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Edu���� Zan���� T� PROBLEMA 3 - OSTEOMIELITE. 1- Compreender sobre a osteomielite: etiologia; fatores de risco; fisiopatologia; manifestações clínicas; diagnóstico; tratamento; formação do biofilme. Definição - A osteomielite é tipicamente uma infecção bacteriana do osso, mas raramente pode ser fúngica ou micobacteriana. - Osteomielite é o processo infeccioso do osso que evolui com destruição tecidual progressiva e formação de sequestros ósseos. - O “sequestro” nada mais é que um fragmento de tecido ósseo que se separa da matriz circundante e fica isolado em meio ao material necrótico/purulento. Ele funciona como um “corpo estranho”, ou seja, um elemento desvascularizado, desprovido de defesas anti-infecciosas, e que por isso acaba servindo de nicho para a formação de biofilme, dificultando a erradicação dos germes infectantes. Agentes etiológicos - S. aureus é o padrão-áureo de agente infeccioso; ele é responsável por praticamente tudo, seja fratura exposta, seja pioartrite ou osteomielite. Fisiopatologia - As osteomielites podem ter origem: (1) hematogênica; (2) por contiguidade; ou (3) por inoculação direta. ● Hematogênica: - No mecanismo hematogênico, o germe atinge o tecido ósseo após circular na corrente sanguínea (ex.: bacteremia transitória em usuários de drogas IV, bacteremia persistente na endocardite infecciosa). - 20% dos casos totais e atinge mais crianças. - Atinge ossos longos e coluna vertebral (lombar). - Em crianças geralmente atinge a placa metafisária, prejudicando o crescimento ósseo, uma vez que, o crescimento do osso se dá na metáfise (placa de crescimento). - Em adultos, a região mais acometida é a diáfise. - Febre, calafrio, dor e redução de movimentos são características marcantes da contaminação por via hematogênica. - Nem sempre é possível identificar a fonte da bacteremia, contudo, ITU, infecções cutâneas, infecções sanguíneas e endocardite estão entre as principais vias de bacteremia. ● Contiguidade: - Na osteomielite por contiguidade, a fonte microbiana é uma infecção em tecidos moles adjacentes (ex.: úlcera de pressão infectada, artrite séptica). - Representa 80% dos casos totais e acomete mais adultos. - Lesões penetrantes ou extensão direta (infecção de partes moles), ex: pé diabetico. - O diagnóstico geralmente é mais tardio e acaba se tornando uma osteomielite crônica… ● Inoculação direta: - No último subtipo, os germes são diretamente inoculados no osso por meio de trauma acidental (ex.: fratura exposta) ou iatrogênico (ex.: cirurgia, biópsia percutânea)... Patogênese - Existem locais “favoritos” para a ocorrência da osteomielite. Em crianças, ocorre, principalmente, na metáfise de ossos longos, com destaque para fêmur e, na sequência, tíbia. O trânsito sanguíneo nas arteríolas metafisárias é lento e turbulento, o que, associado às Edu���� Zan���� T� janelas no endotélio, características de crianças, favorece a ocorrência da osteomielite hematogênica nesses locais. - Em específico, nessa região, a esponjosa primária é uma área relativamente acelular, com menor ação fagocítica e, por consequência, maior suscetibilidade à infecção. - Seja qual for o mecanismo envolvido, a infecção só ocorre se houver produção, por parte do agente agressor, de fatores de adesão específicos para os constituintes da matriz óssea! - A osteomielite gera um processo inflamatório local. Os ossos possuem duas camadas principais: (1) cortical – lâminas rígidas e inextensíveis; (2) medular – osso esponjoso preenchido por gordura, sangue e/ou tecido hematopoiético. - A inflamação medular aumenta a pressão hidrostática intraóssea, devido à inextensibilidade cortical. Isso bloqueia a perfusão sanguínea regional promovendo isquemia e necrose... Instala-se, assim, um ciclo vicioso: a crescente inflamação medular favorece o surgimento de isquemia e necrose óssea, o que culmina na formação de cavidades e sequestros que, por sua vez, favorecem a persistência da infecção! Quadro clínico - É uma doença bastante heterogênea. - Existem múltiplas formas de apresentação clínica, que variam em função de fatores como a idade do paciente, seu status imunológico e o mecanismo de infecção. - O paciente adulto a osteomielite costuma ter um curso subagudo/crônico, não raro com poucas manifestações sistêmicas (ex.: leucocitose discreta ou mesmo ausente; pouca ou nenhuma febre) - Consideramos a osteomielite como aguda, se tiver menos de duas semanas de evolução; crônica, se tiver vários meses de evolução; e subaguda, nesse ínterim (não, não há um consenso sobre o período certo de meses). - O paciente, em geral, apresenta-se com dor óssea metafisária, sinais flogísticos no local, que poupam a articulação (a não ser que evolua