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Estudos não experimentais – toda a informação que se tenha quer de casos clínicos, florense, ambiental, veterinária ou estudos epidemiológicos/campo (prospetiva ou retrospetiva); 2. Modelos matemáticos de predição – cinética ambiental de compostos químico, fármaco- toxicocinética e relação da estrutura atividade quantitativa (QSAR); 3. Experimentação com modelos biológicos (toxicologia experimental) – experimentação em modelos biológicos in vivo (animais, plantas, humanos), in vitro, testes simulados (microcosmos, mesocosmos), in situ, laboratório. De uma maneira genérica a avaliação da toxicidade compreende 2 grandes pontos: ¤ Informações preliminares (que se obtém como explicado acima); ¤ Testes toxicológicos: − Toxicocinética; − Toxicidade aguda; − Toxicidade subcrónica (curta duração); − Efeitos locais sobre a pele e olhos; − Mutagénese e carcinogénese; − Reprodução e teratogénese; − Sensibilização cutânea; − Ecotoxicidade. Informações preliminares – o objetivo é conhecer a substância que será submetida aos estudos de toxicidade: ϟ Caracterização química da substância (grupo químico a que pertence, …); ϟ Grau de impurezas (o composto que se parte para o teste deve se de alta pureza, sendo normalmente comprados para que a impureza não seja responsável pelos valores obtidos - 99,9% de pureza); ϟ Estabelecer uma correlação estrutura-atividade (as informações vão se buscar à parte dos modelos que existam); ϟ Determinação das propriedades físico-químicas da substância (solubilidade, volatilidade, se é enantiómero ou não,…); ϟ Dados relativos aos possíveis níveis de exposição da população à substância. A toxicidade preditiva tem atualmente uma grande importância: Todos os testes in vivo feitos em maior escalada no passado, associam-se aos testes feitos in vitro e in silício permitindo um desenvolvimento mais acelerado da toxicidade preditiva atual. 30 ʓ Princípios da experimentação toxicológica: Os ensaios baseiam-se em 5 princípios 1. É possível extrapolar para o homem muitos dos efeitos tóxicos dos animais. 2. A aplicação de doses elevadas de um tóxico em animais é um procedimento útil para descobrir os possíveis perigos/prejuízos para o homem. 3. É possível reproduzir experimentalmente em animais a maioria dos processos tóxicos. 4. É possível reproduzir in vitro determinados efeitos tóxicos manifestados in vivo. 5. Podemos utilizar determinadas espécies animais ou plantas como sentinelas ou representantes dos efeitos representantes dos efeitos tóxicos em outras espécies: nós temos muitos organismos ambientais que funcionam como organismos sentinela e quando estão mal é porque algo se passa. − exemplo da Daphnia Magna que representa um modelo toxicológico para o meio ambiental que demonstra que quando as condições ambientais estão de acordo (como a alimentação, luz e escuridão), reproduz-se assexuadamente, e caso não estejam, produz um “ovo” que só se transforma no “bebé” quando as condições voltam ao normal; − outro exemplo são os liquens que em condições favoráveis estão presentes nas árvores, mas quando há poluição ambiental (compostos de azoto e enxofre) não estão presentes nas arvores. ʓ Objetivos da experimentação toxicológica – são importantes de avaliar: 1. Os perigos ou a toxicidade intrínseca de uma substância; 2. A diferença da suscetibilidade entre as espécies, sexos e grupos; 3. Efeitos tóxicos e a sua reversibilidade – verificar se são reversíveis; 4. Mecanismos e os alvos (órgãos, células e moléculas); 5. Toxicocinética (onde é absorvido, os meios, o que leva a atravessar mais facilmente as membranas biológicas…); 6. As medidas terapêuticas; 7. Os meios de diagnóstico. Em suma, o que se pretende é avaliar o risco e estabelecer limites de segurança e as medidas de prevenção. 31 ʓ Incorporação das tecnologias “ómicas”: O efeito de uma substância a nível da expressão genética (transcriptomica , proteónica, metabunomina…) e tudo isto juntamente com a expressão genética dos animais que vamos utilizar em relação ao organismo humano, é compactado e inter-relacionado com a parte bioinformática e tecnológica. Independentemente do teste que se faz: § In vivo – realizados cada vez menos e commenor número de animais. § In vitro – alternativa aos testes in vivo, que nos dão informações fundamentais relativamente ao mecanismo de ação dos compostos e o risco de toxicidade dos compostos toxicóforo= é a subunidade estrutural capaz de promover respostas tóxicas, diretamente ou via ativação metabólica), grupo funcional, modelos dose-resposta… § In silico – permitem prever a toxicidade de substâncias químicas, estrutura química. Estes 3 ensaios sempre que possível devem ser feitos pela pessoa que está a testar um determinado composto químico (sobretudo um produto que vá ser lançado no mercado) – tem de se fazer os 3 ensaios porque nenhum substitui o outro, são complementares uns dos outros. ʓ Duas grandes categorias de testes: Testes concebidos para identificar a toxicidade geral (tipicamente, os efeitos tóxicos em vários órgãos avaliada por exemplo, a histopatologia ou parâmetros de química clínica). Testes que se destinam à identificação de tipos específicos de efeitos adversos à saúde (por exemplo, de genotoxicidade, carcinogenicidade, toxicidade reprodutiva e efeitos teratogénicos). 32 ʓ Normas: Normas mínimas ditadas pela FDA, EPA e a OCDE, que descrevem as normas adequadas às Boas Práticas de Laboratório (BPL) e estipulam que estes procedimentos devem ser definidos e responsavelmente documentados. Estas orientações deverão ser seguidas quando os testes de toxicidade são realizados em apoio à introdução de um produto químico no mercado. É a única norma que todos os países vão aplicar, porque diferentes países têm, frequentemente, diferentes requisitos para os testes de toxicidade e avaliação de segurança. São feitos esforços para “harmonizar” os protocolos de testes, resultaram em abordagens mais padronizadas: Conselho Internacional para Harmonização de Requisitos Técnicos para Medicamentos de Uso Humano (International Council for Harmonisation of Technical Requirements for Pharmaceuticals for Human Use-ICH), inclui autoridades reguladoras da Europa, Japão e Estados Unidos (i.e., FDA), bem como especialistas da Indústria Farmacêutica dos 3 continentes, que trabalham em conjunto para desenvolver abordagens científicas e técnicas internacionalmente reconhecidas para o registo de produtos farmacêuticos. Existem organismos (como a OCDE, FDA) que tem guidelines que servem para fazermos os testes de toxicidade. Se quisermos seguir as normas adotadas internacionalmente podemos seguir o fluxograma relativamente à realização dos testes: NOTAS: Na área ambiental passa-se de testes a curto prazo diretamente para os crónicos (na experimentação animal já é mais importante a subcronica. Testes de toxicidade Toxicocinética; Toxicidade aguda; Toxicidade subaguda – fornece informação sobre toxicidade em administrações repetidas. Toxicidade subcrónica (curta duração); 33 Toxicidade crónica (longa duração) – determinação do efeito toxico após exposições prolongadas a doses cumulativas e estabelecimento de valor de NOAEL; Efeitos locais sobre a pele e olhos – avaliação de efeitos de irritação (lesão reversível) ou corrosão (irreversível se dura mais de 14 dias); Mutagénese e carcinogénese – testes mutagénicos podem ser usados para previsão de desenvolvimento de cancro, porem avaliam somente a manifestação do mesmo por mecanismos genotóxicos (acredita-se que mutação no DNA é evento inicial de carcinogenicidade) Toxicologia de reprodução e teratogénese – tem objetivo de avaliação de fertilidade, desempenho para reprodução, potencial teratogénico, toxicidade peri- e pós-natal e efeitos sobre sistema reprodutor; Sensibilização cutânea – necessidade quando há contacto repetido com pele; Ecotoxicidade – importante e obrigatória para todos os medicamentos pois é preciso avaliação de efeitos a nível terrestre e aquático (mesmo que não sejam o alvo); Toxicidade neurológica – avaliação das alterações adversas na química, estrutura ou função do sistema nervoso (central ou periférico), após uma exposição a um agente químico/físico (sistema nervoso é muito sensível a exposições químicas) -> deve haver avaliação em animais adultos, juvenis e em período perinatal (normalmente este tipo de toxicidade surge numa idade mais inferior e depois a partir dos 50 anos); Toxicidade imunológica – avaliação de alteração de desenvolvimento ou função de sistema imunitário e das possíveis sensibilizações/autoimunidades ou imunossupressão, que decorrem daí. NOTAS: todos os testes têm de possuir grupo controlo (não exposto a agente toxico), podendo ser importante fazer um adicional para a solubilidade (via oral) se houver solubilidade de composto em água não há necessidade de se fazer controlo propositado em relação a esta (solvente nunca leva a toxicidade), porem se o mesmo for insolúvel, usa-se solvente na sua concentração mínima possível e faz-se controlo em relação ao mesmo (para verificar-se se toxicidade se poderá dever ao solvente). Existem dois princípios que descrevem os testes de toxicidade/experimentação animal ou in vitro: Ƞ Os efeitos produzidos por uma substância num animal em laboratório, esses resultados devem ser transpostos para uma experimentação humana – deve-se ter sempre isto como objetivo. 34 Ƞ Outro objetivo é que a exposição dos animais é necessária e válida para descobrirmos possíveis danos. ʓ Testes de toxicocinética: Têm como principal objetivo avaliar e conhecer o comportamento toxicocinético (ADME) do agente tóxico: Informações sobre ADME – absorção, distribuição, metabolismo e excreção. Caracterização dos produtos de biotransformação – muitas vezes não é a molécula mãe que origina a toxicidade da substância, mas sim os seus metabolitos e por isso é importante avaliar quais são e caracterizá-los. Variações de acordo com a espécie animal – o processo de metabolismo não é igual entre todas as espécies, sendo importante ter atenção a isso - escolhemos espécies mais sensíveis e que mais se assemelham à metabolização do corpo humano (parte enzimática). Interferências nos sistemas enzimáticos P450. Diferenças e semelhanças na extrapolação para o homem. ʓ Testes de toxicidade aguda: “Efeitos que ocorrem dentro de período curto, após a administração de uma dose única ou doses múltiplas, dentro de 24h” – Expor o organismo ao composto que estamos a estudar. Correspondem à avaliação de efeitos que ocorrem dentro de curto período, após administração de elevada dose única (permite determinar potencia de composto e é mais usado que doses múltiplas) ou elevadas doses múltiplas (avaliam-se efeitos cumulativos) dentro de 24 horas (se teste for ambiental, normalmente perlongam-se até 48 horas e podem ir até às 72). os testes agudos na parte ambiental podem ser estendidos até 72h (normalmente 48h). Dose única - permite fazer a determinação da potência da substância. As doses múltiplas têm o objetivo de avaliar os efeitos cumulativos. Uma ou duas vias de administração: oral (principal via), dérmica e inalatória. Em uma ou duas espécies. Determina a classe toxicológica e as precauções no rótulo. Caracteriza a relação dose/resposta e o cálculo do DL50 ou CL50 – as doses administradas são muito elevadas. 35 Fornece informação sobre tecidos e órgãos alvo, reversibilidade do efeito (se depois da exposição houve reversibilidade - normalmente avalia-se até 1 semana) e mecanismo de ação. Fornecer dados sobre os efeitos: início, natureza e duração da reversibilidade. Permite delinear estudos posteriores (escolha das doses). O parâmetro medido é a mortalidade porque o que queremos é prever o intervalo de doses que vamos utilizar na etapa seguinte dos testes de toxicidade crónica. O que é hoje indicado é utilização de diferentes espécies/linhagens e de que ambosos sexos devem ser utilizados nos testes. Testes de toxicidade aguda oral - teste da dose fixa Utilizamos 3 doses fixas específicas, cerca de 10 roedores (5 machos e 5 fêmeas) e um intervalo de observação de 14 dias. É feito por etapas em que administramos diferentes doses: Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3 Dose oral de 500 mg/Kg. (1ª dose) Dose oral de 50 mg/Kg. (2ª dose) Dose oral de 5 mg/Kg. Sem toxicidade = substância não é classificada em nenhuma categoria. Se houver toxicidade sem morte = classificada como substância nociva. Se houver morte, novo teste. Se houver toxicidade sem morte = classificar como tóxica. Se houver morte, novo teste. Se houver toxicidade e /ou morte = a substância é classificada como muito tóxica. Classificação de toxicidade da EU, baseados em valores de DL50 (via oral, ratos): Categoria Dose do composto que produzem sinais de toxicidade sem morte em mg/Kg DL50 para ratos (mg/Kg de massa corporal) Muito tóxico 5 <25 Tóxico 50 De 25 a 200 Nocivo 500 De 200 a 2000 36 Comparação OECD 420, 423 E 425: comparação de 3 testes de toxicidade oral FDP – Dose fixa (OECD 420) ATC – Clássico (OECD 423) UDP – Up and Down (OECD 425) Metodologia Dose única em bólus. Ratos adultos jovens (um sexo). Gavagem oral com volume ou concentração constantes, observações clínicas, peso corporal e mortalidade durante 14 dias. Necropsia no final. Dose única em bólus. Ratos adultos jovens (um sexo). Gavagem oral com volume ou concentração constantes, observações clínicas, peso corporal e mortalidade durante 14 dias. Necropsia no final. Dose única em bólus. Ratos adultos jovens (um sexo). Gavagem oral com volume ou concentração constantes, observações clínicas, peso corporal e mortalidade durante 14 dias. Necropsia no final. Níveis de dose Doses fixas de 5, 50, 300, 2000 e 5000 mg/kg em 5 ratos para cada dose Doses fixas de 5, 50, 300, 2000 e 5000 mg/kg em 3 ratos para cada dose Começar no melhor valor de LD50 estimado (ou 175 mg/kg) e usar um aumento progressivo de dose de fator 3,2 em doses únicas até um do três critérios de paragem AIM (Objetivos) Identificar as doses fixas mais baixas com toxicidade evidente Identificar as doses fixas mais baixas que causam mortalidade Estimativa dos resultados para obter o LD50 Resultados Intervalo estimado de LD50. Sinal de toxicidade aguda. Órgão(s) alvo. Intervalo estimado de LD50. Sinal de toxicidade aguda. Órgão(s) alvo. Estimativa pontual do LD50 com intervalos de confiança Sinal de toxicidade aguda Órgão(s) alvo OECD = Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico A diferença está no objetivo de cada um deles e na utilização do número de ratos por dose. ʓ Testes de toxicidade subaguda: Fornecer informação sobre a toxicidade dos agentes em administrações repetidas e estabelecer a dose para os testes seguintes. Pouco utilizados, que dão indicação do que vamos utilizar nos testes crónicos/subcrónicos. Protocolo: 1. Selecionar usualmente 3-4 doses e administrá-la na alimentação durante 14 dias. 2. Monitorizar e analisar tal como na toxicidade aguda. 