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ESTE LIVRO FOI EDITADO POR FINANCIAMENTO COLETIVO
Copyright @ 2020 by André Roncaglia de Carvalho e Paulo Gala
 
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa de 1990.
Capa e Projeto Gráfico: Antonio Carlos Castro
Revisão: Valéria Palma
 
2020
Todos os direitos desta publicação reservados aos autores da
obra.
 
Paulo Gala
@PSGala1
https://www.paulogala.com.br/
 
André Roncaglia
@andreroncaglia
Índice
A quem se destina o livro
Agradecimentos
Apresentação
Apresentação
Prefácio
1. Introdução
2. O segredo da riqueza das nações está na fábrica de
alfinetes
3. Breve história da origem do pensamento
sobre desenvolvimento econômico
4. Um mundo com centro e periferia
5. Quem sai na frente costuma ganhar o
jogo industrial
6. Estruturas produtivas sofisticadas enriquecem países
7. Redes complexas são necessárias para
se produzir bens sofisticados
8. A sofisticação produtiva depende da geração e acúmulo de
ideias
9. Os países ricos têm alto conteúdo
tecnológico proprietário
10. O desenvolvimento econômico depende da ação do
estado e do mercado
11. Economias complexas são menos
desiguais
12. Erros e acertos no Brasil
13. Conclusão
Referências Bibliográficas
Lista de siglas e acrônimos
Apêndice: Manufaturas no mundo
Apoiadores
Notas do editor
Para Vitoria, Tomás e Lucas (in memoriam)
indústria
substantivo feminino
 
1. habilidade ou aptidão para realizar algo;
2. arte, destreza, perícia.
A QUEM SE DESTINA O LIVRO
 
ESTE LIVRO SE DIRIGE A INICIANTES NOS ESTUDOS DE ECONOMIA,
economistas profissionais e policy makers que se interessam pelo
tema do Desenvolvimento Econômico. O texto tem um tom
informal para incentivar o leitor a pesquisar mais sobre os temas
tratados, estimular o debate e tornar a leitura mais interessante.
As análises e discussões são simples, diretas e atuais, mas com
forte embasamento teórico e empírico, além de trazerem
recomendações de leitura adicional. O objetivo é motivar o leitor a
seguir explorando os conceitos e ideais apresentados a partir da
discussão de temas do dia a dia. Além de tratar de debates
correntes da economia brasileira e mundial, o livro aborda temas
teóricos de maneira aplicada, buscando sempre a conexão entre
teoria e prática.
AGRADECIMENTOS
 
ESTE LIVRO SÓ SE TORNOU POSSÍVEL GRAÇAS A COLABORAÇÕES e
contribuições de uma infinidade de pessoas que conhecemos e
com as quais pudemos estudar e debater ao longo de nossa vida
acadêmica. Seria impossível nomear todos e agradecer os
comentários e sugestões recebidos. Fazemos aqui uma tentativa
de listar os nomes aos quais devemos inspiração e a paternidade
de muitas das ideias discutidas no livro: Luiz Carlos Bresser-
Pereira, José Marcio Rego, Yoshiaki Nakano, Albert Fishlow, Ha-
Joon Chang, José Gabriel Palma, Luiz Gonzaga Belluzzo,
Roberto Frenkel, Lance Taylor, Erik Reinert, Jose Antônio
Ocampo, Gilberto Tadeu Lima, Mark Setterfield, Peter Skott, Raul
Cristóvão dos Santos, Jorge E. C. Soromenho, Fernando Postali,
José Francisco Gonçalves, Venilton Tadini, Luís Eduardo Assis,
Walter Appel, Ramon Garcia Fernandez, Codrina Rada, Nelson
Barbosa, Gilberto Libanio, K. S. Jomo, José Luis Oreiro, Nelson
Marconi, Fernanda Graziella Cardoso, Luciana Rosa, André Gal
Mountian, Daniel Pereira da Silva, Ivan Salomão, Marco Cavalieri,
Fábio Terra, Luiz Fernando de Paula, Lilian Furquim, Márcio
Holland, Elias Jabbour, Rogério Mori, Jhean Camargo, André
Levy, Rodrigo Medeiros, Alex Alves, Felipe Augusto Machado,
Alberto Carlos Almeida, Ligia Zagato, Fernando Ferro, Paulo
Morceiro, Fausto Oliveira, Marina Liuzzi, Rodrigo Medeiros, Luiz
Eduardo Simões, Gabriel Galípolo, Danilo Fernandes Araújo, Igor
Rocha, Guilherme Magacho, João Guilherme Machado, Eliane
Araujo, João Romero, Elton Freitas, Dominik Hartmann, Renata
Fialho de Oliveira, Wilson Andrade, Gustavo Serra, Guilherme
Klein, Pedro Luiz Aprigio, Cristiano Caris, Kaleb Menezes,
Henrique Alvarez, Allan Nacif, Patricia Albizu, Daniel Bispo, Luís
Felipe Giesteira, Uallace Moreira, Vinicius Pedote, Pietro
Parronchi e todos os nossos leitores do Blog, Twitter, Facebook e
Instagram. Sem essas pessoas este livro não seria possível.
Nosso obrigado a todos!
APRESENTAÇÃO
Luiz Carlos Bresser-Pereira
 
TERÃO RAZÃO PAULO GALA E ANDRÉ RONCAGLIA DE CARVALHO ao
afirmar no título do seu livro que o Brasil não aprende? Têm, mas
talvez fosse melhor mudar um pouco a pergunta: Por que o Brasil
deixou de aprender? De fato, entre 1930 e 1980 a nação
brasileira adotou um regime de política econômica
desenvolvimentista e foi o país que mais se desenvolveu no
mundo. Com quem aprendeu? Com os países ricos e as
revoluções industriais e capitalistas que esses países realizaram
no século XIX. Por que a nação brasileira deixou de aprender a
partir de 1990? Este livro nos dá bons argumentos para
responder essa questão. Resumo-os em uma frase: porque os
brasileiros continuaram a querer aprender com os mesmos
países ricos, que adotaram um liberalismo econômico radical e
passaram a crescer muito pouco. Outra teria sido a história
destes últimos 40 anos se tivessem se inspirado nos países do
Leste da Ásia que continuaram desenvolvimentistas, mantiveram
suas contas fiscais e suas contas externas equilibradas, não
permitindo que o Estado ou o país se endividassem, e, assim,
experimentaram um crescimento extraordinário e se tornaram
ricos.
APRESENTAÇÃO
João Sayad
 
O LIVRO DE PAULO GALA E ANDRÉ RONCAGLIA nos leva a um incrível
passeio pelo Brasil e pelo mundo dos últimos 30 anos. O trabalho
atualiza e mostra a relevância dos conceitos e ideias da antiga
Cepal para entender o Brasil e o Mundo no século XXI. Nos traz
uma visão atualizada da chamada “globalização”. Na grande
imprensa e para o público em geral, a globalização é vista como a
vitória do mercado, o resto é passado. Será que chegamos ao fim
da história? O que é globalização? Apesar de você poder
comprar vinhos franceses no armazém da esquina, o comércio de
mercadorias nos anos 1990 era ainda menor, com relação à
produção mundial, do que os níveis observados no final do século
XIX. Até o final dos anos 1920, a ampliação do comércio e
internacionalização do capital financeiro também foi muito grande.
Em 1930, o mundo passou por profunda crise de desemprego
que mudou o curso da história. No período 1945-1979, por causa
da Grande Depressão de 30 e pela ameaça comunista, o mundo
capitalista modificou a política econômica intervindo nos
mercados financeiros, regulando as relações entre capital e
trabalho, restringindo a conversibilidade das moedas e praticando
juros menores. O crescimento foi rápido, o desemprego baixo, e a
inflação, crescente. Nazismo na Alemanha, New Deal e Plano
Marshall no pós-guerra, Getúlio no Brasil. Essa fase foi superada.
A partir das ideias dos monetaristas, o mundo passou a
considerar a inflação como problema mais sério do que o
desemprego, que passou a ser considerado “natural” e cresceu
muito. Nesse mesmo período a Ásia do Leste floresceu seguindo
as mesmas políticas usadas na época de Bretton Woods e New
Deal. O Ocidente perdeu espaço, o Oriente avançou de forma
vigorosa. Hoje, Japão, Coreia e China, juntos, já são maiores do
que toda a Europa ou EUA em termos econômicos.
O Japão tem organização muito parecida com mercado, mas
muito diferente, com bancos de desenvolvimento, proteção
comercial, subsídios, oligopólios e cooperação entre empresas e
bancos. A melhor coisa dos países do Sudeste Asiático – que,
aliás, poderíamos copiar – foram os investimentos em tecnologia
e educação, que não foram determinados pelo mercado, mas
pela visão estratégica dos seus governantes e pela tenacidade
dos orientais. A China tem sido muito citada como caso de
sucesso. Soube aprender os segredos tecnológicos do Ocidente
e agora cria os seus próprios. O Brasil que já ensinou muitas
coisas ao mundo precisa agora voltar a aprender. Este livro de
Paulo Gala e André Roncaglia é uma leitura necessária para a
retomada dessa consciência no Brasil. Uma leitura indispensável
para entender nosso fracasso e os possíveiscaminhos a trilhar
para os próximos governos.
PREFÁCIO
Luiz Gonzaga Belluzzo
 
 
PAULO GALA E ANDRÉ RONCAGLIA OFERECEM AOS LEITORES
interessados um livro com um título instigante: Brasil, uma
economia que não aprende. Já na casa dos 77 anos, arrisco a
pele para sugerir que o Brasil já foi uma economia que ensinou.
Nos idos de 1978, uma missão chinesa aportou às terras de
Pindorama para observar e indagar das façanhas brasileiras na
caminhada para a industrialização e o desenvolvimento. Nesse
momento, fumegavam no Império do Meio as reformas de Deng
Xiaoping e o Brasil liderava com folga a marcha da
industrialização entre os países então ditos “em
desenvolvimento”, hoje apelidados de “emergentes”. A visita
chinesa ocorreu um ano antes do gesto americano empunhado
por Paul Volcker em outubro de 1979. A elevação da taxa de juro
pelo Federal Reserve deu impulso à “nova expansão americana”.
À sombra do fortalecimento do dólar, os Estados Unidos
impuseram a liberalização financeira Urbi et Orbi, assim como
impulsionaram a metástase produtiva para o Pacífico dos
pequenos tigres, e do Novo Dragão chinês.
No livro Os antecedentes da tormenta ousei escrever que,
em todas as etapas, o capitalismo em seu movimento engendra
transformações financeiras, tecnológicas, patrimoniais e espaciais
que decorrem da interação de duas forças: 1) o processo de
concorrência movido pela grande empresa, sob a tutela das
instituições nucleares de “governança” do sistema: a finança e o
Estado hegemônico; e 2) as estratégias nacionais de “inserção”
das regiões periféricas. As transformações que hoje observamos
são impulsionadas pelo jogo estratégico entre o “polo dominante”
– no caso a economia americana, sua capacidade tecnológica, a
liquidez e profundidade de seu mercado financeiro, o poder de
seigniorage de sua moeda – e a capacidade de “resposta” dos
países em desenvolvimento às alterações no ambiente
internacional.
É desnecessário dizer que as economias periféricas dispõem
de estruturas e trajetórias sociais, econômicas e políticas muito
dessemelhantes, o que dificulta para umas e facilita para outras a
chamada “integração competitiva” nas diversas etapas de
evolução do capitalismo. Assim, por exemplo, a trajetória de
sucesso do Brasil, até o início dos anos 1980, foi interrompida
pela crise que iria provocar o seu reiterado “fracasso” na tentativa
de se ajustar às novas condições internacionais. No polo oposto,
o fracasso chinês até os anos 1980 propiciou condições iniciais
mais favoráveis para o sucesso das reformas empreendidas a
partir de então. A globalização, ao operar nas órbitas financeira,
patrimonial e produtiva, engendrou dois tipos de regiões: aquelas
cuja inserção internacional se faz pelo comércio e pela atração do
investimento direto destinado aos setores produtivos afetados
pelo comércio internacional, e aquelas, como Brasil e Argentina,
que buscaram sua integração mediante a abertura da conta de
capitais.
Não há como compreender a trajetória da economia
brasileira nas últimas décadas sem mencionar as “visões” que
informaram as camadas dirigentes a respeito das razões da crise
da dívida externa. O mal, como sempre, foi atribuído ao
intervencionismo do Estado, ao poder dos interesses
corporativos, ao protecionismo, à “repressão financeira”, aos
obstáculos ao livre movimento de capitais. Tais dissonâncias
cognitivas nos levaram às políticas econômicas dos anos 1990.
Na esteira de um novo ciclo de liquidez internacional, o Brasil
alcançou a almejada estabilização do nível geral de preços. As
classes conservadoras e conversadoras não aprendem e – ao
contrário dos Bourbons – tampouco se lembram de coisa alguma.
Diante da pletora de dólares, passaram a salivar com intensidade
e patrocinar as visões mais grotescas a respeito das relações
entre desenvolvimento econômico, abertura da economia e
relações entre política fiscal e monetária. Aproveitaram a
abundância de dólares para matar a inflação, mas permitiram a
valorização do câmbio, sob a alegação primária (exportadora?)
de que a liberalização do comércio e dos fluxos financeiros
promoveria a alocação eficiente dos recursos. Nesta visão, os
ganhos de produtividade decorrentes das mudanças no
comportamento empresarial diante do câmbio valorizado seriam
suficientes para dinamizar as exportações, atrair investidores
externos e deslanchar um forte ciclo de acumulação.
Depois da bem-sucedida estabilização de 1994, os
“reformistas liberais” brasileiros apoiaram sua estratégia em cinco
pontos: 1) a estabilidade de preços criou condições para o cálculo
econômico de longo prazo, estimulando o investimento privado;
2) a abertura comercial imporia disciplina competitiva aos
produtores domésticos, forçando-os a realizar ganhos
substanciais de produtividade; 3) as privatizações e o
investimento estrangeiro removeriam os gargalos de oferta na
indústria e na infraestrutura, reduzindo custos e melhorando a
eficiência; 4) a liberalização cambial, associada à previsibilidade
quanto à evolução da taxa real de câmbio, atrairia “poupança
externa” em escala suficiente para complementar o esforço de
investimento doméstico e para financiar o déficit em conta
corrente; 5) o gotejamento da renda promovida pela acumulação
de riqueza na camadas superiores – auxiliada pela ação das
políticas sociais “focalizadas” – seria a forma mais eficiente de
reduzir a desigualdade e eliminar a pobreza.
Na verdade, a privatização desarticulou um dos mecanismos
mais importantes de governança e de coordenação estratégica da
economia brasileira. O setor produtivo estatal – num país
periférico e de industrialização tardia – funcionava como um
provedor de externalidades positivas para o setor privado: 1) o
investimento público era o componente “autônomo” da demanda
efetiva (sobretudo nas áreas de energia, transportes e
telecomunicações) e corria à frente da demanda corrente; 2) as
empresas do governo ofereciam insumos generalizados em
condições e preços adequados; e 3) começavam a se constituir –
ainda de forma incipiente – em centros de inovação tecnológica.
Os celebrados efeitos da privatização sobre a eficiência da
economia não se concretizaram. Senão, vejamos: 1) a indexação
das tarifas e preços das empresas privatizadas produziu um
aumento expressivo dos custos dos insumos de uso generalizado
e 2) o investimento em infraestrutura passou a correr atrás da
demanda, gerando pontos de estrangulamento; 3) as grandes
empresas “exportaram” os seus departamentos de Pesquisa e
Desenvolvimento e os escritórios de engenharia reduziram
dramaticamente seus quadros; e 4) iniciativas importantes, como
o Centro de Pesquisas da Telebras, foram praticamente
desativadas. No debate em curso sobre a situação da indústria
brasileira, há quem proclame desdenhosamente que a
desindustrialização é um “mito”. Mal sabem que a encrenca vai
além dos problemas criados pelas importações predatórias,
danosas à produção corrente e à ocupação da capacidade já
instalada. A abertura comercial com câmbio valorizado e juros
altos suscitou o desaparecimento de elos das cadeias produtivas
na indústria de transformação, com perda de valor agregado
gerado no país, decorrente da elevação dos coeficientes de
importação – sem ganhos nas exportações – em cada uma das
cadeias de produção. Para juntar ofensa à injúria, esta forma
anacrônica de abertura afastou o Brasil do engajamento nas
cadeias produtivas globais.
Com essa estratégia, o crescimento da economia brasileira
foi pífio. O investimento estrangeiro buscou as fusões e
aquisições das empresas públicas oferecidas pelo festival de
privatizações. No outro lado da cerca, a construção de nova
capacidade produtiva na manufatura deslocou-se para regiões
mais atraentes, como a China, onde as políticas cambial e
monetária favoreceram as iniciativas de política industrial e
construíram o caminho para o rápido crescimento da exportação
de manufaturados. Os dados da OMC mostram que a China
avançou velozmente na sua participação nas exportações
mundiais. Suas vendas externas evoluíramde menos de 2% em
1998 para 10,4% em 2019. A China figura em primeiro lugar no
ranking dos grandes exportadores, superando a Alemanha, o
Japão e os Estados Unidos.
A partir de 2003, ainda à sombra de uma política monetária
excessivamente conservadora, o Brasil executou uma política
fiscal prudente com queda das dívidas bruta e líquida como
proporção do PIB. A acumulação de reservas construiu defesas
para prevenir os efeitos de uma eventual crise de balanço de
pagamentos. Isto foi proporcionado por uma conjuntura
internacional excepcionalmente favorável que levou às alturas os
preços das commodities. Nas condições descritas acima, seria
desejável buscar uma combinação câmbio-juro real mais
estimulante para o avanço das exportações e para o investimento
nos setores mais dinâmicos do comércio mundial. Estes seriam
passos decisivos para a integração do país nos fluxos de
exportação e importação exigidos pela nova configuração da
indústria global.
A dilaceração das cadeias produtivas pelo “real forte” e a
estagnação dos investimentos só serão reparadas com o
aumento dos gastos na formação da nova capacidade, sobretudo
nos setores novos e intensivos em tecnologia. Isto vai demandar,
sim, o exercício do animal spirits dos dirigentes empresariais, a
centralização do capital, agora disperso em empresas sem a
escala requerida para participar do atual estágio da concorrência
global, e a elevação do gasto autônomo do Estado. O salto de
escala e tecnológico das indústrias brasileiras não vai ocorrer
sem políticas adequadas que recuperem o papel do BNDES. A
experiência chinesa demonstra que é incontornável a constituição
de um sistema financeiro formado pela interação virtuosa entre
grandes bancos comerciais públicos e privados articulado a
bancos de desenvolvimento de grande porte, rigorosamente
regulados e supervisionados, capazes de desenvolver
instrumentos financeiros destinados para o crédito de longo
prazo.
O esperado efeito “acelerador” decorrente desse arranjo vai
dinamizar os setores já existentes, cuja “proteção” não deve ser
concedida sem contrapartidas de desempenho nas exportações,
na inovação tecnológica e na substituição de importações. A
economia mundial está diante de capacidade de oferta excedente
em quase todos os setores, e isso vai tornar ainda mais acirrada
a conquista de mercados. É natural, portanto, que essas novas
relações entre investimento e comércio exigissem uma maior
flexibilidade na importação de insumos, componentes, partes e
peças. De outro lado, a abertura pura e simples às importações
não seria suficiente como fator de atração do investimento
externo, na ausência de um regime cambial e de incentivos
favorável às exportações. A abundante literatura sobre o
desenvolvimento das economias do Leste Asiático demonstra
inequivocamente que a forte promoção de exportações
antecedeu e combinou-se virtuosamente com a abertura
comercial.
A crise de 2008 acirrou a concorrência mundial na proporção
em que os mercados se contraíam. Isto deixou ainda mais
patente a fragilidade da inserção externa da economia brasileira.
Não por acaso, as medidas de incentivo tributário perdem
eficácia, neutralizadas pelo pecado original da valorização da
moeda. Isso, além de comprometer o crescimento, o equilíbrio
fiscal e a conta-corrente do balanço de pagamentos, coloca
pressão sobre a taxa de juro. Para quem tem um conhecimento
elementar dos processos de industrialização e de expansão
industrial das economias emergentes, a manutenção do câmbio
sobrevalorizado ao longo de muitos anos é um erro crasso de
política econômica que afeta negativamente a política fiscal e a
política monetária. Além dos fatores sistêmicos favoráveis como
câmbio adequado, custo de capital reduzido e infraestrutura
eficiente, a competitividade depende de certas características da
estrutura empresarial, particularmente da capacidade de inovação
em empresas com estratégias agressivas de conquista de
mercados ou da competência de redes de pequenas e médias
empresas na ocupação de nichos de mercado.
É bastante reconhecida a necessidade da intervenção do
Estado em processos que envolvam externalidades positivas e
negativas, informação assimétrica, incerteza, risco elevado e
concentração do poder econômico. Entre as externalidades
positivas estão a construção de infraestrutura e outros bens
públicos, como a geração de conhecimento científico e
tecnológico. A existência de assimetria de informação afeta
particularmente os mercados de crédito e de capitais e o mercado
de câmbio, podendo dar origem não só à alocação ineficiente de
crédito, à marginalização de pequenas empresas, bem como
ensejar episódios especulativos. A incerteza, por sua vez, além
de provocar volatilidade recorrente nos mercados de valores
mobiliários, tem, por isso mesmo, efeitos adversos sobre o
investimento produtivo, sobretudo aquele que envolve inovação.
O risco elevado inibe operações de longo prazo de maturação.
As falhas de mercado até agora analisadas recomendariam
apenas a adoção de políticas “horizontais” e minimalistas. As
condições de concorrência nas áreas mais dinâmicas da moderna
economia industrial impõem, no entanto, intervenções
estratégicas e concebidas de forma a abranger cadeias
industriais inteiras. Isso diz respeito às vantagens competitivas
construídas pelas empresas em suas relações com fornecedores
e clientes. O novo paradigma industrial vem acentuando
sobremaneira a importância destas vantagens. Entre elas,
devemos destacar: 1) processos cumulativos de aprendizado –
learning by doing – na produção flexível, no desenvolvimento de
produtos; 2) economias de escala dinâmicas (ganhos de volume
associados ao tempo e ao aprendizado; 3) estruturação de redes
eletrônicas de intercâmbio de dados que maximizam a eficiência
ao longo das cadeias de agregação de valor (economia de capital
de giro, sobretudo minimização de estoques, de custos de
transporte e de armazenagem; 4) novas economias de
aglomeração (centros de compras e de assistência técnica e
formação de polos de conhecimentos técnicos e gerenciais; 5)
economias derivadas da cooperação tecnológica e do
codesenvolvimento de produtos e processos.
A literatura relevante na área de estratégias empresariais
(Porter, Drucker) ou no âmbito da economia industrial (Dosi,
Freemann, Arcangeli, Zysman, Tyson, Malerba) reconhece o
caráter decisivo desses processos e, sem exceção, observa que
conformam um padrão de concorrência radicalmente distinto do
paradigma anterior. Este último era baseado em produção
padronizada, tecnologia codificada, escalas rígidas, aversão à
cooperação. Os autores, em sua maioria, assinalam que a
coordenação do Estado foi muito importante para acelerar a
mudança de paradigmas, particularmente nas economias que
estavam em processo de industrialização rápida. A nova
concepção de políticas industriais ou de competitividade coloca
no centro das preocupações a indução daquelas sinergias
baseadas no conhecimento e na capacidade de resposta à
informação. O novo papel do Estado deve estar concentrado na
indução da cooperação, na coordenação dos atores e na redução
da incerteza. Sua tarefa não é a de “escolher vencedores”, mas a
de criar condições para que os vencedores apareçam.
A relativa complexidade do fenômeno torna difícil sua
compreensão e comunicação no debate público devido à
disseminação de simplificações midiáticas e à partidarização das
posições em confronto. Por isso, é mais que oportuno o empenho
de Paulo Gala e André Roncaglia em construir uma exposição, ao
mesmo tempo acessível e conceitualmente rigorosa, a respeito
dos sucessos e percalços da industrialização brasileira. A
regressão industrial brasileira foi escoltada por um retrocesso de
igual intensidade no debate econômico. Contingente expressivo
de economistas conservadores empreendeu uma campanha de
desqualificação das ideias que proclamavam a importância crucial
da indústria nas economias contemporâneas. Paulo Gala e André
Roncaglia registram o fenômeno: “No Brasil e no mundo, muitos
economistas aindanão acreditam na potência da indústria para
gerar o desenvolvimento econômico. Isso se deve a um longo
engessamento intelectual na fé ingênua do espontaneísmo de
mercado e do livre comércio em promover o progresso material
das nações, bastando apenas produzir aquilo que se faz de
melhor”.
Sou obrigado a recorrer aos ensinamentos do grande
historiador Carlo Cipolla. Ele afirmou que a vida dos Homens
atravessou dois momentos cruciais: o neolítico e a Revolução
Industrial. No neolítico, os povos abandonaram a condição de
“bandos selvagens de caçadores” e estabeleceram as práticas da
vida sedentária e da agricultura. Entre as incertezas e
brutalidades da “vida natural”, tais práticas difundiram condições
mais regulares de subsistência dos povos e assentaram as bases
da convivência civilizada. Podemos afirmar que ao longo de
milênios as sociedades avançaram lentamente nas técnicas de
gestão da terra, desenvolvidas à sombra de distintos regimes
sociais e políticos e, portanto, sob formas diversas de geração,
apropriação e utilização dos excedentes.
Às vésperas da Revolução Industrial, os fisiocratas
consideravam “produtiva” somente a classe de agricultores. A
manufatura era a atividade da classe estéril que conseguia
apenas repor seus custos por meio das trocas e, assim, preparar-
se para o período de produção seguinte. A agricultura era, neste
sentido, “produtiva, ou seja, a única atividade capaz de gerar
excedente. “A Revolução Industrial”, escreveu Cipolla,
“transformou o Homem agricultor e pastor no manipulador de
máquinas movidas por energia inanimada”. A ruptura radical no
modo de produzir introduziu profundas alterações no sistema
econômico e social. Aí nascem, de fato, o capitalismo, a
sociabilidade, a urbe moderna e seus padrões culturais. A
diferença entre a vida moderna e as anteriores decorre do
surgimento do sistema industrial que não só cria novos bens e os
bens instrumentais para produzi-los como suscita novos modos
de convivência, de “estar no mundo”. Deste ponto de vista, a
indústria não pode ser concebida como mais um setor ao lado da
agricultura e dos serviços.
A ideia da Revolução Industrial como um momento crítico
trata da constituição histórica de um sistema de produção e de
relações sociais que subordinam o crescimento da economia à
sua capacidade de gerar renda, empregos e criar novas
atividades. O surgimento da indústria como sistema de produção
apoiado na maquinaria endogeniza o progresso técnico e
impulsiona a divisão social do trabalho, engendrando
diferenciações na estrutura produtiva e promovendo
encadeamentos intra e intersetoriais. Além de sua permanente
auto-diferenciação, o sistema industrial deflagra efeitos
transformadores na agricultura e nos serviços. A agricultura
contemporânea não é mais uma atividade “natural” e os serviços
já não correspondem ao papel que cumpriam nas sociedades
pré-industriais. O avanço da produtividade geral da economia não
é imaginável sem a dominância do sistema industrial no
desenvolvimento dos demais setores. Os autores do século XIX
anteciparam a industrialização do campo e perceberam a
importância dos novos serviços gestados nas entranhas da
expansão da indústria. Não há como ignorar, por exemplo, as
relações umbilicais entre a Revolução Industrial, a revolução nos
Transportes e as transformações dos sistemas financeiros no
século XIX. São reconhecidas as interações entre a expansão da
ferrovia, do navio a vapor e o desenvolvimento do setor de bens
de capital apoiado no avanço da indústria metalúrgica e da
metalomecânica e na concentração da capacidade de
mobilização de recursos líquidos nos bancos de negócios.
A história dos séculos XIX e XX pode ser contada sob a ótica
dos processos de integração dos países aos ditames do sistema
mercantil-industrial originário da Inglaterra. Essa reordenação
radical da economia exigiu uma resposta também radical dos
países incorporados à nova divisão internacional do trabalho.
Para os europeus retardatários, para os norte-americanos e
japoneses e, mais tarde, para os brasileiros, coreanos, chineses,
russos e outros, a luta pela industrialização não era uma questão
de escolha, mas uma imposição de sobrevivência das nações, de
seus povos e de suas identidades. Paradoxalmente, a
especialização de alguns países na produção de bens não
industriais é fruto da própria diferenciação da estrutura produtiva
capitalista à escala global comandada pela dominância do
sistema industrial. Este é o caso de países dotados de uma
relação população e recursos naturais favorável, como Austrália,
Nova Zelândia, Uruguai, Chile. Essa especialização decorre da
própria divisão do trabalho suscitada pela expansão do sistema
industrial.
1. INTRODUÇÃO
 
O desenvolvimento econômico é uma transformação estrutural
que leva pessoas da agricultura para a indústria e depois para os
serviços modernos, um processo conhecido como Revolução
Industrial. Trata-se, no jargão dos economistas, de uma mudança
do lado da oferta da economia ou, nos termos de Bresser-Pereira
(2014), uma sofisticação tecnológica do tecido produtivo. Países
que têm uma estrutura produtiva complexa e sofisticada têm
empresas que investem muito em pesquisa e desenvolvimento de
produtos e serviços (P&D). Empresas de países de estrutura
produtiva pobre não têm porque investir nessas áreas. O Brasil
passa cada vez mais para esse segundo grupo de economias,
uma vez que parou seu processo de industrialização no meio do
caminho. Viramos reféns do que os economistas chamam de
armadilha de renda média, um ponto em que o país esgota seu
estoque ocioso de mão de obra antes de atingir um estágio de
sofisticação produtiva mais avançado. Vale dizer, ocupamos
nossos trabalhadores em atividades de baixa produtividade,
especialmente serviços não escaláveis, agropecuária,
commodities e indústrias de baixa intensidade tecnológica.
O Brasil conseguiu avançar muito em sua transformação
estrutural até os anos 1980; chegou na metade da jornada, parou
e depois começou a regredir. Nosso sistema produtivo caminhou
no sentido de diversificação e aumento da complexidade até os
anos 2000, depois regrediu e voltou a se especializar em
produtos menos complexos. Quase conseguimos nos
desenvolver, faltou pouco. No início dos 1980 a produção
industrial brasileira era maior do que a chinesa e a coreana
somadas. Exportávamos todo ano mais do que esses dois
países, hoje ícones de sucesso de desenvolvimento econômico
no mundo. Por que paramos? Uma explicação simples: perdemos
o bonde da sofisticação produtiva mundial. Sabíamos fazer
muitas coisas, hoje não sabemos mais. A indústria brasileira
quase chegou a padrões mundiais e quase conquistou mercados
lá fora; os anos 1980 foram o ápice de nosso desenvolvimento
tecnológico relativo. Desde então, as indústrias brasileiras foram
perdendo espaço no mundo e no mercado interno e hoje somos
capazes de fazer bem menos produtos. Nossa capacidade
tecnológica está minguando. Nossa sofisticação produtiva vai
pelo ralo e a complexidade do tecido produtivo brasileiro só
diminui.
A era Vargas, depois JK, o milagre econômico e o II PND,
apesar de todos seus problemas, coroaram o salto tecnológico e
de complexidade da economia brasileira do período
desenvolvimentista. A Petrobras, a CSN, o BNDES e tantos
outros marcos do Brasil foram criados nessa fase. O plano de
metas de JK lançou as bases de infraestrutura rodoviária,
ferroviária e energética que usamos até hoje. A construção de
Brasília iniciou a integração da região central do país com o arco
litorâneo das cidades da época colonial. A exploração do Planalto
Central e hoje nossa agricultura de ponta no centro-oeste se
devem a esses passos ousados dados nessa época. Foi também
um período de excessos, com endividamento público, emissão
monetária inflacionária e desequilíbrios internos e externos. Nos
anos 1960 as importantes reformas institucionais (modernização
da lei trabalhista, reforma do sistema financeiro, criação da
correção monetária, do SFH etc.) lançaram as bases para o
crescimento do paísnas décadas subsequentes. As exportações
de produtos manufaturados cresceram a um ritmo explosivo no
milagre econômico, o crédito se ampliou fortemente. As
manufaturas brasileiras começaram a conquistar mercados no
mundo e finalmente o Brasil melhorou seu perfil exportador,
reduzindo a dependência de café e bens agrícolas. Lembremo-
nos da importância dada às exportações de manufaturas nos
1970 e da política de minidesvalorizações cambiais do ministro
Delfim Netto. Após o primeiro choque do petróleo, os militares
lançam o II PND, que logrou ainda produzir crescimento em um
período de instabilidade. Itaipu, Rodovia dos Bandeirantes, polos
petroquímicos, obras todas dessa época.
Os desequilíbrios causados pelo II PND foram ainda maiores
do que na era pós-JK. Grande parte dos investimentos foi
apoiada em estatais com dívida externa. Pagamos a conta nos
anos 1980. Essa fase ficou conhecida como a década perdida da
economia brasileira: hiper-inflação, caos monetário e financeiro.
Como mostraram Carvalho, Sampaio e Garcia (2017), houve uma
completa desorganização de nosso sistema de preços que
atrapalhou enormemente o funcionamento do sistema financeiro
e, portanto, de toda a estrutura produtiva. A crise foi
principalmente fruto de nossa dívida externa após o choque do
petróleo e choque de juros nos Estados Unidos promovido por
Paul Volcker. A reposta das autoridades brasileiras foi mais
fechamento do país para economizar divisas externas. Passamos
por fuga de capital, calotes na dívida externa, grandes
desvalorizações cambiais, inúmeras trocas de moedas e corte de
zeros, um verdadeiro caos econômico e financeiro. Tudo isso já
sabemos. O aumento de protecionismo gerou mais ineficiência
nas empresas domésticas e a resposta para o Brasil no final dos
anos 1980 passou a ser: abertura econômica e estabilização do
sistema de preços. Na década de 1990 iniciamos uma nova
transição econômica. A abertura da economia, o controle da
inflação, a privatização, uma melhora fiscal e novos marcos
regulatórios prepararam o país para um novo ciclo de
crescimento. O período que vai de 1990 até 1999 ficará na
história como uma grande fase de ajustamento com crescimento
baixo, mas importantes reformas institucionais da economia
brasileira. O paralelo aqui com os anos 1960 é evidente.
Adiantou? Um outro lado menos apreciado de nossa
economia nessa época foi a capacidade de aprender a produzir
coisas, produtos que hoje não sabemos mais fazer. O Brasil
avançou muito em termos de capacidades produtivas locais
desde os anos 1960. Nos anos 1980, a economia brasileira
atingiu seu auge em termos de sofisticação produtiva. Éramos
capazes de produzir muito do que existia no mundo: cilindros de
mergulho, prensas, carros, motos, motores, turbinas,
computadores etc., tudo com ineficiência e alguma precariedade,
mas sabíamos produzir ainda que de modo incipiente. A Gurgel e
várias outras marcas brasileiras produziam carros
domesticamente. A Mafersa foi a maior fabricante nacional de
material ferroviário do Brasil, produzia vagões, caminhões-
betoneira, usinas de concreto, caminhões-basculantes etc. A
Engesa produzia tanques de guerra e veículos de combate. A
Villares S/A, hoje uma mera subsidiária da austríaca Voestalpine
AG, foi um grupo industrial riquíssimo, desenvolvendo motores,
elevadores e escadas rolantes por sua subsidiária Atlas
Elevadores. Produzia máquinas e equipamentos pesados
fazendo frente, em alguns segmentos, a Caterpillar, Komatsu e
John Deere. E tantas outras incríveis empresas brasileiras do
passado.
A Engesa é um belo exemplo da excelência de engenharia
que foi cultivado no Brasil nos anos 1960 e 1970 e morreu nos
anos 1980. Em 1958, a empresa foi criada por José Luiz Whitaker
Ribeiro. Em 1968, produzia componentes para a exploração de
petróleo para a Petrobras. Ao ter seus caminhões enfrentando
estradas de terra e barro para chegarem ao destino no litoral,
desenvolveu uma caixa de transferência com tração especial,
depois aplicada com sucesso em seus veículos nacionais. Em
1970 o Exército brasileiro passou a usar seus veículos. O Osório,
tanque de guerra produzido pela empresa, foi um dos primeiros
do mundo a usar um computador de 21 bits embarcado com um
giroscópio integrado, produção 100% nacional, que conseguia
andar e manter a mira no seu alvo. Os tanques americanos
tinham que parar para mirar e atirar; o Osório tinha uma
vantagem tecnológica ímpar. Na época, estavam em
desenvolvimento os blindados Cascavel e Urutu. A Engesa
aceitou associar-se ao projeto e em 1974 a empresa foi capaz de
vender à Líbia o blindado Cascavel, com canhão de 90
milímetros. Começou a exportar e em poucos anos vendeu este
blindado a 18 países do Oriente Médio, África, América do Sul e
Mediterrâneo. Ampliou sua produção para vários tipos de
modelos, mas não conseguiu sobreviver às fortes instabilidades
econômicas dos 1980. Em 1990 a empresa entra em concordata.
Em 1995 decretou-se a falência da Engesa. Todo o material do
acervo tecnológico e bélico foi transferido para a fábrica de
Piquete, na região de São José dos Campos. Em 2005, essa
fábrica foi vendida à Embraer. O acervo tecnológico do jipe
Marruá foi incorporado pela empresa Agrale e segue em
produção até hoje.
 
Da indústria para o Uber no Brasil
 
Na abertura comercial e estabilização dos anos 1990 a maioria
dessas empresas com grande acervo tecnológico brasileiro
quebrou. Perdemos milhares de capacidades produtivas que
poderiam ter sido desenvolvidas para conquistar o mundo;
jogamos o bebê fora junto com a água do banho. A ancoragem
cambial da era FHC e Gustavo Franco controlou nossa inflação,
mas desferiu um golpe quase mortal em nossas indústrias
domésticas. A economia brasileira “desaprendeu”, nossa
estrutura produtiva regrediu e perdemos enorme espaço para
nossos concorrentes do mundo emergente, especialmente no
Leste Asiático, China e Coreia do Sul. Controlamos a inflação,
reduzimos as tarifas e nos abrimos para o exterior. Tudo isso a
um custo altíssimo de sobrevalorização cambial e altíssimas
taxas de juros. Matamos nossa própria complexidade econômica,
sofisticação produtiva e capacidades técnicas. O que temos hoje?
Inflação baixa e regressão tecnológica e produtiva. Joseph Stiglitz
mostra em seu livro Creating a learning society (Stiglitz e
Greenwald, 2014) a importância das capacidades produtivas
locais para gerar desenvolvimento econômico e prosperidade,
algo que os economistas desenvolvimentistas e estruturalistas
sempre souberam e defenderam. Nossas capacidades
tecnológicas foram sendo perdidas principalmente para a Ásia do
leste ao longo do tempo. Nossa sofisticação produtiva se perde a
cada dia e, com ela, vão embora “bons” empregos e o principal
meio de transformar conhecimento, educação e capital humano
em produtos, serviços e renda. Na atual tendência, restará no
país um pequeno setor de serviços altamente sofisticado e
complexo e alguma produção industrial inseridos em um mar de
empregos de serviços não sofisticados, uma economia dual,
como veremos.
Em interessante trabalho, McMillan, Rodrik e Verduzco-Gallo
(2014) mostram como a rodada de abertura comercial e melhora
institucional ocorrida na América Latina e África dos anos 1990
acabaram por não produzir o resultado esperado de aumento da
produtividade agregada dos países dessas regiões. O argumento
e as evidências empíricas mostradas por Rodrik no trabalho são
relativamente simples de se entender. O pequeno aumento de
produtividade promovido dentro das empresas sobreviventes foi
bem menor do que a transferência de trabalhadores de setores
de alta produtividade (indústria e serviços empresariais) para
setores de baixa produtividade intrínseca. Os trabalhadores da
América Latina e África saíram de empregos de manufaturas e
serviços relativamente sofisticados e foram parar em serviços não
sofisticados (varejo, restaurantes, padarias, cabeleireiros etc.). Os
autores mostram que o movimento oposto ocorreu na Ásia,
dinâmica que ganhou enorme produtividade com a transferência
de trabalhadorespara os setores “certos”. Rodrik critica as
análises microeconômicas feitas para Brasil e outros países de
América Latina e África por não responderem a questão mais
importante de todas: onde foram parar os trabalhadores que
foram demitidos das empresas sobreviventes (para não
mencionar a grande maioria das empresas que sumiu)? Rodrik
responde: no setor de serviços não sofisticados. Houve regressão
tecnológica e produtiva. Na Ásia, a “abertura” funcionou, na
América Latina e África não. Os dados empíricos que Rodrik
mostra são avassaladores. No Brasil, a abertura comercial
produziu aumento de produtividade dentro dos setores existentes
mas destruiu setores produtivos e dinâmicos e várias de nossas
capacidades produtivas, ainda que incipientes.
No início da era Lula, a indústria brasileira passou por um
renascimento e boom de produção a partir de 2003. A primeira
fase do governo foi caracterizada por forte expansão e
exportação de manufaturas graças ao câmbio muito
desvalorizado do final de 2002 e o forte impulso de demanda
interna que veio com a expansão do crédito. A segunda fase do
governo Lula e todo o governo Dilma, por outro lado, se
caracterizaram por grande expansão das importações de bens
manufaturados e retração das manufaturas na pauta de
exportação. A crise mundial de 2008 interrompeu a bonança de
crescimento externo e cortou a demanda mundial por
manufaturas. A resposta expansionista do governo da China à
crise causou explosão do preço de commodities e reforçou a
trajetória de apreciação da moeda brasileira, que já vinha com
força desde 2006. Até 2007, a indústria brasileira conseguiu
acompanhar o boom de demanda aumentando a produção, ainda
na esteira da desvalorização cambial de 2002. A partir da crise de
2008, a nossa indústria sucumbiu à concorrência internacional,
aos aumentos de custo de produção em reais, principalmente
salários, e à forte apreciação da taxa de câmbio nominal e real. A
expansão de PIB observada após 2008 foi toda baseada em
serviços. A demanda interna por bens industriais passou a ser
suprida por importações. Sem estímulos para produzir
domesticamente por conta do câmbio muito apreciado e sem
condições de se lançar na competição mundial, o empresário
industrial brasileiro passou a ser importador, montador
(maquilador) ou simplesmente encerrou seu negócio. Houve
enorme perda de sofisticação produtiva da economia brasileira
pós-2010. Houve desindustrialização e reprimarização da pauta
exportadora, com avanço das commodities. Em 2014, por
exemplo, cinco produtos responderam por quase 50% das
exportações brasileiras: ferro, soja, açúcar, petróleo e carnes.
Desde a abertura comercial dos 1990, as indústrias
brasileiras ficaram viciadas em nosso mercado interno. O que
deveria ter sido uma catapulta para conquistar o mercado
mundial, como fizeram os asiáticos, virou fim em si mesmo. As
apreciações cambiais da era FHC e da era Lula reforçaram o
sinal da produção para abastecer o mercado nacional e tiraram o
ímpeto exportador de nossas empresas. A implosão da economia
brasileira em 2015 arrastou nossa indústria (que já vinha se
arrastando) para o buraco. O desaparecimento do crédito e da
demanda interna tiveram efeitos diretos e violentos na produção
doméstica de carros, motos, caminhões, móveis,
eletrodomésticos, bens de consumo em geral, matérias da
construção civil, aço, entre outros. Nossa produção industrial
colapsou com queda de 20% entre 2014 e 2016. Na era Lula e
Dilma, a alavancagem de crédito (imobiliário e não imobiliário)
provocou um boom de consumo e um boom de construções
imobiliárias, resultando em grande aumento de endividamento e
oferta de imóveis. Os investimentos foram primordialmente
direcionados para o setor de bens non-tradables (prédios
comerciais, residenciais e shopping centers).
As desonerações de impostos da era Dilma agravaram o
problema injetando demanda agregada e complicando a situação
de contas públicas. O represamento de preços administrados
como energia, gás e gasolina contribuiu na mesma direção. Em
2015, essas políticas foram revertidas de forma brusca e a bolha
que já vinha desinflando estourou. O choque de juros, o
realinhamento de preços livres e administrados e a forte
desvalorização cambial, também decorrente do estouro da bolha
de commodities, deram o tiro de misericórdia na atividade
econômica e estouraram a bolha de crédito e consumo no Brasil.
A grande maioria dos empregos gerados nesses anos foi em
setores com baixa produtividade intrínseca: construção civil,
serviços não sofisticados em geral (lojas, restaurantes,
cabeleireiros, serviços médicos, call centers, telecom etc.),
serviços de transporte (motoristas de ônibus, caminhões e táxis),
entre outros. Os empregos industriais ficaram estagnados e
depois de 2015 mergulharam (para uma ótima análise desse
período, ver Carvalho, 2018). Nossa indústria entrou em
estagnação e, depois de 2015, mergulhou para uma queda de
US$ 100 bilhões de produção industrial em relação a 2014. O
Brasil passa hoje por um dos maiores processos de
desindustrialização em valores absolutos do mundo (para uma
análise crítica das políticas industriais da era Lula e Dilma, ver
Machado, 2019).
Em face desta tendência, costuma-se dizer agora, no Brasil,
que “o engenheiro virou motorista de Uber”. É cada vez mais
comum encontrar motoristas de Uber e táxi que vieram do setor
industrial brasileiro; muitos vêm também do setor derivado de
serviços empresariais (marketing, design, TI, logística, finanças).
O efeito da destruição do tecido industrial e produtivo do Brasil é
visível a olhos nus. Viramos a economia das padarias, dos
cabeleireiros, das manicures e dos lojistas de shopping: serviços
não escaláveis, sem produtividade, sem desenvolvimento
tecnológico. A indústria brasileira que já chegou a representar
quase 25% do PIB caiu para 10% em 2018. Países como Coreia
de Sul, Japão e Alemanha têm ainda hoje setor industrial na casa
de 25% do PIB. Tailândia e China chegam a 30% de indústria no
PIB. Na Índia, Vietnã, Turquia e países do Leste Europeu, o setor
industrial segue conquistando espaço. Até mesmo países que
desenvolveram muito o setor de serviços sofisticados como EUA,
Canadá e Austrália, com renda per capita na casa de US$ 50 mil,
têm indústria que representa 10% do PIB, mas em termos de
renda per capita têm produção industrial de 3 a 4 vezes maior do
que a brasileira; tanto EUA quanto Austrália quando mais pobres
já tiveram mais de 20% do PIB em indústria (ver apêndice
estatístico).
O Brasil se desindustrializou antes de ficar rico. Claro que
nosso setor agropecuário e minerador são potencias, mas por si
só serão insuficientes para trazer desenvolvimento econômico ao
Brasil. Todas potências agrícolas no mundo são também
potências industriais. A mineração e a agropecuária nunca
representam mais do que 10% do PIB de qualquer país rico, e
empregam em média somente 5% das pessoas em idade de
trabalhar. Países muito pobres têm contingentes enormes de
pessoas ainda na agricultura de subsistência não produtiva,
muitas vezes acima de 25% da força de trabalho. No mundo todo,
50% dos empregos está concentrado em serviços não escaláveis
que têm baixa produtividade. A diferença entre países ricos e
pobres está nos outros 50%; quanto mais pessoas trabalhando
em indústrias medium e high tech e serviços empresariais
escaláveis, mais próspera a nação. Países ricos produzem
serviços sofisticados como Uber, Netflix e Amazon; nós dirigimos
Uber, assistimos Netflix e compramos na Amazon.
Veremos neste livro que Eugênio Gudin estava errado ao
defender nossa vocação agrícola como o caminho para o
enriquecimento, e que Roberto Simonsen estava correto ao
destacar a importância da indústria (Simonsen e Gudin, 2010). Ao
desenvolver seu potencial produtivo, países vão aprendendo a
fazer produtos mais sofisticados e complexos. Os bens
industrializados e serviços sofisticados são mais ricos em
conteúdo tecnológico e demandam mais capital humano em sua
produção. Em geral, são feitos com máquinas modernas e têm
economiasde escala e escopo que trazem mais produtividade;
quanto mais se produz, menor é o custo unitário de produção e
maiores podem ser os lucros e salários envolvidos no processo
produtivo. As empresas que produzem esses bens conquistam,
via patentes, marcas e conhecimento proprietário, poder de
monopólio, e conseguem influenciar os preços nos mercados
onde vendem seus produtos. Seus trabalhadores encontram,
portanto, empregos com melhores condições de aproveitamento
intelectual e menor esforço físico.
Quem estuda e obtém um diploma encontra oportunidades
que recompensam o esforço de assimilar conhecimentos novos e
de melhorar o ambiente em que vive. Além disso, as pessoas
consomem mais e melhor e tornam rentáveis os negócios que
dão oportunidades a outras pessoas esforçadas e talentosas. É
uma rede de relações mútuas que nutre uma vida econômica e
social mais sofisticada e mais rica, em todos os sentidos, para
todos os envolvidos. Quanto mais inteligência é aplicada ao
processo produtivo, menor é o desgaste físico e mental, menor é
o desperdício (de esforço inclusive), menor é a poluição e
menores são os malefícios à qualidade de vida dos que habitam o
nosso planeta. Por isso, o desenvolvimento é uma força inclusiva
que coloca na equação não só o bem-estar humano, mas o de
todas as espécies que habitam o planeta. Pensar o
desenvolvimento econômico no Brasil e no mundo não é um luxo.
É uma necessidade.
No Brasil e no mundo, muitos economistas ainda não
acreditam na potência da indústria para gerar o desenvolvimento
econômico. Isso se deve a um longo engessamento intelectual na
fé sobre a capacidade do mercado e do livre comércio em
promover o progresso material das nações. No entanto, após o
incrível sucesso recente da China e dos países do Leste Asiático,
com suas políticas industrialistas e dirigistas, essa mentalidade
está mudando. Abre-se agora a oportunidade para uma revisão
crítica dessa perspectiva liberal ingênua e uma busca por
alternativas recorrendo a antigas receitas, mas em novos moldes.
As novas políticas de promoção industrial na Alemanha, França,
Reino Unido, Estados Unidos e de outros países ricos mostram
que o ocidente acordou em relação à China e às suas próprias
estratégias de sucesso no passado. Rodrik e Aiginger (2020)
fazem um importante levantamento da nova literatura que surge
no mundo para explicar a importância da indústria, o papel da
política industrial no desenvolvimento econômico e o sucesso do
Leste Asiático. Nessa onda, importantes economistas
estruturalistas no mundo e no Brasil voltaram a ganhar força. Nas
páginas que seguem exploramos essas ideias em detalhe,
trazendo contribuições recentes para nos ajudar a pensar o
Brasil. A boa notícia é que o conhecimento teórico e empírico
sobre o tema melhorou muito e pode agora nos ajudar com novas
perspectivas para entendermos o empobrecimento da sociedade
brasileira. Este breve livro explora essas ideias de maneira
simples e didática com o objetivo de tentar contribuir com o
debate sobre o tema no Brasil.
2. O SEGREDO DA RIQUEZA DAS NAÇÕES ESTÁ NA FÁBRICA DE ALFINETES
 
O processo de desenvolvimento sempre intrigou os economistas.
Pensadores do passado como o italiano Antonio Serra, de
Nápoles, no início do século XVII; John Cary, de Bristol, no final
do século XVII; ou Duarte Ribeiro de Macedo, de Portugal, na
mesma época se indagavam sobre o que fazer para acelerar o
progresso do reino e alcançar riqueza para todos. Veneza se
tornou poderosa aos olhos de Antonio Serra porque conseguiu
criar um cluster de indústrias, inovação, aprendizagem, comércio
e pessoas qualificadas, num processo de “cumulação causativa”.
Estes fatores juntos colocaram Veneza numa trajetória diferente
daquela em que Nápoles se encontrava. Para Serra, Nápoles
com sua estrutura agrária não seria capaz de resolver seus
problemas econômicos sem criar uma base produtiva semelhante
à de Veneza. Para o embaixador português em Madri, Duarte
Ribeiro de Macedo, a pobreza de Portugal nos anos 1600 estava
relacionada à ausência de manufaturas e indústrias no Reino (o
termo usado na época era artes); um pouco disso se observava
na Espanha, que perdeu suas manufaturas da região de Segóvia
para outros países. Para Duarte Ribeiro de Macedo, o atraso de
Portugal estava ligado à ausência de processos produtivos mais
sofisticados como o que se via nas manufaturas inglesas e
holandesas. John Cary, grande comerciante de Bristol, explicou a
dinâmica das manufaturas da Inglaterra em seu belíssimo livro de
1695 An essay on the state of England in relation to its trade, its
poor, and its taxes, for carrying on the present war against France
(Cary, 2010). Muito antes de Adam Smith ter escrito o livro A
riqueza das nações que se tornou clássico, esses economistas já
estudavam a questão da riqueza e da pobreza das nações, que
perdura até hoje e continua inflamando corações e mentes.
A divisão do trabalho, “causa do aprimoramento das forças
produtivas”, aparece na obra de Smith (2003) como um dos
pilares do avanço produtivo e, portanto, dos ganhos de
produtividade. O famoso exemplo da fábrica de alfinetes mostra
em detalhe como a especialização produtiva e a divisão de
tarefas traz ganhos de produtividade. Para Adam Smith, a divisão
do trabalho encontrada nas manufaturas era da maior importância
para explicar os aumentos de produtividade dos trabalhadores
devido a três motivos: I) aperfeiçoamento e aumento de
habilidade decorrente da concentração em uma única atividade,
destreza, nas palavras de Smith, II) economia de tempo relativo a
mudanças de local e de atividades em casos de divisão do
trabalho, e III) mecanização do processo produtivo ou utilização
de máquinas inventadas pelos trabalhadores, fabricantes de
máquinas e “filósofos”.
Smith fornece contas específicas para as fábricas de
alfinetes que visitou e conjectura que um trabalhador sozinho
talvez fosse capaz de produzir uns 20 alfinetes por dia, ou talvez
até mesmo um só por dia se tivesse que conduzir o processo do
começo ao fim. Enquanto numa pequena fábrica de alfinetes com
10 pessoas, graças ao processo integrado de produção e a
grande divisão do trabalho, um trabalhador era capaz de produzir
até 4.800 alfinetes por dia na média. Uma produtividade individual
monumentalmente maior do que no caso de produção sem
divisão do trabalho. Smith menciona que as atividades não são
neutras do ponto de vista de potencial de geração de divisão do
trabalho; algumas atividades são mais propícias, outras menos.
Serviços não sofisticados, agricultura e recursos naturais tendem
a promover menor divisão do trabalho, como veremos adiante.
 
