs5QAyxQ0>. Em seguida, reflita sobre alguma situação em sua vida pessoal ou profissional que ilustre os diferentes níveis de vivência do estresse e os fatores protetivos que estavam disponíveis para minimizar seus efeitos negativos. Registre no Fórum de discussão como, concretamente, sua atuação pode representar um fator protetivo contra o estresse tóxico de crianças que vivem em situações adversas. 67 https://www.youtube.com/watch?v=Wczs5QAyxQ0 69 Epigenética: a conexão entre a genética e o ambiente = superação da dicotomia entre o inato e o adquirido As interações entre os genes e a experiência moldam o cérebro em desenvolvimento. Embora os genes forneçam o projeto para a formação dos circuitos cerebrais, esses circuitos são reforçados pelo uso repetido. Em última análise, os genes e as experiências trabalham juntos para construir a arquitetura do cérebro e, correlatamente, os padrões de comportamento que constituem a personalidade (SHONKOFF; PHILIPS, 2000). SAIBA MAIS! Para compreender como a experiência pode moldar a genética e ser transmitida de uma geração à outra, acesse o link e descubra o que é epigenética: <https://developingchild.harvard.edu/translation/o-que-e-epigenetica/>. VÍDEO 7 (opcional) Assista ao Episódio 1 do Filme “O Começo da Vida”. O primeiro episódio da série, “O Bebê Fantástico”, explora a importância das interações humanas nos primeiros anos de vida, que se tornam um começo extraordinário para que os bebês alcancem seu verdadeiro potencial. Disponível em: https://www.videocamp.com/pt/movies/the-beginning-of-life-the-series- fantastic-baby Interação responsiva é a base do desenvolvimento humano O ingrediente-chave das experiências que formam os circuitos cerebrais para o desenvolvimento do cérebro normal são as interações que crianças e bebês têm com os adultos na sua vida, a interação de serviço e retorno (pingue-pongue). A criança faz uma coisa e o adulto responde, e vice-versa. Ela começa a sorrir, a apontar, a fazer barulhinhos, e começa a usar palavras. As crianças pequenas aprendem a partir da interação com adultos e outras pessoas. Não podem aprender com a televisão. Crianças mais velhas podem aprender com a televisão – não a da violência, nós esperamos, mas a boa televisão. Bebês não podem 68 https://developingchild.harvard.edu/translation/o-que-e-epigenetica/ https://www.videocamp.com/pt/movies/the-beginning-of-life-the-series-fantastic-baby https://www.videocamp.com/pt/movies/the-beginning-of-life-the-series-fantastic-baby 70 aprender com a televisão, não podem aprender a partir de vídeos educacionais. Eles aprendem a partir da interação com as pessoas, e interação precisa ter resposta e apoio. O que a ciência tem a dizer é que se deve cuidar das crianças que não estejam em ambiente protegido, previsível e estável, que não estejam falando ou recebendo comunicação. O que elas mais ouvem é “não”, “não” e “não”, em vez de “olhe essa florzinha aqui”, ou “com que você quer brincar? (SHONKOFF, 2016). A interação positiva promove a arquitetura cerebral saudável e sistemas cardiovascular e imunológico positivos, reduzindo o risco de AVC, câncer, depressão e alcoolismo. Esse conhecimento deixa cada vez mais evidente a importância de oferecer ambientes seguros com adultos responsivos disponíveis para interagir positivamente com as crianças, especialmente na primeira infância. Por isso, as pesquisas ressaltam a importância da prevenção contra maus-tratos infantis. As crianças têm direito a viver sem violência, pois a violência sofrida nos primeiros anos de vida aumenta significativamente a chance de doenças e mortalidade precoce na vida adulta. Alguns eventos adversos merecem especial atenção durante a infância (BRANCO; LINHARES, 2018), já que relacionam exatamente a questões que interferem na capacidade de os cuidadores estarem disponíveis para a interação com os bebês e crianças na primeira infância, demandando especial apoio dos serviços: • A depressão materna. • A violência contra a criança ou a negligência. • O abuso de substâncias psicoativas pelos pais. VÍDEO 8 Assista ao filme “Construindo as competências do adulto” sobre desenvolvimento ativo de competências, do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI), para consolidar a importância de apoio aos adultos para interação positiva com as crianças. Disponível em: <https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/construindo- competencias/?s=construindo,compet%C3%AAncias>. A importância da somar saberes e competências 69 https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/construindo-competencias/?s=construindo,compet%C3%AAncias https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/construindo-competencias/?s=construindo,compet%C3%AAncias 71 Apesar dos importantes aportes trazidos pela Neurociência, é importante lembrar que a hegemonia sobre certo modelo de desenvolvimento pode resvalar em um reducionismo neurocientífico, restrito ao cérebro, como um dia foi hegemônico o paradigma biomédico. Cada vez mais, a Primeira Infância, terreno fértil para disputas, precisa estar transversalmente distribuída pela via interdisciplinar e interinstitucional para escapar da negação da diversidade humana e manter-se sensível às reivindicações de justiça social e econômica que permitam igualdade de oportunidade para todos e para toda integralidade que compõe o ser humano. O novo Modelo de Desenvolvimento Humano que está em curso e tem sido balizado pela valorização das especificidades de cada momento do desenvolvimento, que ocorre de forma integrada, representa antes um convite ao fortalecimento da intersetorialidade das Políticas Públicas e da parceria entre o Estado, a Sociedade e a Família, considerando sua interdependência com o campo dos Direitos e da Justiça Social. O que os novos achados da Neurociência, da Epigenética e das pesquisas longitudinais trazem como contribuição fundamental é que devemos de fato começar pelo começo, garantindo que os direitos sejam humanos e ecológicos, sem reducionismos, com mais igualdade de oportunidades para o desenvolvimento de meninos e meninas logo no começo da vida, em uma construção convergente entre os avanços das ciências e do principal valor da Primeira Infância, que é o direito ao desenvolvimento do pleno potencial humano, que tão bem se coaduna com o direito justíssimo à plena cidadania. Com a introdução desse ciclo de geração, haverá menos trabalho a ser feito e menos programas a serem financiados, além de resultados melhores e diminuição da violência que ameaça esta sociedade e qualquer outra sociedade no mundo. O que é empolgante sobre a posição em que nos encontramos hoje e como o Brasil está se movendo é o fato de que estamos vivendo uma revolução (SHONKOFF, 2016). Considerações finais Atualmente, sabe-se que a forma como o cérebro se desenvolve apoia-se em uma complexa interrelação entre carga genética herdada e experiências vivenciadas. A dicotomia entre inato e adquirido foi superada. O investimento de tempo e cuidados 70 72 responsivos no início da vida trazem resultados para todas as fases posteriores do desenvolvimento humano. A maior janela de oportunidades para o desenvolvimento integral está na primeira infância.Sendo assim, sem ter a oportunidade de contar com um adulto de referência para apoiar seu desenvolvimento por meio de um relacionamento afetivo, estável e apropriadamente estimulante para cada fase, a criança perde uma importante e fundamental chance de desenvolver suas competências. 71 73 Recapitulando os fundamentos do desenvolvimento humano na primeira infância Nesta seção, pudemos observar que o desenvolvimento infantil é o primeiro ciclo do desenvolvimento humano. A partir disso, podemos compreender que a primeira infância não é um fragmento do desenvolvimento humano, mas seu início (YOUNG, 2010). Durante a primeira infância ocorrem mudanças quantitativas e qualitativas em uma velocidade que não se repetirá em nenhum outro momento da vida. Estas mudanças seguem uma sequência em que se interrelacionam fatores biológicos, psicológicos e sociais. O desenvolvimento começa bem cedo, desde a concepção, e depende de adultos cuidadores, que são mediadores do desenvolvimento, porque as crianças dependem dos seus pais ou cuidadores primários tanto para o cuidado físico, emocional e social, quanto para adquirirem a linguagem e a cultura que caracterizam o universo humano. O Desenvolvimento Infantil é parte fundamental do desenvolvimento humano, um processo ativo e único de cada criança, expresso por continuidade e mudança nas habilidades motoras, cognitivas, psicossociais e de linguagem, com aquisições progressivamente mais complexas nas funções da vida diária e no exercício de seu papel social. O período pré-natal e os anos iniciais da infância são decisivos no processo de desenvolvimento, constituído pela interação das características biopsicológicas, herdadas geneticamente e das experiências oferecidas pelo meio ambiente. O alcance do potencial 72 74 de cada criança depende do cuidado responsivo às suas necessidades de desenvolvimento (SOUZA; VERÍSSIMO, 2015). Cada ser humano, desde criança, é um ser ativo e único Significa dizer que a criança é parte ativa do seu próprio desenvolvimento, superando a visão ultrapassada da criança como tábula rasa, passiva em seu processo de desenvolvimento. A criança é uma pessoa, também é um sujeito de direitos, e, portanto, cidadã. ❖ Este é um fundamento que hoje faz parte da legislação brasileira, sendo o primeiro princípio determinado pelo Marco Legal da Primeira Infância: “atender ao interesse superior da criança e à sua condição de sujeito de direitos e de cidadã” (Lei 13.257/2016, art. 4º, inciso I). De fato, a pessoa é um ser em desenvolvimento e a ciência tem cada vez mais evidenciado que ao cuidar da criança, cuidados da pessoa desde o começo. Estudos retrospectivos em seres humanos mostraram que o desenvolvimento no período uterino e na infância influencia os riscos de doenças na fase adulta (diabetes tipo II, hipertensão, ataque cardíaco, obesidade, câncer e envelhecimento precoce). Experiências adversas nos primeiros anos de vida também aumentam o risco de problemas de saúde mental, e adições (GILBERT, 2015). E a recíproca é verdadeira, pois cuidado e educação nesta fase representam fatores de prevenção de doenças crônicas e problemas psicológicos e sociais (HUGES, 2017). Cada criança é única e traz ao mundo um conjunto de características que só existe com ela. Sendo assim, procedimentos padronizados no cuidado e educação das crianças precisam sempre ser questionados. A criança também precisa ser escutada, de acordo com sua forma de se expressar. ❖ O Marco Legal da Primeira Infância também se baseou nessa premissa e para tanto determinou como 2º princípio: “incluir a participação da criança na definição das ações que lhe digam respeito, em conformidade com suas características etárias e de desenvolvimento” (Lei 13.257/2016, art. 4º, inciso II). Continuidade e mudança 73 75 Esta belíssima contradição dialética desperta os sentidos para a inexistência de um desenvolvimento linear ou mecânico, nos quais as peças vão se encaixando em uma visão reducionista do desenvolvimento e da criança. O desenvolvimento acontece em várias direções, ao mesmo tempo. Certas habilidades desenvolvem-se em tempos diferentes para crianças diferentes, um apelo à valorização da diversidade. ❖ Tomando como fundamento essa questão, o Marco Legal da Primeira Infância determinou como seu 3º princípio: “respeitar a individualidade e os ritmos de desenvolvimento das crianças e valorizar a diversidade da infância brasileira, assim como as diferenças entre as crianças em seus contextos sociais e culturais”(Lei 13.257/2016, art. 4º, inciso III). A vida acontece do presente, no dia a dia da criança É no dia a dia dos cuidados que recebe e na interação com as pessoas e o ambiente em seu entorno que a criança constrói o sentido da sua existência e seus valores, com condições de aprender, crescer e se desenvolver por meio de rotinas e novos desafios. É na vida diária que a infância acontece, não no futuro. A criança não será: ela já é. ❖ Por esse motivo, é fundamental atender com prioridade a primeira infância, sendo definido como 4º princípio do Marco Legal da Primeira Infância: “reduzir as desigualdades no acesso aos bens e serviços que atendam aos direitos da criança na primeira infância, priorizando o investimento público na promoção da justiça social, da equidade e da inclusão sem discriminação da criança” (Lei 13.257/2016, Art. 4º, inciso IV). Oportunidades de exercício de seu papel social Toda criança é cidadã e exerce um papel social, com leis que estabelecem seus direitos e deveres, em constante tutela dos seus responsáveis e do Estado. Porém, dependendo das concepções de infância operantes em cada núcleo da sociedade, a criança pode perder espaço de atuação e ver limitado o seu potencial de desenvolvimento. Por isso, é fundamental que ela conte com condições de exercício de seu protagonismo social. 74 76 O período pré-natal e os primeiros anos de vida são decisivos Ainda no útero, organizam-se programações biológicas e psicológicas complexas, dentre elas a do sistema de resposta ao estresse. Do ponto vista psicológico, a criança é sensível não só ao psiquismo da sua genitora, mas do ambiente social que a cerca. O útero é um ambiente ativo em que várias transformações acontecem rapidamente, dependendo, porém, da qualidade do cuidado à gestante e à sua família. ❖ Em resposta à importância do apoio às gestantes e no nascimento, o Marco Legal da Primeira Infância reforçou o disposto no artigo 8º do ECA: “É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde” (ECA, art. 8º, modificado pelo art. 19 da Lei 13.257/2016). Interação das características biopsicológicas (herdadas geneticamente) e experiências oferecidas pelo meio ambiente A dicotomia entre genética e ambiente está ultrapassada. Ambos se entrelaçam e contribuem para o desenvolvimento na Primeira Infância. Esta dicotomia foi superada pela concepção da Epigenética, quando se constatou que as experiências vividas impregnam a genética. Assim, o alcance do potencial de cada criança depende do cuidado responsivo às suas necessidades de desenvolvimento. A relação entre potencial da criança e cuidado responsivo é estabelecida definitivamente no conceito de Desenvolvimento Infantil. Responder às aflições da criança reduz seus níveis de estresse epermite o desenvolvimento seguro das suas funções complexas: biológicas, psicológicas e sociais. Sem cuidado, não pode haver desenvolvimento da criança em seu máximo potencial. ❖ Neste ponto, o artigo 14º do Marco Legal da Primeira Infância merece ser lido na íntegra, pois traz a previsão de políticas públicas específicas para promoção da 75 77 responsividade, por meio de programas governamentais de apoio às gestantes e famílias com crianças na primeira infância. Referências Bibliográficas AQUINO, L. A. Acompanhamento do crescimento normal. 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A Origem da Cultura na Primeira Infância da Humanidade: O que deixaremos aos Arqueólogos do Futuro? In: Avanços do Marco Legal da Primeira Infância. Adaptação de Conferência proferida com tradução simultânea no II Seminário Internacional do Marco Legal da Primeira Infância. 7 mai. 2014. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/a- camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infancia>. Acesso em: 21 set. 2020. MUSTARD, J. F. Desenvolvimento cerebral inicial e desenvolvimento humano. In: TREMBLAY, R. E; BOIVIN, M.; PETERS, R. V. (Eds.). Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância. 2010. Disponível em: <http://www.enciclopedia-crianca.com/importancia-do-desenvolvimento- infantil/segundo-especialistas/desenvolvimento-cerebral-inicial-e>. Acesso em: 21 set. 2020. NCPI - NÚCLEO CIÊNCIA PELA INFÂNCIA. Conceitos Fundamentais: 1 - As experiências moldam a arquitetura do cérebro. YouTube. 2m10s. 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Ao planejar ações e políticas para promoção do desenvolvimento integral, nos cabe então perguntar: - Quais são as áreas em que a criança e sua família precisam de mais atenção?Podemos começar a pensar em relação às ações de responsabilidade compartilhada que cabem ao Estado. Quais são as áreas prioritárias de atuação das políticas públicas para o cuidado no começo da vida? Segundo o Marco Legal da Primeira Infância (BRASIL, Lei 13.257/2016): Art. 5º – Constituem áreas prioritárias para as Políticas Públicas para a Primeira Infância: 1. Saúde; 2. Alimentação e Nutrição; 3. Educação infantil; 4. Convivência familiar e comunitária; 5. Assistência social à família da criança; 6. Cultura, o brincar e o lazer; 7. Espaço e o meio ambiente; 8. Proteção contra toda forma de violência e de pressão consumista; 9. Prevenção de acidentes e 10. Adoção de medidas que evitem a exposição precoce à comunicação mercadológica. Essas áreas estão indicadas no Plano Nacional pela Primeira Infância (RNPI/CONANDA, 2010). Nessa unidade, vamos explorar a razão de estas áreas serem prioritárias, quais ações desenvolvem-se em relação a elas e como podem começar a se articular com a família e intersetorialmente para promoção do desenvolvimento integral de cada criança. 80 82 4.1. Saúde A saúde é uma área prioritária pois ela é condição para a própria vida e para o bem- estar em geral. Na primeira infância, vários aspectos do cuidado com a saúde configuram um continuum do cuidado integral, entre as quais se destacam a Saúde da Gestante e da Criança, que se desenvolvem em três grandes momentos: • O Pré-natal – acompanhamento da gestação. • O Parto e o Nascimento. • A Puericultura – acompanhamento do crescimento e desenvolvimento da criança. Nestes processos, os grandes protagonistas são a mulher, a criança e seus familiares, especialmente o pai ou parceiro. Os aspectos emocionais e sociais da gestação, crescimento e desenvolvimento estão sendo cada vez mais difundidos em uma perspectiva ampliada de atenção à saúde. Esses cuidados não são restritos ao que acontece no corpo gravídico durante o pré-natal nem às medidas de crescimento (antropometria), como pesar e medir o tamanho da criança. A atenção à gestante e à criança deve ser dispensada por uma rede integrada que ofereça o cuidado integral, respeitando a pessoa em suas dimensões físicas, psíquicas e sociais. Esta perspectiva ampliada do cuidado deve ser centralizada na família e numa rede integrada de serviços, que dê conta das adaptações necessárias à chegada da criança na família. Conheça o Guia dos Direitos da Gestante e do Bebê. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/media/2351/file/Guia_dos_Direitos_da_Gestante_e_do_B ebe. Pdf 81 https://www.unicef.org/brazil/media/2351/file/Guia_dos_Direitos_da_Gestante_e_do_Bebe. https://www.unicef.org/brazil/media/2351/file/Guia_dos_Direitos_da_Gestante_e_do_Bebe. 83 O Pré-natal e a Puericultura são cada vez mais desempenhados por uma equipe multiprofissional e interdisciplinar, uma vez que envolve médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde (caso da Estratégia Saúde da Família), fisioterapeutas, dentistas, terapeutas ocupacionais, psicólogos e outros. Seria possível falar em um Pré-natal e uma Puericultura intersetoriais? Acreditamos que sim, indicando algumas interfaces. Cada vez mais profissionais da Educação Infantil se dão conta de que podem desempenhar um grande papel interessando-se pelas mulheres grávidas e puérperas com seus desafios para a conquista do pré-natal e maternagem efetivos. Por exemplo, a chegada de um segundo bebê afeta o comportamento do filho mais velho, que não raro externaliza comportamentos desadaptativos enquanto frequenta os centros de educação infantil. Do mesmo modo, os profissionais da Educação podem acolher a mãe que leva a criança à creche e não deseja interromper a amamentação, precisando assim de espaço físico e incentivo para assegurar o direito do bebê a uma alimentação saudável, incluindo a amamentação em seus dois primeiros anos de vida. Também no Ensino Médio, muitas adolescentes grávidas e puérperas precisam de apoio para não abandonarem os estudos e conciliarem a amamentação e os cuidados do bebê com a vida escolar. Já para a Assistência Social, o atendimento às famílias grávidas e com crianças de até seis anos é mais comum, sendo as medidas de proteção social, concessão de benefíciosespecíficos (Ex.: Auxílio Nutriz, Auxílio Natalidade, Bolsa Maternidade), prevenção de agravos ou atuação contra a violação de direitos parte do corpo prático de ações dos Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) e dos Centros Especializados de Referência em Assistência Social (CREAS), assim como também dos Serviços de Acolhimento de adolescentes grávidas e recém-nascidos. A partir do Marco Legal da Primeira Infância, uma atuação ainda mais específica tem sido ofertada a partir do Programa Criança Feliz, que realiza apoio às gestantes e às famílias com crianças na primeira infância, por meio de visitas domiciliares sistemáticas, em articulação com a rede intersetorial. Os operadores do Direito e os profissionais do Sistema de Justiça também desempenham um papel essencial na garantia dos direitos da família grávida e com crianças de até seis anos, sendo fundamentais para a atenção holística uma rede integrada 82 84 de Primeira Infância e outras entidades que atuam no Sistema de Garantia de Direitos, como Conselhos Tutelares e organizações da sociedade civil. O que diz o Marco Legal da Primeira Infância? Art. 19. O art. 8º da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 , passa a vigorar com a seguinte redação: “ Art. 8º É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde. § 1º O atendimento pré-natal será realizado por profissionais da atenção primária. § 2º Os profissionais de saúde de referência da gestante garantirão sua vinculação, no último trimestre da gestação, ao estabelecimento em que será realizado o parto, garantido o direito de opção da mulher. § 3º Os serviços de saúde onde o parto for realizado assegurarão às mulheres e aos seus filhos recém-nascidos alta hospitalar responsável e contrarreferência na atenção primária, bem como o acesso a outros serviços e a grupos de apoio à amamentação. ............................................................................................. § 5º A assistência referida no § 4º deste artigo deverá ser prestada também a gestantes e mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para adoção, bem como a gestantes e mães que se encontrem em situação de privação de liberdade. § 6º A gestante e a parturiente têm direito a 1 (um) acompanhante de sua preferência durante o período do pré-natal, do trabalho de parto e do pós-parto imediato. § 7º A gestante deverá receber orientação sobre aleitamento materno, alimentação complementar saudável e crescimento e desenvolvimento infantil, bem como sobre formas de favorecer a criação de vínculos afetivos e de estimular o desenvolvimento integral da criança. § 8º A gestante tem direito a acompanhamento saudável durante toda a gestação e a parto natural cuidadoso, estabelecendo-se a aplicação de cesariana e outras intervenções cirúrgicas por motivos médicos. § 9º A atenção primária à saúde fará a busca ativa da gestante que não iniciar ou que abandonar as consultas de pré-natal, bem como da puérpera que não comparecer às consultas pós-parto. § 10. Incumbe ao poder público garantir, à gestante e à mulher com filho na primeira infância que se encontrem sob custódia em unidade de privação de liberdade, ambiência que atenda às normas sanitárias e assistenciais do Sistema Único de Saúde para o acolhimento do filho, em articulação com o sistema de ensino competente, visando ao desenvolvimento integral da criança.” (NR) VÍDEO 9 83 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm#art8. 85 O parto é uma das ações primordiais da atenção integral à saúde na primeira infância, envolvendo questões que podem não atender ao interesse superior da criança e da mãe. Nesse sentido, recomendamos assistir ao documentário “O Renascimento do Parto” Versão reduzida disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=3B33_hNha_8 As ações de Saúde da Criança são organizadas em uma robusta e eficaz Política Pública, conhecida como PNAISC – Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança. Compreender como esta Política se organiza facilita a compreensão da trajetória das crianças nos serviços de saúde e nos programas intersetoriais que a ela se articulam. Ela será melhor detalhada na Aula sobre Políticas Nacionais.. No Brasil, a Caderneta da Criança (ou Caderneta de Saúde da Criança) é o principal registro do desenvolvimento da criança, do nascimento até os nove anos de idade, e todos os profissionais da Primeira Infância podem consultá-la. Nela, inclusive, estão anotadas as informações sobre os Marcos do desenvolvimento (etapas em que as crianças mais ou menos estão desenvolvendo as habilidades psicomotoras, emocionais e cognitivas), numa seção dedicada à “Vigilância do Desenvolvimento”. Os direitos da criança, inclusive o direito ao registro de nascimento, estão contidos na Caderneta da Criança. Neste ano, ela foi lançada em uma versão intersetorial, tornando-se Caderneta da Criança. Agora ela inclui além da Saúde, questões da Educação e da Assistência Social, com uma versão Menino e uma versão Menina, porque há diferenças nas curvas de crescimento e desenvolvimento entre meninos e meninas. Os registros sobre o desenvolvimento da criança são muito importantes para a criança, a família e os profissionais da rede, pois servem para monitorar o desenvolvimento infantil pelas políticas públicas. O que diz o Marco Legal da Primeira Infância? Art. 11. (...) § 1º A União manterá instrumento individual de registro unificado de dados do crescimento e desenvolvimento da criança, assim como sistema informatizado, que inclua as redes pública e privada de saúde, para atendimento ao disposto neste artigo (Lei 13.257/2016). Considerações finais 84 https://www.youtube.com/watch?v=3B33_hNha_8 86 Em prol da atenção prioritária à primeira infância, no campo dos direitos à saúde, à alimentação e à nutrição, é importante: • Reconhecer que a saúde da criança começa no planejamento reprodutivo, na saúde pré-concepcional e no pré-natal. • Apoiar as ações do Pré-natal, da Humanização do Parto e Nascimento bem como da Puericultura em todos os seus âmbitos, principalmente imunização de gestantes, parceiros e crianças, alimentação saudável e combate à desnutrição e à obesidade da gestante e da criança, numa visão intersetorial, multiprofissional e interdisciplinar, sendo assim uma tarefa de todos. • Realizar a vigilância do estado de saúde da criança. • Promover sempre e garantir, de acordo com sua governabilidade e liderança, os direitos das famílias grávidas e/ou com crianças de até seis anos, pois isso permite o desenvolvimento integral da criança com repercussões na saúde, no aprendizado e no comportamento para toda a vida. Para saber mais: 1. Linha de cuidado da Gestante, Parturiente e Puérpera (SÃO PAULO, 2018). • Documento Técnico da Linha de Cuidado da Gestante, Parturiente e Puérpera: Quadro, Sínteses e Fluxograma. • Manual de Consulta Rápida Para os Profissionais da Saúde. • Manual de Orientação ao Gestor. • Manual Técnico do Pré-Natal, Parto e Puérpera. Disponíveis em: http://saude.sp.gov.br/ses/perfil/profissional-da-saude/areas-tecnicas- da-sessp/hipertensao-arterial-e-diabetes-mellitus/linhas-de-cuidado-sessp/ 2. Formação em Parto e Nascimento. Disponível em: https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/formacao-em-humanizacao- do-parto-e-nascimento-v/ Trabalhar os aspectos físicos, sociais e emocionais do desenvolvimento no Pré-natal,Parto e Puerpério amplia o paradigma biomédico para o paradigma biopsicossocial da Saúde, uma importante evolução conceitual estabelecida pela OMS. As práticas ampliadas do Pré-natal, puerpério (pós-parto) e amamentação bem como a Puericultura ampliada consideram com IGUAL VALOR os aspectos físicos, sociais e emocionais do crescimento e desenvolvimento desde a gestação. 