37 ʓ Testes de toxicidade subcrónica: Fazem-se exposições repetidas de 21 a 90 dias em roedores e de 1 ano para animais de maior porte. O teste deve ser feito em pelo menos 2 espécies de animais (ambos os sexos), sendo um não roedor, usando pelo menos 3 doses - elevada (causa toxicidade, mas letalidade inferior a 10%), baixa (não causa efeitos tóxicos), moderada (entre elevada e baixa). Usar um grupo controlo*. Reversibilidade do efeito pós-tratamento. Observação dos animais face a qualquer sinal de toxicidade (alterações do comportamento ou fisiológicas). Fazer avaliações bioquímicas, hematológicas, histológicas e análises químicas. Permite: Caracterizar a relação dose-resposta após administração repetida. Estabelecer o NOAEL e o LOAEL. Identificar os órgãos afetados e severidade dos danos após exposições repetidas. *Todos os testes de toxicidade têm de ter um grupo controlo – grupo de espécies que estamos a utilizar e que não está exposta ao nosso composto, podendo ainda ter outros grupos controlo em caso de se administrar por via oral porque temos de verificar a solubilidade: − Se o nosso composto não for solúvel em água, temos de utilizar um solvente na mínima quantidade possível e fazer um controlo do solvente que estamos a utilizar para garantir que este não é responsável pelo resultado da toxicidade; − Se o composto for solúvel em água usa-se o mesmo controlo (não se faz um controlo específico só com água porque os animais já bebem água normalmente). Nestes testes é possível ter uma relação dose-resposta, dá-nos alguma informação sobre a exposição crónica, no entanto não avalia o potencial carcinogénico, mutagénico ou embrio- fetotoxicidade do composto - só o crónico é que dá indicação destes potenciais. Durante todo este tempo, tem de se fazer diariamente o registo de verificar se o que aconteceu relativamente ao consumo da ração, o peso do animal, a cor e a textura do pelo, se há alterações respiratórias e circulatórias, alterações motoras ou de comportamento… tem que se ver tudo de 38 forma a obter os melhores resultados possíveis. No final do teste, o animal é sacrificado e aberto para avaliar cada um dos órgãos com estudos histológicos, análise química… ʓ Testes de toxicidade crónica: Determina o efeito tóxico após exposições prolongadas a doses cumulativas e o NOAEL: Período ou ciclo de vida normal do animal, isto é, duração superior a 90 dias (com roedores pode ir de 6 a 24 meses e em não roedores até 12 meses). Realizam-se em 2 espécies e em ambos os sexos: 50 animais por dose e sexo; pelo menos 3 doses. Estudos de carcinogenicidade durante esse tempo de vida, são frequentemente incorporados – uma avaliação de testes de carcinogenicidade pode demorar 5 anos. Avaliações rigorosas dos animais e análise da patologia por microscopia em todos os indivíduos. Identifica os órgãos alvo e a possibilidade de reversibilidade dos efeitos; são efeitos cumulativos ou retardados. Estes testes apresentam a dificuldade de serem testes longos que sofrem a influência de variáveis críticas como a escolha da espécie animal e a dose (tem que se escolher bem a dose para não haver mortes). Dose Máxima Tolerada (MTD): a dose mais elevada usada em estudos crónicos. O Programa Nacional de Toxicologia define MTD como a dose que não provoca no animal uma perda de peso superior a 10% e não induz mortalidade ou sinais clínicos de toxicidade nos estudos subcrónicos. Nos testes crônicos são usadas, normalmente, 3 doses (MTD; MTD/2; MTD/4) e grupo de controlo. Durante o processo de descoberta e desenvolvimento de fármacos, os estudos de toxicidade iniciais são feitos em animais de experimentação e visam determinar a dose máxima tolerada (MTD) – esta dose é aquela que normalmente é usada nos ensaios clínicos de fase 1, mas para muitos autores esta dose é bastante errada e pode levar a riscos de toxicidade!! NOTAS: estes testes longos tendem a sofrer dificuldades de execução devido a sofrerem influencia de variáveis críticas (escolha de espécie animal e de dose, esta deve ser bem escolhida (nos testes anteriores) para não haver mortes). 39 ʓ Teste de reprodução e do desenvolvimento: Para a realização destes testes coloca-se o macho exposto ao agente e depois reproduz-se com a fêmea (ou vice-versa), ou colocam-se ambos expostos ao agente, fazendo-se posteriormente o estudo dos efeitos adversos: antes da conceção. durante o desenvolvimento perinatal. durante o desenvolvimento pós-natal. Teratogénese - estudo das alterações que ocorrementre a conceção e o nascimento: Alcoolismo por ingestão de etanol – os bebés nascem com síndrome alcoólico. Toxicologia da reprodução: estudo de efeitos adversos que ocorrem nos sistemas reprodutor masculino e feminino devido à exposição ao AT (agente tóxico): Fêmeas expostas a TBT (tributilestanho - composto que faz parte de uma tinta anti- incrustante, normalmente usada nos navios) desenvolvem características masculinas. Faz-se uma bateria de ensaios sobre os diferentes segmentos do ciclo reprodutivo como: 1. Estudo da fertilidade. 2. Potencial teratogénico. 3. Toxicologia perinatal. Estes estudos são realizados com o objetivo de: avaliar a fertilidade; desempenho para reprodução; potencial teratogénico; toxicidade peri e pós-natal; efeitos sobre o sistema reprodutor. ʓ Teste de mutagenicidade: Mutagénese: modificação no material genético das células podendo levar ao desenvolvimento de anormalidades e à morte. Testar agentes capazes de alterar as características hereditárias - muitas destas anomalias genéricas vão ser herdadas pelos seus descendentes, sendo uma das preocupações que se têm, porque as doenças prolongam-se em várias gerações. O evento inicial acredita-se ser uma mutação de DNA (evento inicial da carcinogénese química). A mutação dá-se em células germinais e células somáticas. 40 Os testes para mutagenicidade realizam-se com: sistemas de células procarióticas – teste de Ames, ensaio mediado pelo hospedeiro e ensaio de coliforme. sistemas de células eucarióticas – métodos in vitro (ensaio de mutação direta de Saccharomyces) ou sistemas de teste em linhas celulares (dano/reparo de DNA, mutações diferentes em células de hamster chines, ensaio de células de linfoma, aberrações cromossómicas) e in vivo (teste de micronúcleos -> uso de roedores de apenas um sexo e preferencialmente machos; ensaio letal dominante e ensaio de cometa). Testes com sistema de células procarióticas a) Teste de Ames b) Ensaio mediado pelo hospedeiro c) Ensaio de coliformes Teste de Ames Teste de Salmonella ou Ensaio de Microssoma ou Ensaio de reversão de mutação em Salmonella typhimurium. ¤ É um ensaio de mutagénese de curto termo e é indicada a utilização da dose máxima tolerada (MTD). ¤ A bactéria usada no teste é uma estirpe de S. typhimurium com mutações pré-existentes no operão responsável pela síntese de histidina (His). o Isto deixa a bactéria impossibilitada de sintetizar esse aminoácido essencial, não havendo o seu crescimento nem a formação de colónias (número de colónias, após exposição a várias estirpes a uma gama de concentrações de composto em questão, está diretamente relacionado com o seu potencial mutagénico) –> função do gene pode ser restaurada permitindo que células passem a sintetizar aminoácido. Procedimento: 1. Quando expostas a uma substância que possa induzir mutações no operão responsável pela síntese da histidina, ou na sua proximidade, a função do gene pode ser restaurada, permitindo que as células passem a sintetizar esse aminoácido. 2. As bactérias conseguem crescer e formar colónias na ausência da histidina. 41 3. O número de colónias formadas após a exposição das várias estirpes bacterianas a uma gama de concentrações do composto em estudo estará diretamente relacionado com o seu potencial mutagénico. Extrato hepático S9 – muitas vezes não é a molécula mãe responsável pela toxicidade e sim o seu metabolito, e ao usarmos extratos de fígado estamos a permitir que algum composto seja metabolizado e assim verificar o efeito do derivado. Existem dois tubos onde experimento ocorre: Experimental: adição de amostra, suspeita de ser mutagénica, e estirpe, juntamente com extrato hepático de rato (faz-se extração a nível do fígado já que pode ser o metabolito que causa toxicidade e não o composto inicial) → colocação num meio sem histidina (ou em níveis residuais) e incubação por 48 horas a 37ºC (se se obter grande número de revertentes induzidos (em relação a controlo negativo), ou seja, passam de His negativos para His positivos, indica a presença de mutagénico (resultado positivo). Controlo (negativo): execução é igual apenas não se adicionando amostra com mutagenio suspeito (obtém-se pequena quantidade de revertentes espontâneos. Teste com sistema de células eucarióticas Métodos in vitro Ensaio de mutação direta de Saccharomyces. Sistemas de teste em linhas celulares: 1. Dano / reparo de DNA. 2. Mutações diretas em células de hamster chinês. 3. Ensaio de células de linfoma. 4. Aberrações cromossómicas. Métodos in vivo Teste de micronúcleos (fundamental a utilização de roedores, apenas um sexo, preferencialmente machos) – mais utilizado. Ensaio letal dominante. Ensaio de cometa. 42 ʓ Testes de carcinogenicidade: Os testes mutagénicos podem ser utilizados para prever o desenvolvimento de cancro. Porém eles avaliam somente a manifestação de cancro por mecanismos genotóxicos. Outras substâncias causam cancro por mecanismos não genotóxicos. Teste de carcinogénese: Usar a maior dose tolerada (MDT). Realizar em caso de exposição a longo prazo (muitas vezes vão até aos 5 anos para se ter ideia do que acontece em termos genéticos). Teste padrão deste tipo tem as seguintes características: 2 espécies de ambos os sexos, 50 animais por dose e exposição próxima do seu tempo de vida, escolha criteriosa de animais, do número e nível de doses e dos detalhes histopatológicos. ʓ Testes de neurotoxidade: Avaliação das alterações adversas na química, estrutura ou função do sistema nervoso (central ou periférico), após uma exposição a um agente químico ou físico. O sistema nervoso em crescimento é muito sensível a exposições químicas. Devem avaliar-se animais adultos e também juvenis ou em período perinatal. ʓ Testes de Imunotoxicidade: Alguns xenobióticos podem alterar o desenvolvimento ou a função do sistema imunitário originando a sensibilização ou autoimunidade ou imunossupressão. ʓ Testes sobre a pele e os olhos – três tipos de testes de irritação: a) Irritação local ou aguda (resposta reversível ou local após exposição única). b) Irritação cumulativa (resposta dérmica de exposição repetida). c) Irritação induzida fotoquimicamente (luz induzindo modificações moleculares na pele). Avaliação dos efeitos sobre a pele e os olhos (realizado normalmente em coelhos albinos por serem mais sensíveis): Irritação quase sempre reversível. Corrosão é irreversível. 43 Teste de Draize (1944) Avaliam-se parâmetros como: Pele: eritema, escara, edema e corrosão. Olhos: alterações da conjuntiva, córnea, íris e cristalino. Irritação reversível ou não reversível (permanece por mais de 14 dias). ʓ Testes de sensibilidade cutânea: Necessário quando houver contacto repetido com a pele. Realizado em animais de escolha entre coelho (albino) ou cobaias. O teste é feito como: I. Tratamento com doses repetidas da substância, com ou sem adjuvante, por duas semanas. II. Após duas a três semanas da última exposição, os animais são submetidos a uma dose não irritante e o aparecimento de edema é monitorizado. Tipos de teste: I. Com uso de adjuvante completo de Freund (ACF) = imunopotenciador ou facilitador da sensibilização. II. Sem uso de adjuvante (para avaliar a intensidade da resposta após teste com adjuvante). NOTAS: é necessário ter-se atenção a interpretação de dados (presença de impurezas frequentemente pode dar resultados positivos). ʓ Estudos de ecotoxicidade: Estuda e avalia os efeitos tóxicos no ecossistema e seus componentes – tudo o que é produzido e ingerido, tem sempre organismos para os quais são alvo (mesmo que não nos faça mal a nós, pode parar nos marese fazer mal aos animais aquáticos). são testes específicos que são feitos com organismos em que muitos deles são representativos do meio ambiente, alguns deles são chamados de modelos ecotoxicológicos. Fatores para avaliar o risco ambiental de uma substância: Efeitos químicos (oxidação, impurezas, forma física...). 