Divisão do trabalho e retornos crescentes de escala
 
Manufaturas e produtos mais complexos apresentam maior
potencial de promoção de especialização produtiva e divisão do
trabalho dentro das empresas e entre as empresas. Bens
produzidos em grandes redes geram maiores oportunidades de
ganhos de produtividade. Logo, os ganhos “smithianos” de
produtividade não são setor neutro, dependem do tipo de
atividade produtiva desenvolvida no espaço econômico em
questão. A fábrica de alfinetes de Adam Smith era, antes de mais
nada, uma fábrica. Segundo Smith (2003, p. 42-43), “a natureza
da agricultura não comporta tantas divisões do trabalho, nem uma
diferenciação tão grande de uma atividade para outra, quanto
ocorre nas manufaturas”. Ou ainda: “As nações mais opulentas
geralmente superam todos seus vizinhos na agricultura como nas
manufaturas: geralmente, porém, distinguem-se mais pela
superioridade na manufatura do que na agricultura”. No jargão
atual, manufaturas exibem em geral retornos crescentes de
escala, agricultura não. O setor industrial se destaca por sua
complexidade; de todos os subsetores produtivos é o que mais
exerce efeitos de encadeamento para frente e para trás sobre os
outros subsetores e em seu próprio subsetor. Isso ocorre porque
a indústria de transformação demanda insumos e oferta produtos
de e para todos os demais setores da economia, como também
porque os elos entreos setores produtivos dentro da indústria são
mais densos. Movimentos de expansão ou contração no setor
manufatureiro afetam mais o conjunto da economia do que
impulsos observados fora desse setor.
Até o final dos anos 1980, era relativamente consensual
entre economistas das mais variadas linhagens teóricas a
premissa de que a possibilidade de mecanização e
especialização é maior na indústria do que em outros setores por
conta da maior possibilidade de divisão do trabalho intraindústria
e entre a indústria e outros setores. Este consenso foi alcançado
após uma longa história de contribuições teóricas que foram
refinando o nosso entendimento sobre a importância dos
processos de sofisticação produtiva que a experiência histórica
da manufatura tão claramente encarnava. Assim, os insights
originais de Adam Smith sobre as manufaturas e a fábrica de
alfinetes foram ampliados no trabalho de Allyn Young, Divisão do
trabalho e retornos crescentes, nos anos 1920, e também
elaborados no pensamento austríaco de Eugen von Böhm-
Bawerk; por isso, para alguns austríacos inspirados por este
autor, o setor industrial também é chave. Na vertente keynesiana
preocupada com o crescimento de longo prazo, Nicholas Kaldor
partiu dos trabalhos de Allyn Young e da divisão do trabalho
dentro das empresas e entre as empresas para destacar a
importância dos retornos crescentes de escala na indústria.
Essa característica da indústria e das possibilidades de divisão do
trabalho ficaram conhecidas entre os seguidores da escola
austríaca como as economias de “produção indireta”
(roundaboutness), que diz o seguinte: se o Robinson Crusoé
estiver sozinho numa ilha, vale mais a pena gastar tempo fazendo
um barco e uma vara de pesca do que sair nadando para pescar
peixes. Ou seja, se ele dividir a tarefa de pesca e “mecanizá-la”
será bem mais produtivo do que se sair a nado para pescar.
Nessa linha, Allyn Young destacou a importância da cooperação
entre as etapas de produção (ou roundaboutness) que Smith tão
bem sacou e Böhm-Bawerk aprofundou. As atividades industriais
são as mais propícias para se aplicar o roundaboutness (divisão
do trabalho, especialização e mecanização) e, portanto, são o
motor da produtividade de uma economia.
Este foi um assunto explorado e discutido com bastante
detalhe a partir dos trabalhos de Nicholas Kaldor e Gunnar Myrdal
nos anos 1960 e 1970. Para os autores heterodoxos, o objeto
adequado da análise econômica não era a alocação ótima de
recursos escassos, como defende a abordagem neoclássica (ou
ortodoxia). Ao contrário, a economia se ocupava de compreender
como se dá a produção destes recursos ao longo do tempo.
Afinal, como disse Keynes certa vez, o economista é o guardião
das possibilidades materiais da sociedade. A história da
economia real revelava a luta da humanidade para fugir das
limitações impostas pela natureza e não sua submissão “ótima”
às escassezes que enfrentava. Por isso mesmo, Karl Marx havia
definido a economia política como a “histórica crítica da
tecnologia”, muito embora o tenha feito apenas numa nota de
rodapé de sua obra magna O Capital. A industrialização revelou
como nenhuma outra invenção humana a determinação da nossa
espécie de fugirmos das desvantagens comparativas
evolucionárias a que Thomas Malthus nos havia sombriamente
sentenciado.
Desde os primeiros capítulos da Revolução Industrial no
século XVII, a manufatura expunha os efeitos de realimentação
positiva do investimento, ocasionando processos
desestabilizadores e cumulativos de crescimento da capacidade
produtiva, com amplos poderes de difusão sobre vastas áreas do
conhecimento técnico e produtivo da humanidade. Por isso,
economistas interessados na dinâmica da produção entendiam
que o investimento em capital produtivo trazia incorporado em si
o progresso técnico. Este último era uma espécie de
externalidade positiva, na medida em que potencializava
simultaneamente a produtividade do capital e do trabalhador que
operava agora uma máquina mais sofisticada. Daí nasce a
chamada Lei de Kaldor-Verdoorn (Oreiro, 2016), que estabelece
uma relação entre a taxa de crescimento do estoque de capital e
a taxa de crescimento da produtividade do trabalho. No plano
mais geral, este era o segredo ao qual as nações avançadas
chegaram antes: ao aproveitar os retornos crescentes à escala,
seus efeitos amplificaram as diferenças com relação àqueles
setores, regiões e países que mantiveram sua produção pouco
indireta e pouco sofisticada. O problema central não era tanto
entender estes mecanismos, mas sim como operar uma mudança
tão profunda e abrangente na matriz estrutural das economias
atrasadas. Isso nos leva ao problema central da economia do
desenvolvimento e as alternativas que os intelectuais pioneiros
neste campo ofereceram.
 
Desenvolvimento balanceado ou desequilibrado?
 
A primazia da indústria como motor do desenvolvimento pode ser
facilmente observada nas economias mundo afora a partir da
análise das matrizes insumo-produto de cada país. Desenvolvida
por Wassily Leontief nos anos 1950, esta metodologia abriu o
caminho para a exploração dos mecanismos ocultados pelo véu
dos agregados macroeconômicos. Esta ferramenta permitiu
significativos avanços na programação econômica, de forma a
permitir a identificação dos setores mais dinâmicos da economia
e com efeitos indutores mais fortes sobre o dinamismo dos outros
setores da economia. As matrizes insumo-produto oferecem uma
visão “anatômica” e “fisiológica” da estrutura produtiva de um
país. Trata-se de uma forma de visualização das
interdependências produtivas internas à economia. Com ela,
podemos saber quanto um setor é importante para que a
produção de outro seja viável. Por exemplo, um aumento na
produção agrícola pode aumentar a demanda pelo setor de
transportes, o qual eleva a demanda dos setores produtores de
pneus, de combustíveis, de serviços mecânicos e assim por
diante. O desenvolvimento deste tipo de análise ofereceu um
suporte empírico importante para os economistas preocupados
com a heterogeneidade estrutural das economias atrasadas, que
se manifestava em uma rígida dualidade que fazia coexistirem
setores de alta produtividade com setores de baixíssima
eficiência. Devido à sua preocupação com as “estruturas”, estes
economistas foram rotulados de “estruturalistas”, os quais se
dividem em duas tradições de pensamento econômico: uma
europeia e a outra latino-americana.
Na linhagem europeia, Paul Rosenstein-Rodan, Ragnar
Nurkse, Arthur Lewis, H. Singer, Albert Hirschman, Gunnar Myrdal
e Hollis Chenery formam o grupo de pensadores econômicos
associados ao estruturalismo original ou pioneiros da teoria do
desenvolvimento. Estes pensadores definem o desenvolvimento
econômico como uma transformação radical na estrutura
produtiva das economias no sentido de sofisticação do tecido
produtivo. Assim, a Economia do Desenvolvimento trata dos
mecanismos econômicos, sociais, políticos e institucionais,
públicos e privados, necessários para promover melhorias
persistentes no bem-estar social das economias retardatárias. Em
essência, a preocupação deste campo de pesquisa foca a
mudança estrutural como parte essencial desse processo de
descoberta e aproveitamento do potencial produtivo de um país
sem perder de vista a centralidade dos mecanismos distributivos
que acompanham a sofisticação produtiva.
Com base na hipótese de que a estrutura produtiva industrial de
um país afeta tanto o ritmo quanto a direção do desenvolvimento
econômico, a literatura estruturalista destaca a importância da
mudança estrutural, pela via da industrialização, como o melhor
caminho para o desenvolvimento das nações. Sem um processo
de industrialização robusto não é possível aumentar o emprego, a
produtividade e a renda per capita de um país. Sem estes
movimentos, reduzir a pobreza se torna inviável. Neste sentido, o
processo de desenvolvimento implica necessariamente uma
realocação da produção de setores de baixa produtividade para
setores de alta produtividade, nos quais prevalecem os retornoscrescentes de escala.
Ao longo das décadas de 1940 e 1960, este novo campo de
pesquisa se dividiu em dois polos. De um lado estavam os
teóricos que defendiam o desenvolvimento balanceado entre os
setores; do outro, aqueles que não entendiam como realista (ou
até mesmo desejável) um desenvolvimento equilibrado, alegando
a existência (e mesmo os benefícios) do desenvolvimento
desequilibrado como motor central da transformação estrutural
em países retardatários. No primeiro grupo, Rosenstein-Rodan
(1943) elabora o primeiro “modelo” de desenvolvimento baseado
na experiência do Leste Europeu, salientando-se a importância
de um esforço maciço e abrangente de investimento multissetorial
(o big push) de forma a turbinar as interdependências setoriais
(tecnológicas e de demanda) que garantiriam sustentação à
imensa estrutura industrial que seria sobreposta a uma matriz
produtiva dominantemente rural. Cerca de uma década mais
tarde, Nurkse e Lewis demonstrariam com rigor e objetividade a
importância da disponibilidade de poupança para destravar os
investimentos nestes países. Para Nurkse, uma armadilha da
pobreza mantinha os países pobres exata e simplesmente porque
sua pobreza impedia o acúmulo de poupança para viabilizar a
mudança estrutural; com efeito, o autor afirmava que “um país é
pobre porque é pobre” (Nurkse, 1953, p. 8). Nurkse e Lewis
concordavam em que a superação deste círculo vicioso da
pobreza seria possível por meio do aproveitamento do
desemprego disfarçado de mão de obra no campo e do tamanho
do mercado interno como gerador de demanda para validar um
“aumento na produção de um amplo setor de bens de consumo,
equilibrado de modo a corresponder ao esquema de preferências
dos consumidores, cria[ndo] sua própria demanda” (Nurkse,
1953, p. 265).
Lewis (1954) foi mais conciso e formulou um modelo
simplificado com conclusões muito assertivas e claras. Dividindo
a economia em dois setores com dinâmicas diferentes, ele
analisa teoricamente o problema das economias duais que
diferiam de economias homogêneas em termos da produtividade
do trabalho. No modelo de Lewis, as sociedades rurais teriam
uma “poupança oculta” (isto é, energia econômica ociosa
armazenada) na forma de contingentes de mão de obra com
produtividade próxima a zero. Com efeito, uma oferta potencial
“ilimitada” de mão de obra tornava os salários reais estáveis
durante as primeiras fases de expansão industrial. Com isso,
qualquer expansão da economia canalizaria os frutos do
crescimento para os lucros dos empresários das novas atividades
urbano-industriais, dando suporte à posterior realimentação do
ciclo de investimentos. Porém, em fases mais adiantadas da
mudança estrutural, conforme os contingentes populacionais
deslocados do campo para a cidade fossem esgotando este
exército laboral de reserva, os salários reais passariam a crescer,
de maneira a remunerar o esforço dos trabalhadores de acordo
com sua produtividade marginal. Em suma, capital e trabalho
eventualmente chegariam a um acordo, contanto que a economia
continuasse crescendo.
Os autores deste polo tinham, portanto, o entendimento de
que apenas amplos programas de desenvolvimento, financiados
e dirigidos por governos e com o apoio do capital estrangeiro,
dariam conta de quebrar as armadilhas do atraso a que foram
submetidas as economias retardatárias da Revolução Industrial.
A melhoria do parque industrial viabilizaria uma pauta de
exportações mais robusta e com maiores efeitos dinamizadores
sobre a economia interna. Devido à presença de indivisibilidades
(isto é, custos fixos monumentais em termos da escala das
plantas e dos projetos de infraestrutura, para ficar em dois
exemplos), de externalidades pecuniárias e tecnológicas e de
retornos crescentes à escala, qualquer esforço localizado de
mudança estrutural tenderia a ser autoderrotante, por não garantir
tração econômica suficiente para validar os projetos de
investimento.
Esta visão uniforme (e otimista) do desenvolvimento não foi
aceita incondicionalmente. Hirschman (1958) defenderia poucos
anos mais tarde que o desenvolvimento é um processo
essencialmente desbalanceado, em que a escassez de recursos
(financeiros, naturais e humanos) vai sinalizando para a
economia quais deveriam ser suas prioridades. Segundo o autor,
este “benefício” do desequilíbrio atenuaria um problema central
em economias atrasadas, a saber: a incapacidade decisória de
políticos e empresários frente a problemas numerosos cujo
diagnóstico raramente era claro. Neste sentido, Hirschman
defendia um processo sequencial de superação de gargalos
produtivos, identificando aqueles com maior potencial gerador de
incentivos ao investimento em outros setores, conceito este
rotulado como “encadeamentos para frente e para trás”. Assim,
aceitava-se a ideia de que a mudança estrutural seria um
caminho repleto de fricções e desajustes temporários, como a
disseminação de uma corrente elétrica por uma rede. O problema
era identificar os setores com maior poder de difusão (tecnológico
e de demanda) para neles centrar a atenção da política de
desenvolvimento e os escassos recursos disponíveis.
Aprofundar as diferenças entre estes polos da economia do
desenvolvimento nos distrairia de nosso objetivo central, que é
evidenciar o desenvolvimento econômico como processo de
aprendizagem tecnológica. A despeito de suas divergências,
ambas as vertentes baseavam suas análises sobre
desenvolvimento econômico em conceitos de encadeamentos
(linkages) ou ligações produtivas, complementaridades entre
setores, armadilhas de pobreza e dualismos. Uma economia dual
tem sempre um setor moderno e produtivo com bons empregos e
salários que convive com um setor atrasado e arcaico com
empregos de baixa qualidade e salários. Os clássicos do
desenvolvimento econômico diferenciavam as atividades
produtivas em termos de suas habilidades para gerar crescimento
e desenvolvimento. Atividades com retornos crescentes de
escala, alta incidência de inovações tecnológicas e altas sinergias
decorrentes de divisão do trabalho dentro das empresas e entre
empresas são fortemente indutoras de desenvolvimento
econômico. Vejamos dois exemplos históricos da força da
indústria.
 
Bangladesh e Vietnã
 
Bangladesh e Vietnã são casos interessantes de industrialização
rápida e recente. Ainda que em produtos low tech e de baixa
sofisticação, ilustram a enorme potência da indústria para
aumentar a produtividade geral de um país e tirar pessoas da
pobreza. O Vietnã já ultrapassou o Brasil entre os maiores
exportadores do mundo. É um dado chocante, mais ainda
sabendo que a população do Vietnã é metade da brasileira e seu
território é 66 vezes menor do que o nosso. Qual foi o grande
acerto do Vietnã para esse sucesso? Já tendo as mínimas
condições de sobrevivência, em 1986, o Partido Comunista do
Vietnã, inspirado no socialismo de mercado chinês e preocupado
com o fim da URSS, resolveu também abrir o país para a
competição mundial, tal qual a China tinha feito em 1978. Em
1990, o PIB per capita do Vietnã era de US$ 200, mas já em 2017
saltou para US$ 2.400. Desde as reformas, o Vietnã cresce a
uma média de 7,2%, sendo que as exportações crescem a uma
média de 20% ao ano. A indústria vietnamita tem se tornado cada
vez mais complexa, nacional e competitiva. O país também
ostenta uma expectativa de vida de 76 anos, que é maior do que
a do Brasil. De sua população total, 92% têm acesso à
eletricidade e 80% à água potável. A pobreza caiu drasticamente,
saiu de mais de 50% para 15% da população em somente 20
anos. O Vietnã está saindo da periferia mundial para a relevância
geopolítica e competição em tecnologias, um líder regional
notável.
O Vietnã é um dos casos mais bem-sucedidos de
industrialização com integração recente às cadeias globais de
valor (CGVs). Uma espécie de fábrica de alfinetes do século XXI.
Especificamente, encaixa-se bem no chamado paradigma dos
“gansos voadores”, o desenvolvimento sequencial de indústrias,
característica marcante da integração regional asiática. Trata-se
de um processode industrialização liderado pelas economias
mais dinâmicas da região. Teria se iniciado com o “ganso” líder
Japão, que deslocou atividades industriais mais simples, maduras
e padronizadas para um 2º nível de países seguidores, os tigres
asiáticos. Este modelo depende do Investimento Estrangeiro
Direto (IED) proveniente das nações mais desenvolvidas da
região. De fato, as principais origens do IED no país são os tigres
asiáticos e o Japão. Aproximadamente um terço da produção
global dos smartphones da Samsung ocorre hoje no Vietnã. Em
1986, ano das primeiras reformas, o país exportava apenas bens
primários. Trinta anos depois, eletrônicos e têxteis dominam a
pauta exportadora.
O estágio de desenvolvimento em que se encontra um país
delimita as alternativas de que dispõe para avançar. Para
Bangladesh, por exemplo, a adesão às cadeias globais de valor
pelo elo de menor valor agregado trouxe claros benefícios. A
oferta quase ilimitada de mão de obra atraiu a tradicional indústria
têxtil, que representa hoje mais de 90% das exportações do país.
Retirou dezenas de milhões de pessoas da agricultura de
subsistência, de baixa produtividade, e as colocou na indústria,
dobrou sua renda per capita de US$ 2 mil para US$ 4 mil nos
últimos 20 anos. Como próximo passo, a intenção do governo é
estimular atividades mais complexas em outros setores e na
própria indústria têxtil, como bordados, apliques e materiais de
alta performance, mas acima de tudo desenvolver outros setores.
Nesse ponto, chama a atenção a tentativa de emular a estratégia
da vizinha Índia, por meio do estímulo a serviços de TI e
farmacêuticos. Na indústria farmacêutica, Bangladesh ainda vem
se aproveitando das renúncias a tratados internacionais de
propriedade intelectual devido ao seu status de país menos
desenvolvido com o objetivo de estimular a produção de
medicamentos genéricos e a granel. Um caso curioso de
Bangladesh é que o pontapé inicial da indústria de têxteis foi
dado partir de tecnologia trazida da Coreia para se aproveitar da
mão de obra barata no país. Um empreendedor local atraiu a
empresa Daewoo da Coreia do Sul e a partir daí clusters de
produção de tecidos foram se formando e expandindo na região.
No contexto do acordo comercial de multifibras (MFA) dos EUA
com a Ásia, os coreanos aproveitaram Bangladesh como base
exportadora para se enquadrar na cota definida pelos EUA.
O MFA estabeleceu cotas firmes para a quantidade de
roupas que outros países poderiam vender para os Estados
Unidos e países europeus. As regras eram incrivelmente
detalhadas: o Sri Lanka podia vender apenas uma quantidade
certa de sutiãs para os EUA a cada ano. A China poderia vender
camisetas e nada mais. Empresários em Bangladesh fizeram um
acordo original com a coreana Daewoo para iniciar uma grande
fábrica de roupas em Chittagong, Bangladesh, com
características coreanas. Naquela época, a Daewoo era uma
grande fabricante de camisetas, mas a Coreia do Sul já havia
atingido sua cota no âmbito do MFA. Isso deu às empresas
coreanas um incentivo para se instalar em outro lugar, como
Bangladesh, para poder fabricar roupas para exportação aos
EUA.
Claro que esses dois países estão longe ainda de enriquecer,
quiçá atingir o nível de renda média acima dos US$ 10 mil por
ano. Para isso precisam avançar muito na jornada da sofisticação
produtiva, não bastando somente se industrializar, mas migrar
para produtos mais complexos. As atividades industriais de baixo
valor agregado e intensidade tecnológica praticadas por Vietnã e
Bangladesh podem ser caracterizadas como “dog industries”, em
geral praticadas em países pobres. Como nos ensinam Kattel e
Reinert (2010, p. 7), entender o subdesenvolvimento é
compreender o que acontece nas indústrias onde as estratégias
de Michael Porter não funcionam; as “dog industries” que ele diz
a seus clientes para se manterem longe (Porter, 1980). “Star
industries”, por outro lado, são atividades onde em geral
predominam competição imperfeita e todas as características
desse tipo de estrutura de mercado: retornos crescentes de
escala, alta incidência de inovações tecnológicas, altas sinergias
decorrentes de divisão do trabalho dentro das empresas e entre
empresas, importantes curvas de aprendizagem, rápido
progresso técnico, alto conteúdo de R&D, alta concentração
industrial, grandes barreiras à entrada e diferenciação por
marcas. No livro A vantagem competitiva das nações, Porter
(1990) leva as conclusões tiradas da arena da competição
industrial para o nível nacional. O conselho que ele dá às nações
é essencialmente o mesmo que ele dá às corporações: cultivar
“star industries” e manter-se longe das “dog industries”. Segundo
Erik Reinert, as recomendações da estratégia nacional de Porter
são essencialmente uma versão mais sofisticada das
recomendações das escolas de pensamento mercantilista.
O grupo de atividades industriais e serviços de alto valor
agregado se contrapõem às atividades de baixo valor agregado
com típica estrutura de competição perfeita: baixo conteúdo de
R&D, baixa inovação tecnológica, informação perfeita, ausência
de curvas de aprendizado e baixas possibilidades de divisão do
trabalho. A construção de um sistema industrial complexo e
diversificado é, portanto, a face mais visível do processo de
desenvolvimento econômico. A mera especialização em
agricultura e em atividades extrativistas, como mineração bruta,
inibe o florescimento deste tipo de evolução tecnológica.
Atividades de baixa qualidade são normalmente representadas
por mercados em concorrência perfeita, em que os produtores
não têm qualquer poder de monopólio, ficando muito sujeitos às
oscilações de mercado. Assumem a posição de tomadores de
preço e participam do sangrento “oceano vermelho” da
concorrência acirrada dentre vários produtores por bens sem
muita diferenciação: o caso atual de Vietnã e Bangladesh. Por
outro lado, as atividades de alta qualidade normalmente
envolvem dominar uma competência particular que as
concorrentes não conseguem imitar com facilidade. Neste
sentido, falamos que setores de alta qualidade geralmente
participam no “oceano azul” da concorrência imperfeita. Por
definição, as atividades de alta qualidade aparecem em mercados
com estruturas de oligopólio e concorrência monopolíticas, o que
já dificulta sobremaneira a entrada de novos players de países
emergentes. Pense num produtor de limão tentando diferenciar
seu produto de outros que concorrem com o dele. Agora pense
na Apple ou na Microsoft. Fazer com que o carro-chefe de uma
estrutura produtiva migre da primeira para a segunda é tarefa de
enorme dificuldade. É justamente deste salto que depende o
processo de desenvolvimento econômico. Para se desenvolver,
um país precisa ser capaz de constituir empresas nesses setores
já muito bem ocupados onde os potenciais de economias de
escala e lucros são enormes: aí está a produtividade. Tarefa nada
fácil para um país emergente; sem entrar nesses mercados e
ocupar espaço relevante, não há ganhos de produtividade
relevantes e não há desenvolvimento econômico.
 
O setor de serviços
 
A contribuição dos pioneiros do desenvolvimento tinha como
objetivo compreender os entraves à – bem como os mecanismos
que poderiam levar à – transição de uma economia rural para
uma economia liderada pela produção industrial. Por este motivo
histórico, os modelos com heterogeneidade estrutural focados
nas economias atrasadas salientavam apenas o dualismo rural-
urbano, sem dar centralidade aos serviços. Nos estágios iniciais
de desenvolvimento, entendia-se que o setor de serviços andava
a reboque da indústria de transformação, oferecendo suporte a
todo o aparato manufatureiro, como os tradicionais serviços de
educação, saúde e transporte urbano e rodoviários. Os serviços
de vendas, de marketing, de comunicação etc. eram todos
internalizados verticalmente pelas empresas, de maneira que
faziam parte orgânica da produção manufatureira. No entanto, os
economistas focados na experiência dos países desenvolvidos
foram provocados pela agenda da economiado desenvolvimento
para refletir sobre a dinâmica entre os setores industrial e de
serviços. Até os anos 1960, os modelos de crescimento não
faziam distinção entre setores. Era como se a estrutura produtiva
se ajustasse com flexibilidade, ao sabor dos preços relativos,
atraindo recursos aonde fossem mais bem remunerados. Como
vimos acima, passado o ponto de inflexão de Lewis, em que a
economia se tornava urbana, industrial e, portanto, desenvolvida,
os modelos previam que seu crescimento era setorialmente
balanceado e orgânico, crescendo todos à mesma taxa
aproximada. Porém, o que ainda não havia ocorrido aos teóricos
do mainstream era que, uma vez que a matriz industrial estivesse
completa em suas etapas essenciais, o desafio das economias
avançadas era o de manter o ritmo de elevação da produtividade
do trabalho, de maneira a acomodar as crescentes aspirações de
consumo da massa de trabalhadores urbanos.
Daí surgiu a famosa Lei de Engel, segundo a qual o
desenvolvimento econômico ocasiona uma mudança qualitativa
no orçamento familiar em que, inicialmente, os alimentos eram
substituídos por bens manufaturados e, quando a economia se
tornava industrialmente “madura”, os serviços passariam a
dominar os gastos de consumo das famílias. O economista
americano William Baumol deu uma explicação muito elegante
para a maior produtividade da indústria em relação aos serviços
menos sofisticados, isto é, não escaláveis (ou não sujeitos a
economias de escala): quando o trabalho é uma atividade-fim,
como educação, saúde e lazer, que são “tecnologicamente não
progressivas”, fica muito mais difícil, se não impossível, de obter
a mecanização e o alcance de economias de escala; ao contrário
das atividades em que o trabalho é uma atividade-meio, por
exemplo, manufaturas que são “tecnologicamente progressivas”
(Baumol, 2012). Neste último caso, as economias de escala e de
escopo estão mais presentes, o que eleva os ganhos de
produtividade dos setores.
Contudo, o leitor pode indagar: se a indústria é o motor mais
pujante do desenvolvimento, como podem as economias
maduras continuarem crescendo e se desenvolvendo se o setor
de serviços não está à altura do desafio? Esta é uma pergunta
comum quando se confunde a indústria com a manufatura. Esta é
apenas uma das representações concretas do conceito mais
amplo de “produção indireta” associada ao termo “indústria”. O
que realmente importa não é se a produção ocorre em um chão
de fábrica ou em um escritório climatizado no Vale do Silício; o
que vale é a densidade da rede de atividades mutuamente
relacionadas para produzir cooperativamente bens e serviços
complexos. Como o cardume está para os peixes e a alcateia
para os lobos, a indústria é um coletivo para atividades produtivas
complementares dentro de um setor. Podemos, claro, pensar em
economias de escala e escopo também em serviços mais
sofisticados: marketing, design, tecnologia da informação,
finanças, advocacia etc. O desafio é que muitos dos serviços não
conseguem aumentar produtividade de forma relevante e
persistente pois não apresentam economias de escala nem
possibilidade de mecanização: músicos, educação, garçons,
cabeleireiros etc. são iguais em todos os lugares. Como disse
Baumol (2012) em seu livro mais recente, a Nona Sinfonia de
Beethoven tem a mesma duração desde sua composição, mas os
salários dos membros da orquestra cresceram substancialmente
desde então.
Qual a implicação da natureza heterogênea dos setores e
das particularidades dos serviços? Para Baumol, como o
aumento de produtividade ocorre principalmente no setor de bens
industriais, o aumento de produtividade neste último acaba
pressionando também os salários dos setores de serviços. Os
preços e salários do setor de serviços sobem organicamente,
mesmo na ausência de aumentos de produtividade do trabalho.
Por isso cortar cabelo em Zurich fica mais caro do que cortar em
São Paulo, apesar da produtividade de nossos cabeleireiros ser a
mesma dos suíços (a “doença de custos” de Baumol). Quase que
simultaneamente, nos anos 1960 os economistas Paul
Samuelson e Bela Balassa seguiram a mesma linha da dualidade
setorial, porém recortando o problema de outra forma, associada
à possibilidade de comercialização dos produtos no mercado
internacional, a saber: produtos transacionáveis (ou tradables) e
os não transacionáveis (non-tradables). Novamente, os ganhos
de produtividade de uma economia ocorrem principalmente no
setor de bens transacionáveis (manufaturas e commodities) e não
no setor de bens non-tradables (serviços). Esses aumentos de
produtividade no setor de tradables causam aumento de salários
que transbordam para o setor de non-tradables. Como não há
aumento expressivo de produtividade neste último setor, os
preços sobem mais rapidamente do que no setor de bens
comercializáveis.
O resultado da maturidade é uma inibição espontânea do
dinamismo da matriz produtiva, na medida em que a elevação de
produtividade dos setores manufatureiros e de serviços
escaláveis nos países ricos acaba vazando para os salários de
serviços não sofisticados, encarecendo-os. Paradoxalmente, a
produtividade da indústria acaba inflando o preço dos serviços.
Segundo essa dinâmica, o preço interno dos tradables cai em
relação aos preços dos non-tradables. Com a elevação da
participação do setor de serviços na estrutura de produção e de
preços da economia, a inflação também tende a ser maior
durante o processo de desenvolvimento. O brutal diferencial de
produtividade entre países pobres e ricos pode ser encontrado
nos preços dos bens não transacionáveis (serviços) convertidos
em dólar. Esta é uma das forças que explicam o fato empírico de
a inflação média dos países em desenvolvimento ser maior do
que a inflação média nos países desenvolvidos.
3. BREVE HISTÓRIA DA ORIGEM DO PENSAMENTO SOBRE
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
 
Adam Smith explicou a base do funcionamento do sistema
capitalista em sua famosa passagem de A riqueza das nações:
“Não é da benevolência do outro que devo aguardar o meu
sustento, mas do interesse que os outros têm pelos produtos que
posso produzir”. Quanto mais raro e mais valioso for o que eu
produzo, maior o valor que as pessoas estarão dispostas a pagar
pelo meu esforço. Por outro lado, quem não tiver talentos que lhe
diferenciem dos outros estará fadado a concorrer com vários
outros também com potencial mediano e receberá menos pelo
seu esforço. O capitalismo é baseado na liberdade de inciativa,
no autointeresse de se ganhar a vida por meio da venda de um
bem em troca de lucro, isto é, um ganho que exceda os gastos
para manutenção do capital produtivo ou financeiro. Os
proprietários de terra, de imóveis e de invenções e patentes
recebem uma renda por deterem a propriedade deste capital na
forma de juros, aluguéis e de royalties. Porém, como ensinou Karl
Marx, uma vez que nem todos têm capital ou propriedades resta-
lhes apenas a possibilidade de oferecer sua força de trabalho e
receber um salário em troca de sua produtividade.
Goste-se ou não do capitalismo, foi o arranjo institucional que
mais desenlaçou o potencial humano para a criação e para a
produção. Mais do que isso, como nos mostra Bresser-Pereira, só
é possível pensarmos em desenvolvimento econômico no
contexto do capitalismo. Justamente por ter sido este o único
sistema capaz de difundir o trabalho assalariado, a ideia de lucro
como objetivo da atividade econômica e a acumulação de capital
por meio da constante incorporação de progresso técnico. Como
nos mostra Bresser-Pereira (2011), a passagem das sociedades
para o modo de produção capitalista de produção foi a
transformação mais importante da história humana desde a
invenção da agricultura, da passagem das sociedades nômades
para as sedentárias e a formação dos primeiros impérios. No
plano social, isso significou o surgimento de duas classes: a
burguesa e a trabalhadora. No plano político, esse processo deu
origem aos Estados-nação. No plano econômico, isso implicou o
surgimento do mercado, do trabalho assalariado e dos lucros.Bresser-Pereira ressalta a centralidade do papel do Estado para o
êxito do capitalismo, pois demonstra que a consolidação do
modelo político do Estado-nação foi fundamental para o êxito do
projeto do capitalismo industrial.
O mundo passou a crescer aceleradamente após a
Revolução Industrial capitalista no final do século XVIII. É
interessante notar como o ser humano se libertou da “maldição
de Malthus”, que sentenciava a humanidade à eterna luta contra
a escassez de alimentos pelo fato de que a população cresceria
sempre a taxas maiores do que a produção de comida. Foi o
desenvolvimento tecnológico que nos livrou desta maldição. Ao
menos, na média, isto é, quando se toma a chamada renda per
capita, ou a renda total dividida pela população total. No entanto,
se o capitalismo depende do lucro esperado que resulta do
oferecimento de certos bens e serviços à sociedade, o que
acontece com aqueles que não têm talentos, nem dinheiro ou
propriedades que lhes garantam um rendimento mínimo para
uma boa vida? Não são todas as sociedades que oferecem aos
seus cidadãos a oportunidade de ganhar a sua vida exercitando
plenamente os seus talentos e o fruto dos seus esforços. Há
pessoas talentosas para as artes sutis da pintura e da música
que, dado o atraso relativo na cultura artística de sua sociedade,
têm pouco incentivo para viver profissionalmente como um pintor
ou um músico. Isso nos leva a uma discussão sobre a estrutura
produtiva das sociedades. Quanto mais complexa forem as
relações de produção, maior será a chance de talentos variados
encontrarem um lugar no sistema para oferecer seus serviços em
troca de rendimento para garantir seu sustento material e social.
Podemos estender esta ideia a uma ampla gama de áreas da
ação humana, como literatura, ciências, filosofia, engenharia etc.
A crescente eficiência produtiva do capitalismo é,
infelizmente, acompanhada por uma forte tendência a concentrar
riqueza e renda nas mãos de poucas pessoas muito ricas. As
melhorias em termos de bem-estar são indiscutíveis. Em média, o
mundo humano vive mais, come mais e tem maior leque de
possibilidades culturais. Todavia, tamanha potência produtiva não
é capaz de garantir a todas as pessoas a boa qualidade de vida e
a longevidade que a tecnologia pode oferecer. Uma parcela ainda
substancial da população mundial não se beneficiou deste
avanço técnico geral, sofrendo desnutrição e enfermidades de
fácil prevenção, analfabetismo e restrições materiais das mais
brutais. Eis a questão da distribuição do produto nacional e da
justiça social: quem ganha o quê e por que ganha tal quantia? Em
resumo, o problema econômico envolve duas grandes perguntas.
A primeira é: como aumentar a produtividade do trabalho humano
por meio da tecnologia e da organização eficiente da produção?
A segunda questão, por sua vez, é: como repartir os resultados
deste esforço coletivo entre todas as pessoas da sociedade de
maneira a garantir a todos um padrão mínimo de vida material e
social? De forma mais simples: como aumentar o tamanho do
bolo e como dividir o bolo?
 
List contra Ricardo
 
Desde antes de Adam Smith até meados dos anos 1960, a
preocupação central dos economistas era com a primeira
pergunta, isto é, as causas e os motores do crescimento
econômico. No plano da discussão entre economistas, o centro
vai se deslocando dos metais preciosos e do comércio
(mercantilistas) para a qualidade produtiva da terra (fisiocratas),
daí migra para a combinação de máquinas e trabalho no espaço
da produção (economistas clássicos e neoclássicos), e, por fim, o
motor do crescimento foi identificado na educação e na inovação
tecnológica (de Karl Marx, Joseph Schumpeter e Alfred Marshall
em diante). Mesmo quando o problema era a desigualdade, o
foco da análise recaía sobre as taxas desiguais de crescimento
entre as nações, o chamado problema da convergência dos
níveis de renda ou catching-up. Afinal, a organização doméstica
da produção depende essencialmente das trocas comerciais com
outras nações. Nenhum sistema econômico mais complexo é
autossuficiente. Nenhum país pode contar apenas com insumos
produtivos domésticos e todas as competências técnicas para
produzir tudo o que precisa. A interdependência das nações é o
pano de fundo do desenvolvimento econômico.
Numa primeira etapa do pensamento econômico moderno
entraram em conflito duas grandes abordagens sobre como
organizar um sistema produtivo doméstico competitivo. A primeira
baseia-se na ideia de vantagens comparativas de David Ricardo,
economista britânico. Segundo este autor, cada país deveria
concentrar seus esforços naquilo que faz melhor, isto é, produzir
os bens e serviços que lhe custam menos em termos de energia
humana e de matéria-prima. Um país que tenha amplas
extensões de terras aráveis e uma volumosa população deve
concentrar seus esforços na produção de bens agrícolas. A
abundância dos recursos reduz o seu preço (salários e renda da
terra), tornando os produtos domésticos atraentes aos
consumidores dos outros países por serem baratos e de boa
qualidade. Em troca desta exportação de bens agrícolas, o país
em questão pode importar bens e serviços de outro país que não
contam com o território e a população de mesma magnitude. Este
último pode ter se especializado em produzir roupas ou
computadores. Se cada um produzir o que lhe é mais barato,
todos os países sairão ganhando. O mundo inteiro se beneficiaria
dos amplos ganhos advindos do comércio internacional. A
exposição a concorrentes externos em um setor pode gerar o
incentivo à melhoria da tecnologia adotada na produção, bem
como a qualificação dos trabalhadores engajados naquelas
atividades, de sorte a gerar melhoramentos qualitativos e
quantitativos que resultem em maiores ganhos ao país
exportador. Todos ganhariam com um comércio internacional
vibrante e todas as economias nacionais gozariam de alta
produtividade e, portanto, de elevado crescimento econômico.
A brilhante teoria de Ricardo é muito convincente e
conquistou a profissão do economista até os dias de hoje. É
comum ouvirmos economistas pregando a necessidade de
abertura comercial da economia como uma forma de destravar o
crescimento econômico e promover o desenvolvimento da nação.
Quem fala isso não está cometendo nenhum erro; o problema
reside em como fazer tal abertura. Ainda que teoricamente muito
elegante, a teoria das vantagens comparativas enfrenta muitas
dificuldades quando aplicada ao mundo real. Foi como crítica à
teoria de Ricardo que emergiu uma proposta alternativa. Segundo
Friedrich List, economista prussiano (hoje, Alemanha), a
Inglaterra detinha elevada competitividade comercial por ter
desenvolvido antes das outras nações todo um aparato industrial
que lhe garantia a melhor vantagem comparativa de todas: a de
vender produtos caros (porque só ela produzia) em troca de
produtos baratos (que vários países concorrentes produziam).
Logo, não seria à toa que seus teóricos ventilassem argumentos
abstratos – com verniz filosófico e científico – que reforçassem
sua posição geopolítica e comercial, e que negavam as práticas
que a própria Inglaterra adotou para se desenvolver. List
costumava dizer que os países ricos “chutavam a escada” do
desenvolvimento após terem atingido um nível de avanço
econômico e tecnológico. Faziam isso para impedir que os países
atrasados desenvolvessem suas próprias forças produtivas e se
tornassem potenciais concorrentes no plano internacional.
Ciente de tal retórica ricardiana, List defendia que cada país
aplicasse tarifas comerciais sobre produtos importados que
protegessem a lucratividade de suas “indústrias infantes”, bem
como lançasse mão de subsídios que reduzissem o custo de
produção dos bens a serem exportados, para garantir maior
competitividade. O que List propunha era o ancestral do processo
atual de incubadora tão praticado na conversão de uma ideia em
produto comercial; observou essas políticas funcionando nos
Estados Unidos de Alexander Hamilton no final do século XVIII.
Hamilton, o primeiro secretário do tesouro norte-americano(1789-
1795), está entre um dos principais formuladores de medidas
protecionistas que estimularam a instalação e desenvolvimento
da indústria manufatureira norte-americana. Seu conhecido
trabalho Report of the Secretary of the Treasury of the United
States, on the subject of manufactures (1791) contém muitas das
ideias que seriam depois formalizadas por Friedrich List no
argumento da proteção à indústria infante presente em seu
trabalho National system of political economy (1856).
Antes de List ter escrito seu famoso tratado sobre o assunto,
passou vários anos nos Estados Unidos estudando as práticas
protecionistas americanas. O projeto dos Estados Unidos,
especialmente dos estados do norte, se contrapunha frontalmente
às recomendações do liberalismo inglês que, segundo alguns
americanos, era produzido para exportação e não para consumo
interno. Um dos exemplos do fervor protecionista americano no
século XIX encontra-se na Guerra Civil. Além da questão da
escravidão, o outro estopim do conflito foi o embate entre o
protecionismo da União, que representava as indústrias do norte,
e o liberalismo da Confederação, representando os interesses
agrícolas do sul. Abraham Lincoln foi eleito a partir do voto
decisivo dos estados protecionistas, especialmente New Jersey e
Pensilvânia. A vitória dos estados do norte na Guerra Civil
transformou os Estados Unidos em um dos mais assíduos
praticantes da proteção à indústria infante até a Primeira Guerra
Mundial (ver DeLong e Cohen, 2016).
Thomas Jefferson tentou até proibir a publicação dos The
principles of political economy and taxation de David Ricardo nos
Estados Unidos, já que, segundo análise de muitos americanos
da época, era uma obra excessivamente liberal. De fato, segundo
Adam Smith, a melhor estratégia de desenvolvimento para os
Estados Unidos estaria no aproveitamento da agricultura, sua
vantagem comparativa natural, e não em práticas protecionistas
para o desenvolvimento da indústria. Adam Smith ignorou a
própria história da Inglaterra, que abusou de tarifas e subsídios
em seu passado até chegar à condição de potência mundial. Os
reis ingleses adotaram uma série de medidas protecionistas nos
séculos XV e XVI contra a próspera indústria de tecidos nos
países baixos, especialmente em Bruges e Ghent, no que hoje é
a Bélgica. Medidas como a proibição de exportação de lã bruta
para o continente e fortes restrições à entrada de tecidos
produzidos nos países baixos foram fundamentais para estimular
as tecelagens inglesas. A indústria têxtil que seria depois a base
da revolução industrial inglesa só foi capaz de suplantar a
potência dos países baixos a partir de uma miríade de ações de
proteção e estímulo industrial de diversas monarquias inglesas,
especialmente de Henrique VII (1485-1509) e Elizabeth I (1558-
1603), isso para não mencionar o mercantilismo ferrenho
praticado pelo primeiro ministro Robert Walpole (1714-1727)
durante o reinado de George I (1714-1727).
 