para pioartrite), febre e alterações de provas inflamatórias e infecciosas. - A maioria dos casos não reconhecidos evolui com a formação de fístulas osteo cutâneas ao longo dos anos, o que acaba tornando o diagnóstico (tardio) evidente! - Em crianças pequenas a osteomielite costuma ser dramática, com frequência evoluindo com franca síndrome séptica (resposta inflamatória sistêmica = febre alta, calafrios, leucocitose). - Em recém-natos, até metade dos casos se acompanha da extensão do processo infeccioso para o interior da cavidade articular, num quadro de artrite séptica associada. Padrões clínicos ● Osteomielite Complicando uma Fratura Exposta: - tipo da lesão, grau de contaminação e a extensão dos tecidos desvitalizados, administração ou não de antibióticos profiláticos geram uma chance de osteomielite que varia entre 3 a 25%. - O paciente típico é um homem jovem com lesão nos membros inferiores (geralmente tíbia ou fíbula)... - Os germes mais comumente envolvidos são os estafilococos (S. aureus e estafilo coagulase-negativo) e os bacilos Gram-negativos aeróbios. - Em geral o quadro se inicia semanas a meses após o trauma, e as manifestações clínicas costumam ser discretas, sendo rara a ocorrência de eritema local, febre ou calafrios. - A suspeita desse tipo de osteomielite deve ser feita em todo paciente cuja fratura NÃO CONSOLIDA após alguns meses!!! ● Osteomielite Aguda Hematogênica: - Acontece em idosos, usuários de drogas intravenosas e portadores de cateter venoso profundo, mas o paciente típico é a criança pré-púbere. - Qualquer osso do corpo pode ser afetado, no entanto, sua localização preferencial é nas metáfises de ossos longos como o fêmur e a tíbia (às vezes a doença é multifocal)... - Na criança, as metáfises contém a placa de crescimento, sendo, portanto, regiões ricamente vascularizadas. - Traumatismos aparentemente sem importância (ex.: contusão leve em jogo de futebol) podem provocar pequenas rupturas vasculares nas metáfises de crianças pré-púberes, o que resulta na formação de um hematoma local. Se posteriormente houver um episódio de bacteremia transitória, o germe circulante pode se instalar no interior desse hematoma, gerando um quadro de osteomielite AGUDA (com dor, impotência funcional, febre alta e calafrios). - As bactérias mais envolvidas são o S. aureus e o Pneumococo. ● Osteomielite Crônica: - Menor frequente. - Resulta, em geral, da terapêutica inadequada das osteomielites, que complicam fraturas expostas… Edu���� Zan���� T� - Como a doença é pouco sintomática (ausência de febre ou calafrios), arrastando-se ao longo de anos, é clássica a evolução para um quadro de amiloidose AA. - E como sua principal manifestação clínica é a formação de fístulas osteocutâneas, também pode complicar – após décadas – com o surgimento de carcinoma escamoso no trajeto da fístula… - Radiograficamente, a maioria dos pacientes apresenta sequestros ósseos, além de uma alteração denominada involucrum (camadas sobrepostas de osso neoformado que revestem o osso subjacente). ● Osteomielite Vertebral (Espondilodiscite): - Infecção do disco intervertebral, podendo se estender para as duas vértebras adjacententes. - é a forma mais comum de apresentação clínica da osteomielite por disseminação hematogênica em adultos. - Várias fontes de bacteremia se associam,com destaque para as infecções da corrente circulatória (ex.: usuários de drogas IV, portadores de cateter venoso profundo), endocardite infecciosa, infecção do trato urinário, de pele/partes moles e do trato respiratório. Mais raramente, a espondilodiscite pode ser iatrogênica (pós--operatório de cirurgia de coluna). - quadro clinico: dor nas costas e hipersensibilidade vertebral à palpação do processo espinhoso correspondente. - Manifestações neurológicas compressivas, como parestesias ou paresias/plegias, são observadas nos casos que complicam com fratura da camada cortical da vértebra e extravasamento de pus, formando um abscesso epidural. - Os estafilococos (S. aureus e esta- filo coagulase-negativo) são os germes mais comumente envolvidos. Nos usuários de drogas IV, os principais agentes são a Candida spp. e a Pseudomonas aeruginosa. ● Osteomielite no Pé Diabético - A osteomielite que se instala no pé diabético infectado é do tipo “por contiguidade”. Por ser uma complicação comum, o diagnóstico deve ser aventado em todo paciente cuja úlcera tiver > 2 cm2 de área, ou quando o osso subjacente puder ser facilmente tocado por um instrumento pontiagudo (vale lembrar que, por conta da neuropatia periférica, o paciente raramente sente dor no pé diabético infectado)... ● Osteomielite em Situações Especiais: - Hemodiálise: esses pacientes possuem um risco aumentado de osteomielite em longo prazo em decorrência