44 Potencial de biodegradação. Testes de toxicidade aguda (micro-organismos, plantas superiores como algas, peixes, invertebrados como a Daphnia magna, pássaros, mamíferos). Testes de toxicidade crónica (espécies de peixes, cadeia alimentar de invertebrados e mamíferos mais significativos). Peixes referentes são de água doce (os de água salgada possuem diferentes protocolos), nomeadamente a truta (possui grande porte) na qual se avalia principalmente a lipofilia e biotransformação. Bioacumulação. Eutrofização (excesso de nutrientes em águas naturais). Avaliação do solo, lodo e sedimentos. Efeitos físicos (radiação). Realizar monitoração Biológica: espessura da casca de ovos de pássaros, efeitos negativos na reprodução, morte de abelhas (pesticidas); uso de líquenes para monitorizar a poluição por SO2… na morte das abelhas a meteorologia pode trazer Pesticidas que contaminam as flores levando à morte (os Pesticidas não precisam de ser colocados no local para causar a morte). Realizar monitoração Química: análise química das amostras ambientais (distribuição, transformação, localização e acumulação) dos AQ; amostragem; escolha da técnica; análise. ʓ Finalidade dos testes toxicológicos: Fornecer dados que possam ser utilizados para a avaliação do risco do uso do agente tóxico para o homem – se estes testes não forem validados não os podemos utilizar na avaliação de risco, sendo necessário voltar tudo para trás e fazer mais testes e que nos deem melhores resultados. Dão-nos indicações de parâmetros muito importantes para utilizar na avaliação de risco como o NOAEL e permitem extrapolar os dados para o homem, sendo este um dos parâmetros mais críticos. Os fatores de segurança variam de 1 a 5000 dependendo: Ƞ Do agente tóxico. Ƞ Do tipo e tamanho da população exposta. Ƞ Quantidade e qualidade das informações. 45 Avaliação de risco Depende dos riscos, perigos e segurança. O quadro abaixo representa a avaliação, gestão do risco e a dinâmica que existe: Pesquisa: toda a pesquisa que existe em toxicologia e todos os ensaios, são a base científica mais importante e que nos vai permitir fazer a avaliação de risco (do que podemos garantir de risco/benefício da exposição a um determinado composto. • Se os dados de pesquisa não forem bons, ou seja, se a incerteza dos dados for elevada, volta tudo para trás, sendo necessário realizar novamente investigações, ensaios, até ficar corretamente validado. Dentro da avaliação do risco temos 4 etapas principais: identificar o perigo, avaliação da dose- resposta, avaliação da exposição da população e após termos estes 3 dados, faz-se a caracterização do risco. Gestão do risco: identificação de Hazard (procura-se se agente toxico leva a efeitos adversos, efetua-se a analise estrutura-atividade, testes in vitro, ensaios animais e epidemiológicos), gestão da relação dose-resposta (verifica-se através de suscetibilidade perante composto → idade, interação gene-ambiente) e gestão de exposição (quais os tipos, níveis e duração de exposição são experienciados ou antecipados) → permite uma caracterização de risco (determinação de natureza e incidência de efeitos adversos numa dada população, de robustez da evidencia, do nível de certeza de avaliação, de possibilidade de caracterização de populações suscetíveis e de presença de mecanismo de ação relevante). 46 Definições: Perigo (Hazard): Capacidade da substância causar um efeito adverso, isto é, é o potencial nocivo do agente para a saúde humana e/ou saúde ambiental. Indica o quão tóxico o composto é. Risco (Risk): Probabilidade de ocorrência de efeitos adversos para a saúde (humana e ambiental) e da sua gravidade sob condições específicas de exposição a um agente tóxico. É definido pelo perigo intrínseco e a exposição (o primeiro não ocorre sem acontecer o segundo). Segurança: probabilidade de não ocorrência de um acontecimento indesejado. Avaliação de risco: desenvolvimento de opções regulatórias (controlar, substituir e informar) e avaliação de fatores socais, económicos, políticos e de saúde (para aplicação de opções de avaliação). Daqui advém várias decisões e ações políticas (tal como a nível da caracterização de risco). ʓ Objetivos da avaliação de risco Proteção da saúde humana e ecológica (principal objetivo); Priorização de necessidades de ensaio; Equilíbrio entre relação risco-benefício – principalmente para medicamentos e pesticidas; Estabelecimento de níveis alvo de risco – principalmente para contaminantes alimentares e poluentes aquáticos; 47 Priorização de atividades programas – agências regulamentares, indústrias, organizações relacionadas com o ambiente ou consumidor; Informação de alternativas clínicas, de química verde e analises de ciclo de vida; Estimação de riscos residuais e grau de redução de risco (após ações para a sua diminuição terem sido postas em prática); A gestão de risco pode ser feita através dos seguintes passos: I. Identificação do risco; II. Avaliação de risco; III. Definição de formas de diminuição de risco (colocar avaliação de risco em prática); IV. Tomada de decisão para com diferentes formas: interligação entre avaliação (baseada na ciência), gestão (baseada nas medidas políticas e governamentais) e comunicação (troca de informação interativa de informação e opiniões sobre riscos problemáticos) de risco para a melhor tomada de decisão; V. Implementação de ações; VI. Avaliação de efeito de ações: verifica-se se está a ocorrer diminuição de risco. NOTAS: pontos I a II são executados por toxicologistas, mas os restantes ficam a cabo de entidades governamentais (ou não), segundo o “livro vermelho”. Resumindo: Em relação à gestão do risco, a primeira questão é sempre qual é o problema que vamos avaliar, fazer a avaliação do risco e análise propriamente dita, como vamos definir o risco, a tomada de decisão relativamente a essas opções (estão incluídos os organismos interessados como o governo), as ações implementadas (verificar se também estão a ter resultados em termos de redução do risco), fazer a avaliação do efeito que as ações colocadas em prática tiveram. ➢ Esta gestão de risco engloba fundamente a formulação do problema e depois envolver proativamente todos os elementos intervenientes em cada uma destas secções. ➢ É sempre feito por diferentes pessoas que estão todas ligadas entre si ativamente. A tomada de decisão é sempre feita com base na avaliação do risco, composta por 3 elementos: I. Avaliação do risco. II. Gestão do risco. III. Comunicação do risco. Uma boa avaliação, gestão e comunicação serão o forte para que se tente que a decisão seja no sen do de reduzir o risco e aumentar a segurança para a substância em causa 48 1. Identificação do perigo ❖ Possui vários objetivos: Identificar substâncias que podem ser perigo para saúde; Descrever formas especificas de toxicidade que podem causar perigo (neurotoxicidade, por exemplo) e identificar condições sob as quais estas formas podem ser expressas nas populações expostas; Estabelecer relação de causalidade entre composto e seus efeitos indesejáveis (avaliação de toxicidade) – principal objetivo. ❖ Existem várias formas de identificação: 1) Relação estrutura atividade (REA): usada para avaliar misturas complexas; 2) Testes in vitro e de curta duração: validação e aplicação é importante pois são rápidos e baratos (em comparação comos de longa duração) e podem dar informação pertinente relativamente ao mecanismo de ação; 3) Bioensaios com animais: etapa chave do processo de identificação do perigo; 4) Uso de dados epidemiológicos: informação mais conveniente para avaliar risco humano. Relação estrutura-atividade (REA) Limitada se se analisar apenas uma resposta biológica; Simulação de ensaios biológicos através de estudos computorizados: modelagem molecular 3D (usando mapeamento farmacóforo) que permite desenhar moléculas que “encaixam” nos recetores pretendidos, bem como a química combinatória. Testes in vitro e de curta duração Ensaios de mutação bacteriana in vitro; Ensaios de hepatotoxicidade; Ensaios de avaliação de desenvolvimento, reprodução e neurotoxicidade. Bioensaios com animais Estabelecimento de relação causa-efeito no animal e desenvolvimento de resultados em menos de 3 anos (normalmente); Muitas vezes é usado teste carcinogénico para estabelecer curva dose-resposta: baeia-se no facto de todos os carcinogénicos humanos que foram testados em animais produzem resultados positivos em pelo menos um modelo. Este teste possui alguns problemas (deve-se conjugar 49 informações obtidas com resultados de testes in vitro e de curto termo e com resultados de outros testes): Número pequeno de doses avaliadas; Uso de doses elevadas e dificuldade de extrapolação para as mais baixas; Uso de dados epidemiológicos É possível observar uma associação entre exposição e doença, sendo um ensaio epidemiológico bem conduzido a informação mais conveniente para avaliar risco humano. Podem fazer-se vários tipos de estudo e cada um deles tem vantagens e desvantagens e há limitações importantes em todos. Atributos metodológicos Tipo de estudo Corte Caso-controlo Transversais Classificação inicial Exposição-ausência de exposição Doença-ausência de doença Exposição-ausência de exposição ou doença- ausência de doença Sequencia temporal Prospetivo Retrospetivo Presente Composição de amostra Indivíduos sãos Casos (doentes) e controlos (sãos) Sobreviventes Comparação Proporção de sujeito exposto, com a doença Proporção de sujeito doente, com a exposição Proporção de sujeito exposto com a doença ou de doente com a exposição Taxas Incidência Fracionável (%) Prevalência Índice de risco Risco relativo-risco atribuível Probabilidades relativas Prevalência Vantagens -Falta de parcialidade na exposição -Presença de taxas de incidência e de risco -Barato -Pequeno número de sujeitos requeridos -Resultados rápidos -Adequados a doenças raras -Ausência de atrito Resultados rápidos Desvantagens -Grande número de sujeitos requeridos -Extenso follow-up -Atritos -Mudança no tempo de critérios e métodos -Custo -Inadequado para doenças raras -Informação incompleta -Parcialidade tendenciosa -Problemas na seleção de controlo e da correspondência -Taxas de risco relativo (apenas) -Incapacidade de estabelecer causalidade -População de sobreviventes -Incapacidade de estabelecer causalidade (consequências antecedentes) -População de sobreviventes -Inadequado para doenças raras 50 Em testes feitos retrospetivamente é mais difícil estabelecer a causalidade devido à ausência de ambientes controlados, dificuldade de avaliação de exposições passadas e diversidade do nível de formação. Existem 3 tipos de estudos principais: Ɣ Transversais – avaliam grupos de pessoas para identificar fatores de risco (não dão uma relação causa-efeito). Ɣ Corte – avaliam indivíduos selecionados com base na sua exposição a determinado agente tóxico em estudo (estudos retrospetivos que fazem a monitorização em função do tempo indivíduos inicialmente sãos para determinar a velocidade com que desenvolvem determinada doença). Ɣ Caso controlo – compara-se historicamente a exposição de 2 grupos, isto é, os doentes são selecionados de acordo com o estado da doença (indivíduos doentes e sãos), sendo estudos retrospetivos. Todos têm vantagens e desvantagens, mas o importante é que sejam bem feitos para darem robustez à análise científica e garantir segurança. 2. Avaliação da dose-resposta Constitui base fundamental para relação quantitativa entre exposição a substância e a incidência de efeito adverso: avaliação da dose-resposta serve para integração de aspetos quantitativos da avaliação de risco. Possui vários objetivos: Estabelecer relação dose-resposta para cada efeito critico; Identificar espécies mais sensíveis; Caracterizar mecanismos de ação para efeitos críticos; Extrapolação intra- e/ou inter-especies. Da dose resposta obtemos parâmetros para: Saúde humana Ambiente NOAEL LOAEL DL50 e CL50 Capacidade intrínseca da substância PNEC (concentração previsível sem efeito no ambiente) 51 Pode ser feita através de abordagens: I. Com valores limite: identificação de NOAEL ou LOAEL; II. Sem valores limite: relacionadas com hipóteses/modelos (estatísticos/de distribuição probabilística ou baseados em mecanismos) de extrapolação de relação dose-resposta abaixo de dados biologicamente observados (abaixo de ponto de partida). Aceita-se risco que se encontra numa proporção de 1:1000000 (uma pessoa contrai cancro por exemplo) pelo que o cálculo da dose-resposta desce para valores mais baixos na casa dos 10-3 ou 10-4 o que torna abordagem mais complexa que a que possui valores limite). Abordagens com valor limite O valor de NOAEL não deve ser interpretado como ausência de risco, mas sim como valor que origina resposta estatisticamente não significativa – este parâmetro tem servindo de base para os cálculos de avaliação de tisco tais como os valores de: Dose/concentração de referência (RfD/RfC) – exposição diária a agente que se considera não induzir efeitos adversos numa população (usa-se muito para pesticidas) → a EPA denomina este parâmetro como “dose oral máxima aceitável para substância toxica”, ou seja, nível de exposição química acima do qual Homem não deve ser exposto (DNEL). Ingestão diária aceitável (ADI) – quantidade de composto que pode ser ingerida diariamente durante toda a vida do individuo, e que aparentemente não induz risco considerável. Ingestão diária tolerável (TDI) – ingestão de compostos que não são “aceitáveis”, mas ainda são toleráveis por estarem abaixo de níveis conhecidos por causar efeitos adversos (para contaminantes e outros agentes tóxicos, não são usados intencionalmente). Doses de referência/ingestão diária aceitável/ingestão diária tolerável, são obtidos a partir do NOAEL, considerando fatores de incerteza (UF) e/ou fatores modificadores (MF) UF – fator de incerteza, devido a variabilidade dinâmica e cinética humana e animal (variações intra- e interespecies), estudo inferior à exposição cronica, uso de outro ponto de partida (POD) que não o NOAEL como o LOAEL ou dose terapêutica. Normalmente atribui-se valor de 10 para cada fator, mas como os mais importantes são a variabilidade entre e dentro das espécies, o seu valor final costuma ser 100. Como não se utilizam 52 testes crónicos (mais adequado para a variação de risco), temos que u lizar um fator de 10 por estarmos a u lizar outro teste. MF – fator de modificação. Podem ser usados para ajustar UFs, podendo variar entre 0 e 10 para cada um. Exemplo de como se determina a dose de referência a partir de um estudo subcrónico em animais que só conseguimos obter o LOAEL de 50 mg/kg/dia: Uma vez que há variabilidade no que diz respeito à cinética de espécies para espécies e dentro do próprio ser humano, também são dados mais fatores de incerteza - vamos sempre acrescentado àmedida que forem necessários. Quantos mais fatores de incerteza vermos, maior vai ser a segurança destes compostos – maior segurança existe em relação à exposição (pode haver casos em que não se usam fatores de incerteza devido a inadequação). Determinação de margens de exposição (MOE) e NOAEL: Geralmente não há nenhum fator (UF) incluído neste cálculo. Valores de MOE inferiores a 100 têm sido usados por agências reguladoras como sinalizadores para exigir mais avaliação de risco. Limitações da abordagem NOAEL: Deve ser uma das doses testadas - normalmente não é uma dose que tenha sido testada, mas sim uma dose obtida pela curva dose-resposta. Uma vez identificado, o resto da curva é ignorada - devemos analisar a curva ao máximo porque dão nos muitas informações importantes. 