As manufaturas da Nova Inglaterra
 
O caso da economia americana é particularmente interessante
para a nossa discussão aqui: uma economia riquíssima em
recursos naturais, mas que se tornou a grande potência industrial
do mundo durante muitos anos junto com Alemanha e Japão. A
industrialização americana remonta ao final do século XVIII, antes
ainda da guerra civil. A indústria de navios e prestação de
serviços da Nova Inglaterra, com destaque para Nova York,
Filadélfia, Boston e Baltimore, prosperou durante o bloqueio
continental de Napoleão. A indústria de tecelagens que surgiu em
Nova York e Filadélfia no início dos anos 1800 contribuiu para o
avanço manufatureiro americano, como bem aponta Douglass
North (1966) em seu clássico trabalho sobre a história econômica
dos EUA. Nessa época, o sul ainda era a região mais dinâmica
do país puxada por exportações de algodão para a revolução
industrial inglesa, mas a demanda por navios da Nova Inglaterra
e outros bens manufaturados do norte cresciam criando uma
nova dinâmica econômica. O oeste se integrava como grande
fornecedor de matérias-primas e agricultura. Assim foi se
formando a base da estrutura produtiva da economia americana.
Douglass North analisa em detalhes como esse tecido econômico
evoluiu até 1860, às vésperas da grande Guerra de Secessão. Lá
já estariam presentes os elementos que fariam do norte os
vencedores da batalha e a grande potência econômica americana
em termos regionais: a base produtiva manufatureira. Estrutura
esta que serviria de matéria-prima para os pensamentos de
Hamilton e List sobre a importância das manufaturas para o
desenvolvimento econômico.
No início dos anos 1800, a indústria da Nova Inglaterra
começou a florescer: fabricação de casas com artesãos locais
fornecendo para as suas comunidades, fábricas de fiação de
algodão, descaroçadores de algodão, a indústria de armas com
peças intercambiáveis, indústria de ferro, fornos e laminadores
foram rapidamente suplantando pequenas forjas locais. Em 1804,
um motor a vapor de alta pressão que era adaptável a uma
grande variedade de fins industriais foi desenvolvido na Filadélfia.
Dentro de alguns anos passou a equipar navios, serrarias,
moinhos de farinha, máquinas de impressão, bem como fábricas
têxteis. A construção ferroviária também desempenhou um papel
importante no transporte de pessoas e de carga para o oeste,
aumentando o tamanho do mercado americano. Com a nova
infraestrutura, até mesmo partes remotas do país ganharam a
habilidade de se comunicar e estabelecer relações comerciais
com os centros de comércio da Nova Inglaterra. Os retornos
crescentes reinaram e as indústrias da Nova Inglaterra passaram
então a ser o principal fornecedor do sul agrário e do oeste
agrícola durante todo o período pós-guerra civil até o século XX.
Numa dinâmica, aliás, muito parecida com o que se observou no
sudeste brasileiro, fazendo o café as vezes do algodão para a
dinâmica brasileira e o estado de São Paulo, se constituído como
a nossa “Nova Inglaterra”. Claro que com um século de atraso, já
com o bonde da história perdido. Assim como a Nova Inglaterra
se tornou o polo econômico e financeiro dos EUA a partir de sua
primazia nas manufaturas, São Paulo também se tornou nosso
polo dinâmico e nossa Wall Street. Os robber barrons, barões
ladrões americanos, reinaram nesse ambiente de pujança
manufatureira e industrial do nordeste americano. Ferrovias, aço,
navios a vapor, eletricidade floresceram nessa época e
catapultaram os EUA para a posição de economia mais
importante do mundo já no início do século XX.
 
Aço na Coreia do Sul
 
Nos anos 1960, o Banco Mundial sugeriu à Coreia do Sul se
especializar na produção de arroz, sua vantagem comparativa. A
Coreia não ouviu, resolveu desenvolver sua indústria e recebeu
muitas críticas da comunidade internacional. O advento da
indústria siderúrgica na Coreia é uma história de convicção do
general Park Chung Hee, que governou o país entre 1961 e 1979
e via a autonomia na produção do aço como o melhor caminho
para o desenvolvimento nacional. “Aço é poder nacional”,
afirmou, quando da celebração do décimo aniversário da
siderúrgica estatal POSCO. Dependente militarmente dos EUA e
ameaçada pelo regime comunista ao norte, a junta militar
comandada por Park colocou o desenvolvimento de uma indústria
de defesa como prioridade nacional. A produção de aço era
central, já que sem uma fonte estável deste produto a Coreia do
Sul não poderia se diversificar para outras indústrias essenciais.
Além disso, pesava para Park sua experiência pessoal, nutrindo
um sentimento ambíguo em relação ao Japão, ao qual serviu
como militar na época em que a Coreia era colônia daquele país.
Por um lado, viveu na pele o preconceito e a exploração dos
japoneses sobre os coreanos e acendeu o alerta para a
necessidade de segurança nacional. Por outro, aprendeu a
admirar a modernização empreendida pelo Estado japonês desde
a Revolução Meiji. Em menos de meio século, um Japão feudal
passou a competir com as grandes potências pela hegemonia
global na Segunda GuerraMudial.
Por fim, Park tinha a necessidade de legitimar o seu governo
internamente por meio de crescimento econômico, já que
ascendeu ao poder por meio de golpe de estado. A questão,
portanto, não era “se” mas “como” deveria viabilizar a construção
de uma planta integrada de aço no país. Desprovida de capital,
tecnologia e mercado, a Coreia do Sul sofreu para adquirir as
condições necessárias para o empreendimento. Em 1968, o
Banco Mundial recusou o pedido de empréstimo da POSCO
alegando que o país não tinha vantagem comparativa para a
produção de aço. Seu aliado militar, os EUA, frequentemente
recusava apoio a projetos de desenvolvimento econômico do país
considerando-os demasiadamente estatistas e até mesmo
irresponsáveis. Foram sete anos de intensa política externa para
conseguir apoio ao projeto. No final, após convencer líderes
industriais japoneses a fazerem lobby pela POSCO junto ao
governo em Tóquio, foram as reparações de guerra e a
tecnologia japonesas que viabilizaram a construção da planta. Ao
contrário de outros setores importantes para o Estado coreano,
Park não conseguiu convencer os grandes conglomerados
(chaebols) a construírem a planta, tendo que confiar o
empreendimento a uma estatal.
Também em oposição aos outros setores, nos quais o Estado
coreano incentivou uma estrutura de competição oligopolista, a
POSCO recebeu direito de monopólio sobre a produção de aço.
O risco de captura política acabaria sendo mitigado pelo status
estratégico que Park concedeu ao projeto. Por fim, os recursos
das reparações de Guerra eram limitados, de forma que a
POSCO não poderia contar com eles por muito tempo. Para
assegurar a sobrevivência, a empresa teve que embarcar em
uma agressiva estratégia baseada em exportações para se tornar
competitiva. Em 1987, menos de 20 anos após recusar o
empréstimo à POSCO, o Banco Mundial acabaria reconhecendo
a empresa como a mais eficiente produtora de aço do mundo.
Setores a jusante como o automobilístico, o naval, o eletrônico, o
de construção civil e o de eletrodomésticos passaram a ter uma
fonte estável e competitiva de aço para se desenvolver e
alavancar a renda do país.
Tendo se transformado em menos de cinquenta anos de uma
pequena economia rural em um dos países mais
tecnologicamente avançados do mundo, a Coreia do Sul é
provavelmente o melhor exemplo de país que realizou catching-
up por meio da implantação de políticas industriais. Sob o
governo do famoso general Park, entre 1963 e 1979, o país
adotou uma estratégia de desenvolvimento, embasada no
planejamento e na aplicação de diretrizes que se revelariam
muito bem-sucedidas na promoção de avanços tecnológicos. A
burocracia coreana foi responsável não apenas pela criação
desses planos, mas também pela sua aplicação por meio da
adoção de medidas de eficiência. A cada nova etapa de
desenvolvimento, o Estado reavaliava os setores a serem
incentivados. No começo da década de 1960 foram priorizados os
segmentos de perucas, brinquedos, compensado de madeira,
cimento, fertilizantes e fibras sintéticas. No começo dos anos
1970, indústrias de base, como a química, a siderúrgica e a de
maquinário foram as prioridades, de tal modo que, ao final da
década, a Coreia do Sul já tinha setores sofisticados de
construção naval e aço. Houve então uma nova onda de
substituição de importações que permitiu a produção de
automóveis e, depois, a de eletrônicos. Em meados da década de
1980, a Coreia do Sul já tinha uma indústria autônoma intensiva
em tecnologia que produzia peças para o setor automotivo e bens
de alta tecnologia, como computadores, chips de memória,
eletrônicos e semicondutores para exportação (Amsden, 1992).
Além de ter escolhido os setores e empresas privadas a
serem auxiliados pelo Estado, o governo coreano também tinha o
importante papel de decidir quais empresas manteriam seus
benefícios por meio do uso de “cenouras” e “chicotes”, para usar
os termos de Rodrik (2008). O Estado não se limitou a dar
incentivos a empresas, já que assegurou um sistema no qual
apenas empresas privadas que apresentassem resultados
continuassem a ser beneficiadas pelo setor público. Isso foi
crucial para evitar o problema de rent-seeking, no qual empresas
receberiam proteção sem contrapartidas de progresso
tecnológico e de competitividade que o desenvolvimento
econômico exige. Um dos grandes pontos fortes do Estado
desenvolvimentista coreano foi sua grande capacidade de não
apenas “escolher vencedores”, mas também “podar perdedores”,
isto é, não apenas conceder benefícios a empresas
potencialmente capazes, mas também retirar benefícios a
empresas que se mostrassem incompetentes. O setor automotivo
é um grande exemplo desse processo: apesar de no passado
algumas produtoras de automóveis terem sido estabelecidas na
Coreia com ajuda de subsídios estatais diretos e indiretos, hoje
resta apenas uma empresa puramente coreana no setor, a
Hyundai (Studwell, 2013).
As empresas coreanas passaram por um longo período de
aprendizagem, no qual assimilaram e adaptaram tecnologia
estrangeira nas décadas de 1960 e 1970, antes de terem
começado a internalizar a realização de P&D em meados dos
anos 1980. No começo de sua industrialização, a Coreia do Sul
desenvolvera setores tecnológicos de ciclo longo e produção de
baixo valor agregado, como têxteis e perucas. Para isso, fiou-se
principalmente em fabricantes originais de equipamento (OEMs,
em inglês) do tipo montadora, e adotou tarifas e sucessivas
desvalorizações de sua moeda. Mais tarde, fez gradualmente a
transição para setores de tecnologia de ciclo mais breve,
produzindo produtos de ponta e alto valor agregado. No entanto,
a partir de um determinado ponto deste processo, empresas
locais passaram a adotar uma estratégia de “pular etapas”,
realizada por empresas de outros países. Isso significou produzir
produtos de design próprio efetivamente inovadores, que
renderam direitos de propriedade de modo a evitar a importação
de produtos caros. Na década de 1980, a LG, por exemplo,
tomou um “atalho” e ao invés de replicar a tecnologia japonesa de
TVs analógicas de alta definição passou a produzir diretamente
TVs digitais de alta definição.
A Hyundai, por exemplo, lançou o primeiro carro “coreano”
em 1974, ainda com motor japonês e design italiano. Partes de
plástico trincavam, maçanetas se rompiam, freios falhavam e a
pintura enfraquecia em semanas. Apenas em 1991 um motor
nativo foi desenvolvido e, mesmo assim, conforme suas próprias
estimativas, sua produtividade não atingia metade dos da Honda
e da Toyota. A reputação da marca foi péssima por anos, mas
hoje a Hyundai é a terceira maior produtora de carros no mundo.
Foram anos de prejuízo, sustentados por generosos subsídios do
Estado, protecionismo, ajuda das demais empresas do grupo
(como o segmento de construção civil e naval) e pelas restrições
à entrada de concorrentes (apenas Hyundai e Daewoo podiam
vender carros leves). Diante do limitado mercado coreano,
regulações restringiam o número de modelos que podiam ser
fabricados, buscando gerar economias de escala. A partir de
1985, a guerra comercial EUA-Japão facilitou o acesso coreano
ao mercado norte-americano e mudou a empresa de patamar. A
Hyundai também tinha um grande programa de integração
tecnológica com os japoneses. A Samsung tentou fabricar carros
leves, mas sem muita relevância, e a Ásia Motors também.
Concorrência interna e as metas de melhoria dos produtos foi
algo exigido pela ditadura coreana; os primeiros motores foram
desenvolvidos por empresas menores compradas pelo grupo
Hyundai. Demorou e foi custoso, mas o Estado e a empresa
seguiram comprometidos com uma estratégia nacional de
desenvolvimento baseada em aprendizado produtivo e
tecnológico (ver Lee, 2011 e Kim e Vogel, 2011).
 
Navios na Coreia e China
 
Na Ásia do Leste, especialmente na Coreia do Sul e China, o
governo sempre forçou a iniciativa privada na direção que julgou
correta para tentar conquistar espaço nesses difíceis mercados
do mundo. Deu incentivos, subsídios, crédito e cobrou resultados.Nunca houve vantagem comparativa natural dos asiáticos em
aço, navios, carros ou qualquer outro bem industrial. O governo
da Coreia concedeu monopólio na produção de plataformas
offshore e no transporte de petróleo à Hyundai. Também financiou
a construção dos navios e a própria subsidiária de navegação da
empresa. Lucros somente seriam obtidos mais de dez anos
depois do plano de Heavy Chemical and Industry Policy (1973),
que caracterizou o setor como estratégico, e da entrega do
primeiro navio pela Hyundai em 1974. A empresa reinvestiria tais
lucros no seu setor automobilístico e no complexo naval.
Nesse mercado, a China era quase tão retardatária quanto o
Brasil no início dos anos 2000. Desde o 11º Plano Quinquenal
(2006-2010), considerou o setor naval como estratégico.
Recebendo altos volumes de subsídios, o país se tornou um dos
mais relevantes em participação no mercado mundial.
Aprendizado tecnológico leva tempo. A China começou com
navios com baixo conteúdo nacional e de menor tamanho e
qualidade, mas vem se sofisticando rapidamente. Mesmo assim,
seus navios ainda são menos eficientes e seus lucros seguem
mais baixos do que os dos vizinhos. Em 2002, uma empresa
chinesa, Chinluck Holdings, de Hong Kong, adquiriu da Ucrânia
um porta-aviões que depois foi “vendido” para a marinha chinesa.
Na época, países ocidentais temiam que os chineses fossem usar
esse navio como porta-aviões, o que de fato correu. O
empresário Xu Zengping, dono da Chinluck Holdings, que
adquiriu o navio, disse aos ucranianos que iria transformá-lo num
cassino flutuante em Macau. Xu foi jogador de basquete e
também empresário na área de eventos. Então a história do
cassino flutuante pareceu verossímil. Depois, a marinha chinesa
“comprou” o navio, numa história um tanto quanto esquisita. A
China comprou o que restava desse porta-aviões incompleto e
abandonado no estaleiro com nome Varyag. Concluíram a
construção do navio posteriormente, em estaleiro chinês, e
depois o colocaram em serviço ativo com o nome de Liaoning.
Desde então, os chineses estabeleceram uma velocidade
impressionante na modernização de sua marinha. Avançados
submarinos, destroieres, fragatas, corvetas e navios de
desembarque multipropósitos de deslocamento estão sendo
construídos em ritmo alucinante, reduzindo ou eliminando
qualquer desvantagem tecnológica chinesa rapidamente. Ou seja,
não há nada de natural ou inevitável no domínio asiático da
construção naval. Ele é resultado da convicção destes países de
que o aprendizado tecnológico é chave para o desenvolvimento,
ainda que essas políticas sejam custosas e demoradas e que seu
sucesso seja incerto. Assim funciona o Leste Asiático.
A questão que todas essas histórias nos colocam é: qual a
melhor forma de desenvolver o potencial produtivo de uma
nação? Abrir a economia à concorrência externa para focar os
esforços apenas nas vantagens comparativas? Ou proteger
setores estratégicos contra a concorrência mais avançada até
que se consolide uma estrutura econômica capaz de concorrer no
comércio mundial? As visões de Ricardo e List se definem a partir
do entendimento que eles têm sobre o funcionamento do
mercado internacional. Ricardo adota uma visão harmônica,
segundo a qual cada indivíduo e cada nação coopera com o bem-
estar mundial por meio de um critério técnico e abstrato, as
“vantagens comparativas”. List explicita, por sua vez, que o
comércio entre nações é uma das faces da geopolítica. Países
mais ricos fazem uso do comércio mundial para ampliar e
explorar as assimetrias tecnológicas, militares e econômicas
existentes entre economias em diferentes estágios do
desenvolvimento de suas forças produtivas.
4. UM MUNDO COM CENTRO E PERIFERIA
 
Os pioneiros do desenvolvimento desafiaram a visão neo-clássica
acerca da eficiência do mercado, a flexibilidade do sistema de
preços e a elasticidade das estruturas produtivas como forças
que dirigiriam espontaneamente a mudança estrutural que
caracteriza o desenvolvimento econômico. Diferente da pretensa
universalidade das abstrações neoclássicas, a teoria do
desenvolvimento já nasceu cosmopolita e, portanto, reconhecia a
heterogeneidade das experiências nacionais. Dentre os nove
pensadores tão bem retratados por Fernanda Cardoso (2018) em
Nove clássicos do desenvolvimento econômico, três eram do
Leste Europeu e três eram latino-americanos, de maneira que
esses autores se preocupavam com a realidade das economias
atrasadas, isto é, com a periferia do sistema. Vários destes
intelectuais tiveram ampla experiência de emigração e exílio
(Rosenstein-Rodan, Nurkse, Singer, Hirschman, Furtado), de
forma que sua visão de economia foi, assim, profundamente
inspirada e motivada pela experiência real com a pobreza e o
subdesenvolvimento em seus países. Estes aspectos conferem à
teoria do desenvolvimento uma natureza holística, que combina
aspectos sociais, históricos, políticos e institucionais, além dos
eminentemente econômicos.
Além disso, esta teoria tem uma vocação imediata à sua
aplicação na forma de políticas de desenvolvimento. Isto se deve
ao fato de que muitos destes autores foram ligados aos
organismos multilaterais criados no pós-guerra, em sua maior
parte vinculados à ONU. Na CEPAL, Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe, estavam Raúl Prebisch, Juan Noyola
Vázquez e Celso Furtado; na Comissão Econômica para a
Europa estava Gunnar Myrdal; na UNCTAD também esteve
Prebisch; o Secretariado da ONU contou com a participação de
Michal Kalecki e Hans Singer; e Rosenstein-Rodan fez parte dos
quadros do Banco Mundial. Por fim, apesar de heréticos ao
“establishment” teórico neoclássico, estes autores alcançaram
importante destaque nos meios acadêmico e político. Vários
detinham postos acadêmicos em instituições prestigiadas nos
Estados Unidos, bem como, dentre eles, figuram dois ganhadores
do Prêmio Nobel, Lewis e Myrdal.
O estruturalismo latino-americano está relacionado à
Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe criada
nos anos 1950. À luz das experiências históricas, as principais
contribuições apresentadas nesta versão latino-americana estão
nas obras de Raúl Prebisch, Celso Furtado, Juan Noyola
Vázquez, Aníbal Pinto, Ignácio Rangel e Osvaldo Sunkel, dentre
outros. A preocupação central destes pensadores dizia respeito
aos desafios específicos enfrentados por países em
desenvolvimento para crescer em uma economia mundial dividida
em dois polos: o “centro” e a “periferia”, com suas distintas
estruturas produtivas (Prebisch, 1949; Furtado, 1961).
A CEPAL foi criada no imediato pós-Guerra a partir da
necessidade de se adequar a teoria econômica à realidade social
e histórica da América Latina. Para os cepalinos era
imprescindível combinar a análise das estruturas econômicas no
plano nacional com a dinâmica internacional, garimpando suas
diferenças e suas diferenciações, confrontando-as com a
realidade historicamente observada. Este procedimento levou à
noção de hierarquia entre nações, isto é, a divisão entre centro e
periferia. O problema da ciência econômica mainstream como
apresentada na época estaria na tentativa de aplicar na periferia
categorias analíticas adequadas apenas à realidade
socioeconômica dos países centrais. Era preciso formular uma
teoria que informasse uma nova forma de fazer política
econômica. Foi neste contexto que surgiu o manifesto cepalino de
1949, da pena de Raúl Prebisch, trabalho fundador da escola de
pensamento latino-americana. Podemos resumir a visão cepalina
sobre a dinâmica internacional que prende as economias
periféricas na armadilha da baixa renda da seguinte forma: o
subdesenvolvimento da periferia resulta da tentativa de expansão
dos mercados nos países desenvolvidos. A produtividade
alcançada pelas inovações tecnológicas das revoluções
industriais se deparou com a deficiência de demanda em seus
mercados internos, bem como pela elevação dos custos de
produção devido ao aumento no poder de barganha dos
trabalhadores. Com vistas a elevar a rentabilidade dos
investimentos, as empresas dos paísesindustrializados passaram
então a buscar matérias-primas, trabalho barato e demanda para
seus produtos no mundo subdesenvolvido. Como nestes países
não existe uma estrutura sindical organizada e raramente as
elites econômicas detêm um projeto de desenvolvimento
autônomo, nasce uma interação específica entre os interesses
estrangeiros e os das elites dirigentes. Formam-se alianças com
as elites locais para bloquear o avanço de forças sociais que
acompanham o desenvolvimento econômico e que poderiam vir a
ameaçar a estrutura social vigente. Afinal, não é do interesse das
empresas estrangeiras o desenvolvimento local, pois isso poderia
levar ao aumento do poder dos trabalhadores e
consequentemente à elevação dos custos das matérias-primas a
serem exportadas para o centro, além do surgimento de
concorrência industrial. Desta forma, não se observa a formação
nem de uma “burguesia nacional” nem um “capitalismo
autóctone”, que poderia conduzir ao que Acemoglu e Robinson
(2012) chamaram de instituições inclusivas em seu livro Por que
as nações fracassam. Ao penetrarem nos esquemas produtivos
destes países, as empresas estrangeiras não promovem a
mesma modernização econômica, tecnológica e institucional que
o desenvolvimento do capitalismo imprimiu nos países centrais.
 
Países ricos são industrializados e países pobres são
primário-exportadores
 
Segundo Prebisch (1949), a contradição do desenvolvimento
latino-americano residiria na insuficiência de acumulação de
capital exigida pela tecnologia contemporânea, em face do modo
exagerado de consumo do grupo das altas rendas. Se deixada à
mercê do livre comércio baseado em vantagens comparativas, tal
estrutura tenderia a se agravar. A especialização em produtos
primários deixaria os países periféricos dependentes de bens
cujos preços tenderiam a perder espaço conforme o
desenvolvimento econômico avançasse mundo afora: a hipótese
da deterioração dos termos de troca, peça central do manifesto
de 1949. Apenas a industrialização seria capaz de emancipar os
países periféricos de uma situação subordinada no contexto do
capitalismo internacional e de diminuir a distância entre centro e
periferia. Como dificilmente este processo ocorreria
espontaneamente por meio do mercado, a industrialização
deveria ser coordenada pelo Estado. Este seria mais autônomo
com relação aos interesses das elites econômicas e, além disso,
poderia dispor de um corpo técnico eficiente, sendo crucial, neste
tocante, a formação de um corpo de economistas atentos aos
desafios peculiares ao desenvolvimento latino-americano.
A teoria econômica vinda do hemisfério norte ignorava os
traços históricos e institucionais da região como, dentre outros, o
padrão feudal de propriedade da terra que tornava rígida a oferta
de alimentos, gerando pressões inflacionárias nos centros
urbanos a cada fase expansiva do ciclo de crescimento industrial
(Kalecki, 1954 e Georgescu-Roegen, 1968). A aplicação desta
teoria tinha tudo para piorar as coisas; o sucesso do centro se
daria necessariamente às custas do avanço da periferia.
Portanto, ao abandonar o princípio da harmonia, os estruturalistas
latino-americanos viam o mundo de forma totalmente diferente.
Em vez de equilíbrio, percebiam indomáveis e persistentes
desequilíbrios atormentando suas economias. O pleno emprego
dos trabalhadores e da capacidade produtiva era, por sua vez,
uma fábula que jamais haviam visto; se ocorresse de fato, os
trabalhadores poderiam contar com maior poder de barganha e
demandar salários mais elevados, como preveria mais tarde o
clássico modelo de William Arthur Lewis de 1954. A ideia de
mercados e preços se ajustando de forma fluida e desimpedida
não se conformava às estruturas produtivas rígidas e altamente
desiguais observadas na América Latina.
O que os teóricos cepalinos observavam era o atraso em
todas as dimensões das sociedades periféricas. O capitalismo
pleno e moderno não se tornara na região a forma dominante de
organizar a produção. Os setores produtivos se modernizaram de
forma desigual e com viés primário-exportador, de forma que o
atraso industrial tornava estas sociedades altamente
dependentes do ritmo de expansão dos mercados internacionais.
Não demoravam, portanto, a aparecer o desemprego estrutural e
disfarçado (Robinson, 1936 e Rosenstein-Rodan, 1943) nas
aglomerações urbanas, os grandes desequilíbrios na distribuição
da renda e a instabilidade política. Por isso não se pode abstrair o
funcionamento das economias nacionais de toda a organicidade
que caracteriza a relação de dependência entre centro e periferia.
Como bem colocou Furtado (1999, p. 108), “a tecnologia moderna
penetrava com intensidade no estilo de vida e muito debilmente
no aparelho de produção. Essa distonia está na raiz do fenômeno
que em nossa época veio a ser conhecido como
subdesenvolvimento”. A quase identificação entre capitalismo,
dependência e subdesenvolvimento torna-se um elemento
indispensável para a análise da evolução econômica da América
Latina.
Em resumo, podemos esquematizar o núcleo da Teoria
Cepalina do desenvolvimento latino-americano em duas
proposições centrais: I) economias latino-americanas
desenvolveram estruturas pouco diversificadas e integradas;
setor primário-exportador dinâmico, porém incapaz de difundir
progresso técnico para o resto da economia, de empregar
produtivamente o conjunto da mão de obra e de permitir o
crescimento sustentado dos salários reais; livre comércio
aprofundaria estes traços ao longo do tempo na ausência de uma
indústria dinâmica e II) ritmo de incorporação do progresso
técnico e de aumento na produtividade é maior nas economias
industriais (centro) do que nas especializadas em produtos
primários (periferia), gerando a diferenciação secular da renda em
favor do centro; os preços de exportação dos produtos primários
apresentam tendência declinante em relação aos produtos
industrializados: dá-se aqui a percepção de que a tendência à
deterioração dos termos de troca levaria à transferência dos
ganhos de produtividade do setor primário-exportador para os
países industrializados.
Originalmente, a abordagem cepalina se apresentou como
um corpo teórico não formal, em que a elaboração de hipóteses,
conceitos e implicações foi conduzida paralelamente à descrição
dos aspectos da realidade econômica da América Latina. Por
isso, há certa ambiguidade na especificação das hipóteses e
definições básicas das relações causais entre as variáveis e
predições da teoria cepalina. Como argumentou Colistete (2007,
p. 27), as proposições requerem que se explicitem e se
verifiquem algumas hipóteses adicionais para que se possa
avaliar a validez da abordagem como um todo. Supõe-se que os
efeitos dinâmicos sobre a economia seriam mais intensivos em
uma economia industrial. Logo, a diversificação industrial seria o
principal meio para reverter os efeitos negativos da
especialização primária. Não há na teoria, todavia, qualquer
especificação quanto à natureza da diversificação industrial,
apenas a ênfase na indústria de bens de capital como o núcleo
da geração e difusão do progresso técnico. O processo de
industrialização deveria incorporar setores de bens de produção
mais complexos e capazes de gerar e difundir progresso técnico
por toda a estrutura industrial. Já as hipóteses adicionais
postulam que a produção primário-exportadora é limitada em
termos de incorporação de valor agregado e, por consequência,
que os efeitos de encadeamento das atividades exportadoras
sobre os outros setores produtivos são limitados.
 
O café no Brasil
 
Uma maneira de avaliarmos, na prática, as proposições dos
economistas cepalinos e clássicos do desenvolvimento é estudar
as estruturas de mercado dos principais produtos do mundo
revelados no comércio mundial. Uma análise dos padrões de
comércio atuais no mundo nos mostra que países de renda per
capita elevada se especializam em atividades de concorrência
imperfeita, enquanto países pobres não conseguem se
especializar senão em atividades de concorrência quase perfeita.
África, AméricaLatina e Ásia pobre produzem e exportam os
principais bens primários do mundo, e os países ricos processam
e revendem esses mesmos produtos: minério de ferro, de cobre,
soja, açúcar, petróleo, cacau etc. Um bom exemplo disso é a
cadeia produtiva de café no globo.
O Brasil se especializou no elo mais fraco da cadeia de valor
do café. Países especializados em commodities são tomadores
de preços em um mercado que se aproxima da concorrência
perfeita. O produto é homogêneo, há baixa diferenciação por
marcas e P&D é pouco relevante. Já os torradores recebem 80%
do valor do grão. A atividade requer P&D e know-how para
harmonizar os sabores ao gosto dos clientes. A concorrência é
imperfeita: as marcas top 10 atingem 35% do mercado mundial.
Há diferenciação por marcas e produtos: Nestlé e Starbucks
estão entre os maiores. Dos 60 milhões de sacas produzidas por
ano no Brasil, 20 milhões são consumidos por aqui e o resto
exportado. O Brasil segue sendo um dos maiores exportadores
do mundo logo a frente de Suíça e Alemanha. Apesar de não
plantarem um único pé de café, esses dois países dominam parte
relevante desse mercado no mundo. Em termos de cápsulas e
extratos, aparecem em 2014 como exportadores relevantes
também. O mercado de cápsulas ilustra bem a pobreza do Brasil
em termos de capacidade de adicionar valor aos seus produtos
básicos e subir na escada tecnológica rumo ao desenvolvimento
econômico, conforme alertava a CEPAL.
Em relação às cápsulas, o poder de mercado e diferenciação
de produtos é ainda maior do que na torrefação. A mais recente
fábrica da Nespresso construída na cidade alemã de Schwerin
representa um dos maiores investimentos feitos no setor nos
últimos anos. A escala de produção e a localização da cidade no
centro da rede consumidora europeia tornam a competição para
empresas brasileiras muito difícil. Na fábrica, os 350 empregos
gerados pagarão salários interessantes e adicionarão ainda mais
riqueza à região. A saca de café de 60kg que saía no Brasil a R$
400 em 2018, ou seja, R$ 6,6 o quilo, se transforma numa
cápsula que é vendida no varejo brasileiro por R$ 400 o quilo. O
preço remunera a construção da fábrica e gera um fluxo de
salários e produtividade lá bem maior do que aqui. Depois, a
cápsula é reexportada para o Brasil e vendida por um preço 70
vezes maior do que o preço de saída. Aqui, um lojista brasileiro
ganha um salário baixo de serviço não sofisticado para vender a
cápsula. O barista consegue ainda adicionar algum valor para
tentar vender o produto um pouco mais caro. O ciclo de pobreza
e riqueza do café se fecha então. Quem ganhou dinheiro mesmo
foram os alemães e suíços que processaram o café. Algo
parecido com o café ocorre também no petróleo brasileiro:
exportamos cada vez mais óleo bruto e importamos derivados
como querosene de aviação, nafta, solventes, coque e
lubrificantes. Nossas refinarias vão ficando ociosas e atrasadas.
Praticamente tudo o que comemos no café da manhã,
almoço e jantar depende de gigantes multinacionais suíças,
francesas, inglesas e americanas. Países ricos importando as
matérias-primas dos emergentes, processando, colocando suas
marcas e revendendo com mais valor. A Givaudan, IFF,
Firmenich, quase todas suíças, compram ingredientes básicos e
simples no Brasil, processam, produzem essências, condimentos
e extratos e depois vendem para a Unilever e outras gigantes.
Estas, por sua vez, adicionam isso a outras matérias-primas e
produzem alimentos processados; põem suas marcas e vendem
nos supermercados brasileiros. Há oligopsônio na compra dos
ingredientes básicos, poucos e enormes compradores, e
oligopólio na venda dos alimentos processados, poucos
vendedores muito grandes. Onde fica o lucro? As matérias-
primas da África, Ásia e América Latina viram lucro na Suíça,
Alemanha, França e EUA – café, cacau, frutas, especiarias,
condimentos. Poder de monopólio, marcas fortes, concentração
de mercado, diferenciação de produtos garantem a concentração
produtiva e de lucros. Mesmo raciocínio se aplica a aromas,
fragrâncias, perfumes, desodorantes, detergentes, sabão,
bebidas; frutas naturais para extração de óleo; especiarias como
cravo e canela, flores como hibisco e maracujá e extratos
botânicos, e milhares de outras matérias-primas. A CEPAL segue
mais atual do que nunca.
 
O mercado de cosméticos no mundo
 
Barreiras à entrada, grandes economias de escala e
diferenciação por marcas são algumas das características que
dificultam muito o acesso de novas empresas do mundo
emergente a esses mercados industriais de alta qualidade.
Alguns exemplos ilustram facilmente o ponto e ajudam a entender
como a economia mundial está estruturada hoje em termos
desses mercados. Aviões: Boeing, Airbus, Bombardier e Embraer.
Automóveis: Toyota, Hyundai, GM, Ford, Fiat. Alimentos
processados: Nestlé, Danone. Eletrônicos: Apple e Samsumg, e
assim por diante. Fármacos com Roche, Pfizer, Merck, Sanofi,
Novartis, Bayer e Johnson & Johnson. O mundo dos cosméticos,
em outro exemplo, é dominado por poucas empresas europeias e
norte-americanas. No entanto, algumas empresas asiáticas,
sobretudo japonesas, sul-coreanas e chinesas, têm adentrado
este bilionário mercado. O mercado de cosméticos é muito
oligopolizado e sete empresas detêm cerca de 180 marcas para
cuidado da pele para o corpo e rosto, cabelo, perfume e
maquiagem. A Estée Lauder possui 24 marcas de produtos
nestas categorias.
Entrar nesses mercados não é tarefa fácil. Mas algumas
empresas de países asiáticos já conquistaram mercados globais,
principalmente as japonesas Bioré, Kosé, Kenzo, Issey Miyake e
sul-coreanas como Missha, Amoré Pacific, Clio, LG (a mesma de
eletrônicos). Como estas empresas estão entrando em um
mercado tão oligopolizado? Com inovação e criação de patentes
e crescentes investimentos em P&D. A Coreia é o quinto país no
mundo que mais investe em P&D no setor. O governo destinou a
esta indústria bilhões de dólares, criando um cenário perfeito para
que as marcas criem e testem suas inovações, que incluem
fórmulas, ingredientes, processos e embalagens. Esta estratégia
também foi desenvolvida para que a Coreia do Sul se torne uma
potência mundial na indústria de biosaúde e cosmética, áreas em
que as pesquisas ganharão mais investimentos nos próximos
anos. O Ministério da Saúde e Bem-Estar do governo sul-coreano
vai apoiar a expansão de investimento em P&D para produtos
antienvelhecimento e outros cosméticos. Até 2020, o governo
espera que as duas principais empresas de beleza do país
entrem no top 10 das marcas globais em termos de receita.
No Brasil temos o incrível caso de sucesso da Natura
Cosméticos, que soube se alavancar a partir de nosso mercado
doméstico para se tornar uma gigante mundial e brigar na liga
dos campeões. Atrás apenas dos Estados Unidos, China e
Japão, o Brasil ocupa hoje a quarta posição no ranking mundial
no consumo de cosméticos. Para se fortalecer na briga com os
gigantes mundiais, a Natura comprou recentemente a Avon por
meio de troca de ações. A Natura Holding, que resultará em
combinação de negócios, operações e bases acionárias, está
avaliada em US$ 11 bilhões; com a combinação dos negócios
passará a ser a quarta maior empresa de cosméticos do mundo,
com quase 70% das receitas vindas do exterior. Embora o
negócio tenha iniciado com uma primeira loja física em 1970 na
rua Oscar Freire, em São Paulo, com atendimento pessoal de
Luiz Seabra, foi com o modelo de negócios de venda direta
adotado a partir de 1974 que a empresa se solidificou. A venda
direta é o famoso “porta a porta”, na qual revendedores fazem a
venda aos consumidores no ambiente doméstico ou profissional,
sem envolvimento do varejo tradicional. Caracteriza-se por
margem de lucro alta, pois o consumidor paga o preço do varejo
sem o envolvimento deste último.
Em 2009, 40 anos após a sua fundação, a Natura registrou 1
milhão de consultoras. Com a junção de negócios com a Avon,
passarão a ser mais de 6,3 milhões de representantes e
consultoras da Avon e Natura. Fortemente aderente à cultura da
sustentabilidadee com estratégia de valorização da brasilidade, a
Natura se destacou nos anos 2000 com o lançamento da linha
Ekos, com ativos da biodiversidade nacional, com a formação de
fornecedores locais na Amazônia. A estratégia da empresa incluiu
desenvolvimento de capacidades produtivas nas comunidades,
pesquisas sobre biodiversidade, reforma de escolas e construção
de fábricas no Pará. O mercado internacional foi explorado
inicialmente via contrato de distribuição no Chile, em 1982. A
segunda etapa consistiu na instalação de operações na Argentina
e Peru, em 1992. Mais de uma década depois, em 2005, a Natura
abriu loja em Paris, e, em 2016, em Nova York, além de várias
outras no Brasil. Mais recentemente, a Natura adotou arrojada
estratégia de consolidação com aquisição da Aesop em 2013 e
The Body Shop em 2017 (esta última por €$ 1 bilhão), e agora
recentemente a Avon.
5. QUEM SAI NA FRENTE COSTUMA GANHAR O JOGO INDUSTRIAL
 
Qualquer pessoa que já tenha empurrado um carro enguiçado
numa avenida sabe quanta força é necessária para deslocar o
veículo por poucos metros. Agora, quando o carro funciona, um
leve pisar no acelerador pode levá-lo em poucos segundos a uma
velocidade de mais de 100 km/h. De forma análoga, na presença
de retornos crescentes de escala, uma firma ou setor conseguem
grande acréscimo da quantidade do produto final, mais do que
proporcionalmente ao aumento da quantidade de utilização de um
fator de produção (terra, capital ou trabalho). Assim, um aumento
de 10% na quantidade de horas trabalhadas, por exemplo, pode
determinar um aumento de 15%, 20% ou muito mais da produção
da empresa. Este fenômeno aparece quando empresas ou
setores operam com complexas redes de cooperação, a partir de
uma intrincada divisão do trabalho tanto dentro das empresas
como entre as empresas. Uma maior produção significa que cada
insumo adicionado é mais produtivo e, ao combinar-se com
outros fatores, reduz o custo de cada unidade adicional do bem
produzido (o que os economistas chamam de custo marginal). Se
produzir mais significa menores custos, as empresas e setores se
aproveitam da sua produtividade e têm, portanto, fortes estímulos
para expandir produção e buscar mais lucros, e dominar maior
fatia do seu mercado.
O setor manufatureiro costuma se destacar neste aspecto.
Em contraste com a maioria das empresas do setor de serviços
não sofisticados ou do agronegócio, as empresas industriais
enfrentam custos marginais decrescentes ao expandir a
produção; ou seja, sua atividade se beneficia de retornos
crescentes de escala e escopo. Adicionar um turno à jornada de
produção ou implantar uma nova máquina no chão da fábrica
pode multiplicar em muitas vezes a capacidade de produção de
uma determinada indústria. Nos setores de serviços não
sofisticados e agronegócio, a expansão da atividade tende a
custar caro, sem acrescentar na margem uma capacidade
produtiva significativa. São setores que sofrem com retornos
decrescentes conforme se amplia a escala da produção.
Atividades com retornos crescentes de escala exibem também
fortes externalidades de redes e dinâmicas de aglomeração. Isso
significa que quem faz a primeira jogada ou tem a melhor ideia
(os first movers) ganha posição de destaque no mercado e tende
a atrair mais atenção e maior poder sobre o mercado. A empresa
que sai na frente tem forte poder de aglutinar fornecedores e
consumidores em sua rede de influência, dando espaço à
dinâmica de “armadilha” (lock-in), o que torna o comportamento
da rede dependente da trajetória (path-dependent). Isto significa
que as condições iniciais determinam boa parte da história
posterior do sistema; daí a importância de, como no jogo de
xadrez, ser “o primeiro a jogar”. Um bom exemplo aqui está na
disputa entre os padrões VHS e Betamax dos aparelhos
videocassete dos anos 1980. Mesmo com um padrão tecnológico
pior, o sistema VHS ganhou a batalha pois saiu na frente e
equipou primeiro a casa dos consumidores (ver David, 1985).
 
Redes produtivas e dinâmicas de aglomeração
 
A produção sujeita a economias de escala e retornos crescentes
também se concentra no espaço. Por exemplo, no Brasil de 2017
quase metade do PIB do país foi gerado por apenas 69
municípios segundo o IBGE. Juntas, essas cidades reuniam mais
de um terço de toda a população brasileira. Outro recorte mostra
que 25% de toda a economia do país estava concentrada em
apenas sete municípios. Isso se repete em todos países do
mundo, trata-se de uma característica de processos produtivos
com essas propriedades. Todos os sistemas que operam com
fortes economias de escala e retornos crescentes criam centros e
preferias dentro dos países e entre países. Prebisch e Furtado
apenas observaram isso na economia mundial: os países ricos ou
“centro” desenvolvem mais atividades com economias de escala
do que os países pobres ou “periferia”.
Para entender melhor o funcionamento desses processos
usemos o que os estatísticos chamam de “urna de Polya”.
Imagine uma urna que contém inicialmente 10 bolas azuis e 10
bolas vermelhas; agora, para cada bola azul retirada
aleatoriamente da urna acrescente mais uma azul e repita o
procedimento para bolas vermelhas. Depois de algum tempo a
urna estará mais carregada de bolas azuis ou vermelhas
dependendo da aleatoriedade dos passos iniciais do processo.
Digamos que o acaso tenha favorecido as bolas azuis no
começo, depois de muitas repetições deste processo a urna
estará cheia de bolas azuis e com uma proporção bem pequena
de bolas vermelhas. Quanto mais bolas azuis se coloca na urna,
maior a probabilidade de se retirar novamente uma bola azul. Se
o processo continuar, as bolas vermelhas praticamente
desaparecerão como proporção das azuis. Esse tipo de dinâmica
ilustra claramente um processo de retornos crescentes e path
dependent.
Poderíamos, por exemplo, dizer que Alemanha, Japão, China
e Coreia do Sul hoje seriam as indústrias sofisticadas “bolas
azuis”. Façamos agora o mesmo experimento com duas urnas de
Polya, uma brasileira e outra alemã: cada bola azul (indústria high
tech) sorteada na urna da Alemanha implica retirar uma bola azul
da urna brasileira. E assim continuamos sorteando bolas na urna
alemã e cada vez que sai uma azul, tiramos mais uma do Brasil e
mandamos para lá. Depois de algumas rodadas, teremos muito
mais bolas vermelhas (indústrias simples) para o Brasil e mais
bolas azuis para a Alemanha. Por que isso ocorre? As economias
de escala e retornos crescentes geram forças centrípetas (em
relação aos polos já existentes), e os custos de transporte, do
trabalho e de ocupação geram forças centrífugas. As gigantescas
economias de escala da Alemanha (ou de China e EUA) atrairão
para si, como bombas de sucção, bolas azuis, até que os custos
de transporte e trabalho interrompam o processo.
A localização das redes produtivas ao redor do globo
dependerá, portanto, da resultante dessas forças, trazendo
importantes consequências para países desenvolvidos e em
desenvolvimento. No caso do comércio internacional, esse
processo cumulativo é atenuado por fricções como os custos de
transporte, barreiras comerciais (tarifárias e não tarifárias), bem
como políticas de administração da taxa de câmbio e de fomento
de indústrias estratégicas locais. Para mais detalhes de
experiências internacionais neste sentido, Chang e Lin (2009) é
uma leitura imperdível. Krugman, Fujita e Venables (1999)
também discutiram amplamente essas ideias do ponto de vista
teórico em seus modelos do tipo centro periferia da chamada
nova geografia econômica. Paul Krugman teve as sacadas para
modelar esses processos a partir de uma conversa com um
empresário, que contava para ele como o Japão usou seu
mercado interno para “treinar” suas empresas de carros para
depois conquistar a América (o mesmo ocorreu com TVs,
cortadores de grama, motos, semicondutores, eletrônicos em
geral e outros produtos). Usando modelagem mais formal, não
era difícil perceber que com retornos crescentes de escala quem
sai na frente ganha, estabelece uma posição competitiva com
custosdecrescentes que dificilmente poderá ser contestada no
futuro (first mover advantage). Mercados não conseguem
“resolver” isso automaticamente, a distância entre países e
empresas aumenta, surgem divergências e não convergências.
Assim surgiu o que ficou conhecido como a Nova Teoria do
Comércio Internacional que formalizou em modelos o que os
antigos economistas estruturalistas e do desenvolvimento
econômico sempre disseram.
Aqui o papel da inovação é essencial. Quem inova mais
chega em primeiro lugar e assume a liderança do mercado,
enquanto os concorrentes tentam copiar as novidades. Na
economia do aprendizado (learning economy) é preciso trabalhar
intensamente apenas para manter a sua posição relativa. Como
ocorre em muitos esportes, há muitas barreiras à entrada nesta
categoria de elite do campeonato mundial da tecnologia. É
preciso muito investimento em pesquisa e desenvolvimento
apenas para conseguir uma vaga nestes mercados, bem como
para, uma vez dentro, manter-se competitivo apenas como um
imitador (ou emulador) dos líderes. As atividades de produção
industrial e serviços escaláveis oferecem as melhores
oportunidades de gerar diferenciações que se traduzem em
sofisticação produtiva. As indústrias transacionáveis mais
complexas e sofisticadas de um país e do planeta operam nesta
categoria de elite; elas são a vanguarda. Quanto maiores as
economias de escala presentes na indústria e no processo, maior
a probabilidade de retornos crescentes e de concentração da
produção à la urna de Polya. Por outro lado, commodities e
serviços não sofisticados apresentam, via de regra, retornos
decrescentes de escala e, por isso, inibem a formação de redes
complexas em nível similar ao da manufatura e serviços
sofisticados. Como já vimos anteriormente, setores de baixa
complexidade perdem produtividade com a escalabilidade dos
negócios. Uma concentração excessiva do tecido produtivo de
um país em atividades desse tipo tende a diminuir a produtividade
agregada dessa economia, bem como a capacidade do sistema
produtivo de absorver avanços técnicos tanto no maquinário
quanto no conhecimento exigido dos trabalhadores, o capital
humano.
Uma outra questão fundamental sobre a relação entre redes
produtivas e o desenvolvimento econômico diz respeito à
“transacionabilidade” dessas redes (ou tradeability, como bem
argumentou Gunnar Myrdal em seus trabalhos pioneiros sobre o
tema). Este conceito se refere à dificuldade de levar tais redes
para fora do país, como um quebra-cabeças que, uma vez
montado, precisa ser transportado. Vale destacar que as
capacidades produtivas locais contidas nessas redes são
insumos não transacionáveis; as redes produtivas não “viajam
bem” e, portanto, são locais e se instalam em determinados
países. Nessa perspectiva fica evidente que uma abertura ampla
e generalizada do comércio mundial não afetaria uniformemente
todos os países. Mais do que isso, o jogo tende a ficar
desequilibrado de forma persistente e as diferenças tecnológicas
entre países tendem a se autorreforçar. A partir da relação das
suas estruturas produtivas locais com as dos seus parceiros
comerciais, há uma tendência a se gerarem fortes concentrações
regionais das indústrias mais sofisticadas, com maiores retornos
de escala e com menor transacionabilidade: as redes não saem
dos países. Ainda na linha de Myrdal, o que se observa é um
processo de causação cumulativa, em que países com estruturas
produtivas menos sofisticadas têm mais dificuldade de entrar na
liga dos campeões. Esta dificuldade aumenta quanto mais tempo
permanecem fora da liga, tornando cada vez menos plausível seu
aprimoramento produtivo para concorrer com os campeões
mundiais (o que chamamos de catching-up).
Essa discussão já estava presente nos clássicos trabalhos
de Alfred Marshall sobre economias de aglomeração, redes
produtivas locais e externalidades positivas presentes nas
análises de “distritos industriais” do final do século XIX. O
desenvolvimento econômico é sempre um fenômeno regional e
local. As regiões, cidades e países que têm as redes produtivas
mais complexas e sofisticadas são ricos e desenvolvidos. Os
insights de economias de rede são, portanto, chave para se
entender a complexidade produtiva dos diversos países e sua
conexão com desenvolvimento econômico. A criação de produtos
complexos requer grandes redes produtivas, com ampla
integração entre firmas. Os exemplos clássicos aqui são
computadores, automóveis e aviões que necessitam de uma
infinidade de fornecedores e produtores, dentro do próprio país
de produção e fora, integrados ao processo produtivo: as
chamadas cadeias globais de valor. No caso de um avião da
Boeing, por exemplo, as turbinas são feitas na Europa e nos
EUA, as asas na Ásia, o trem de pouso no Reino Unido e partes
da fuselagem no próprio Estados Unidos, China e outros países
da Ásia. As portas dos compartimentos de carga são feitos na
Suécia e as portas dos passageiros na França.
A produção de carros no mundo também é um bom exemplo
do que discutimos aqui. Temos uma dinâmica industrial de
aglomeração do tipo “Krugman” nessas indústrias. Uma abertura
generalizada de todos os mercados do mundo em relação a
importação de carros criaria alguns grandes clusters produtores
(first mover advantage) com plataformas exportadoras (Coreia,
Japão, China, EUA e Europa). Na verdade, já é assim hoje, no
mundo e no Brasil. Só países de renda alta e alguns de renda
média são capazes de produzir carros. Na África e Ásia central
não há quem produza carros. O mesmo vale para aviões, navios,
helicópteros, máquinas, químicos e bens mais sofisticados e
complexos. Por outro lado, todos os países do mundo são
capazes de construir shopping centers. Um shopping nada mais é
do que um grande imóvel que abriga várias lojas de varejo,
cinemas e restaurantes: serviços não sofisticados. Que empregos
são gerados lá dentro? Lojistas e atendentes de todos os tipos:
sem necessidade de qualificação, sem aprendizado tecnológico.
Empregos de baixa qualificação e baixos salários. Os shoppings
são um belo exemplo de estrutura produtiva que gera pouco ou
nenhum avanço tecnológico na economia. Vamos pensar agora
em uma fábrica de automóveis de ponta: Mercedes-Benz. O que
fazem as pessoas lá dentro? Desenvolvimento de inovações e
tecnologias o tempo todo: motores, sistemas de transmissão,
design, TI e controle dos carros etc. Quem trabalha numa fábrica
dessas? Robôs e engenheiros altamente qualificados. Salários
altos e uma busca incessante por escala e conquista de
mercados locais e mundiais. São negócios também altamente
lucrativos para as marcas de ponta: Toyota, Hyundai, BMW,
Mercedes etc. Diante disso perguntamos, então: faz diferença
para um país se concentrar na produção de shoppings ou
fábricas de automóveis? Será que qualquer atividade econômica
promove o desenvolvimento econômico?
 