85 http://saude.sp.gov.br/ses/perfil/profissional-da-saude/areas-tecnicas-da-sessp/hipertensao-arterial-e-diabetes-mellitus/linhas-de-cuidado-sessp/ http://saude.sp.gov.br/ses/perfil/profissional-da-saude/areas-tecnicas-da-sessp/hipertensao-arterial-e-diabetes-mellitus/linhas-de-cuidado-sessp/ https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/formacao-em-humanizacao-do-parto-e-nascimento-v/ https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/formacao-em-humanizacao-do-parto-e-nascimento-v/ 87 3. Atenção Integral à Saúde da Criança (2016). Disponível em: https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/ARES/9258/1/livro_saude_crianca.pdf 4. Compreenda as causas de morte materna das mulheres brasileira. Disponível em: https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46970-brasil-reduziu- 8-4-a-razao-de-mortalidade-materna-e-investe-em-acoes-com-foco-na-saude-da- mulher#:~:text=O%20Brasil%20conseguiu%20reduzir%20em,anterior%20era%20de% 2064%2C5 5. UNICEF – Brasil tem redução histórica na mortalidade infantil (2019). https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2019-11/unicef- mortalidade-infantil-tem-reducao-historica-no-brasil 6. Coleção Primeiríssima Infância (2014): Formação em práticas ampliadas do pré-natal, puerpério e amamentação. Disponível em: https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/formacao-em-pre-natal- puerperio-e-amamentacao-v/ 7. Formação em Puericultura: Práticas Ampliadas. Disponível em: https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/formacao-em-puericultura- praticas-ampliadas-v/ 8. Conheça outros Direitos das Gestantes Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-servico-conheca-os-direitos-da-gestante-e- lactante/#:~:text=De%20acordo%20com%20o%20artigo,emprego%20e%20do%20sal%C3%A1r io%20(art.) Referências Bibliográficas ANDRADE; LIMA, 2004. O Modelo Obstétrico e Neonatal que defendemos e com o qual trabalhamos. Em: Humanização do Parto e Nascimento. Caderno Humaniza SUS. Caderno 4, 2014. BRASIL. Atenção ao pré-natal de baixo risco – Cadernos da Atenção Básica. 2012. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf>. Acesso em: 6 out. 2020. BRASIL. Humanização do Parto e Nascimento. Caderno Humaniza SUS. Caderno 4, 2014. BRASIL. Política Nacional de Atenção Integrada à Saúde da Criança – Orientações para implementação. 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Acesso em: 6 out. 2020. 86 https://ares.unasus.gov.br/acervo/html/ARES/9258/1/livro_saude_crianca.pdf https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46970-brasil-reduziu-8-4-a-razao-de-mortalidade-materna-e-investe-em-acoes-com-foco-na-saude-da-mulher#:~:text=O%20Brasil%20conseguiu%20reduzir%20em,anterior%20era%20de%2064%2C5 https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46970-brasil-reduziu-8-4-a-razao-de-mortalidade-materna-e-investe-em-acoes-com-foco-na-saude-da-mulher#:~:text=O%20Brasil%20conseguiu%20reduzir%20em,anterior%20era%20de%2064%2C5 https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46970-brasil-reduziu-8-4-a-razao-de-mortalidade-materna-e-investe-em-acoes-com-foco-na-saude-da-mulher#:~:text=O%20Brasil%20conseguiu%20reduzir%20em,anterior%20era%20de%2064%2C5 https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46970-brasil-reduziu-8-4-a-razao-de-mortalidade-materna-e-investe-em-acoes-com-foco-na-saude-da-mulher#:~:text=O%20Brasil%20conseguiu%20reduzir%20em,anterior%20era%20de%2064%2C5 https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2019-11/unicef-mortalidade-infantil-tem-reducao-historica-no-brasil https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2019-11/unicef-mortalidade-infantil-tem-reducao-historica-no-brasil https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/formacao-em-pre-natal-puerperio-e-amamentacao-v/ https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/formacao-em-pre-natal-puerperio-e-amamentacao-v/ https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/formacao-em-puericultura-praticas-ampliadas-v/ https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/formacao-em-puericultura-praticas-ampliadas-v/ http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_32_prenatal.pdf https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2018/07/Pol%C3%ADtica-Nacional-de-Aten%C3%A7%C3%A3o-Integral-%C3%A0-Sa%C3%BAde-da-Crian%C3%A7a-PNAISC-Vers%C3%A3o-Eletr%C3%B4nica.pdf https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2018/07/Pol%C3%ADtica-Nacional-de-Aten%C3%A7%C3%A3o-Integral-%C3%A0-Sa%C3%BAde-da-Crian%C3%A7a-PNAISC-Vers%C3%A3o-Eletr%C3%B4nica.pdf https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2018/07/Pol%C3%ADtica-Nacional-de-Aten%C3%A7%C3%A3o-Integral-%C3%A0-Sa%C3%BAde-da-Crian%C3%A7a-PNAISC-Vers%C3%A3o-Eletr%C3%B4nica.pdf https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/wp-content/uploads/2018/07/Pol%C3%ADtica-Nacional-de-Aten%C3%A7%C3%A3o-Integral-%C3%A0-Sa%C3%BAde-da-Crian%C3%A7a-PNAISC-Vers%C3%A3o-Eletr%C3%B4nica.pdf https://www.scielo.br/pdf/reeusp/v45n5/v45n5a15.pdf http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/guia_da_crianca_2019.pdf 88 ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Manual para vigilância do desenvolvimento infantil no contexto da AIDPI. 2005. Disponível em: <https://www.paho.org/spanish/ad/fch/ca/si- desenvolvimento.pdf>. Acesso em: 6 out. 2020. SANTOS, M. D.; MARICONDI, A. M. Conversando sobre puerpério. Caderno da Equipe “Toda Hora é Hora de Cuidar”, p. 20-23, 2013. Disponível em: <http://www.ee.usp.br/site/dcms/app/webroot//uploads/arquivos/caderno_equipe.pdf>. Acesso em: 6 out. 2020. 4.2. Alimentação e Nutrição O Plano Nacional pela Primeira Infância ressalta que o aleitamento materno é um fator essencial para o crescimento e desenvolvimento adequado do bebê, sendo uma das ações mais eficientes na redução da mortalidade infantil e no fortalecimento do vínculo entre mãe e filho. É fundamental que sejam asseguradas às gestantes e ao bebê as condições favoráveis de amamentação, em sintonia com a recomendação internacional de que o aleitamento materno seja exclusivo até os seis meses de idade e que, daí em diante, outros alimentos sejam introduzidos de forma gradual, mantendo o leite materno até os dois anos de idade (RNPI; CONANDA, 2010). A alimentação e a nutrição constituem-se em requisitos básicos para a promoção e a proteção da saúde, possibilitando a afirmação plena do potencial de crescimento e desenvolvimento humano, com qualidade de vida e cidadania, como bem contemplado na Política Nacional de Alimentação e Nutrição – PNAN (BRASIL, 2019). Esta área será mais detalhada na Aula 8 - Políticas Públicas. Para saber mais, recomendamos a leitura do capítulo: As prioridades da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) para a Primeira Infância, de LIMA, A. M. C. et al., p. 202-219. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos- do-marco-legal-da-primeira-infancia 87 https://www.paho.org/spanish/ad/fch/ca/si-desenvolvimento.pdf https://www.paho.org/spanish/ad/fch/ca/si-desenvolvimento.pdf https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infanciahttps://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infancia 89 4.3. Educação Infantil A Educação é o um direito fundamental da criança. Agora chegou a hora de saber um pouco mais sobre o que é Educação Infantil com qualidade e o quanto o envolvimento da família na educação das crianças na Primeira Infância é importante. O que é Educação Infantil A Constituição inovou o ordenamento jurídico ao garantir o acesso à educação infantil, em creches e pré-escolas, às crianças de zero a cinco anos de idade como dever do Estado. Ressaltando esse direito, a Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009, determinou a obrigatoriedade da matrícula na educação básica (pré-escola) a partir dos quatro anos de idade. A inovação trazida por esses preceitos legais rompe com uma história de atendimento à infância configurada como amparo, filantropia ou assistência social, e confere uma nova identidade à educação infantil e um novo papel ao Estado. A educação infantil é um direito humano e social de todas as crianças até cinco anos de idade, sem distinção decorrente de origem geográfica, caracteres do fenótipo (cor da pele, traços de rosto e cabelo), etnia, nacionalidade, sexo, deficiência física ou mental, nível socioeconômico ou classe social. Também não está atrelada à situação trabalhista dos pais, nível de instrução, religião, opinião política ou orientação sexual. A Educação Infantil tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (LDB, art.29), e desta forma cumpre um papel importante no desenvolvimento humano e social. Configura-se como uma das áreas educacionais que mais retribui à sociedade os recursos nela investidos, contribuindo para a aprendizagem e o desenvolvimento das crianças. O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte dos patrimônios cultural, artístico, científico e tecnológico da Humanidade, efetivadas por meio de relações sociais que as crianças desde bem pequenas estabelecem com professores e outras crianças, e afetam a construção de suas identidades. 88 90 Intencionalmente planejadas e permanentemente avaliadas, as práticas que estruturam o cotidiano das instituições de Educação Infantil devem considerar a integralidade e indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural das crianças, apontar as experiências de aprendizagem que se espera promover às crianças e efetivar-se por meio de modalidades que assegurem as metas educacionais de seu projeto pedagógico. A Base Nacional Comum (BNCC) para a etapa da Educação Infantil, fixada pela Resolução 02/2017 do Conselho Nacional de Educação, considerando os princípios definidos pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil MEC/2009), organiza-se a partir dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento, dos campos de experiências e dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, elementos esses que se integram na articulação entre necessidades, interesses, experiências e curiosidades das crianças de 0 a 5 anos e os patrimônios artístico, cultural, ambiental, científico e tecnológico. A educação infantil no Brasil registrou muitos avanços nos últimos anos. O direito à educação a todas as crianças pequenas desde seu nascimento representa uma conquista importante para a sociedade brasileira. Porém, para que esse direito se traduza realmente em melhores oportunidades educacionais para todos e em apoio significativo às famílias com crianças de até cinco anos de idade, é preciso que as creches e as pré-escolas garantam um atendimento de boa qualidade, destaque esse feito pelo Marco Legal da Primeira Infância: Art. 16. A expansão da educação infantil deverá ser feita de maneira a assegurar a qualidade da oferta, com instalações e equipamentos que obedeçam a padrões de infraestrutura estabelecidos pelo Ministério da Educação, com profissionais qualificados conforme dispõe a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) , e com currículo e materiais pedagógicos adequados à proposta pedagógica. Parágrafo único. A expansão da educação infantil das crianças de 0 (zero) a 3 (três) anos de idade, no cumprimento da meta do Plano Nacional de Educação, atenderá aos critérios definidos no território nacional pelo competente sistema de ensino, em articulação com as demais políticas sociais. (BRASIL, Lei 13.257/2016) Qualidade da Educação Infantil Pensando na Educação Infantil de qualidade, há que se ter um espaço adequado, profissionais habilitados, infraestrutura de trabalho, respeito às crianças e 89 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9394.htm 91 reconhecimento de seus direitos de frequentar um local que garanta as interatividades pedagógicas promovidas pelos professores. Estes por sua vez, na medida em que planejam os espaços e tempos, devem oportunizar às crianças a construção e desconstrução do seu brincar, bem como de suas pesquisas corporais e sonoras, possibilitando convivências diversas nestes espaços educacionais. A importância da participação da família na educação da criança A parceria com a Família é indispensável para o desenvolvimento e o aprendizado da criança, sendo que o âmbito familiar e o institucional complementam-se em suas especificidades e em sua participação. A Instituição de Educação Infantil e as famílias têm papéis complementares na formação integral da criança, por isso devem estabelecer relações de cooperação e troca de experiências e conhecimentos, tendo sempre em vista compreender mais detalhadamente a criança e pensar em estratégias para potencializar sua aprendizagem e desenvolvimento. Para saber mais: Publicações sobre Educação Infantil. Disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao- basica/publicacoes?id=12579:educacao-infantil Referências bibliográficas BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Parecer CNE/CEB nº 20/2009. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. 2009. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Resolução CNE/CEB nº 02/2017. Base Nacional Comum Curricular. Brasília DF, 2017. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Secretaria da Educação Básica. Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil. Brasília, 2018. 90 http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-basica/publicacoes?id=12579:educacao-infantil http://portal.mec.gov.br/secretaria-de-educacao-basica/publicacoes?id=12579:educacao-infantil 92 4.4. Convivência Familiar e Comunitária Crianças e adolescentes têm o direito de serem criados e educados no seio de sua família (ECA, art. 19), que é reconhecida pela Lei Magna como a base da sociedade (CF, art. 226). Visando fortalecer o acesso a esse direito o mais oportunamente possível, o Marco Legal da Primeira Infância enfatiza as convivências familiar e comunitária como uma área prioritária na primeira infância. Este direito é amplamente detalhado no Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária – PNCFC (BRASIL, 2016), que enfatiza a capacidade da família, em sua diversidade de arranjos, exercer as funções de proteção e socialização de crianças e adolescentes, assim como o papel das políticas públicas no apoioàs famílias para a prevenção do afastamento do convívio familiar. O PNCFC (BRASIL, 2016) destaca que é no ambiente familiar que as crianças constroem seus primeiros vínculos afetivos, experimentam emoções, formam sua identidade, desenvolvem autonomia, aprendem a tomar decisões, exercem cuidados mútuos, vivenciam conflitos e aprendem a controlar seus impulsos e tolerar frustrações. Assim como é a partir da família que a criança se insere em uma comunidade, ampliando sucessivamente seu pertencimento social e cultural. No entanto, o reconhecimento da importância da família não pode ser confundido com o desconhecimento de que é também no seu próprio meio que ocorre a maior parte das violações dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. A depender da gravidade da violação, o afastamento do núcleo familiar se faz necessário para a proteção da integridade física e psicológica da criança e do adolescente. Nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, a medida protetiva de acolhimento tem caráter excepcional e provisório. Neste contexto, o direito às convivências familiar e comunitária se alicerça na interface entre a Doutrina da Proteção Integral trazida pela Constituição Federal e o ECA, cuja concretização requer convergência de esforços entre Família, Sociedade e Estado, com especial articulação entre os órgãos que integram o Sistema de Justiça e a rede das diversas políticas públicas, como de Assistência Social, Direitos Humanos, Educação e Saúde, entre outras. Medidas específicas para proteção, promoção e garantia do direito à convivência familiar e comunitária serão abordadas nas Unidades 3 e 4. 91 93 Sobre o Conceito de Família É de senso comum em nossa sociedade a concepção de família como sendo a base de tudo, um lugar privilegiado para o desenvolvimento da criança. A carga de atribuições, compromissos e exigências contemporâneas que incidem sobre as famílias, independentemente de seus recursos e possibilidades reais, pode ser muito pesada, especialmente quando associada às tensões decorrentes de diversas situações, por exemplo, desemprego, violência urbana, pobreza, ausência de redes sociais de apoio e falta de acesso a serviços que a apoiem no exercício de sua função de cuidado, proteção e educação das crianças e adolescentes. Também é comum idealizarmos a família em sua composição nuclear conjugal, todavia é preciso considerar as diversidades socioculturais e de arranjos familiares. Portanto, na atenção às famílias é importante considerar as várias realidades, os múltiplos arranjos contemporâneos e as relações intrafamiliares e da família com o contexto no qual está inserida. É importante identificar limites e potencialidades da família para o exercício de sua função, suas redes de apoio, demandas por acesso a direitos e serviços, e a rede disponível localmente que possa acessar para superar dificuldades enfrentadas. Consideramos que a melhor concepção de família está expressa na Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004 (2005, p. 90): A família é um grupo de pessoas, vinculadas por laços consanguíneos, de aliança ou de afinidade, onde os vínculos circunscrevem obrigações recíprocas e mútuas, organizadas em torno de relações de geração e de gênero. Sobre o Conceito de Comunidade Para Dalva Gueiros (2010), as famílias das camadas populares que estão mais comumente organizadas em rede (com participação de outros parentes e vizinhos no convívio e em prol da sobrevivência) e que têm como foco o sistema de obrigações e ajuda diferenciam-se das famílias das camadas sociais médias que se organizam em núcleos centrados no parentesco. Trata-se, portanto, de uma estratégia de sobrevivência e materialidade histórica (distante do modelo romântico ou idealizado). Dentre os primeiros espaços e instituições sociais que ampliam a convivência da criança além da família podemos identificar os parques públicos, os grupos de brincadeiras, 92 94 a creche e a escola. Quando o afastamento da família é necessário e a aplicação da medida protetiva de acolhimento é inevitável, a manutenção da criança em sua comunidade de origem (relações de amizade no bairro e na escola) pode ser uma boa estratégia de redução de danos, razão pela qual o § 7º do Art. 101 do ECA dispõe que “o acolhimento familiar ou institucional ocorrerá no local mais próximo à residência dos pais ou do responsável”. Como vimos nas temáticas anteriores, a criança forma memórias a partir do convívio e do ambiente em que nasce e cresce, o que gera um sentimento de familiaridade e senso de pertencimento que precisa ser considerado ao se buscar formas de garantir seus direitos. Sobre o Direito às convivências familiar e comunitária Sabemos que famílias e espaços comunitários e institucionais são potencialmente ou efetivamente capazes de promover desenvolvimento infantil e proteção social, e que o contrário também é igualmente verdadeiro. Mas quantas crianças são cotidianamente desprotegidas, maltratadas e sofrem diferentes tipos de violações de direitos em seu núcleo familiar e sua comunidade? Várias circunstâncias acabam afetando e até mesmo inviabilizando a possibilidade de uma convivência familiar e comunitária saudável. Em face de tais realidades, fica evidente a necessidade da efetivação de promoção, proteção e defesa do direito às convivências familiar e comunitária de crianças, o que requer um conjunto articulado de ações que envolvem a família, a sociedade e o Estado, em situação de corresponsabilidade, conforme proposto nas Convenções Internacionais, na Constituição Federal, no ECA, no Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa da Convivência Familiar e Comunitária bem como no Marco Legal da Primeira Infância. Para saber mais: BRASIL.. Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa da Convivência Familiar e Comunitária. Políticas Públicas sobre Convivência Familiar e Comunitária. Brasília: CONANDA; CNAS, 2006. Disponível em: <www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/Plano_Defesa_ CriancasAdolescentes%20.pdf>. Acesso em: 6 out. 2020. 93 95 4.5. Assistência Social à Família da Criança Vimos anteriormente que a interação familiar é o principal ingrediente para o desenvolvimento humano na primeira infância. A proteção, o cuidado e a disponibilidade para estabelecer relacionamentos estáveis, afetivos e educativos são funções primordiais do núcleo familiar. Mas muitas vezes “os pais não estão disponíveis para interagirem com os filhos devido a uma série de circunstâncias desfavoráveis em sua vida, como a pobreza, o desemprego, o uso abusivo de drogas, a violência, entre outros desafios e fontes de estresse cotidiano” (SHONKOFF, 2016). Em nosso país, as circunstâncias sociais, culturais e econômicas das famílias para cuidarem dos filhos são marcadas por desigualdades e desafios históricos, configurando para grande parcela da população um contexto de exclusão social que expõe famílias e indivíduos a situações de risco e vulnerabilidade, que repercutem diretamente na capacidade de exercício da parentalidade. Diante disso, o Estado tem dado respostas com reconhecimento de direitos e organização de políticas públicas de apoio às famílias, dentre as quais se destaca a Política de Assistência Social, que organiza um conjunto de ofertas que apoiam as famílias por intermédio do Sistema Único de Assistência Social. Além de destacar a Assistência Social como uma área prioritária para a proteção das crianças na primeira infância e apoio à sua família em uma perspectiva preventiva, o Marco Legal da Primeira Infância destaca também o importante papel dos serviços e equipamentos desta políticaem casos de violações: As famílias identificadas nas redes de saúde, educação, assistência social e demais órgãos do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança que se encontram em situação de vulnerabilidade e de risco ou com direitos violados para exercer seu papel protetivo, de cuidado e educação à criança na primeira infância, bem como as que têm crianças com indicadores de risco ou deficiência, terão prioridade nas políticas sociais públicas”. (Lei 13.257/2016, art. 14, § 2º). Art. 13 § 2 o Os serviços de saúde em suas diferentes portas de entrada, os serviços de assistência social em seu componente especializado, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAs) e os demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente deverão conferir máxima prioridade ao atendimento das crianças na faixa etária da primeira infância com suspeita ou confirmação de violência de qualquer natureza, formulando projeto terapêutico singular que inclua intervenção em rede e, se necessário, acompanhamento domiciliar. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016). 94 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.htm#art23 96 É MUITO IMPORTANTE ENTENDER A ASSISTÊNCIA SOCIAL COMO UM DIREITO, NÃO COMO UMA BENESSE. FAMÍLIAS CIDADÃS SÃO FONTE DE CIDADANIA DE SEUS FILHOS. Sobre a Política Nacional de Assistência Social A Constituição Federal de 1988 operou mudanças fundamentais na agenda das políticas públicas, transformando necessidades antes consideradas pessoais ou individuais em direitos sociais. Na Assistência Social, essa mudança de paradigma significou uma forte contraposição às práticas filantrópicas correntes. A Política de Assistência Social será melhor abordada no tópico 1.8. A lógica que organiza esta política apoia-se na concepção de que a Assistência Social, articulada a outras políticas e ao Sistema de Justiça, deve contemplar no atendimento às famílias: • A atenção a vulnerabilidades e riscos sociais enfrentados pelas famílias. • A ampliação de acessos a direitos, serviços e oportunidades para a melhoria de condições de vida da família, inclusão e participação social. • A ampliação de acessos a serviços e outros suportes que possam apoiá-la no cuidado e na proteção de seus membros, sobretudo no caso daqueles em situação de maior vulnerabilidade, como crianças na primeira infância e pessoas com deficiência. • Ao enfrentamento da pobreza além da questão do acesso à renda, considerando outras vulnerabilidades vivenciadas pelas famílias e a necessária integração do acesso a serviços e benefícios para seu empoderamento e sua autonomia. • A articulação estreita com outras políticas e sistema de justiça em casos de violações de direitos que impliquem riscos à integridade física e psíquica, visando à interrupção e superação destas situações. Enfim, o Modelo Brasileiro de Proteção Social pode ser assim sintetizado: 1. Política de direitos que opera serviços, benefícios, programas e projetos. 2. Organizada como um Sistema, o SUAS, com comando único, gestão compartilhada e corresponsabilidades de todos os entes federados (União, estados, DF e municípios). 95 97 3. SUAS hierarquizado por níveis de complexidade, em Proteção Social Básica e a Proteção Social Especial (de Média e Alta Complexidade), conforme o nível de agravamento das situações e especificidade do atendimento. 4. Gestão democrática e participativa com instâncias de pactuação interfederativa – Comissões Intergestores Bipartites (CIBs), com representantes das esferas estadual e municipal, e Comissões Intergestores Tripartites (CITs), que agregam a área federal e o controle social – Conselhos de Assistência Social. A centralidade da família é uma diretriz da Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004) que orienta a concepção e a implementação de benefícios, serviços, programas e projetos do Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Isto pauta-se no reconhecimento da importância da família no contexto da vida pessoal e comunitária. Segundo a PNAS (2004, p. 40), “a matricialidade sociofamiliar se refere à centralidade da família como núcleo social fundamental para a efetividade de todas as ações e serviços da política de assistência social”. Portanto, a matricialidade sociofamiliar constitui um avanço fundamental na Assistência Social, que anteriormente se detinha no atendimento de indivíduos. Para a Assistência Social, as atenções devem considerar a família como um todo e a atenção às especificidades de cada um de seus membros não pode estar dissociada de seu contexto familiar, comunitário e social. Assim, as atenções às crianças na primeira infância não podem desconsiderar sua família e seu contexto de vida. De igual forma, as famílias com crianças na primeira infância precisam ser compreendidas em sua integralidade, com suas especificidades, dificuldades e potencialidades. Mioto (2010) ressalta, todavia, que duas tendências opostas lutam entre si para ganhar hegemonia no âmbito do trabalho social com famílias: a familista e a protetiva. Na perspectiva familista, a família é considerada a principal responsável pelo bem-estar de seus membros, em detrimento do Estado, na garantia de direitos e na proteção social. O fracasso das famílias é entendido como resultado da incapacidade de gerirem seus recursos, de desenvolverem adequadas estratégias de sobrevivência e de convivência, de mudar comportamentos e estilos de vida, de se articularem em rede de solidariedade e também de serem incapazes de se capacitarem para cumprirem com as obrigações familiares (MIOTO, 2010, p. 170). 96 98 Na perspectiva protetiva, pelo contrário, há centralidade da garantia de direitos sociais com base nos princípios da universalidade e equidade, pois somente através deles é possível consolidar a cidadania e caminhar para a equidade e justiça social. Nessa perspectiva, as políticas públicas são pensadas no sentido de apoiar as famílias e fortalecer sua capacidade protetiva. Referências Bibliográficas MARQUES L. A. Matricialidade Sociofamiliar do SUAS: diálogo entre possibilidades e limites.Em:. Anais do III Simpósio Gênero e Políticas Públicas, Universidade Estadual de Londrina, 2014. MARICONDI, M. A; KREHAN, M. C. Concepções Fundantes do Modelo Brasileiro de Proteção Social e o Trabalho Social com Famílias: avanços e contradições. Em: Caderno de Textos do Projeto Inovações Metodológicas para o Trabalho Social com Famílias no SUAS. São Paulo, 2020. Disponível em: <https://psicologianosuas.com/2020/06/01/inovacoes-metodologicas-para-o- trabalho-social-com-familias/>. Acesso em: 12 set. 2020. MIOTO R. C. Família, trabalho com famílias e Serviço Social. Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 12, n. 2, p. 163-176, jan./jun. 2010. SANTOS, B. R. et al. Desenvolvimento de paradigmas de proteção para crianças e adolescentes brasileiros. Disponível em: <http://www5.ensp.fiocruz.br/biblioteca/dados/txt_288618255.pdf>. Acesso em: 10 set. 2020. SHONKOFF, J. Investindo em ciência para fortalecer as bases da aprendizagem, do comportamento e da saúde ao longo da vida. Em: Avanços do Marco Legal da Primeira Infância. Câmara dos Deputados: Centro de Estudos e Debates Estratégicos, 2016. SPOSATI, A. Modelo Brasileiro de Proteção Social não Contributiva: concepções fundantes. 2009. Disponível em: <http://www.ceprosom.sp.gov.br/portal/wp-content/uploads/2015/05/TEXTO- ALDAIZA-1.pdf>. Acesso em: 10 set. 2020. SPOSATI, A. Assistência Social: de ação individual a direito social. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC, n. 10, jul./dez. 2007. Disponível em: <http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-10/RBDC-10-435-Aldaiza_Sposati.pdf>.Acesso em: 10 set. 2020. 