53 Como alternativa à abordagem NOAEL, tem sido utilizado o método da dose padrão (BMD – benchmark dose): ➢ A dose é modelada estatisticamente, sendo interpolada uma dose esmada que corresponde a um nível de resposta específico/padrão – corresponde a benchmark response (BMR). A BMR é geralmente especificada em 1, 5 ou 10%. BMDx (x é a % de BMR) é usada como alternativa ao NOAEL. − Exemplo: a dose que causou um aumento de 10% na incidência de tumores, usa-se “BMD10” ao invés de NOAEL na equação de calculo de RfD. É usado pela ASAE e possui várias vantagens: Possibilidade de ter em consideração toda a curva dose-resposta; Inclusão da medida de variabilidade (intervalo de confiança); Uso de nível de BMR consistente para cálculos de RfD. Abordagens sem valor limite Curva de A e D mostram algumas hipóteses de extrapolação da relação dose-resposta abaixo dos dados biologicamente observados. Métodos para extrapolação: Modelos estatísticos (ou modelos de distribuição probabilística); Modelos baseados em mecanismos. E: NOAEL (ponto de partida) – pode extrapolar-se retas/curvas a partir daqui de forma a se obter efeito abaixo de limite de segurança (extrapolado, já que não pode ser obtido experimentalmente), o que dá ideia de relação dose-resposta. F: LOAEL (primeiro ponto estatisticamente significativo, que juntamente com G, H e I já são obtidos experimentalmente). A, B, C e D: não fazem parte da abordagem com valor limite (são hipóteses de extrapolação de relação dose- resposta, numa abordagem sem valor limite). 54 3. Avaliação da exposição Sendo o perigo um elemento-chave no processo de avaliação de risco, não acontece se não houver exposição (quanto maior a exposição, maior é o risco). A exposição permite determinar a fonte, o tipo, a magnitude e a duração do contacto com a substância em causa. Os dados de exposição são frequentemente considerados como a maior área de incerteza no processo de avaliação de risco. Possui vários objetivos: Estimar que quantidade e por quanto tempo podem indivíduos estar em contacto com toxico, determinando-se também o tipo e quantidade de exposição (consoante tipo de compostos ou efeito, duração de exposição pode ser toda a vida do individuo); Determinar magnitude da exposição; Determinar quantidade de exposição e de atingimento de tecidos-alvo; Examinar população exposta (pessoas ou ecossistemas) e avaliar fontes de exposição (se houver mais que uma fonte/via, faz-se quantificação isolada de cada uma, avaliando-se exposição total); Quando mais do que uma via pode estar envolvida, quantificar cada uma isoladamente e avaliar depois a exposição total; Consoante o tipo de compostos (ou efeito) para a duração de exposição pode ser considerada toda a vida do indivíduo. Existem vários desafios associados: Não é possível medir tudo em todo o lado; Há parâmetros que atualmente ainda não se podem medir devido a custo e/ou logística; Há dificuldade em avaliar cenários em que não há presença de individuo devido a ocorrerem noutro lugar, no passado ou no futuro. 4. Caracterização de risco Quando chegamos a este ponto, significa que já temos toda a informação relativamente a: − Identificação do perigo; − Avaliação da dose- resposta; − Avaliação da exposição. 55 Assim, a caracterização do risco vai-nos dar informação sobre a potência da substância química em estudo, exposição e suscetibilidade. Vamos fazer uma estimativa qualitativa e/ou quantitativa da incidência e gravidade dos efeitos adversos prováveis numa população humana ou num ecossistema, devido à exposição real ou prevista para a substância. Pressupõe a integração de todos os dados recolhidos nas etapas anteriores para desenvolver uma estimativa qualitativa ou quantitativa da probabilidade de algum dos perigos associados à substância se produzir nos indivíduos expostos. Pretende acabar com a avaliação subjetiva dos riscos potenciais de uma exposição. Possui vários objetivos: Considerar natureza, incidência estimada e reversibilidade dos efeitos adversos numa população; Tentar avaliar robustez de evidencia, incerteza da avaliação, suscetibilidade/exposição/ potencia de composto e presença ou ausência de mecanismo de ação relevante. Todos os dados são compilados num programa e o resultado resulta no valor de risco maior ou menor que 1. Coloca risco numa escala de 0 a 1 (não existe risco nulo). 5. Obtenção de fontes de informação Existem muitas bases de dados/in silico e vários sites que vão emitindo vários relatórios constantemente: o Toxicology Data Network from the National Library of Medicine (http://toxnet.nlm.nih.gov/). o PUBCHEM (HSDB) (https://pubchem.ncbi.nlm.nih.gov/). o World Health Organization (h p://who.int/). o National Toxicology Program of National Institute of Environmental Health Sciences (NIEHS). o National Toxicology Program (h p://ntp.niehs.nih.gov/). 6. Perceção do risco Os indivíduos respondem de formas diferentes às informações sobre situações e produtos perigosos. Compreender respostas comportamentais (individual e comunitária) é fundamental para estimular comunicação construtiva e avaliar opções potenciais de gestão de risco. 56 Depende do tipo de risco: Observáveis (controláveis ou não): conhecidos por aqueles que foram expostos ao mesmo, possuindo efeito imediato e sendo já conhecidos por parte da ciência (dependem da perceção por cada um dos indivíduos); Não observáveis (controláveis ou não): são em tudo diferentes dos observáveis (dependem do controlo por parte de autoridades reguladoras). NOTAS: os riscos controláveis não são temíveis, não constituem uma catástrofe global, as suas consequências não são fatais, possuem moralidade, não condicionam gerações futuras, são facilmente reduzidos e são voluntários. Intoxicação Conjunto de sinais e sintomas que evidenciam efeito nocivo produzido pela interação entre agente químico e organismo. Possui várias fases: 1. Exposição – fase em que superfícies externa ou interna do organismo entram em contacto com toxico. É importante considerar nesta fase a via de introdução, frequência, duração de exposição, propriedades físico-químicas, assim como a dose ou a concentração de xenobiótico e suscetibilidade individual. A fase de exposição é a fase em que temos o contacto entre superfície externa e interna do organismo com o agente tóxico – é importante a suscetibilidade individual e é a fase em que temos completamente a disponibilidade química do agente tóxico. 2. Toxicocinética – inclui todos os processos envolvidos na relação entre a disponibilidade química e a concentração do agente nos diferentes tecidos do organismo. Intervém nesta fase processo ADME e ainda o armazenamento e transporte de toxico, pelo que as propriedades físico-químicas dos tóxicos determinam grau de acesso a órgãos-alvo, assim como a velocidade de eliminação do organismo. A fase de toxicocinética e toxicodinâmica estão mais relacionadas com a biodisponibilidade epermitem estudar o movimento do agente tóxico no organismo, e por isso mesmo, esse movimento está relacionado com os diferentes processos de absorção, distribuição, biotransformação, excreção e armazenamento. As propriedades físico-químicas estão em causa, tudo o que diga respeito ao 57 agente tóxico e é possível determinar o grau de acesso ao órgão/tecido alvo, e assim prever a velocidade de eliminação do composto. 3. Toxicodinâmica: compreende a interação entre as moléculas do toxico e os sítios de ação (específicos ou não) dos órgãos (relacionado com natureza da ação) e consequentemente a alteração do equilíbrio homeostático. Estuda o comportamento de toxico após contacto com organismo). Na fase toxicodinâmica é onde vamos estudar a interação do agente tóxico no local de ação, onde vamos analisar os diferentes mecanismos de ação e o que origina o efeito de toxicidade. 4. Clínica: fase em que há evidencias de sinais e sintomas ou alterações detetáveis por provas diagnosticas, caracterizando os efeitos nocivos causados pela interação do toxico no organismo. Traduz-se pelo processo de intoxicação propriamente dita. Na fase toxicodinâmica é onde vamos estudar a interação do agente tóxico no local de ação, onde vamos analisar os diferentes mecanismos de ação e o que origina o efeito de toxicidade. Exposição I. Fatores relacionados com o toxico: Propriedades físico-químicas: o Solubilidade – a nível respiratório, composto hidrossolúvel é absorvido a nível das vias aéreas superiores, mas se for lipossolúvel ocorre a nível dos pulmões; o tamanho das partículas; o pressão de vapor – volatilidade; o pH e pKa – normalmente tóxicos são ácidos e bases fracas pelo que dependem destes parâmetros para se encontrarem na forma ionizada/carregada ou não – ácidos fortes normalmente sofrem corrosão nomeadamente se forem administrados por via oral, ainda que não sejam predominantes; o estado físico; o contaminantes. Presença de impurezas. Formulações (veículo, adjuvantes). Presença de excipientes: surfactantes, adjuvantes, corantes, conservantes. Estabilidade e acondicionamento do toxico. 58 II. Fatores relacionados com a exposição: Via, velocidade e local de administração – oral e inalatória (e dérmica) são as principais Duração e frequência da exposição. Dose/concentração (volume administrado) – no caso do fenobarbital tem-se que 100 mg levam a sonolência, mas 500 mg induzem sono profundo. III. Fatores relacionados com organismo: Espécie, raça e linhagem. Sexo, idade, peso corporal e maturidade física. Fatores genéticos. Estado nutricional e de hidratação. Estado hormonal e emocional (atividade, aglomeração, presença de outras espécies). Estado patológico. IV. Fatores relacionados com o ambiente: Temperatura e humidade. Composição atmosférica do ambiente – no verão o ozono é responsável por formar compostos nocivos. Luz e outras radiações. Efeitos de alojamento e ruido e fatores sociais. Pressão barométrica e ruído. Toxicocinética A ação combinada de absorção, distribuição e eliminação determina o potencial de ocorrência de eventos adversos. 59 A pele, os pulmões e o tubo digestivo são as principais barreiras que separam os organismos superiores de um ambiente que contém um grande nº de compostos químicos. Os tóxicos devem atravessar uma ou várias dessas barreiras incompletas para exercer efeitos deletérios (exceto os tóxicos corrosivos). A disposição de um produto químico determina a concentração no local de ação. A ação combinada de absorção, distribuição e eliminação determina o potencial de ocorrência de eventos adversos. Este esquema representa tudo o que acontece na entrada/distribuição do composto no nosso organismo pelas diferentes vias: oral, inalatória, dermal e ainda outras. O xenobiótico entra para a corrente sanguínea e é distribuído até ao órgão alvo. Sabemos que o fenómeno de absorção/distribuição tem sempre como finalidade um fenómeno de biotransformação para ser posteriormente eliminado pelas diversas vias como a renal (transformação em metabolitos hidrossolúveis). Esta eliminação pode ocorrer por via renal, fecal, respiratória, dermal – processos de desintoxicar o organismo - no entanto, ainda existe a via entero-hepática que pode aumentar a intoxicação. Distribuição – ocorre sempre que agente toxico entra para sangue (seja por administração direta ou através de absorção). Metabolismo/biotransformação – ocorre a nível do fígado, possuindo o objetivo de reduzir a exposição a xenobióticos e aos seus efeitos tóxicos, através de biotransformação dos mesmos de formas facilmente absorvidas (lipofílicas) para facilmente eliminadas, principalmente pela urina e bílis (hidrofílicas). Excreção/destoxificação/desintoxicação. A toxicocinética estuda o comportamento do tóxico após contacto com o organismo, e inclui a absorção, a distribuição, a biotransformação, a excreção e o transporte, o que vai condicionar uma determinada concentração no local de ação → BIODISPONIBILIDADE. A disposição ou biodisponibilidade do químico determina a concentração do mesmo no local de ação, sendo determinada por todos os processos que descrevem a toxicocinética. 