Shenzhen
 
A zona de exportação de Shenzhen na China é um belíssimo
exemplo de cluster industrial high tech que conseguiu inclusive
chegar à liga dos campeões mundiais. Vale a pena ver
documentário Shenzhen: The Silicon Valley of hardware da
revista Wired sobre a região. A cidade é hoje uma das maiores e
mais importantes da China, localizada na província de
Guangdong, no sul do país, ao norte de Hong Kong. Era uma vila
de pescadores com menos de 100 mil habitantes nos anos 1970,
hoje tem mais de 15 milhões de moradores. Foi a primeira cidade
chinesa a abrigar uma zona econômica especial, implementada
pelo governo chinês em 1979 e que transformou radicalmente a
cidade numa base exportadora de manufaturas high tech. Sua
população cresceu mais de 5000% nesses últimos 33 anos, e sua
economia, mais de 9000% desde então. O poderio econômico
apresentado por Shenzhen, figurando como um dos principais
centros financeiros, urbanos, culturais e administrativos da China
atual, é fruto de gigantescos estímulos do governo e atração de
investimento estrangeiro. Em 2010 Shenzhen ficou na 4ª posição
entre as cidades mais ricas da China, ficando atrás somente de
Xangai, Hong Konge da capital Pequim.
A cidade virou o “Vale do Silício da China” e superou a renda
per capita do experimento liberal mais bem-sucedido do pós-
guerra, Hong Kong, seu vizinho no Delta do Rio Pérola. O feito é
impressionante por vários motivos. Escolhida como primeira Zona
Econômica Especial para testar as reformas na China pós-Mao,
Shenzhen iniciou seu crescimento, em grande medida, por meio
de investimentos externos diretos de Hong Kong, que na época
era industrializado. Colônia britânica até 1997, Hong Kong adotou
uma via mais liberal oferecendo sua vantagem comparativa na
época, a mão de obra barata, em troca de investimentos externos
para produzir bens simples. Quando os custos aumentaram, as
fábricas partiram para lugares como Shenzhen. Sem indústria, e
com localização e topografia apropriadas, Hong Kong se
especializou em serviços desde então. Já Shenzhen, por meio de
incessante planejamento governamental, tornou-se referência em
alta tecnologia. No início o governo constituiu uma “zona
econômica especial” dando isenção tributária geral para quem ali
produzisse para exportação; ao mesmo tempo promoveu forte
política de proteção tarifária protegendo as indústrias chinesas
nascentes. Num segundo momento, convidou os estrangeiros
para usar essa incrível base logística na foz do Rio Pérola,
repleta de mão de obra produtiva e barata. Auxiliou também a
região e o país com uma política cambial ultracompetitiva para
conquista de mercados no mundo. O aprendizado tecnológico ali
foi incrível. Nos estágios finais as tarifas foram removidas e
Shenzhen virou um filho prodígio. A cidade de Shenzhen produziu
em 2010 mais de 75% dos tablets do mundo. É hoje um dos
principais clusters regionais que produzem novas tecnologias
para o mundo.
 
Mittelstand na Alemanha
 
O estado alemão de Baden-Württemberg, que conta com 10
milhões de habitantes, produz o equivalente ao PIB norueguês e
três vezes mais do que o PIB português. O que se produz lá que
faz com que as pessoas sejam tão ricas? Ouro? Muito pelo
contrário. A produção de riquezas naturais e agricultura é
praticante irrelevante. Seriam os restaurantes, as farmácias,
hospitais, shopping centers e cabeleireiros a fonte de tanta
produtividade? Também não. A grande fonte de riqueza e
produtividade desse estado está na produção de bens
transacionáveis sofisticados. Aí se baseiam companhias como
Porsche, Hugo Boss, Zeiss, Mercedes e SAP e inúmeras outras
pequenas e médias empresas nas áreas de mecânica de
precisão, maquinaria e outros setores de ponta. A região não é
rica graças aos seus recursos naturais, é rica por conta de sua
rede produtiva altamente sofisticada que abastece o mundo
inteiro com bens transacionáveis complexos. Ainda na mesma
região, no estado vizinho da Bavaria os destaques são BMW,
Audi, Siemens, Continental, MAN, Puma e Adidas. O chamado
“mittelstand” alemão abastece o mundo com seus produtos e
tecnologia de ponta; aí está o segredo da riqueza da Alemanha.
Dos 80 milhões de alemães, 42 milhões trabalhavam em 2011.
Dos que trabalhavam, 17,52% estavam na indústria e 15,34% nos
serviços empresariais e finanças. Ou seja, quase 36% em
empregos do tipo engenharia, design, marketing, TI, gestão,
todos eles com grandes economias de escala e alta qualificação.
No Brasil, para uma população de 200 milhões em 2011, 105
milhões (52,5%) trabalhavam. Desses, 10,6% estavam na
indústria, bem mais low tech em relação à Alemanha, e 10,5% em
serviços empresariais e finanças, também menos high tech do
que na Alemanha. O Brasil emprega muita gente em
agropecuária e serviços não sofisticados, setores onde a
produtividade do trabalho tende a ser baixa. Até 2009 a indústria
brasileira ocupava muita gente ainda, algo que vem sendo
revertido de maneira preocupante desde 2013. O número de
pessoas empregadas na agropecuária brasileira de 15% (apesar
de ter caído 10 pontos percentuais desde os anos 1980) ainda é
muito alto quando comparado ao que se vê em países
desenvolvidos que têm aproximadamente 2% dos empregos
nesse setor. Além de ocupar o maior número de trabalhadores
em setores de baixo desempenho em termos de produtividade, os
empregos industriais brasileiros também apresentam baixa
produtividade quando comparados aos seus congêneres em
países emergentes e desenvolvidos. Ou seja, o Brasil sofre em
termos de composição setorial “ruim” para produtividade e de
nível baixo de produtividade mesmo dentro dos setores
“corretos”. Temos uma configuração setorial ruim no sentido de
perda de espaço da manufatura e aumento de espaço do setor de
serviços tradicionais. Muitos empregos ainda em agricultura
familiar e subsistência, sem escala e mecanização. Então, nossa
produtividade em agricultura é baixa quando comparada a países
ricos. Nossa indústria também é fraca e atrasada em relação ao
que se vê em países ricos desenvolvidos; o grosso que temos de
produção industrial é low tech, enquanto países desenvolvidos
têm indústrias middle tech e high tech. Nossos serviços
tradicionais também são ultrassimples, sem mecanização no
pouco que é possível. Em commodities somos muito produtivos,
por exemplo em Petrobras e Vale, mas esse setor ocupa menos
de 2% do nosso emprego total. Em serviços modernos também
vamos bem, mas é um setor pequeno do ponto de vista de
geração de empregos. Temos, portanto, baixa produtividade
dentro de nossos setores econômicos e também maior
participação de setores com baixa produtividade intrínseca no
PIB.
6. ESTRUTURAS PRODUTIVAS SOFISTICADAS ENRIQUECEM PAÍSES
 
O tema da complexidade ganhou destaque em economia com os
trabalhos de Brian Arthur na liderança do Instituto Santa Fé no
Novo México, no final dos anos 1980. Com aplicações em várias
frentes, a perspectiva de sistemas dinâmicos complexos tem sido
usada em diversos campos de pesquisa em economia e outras
ciências, tais como teoria dos jogos, ciência política, biologia,
física. Em economia, as aplicações originais modelavam o
funcionamento de mercados financeiros, como os indivíduos
tomam decisões em variados contextos, bem como estudos sobre
path dependence, isto é, dinâmicas que dependem de sua
trajetória inicial. Recentemente, os físicos Albert Barabási e César
Hidalgo e o economista Ricardo Hausmann deram novo impulso
ao estudo dos sistemas complexos em economia ao disseminar o
uso das redes complexas para o estudo do comércio
internacional. O mais recente Altas da Complexidade Econômica
de 2011 combina avanços dessa discussão de complexidade com
a tecnologia de Big Data para criar um dos mais modernos e
relevantes banco de dados em economia na atualidade. A ironia é
que toda a sofisticação da metodologia de análise dos dados
obtém resultados empíricos incrivelmente próximos às teses
defendidas por antigos economistas do desenvolvimento e
estruturalistas, como vimos nos capítulos anteriores.
 
Complexidade econômica e sofisticação produtiva
 
Medir a sofisticação produtiva ou “complexidade econômica” de
um país não é tarefa simples; envolve uma combinação de
precisão teórica e cuidado empírico. Ricardo Hausmann, César
Hildalgo e coautores publicaram, em 2011, um método de
extraordinária simplicidade e comparabilidade entre países numa
parceria entre o Media Lab do MIT e a Kennedy School de
Harvard. A partir da análise da pauta exportadora de um
determinado país, deduziram a sofisticação tecnológica de seu
tecido produtivo. A construção dos índices de complexidade
econômica (ECI, em inglês) exigiu o desenvolvimento de uma
metodologia que culminou no Atlas da Complexidade Econômica,
que reúne extenso material sobre ampla variedade de produtos e
países num período de 50 anos desde os anos 1960.
A complexidade produtiva econômica é atestada por meio de
dois indicadores: a ubiquidade e a diversidade de produtos
encontrados na pauta exportadora de países. Se uma
determinada economia é capaz de produzir e exportar muito bens
não ubíquos, isto é, bens raros, entende-se que se trata de um
sofisticado tecido produtivo. Os bens não ubíquos devem ser
divididos entre aqueles que têm altoconteúdo tecnológico e,
portanto, são de difícil produção (aviões), e aqueles que são
altamente escassos na natureza, por exemplo, diamantes, e,
portanto, têm uma não ubiquidade natural. Isto significa que a
escassez de recursos naturais pode influenciar enganosamente a
medição de complexidade; o fato de um bem ser raro envolve um
“acaso” da natureza e não o resultado de capacitações
tecnológicas e produtivas.
Para corrigir essa distorção, os autores do Atlas da
Complexidade usam uma técnica engenhosa: combinam a
ubiquidade do produto feito em um determinado país com a
diversidade de produtos que esse país é capaz de exportar. Isso
impede que o índice confunda complexidade com mera
exploração extrativista. Por exemplo, Botsuana e Serra Leoa
produzem e exportam algo raro e, portanto, não ubíquo,
diamantes brutos. Por outro lado, têm uma pauta exportadora
extremamente limitada e não diversificada. Assim, a não
ubiquidade não deriva de sofisticação produtiva, de forma que o
indicador de complexidade desses países precisa ser corrigido
para representar uma estrutura produtiva baseada em produtos
primários, com baixo valor agregado. Alternativamente, produtos
não ubíquos, mas de alta sofisticação, podem ser encontrados,
por exemplo, em equipamentos médicos de processamento de
imagem, algo que praticamente só Japão, Alemanha e Estados
Unidos conseguem fabricar. Neste caso, as pautas exportadoras
desses países são extremamente diversificadas. Por fim, países
que tenham uma pauta muito diversificada, mas com bens
ubíquos (peixes, tecidos, carnes, minérios etc.), deixam a desejar
em termos de complexidade econômica; não têm nenhum
diferencial produtivo relevante.
A comparação entre Cingapura e Paquistão ajuda a ilustrar a
metodologia. Os dois países têm aproximadamente o mesmo
tamanho de PIB, mas o Paquistão é 34 vezes mais populoso do
que Cingapura, de forma que é muito mais pobre em termos per
capita. A diversidade de exportação do Paquistão e de Cingapura
é praticamente a mesma: ambos os países exportaram
aproximadamente 133 produtos distintos em 2014. Todavia, o
indicador de complexidade econômica (ECI) é bastante diferente
entre os dois: em 2014 o Paquistão tinha uma complexidade
econômica de -0.75 e Cingapura de 1.40, significando que o
segundo país era bem mais complexo do que o primeiro nesse
ano. Os produtos exportados pelo Paquistão são também
exportados por países que têm pautas de exportações pouco
diversificadas, enquanto produtos exportados por Cingapura são
exportados por concorrentes com exportações diversificadas e
não ubíquas. Paquistão exporta tecidos, toalhas e lençóis
principalmente. Cingapura exporta máquinas, computadores e
circuitos integrados majoritariamente.
A capacidade exportadora dos diversos países no mercado
mundial é medida no Atlas através da vantagem comparativa
revelada, uma comparação entre a participação de cada bem na
cesta exportadora de um país em relação a participação do bem
no comercial mundial. Quem exporta muito em termos relativos
demonstra muita competência e vantagem na produção daquele
bem. Uma das grandes virtudes dos indicadores de complexidade
é que eles trabalham com medidas quantitativas a partir dos
cálculos de álgebra linear para chegar aos resultados. Isso
significa que não há juízo de valor em relação ao que se
considera complexo ou não complexo. Outra vantagem
interessante está na identificação de enormes mudanças nas
tecnologias produtivas ao longo do tempo de forma ajustada ao
paradigma tecnológico de cada era. Por exemplo, uma televisão
dos anos 1970 é completamente diferente de uma televisão de
2014. Um carro, avião ou motocicleta dos anos 1980 não se
comparam aos seus modelos atuais. Ainda assim a metodologia
do Atlas da Complexidade captura a dificuldade relativa em se
produzir cada bem em qualquer momento do tempo. Um país
capaz de produzir uma motocicleta hoje talvez fosse incapaz de
produzi-la em 1980, em virtude da inexistência de tecnologias
transferíveis e da baixa integração comercial. Mesmo assim, hoje,
provavelmente, uma motocicleta obtém no Atlas um indicador de
sofisticação bem menor do que obteria nos anos 1980. O
conceito de complexidade se mantém ao longo do tempo sempre
como uma medida relativa entre países e produtos ajustada por
transformações tecnológicas.
Nessa linha de raciocínio, Hausmann e Hidalgo (2011)
seguem classificando diversos países e chegam a correlações
impressionantes entre níveis de renda per capita e complexidade
econômica (ECI) dos tecidos produtivos; esse indicador pode ser
tomado como uma proxy do desenvolvimento econômico relativo
entre países. O desenvolvimento econômico se manifesta no
domínio de técnicas de produção mais sofisticadas que, em geral,
levam à maior geração de valor adicionado por trabalhador, como
defendiam os clássicos do desenvolvimento. Os resultados da
análise empírica do Atlas apontam justamente para esse padrão
de especialização no comércio mundial: países ricos (Europa,
Ásia e EUA) produzem bens mais complexos, enquanto os mais
pobres (América Latina e África) produzem bens menos
complexos. Ademais, há baixa rotatividade no topo da
complexidade produtiva mundial: Japão, Alemanha, Estados
Unidos, Reino Unido e Suécia estão sempre entres os 10
primeiros países nos rankings de complexidade dos últimos 30
anos. Países africanos são grandes produtores de castanha de
caju, cacau, alpiste, minério de cobre e petróleo. Dependem
muito ainda de agricultura e atividades de extrativismo.
 
A escada tecnológica
 
A pesca de pequeno porte, por exemplo, é uma atividade
extrativa que envolve apenas extrair da natureza algo que ela
produziu. O esforço criativo é reduzido e as habilidades
requeridas envolvem uma combinação de conhecimento dos rios
e dos mares para navegação, do funcionamento do barco e como
manipular as redes lançadas sobre as águas. Não se trata de
uma atividade fácil ou pouco exigente. Ao contrário, requer muito
esforço físico e muita destreza na relação com a natureza:
lembremo-nos do filme Mar em fúria com George Clooney. Mais
tempo na água é menos tempo com os livros: é muito esforço
sem recompensa garantida. Salários de pescadores são baixos
apesar do gigantesco esforço. Conforme subimos a escada
tecnológica em direção a produtos processados, ao queijo e aos
cosméticos por exemplo, vamos adicionando camadas de
sofisticação e etapas de produção, envolvendo processos mais
complicados e que requerem maior conhecimento para que tudo
saia como desejado pela sociedade e pelos consumidores. São
produtos de baixa e média intensidade tecnológica que, em geral,
pagam maiores salários e trazem mais produtividade aos
trabalhadores em processos fabris de produção. Mais acima na
escada encontramos a nata do conhecimento e do conteúdo
tecnológico. O último estágio dessa subida é representado por
produtos de alta intensidade tecnológica, fortemente
industrializados e que em geral demandam também serviços
muito sofisticados. Por exemplo medicamentos e aparelhos de
raio-X, cujas produções requerem os mais qualificados
conhecimentos e máquinas de altíssima precisão.
Nestes exemplos retirados do Atlas da Complexidade
Econômica podemos entender por que alguns países conseguem
enriquecer e outros não e por que o Brasil parou no tempo. A
Holanda, por exemplo, se industrializou muito, e é capaz de
produzir bens de média e alta tecnologia como máquinas de raio-
X e medicamentos (bem não ubíquos). A Argentina, por outro
lado, está no estágio da renda média, produzindo bens de baixa
densidade tecnológica (ou low tech) e de média intensidade
(medium tech), como alimentos processados e ceras de sapato; o
Brasil também se encontra nesse estágio hoje. Gana, na África, é
um país muito pobre, onde a pesca ainda constitui importante
fonte de renda e de nutrição para a população. A Holanda
também faz queijos excelentes, ceras de sapato e tem um
razoável setor pesqueiro. Consegue fazer o que todos
conseguem fazer, mas também faz mais coisas que poucos
países no mundo são capazes de fazer.
Áustria,Finlândia, Dinamarca e Suíça estão entre os países
mais complexos e sofisticados do mundo. Áustria está hoje na
fronteira tecnológica de produção de aço e materiais metálicos
hipersofisticados. A aldeia austríaca de Donawitz tem sido um
centro de fundição de ferro desde o século XIV, quando o minério
era escavado de minas nos picos nevados nas proximidades. Ao
longo dos séculos, Donawitz desenvolveu-se como o centro de
produção de aço do Império Habsburgo e, no início dos anos
1900, tinha a maior planta de produção da Europa. Com a
abertura recente do novo laminador Voestalpine AG, a indústria
segue robusta e absurdamente produtiva. Nesta fábrica
totalmente automatizada, 14 pessoas vão produzir 500.000
toneladas de aço por ano. A Finlândia, pequena, rural, periférica e
de renda média baixa no início do século, tornou-se potência
industrial e gerou uma empresa de alta tecnologia como a Nokia,
que está na vanguarda das redes 5G e serviços digitais. O
limitado mercado finlandês dificilmente geraria escala para se
tornar uma campeã nacional neste setor. Foi a estatal Televa que
desenvolveu a tecnologia que se tornaria determinante para a
ascensão posterior da Nokia: o sistema de comutação digital
DX200, ideal para o padrão GSM que seria implementado nos
anos 1990, dando a ela a vantagem de ser first mover em
telefonia móvel. Hoje, Finlândia, com a Nokia, e Suécia, com a
Ericsson, são os únicos dois países em posição para brigar com a
chinesa Huawei por espaço no mercado de telefonia 5G. Nenhum
outro país rico, inclusive EUA, tem capacidades técnicas para
produzir esses equipamentos rapidamente.
No caso da Ericsson, os gastos em defesa também
contribuíram para o seu desenvolvimento tecnológico e
econômico. A empresa, uma das maiores fabricantes de
equipamento de rede de telefonia móvel do mundo, desenvolveu
uma série de radares e sensores avançados para o meio militar
em projetos para o governo sueco. Em 1956 foi fundada a
Ericsson Microwave Systems, dedicada principalmente à criação
de sistemas aeronáuticos e de defesa. Entre a década de 1960 e
1970, a empresa participou do desenvolvimento do caça Viggen,
junto a outras empresas suecas como Volvo e Saab, atendendo a
demanda da Força Aérea Sueca por um modelo próprio, com
maior nacionalização da produção possível. A Ericsson contribuiu
com o desenvolvimento de radares, sensores e computadores
para as diversas versões da aeronave que possuía bom
desempenho em relação aos similares produzidos pelas grandes
potências. No fim da década de 1970, a Força Aérea Sueca
cogitava importar caças estrangeiros para substituírem os Viggen.
O Comitê da Indústria Aeroespacial Militar da Suécia, por sua
vez, alertou que 12 mil trabalhadores eram empregados pela
indústria aeroespacial sueca e que os efeitos da importação de
aeronaves estrangeiras seriam terríveis para a indústria local, que
possuía grande importância estratégica para o país.
Com o governo sueco optando por um substituto advindo da
indústria local, foi formado o consórcio JAS, tendo Ericsson
novamente como integrante, junto com a Volvo, Saab e FFV, para
desenvolver o JAS 39 Gripen (vendido mais recentemente ao
Brasil em sua versão mais moderna, Gripen E/F). Um sistema
desenvolvido pela Ericsson bem conhecido dos brasileiros no
mercado de defesa é o radar Ericsson PS-890 Erieye, que equipa
os aviões de alerta antecipado e controle E-99, produzidos pela
Embraer e que atualmente vêm sendo modernizados pela Saab.
Em 2006, a Ericsson Microwave Systems foi vendida para a Saab
por US$ 521,5 milhões junto com a participação de 40% da
empresa na joint venture Saab Ericsson Space. A empresa
alegou que a venda ajudava em seu processo de reestruturação
para focar exclusivamente no setor de telecomunicações.
A Dinamarca, com uma população de 5,5 milhões de
habitantes, empregava 414.000 pessoas nos setores de
manufaturas, mineração e agricultura e exportava US$ 88,4
bilhões em 2010 (US$ 213 mil per capita exportado no ano). O
Senegal, com 15,8 milhões de habitantes, empregava 2.673.000
nesses mesmos três setores e exportava US$ 2,5 bilhões em
2010 (US$ 939 por ano per capita). Uma diferença de 230 vezes.
Claro que parte do que se exporta é importado antes,
especialmente na Dinamarca, então teríamos que descontar da
exportação a importação direta relacionada, dados bem mais
difíceis de se conseguir, além do consumo interno. Ainda assim,
percebe-se a brutal diferença de produtividade de um trabalhador
dinamarquês em relação a um senegalês. Essa diferença se
encontra no setor de bens transacionáveis, especialmente
manufaturas. O estado dinamarquês sempre se destacou por
políticas de fomento à inovação e hoje o país está na fronteira do
mundo na produção e inovação em robótica e drones, por
exemplo.
O produto industrializado mais exportado pela Suíça em
2017 foi medicamento. O produto químico mais exportado pelo
Brasil em 2017 foi óxido de alumínio, um bem que os
economistas chamam de commodity por não ser um produto
sujeito a muitas diferenciações entre produtores concorrentes. No
outro extremo, a produção de medicamentos envolve uma
intrincada divisão de tarefas entre trabalhadores altamente
especializados. Trata-se de um processo produtivo muito mais
indireto, encadeado e complexo do que de óxido de alumínio.
Medicamentos são intensivos em P&D e exigem conhecimento
formal, prático e organizacional de várias áreas complementares
entre si. Esta densidade de know-how custa muito caro às
empresas, levando as mesmas a solicitar patentes que garantem
direitos de uso exclusivo, a menos que se paguem royalties para
usar as ideias e processos inovadores. Como complexidade e
conhecimento se retroalimentam, o desenvolvimento de
medicamentos gera muito mais inovações e transbordamentos do
que a produção de óxido de alumínio.
O Brasil, com quase 210 milhões de habitantes, exporta por
ano cerca de US$ 220 bilhões. A Suécia, com 10 milhões de
habitantes, exporta cerca de US$ 140 bilhões. Ou seja, a Suécia
tem somente 5% da população brasileira e um território 18 vezes
menor que o nosso, mas exporta 60% daquilo que exportamos.
Como isso é possível? A Suécia é a quinta economia mais
complexa do mundo. É a pátria-mãe de empresas como a
Electrolux, Ericsson, Scania, Volvo e Spotify. Considerável parte
desse alto volume de exportação sueca são os produtos
automobilísticos. A Suécia é mãe das marcas Volvo e Scania, que
estão entre as maiores fabricantes de caminhões pesados do
planeta, que no Brasil são, respectivamente, a segunda e a
terceira marcas de caminhões que mais venderam unidades em
2018. As empresas suecas colocaram 18 mil caminhões nas
estradas brasileiras neste ano. Embora haja negociações
acionárias de compra da Scania pela estatal alemã Volkswagen e
de parte da Volvo pela chinesa Geely, a sede de ambas as
empresas ainda permanece na Suécia e juntas geram mais de
135 mil empregos. No Brasil, há cerca de 220 empresas suecas
que movimentam mais de 30 bilhões de coroas suecas
anualmente. São Paulo é frequentemente chamada de “a
segunda maior cidade industrial da Suécia” (depois de
Gotemburgo).
No Brasil observamos enorme ganho de complexidade
produtiva até os anos 1980. Começamos a década de 1960 com
uma pauta de exportação fortemente dependente de café e de
outras commodities. Chegamos ao final dos anos 1970 com
exportações expressivas de máquinas, autopeças e produtos
químicos. Atingimos um nível de complexidade produtiva
intermediária, compatível com um país de renda média. Desde os
anos 1990, nossa complexidade produtiva começou a regredir e
voltamos a nos concentrar na produção e exportação de
commodities como minério de ferro, soja e petróleo. O Brasil de
hoje tem praticamente o mesmo nível de complexidade dos anos
1980. A dificuldade do país em escapar destas vantagens
comparativas regressivas inibe a diversificação do sistema
produtivo nacional. O limitado grau de complexidade da nossa
economia gera um dinamismo manco e uma potência fraca, e
também ajuda a explicar nossos altos níveis de desigualdadede
renda como veremos mais adiante.
 
Hubs de conhecimento
 
Hausmann e Hidalgo (2011) nos mostram que manufaturas se
caracterizam em geral como bens mais complexos e commodities
como bens menos complexos. Maquinário, produtos químicos,
medicamentos, aviões, navios e eletrônicos se destacam como
bens mais complexos do mundo. Por outro lado, pedras
preciosas, petróleo, minerais, peixes e crustáceos, frutas, flores e
agricultura tropical apresentam baixíssima complexidade. Têxteis,
equipamentos para construção e alimentos processados situam-
se numa posição intermediária. A grande maioria de patentes
existentes no mundo hoje estão ligadas a bens manufaturados
(ver Schoen et al., 2012). Apenas cinco setores produtivos
concentram 90% das patentes mundiais: I) engenharia elétrica, II)
ótica e instrumentos de precisão, III) química, IV) fármacos, e V)
engenharia mecânica e metalurgia. Bens com muita
complexidade são uma espécie de “hub de conhecimento
produtivo”. Estão carregados de potencial de conhecimento e de
tecnologia. Produzir um desses bens aumenta a probabilidade de
produzir algo próximo com tecnologia parecida. Produzir bens
complexos facilita a nova produção de outros bens complexos,
cria-se alto potencial multiplicativo de conhecimento.
Alguns exemplos históricos interessantes: o Tratado de
Versalhes proibiu a produção de aviões na Alemanha, e a BMW,
que produzia turbinas para os aviões, começou a produzir
motores de moto, depois motos e carros. Na Suécia, a Saab fazia
aviões e começou depois a produzir carros (recentemente a
empresa foi vendida aos chineses). A Rolls Royce começou a
produzir carros e depois foi para as turbinas. A Lamborghini
começou produzindo tratores e depois avançou para a produção
de carros, segundo a lenda, após uma rixa do fundador com Enzo
Ferrari sobre a má qualidade das Ferraris. A Hyundai começou na
construção civil, avançou para navios e depois para carros. No
Canadá, a Bombardier começou fazendo veículos para andar na
neve, o Ski-Doo, depois avançou para aviação e trens. A divisão
de veículos recreacionais da Bombardier, a Bombardier
Recreational Products, explora até hoje produtos como Sea-Doo
(jet skis) e snowmobiles.
Países que produzem motores de carros avançados
provavelmente tem engenheiros e conhecimentos que permitem
produzir uma série de coisas similares e sofisticadas como
motores de barcos, de motos e outros tipos de motores. Países
que produzem somente bananas ou frutas têm conhecimentos
limitados e provavelmente serão incapazes de fazer bens mais
complexos no futuro. Uma turbina de avião tem potência de pelo
menos 100.000 cavalos. Inclui milhares de peças
milimetricamente encaixadas. Um motor turbojato funciona
comprimindo o ar e fazendo sua combustão através de um
compressor que mistura combustível com o ar comprimido e um
combustor que queima a mistura e passa o ar quente de alta
pressão através de uma turbina e um bocal. O compressor é
alimentado pela turbina que extrai energia do gás em expansão
que passa por ela. O motor converte energia interna do
combustível em energia cinética produzindo empuxo, tarefa nada
trivial e que demanda engenharia e conhecimento técnico de
várias pessoas e empresas. Uma bananeira é fácil de plantar.
Para produzir um avião, é preciso conhecimento para
produzir uma asa com superaerodinâmica, acoplá-la na
fuselagem de forma segura, pendurar duas turbinas de 100.000
cavalos cada uma para fazer o avião voar; avionics para controlar
todos instrumentos de voo: angulação dos flaps, ajuste fino do
leme, equilíbro do peso; sistema de ativação e recolhimento de
trem de pouso. Tudo isso tendo que funcionar de maneira
sincronizada, com precisão cirúrgica. Na mineração pura e
simples nada disso e necessário: as retroescavadeiras cavam, os
tratores transportam, colocam na esteira, no trem, no navio e
enviam tudo para China e Japão. O que é mais fácil “fazer”: um
avião (bem muito complexo) ou um minério de ferro (nada
complexo)?
 
Diversificação produtiva gera complexidade
 
Hausmann traz um argumento da maior importância sobre
complexidade econômica, especialização e diversificação nas
diversas sociedades. A especialização em nível de pessoas
resulta em diversificação em nível de cidades e países. A
especialização em nível micro resulta em diversificação em nível
macro. É precisamente porque os indivíduos e as empresas se
especializam que as cidades e os países a diversificam.
Considere o exemplo de um centro médico rural e um importante
hospital da cidade. O primeiro provavelmente tem um único
clínico geral que é capaz de fornecer um conjunto limitado de
serviços. No hospital urbano, os médicos são especializados em
diferentes áreas (oncologia, cardiologia, neurologia, e assim por
diante), o que permite ao hospital oferecer um conjunto mais
diversificado de tratamentos. A especialização de médicos leva à
diversificação dos serviços hospitalares. A especialização
generalizada das pessoas em uma sociedade leva à
diversificação encontrada dentro das cidades. As cidades maiores
são mais diversificadas do que as cidades menores. Entre as
cidades com populações semelhantes, as mais diversificadas são
mais ricas do que as menos diversificadas. Como destaca
Hausmann, as cidades maiores tendem a crescer mais
rapidamente e tornarem-se ainda mais diversificadas, não só
porque têm um mercado interno maior, mas também porque são
mais diversificadas em termos do que podem vender para outras
cidades e países (ver Balland, 2020).
As cidades são os locais onde as pessoas que se
especializaram em diferentes áreas de conhecimento se reúnem
para combinar o seu know-how. Como bem demonstram
Hausmann e Hidalgo na abordagem de complexidade, cidades
ricas são caracterizadas por um conjunto mais diversificado de
habilidades que apoiam um conjunto mais diversificado e
complexo de indústrias e, assim, proporcionam mais
oportunidades de emprego para os diferentes especialistas. No
processo de desenvolvimento econômico, cidades, estados e
países não se especializam, se diversificam. Evoluem de
sistemas com algumas indústrias simples para um conjunto cada
vez mais diversificado de indústrias mais complexas. As maiores
economias do mundo são também as mais complexas.
Seguindo a metáfora de Hidalgo e Hausmann, o
desenvolvimento econômico pode ser entendido com o uso do
brinquedo Lego. São ricos e desenvolvidos aqueles países que
possuem muitas peças e são capazes de montar “brinquedos”
complexos. O que são as peças de Lego? São as capacidades
locais de produção ou competências técnicas de um país; não
das pessoas individualmente, mas das empresas e organizações
de uma determinada sociedade. Quanto maior e mais
diversificado o número de empresas de um país, maior a
quantidade de peças que são conhecidas e maior a quantidade
de produtos que podem ser feitos. Cada peça é uma capacidade
produtiva que pode ser combinada com outra para gerar um
produto (brinquedo). Dentro das empresas existem, portanto,
várias capacidades produtivas que podem ser usadas em várias
direções. Quanto maior a diversidade de empresas, maior a
disponibilidade de capacidades e, portanto, maior o potencial de
se produzir mais coisas e mais complexa a economia.
Como consequência da lógica acima, se um país se
especializar na geração de produtos simples e não caminhar na
direção de complexidade e diversificação não conseguirá
progredir. Por isso a ideia de vantagens comparativas deve
também ser pensada em termos dinâmicos. Como bem apontam
os autores destacados nessas discussões, o processo de
desenvolvimento se dá num ambiente de intensa competição e
nações ricas lutam para preservar suas vantagens competitivas
em relação aos países em desenvolvimento em mercados de
produtos mais sofisticados, tornando o processo de crescimento
de economias muito mais desigual e assimétrico. Países de
sucesso são aqueles que conseguiram construir vantagens
comparativas em determinados setores ao longo do tempo
(indústria automobilística no Japão e produção de aço na Coreia
do Sul, por exemplo).Uma exploração estática das vantagens
comparativas existentes, especialmente nos setores de retornos
decrescentes de escala, como extrativismos em geral, não
promove o desenvolvimento econômico. E muitas vezes o
mercado por si só não é capaz de tirar o país desse tipo de
armadilha.
 
Política industrial para sofisticação produtiva
 
Em um trabalho de 2003 com título Economic development as
self-discovery, R. Hausmann e D. Rodrik analisam com maestria
o papel da política industrial no desenvolvimento econômico no
passado e nos dias de hoje. Eles mostram que nem a visão
mainstream do Estado “hands off” nem a visão do velho
desenvolvimentismo estão certas em relação ao papel que a
política industrial exerceu e deve exercer no processo de
desenvolvimento econômico. Rodrik defende uma visão
pragmática em relação à questão; o Estado deve ajudar o setor
privado a encontrar oportunidades produtivas novas e rentáveis
que contribuam para o desenvolvimento econômico. Não se trata
então de “pick winners”. Se trata de ajudar o setor privado na
busca de novas oportunidades e fronteiras tecnológicas que
poderão ser eficientemente exploradas. Trata-se de uma busca
por vantagens comparativas adjacentes em relação a novos
produtos e processos produtivos mais sofisticados. Rodrik cita
como exemplos de sucesso desse tipo política industrial no Chile:
salmão, uvas, madeiras e móveis; no Brasil, aço e aviões, e no
México a indústria automotiva, além dos clássicos exemplos de
Coreia, China e Taiwan. Rodrik caminha num meio termo entre os
extremos ortodoxos e heterodoxos sugerindo várias medidas
práticas de uma política industrial intermediária. Trata-se no limite
de um equilíbrio entre estímulos (carrot) e punições (stick). Para
Rodrik, a diferença fundamental entre leste da Ásia e América
Latina, por exemplo, está na calibragem do uso desses dois
instrumentos. A América Latina descambou para um
protecionismo estéril que só aumentou a ineficiência do sistema
produtivo depois de um determinado ponto. O leste da Ásia usou
protecionismo com pragmatismo e criou gigantes competitivos e
eficientes.
A diversificação produtiva no Chile, por exemplo, não foi o
resultado do livre funcionamento dos mercados. No México, a
indústria automotiva e a indústria de informática são a criação de
políticas de substituição de importações, seguidas por políticas
tarifárias preferenciais no âmbito da NAFTA. O papel
desempenhado por essas políticas no Leste Asiático é bem
conhecido. O que é menos apreciado é a forma como o mesmo
vale também para a América Latina. Quando se deixa de lado as
exportações de commodities tradicionais, tais como cobre,
petróleo bruto e bens agro, aparecem produtos que foram
grandes beneficiários de políticas industriais. No caso do Brasil, o
aço, aviões e a indústria calçadista foram criação de políticas de
substituição de importações do passado. Altos níveis de proteção,
subsídios e crédito público foram deliberadamente usados para
gerar rendas para os empresários que investiram em novas áreas
e para construir clusters industriais.
No caso do Chile, políticas industriais desempenharam um
grande papel nos setores de frutas, madeiras e salmão. A
Fundacion Chile é um órgão público que foi criado por fundos
doados pela ITT; começou a experimentar com salmão na
segunda metade da década de 1970 e criou uma empresa no
início de 1980 usando uma tecnologia adaptada do que se fazia
na Noruega e na Escócia. A empresa foi vendida para uma
empresa de pesca japonesa. Antes dos esforços da Fundação
Chile, o país não exportava praticamente nenhum salmão; hoje é
um dos maiores exportadores de salmão do mundo. Os gastos
públicos em P&D para frutas foi também significativo nos anos
1960, o que ajudou a preparar a indústria para o mercado
mundial. E no caso das madeiras, há uma história de pelo menos
60 anos de subsídios para plantações, bem como um grande
impulso a partir de 1974 para transformar a madeira, papel e
celulose em um cluster de móveis e madeiras para exportações
(ver Rodrik, 2008) .
Rodrik sugere que podemos pensar em política industrial
como investimentos de Private Equity em empresas novas ou
emergentes. Muitos falham, mas os que acertam compensam em
larga medida as falhas. Na Ásia, a estratégia que se mostrou
mais acertada foi usar o mercado mundial como benchmark para
medir o sucesso ou fracasso do resultado industrial das
companhias que recebem subsídios e proteção tarifária. China,
Japão, Taiwan e Coreia acertaram bem. América Latina,
Indonésia, Malásia e Filipinas erraram muito. Se o governo não
faz nada, dificilmente o status quo econômico muda só por conta
das forças de mercado (retornos crescentes e economias de
escala mantêm tudo como está). Idealmente os erros que
resultam em “escolher os perdedores” devem ocorrer. Estratégias
públicas do tipo defendido aqui são muitas vezes ridicularizadas
porque podem levar à escolha de “perdedores” em vez de
vencedores. É importante, naturalmente, construir salvaguardas
contra este tipo falha. Mas uma estratégia ótima para descobrir o
potencial produtivo de um país envolveria necessariamente
alguns erros deste tipo. Algumas atividades promovidas falharão.
O objetivo das políticas não deve ser minimizar as chances de
que os erros sejam cometidos, o que resultaria em nenhuma
“autodescoberta” produtiva. Esforços devem ser feitos para
minimizar os custos dos erros quando eles ocorrem. Se os
governos não cometerem erros, isso apenas significa que não
estão se esforçando o bastante. As atividades de promoção
industrial precisam ter a capacidade de se renovar, de modo que
o ciclo de descobertas de capacidades produtivas torne-se
dinâmico. Assim como não há uma fórmula única para a
realização de política industrial, as próprias necessidades e
circunstâncias para as descobertas produtivas mudam ao longo
do tempo. Isso requer que as agências que realizam estas
políticas tenham a capacidade de se reinventar e se reimaginar.
Nessa linha de raciocínio de Rodrik, a política industrial adquire
quase um carácter psicanalítico ou de “autodescoberta”, como diz
o próprio título já citado de um de seus trabalhos com Hausmann,
O desenvolvimento econômico como autodescoberta.
7. REDES COMPLEXAS SÃO NECESSÁRIAS PARA SE PRODUZIR BENS
SOFISTICADOS
 
Desenvolvimento econômico é acúmulo de capital humano de
uma sociedade que se traduz na capacidade de produzir bens e
serviços complexos que, por sua vez, geram poder de monopólio,
“lucros excedentes” e altos salários. Para isso não basta apenas
investir em educação. É preciso que exista um setor produtivo
capaz de utilizar as competências gestadas na educação. Em
importante passagem da mitologia que envolve a figura de
Pitágoras, um dos mais brilhantes intelectuais da Antiga Grécia, o
filósofo pede a seu escravo que entregue uma moeda a um de
seus discípulos, quando este lhe pergunta para que serve o
triângulo em que Pitágoras trabalhava naquele momento. Teria
dito o filósofo a seu pupilo que ele era o tipo de ser humano que
espera um lucro por tudo aquilo que faz. A passagem é marcante
por revelar a histórica tensão (talvez antropológica) entre o saber
filosófico, que persegue a verdade, e o saber técnico, que procura
resolver problemas práticos, geralmente associados a alguma
relação custo e benefício. Em palestra na FEA-USP em 2012, o
economista João Sayad disse que “educação não serve para
nada”. Após o assombro tomar conta da plateia, o professor
ratificou sua declaração dizendo que a educação é um fim em si
mesmo, isto é, prescinde de motivações práticas. É um exercício
de exploração das capacidades humanas cujos efeitos se
desdobram não apenas sobre o setor produtivo – preocupado
com o sustento imediato dos grupos sociais –, mas também se
incorporam ao estoque cultural das sociedades, dentro do qual se
encontra a tecnologia. Quem contempla a Monalisa de Leonardo
Da Vinci está captando os frutos do desenvolvimento da
geometria analítica em pleno Renascimento, a qual também
serviu para informar a arquitetura e as engenharias civile naval
até os dias de hoje.
Em uma interessante palestra no TED Talks Education, em
2013, o britânico nomeado cavaleiro real Sir Ken Robinson,
consultor internacional em educação, discorreu sobre os três
princípios que caracterizam a condição humana, a saber: a
individualidade, a curiosidade e a criatividade. Cada ser humano
é único e isso torna a humanidade um incrível mosaico
heterogêneo de qualidades e potencialidades. A curiosidade diz
respeito à capacidade de indagar o porquê das coisas, como o
mundo funciona e, principalmente, como melhorar nossa
condição de vida. Por fim, a criatividade mobiliza as duas
primeiras características para transformar o mundo à nossa volta.
A preocupação de Robinson é, há anos, evitar que, por
inércia ou por negligência, a escola formal sufoque estes
aspectos da condição humana, levando à evasão escolar em
massa. Diz o autor: “Nós temos que reconhecer que esse é um
sistema humano, e há condições sob as quais as pessoas
prosperam, e condições sob as quais elas não prosperam. Nós
somos afinal de contas criaturas orgânicas, e a cultura da escola
é absolutamente essencial. Cultura é um termo orgânico, não é?”
Para ilustrar a importância da dimensão orgânica do
conhecimento, ele conta uma parábola que vale repetir
integralmente.
Robinson mora próximo a um lugar chamado Vale da Morte,
no estado da Califórnia. É o lugar mais quente e seco dos
Estados Unidos. Por isso, nada cresce neste terreno; daí, o nome
Vale da Morte. Porém, no inverno de 2004, choveu forte no Vale
da Morte. Os 17cm de chuva por um período muito curto
causaram, no verão de 2005, um fenômeno impressionante: o
Vale da Morte estava carpetado com flores por um período.
Conclui Robinson: “Isso prova que o Vale da Morte não está
morto. Está dormente. Logo abaixo da superfície existem estas
sementes de possibilidades esperando pelas condições certas
para brotarem, e com sistemas orgânicos, se as condições forem
propícias, a vida é inevitável. Acontece o tempo todo. Você pega
uma área, uma escola, um distrito, você modifica as condições,
dá às pessoas um sentido de possibilidade diferente, um conjunto
de expectativas diferentes, uma ampla gama de oportunidades,
você estima e valoriza o relacionamento entre professores e
aprendizes, você oferece às pessoas o critério para serem
criativas e para inovarem no que fazem, e escolas que uma vez
foram privadas desabrocharão para a vida.”
Ken Robinson tem um olhar de fora para dentro da escola,
em como aprimorá-la e gerar modelos localmente adaptados que
se aproximem da cultura educacional finlandesa. Este capítulo
terá como fio condutor a ideia de organicidade do conhecimento,
porém com um foco diferente. A visão dos economistas é a partir
da “escola” para o setor produtivo, mas há diferenças
substanciais. A economia convencional do capital humano, na
linha da Escola de Chicago de Gary Becker, Milton Friedman,
Jacob Mincer e Theodore Schultz, enfatiza a importância da
instrução escolar como produtora de conhecimento útil ao
mercado, o qual daria conta de absorver os melhores
profissionais de acordo com sua produtividade e sua postura
perante o risco. Segundo esta análise, o sucesso profissional está
fortemente ligado à dedicação do indivíduo aos seus estudos; é a
visão liberal de meritocracia. Uma segunda visão adota a mesma
premissa de que a lógica de mercado operaria a “sabedoria das
massas”, mas que as instituições, isto é, as regras do jogo
econômico e político, poderiam influenciar o processo de
organização via mercados. Esta é a abordagem
neoinstitucionalista de Douglass North e Daron Acemoglu, dentre
outros, segundo a qual a estrutura institucional das sociedades
define os retornos das atividades produtivas em geral, bem como
dos investimentos individuais e dos governos em educação. Ao
corrigir as distorções institucionais, o jogo econômico mediado
pelo mercado daria conta de promover o desenvolvimento
econômico.
Alternativamente, defendemos que é a estrutura produtiva e
sua inserção nas redes internacionais de comércio que delimitam,
dinamicamente, o espaço de atuação conjunta de mercados e
governos. Isto significa que reconhecemos a importância das
instituições e dos investimentos em educação, mas reclamamos a
prioridade causal, analítica e histórica das estruturas produtivas.
Estas dependem das condições materiais locais, como
disponibilidade e diversidade de recursos naturais e humanos, os
quais, em conjunto com a forma de interação econômica com
outras nações, motivarão, informarão e inspirarão as inovações
produtivas, tecnológicas e institucionais; enfim, sua cultura. Por
isso, é essencial compreender as forças que colocam a evolução
das estruturas produtivas em trajetórias progressivamente mais
complexas e sofisticadas ou caminhos de regressos tecnológico e
atraso. Estes grandes movimentos estruturais determinarão a
utilidade dos diversos tipos de atividade para a economia e,
portanto, sua remuneração relativa. Por isso, analisar o conjunto
institucional sem considerar as condições materiais das
sociedades pode levar a generalizações falaciosas, cujas
implicações políticas podem agravar os problemas e entraves ao
desenvolvimento.
Nossa preocupação é, portanto, com os efeitos de rede
sobre a organização produtiva do mercado de trabalho, isto é, em
quais condições o setor produtivo absorverá os indivíduos que
saem das escolas (em todos os níveis). O desafio aqui é garantir
que as oportunidades de aplicação das competências formadas
no ambiente escolar sejam não apenas aproveitadas (em forma
de maior produtividade da economia), mas também
retroalimentadas pelos desafios que a estrutura produtiva oferece
a cada pessoa. Mais especificamente, indagamos se o setor
produtivo oferece condições para o crescimento do estoque de
capital humano. E aqui entram em jogo as chamadas
“externalidades em rede”, isto é, ganhos de produtividade
resultantes de efeitos de aglomeração que resultam do aumento
da sofisticação da estrutura produtiva.
Em estudo publicado no Fórum Econômico Mundial 2019, em
Davos (Suíça), o Brasil registrou importante “fuga de cérebros”. A
pesquisa da INSEAD (Lanvin e Monteiro, 2020) mostra que o
Brasil pode ficar para trás na revolução digital caso não reaja
depressa. Sem mão de obra qualificada para atender as novas
exigências do mercado, o país voltou a cair no ranking de
Competitividade Global de Talentos, ficando em 80º lugar entre as
132 nações analisadas. A explicação para este pífio desempenho
reside na incapacidade do Brasil de criar, reter e atrair novos
talentos. Em apenas um ano, o país saltou da 45ª para a 70ª
posição no item “fuga de cérebros”. O que chama a atenção é o
fato de o Brasil investir somas vultosas em educação, inovação e
qualificação. Além disso, as universidades do país também estão
bem avaliadas em comparação com o resto do mundo. O
problema está, é claro, no baixo retorno destes investimentos em
termos dos investimentos feitos em educação por esses
profissionais. Em outras palavras, o setor produtivo brasileiro não
dá conta de oferecer bons empregos para segurar os nossos
melhores cérebros. Olhar para a educação sem a conexão com a
estrutura produtiva é a receita para o fracasso.
 