97 https://psicologianosuas.com/2020/06/01/inovacoes-metodologicas-para-o-trabalho-social-com-familias/ https://psicologianosuas.com/2020/06/01/inovacoes-metodologicas-para-o-trabalho-social-com-familias/ http://www5.ensp.fiocruz.br/biblioteca/dados/txt_288618255.pdf http://www.ceprosom.sp.gov.br/portal/wp-content/uploads/2015/05/TEXTO-ALDAIZA-1.pdf http://www.ceprosom.sp.gov.br/portal/wp-content/uploads/2015/05/TEXTO-ALDAIZA-1.pdf http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-10/RBDC-10-435-Aldaiza_Sposati.pdf 99 4.6. A cultura, o brincar e o lazer 4.6.1 Sobre a cultura A cultura é fundadora das ações e dos pensamentos das pessoas a todo o momento e reflete o modo de vida de cada um de nós (que é construído desde a primeira infância) e da sociedade. É apenas a partir da garantia do direito à cultura, ao brincar e ao lazer que a plenitude do desenvolvimento humano terá seu fluxo contínuo e a criança despertará para a realidade cultural em que está inserida, não apenas como receptora, mas como produtora de cultura. Com base nesse fundamento, o Marco Legal da Primeira Infância determina que: Art. 15. As políticas públicas criarão condições e meios para que, desde a primeira infância, a criança tenha acesso à produção cultural e seja reconhecida como produtora de cultura (Lei 13.257/2016). Neste sentido, é importante que os profissionais do Sistema de Garantia de Direitos atentem-se para a importância do reconhecimento, da valorização e do respeito à identidade cultural de cada criança e sua interação com os elementos culturais próprios dessa identidade, tendo em vista os diversos povos e etnias que compõem a Nação brasileira, como afrobrasileiros, indígenas, romanis (ciganos), orientais, latinos e europeus, além de outras características ligadas ao território, especialmente nos casos de população rural, ribeirinha e da floresta. É importante atentar-se também para o fato de que a promoção da igualdade e da diversidade cultural, ao ser tratada desde a infância, cria possibilidades e diminui preconceitos na relação com as múltiplas formas de constituição familiar, trabalhando de maneira positiva questões adversas sobre estigmas socialmente construídos. A atuação do Ministério da Cultura, especialmente em 2018 e 2019, no processo de implementação do Marco Legal da Primeira Infância, destacou-se pela busca de estratégias para fortalecer o papel dos jogos e das brincadeiras nos territórios, considerando sua importância no desenvolvimento da criança, inclusive para promoção da resiliência. As políticas públicas de Cultura têm importante papel na Mobilização da Rede de Pontinhos de Cultura, identificando novos atores que possam possibilitar maior fruição de atividades passíveis de execução para atender ao público da primeira infância. Além disso, tange às atribuições das políticas de Cultura a indicação trazida pelo artigo 26 do 9* 8/ 100 Marco Legal da Primeira Infância quanto à importância de se assegurar às crianças o direito de acesso à transmissão das crenças e culturas familiares. Com vistas à efetivação desta área prioritária para o desenvolvimento de todas as crianças, nos âmbitos familiar, social e institucional, a seguir você terá subsídios para uma melhor compreensão sobre o direito de brincar, a natureza do brincar e seu papel no desenvolvimento da criança, os impedimentos à efetivação desse direito, a importância dos espaços para brincar e o papel do adulto, destacando a necessidade de capacitação ampla sobre o tema. Lembrando que a criança é fruidora e produtora de cultura por meio do brincar. O lúdico é fonte de confiança e autonomia à medida que a criança conhece os valores culturais de sua comunidade e cria formas de ver o mundo por meio desse brincar. Para saber mais: LAREDO, Carlos. A Origem da Cultura na Primeira Infância da Humanidade: O que deixaremos aos Arqueólogos do Futuro? Em: CÂMARA DOS DEPUTADOS. Avanços do Marco Legal da Primeira Infância. Brasília: Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados, 2016, pp. 145-155..Disponível em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos- do-marco-legal-da-primeira-infancia 4.6.2. Sobre o brincar O direito de brincar Sob o ponto de vista da legislação brasileira, o direito ao brincar e ao lazer são assegurados pelas seguintes legislações: • Constituição Federal (1988), Art. 227. • Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA 1989), Arts. 4º e 16. Este último trata do direito à liberdade, abrangendo oito aspectos, entre os quais estão “brincar, praticar esportes e divertir-se” (inciso IV). • Lei 11.104/2005, conhecida Lei da Brinquedoteca Hospitalar, que assegura o direito de brincar, inclusive para as crianças em hospitais. 99 https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infancia https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infancia 101 • Marco Legal da Primeira Infância (2016), Arts. 5º e 17. No seu artigo 5º assinala que: “Constituem áreas prioritárias para as políticas públicas pela Primeira Infância a saúde, (...) o brincar e o lazer (...)” e no seu artigo 17 especifica que: A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão organizar e estimular a criação de espaços lúdicos que propiciem o bem-estar, o brincar e o exercício da criatividade em locais públicos e privados onde haja circulação de crianças, bem como a fruição de ambientes livres e seguros em suas comunidades (Lei 13.257/2016, art. 17). Essas leis são fundamentadas no direito internacional contido no Artigo 31 da Convenção dos Direitos da Criança (CDC/ONU 1989). O Artigo 31 “reconhece o direito de cada criança ao descanso, lazer, jogo, atividades recreativas e livres e plena participação na vida cultural e artística”, e foi considerado tão importante pela CDC que mereceu a aprovação, em fevereiro de 2013, de um documento complementar denominado Comentário Geral no 17 (GC 17), que definiu claramente as obrigações dos seus governos signatários, inclusive o Brasil, no que se refere aos direitos contidos no Artigo 31, reforçando ainda que devem ser desfrutados por toda criança, independentemente do lugar onde vive, de seu patrimônio cultural ou de sua condição social. Para saber mais: • Guia “O Direito de Brincar de todas as crianças”, da Rede Nacional da Primeira Infância (RNPI). Disponível em: https://www.ipabrasil.org/publicacoes • Comentário Geral sobre o Artigo 31 – ONU/CDC. Disponível em: http://www2.ohchr.org/english/bodies/crc/docs/GC/CRC-C-GC-17_en.doc • Guia “Artigo 31 da Convenção dos Direitos da Criança: O Desenvolvimento Infantil e o Direito de Brincar”. Disponível em: https://www.ipabrasil.org/publicacoes 100 https://www.ipabrasil.org/publicacoes http://www2.ohchr.org/english/bodies/crc/docs/GC/CRC-C-GC-17_en.doc https://www.ipabrasil.org/publicacoes 102 O que é o Brincar? O brincar é caracterizado pelos seguintes atributos: diversão, incerteza, desafio, flexibildade e não produtividade. O Comentário Geral nº 17 sobre o CDC, na sua página 5, parágrafo 14C, oferece uma definição do brincar que é amplamente reconhecido por especialistas das mais diversas áreas: O brincar das crianças é um comportamento, atividade ou processo iniciado, controlado e estruturado pelas próprias crianças e tem lugar quando e onde as oportunidades surgirem. Os cuidadores podem contribuir para a criação de ambientes em que ele ocorre, mas brincar, por si mesmo, é não-obrigatório,impulsionado pela motivação intrínseca e é um fim em si mesmo, e não um meio para um fim. É importante destacar que o direito da criança ao brincar contempla seu direito de controlar e estruturar seu próprio brincar. Por isso, muitos especialistas se referem ao “brincar livre” ou “livre brincar”, sendo isso distinto de uma atividade lúdica ou brincadeira organizada, controlada e estruturada por um adulto, por exemplo, um professor de educação infantil ou de ensino fundamental, na sala de aula. Para saber mais: • Guia “Brincar é preciso! Guia prático para pais e educadores". Disponível em: https://www.ipabrasil.org/publicacoes 101 https://www.ipabrasil.org/publicacoes 103 • Livro “A descoberta do brincar”, de Maria Ângela Barbato Carneiro e Janine Dodge. Disponível em: https://www.ipabrasil.org/publicacoes O Brincar e o Desenvolvimento Infantil Ao longo das últimas décadas, inúmeros estudos científicos de diversas áreas, incluindo a neurociência, psicologia, sociologia, pedagogia e economia vêm apontando e destacando as diversas maneiras pelas quais o brincar é intrínseco ao desenvolvimento saudável e pleno das crianças. Desde o seu nascimento, o brincar é um elemento fundamental no desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e social das crianças, proporcionando condições para o desenvolvimento de relacionamentos afetivos positivos, da resiliência e da criatividade, entre outras habilidades de função executiva e de autorregulação, todas consideradas necessárias para que a criança exerça o papel que lhe cabe na comunidade em que vive, no presente e no futuro. Para saber mais: • Sobre brincadeiras e jogos que apoiam o desenvolvimento infantil, indicados por faixa de idade das crianças: o Cartilha “Jogos e brincadeiras das culturas populares na Primeira Infância”. Disponível em: http://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/crianca_feliz/CartilhaCriancaF eliz_web.pdf o Guia “O Direito de Brincar de todas as crianças”, produzido pelas ONGs internacionais Terre des Hommes e IPA Brasil. Disponível em: https://www.ipabrasil.org/publicacoes 102 https://www.ipabrasil.org/publicacoes http://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/crianca_feliz/CartilhaCriancaFeliz_web.pdf http://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/crianca_feliz/CartilhaCriancaFeliz_web.pdf https://www.ipabrasil.org/publicacoes 104 • “Apostila brincar: Propostas práticas para brincadeiras inclusivas na educação infantil” produzido pela Fundação Volkswagen em parceria com a Associação Nova Escola. Disponível em: https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/apostila-brincar- propostas-praticas-brincadeiras-inclusivas-educacao-infantil/ • Vídeos “O Jogo de Ação e Reação Modela os Circuitos do Cérebro” e “Ação e Reação”, produzidos pelo Centro para o Desenvolvimento da Criança da Universidade de Harvard. Disponíveis em: https://developingchild.harvard.edu/translationcategory/pt/ • Entrevista com a Profa. Tizuko Morchida, da Faculdade de Educação da USP, “Na Íntegra – Tizuko Morchida – O brincar na educação infantil”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=09w8a-u-AUU (parte 1) e https://www.youtube.com/watch?v=QomXuPFJc8c (parte 2). • Entrevista com a psicóloga Rita Góes Bezerra de Moraes. Disponível em: https://lunetas.com.br/para-lidar-com-criancas-e-preciso-observa-las-diz-psicologa/ Os impedimentos ao Brincar Atualmente, o brincar é ainda, muitas vezes, reduzido a um tempo curto da rotina da criança, além de ser frequentemente entendido como premiação para certos comportamentos e relacionado a determinados brinquedos comercializados. Alguns paradigmas ultrapassados, mas ainda compartilhados por grande parte dos adultos, como “Brincar é perda de tempo”, também dificultam a compreensão de todos sobre o papel fundamental do brincar no desenvolvimento infantil. Além da carência de espaços qualificados e seguros para o brincar, a comercialização das oportunidades para brincar, as altas exigências educacionais e a crescente influência e uso das mídias digitais, quase onipresentes na vida das crianças, também influenciam profundamente o tempo dedicado ao brincar e as formas do seu envolvimento nas brincadeiras, atividades recreativas e nas atividades culturais e artísticas. Para saber mais: Sobre o brincar e a tecnologia: • Recomendações da Organização Mundial da Saúde sobre o uso de aparelhos eletrônicos por crianças pequenas. Disponível em: https://nacoesunidas.org/oms- divulga-recomendacoes-sobre-uso-de-aparelhos-eletronicos-por-criancas-de- ate-5-anos/ VÍDEO 10 Série de vídeos “Infância e Tecnologia” produzidos pelo Instituto Alana. 103 https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/apostila-brincar-propostas-praticas-brincadeiras-inclusivas-educacao-infantil/ https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/apostila-brincar-propostas-praticas-brincadeiras-inclusivas-educacao-infantil/ https://developingchild.harvard.edu/translationcategory/pt/ https://www.youtube.com/watch?v=09w8a-u-AUU https://www.youtube.com/watch?v=QomXuPFJc8c https://lunetas.com.br/para-lidar-com-criancas-e-preciso-observa-las-diz-psicologa/ https://nacoesunidas.org/oms-divulga-recomendacoes-sobre-uso-de-aparelhos-eletronicos-por-criancas-de-ate-5-anos/ https://nacoesunidas.org/oms-divulga-recomendacoes-sobre-uso-de-aparelhos-eletronicos-por-criancas-de-ate-5-anos/ https://nacoesunidas.org/oms-divulga-recomendacoes-sobre-uso-de-aparelhos-eletronicos-por-criancas-de-ate-5-anos/ 105 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eKMTzYmuW0g&list=PLwtaWcfcrGsbDAJ SXxCghgg3j30CaqI6b&index=1 A importância dos espaços para Brincar A qualidade do brincar é fundamentalmente moldada pelo ambiente onde ele acontece. A população urbana vem aumentando significativamente, sendo que geralmente os espaços urbanos dispõem de menos áreas públicas para as crianças brincarem. A presença da violência em muitas casas, escolas e ruas bem como a persistência do trabalho infantil no País, também impedem que as crianças desfrutem do seu direito de brincar e assim tenham assegurado o direito a seu pleno desenvolvimento. A oferta de espaço para brincar nas cidades assume muitas formas, incluindo parques, playgrounds, escola, parques infantis, praças públicas abertas, ruas e espaços verdes – alguns são planejados para o brincar, outros não. Mesmo no ambiente mais desfavorável, o impulso espontâneo das crianças para brincar vai levá-las a procurar oportunidades para fazê-lo, o que pode expô-las a condições adversas e riscos para a sua própria segurança e saúde. E mesmo havendo praças ou parques aparentemente adequados para o brincar de crianças pequenas, uma pesquisa brasileira (WENETZ, 2013) demonstra que a praça pública vem se tornando um espaço vazio, que oferece poucas condições de sociabilidade (seguras) para as crianças brincarem. Por diferentes motivos, os responsáveis pelas crianças estão, cada vez mais, com medo do “estranho” e da rua, e não têm confiança nos espaços oferecidos. Há uma sensação de insegurança que configura tanto a escolha dos lugares para o lazer das famílias quanto a frequência dessas visitas. Frente à insegurança, a tendência é de restringir – e muito – a mobilidade e o livre brincar das crianças. Ao brincarem livremente ao ar livre e na natureza, as crianças espontaneamente se engajam em atividade física, exercitam sua liberdade e desenvolvem sua criatividade, imaginação, capacidade de observação e aceitação da diversidade. Apesar dos múltiplos benefícios, as crianças têm cada vez menos oportunidade de se conectarem com a natureza, de desfrutarem do livre brincar ao ar livre e de se movimentar, ao se permitir que assumam riscos enquanto brincam (LOUV, 2009). Definirespaços públicos compartilhados, acessíveis e inclusivos com um projeto sensível à criança é importante para promover o brincar – e isso não se restringe aos 104 https://www.youtube.com/watch?v=eKMTzYmuW0g&list=PLwtaWcfcrGsbDAJSXxCghgg3j30CaqI6b&index=1 https://www.youtube.com/watch?v=eKMTzYmuW0g&list=PLwtaWcfcrGsbDAJSXxCghgg3j30CaqI6b&index=1 106 espaços tradicionais oferecidos para brincar, como parques e playgrounds. Podem também ser contemplados espaços informais e cotidianos, incluindo, por exemplo, mudanças ao nível da rua (sinalização, regulamentação do trânsito, procedimentos acessíveis para o fechamento de rua, intervenções de agentes do brincar, proteção de pequenos terrenos abandonados) e engajamento da comunidade (defesa de direitos, audiências públicas sobre o brincar, capacitação ampla sobre o papel do adulto no brincar) (LESTER; RUSSELL, 2008). Para saber mais: VÍDEO 11 • Sobre espaços e materiais não estruturados para brincar: o Vídeo “Scrapstore PlayPods – Early Years”, com legenda em português. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bKuzWd5eSx8 VÍDEO 12 • Sobre brincar na natureza: o Conheça brincadeiras jogadas ao ar livre nas produções visuais do Território do Brincar. Disponível em: https://territoriodobrincar.com.br/videos-categorias/ • “A última criança na natureza: resgatando nossas crianças do transtorno do déficit de natureza”, de Richard Louv (2009). • Sobre brincar no contexto urbano: o MARTINS, Edna. O brincar educa? A brincadeira como prática educativa na família. São Paulo: PUC-SP, 2003. Disponível em: https://tede2.pucsp.br/handle/handle/16425#preview-link0 o LESTER, Stuart; RUSSELL, Wendy. Play for change. Play, policy and practice: a review of contemporary perspectives. Inglaterra: National Children’s Bureau, 2008. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/263087151_Play_for_a_Chan ge_Play_Policy_Practice_A_Review_of_Contemporary_Perspectives o WENETZ, Ileana. As crianças ausentes na rua e nas praças. Etnografia dos espaços vazios. Civitas, Porto Alegre, v. 13, n. 2, p. 346-363, mai./ago. 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519- 60892013000200346&lng=en&nrm=iso O papel dos adultos no brincar e a necessidade de capacitação sobre o tema 105 https://www.youtube.com/watch?v=bKuzWd5eSx8 https://territoriodobrincar.com.br/videos-categorias/ https://tede2.pucsp.br/handle/handle/16425#preview-link0 https://www.researchgate.net/publication/263087151_Play_for_a_Change_Play_Policy_Practice_A_Review_of_Contemporary_Perspectives https://www.researchgate.net/publication/263087151_Play_for_a_Change_Play_Policy_Practice_A_Review_of_Contemporary_Perspectives https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-60892013000200346&lng=en&nrm=iso https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-60892013000200346&lng=en&nrm=iso 107 O brincar é um direito da criança, mas a oferta das oportunidades para brincar é um dever dos adultos, já que as crianças dependem deles para ter esse direito assegurado. Mas, para isso, precisam primeiro reconhecer e valorizar a importância do brincar. Pesquisa Nacional de 2017 mostra que apenas 17% dos pais brasileiros concordaram que brincar e passear/ receber carinho e afeto é importante para o desenvolvimento das crianças na primeira infância. Aparentemente, o conhecimento dos brasileiros sobre a importância do brincar não mudou significativamente em mais de uma década. Em 2006, apenas 14% dos pais brasileiros de crianças de seis a doze anos espontaneamente reconheciam o brincar como importante para o desenvolvimento de seus filhos (CARNEIRO; DODGE, 2007). Sem sensibilizar os pais para o assunto, não há como esperar engajamento deles no tema, muito menos ação efetiva para mudar a realidade atual. A demanda por conhecimento, informações qualificadas e práticas efetivas sobre o brincar é muito grande. Além dos pais, há necessidade de sensibilizar, informar e capacitar todos aqueles que cuidam das crianças, incluindo jovens, idosos, profissionais e gestores públicos das mais diversas áreas que trabalham com ou para as crianças, sobre o brincar. Há cinco anos, juntamente com a organização Terre des Hommes e em parceria com o Centro Paula Souza (SP), a IPA Brasil ofereceu o primeiro curso de qualificação profissional sobre o brincar no Brasil. O curso, já na décima quarta turma, vem sendo o mais procurado na ETEC Parque da Juventude em SP, onde é oferecido: são mais de sete candidatos interessados por vaga. A demanda por conhecimento, informações qualificadas e práticas efetivas sobre o brincar é muito grande. Porém, ainda há muito a se fazer para sensibilizar os brasileiros. Para saber mais: • Sobre capacitação em brincar e o curso de qualificação profissional em “Agentes do Brincar”®, procure https://www.ipabrasil.org/agentesdobrincar • Guia “O Direito de Brincar: Guia Prático Para Criar Oportunidades Lúdicas e Efetivar o Direito de Brincar”. Disponível em: https://www.ipabrasil.org/publicacoes 106 https://www.ipabrasil.org/agentesdobrincar https://www.ipabrasil.org/publicacoes 108 4.7. O Espaço e o Meio Ambiente As crianças, assim como todos nós, vivem no espaço constituído pelo ambiente natural e pelo ambiente construído. A organização do ambiente tem especial impacto para o desenvolvimento da criança. A criança tem direito a uma vida saudável, em harmonia com a natureza, a inserir-se e viver como cidadã nas relações sociais, o que implica o direito ao espaço na cidade adequado às suas características biofísicas e de desenvolvimento, a participar da definição desses espaços e, finalmente, a participar da construção de uma sociedade sustentável (RNPI/CONANDA, 2010). Os espaços urbanos em geral não são planejados para o tamanho da criança nem para sua segurança. Diante dessa observação, a Fundação Bernard van Leer desenvolveu o projeto “Urban 95”, sendo que 95 refere-se a 95 centímetros, que é a altura aproximada de uma criança de três anos de idade. Como uma criança de três anos vive, percebe e experimenta os espaços de sua casa, de sua escola, de sua cidade? Entre os desafios observados para a primeira infância no contexto urbano estão a falta de locais para brincar e descansar, o distanciamento da natureza, a poluição sonora, a poluição do ar, as distâncias entre os vários locais que devem ser frequentados pela criança e sua família, o risco da solidão e do isolamento, devido ao modo como são construídas as habitações, sem espaços de convivência comunitária como praças, por exemplo. Este direito ao espaço e ao meio ambiente relaciona-se intimamente com a importância da construção de cidades e comunidades sustentáveis. É na primeira infância que a criança desenvolve as competências para uma relação amigável e sustentável com o meio ambiente e a natureza, a partir das experiências que tiver oportunidade de vivenciar no espaço em que vive. Uma das diretrizes do Estatuto da Cidade, que dialoga com a filosofia do Marco Legal da Primeira infância é a “(...) garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as gerações presentes e as futuras (Estatuto da Cidade, art., 2º, inciso I). Nesta área, portanto está incluída a atenção à garantia e qualidade do espaço de moradia, com saneamento básico e acesso ao transporte e à rede de serviços. A casa é um 107 109 espaço essencial para o desenvolvimento humano, especialmente na primeirainfância. Contudo, ainda precisamos avançar nas políticas de moradia vinculadas ao apoio às famílias para promoção do desenvolvimento integral na primeira infância. Para saber mais: Projeto URBAN 95. Disponível em: https://bernardvanleer.org/pt-br/solutions/urban95- pt/ Referências: BRASIL. Estatuto da Cidade. Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm REDE NACIONAL PRIMEIRA INFÂNCIA (RNPI) e CONANDA. Plano Nacional pela Primeira Infância. 2010. Disponível em: http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2015/01/PNPI- Resumido.pdf 108 110 4.8. A proteção da criança contra toda forma de violência Entre os adultos, antigamente, a criança não passava De um pequeno joguete. Não chegava a ser incômoda, porque nem mesmo tinha o valor de incomodar. Mal chegava aos quatro, cinco anos, Tinha qualquer servicinho esperando. Bem diziam os mais velhos: “serviço de criança é pouco E quem o perde é louco.” Era uma coisa restringida, sujeitada por todos os meios discricionários A se enquadrar dentro de um molde certo, cujo gabarito era o adulto. (...) Cora Coralina – Criança – Vintém de Cobre Desde o artigo 227 da Constituição Federal, regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, a proteção das crianças contra a violência é uma responsabilidade compartilhada entre Família, Sociedade e Estado. A Doutrina da Proteção Integral preconiza uma atuação em rede, a partir do Sistema de Garantia de Direitos, pois a violência é um fenômeno complexo e multicausal, que só pode ser enfrentado a partir de uma articulação entre vários serviços. Ao compreendermos mais profundamente, a partir da neurociência, o impacto epigenético das experiências vividas na primeira infância, o enfrentamento e a prevenção de maus tratos, castigos físicos e demais formas de violência sofridas desde a gestação até os seis anos de idade precisam ganhar ainda mais prioridade. A criança tem prioritariamente o direito humano de viver sem violência, e esse também é o caminho para interromper a perpetuação da violência. Conforme análise do pediatra Antônio Lisboa (2007), a fim de “prevenir a ‘fabricação’ de violentos, temos de atuar no período pré-patogênico, ou seja, da concepção aos 6 anos, principalmente antes dos 3 anos”. Na unidade referente à “Parentalidade positiva”, vamos conhecer os estilos parentais, visto ser importante promovermos uma nova cultura sobre a educação dos filhos que não seja pautada no uso de castigos físicos ou psicológicos. E esta situação é tão grave que ensejou a criação da Lei 13.010/2014, conhecida como Lei Menino Bernardo, para estabelecer o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou degradante. A violência representa uma das piores experiências adversas na infância (EAI), assim conceituadas aquelas que geram estresse tóxico e interferem no curso normal do desenvolvimento, pois tornam as crianças física, psíquica ou socialmente vulneráveis 109 111 (GILBERTI, 2010). E um dos piores efeitos da violência é fragilização do vínculo de confiança necessário para um desenvolvimento saudável.. As violências praticadas contra a criança Do latim violentia, o termo violência pode ser definido como o ato de violar outrem ou de se violar. Refere-se a “algo fora do estado natural, algo ligado à força, ao ímpeto, ao comportamento deliberado que produz danos físicos, tais como ferimentos, tortura, morte ou danos psíquicos, que produz humilhações, ameaças, ofensas” e que expressa atos contrários à liberdade e à vontade de alguém (PAVIANI, 2016). Trazendo para o campo da Primeira Infância, a Lei 13.431/2017, em seu segundo artigo, ao referir-se ao gozo da criança e do adolescente dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, diz que para preservação da saúde física e mental e para o desenvolvimento moral, intelectual e social são necessárias oportunidade e facilidades para a proteção integral e para viver sem violências. Nos termos da citada legislação, são formas de violência: I – violência física, entendida como a ação infligida à criança ou ao adolescente que ofenda sua integridade ou saúde corporal ou que lhe cause sofrimento físico; II – violência psicológica: a) qualquer conduta de discriminação, depreciação ou desrespeito em relação à criança ou ao adolescente mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, agressão verbal e xingamento, ridicularização, indiferença, exploração ou intimidação sistemática (bullying) que possa comprometer seu desenvolvimento psíquico ou emocional; 110 112 b) o ato de alienação parental, assim entendido como a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente, promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou por quem os tenha sob sua autoridade, guarda ou vigilância, que leve ao repúdio de genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculo com este; c) qualquer conduta que exponha a criança ou o adolescente, direta ou indiretamente, a crime violento contra membro de sua família ou de sua rede de apoio, independentemente do ambiente em que cometido, particularmente quando isto a torna testemunha; III – violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não, que compreenda: a) abuso sexual, entendido como toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente para fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiro; b) exploração sexual comercial, entendida como o uso da criança ou do adolescente em atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico; c) tráfico de pessoas, entendido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do território nacional ou para o estrangeiro, com o fim de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento de situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento, entre os casos previstos na legislação; IV – violência institucional, entendida como a praticada por instituição pública ou conveniada, inclusive quando gerar revitimização (BRASIL, Lei 13.431/2017, art. 4º). Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), os dados de totalização mais recentes referentes à violência contra a criança e ao adolescente no Brasil remontam ao ano de 2017, com uma média de 233 agressões de diferentes tipos (física, psicológica e tortura) por dia, segundo dados extraídos pela SBP do Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN, Ministério da Saúde), porém não estão computados violência e assédio sexual, abandono, negligência, trabalho infantil, entre outros tipos de agressões. Se levarmos em consideração que esses dados se referem ao atendimento de crianças e adolescentes na rede de saúde, e que, em muitos casos, os agressores não levam as vítimas para receberem os cuidados médicos – o que em geral só acontece quando a violência assume proporções graves –, podemos admitir que há uma enorme subnotificação e que os números da violência são alarmantes.111 113 Trabalho Infantil Outro tipo de violência é o trabalho infantil. Atualmente, por lei, o trabalho é permitido a partir dos 16 anos, desde que não seja em situação insalubre, perigosa ou no horário noturno. Aos 14, é permitido o ingresso como aprendizes. Na medida em que aumenta a vulnerabilidade das famílias, com a perda de renda, as crianças saem para ajudar no orçamento familiar. As consequências são o aumento da evasão escolar e danos físicos e emocionais, com grande prejuízo para o desenvolvimento da criança e do adolescente com menos de 14 anos. A consequência disso é a perpetuação ciclo da pobreza. O que se percebe hoje, em virtude do alto número do desemprego e da retração da economia, em virtude da pandemia, é um aumento do trabalho infantil, seja para o complemento da renda, seja pela ajuda no trabalho doméstico, conforme pesquisa realizada pelo UNICEF, em um levantamento com 52,7 mil famílias em São Paulo (MELLO, 2020). Você conhece o que é violência comunitária? Não é suficiente intervir ou buscar a proteção apenas no âmbito da família da criança, pois a comunidade na qual ela está vive também tem um impacto fundamental em sua formação. A partir da compreensão da importância do ambiente no qual a a criança e sua família estão inseridas, o conceito de violência comunitária possibilita ampliar o espectro das ações que são necessárias para prevenção da violência na primeira infância. A violência comunitária é entendida como a violência interpessoal na comunidade, não perpetrada por um membro da família (...). Pode ser um subproduto de diferentes circunstâncias, variando de um crime na vizinhança até conflito civil contínuo ou guerra. A exposição à violência é também definida como a experiência da violência de segunda-mão (por exemplo, ouvir falar sobre violência), ser a vítima direta de um ato de violência ou testemunhar violência que envolva terceiros. (RICHTERS; MARTINEZ, 199, citado em: GUERRA;DIERKHISING, 2011). Para aprofundar este tema, sugerimos a leitura do artigo completo, disponível na Enciclopédia sobre o Desenvolvimento na Primeira Infância: http://www.enciclopedia- crianca.com/violencia-social/segundo-especialistas/os-efeitos-da-violencia-comunitaria- no-desenvolvimento- a#:~:text=A%20exposi%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20viol%C3%AAncia%20influ encia,que%20interferem%20com%20sua%20adequa%C3%A7%C3%A3o. 112 114 Legislação e Sistema de Garantia de Direitos Na trajetória iniciada no art. 227 da Constituição Federal e no art. 5º do ECA, o Marco Legal da Primeira Infância reforça que a proteção contra toda forma de violência é uma área prioritária na formulação e execução das políticas públicas (Lei 13.257/2016, art. 5º). Um dispositivo importante do Marco Legal da Primeira Infância é o fortalecimento das competências dos profissionais, por meio de capacitação continuada, para efetivamente promover a prevenção e a proteção contra toda forma de violência contra a criança (Lei 13.257/2016, art. 10º). A articulação do Sistema de Garantia de Direitos é fundamental para mudar o cenário de violência contra nossas crianças, em uma nova abordagem de trabalho com as famílias, na perspectiva do atendimento integral mais precoce possível. Nas Unidade 2 e 3 abodaremos maiores detalhes dessa atuação. O que é o Conselho Tutelar? Qual é o papel da Assistência Social? Qual é o papel da Saúde? Qual é o papel da Educação? 113 115 Para saber mais: • Ouça a música Semente de Emicida que de modo poético trata de um tema delicado como o trabalho infantil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=C7l0AB--I3c> • O filme “Um Crime entre nós” é um olhar ousado e provocativo para a luta pelo fim da exploração sexual de crianças e adolescentes. Disponível em: https://www.videocamp.com/pt/movies/um-crime-entre-nos> • Sobre o aumento da violência no contexto da Pandemia da COVID-19: <https://nacoesunidas.org/unicef-criancas-e-adolescentes-estao-mais-expostos-a- violencia-domestica-durante-pandemia/> Referências bibliográficas BRASIL. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Disque 100. 2020. Disponível em: <https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/disque-100-1>. Acesso em: 17 set. 2020. BRASIL. Constituição Federal. Título VIII. Capítulo VII. Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso. Disponível em: <https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_06.06.2017/art_227_.asp>. Acesso em: 17 set. 2020. BRASIL. Marco Legal da Primeira Infância. Lei 13.257 de 8 de março de 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13257.htm BRASIL. Lei Menino Bernardo. Lei 13.010 de 26 de junho de 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L13010.htm 114 https://www.youtube.com/watch?v=C7l0AB--I3c https://www.videocamp.com/pt/movies/um-crime-entre-nos https://nacoesunidas.org/unicef-criancas-e-adolescentes-estao-mais-expostos-a-violencia-domestica-durante-pandemia/ https://nacoesunidas.org/unicef-criancas-e-adolescentes-estao-mais-expostos-a-violencia-domestica-durante-pandemia/ https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/disque-100-1 https://www.senado.leg.br/atividade/const/con1988/con1988_06.06.2017/art_227_.asp 116 BRASIL. Lei da Escuta Protegida. Lei 13.431 de 4 de abril de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13431.htm CORALINA, Cora. Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. 2. ed. Goiânia: Editora da Universidade Federal de Goiás, 1984. GILBERT K. L. et al. Childhood Adversity and Adult Chronic Disease – An Update from Ten States and the District of Columbia. 2010. Disponível em: <https://www.ajpmonline.org/article/S0749- 3797(14)00512-1/pdf>. Acesso em: 17 set. 2020. GUERRA, N.;DIERKHISING, C. Os efeitos da violência comunitária no desenvolvimento da criança. University of Delawarea, EUA, University of California at Riverside, EUA, 2011. Em ENCICLOPÉDIA DO DESENVOLVIMENTO NA PRIMEIRA INFÂNCIA. Disponível em: http://www.enciclopedia-crianca.com/violencia-social/segundo-especialistas/os-efeitos-da- violencia-comunitaria-no-desenvolvimento- da#:~:text=A%20exposi%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20viol%C3%AAncia%20influencia,qu e%20interferem%20com%20sua%20adequa%C3%A7%C3%A3o. LISBOA, Antônio M. A primeira infância e as raízes da violência: propostas para diminuição da violência. Brasília: LGE, 2006. MELLO, Daniel. Aumenta incidência de trabalho infantil em São Paulo durante pandemia. Agência Brasil. 2020. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020- 08/aumenta-incidencia-de-trabalho-infantil-durante-pandemia-em-sao>. Acesso em: 17 set. 2020. PAVIANI, G. Conceitos e formas de violência. Conceitos e formas de violência. Caxias do Sul, RS: Educs, 2016. Disponível em: <https://www.ucs.br/site/midia/arquivos/ebook-conceitos- formas_2.pdf>. Acesso em: 17 set. 2020. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Manual de Atendimento às crianças e adolescentes vítimas de violência. Sociedade Brasileira de Pediatria. 2. ed. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 2018. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. 233 casos de violência física ou psicológica contra crianças e adolescentes são notificados todos os dias. Disponível em: <https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/233-casos-de-violencia-fisica-ou-psicologica- contra-criancas-e-adolescentes-sao-notificados-todos-os-dias/>. Acesso em: 17 set. 2020. UNICEF. Violência contra crianças é crime e deixa traumas para toda a vida. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/violencia-sexual-contra-criancas-e-crime-e-deixa-traumas-para-toda-a-vida>. Acesso em: 17 set. 2020. 115 https://www.ajpmonline.org/article/S0749-3797(14)00512-1/pdf https://www.ajpmonline.org/article/S0749-3797(14)00512-1/pdf https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-08/aumenta-incidencia-de-trabalho-infantil-durante-pandemia-em-sao https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2020-08/aumenta-incidencia-de-trabalho-infantil-durante-pandemia-em-sao https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/233-casos-de-violencia-fisica-ou-psicologica-contra-criancas-e-adolescentes-sao-notificados-todos-os-dias/ https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/233-casos-de-violencia-fisica-ou-psicologica-contra-criancas-e-adolescentes-sao-notificados-todos-os-dias/ https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/violencia-sexual-contra-criancas-e-crime-e-deixa-traumas-para-toda-a-vida https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/violencia-sexual-contra-criancas-e-crime-e-deixa-traumas-para-toda-a-vida 117 4.9. A prevenção de acidentes É importante conciliarmos as medidas de prevenção de acidentes, pois geram intercorrências adversas no processo desenvolvimental das crianças, com a noção de que proteger não é tolher a liberdade da criança de explorar o mundo. As informações aqui compartilhadas são oriundas da Organização Criança Segura e do Plano Nacional pela Primeira Infância – Projeto Observatório Nacional da Primeira Infância – Mapeamento da Ação Finalística – Evitando Acidentes na Primeira Infância (2014), baseadas em dados do Ministério da Saúde l e da Organização Mundial de Saúde, assim como dos cadernos da Equipe e da Família “Toda Hora é Hora de Cuidar”. O que é acidente? Segundo a Organização Mundial de Saúde, acidentes são lesões não intencionais identificadas como eventos de trânsito (atropelamento, passageiro de veículos e ciclista), afogamento, obstrução de vias aéreas (sufocação, estrangulamento e engasgamento), envenenamento, intoxicação, queimaduras, choques elétricos, acidentes com armas de fogo e outros. Fatores relacionados aos acidentes com crianças Os números são contundentes e apontam que milhares de crianças perdem oportunidades preciosas do desenvolvimento por adoecimento e/ou internações todos os anos no Brasil. Isto se deve ao fato de que a criança não possui todas as habilidades para se prevenir sozinha de acidentes (vulnerabilidade da criança), de modo que os adultos ocupam um lugar privilegiado nesta função. Crianças vivem em um mundo construído para adultos, muitas vezes realizando atividades em discordância com sua fase de desenvolvimento, com a reprodução de estratégias de prevenção feitas para os adultos. Assim, a possível falta de orientações sobre prevenção de acidentes contribui para aumentar a vulnerabilidade da criança aos acidentes. Compreendendo que os fatores socioeconômicos estão aliados aos fatores do Quase três mil e seiscentas crianças de até 14 anos morrem anualmente e outras 111 mil são hospitalizadas no Brasil. As crianças são mais vulneráveis a uma série de perigos porque suas habilidades sensório-motoras ainda não se desenvolveram totalmente. Assim, na Primeira Infância precisam de mais atenção e cuidados para não sofrerem acidentes, porque ainda não tem muita noção do que é perigo. 116 118 desenvolvimento na prevenção de acidentes, as crianças socialmente mais vulneráveis são as que mais precisam estar no topo das prioridades da atenção e dos recursos contra acidentes. Diversos fatores socioeconômicos se relacionam à ocorrência de acidentes na Primeira Infância e podem afetar o risco de acidentes de diversas formas, incluindo renda familiar, educação materna, estrutura familiar, pais solteiros, idade da mãe, número de pessoas na casa, número de filhos, tipo de moradia, nível de superlotação etc. Em famílias pobres, os pais podem não ter disponibilidade para cuidar ou supervisionar adequadamente seus filhos e terão que deixá-los sozinhos ou com irmãos para irem trabalhar. Comprar equipamentos de segurança, como cadeirinhas para carro, protetores de tomada e capacetes, pode não ser possível para famílias nessas condições e que em muitos casos estão expostas a ambientes perigosos. Impacto negativo dos acidentes na vida das crianças e da família O trauma é a principal causa de morte de crianças e adultos jovens, e uma questão de saúde pública mundial, e o índice de sequelas temporárias ou permanentes também é elevado. Os acidentes que mais matam crianças entre 0 e 14 anos são acidentes de trânsito, afogamentos e sufocação. Figura 1. Distribuição de acidentes entre crianças menores de 1 ano a 14 anos por tipo de acidente. Disponível em: <https://criancasegura.org.br/dados-de-acidentes/> Medidas simples de prevenção, como mudança de comportamento, adaptação do ambiente ou uso de um equipamento de segurança poderiam evitar 90% da mortalidade infantil por causas acidentais. 117 https://criancasegura.org.br/dados-de-acidentes/ 119 O que trabalhar com as famílias Alguns cuidados com a criança são essenciais, como mantê-la sempre sob a vigilância de um adulto, não confiar que ela ainda não é capaz de rolar, evitar que crianças cuidem de outras, tornar o ambiente seguro, impedir o acesso a locais onde haja risco de queda, impedir o acesso a líquidos quentes ou inflamáveis, isqueiros, fósforos, fios e tomadas elétricas, evitar a ingestão de produtos tóxicos, proteger de ferimentos, afogamento e asfixias, e, principalmente, dar exemplo e ensinar medidas de segurança. O que trabalhar com os profissionais e o Poder Público Na área do brincar é necessário estabelecer padrões de segurança para os espaços físicos e equipamentos destinados ao brincar das crianças de até seis anos, respeitando as especificidades do desenvolvimento físico e psicomotor condizentes com as atividades lúdicas e as vulnerabilidades em relação aos acidentes. É preciso estimular a construção e a manutenção dos espaços de lazer segundo as normas de segurança e a criação ou ampliação de oportunidades de lazer, conforme o art. 71 do ECA, que diz que a criança e o adolescente têm direito à informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos, produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. No contexto do meio ambiente e dos espaços da criança, é importante promover a adoção de normas de segurança em todos os espaços públicos e privados nos quais as crianças vivem e naqueles que elas frequentam; estabelecer normas de segurança contra acidentes na construção de residências unifamiliares, conjuntos residenciais, centros de educação infantil e outros espaços públicos frequentados por crianças; fomentar a redução de impostos para fabricação e comercialização de equipamentos que visem à prevenção de acidentes; instituir normas de segurança para piscinas residenciais, de clubes, de escolas e de outras áreas públicas e privadas; e incluir a prevenção de acidentes na primeira infância como tema obrigatório nos cursos de graduação em áreas que formam profissionais. Prevenir acidentes não é retirar a liberdade da criança de descobrir o mundo, mas garantir que ela possa fazer isto em segurança! 118 120 VÍDEO 13 Assista ao vídeo “Acidentes na Primeira Infância, com isso não se brinca”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=k3Ra3Hnnppo Para saber mais: • Casa segura, criança protegida – Prevenção de acidentes domésticos com crianças e adolescentes. Disponível em: http://www.sejus.df.gov.br/wp- conteudo/uploads/2020/05/3.pdf • Plano Nacional da PrimeiraInfância: Evitando acidentes na Primeira Infância. Disponível em: <primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2015/01/PNPI- Completo.pdf • Toda Hora é Hora de Cuidar – Caderno da Família – Projetos Nossas Crianças: Janelas de Oportunidade. Disponível em: <http://www.ee.usp.br/site/index.php/paginas/mostrar/493/925/85 • Relatório de Mapeamento Evitando Acidentes, da Rede Nacional da Primeira Infância. Disponível em: <http://primeirainfancia.org.br/wp- content/uploads/2015/01/RELATORIO-DE-MAPEAMENTO-EVITANDO- ACIDENTES-versao-4-solteiras.pdf • Dicas, informações e vídeos sobre acidentes e prevenção – Criança Segura. Disponível em: https://criancasegura.org.br/ • Mapeamento da Ação Finalística Evitando Acidentes na Primeira Infância. Disponível em: http://primeirainfancia.org.br/wp- content/uploads/2015/01/RELATORIO-DE-MAPEAMENTO-EVITANDO- ACIDENTES-versao-4-solteiras.pdf • Cartilha de Prevenção de Acidentes Domésticos. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/abril/ministerio- publica-guia-de-prevencao-a-acidentes-domesticos-e-primeiros- socorros/SNDCA_PREVENCAO_ACIDENTES_A402.pdf 119 https://www.youtube.com/watch?v=k3Ra3Hnnppo http://www.sejus.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2020/05/3.pdf http://www.sejus.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2020/05/3.pdf http://www.ee.usp.br/site/index.php/paginas/mostrar/493/925/85 http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2015/01/RELATORIO-DE-MAPEAMENTO-EVITANDO-ACIDENTES-versao-4-solteiras.pdf http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2015/01/RELATORIO-DE-MAPEAMENTO-EVITANDO-ACIDENTES-versao-4-solteiras.pdf http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2015/01/RELATORIO-DE-MAPEAMENTO-EVITANDO-ACIDENTES-versao-4-solteiras.pdf https://criancasegura.org.br/ http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2015/01/RELATORIO-DE-MAPEAMENTO-EVITANDO-ACIDENTES-versao-4-solteiras.pdf http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2015/01/RELATORIO-DE-MAPEAMENTO-EVITANDO-ACIDENTES-versao-4-solteiras.pdf http://primeirainfancia.org.br/wp-content/uploads/2015/01/RELATORIO-DE-MAPEAMENTO-EVITANDO-ACIDENTES-versao-4-solteiras.pdf 121 4.10. Proteção da criança contra a pressão consumista A criança como público-alvo de mensagens publicitárias O consumismo é uma das características mais marcantes da nossa sociedade. As pessoas são estimuladas a consumir acima de suas necessidades e impulsivamente. Estratégias e campanhas publicitárias cada vez mais sofisticadas e onipresentes buscam nos convencer a adquirir produtos e contratar serviços nem sempre úteis ou necessários, com a promessa de nos alçar a uma condição de pertencimento e destaque social. Somos tomados por uma sensação desagradável de exclusão, de não pertencimento. Ironicamente, quando não compramos coisas que são validadas pelo marketing como necessárias à felicidade, nos sentimos excluídos e até mesmo fracassados e deprimidos. Em casos extremos, o que um indivíduo consome passa a ser sentido como uma demonstração de sua identidade e da sua capacidade frente a seu grupo social. Algo ao estilo: “Sou o que consumo, e o que consumo estampa aos outros o que sou” (SILVA, 2014). As crianças, apesar de serem consideradas hipervulneráveis nas relações de consumo justamente por se encontrarem em um processo peculiar de formação física, cognitiva, social e emocional, não passam imunes a essa lógica de consumo sem limites. Desde a mais tenra idade, as crianças são estimuladas a desejar e consumir produtos e serviços. Atualmente, a conectividade e o consumo pautam nossa socialização e principalmente de nossas crianças e jovens. As crianças foram elevadas, pelo mercado, ao status de consumidoras antes de estarem ao exercício pleno de sua cidadania e são desde cedo, incitadas a fazer parte da lógica consumista. Isto gera impactos em seu desenvolvimento físico, cognitivo e emocional, além de contribuir para o agravamento de questões como obesidade infantil, erotização precoce e consumo de álcool e tabaco, estresse familiar, violência e diminuição do brincar. Mas qual é o interesse das empresas ao direcionar suas estratégias comerciais para o público infantil? As crianças são consideradas fonte de intensa rentabilidade por empresas de diversos segmentos, em razão de exercerem forte influência sobre os adultos para aquisição de produtos e serviços no âmbito de seus lares. Segundo pesquisa do Interscience (2003), as crianças brasileiras influenciam em até 80% as decisões de compras domésticas. Já estudo de 2019 promovido pelo Instituto Locomotiva aponta que 9 em cada 10 pais/mães são influenciados pelas crianças nas compras do supermercado e 70% 120 122 afirmam gastar mais nas compras quando estão acompanhados dos filhos. Ainda, além de ser entendida como a consumidora de hoje e promotora de venda dentro do seu círculo familiar, a criança também é percebida pelo mercado como a consumidora do futuro, visto que, como são expostas e impactadas por estratégias comerciais desde a mais tenra idade, tendem a ser mais fiéis a certas marcas e ao próprio hábito consumista que lhes é imposto. O que diz a legislação Porém, a despeito de a veiculação de publicidade dirigida ao público infantil ser prática ainda habitual, ela é ilegal no Brasil. A Doutrina de Proteção Integral, firmada no artigo 227 da Constituição Federal, estabelece a responsabilidade compartilhada entre família, Estado e sociedade – o que inclui empresas, meios de comunicação social e população em geral – de assegurar direitos fundamentais às crianças com absoluta prioridade. No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990) garante o melhor interesse da criança em qualquer tipo de relação, sua proteção integral, o respeito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e, ainda, o dever de toda a sociedade na prevenção de ameaças ou violação dos direitos da criança. Em observância ao disposto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) aplica às relações de consumo o valor social de proteção dos direitos da criança. O artigo 37, parágrafo 2º, do CDC estabelece a ilegalidade da publicidade direcionada a crianças ao reconhecer que a publicidade infantil se vale da deficiência de julgamento e experiência das crianças, de modo a buscar a garantia o melhor interesse delas e protegê-las dos abusos praticados pelo mercado de consumo. E o artigo 39, inciso IV, proíbe práticas de fornecedores que buscam convencer o consumidor, valendo-se de suas fraquezas ou ignorância em razão de sua idade ou conhecimento. Além disso, com o objetivo de complementar o disposto no Código de Defesa do Consumidor e reforçar o caráter de ilegalidade da prática de publicidade infantil, a Resolução nº 163 do Conanda, publicada em 2014, definiu critérios para a identificação das estratégias de publicidade e comunicação mercadológicas dirigidas a crianças, assim consideradas aquelas cuja intenção é persuadir o público infantil ao consumo de marca, produto ou serviço, usando, para tanto, alguns elementos típicos, como promoções, linguagem infantil, personagens e celebridades infantis, animações, entre outros. A 121 123 Resolução ainda considera abusiva a publicidade no interior de creches e instituições de ensino infantil e fundamental, inclusive em seus uniformes ou materiais didáticos. Por fim, o Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), em seu artigo 5º, estabelece como prioridade na promoção de políticas públicas para a primeira infância a proteção contra toda a forma de pressão consumista e a adoção de medidas que evitem a exposição precoceà comunicação mercadológica. Impactos negativos das estratégias mercadológicas dirigidas a crianças A publicidade infantil é apontada como um dos elementos que acarreta impactos negativos que hoje são sentidos por toda sociedade, como: formação e incorporação de hábitos e valores materialistas e consumistas; adultização e erotização precoces; interferência nas liberdades de pensamento, opinião e cultura; competição entre pares; estresse familiar; superendividamento das famílias; prejuízos ambientais e modelos de consumo alimentar. Os maiores efeitos adversos da publicidade abusiva dirigida à criança dizem respeito à formação de sua personalidade, seu caráter e seus valores éticos, sociais, culturais e morais. Publicidades geram, no final das contas, tristezas, decepções e frustações por motivos fúteis e banais – tais como o de não possuir determinado produto ou o de não usufruir determinado serviço – que nunca seriam dessa forma vivenciados pela criança. Ou, quanto pior, geram inveja, ganância, gula e um consumismo despropositado (INSTITUTO ALANA, 2009). A pesquisa “Publicidade Infantil em Tempos de Convergência”, fruto de termo e cooperação celebrado entre a Universidade Federal do Ceará e o Ministério da Justiça, é a mais recente e abrangente análise de caráter público e nacional feita no Brasil sobre o grande volume de publicidade direcionada a crianças. Uma das questões levadas às crianças participantes da pesquisa foi sobre seu sentimento em relação a não ter coisas que desejavam, anunciadas a elas por meio da publicidade, mas que os amigos tinham: Tanto nas escolas públicas quanto particulares, quando os amigos apresentam produtos que elas desejam, mas não têm, muitas crianças relataram ficar chateadas; nutrirem os sentimentos de raiva, inveja e de inferioridade; e até mesmo ter tido desejos condenáveis de roubar o amigo ou quebrar a televisão que mostra o produto que o amigo tem. Se a chateação por não ter um objeto desejado é compreensível e, certamente, bastante comum, alguns sentimentos e desejos acima indicados são reveladores do nível de pressão a que essas crianças estão submetidas e do quanto o discurso desleal que associa posse e 122 124 pertencimento é cruel em relação a elas, em especial em uma sociedade desigual como a nossa. A publicidade infantil de produtos alimentícios não saudáveis tem contribuído para mudanças nos padrões alimentares, por estimular o consumo excessivo e habitual de produtos com baixo valor nutricional e altos teores de gordura, sódio e açúcar, o que vem gerando impacto na saúde dos indivíduos, como o aumento de doenças crônicas não transmissíveis. Assim, merece destaque a versão do Guia Alimentar para a População Brasileira, publicado em 2014 pelo Ministério da Saúde, que cita a publicidade, especialmente quando direcionada a crianças, como um obstáculo à alimentação saudável por estimular o consumo habitual de produtos alimentícios ultraprocessados e influenciar o aumento dos índices de obesidade infantil no Brasil. Outros pontos também devem ser considerados quando refletimos sobre a prática de publicidade infantil. Por exemplo, não são incomuns anúncios publicitários em que pais e mães demonstram seu amor pelos filhos por meio da compra de bens. A partir da exposição a esse tipo de estratégia comercial, a criança está absorvendo conceitos, padrões, valores e modelos de que ela precisa ter, assim como o amiguinho tem; de que ela não precisa refletir sobre suas escolhas de consumo; de que ela precisa consumir determinado produto para ser aceita e admirada no círculo de amigos, e que presentes são a forma mais autêntica de demonstração de afeto e amor. O estresse familiar acontece quando o desejo da criança em adquirir os produtos anunciados leva a indagações e conflitos, gerados, preliminarmente, por uma publicidade infantil. É depois, na escola, no bairro e no círculo de amigos, que a criança se sente confrontada ao se dar conta de que outras crianças possuem produtos que ela não tem. A publicidade infantil incita a criança a suplicar pelos produtos e serviços anunciados, colocando pais, mães e responsáveis na situação complicada de ter que lhes dizer “não” inúmeras vezes. Com isso, em ver de fortalecer a autonomia das famílias, a prática de publicidade dirigida a crianças cria uma situação de rivalidade e enfraquece a autoridade dos adultos responsáveis ao permitir que empresas falem diretamente com seus filhos. Em 2016, a Organização das Nações Unidas, por meio de especialistas em dívida externa e direitos humanos e em direito à saúde, elaborou declaração com um alerta global sobre o impacto da publicidade dirigida a crianças. No documento, os especialistas destacam que a publicidade infantil tem o potencial de moldar o comportamento 123 125 financeiro das crianças ao incutir, desde cedo, uma cultura de consumo excessivo e endividamento. O texto também aponta que a publicidade direcionada ao público infantil pode levar ao endividamento das famílias, que, pressionadas a suprir necessidades e desejos de seus filhos, acabam comprando itens desnecessários (geralmente à custa de outras necessidades domésticas importantes) que estão além do seu orçamento e sem levar em conta as consequências financeiras de longo prazo. Medidas que podem evitar o consumismo infantil Diante de a prática de publicidade infantil ser proibida pela legislação brasileira e do dever compartilhado de toda a sociedade para garantir com prioridade absoluta os direitos das crianças, esse tema não deve se restringir à esfera do indivíduo. Com vistas à garantia da prioridade absoluta dos direitos das crianças, seu melhor interesse e sua proteção integral, é necessária uma atuação conjunta entre os todos os atores da sociedade no combate à publicidade infantil: Estado, família, educadores, população em geral e empresas. É perverso sustentar que as famílias, sozinhas, seriam capazes de combater a indústria bilionária do marketing infantil e garantir uma melhor educação individualmente do que se amparadas por políticas públicas. Justamente por isso, diversos órgãos do poder público, no âmbito de defesa dos direitos de crianças e consumidores, e a própria justiça brasileira, em especial por meio do Superior Tribunal de Justiça, vêm reiterando o entendimento de ilegalidade da prática de publicidade dirigida a crianças por empresas de diferentes setores. Lógico que, além da aplicação do disposto na legislação brasileira, famílias e educadores também têm um papel fundamental na formação das crianças, para contribuírem com o desenvolvimento de cidadãos responsáveis e conscientes de suas escolhas de consumo. As famílias e toda a comunidade escolar podem, no dia a dia, adotar pequenas atitudes para proteger as crianças do consumismo. Em casa, por exemplo, os responsáveis pelas crianças podem criar o hábito de realizar junto com elas atividades que não envolvam mídia e consumo, como passeios a parques, leitura e teatro, e impor limites e controle sobre o uso da televisão e internet. Além disso, é importante orientar as crianças sobre a real finalidade da publicidade, ensinando-as a avaliar a necessidade de um produto antes de adquiri-lo. Pais e mães também podem contribuir na comunidade e nas escolas, 124 126 fomentando a reflexão sobre o consumismo infantil por meio de rodas de conversa e organização de Feiras de Trocas de Brinquedos. Para saber mais: • “Criança e Consumo – 10 anos de Transformação”. Instituto Alana. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/wp- content/uploads/2017/02/CRIANCA_CONSUMO_10-ANOS-DE- TRANSFORMACAO.pdf VÍDEO 14 • Documentário “Criança: a alma do negócio”.Disponível em: https://www.videocamp.com/pt/movies?query=crian%C3%A7a+a+alma+do+neg%C 3%B3cio VÍDEO 15 • Documentário “Muito Além do Peso”. Disponível em: https://www.videocamp.com/pt/movies/muito-alem-do-peso • Como identificar publicidade infantil? Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/noticias/duvidas-publicidade-infantil/ • Publicidade Infantil na TV paga – Monitoramento de 2019. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Monitoramento- 2019_Sum%C3%A1rio-Executivo-1.pdf • Os impactos da proibição da publicidade dirigidas às crianças no Brasil. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/wp- content/uploads/2014/02/Relatorio_TheEconomist.pdf • Relatório sobre o Impacto do Marketing na Fruição dos Direitos Culturais. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/wp- content/uploads/2014/02/RELATORIO_FARIDA_ONU.pdf • Parecer do Professor Bruno Miragem – A Constitucionalidade da Resolução nº 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/wp- content/uploads/2017/02/Parecer_ProfBrunoMiragem.pdf • Parecer do Professor Virgílio Afonso da Silva – A Constitucionalidade da Restrição da Publicidade de Alimentos e de Bebidas não alcoólicas voltada ao Público Infantil. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/wp- content/uploads/2017/02/Parecer_Virgilio_Afonso_.pdf 125 https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2017/02/CRIANCA_CONSUMO_10-ANOS-DE-TRANSFORMACAO.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2017/02/CRIANCA_CONSUMO_10-ANOS-DE-TRANSFORMACAO.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2017/02/CRIANCA_CONSUMO_10-ANOS-DE-TRANSFORMACAO.pdf https://www.videocamp.com/pt/movies?query=crian%C3%A7a+a+alma+do+neg%C3%B3cio https://www.videocamp.com/pt/movies?query=crian%C3%A7a+a+alma+do+neg%C3%B3cio https://www.videocamp.com/pt/movies/muito-alem-do-peso https://criancaeconsumo.org.br/noticias/duvidas-publicidade-infantil/ https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Monitoramento-2019_Sum%C3%A1rio-Executivo-1.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2019/10/Monitoramento-2019_Sum%C3%A1rio-Executivo-1.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/Relatorio_TheEconomist.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/Relatorio_TheEconomist.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/RELATORIO_FARIDA_ONU.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/RELATORIO_FARIDA_ONU.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2017/02/Parecer_ProfBrunoMiragem.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2017/02/Parecer_ProfBrunoMiragem.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2017/02/Parecer_Virgilio_Afonso_.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2017/02/Parecer_Virgilio_Afonso_.pdf 127 • Consumismo infantil: na contramão da sustentabilidade. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2013/02/A1.pdf • O que você precisa saber sobre a decisão do STJ. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/noticias/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-decisao- do-stj/ Legislação sobre publicidade infantil • Constituição da República Federativa do Brasil – Documento legislativo mais importante do país, fundante da República Federativa do Brasil e orientador de todo o sistema jurídico nacional. • Decreto nº: 99.710/1990 – Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança – Estabelece um novo paradigma de proteção à infância e à adolescência, determinando que todas as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos titulares da chamada proteção integral. • Lei nº: 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Estabelece medidas concretas para a garantia dos direitos de crianças e adolescentes. • Lei nº: 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor (CDC) – Legislação fundamental para regulamentar no Brasil as relações de consumo, alterando regras tradicionais do direito civil e adequando-as para uma sociedade de consumo. • Resolução nº 163/2014 do Conanda – Dispõe sobre a abusividade do direcionamento de publicidade e de comunicação mercadológica à criança e ao adolescente. • Lei 13.257/2016 – Marco Legal da Primeira Infância – Dispõe obre as políticas públicas para a primeira infância. Referências bibliográficas BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Guia alimentar para a população brasileira. Brasília: MS, 2014. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf>. Acesso em 7 out. 2020. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Sistema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional. Brasília: MS, 2018. GRUPO DE PESQUISA DA RELAÇÃO INFÂNCIA, JUVENTUDE E MÍDIA (GRIM). Publicidade infantil em tempo de convergência. s/d. Disponível em: <https://www.defesadoconsumidor.gov.br/images/manuais/publicidade_infantil.pdf>. Acesso em 7 out. 2020. INSTITUTO LOCOMOTIVA. Crianças Brasileiras. 2019. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Crian%C3%A7as-brasileiras- Locomotiva-Dotz-PPT-Outubro-de-2019.pdf>. Acesso em 7 out. 2020. INTERSCIENCE. Como atrair o Consumidor Infantil, atender expectativas dos Pais e ainda, ampliar as Vendas. 2003. Disponível em: https://criancaeconsumo.org.br/wp- content/uploads/2014/02/Doc-09-Interscience-1.pdf>. Acesso em 7 out. 2020. OFFICE OF THE UNITED NATIONS HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS (OHCHR). UN experts call for regulating advertising directed at children. 9 ago. 2016. Disponível em: 126 https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2013/02/A1.pdf https://criancaeconsumo.org.br/noticias/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-decisao-do-stj/ https://criancaeconsumo.org.br/noticias/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-decisao-do-stj/ https://criancaeconsumo.org.br/normas-em-vigor/constituicao-da-republica-federativa-do-brasil/ https://criancaeconsumo.org.br/normas-em-vigor/decreto-no-99-71090-convencao-das-nacoes-unidas-sobre-os-direitos-da-crianca/ https://criancaeconsumo.org.br/normas-em-vigor/decreto-no-99-71090-convencao-das-nacoes-unidas-sobre-os-direitos-da-crianca/ https://criancaeconsumo.org.br/normas-em-vigor/lei-no-8-06990-estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-eca/ https://criancaeconsumo.org.br/normas-em-vigor/lei-no-8-07890-codigo-de-defesa-do-consumidor-cdc/ https://criancaeconsumo.org.br/normas-em-vigor/resolucao-no-163-do-conanda/ http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13257.htm https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf https://www.defesadoconsumidor.gov.br/images/manuais/publicidade_infantil.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/Doc-09-Interscience-1.pdf https://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/Doc-09-Interscience-1.pdf 128 http://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=20358&LangID= E>. Acesso em 7 out. 2020. SILVA, Ana Beatriz B. Mentes consumistas: do consumismo à compulsão por compras. São Paulo: Globo, 2014. RECOMENDAÇÃO FINAL SOBRE AS ÁREAS PRIORITÁRIAS DO MARCO LEGAL DA PRIMEIRA INFÂNCIA Como leitura complementar, você pode aprofundar o conhecimento conceitual e em nível de metas sobre as áreas prioritárias para promoção do desenvolvimento na primeira infância, a partir do novo Plano Nacional pela Primeira Infância, atualizado e disponibilizado pela Rede Nacional Primeira Infância em 22out.2020. Além de contar com maior detalhamento sobre as áreas prioritárias aqui apresentadas, a nova redação do PNPI inclui novas áreas, como: ❖ Justiça e Primeira Infância, ❖ Povos e Comunidades Tradicionais, ❖ Direito à Beleza, entre outros. 127 http://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=20358&LangID=Ehttp://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=20358&LangID=E 129 Aula 5: Parentalidade positiva, parentalidade brincante Parentalidade é um conceito relativamente novo, surgido na segunda metade do séc. XX, advindo do inglês parenting. Pode ser uma inovação positiva no sentido de oferecer recursos às famílias para o cuidado de seus filhos, mas também pode se tornar mais uma mercadoria na prateleira de produtos para consumo de pais e mães inseguros com a criação dos filhos, o que leva à coisificação daquilo que nos é mais precioso, nossa humanidade, que é diversa e imperfeita por natureza (IACONELI, 2019). Portanto, toda atenção e respeito no trabalho com as famílias é pouco. Cada povo, comunidade, célula familiar, pai ou mãe são constituídos de emoções, saberes, herança cultural, modo de funcionamento e contexto social próprios. Modelos e práticas de parentalidade podem servir como referência e inspiração, mas jamais devem ser impostos ou adotados de modo acrítico, sob pena de gerar-se falta de autenticidade e resultar em insegurança dos pais sobre suas próprias competências para cuidar e educar seus filhos – o que é muito negativo para as crianças, já que elas buscam uma base segura e confiável em seus pais. O que é Parentalidade? No reino animal, ao nascerem, os filhotes carecem de cuidados básicos para sobreviver, como alimentação, proteção e aprendizado para se adaptarem ao meio em que vivem. Onde quer que estejam na cadeia alimentar, aprendem com os pais ou com o grupo em que vivem o modo básico para a sobrevivência, ou seja, as habilidades e competências para se nutrir, enfrentar as intempéries, fugir, se defender do predador e/ou caçar a sua presa. A grande diferença dos seres humanos é que o tempo de aprendizado e dependência do bebê é muito maior que dos filhotes das outras espécies. Além disso, a vida em sociedade é mais complexa, o que torna necessária a aquisição de um número maior de competências e habilidades. Quando falamos de parentalidade, estamos falando de um “conjunto de atividades propositadas no sentido de assegurar a sobrevivência e o desenvolvimento da criança” (BARROSO; MACHADO, 2015), ou seja, suprir as necessidades da criança para que ela possa se desenvolver em um ambiente seguro e relacionar-se socialmente, 128 130 proporcionando autonomia para se tornar um adulto pleno, com a possibilidade de alcançar seu potencial em habilidades física, emocional e cognitiva. Ampliando a definição sobre o conceito de família hoje, também dizemos que ela é o espaço mais imediato onde a criança vai ser atendida (ou não) em suas necessidades de sobrevivência, afeto e socialização, constituindo assim sua principal rede de proteção e afeto – motivo pelo qual precisamos valorizar o protagonismo da família como principal responsável pelo desenvolvimento infantil. Isso não quer dizer que a família tenha que dar conta da tarefa sozinha. Cabe ao Estado, por meio de políticas públicas, fortalecer as famílias, em especial aquelas que se encontram em situação de vulnerabilidade, para que possam exercer o seu papel. Precisamos trabalhar com a perspectiva da responsabilidade compartilhada, oferecendo suporte social, apoio financeiro, condições dignas de moradia, espaços de aprendizado e convivência, proporcionando dignidade e reconhecimento de suas competências no cuidado dos filhos. Práticas parentais As práticas parentais podem ser consideradas positivas ou negativas com reflexos no desenvolvimento da criança. Positivas: Segundo Macana e Comim (2015), as práticas parentais positivas favorecem os desenvolvimentos cognitivo e socioemocional da criança, e relacionam-se a comportamento moral, expressões afetivas, envolvimento dos pais no brincar, reforço e disciplina adequados. • O comportamento moral está relacionado ao modelo de valores apresentado pelos pais ou cuidadores. As crianças aprendem pela observação da prática no cotidiano como se processam valores, como honestidade, generosidade, empatia, compaixão, respeito, amorosidade, entre outros. • As expressões afetivas também são uma prática de comunicação entre pais/cuidadores e crianças. A expressão de sentimentos por meio de abraços e beijos contribui para o estabelecimento de um relacionamento saudável, de orgulho e valorização da pessoa, e contribui para o desenvolvimento de competências socioemocionais, como a autoestima. 129 131 • O envolvimento dos pais/cuidadores nas brincadeiras também fortalece os relacionamentos por meio da afetividade, contribuindo para uma melhor comunicação entre pais/cuidadores e crianças, favorecendo o sentimento de autoconfiança e promovendo a habilidade relacionada à resiliência no enfrentamento de desafios. • O reforço está relacionado ao modo como pais/cuidadores reagem diante de bons resultados obtidos pela criança. A demonstração de alegria e elogios diante de comportamentos adequados funcionam como reforço positivo. • A disciplina adequada envolve diálogo e explicações diante de comportamentos e atitudes indevidas da criança. Contribui para que ela compreenda as consequências de suas ações sobre si mesma e sobre os outros. Entre os muitos métodos disciplinadores, aqueles que têm maior impacto são os que promovem consciência - como retirar liberdade, não fazer elogios e chamar a atenção para os impactos da atitude e do comportamento errado sobre os outros e sobre si mesma – em vez daqueles centrados na privação de objetos e privilégios. Negativas: Segundo Macana e Comim (2015), as práticas parentais negativas são caracterizadas por: • Maus tratos físicos (bater, empurrar, puxar orelha etc.) e psicológicos (gritar, ameaçar, humilhar etc.) que têm impacto negativo no crescimento, no desenvolvimento e na aprendizagem da criança, ocasionando problemas psicológicos, emocionais, sociais e cognitivos ao longo da vida. • Disciplina relaxada: quando pais/cuidadores colocam regras e não as fazem cumprir. Consiste na falta de imposição de limites e ausência de correções em circunstâncias de mau comportamento. Essa prática pode levar as crianças a concluírem que regras não precisam ser cumpridas e que não devem respeito às autoridades. • A disciplina de contingência coercitiva caracteriza-se pelo uso de gritos, violência física, ameaças ou privação de privilégios e afeto. Em geral não leva à compreensão do erro pela criança. • Punição inconsistente acontece quando pais/cuidadores castigam as crianças de acordo com seus estados emocionais. Podem ignorar ou exagerar nas punições conforme o humor do momento. Esta prática leva a criança a ter dificuldade na identificação do certo e do errado, com possível prejuízo para sua autoestima. 130 132 • Monitoria negativa acontece quando o controle é exercido de modo excessivo e estressante. Induz a criança a comportamento agressivo, ansiedade e depressão. • Excesso de críticas e ausência de elogios gera comunicação negativa entre a criança e os pais/cuidadores. Provoca desconfiança, insegurança, frustração e agressividade. Estilo Parental Pais e filhos constroem na relação que se estabelece pela convivência padrões de comportamento parental, denominados estilos parentais, que são a combinação de responsividade e exigência. A responsividade contempla as atitudes de aceitação, aprovação, afetividade e encorajamento, já a exigência compreende as atitudes de controle, monitoramento e imposição de limites aos filhos por parte dos pais (MACANA; COMIM, 2015). Mediante essas características, os estilos parentais se classificam em: • Participativos: ocorrequando existe uma comunicação aberta e de escuta entre pais e filhos. O controle também se baseia na empatia, com orientações claras e consistentes. Os pais se tornam um suporte emocional para os filhos. • Autoritários: caracteriza-se por uma relação de exigência em relação ao cumprimento de regras e normas rígidas, com muita punição e pouca empatia. Os pais não oferecem suporte emocional, levando ao distanciamento entre pais e filhos. • Permissivos: neste padrão, os pais muitas vezes são dominados pelos filhos, realizam todos os desejos e acatam todas as ações sem assumirem o papel de orientação e de imposição de limites. • Negligentes: ocorre quando os pais não se fazem presentes na vida dos filhos e demonstram baixo nível de aceitação, de suporte e de controle. Os estilos parentais também servem como orientação. Seres humanos são muito diferentes entre si, e a presença ou predominância de determinado comportamento está condicionada a muitas variáveis, como as características dos filhos de acordo com seu desenvolvimento, gênero, temperamento etc., assim como a maneira que os pais tendem a reproduzir ou modificar comportamentos recebidos. As evidências mostram que alguns estilos levam a melhores resultados cognitivos e socioemocionais que outros. Assim, por exemplo, estudos confirmam que, enquanto o estilo participativo promove o bom relacionamento e tende a levar a um bom desempenho escolar, os estilos 131 133 autoritários e permissivos favorecem um baixo rendimento (MACANA; COMIM, 2015). O estilo participativo também tem demonstrado melhores resultados relacionados ao desenvolvimento socioemocional das crianças, porém é importante considerar que as boas práticas da parentalidade vão além da relação entre o pai, a mãe e o filho, pois ela se insere em um quadro abrangente com questões sociais, econômicas e culturais, e a responsabilidade é coletiva. Parentalidade Desenvolvimental A partir de estudos sistemáticos, os psicólogos Roggman, Boyce e Innocenti (2008) propõem o conceito de developmental parenting, que pode ser traduzido como parentalidade desenvolvimental. Eles consideram que um primeiro esforço dos pais volta- se para manter os filhos seguros e saudáveis, e que é a partir das interações entre pais e filhos que se promove o desenvolvimento das habilidades socioemocionais e cognitivas. Segundo eles, quatro domínios são fundamentais para uma parentalidade promotora do desenvolvimento na primeira infância: afetividade, responsividade, encorajamento e ensino. Parentalidade Brincante Trata-se da parentalidade associada à atitude do brincar. Segundo Patrícia Camargo (2020), atitude brincante é uma construção diária do espírito da brincadeira nas atividades cotidianas do cuidado e tem como objetivo transformar a relação entre pais e filhos, tornando-as mais leves, já que ela pode ser inserida em qualquer etapa da relação, principalmente na primeira infância. Para cultivar o hábito do brincar, a autora lista 10 atitudes brincantes para pôr em prática a brincadeira no dia a dia. Veja no quadro a seguir: 132 134 Quadro 1 – Esquema de Parentalidade Brincante (CAMARGO, 2020). Para saber mais: VÍDEO 16 Assista ao vídeo “Como brincar na rotina”. Disponível em:<https://www.tempojunto.com/2018/07/20/10-atitudes-brincantes- para-voce-adotar-ja-e-ter-um-dia-a-dia-muito-melhor/> • “Ser pai e mãe é quase sinônimo de culpa”, diz Vera Iaconelli sobre parentalidade nos dias de hoje. Disponível em: <https://paisefilhos.uol.com.br/familia/ser-pai-e-mae-e-quase- sinonimo-de-culpa-diz-vera-iaconelli-sobre-parentalidade-nos-dias-de-hoje/> • Processo de parentalidade na construção da família contemporânea e seus reflexos jurídicos. Disponível em: <https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53489/o- processo-de-parentalidade-na-construo-da-famlia-contempornea-e-seus-reflexos- jurdicos>. 133 https://www.tempojunto.com/2018/07/20/10-atitudes-brincantes-para-voce-adotar-ja-e-ter-um-dia-a-dia-muito-melhor/ https://www.tempojunto.com/2018/07/20/10-atitudes-brincantes-para-voce-adotar-ja-e-ter-um-dia-a-dia-muito-melhor/ https://paisefilhos.uol.com.br/familia/ser-pai-e-mae-e-quase-sinonimo-de-culpa-diz-vera-iaconelli-sobre-parentalidade-nos-dias-de-hoje/ https://paisefilhos.uol.com.br/familia/ser-pai-e-mae-e-quase-sinonimo-de-culpa-diz-vera-iaconelli-sobre-parentalidade-nos-dias-de-hoje/ https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53489/o-processo-de-parentalidade-na-construo-da-famlia-contempornea-e-seus-reflexos-jurdicos https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53489/o-processo-de-parentalidade-na-construo-da-famlia-contempornea-e-seus-reflexos-jurdicos https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53489/o-processo-de-parentalidade-na-construo-da-famlia-contempornea-e-seus-reflexos-jurdicos 135 VIDEO 17 Tornar-se Pai, Tornar-se Mãe. Disponível em: <https://ocomecodavida.com.br/tornando-pais-ep-02/>. • Avaliação dos benefícios de Políticas para a Primeira Infância para apoio à parentalidade. Disponível em: <http://primeirainfancia.org.br/wp- content/uploads/2017/01/sintese_primeira_infancia_nov_16.pdf>. Considerações finais Os programas de cuidado oferecidos pelas políticas públicas não são capazes de suprir integralmente as lacunas do desenvolvimento infantil no ambiente familiar. Trata-se, portanto, de um trabalho integrado entre família, sociedade e poder público, em que as práticas parentais como mediadoras do cuidado são de grande importância. Referências bibliográficas BARROSO, R.; MACHADO, C. Definições, Dimensões e Determinantes da Parentalidade. In: Fundamentos da família como promotora do desenvolvimento infantil: parentalidade em foco. São Paulo: Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), 2015. BRASIL. Imprensa Nacional. Lei 13.257, de 8 de março de 2016. Marco Legal da Primeira Infância. Disponível em: <https://www.in.gov.br/materia/- /asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/21172863/do1-2016-03-09-lei-no-13-257-de-8- de-marco-de-2016-21172701>. Acesso em: 29 set. 2020. BRASIL. Ministério da Saúde. Síntese de evidências para Políticas de Saúde – Promovendo o Desenvolvimento na Primeira Infância. 2017. Disponível em: <http://primeirainfancia.org.br/wp- content/uploads/2017/01/sintese_primeira_infancia_nov_16.pdf>. Acesso em: 29 set. 2020. CAMARGO, P. Atitude brincante te ajuda a ter uma parentalidade feliz. Tempojunto, 22 jan. 2020. Disponível em: <https://www.tempojunto.com/2020/01/22/atitude-brincante-te-ajuda-a-ter- uma-parentalidade-feliz/>. Acesso em: 29 set. 2020. IACONELLI, Vera. Parentabilidades e Vulnerabilidades. Revista Cult, ed. 251, 2019. <Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/dossie-parentalidade-e-vulnerabilidades/>. Acesso em: 29 set. 2020. MACANA, E. C.; COMIM, F. O Papel das práticas e estilos parentais no desenvolvimento da primeira infância. In: Fundamentos da família como promotora do desenvolvimento infantil: parentalidade em foco. São Paulo: Fundação Maria Cecília Souto Vidigal (FMCSV), 2015. ROGGMAN, Lori; BOYCE, Lisa; INNOCENTI, Mark. Developmental Parenting: a Guide for Early Childhood Practioners. Baltimore: Paul Brookes Publishing, 2008. UNICEF. Convenção sobre os Direitos da Criança. 1989. Disponível em: <https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da- crianca#:~:text=A%20Conven%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20os%20Direitos,Foi%20ratificad o%20por%20196%20pa%C3%ADses.>. 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Anteriormente tratamos sobre a maternidade, e agora vamos discutir sobre o papel do pai na vida da criança, já que é de extrema importância, apesar de sabermos que historicamente se atribuía apenas à mulher a função de cuidar dos filhos. Neste sentido, o Marco Legal da Primeira Infância cumpre um importante papel ao destacar que a responsabilidade pelo cuidado e educação dos filhos é tanto da mãe quanto do pai, sendo assim uma responsabilidade compartilhada: A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei (Incluído pela Lei nº 13.257/2016, art. 26) (BRASIL, 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 22, grifo nosso). A crescente participação da mulher no mercado de trabalho faz com que tanto a mãe como o pai precisem conciliar vida profissional e familiar, e tem produzido uma mudança no tradicional modelo de estrutura familiar, no qual os homens eram os únicos provedores e as mulheres cuidavam somente das atividades domésticas e dos filhos (SILVA, 2019). No Brasil, as leis trabalhistas, por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), entraram em vigor em 1943. Segundo elas, a licença-maternidade atualmente pode chegar a seis meses, considerando a importância dos cuidados e do aleitamento materno. Já o direito à licença-paternidade foi incluído no rol de direitos trabalhistas (art. 473, III da CLT) com o objetivo de possibilitar ao pai que tinha carteira de trabalho ausentar-se sem desconto salarial para fazer o registro civil do filho recém-nascido. Nessa época, a licença era somente de um dia. Com o passar do tempo, notou-se a necessidade de um apoio maior da figura paterna, uma vez que, nos casos de cirurgia cesariana, a mãe precisa de mais tempo para 135 137 se recuperar, e por essa razão entendeu-se que o pai precisava permanecer pelo menos cinco dias prestando o auxílio que se julgava necessário. A Constituição Federal de 1988 foi promulgada com a determinação de cinco dias de licença-paternidade e 120 dias de licença-maternidade (art. 7º). O Equilíbrio Trabalho e Família é um dos âmbitos de políticas voltadas para famílias e também para a primeira infância. O equilíbrio trabalho e família consiste em síntese em um problema de escassez de tempo pela qual passa a maioria das famílias. Pais e mães enfrentam no dia a dia inúmeros desafios para arcar com suas diversas funções: profissionais e familiares (que incluem as funções de cuidado e o trabalho doméstico). Pode-se questionar se essa não é uma questão essencialmente de cunho privado das famílias. Porém, reconhecendo o impacto que a ausência dos pais tem nos primeiros anos de vida da criança e o impacto sobre a produtividade de muitos trabalhadores - dada a insatisfação e a ansiedade gerada por se sentirem incapazes de atenderem a todas as suas responsabilidades - esse tema emerge como prioritário na agenda de políticas públicas para a primeira infância. Dessa forma, os governos devem estimular políticas e programas que incentivem a adoção de boas práticas de equilíbrio trabalho e familia, tais como: teletrabalho, banco de horas, flexibilização do horário de trabalho, redução de jornada, licenças, incluindo licenças parentais, dentre outras. O objetivo principal de politicas nesse âmbito é aumentar a disponibilidade de tempo para que os pais possam se dedicar ao cuidado integral dos filhos especialmente nessa fase de intenso desenvolvimentos infantil. Tal objetivo só poderá ser concretizado a partir da promoção de um modelo de corresponsabilidade tanto no nível social (governo, empresas, sociedade civil e famílias) como no nível familiar (com a promoção de uma maior participação do pai nas funções de cuidado e doméstica). O impacto positivo do maior envolvimento dos homens na paternidade – sejam eles pais biológicos ou não – vem sendo comprovado, especialmente, para a saúde materno-infantil, o desenvolvimento cognitivo das crianças, o empoderamento das mulheres, a saúde e o bem-estar dos próprios homens (PROMUNDO BRASIL, 2016). Nesse contexto, a fim de viabilizar condições para o exercício da paternidade de forma mais presente e equitativa, o Marco Legal promoveu o aumento da licença paternidade para mais quinze dias, resultando agora em 20 dias. De fato, antes do Marco Legal da Primeira Infância, indiretamente o Estado passava aos pais a mensagem de que sua principal função era apenas de provedor, sendo o mais importante voltar logo às 136 138 atividades laborais, enquanto que a mulher ficava sozinha como responsável pelos cuidados diretos do recém-nascido e de si mesma. A licença-paternidade estendida foi possível apenas para os trabalhadores vinculados ao Programa Empresa Cidadã, devido à dificuldade das empresas como um todo para conceberem a licença-paternidade como um investimento na promoção do desenvolvimento humano em vez de considerá-lo como um gasto. Diante da alçada do Estado sobre os servidores públicos e considerando a responsabilidade compartilhada também do Estado em relação à prioridade absoluta, este direito foi concedido a todos os servidores públicos imediatamente após a promulgação da Lei 13.257/2016. Assim, o aumento da licença paternidade foi o primeiro ato de implementação do Marco Legal da Primeira Infância em larga escala. Principais desafios para avançar no campo das paternidades no Brasil Ao considerar que aproximadamente 80% dos homens se tornarão pais biológicos em algum momento de suas vidas e a totalidade dos homens tem potencial para desempenhar algum papel relacionado ao cuidado na vida de crianças, como educadores, profissionais de saúde, tios ou padrinhos(PROMUNDO BRASIL, 2019), é fundamental tratarmos da importância da primeira infância com eles. Há uma série de questões a serem tratadas sobre a relação entre cuidadores e crianças, quando a responsabilidade pelo cuidado é compartilhada com as mulheres e incorporada ao cotidiano dos homens. Uma delas é o equilíbrio entre o sucesso profissional e o bem-estar da família, ou mesmo sobre o que significa ser homem nos dias de hoje. Ao mapear estudos, políticas e iniciativas produzidas sobre paternidade e cuidado, os relatórios da Rede MenCare têm evidenciado a conquista de espaço na agenda pública global de promoção da equidade de gênero, em questões como direitos sexuais e reprodutivos, saúde dos homens, educação, segurança pública, prevenção de violências, economia, (des)emprego e imigração. O envolvimento do pai no cuidado dos filhos tem se mostrado uma das maiores estratégias de prevenção da violência doméstica, uso de drogas e conflitos com a lei na adolescência, e da melhoria da saúde da mulher e do homem. Um breve olhar sobre a situação da paternidade no Brasil Como demonstrado no relatório sobre a paternidade no Brasil, realizado pelo Instituto Promundo em 2016, o Brasil tornou-se um dos países de maior destaque no 137 139 campo da paternidade e cuidado, integrando ações da sociedade civil, do governo e do setor privado, assim como da integração desse campo com a promoção da equidade entre homens e mulheres. No entanto, apesar da maior visibilidade e a despeito do que está escrito em nossos marcos legais, a cobrança pelo cuidado das crianças continua recaindo sobre as mulheres. Para uma parte significativa da sociedade, persiste certa tolerância relacionada à não participação, ao abandono ou ao não reconhecimento de filhos por parte dos pais, o que pode ser ilustrado pela estimativa de que mais de 5.000.000 de estudantes brasileiros permanecem sem o nome do pai na certidão de nascimento e no documento de identidade (CNJ, 2015). Por outro lado, também persistem lacunas da responsabilidade compartilhada do Estado e da Sociedade em relação às condições para efetivação dos direitos necessários para o exercício pleno da paternidade e da parentalidade. O contexto de exclusão social que ainda caracteriza nosso país tem impactos também em relação ao usufruto da licença paternidade, que consistiria em uma estratégia de promoção do desenvolvimento integral das crianças na primeira infância. Segundo a Pesquisa Nacional Saúde do Homem Paternidade e Cuidado, realizada pela Coordenação de Saúde do Homem do Ministério da Saúde, em parceira com ouvidoria do SUS, aproximadamente metade dos homens cujos filhos nasceram em maternidades públicas não conseguem usufruir da licença paternidade, sendo que o principal motivo do não usufruto da licença paternidade é que a maioria dos pais trabalha por conta própria ou sem carteira assinada. A segunda razão apontada é o fato de estarem desempregados, em gozo de férias ou afastados pelo INSS no período. Gráfico 1 – Questão pesquisa “Por que o Sr. não tirou licença-paternidade?” 