60 T R A N S P O R T E Absorção Transferência de um produto químico do local de exposição, geralmente uma superfície externa ou interna do corpo (ex.: pele, mucosa do TGI ou TR) para a circulação sistémica; depende da capacidade dos xenobióticos atravessarem as membranas e barreiras biológicas e das afinidades físico-químicas para os tecidos e proteínas. Distribuição Xenobióticos, após alcançarem a corrente sanguínea, são distribuídos pelos órgãos e/ou tecidos, sendo a distribuição influenciada por vários fatores químicos e biológicos. Metabolismo Envolve transformações químicas dos xenobióticos para promover a sua desativação e eliminação. Eliminação Etapa final no processo de desintoxicação, correspondendo à excreção dos xenobióticos e/ou aos seus produtos de metabolismo. Engloba vários tipos de mecanismos de passagem dos xenobióticos pelas membranas ʓ Membranas celulares (transporte de tóxicos) A nível de cada barreira que os compostos ultrapassam, existem sub-barreiras que possuem diferenças a nível de: Estrutura; Espessura (entre 7 a 9 nm); Área; Permeabilidade seletiva – permite a membrana plasmática possibilidade de filtrar quais substâncias pequenas entram ou saem da célula, as grandes não conseguem permear; Porosidade – epitélios renais e hepáticos possuem mais poros permitindo melhor travessia. Ao longo do percurso do xenobiótico, este tem de atravessar diferentes barreiras e as membranas são umas das primeiras barreiras que este tem de atravessar. As membranas variam de tecido para tecido, e mesmo dentro do próprio tecido. Temos membranas mais lipídicas como é o caso da barreira hematoencefálica, ou membranas mais porosas como as dos tecidos epiteliais renais ou hepáticos – muito importante para a absorção do tóxico. 61 A constituição das membranas é muito importante porque vai caracterizar a entrada e saída dos compostos no organismo: Fosfolipídios; Colesterol – a sua concentração determinada a fluidez/permeabilidade da membrana; Ácidos gordos – a insaturação aumenta também a fluidez e que se ligam a peroxidação lipídica levando à degradação da membrana; Proteínas – função estrutural e que funcionam ou como recetores, enzimas e transportadores. O colesterol e ao ácidos gordos determinam a lipofilia, por exemplo, a BHE é lipofílica, em relação à placenta, ambas constituem duas membranas especiais. Existem vários processos de travessia de tóxicos através das membranas: 1. Processos passivos, nos quais a célula não gasta energia: 1.1 Difusão simples(travessia de região com maior concentração para a que tem menor). 1.2 Filtração (difusão através dos poros presentes nas membranas ou entre membranas). 1.3 Difusão facilitada (transporte por transportador/canal específico de membrana). 2. Transporte ativo, no qual a célula gasta energia – ocorre através de transportador específico de membrana. 3. Endocitose (fagocitose e endocitose). Difusão simples Ocorre para a maioria dos tóxicos e constitui mecanismo mais importante da absorção. Atravessam a região com maior concentração para a de menor concentração, sem gasto de energia, seguem a Lei de Fick. A lei de Fick é um mecanismo sem gasto energético, é diretamente proporcional à diferença de gradiente de concentração e à constante de K que relaciona a facilidade de entrada de uma molécula da célula. Esta lei depende do tamanho e da lipofilia do composto, sendo inversamente proporcional à espessura da membrana e diretamente proporcional à área de absorção. As pequenas moléculas hidrofílicas (até ca. de 600 Da), atravessam os poros aquosos, num processo de difusão paracelular. Compostos hidrofílicos (forma ionizada de ácidos/bases orgânicas 62 fracas pequenos) atravessam por difusão paracelular, através de poros aquosos, onde o processo é lento e ineficiente. Ocorre para etanol (rapidamente absorvido pelo sangue a partir de trato gastrointestinal e distribuído rapidamente por todo o corpo por difusão simples do sangue para tecidos), e aminoácidos (glicina). Moléculas hidrofóbicas difundem-se através do domínio lipídico das membranas. Compostos lipofílicos (forma não ionizada de ácidos/bases orgânicas fracas) atravessam por difusão transcelular, através do domínio lipídico das membranas – ocorre para contaminantes DDT e TCDD. A taxa de transporte através da membranas correlaciona-se com a lipossolubilidade, expressa em coeficiente de partilha octanol/água das moléculas não carregadas, ou log P. O coeficiente de partilha óleo/agua (log P) expressa a lipossolubilidade de composto orgânico: valores positivos significam alta lipossolubilidade – quanto maior o Log P maior a probabilidade de o composto atravessar os meios mais lipídicos (maior a lipofilia). mas a partir de valores superiores a 5 há aprisionamento na membrana e acumulação no tecido adiposo: o Em caso de emagrecimento rápido pode haver a concentrações altas de toxico no sangue e uma grave toxicidade aguda). Muitos produtos químicos são ácidos ou bases fracas que em solução são ionizados: A forma ionizada tem baixa lipossolubilidade e, portanto, não penetra facilmente através do domínio lipídico de uma membrana. Pode haver transporte da aniões e catiões orgânicos (dependendo dos seu peso molecular) através de poros aquosos, mas este é um processo lento e ineficiente. Em contrapartida, a forma não ionizada de ácidos e bases orgânicas fracos é solúvel em lípidos → difusão simples (transcelular) do domínio lipídico de uma membrana. A taxa de transporte da forma não ionizada é proporcional à sua lipossolubilidade. 63 Filtração Ocorre através dos poros presentes nas membranas ou entre as membranas. Depende de fluxos aquosos causados por forças osmóticas ou hidrostáticas – se o toxico for hidrossolúvel e pequeno acompanha fluxo para ocorrer travessia. Ocorre em função de tamanho e dimensão de canais existentes nas membranas – o glomérulo renal possui poros relativamente grandes, ocorrendo conhecidos processos de filtração glomerular. Difusão facilitada (transporte uniporte) Ocorre muito para aminoácidos, açucares (glucose do trato gastrointestinal através de membrana basolateral do epitélio intestinal) e pequenas proteínas. Envolve um transportador específico de membrana e não necessita de energia. EX: Transporte de glicose do TGI através da membrana baso lateral do epitélio intestinal, do plasma para os glóbulos vermelhos e do sangue para o SNC. Transporte ativo Ocorre de forma independente do gradiente de concentração, e possui suscetibilidade de inibição metabólica ou competitiva e de indução e ativação. Constitui um processo saturável (substrato do toxico, a nível do transportador, pode saturar) para altas concentrações de toxico. Existem dois tipos de transporte, o primário (consumo direto de ATP) e o secundário (consumo indireto de ATP (funcionamento com co-transportadores)). Pode ser simporte (transporte de outras moléculas no mesmo sentido de toxico em questão) e antiporte (transporte de outras moléculas no sentido oposto de toxico em questão). 64 Existem transportadores específicos: Transportadores de influxo SLC (solute carriers) – transporte facilitado ou ativo secundário de لا xenobiótico (ou endobiótico, ao contrário de transportadores ABC → glucose, neurotransmissores, metais essenciais e péptidos) para dentro de hepatócito (estão presentes na fase 0 de metabolismo). Transportadores de efluxo ABC (ATP-binding cassete) – transporte ativo primário de لا xenobiótico (após funcionalização/adição de OH, que ocorre na fase 1, e conjugação, fase 2) para fora de hepatócito para serem eliminados no sangue, fezes, urina ou bílis → estão presentes na fase 3 de metabolismo. Resumindo, o nosso agente tóxico para entrar no hepatotóxico onde se dá o processo de biotransformação, este tem de entrar e sair: Para entrarem, o transporte é feito por transportadores de influxo (SLC) – reações de fase 0. A fase III também é feita por transportadores de efluxo (ABC), de forma a expulsar o metabolito para fora do hepatócito. A glicoproteína P contribui para fenómeno de multirresistência a fármacos, nomeadamente na terapia anticancerígena, sendo que a sua quantidade à superfície das células está diretamente relacionada com grau de resistência aos mesmos. Pela sua atividade de efluxo de xenobióticos condiciona a biodisponibilidade dos fármacos. Os substratos de P-gp são hidrofóbicos, com elevada área de superfície e com elevado peso molecular, podendo formar pontes de H (podem ser analgésicos, hormonas, compostos usados na quimioterapia). 65 Os MRPs são transportadores do tipo ABC, localizam-se na membrana basolateral de vários tecidos epiteliais normais (MRP1) e possuem potencial de influenciar níveis tecidulares de fármacos. SLC (Solute Carriers) ABC (ATP-Binding Cassette) Presentes nas membranas plasmáticas e em membranas de organelos celulares Bombas de efluxo de xenobióticos por transporte ativo primário Envolvidos no transporte de endobióticos e xenobióticos Eliminam xenobióticos para o sangue, fezes, urina e bílis Transporte passivo e transporte ativo secundário Superfamília de 49 transportadores dividido em 7 famílias (A a G Essas famílias agrupam-se em 3 tipos: Glicoproteínas-P (P-gp); Proteínas de resistência ao cancro da mama (BCRP) e as Proteínas associadas à multirresistência a fármacos (MRPS). Associados à fase 0 do processo de absorção, metabolismo e excreção Captação de compostos endógenos (glucose, neurotransmissores, nucleótidos, metais essenciais e péptidos) e fármacos EX: SLC1/SLC0-transportadores de aniões orgânicos (OATPs); SLC22/SLC0-transportadores de catiões (OCTs) e aniões orgânicos (OATs); transportadores presentes na membrana basolateral ou luminal Presentes nas membranas plasmáticas das células polarizadas de tecidos excretores ou barreiras; Presentes em membranas do RE, peroxissomas e mitocôndrias Endocitose Ocorre invaginação de membrana com formação de vesicula, que sofre, posteriormente, fusão com lisossomas para digestão de macromoléculas. É um processo importante principalmente para via inalatória (ocorre muito a nível pulmonar). Engloba fagocitose (compostos sólidos) e pinocitose (compostos líquidos) e requer energia para funcionar. NOTAS: existem vários tipos de interaçõesque os xenobióticos sofrem durante o seu transporte nomeadamente ativação, indução, inibição, saturação ou competição. 66 Absorção Absorção depende da capacidade dos xenobióticos atravessarem as membranas e barreiras biológicas e das afinidades físico-químicas para os diferentes tecidos e proteínas. Está muito relacionada com as 3 principais vias de exposição do xenobiótico (pulmonar, dérmica e gastrointestinal). Existem vários fatores que influenciam absorção, nomeadamente as características de: Membranas – assimetria, diferença de carga iónica entre duas faces, presença de transportadores. Xenobióticos – ionização/polarização (se existir há dificuldade de absorção, pelo que para a mesma aumentar xenobióticos devem-se encontrar sem carga e serem apolares), coeficiente de partilha O/A (devem ser lipofílicos), tamanho (devem ser de pequeno peso molecular, pelo que valores superiores a 800 dificultam muito a absorção), semelhança a compostos endógenos (ocorre absorção por confusão com outros compostos endógenos), grupos dadores/aceitadores de H (valores superiores a 5 e 10, respetivamente, diminuem a permeabilidade e consecutivamente a absorção), forma (formato pode levar a interação ou não com recetor/transportador). Diferentes tipos dependem de via de exposição: Via entérica (oral): absorção gastrointestinal (principalmente a nível de intestino delgado). Via parentérica (principalmente pulmonar e dérmica): absorção principalmente pulmonar e dérmica/cutânea/percutânea, mas também intravenosa, intraperitoneal, intramuscular, vaginal, intranasal, intra-articular, auricular, ocular e subcutânea e intradérmica. Risco de ocorrência de efeito toxico de acordo com via de exposição (influencia a potência e velocidade de toxico) – menor risco está relacionado com locais de menor velocidade de absorção, como no caso da via dérmica seguindo-se a oral, intradérmica, intramuscular, subcutânea, intraperitoneal, inalatória e intravenosa (quando agente toxico é inserido diretamente na corrente sanguínea, respostas são normalmente mais frequentes, potentes e rápidas). Absorção gastrointestinal É uma via de absorção muito importante de “Xenobióticos” – a maior parte da absorção ocorre no intestino delgado devido a diversas características. 67 As diferentes zonas de absorção dependem de vários parâmetros, sendo que a absorção pode ocorrer em diferentes locais do trato gastrointestinal - “Absorption can occur at any place along the entire gastrointestinal tract. However, the degree of absorption is strongly site-dependent.”: Ɣ A maior parte da absorção ocorre no intestino delgado (num “Local” em contacto com o Sistema Portal). Ɣ Variabilidade do pH ao longo do trato GI (anda à volta dos 5-8) – os xenobióticos são normalmente ácidos e bases fracas. A nível de microvilosidades intestinais dá-se absorção por difusão passiva já que devido ao pH deste local, bases e ácidos fraco(a)s não se apresentam ionizados (as moléculas pequenas e lipossolúveis também são absorvidas no intestino por este tipo de transporte). Ɣ O local de absorção ao longo do TGI pode ser importante na Toxicidade (Ex: pH do estômago inativa o veneno da cobra). Ɣ Difusão simples e transporte especializado/ativo ( EX: Pb/Ca; Tálio/Fe). Ɣ Período de permanência no local específico. Ɣ Mobilidade intestinal/peristaltismo – normalmente é lento pelo que há elevado grau de absorção. Ɣ Tipo de transporte – difusão simples ou transporte ativo/especializado (Pb usa transportador do Ca para absorção e o tálio usa o do ferro). Ɣ Presença de microflora intestinal e enzimas gastrointestinais – podem afetar toxicidade de xenobióticos (pode haver biotransformação no interior de trato gastrointestinal, o que pode aumentar ou diminuir a toxicidade → aminas não carcinogénicas (peixe, vegetais, sumos de frutas) formam, por ligação a nitritos (aditivo alimentar em carne/peixe fumado), nitrosaminas carcinogénicas). Bases fracas e ácidos fracos estão não-ionizados e são normalmente absorvidos por difusão passiva. Substâncias lipossolúveis e moléculas pequenas são absorvidas a partir do intestino por difusão passiva. Existem também várias ações que podem exercer-se no sentido de modificar toxicidade de substância: Propriedades físicas. Acidez clorídrica – torna muitos compostos mais ionizáveis (não são posteriormente absorvidos). 