Educação não é tudo o que precisamos para alcançar
o desenvolvimento econômico
 
Sistemas produtivos mais simples baseados em agropecuária,
commodities e indústrias low tech demandam menos educação.
São setores que demandam, mas não produzem tecnologia. Para
países com boa complexidade produtiva, por outro lado, a
educação é fundamental para avançar rumo ao topo da escada
tecnológica. A educação é muito importante para indústrias
medium e high tech e serviços sofisticados. Em países com
produção focada em commodities e produtos low tech, a
educação é bem menos relevante, mas tem obviamente um papel
civilizatório fundamental. Em sociedades complexas o desafio é
outro. A educação tem que poder acompanhar as mudanças
rápidas das tecnologias mundiais e tem que haver altos
investimentos em ciência e pesquisa (ver Mehta e Jesus,2014).
A Europa com seus altos salários, por exemplo, não tem mais
como sustentar uma sociedade com empregos fabris de baixa
qualidade; pesquisa em ciência e desenvolvimento científico é a
única opção de sobrevivência.
Empresas bem organizadas precisam surgir para empregar
pessoas com níveis de educação altos o suficiente para alcançar
produtividade. A eficiência organizacional também se baseia no
conhecimento, mas é de um tipo diferente. Não é o conhecimento
que um indivíduo possui, mas o conhecimento que um grande
número de indivíduos possui sobre como cooperar e coordenar
entre si a produção dentro de uma organização. Sem mediação
empresarial e produtiva, os investimentos em conhecimentos e
habilidades codificados em livros podem obter baixos retornos na
sociedade. Em particular, na ausência de empresas capazes de
empregar trabalhadores de forma produtiva, os investimentos em
educação e habilidades só podem resultar no surgimento de um
grande número de pessoas desempregadas com elevado grau de
instrução e de habilidades (Khan, 2019).
Organizações eficientes permitem aos indivíduos
aproveitarem seu estoque de conhecimento formal e tácito de
sorte a realizar plenamente seu potencial produtivo. Estes dois
tipos de saberes podem auxiliar na estruturação de organizações
capazes de aproveitar as externalidades e complementaridades
estratégicas que caracterizam essas atividades. Trata-se de um
tipo específico de “conhecimento coletivo”, distinto do
conhecimento codificado e do know-how incorporado nos
indivíduos. “Sem capacidades organizacionais apropriadas, os
investimentos em outros tipos de conhecimento não conseguem
obter retornos adequados” (Khan, 2019). Embora muitas
empresas de países em desenvolvimento possam adquirir
máquinas para muitas atividades básicas de produção e tenham
disponibilidade de trabalhadores qualificados, falta-lhes a
capacidade de processar e operar articuladamente todos estes
fatores para uma produção competitiva. Além de as tecnologias
diferirem, sensíveis diferenças em termos de hierarquias sociais,
padrões de trabalho coletivo, estruturas externas de governança
e de controle tendem a variar sobremaneira.
Khan (2019) mostrou recentemente o quão intrincado e
arredio é o processo de assimilação de conhecimento
tecnológico, o qual pode ser assimilado pelo indivíduo ou por
coletividades. No primeiro caso, o conhecimento formal codificado
(alfabetização, conhecimento matemático e científico) pode ser
necessário para adquirir habilidades específicas tácitas,
associadas à prática profissional. Nesta última categoria
encontra-se o conhecimento do tipo não codificado, que se
manifesta no know-how embutido em rotinas inconscientes e
muitas vezes complexas que são compreendidas e internalizadas
através da aprendizagem na prática. No plano do conhecimento
compartilhado, Khan sugere um tipo específico de “hiato de
conhecimento” que inibe a transformação estrutural conducente à
maior competitividade: as capacidades organizacionais.
Conhecimento tácito e capacidades organizacionais são
obstáculos envolvidos no aprendizado tecnológico das nações e
dizem respeito aos custos associados à assimilação das
tecnologias transferidas de parceiros comerciais posicionados na
fronteira tecnológica. Amsden (2001, p. 29) nos mostra que o
desenvolvimento econômico pode ser entendido como “um
processo em que se passa de um conjunto de ativos baseados
em produtos primários, explorados por mão de obra não
especializada, para um conjunto de ativos baseados no
conhecimento, explorados por mão de obra especializada. Essa
transformação exige que se atraia capital tanto humano como
físico da busca de renda do comércio e da agricultura para as
manufaturas, o coração do crescimento econômico moderno”. Os
recursos tecnológicos que criam novos produtos e novas técnicas
de produção constituem ativos “invisíveis” de uma empresa, como
salientou Itami e Roehl (1987). Tais ativos são não apropriáveis,
são intangíveis e, portanto, difíceis de se copiar, gerando lucros
anormais apoiados em rendas de monopólio conferidas aos seus
proprietários. A existência de fortes barreiras à difusão de
tecnologias por meio da imposição de patentes e conhecimento
proprietário torna, portanto, falaciosa a ideia de que o
conhecimento seja um bem público.
É, portanto, ilusório acreditar que a mera escolarização da
população será capaz de elevar a produtividade de um país aos
níveis requeridos pela competitividade nos mercados
internacionais. A transformação estrutural em tempos de
acelerada evolução tecnológica requer uma estratégia de
aprendizagem tecnológica eficaz. Para tanto, é preciso identificar
os hiatos de conhecimento relevantes e as políticas que podem
ser implementadas de maneira correta para lidar com essas
deficiências. Nas palavras do próprio autor: “Não se trata apenas
de produzir trabalhadores com níveis de ensino secundário ou
superior em volume certo para atender às demandas projetadas.
Esses trabalhadores também precisam ter o conhecimento
adequado para poder operar competitivamente as tecnologias
existentes e emergentes”.
 
Externalidades em rede e topocracias
 
As forças de atração e de aglomeração são mecanismos cuja
ação precedem a compreensão humana a seu respeito. Elas
explicam a formação de grandes centros urbanos e de polos
tecnológicos, como o Vale do Silício e São José dos Campos, por
exemplo. Por estarem sujeitas a retornos crescentes, estas forças
promovem o que já vimos de causação cumulativa, isto é, uma
tendência do sistema a reproduzir indefinidamente um
comportamento, tornando-o uma “armadilha” (lock-in). Esta pode
ter natureza positiva ou negativa frente aos valores sociais
vigentes. O problema é que uma vez que tais forças são
acionadas torna-se muito difícil desfazê-las, pois o próprio
sistema vai descobrindo “benefícios” em se manter nela. É
apenas quando os “custos” superam estes benefícios que alguma
transformação mais profunda tende a ocorrer. Este é o caso das
revoluções tecnológicas e sociais que a história registra em cores
fortes.
O notório historiador Yuval Harari discute de forma
abrangente os efeitos das tecnologias de rede em seu livro 21
lições para o século xx1, de 2018. Diz ele: “No final do século XX
as democracias superaram as ditaduras porque são melhores no
processamento de dados. A democracia difunde o poder para
processar informação e as decisões são tomadas por muitas
pessoas e instituições, enquanto a ditadura concentra informação
e poder num só lugar” (Harari, 2018, p. 94). Como já alegou
Winston Churchill, a democracia é o pior sistema político depois
de todos os outros, de forma que suas limitações operacionais
levam a imensa insatisfação, muito embora não haja alternativas
à altura. Para Harari, esta condição sub-ótima da democracia que
garantia alguma legitimidade para sua defesa (lock-in) estava
condicionada ao padrão tecnológico. “Dada a tecnologia do
século XX, seria ineficiente concentrar toda a informação e poder
num só lugar. Ninguém tinha capacidade para processar toda a
informação com rapidez suficiente para tomar decisões corretas”
(Harari, 2018, p. 94). Este teria sido um dos motivos pelos quais
as democracias ocidentais sobreviveram ao experimento
soviético. Todavia, a mudança no paradigma tecnológico rumo à
Inteligência Artificial e às técnicas de processamento da Big Data
teriam a capacidade de alterar as condições de operação do
sistema econômico e político. A era dos algoritmos e do
blockchain lança mão das economias de aglomeração no plano
virtual para mobilizar o insumo da decisão humana: a informação
e o conhecimento.
Estas economias de aglomeração estão por trás também do
sucesso das redes sociais que sobreviveram à intensa
concorrência inicial. Os mais jovens não se lembrarão dos
tempos em que o Orkut impunha um magnetismo enorme, que há
anos o Facebook conseguiu superar. O poder das redes sociais
reside exatamente numa espécie de “esquema de pirâmide”
virtual sem qualquer promessa financeira. O objetivo destas redes
é atrair pessoaspara o seu espaço. Por quê? A aglomeração
permite produzir informação mais próxima da realidade concreta
em diversos níveis de agregação: por país, por cor de pele, por
etnia, por religião, por faixa de renda, por posicionamento político
etc. O compartilhamento constante de informações,
conhecimento e experiências gera um manancial de
oportunidades de aprendizado e enriquecimento em escala
gigantesca (se for bem utilizado, é claro). No entanto, há também
perigos que nascem da concentração do poder de controlar a
informação nas mãos de poucas empresas e pessoas.
Um último traço importante de retornos crescentes em
decorrência da presença de externalidades em rede é sua
vocação genética ao monopólio. Como salienta Harari, “no século
XXI, os dados vão suplantar tanto a terra quanto a maquinaria
como ativo mais importante, e a política será o esforço por
controlar o fluxo de dados” (Harari, 2018, p. 107). A
especialização das redes sociais em dinâmicas particulares de
interação como Twitter, WhatsApp e Instagram geram enormes
economias de escala, o que chamamos de “retornos crescentes à
escala”. Isto significa que faz sentido concentrar a informação
gerada nestas três redes sociais em uma ou poucas empresas
que geram ganhos operacionais. Não à toa, a lista de aquisições
do Facebook já passa de 80 empresas, dentre elas duas das
principais redes sociais. Desta plataforma digital, inúmeros
desdobramentos se sucederam, como o Uber, o Waze, o Google,
Amazon, Alibaba, Netflix, dentre inúmeros outros. Existem
ganhos de escala na interação também, de forma que estas
redes servem mutuamente umas às outras como forma de
direcionar o conteúdo aos consumidores com base em seu
histórico de uso.
O nome do jogo é concentrar, aglomerar, atrair as pessoas
para o seu espaço de funcionamento, onde a empresa controla
as regras do jogo. O país mais populoso do mundo hoje se
chama Facebook, com 2,4 bilhões de usuários ativos em 2019. O
maior mercado do mundo se chama Amazon, com 145 milhões
de usuários em 2019, apenas nos EUA, com vendas de 4.000
itens por minuto, com quase 120 milhões de produtos disponíveis
e mais de 2,4 milhões de vendedores usando a sua plataforma
(chamada tecnicamente de marketplace). Como veremos abaixo,
esta nova economia digital tem sua dinâmica determinada por
efeitos de rede que formam o que César Hidalgo e coautores
chamaram de topocracia. A localização de cada agente no
espaço (topo) das redes determina seu poder (cratos). A
capacidade de se tornar um hub, um elo central numa rede, uma
referência de acesso e de consulta dá poder de mercado e
influência não apenas sobre a economia, mas sobre a política
também. Não deve surpreender que os polos tecnológicos de
onde brotam estas inovações oferecem os empregos mais bem
pagos do mundo e geram muitas das maiores riquezas pessoais
do mundo.
É notável como essa lógica de aglomeração atravessou
diferentes paradigmas econômicos, sendo inicialmente o lugar
das trocas (derivados das feiras que se tornaram permanentes),
para se tornar centros urbano-industriais e, mais recentemente,
expulsou a indústria para se especializar nos serviços. A título de
exemplo, o Moinho Santo Antônio, no bairro paulistano da Moóca,
representa bem este processo, passando de uma fábrica de
processamento de alimentos na primeira metade do século XX
para uma badalada casa de eventos e entretenimento na cidade.
As forças de aglomeração vão deslocando as atividades
espacialmente, conforme as preferências dos sistemas sociais
evoluem. Quando falamos de indústria, não estamos
necessariamente nos referindo ao chão de fábrica do Moinho
Santo Antônio. Esta é apenas a manifestação concreta e
localizada do sistema de relações produtivas como um todo. O
sistema fabril é uma parte do que chamamos de sistema
industrial. Este representa uma forma, um método de organizar a
produção. Trata-se da formação e gestão de redes complexas de
tarefas especializadas que cooperam entre si para produzir o que
a sociedade necessita. Todavia, este sistema orgânico não é
estático. Ele funciona de forma dinâmica, evolucionária e sem um
destino certo; em outras palavras, é um sistema aberto (open-
ended).
Essas características estão todas condicionadas pelo grau
de especialização (ou divisão do trabalho), o qual depende, por
sua vez, do tamanho do mercado. Quanto maior for o espaço da
troca, mais granular e abstrata pode ser a contribuição de cada
pessoa. Fazer carreira como youtuber só é possível se houver
outras pessoas produzindo alimentos, combustíveis, energia
elétrica e apps de edição de vídeo, dentre outros itens que fazem
parte da cesta de consumo de um youtuber. O mesmo vale para o
astrofísico contemplando a imensidão do universo, enquanto
encomenda seu almoço via aplicativo digital. Os efeitos da divisão
do trabalho motivaram o exemplo de “indústria” que Adam Smith
utilizou em sua famosa parábola da “fábrica de alfinetes”, em A
riqueza das nações. Quanto mais granular a atividade, maior o
potencial de aprimoramentos que se traduzem em maior
produtividade e, portanto, menor custo. O que Smith não
salientou foi o potencial de retroalimentação deste sistema
industrial em termos de aprendizagem e, potencialmente, de
inovação.
O setor industrial de uma economia converte o acúmulo de
conhecimento em produtos e serviços que geram o poder de
monopólio. Sem vagas de trabalho que demandam
conhecimento, a educação gera êxodo de pessoas qualificadas.
Um relato de um pesquisador alemão que estudava desigualdade
e educação no interior da Paraíba ajuda a explicar o que ocorre.
Nessa cidade pobre e sem oportunidades todos queriam estudar
para sair dali o quanto antes; o destino principal era São Paulo,
onde os salários são altos. A universidade e o estudo eram vistos
como passaporte para emigrar para capitais ou para fora do país.
Ninguém tinha objetivo de ficar e aplicar os conhecimentos para
melhorar o lugar; a pobreza e falta de oportunidades era tanta
que o único estímulo era partir, mesmo que deixando conhecidos
e família para trás. Isso foi algo que Robert Lucas notou, em
1985, ao desenvolver a sua mecânica do desenvolvimento
econômico, publicada em 1986, ao reconhecer que,
diferentemente do que prega a teoria do comércio internacional, é
o trabalho que procura os melhores capitais, via migração de mão
de obra, e não o contrário. A educação que não encontra
respaldo em oportunidades no mercado de trabalho promove fuga
de cérebros. Sem sistema produtivo para abrigar seus cérebros
notáveis um país acaba simplesmente educando mão de obra
para o mundo, o famoso brain drain.
Por isso, a forma como organizamos o modelo operacional
do sistema produtivo afeta os retornos aos investimentos em
educação. Em artigo ao jornal Folha de S. Paulo, Marcio
Pochmann destacou a encruzilhada brasileira no momento em
relação a dois modelos possíveis para o nosso futuro (Pochmann,
2011): o Brasil da FAMA (fazenda, mineração e maquiladoras.
Vale assistir o documentário Maquilapolis) ou o Brasil do VACO
(valor agregado e conhecimento). A FAMA nos mantém copiando
os valores e os impulsos estrangeiros, à mercê de modismos e de
turbulências de outras nações. O VACO nos motiva a
procurarmos o nosso próprio caminho, buscando potências
internas a desenlaçar para a nação soberana que desejamos. No
VACO valeremos muito mais do que o nosso peso, pois nossos
cidadãos pensarão além do lucro imediato; objetivarão um
benefício intertemporal, forjando a herança de um país acolhedor
às futuras gerações. Como vimos até aqui, o conhecimento
gerador de aprendizagem e inovação do VACO é central para se
garantir uma estrutura produtiva capaz de aproveitar a riqueza
dos recursos naturais e das capacidades humanas disponíveis
em cada sociedade.
 
Ataris e supercomputadores
 
Além de todos esses aspectos há ainda uma importante força
direcionando a formação da produção em redes: as limitações
cognitivas dos seres humanos. Cada indivíduo enfrenta restrições
quanto ao volume de informações que consegue acumular. César
Hidalgo define o conceitode “personbyte” como a quantidade de
informação máxima possivelmente armazenada por uma única
pessoa. Assim, produtos exigindo mais do que um “personbyte”
de informação para serem produzidos demandarão
necessariamente trabalhos coletivos e produção integrada em
rede com vários “personbytes”, de preferência harmonicamente,
para que se possa combinar e integrar os diversos
conhecimentos entre pessoas. Consideremos o desafio de formar
uma banda de música. É uma estratégia ruim contratar vários
músicos desconhecidos e colocá-los para tocar juntos. Uma boa
banda apresenta um entrosamento entre seus membros que
transcende a mera sobreposição das virtuosidades musicais
individuais. Harmonização envolve uma substância que excede a
soma das partes. Algo a mais é criado quando potenciais
individuais se relacionam. No caso das redes produtivas
complexas, a integração harmônica entre pessoas e firmas é
fundamental e existe uma dependência mútua generalizada na
rede para que o processo seja bem-sucedido.
O “personbyte” é equivalente ao conceito de “firmbyte”, isto
é, o limite de informação que uma firma pode carregar. Bens
complexos requerem muitos “personbytes” e “firmbytes”, os quais
só podem ser organizados em sofisticadas redes produtivas. O
caso do avião da Boeing e os produtos da Apple e Samsung são
exemplos dessa dependência entre firmas para se gerar produtos
complexos. A construção do iPod só foi possível graças a um
micro hard drive desenvolvido pela empresa Toshiba. O Gorilla
Glass, vidro superresistente dos iPhones, foi desenvolvido por
uma empresa de manufaturas de vidro em Nova York chamada
Corning. Qualquer computador pessoal, independentemente de
sua marca, carrega em geral um chip da Intel ou AMD, um hard
drive Quantum, Seagate ou Fujitsu e uma memória feita
provavelmente pela Kingston ou Corsair. Nas palavras de César
Hidalgo, os computadores de hoje em dia nada mais são do que
uma salada de eletrônicos. O desenvolvimento econômico surge
nessa perspectiva de Hidalgo (2015) como a capacidade de
criação de uma rede produtiva sofisticada. Assim, países ricos
são aqueles com alta capacidade computacional para processar
informação e gerar produtos em uma intrincada rede produtiva.
Para Hidalgo, países desenvolvidos funcionam como
supercomputadores processando informações para produzir bens
e serviços complexos; países pobres são como antigos
videogames Atari tentando fazer alguma coisa.
Nessa perspectiva, Hidalgo e Hausmann (2009) constroem
um modelo simplificado e bastante interessante para entender o
desenvolvimento econômico. A partir da relação entre
conhecimento produtivo tácito e redes produtivas complexas e
locais, é possível descrever a configuração e a dinâmica das
relações de comércio mundial a partir de três simples hipóteses:
I) produtos do comércio mundial necessitam de capacidades
locais não transacionáveis para serem produzidos; II) cada país
pode ser caracterizado por um conjunto dessas capacidades
locais; e III) países só podem produzir produtos para os quais
tenham a totalidade das capacidades locais produtivas
necessárias. Os produtos altamente complexos estão no centro
das redes de comércio mundial e os de baixa complexidade estão
na periferia (as commodities agrícolas, minerais e energéticas).
Como mostrava a CEPAL nos anos 1950, os países ricos
produzem e exportam os produtos do centro da rede de comércio
mundial, enquanto os países pobres produzem e exportam os
produtos da periferia da rede. O núcleo de produtividade de um
país se nutre dessas atividades “complexas” produzidas em redes
integradas e com elevada simbiose produtiva e tecnológica (como
é o caso de serviços sofisticados). O restante é formado por
commodities e serviços não sofisticados com baixos graus de
diferenciação e de complexidade. Alguns exemplos retirados do
Atlas da Complexidade ilustram bem o ponto: maquinário de
escavação e carros são altamente complexos em termos de
conhecimento produtivo; petróleo, minério de ferro e soja são não
complexos. Os principais produtos de exportação do Brasil hoje
são de baixa sofisticação, não demandam redes produtivas
complexas e carregam um baixo conteúdo de conhecimento.
Em suma, a história das nações mostra que quem dominou o
núcleo das atividades produtivas complexas e sofisticadas, de
alto conteúdo de capital humano e aprendizagem, ficou rico
(casos dos EUA, Japão e Europa). Muitos países tentaram,
alguns conseguiram. O leste da Ásia conseguiu. O leste da
Europa também está conseguindo. África e América Latina
tentaram, mas não conseguiram. Este resultado está ligado
intimamente à forma como tais economias equiparam suas
estruturas estatais para oferecer suporte à configuração destas
redes produtivas calcadas no contínuo processo de
aprendizagem. O sucesso dos ricos não veio espontaneamente
pelas forças de mercado apenas. Ele foi construído a partir de
uma articulada integração entre Estado, sociedade civil e
mercados locais. Quando o assunto é desenvolvimento
econômico, não há bala de prata.
8. A SOFISTICAÇÃO PRODUTIVA DEPENDE DA GERAÇÃO E ACÚMULO DE
IDEIAS
 
Desde os trabalhos de Antonio Serra em Nápoles dos 1600, os
economistas se preocupam com as causas do crescimento
econômico e rotas a perseguir para a prosperidade. Até os anos
1970, as preocupações giravam em torno da acumulação de
capital, uma expressão pomposa que significa “aumentar a
quantidade de tecnologia à disposição de cada trabalhador”. O
foco no crescimento do maquinário e dos equipamentos que
constituíam as estruturas produtivas dos países ficou conhecido
como “fundamentalismo do capital”. Ao longo das décadas, os
modelos econômicos foram elaborados para responder à
pergunta: se todos os países investirem em máquinas e
equipamentos e abrirem as suas economias à concorrência
externa, todos eles convergirão ao mesmo nível de renda per
capita?
O famoso modelo de crescimento de Robert Solow,
publicado em 1956, é um marco na busca por esta resposta. A
bala de prata do crescimento se resumiria a dotar os
trabalhadores com suficiente quantidade de máquinas para
aumentar sua produtividade. Quanto mais pobre um país, maior
seria o efeito de qualquer adição de capital (pense no efeito de
um trator numa pequena propriedade rural) e, portanto, maior
seria a taxa de crescimento da economia na trajetória até o
estado estacionário. Nesta situação, as novas oportunidades de
crescimento se esgotariam e os investimentos deveriam ser
suficientes para cobrir o desgaste das máquinas (depreciação, no
jargão) e o crescimento da população. Afinal, as máquinas ficam
obsoletas ou quebram e precisam ser trocadas, bem como mais
trabalhadores entrando no mercado de trabalho requerem
aumento na quantidade de máquinas, para que nenhum fique
com menos capital, perdendo produtividade perante os outros.
Solow criou uma teoria simples que mostrava a importância
da acumulação de capital para que um país atinja o seu estado
estacionário. Este seria determinado, por sua vez, pelo
crescimento populacional. Quanto mais trabalhadores, maior a
quantidade de capital exigida e maior o incentivo dos empresários
para investir em máquinas e equipamentos. Assim, países pobres
com amplos contingentes populacionais e famílias numerosas
teriam enormes oportunidades de investimentos, enquanto países
industrializados e com famílias menores não encontrariam tantas
formas de incrementar o capital por trabalhador. Sob a força da
rentabilidade do capital, a mão invisível do mercado dirigiria os
recursos para onde fossem mais escassos e o crescimento
econômico resultaria da força empreendedora dos capitalistas.
Eventualmente, todos os países atingiriam o seu estado
estacionário com níveis de renda similares. Esta é a tese otimista
da convergência dos níveis de renda entre países que emerge do
modelo de Solow.
Contudo, havia um problema a resolver: a mobilidade dos
fatores produtivos entre países. Os recursos produtivos (terra,
trabalho e capital) estão esparramados de forma desigual pelo
planeta. Alguns países possuem mais terras,outros mais
pessoas, outros mais capital; a maioria dos países obviamente
possui alguma combinação intermediária destes fatores
produtivos. Mas, como podem estes fatores chegar onde são
mais necessários? Uma vez que Deus ou o acaso jogaram as
peças sobre o tabuleiro, definindo as dotações iniciais de fatores
de cada país, caberia aos preços informar onde o fator é mais
escasso. O país que puder pagar por ele atrai o recurso para si,
diminuindo a disponibilidade do recurso para quem tem menos
capacidade de pagamento. Onde há mais terras e pouca gente, o
valor da terra tende a ser baixo e o valor do trabalho, elevado. Em
países onde há muita terra e muita mão de obra, o capital tende a
valer muito, devido à sua escassez. Neste último caso, a
rentabilidade do capital seria mais elevada do que em países
industrializados, cuja população já se encontra quase saturada de
capital. Os capitais correriam, portanto, dos mais ricos para os
mais pobres.
Eventualmente, as taxas de retorno do capital se igualariam
em todos os países, conforme os retardatários alcançassem seus
estados estacionários, os quais convergiriam aos níveis dos
países ricos. Todavia, nem sempre o país já saturado com capital
optará por deslocar seus recursos a um país mais pobre. Como a
mão de obra é escassa em países ricos, os salários tendem a ser
muito altos, atraindo trabalhadores qualificados de países pobres
que não encontram bons empregos em seus países justamente
por falta de investimentos em máquinas e equipamentos. Esta
“drenagem de cérebros” (brain drain) que os países pobres
sofrem se traduz em imigração nos países ricos, que podem
continuar sua expansão e investir muito em capital.
Adicionalmente, surgirão nos países ricos oportunidades para
trabalhadores pouco qualificados, à medida em que a população
local é absorvida pelos melhores empregos e deixa as atividades
menos sofisticadas serem ocupadas por imigrantes de países
pobres. Mesmo estas atividades oferecem salários mais elevados
aos imigrantes do que eles obteriam em sua terra natal. Graças à
produtividade dos setores industriais e de serviços sofisticados,
como vimos na explicação de Baumol, Balassa e Samuelson, a
produtividade transborda para os salários de toda economia.
A narrativa que surge do modelo de Solow é muito
esperançosa quanto às virtudes do capitalismo em fazer uma
eficiente distribuição dos fatores produtivos via sistema de preços
entre países. Quando o autor testou seu modelo, um ano mais
tarde, em 1957, ele notou que apenas 25% do crescimento
econômico é explicado pela intensidade de capital por
trabalhador. O resto se devia a um emaranhado de variáveis não
observáveis, como progresso tecnológico, características
institucionais, ambiente de negócios, qualidade das empresas.
Solow chamou este “resíduo” não explicado de “a medida da
nossa ignorância”. Os modelos teóricos tentaram estender a
sabedoria embutida no modelo de Solow, buscando compreender
o que determinava este “resíduo” inexplicado, mas que parecia
explicar toda a prosperidade almejada pelas nações. O trabalho
de Mankiw, Romer e Weil (1992) conseguiu mostrar que o capital
humano era uma variável-chave. Ao ampliar o conceito de
“capital” para englobar o conhecimento produtivo ou “capital
humano”, os autores mostraram que usando uma “densidade”
maior de capital por trabalhador conseguem resultados empíricos
que se assemelham mais aos dados colhidos da realidade.
Todavia, um pequeno revés se impunha ao otimismo de Solow: o
capital humano determinava diferenças persistentes entre os
níveis de renda per capita que os países conseguiriam atingir, ou
seja, cada país convergiria ao seu próprio estado estacionário. A
feliz descoberta para a ciência econômica significava uma dura e
sombria revelação da realidade concreta dos países atrasados.
 
As ideias de Paul Romer
 
A aspereza da desigualdade econômica havia mostrado sua face
mais pungente poucos anos antes, quando Paul Romer (Romer,
1986 e 1990) e Robert Lucas (Lucas, 1988) abriram a caixa de
pandora dos “retornos crescentes à escala”. Até então, todos os
modelos convencionais funcionavam no mundo dos retornos
constantes. O efeito desta premissa é a obtenção de uma taxa de
crescimento em um estado estacionário ao qual eventualmente
todas as nações convergiriam. Ao incorporar ao modelo de Solow
à produção do conhecimento, Romer expandiu as fronteiras
convencionais da teoria do crescimento e revelou que o abismo
que separa os países ricos dos pobres é ainda maior do que
acreditávamos até então.
Romer mostrou que o principal motor da prosperidade das
nações era a produção de ideias, as quais geravam bens e
serviços cada vez mais sofisticados como aqui mostramos. No
entanto, o setor produtor de inovações competiria pelos
“recursos” usados por outros setores, em particular a mão de
obra qualificada que, em vez de ser absorvida pelo corpo a corpo
das atividades produtivas cotidianas dos mercados, destinaria
sua energia à produção de conhecimento. Há, contudo, um
“pequeno” detalhe conhecido por todos havia muito tempo, mas
que nenhum economista convencional ousara confrontar como o
fez Romer: o conhecimento não era um bem como qualquer
outro. Ao contrário dos bens e serviços privados, o conhecimento
se encaixava numa categoria desconfortável ao propósito de
obtenção de lucro, o qual exige que o bem seja rival (o consumo
por alguém diminui o quanto outra pessoa pode consumir) e
excludente (por exemplo, quem não consegue pagar fica sem
consumir).
Até então, o conhecimento vinha sendo tratado pela teoria do
crescimento como um bem público, livremente acessível por
qualquer indivíduo ou empresa desejosa de assimilá-lo. Sua
transmissão entre nações seria desimpedida e, por isso,
eventualmente todo o conhecimento seria absorvido por todos,
garantindo a convergência das nações ao mesmo patamar de
prosperidade, ainda que em ritmos diferentes. Romer colocou o
dedo na ferida e mostrou que o bem “conhecimento” pode ser
excludente por meio da emissão de patentes ou processos
produtivos proprietários, mas sua não rivalidade seria difícil de
contornar. O que isso significa? Uma vez produzida a ideia, sua
disseminação não seria restringida por qualquer limite
quantitativo. Pense no teorema de Pitágoras ou no cálculo de
variações de Isaac Newton: a ideia pode ser “consumida” por
todas as pessoas virtualmente, sem que o “estoque” daquela
ideia sofra qualquer redução. É possível cobrar pelo uso
comercial da mesma (eis a função da patente, marcas e
processos produtivos proprietários), mas não é possível impedir a
sua replicação; afinal, se uma pessoa produziu uma ideia,
qualquer outro ser humano dotado do mesmo poder cognitivo
básico pode assimilá-la e reproduzi-la, ainda que com variados
graus de dificuldade (ver Amsden, 2001).
À primeira vista, este pode parecer um problema desprezível.
A teoria econômica mostra, entretanto, que a não rivalidade do
conhecimento torna sua produção menos lucrativa pois há
dúvidas quanto a possibilidade de apropriação futura dos ganhos
gerados pela ideia. Por outro lado, uma boa ideia proprietária tem
muito valor. As patentes aliviam o problema, mas não o resolvem.
Romer enfatizou que a concorrência imperfeita e as
externalidades para a descoberta de novas ideias são
importantes. A concorrência imperfeita fornece os lucros que
incentivam os empreendedores a inovar. Mais tarde, inventores e
pesquisadores se beneficiam do conhecimento daqueles que
vieram antes. Ideias, embora não sejam rivais, não são bens
públicos. Um bem público puro é algo que não é rival nem é
excludente, como vimos. Embora a não rivalidade seja uma
propriedade do conhecimento, a exclusão é uma função das
decisões que as empresas e sociedades tomam. Segredos
comerciais e conhecimento proprietário podem permitir que ideias
sejam apropriadas privadamente por empresas, pelo menos por
um determinado período de tempo. É possível cobrar bem caro
por novas e boas ideias. As ideias não fluem naturalmente para
países mais pobres para se aproveitar de mão de obrabarata,
como se imaginava em modelos mais simplistas. Elas se
concentram em países ricos e geram produtos caros e com alto
conteúdo tecnológico que pagam bons salariais localmente em
sua produção, e depois são vendidos para os países pobres por
multinacionais mundo afora (ver Warsh, 2006).
 
Produzir conhecimento não é tarefa para qualquer um
 
A vida é dura para quem é pobre. Produzir conhecimento é
proibitivamente caro e, como tal, só os países ricos conseguem
financiá-lo a contento. O modelo de Romer (1990) ilustrou com
elegância que vantagens na produção de ideias ampliam e
sustentam as desigualdades entre os níveis de renda per capita
das nações. Em essência, a receita para se obter prosperidade é
deslocar o máximo de trabalhadores possível para a produção de
ideias, sem sacrificar a disponibilidade de trabalhadores nos
outros setores. O deslocamento destes recursos seria motivado
pela rentabilidade dos investimentos em inovação, a qual
depende da produtividade do setor de pesquisa que tende a
diminuir conforme o estoque de conhecimento acumulado vai
crescendo. Vale a pena, portanto, nos determos brevemente e de
forma bem simplificada nos aspectos econômico-financeiros da
produção de inovações.
Uma inovação tecnológica enfrenta muitos custos para ser
descoberta. É preciso um conjunto de trabalhadores e
pesquisadores altamente qualificados e, por isso, muito caros. A
depender do conteúdo tecnológico acumulado no setor em
questão, mais máquinas e mais equipamentos serão necessários
para dar suporte aos pesquisadores. Pense na diferença entre
obter uma nova receita de tapioca assada e um medicamento de
combate ao câncer, em que componentes químicos ou
microrganismos vivos precisam atacar apenas as células
cancerígenas. Note que ambas são úteis, mas a segunda requer
um grau de complexidade tecnológica muito mais elevado e...
muito mais caro. Este ponto é particularmente importante: a
produção de conhecimento enfrenta custos fixos elevados e que
são indivisíveis.
A indivisibilidade da produção de inovações se manifesta da
seguinte forma: considere o custo de desenvolver o Windows da
Microsoft. Foram anos de dedicação de um time muito seleto de
programadores, especialistas em marketing, designers gráficos
etc., em que a empresa teve de pagar mensalmente pelo trabalho
deles, sem ter qualquer retorno na forma de vendas. Assim, a
primeira unidade de cada inovação tem um custo monumental de
milhões, ou até de bilhões de dólares. Este custo fixo elevado é
uma barreira à entrada nestes mercados, pois ameaça qualquer
competidor em busca de pegar uma “carona” naquela onda por
meio de imitação ou espionagem industrial. Afinal, com um
trabalho colaborativo tão complexo, meticuloso e com
qualificações tão diversas, decompor o produto final como este
em suas partes é uma tarefa quase impossível. Para fazer isso,
um competidor teria de, pelo menos, contratar uma equipe similar,
com custo também elevado. Por isso a espionagem e a cópia são
quase constantes na história da tecnologia.
Ainda que o custo fixo elevado seja um inibidor das
inovações, o maior desafio às descobertas diz respeito à
incerteza. Note que não estamos falando de risco, uma medida
de probabilidade com base no histórico de um problema. A
inovação é a fronteira da humanidade com o desconhecido. Para
além desta linha, o inventor está em território totalmente
desconhecido. Para inovar ele depende das ferramentas
acumuladas no passado para, passo a passo, desbravar sempre
de forma muito cautelosa as possibilidades abertas pelo horizonte
agora ampliado. Não há como calcular a probabilidade de
sucesso e os esforços acabam sendo mais frequentemente
frustrados do que bem-sucedidos.
Somando os dois problemas acima, o resultado da conta é:
custo elevado por tempo indeterminado. A este resultado, soma-
se um terceiro: uma vez obtida a inovação, nada garante que seu
usufruto seja o suficiente para pagar pelos custos enfrentados.
Imitadores podem aumentar a concorrência, aproveitando-se de
um acesso ao conhecimento acumulado para vender os bens
finais a preços muito mais baixos; ou mesmo o conhecimento
obtido pode não se tornar um produto interessante aos
consumidores e, por isso, nenhuma empresa se encarregar de
transformar aquela inovação em um bem ou serviço. Além disso,
a inovação pode ser cara demais para quem realmente dela
necessita, de forma que o mercado apenas pode não dar conta
de gerar demanda o suficiente para remunerar o esforço
inovativo. Estes e vários outros problemas constituem o que os
economistas chamam de incentivos à inovação. É exatamente
para tentar amenizar estes problemas que os empresários
desenvolveram o mecanismo jurídico das “patentes”. Com elas, o
inventor tem algum poder de monopólio para encarecer a
imitação de competidores. Quem quiser usar um conhecimento
registrado, deverá pagar um “pedágio” por isso, na forma de
royalties.
Porém, um caso interessante pode ilustrar como a presença
de patentes não garante a viabilidade da inovação. Em artigo
publicado no prestigioso periódico American Economic Review,
Budish, Roin e Williams (2015) tentaram compreender por que os
grandes laboratórios farmacêuticos focavam seus esforços para
desenvolver tratamentos contra o câncer apenas para estágios
muito avançados da doença. Eles notaram que havia um
problema de proteção à inovação. Pelas regras da agência de
vigilância sanitária dos EUA, a Food and Drug Administration
(FDA), um tratamento contra o câncer em estágios iniciais precisa
cumprir testes clínicos que duram, no mínimo, 18 anos, uma vez
que os desdobramentos da enfermidade nestes estágios podem
ser muito variados e ter muitas implicações. Acontece que o
registro da patente de 20 anos do novo medicamento deve ser
feito logo antes de se iniciarem os testes clínicos, quando o
conhecimento novo obtido pela pesquisa é revelado ao público.
Portanto, sendo 18 anos o tempo mínimo de duração dos testes,
as empresas teriam apenas dois anos para usufruir seu poder de
monopólio de forma a remunerar todo o esforço de pesquisa e
desenvolvimento. Qual é o resultado desta “distorção” nos
incentivos? Como a duração mínima é de apenas alguns anos
para estágios mais avançados da doença, os laboratórios
preferem se concentrar nas descobertas mais lucrativas,
diminuindo a oferta de inovações para estágios iniciais da
doença, quando o tratamento tende a ser mais eficaz e, portanto,
a salvar mais vidas, em particular das pessoas em pior condição
econômica. Falhas de mercado como esta emergem do
desalinhamento entre os lucros privados e os interesses
coletivos.
No início de 2020, os temores de uma nova pandemia de
gripe emergiram com força e rapidez com a identificação do novo
coronavírus que causou a morte de dezenas de pessoas na
cidade de Wuhan, na China. Devido à interconectividade
planetária, o vírus rapidamente chegou à costa oeste dos EUA,
no estado de Washington. Como lidar com uma crise de saúde
pública quando as vacinas são produzidas por multinacionais
espalhadas mundo afora? Isso nos remete aos incentivos à
produção de conhecimento especializado, neste caso no setor de
vacinas. Um interessante trabalho de Smith, Lipsitch e Almond
(2011) mostrou uma forte concentração de mercado na produção
de vacinas de interesse global. Entre as grandes empresas
farmacêuticas multinacionais, apenas duas, a Sanofi Pasteur
(parte do grupo Sanofi-Aventis) e a GlaxoSmithKline, fabricavam
uma ampla gama de vacinas geralmente patenteadas para uso
em todo o mundo. Outros laboratórios, como Merck, Pfizer e
Novartis, ofereciam uma gama mais restrita de produtos
(associados a indicações específicas de doenças ou nichos de
mercado específicos). Diferentemente de outras fatias do
mercado farmacêutico, em que as receitas foram reduzidas pela
expiração de patentes, o setor de vacinas teve razoável
estabilidade no crescimento do faturamento. Um dos motivos é
que vacinas contendo agentes biológicos são muito mais difíceis
de produzir e de patentear “genericamente” do que as drogas
com componentes químicos.Além disso, fortes investimentos em
P&D e know-how industrial, bem como os custos associados à
formulação do produto final, fornecem altas barreiras à entrada de
possíveis novos participantes, mesmo para vacinas não
patenteadas.
Estes exemplos de natureza microeconômica apenas
ilustram casos de produtos ou empresas individuais. No entanto,
uma descoberta como um novo princípio químico ativo ou um
método de cortar chapas de aço com mais precisão abrem novas
possibilidades de avanços adicionais. O conhecimento é uma
construção coletiva, em que uma descoberta se apoia na que
veio antes, de forma cumulativa. Cada inovação que deixa de ver
a luz do dia por falta de alguém que assuma o risco da
empreitada está condenando à obscuridade toda uma série de
avanços futuros. E isso nos leva ao problema da pesquisa básica,
a qual muitas vezes não gera produtos e serviços comerciais
imediatamente. Sem este conhecimento básico acumulado, a
pesquisa e desenvolvimento mais próximos aos consumidores
não conseguem inovar. Usando o exemplo do tratamento contra o
câncer citado acima, observa-se que as empresas privadas
dependem das pesquisas básicas feitas por universidades e
institutos de pesquisa e que são em grande parte financiadas por
dinheiro público. Vejamos um exemplo curioso de como estes
incentivos podem gerar alianças políticas, à primeira vista,
inusitadas.
Logo no início do mandato presidencial de Donald Trump em
2017, montou-se uma forte oposição dos laboratórios
farmacêuticos norte-americanos contra a proposta do governo de
cortar o financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde
(National Institutes of Health – NIH) e a Fundação Nacional da
Ciência (National Science Foundation – NSF), responsáveis pela
pesquisa biomédica básica nos EUA. Não deveriam os
laboratórios terem ficado contentes com a tentativa do governo de
reduzir a participação do Estado, abrindo espaço para que a
iniciativa privada pudesse prosperar? A realidade é mais
complexa do que o nosso senso comum. Um estudo do Centro de
Integração da Ciência e Indústria (CISI) mostrou que, entre 2010
e 2016, todos os 210 medicamentos aprovados para serem
comercializados saíram de pesquisas apoiadas pelo NIH (ver
Cleary et al., 2018). Dos US$ 100 bilhões gastos nacionalmente
nesse período, mais da metade – US$ 64 bilhões – foi canalizada
pelo Estado para o desenvolvimento de 84 medicamentos de alta
complexidade. Todavia, os institutos nacionais de saúde não
conseguem usar os lucros da venda destes medicamentos para
financiar mais pesquisas. Os laboratórios financiados pelo Estado
realizam anos de pesquisa básica para obter um grande avanço,
que é então apropriado, modificado e patenteado pelos grandes
laboratórios farmacêuticos, que ganham bilhões com taxas de
lucro enormes sobre o custo dos medicamentos desenvolvidos
com dinheiro do contribuinte.
Mas por que utilizar dos recursos públicos, arrecadados com
o dinheiro suado dos impostos, em vez de investir em áreas mais
necessárias como atendimento à saúde, educação e saneamento
básico? Por que não estimular as empresas privadas a buscar
essas inovações? Não seria mais razoável deixar a rentabilidade
das inovações decidir para onde o dinheiro do público vai? Como
mostramos, o setor privado não conseguiria ocupar este espaço
do setor público pelos três motivos que já vimos acima: custo fixo
elevado (ou indivisibilidade), elevada incerteza da inovação e, por
fim, as externalidades positivas do conhecimento (apenas parcial
e provisoriamente protegidas pelas patentes). Trocando em
miúdos, é preciso que a pesquisa com maior probabilidade de
insucesso não venha colocar em risco a existência do agente que
a executa. Um insucesso no setor de inovação pode levar uma
empresa à falência, mas jamais ao Estado, que é o único agente
poderoso o suficiente do ponto de vista financeiro capaz de
enfrentar o que está além do nosso horizonte conhecido.
Por fim, um quarto obstáculo se impõe: há limites “naturais” à
quantidade de ideias novas que se pode produzir. Quanto mais
ideias são produzidas, mais difícil se torna alcançar uma inovação
verdadeiramente disruptiva. Em geral, obtêm-se ideias
incrementalmente inovadoras a um custo cada vez maior, o que
reduz a atratividade do gasto em P&D. A solução para os
rendimentos decrescentes do esforço em pesquisa é a
cooperação por meio da criação de sistemas nacionais de
inovação, como os Institutos Nacional de Saúde dos EUA
mencionados acima. Contudo, novamente se coloca o problema
econômico: se uma inovação pode oferecer barreiras proibitivas,
imagine criar uma rede de instituições e pessoas em contínuo
esforço em busca de novos conhecimentos.
Montar um sistema nacional de inovação é, portanto, uma
missão arriscada, com elevados custos de instalação, de
manutenção e de ampliação. É preciso atingir uma rede com
escala mínima de institutos de pesquisa, universidades (públicas
e privadas), pesquisadores e estudantes (com boa formação nos
níveis de ensino básico, fundamental e médio) para que haja
produção relevante de inovações. Complementarmente, além de
um eficaz sistema de registro e de fiscalização de patentes (e um
eficiente sistema judiciário que puna a violação das mesmas), é
necessário haver proximidade deste setor de pesquisa básica
com empresas que invistam em P&D e que consigam, portanto,
converter este conhecimento em bens e serviços que possam ser
comercializados de forma massificada. Devido ao seu peculiar
poder de aglutinação e mobilização de recursos via tributação, as
sociedades desenvolvidas designaram ao Estado uma tarefa
hercúlea e muito dispendiosa. Além disso, a capacidade do
Estado de coordenar e direcionar esforços em diferentes etapas
da inovação favorece a sociedade nos setores em que avanços
são necessários. Isso não significa que ele deve ser
necessariamente o agente executor direto. O que é
imprescindível é que o Estado assuma o papel de viabilizador de
última instância da inovação no país, o fiador das nossas
explorações tecnológicas.
Em face de tantos riscos e ameaças, não surpreende que os
ícones de quase todas as sociedades são os desbravadores, que
se lançam a terras, mares e céus desconhecidos sem qualquer
garantia de sucesso. Marco Polo, Pedro Álvares Cabral, Américo
Vespúcio e Cristóvão Colombo, para mencionar alguns, são
historicamente notórios exatamente por este motivo. Porém,
todos eles tinham algum monarca representando o maciço poder
estatal para viabilizar suas ambições. Analogamente, se hoje
Elon Musk ou Richard Branson estão próximos de viabilizar um
sistema privado de transporte ao espaço sideral é porque o
Estado (seja o soviético ou o norte-americano) mobilizou todo o
seu poder econômico para levar o homem à lua, e com os
acertos, erros e tragédias acumulados. Enfrentou os
monumentais custos fixos desta empreitada e produziu
conhecimento a ponto de tornar viável a exploração comercial por
uma empresa privada. O Estado não expulsa o setor privado da
pesquisa. Ao contrário, sem o Estado não haveria
desenvolvimento tecnológico sustentado. O conhecimento é o
motor do crescimento e da sofisticação produtiva que leva à
desigualdade entre as nações. E como a instalação deste setor
impõe elevados custos econômicos, uma causação cumulativa
novamente se apresenta. Se os países ricos estão mais
capacitados economicamente para produzir o motor da riqueza,
reduzem-se dramaticamente as possibilidades de os países
pobres alcançarem o mesmo nível de prosperidade.
 