138 140 Parentalidade compartilhada: reflexões e estratégias para os avanços necessários Apesar do reconhecimento da importância do pai no desenvolvimento dos filhos, uma parcela significativa da população mundial, inclusive no Brasil, continua acreditando que “cuidar” é uma qualidade e uma responsabilidade prioritariamente das mulheres. Felizmente, seguindo um processo de reflexão e transformação que há anos já vem sendo trilhado pelas mulheres em relação à maternidade, um número cada vez maior de homens tem vivenciado a paternidade com algo muito positivo para si mesmos. Alguns achados da pesquisa “HelpingDadsCare” (2019) no Brasil reforçam essa ideia, com informação corroborada por dados da pesquisa IMAGES (PROMUNDO – BRASIL, 2016), indicando que a maioria dos pais brasileiros relata brincar com as crianças (83%). No entanto, atividades como cozinhar (46%) e dar banho (55%) são bem menos citadas. 85% dos pais entrevistados em sete países (e 82% dos pais brasileiros) disseram “concordar” ou “concordar fortemente” coma afirmação: “Eu farei tudo o que for necessário para estar muito envolvido com o cuidado do meu/minha filho/a recém-nascido/a ou adotado/a nas primeiras semanas e/ou meses” (PROMUNDO, 2016). Seguramente, este é um momento histórico importante não apenas para refletir sobre o maior envolvimento dos pais, como também para buscar formas concretas de apoiar os homens brasileiros a serem os pais envolvidos que eles dizem querer ser (PROMUNDO BRASIL, 2016). Contudo, os estudos recomendam atenção para a valorização de paternidades “saudáveis”, “responsáveis” e “ativas” serem acompanhadas de uma leitura crítica sobre as relações entre homens e mulheres, de modo a eles não passarem a ser elogiados por atividades que as mulheres sempre fizeram. Diante da importância de metodologias que respondam a essa complexidade e atuem objetivamente para a formação da nova cultura referendada nos avanços científicos e legislativos, o Pacto Nacional pela Primeira Infância premiou como 1º lugar em Boa Prática da Categoria Sociedade Civil o Programa P, desenvolvido em 2011 pelo Instituto Promundo, que possibilita um trabalho de ressignificação da masculinidade e engajamento em paternidade e cuidado para homens e suas famílias. 139 141 VÍDEO 17 Assista no vídeo a seguir o relato de um homem sobre a importância da sua relação com o filho e a ressignificação da experiência com seu próprio pai, a partir da participação no Programa P: <https://promundo.org.br/recursos/curta-mencare-brasil/>. A importância da inclusão do homem desde o começo É importante compreender as crenças e expectativas em relação ao ser pai e mãe. Segundo um estudo do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e o Instituto Papai (2007), embora a gestação seja definida por mudanças observadas no corpo feminino desde o momento da concepção, ou seja, a gestação é “visceral para as mulheres”, para os homens a paternidade muitas vezes só se concretiza após o nascimento da criança. No entanto, quando se questionam diretamente os homens, muitos demonstram desejo de participar nas ações de planejamento reprodutivo ativamente durante toda a gestação, muitas vezes até antes da concepção, de modo a compartilhar, assim, todas as etapas desse processo gravídico. Contudo, na esfera das políticas públicas, as ações de saúde ligadas à saúde sexual e reprodutiva, incluindo de pré-natal, tradicionalmente são direcionadas somente para as mulheres (SILVA, 2019). Neste sentido, um grande avanço tem se configurado desde o lançamento da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), em 2009, pelo Ministério da Saúde, uma vez que esta incluiu como um de seus eixos prioritários a Paternidade e o Cuidado. Isso resultou no desenvolvimento da Estratégia Pré-Natal do Parceiro (EPNP), que tem como objetivo contribuir significativamente para aumentar os vínculos afetivos entre pai, mãe e filhos; diminuir a violência intrafamiliar; prevenir e diminuir a transmissão de IST/HIV; promover a ampliação da licença- paternidade; incentivar o aleitamento materno; reduzir as mortalidades materna e infantil; ampliar e melhorar o acesso e acolhimento dos homens aos serviços de saúde, e consequentemente diminuir os índices de morbimortalidade da população masculina. Para implantação da EPNP, são sugeridos cinco passos que os pais/parceiros devem ser orientados a seguir durante todo o processo de pré-natal, parto, pós-parto e ao longo do desenvolvimento da crianças. São eles: 140 https://promundo.org.br/recursos/curta-mencare-brasil/142 Figura 1 – A paternidade em rede (SILVA, 2019). Você sabia? Durante o debate para aprovação do Marco Legal da Primeira Infância, na Câmara dos Deputados, houve receio de que o aumento da licença-paternidade gerasse, ao invés de apoio à mulher e à criança, mais sobrecarga decorrente de demandas do homem em casa. Optou-se, então, por incluir o seguinte dispositivo na Lei, para promoção da paternidade ativa: II – será garantida ao empregado da pessoa jurídica que aderir ao Programa (Empresa Cidadã), desde que o empregado a requeira no prazo de 2 (dois) dias úteis após o parto e comprove participação em programa ou atividade de orientação sobre paternidade responsável (BRASIL, Lei 13.257/2016, art. 38). O Ministério da Saúde teve um importante papel para essa implementação, ao emitir a Nota técnica conjunta: Recomendações do Ministério da Saúde para regulamentar as atividades de orientação sobre paternidade em relação ao Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257 de 08 de março de 2016). Além disso, desenvolveu, com a PNAISH/Ministério da Saúde – Estratégia Pré-Natal do Parceiro, o Curso Pai Presente Cuidado e Compromisso – EAD – AVASUS, disponibilizado gratuitamente na plataforma do Ministério da Saúde para promoção da paternidade ativa e consciente. Atualmente este curso conta com o registro de 76.957 participantes, dos quais 65.031 já foram certificados, tendo um aproveitamento de Como será a participação do homem no pré-natal, parto e puerperio no âmbito dos serviços de saúde. Realizar exames de rotina e testes rápidos. Atualizar seu cartão de vacinas. Participar de atividades educativas durante o pré-natal com temas voltados para o público masculino. Participar efetivamente no momento do pré-parto, parto, puerpério e cuidados com a criança. 141 143 conclusão de 84,5%. É o terceiro curso mais acessado do AVASUS, num rol 245 cursos disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Caso deseje conhecer o curso e seus depoimentos acesse: <https://avasus.ufrn.br/local/avasplugin/cursos/curso.php?id=67>. Graças ao Marco Legal da Primeira Infância, milhares de crianças podem contar com a presença e o cuidado ativo por mais tempo de seu pai em seus primeiros dias de vida. Intervenções simples como esta para promoção da paternidade ativa ofereceram melhores condições para o desenvolvimento humano integral na primeira infância. VÍDEO 18 No vídeo a seguir, disponível na plataforma Viva mais SUS sobre o Pré-Natal do Parceiro, você pode observar a importância da participação do pai desde o acompanhamento da gestação: <http://portalarquivos.saude.gov.br/campanhas/vivamaissus/prenatal_index.html> Perspectivas: licença parentalidade Uma das possíveis estratégias para a promoção de parentalidades compartilhadas é o instituto da licença parental. Segundo a Organização Internacional do Trabalho a licença parental “é uma licença relativamente longa concedida ao pai ou à mãe para cuidar de um bebê ou de uma criança pequena após o período da licença-maternidade ou licença-paternidade”1 . No entanto, sua configuração varia bastante de país para país. A promoção da licença parental vem sendo recomendada por organismos internacionais como estratégia para a promoção de cuidados adequados na primeira infância e da igualdade no mercado de trabalho. Em novembro de 2019, a Assembleia Geral das Nações Unidas recomendou aos países membros que investissem em uma ampla gama de políticas voltadas para o equilíbrio trabalho e família, como a expansão dos serviços de cuidado e de licenças 1 https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo- brasilia/documents/publication/wcms_229658.pdf 142 https://avasus.ufrn.br/local/avasplugin/cursos/curso.php?id=67 http://portalarquivos.saude.gov.br/campanhas/vivamaissus/prenatal_index.html https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_229658.pdf https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_229658.pdf 144 parentais, inclusive de licenças paternidade 2 , com o intuito de aumentar a participação masculina nas tarefas de cuidado. No Brasil, foi instalado desde o início de 2020, no âmbito da Comissão Interinstitucional da Frente Parlamentar da Primeira Infância da Câmara dos Deputados, um grupo de Trabalho sobre Licença Parental coordenado por Family Talks - uma iniciativa da Associação de Desenvolvimento da Família, organização da sociedade civil. Dado o contexto de crise econômica e pandemia que assola o país, um dos motivadores para instalação do GT foi o aproveitar as lições do momento, sobretudo as novidades nas relações de trabalho, tais como a ampla adoção do teletrabalho, para pensar alternativas para a configuração de uma licença parental viável para o Brasil. O GT ainda encontra-se em funcionamento contando com a participação de diferentes setores do governo, entidades da sociedade civil e organizações internacionais. Os três principais desafios que vêm sendo debatidos no âmbito do grupo são: 1. A discussão sobre qual deve ser a diretriz prioritária em uma possível licença parental no Brasil: a expansão do tempo dos pais com a criança, garantindo o direito à amamentação até os 6 meses de vida, ou a promoção da igualdade de gênero nas funções de cuidado com o objetivo de reduzir, também, as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho. 2. Caso a prioridade seja a expansão dos tempos de licença disponíveis para pais e mães, a discussão se dirige para o campo das fontes de financiamento. Existem também outras possibilidades para enfrentar o desafio do financiamento nesse momento de crise, tais como a licença parental optativa não remunerada ou uma licença caracterizada pela flexibilização da jornada, com a opção de redução da jornada de trabalho, teletrabalho ou mesmo alternância dos dias de trabalho entre os pais. Outra possibilidade é de não haver expansão no tempo disponível para as licenças maternidade e paternidade, mas transformá-las em uma única licença parental, dando maior liberdade às famílias para a a divisão do trabalho de cuidado. 3. A promoção de um duplo modelo de corresponsabilidade: seja no âmbito social, (entre governo, sociedade civil e empresas); seja no âmbito familiar, (entre homens e mulheres). Diante da promoção desse modelo o maior desafio a ser enfrentado é o envolvimento e convencimento tanto do setor empresarial quanto dos homens, ante os 2 https://undocs.org/A/75/61-E/2020/4. “(d) Invest in a variety of work-family balance policies focused, inter alia, on expanding childcare services and parental leaves, including paternity leaves”. 143 https://undocs.org/A/75/61-E/2020/4 145 benefícios evidentes da garantia de melhores condições de cuidado para todas as famílias. Considerações Finais A promoção da paternidade ativa, começando na primeira infância, acarreta benefícios para todos (SILVA, 2019): Benefícios para a Família: * Promoção do planejamento reprodutivo,pré-natal, parto e pós parto; * Proteção contra a mortalidade materna e infantil; * Melhoria da saúde emocional e física da mulher, pela participação do homem nos cuidados perinatais graças à licença paternidade estendida; * Estabelecimento de vínculos afetivos saudáveis entre pai-mãe-filho; * Melhoria do desenvolvimento escolar, cognitivo e afetivo da criança; Para os Homens: * Estímulo ao autocuidado com a saúde; * Redução dos índices de morbimortalidade masculina; * Incentivo ao exercício de práticas de cuidados; * Promoção do envolvimento ativo no processo gravídico, com a realização do Pré-Natal do Parceiro; * Encorajamentoà participação efetiva no momento do parto, com o corte do cordão umbilical e realização do método canguru quando necessário; * Ampliação do conhecimento de seus direitos legais em relação à licença paternidade; * Melhoria da saúde mental e satisfação com a vida e o trabalho; * Motivação para divisão igualitária das tarefas domésticas e consequente aumento da equidade de gênero; * Fomento ao ensino e aprendizado de valores de igualdade de direitos e respeito; * Estímulo a práticas de cuidado real, como segurar a criança, dar banho, trocar fraldas, colocar para dormir; * Promoção do exercício de masculinidades saudáveis. Para o Setor Educação: * Estímulo à discussão de igualdade de direitos entre homens e mulheres; * Ensinamento sobre a importância do exercicio do cuidado, especialmente, para os meninos ,como algo inerente ao ser humano, independente do gênero; * Destaque da importancia da participação dos meninos nas questões de saude sexual e saude reprodutiva; * Encorajamento para os homens terem profissões voltadas ao cuidado, saúde, educação, pois isso poderá acelerar mudanças sociais através da aceitação e valorização do cuidado por todos. Para a Sociedade: 144 146 * Fomento de investimentos em estudos relacionados ao exercício da paternidade ativa; * Incentivo à criação de dispositivos de escuta de pais sobre suas dúvidas e anseios para o exercício da paternidade ativa, como a formação de grupos de apoio a homens. Para Setor Trabalho (Empresas e outros): * Diminuição de faltas ao trabalho, pois os homens que se envolvem no exercício da paternidade ativa e usufruem da licença paternidade, tornam-se mais saudáveis e comprometidos com o trabalho; * Aumento da produtividade nas empresas, pois os pais que desenvolvem vínculos afetivos saudáveis com a família trabalham mais satisfeitos e dispostos; * Promoção de equilibrio entre o exercício do cuidado com a saúde e a vida profissional. Para o Governo: * Promoção da intersetorialidade para discussão sobre paternidade ativa, garantindo maior efetividade das políticas públicas; * Incentivo à qualificação dos trabalhadores de diversas áreas, como saúde, educação, justiça, desenvolvimento social, sobre a paternidade ativa ; * Fomento e apoio a ações relacionadas ao desenvolvimento da primeira infância. * Diminuição de gastos provenientes das violências e acidentes, onde os homens são os maiores envolvidos. Para o Setor da Saúde: * Desenvolvimento de dispositvos para profissionais e gestores da saúde atuarem e envolverem os homens na paternidade ativa; * Ampliação do acesso e acolhimento dos homens na Atenção Primária à Saúde, prevenindo agravos e promovendo sua saúde; * Fomento à educação permanente de gestores, profissionais de saúde e população em geral sobre paternidade ativa; * Diminuição de gastos com internações, pois os homens serão mais saudáveis e cuidadosos com a sua saúde, aumentando-se comportamento de prevenção de doenças; * Promoção de ações voltadas para os homens, estimulando práticas de cuidado consigo, com a parceira e a criança. Para saber mais, materiais de apoio: • Projeção Econômico-demográfica da ampliação da licença-paternidade no Brasil. Disponível em: <https://www.fmcsv.org.br/pt-BR/biblioteca/projecao-economica- demografica-ampliacao-da-licenca-paternidade>. • Manual do Programa P (de Paternidade): acesse aqui. • Programa M(Mulheres): acesse aqui. • Cartilha: Maternidade também é lugar para o pai/parceiro. 145 147 • Cartilha: Como envolver o homem trabalhador no planejamento reprodutivo, pré- natal, parto e desenvolvimento da criança. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_trabalhador_envolver_planejamen to.pdf>. • Cartilha para pais. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_pais_exercer_paternidade_ativa.pd f>. • Folder Licença-Paternidade. Disponível em: <http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/agosto/22/folder-licenca- paternidade.pdf>. Referências bibliográficas: BRASIL. Lei 8069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União, 1990. BRASIL. 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Dissertação (Mestrado Profissionalizante em Saúde Coletiva) – Universidade de Brasília, Brasília, 2019. 146 https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/destaques/arquivo/2015/04/b550153d316d6948b61dfbf7c07f13ea.pdf https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/destaques/arquivo/2015/04/b550153d316d6948b61dfbf7c07f13ea.pdf https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/conteudo/destaques/arquivo/2015/04/b550153d316d6948b61dfbf7c07f13ea.pdf 148 Aula 7: A Importância do investimento na Primeira Infância e seus reflexos Investir na primeira infância é colocar em prática a regra da prioridade absoluta (CF, art. 227), possibilitando o mais cedo possível que as crianças tenham acesso aos direitos necessários para seu desenvolvimento. Assim, cumpre-se o dever constitucional de promover efetivamente a cidadania, valorizando a maior riqueza de uma Nação, que são seus cidadãos. Nesta compreensão, a Economia tem indicado que a primeira infância configura-se como o maior potencial de capital humano de um indivíduo, de sua família, da comunidade e do País. A qualidade do cuidado na primeira infância desde a gestação trará reflexos para a toda vida, principalmente, mas não somente, no comportamento, na saúde e na aprendizagem. O desempenho financeiro e social dos adultos também depende das experiências vividas na primeira infância. Quanto mais se investir na Primeira Infância, portanto, menor será a necessidade de maiores custos com diagnóstico, tratamento e reabilitação em fases posteriores do desenvolvimento, assim como maior a competência produtiva no trabalho, na educação dos próprios filhos, na participação do desenvolvimento da comunidade e na sociedade como um todo. Diante desse cenário, nesta subunidade iremos aprender sobre as correlações entre investimento na Primeira Infância, interrupção do ciclo de pobreza e redução da desigualdade social. Segundo o Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016): Art. 11 – §2º: A União informará à sociedade a soma dos recursos aplicados anualmente no conjunto dos programas e serviços para a primeira infância e o percentual que os valores representam em relação ao respectivo orçamento realizado, bem como colherá informações sobre os valores aplicados pelos demais entes da Federação. A contribuição da Economia sobre a importância do investimento na primeira infância Foi necessário traduzir em equação matemática o valor do retorno do investimento na primeira infância para esta ganhar força na agenda internacional daspolíticas públicas. Essa foi uma contribuição realizada pelo Prêmio Nobel em Economia, o 147 149 americano James Heckman, juntamente com o economista português Pedro Carneiro e o economista brasileiro Flávio Cunha. Ao estudarem políticas de capital humano que buscavam a formação de habilidades para inclusão social e produtiva por meio de nutrição, práticas educativas e orientação parental, Heckman e Carneiro (2003) observaram que o retorno do investimento era significativamente maior quando as ações se iniciavam na primeira infância. A maior taxa de retorno do desenvolvimento na primeira infância ocorre quando se investe o mais cedo possível, desde o nascimento até os cinco anos de idade, em famílias carentes. Começar na idade de três ou quatro anos é um pouco tarde demais, pois significa não reconhecer que habilidades geram habilidades de uma forma complementar e dinâmica. Os esforços devem se concentrar nos primeiros anos em busca de maior eficiência e eficácia (HECKMAN, 2017). Figura 1 – Taxa de Retorno do Investimento em Capital Humano (HECKMAN, 2006). A partir de seus estudos, Heckman e Carneiro (2003) concluíram que cada dólar investido na primeira infância gera um retorno de 7 a 10 dólares no futuro e representa a melhor estratégia de ruptura do ciclo de pobreza e redução da desigualdade social que onera em políticas compensatórias a economia de muitos países. SAIBA MAIS! Para se aprofundar neste tema, acesse: 148 150 https://heckmanequation.org/resource/perry-preschool-midlife-toolkit/ Heckman chegou a esta conclusão avaliando um projeto de desenvolvimento na primeira infância, denominado Perry Preschool, realizado na Jamaica, nos anos 1960, cuja metodologia consistia na oferta de suplementação nutricional e atividades educacionais de qualidade em um centro de educação infantil para crianças de 3 a 4 anos de idade, pertencentes a famílias em situação de extrema pobreza, paralelamente à realização de visita domiciliar semanal que incluía orientação aos pais por uma pessoa altamente treinada em desenvolvimento na primeira infância. Heckman e Carneiro (2003) analisaram variáveis na vida adulta das crianças que participaram do programa, incluindo desempenho dos próprios filhos delas. Os resultados mostraram que estas pessoas conseguiram obter rendas salariais mais altas por terem alcançado maior escolaridade e tiveram menos envolvimento com uso de drogas ilícitas e menos conflito com a lei, assim como se mostraram capazes de oferecer educação, saúde e cidadania para seus próprios filhos. Deste modo, observou-se que o programa integrado de desenvolvimento na primeira infância promoveu a ruptura do ciclo da pobreza. SAIBA MAIS! Para se aprofundar neste tema, acesse: https://highscope.org/perry-preschool-project/ Outro projeto que demonstrou o impacto do investimento na primeira infância foi o Nurse Family Partnership (NFP), ou “Parceria Família-Enfermeira” em português. Este programa foi inicialmente desenvolvido nos Estados Unidos como visita domiciliar por enfermeiras, da gestação até os 24 meses de vida do bebê, com o objetivo de apoiar jovens mães em situação de vulnerabilidade social a cuidarem adequadamente de seus bebês e de si mesmas (SCHNEIDER; GHESTI, 2016), e resultou em benefícios para a saúde da mãe e da criança, e redução de maus tratos contra as crianças. SAIBA MAIS! Para se aprofundar neste tema, acesse: https://www.nursefamilypartnership.org/ 149 https://heckmanequation.org/resource/perry-preschool-midlife-toolkit/ https://highscope.org/perry-preschool-project/ https://www.nursefamilypartnership.org/ 151 Um terceiro programa de impacto, internacionalmente citado, é o Projeto Abecedarian, também iniciado nos EUA, que consistiu na oferta de atenção de qualidade na Educação Infantil, utilizando a abordagem de Vigotsky, para crianças dos 8 meses aos 6 ou 8 anos de idade. O estudo observou que crianças e suas famílias que tiveram igualmente apoio em nutrição, assistência social e saúde diferenciaram-se significativamente em medidas de desenvolvimento, incluindo QI, em função de um grupo ter recebido acesso à pré-escola de qualidade durante 60 meses em tempo integral e o outro grupo não. Observou-se que as mães também se beneficiaram, muitas que eram adolescentes tiveram a oportunidade continuar seus estudos. VÍDEO 19 A seguir, você pode assistir uma breve apresentação desses projetos e seus resultados: https://ocomecodavida.com.br/tres-exemplos-de-intervencoes-na-primeira-infancia/ No Brasil, a Associação Saúde Criança, fundada em 1991, atualmente renomeada como “Instituto Dara”, também desenvolveu um programa de promoção da saúde e do desenvolvimento humano que demonstrou resultados positivos e retorno do investimento. Atuando a partir da compreensão dos “determinantes sociais da saúde” com famílias em situação de extrema pobreza que tinham crianças hospitalizadas, a pediatra do Hospital da Lagoa Dra. Vera Cordeiro e sua equipe de voluntários obteve uma redução de 86% nas taxas de reinternação hospitalar, segundo pesquisa realizada pela Georgetown University (2013). Este resultado adveio do acompanhamento integral da família em cinco áreas: saúde, renda, moradia, educação e cidadania - por um período de aproximadamente dois anos. Esta metodologia foi construída a partir da observação das necessidades da família, tendo critérios para conclusão do acompanhamento. A avaliação de resultados realizada pela Georgetown University, analisando as famílias antes de entrarem no programa e três a cinco anos após a alta constatou melhoria significativa nos indicadores de renda, moradia, educação e bem-estar da criança e da família, que se sustentaram após cinco anos de conclusão do acompanhamento (92% de aumento da renda, redução de 83% na percepção negativa sobre o próprio bem-estar, aumento de 92% na aquisição de moradia própria). E para os cofres públicos, observou-se a seguinte economia: 150 https://ocomecodavida.com.br/tres-exemplos-de-intervencoes-na-primeira-infancia/ 152 Quadro 1 – Cálculo do retorno do investimento no atendimento integral da criança hospitalizada (Fonte: INSTITUTO DARA, 2013). De acordo com o Quadro 1, para atendimento familiar de 82 crianças que haviam