68 Alimentos gordos – podem facilitar a absorção. A transformação das aminas secundárias (peixes, vegetais, sumos de frutas) em contacto com o nitrito (aditivo alimentar de carnes e peixes fumados) Diluição – aumento de absorção/toxicidade. Ritmo de dissolução e dimensões de partículas – quanto maiores, maior a absorção (por exemplo, um xenobiótico gordo que dissolva na gordura, pode facilitar absorção). Ingestão de leite – pode diminuir a absorção de Pb. Fome – aumenta absorção de dieldrina (DDT). Idade – absorção tende a diminuir (depende muito de xenobiótico). Quelantes – quelam metais diminuindo a sua absorção. Intervenção do fígado – pode diminuir absorção. Vómitos e diarreias – diminuem absorção. Fármacos – antidepressivos podem diminuir a motilidade e a absorção. Absorção pulmonar – absorção por difusão passiva Importância essencialmente pelo facto de não ocorrerem transformações desintoxicantes a nível respiratório e pela rapidez de ação dos xenobióticos absorvidos. Ocorre a nível de gases (CO, NO), solventes ou vapores de líquidos voláteis/volatilizáveis (benzeno, tolueno, CHCl3) e partículas pequenas e aerossóis – esta absorção está muito relacionada com toxicologia ocupacional no ambiente (poluição tem muitos óxidos e aldeídos, sendo que estes últimos por ação do ozono troposférico tronam-se tóxicos, podendo agravar várias doenças respiratórias, como os asbestos, os derivados de sílica e nas fabricas de cimento, que levam a inflamação por formação de ROS, ocorrendo mesotelioma que culmina em cancro pulmonar). Relaciona-se muito com toxicidade a longo prazo – há necessidade de fixação de máximo de concentrações toleráveis para a exposição prolongada. O problema da poluição do ar das cidades; a ocorrência e/ou agravamento de doenças nas populações urbanas como a gripe, bronquite crónica, doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), asma brônquica, cancro… Existem vários fatores que afetam este tipo de absorção: Velocidade de fluxo sanguíneo – pulmões são órgãos muito irrigados e com membrana alveolar fina (facilita absorção), pelo que a solubilidade de xenobióticos no sangue (dependente do seu fluxo, este aumenta com temperatura devido a vasodilatação) é 69 determinante para taxa de absorção (coeficiente partilha ar-sangue), uma vez que influencia principalmente a absorção de compostos pouco solúveis no sangue. Velocidade de respiração – influencia absorção de compostos altamente solúveis no sangue. Caminho percorrido pelos AT após inalação: No caso das partículas o tamanho é o fator principal que determina onde são depositadas no sistema respiratório e, se são absorvidas para a corrente sanguínea – à medida que aumenta o caminho percorrido pelos xenobióticos através das diferentes áreas do trato respiratório ocorre uma diminuição do tamanho de partícula que consegue ser absorvido (este fator também determina se há ou não absorção para sangue). Região nasofaríngea: deposição no nariz e garganta (deglutição ou eliminação pelo espirro), o tamanho varia entre 5 a 10 µm. Região traqueobrônquica: deposição na traqueia, brônquios e bronquíolos (remoção pelo fluxo retrogrado do muco ou impulsão pelos cílios do epitélio brônquico). O tamanho varia entre 1 a 5 µm. Região pulmonar (brônquios e sacos alveolares): penetração nos sacos alveolares (absorção para sangue ou remoção pelos vasos linfáticos após sequestro nos macrófagos alveolares).Menor que 1 µm (partículas muito pequenas (e lipossolúveis) e alguns solventes) são prontamente absorvidos nos alvéolos. Para compostos fracamente solúveis no sangue, a absorção será fundamentalmente dependente da velocidade do fluxo sanguíneo. Por outro lado, para compostos altamente solúveis no sangue a absorção será dependente da velocidade de respiração. Compostos de tamanho pequeno e lipossolúveis, solventes, serão prontamente absorvidos nos alvéolos. Já compostos em soluções e partículas podem ser absorvidos por pinocitose e fagocitose, respetivamente. Absorção dérmica/cutânea A absorção do tóxico através das várias camadas de células que constituem a pele ocorre através de duas fases: 1. Primeira fase de absorção percutânea – difusão de toxico através de estrato córneo da epiderme. 70 2. Segunda fase de absorção percutânea – difusão através de derme (meio difusor aquoso e poroso). Existe afinidade de alguns compostos para os lípidos cutâneos (CCl4, inseticidas, solventes clorados, tetra-etilo de chumbo, sais de tálio) o que pode levar ao aumento de toxicidade. Existem vários fatores que influenciam este tipo de absorção, estando relacionados com: Organismo: o Superfície corporal – a nível de mucosas há grande hidratação devido a vascularização, podendo ocorrer nas mucosas do olho e das vias lacrimais (aumento de absorção lacrimal de cloridrato de codeína), na mucosa faríngea, nas da uretra, vagina e útero, e bexiga (nesta última a absorção é ligeiramente limitada). o Grau de hidratação – a presença de água aumenta a permeabilidade 2/3x. o Integridade de pele (queimaduras químicas/térmicas, inflamação, feridas) favorecem a absorção. o Grau de vascularização de derme (depende de fluxo sanguíneo). o Grau de pilosidade – quanto maior for o número de pelos, maior é a capacidade de absorção, porque ocorre maior entrada de xenobióticos. o Temperatura – aumenta a vasodilatação, aumentando o fluxo sanguínea e assim a absorção. Xenobiotico: volatilidade e viscosidade, grau de ionização, tamanho molecular, lipossolubilidade… Absorção intravenosa Ausência de absorção propriamente dita já que há introdução direta na corrente sanguínea, e por conseguinte há uma rapidez de efeitos. Absorção subcutânea e intramuscular Ritmo de absorção e possibilidade de o modificar pode ocorrer a nível de: ¤ Fluxo sanguíneo: por exemplo, a epinefrina leva a vasoconstrição. ¤ Formulação do toxico: suspensões/soluções. Absorção intraperitoneal 71 Possibilidade de metabolização completa no fígado e excreção sem se atingir resto do organismo, que pode ocorrer a nível de lidocaína e propranolol. NOTAS: há possibilidade de colheita de informações preliminares sobre metabolismo e excreção de um toxico, por comparação da sua toxicidade quando administrado por várias vias. Distribuição Os xenobióticos, após alcançarem a corrente sanguínea, são distribuídos pelos órgãos e/ou tecidos, sendo a distribuição influenciada por vários fatores químicos e biológicos. Na corrente sanguínea podem encontrar-se ligados às proteínas, podem estar em locais de armazenamento/órgãos alvo, podem atravessar a BHE e a Placenta. Os principais locais de distribuição para os xenobióticos são os pulmões, fígado (principal), rim e cérebro. Após a entrada do AT na corrente sanguínea, seja através da distribuído absorção ou por administração direta, ele estará disponível para ser pelo organismo. A distribuição ocorre rapidamente e a velocidade e extensão desta dependerá principalmente: § Fluxo sanguíneo através dos tecidos de um dado órgão. § Facilidade com que toxico atravessa membrana celular e pentra células de tecido. Proteínas plasmáticas como depósito de armazenamento A ligação a proteínas é sempre não covalente podendo ser: A. Iónica (entre iões de xenobiótico e proteína de carga contraria). B. Interação hidrofóbica (ocorre quando dois grupos hidrofílicos não polares se associam e repelem a água). Pode ocorrer substituição/saturação a nível de proteínas (se ocorrer maior afinidade de composto em relação a xenobiotico que se encontraria ligado a proteína, ocorre substituição entre os dois). C. Pontes de hidrogénio (entre hidroxilos de proteína e átomo eletronegativo/acido de xenobiotico). D. Van der walls (ocorre entre carbonos, sendo uma ligação fraca). 72 Várias proteínas plasmáticas ligam-se a xenobióticos e a alguns constituintes endógenos do corpo. A albumina é a principal proteína do plasma ligante a tóxicos (principalmente os ácidos). Já a α1- glicoproteina acida e α- e β-lipoproteínas possuem maior afinidade para tóxicos básicos. Outras proteínas incluem as glicoproteínas, as β-globulinas, as α- e β-lipoproteínas e as γ-globulinas plasmática. A parte de xenobiótico que nos interessa é a que não fica ligada porque é essa que estará disponível para se distribuir pelos outros locais e causar os efeitos tóxicos. A extensão da ligação também varia dando nos ideia da capacidade de ligação do xenobiótico às proteínas, como por exemplo a varfarina tem uma ligação de 99% à albumina. Pode ocorrer saturação ou subs tuições que depende da afinidade que os diferentes xenobióticos têm para a mesma proteína. Locais/órgãos de armazenamento alvo A distribuição por estes locais depende de propriedades físico-químicas, tempo de semivida e concentração do xenobiotico (nem sempre constituem os locais onde compostos exercem efeitos tóxicos). Acumulação no fígado e rim – estes órgãos têm uma grande capacidade de acumulação de xenobióticos, sendo esta rápida e ocorrendo por transporte ativo (a presença de proteínas pode favorecer este processo, como por exemplo a metalotioneina que sequestra metais Zn, Pb, Hg e Cd). Neste caso há acumulação preferencialmente renal para cadmio e hepática para Au, Ag e Bi. Acumulação no tecido ósseo – Pb, Sr e F podem substituir Ca2+, que sai da estrutura óssea. Acumulação nos pulmões – paraquato leva a que transportadores o confundam com outro composto. Acumulação nas hemácias – ocorre para chumbo (inibe a sintese de hemoglobina), anestésicos e barbitúricos. Acumulação no tecido adiposo – compostos lipofílicos (pesticidas), poluentes (dioxinas e furanos), e contaminantes (bifenilos polibromados). Todos os compostos que sejam lipo licos têm maior facilidade de se acumularem no tecido adiposo, o que leva a uma grande preocupação quando se fazem dietas rápidas, porque isso leva a que o tóxico seja libertado muito rapidamente na corrente sanguínea. 73 Apesar de ocorrer a redução do tóxico no tecido alvo, como há acumulação neste tecido, pode haver libertação no sangue após emagrecimento. Acumulação nos lisossomas – compostos catiónicos e anfifílicos (cloroquina e amiodarona) interferem no metabolismo lipídico dos fosfolípidos que se acumulam nos lisossomas levando a fosfolipidose. Acumulação nos cabelos e unhas – linhas de Beau que aparecem nas unhas podem significar toxicidade cronica (ocorre também no cabelo, mas não ocorre o aparecimento destas linhas). Acumulação nas glândulas endócrinas – ocorre para fluor, iodo, anestésicos e solventes. NOTAS: Os fatores mais críticos que afetam a distribuição dos xenobióticos são o fluxo sanguíneo do órgão e a sua afinidade por um xenobiótico. A fase inicial da distribuição é determinada principalmente pelo fluxo sanguíneo para as várias partes do corpo. Por conseguinte, um órgão bem irrigado, como o fígado, pode atingir concentrações iniciais elevadas de um xenobiótico. No entanto, os produtos químicos podem ter uma elevada afinidade para um local de ligação (por exemplo, proteína intracelular ou matriz óssea) ou para um constituinte celular (por exemplo, gordura) e, com o tempo, redistribuir-se-ão para esses locais de elevada afinidade. Numa fase inicial pode haver uma distribuição,mas ao longo do tempo ele vai-se distribuir cada vez mais para o tecido alvo onde se vai acumular e exercer o seu efeito – muitas vezes o local de armazenamento não significa o local de ação tóxica Passagem através de placenta e BHE Em relação à passagem através de placenta e BHE, por vezes efeitos adversos que não ocorrem a nível de locais de armazenamento ocorrem nestas barreiras. A BHE possui células endoteliais unidas por junções oclusivas, que, juntamente com os astrócitos, não permitem a filtração nem outro tipo de transporte simples (poros são inexistentes) pelo que são necessários transportadores. O (di)metilmercurio orgânico (que é mais lipofilico que o mercurio) atravessa devido a formar complexo com cisteína que possui semelhanças estruturais à 74 metionina, o que leva a que os transportadores confundam o complexo cisteína-metilmercúrio com a metionina, permitindo a passagem do metilmercúrio através da BHE. A lipofilia é também um fator a ter em conta nos tóxicos, devido à maior probabilidade de atravessar a BHE com o aumento da lipofilia. Por exemplo, enquanto que a heroína, tem na sua estrutura dois grupos acetil que conferem maior lipofilia ao composto (maior capacidade de atravessar a BHE), a morfina tem dois grupos OH tendo menor capacidade de atravessar esta membrana, sendo assim a heróina é a que vai atravessar a BHE mais rapidamente. A imaturidade da BHE também é importante, por exemplo o Pb é mais tóxico para as crianças devido à maior penetração deste composto e à imaturidade da BHE. A placenta pode ser atravessada por vírus, agentes patogénicos celulares, an corpos para as globulinas e mesmo eritrócitos. A maioria dos tóxicos atravessa a Placenta por simples difusão. É uma barreira sica composta por células, mas também a lipofilia pode ser um processo de passagem por difusão facilitada. É composta por transportadores membranas, maioritariamente de efluxo, no entanto, é importante ter noção que a placenta tem a capacidade de biotransformar xenobió cos aumentando a toxicidade. NOTAS: distribuição ocorre rapidamente e a velocidade e extensão desta depende principalmente dos dois últimos fatores bioquímicos, que constituem parâmetros farmacocinéticos importantes. Parâmetros fármaco e toxicocinéticos relacionados com a distribuição Transportadores ABC na BHE Transportadores SLC na BHE p-gP (efluxo de digoxina, ivermectina, amiodorona, anticonvulsivantes, anti-histaminos de 3ª geração e paraquato). OATP1A2 e OATPB1 (influxo de grande variedade de xenobioticos orgânicos aniónicos, neutros e catiónicos, hormonas e prostaglandina E2). MRP4 (efluxo de aniões orgânicos e transporte de nucleósidos). BCRP (efluxo de aniões orgânicos e conjugados com sulfatos). 