O capital humano se distribui de forma desigual entre
atividades
 
Um dos principais economistas do início do século XX, Alfred
Marshall foi professor de Keynes e de toda uma geração de
economistas renomados. Marshall (1996) nos relembrou que “do
mesmo modo que uma catedral é algo mais que as pedras de
que é feita, assim como uma pessoa é algo mais que uma série
de pensamentos e sentimentos, assim também a vida da
sociedade é algo mais que a soma da vida dos indivíduos”. Isto
significa que a forma como combinamos as partes de um todo
determina o valor que este todoterá. Afinal, a diferença entre um
pedaço de carvão e um diamante resulta da forma como suas
moléculas são combinadas. Em seu livro Why information grows,
César Hidalgo nos mostra que os produtos são “cristais da
imaginação”, o que equivale a dizer que há “capital humano”
incorporado às matérias-primas que formam os bens finais
(Hidalgo, 2015). Este conhecimento significa uma forma
específica de fabricar as partes e combiná-las entre si. Hidalgo
nos oferece um exemplo para iluminar esse aspecto da
complexidade, perguntando: Quanto vale uma Ferrari nova?
Quanto valem as mesmas peças e materiais que a compõe, se
quebrados depois de um acidente? O valor claramente está
incorporado no design, no motor, na combinação de todos os
equipamentos, na engenharia e beleza de uma Ferrari. As
mesmas peças que produzem uma Ferrari podem produzir um
amontoado de lata sem qualquer utilidade, muito menos
velocidade.
Em um plano mais concreto, por trás de cada Ferrari há uma
rede industrial complexa que aprende com seus erros e usa seus
acertos para buscar novidades além do horizonte conhecido.
Para além da eletrizante emoção que a corrida automobilística
oferece, com seus heróis da Fórmula 1 e as histórias pessoais de
superação, aquele espaço é um laboratório para expandir a
fronteira tecnológica do setor. É ali que é gestada a tecnologia
que eventualmente tornará a vida de milhões de motoristas mais
“confortável”. Indo além, se considerarmos a indústria
automobilística como um todo, são centenas de milhares de
pessoas e empresas trabalhando nessa cadeia produtiva. Quanto
mais tecnologia e mais conhecimento, maior o valor produzido
pelas empresas e, portanto, mais deste valor pode correr para o
bolso de cada trabalhador (ver Mehta e Jesus, 2014)
Uma das grandes contribuições do economista russo W.
Leontief para a ciência econômica foi o estudo das chamadas
matrizes insumo-produto. Leontief estava preocupado em
entender o detalhe das estruturas produtivas, o que cada cidade,
região e país produziam. O conceito de PIB é muito agregado e
mistura laranjas, bananas, computadores, reatores etc. A
estrutura de oferta capaz de produzir cada uma dessas coisas é
obviamente diferente. Bens muito high tech demandam uma
estrutura de oferta intensiva em capital humano, com alto
conteúdo tecnológico, e paga altos salários. Para produzir
bananas basta bom clima. Quando olhamos PIB e PIB per capita
dos países temos que nos lembrar que lá dentro existe muita
coisa diferente, como destacava Leontief. César Hidalgo chamou
essa abordagem de “under the hood economics”; “economia por
baixo do capô”. É preciso desgregar o “PIB” até chegarmos nas
estruturas produtivas microeconomicas, e lá vamos descobrir a
riqueza e pobreza das nações: produtos e serviços de baixa ou
alta complexidade tecnológica.
O capital humano só é acumulado em ocupações
específicas. Profissões como cabeleireiro, manicure, pedicure,
lojista, motorista de táxi são as mesmas há milênios. O capital
humano acumulado em uma sociedade está em suas redes
produtivas complexas, uma delicada divisão do trabalho com
absurda especialização em cada etapa. Atividades simples não
permitem esse tipo de acumulação de capital humano, como
majoritariamente no Brasil de hoje. O conhecimento não flutua, se
incorpora em produtos e serviços sofisticados e “nichados” e cria
poder de monopólio. As pessoas não “flutuam” por aí, trabalham
em algum lugar. A acumulação de capital humano em engenharia
é exponencial, por assim de dizer, no cabeleireiro é “linear”. O
potencial de acumulação de capital difere por ocupação. Os
diferenciais de salário são explicados por diferenciais de anos de
estudo. Os diferenciais de anos de estudo são explicados por
diferencias de ocupações. Os diferenciais de ocupações são
explicados por diferenciais de estrutura produtiva (ver Mehta e
Jesus, 2014).
Os setores industriais e de serviços sofisticados são muito
mais intensivos em capital, máquinas, ideias e equipamentos do
que serviços tradicionais. As manufaturas high tech demandam
muito capital humano, algo que por exemplo uma fábrica de
sapatos simples não precisa. Serviços digitais escaláveis como
Uber, Google e Netflix são infinitamente mais intensivos em
capital humano do que padarias, salões de beleza e restaurantes.
Falta no mundo de Solow, Mankiw e Romer o que sobra nos
modelos cepalinos e de economistas do desenvolvimento: uma
desagregação do PIB em termos de setores e produtos para
entender a dinâmica tecnológica. Dessa ótica, fica claro entender
onde erramos no Brasil desde os 1990: trocamos nossas
atividades ricas em tecnologia, a indústria, por serviços
tradicionais não sofisticados; o tema principal desse livro.
O capital humano da pessoa se traduz em ganhos maiores e
salários, se aplicado a uma atividade capaz de remunerá-lo. O
engenheiro que dirige Uber ganha o mesmo que o motorista
analfabeto. A complexidade produtiva é, provavelmente, a
principal variável omitida que ajuda a explicar o resíduo de Solow.
O grande problema dos modelos de Solow, Mankiw e até mesmo
de Romer é que eles não levam em conta a importância da
composição setorial como determinante da intensidade de capital
físico e humano de uma economia. O PIB precisa ser
desagregado por setores e produtos. E como tudo que é ruim
pode sempre piorar, alguns setores têm maior vocação inovativa
do que outros. Esta é mais uma das instâncias da máxima: “o
que” produzir é tão importante quanto a quantidade produzida.
Em outras palavras, o padrão de especialização da economia
afeta o processo de aprendizagem da sociedade e, portanto, de
seu desenvolvimento (ver Palma, 2014).
9. OS PAÍSES RICOS TÊM ALTO CONTEÚDO TECNOLÓGICO PROPRIETÁRIO
 
O centro da economia mundial tem alto conteúdo tecnológico
proprietário em seus produtos, logo, tem poder de monopólio
considerável e a periferia não. Isso torna muito difícil para países
da América Latina, África e Ásia chegarem lá. Alguns países do
Leste Asiático conseguiram. O desenvolvimento econômico pode
ser entendido, então, como um processo de aprendizagem
produtiva. Alguns países pobres são capazes de aprender ao
longo do tempo, outros não. Essa aprendizagem leva à produção
de bens e serviços com poder de monopólio e alto conteúdo
tecnológico, que dificulta o avanço dos outros (ver Reinert, 2008).
O conhecimento produtivo é o grande valor que um país tem, isso
o torna rico. Este conhecimento está nas empresas, marcas,
tecnologias e patentes de propriedade de seu sistema produtivo.
Isso nunca é transferido para os países emergentes,
especialmente por multinacionais que protegem seu core
tecnológico e muitas vezes drenam tecnologia quando alguma
empresa emergente desponta; compram, absorvem a tecnologia
e mandam para a matriz.
Alice Amsden (2001, p. 5) nos relembra que, mesmo na
ausência de patentes, a natureza tácita e proprietária das
tecnologias produtivas dificultam a aquisição de conhecimento.
As características de uma dada tecnologia não podem ser
totalmente documentadas, de forma que a otimização do
processo e a especificação do produto permanecem uma “arte”,
dependendo de habilidades gerenciais que são mais tácitas do
que explícitas. Na tipologia empregada por Amsden em seu livro
A ascensão do resto, os grandes países emergentes podem ser
divididos em duas subcategorias: os independentes e os
integracionistas. O primeiro, composto por países como Coreia do
Sul, China, Índia e Taiwan, teriam confiado pouco nos
investimentos estrangeiros e buscaram investir e desenvolver
tecnologias próprias. Já o segundo, que conta com Brasil,
Argentina, Chile, México e Turquia, confiaram muito no
investimento externo, no efeito transbordamento de
multinacionais, e contaram com a compra de tecnologia
estrangeira.
O que fazem as multinacionais ao redor do mundo?
Constroem suas bases produtivas perto dos mercados
consumidores e em bases exportadoras com mão de obra barata;
uma lógica econômica quase pura. Os centros de pesquisa e
desenvolvimento de produtos, marcas, conteúdo tecnológico e
centros deinovação ficam em geral nas bases principais dessas
empresas, na matriz em países ricos. Nesses locais estão os
melhores cérebros, as melhores capacidades produtivas e o
grosso do capital humano, patentes e conhecimento acumulado
por essas empresas, o centro nervoso. A parte produtiva high
tech e de serviços empresariais fica nos países ricos. Por que
então as bases produtivas em outros países? Por conta dos
custos de transporte para alcançar mais mercados ou de mão de
obra superbarata para construir bases de exportação. A parte
“nobre” da rede produtiva e de inovação fica sempre no país-mãe,
em geral por questões meramente econômicas mesmo.
Muitas das empresas domésticas que começam a despontar
e conseguem desenvolver conteúdo tecnológico proprietário são
compradas por multinacionais. Foi o caso da Embraer e de tantas
outras belas empresas no Brasil. Por exemplo, o caso da
empresa brasileira de turbinas Celma: nascida como fabricante
de ventiladores, a Celma começou ainda nos anos 1950 a fazer
manutenções superficiais de hélices para a Varig, graças a
estímulos públicos no governo JK. Nos anos 1970 participou no
desenvolvimento do avião a jato Xavante, e a seguir, no âmbito
do Projeto AMX, foi uma das beneficiárias nas encomendas para
o avião Alenia. A Celma se preparou com investimentos pesados
para o porte da companhia à época para fabricar motores a jato
completos para o caça A1, o primeiro caça ítalo-brasileiro. A
demanda foi muito menor do que o esperado e no início dos anos
1990 a Celma, apesar do notável sucesso na absorção de
tecnologias sofisticadas, estava pesadamente endividada e
acabou pedindo concordata. Ao contrário de outras empresas de
alto nível tecnológico como a Engesa, a Celma foi adquirida por
outra empresa, a GE. Um duro golpe para os planos ambiciosos
da Força Aérea Brasileira (FAB), mas uma vitória para Petrópolis
e para as famílias dos trabalhadores. Hoje a Celma, que exporta
US$ 2 bilhões por ano em serviços industriais de alto valor
agregado, é a mais eficiente das unidades de manutenção da GE
globalmente.
 
Setor automobilístico na China, México e Brasil
 
As estratégias de desenvolvimento do setor automobilístico de
Brasil, México, Índia e China nos ajudam a entender melhor essa
dinâmica. O Brasil atraiu montadoras estrangeiras para construir
sua cadeia de fornecimento. O México abriu a economia para se
integrar às cadeias globais e se inseriu montando maquilas que
importam produtos do Leste da Ásia e vendem nos EUA. A China,
assim como a Índia, exigiu joint ventures (JVs) com empresas
nacionais e mirou nos carros elétricos. Alguns dos maiores
desafios de quem depende de investimento externo são:
convencer as multinacionais a realizarem P&D localmente,
exportarem a partir de suas filiais e criar ligações com a economia
local. O Brasil foi parcialmente bem-sucedido apenas no último
quesito. A China exigiu até 2018 joint ventures com no máximo
50% de participação estrangeira para acessar o seu imenso
mercado. Rotulada como transferência forçada de tecnologia
pelos EUA, a estratégia parece estar surtindo efeito. Desde 2008
ja é a maior produtora mundial de carros. Porém, seu maior
acerto foi ter se preparado para os veículos elétricos (EVs).
Enquanto seus concorrentes lutam para superar a dependência
da rota tecnológica dos motores de combustão interna, a China já
desenvolveu uma cadeia doméstica de baterias e EVs. A BMW,
por exemplo, vai produzir seu X3 elétrico na China não para
extrair o máximo da mão da obra barata, mas para usufruir da
capacidade produtiva de ponta desenvolvida com apoio crucial do
Estado chinês e utilizar o país como plataforma de exportação.
No Brasil, a multinacional BMW decidiu produzir no país para
driblar o IPI de 30% sobre os importados se valendo do Programa
Inovar-Auto, mas não gerou ligações locais e não exportou.
No Brasil, o Programa Inovar-Auto ajuda a ilustrar o ponto.
Começou a ser desenhado em 2011 para conter a importação de
automóveis diante da reclamação de grandes montadoras
instaladas por aqui. Por incrível que pareça, elas se sentiam
ameaçadas pela chegada de nova leva de automóveis
importados, incluindo as marcas chinesas. Naquele ano os
modelos trazidos do exterior tiveram participação de 23,6% no
mercado nacional, índice que despencou para 13,5% em 2015,
não só pela sobretaxação imposta pelo regime, mas também por
causa da nova relação cambial, com profunda desvalorização do
real. Naquela época, a primeira iniciativa foi impor adicional de 30
pontos porcentuais no IPI de carros importados, que já pagam
Imposto de Importação de 35%, a maior alíquota permitida pela
OMC (para cota de mais de 4.800 carros importados por ano). Na
realidade, a OMC via o Programa Inovar-Auto, que exige alto
conteúdo nacional em carros fabricados no país para ter
diferenciação de imposto, como “protecionismo exagerado”. Para
montadoras que têm fábrica aqui não há adicional de 30% do IPI
e a alíquota de importação é mantida (ver Lima, 2016).
Em autopeças, a história foi similar. Na estrutura de produção
automotiva no Brasil, o setor de autopeças ganha destaque pois
possui 25% do faturamento total por companhias de capital
nacional, e ainda mais relevante é verificar-se que 40% do total
dos investimentos realizados são justamente feitos por essas
empresas brasileiras. Dessa forma, os impactos do programa
tornam-se mais relevantes por existir um potencial
significativamente maior, ante aos das montadoras, na estrutura e
complexidade produtiva brasileira de autopeças. Os resultados
verificados pelo Programa Inovar-Auto na indústria de autopeças
brasileira são ambíguos, pois o foco do programa implantado pelo
governo residiu sobremaneira nas montadoras, o que a princípio
poderia nos levar a concluir que tal estímulo teria um efeito
“dominó” no setor de fornecimento de autopeças. No final das
contas tal efeito parece ter sido parcial, ajudou as multinacionais
a arbitrar produção em diversas regiões para maximizar lucros.
Entre 2014 e 2016, instalaram-se ou ampliaram sua
capacidade nove novas fábricas de carros no Brasil. Segundo as
próprias empresas, todos os investimentos foram estimulados
pelo Inovar-Auto e pelo vigor do mercado interno. Entre essas
empresas, temos: I) Cherry, localizada em Jacareí (SP), com um
investimento de R$ 1,2 bilhão, aberta em agosto de 2014; II)
Jeep, localizada em Goiana (PE), com um investimento de R$ 4
bilhões; III) Nissan, instalada em Resende (RJ), com investimento
de R$ 2,6 bilhões; IV) BMW, instalada em Araquari (SC), com
investimento que ultrapassa R$ 1 bilhão; v) Jaguar Land Rover,
em Itatiaia (RJ), com um investimento de R$ 750 milhões; VI)
Honda, instalada em Itirapina (SP), com investimento de R$ 2
bilhões; VII) Mercedes-Benz, em Iracemápolis (SP), com
investimento de R$ 510 milhões; VIII) Audi, em São José dos
Pinhais (PR), com investimento de R$ 450 milhões; e IX) Hyundai
CAOA, em Anápolis (GO), fábrica já existente com ampliação do
investimento em R$ 600 milhões.
No próprio projeto do Inovar-Auto não constavam regras
rígidas que exigissem que seus parâmetros e exigências fossem
cumpridos. O programa até promoveu alguma internalização de
tecnologia estrangeira, mas isso não significa necessariamente
que o setor logre ganho de competitividade. Seria necessário
promover o aprofundamento da capacidade de geração e difusão
de inovações para poder ampliar a importância das filiais de
empresas estrangeiras no Brasil. Também seria importante e
necessário que as suas corporações mundiais, por
transbordamentos, favorecessem as empresas fornecedoras
nacionais nas bases inferiores da pirâmide, fato que não foi
contemplado no programa. O Inovar-Auto estava mais associado
a uma política de caráter emergencial de curto prazo do que a
uma política industrial setorial de longo prazo que proporcionasse
transformações estruturais. Não tinha o objetivo claro de
estimular o upgrading no desempenho das indústrias existentes
que conectam as empresas nacionais com a economia global.
Não direcionou os investimentos paraaumentar a posição de
agregação de valor do país nas cadeias globais de valor.
A indústria de autopeças na China, por outro lado, foi
fortemente promovida através de requisitos de conteúdo local. O
governo chinês exigia que as montadoras estrangeiras
investissem no mercado doméstico para alcançar um nível
relativamente elevado de conteúdo nacional dentro de um curto
período de tempo (normalmente 70% no prazo de três anos). Isto
obrigou as empresas multinacionais a cooperar estreitamente
com os fornecedores locais no desenvolvimento e utilização de
novas tecnologias. Na cadeia de abastecimento de automóveis
na China, os próprios fabricantes estrangeiros continuaram a
comprar dos fornecedores locais depois que a obrigatoriedade de
conteúdo local foi abolida em conformidade com as regras da
OMC, numa prova de que o sistema foi capaz de criar produtores
domésticos eficientes. As fontes locais de abastecimento se
mostraram superiores em termos de combinação de custo e
qualidade quando comparadas às alternativas importadas.
Caminho muito parecido seguiu a Índia e também teve enorme
sucesso. O coeficiente importado da indústria automobilística da
China foi de apenas 5% em 2013/2014. O 2º maior produtor,
EUA, teve 27%, não muito acima do Brasil, com 22%. O 3º maior
produtor, Japão, apresentou apenas 10% de coeficiente
importado. O México teve 56%. A integração mexicana aos EUA
aumentou suas exportações de carros ao mercado vizinho.
Porém, a principal atividade exercida naquele país é a de
montagem, de baixo valor adicionado, baixo P&D, baixos
encadeamentos domésticos e competitividade via compressão
dos salários.
A atração feita pela China de empresas estrangeiras no setor
automotivo teve sempre o objetivo de fomentar as capacidades
internas e locais de produção. Para isso, o governo sempre usou
uma série de políticas para assegurar que a transferência de
tecnologia teria lugar e que uma indústria local forte e competitiva
fosse criada. O governo chinês usou um sistema de estímulos e
controles para tentar promover eficiência e competitividade. Os
investidores estrangeiros foram obrigados a entrar em joint
ventures com empresas nacionais para ter acesso aos mercados
nacionais. Houve fraca aplicação das leis de proteção intelectual,
habilitando produtores domésticos a praticar engenharia reversa
e imitar tecnologias estrangeiras sem punições relevantes. Os
governos regionais tiveram autonomia e investiram na criação de
clusters industriais em áreas específicas do país. Claro que
muitas empresas locais fracassaram e nem tudo deu certo, mas
no geral essas estratégias parecem ter sido acertadas na medida
em que várias empresas chinesas amadureceram e foram
capazes de competir no mercado mundial e internamente com
concorrentes estrangeiros.
Hoje, existem seis grandes empresas estatais que produzem
carros na China. Quatro pertencem e são administradas por
governos municipais e duas pertencem ao governo central. Cada
empresa estatal fabrica produtos com sua própria marca e realiza
parcerias de joint ventures separadas com montadoras globais:
Corporação da Indústria Automotiva de Pequim com Daimler e
Hyundai; Corporação da Indústria Automotiva de Xangai com GM
e Volkswagen; Corporação da Indústria Automotiva de
Guangzhou com Honda, Toyota e FCA; Automóveis de Changan
com Suzuki, Ford e Mazda; First Auto Works com Toyota,
Volkswagen e Audi; Motores de Dongfeng com Nissan, PSA,
Honda e Kia. Os Seis Grandes da China (e suas joint ventures
estrangeiras) representaram cerca de 75% do total de veículos
fabricados e vendidos na China em 2017, ou cerca de 23 milhões
de veículos. Eles competem ferozmente por participação de
mercado e lucros. As três grandes empresas privadas são a
Geely que comprou a Volvo, a BYD que tem investimentos de Bill
Gates e de Warren Buffett e a Great Wall. A Geely Motors
adquiriu em 2010 a renomada fabricante sueca Volvo, absorveu
seu know-how e o prestígio da marca, concedeu liberdade total
para a engenharia e o departamento de design e hoje é
referência de um case de sucesso de investida chinesa no setor
automotivo. Pequim tem dado suporte financeiro para aquisições
capitaneadas por suas fábricas automotivas na compra de
players ocidentais com rede de distribuição consolidada na
Europa e EUA. Com marcas de boas reputações e centros de
P&D com importantes patentes em motores energeticamente
eficientes e tecnologia embarcada, porém carentes de recursos
financeiros, essas companhias parecem ser alvos perfeitos para
as empresas chinesas ricas e com sede de crescer.
A Great Wall Motors fundada em 1984 é outro belo exemplo
de firma doméstica que prosperou nesse ambiente criado pelo
governo chinês. Hoje a maior empresa manufatureira de pickups
e SUVs da China, foi listada na bolsa de valores de Hong Kong
em 2003 e na bolsa de valores de Shangai em 2011.Também em
2011, a fabricação teve um resultado de quase 500 mil unidades,
sendo a produção de 2019 a décima maior da China. A
companhia começou suas vendas na Europa a partir de 2006,
oferecendo vans de porte pequeno. Os produtos da Great Wall
foram disponibilizados pela primeira vez no mercado australiano
em 2009, e a empresa era, a partir de 2010, o único fabricante
chinês de automóveis a vender na Europa.
 
Gurgel
 
No Brasil dos 1980, época da Gurgel, as multinacionais
trabalharam para desbancar nossas empresas domésticas, um
comportamento esperado dentro do capitalismo; o governo
brasileiro nada fez a respeito. No momento de auge da empresa,
o lobby das montadoras multinacionais conseguiu a isenção de
impostos para carros de até 1.0 ou com motor refrigerado a ar.
Isso permitiu às quatro montadoras usar veículos de sua linha
para atender a demanda de carro urbano popular encontrada pela
Gurgel. A ideia era abastecer toda a demanda reprimida antes
que a Gurgel tivesse sua fábrica pronta. As montadoras
estrangeiras fizeram pressão sobre fornecedores de autopeças,
proibindo a venda de peças criadas para elas para a Gurgel. A
empresa aproveitava muitas peças de outros veículos e isso
nunca tinha sido problema. Com a proibição de compartilhamento
de muitas dessas peças, a Gurgel teve que desenvolver seus
próprios projetos para poder continuar produzindo seus veículos.
O BNDES também atrasou sistematicamente a liberação dos
recursos que haviam sido aprovados para a construção da fábrica
nova. A soma desses fatores levou a Gurgel à falência. Na Ásia
do leste este tipo de coisa não ocorre. Em 1997, quando a Kia
quebrou na Coreia do Sul com provável venda para estrangeiros,
o governo coreano fez uma jogada em que só autorizou
empresas nacionais a comprar a Kia, que acabou na mão da
Hyundai. Hoje a Hyundai ocupa quase 80% do setor
automobilístico do país. O governo japonês ajudou a Toyota por
mais de uma década, até que a empresa conseguiu finalmente
amadurecer e conquistar o mundo. Nos EUA o governo também
ajudou a salvar a Ford e a GM da crise de 2008.
A Gurgel começou a incomodar as grandes montadoras
multinacionais ainda nos anos 1980. Primeiramente foi a
Volkswagen, quando esta perdeu mercado para o Gurgel X12 no
Caribe. Logo incomodou também todas as outras quando
conseguiu uma redução do imposto IPI para 5%. Ali já deixava de
ser uma marca nascente e começava a preocupar por um motivo
simples: seus carros vendiam muito bem para uma empresa
iniciante. Quando o governo abre a isenção para todos os carros
com motor 1.0 e corta todo e qualquer tipo de financiamento para
a Gurgel inovar, começa a derrocada. Quando foi reduzida a
alíquota para as outras montadoras, a Fiat usou o motor Fiasa do
antigo Fiat 147 e do dia para a noite conseguiu enquadrar o motor
como 1.0 e abocanhar a redução tributária. A Fiat não era a
grande montadora que é hoje. Foi muito apoiada pela relação
entre Itália-Brasil. No final, o governo brasileiro acabou fazendo
políticas públicas que auxiliaram as montadoras multinacionais,
por incrível que pareça.
 
Automóveis na Índia
 
A incrível história do setor automotivo da Índia ajuda a mostrar
um outro caminho quepoderia ter sido seguido por aqui. Na
última década, a indústria automobilística indiana emergiu como
uma das indústrias de crescimento mais rápido no mundo, com
níveis crescentes de sofisticação tecnológica entre os países
emergentes. Este setor é fundamental na economia indiana, pois
proporciona emprego em massa à população local do país e suas
receitas de exportação ajudam a impulsionar o comércio exterior.
Ao contrário de outros países emergentes, como o Brasil, a África
do Sul e a Argentina, a indústria automobilística indiana consiste
de empresas domésticas com capacidades tecnológicas e de
inovação por empresas de capital nacional. Em 2008, a empresa
indiana Tata Motors projetou e desenvolveu o carro mais barato
do mundo, o Tata Nano. No mesmo ano, outras empresas
indianas como Mahindra & Mahindra lançaram carros de
passageiros concebidos e feitos domesticamente como por
exemplo o Scorpion, um produto de design e desenvolvimento
nacional. Estes desenvolvimentos pegaram outras empresas
automotivas globais de surpresa, uma vez que as expectativas
quanto ao sucesso indiano eram muito baixas.
Na era pós-independente, a política industrial e econômica
da Índia era dominada por uma ideologia de substituição de
importações, na qual as intervenções e regulamentações do
Estado desempenhavam um papel fundamental na direção do
desenvolvimento de capacidades tecnológicas locais. O governo
indiano estabeleceu várias políticas focadas em regulamentar e
restringir rigorosamente as importações de tecnologia para
proteger o esforço técnico local das empresas indianas. No
entanto, em 1990, a crise do balanço de pagamentos
desencadeou grandes mudanças na orientação da política
industrial e econômica. De um conjunto de políticas relativamente
voltado para o mercado interno que estava em vigor até o final da
década de 1980, o regime adotado em 1991 buscava derrubar os
muros de proteção dentro dos quais a indústria indiana operava.
A partir de 1991, houve uma mudança para a industrialização
com foco numa economia mais aberta e voltada para a promoção
de exportações, inclusive no setor automotivo.
O IDE (Investimento Direto Estrangeiro) no setor de
automóveis foi autorizado pela primeira vez em 1983, quando a
Suzuki foi convidada para uma joint venture com o governo
indiano. O Estado permitiu que quatro empresas japonesas –
Toyota, Mitsubishi, Mazda e Nissan – entrassem no mercado
indiano de veículos comerciais leves por meio de joint ventures
com empresas indianas. Na década de 1980, essas quatro
empresas colaboraram com empresas indianas privadas e
algumas participações compartilhadas com governos de nível
estadual. Em 1971, Sanjay Gandhi, filho de Indira Gandhi, fundou
a Maruti Motors Limited com a missão de desenvolver um carro
acessível, econômico, de baixa manutenção e baixo consumo de
combustível. No entanto, apesar do apoio do governo, a Maruti
não conseguiu desenvolver o “carro do povo” e
subsequentemente, em 1980, o governo da Índia assumiu a
empresa. Em 1983, a Maruti formou uma joint venture com a
Suzuki Motor Corporation do Japão. Inicialmente, o governo
indiano foi a favor de uma joint venture com a Volkswagen e o
VW Golf foi o carro escolhido. No entanto, o governo sentiu que o
Golf era um carro caro para o mercado indiano e decidiu ir à
Europa e ao Japão para procurar parceiros. O governo queria que
o parceiro no exterior trouxesse 40% de participação e teve
conversas com a Nissan, Mitsubishi, Daihatsu e Suzuki. Apenas a
Suzuki estava disposta a assumir 26% do capital com a opção de
aumentar para 40%.
O estabelecimento da Maruti Udyog Limited (MUL) marcou
uma nova fase para a indústria automobilística na Índia. Em uma
década, a produção de automóveis de passageiros aumentou
cinco vezes e a MUL passou a ocupar mais de 50% do mercado
doméstico. O governo indiano estabeleceu a Maruti Udyog
Limited em 1981 com o objetivo de modernizar a indústria
automobilística indiana e produzir carros desenvolvidos para
atender às necessidades da população em crescimento. O
contrato de joint venture foi assinado com a Suzuki Motor
Company em 1983, pelo qual a Suzuki adquiriu 26% do capital e
concordou em fornecer as mais recentes tecnologias, bem como
práticas de gestão japonesas. A MUL criou história ao conseguir
lançar em 13 meses seu primeiro veículo, o Maruti 800, em 1984.
Este foi o primeiro carro produzido no país com tecnologia
moderna completa. No início o Maruti 800 tinha 97% de conteúdo
importado e apenas pneus e baterias eram feitos localmente. O
governo estabeleceu uma meta de 93% de conteúdo nacional
dentro de cinco anos e, assim, a empresa começou a
desenvolver fornecedores locais a partir do zero. A empresa
atraiu empreendedores oferecendo-lhes espaços nos complexos
da empresa e forneceu eletricidade de sua própria usina. Além
disso, os engenheiros da Suzuki ajudaram os novos fabricantes
com práticas de automação e gerenciamento, como a fabricação
just-in-time. Até 1990, a MUL dominou o mercado indiano, com o
Maruti 800 ocupando 62% de participação de mercado. Antes da
chegada da MUL, o setor automotivo da Índia vinha há décadas
oferecendo apenas dois modelos para a população; com
destaque para o famoso Hindustan Ambassador.
A liberalização econômica em 1991 iniciou uma fase
significativa no desenvolvimento da indústria automobilística
indiana. O licenciamento para importação de veículos foi abolido
em 1991 e a tarifa média ponderada foi reduzida de 87% para
20,3% em 1997. Em 2001, o governo indiano removeu as cotas
de importação de automóveis e permitiu 100% de IDE no setor. O
governo reduziu os impostos especiais de consumo para 24% em
automóveis de passageiros e concentrou-se no desenvolvimento
de infraestrutura de apoio. Neste período, a Mahindra & Mahindra
fez uma transição de ‘trator e jeep maker’ para um moderno
fabricante de automóveis de passageiros. Em 2002, lançou o
Scorpio como um veículo utilitário esportivo (SUV), produto do
esforço e desenvolvimento interno. Em 1989, a Suzuki aumentou
sua participação acionária para 40% na empressa Maruti Suzuki
e três anos depois para 50%. Além disso, a Suzuki pagou um
prêmio de controle de R$ 10 bilhões ao governo indiano para
controle total da administração. Em 2003, a Cummins JV, uma
empresa produtora de motores americana, ajudou a Telco (Tata
Engineering and Locomotive Company, depois renomeada para
Tata) a desenvolver motores a diesel em conformidade com
rigorosas normas de emissão e a introduzir uma versão a diesel
de carros e caminhões. A Tata Motors decidiu realizar atividades-
chave internamente, como fabricação de motores e transmissões,
soldagem e pintura de painéis de carroceria e montagem de
carros. Todas as outras atividades foram terceirizadas. A Tata
Motors envolveu os principais fornecedores no processo de
design, tornando-os parceiros iniciais. Os fornecedores menores
foram agrupados em dois níveis: nível 1 e nível 2. Os
fornecedores de nível 2 forneceram peças aos fornecedores de
nível 1, que montaram e forneceram os motores à Tata. Em 1997,
a Telco investiu na Tata Autocomp Systems Limited (TACO), uma
empresa promovida pela Tata Industries para estabelecer uma
série de joint ventures com fabricantes de componentes
internacionalmente aclamados.
Posteriormente, a TACO formou uma joint venture com os
principais fabricantes de componentes automotivos, que se
tornaram fornecedores-chave da Tata Motors. A Tata Motors
importou vários itens importantes de equipamentos de
fornecedores estrangeiros, como centros de usinagem de alta
velocidade da Alemanha e EUA e máquinas de corte de
engrenagens da Alemanha e da Itália. Em 1995, a Telco comprou
a fábrica australiana da Nissan por US$ 20 milhões. Esta fábrica
estava produzindo o Nissan Bluebird e posteriormente fechou. A
fábrica da Nissan com 21 robôs foi embarcada para a divisão de
máquinas da Telco e instalada em uma fábrica na cidade de
Pune, na Índia. Três prensas para montar os painéis para o
modelo do carro Indica, da Tata, foram encomendadas da
Alemanha; uma nova e duasusadas, compradas da Mercedes-
Benz e modificadas para atender as necessidades do modelo. A
Tata Motors está hoje no negócio de carros de luxo e caminhões
e comprou as marcas Jaguar e Land Rover da Ford Motor
Company por US$ 2,3 bilhões em 2008 (ver Kale, 2011).
 
A incrível sofisticação produtiva da China
 
O resultado dessas estratégias de transferência tecnológica e
joint ventures forçadas pode ser visto também na indústria
chinesa de eletrônicos, hoje com uma estrutura bem diferente do
que se vê no México, por exemplo. As empresas nacionais
desempenham um papel significativo na China, além do número
elevado de joint ventures entre empresas estrangeiras e
nacionais. A interação das empresas multinacionais com
empresas nacionais criou uma genuína história de sucesso global
na China. Os carros e os smartphones chineses estão à prova em
boa parte do mundo já para confirmar isso. Isto também ocorreu
no mercado de eletrodomésticos. Grandes empresas surgiram
neste mercado: Midea, TCL, Gree Electric, Xiaomi, Haier, a
estatal Hisense, Galanz, Kelon e mais centenas de outras médias
e pequenas empresas. Além disso, as empresas chinesas
adquiriram divisões de empresas europeias e americanas de
eletrodomésticos. Hoje, as marcas chinesas são grandes
concorrentes das maiores fabricantes de eletrodomésticos em
todo o mundo. O papel do Estado Chinês foi preponderante para
que as empresas ganhassem o mundo, como afirmam Gilmar
Masiero e Diego Bonaldo Coelho no artigo A política industrial
chinesa como determinante de sua estratégia going global, para a
Revista de Economia Política: “Um modelo produzido e articulado
pelo Estado, no qual as empresas receberam tecnologia, as quais
foram implementadas e desenvolvidas em parceria, propiciando
aprendizado rápido, capacitando-as a gerar inovações”. Com
isso, o país não se torna apenas a fábrica do mundo (Masiero e
Coelho, 2014), mas um player competitivo em tecnologia,
inovação e valor agregado (ver Mescollotto, 2018).
Essa tendência já pode ser verificada em casos tais como: a
expansão da Haier no mercado mundial de eletrodomésticos; a
Galanz com mais da metade do mercado global de micro-ondas;
a China Medical como líder mundial no desenvolvimento de
ultrassom; a BYD como segunda maior fabricante do mundo de
baterias recarregáveis; a Vimicro com mais de 60% do mercado
internacional de processadores multimídia. Em 1991, a Haier se
tornou a maior companhia de refrigeradores da China, e a partir
de 1995 começou a se expandir com joint ventures em outros
países. Em 1997 entrou no mercado americano, e em 2005, já
havia conquistado 26% do mercado de pequenos refrigeradores e
50% do mercado de adegas, ocupando boa parte das prateleiras
de grandes varejistas como a Walmart. Em 2016, a Haier adquiriu
a subdivisão de eletrodomésticos da General Electric por US$ 5,4
bilhões. Com a Galanz não foi diferente. Hoje, a empresa produz
um quarto dos micro-ondas no mundo.
No mercado dos smartphones, as empresas chinesas têm
invadido o mercado global com seus produtos. Huawei, Honor
(subsidiária da Huawei), Xiaomi, OPPO, Vivo, One Plus, Lenovo,
ZTE, Meizu, LeEco, entre outras, são empresas que surgiram no
segmento. Algumas delas em pouco tempo de história já se
colocam entre as principais marcas vendidas globalmente. É o
caso da Xiaomi, empresa criada em 2010 e que se tornou a
queridinha dos chineses, inclusive com um exército de fãs que
divulgam e consomem a marca. A Huawei, que não é tão nova
quanto a Xiaomi, é uma das marcas mais vendidas na Europa,
com 23% da participação no comércio de smartphones. As outras
marcas chinesas completam, juntamente com a Huawei, cerca de
32% do mercado europeu, com mais de 42 milhões de celulares
vendidos em 2018.
O que se viu na China dos últimos 30 anos foi o contrário do
ocorrido no Brasil. A China protegeu, nutriu e fortaleceu suas
indústrias, depois lançou-as para conquistar o mundo. O não
respeito à propriedade intelectual, falsificações e dumpings de
várias naturezas deram incrível vantagem à China nessa luta. A
política cambial ultra-agressiva chinesa foi encontrada no Brasil
com sobrevalorização de nossa moeda graças ao boom de
preços das commodities provocado pela própria China. Podemos
até dizer que a China deu dois golpes fatais no Brasil nos últimos
anos. Por um lado, desalojou nossa indústria no mercado interno
e no mercado mundial com preços baratos, câmbio
ultracompetitivo e escalas de produção sem precedentes. Por
outro lado, ao consumir nossa soja e nosso minério de ferro
forçou nossa especialização produtiva neste sentido, ampliando
os mecanismos de maldição dos recursos naturais e doença
holandesa, fenômenos que explicaremos nas próximas páginas.
Desmontamos nossas indústrias e nos tornamos meros
fornecedores de matérias-primas brutas e importadores de bens
industriais da China. Lembrando que em 1980 nossa produção
industrial era maior do que a chinesa e coreana somadas, e que
individualmente exportávamos mais do que cada um desses
países.
10. O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DEPENDE DA AÇÃO DO ESTADO E DO
MERCADO
 
A complexidade econômica se manifesta no grau de sofisticação
produtiva de um país que, por sua vez, reflete o ritmo de
progresso técnico das sociedades. Investimentos em Pesquisa &
Desenvolvimento (P&D) e o número de patentes registradas são
ambas medidas indiretas desses processos. Estudo recente do
Banco Mundial mostrou que grande parte da inovação na
América Latina é capitaneada pelo Estado. O trabalho descobriu
que nenhum país da América Latina e do Caribe exibe um nível
de patentes que se aproxime dos países de alta renda. Além
disso, a maioria dos países da América Latina e do Caribe
(AL&C) teve menos patentes aprovadas pelo órgão dos EUA
quando comparados a outros países de renda média. O Brasil,
por exemplo, registrou apenas cinco patentes por milhão de
pessoas entre 2006 e 2010, metade do número per capita da
China (10) e pouco menos de um quarto do número per capita da
Bulgária (22).
Na marcha do desenvolvimento, é preciso correr para se
manter no mesmo lugar, já disse o ex-ministro Delfim Netto.
Concorrer no mercado internacional implica se expor ao “estado
da arte da tecnologia mundial”. É o equivalente a uma versão
tecnológica da Copa do Mundo: só os melhores entram em
campo. Manter-se entre os melhores requer investimentos
constantes em estratégia, pesquisa e desenvolvimento de
produtos. Por isso, a conquista de novos mercados no mundo
através do comércio é, sem dúvida, uma manifestação clara de
“empreendedorismo transformacional”. Implica em se expor a
riscos enormes e a se submeter a uma rigorosa disciplina de
mercado. Com exceção de empresas que se beneficiam da
possibilidade de extrair altas rendas de monopólios naturais,
apenas aquelas com desempenho superior podem prosperar nos
mercados de exportação.
O processo de internacionalização das empresas domésticas
envolve expô-las a um acirrado ambiente competitivo, mas com
ganhos robustos que podem ser revertidos ao país de origem na
forma de maior produtividade e sofisticação tecnológica. A
internacionalização pode dar às empresas acesso a tecnologias e
know-how disponíveis em mercados estrangeiros, o que pode
impulsionar seu próprio potencial de inovação. Abrem-se
possibilidades de acesso a um grande pool de trabalhadores
qualificados, bem como a mercados financeiros mais
desenvolvidos, o que pode remover alguns dos obstáculos à
inovação que enfrentam em casa. Todavia, todo este maravilhoso
potencial parece um sonho distante para a AL&C. As empresas
multinacionais criadas na região, as multilatinas, investem muito
pouco em inovação quando comparadas a outras regiões. As
multilatinas do setor industrial investem, em média, apenas US$
0,06 para cada US$ 1.000 de receita, cerca de 400 vezes menos
do que a média dos países desenvolvidos e cerca de 30 vezes
menos do que o EAP4, o grupo de países do Leste Asiático que
investe menos em P&D.
 
Novo Desenvolvimentismo
 
Na construção de um notável corpo de pensamento teórico e
empírico chamado NovoDesenvolvimentismo, Bresser-Pereira
(2018) defende um conjunto de políticas econômicas nacionais
que não sejam autoderrotistas que vêm ao encontro do que
defendemos nesse livro. Apesar de muitos atribuírem à “mão
invisível” os avanços alcançados com o capitalismo, em verdade
todos os países que até hoje conseguiram ascender à condição
de “desenvolvidos” contaram não apenas com um mercado
eficiente, mas também com um Estado preocupado com a
promoção de desenvolvimento econômico. Não foi o liberalismo,
mas o desenvolvimentismo o modelo dominante de teoria e
prática econômica nos países de sucesso. Coube ao Estado
desenvolvimentista não apenas garantir que suas nações fossem
capazes de inovar e terem setores cada vez mais tecnológicos e
competitivos, mas também assegurar um ambiente
macroeconômico que não colocasse em risco a competitividade
das melhores empresas nacionais (Zagato, 2019).
Existem problemas de gestão macroeconômica fundamentais
que precisam ser administrados pelo governo. O mais grave de
todos, a crônica sobre apreciação da taxa de câmbio, anula a
lucratividade das exportações de bens complexos em favor de
bens ubíquos e pouco sofisticados como as commodities e o
agronegócio. Ao não neutralizar os efeitos da apreciação da
moeda sobre os setores nacionais alinhados ao “estado da arte
da tecnologia mundial”, o Estado acaba impedindo a participação
das empresas industriais nacionais na categoria de elite do
comércio mundial. O resultado é uma regressão tecnológica da
pauta de exportação, com efeitos danosos sobre a sofisticação
produtiva das empresas nacionais que, sob esta restrição,
competem apenas nos campeonatos locais e regionais. Cabe à
política macroeconômica, portanto, remover esta inibição cambial
autoimposta, evitando-se assim dificultar ainda mais uma
concorrência por si só já muito desafiadora.
Sobrevalorizações cambiais são especialmente nocivas para
processos de desenvolvimento econômico, pois reduzem
substancialmente a lucratividade da produção e investimento nos
setores de bens comercializáveis manufatureiros. Ao realocar
recursos para os setores não manufatureiros, especialmente para
a produção de commodities e para setores não comercializáveis,
as sobrevalorizações cambiais acabam por afetar toda a dinâmica
tecnológica da economia. Subvalorizações, por outro lado,
estimulam a produção e investimento nos setores manufatureiros
onde retornos crescentes de escala são preponderantes. Ao
definir a rentabilidade da produção de manufaturas através da
relação de preços tradables e non tradables, o câmbio real acaba
por definir a viabilidade de setores econômicos importantes para
o aumento da produtividade geral da economia.
Sobrevalorizações podem impedir a transferência de mão de obra
dos setores de baixa produtividade para os de alta produtividade
já que o preço dos bens não comercializáveis fica artificialmente
elevado. Um dos canais importantes de progresso técnico e
aumento de produtividade fica assim bloqueado, impedindo a
economia de transitar da situação de imaturidade para a
maturidade, nos termos do economista Nicholas Kaldor. Uma
moeda competitiva, por outro lado, pode ser um estímulo
adequado para a integração de trabalhadores em atividades de
alta produtividade e retornos crescentes.
Países pobres e em desenvolvimento com muitos recursos
naturais acabam virando vítimas de vantagens comparativas
sendo somente capazes de exportar recursos naturais e produtos
agropecuários para o mundo. Sofrem do que os economistas
chamam de doença holandesa, um termo criado para descrever
os problemas da economia da Holanda nos anos 1970
resultantes da descoberta do enorme campo de gás e petróleo de
Groningen. A apreciação da moeda holandesa decorrente do
fluxo de divisas do gás e óleo exportados atrapalhou o avanço do
setor manufatureiro holandês, prejudicando a economia como um
todo. Bresser-Pereira (2018) nos mostra como esse problema
tomou conta do Brasil e América Latina, a partir dos anos 1980.
Toda estrutura tarifária montada para proteger nossa indústria
dessa maldição, o excesso de vantagens comparativas em
recursos naturais, foi desfeita. Bresser-Pereira nos ajuda a
entender o fracasso latino-americano e brasileiro com essa
perspectiva. Os mecanismos de neutralização da doença
holandesa foram desmontados. Quando se usam tarifas de
importação para neutralizar a doença holandesa em relação ao
mercado interno, estas tarifas deverão ser mantidas enquanto a
doença existir; devem ser aumentadas ou diminuídas de acordo
com a variação do preço das commodities. Sem esse auxílio do
Estado nossas indústrias sucumbiram, e junto foram nossa
sofisticação produtiva, complexidade econômica e capacidades
tecnológicas.
 