sido hospitalizadas por questões de pobreza estrutural, cujo acompanhamento foi concluído entre 1º/01/2019 e 31/12/2019, foram investidos R$ 1.476.000,00 em 2 anos, considerando o custo aproximado de R$750,00 por família, por mês. Este investimento gerou uma redução de 2.014 dias de hospitalização, o que equivale a aproximadamente R$ 2.014.000,00 de economia para o Governo, sendo o custo de um dia de internação em hospital público equivalente a R$ 1.000,00. O valor economizado pelos cofres públicos menos o custo operacional do trabalho realizado pelo Instituto Dara (economia líquida) foi de R$ 538.000,00, ou seja, retorno de 36,5% do investimento, em 2 anos. Conclusões de cientistas sobre a importância do investimento na primeira infância: ➢ James Heckman, Prêmio Nobel em Economia, em 2003: Investir na primeira infância é uma estratégia de baixo custo para promover o crescimento econômico de um País. Como vimos, James Heckman demonstrou que o investimento na primeira infância é a melhor estratégia econômica de promoção do potencial humano que um País pode fazer. Investir em programas de suplementação alimentar e apoio aos pais, inclusive antes de a criança ingressar na educação infantil, favorece o aproveitamento das ofertas que se realizam pelo sistema educacional e consequente autonomia na vida adulta, reduzindo151 https://www.google.com/search?q=james+heckman+frases&rlz=1C1GCEA_enBR832BR832&sxsrf=ALeKk01T7dYSul-V2vr4iJcq5_VN0DHbDw:1601313897976&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=bSX8nnIAJQ_HtM%252CAoZ2kqF2QDyUXM%252C_&vet=1&usg=AI4_-kQ5-0ZEN3whYIfXy-plhR__su-hnQ&sa=X&ved=2ahUKEwj_4r-Qr4zsAhXqEbkGHbkuAv4Q9QF6BAgJEAM#imgrc=bSX8nnIAJQ_HtM https://www.google.com/search?q=james+heckman+frases&rlz=1C1GCEA_enBR832BR832&sxsrf=ALeKk01T7dYSul-V2vr4iJcq5_VN0DHbDw:1601313897976&tbm=isch&source=iu&ictx=1&fir=bSX8nnIAJQ_HtM%252CAoZ2kqF2QDyUXM%252C_&vet=1&usg=AI4_-kQ5-0ZEN3whYIfXy-plhR__su-hnQ&sa=X&ved=2ahUKEwj_4r-Qr4zsAhXqEbkGHbkuAv4Q9QF6BAgJEAM#imgrc=bSX8nnIAJQ_HtM 153 custos com saúde pública secundária e terciária, assistência social, sistema prisional, entre outros. ➢ Joseph Sparling, em 2010: A intervenção educacional precoce com programas de DPI é com frequência citada como uma solução para o fracasso dos sistema de saúde ou educação, assim como um meio para o crescimento econômico. Sparling (2010) chama atenção para o fato de que apesar de inúmeras comprovações de que os programas de desenvolvimento da primeira infância (DPI) tem impactos estratégicos para a melhoria de resultados em todos níveis de saúde, educação, economia ou desenvolvimento social, eles ainda não são uma atividade totalmente aceita e estabelecida nas sociedades, como já o são o atendimento geral à saúde ou o ensino público. ➢ Ricardo Paes de Barros, Economista do IPEA, em 2010: Os países mais desenvolvidos investem mais em direitos positivos que em direitos negativos. Quanto mais cedo for realizado o investimento, maior será o tempo disponível para sua recuperação (...). Embora existam potenciais complementaridades entre os investimentos nas diversas idades, os da primeira infância alimentam definitivamente os posteriores (BARROS e col, 2010, p. 7). No Brasil, investir na primeira infância, enquanto ação positiva de propor cuidados para o desenvolvimento e não apenas ações para evitar riscos como fome, violência, abandono e morte, tornou-se segundo desafio após um período de avanço na garantia das condições mínimas para a sobrevivência. Mais do que não atrapalhar, ou deixar de atrapalhar o desenvolvimento da criança, queremos também interagir de uma maneira afetiva e construtiva com ela; não queremos só deixar de atrapalhar, queremos começar a promover, a ajudar. Isso é o que chamamos de direito positivo (BARROS; COUTINHO; MENDONÇA, 2016). ➢ Cesar Victora, ex-presidente da Sociedade Internacional de Epidemiologia, em 2016: Os primeiros mil dias de vida determinam a saúde e o capital humano do adulto” 152 154 A amamentação aumenta a inteligência não só na infância, mas também na vida adulta, portanto é fundamental apoiá-la. Por isso, essa legislação sobre a primeira infância é tão importante: não é só para fazer a criança mais saudável, mas sim para criar um país mais rico, mais produtivo e mais equitativo na próxima geração, dando a todas as crianças a oportunidade de alcançarem o seu potencial de crescimento e desenvolvimento (VICTORA, 2016). ➢ Mary Young, Consultora Sênior do Centro de Desenvolvimento da Criança da Universidade de Harvard, em 2010: Nós devemos às crianças e a nós mesmos algo melhor do que já tem sido feito. As crianças que nascem em situação de pobreza, vivem em condições de falta de saneamento, ganham pouco cuidado ou pouca estimulação mental, e recebem uma nutrição empobrecida nos primeiros anos de vida têm maior probabilidade que seus contrapartes ricos de crescerem com defasagem corporal e mental. Em consequência, tendem a ter um desempenho fraco em sala de aula, a repetir séries escolares e a não alcançarem bons índices de desenvolvimento. Futuramente, no mundo do trabalho, provavelmente serão capazes de desempenhar apenas trabalhos que requerem menos habilidades e obter salários mais baixos. E quando têm filhos, um ciclo de herança de pobreza recomeça – e isso se repete pelas futuras gerações (YOUNG, 2010). Mary Young (2010) nos ensina que “as políticas públicas precisam investir nos pais, para estes investirem emocionalmente em seus filhos”. Uma vez que Heckman conclui que as capacidades não estão definidas ao nascer, mas são afetadas causalmente pelo investimento dos pais em suas crianças e que uma medida apropriada de desvantagem está mais relacionada à falta de qualidade do cuidado oferecido pelos pais, do vínculo, da consistência e da supervisão que da renda familiar por si só (YOUNG, 2016). ➢ Jack Shonkoff, diretor do Centro de Desenvolvimento da Criança da Universidade de Harvard, em 2009: O investimento em desenvolvimento na primeira infância cria os alicerces de uma sociedade próspera e sustentável. Shonkoff (2009) destaca que o que ocorre na primeira infância terá repercussões para toda a vida. Deste modo, recomenda que: 153 155 • O desenvolvimento integral deve ser promovido. • Deve haver relacionamentos estáveis, responsivos, estimulantes e ricos em experiências de aprendizagem nos primeiros anos de vida que provêm benefícios permanentes para a aprendizagem, para o comportamento e para a saúde física e mental. • Os avanços da neurociências precisam ser considerados, para evitar desperdício de recursos que já são escassos. Reflexos do investimento O reconhecimento da importância de investimentos na Primeira Infância promoveu muitas iniciativas nas últimas duas décadas, como ilustrado a seguir. Figura 2 – Aumento de iniciativas e investimentos na Primeira Infância, em nível mundial (DARMSTADT, 2016). Na terceira edição do The Lancet, indicada acima, sobre Primeira Infância, intitulada “Advancing Early Childhood Development: From Science to Scale” (tradução livre: “Avanços no Desenvolvimento Infantil: da Ciência a programas em larga escala”) foi apresentado o modelo de Cuidado Integral multissetorial (Nurturing Care Framework), que foi indicado como referência para promoção de oportunidades equitativas de desenvolvimento humano na primeira infância, recomendando que todos os países com 154 156 crianças em situação de risco ao não desenvolvimento implementassem programas integrados com esse objetivo. Nurturing Care Framework ou Cuidado Atencioso para o Desenvolvimento na Primeira Infância: um plano para a promoção da sobrevivência e do desenvolvimento das crianças pequenas para transformar a saúde e o potencial humano Os cinco componentes do Cuidado Atencioso para o Desenvolvimento na Primeira Infância (OMS; BANCO MUNIDAL; UNICEF, 2018) são parte de uma estratégia para a promoção do desenvolvimento integral e envolvem cinco componentes mínimos. Quadro 2 - Os cinco componentes do Cuidado Atencioso para o Desenvolvimento na Primeira Infância 1. BOA SAÚDE - Monitorar a condição física e emocional das crianças e dar respostas afetuosas e adequadas às necessidades diárias das crianças; proteger as crianças dos perigos domésticos e ambientais e ter práticas de higiene que minimizem infecções; usar serviços de saúde promotores e preventivos e buscar atendimento e tratamento adequado para doenças infantis. - Prestar atenção à saúde e ao bem-estar dos cuidadores, bem como das crianças. 2. NUTRIÇÃO ADEQUADA - Nutrição adequada da mãe durante a gestação. - Amamentação exclusiva até os 6 meses com contato pele a pele. - Alimentos complementares frequentes e diversos o suficiente, e que contenham os micronutrientes de que precisam para o rápido crescimento do corpo e do cérebro após os 6 meses junto com a amamentação. - Suplementação quando indicada ou tratamento para desnutrição eobesidade. - Combater a pobreza extrema e a baixa renda com assistência social que pode incluir transferências de renda. 155 157 3. SEGURANÇA E PROTEÇÃO - Combater vulnerabilidade de gestantes e crianças a riscos ambientais, incluindo poluição do ar e exposição a produtos químicos. - Proteger a criança de ambientes inadequados, do abandono e das violências - Garantir a saúde mental dos cuidadores, trabalhando com eles para prevenir maus-tratos. 4. OPORTUNIDAD ES DE APRENDIZAGE M OPORTUNA - Brincar e falar com a criança, aproveitando os momentos de alimentação e higiene para interação (o aprendizado começa na concepção). - Cuidados afetuosos e seguros dos adultos em um ambiente familiar com orientação nas atividades diárias e no relacionamento com os outros. 5. CUIDADO RESPONSIVO - O cuidado responsivo inclui observar e responder aos movimentos, sons, gestos e solicitações verbais das crianças. - O cuidado responsivo também inclui alimentação responsiva, o que é especialmente importante para bebês com baixo peso ou doentes. - Vínculo emocional e interações sociais também estimulam conexões no cérebro. Figura 2 – Componentes do Cuidado Atencioso para o Desenvolvimento na Primeira Infância (OMS; UNICEF, 2018) Esta série do The Lancet também apresentou um cálculo do prejuízo decorrente da falta de cuidados nesta fase da vida, o “custo da inação”, segundo o qual 43% das crianças no mundo tenderão a obter 26% a menos de renda pessoal potencial com consequente redução da capacidade produtiva dos países, e indicou os gastos estimados com políticas de redução de danos. A trajetória brasileira tem acompanhado os períodos indicados na Figura 2, e nosso país tornou-se destaque mundial em várias iniciativas, com progressivo aumento do investimento na primeira infância. Acompanhe a linha do tempo de algumas de iniciativas brasileiras de investimento na primeira infância: 2000 – Comitê de Desenvolvimento Integral da Primeira Infância – CODIPI (Comunidade Solidária/Governo Federal) 2003 – Primeira Infância Melhor – PIM (RS) 2003 – Projeto Nossas Crianças: Janelas de Oportunidades (USP, UNICEF, Pastoral da Criança) 2007 – Mãe Coruja Pernambucana (PE) 2007 – Rede Nacional Primeira Infância – RNPI 2009 – Comissão de Valorização da Primeira Infância e Cultura da Paz (Senado Federal) 2009 – Programa Primeiríssima Infância (SP) 2011 – Rede Mãe Paranaense (PR) 156 158 2010 – Estudo sobre Determinantes do Desenvolvimento na Primeira Infância no Brasil (IPEA) 2010 – Plano Nacional pela Primeira Infância (RNPI e CONANDA) 2011 – Frente Parlamentar da Primeira Infância – FPPI (Câmara dos Deputados e Senado) 2011 – Programa de Liderança Executiva em Desenvolvimento da Primeira Infância (FPPI, Harvard, PUC RS, USP, FMCSV) 2012 – Programa São Paulo pela Primeiríssima Infância (SP) 2012 – Primeira Infância Ribeirinha – PIR (AM) 2012 – Pacto pela Primeira Infância (DF) 2013 – Programa Família que Acolhe (RR) 2013 – Programa São Paulo Carinhosa (SP) 2013 – Programa Cresça com seu Filho (Fortaleza/CE) 2013 – Programa Ágape: Provedores de Amor (Arapiraca/AL) 2013 – Projeto de Lei 6.998/2013 (Dep. Osmar Terra, Dep. Carmen Zanotto e outros) 2015 – Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (Min. da Saúde) 2016 – Promulgação do Marco Legal da Primeira Infância (Lei 13.257/2016) 2016 – Documentário “O Começo da Vida” (FMCSV, Alana, FvanLeer, UNICEF) 2016 – Programa Primeira Infância Amazonense – PIA (AM) 2016 – Programa Primeira Infância Manauara e Acreana – PIA (AC) 2016 – Programa Primeira Infância no SUAS/Programa Criança Feliz (MDS) 2019 – Pacto Nacional pela Primeira Infância (CNJ, FDDD/MJ e signatários) 157 159 Este histórico representa algo muito importante em relação aos avanços que vêm sendo realizados no Brasil para o justo investimento na primeira infância: um diálogo continuado, cada vez mais multisetorial e interfederativo. Figura 3 – Reconhecimento do Primeira Infância Melhor (PIM) como 2º melhor programa de visitação domiciliar para primeira infância da América Latina e Caribe, segundo Avaliação realizada pelo Banco Mundial (2016). Na linha de iniciativas acima, o Programa Criança Feliz representa a implementação do artigo 14 do Marco Legal da Primeira Infância e promoveu um significativo aumento do investimento em promoção do desenvolvimento integral da primeira infância no Brasil, tendo inclusive sido lançado no mesmo dia em que foi lançada a 3ª edição do The Lancet recomendando que todos os países do mundo tomassem essa iniciativa. 158 160 Figura 4 – Orçamento investido na Assistência Social a Crianças e Adolescentes – Programa Criança Feliz 2016-2020 (BRASIL, 2020). O Programa Criança Feliz foi inclusive reconhecido como o programa de maior cobertura do mundo, recebendo o Prêmio Wize Awards, em 2019, e está em processo de investimento em sua qualidade, com apoio do BID e de outros organismos internacionais, como a UNESCO, a OPAS, a Fundação Bernard van Leer, assim como instituições nacionais como a Petrobrás. A avaliação de impacto do Programa Criança Feliz está sendo realizada por um consórcio de universidades brasileiras, sob coordenação do Dr. Cesar Victora, com apoio da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, visando ao monitoramento de sua eficácia e a prestação de contas do recurso investido. 159 161 Equidade, o quarto caminho Para Jacques van der Gaag (2010), quatro “caminhos” fundamentais vinculam o desenvolvimento da Primeira Infância (DPI) ao Desenvolvimento Humano (DH): a Educação (investimento nos primeiros anos de vida afeta positivamente a progressão para os próximos anos escolares), a Saúde (investimento nos primeiros anos de vida melhora o capital humano e a saúde a longo prazo), o Capital Social (melhor comportamento decorrente do investimento nos primeiros anos de vida) e a Equidade (redução da desigualdade de oportunidades na sociedade). Estes levam ao maior crescimento econômico e, portanto, ao desenvolvimento humano em ampla escala. Figura 5 – Do desenvolvimento na primeira infância ao desenvolvimento humano (Fonte: VAN DER GAAG, 2010). Como promotores do desenvolvimento, devemos apoiar as ações de educação, saúde e assistência social, além de direitos humanos, cultura, moradia e outras ações para promover o círculo virtuoso do desenvolvimento da primeira infância ao desenvolvimento humano como um todo. Isso significa promover também equidade de oportunidades logo no início da vida, contribuindo para superação do ciclo da pobreza. A equidade é um caminho estratégico para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. VÍDEO 20 160 162 Para concluir essa reflexão, recomendamos assistr ao clipe “Políticas Públicas” do documentário “O Começo da Vida”, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7M6CoOD9QXU>. Em seguida, compartilhe no Fórum de Discussão sua conclusão sobre a importância do investimento na primeira infância, considerando o que já foi apresentado até esta aula. Para saber mais: • Importância do Desenvolvimento Infantil. Disponível em: http://www.enciclopedia-crianca.com/sites/default/files/dossiers-complets/pt- pt/importancia-do-desenvolvimento-infantil.pdf • Como investir na primeira infância: um guia para discussão de políticas e a preparação de projetos de desenvolvimento da primeira infância. Disponível em: http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/crianca_feliz/Como_Investir_na_Primeira_Infancia.pdf • Do Desenvolvimento na Primeira Infância ao Desenvolvimento Humano. Disponível em: https://issuu.com/fmcsv/docs/do_desenvolvimento_da_primeira_inf_ncia_ao_desenv o • Desenvolvimento da Primeira Infância: da Avaliação à Ação. Disponível em: https://issuu.com/fmcsv/docs/livro_mary_young2 Referências Bibliográficas BARROS, R.P.; BIRON, L.; CARVALHO, M.; FANDINHO, M.; FRANCO, S.;MENDONÇA, R.;ROSALÉN, A.; SCOFANO, A.; TOMAS, R.. Determinantes do Desenvolvimento na Primeira Infância no Brasil. Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), março, 2010. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=5032 BARROS, R. P.; COUTINHO, D.; MENDONÇA, R. Monitoramento e Avaliação: Desenhando e implementando programas de promoção do desenvolvimento infantil com base em evidências. In: Avanços do Marco Legal da Primeira Infância. Brasília: Cadernos de Trabalhos e Debates do Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara dos Deputados, 2016. p. 194-201. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/a-camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do- marco-legal-da-primeira-infancia 161 https://www.youtube.com/watch?v=7M6CoOD9QXU http://www.enciclopedia-crianca.com/sites/default/files/dossiers-complets/pt-pt/importancia-do-desenvolvimento-infantil.pdf http://www.enciclopedia-crianca.com/sites/default/files/dossiers-complets/pt-pt/importancia-do-desenvolvimento-infantil.pdf http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/crianca_feliz/Como_Investir_na_Primeira_Infancia.pdf http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/crianca_feliz/Como_Investir_na_Primeira_Infancia.pdf https://issuu.com/fmcsv/docs/do_desenvolvimento_da_primeira_inf_ncia_ao_desenvo https://issuu.com/fmcsv/docs/do_desenvolvimento_da_primeira_inf_ncia_ao_desenvo https://issuu.com/fmcsv/docs/livro_mary_young2 163 BARROS, R. P. Ministério da Cidadania. 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JAMA Pediatrics, v. 168, n. 2, fev. 2014. 162 https://www.saudecrianca.org.br/wp-content/uploads/scrianca-georgetown-final-report.pdf https://www.saudecrianca.org.br/wp-content/uploads/scrianca-georgetown-final-report.pdf https://heckmanequation.org/www/assets/2017/01/D_Heckman_FMCSV_ReduceDeficit_012215.pdf https://heckmanequation.org/www/assets/2017/01/D_Heckman_FMCSV_ReduceDeficit_012215.pdf http://www.enciclopedia-crianca.com/importancia-do-desenvolvimento-infantil/segundo-especialistas/o-investimento-em-desenvolvimento-na http://www.enciclopedia-crianca.com/importancia-do-desenvolvimento-infantil/segundo-especialistas/o-investimento-em-desenvolvimento-na 164 THE LANCET. Advancing on Early Childhood Development: From Science to Scale. Series. 4 out. 2016. Disponível em: <https://www.thelancet.com/series/ECD2016>. Acesso em: 21 set. 2020. VAN DER GAAG, J. Do Desenvolvimento da Criança ao Desenvolvimento Humano. In: YOUNG, M. (Org). 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Disponível em: https://www2.camara.leg.br/a- camara/estruturaadm/altosestudos/pdf/obra-avancos-do-marco-legal-da-primeira-infancia 163 165 Aula 8: Políticas Públicas Nacionais para Primeira Infância Agora que percorremos a trajetória de conquistas na legislação, os fundamentos e teorias que evidenciam a importância do cuidado integral na primeira infância, as áreas prioritárias indicadas no Marco Legal da Primeira Infância e o valor do investimento em políticas para promoção do desenvolvimento humano nessa fase da vida, vamos conhecer mais detalhadamente as principais políticas públicas organizadas pelo Estado Brasileiro, que se relacionam à primeira infância. 1.8.1. Políticas Nacionais de Saúde SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – SUS Em 1988, por ocasião da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil,foi instituído no país o Sistema Único de Saúde (SUS), que passou a oferecer a todo cidadão brasileiro acesso integral, universal e gratuito a serviços de saúde. Considerado um dos maiores e melhores sistemas de saúde públicos do mundo, o SUS beneficia cerca de 212 milhões de brasileiros e realiza cerca de 2,8 bilhões de atendimentos ao ano, desde procedimentos ambulatoriais simples a atendimentos de alta complexidade, como transplantes de órgãos. Os desafios, no entanto, são muitos, cabendo ao Governo e à sociedade civil a atenção para estratégias de solução de problemas diversos, identificados, por exemplo, na gestão do sistema e também no subfinanciamento da saúde (falta de recursos). Paralelamente à realização de consultas, exames e internações, o SUS também promove campanhas de vacinação e ações de prevenção de vigilância sanitária, como fiscalização de alimentos e registro de medicamentos. Além da democratização da saúde (antes acessível apenas para alguns grupos da sociedade), a implementação do SUS também representou uma mudança do conceito sobre o qual a saúde era interpretada no país. Até então, a saúde representava apenas um quadro de “não-doença”, fazendo com que os esforços e políticas implementadas se reduzissem ao tratamento de ocorrências de enfermidades. Com o SUS, a saúde passou a 164 166 ser promovida e a prevenção dos agravos a fazer parte do planejamento das políticas públicas. (Fonte: https://pensesus.fiocruz.br/sus) O atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) acontece em três níveis de atenção: Atenção Primária à Saúde Porta de entrada do SUS. Atua na prevenção de doenças e promoção da saúde. Realiza consultas, exames e procedimentos menos complexos, como vacinação, consultas eletivas, atividades coletivas e curativos. Quando necessário, encaminha os casos mais complexos para os demais níveis de cuidado. Organiza ações para a promoção da saúde em espaços comunitários, campanhas de vacinação, pré-natal, grupo de idosos, hipertensos etc. Equipamento: Unidades de Saúde da Família (UFS) ou Postos de Saúde, CAPS etc. Atenção Especializada à Saúde de Média Complexidade Presta atenção especializada em áreas como cardiologia, oftalmologia e endocrinologia. Oferta exames mais avançados como endoscopias e ecocardiogramas. Realiza intervenções e tratamentos de doenças agudas ou crônicas, bem como presta atendimentos de emergência. Equipamentos: Clínicas, Unidades de Pronto Atendimento (UPA), ambulatórios e hospitais. Atenção Especializada à Saúde de Alta Complexidade Atende os pacientes com enfermidades que apresentam riscos contra sua vida. Conta com profissionais altamente especializados que realizam procedimentos mais invasivos e de risco à vida. Possuem aparelhos para exames complexos, como ressonâncias, tomógrafos. Equipamentos: Hospitais de grande porte, gerais ou especializados. Atenção Primária à Saúde – APS A atenção primária à saúde ou atenção básica é conhecida como a "porta de entrada" dos usuários nos sistemas de saúde. Seu objetivo é orientar sobre a prevenção de doenças, solucionar os possíveis casos de agravos e direcionar os mais graves para níveis de atendimento superiores em complexidade. A APS é capaz de resolver até 85% das demandas de saúde, sem a necessidade de ir a um serviço de emergência ou pronto- socorro. A atenção primária funciona, portanto, como um filtro capaz de organizar o fluxo dos serviços nas redes de saúde, dos mais simples aos mais complexos. No Brasil, há diversos programas governamentais relacionados à atenção primária, sendo um deles a Estratégia de Saúde da Família (ESF), que leva serviços multidisciplinares às 165 167 comunidades por meio das Unidades de Saúde da Família (USFs). Consultas, exames, vacinas, atividades coletivas de promoção da saúde e prevenção de agravos são disponibilizados aos usuários nas USFs. A atenção primária também envolve outras iniciativas, como: as Equipes de Consultórios de Rua, que atendem pessoas em situação de rua; o Programa Melhor em Casa, de atendimento domiciliar; o Programa Brasil Sorridente, de saúde bucal; o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), que busca alternativas para melhorar as condições de saúde de suas comunidades, o Programa Saúde na Escola, etc. Dentre os equipamentos que compõem a APS estão Unidades de Saúde da Família (USF), as Unidades de Saúde Fluviais, as Unidades Odontológicas Móveis (UOM), as Academias de Saúde e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que auxiliam as pessoas em sofrimento mental. Estratégia de Saúde da Família – ESF O que é? A Estratégia Saúde da Família (ESF) busca promover a qualidade de vida da população brasileira e intervir nos fatores que colocam a saúde em risco, como falta de atividade física, má alimentação, uso de tabaco, etc. Com atenção integral, equânime e contínua, a ESF se fortalece como a porta de entrada do Sistema Único de Saúde (SUS). A proximidade da equipe de saúde com o usuário permite que se conheça a pessoa, a família, a vizinhança e as condições sociais e ambientais a que estão expostas as famílias de um determinado território. Isso garante uma maior adesão do usuário aos tratamentos e às intervenções propostas pela equipe de saúde, bem como amplia o olhar da equipe para as necessidades da população, reforçando o princípio da integralidade da APS. O resultado é mais problemas de saúde resolvidos na Atenção Primária, sem a necessidade de intervenção de média e alta complexidade em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA 24h) ou hospital. A Equipe de Saúde da Família está ligada à Unidade de Saúde da Família (USF) local. Esse nível de atenção é capaz de resolver até 85% dos problemas de saúde da população. Contudo, se a pessoa precisar de um cuidado de maior complexidade, a ESF é responsável por realizar este encaminhamento. 