75 ʓ Nível plasmático – reflete melhor a dose, o tipo de exposição, a absorção, a metabolização e a concentração de toxico no local ativo. ʓ Volume de distribuição – é uma expressão quantitativa que relaciona quantidade de xenobiotico no organismo com a sua concentração plasmática. É um parâmetro mais importante que o nível plasmático. ʓ Tempo de semivida plasmático – tempo necessário para eliminação de metade de quantidade de xenobiotico presente no plasma. Está relacionado com constante de eliminação (Kel) que reflete todas as formas de eliminação do xenobiotico. ʓ Clearance total – permite caracterizar ritmo de eliminação de composto do organismo em função da sua concentração plasmática. A clearance da creatinina (mL/min) é usada muitas vezes para estimar o estado de função renal, sendo que se têm diferentes causas para valores baixos/altos: ∆ Altos (acima de 128 nas mulheres e 137 nos homens) – intoxicação por monóxido de carbono, gravidez e hipotiroidismo. ∆ Baixos (abaixo de 97 nos homens e 88 nas mulheres) – insuficiência renal cronica, desidratação, falência cardíaca e lesão renal. Normalmente para avaliarmos a função do rim, utiliza-se muito a clearance de creatinina como sabemos, que está padronizada. Metabolismo/biotranformação dos xenobióticos 76 Os objetivos do processo de biotransformação são: Metabolizar todos os xenobióticos lipofílicos (facilmente absorvidos) em compostos hidrofílicos , porque são mais facilmente eliminados pela urina/bílis. Realiza-se um processo de desintoxicação ao reduzirmos o contacto entre o indivíduo e o xenobiótico, e consequentemente, os seus efeitos tóxicos. Consequências toxicológicas do processo metabólico: Formação de compostos com maior lipofilia; Formação de compostos de toxicidade maior do que o xenobiótico original (bioativação). É importante ter noção que nem todo o xenobiótico é biotransformado, há sempre uma fração pequena que é eliminada sob a forma não alterada. O metabolismo envolve transformações químicas dos xenobióticos para promover a sua desa vação e eliminação. Ao longo do transporte ocorrem diversas reações: Fase 0 – influxo celular dos xenobióticos; Fase I – reações de oxidação, redução e hidrólise; Fase II – reações glucuronidação, sulfonação, acetilação, metilação, comjugação com aminoácidos (via Coenzima A) ou com a glutationa; Fase III – efluxo dos xenobió cos ou dos seus metabolitos. Os principais órgãos envolvidos no metabolismo são o fígado (principal de todos), o intestino, os pulmões e os rins. Reações de fase I – oxidação, redução e hidrólise Estão relacionadas com funcionalização dos xenobióticos. A oxidação e redução envolvem a transferência de eletrões – por exemplo, eletrões que vêm de reações entre o xenobió co e o NADPH, ou com o oxigénio ou até mesmo com a água. A hidrólise envolve a adição de H2O com ou sem quebra da molécula (hidrólise e hidratação, respetivamente). 77 Oxidação Enzimas microssomais: vão estar localizadas principalmente no reticulo endoplasmático: Citocromo P450; Flavina monooxigenase (FMO). Enzimas não microssomais (mitocôndrias ou citosólicas): Álcool ou aldeído desidrogenase (ADH e ALDH) – exemplo do processo metabólico do etanol; Xantina e aldeído oxidases; Monoamina oxidase (MAO A e B) e diamina oxidase – levam a stress oxida vo devido à formação de peróxido de oxigénio (morte celular) Redução A redução ocorre principalmente em tecidos, órgãos ou locais em que o oxigénio é reduzido, como por exemplo a nível intestinal ou nas partes mais interiores dos tecidos. Estas reações podem ocorrer com determinados grupos funcionais e muitas vezes estão associadas a processos de bioa vação como é o caso de reduções com compostos aso- ou nitro-, ou então com a redução das quinonas. Redução de compostos com grupos: Azo- e Nitro-; Carbonilo; Dissulfito; Sulfóxido; Quinona. Diidropirimidina desidrogenase. Citocromo b5 e aldeído oxidase (desidroxilação). Redutases intestinais. Hidrólise A hidrólise geralmente é catalisada por enzimas que quebram as moléculas (por exemplo quebrar aminas ou esteres: Carboxiesterases, colinesterases e paraoxonases. Fosfatase alcalina. Peptidases. Epóxido hidrolase (hidratação) (adicionar H2O) – capacidade de adicionar água a molécula sem que haja quebra da molécula, começando com a formação de um epóxido. Citocromo P450 (CYP450) É um complexo de isoenzimas microssomais que formam uma superfamília CYP450 localizado no reticulo endoplasmático liso e rugoso, e membrana nuclear. 78 Está presente em vários tecidos, no entando é no fígado onde existe em maior concentração. Possuem um grupo prostético (heme) comum a todas as isoenzimas – com ferro, que tem um papel proponderante no processo catalítico das enzimas. Apoproteina, variável entre as isoenzimas, com locais de ligação aos xenobióticos – é o grupo da isoenzima que está mais relacionado com a atividade para os diferentes substratos. Catalisa principalmente reações de oxidação, com altaversatilidade de substratos – também catalisa reações de redução e hidrólise. As CYP2D6 e CYP3A4 são as isoenzimas mais importantes para o metabolismo de xenobióticos (50%) e fármacos. Vários fatores interferem na sua expressão e atividade (endógenos e exógenos). A verde temos a importância relativa e a rosa a quantidade de cada isoenzima. Fazendo a interpretação do gráfico, verifica-se que: As enzimas mais importâncias são a CYP2D6, CYP3A4, CYP2C9 e CYP2C19. A que existe em maior quan dade é a CYP3A4. A CYP2D6 tem uma quan dade muito reduzida, no entanto, é muito importante no metabolismo dos diferentes xenobióticos. Conclui-se que não há uma relação direta entre a quan dade de cada isoenzima e a sua importância no processo metabólico. A CYP catalisa aas seguintes reações de ocidação: − Hidroxilação (carbonos alifáticos e aromáticos); − Epoxidação (ligação dupla); − Oxigenação (S, N) e N-hidroxilação; − Desalquilação; − Transferência de grupo oxidativo; − Quebra de ésteres; − Desidrogenação. As reações de mono-oxigenação, oxidação, mediadas pelo CYP envolvem incorporação de um átomo de oxigênio no substrato, passando a um substrato oxidado, enquanto o outro oxigênio é reduzido a água e, o NADPH oxidado a NADP+: 79 A estrutura dos CYPs: o seu centro ativo é constituído por um grupo prostético ou grupo heme integrado num átomo de ferro (III), de posição central e inserido numa protoporfirina IX, que se encontra ligado covalentemente a um átomo de enxofre de um resíduo de cisteína Ferro com dois estados de oxidação estáveis: Fe2+ (ferroso) e Fe3+ (férrico); Ião férrico (Fe3+) pode estar no modo de spin alto (mais eletrões não partilhados nas orbitais p do ferro) ou spin baixo (poucos electrões não par lhados nas orbitais p do ferro); O átomo de ferro no heme está ligado a 4 N pirrólicos da protoporfirina IX. Os átomos de N são ligandos equatoriais. Os 4 N têm uma carga nega va de -2. O heme ferroso é electronicamente neutro e o heme férrico tem carga +1; O ferro do heme tem dois locais adicionais de interação com os ligandos – são referidas como posição do ligando axial (X e Y); Possui duas formas de spin: Forma de baixo spin (S=1/2) - Estado de repouso (Y = OH ou H2O) Forma de elevado spin (S=5/2) - Estado ativo (reduzível) Ferro no plano do anel porfirina Hexacoordenada Elevada energia de redução Ferro fora do plano do anel porfirina Pentacoordenada Baixa energia de redução Difícil de redução (Fe3+→Fe2+) Ciclo catalítico do citocromo -P450: i. No ínicio (i) do ciclo, o CYP450 apresenta-se sob a forma de complexo de ferro no estado de oxidação 3+, hexacoordenado e, num estado de spin baixo, possui uma molécula de água como ligando numa posição oposta ao ligando de cisteína. ii. A interação do substrato (-RH) com a proteína provoca a saída da molécula de água e gera o complexo de ferro pentacoordenado com um elevado estado de spin. iii. O complexo pentacoordenado é facilmente reduzido por uma transferência de eletrão do NADPH, pela NADPH-cit450 redutase, originando um complexo de ferro 2+. 80 iv. O complexo de ferro 2+ liga-se facilmente ao oxigénio molecular originando o composto iv. Pode também interagir com outros ligandos, como o CO, imidazóis ou fosfinas, que bloqueiam a a vidade catalítica e original uma absorção característica a 450 nm. Por sua vez, o complexo iv é também um bom aceitador de eletrões, e é reduzido no complexo de ferro di-oxo (v). v. O complexo v é uma base de Lewis e pode facilmente sofrer protonação, formando o hidroperoxo-complexo de ferro (iii)+ – estrutura vi. vi. Este composto vi pode sofrer uma segunda protonação com saída de uma molécula de água, originando o oxo-complexo de ferro (IV)-r-catião radical – estrutura vii. vii. Este composto, oxo-complexo de ferro (IV)-r-catião radical, também pode ser considerado como oxo-complexo de ferro (V). Pode transferir um átomo de oxigénio para o substrato viii, sendo subs tuído por uma molécula de água, originando estrutura inicial i. A espécie de ferro (IV) é muito a va e é responsável do processo de oxidação dos substratos. A espécie de ferro (IV) está em equilíbrio com a espécie de ferro (V) A CYP450 pode oxidar os substratos na presença de outros dadores de átomos de oxigénio, podendo ocorrer a passagem direta de ii (complexo pentacoordenado) para vii (oxo-complexo de ferro), denominando-se ciclo catalí co por ponte de peróxido. Podemos também ter a passagem de iii para i, com a redução de um eletrão passando de ferro (II) para ferro (III), ou de iv a ii, onde há produção de um anião superóxido, ou vi para ii, com a formação de peróxido de hidrogénio. 81 Reações de oxidação microssomais catalisadas pela CYP450: Reação Mecanismo Notas Hidroxilação aromática - benzeno Inserção direta de O com (ou sem) formação de um intermediário epóxido (tóxico). O benzeno causa anemia aplástica devido ao seu metabolito, o radical fenoxilo (bioativação). Este radical ocorre da ação oxidativa do benzeno, catalisada pela CYP450. Num primeiro passo, forma-se um fenol, seguido de um processo oxidativo que origina um epóxido, a hidroquinona, que consegue passar para a medula óssea, onde é sujeita à ação da mieloperoxidase, levando à formação do radical fenoxilo. Hidroxilação alifática 1 - Compostos insaturados: formação de epóxido após inserção do O. 2 - Compostos saturados: formação do diol seguido de oxidação a diona. A aflatoxina B1 é um composto insaturado e o hexano é um compoto saturado. 1 - na aflatoxina, com uma dupla ligação em 8-9, sofre uma oxidação pela CYP450 formando um epóxido. A aflatoxina é extremamente hepatotóxica, podendo causar cancro hepático, devido ao epóxido que, ao reagir com o ADN, forma adutos que produzem efeitos mutagénicos. Portanto, a CYP450, por ação oxidativa, vai bioativar a aflatoxina B1 a um epóxido hepatotóxico. 2 - Já o hexano sofre o processo oxidativo, originando uma diona neurotóxica, indutora de axonopatias. 82 Epoxidação Semelhante ao que ocorre na hidroxilação (ligação dupla C=C epoxidada por inserção de O). Os epóxidos são espécies extremamente reativas, normalmente eletrófilos. A carbamazepina pode ser oxidada a dois metabolitos, epóxidos, na posição 2,3 e na posição 10,11. O metabolito 10,11-epóxido é relativamente estável e responde à ação destoxificante da CYP450. Já o metabolito 2,3-epóxido é responsável pelo efeito tóxico da carbamazepina, em especial no fígado. N-Hidroxilação Ocorre em aminas aromáticas primárias e secundárias originado compostos reativos com potencial de formação de adutos com o ADN O 2-acetilaminofluoreno (usada em experimentação para induzir cancro hepático) sofre N-hidroxilação, formando uma amina aromática hidroxilada que é conjugada, originando um metabolito reativo que forma aductos com o ADN. A anilina, depois de sofrer hidroxilação, tem a capacidade de entrar em ciclo redox, com a produção de espécies reativas de oxigénio e, com isso, induzir o efeito de stress oxidativo. Desalquilação Dividida em (1)N, (2) O e (3) S-desalquilação; em todas formam um aldeído, Em(1) N-CH3 → NH, (2) O-CH3 → OH ; (3)S-CH3 → SH. A cafeína é capaz de originar 3 metabolitos por N- desmetilação: a teobromina, paraxantina e teofilina. A paraxantina é o metabolito mais presente a nível humano, tendo efeitos estimulantes do SNC característicos da cafeína. 83 Transferência de grupo oxidativo Ocorre entrada de O, libertando um heteroátomo, como acontece no caso da dessulfuração de organofosforados (como o enxofre). Ocorre nos pesticidas, como o paratião - altamente tóxico - que, por ação da CYP450forma um metabolito - paraoxão - por substituição do átomo de S por O. Desalogenação oxidativa Ocorre remoção de um ou mais átomos de halogéneo de um xenobiótico, via oxidação, originado compostos reativos com capacidade de formar adutos com proteínas (proteínas aciladas imunogénicas). Halotano (anestésico) provoca reações imunológicas hepáticas extremamente graves devido à ação do seu metabolito – TFA (cloreto de trifluoracético) – que tem a capacidade de formar adutos com proteínas, que funcionam como haptenos, nas reações imunológicas, induzindo o efeito hepatotóxico. Desaminação oxidativa Remoção de grupo amina por oxidação do xenobiótico, originado o ácido carboxílico ou cetona correspondente. A anfetamina perde um grupo amina, formando um grupo cetona. Esta desaminação também podia ocorrer com a enzima monoaminoxidase, contudo, esta não consegue atuar sobre a anfetamina pois é menos tolerante a substratos que tenham um carbono alfa com dois substituintes, o que leva a que o grupo metilo da anfetamina provoque um impedimento estérico. 