da presença prolongada de cateter venoso profundo e pela frequente manipulação de fístula arteriovenosa… a infecção geralmente é hematogênica. - Anemia falciforme, doença de Gaucher… ● Osteomielite Fúngica - pouco comum - O principal agente causador é a Candida, com relatos também de Cryptococcus, Aspergillus e Histoplasma, além dos fungos da blastomicose, coccidioidomicose e esporotricose. - vias mais comuns são a hematogênica e a inoculação direta (ex.: contaminação de fraturas expostas). - o paciente não costuma ter manifestações inflamatórias locais ou sistêmicas exuberantes… Diagnóstico - Exames laboratoriais: ➔ Marcadores de fase aguda costumam estar alterados na osteomielite. ➔ Leucograma: só está elevado em um terço dos casos! ➔ PCR: é o mais sensível, estará elevado em quase todos os casos. Eleva-se e cai mais rápido, sendo interessante, especialmente, quando se opera o paciente e fica difícil diferenciar se a elevação se deve à infecção ou ao ato cirúrgico. ➔ VHS: elevada na maioria dos casos, demora a cair. A VHS costuma ser >100mm na primeira hora (osteomielite é uma das três principais causas de VHS > 100 na prática médica, incluindo aí as vasculites e o câncer)... ➔ Hemocultura: auxilia no diagnóstico, mas, geralmente, é negativa (apenas 30% a 50% de positividade). - Diagnóstico Microbiológico: ➔ biópsia óssea: Exame mais confiável para o diagnóstico de osteomielite e o indicado para definir a antibioticoterapia. O problema é que é invasivo e sua positividade pode ser baixa (entre 50% e 70%). ➔ Sempre deve ser solicitado exame anatomopatológico para a biópsia. ➔ A análise histopatológica é feita através do desbridamento cirúrgico (padrão ouro) ou por punção percutânea guiada por imagem. Edu���� Zan���� T� - Exames de imagem - Ressonância: alterações muito mais detalhistas e apuradas. - Radiografia: alterações minimamente visíveis, pois as alterações só aparecem uma semana após a infecção. Tratamento - Todos os pacientes devem receber antibioticoterapia. - O antibiótico inicial de escolha é a oxacilina (2 g IV 6x/dia) ou Cefazolina (2 g IV 3x/dia) que deve ser endovenosa. - O medicamento deve ser, posteriormente, adequado à cultura e mantido por via endovenosa por quatro a seis semanas - É possível converter para medicamentos orais e seguimento domiciliar, de acordo com a evolução do paciente. - A avaliação da manutenção do antibiótico depende da evolução dos marcadores inflamatórios séricos. - A cirurgia pode ser evitada apenas em pacientes com osteomielite aguda e que estejam respondendo a antibióticos. Todos os outros são operados. ➔ Na cirurgia, faz-se a limpeza e o desbridamento da lesão óssea. Como isso gera espaço morto, é de praxe deixar espaçadores de cimento com antibiótico (basicamente, pérolas de cimento que devem ser retiradas após semanas a meses; existem materiais que são absorvíveis, também). ➔ Quando há um material de síntese e já houve consolidação óssea, deve-se remover o implante. Se não houve e a infecção é recente Edu���� Zan���� T� (menos de dois meses), deve-se avaliar manter o implante até a consolidação ou removê-lo e fazer uma fixação externa enquanto se trata a osteomielite. ➔ O grande problema com os materiais de implante é a formação de biofilme, uma estrutura que permite que os microrganismos resistam ao sistema imune e escapem dos antibióticos. - Por fim, não podemos esquecer o tratamento padrão associado, para auxiliar nos sintomas: analgésicos, anti-inflamatórios e repouso. Biofilme - O biofilme é uma estrutura produzida por uma população de bactérias em resposta a diversos agentes antibacterianos. Sua função é promover a sobrevivência daquela população... Trata-se de um agregado de células aderidas entre si e a uma superfície (biológica ou inerte). Estas células produzem Substâncias Poliméricas Extracelulares (EPS), como proteínas, polissacarídeos e ácidos nucleicos, as quais revestem, protegem e reforçam a coesão entre as células bacterianas e a superfície subjacente. Não se sabe exatamente como, mas o biofilme isola as bactérias da ação dos antibióticos (em alguns casos as bactérias se tornam até 1.000 vezes mais resistentes a essas drogas). Postula-se que as EPS consigam degradar e/ou “prender” as moléculas de antibiótico, deixando passar apenas nutrientes... O sistema imune do hospedeiro também não consegue eliminar os germes presentes no biofilme: as EPS impedem o reconhecimento de antígenos bacterianos pelas células de defesa, assim como evitam o contato destas com os germes “escondidos” em seu interior! Referências: ● DynaMed. Osteomielite. EBSCO Information Services. Acessado em 4 de agosto de 2024. https://www.dynamed.com/condition/osteomyelitis ● Estratégia Med 2023. ● Medcurso 2023. Edu���� Zan���� T