166 168 A Estratégia Saúde da Família (ESF) é composta por equipe multiprofissional que possui, no mínimo, médico generalista ou especialista em saúde da família ou médico de família e comunidade, enfermeiro generalista ou especialista em saúde da família, auxiliar ou técnico de enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Também há equipe de Saúde Bucal, composta por cirurgião-dentista generalista ou especialista em saúde da família, auxiliar e/ou técnico em Saúde Bucal. O número de ACS deve ser suficiente para cobrir 100% da população cadastrada, com um máximo de 750 pessoas por agente e de 12 ACS por equipe de Saúde da Família, não ultrapassando o limite máximo recomendado de pessoas por equipe. Cada equipe de Saúde da Família deve ser responsável por, no máximo, 4.000 pessoas de uma determinada área. Atividades básicas de uma equipe de Saúde da Família ● Conhecer a realidade das famílias pelas quais são responsáveis e identificar os problemas de saúde mais comuns e situações de risco. ● Executar, de acordo com a qualificação de cada profissional, os procedimentos de vigilância à saúde e de vigilância epidemiológica, nos diversos ciclos da vida. ● Garantir a continuidade do tratamento, pela adequada referência do caso. ● Prestar assistência integral, respondendo de forma contínua e racionalizada à demanda, buscando contatos com indivíduos sadios ou doentes, visando promover a saúde por meio da educação sanitária. ● Promover ações intersetoriais e parcerias com organizações formais e informais existentes na comunidade para o enfrentamento conjunto dos problemas. ● Discutir, de forma permanente, com a equipe e a comunidade, o conceito de cidadania, enfatizando os direitosde saúde e as bases legais que os legitimam. ● Incentivar a formação e/ou participação ativa nos conselhos locais de saúde e no Conselho Municipal de Saúde. Importância do Agente Comunitário de Saúde (ACS) Os ACS têm como principal atribuição realizar atividades de prevenção de doenças e de promoção da saúde, a partir dos referenciais da Educação Popular em Saúde, mediante ações domiciliares ou comunitárias, individuais ou coletivas, desenvolvidas em conformidade com as diretrizes do SUS. 167 169 Estudos de impacto indicam que a presença dos ACS tem impacto positivo na redução da mortalidade infantil e está diretamente relacionada à qualidade do atendimento realizado). Além da consulta médica e de enfermagem para redução da mortalidade infantil, salienta-se a importância do papel dos ACS no incentivo ao aleitamento materno, busca ativa das crianças com esquema vacinal em atraso ou que não foram às consultas de puericultura, incremento na adesão ao tratamento com sulfato ferroso, consumo de água potável, reforço dos aconselhamentos sobre acidente na infância e principalmente visitas domiciliares com ênfase na prevenção de negligências. POLÍTICA NACIONAL DE ATENÇÃO INTEGRADA À SAÚDE DA CRIANÇA A PNAISC reúne o conjunto de ações programáticas e estratégicas que visam garantir o pleno desenvolvimento da criança em todas as etapas do ciclo de vida, considerando as diferentes culturas e realidades, com foco na promoção da saúde, prevenção de doenças e agravos, assistência e reabilitação à saúde, e defesa dos direitos da criança desde a gestação até os 9 anos de idade O objetivo da PNAISC é promover e proteger a saúde da criança e o aleitamento materno, mediante atenção e cuidados integrais e integrados, da gestação aos nove anos de vida, com especial atenção à primeira infância e às populações de maior vulnerabilidade, visando à redução da morbimortalidade e um ambiente facilitador à vida com condições dignas de existência e pleno desenvolvimento (BRASIL, 2018). Referendada nos princípios de garantia do direito à vida e à saúde, no acesso universal de todas as crianças à saúde, na equidade, na integralidade do cuidado, na humanização da atenção e na gestão participativa, as ações da PNAISC se organizam a partir das Redes de Atenção à Saúde (RAS), com ênfase para as redes temáticas, em especial à Rede de Atenção à Saúde Materna e Infantil (BRASIL, 2018). A Atenção Básica coordena as ações do cuidado no território. VÍDEO 21 168 170 Assista o vídeo do Ministério da Saúde sobre a Política Nacional de Atenção Integrada à Saúde da Criança, para facilitar a compreensão do que vem a seguir: <https://youtu.be/rzide7nnUp0 >. Para saber mais: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/biblioteca/pnaisc/ Pré-Natal Nem toda gestação é inicialmente planejada, embora possa ser desejada. Portanto, o Pré- Natal deveria ser precedido do Planejamento Reprodutivo, oferecendo dupla proteção (prevenção da gravidez e de infecções como HIV, sífilis e outras) e pela Avaliação Pré- concepcional para o bom desenvolvimento da gestação, minimizando o impacto negativo de doenças e fatores de risco dos genitores sobre o desenvolvimento saudável da criança na Primeira Infância. Toda gestante deve iniciar o pré-natal ainda no primeiro trimestre da gestação (captação precoce da gestante) e realizar o mínimo de seis consultas do pré-natal durante a gestação, além de participar de grupos educativos e ter acesso à realização de todos os exames e vacinas deste período. O pré-natal de baixo risco geralmente é realizado nas unidades 169 https://youtu.be/rzide7nnUp0 https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/biblioteca/pnaisc/ 171 básicas de saúde. Quando há fatores de risco para a saúde do feto e/ou para a gestante (doenças sistêmicas e/ou obstétricas, condições sociodemográficas desfavoráveis etc.), o pré-natal é considerado de alto risco e a gestante é acompanhada em unidades de saúde designadas para este fim. A Caderneta da Gestante é outro potente instrumento de promoção do desenvolvimento na primeira infância, além de conter importantes registros do Pré-natal que são muito utilizados por profissionais das unidades de saúde e das maternidades. Os direitos trabalhistas, sociais, de entrega para a adoção, da situação da adolescente grávida, a vinculação a uma Maternidade para o parto, ao acompanhante durante o parto, prevenção de violência na gravidez são conteúdos deste importante documento, ao lado de informações sobre o desenvolvimento fetal, cuidados na gravidez, alimentação saudável, exercícios, sono e sexo durante a gestação. A evolução da gravidez é avaliada pelo acompanhamento da altura uterina para idade gestacional, além dos necessários cuidados como imunizações e realizações de exames laboratoriais, incluindo a ultrassonografia. A saúde bucal da gestante e o cuidado no puerpério, com incentivo à realização de primeira consulta dentro da primeira semana após o parto, também são abordadas. Caderneta da Gestante https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/agosto/31/Caderneta-da- Gestante-2018.pdf Estratégia Pré-Natal do Parceiro O Pré-Natal do Parceiro foi regulamentado pela Portaria nº 1.474, de 8 de setembro de 2017. Esta ação incentiva a paternidade ativa e consciente, além de se articular com a Saúde do Homem por meio da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH). Esta é uma ação de grande impacto, pois favorece a vinculação do pai à criança, seu apoio à mulher durante a gestação, o parto e pós parto, e o pleno exercício da função paterna. Contra a cultura dominante de exclusão do pai, o pré-natal do parceiro afirma que o pai ou companheiro não é apenas coadjuvante na gestação. Além de poder realizar exames laboratoriais e avaliar a saúde, o pai pode clampear o cordão umbilical no momento do 170 https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/agosto/31/Caderneta-da-Gestante-2018.pdf https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2018/agosto/31/Caderneta-da-Gestante-2018.pdf 172 parto, levar o recém-nascido ao contato pele a pele, incentivar a amamentação, cuidar da criança e, caso a gestação seja de alto risco, com chances do recém-nascido nascer prematuro e/ou de baixo peso, ele e a mulher podem conhecer a unidade neonatal da maternidade de referência com antecedência. Para saber mais: • Guia do Pré-natal do Parceiro https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/agosto/11/guia_PreNatal.pdf VÍDEO 22 Vídeo Pré-natal do Parceiro em: http://portalarquivos.saude.gov.br/campanhas/vivamaissus/prenatal_index.html Política Nacional de Humanização do Parto e do Nascimento (PNHPN) A PNHPN foi criada em 2003 e tem como foco a assistência centrada na mulher e na família, acesso e acolhimento à família grávida, fortalecimento e participação da mulher na tomada de decisões, proteção e promoção da gravidez e parto como processos saudáveis e fisiológicos, uso apropriado da tecnologia e práticas baseadas em evidências científicas. Com grande repercussão ultimamente, a violência obstétrica vem sendo combatida principalmente por estudos baseados em evidência e pela luta das mulheres pelo protagonismo durante o parto e ao lado do seu acompanhante, pai ou companheiro(a). A gestante tem direito ao acompanhamento pré-natal, à vinculação prévia à maternidade na qual será realizado seu parto e à maternidade na qual ela será atendida nos casos de intercorrência pré-natal, a atendimento prioritário, a indicar um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-partoimediato, a licença maternidade, inclusive em casos de adoção e direito a dois intervalos, de meia hora cada, durante a jornada de trabalho, especificamente para a amamentação (CNJ, s/d). O que diz o Marco Legal da Primeira Infância? Art. 8º do ECA, alterado pelo art. 18 do Marco Legal da Primeira Infância: É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde. 171 https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/agosto/11/guia_PreNatal.pdf http://portalarquivos.saude.gov.br/campanhas/vivamaissus/prenatal_index.html http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm#art8. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm#art8. 173 Hospital Amigo da Criança – IHAC O que é? A IHAC é um título de qualidade conferido pelo Ministério da Saúde aos hospitais que cumprem os 10 passos para o sucesso do aleitamento materno, instituídos pelo Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) além de respeitar outros critérios, como o cuidado respeitoso e humanizado à mulher durante o pré-parto, parto e o pós-parto, garantir livre acesso à mãe e ao pai (na ausência deles o responsável legal), permanência deles junto ao recém-nascido internado, durante 24 horas, e cumprir a NBCAL – Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças na Primeira Infância. Bebês que nascem em Hospital Amigo da Criança têm menos chance de sofrer intervenções desnecessárias logo após o parto, como aspiração das vias aéreas, uso de oxigênio inalatório e uso de incubadora. O contato pele a pele com a mãe logo após o nascimento, a amamentação na primeira hora de vida, ainda na sala de parto e o alojamento conjunto também ocorre com mais frequência em Hospitais Amigos da Criança do que em maternidades que não têm o título. Nascer em Hospital Amigo da Criança também faz diferença nos indicadores de aleitamento materno. A duração média do aleitamento materno exclusivo (oferta apenas de leite materno para a criança até o 6º mês de vida) em crianças que nasceram nesses hospitais foi de 60,2 dias, contra 48,1 dias em crianças que não nasceram em Hospital Amigo da Criança. A pesquisa que mostrou esses dados revelou ainda que nascer em hospitais com o título aumenta em 9% a chance de o recém-nascido ser amamentado na primeira hora de vida. Atualmente, um em cada quatro nascimentos no país ocorre em Hospitais Amigos da Criança, uma média de 725 mil por ano. Para saber mais: • Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC)portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br › atencao- mulher› i... • Iniciativa Hospital Amigo da Criança: histórico e implementação (2008) • Iniciativa Hospital Amigo da Criança: fortalecendo e sustentando a iniciativa hospital amigo da criança – um curso para gestores (2009) 172 https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/iniciativa-hospital-amigo-da-crianca-ihac/ https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-mulher/iniciativa-hospital-amigo-da-crianca-ihac/ http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/iniciativa_hospital_amigo_crianca_modulo1.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/iniciativa_hospital_amigo_crianca_modulo2.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/iniciativa_hospital_amigo_crianca_modulo2.pdf 174 • Iniciativa Hospital Amigo da Criança: autoavaliação e monitoramento do hospital (2010) Política Nacional de Aleitamento Materno Esta política visa fortalecer as diversas ações de incentivo ao aleitamento materno desenvolvidas no País, adotando como estratégia a linha de cuidado; alinhamento aos princípios e diretrizes do SUS, no contexto de consolidação das Redes de Atenção à Saúde (RAS) e indução de ações intersetoriais, a fim de garantir o direito das crianças, suas mães e famílias à amamentação exclusiva nos primeiros 6 meses de vida e continuado até os 2 anos de vida ou mais, seguindo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e Ministério da Saúde (MS). Segue essa orientação de passos para o sucesso do aleitamento: DEZ PASSOS PARA O SUCESSO DO ALEITAMENTO MATERNO: Passo 1 – Ter uma política de aleitamento materno escrita que seja rotineiramente transmitida a toda equipe de cuidados de saúde. Passo 2 – Capacitar toda a equipe de cuidados de saúde nas práticas necessárias para implementar esta política. Passo 3 – Informar todas as gestantes sobre os benefícios e o manejo do aleitamento materno. Passo 4 – Ajudar as mães a iniciar o aleitamento materno na primeira meia hora após o nascimento. conforme nova interpretação: colocar os bebês em contato pele a pele com suas mães, imediatamente após o parto, por pelo menos uma hora e orientar a mãe a identificar se o bebê mostra sinais de que está querendo ser amamentado, oferecendo ajuda se necessário. Passo 5 – Mostrar às mães como amamentar e como manter a lactação mesmo se vierem a ser separadas dos filhos. Passo 6 – Não oferecer a recém-nascidos bebida ou alimento que não seja o leite materno, a não ser que haja indicação médica e/ou de nutricionista. Passo 7 – Praticar o alojamento conjunto – permitir que mães e recém-nascidos permaneçam juntos – 24 horas por dia. Passo 8 – Incentivar o aleitamento materno sob livre demanda. 173 http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/iniciativa_hospital_amigo_crianca_modulo4.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/iniciativa_hospital_amigo_crianca_modulo4.pdf 175 Passo 9 – Não oferecer bicos artificiais ou chupetas a recém-nascidos e lactentes. Passo 10 – Promover a formação de grupos de apoio à amamentação e encaminhar as mães a esses grupos na alta da maternidade; conforme nova interpretação: encaminhar as mães a grupos ou outros serviços de apoio à amamentação, após a alta, e estimular a formação e a colaboração com esses grupos ou serviços. Para saber mais: Iniciativa Hospital Amigo da Criança: promovendo e incentivando a amamentação em um hospital amigo da Criança – curso de 20 horas para equipes de maternidade (2009) Amamentação muito mais do que alimentar a criança (BRASIL, 2010). Disponível em: VÍDEO 23 Iniciativa Hospital Amigo da Criança: https://www.youtube.com/watch?v=i31VEa--XpE MÉTODO CANGURU O que é? Em todo o mundo, nascem anualmente 20 milhões de bebês prematuros e de baixo peso (menores de 2,5kg). Destes, um terço morre antes de completar um ano de vida. No Brasil, aproximadamente 10% dos bebês nascem antes do tempo. O avanço da medicina tem possibilitado que a grande maioria consiga se desenvolver e crescer com saúde. São considerados prematuros (ou pré-termos), os bebês que vem ao mundo antes de completar 37 semanas de gestação. O Método Canguru é considerado a forma mais adequada de atenção ao recém-nascido (RN) pré-termo ou de baixo peso, especialmente àqueles que necessitaram de internação em Unidade Neonatal. A Política de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido – Método Canguru constrói uma linha de cuidado que tem início na identificação de risco gestacional no pré-natal realizado na Atenção Primária. Esse cuidado segue no pré-natal especializado e, após o nascimento, acompanha o percurso do bebê no serviço de neonatologia, seja Unidade Neonatal ou alojamento conjunto. Segue até o domicílio, quando, então, passa a ser acompanhado, se necessário, pelo ambulatório especializado e sempre pela Unidade Básica de Saúde. 174 http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/iniciativa_hospital_amigo_crianca_modulo3.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/iniciativa_hospital_amigo_crianca_modulo3.pdfhttps://www.youtube.com/watch?v=d7syGErCbc4 https://www.youtube.com/watch?v=i31VEa--XpE 176 O Método Canguru é um modelo de assistência que tem início na gravidez de risco e segue até o recém-nascido atingir 2.500 g. Dessa forma, abrange pré-natal, internação materna, parto e nascimento, internação do recém-nascido e retorno para casa. Envolve cuidado humanizado, contato pele a pele entre o recém-nascido e seus pais, controle ambiental, redução da dor, cuidado com a família e suporte da equipe de saúde. O contato pele a pele, no Método Canguru, começa com o toque dos pais em seus bebês desde os primeiros momentos da internação, evoluindo até a posição canguru. Pilares do Método Canguru: 1. Acolhimento ao bebê e à sua família. 2. Respeito às individualidades do recém-nascido e de seus pais. 3. Promoção do contato pele a pele precoce. 4. Envolvimento da mãe e do pai nos cuidados com o bebê. Vantagens: 1. Reduz o tempo de separação entre a criança e sua família. 2. Favorece o vínculo pai-mãe-bebê-família. 3. Possibilita maior confiança e competência dos pais. 4. Proporciona estímulos sensoriais positivos. 5. Melhora o desenvolvimento do bebê. 6. Estimula o aleitamento materno. 7. Favorece controle térmico adequado. 8. Reduz o risco de infecção hospitalar. 9. Reduz o estresse e a dor. 10. Melhora a comunicação da família com a equipe de saúde. Para saber mais: VÍDEO 24 Método Canguru na Atenção Básica: Cuidado Compartilhado (BRASIL, 2015). https://www.youtube.com/watch?v=zed8GTpgtag 175 https://www.youtube.com/watch?v=zed8GTpgtag https://www.youtube.com/watch?v=zed8GTpgtag 177 QualiNEO O que é? Qualificação da Assistência ao Recém-Nascido de Risco A promoção de saúde da criança e as estratégias de redução da mortalidade infantil são eixos centrais nas políticas de saúde do Brasil nas últimas décadas. No Brasil, nascem por ano, aproximadamente 3 milhões de crianças em 4.705 maternidades (públicas e privadas). Visando superar o desafio de diminuir a mortalidade neonatal o Ministério da Saúde apresenta a “Estratégia QualiNEO (EQN)”, que objetiva ofertar apoio técnico de forma sistemática e integrada às maternidades prioritárias para qualificação das práticas de gestão e atenção ao recém-nascido a fim de que possam contribuir para a redução da mortalidade infantil, em especial em seu componente neonatal. Além disto, esta estratégia pretende promover a integração dos programas estratégicos do Ministério da Saúde voltados à qualificação da assistência e redução da mortalidade neonatal, visto que hoje são ofertados e acompanhados de maneira isolada. Nessa direção, busca-se a formação e qualificação do cuidado e da gestão a partir do estabelecimento de relações colaborativas nos espaços coletivos de trabalho, promovendo interações, trocas de experiências e conhecimento. Incorporando também estratégias e instrumentos de pactuação de compromissos e corresponsabilização com as práticas sanitárias no campo materno-infantil. No mais, busca ofertar métodos de monitoramento cotidiano das práticas de atenção neonatal visando à correção de rumos de modo dinâmica e permanente. Para saber mais: portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br › qualineo ESTRATÉGIA AMAMENTA E ALIMENTA BRASIL (EAAB) O que é? A "Estratégia Nacional para Promoção do Aleitamento Materno e Alimentação Complementar Saudável no SUS – Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil (EAAB)", lançada em 2012, tem como objetivo qualificar o processo de trabalho dos profissionais da atenção básica com o intuito de reforçar e incentivar a promoção do aleitamento materno 176 https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/qualineo/ https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/qualineo/ 178 e da alimentação saudável para crianças menores de dois anos no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Essa iniciativa é o resultado da integração de duas ações importantes do Ministério da Saúde: a Rede Amamenta Brasil e a Estratégia Nacional para a Alimentação Complementar Saudável (ENPACS), que se uniram para formar essa nova estratégia, que tem como compromisso a formação de recursos humanos na atenção básica. Para saber mais: • Manual de Implementação da Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil – EAAB (2015) • NOTA TÉCNICA DE CERTIFICAÇÃO EAAB • MODELOS DE OFÍCIO DA CERTIFICAÇÃO – EAAB MULHER TRABALHADORA QUE AMAMENTA (MTA) O que é? A estratégia de Apoio à Mulher Trabalhadora que Amamenta (MTA) consiste em incentivar nas empresas públicas e privadas uma cultura de respeito e apoio à amamentação como forma de promover a saúde da mulher trabalhadora e de seu bebê, trazendo benefícios diretos para a empresa e para o país. Desde 2010, o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) orientam a implementação das salas de apoio à amamentação nas empresas por meio do Guia para Implementação de Salas de Apoio à Amamentação para a Mulher Trabalhadora. Para saber mais: • http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_implantacao_salas_apoio_amament acao.pdf • Cartilha Mulher Trabalhadora que Amamenta (2015) • Manual de Implementação da Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil – EAAB (2015) ATENÇÃO INTEGRADA ÀS DOENÇAS PREVALENTES NA INFÂNCIA (AIDPI) O que é? 177 http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/estrategia_nacional_promocao_aleitamento_materno.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/estrategia_nacional_promocao_aleitamento_materno.pdf http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/julho/03/Nota-T--cnica-Certifica----o-EAAB-2015.pdf http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/julho/03/Modelos-Of--cio-Certifica----o-EAAB-2015.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_implantacao_salas_apoio_amamentacao.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_implantacao_salas_apoio_amamentacao.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cartilha_mulher_trabalhadora_amamenta.pdf http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/estrategia_nacional_promocao_aleitamento_materno.pdf 179 A estratégia “Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância” (AIDPI) tem por objetivo diminuir a morbidade e mortalidade de crianças entre zero a 5 anos de idade, por meio da melhoria da qualidade da atenção prestada à criança por profissionais de saúde, em especial na Atenção Primária à Saúde, promovendo ações de promoção e prevenção em saúde infantil, diminuindo a mortalidade por estas doenças, não apenas investindo na sobrevivência das crianças, mas também no seu pleno desenvolvimento infantil (OPAS, 2005). A estratégia da AIDPI inclui intervenções curativas e preventivas destinadas a melhorar as práticas de saúde em unidades de saúde, em casa e na comunidade. Essa estratégia inclui três componentes principais: (1) melhoria nas habilidades de gerenciamento de casos da equipe de saúde através do fornecimento de diretrizes localmente adaptadas sobre AIDPI e atividades para promover seu uso; (2) melhoria no sistema geral de saúde necessário para o gerenciamento eficaz de doenças da infância; e (3) melhoria nas práticas de saúde da família e da comunidade. Caracteriza-se pela consideração simultânea e integrada do conjunto de doenças de maior prevalência na infância, em vez do enfoque tradicional que busca abordar cada doença isoladamente, como se ela fosse independente das demais doenças que atingem a criança e do contexto em que ela está inserida. A Estratégia AIDPI, além de propor melhor organização dos serviços de saúde, ações de prevenção de agravos e promoção da saúde, há um melhor acompanhamento do crescimento e do desenvolvimentonos primeiros anos de vida. Estes são primordiais para criarmos condições que visam garantir futuras gerações de adultos e idosos mais saudáveis. Para saber mais: • http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/julho/12/17-0056-Online.pdf • http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/julho/12/17-0095-Online.pdf • caderno do participante aidpi neonatal (2014) • quadros de procedimentos aidpi neonatal (2014) • manual do aidpi neonatal (2014) 178 http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/julho/12/17-0056-Online.pdf http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/julho/12/17-0095-Online.pdf http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2016/janeiro/21/CAD.%20DO%20PARTICIPANTE%20.pdf http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2016/janeiro/21/Manual-de-Quadros-.pdf http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2016/fevereiro/03/Manual-Aidpi-corrigido-.pdf 180 NUTRISUS – Fortificação da Alimentação Infantil com Micronutrientes em pó O que é? Lançada oficialmente em março de 2015, a Estratégia de Fortificação da Alimentação Infantil com Micronutrientes (vitaminas e minerais) em Pó – NutriSUS consiste na adição de uma mistura de vitaminas e minerais em pó em uma das refeições diárias oferecidas às crianças de 06-48 meses de idade. Os micronutrientes em pó são embalados individualmente na forma de sachês (1g). Implantada inicialmente nas creches participantes do Programa Saúde na Escola, a iniciativa tem o objetivo de potencializar o pleno desenvolvimento infantil, a prevenção e o controle da anemia e outras carências nutricionais específicas na infância. Para saber mais: • https://aps.saude.gov.br/ape/pcan/nutrisus • Prevenção e Controle de Agravos Nutricionais EXAMES DE TRIAGEM NEONATAL O que são? Todo bebê que nasce no Brasil tem direito a realizar gratuitamente quatro exames muito importantes para a sua saúde. São os chamados exames da triagem neonatal: ● Teste do Pezinho: é uma das principais formas de diagnosticar seis doenças que, quanto mais cedo forem identificadas, melhores são as chances de tratamento. São elas fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, doença falciforme e outras hemoglobinopatias, fibrose cística, deficiência de biotinidase e hiperplasia adrenal congênita. O teste do pezinho é feito gratuitamente na maternidade ou na Unidade de Saúde, entre o 3° e o 5° dia de vida do bebê. É fundamental ter atenção a esse prazo. ● Teste do Olhinho: É um exame simples, rápido e indolor, que consiste na identificação de um reflexo vermelho, que aparece quando um feixe de luz ilumina o olho do bebê. O fenômeno é semelhante ao observado nas fotografias. O “Teste do Olhinho” pode detectar qualquer alteração que cause obstrução no eixo visual, como catarata, glaucoma congênito e outros problemas – cuja identificação precoce pode possibilitar o tratamento no tempo 179 https://aps.saude.gov.br/ape/pcan/nutrisus https://aps.saude.gov.br/ape/pcan 181 certo e o desenvolvimento normal da visão. O exame constitui uma das etapas do exame físico do recém-nascido realizado pelo profissional de saúde nas maternidades até a alta do recém-nascido. Se isto não ocorrer, o exame deve ser feito logo na primeira consulta de acompanhamento ● Teste da Orelhinha: Entre os procedimentos realizados ainda na maternidade, logo após o nascimento do bebê, está a triagem neonatal auditiva ou o teste da orelhinha. Toda criança deverá ser submetida ao teste da orelhinha preferencialmente nos primeiros dias de vida (24 a 48h) ainda na maternidade, e, no máximo, durante o primeiro mês de vida, exceto em casos quando a saúde da criança não permita a realização dos exames. As crianças que apresentaram alterações nos testes deverão ser submetidas ao reteste em até 30 dias. ● Teste do Coraçãozinho: Todo bebê tem direito de realizar o teste de coraçãozinho ainda na maternidade, entre 24h a 48h após o nascimento. O teste é simples, gratuito, indolor e é feito para identificar cardiopatias congênitas críticas na criança. Consiste em medir a oxigenação do sangue e os batimentos cardíacos do recém-nascido com o auxílio de um oxímetro – espécie de pulseirinha – no pulso e no pé do bebê. Caso algum problema seja detectado, o bebê é encaminhado para fazer um ecocardiograma. Se alterado, é encaminhado para um centro de referência em cardiopatia para tratamento. Problemas no coração são a terceira maior causa de morte em recém-nascidos. Por isso, quanto mais cedo for diagnosticado, melhores são as chances do tratamento. ● Avaliação do frênulo lingual: Sugere-se que a avaliação do frênulo lingual seja realizada durante o exame físico do recém-nascido, antes da alta hospitalar (entre 24h-48h de vida do recém-nascido) por profissional de saúde capacitado que realiza assistência ao binômio mãe e bebê. Sugere-se também que o diagnóstico da anquiloglossia (língua presa) na alta hospitalar seja realizado por profissional habilitado para tal e amparado segundo o exercício legal de sua profissão. Nos casos duvidosos, preconiza-se que seja realizada, na consulta da primeira semana de vida do RN na Atenção Básica, uma avaliação minuciosa da dinâmica da amamentação. Para saber mais: Exames da Triagem Neonatal – Ministério da Saúdewww.saude.gov.br › ... › Assuntos › Saúde para Você 180 182 REDE CEGONHA O que é? Conforme estabelecido na Consolidação n° 03/GM/MS, de 28/09/2017; Anexo II – Rede Cegonha, Art. 4°: A Rede Cegonha deve ser organizada de maneira a possibilitar o provimento contínuo de ações de atenção à saúde materna e infantil para a população de determinado território (região de saúde), mediante a articulação dos distintos pontos de atenção à saúde, do sistema de apoio, do sistema logístico e da governança da rede de atenção à saúde a partir das seguintes diretrizes: I – garantia do acolhimento com avaliação e classificação de risco e vulnerabilidade, ampliação do acesso e melhoria da qualidade do pré-natal; II – garantia de vinculação da gestante à unidade de referência e ao transporte seguro; III – garantia das boas práticas e segurança na atenção ao parto e nascimento; IV – garantia da atenção à saúde das crianças de zero a vinte e quatro meses com V – garantia de acesso às ações do planejamento reprodutivo. Para tanto, a Rede Cegonha se divide em 04 componentes com ações definidas para garantia do acesso e cuidado no período perinatal. São eles: Componente pré-natal; Componente parto e nascimento; Componente puerpério e saúde da criança e Componente transporte sanitário e regulação. As ações propostas para o trabalho em rede em cada componente estão descritas na referida portaria. Princípios da Rede Cegonha: I – o respeito, a proteção e a realização dos direitos humanos; II – o respeito à diversidade cultural, étnica e racial; III – a promoção da equidade; IV – o enfoque de gênero; V – a garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos de mulheres, homens, jovens e adolescentes; VI – a participação e a mobilização social; VII – a compatibilização com as atividades das redes de atenção à saúde materna e infantil em desenvolvimento no Estado. Objetivos da Rede Cegonha: 181 183 I – Fomentar a implementação de novo modelo de atenção à saúde da mulher e à saúde da criança com foco na atenção ao parto, ao nascimento, ao crescimento e ao desenvolvimento da criança de zero aos vinte e quatro meses. II – Organizar a Rede de Atenção à Saúde Materna e Infantil para que esta garanta acesso, acolhimento e resolutividade. III – Reduzir a mortalidade materna e infantil, com ênfase no componente neonatal.