A política econômica cujo nome não pode ser
pronunciado
 
Diante de resultados frustrantes de crescimento econômico de
países mais pobres da América Latina e África, o próprio FMI vem
questionando recentemente o sucesso das promessas feitas
pelas doutrinas de corte mais liberal. Ainda mais recentemente, a
mesma instituição resolveu radicalizar de vez e publicou o
trabalho intitulado O retorno da política cujo nome ninguém ousa
pronunciar: princípios de política industrial. O FMI recolocou
sobre a mesa a importância da política industrial, políticas de
estado para ajudar a sofisticação produtiva de países pobres e
emergentes. A motivação do trabalho é a seguinte: “A evidência
empírica mostra que são muito baixas as chances de países
pobres ou de renda média alcançarem elevados níveis de renda
dentro de algumas gerações. Entre 1960 e 2014, menos de 10%
das economias (16 de 182) atingiram altos níveis renda. Em
contraste com os milagres asiáticos, os outros que conseguiram
chegar lá ou descobriram grandes quantidades de petróleo ou se
beneficiaram da adesão à União Europeia” (Cherif e Hasanov,
2019, p. 2). A pesquisa conclui que “as prescrições padrão de
política de crescimento não são suficientes”, de forma que não se
pode “ignorar o papel proeminente da política industrial”. A
experiência dos países asiáticos que viveram seus “milagres” do
desenvolvimento mostra que não apenas “conseguiram alcançar
o mundo avançado, como o modelo econômico dos milagres
asiáticos resultou em uma desigualdade de renda muito menor do
que na maioria dos países avançados” (Cherif e Hasanov, 2019).
O trabalho propõe três princípios-chave que constituem a
“Política Industrial Verdadeira”, no original, em inglês, os autores
definem como True Industrial Policy, também descrita como
Technology and Innovation Policy (TIP). A saber: (I) intervenção
estatal para corrigir falhas de mercado que impedem o
surgimento de produtores domésticos em indústrias sofisticadas
desde o início, para além da vantagem comparativa inicial; (II)
orientação para exportação, em contraste com a típica “política
industrial” falida dos anos 1960-1970, que foi principalmente
industrialização por substituição de importações (ISI); e (III) a
busca de mais concorrência tanto no exterior quanto no mercado
doméstico com rigorosa responsabilidade e com transparência.
Além disso, “a importância do salto tecnológico para as indústrias
sofisticadas logo no início e a ampliação da criação de tecnologia
pelas firmas domésticas”, bem como “políticas que enfatizem
inovação e tecnologia em todas as etapas do processo de
desenvolvimento” são determinantes do sucesso na forma de
crescimento sustentado de longo prazo. Por fim, espera-se que,
ao seguirem esta política industrial verdadeira, os países
exportadores de bens primários logrem diversificar e elevar a
sofisticação dos seus setores de bens comercializáveis (Cherif e
Hasanov, 2019, p. 6).
O Estado é e sempre foi peça central no desenvolvimento
tecnológico dos países hoje ricos. Exatamente por conta de sua
ampla capacidade de mobilizar recursos via orçamento público,
bancos de desenvolvimento e variadas formas de poupança
forçada, o Estado consegue enfrentar os assombrosos riscos de
insucesso envolvidos na pesquisa básica em inovação
tecnológica no estado da arte em cada campodo saber. Uma vez
superada a fase em que os investimentos geram apenas
despesas e nenhum retorno financeiro, as inovações são então
aproveitadas pelo setor privado que as transforma, por meio de
desenvolvimentos acessórios e agregados, em bens ou serviços
proprietários comercializáveis na economia. Não é à toa que as
histórias em quadrinhos e o cinema frequentemente retratam
cientistas que se tornam vilões, sob a pressão de prazos de
contratos de desenvolvimento tecnológico com as forças
armadas, bem como agências governamentais secretas (como o
MI-6 de James Bond – 007) desenvolvendo tecnologia militar de
ponta que, eventualmente, são adaptadas para as necessidades
do mercado consumidor, como o PC (computador pessoal) ou o
iPad, da Apple (ver Mazzucato, 2014).
 
O Estado empreendedor
 
Mariana Mazzucato mostra em seu interessante livro de 2014 o
papel do Estado empreendedor tanto na qualidade de fomento
dos estágios iniciais de empresas como Apple, quanto no
financiamento e desenvolvimento de tecnologias que depois são
apropriadas pela iniciativa privada com grandes lucros. Algumas
das tecnologias usadas no novo Boeing 787 foram testadas e
desenvolvidas pela NASA. Em um processo recente na
Organização Mundial do Comércio sobre subsídios na aviação, a
Airbus chamou o novo Boeing 787 Dreamliner de “subsidyliner”: o
avião que mais recebeu subsídios do governo na história da
aeronáutica: US$ 5 bilhões do tesouro americano em subsídios
diretos e indiretos segundo o processo. Na Europa, o
aprendizado com o Concorde e os enormes gastos públicos feitos
nessa área pelo governo francês e do Reino Unido foram
importantes para o futuro desenvolvimento dos aviões da Airbus;
os sistemas de fly-by-wire, piloto automático para voo, pouso e
decolagem, hidráulica de alta pressão, freios de carbono, e outras
técnicas avançadas para manufaturas ligadas à aviação vêm
desse projeto. No filme Ford vs Ferrari (direção de James
Mangold, 2019), estrelado por Matt Damon e Cristian Bale, vemos
os inúmeros incêndios causados em carros de corrida nos anos
1960 por conta do superaquecimento do sistema de freios
anteriores ao uso do carbono.
Certa vez um engenheiro da empresa americana Raytheon,
a gigante privada que desenvolve as demandas militares do
Pentágono, deixou um saco de milho para pipoca na frente de um
radar de magnétron; a pipoca começou a estourar! Em 1947 a
Raytheon vendeu seu primeiro forno de micro-ondas para um
restaurante e depois o primeiro para uso caseiro, mas perdeu
completamente a corrida para os asiáticos. Algo parecido
aconteceu com o avião 707, grande hit da Boeing, que nasceu
como subproduto de um avião militar para reabastecimento de
caças encomendados pelo governo americano à Boeing. Ou
ainda a Gigante Westinghouse que nasceu como grande
fornecedora do governo no campo de energia nuclear e elétrica.
Assim foi também com a indústria de semicondutores, de
computadores e nuclear. Papinha de bebê, solado dos tênis Nike
Air, óculos Ray-Ban, bolas de golf, aspirador de pó são todos
produtos privados que se beneficiaram de inovações tecnológicas
que vieram do dinheiro público da NASA, especialmente ligados
ao projeto Apollo para colocar o homem na Lua.
Um ótimo exemplo aqui é a empresa Apple e seus produtos.
O iPhone, por exemplo, funciona a partir de internet e GPS, duas
tecnologias essenciais desenvolvidas a partir de investimentos
públicos e militares nos EUA e depois aproveitadas com maestria
por Steve Jobs com design e integração de software e hardware.
Até mesmo o primeiro iPod só foi possível por conta de avanços
de tecnologias fomentadas e financiadas por investimentos
públicos na Europa e nos EUA, que depois acabaram resultando
nos hard drives magnéticos de tamanho ínfimo com capacidade
de armazenagem absurda. A agência estatal de pesquisa
americana, Defense Advanced Research Projects Agency
(DARPA), teve participação direta ou indireta na pesquisa dos
seguintes componentes hoje essenciais para a existência do
iPhone: memórias DRAM, microprocessadores, micro hardrives, a
Siri e comandos de voz. Ou seja, como mostra Mazzucato, o
estado empreendedor tem papel fundamental no
desenvolvimento tecnológico. Como aliás sempre foi o caso
desde a marinha bélica e mercante holandesa, por exemplo, e as
inúmeras inovações tecnológicas feitas na cidade de Delft dos
1600 e arredores.
Smith, Lipsitch e Almond (2011) nos mostram que a produção
de vacinas oferece barreiras naturais aos países pela
variabilidade cultural e genética das populações mundo afora e
pelo fato de lidar com micro-organismos biológicos de elevada
complexidade e de difícil patenteamento. Há, no entanto, um fator
adicional que inibe a produção com variedade, qualidade e
quantidade suficientes destas. Para produzir uma vacina é
preciso muita pesquisa básica acumulada em universidades e
institutos de pesquisa, uma estrutura muito cara de se manter,
mas que é decisiva para o sucesso no setor. A ciência formal
permitiu nas últimas décadas avanços expressivos nas áreas de
imunologia e microbiologia, o que ampliou nossa compreensão
sobre a formação das doenças trazendo ao alcance da
humanidade tratamentos para uma série de enfermidades
anteriormente intratáveis. No caso da produção de vacinas contra
o recente surto de gripe causada pelo novo coronavírus, a política
industrial foi novamente utilizada para lidar com uma questão
estratégica para a saúde pública dos EUA. As vacinas são
produzidas por multinacionais sediadas em outros países, logo,
fora da jurisdição do Estado americano. Para contornar este
problema de alinhamento entre incentivos privados e interesse
público, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA
emitiu, em pouco tempo, um novo contrato de US$ 226 milhões
para aumentar a capacidade doméstica de produção de vacinas
contra a gripe. Essa decisão decorreu de uma ordem executiva
de setembro de 2019 para “incrementar a segurança nacional,
aprimorando as capacidades de vacinas dos EUA” (Cowen,
2020).
Por estes motivos, o sucesso da política industrial em
promover o binômio inovação-competitividade dependerá de uma
adequada articulação entre Estado, mercado e sociedade civil. A
combinação entre sinais de mercado e a mão visível do Estado
pode direcionar trabalho e capital a atividades que o mercado não
necessariamente empreenderia (Cherif, Hasanov e Kammer,
2016). Na ausência desta ação coordenada, os recursos e as
habilidades humanas (inatas ou adquiridas) podem ser mal
utilizados ou mesmo não encontrar emprego adequado,
reduzindo, portanto, o que a teoria econômica convencionou
chamar, com Mincer (1958), de retornos ao investimento em
capital humano.
 
Israel, Cingapura e Irlanda
 
A história bem-sucedida do setor de TI de Israel é também um
belo exemplo de sucesso de ação combinada entre Estado e
mercado. Durante as décadas de 1950 e 1960, o Estado
israelense adotou planejamento de longo prazo e políticas
industriais tradicionais, em geral protecionistas, para fomentar
setores e indústrias específicos, como os de têxteis e defesa. Na
época, o desenvolvimento de indústrias de alta tecnologia não era
uma meta e as políticas de Ciência e Tecnologia (C&T)
decorreram principalmente de esforços de instituições públicas de
pesquisa, enquanto as atividades de pesquisa e desenvolvimento
dos setores civis privados eram praticamente inexistentes
(Breznitz, 2007). No entanto, como as demandas altamente
tecnológicas da defesa do país aumentaram, o desenvolvimento
do setor de TI contou com a externalidade positiva do incentivo
governamental. O setor privado começou a representar um papel
importante depois da criação da agência pública Office of the
Chief Scientist (OCS), do Ministério da Indústria e do Comércio,
lançada em 1968.
Desde o princípio, as políticas industriais promovidas pela
OCS focavam quase que exclusivamente no desenvolvimento de
capacitação para a criação de novos produtos baseados em P&D.
As políticas estatais de P&D em Israel passaram a
progressivamente considerar as empresas do setor privado como
principaisagentes de P&D e o Estado como fornecedor de capital
para essas atividades. A partir dessa visão, o papel da agência
passou a ser disseminar know-how de universidades e do setor
de defesa para setores industriais civis, de modo a promover o
desenvolvimento de capacidade tecnológicas no mercado
privado. Além disso, cabia à OCS coordenar negociações entre
representantes de P&D privada e pública. Com isso, em menos
de vinte anos, Israel despontou como protagonista na produção
mundial de TI, tendo empresas locais como pioneiras em muitos
nichos de hardware e software: protocolo de voz sobre internet
(VoIP), encriptação, inspeção de circuitos, proteção e antivírus,
impressão digital e firewalls (Breznitz, 2007).
Na Irlanda, a implantação de políticas industriais promoveu a
diversificação da economia por meio de exportações ainda nos
1980. O governo irlandês decidiu desenvolver e adotar uma
política industrial focada na atração de investidores estrangeiros
dos setores mais dinâmicos da economia mundial na época,
como computação, química e petroquímica. A estratégia foi
implantada pela Autoridade de Desenvolvimento Industrial, a
Industrial Development Authority (IDA). A IDA foi eficiente,
atraindo diversas grandes empresas, como Intel, IBM, Motorola e
Microsoft (Godoi, 2007). Em poucas décadas, a economia
irlandesa passou de predominantemente agrícola e de
manufaturas tradicionais para uma economia baseada na
produção de alta tecnologia e na oferta de serviços internacionais
sofisticados. Com isso, o país se tornou um dos maiores
exportadores de software do mundo, e é altamente competitivo
em setores como o de produtos químicos e de Tecnologia da
Informação e Comunicação (TIC), que representaram 35% das
exportações nacionais em 2014, apesar de ser hoje ainda quase
totalmente dependente de multinacionais.
Cingapura é mais um belo exemplo dessa interação virtuosa.
O processo de catching-up do país pode ser considerado como
trabalho intensivo na década de 1960, voltado para exportações
na década de 1970, competitivo em custos na década de 1980, e
voltado para o desenvolvimento empreendedor na década de
1990, período no qual o país mais avançou na construção de
complexidade econômica. A primeira fase de industrialização foi,
como costuma ocorrer em países em desenvolvimento, baseada
no uso da mão de obra barata como meio pragmático de solução
dos graves problemas de desemprego que afetavam o país. A
isso se seguiu a adoção de uma estratégia comum entre países
asiáticos à época de implantar um modelo de industrialização
voltado para exportações. Para atrair mais empresas
multinacionais (EMNs), a ilha explorou sua localização comercial
estratégica, investiu em infraestrutura física e em uma força de
trabalho cada vez mais qualificada. Ao contrário da maioria dos
países da região, como a Coreia do Sul, o país deixou de lado o
desenvolvimento de empresas nacionais nas fases iniciais e não
criou empresas locais, o que teria consequências profundas em
termos do desenvolvimento de tecnologia nativa.
Na década de 1980, a industrialização estava estabelecida
em setores avançados, com manufatura de componentes
eletrônicos, engenharia e construção civil, logística e finanças
com multinacionais. Depois que Cingapura começou a se
desenvolver economicamente, sua vantagem competitiva em
custos diminuiu em termos comparativos e países como China,
Indonésia e Tailândia começaram a oferecer custos operacionais
mais atraentes. Por isso o país precisou novamente alterar sua
estratégia de desenvolvimento na década de 1990, e passou a
focar em empreendimentos locais. Para isso, o governo introduziu
políticas industriais para maximizar o potencial de crescimento
econômico. Investiu em pesquisa pública e incentivou o
empreendedorismo das empresas do setor privado na conquista
de vantagens competitivas de nicho na economia global,
dominada por agentes maiores e oligopolistas (Goh, 2006). Além
disso, foram lançados diversos planos nacionais, como o SME
Master Plan, de 1998, e o Technopreneurship 21, de 1999 (Yue,
2005). Esse esforço de promoção de P&D nativo ainda está em
curso e é crucial para compreender o atual êxito econômico dos
países. Cingapura representa mais um belo caso do modelo de
sucesso asiático: Estado e mercado para conquistar o mundo.
 
Os campeões internacionais da China
 
O projeto Made in China 2025 também dá um belo exemplo de
como as coisas funcionam na Ásia do Leste. O governo chinês
elegeu 10 setores como prioritários para investimentos públicos e
esforços de desenvolvimento local: I) equipamento marítimo e
embarcações de alta tecnologia; II) ferrovias e equipamento
avançado; III) maquinaria e tecnologia agrícola; IV) equipamentos
aeronáuticos e aeroespaciais; V) produtos biofarmacêuticos e
equipamentos médicos de ponta; VI) circuitos integrados e novas
tecnologias de informação; VII) tecnologia e equipamentos de
geração de energia elétrica; VIII) robótica; IX) veículos de baixa
poluição e novas energias; e X) materiais novos e avançados. O
programa representa um incentivo à inovação autóctone,
especialmente em setores-chave. A execução da iniciativa Made
in China 2025 está sendo liderada pelo Ministério da Indústria e
Tecnologia da Informação, com foco na promoção do uso de
produção integrada e digital, especialmente em tecnologia de
manufatura inteligente. O lançamento do programa é um resposta
do governo à perda potencial de competitividade da indústria
chinesa, dado que o país enfrenta concorrência crescente tanto
de países em desenvolvimento, com custos de mão de obra
igualmente competitivos, como de países desenvolvidos, que se
beneficiam de ganhos de eficiência baseados em tecnologias
inovadoras.
Em equipamentos médicos a China também avança com
rapidez. Um hospital em Xangai usou recentemente tecnologia
5G para transmitir ao vivo uma cirurgia feita com avançado
sistema robótico que facilita intervenções complexas ao usar
método minimamente invasivo. No caso, foi realizada uma
cirurgia em paciente com diagnóstico de câncer de intestino, em
Ningbo, na província de Zhejiang. A área da saúde é uma das
mais importantes para qualquer país. Por isso os chineses estão
investindo pesadamente em inovação, novas patentes, produtos
com qualidade, e já são exportadores na área de equipamentos
hospitalares e médicos, sendo o Brasil um dos principais
importadores. Produtos que requerem maiores pesquisas e
tecnologia e mais sofisticados têm sido o caminho escolhido pelo
governo chinês para escapar da dependência tecnológica, inovar
e competir globalmente na área da saúde. Neste setor, o país
também foi capaz de realizar o catching-up, passou a produzir
equipamentos médicos nacionais com qualidade, alto valor
agregado e mesmo nível de tecnologia dominada por países ricos
(Mescollotto, 2018).
Algumas empresas chinesas têm se destacado na produção
desses equipamentos que envolvem a simbiose indústria e
universidade. Na província de Shandong, no litoral leste da China,
surgiu a empresa Biobase que, em conjunto com a Acadêmia de
Ciências de Shandong, foca na produção de equipamentos
médicos e dispositivos experimentais. Seus produtos já são
vendidos para mais de 190 países. A empresa colabora com
cientistas na criação de máquinas para o desenvolvimento de
células-tronco. Além disso, possui 186 patentes com certificações
na Europa e EUA. As gigantes China Medical, a Alibaba com a
sua fintech Ant Financial e a Tencent com a WeDoctor (chamada
de “Amazon da Saúde” na China) também entraram neste
mercado de trilhões de dólares. A Alibaba lançou um software de
Inteligência Artificial (IA) que pode ajudar a interpretar uma
tomografia computadorizada em laboratórios médicos para ajudar
nos diagnósticos dos pacientes. A Tencent lançou, na região
sudoeste de Guangxi o Miying, um programa de imagens
médicas que ajuda a detectar sinais precoces de câncer. Este
programa já é usado em cerca de 100 hospitais em toda a China.
Além destas gigantes, centenas de startups de saúde surgem
como desenvolvedoras de IA para melhorara eficiência do
sistema de saúde da China.
A campeã nacional chinesa, Huawei, é o outro exemplo de
sucesso. Fundada em 1987 por Ren Zhengfei (ex-membro do
exército chinês, o PLA), a multinacional tem sede em Guangdong
e se destaca hoje como a segunda maior produtora mundial de
smartphones, superando a Apple e perdendo apenas para a
Samsumg. A Huawei se tornou a maior empresa de
equipamentos de telecom do mundo. Especialistas a consideram
a empresa mais avançada no desenvolvimento da tecnologia 5G,
crítica para um futuro baseado em Inteligência Artificial e Internet
das Coisas (IoT). Os contratos militares com o governo chinês
foram desde o início combustível importante para a sua
expansão. Um dos empréstimos recebidos do banco estatal
China Development foi da ordem de US$ 30 bilhões. O foco inicial
da empresa foi a fabricação e o desenvolvimento de switches e
roteadores de telecom para atender as necessidades do exército
chinês desde os anos 1990, e os aportes do governo para a
companhia foram o pilar para o seu desenvolvimento. Teve
inúmeras proteções contra empresas estrangeiras no início e uma
série de benesses do governo chinês. Em 10 anos, foram pelo
menos US$ 1,6 bilhões de subvenções reconhecidas nos
balanços da empresa. Ainda, engenheiros seus receberam
centenas de milhares de dólares e enormes terrenos foram
concedidos por apenas 1/10 do valor de mercado pelo governo
de Shenzhen. Acusada de proximidade com o governo chinês, a
empresa, cujas ações seriam controladas pelos empregados,
afirma ter total autonomia. Contudo, 99% das ações são
controladas pelo Comitê do Sindicato e estes são todos
submetidos à supervisão do Partido Comunista Chinês (PCC).
Financiamentos de dezenas de bilhões de dólares foram
fornecidos por bancos chineses a estrangeiros que contratassem
bens e serviços da empresa.
Aproveitando a vanguarda do sucesso, a Huawei quer ser
também a pioneira no 6G e já estipula que em 2030 a tecnologia
terá plena aplicação real. O 6G permitirá mirar em uma
velocidade de conexão de 1 terabyte por segundo, operando no
espectro de frequência de 1 THz (terahertz). Uma empresa
estatal chinesa, a China Mobile, disponibilizou cerca de 10 mil
pessoas para o desenvolvimento da tecnologia, com um gasto
anual em ciência que passa dos 20 bilhões de yuans. Outros
países também já estão investindo muito em pesquisas para
desenvolver o 6G. As sul-coreanas Samsung e LG trabalham
juntas do instituto estatal KAIST (Instituto Avançado de Ciência e
Tecnologia da Coreia) para não ficar para trás na corrida.
Equivalente à ANATEL dos EUA, a agência estatal FCC
(Comissão Federal de Comunicações) já abriu as frequências
entre 95 GHz e 3 THz para fins experimentais, dando um passo
importante na corrida pelo pioneirismo do 6G. Mais uma vez, o
Estado na frente das inovações e nas pesquisas de longo prazo.
Na produção de aviões a China avança também. A empresa
aeroespacial estatal chinesa COMAC, fundada em 2008, já
começa a preocupar a centenária estadunidense Boeing e a
vanguardista europeia Airbus. Ela é formada por um consórcio de
empresas mas controlada pelo governo chinês. Contou com a
ajuda de 19 grandes fornecedores de componentes europeus e
americanos, como a General Electric que fornecerá as turbinas,
para construir um avião comercial na tentativa de reduzir a
dependência por aeronaves da Boeing e Airbus. A grande
concentração de venda dessas empresas são os grandes jatos,
principalmente os de até 200 lugares. A família 737 da Boeing é a
mais vendida da empresa, com mais de 10 mil aeronaves
entregues em média por ano. Na Airbus, a família mais vendida é
a A320, que em 2019 completou 9 mil aeronaves entregues. Um
mercado gigante que os chineses querem adentrar com a
COMAC, lançando o avião C919.
O novo jato chinês virá com preço bem mais barato do que
os concorrentes. Cada unidade do C919 custará em torno de US$
50 milhões, enquanto a família Airbus A320 tem o preço de US$
100 milhões e a família 737 da Boeing tem o preço unitário de
US$ 120 milhões. O C919 é baseado nos rígidos requisitos de
segurança e operação ocidentais. Os aviões deverão passar por
aproximadamente 700 testes, em solo e em voo, acumulando
mais de 4.000 horas no ar. O avião, que tem expectativa para ser
entregue em 2021, já conta com 970 encomendas, a maioria feita
por empresas chinesas, num dos maiores mercados
consumidores de grandes jatos do planeta. As autoridades
chinesas afirmam que o foco do C919 será o mercado doméstico
chinês. Se a COMAC obtiver pelo menos um terço do mercado
doméstico chinês, deverá garantir mais 3.000 encomendas nos
próximos anos. Caso a China opte por mercados de países
subdesenvolvidos, a COMAC também apresenta crédito mais
flexível concedido por Pequim a países sem acesso aos bancos
europeus e estadunidenses.
A empresa foi fundada em 2008, na cidade de Xangai, pelo
órgão governamental Comissão de Supervisão e Administração
de Ativos do Conselho de Estado (SASAC). Com investimento
inicial de US$ 2,7 bilhões do governo chinês, o governo central é
o principal acionista, juntamente com o governo de Xangai. O
ambicioso projeto pessoal de Xi Jinping quer enfrentar o duopólio
da aviação mundial: Airbus e Boeing. A COMAC quer agora se
aproveitar dos problemas ocorridos com a Boeing em seu avião
737 Max, visto que muitas companhias aéreas estão
preocupadas com os acidentes ocorridos com a aeronave da
empresa norte-americana. O primeiro voo de sucesso do C919
ocorreu em 2017. As autoridades chinesas estão buscando
acordo para aeronavegabilidade do C919 com a Europa e EUA, e
assim a COMAC poderá vender seu avião fora da China. O
governo chinês quer aproveitar a Rota da Seda (One Belt One
Road) e colocar o avião para sobrevoar o Sudeste Asiático e a
África. O mercado chinês precisará de mais de 10 mil aeronaves
novas até 2038 para apoiar o rápido crescimento do tráfego aéreo
doméstico. A China já é o terceiro país em uso de aeronaves,
atrás apenas dos EUA e da União Europeia. O C919 é um dos
expoentes do plano governamental Made in China 2025.
A ideia da China como indústria da cópia barata e da mão de
obra “escrava” está obviamente bem longe da realidade. O país já
disputa a liderança mundial na produção de tecnologias da
informação e comunicação (Huawei, Xiaomi e ZTE), trens de alta
velocidade (China South Locomotive, Rolling Stock), energias
renováveis (Trina Solar e Yingli Green Energy), energia solar e
eólica (Goldwind, United Power e MingYang) e
supercomputadores (Sunway Systems), escavadeiras e máquinas
de construção pesada (Sany, XCMG) e uma infinidade de
produtos manufaturados high tech. A formação desses grandes
conglomerados acompanhou o surgimento de empresas em
segmentos não tradicionais, como a Baidu (Google chinesa), a
Tencent (que fez o WeChat, WhatsApp chinês), a Alibaba
(Amazon chinesa) e a Didi (a Uber chinesa). Terá a China dado o
salto final rumo a sofisticação produtiva e enriquecimento?
A China praticou uma política cambial com moeda
ultracompetitiva, não respeitou patentes e forçou transferência
tecnológica de empresas do ocidente para suas próprias como
condição para acesso a seu mercado e mão de obra barata. Fez
isso durante 30 anos e deu certo. EUA, Japão e Alemanha
finalmente perceberam o truque e começaram a tentar proteger
suas empresas agora com tarifas, fundos estatais de proteção e
proibição de controle estrangeiro em setores-chave. Foi o mesmo
truque que Alemanha, Japão e EUA usaram para derrubar a
Inglaterra no século XIX; que também deu certo, só que se
esqueceram disso. A Inglaterra, por sua vez, fez a mesma coisa
para derrubar os holandeses dos 1600. Quando um país fica rico,
a defesa do “livre mercado” passa a ser a posição natural para
evitar a subida dos mais fracos. Os ricos chutam a escada para
defender seu domínio do core tecnológico mundial. A China não
respeitou essas “instituições do ocidente”.
11. ECONOMIAS COMPLEXAS SÃO MENOS DESIGUAIS
 
Se é difícil subir a escada do desenvolvimento para alcançar o
enriquecimento é igualmente desafiadora a tarefade manter a
sofisticação e complexidade das estruturas produtivas em face de
grandes mudanças na estrutura global de produção.
Recentemente o historiador do MIT, Peter Temin, mostrou em seu
livro The vanishing of the middle class (O desaparecimento da
classe média) que os EUA vêm passando por um longo processo
regressivo em sua estrutura produtiva com claros e nefastos
efeitos concentradores da renda e da riqueza. Haveria um setor
de Finanças, Tecnologia e Eletrônica (FTE) responsável por
concentrar grande parte dos rendimentos totais do país, deixando
uma parcela muito pequena do produto nacional para um vasto
contingente de trabalhadores não qualificados alocados em
setores de baixa densidade tecnológica. Para Lance Taylor, da
New School for Social Research, em trabalho recente com a
economista Özlem Ömer, esta dualidade resulta de um retorno da
economia norte-americana a uma estrutura econômica muito
desigual, em face de mudanças institucionais e tecnológicas
profundas e da expansão chinesa. A China conseguiu deslocar
para si grande parte dos empregos industriais de média
complexidade dos EUA. A pesquisa mostra que a combinação
dos efeitos das mudanças na produção e na produtividade fez
que os “setores estagnados” (de baixa produtividade)
absorvessem a maior parte da criação de empregos. A
“aniquilação de empregos” se concentrou em setores como
tecnologia da informação, atacado, varejo, agricultura e
manufatura. A robotização, fruto do processo de automação que
ocorre há mais de dois séculos, também teria contribuído para um
crescimento mais lento do emprego, principalmente ao bloquear o
acesso de jovens ingressantes na força de trabalho industrial
(Taylor e Ömer, 2019). Este desemprego industrial contribuiu com
a compressão salarial de toda a economia e com a deterioração
de numerosos centros urbanos dependentes da produção
industrial, como Detroit e Flint, no estado de Michigan. A
desigualdade econômica que daí resultou fez florescerem os
recortes raciais e étnicos da polarização social e política que
estaria por trás da eleição de Donald Trump. Daí decorre sua
plataforma eleitoral de reconstrução da indústria americana que
busca a volta dos bons empregos para o país. “Make America
Great again”!
O filme American factory que ganhou o Oscar de melhor
documentário de 2020 foi feito pela produtora de Barack Obama e
sua mulher Michelle. Conta a história de uma fábrica em Dayton,
Ohio, que foi comprada por chineses para instalar uma planta de
produção de vidros para a indústria automotiva. No filme os
chineses são “capitalistas vorazes” e os americanos “quase
comunistas”. Com investimentos de US$ 500 milhões, os
chineses da empresa Fuyao compram as antigas instalações da
GM que empregava 10.000 pessoas no local para fazer carros e
SUVs e que havia sido fechada em 2008. O filme gira em torno
do choque de cultura entre 200 funcionários chineses e 1.300
americanos. O drama maior do filme está na tentativa de
sindicalização dos trabalhadores americanos para se protegerem
da “exploração” chinesa. O alto comando chinês começa
contratando gerentes e diretores americanos, mas a estratégia
não funciona. Em um segundo momento, o presidente mundial da
companhia coloca um chinês para gerir a Fuyan América. O filme
tem inúmeras nuances, vale muito assistir. No final da história, os
próprios americanos votam contra a possiblidade de
sindicalização por medo de perderem o emprego. Na China, o
sindicato é praticamente sócio da empresa, que tem membros do
partido comunista em seu comando. O cunhado do presidente da
Fuyao diz que sem ajuda do governo central nada daquilo teria
acontecido.
Várias questões perpassam o enredo do documentário.
Como bem observa Obama comentando o filme, não há linha
editorial. Dele emerge uma realidade incrível, honesta e
contraditória. O desemprego causado pela automação, a invasão
dos chineses e asiáticos. Talvez o mais interessante do filme seja
observar uma das voltas da “globalização”. Na antiga fábrica da
GM, o salário-hora era de US$ 29,00 para entrantes, além de
todos benefícios de plano de saúde e regras sindicais. A GM não
aguentou o tranco da concorrência dos carros asiáticos (Hyundai,
Toyota) e quase quebrou em 2008. Foi socorrida por Obama, que
depois produziu o filme para mostrar um pouco deste mundo.
Uma empresa chinesa que produz vidros para carros se instalou
no mesmo lugar e paga salários de US$ 14,00 a hora para
americanos. A empresa high tech GM que pagava ótimos salários
quase quebrou. A empresa low tech chinesa avançou e entrou
inclusive nos EUA para se aproveitar da mão de obra barata em
próprio solo americano. A destruição da classe média americana
aparece de forma clara no filme. A ascensão de uma classe
média chinesa é o reverso da medalha. Os salários nos EUA
nunca mais subiram na mesma proporção da produtividade; na
Ásia não param de subir. Muitas empresas americanas
sucumbem, as asiáticas avançam. O American Dream vira
“nightmare” e desperta o sonho dos chineses.
 
Gini, complexidade e desigualdade
 
Para entender melhor o fenômeno da desigualdade, precisamos
de alguns conceitos. Em primeiro lugar é preciso diferenciar entre
nível de renda per capita, que é uma média do que todos os
cidadãos ganham, e o nível de desigualdade, o qual reflete o grau
de concentração da renda. Vejamos alguns exemplos: a Noruega
e os Emirados Árabes oferecem ao seu cidadão médio uma
renda per capita próxima dos US$ 70.000 por ano. No entanto,
quando olhamos o grau de concentração desta renda
observamos que a Noruega é um país menos desigual, isto é,
uma parcela expressiva da população vive com renda próxima à
média nacional. Quando olhamos para os Emirados Árabes, a
concentração de renda é bem mais elevada, o que sinaliza que
uma pequena parcela (mais rica) da população consegue atrair
grande parte da renda nacional para si, obtendo um nível de
renda muito superior à média nacional. A Noruega é um país rico
e igualitário, enquanto os Emirados Árabes são também ricos,
muito embora produzam disparidades enormes entre os
rendimentos dos seus cidadãos.
No início do século XX um estatístico italiano chamado
Corrado Gini desenvolveu um método simples para avaliar a
concentração de renda em um país. Partiu da referência abstrata
do que seria uma sociedade perfeitamente igualitária: como todos
ganham exatamente o mesmo valor nesta sociedade idealizada,
se dividíssemos a população desta sociedade em dez grupos de
igual tamanho (os chamados decis, pois representam 10% da
população), cada grupo deveria obter o equivalente a 10% da
renda nacional. Reduzindo a escala, podemos dividir a população
em 100 grupos de pessoas, gerando os percentis populacionais.
Cada 1% da população deveria obter 1% da renda nacional. Gini
então definiu um índice mostrando que, nesta situação, a
concentração de renda seria nula (seu índica marcaria zero), pois
todos os cidadãos receberiam rigorosamente a renda média
nacional. Alternativamente, Gini imaginou uma sociedade em que
uma única pessoa detivesse toda a renda nacional. Neste caso,
seu índice registraria o valor de 1. A vida real encontra-se entre
estes extremos da igualdade plena e da concentração total da
renda. Vejamos como funciona.
Ordene a população de um país de acordo com a renda
anual obtida por cada cidadão ou família, indo do mais pobre para
o mais rico. Em seguida, divida esta população em 10 categorias
com mesmo número de pessoas. O que notaremos é que os 10%
mais pobres não conseguem obter 10% da renda. O segundo
decil mais pobre (porém mais “rico” que o primeiro) também não
consegue atingir os 10% da renda nacional e, se somado ao
primeiro decil, também não consegue atingir os 20% da renda
nacional. O padrão normalmente se repete até o nono decil; ou
seja, 90% da população não consegue obter 90% da renda
nacional. O decil mais rico é formado pelos 10% no topo da
distribuição de renda. Quanto maior for a distância entre estas
duas medidas (real e ideal), maior é a concentração de renda e
mais próximo do 1 estará o índice. No nossoexemplo acima, os
Emirados Árabes eram muito mais desiguais (Gini de 0,4) em
2018 do que a Noruega (Gini de 0,27). Não se surpreenda o leitor
ao descobrir que a Noruega tem uma economia mais complexa.
Metade do que os Emirados Árabes exportam para o mundo é
formado por produtos primários, como petróleo e outros bens com
baixo conteúdo tecnológico, enquanto a Noruega exporta, além
de petróleo e gás natural, manufaturas e máquinas complexas,
serviços sofisticados de tecnologia da informação e comunicação
e de transportes.
Em um instigante trabalho que conecta complexidade,
instituições e desigualdade, Dominik Hartmann e Cesar Hidalgo
(Hartmann et al., 2017) se uniram a outros pesquisadores para
demonstrar de maneira robusta que países mais complexos e
sofisticados apresentam níveis de desigualdade menores. Os
autores constroem uma criativa metodologia que combina o
índice Gini que mede desigualdade entre países e os índices de
complexidade (ECI) do tecido produtivo. Chegam a resultados
impressionantes em termos de correlações entre o que se produz
e quão desigual, internamente, é um país. Todos os países
produtores de cobre no mundo, por exemplo, são mais desiguais
do que todos os países produtores de máquinas e peças de
maquinário. A comparação que os autores fazem entre Chile e
Malásia é bem ilustrativa. Chile tinha renda per capita PPP (PIB
per capita) de US$ 21.044 e escolaridade média de 9,8 anos,
com Gini de 0,49 e posição 72 no ranking de complexidade
produtiva em 2012. Malásia com praticamente a mesma renda
per capita de US$ 22.314 PPP, 9,5 anos de escolaridade média,
tinha um índice Gini de 0,39 e posição de 24 no ranking de
complexidade econômica, patamar bem melhor do que o chileno.
O trabalho desses autores mostra que países especializados em
produção de commodities são mais desiguais, como o Chile.
Países apenas agrícolas e mineradores têm os maiores índices
Gini do mundo. São países que têm uma estrutura produtiva de
baixa sofisticação que não estimula acúmulo de capital humano,
inovação e complexidade produtiva.
Finlândia, Noruega, Áustria, Dinamarca, Suécia, Alemanha,
Suíça e Japão estão entre os menos desiguais do mundo com
Gini em torno de 0,30. São também os países mais complexos e
sofisticados do mundo com indicadores ECI acima de 1,0. A
complexidade econômica é a mediação, o meio pelo qual o
capital humano é incorporado ao processo produtivo. Este passo
lógico essencial – que falta à análise econômica convencional –
nos permite entender os efeitos das diferentes estruturas
produtivas sobre a atividade humana e seu bem-estar. Posto de
forma muito simples, países em que a maioria da população
trabalha em atividades high tech e serviços sofisticados terão
uma qualidade de vida melhor do que países cuja população
carrega sacos de cimento nas costas ou passa seus dias sob o
sol escaldante na lavoura. Vale repetir: não se trata de
desmerecer estes ofícios e profissões; ao contrário, na ausência
da complexidade, estas trabalhadoras e trabalhadores são
heroicos guerreiros que fazem muito esforço, descansam pouco
e, infelizmente, morrem cedo. A sofisticação produtiva, por outro
lado, reduz a desigualdade. Afinal, como vimos, uma maior
coleção de produtos sofisticados ou complexos na pauta de
exportação de um país gera maior “transbordamento” salarial
para outros setores e empregos. É verdade que as transferências
de renda via aumentos de salário mínimo e programas sociais
como Bolsa Família, por exemplo, ajudam a promover mais
igualdade de oportunidade nos países. Porém, sem avanços na
sofisticação produtiva não haverá redução de desigualdade de
forma sustentável.
O aumento da sofisticação produtiva permite um
desenvolvimento mais inclusivo da economia, contribuindo para
criação de circuitos virtuosos que se retroalimentam para formar
uma rede produtiva mais sustentável. Uma vez que os ganhos de
produtividade sejam distribuídos entre os elementos da rede, cria-
se o ambiente propício para o desenvolvimento comum onde as
inovações e ganhos de eficiência, o desenvolvimento cultural,
social e tecnológico promovem os ganhos de produtividade.
Hartmann et al. (2016) mostram que o enorme avanço em termos
de redução de desigualdades da Ásia dinâmica, por exemplo,
está relacionado ao aumento da sofisticação produtiva e
complexidade econômica dos últimos 30 anos. A manutenção da
desigualdade da América Latina se deve a uma estrutura
produtiva ainda “arcaica”, baseada em commodities, de baixa
complexidade e que agora regride. O Chile, por exemplo, apesar
de ter elevada renda per capita, continua ainda com uma
estrutura produtiva de baixa sofisticação que não estimula
acúmulo de capital humano, inovação e complexidade produtiva.
O Chile tem 18 milhões de habitantes e um território 11 vezes
menor que o do Brasil. Exporta, em valor, cerca de US$ 70
bilhões todos os anos. Em termos de América Latina, um país
com quase US$ 25 mil de PIB per capita, como é o Chile, está em
uma situação confortável. Porém o país é ainda extremamente
dependente da exportação de minérios. Só em 2017, as
exportações minerais responderam por quase 60% do total das
exportações. A maior exportadora de minérios do país é ainda a
estatal CODELCO. Um exemplo dessa dependência: de 2017
para 2018 houve um aumento internacional do preço do cobre
que foi suficiente para fazer o país mais que duplicar sua taxa de
crescimento de um ano para o outro, saindo de 1,7% para 3,5%.
O Chile é um país rico em relação a América Latina, porque tem
uma enorme quantidade de riqueza natural para distribuir seus
benefícios entre poucas pessoas e tem uma mínima
complexidade econômica, principalmente fomentada pelo Estado.
O Brasil, assim como o Chile, é muito desigual pois tem um
sistema produtivo ruim, com baixa complexidade e pouca
sofisticação. Faltam oportunidades, faltam bons empregos e
faltam bons salários: não temos nem empresas nem produtos
para gerar essas oportunidades. Um produto sofisticado ou
complexo requer maiores habilidades produtivas e, portanto, gera
salários mais altos. Um produto sofisticado ou complexo gera
uma divisão de trabalho relativamente extensa e isso leva à
criação de empregos. Assim, um produto sofisticado ou complexo
constrói uma classe média forte e gera longas “escadas de
carreira”.
 
A curva de Kuznets
 
As relações entre desigualdade e complexidade levantam uma
questão provocativa: por quais mecanismos os frutos do
crescimento econômico (ou da falta deste) são distribuídos dentro
de cada país? Esta pergunta dirigiu a atenção dos economistas
para a distribuição de renda entre residentes de um mesmo país,
um tema que começou a ser explorado, no século XIX, por David
Ricardo, Karl Marx e Vilfredo Pareto. Ganhou rigor com os
estudos de Simon Kuznets a partir dos anos 1940 e obteve ampla
notoriedade com os esforços mais recentes de Thomas Piketty,
Anthony Atkinson, Joseph Stiglitz, Branko Milanovic, dentre
inúmeros outros autores. Um dos modelos mais influentes desta
literatura foi o de Kuznets (1955). Em seu discurso de posse na
Associação Americana de Economia (American Economic
Association), o autor descreveu uma relação entre crescimento e
desigualdade em formato de U-invertido. Nas fases iniciais do
desenvolvimento econômico, com predominância do setor rural
de baixa produtividade, a desigualdade entre as pessoas seria
baixa, pois a baixa renda nacional estaria bem dividida entre uma
população uniformemente pobre.
Conforme a acumulação de capital ganhasse força nos
centros urbanos, os salários mais altos atrairiam a mão de obra
do campo e os lucros elevados enriqueceriam mais rapidamente
os empresários industriais, aumentando a desigualdade durante
as fases de aceleração do crescimento. A maior participação da
indústria na produção total elevaria gradativamente os salários
dos trabalhadores da cidade (pelo aumento da produtividade) e
do campo (pela crescente escassez de mão de obra devida ao
êxodo rural). A elevação dos custos do trabalho eventualmente
diminuiria, sob condições de maior concorrêncianos mercados,
os lucros dos empresários. Esta mudança na composição da
estrutura produtiva seria capaz de elevar o crescimento
econômico e, em seu devido tempo, reduzir a desigualdade que
permitiu a fase de aceleração ao redistribuir os frutos do
crescimento econômico antes concentrados nos lucros
empresariais.
Segundo este modelo, os fatores recebem de acordo com
sua produtividade marginal. Assim, os rendimentos do trabalho
também estariam sujeitos a uma dispersão correspondente aos
diferentes níveis de produtividade e de escassez relativa. Por
exemplo, durante a fase de implantação de setores industriais
haveria elevada demanda por um conjunto de ocupações, tais
como engenheiros, administradores, contadores, operários
especializados e toda uma gama de atividades específicas,
levando os salários destas categorias a crescerem mais do que
as outras atividades apenas indiretamente afetadas pelo surto de
investimentos. Afinal, quanto mais escasso é um tipo de
competência, maior o preço que o mercado paga ao profissional
que a detém. Conforme o desenvolvimento progredisse, a
demanda por todos os tipos de trabalho se elevaria, pressionando
todos os salários para cima. O aumento do poder de barganha
dos trabalhadores levaria a um aumento na fatia da renda
nacional apropriada pelos trabalhadores, levando a uma redução
da concentração da renda nas classes sociais mais abastadas. O
crescimento econômico resultaria da mudança estrutural de uma
economia agrária e pouco sofisticada para uma economia
urbano-industrial complexa. Ao longo desta mudança, a
desigualdade seria gradualmente reduzida a patamares
socialmente aceitáveis.
O processo de sofisticação produtiva não é linear e o
caminho para a evolução da complexidade pode ser bastante
tortuoso. Do ponto de vista regional, um aumento de
complexidade e produtividade resulta sempre em aumento de
desigualdade num primeiro momento. A região que passa por
aumento de complexidade apresenta enorme salto de renda em
relação às regiões ou cidades que não passaram por esse
processo. Num segundo momento a desigualdade de renda
dentro dos centros complexos diminui muito, conforme mostram
os dados de Hidalgo e Hartmann e também um recente trabalho
de Hausmann, Cheston e Santos (2015) com análises detalhadas
para municípios e estados no México. Nas comparações entre as
regiões complexas e não complexas a desigualdade explode, o
que está de acordo com as dinâmicas geográficas e regionais de
retornos crescentes e redes produtivas. Ou seja, o aumento de
complexidade dentro de uma região causa redução de
desigualdade interna, mas aumenta a desigualdade externa na
comparação com outras regiões. Alguns exemplos clássicos aqui
são norte e sul da Itália, região da Nova Inglaterra nos EUA e a
cidade e o estado de São Paulo no Brasil.
 
