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39 Nesse solo, é possível identificar a pressão psicológica que se impri- me na artista por meio de um mecanismo pautado pelo virtuosismo, a dominação e um ideal de produtividade sobre o corpo. Em cena, a bai- larina se apresenta ao público, informando seu nome, idade, filhos; rela- ta muitas situações de satisfação e desgosto, canta melodias das músicas dançadas, fala da duração e rotina de trabalho, do salário, etc. Dessa forma, traz o balé para o plano do real, mostrando a dança como uma profissão como qualquer outra, com seus bônus e seus ônus. Entre outras coisas, a artista conta sobre a raiva que sentia de ficar no palco tanto tempo parada no fundo da cena enquanto os bailarinos solistas dançavam. Ela demonstra isso cenicamente ficando por muitos minutos imóvel numa posição. Solistas: bailarinos que dançam sozinhos em uma apresentação de balé. O francês Jérôme Bel é um importante dançarino, diretor e coreógrafo experimental que em seu trabalho explora os limites entre o artista e o espectador, a dança e a não dança, a arte e a vida. Jasper Kettner/Acervo do fo tógra fo A VOZ DA IMAGEM 6 Com base no que foi comentado, observe as imagens e, se possível, procure na internet vídeos do espetáculo Veronique Doisneau 1. Depois, converse com um colega sobre as ques- tões seguintes. a. Em sua opinião, o que as posições da bailarina e a suas expressões faciais revelam? b. Se você fosse criar uma fala relacionada a cada cena mostrada nas imagens, qual seria o texto? Que histórias a imagem corporal da bailarina parece contar? Anote no diário de bor- do e compare com a ideia do colega de dupla. Respostas pessoais. Resposta pessoal. Ainda em dupla com o colega, realize a proposta a seguir. 1 Pense em algo que o satisfaça ou o frustre no cotidiano. 2 Crie três imagens corporais em pausa para esta situação e sensação. Pense em posições em que você pode permanecer imóvel por certo tempo. Não conte nada ainda para o colega de dupla. 3 Em forma de jogo, combine quem começará pela posição ou pela fala. Quem for começar pela imagem corporal ficará aproximadamente 20 segundos na posição. Simultaneamente, o colega deve fazer um relato com base no que vê. Não é preciso se preocupar em acertar o que impulsionou a criação do colega. A proposta é perceber o que o corpo pode contar, deixando a imaginação fluir e disparando uma fala ininterrupta. 4 Depois, troquem de função: quem fez o relato agora mostra uma imagem corporal, e vice-versa. 5 Por fim, conversem sobre a experiência a partir da seguinte questão: qual é a relação estabelecida entre a ideia propulsora da imagem, sua construção corporal e a leitura desenvolvida pelo colega? Registre uma síntese dessa reflexão no diário de bordo. EXPERIMENTAÇÃO V4_LINGUAGENS_Faraco_g21Sa_Cap1_020a053_LA.indd 39V4_LINGUAGENS_Faraco_g21Sa_Cap1_020a053_LA.indd 39 16/09/2020 17:2216/09/2020 17:22 40 Em Veronique Doisneau 1, o coreógrafo Jérôme Bel organiza cenica- mente os relatos da intérprete. Fatos, desejos, interesses e frustrações misturam-se em perspectivas que se cruzam, atravessando passado e presente, fatos e fantasias. Nesse caso, a intérprete é a própria narrado- ra da sua história, porém não é a única criadora, já que há um processo colaborativo. Pode-se perceber um diálogo com a noção de autoficção. Como foi exposto neste capítulo, a autoficção liga-se ao conceito de memória e a outras discussões da contemporaneidade. As experiências pessoais não são simples inspirações, mas narrativas artísticas. Diferentemente da autobiografia, que busca a veracidade dos fatos, a autoficção não pretende distinguir a realidade da ficção, mas, sim, pes- quisar construções poéticas que ampliem o olhar sobre o mundo. A au- toficção não está atrás de certezas. Ela constitui uma autorreflexão apreocupada em ativar questionamentos em si e no outro. A observação da história pessoal do outro despertaria no espectador uma autoanálise da própria vida. O espectador é ativo no processo, sendo instigado a criar suas narrativas a partir dos relatos que testemunha. Desde os anos 1970, tanto nas artes como em outras áreas do conhe- cimento, a subjetividade ganha enfoque nas pesquisas. Isso se percebe em estudos etnocêntricos, sociológicos, psicológicos e de ciências polí- ticas que mostram um especial interesse pelos entrelaçamentos de as- pectos pessoais e coletivos em diferentes culturas, etnias e sociedades. A noção de alteridade compõe esse cenário: o conceito trata das rela- ções de diferença estabelecidas com o outro, reconhecendo singularida- des e buscando modos de compartilhá-las. Em paralelo, descobertas da Física e da Termodinâmica, no início do século XX, passaram a repercutir em outras áreas do conhecimento, in- clusive nas artes. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o princípio da incerteza de Heisenberg (1901-1976), proposto em 1927, que reforça a ideia de que vivemos num mundo “ilusório”. Nesse contexto efervescen- te, um caldo de ideias reverberou de várias formas nas artes, inclusive no desenvolvimento de trabalhos autoficcionais. O físico alemão Werner Karl Heisenberg foi um dos mais importantes fundadores da Mecânica quântica. Sua teoria explica que não seria possível definir com certeza, em determinado instante, a posição exata e a velocidade de um elétron dentro do núcleo atômico. O que se pode é calcular uma probabilidade estatística. Esses erros podem ser desprezíveis na escala macroscópica, mas se tornam importantes para estudos de partículas atômicas. O cientista recebeu o Nobel de Física em 1932. P h o to 12/Universal Images Group/G etty Im ag e s NÃO ESCREVA NESTE LIVRO. V4_LINGUAGENS_Faraco_g21Sa_Cap1_020a053_LA.indd 40V4_LINGUAGENS_Faraco_g21Sa_Cap1_020a053_LA.indd 40 16/09/2020 17:2216/09/2020 17:22