Desigualdade e crescimento econômico
 
Da ótica dos trabalhadores e empresas, o aumento de
produtividade e complexidade permite aumentos relevantes e
sustentados de salários reais; sem populismos que levam a
descontroles fiscais e no balanço de pagamentos. O caminho da
distribuição de renda deve ser conjunto com o do aumento de
produtividade, criando um ciclo virtuoso de aumento de produção
e repartição dos ganhos produtivos; uma rede ou sistema onde as
inovações e ganhos de eficiência promovem os ganhos de
produtividade que, bem distribuídos, promovem novas ondas de
ganhos de produtividade e complexidade, num ambiente geral de
criação de riquezas. Os arranjos produtivos criativos, inovadores
e complexos podem favorecer o avanço de produtividade e vice-
versa. Ou seja, a redução da desigualdade pode funcionar como
motor da inovação e ganhos de produtividade com “trabalho e
capital” alinhados na mesma direção. Exemplos interessantes
desse alinhamento são encontrados nas relações trabalhistas na
Alemanha, Japão, países nórdicos e norte de Espanha. O que
importa aqui é atingir ganhos de produtividade e inovações que
possam ser distribuídas de forma justa e sustentada. A
desigualdade de oportunidades produtivas significa enorme
obstáculo à esse progresso: significa falta de acesso às
possibilidades de produzir. Aqui, o Estado tem papel fundamental
para tentar contribuir na construção e nas possibilidades de
acesso a essas redes produtivas que levam ao avanço da
complexidade das cidades, regiões e países.
Desigualdade e desenvolvimento são processos sociais
complexos e que se afetam mutuamente. Cabe agora indagar os
efeitos da desigualdade sobre o crescimento e, em última
instância, sobre o desenvolvimento econômico. Em seu livro
Rethinking economic development, growth and institutions, Jaime
Ros mostra que nem toda a desigualdade é danosa ao
crescimento econômico (Ros, 2013, cap. 16). O autor diferencia
as desigualdades funcionais daquelas disfuncionais ao
desenvolvimento. Segundo Ros, ao desconsiderar as interações
entre nível de renda e desigualdade (em oposição ao crescimento
e desigualdade de renda) a literatura mais recente falha em
distinguir essas duas fontes de desigualdade, bem como seus
efeitos sobre o desenvolvimento. Todavia, alerta o autor, cada
uma dessas duas fontes de desigualdade de renda pode ter
efeitos diferentes sobre o crescimento econômico, tanto em
tamanho quanto em sinal. Além disso, o nível de desigualdade
também é importante para determinar a magnitude dos efeitos
sobre o crescimento. Em suma, não há resultados simples e
decisivos.
As desigualdades funcionais dependem da composição das
dotações de fatores e de como esta afeta a estrutura de
recompensa para cada fator de produção. Por exemplo, o capital
físico e humano tende a ser mais desigualmente distribuído do
que o fator “mão de obra” em todos os países. Isso significa que
há maiores rendimentos para o capital físico e para o capital
humano (conhecimento, habilidades e tecnologia) do que para o
vasto volume de trabalhadores sem qualificações diferenciadas.
Como estes últimos são mais abundantes e de difícil
diferenciação, o “preço” do fator “trabalho” é menor. Não deve
surpreender o leitor o fato de os países menos desenvolvidos
contarem com menor estoque de máquinas e de conhecimento e,
por isso, tenderem a ser mais desiguais (especialmente os países
de renda média) do que países ricos, os quais têm abundância de
capital físico e humano. No entanto, justamente pela escassez
relativa desses fatores, os efeitos deste tipo de desigualdade
sobre o crescimento tendem a ser positivos; afinal, altos
rendimentos para capital físico e mão de obra qualificada
incentivam investimentos tanto em maquinário e tecnologia
quanto na aquisição de habilidades e competências técnicas
(educação). Por este motivo, países menos desenvolvidos podem
se aproveitar desta desigualdade nas dotações de fatores para
alavancar o seu crescimento e, ao longo de sua trajetória de
desenvolvimento, sofisticar a sua estrutura produtiva, de forma a
reduzir este nível de desigualdade conforme se aproxima dos
níveis mais elevados de desenvolvimento.
A segunda fonte de desigualdade está associada à “estrutura
de propriedade”, ou seja, ao grau de concentração da riqueza em
um país. Assim, um país com uma concentração anormalmente
alta da propriedade de terras ou de capitais (ativos financeiros,
empresas, patentes etc.) tenderá a ter maior desigualdade de
renda – mantendo-se tudo o mais constante – do que um país
com uma distribuição mais igualitária de riqueza. Este segundo
componente tem maior probabilidade de ter efeitos negativos no
crescimento, seja pelas taxas de acumulação de capital e
aquisição de habilidades, seja pela eficiência no uso de dotações
de fatores. A desigualdade disfuncional emerge, portanto, das
diferenças de “condições iniciais” entre indivíduos, diferenças
estas que nada têm a ver com a competência potencial e com o
esforço dos mesmos, mas que derivam da concentração da
riqueza pessoal e do poder político e econômico nas mãos de
poucos grupos sociais e do escasso acesso a serviços públicos
básicos, como saneamento, saúde e educação. Este tipo de
desigualdade joga contraa prosperidade vislumbrada por Adam
Smith, pois impede que o potencial produtivo de cada indivíduo
venha a contribuir com o bem-estar coletivo. Como vimos acima,
a complexidade produtiva permite reduzir a desigualdade de
natureza disfuncional e potencializar as desigualdades funcionais
ao desenvolvimento.
Considerando estes dois tipos de desigualdade, é importante
analisarmos como eles afetam o crescimento econômico de longo
prazo. Os dados revelam que o “nível inicial” de desigualdade em
que se encontra um país tem um efeito positivo sobre o
crescimento populacional. Assim, sociedades originalmente mais
desiguais, com níveis semelhantes de renda, tendem a ter uma
maior taxa de crescimento populacional. Quanto mais cresce a
população, maior deve ser o investimento para manter (ou
aumentar) a quantidade de capital por trabalhador. Porém, isso
apenas ocorrerá se o nível da desigualdade disfuncional não for
baixo o suficiente para causar taxas mais elevadas de
acumulação de capital (para cada nível de renda). Infelizmente,
países pobres costumam ter elevada desigualdade disfuncional.
Neste caso, a elevada concentração de riqueza no topo da
distribuição de renda implica uma baixa taxa de investimento
produtivo como parcela da renda dos 10% mais ricos da
sociedade. A ausência de incentivos ao investimento pode estar
associada à propensão de sociedades desiguais a gerar muitas
oportunidades de captura da renda (rent-seeking), bem como por
serem mais instáveis política e socialmente. Além destes
aspectos, há também evidências consistentes de que a
desigualdade gera demanda insuficiente nos setores de retornos
crescentes, pois os trabalhadores não têm renda suficiente para
adquirir os bens e serviços mais sofisticados. A demanda
restringida limita a rentabilidade destes setores, o que torna o
esforço de sofisticação da matriz produtiva intermitente. Como
resultado, em países com baixos níveis de renda per capita os
efeitos positivos da desigualdade funcional sobre o crescimento
tendem a ser suplantados pelos efeitos nocivos da desigualdade
disfuncional associada à concentração de riqueza.
O principal desafio do desenvolvimento é potencializar os
efeitos distributivos do crescimento por meio da sofisticação da
estrutura produtiva. O aumento da complexidade do tecido
econômico eleva a produtividade de todos os trabalhadores,
ainda que de forma gradual. Todavia, superar este desafio é uma
tarefa hercúlea em que posições binárias, como a polarização
ingênua entre Estado e mercado, são pouco promissoras. A
literatura econômica recente tem tentado compreender as forças
que produzem estas desigualdades funcionais e disfuncionais ao
desenvolvimento e como as duas se retroalimentam ou se
repelem entre si. Trata-se de uma vasta produção acadêmica, de
forma que citaremos apenas alguns trabalhos mais expressivos
como introdução a este instigante campo de pesquisa. A seguir,
analisamos essencialmente três forças principais: as instituições,
o mercado de trabalho e o comércio internacional.
Daron Acemoglu e James Robinson (2012) mostraram em
seu notável livro Por que as nações fracassam a inquestionável
importância das instituições políticas e econômicas para a
prosperidade das nações. A experiência de desenvolvimento dos
países ricos estaria associada a instituições inclusivas, em que os
indivíduos teriam a liberdade para exercer suas competências no
ambiente de mercado, com direitos de propriedade bem definidos
e um governo eficiente na oferta de bens públicos. Instituições
inclusivas inibem a expropriação de renda por parte de elites com
base em seu poder econômico e político, permitindo uma
remuneração apropriada do esforço produtivo de indivíduos e
empresas. Alternativamente, aqueles países que desenvolveram
instituições predatórias acabaram sofrendo uma “reversão da
fortuna”, que acompanhava a disponibilidade de recursos naturais
e humanos. A influência nociva de elites extrativistas se daria na
forma de I) corrupção e desvios de recursos (privilégios e rendas
anormais), II) geração de distorções na estrutura de rentabilidade
das atividades mais sofisticadas, e III) eliminação de incentivos
econômicos que justificassem o investimento nestes setores. O
resultado seria o desenvolvimento de estruturas econômicas
desiguais e com limitado potencial de crescimento econômico.
Como salientou Thomas Piketty em artigo de 2015, a
desigualdade deve ser recolocada no centro das reflexões da
ciência econômica. Neste artigo ele respondeu a inúmeras
críticas feitas ao seu monumental livro O capital no século XXI,
publicado em 2014, e disparou contra Acemoglu e Robinson por
tentarem explicar a desigualdade por meio de duas grandes
categorias genéricas de instituições. Para Piketty, há inúmeras
instituições e políticas que canalizam renda e riqueza para os
mais ricos, em detrimento dos trabalhadores e das famílias mais
vulneráveis às mudanças no mercado de trabalho. Uma
combinação de taxação de grandes fortunas em escala global e a
retomada de políticas fiscais redistributivas e de restauração do
estoque de capital do Estado e de sua oferta de bens e serviços
públicos seriam, na visão de Piketty, uma boa forma de conter o
avanço da desigualdade.
No plano do mercado de trabalho, Milberg e Winkler (2013)
documentaram a intensa desarticulação do movimento sindical no
ocidente a partir dos anos 1980, o que levou à flexibilização das
leis trabalhistas, reduzindo o poder de barganha dos
trabalhadores em face do aumento do poder de mercado das
grandes corporações em escala planetária. Sob o peso da
desindustrialização de vários países (efeito Leste Asiático) e da
inovação tecnológica desacompanhada de acesso à educação
superior e à qualificação profissional, aumentaram os
contingentes de trabalhadores alocados em empregos “inúteis”,
como argumentou David Graeber (2018) em seu livro Bullshit
jobs: a theory. Sensível às evidências abundantes de aumento na
parcela de empregos precários, o mesmo Daron Acemoglu (2019)
veio a reconhecer a importância da qualidade do emprego em
artigo recente intitulado It’s good jobs, stupid! e publicado pelo
Economics for Inclusive Prosperity. Disse o autor que uma boa
política pública que objetive a redução da desigualdade deve
promover “a criação de ‘bons’ empregos, com altos salários”.
Segundo Acemoglu, empregos “bons” fornecem não apenas um
salário consistente com um padrão de vida confortável de “classe
média”, mas também uma certa estabilidade e proteção contra
condições de trabalho precárias e perigosas e poder excessivo
dos empregadores sobre os empregados. Acemoglu reconhece,
entretanto, que o mercado sozinho não dá conta de criar uma
oferta adequada de bons empregos, sendo necessária a atuação
estatal para induzir a criação dos mesmos. No entanto, os efeitos
da presença de empregos de qualidade vão muito além da queda
da desigualdade de renda e da pobreza, afetando a participação
cívica e política dos cidadãos. A escassez de bons empregos
dificulta o engajamento cívico e torna a participação política, se
houver, mais sensível a insatisfações e dificuldades econômicas,
abrindo as portas para o populismo e as políticas clientelistas.
Bons empregos ajudam a manter a estabilidade política dos
países.
Por fim, no plano do comércio internacional e reforçando o
argumento de Milberg e Winkler acima, Luiz Carlos Bresser-
Pereira (2019) mostrou, em artigo publicado no periódico
Challenge, que subordinar o desenvolvimento nacional às
impessoais vontades do mercado internacional levou a América
Latina, em especial o Brasil, a um aprisionamento da matriz
produtiva em setores de baixo conteúdo tecnológico devido à
desindustrialização, o que ele chamou de “armadilha da
liberalização”. Central neste processo foi a opção, a partir do final
dos anos 1980, pela poupança externa como forma de
financiamento da estratégia de crescimento, levando a uma
apreciação cambial de longo prazo, a qual favorece os setores
primário-exportadores enquanto bloqueia a viabilidade econômica
dos setores industriais maiscomplexos.
Ao renderem-se às vantagens comparativas, os países em
desenvolvimento reforçam os elos de uma estrutura produtiva
dual, em que setores de alta produtividade (com elevados
salários e lucros) coexistem com setores de baixa produtividade e
precárias condições de trabalho, cuja rentabilidade é limitada e os
salários são relativamente muito baixos. Como resultado, a
dualidade estrutural pode abrir um abismo social e econômico
sem qualquer força automática que leve ao seu fechamento. A
economia fica presa numa “armadilha da renda média”, por se ver
incapaz de continuar difundindo a prosperidade obtida para uma
parte da sociedade nas fases iniciais do desenvolvimento. Nesta
estrutura dual, a economia do conhecimento que vimos acima
tende a não gerar frutos para toda a sociedade, mas tão somente
para aquela parte que conseguiu entrar no “clube da produção
sofisticada” no “oceano azul” da concorrência imperfeita. Ao
restante dos trabalhadores e empresários resta o conjunto de
atividades pouco sofisticadas e de baixa diferenciação, em que se
obtêm baixos rendimentos a partir de um esforço enorme de
sobrevivência no “oceano vermelho” da concorrência perfeita.
Neste mundo de baixa qualificação, um amplo espectro de
atividades gera rendas muito diferentes entre si, mas com nível
médio muito inferior ao clube da sofisticação produtiva.
12. ERROS E ACERTOS NO BRASIL
 
Para a perspectiva aqui apresentada, o papel do Estado é
fundamental para escapar da armadilha do subdesenvolvimento.
A importância das chamadas políticas de ITT (Industrial, Trade
and Technology) e de política macroeconômica adequada (Novo
Desenvolvimentismo) aparece na discussão como uma das
principais explicações do sucesso dos países hoje considerados
ricos. Obviamente que apenas o uso de políticas protecionistas
para desenvolver a indústria nascente não garante o sucesso de
empresas e países. São exemplos de fracasso a tentativa de
desenvolver a indústria aérea na África do Sul e na Indonésia,
bem como a lei da informática e Zona Franca de Manaus no
Brasil dos anos 1980 e 1990 e inúmeros outros exemplos. A
história recente da política industrial mostra que a quantidade de
fracassos supera o número de sucessos. Não basta fomentar
uma indústria. Ela precisa crescer, amadurecer e se tornar
eficiente para lutar no cenário internacional, como se observou no
Japão, Inglaterra, EUA e países do Leste Asiático.
 
Zona Franca de Manaus
 
Nossa Zona Franca de Manaus (ZFM) seguiu a mesma lógica de
“maquila de importação” usada no setor automotivo brasileiro: o
“filet mignon tecnológico” vem do exterior e aqui adicionamos os
componentes mais simples. A ZFM foi criada para estimular a
ocupação territorial de uma área remota do país. O objetivo
principal era atrair empresas para produzir e abastecer o mercado
interno brasileiro e, por tabela, ocupar a região. Não havia e não
há metas de exportação, de upgrade tecnológico e tentativas de
conquistar mercados no mundo. A Zona Franca de Manaus é um
polo industrial na cidade de Manaus. Foi criada pelo decreto-lei
número 3.173 de 6 de junho de 1957 e depois aprimorado por
nova lei de 1967. Com o propósito de impulsionar o
desenvolvimento econômico da Amazônia e administrado pela
Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA), o
polo industrial abriga hoje cerca de 600 indústrias concentradas
nos setores de eletroeletrônicos, químico e motocicletas.
Nos últimos anos, o polo recebeu um novo impulso com os
incentivos fiscais para a implantação da tecnologia de televisão
digital no Brasil. Entre os produtos fabricados destacam-se:
aparelhos celulares de áudio e vídeo, televisores, motocicletas,
concentrados para refrigerantes, entre outros. Há também um
polo agropecuário que abriga projetos voltados à atividades de
produção de alimentos, agroindústria, piscicultura, turismo,
beleza, beneficiamento de madeira, entre outras. As indústrias
instaladas na Zona Franca de Manaus recebem os seguintes
benefícios fiscais: isenção do imposto de importação e
exportação, isenção de IPI, desconto no ICMS e isenção
temporária de IPTU. A Zona Franca de Manaus sempre teve o
formato do processo de substituição de importações com foco no
mercado interno. Trata-se de uma zona de processamento de
importação, uma maquila introvertida, que sequer chegou perto
do que se viu em termos de sofisticação produtiva na Índia e
China.
Claro que tudo isso tem muito a ver com o fato de seu
modelo industrial ter se baseado sempre no mercado interno e
não para a busca de mercados externos baseados em novas
tecnologias. A tendência foi e continua sendo o desenraizamento
completo do seu parque industrial em relação à realidade e aos
verdadeiros potenciais ligados à biodiversidade da região
amazônica. Investe-se muito em plantas industriais ligadas à
mineração (no Pará) e produtos eletroeletrônicos (como na ZFM),
enquanto se esquece do potencial da biodiversidade da floresta.
Um diferencial em termos de potencial de criação de uma base
industrial realmente diversificada que poderia ser enraizada
socialmente. Em outras palavras, em vez de construirmos um
modelo ousado de floresta industrializada, moderna, competitiva
e inovadora, preferimos um modelo mais simples de imitação,
sem aprendizado, e baseado na construção de ilhas de produção
industrial desconectadas da realidade regional. Ou ainda,
enclaves de grandes projetos de exportação de recursos naturais.
 
Embraer
 
Temos também no Brasil exemplos de muito sucesso. Vale citar
alguns aqui para mostrar que é possível avançarmos apesar de
todas as dificuldades elencadas neste livro. Por exemplo a
Embraer, talvez o maior símbolo dessa feliz articulação entre
Estado e mercado em terras brasileiras. A empresa nasceu como
uma iniciativa do governo; um projeto estratégico para se
implementar a indústria aeronáutica no país. São considerados os
precursores da Embraer o antigo Centro Técnico Aeroespacial
(CTA), que em 2009 passou a ser denominado Departamento de
Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), e o Instituto
Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Ambas as instituições foram
criadas, respectivamente, em 1946 e 1950 pela Força Aérea
Brasileira. Em 1946, foi criada a Comissão de Organização do
Centro Técnico de Aeronáutica (COCTA), com sede temporária
no Campo de Marte (zona norte de São Paulo, SP) com o
objetivo de viabilizar o início da execução do plano geral de
estabelecimento do Centro Técnico de Aeronáutica. Após pouco
mais de quatro anos de atuação, em 1950, a COCTA concluiu a
implantação na cidade paulista de São José dos Campos das
duas primeiras unidades do Centro Técnico de Aeronáutica: o
Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e o Instituto de
Pesquisa e Desenvolvimento (IPD). Embora ainda sob a gestão
da COCTA e sem todas as unidades implantadas, em pouco
tempo o Centro Técnico de Aeronáutica se tornou o principal
centro de pesquisas aeronáuticas do Brasil. O IPD absorveu
grande parte dos engenheiros aeronáuticos formados pelo ITA,
especialmente os militares.
No IPD foram projetados três dos quatro primeiros aparelhos
fabricados pela Embraer: o Bandeirante, o avião agrícola
Ipanema e o planador Urupema. A própria criação da Embraer foi
uma iniciativa de um grupo de engenheiros militares que atuava
no IPD. Dessa forma, pode-se estabelecer as origens da Embraer
na própria implantação do CTA, de onde saíram os principais
projetistas e dirigentes da indústria aeronáutica brasileira da
década de 1970. Fundada no ano de 1969 como uma sociedade
de economia mista vinculada ao então Ministério da Aeronáutica,
a Embraer teve inicialmente a maior parte de seu quadro de
funcionários formado com pessoal oriundo do Instituto
Tecnológico de Aeronáutica, que fazia parte do então CTA. De
certo modo, a então Embraer nasceu dentro do CTA. Durante as
décadas de 1970 e 1980 a Embraer conquistou importante
projeção nacional e internacional com os aviões Bandeirante,
Xingu e Brasília. Ao iniciar uma parceria com a Itália em 1981, foi
possível elaborar o avião de ataque ar-terra AMX,considerado
um importante salto tecnológico para a elaboração de novos
projetos.
Em 1988 teve início o desenvolvimento de um avião
binacional que seria projetado e construído tanto pela então
Embraer quanto pela argentina Fábrica Militar de Aviones (FMA).
A aeronave teve a designação de CBA-123, sendo CBA a sigla
para Cooperação Brasil-Argentina. Em 1990 o primeiro protótipo
voou, mas seu alto preço, além da crise econômica e política da
época, acabou com o projeto. O final da década de 1980 foi
marcado por crises financeiras que abalaram a economia
brasileira e atingiram em cheio a Embraer, que quase fechou. Em
1994, durante o governo Itamar Franco, a empresa foi leiloada
para depois passar por um longo processo de reestruturação e
apresentar novos projetos que a tornariam uma gigante do setor.
Antes de ser privatizada, a companhia estava à beira da falência.
Depois de alguns anos da privatização e com a fundamental
ajuda financeira do BNDES no final dos anos 1990, a empresa
passou a ser a terceira maior fabricante de jatos comerciais do
mundo. Essa recuperação de mercado após a privatização foi
resultado do sucesso do programa ERJ-145, uma aeronave
concebida para acompanhar a tendência mundial na aviação
regional na época, que era de utilizar aviões de maior porte, com
propulsão a jato. O sucesso continuou com os modelos ERJ-170
e ERJ-190. Uma das áreas em que a empresa mais investiu
nessa época foi em Pesquisa e Desenvolvimento. Outro incrível
sucesso da companhia foi o recente cargueiro de guerra KC-390
(agora Boeing Milennium). O projeto é fruto de contrato assinado
em 2009 entre a Força Aérea Brasileira e a Embraer. Os
investimentos requeridos para o seu desenvolvimento integraram
o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), garantindo
priorização em sua execução orçamentária.
A Embraer Defesa e Segurança foi criada em 2011 como o
braço da empresa encarregado do desenvolvimento de projetos
militares. Com o KC-390, a grande aposta da empresa, a
Embraer busca ocupar um espaço importante no mercado
mundial de transportes militares, passando a competir
diretamente com empresas como a estadunidense Lockheed
Martin, a europeia AirBus e a ucraniana Antonov. A empresa
busca se inserir nesse novo nicho de mercado a partir de um
modelo de baixo custo aquisitivo e operacional. Este elevado grau
de competitividade apoia-se na ampla utilização de componentes
da tradicional família de jets regionais da empresa. O custo de
desenvolvimento do projeto foi de R$ 5 bilhões, valor muito baixo
quando comparado com os € 20 bilhões gastos pela Airbus no
desenvolvimento de seu cargueiro A400M Atlas. O mercado
potencial do KC-390 é extremamente atrativo, pois em muitos
países do Ocidente a vida útil de seus cargueiros se aproxima do
término. Os novos modelos do Hércules e do AirBus A400, seus
concorrentes diretos, possuem custos significativamente
superiores, e a aquisição de cargueiros russos ou orientais é
descartada por ampla parcela das Forças Armadas do Ocidente
devido ao seu elevado custo de adaptação. Adicionalmente, a
aeronave diferencia-se de seus competidores em outros pontos: é
um avião com propulsão a turbina e não a hélice, como a maioria
dos competidores dessa categoria, reduzindo o tempo de voo das
aeronaves; tem menor custo e tempo de manutenção; utiliza
tecnologias e equipamentos conhecidos e disponíveis no
mercado, reduzindo custos e riscos.
Uma das coisas incríveis do novo cargueiro militar da
Embraer é o trem de pouso capaz de suportar o peso de cargas
gigantes. Quem produziu foi uma empresa brasileira chamada
ELEB, hoje já uma joint venture alemã com Embraer. São trens
de pouso capazes de suportar as 84 toneladas do novo avião
militar; para se ter uma ideia a família de jatos Embraer E-145
suporta 24 toneladas. A ELEB nasceu em 1984 para produzir, sob
licença, os trens de pouso dos caças ítalo-brasileiros A1-AMX
para a FAB. A experiência adquirida com os italianos a capacitou
para produzir o trem de pouso da aeronave de caça leve A-29
Super Tucano. No caso do KC-390, os pousos em regiões
extremamente inóspitas como Amazônia ou Antártida
demandaram a criação de um sistema inédito de distribuição do
peso do avião no trem de pouso. A patente da nova tecnologia foi
depositada nos Estados Unidos. Diferentemente das opções
existentes no mercado, esse produto faz com que o impacto no
pouso seja absorvido de maneira mais eficaz de forma distribuída
na estrutura do trem e rodas. Para suportar mais peso foi
necessário que a empresa entrasse na usinagem de titânio e aço,
matérias-primas de alta densidade e com mais resistência para
as peças. Para outras aeronaves de menor porte, predomina o
uso de alumínio. Foi necessário rever processos e adquirir novas
máquinas para a planta industrial onde trabalham 600
funcionários. As peças do trem de pouso nascem de um grande
bloco de metal que pode pesar até 4,5 toneladas. O material é
tratado termicamente para triplicar a resistência. Depois de
passar horas em fornos a 470º C e receber choque térmico na
água, o valor de resistência do aço aumenta bem até ser capaz
de suportar todo o peso requerido do trem de pouso. São poucas
as empresas no mundo capazes de fabricar um componente
desses. A ELEB se junta à americana Gooddrich e à francesa
Messier Dowty no pequeno grupo que domina todo o processo de
desenvolvimento de trens de pouso de um avião. Resta ver como
a aquisição da Embraer pela Boeing afetará esse projeto como
um todo e se a empresa se tornará mais uma história de sucesso
no Brasil vendida para uma multinacional.
Os projetos mais importantes das Forças Armadas brasileiras
hoje são a fragata classe Tamandaré, os submarinos Prosub, os
caças Gripen NG e o sistema de lançamento de mísseis Astros.
O míssil de cruzeiro é a arma contemporânea por excelência: um
foguete guiado em tempo real, com precisão de até 10 m. Nosso
modelo tem um motor inicial a combustível sólido e depois é
propulsado por uma turbina nacional da empresa Polaris; terá
alcance de 300 a 500 km. Esses projetos são feitos com
produção doméstica e transferência relevante de conteúdo
tecnológico de parceiros do exterior no caso do Gripen sueco. A
onda de cortes orçamentários a partir de 2015 prejudicou
bastante o projeto para a modernização dos navios da marinha
brasileira. No momento, o projeto da corveta Tamandaré ainda
está de pé e já foi escolhido o vencedor para a construção dos
navios: o consórcio entre a Embraer e a Thyssenkrupp, o Meko-
100, que irá fazer quatro corvetas por US$ 400 milhões e terá
conteúdo nacional de 40%. O programa Prosub assinado com os
franceses prevê a construção de cinco submarinos, sendo um
nuclear e quatro a diesel por R$ 35 bilhões, incluindo a
construção de um estaleiro para submarinos da marinha. O
problema é que o submarino Scorpène é um projeto antigo dos
anos 1970 e já foram gastos R$ 21 bilhões com entrega de
apenas um submarino. Com 20% de conteúdo nacional, cada
submarino irá custar aproximadamente US$ 700 milhões. O
programa Prosub para desenvolvimento de submarinos
movimentou 700 empresas civis nacionais, 18 universidades e
institutos de pesquisa e foi responsável pela geração 4,8 mil
empregos diretos e 12,5 mil empregos indiretos. Será que esses
projetos vão sobreviver aos cortes orçamentários?
 
Weg
 
Outro caso interessante de sucesso no Brasil é a empresa WEG.
Em abril de 1961, na cidade de Jaraguá do Sul, estado de Santa
Catarina, a WEG surgiu de uma avaliação mercadológica que os
três amigos Werner, Eggon e Geraldo identificaram. A partir do
fato de que frigoríficos da região estavam tendo problemas com
pequenos motores elétricos para refrigeração vindos de São
Paulo, viram espaço para uma nova empresa. Dada a demanda
existente, decidiram produzir tais equipamentos a fim de atender
as necessidades locais, que se inseriam em um contexto nacional
de política industrial de substituição de importação. Adotando
desde o início uma boa política de governança, investimento em
capacitação de recursos humanos e Pesquisa &
Desenvolvimento, aempresa elevou sobremaneira sua produção
e porte corporativo. Em 1970, após visita à Alemanha, eles viram
que existiam dois tipos de empresas no mercado: as grandes e
dominantes, e as pequenas e fadadas as fracasso. Os
empresários optaram por uma política de não acomodação e
decidiram internacionalizar a empresa, iniciando as vendas para o
Uruguai, Guatemala, Paraguai, Equador e Bolívia. Dessa forma
sabiam que o arranjo do mercado interno deveria servir de
suporte para uma exposição constante ao mercado externo e,
assim, evoluir de forma qualitativa e quantitativa.
Na década de 1980, a WEG inicia um processo de
diversificação de sua produção apoiada no constante
investimento em pesquisa e de seu extenso know-how no
segmento de motores elétricos. Cria a WEG Transformadores,
WEG Energia, WEG Automação e WEG Química, que iniciou a
fabricação de tintas especiais e verniz eletroisolante. Por toda a
década de 1990 a WEG seguiu investindo constantemente em
pesquisa e na internacionalização constante de suas operações,
exportando por ano cerca de 30% de sua produção. Em 2010 a
empresa realizou mais uma grande investida estratégica ao
participar ativamente do processo de leilão de energia eólia em
parceria com a espanhola MTOI, e forneceu os aerogeradores do
parque eólico de Ibiapina, no Ceará. Mais uma vez a empresa
encadeou um novo segmento produtivo a partir de seu
conhecimento “core” em motores e geradores elétricos. A partir
da demanda por produção de energias por fontes renováveis
provocada pelo Governo Federal, a WEG se posicionou
competitivamente em um setor complexo e na vanguarda mundial
de energia. Se associou aos espanhóis e depois a uma empresa
americana, que acabou comprando para absorver know-how na
produção de grandes aerogeradores.
Fundamental destacar o papel do Governo Federal para o
florescimento desse novo e promissor mercado de aerogeradores
no Brasil. A partir do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes
Alternativas de Energia Elétrica), decreto nº 5.025, de 2004, foi
estabelecido um marco regulatório que viabilizou a contratação
de fontes alternativas em nossa matriz energética e sobretudo a
vinculação de 60% de nacionalização dos empreendimentos. A
regulação governamental ofereceu segurança para que a WEG
solidificasse suas expectativas de retornos aos investimentos
nessa nova fronteira tecnológica e o Brasil foi alçado ao 4º
mercado com maior crescimento da produção elétrica de fonte
eólica em 2014. Hoje possui um player competitivo no mercado
internacional de aerogeradores. O parque eólico brasileiro já
representa 10% da geração de toda energia do país, superando
até mesmo a usina de Itaipu.
Outro aspecto que é importante apontar neste caso de
sucesso foi a capacidade de verificação e revisão da política de
desenvolvimento promovida pelo Governo Federal. No caso
específico da norma de contrapartida de 60% de nacionalização
do empreendimento exigido pelo Proinfa, notou-se que o índice
vinha sendo alcançado computando a fabricação local das pás e
da torre dos equipamentos de geração de energia eólica, sendo a
parte complexa e importante do maquinário importada. A partir
disso estabeleceu-se novas metas físicas por etapas e com um
cronograma gradual para a elevação efetiva da produção local
dos aerogeradores. O resultado disso foi que em meados de
2014 a WEG anunciou a oferta de um produto com 100% de
tecnologia nacional, em parceria com a Tractebel e investimentos
na ordem de R$ 160 milhões. A WEG é um belo exemplo de
diversificação e sofisticação produtiva no Brasil. A partir de
motores elétricos para frigoríficos no sul do país, avançou até os
sofisticados aerogeradores de parques eólicos. Soube “construir”
complexidade e hoje usufrui de uma excelente posição em vários
mercados no Brasil e no mundo. Hoje é uma das mais bem
posicionadas empresas brasileiras para surfar a onda de motores
elétricos para carros e caminhões.
 
A lei dos genéricos
 
Um outro exemplo de sucesso é a lei brasileira dos genéricos que
provocou grande impulso em nossa indústria. Um medicamento
genérico tem o mesmo princípio ativo, a mesma dose e forma
farmacêutica do medicamento de referência sem ter o mesmo
nome comercial. São mais baratos porque os fabricantes de
genéricos produzem os medicamentos usualmente após o
período de proteção de patente ou outros direitos de
exclusividade terem vencido ou terem sido renunciados.
Diferentemente dos medicamentos inovadores que envolvem
investimentos representativos em pesquisas clínicas – o que
pode levar anos –, a produção de genéricos envolve apenas
ensaios de equivalência farmacêutica, os quais, embora
rigorosos, possuem custos muito mais reduzidos. Por lei o
medicamento genérico deve custar 35% menos do que o de
referência.
A história da legislação de genéricos no Brasil inicia-se em
1991 pelo Deputado Federal Eduardo Jorge, que apresentou o
Projeto de Lei 2022 e planejava remover marcas comerciais dos
medicamentos. Em 1993 o presidente Itamar Franco publicou o
Decreto nº 793 que determinava apresentação da denominação
genérica – e portanto apenas do componente ativo – na
embalagem do medicamento. Em 1999, mesmo ano da criação
da Anvisa, os medicamentos genéricos foram efetivamente
introduzidos no Brasil, durante o governo FHC, época na qual
José Serra era o Ministro da Saúde. Já a Lei 9.787 viabilizou a
comercialização por qualquer laboratório de medicamentos cujas
patentes estivessem expiradas. As embalagens deveriam ser
padronizadas, mostrando uma tarja amarela e um grande “G” de
genérico. Todo aparato regulatório decorrente de tal lei, visando
qualidade, segurança e eficácia de genéricos de forma a garantir
a sua intercambialidade com o medicamento de referência, foi
importante também para aprimorar a indústria como um todo.
Não só os consumidores foram beneficiados com a política
de genéricos que permitiu acesso a medicamentos seguros por
preços mais acessíveis. As empresas farmacêuticas brasileiras
se beneficiaram fortemente dessa regulação aproveitando suas
bases produtivas já existentes aqui e ampliando-as com recursos
de iniciativas de apoio à indústria nacional desenvolvidas, entre
outros, pelo BNDES. Enquanto no início dos anos 2000 a
estrutura produtiva no país era predominantemente multinacional,
hoje grande parte das maiores farmacêuticas atuantes no Brasil
em termos de faturamento tem capital de origem nacional.
Gigantes do setor, tais como EMS Pharma, Neo Química,
Eurofarma, Cimed, Aché, abastecem o mercado interno e nele
figuram como líderes de vendas. Algumas dessas também com
apoio do BNDES migraram para o segmento de biofármacos, que
é mais lucrativo. As farmacêuticas brasileiras estão em processo
de internacionalização. Com crescimento impulsionado pela lei de
genéricos há 20 anos, hoje, mais robustas, passam a investir
também em pesquisa, desenvolvimento e inovação.
Importante dizer que a legislação brasileira de proteção da
propriedade intelectual, inclusive no que se refere a patentes de
medicamentos, atende aos padrões exigidos pelo acordo TRIPS
da OMC. O Brasil destacou-se por sua política de medicamentos
genéricos por ser o primeiro país da América Latina a implantar o
registro de medicamentos genéricos inspirado em sistemas
avançados. Em termos muito simplificados, o acordo TRIPS
impõe padrões mínimos de proteção de direitos de propriedade
intelectual que os países membros da OMC devem incorporar em
suas respectivas leis nacionais; é uma “padronização mínima” em
nível mundial dos direitos de propriedade intelectual. Em 2017,
houve emenda no TRIPS que permitiu a exportação de genéricos
produzidos sob regime de “licença compulsória” para países sem
ou com capacidade limitada de produção. Licença compulsória
existe quando há uma patente vigente, porém o Estado obriga
que ela seja licenciada (ou seja, suspende a exclusividade a ela
relativa) para que outros possam fabricar o remédio em situações
específicas, como emergência nacional, interesse público, abuso
pelo detentor da patente, entre outras. Em uma situação extrema,se houvesse apenas um fabricante no mundo com direito de
fabricar certo remédio e esse fabricante impusesse preços
exorbitantes ou agisse de forma abusiva com respeito à sua
patente, o Estado poderia obrigar a licença compulsória para
permitir à população acesso ao medicamento. O aditamento ao
TRIPS de 2017 é positivo para a indústria de genéricos brasileira
pois possibilita a exportação de medicamentos produzidos sob
regime de licença compulsória para países ainda menos
favorecidos. De qualquer maneira, vale ressaltar que a licença
compulsória é regime de exceção, a regra é a proteção patentária
de forma a assegurar investimentos em desenvolvimento de
novas moléculas que serão, por sua vez, remuneradas pela
exclusividade garantida pela patente.
13. CONCLUSÃO
 
Existem no Brasil atual duas grandes correntes de economistas
com visões de mundo bem distintas acerca do desenvolvimento e
crescimento. Para o grupo dos economistas ortodoxos ou
“mainstream”, o desenvolvimento econômico tende a ser um
processo espontâneo guiado pelo mercado e que depende
basicamente de boas políticas internas, tais como: governo
parcimonioso que não tribute demais, bom funcionamento da
justiça, controle da inflação, educação de qualidade, defesa da
concorrência. Se essas políticas forem perseguidas, o
desenvolvimento será apenas uma questão de tempo. Seria o
equivalente a esperar um bom desempenho de um atleta,
garantindo-lhe apenas sua integridade física e a alimentação
diária de sua preferência. Bastaria submetê-lo sistematicamente à
“disciplina” das competições de mercado mundial, sem
necessidade de treino, planejamento ou condicionamento físico.
Na metáfora futebolística, os países ricos teriam ficado ricos
porque descobriram seus “Romários” em cada posição do campo
de futebol, mas sem um técnico que definisse uma estratégia de
jogo. Os exemplos de Marta (Brasil) e de Salah (Egito) mostram
que talento sem estrutura não garantem a vitória. Os economistas
ortodoxos defendem, portanto, a educação e as instituições
“corretas” como elementos centrais para o desenvolvimento.
Basta descobrir seu talento e jogar sem a necessidade do técnico
(no caso, a política industrial) que os campeonatos e as medalhas
virão, mais cedo ou mais tarde. Se não desempenhar bem, troque
de esporte.
Para o grupo dos desenvolvimentistas ou heterodoxos, o
processo de desenvolvimento econômico se dá num contexto de
interação estratégica entre nações. Especialmente no que diz
respeito ao domínio de técnicas produtivas e capacidade de
aprendizagem em setores específicos. Aquilo que o economista
convencional vê como causa do desenvolvimento é tido como
resultado. Por exemplo, em um estudo recente Carvalho, Ribeiro
e Marques (2018) mostraram como os vários aspectos estruturais
do desenvolvimento estão relacionados às taxas de inflação mais
altas em países em desenvolvimento. Aspectos de longo prazo,
como sofisticação produtiva, densidade tecnológica das
exportações, participação da indústria no PIB, volatilidade
cambial, dentre outros, ajudam a explicar o comportamento de
longo prazo da inflação. Por trás deste resultado encontra-se a
premissa de que é a estrutura produtiva que delimita a qualidade
das instituições econômicas e políticas e, por meio destas, seus
resultados.
Além disso, não se pressupõe qualquer harmonia automática
entre os interesses econômicos e comerciais das nações. As
multinacionais e os governos dos países ricos defendem com
unhas e dentes seus mercados e suas tecnologias de produção.
O padrão de especialização produtiva perseguido por estas
nações significa dominar tecnologias avançadas de produção e
criar capacidades e competências locais proprietárias nos setores
mais nobres. Significa fazer o melhor uso dos recursos da nação,
mas de forma estratégica. Produzir castanhas de caju ou chips de
computador, carros ou havaianas, bananas ou computadores faz
diferença. Ou seja, o processo de desenvolvimento não é setor-
neutro, depende da composição agricultura, serviços e indústria
do PIB e do tipo de produto que um país é capaz de produzir. A
produtividade da economia deixa de ser algo que depende dos
indivíduos, como na visão ortodoxa, e passa a ser algo sistêmico,
que depende da configuração setorial e produtiva de uma
economia conforme vimos. Trabalhadores inseridos em setores
tecnologicamente sofisticados serão produtivos devido às
características intrínsecas do setor e não a dos trabalhadores. A
empregada doméstica que é retreinada para trabalhar numa
fábrica tem sua produtividade aumentada enormemente, por
exemplo. A educação num país com uma matriz produtiva
sofisticada oferece ao trabalhador estudioso o devido retorno pelo
seu esforço intelectual. A desindustrialização brasileira criou uma
geração de trabalhadores com um ou mais diplomas
universitários que viraram cozinheiros de hambúrgueres em redes
de fast food ou entregadores e taxistas de aplicativo.
 
Produzir bananas é diferente de produzir carros
 
O processo de desenvolvimento se dá num ambiente de
competição em que nações ricas lutam para preservar suas
vantagens competitivas em relação aos países em
desenvolvimento em determinados mercados, tornando o
processo muito mais desigual e assimétrico. A harmonia de
interesses prevalece na medida em que a periferia se resigna em
ficar em seu devido lugar. Na conhecida expressão do
economista alemão Friedrich List, após atingirem um elevado
estágio de desenvolvimento os países ricos “chutam a escada”,
tentando impedir que países pobres percorram o mesmo
percurso; são estratégias de maximização de lucro das próprias
empresas multinacionais. A visão ortodoxa de mundo tem uma
postura mais individualista e menos sistêmica; são essenciais
para esta corrente as características intrínsecas do homem, em
particular, o grau e a qualidade média da instrução escolar e
acadêmica.
Alternativamente, a visão desenvolvimentista entende que as
ocupações em si e tipos de vagas de trabalho são mais
importantes do que a qualificação. Se não houver postos de
trabalho qualificados, não adianta qualificar a população. E por
este motivo o desenvolvimento decorre do tipo de atividade
praticada e do bem que se produz; ou seja, para a visão inspirada
em List, “o que” e “como” se produz são essenciais para se gerar
o desenvolvimento econômico. Um alto nível de produção per
capita só pode ser atingido a partir da sofisticação do tecido
produtivo de uma economia. E para isso ocorrer não basta se
expor à enorme competição existente no mercado mundial. Os
first movers de países ricos têm vantagens gigantescas sobre
seus concorrentes em países pobres e em desenvolvimento no
que diz respeito a domínio de mercados, propriedades de
tecnologias, escala de produção etc. Eles não fazem tudo isso
porque são ricos, mas, ao contrário, por terem chegado antes e
protegerem suas conquistas econômicas e tecnológicas é que
conseguem se manter na liderança do mundo.
Na perspectiva desenvolvimentista não existe objetivo maior
do que criar uma indústria local, competente, capaz de produzir
para o mercado mundial com grande excelência tecnológica.
Como esses campeões internacionais não surgem naturalmente
do dia para a noite, o governo deve ajudar com subsídios, tarifas
e financiamentos até que essas empresas atinjam escala e força
suficiente para competir no mercado doméstico e mundial. Trata-
se da velha ideia da indústria infante, cujo conceito precisa ser
constantemente atualizado para os movimentos tecnológicos e
comerciais do jogo econômico, para que capacidades obsoletas
não sejam nutridas por políticas rígidas e inerciais. Não basta ter
as “instituições certas” em dado momento do tempo. É preciso
que as próprias instituições econômicas e políticas sejam
suficientemente flexíveis para incorporar as inovações de forma
sólida e direcionada ao desenvolvimento social e econômico.
Muitos dos gigantes asiáticos de hoje surgiram de estratégias
desse tipo, envolvendo políticas industriais e direcionamento
estatal que se somaram a uma competentíssima iniciativaprivada, aguerrida e eficiente. Mas não se engane o leitor ao
pensar que este é um jogo de cartas marcadas e resultados
garantidos. Há muitos exemplos de fracasso, corrupção
desenfreada e má alocação de recursos que demonstram a
dificuldade estratégica em articular entre si forças internas e
externas em prol do desenvolvimento nacional. Tanto a história
brasileira quanto diversas experiências internacionais mostram
que a economia política das reformas não é um jogo para
amadores.
A narrativa das vantagens comparativas na produção de
bens e serviços deriva de uma noção emprestada da astronomia
do século XVIII, em que os planetas participam de órbitas
estáveis e bem-comportadas e todos desempenham um papel
dentro do concerto interplanetário. Como isso se traduziu para a
economia? Sabemos que todo mundo não pode ser bom em tudo
o que faz. Assim, David Ricardo deduziu, de forma rigorosa,
porém parcial, que se cada um se concentrar em fazer o que é
melhor, sua vantagem comparativa, o comércio internacional se
daria entre as estruturas produtivas mais eficientes. A história é a
seguinte: Ao produzir bens “baratos” para o mundo, meus
parceiros comerciais também poderiam se ocupar daquilo que
fazem melhor, oferecendo-me também produtos “acessíveis” a
partir da venda dos meus. É o que a literatura econômica chama
de “ganhos de comércio” que resultam dos “ganhos da
especialização”.
O argumento da CEPAL nos anos 1950 era exatamente de
que o desenvolvimento econômico das nações levaria a
resultados viesados em favor daqueles que produziam os bens
com maior conteúdo tecnológico. Por isso, o comércio
internacional não poderia resultar da especialização vocacional
de cada nação, mas da transformação tecnológica de suas
matrizes produtivas. Isso requeria alterar ativa e deliberadamente
a estrutura de produção para desenvolver as “vocações” inibidas
pelo esquema “vocacional” passivo – porque ditado pelos
concorrentes – que levava à subutilização dos recursos internos
às nações. A diversificação oferecia ganhos de comércio muito
mais intensos se combinados à especialização setorial
estratégica, que poderiam gerar condições para novas rodadas
de transformação produtiva.
 
Política industrial para o século XXI
 
As breves histórias de Embraer, WEG, lei dos genéricos, de
programas militares brasileiros e diversos outros exemplos deste
livro ilustram de forma prática o funcionamento de um “Sistema
Nacional de Inovação” (Lundvall, 2010); um grupo articulado de
instituições dos setores público e privado (agências de fomento e
financiamento, instituições financeiras, empresas públicas e
privadas, instituições de ensino e pesquisa etc.) cujas atividades
geram e difundem novas tecnologias, sendo a inovação seu
aspecto crucial. O nível de articulação entre os diversos atores
que compõem um sistema desses determina a capacidade de
uma cidade, região ou país em gerar inovações. Um Sistema
Nacional de Inovação compõe-se do envolvimento e integração
entre três principais agentes: o Estado, responsável por aplicar e
fomentar políticas públicas de ciência e tecnologia; universidades
e institutos de pesquisa responsáveis por criar e disseminar o
conhecimento e empresas responsáveis pelo investimento na
transformação do conhecimento em produtos. Nestes sistemas, o
investimento público e a ação do Estado como fomentador,
financiador e aglutinador são sempre essenciais.
O fomento e a proteção da política industrial requerem
disciplina no seu uso, para que se gerem as contrapartidas. Caso
contrário, recursos públicos são desperdiçados ao atender aos
interesses econômicos de grupos de pressão sem beneficiar a
coletividade. Neste sentido, o “intervencionismo” do governo não
é uma panaceia, muito pelo contrário. Traz consigo o risco de
ocorrência de inúmeros problemas associados ao rent-seeking,
bem como distorções na aplicação das políticas. A tentativa de se
criar complexidade não é, portanto, isenta de custos, nem de
riscos. Na política industrial, o governo age como um técnico de
futebol, articula os jogadores, escala o time mas não entra em
campo. O técnico não sabe quem vai fazer gol, quando e como.
Mas a presença dele aumenta a probabilidade de sucesso e
vitória. O mesmo ocorre com países, estados e empresas.
Política industrial não é uma questão de onisciência do planejador
central; trata-se na verdade de uma função de articulação que
melhora o funcionamento dos mercados. Mazzucato e Penna
(2016), por exemplo, fizeram um interessante plano para o Brasil
nos moldes da postura “mission oriented” do Estado defendida
pela autora.
Em trabalho de 2004 com o título Política industrial para o
século XXI, Dani Rodrik (2004a) discute como desenhar uma
política industrial eficiente. Por um lado, existe o claro risco de
uma proximidade excessiva entre os burocratas e empresários
que dê margem à “captura” do estado. Surgem processos de
corrupção e rent-seeking que desvirtuam a articulação e
coordenação da política industrial, tornando-a mero instrumento
de rent-seeking, busca de “enriquecimento fácil”. A reposta de
desenho institucional para tentar evitar esse tipo de
comportamento seria o isolamento dos burocratas e criação de
distância em relação aos empresários regulados e coordenados.
Conforme argumenta Rodrik, essa boa estratégia para evitar
corrupção vai exatamente na contramão de outra necessidade da
política industrial que é justamente aproximar o setor público e
privado para que juntos encontrem soluções produtivas mais
rentáveis e promissoras. O equilíbrio entre esses dois aspectos
constitui para Rodrik o que seria uma política industrial ideal.
Como fazer isso?
Rodrik enumera algumas medidas práticas que podem ajudar
neste sentido. Primeiro: o status da política industrial deve ser
elevado no governo e contar com ministro ou instância de poder
de primeira ordem para lidar com esses assuntos, equiparado
inclusive à importância do Ministério da Fazenda e do Banco
Central ao ente de governo que deveria comandar a política
industrial. O cargo pode ser de ministro, vice-presidente ou até
mesmo o presidente da república, como destacada Rodrik em
relação ao general Park Chung Hee na Coreia do Sul. Segundo:
criação de conselhos e fóruns de coordenação entre setor público
e iniciativa privada; agências de fomento, organizações privadas
sem fins lucrativos, além dos próprios organismos de
representação de classe. São fóruns onde a troca entre setor
público e privado pode fluir melhor, com as demandas do setor
privado sendo apresentadas e as opções de caminhos públicos a
seguir podem ser melhor discutidas. Terceiro: criação de
mecanismos de transparência e “accountability”. A política
industrial deve ser enxergada pela sociedade como uma
ferramenta para promoção de avanço tecnológico e
desenvolvimento de novas atividades produtivas e não um canal
para apropriação de ganhos fáceis de rent-seeking e
oportunidades de corrupção. As decisões dos conselhos de
política industrial e os recursos públicos destinados a esses
políticas devem ser totalmente transparentes e sujeitas a crítica
permanente da sociedade.
O setor público pode e deve contribuir com políticas de
estímulo à inovação e educação adequadas além da manutenção
de preços macro adequados (equilíbrio fiscal, inflação baixa e
estável, câmbio competitivo, prêmio de risco e juros baixos). O
protecionismo à indústria infante pode ser usado em casos
específicos, mas com metas de ganhos de produtividade e prazos
bem definidos, como se fez no Leste Asiático. Sempre haverá, no
entanto, o risco de captura da agência pública pelo regulado, o
que desvirtua completamente o processo. Por outro lado,
desregular os mercados e abrir a economia de forma
indiscriminada tampouco resolverá o problema do
desenvolvimento. Economias com empresas fracas, sujeitas a
fulminante concorrência internacional, especialmente no setor de
bens transacionáveis complexos, verão seu tecido produtivo ser
dizimado rapidamente em condições de abertura indiscriminada e
preços macroeconômicos errados; como se viuno Brasil das
últimas décadas. Ainda sobre essa questão da abertura
comercial, é importante observar que o nível da taxa de câmbio
real é chave. Sobrevalorizações muito intensas equivalem a
zeragem de tarifas: um pouco do que vimos no Brasil da era FHC
e também da era Lula e Dilma.
Para concluir este breve livro, gostaríamos de destacar
finalmente que a perspectiva aqui apresentada tem um propósito
muito mais ilustrativo sobre o potencial dessas abordagens.
Trata-se de um convite para engajar estudantes e pesquisadores
em trabalhos e estudos futuros nesta linha. A ótica da
complexidade econômica revela que não há caminho possível
para o desenvolvimento sem que se siga a rota da sofisticação do
tecido produtivo. Todos os países ricos amadureceram suas
economias na direção de maior complexidade, enquanto todos os
países pobres falharam em tal propósito. Como chegar lá
continuará sendo objeto de acaloradas disputas teóricas e
políticas. O que realmente importa é não desviar do propósito e
do destino de todo este debate, os quais foram tão bem
colocados por Celso Furtado (1998, p. 47): “Quando a
capacidade criativa do homem se volta para a descoberta de
suas potencialidades e ele se empenha em enriquecer o universo
que o gerou, produz-se o que chamamos de desenvolvimento”. O
Brasil se perdeu, mas sempre é possível reencontrar a rota para
um futuro melhor.
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