84 Reações não microssomais: Álcool desidrogenase (ADH) e Aldeído desidrogenase (ALDH) ADH – NAD+ como cofator; metaloenzima que apresenta várias isoenzimas, classificadas em 5 classes; classe 1 é a principal responsável pelo metabolismo do etanol no fígado; classe 4 importante a nível da mucosa gástrica. ALDH – NAD+ como cofator; classificada em 9 famílias, sendo a ALDH2 responsável pelo metabolismo do acetaldeído. Notas: ADH – metaloenzima citosólica classifica em 5 classes: a classe 1 é a responsável pelo metabolismo do etanol no fígado; a classe 4 é importante a nível da mucosa gástrica e está mais presente no homem que na mulher. ALDH – presente na membrana externa da mitocôndria, classificada em 9 famílias, sendo a ALDH2 a responsável pelo metabolismo do acetaldeído. Numa primeira fase, o etanol é biotransformado a acetaldeído (oxidação pela ADH) - mais tóxico que o etanol e tem capacidade de reagir com as proteínas do ADN, formando aductos, e é o responsável pelos sintomas de desconforto associados à embriaguez - e, posteriormente, a ácido acético. A primeira reação é catalisada pela ADH e pode ocorrer já no trato GI. O acetaldeído é oxidado a ácido fórmico pela aldeído desidrogenase (ALDH). Neste processo metabólico forma-se o NADH, deste modo, a passagem de etanol a acetaldeído e desde a ácido acético, necessita do cofator NAD+. O NAD+ é reduzido a NADH, levando à acumulação deste a nível celular, principalmente a nível citoplasmático, o que leva a alterações metabólicas importantes. Ambas estas reações podem ser inibidas em dois pontos diferentes: O 4-metilpirazol, a cimetidina, a ranitidina e os salicilatos conseguem inibir a ADH. O 4- metilpirazol pode mesmo ser utilizado como antídoto, quando se pretende inibir a ADH para evitar o metabolismo de álcoois, como o metanol. O dissulfiram é um composto inibidor da ADLH, sendo utilizado no tratamento do alcoolismo, pois leva à acumulação de acetaldeído (dilatação dos vasos sanguíneos faciais pela libertação de catecolaminas - rubor) e ao aumento dos sintomas de desconforto. 85 Tratamento do alcoolismo por inibição da ALDH: O dissulfiram inibe irreversivelmente a ALDH, ocorrendo acumulação do acetaldeído (mais tóxico do que o etanol). Isto faz com que haja uma dialatação dos vasos sanguíneos faciais pela libertação de catecolaminas (rubor). E caso haja consumo de etanol, ocorre um prolongamento do desconforto. Alteração da razão de NADH/NAD+ – excesso de NADH: Favorece a formação de lactato. Reduz a formação de ATP pela via glicolítica, havendo um aumento da b-oxidação e, como consequência, formação de corpos cetónicos. Consequências: hipoglicémia, hiperlipidémia e cetoacidose alcoólica. A ingestão de grandes quantidades de etanol leva a um efeito tóxico agudo derivado da acumulação de NADH a nível citoplasmático. Esta acumulação leva à alteração da razão NADH/NAD+, com excesso de NADH, que favorece a formação de lactato, reduz a formação de ATP pela via glicolítica com aumento da beta-oxidação e, consequentemente, a formação de corpos cetónicos. Como efeitos secundários temos hipoglicémia, hiperlipidémia e cetoacidose. A glicólise começa com a conversão da glucose em piruvato – essencial ao Ciclo de Krebs na mitocôndria – que, por sua vez, origina a acetil-CoA, que, no Ciclo de Krebs, dá origem ao NADH. O NADH, na cadeia respiratória, forma ATP. Ao termos um excesso de NADH, o piruvato presente no citoplasma tende para a sua redução a lactato, para oxidar o NADH em excesso. Contudo, o lactato acumula-se, levando a uma acidose e impede o piruvato de entrar na mitocôndria. Deste modo, como o piruvato não entra na mitocôndria, não ocorre a formação de acetil-CoA, mas sim a beta oxidação dos ácidos gordos, o que leva a uma hiperlipidemia e a cetoacidose alcoólica. 86 Além desta alteração no Ciclo de Krebs, que leva a uma depleção de ATP, temos também a situação de hipoglicemia. Esta advém da possibilidade de o Ciclo de Krebs originar a gliconeogénese por uma reação em que o malato passa a oxaloacetato e este a glucose. Este processo ocorre no citoplasma, mas é inibido pelo excesso de NADH, pois este impede a transformação do malato a oxaloacetato. Por isso, numa situação de alcoolismo e ingestão de álcool em situações águas, podemos ter um estado de hipoglicemia, visto que a mitocôndria fica incapaz de produzir glicose pela via da gliconeogénese. Reação Mecanismo Notas Monoaminaoxidas e (MAO) Presentes na membrana externa das mitocôndrias da maioria das células do organismo (fígado, cérebro, rim, intestino, músculo cardíaco, plaquetas, placenta,..). Duas isoenzimas: MAO-A (metaboliza preferencialmente a serotonina e noradrenalina), MAO-B (metaboliza preferencialmente a b-feniletilamina). Produto da reação: H2O2 que pode induzir stress oxidativo (interesse toxicológico). O propranolol sofre, numa primeira fase, uma desalquilação da amina catalisada pela CYP450, que origina uma amina primária. Esta, por sua vez, sofre um processo metabólico catalisado pela MAO, que leva à formação de aldeído e peróxido de hidrogénio. A serotonina é substrato da MAO que, tendo como co-produto o peróxido de hidrogénio, pode originar o radical hidroxilo que induz fenómenos tóxicos, como a oxidação do ADN mitocondrial. 87 Peroxidases Enzimas em tecidos extrahepáticos, exemplos: Mieloperoxidases (presente nos leucócitos e medula óssea); prostaglandina-H sintetase, PHS (células inflamatórias). Não requerem NADPH, como a CYP450. Redução do H2O2 ou de outros hidroperóxidos lipídicos pela oxidação de outros substratos, nomeadamente fármacos (cooxidação). Não requerem NADPH para o processo de oxidação de xenobióticos, alías, catalisam a redução do peróxido de hidrogénio ou de outros hidroperóxidos lipídicos pela oxidação de outros substratos (fármacos), pela co-oxidação. O benzeno (descrito anteriormente), metabolizado pela CYP450 no processo de oxidação de xenobióticos, forma a hidroquinona. Por sua vez, a hidroquinona, entra para a medula óssea, por ação da mieloperoxidase ou PHS que origina um radical fenoxilo, que vai reagir com o ADN e provoca uma supressão da medula com anemia aplástica. A PHS e a mieloperoxidase podem ser induzidas pelo fenol, uma reação oxidativa da CYP450 e das peroxidases, para a formação de um radical reativo que origina o efeito tóxico do benzeno. 88 Hidratação pela Epóxido Hidrolase (ex: hidratação do benzo(a)pireno) Catalisa a adição trans de H2O a epóxidos alcenos, e óxidos arenos (Oxiranos) Está presente na maior parte dos tecidos, nas frações microssomais e citoplasmáticasO benzopireno (composto que se forma com facilidade pela combustão da matéria orgânica), substrato da CYP450, é constituído por 5 anéis aromáticos, com dupla ligação na posição 8-9 e a possibilidade de a ligação 7-8 levar à formação de um epóxido. Este epóxido é substrato da epóxido hidrólase, que leva à formação de um diol que, sendo substrato da CYP450, PHS e peroxidases, pode formar um segundo epóxido na posição 9-10. Este segundo composto já não é substrato da epóxido hidroláse, pois a primeira hidratação do benzopireno provoca um impedimento estérico à enzima. Este composto tem capacidade de se ligar ao ADN e exercer o seu efeito carcinogénico. 89 Redução: Tetracloreto de carbono CCl4 Biotransformação pelo CYP450 – reação de redução com transferência de eletrões – leva à formação do radical triclometilo, causando hepatoxicidade. O tetracloreto de carbono é um solvente que tem a capacidade de reduzir uma reação de redução com perda de um cloro com introdução de um eletrão na molécula, levando à formação do radical tricloro metilo que tem a função hepatotóxica. Também se podem formar outras espécies rea vas de oxigénio e todos eles são sujeitos a processos que podem levar a alteração de ácidos nucleicos, proteínas, lipídios e ainda à peroxidação lipídica característica deste composto. Reações de fase II Depois de termos os nossos metabolitos que vêm da fase I (fase de funcionalização dependendo do xenobiótico), ele vai estar pronto para entrar nesta série de reações de fase II. Estas reações de fase II são reações que envolvem a conjugação do xenobiótico cuja principal funcionalidade é introduzir na molécula um grupo que lhe garanta facilidade de eliminar do organismo (que o torne mais hidrossolúvel) – conjugação dos xenobióticos com compostos endógenos para favorecer a eliminação: Envolve a adição de grupos endógenos geralmente polares: − aumenta a hidrofilia (ácido glucurónico; sulfato; glutationa; aminoácidos); − aumenta a lipofilia (acetilo, metilo). Utiliza cofatores ativados ou envolve substratos reativos/ativados: − Cofatores ativados: glucuronidação, sulfonação, acetilação e metilação; − Cofatores não ativados: conjugação com a glutationa e com aminoácidos. Esta conjugação pode ser: Direta – com um grupo químico do xenobiótico (ex: hidroxilo, amina,..). Ou resultar da conjugação de grupos químicos do metabolito que vem da fase I. 90 Quadro resumo das reações de fase II: Reação: Glucuronidação Sulfonação Acetilação Metabolismo: Principal via de metabolização dos xenobióticos nos mamíferos (com a exceção dos felinos) Formação de ésteres do ácido sulfúrico altamente hidrossolúveis Metabolização de aminas aromáticas e sulfonamidas Enzima: UDP-glucuronosil transferases (UGT) Sulfotransferases (SULTs) Acetil transferases Cofator: Ácido uridina difosfato glucurônico (UDP-GA) 3-fosfoadenosina-5- fosfosulfato (PAPS) Acetil-coenzima A (Acetil-CoA) Reação: Metilação Glutationa* Aminoácidos* Metabolismo: Metabolização de grupos amino, tiol e hidroxilo Metabolização e detoxificação de espécies reativas Conjugação com ácidos orgânicos aromáticos e alifáticos (ex: salicilatos) Enzima: Metil-transferases Glutationa-S- transferases Aminoácido-transferases Cofator: S-adenosilmetionina (SAM) Glutationa (GSH) Coenzima A (CoA) *conjugação com cofatores não ativados uma vez que o substrato é ativo Glucuronidação UDP-glucuronosiltransferase (UGT): UDP-GA (ácido uridina difosfato glucurónico): agente conjugante ativado do ácido glucurónico. 16 isoformas, microssomais, nos humanos, classificadas em 2 famílias: UGT1 e UGT2. Notas: É uma das principais reações de fase II. Metaboliza imensos xenobióticos e fármacos, é catalisada pelas UGT (enzimas microssomais). A ação desta enzima depende do agente conjugante, o UDP-GA. Olhando para a estrutura, a fração a vermelho é o ácido glucorónico, sendo que é este que fica ligado ao metabolito – a outra parte separa-se para formar o grupo dos fosfatos dando energia para que a reação ocorra. É um agente conjugante ativado. 91 Sulfonação Sulfotransferase (SULT): PAPS (3`-fosfoadenosina-5`-fosfosulfato): agente conjugante ativado fonte S: cisteína. Múltiplas isoenzimas, citosólicas: fígado, rins, pulmões, intestino Exemplo do metabolismo do PARACETAMOL: Glucuronidação (conjugação com o ácido glucurónico) Metabolização do paracetamol, pela UDP-glucuronosiltransferase (Cofator: UDP-GA). Sulfonação (conjugação com o um grupo sulfónico) Metabolização do paracetamol, pela sulfotransferase (Cofator: PAPS). Notas: Reação fundamental no metabolismo de vários fármacos. É catalisada por enzimas citosólicas denominadas de sulfotransferases (SULT), que têm como agente conjugante ou cofator o PAPS (3´- fosfoadenosina-5´-fosfosulfato) Esta molécula tem um grupo fosfato que vai dar energia necessária para que apenas o grupo do enxofre seja utilizado como agente conjugante. Um exemplo da reação de fase II com estas duas enzimas (UDP-GA e SULT) é o que ocorre no metabolismo do paracetamol. Cerca de 90% do paracetamol administrado vai ser eliminado pelo organismo, quer sob a forma de APAP-glucorónico, quer sob a forma de APAP-sulfato: - O paracetamol é conjugado com o ácido glucurónico e com os sulfatos, formando 2 metabolitos extremamente hidrófilos e facilmente eliminados na urina. Portanto, estas duas enzimas têm um papel fundamental na destoxificação do paracetamol, essencial para a garantia de segurança deste fármaco. 92 Acetilação Notas: A acetilação ocorre pela ação das acetiltransferases, que podem ser divididas em 2 famílias: NAT1, presente na maior parte dos tecidos, é uma isoenzima constitutiva. NAT2, presente essencialmente no fígado, é uma isoenzima polimórfica, ou seja, parte da população tem baixa atividade para a NAT2 e outra tem alta atividade. Um dos substratos das acetiltransferases são as sulfonamidas. Estas podem ser conjugadas com acetilados em 2 posições - amina aromática e amina ligada ao enxofre – em ambas se formam metabolitos acetilados que, pela presença do acetilo, aumenta a lipofilia. No entanto, podem ser acetiladas em ambas as posições para o mesmo metabolito, que se torna extremamente lipofílico, o que leva a que a nível do túbulo proximal do rim, aquando da reabsorção de água, este composto precipita, cristaliza e pode danificar as células tubulares – necrose renal. Portanto, as sulfonamidas são nefrotóxicas por precipitação renal ou lesão das células tubulares. Metilação Tem como principais substratos os grupos amino, hidroxilo e tiol dos xenobióticos. Torna os compostos mais lipofílicos. As metiltrasnferases são citosólicas, na maioria, mas também podem estar no retículo endoplasmático. Existem cerca de 39 isoformas de metiltransferases no humano. Usa como cofator a S-adenosilmetionina (SAM). 93 Exemplos: Notas: Ocorre pela ação das metiltransferases (presente no citosol e no reticulo endoplasmático; têm várias isoformas; são responsáveis pelo metabolismo de vários xenobióticos e endobióticos) e utilizam como cofator a S-adenosilmetionina (SAM). Ao observar a estrutura deste cofator, apenas uma parte é utilizada na conjugação – o grupo metilo. Este tipo de reações torna os compostos mais lipofilicos, uma vez que adiciona um grupo metilo ao xenobiótico. Um dos exemplos do metabolismo de metilação é o que ocorre com o mercúrio, ocorre a metilação deste a metilmercúrio e a dimetilmercúrio, que são compostos lipofilicos, capazes de atravessar a BHE e com efeito neurotóxico. Outro exemplo é o da 6-mercaptopurina, cuja inativação ocorre por uma metiltransferase que leva à sua metilação no enxofre. A incapacidade de realizar este processo leva à toxicidade destescompostos. O estradiol pode ser hidroxilado pela CYP450 a um catecol, de seguida, pela metilação da catecol-O-metiltransferase. Esta metilação é essencial para desativar o estradiol. 94 Conjugação com a glutationa Glutationa S-transferase: Citoplasmática (10% proteínas) Local ativo: tirosina Presentes em todos os tecidos Polimórficas Cofator: Glutationa Exemplo: Notas: Catalisada por glutationa-S-transferases, enzimas citoplasmáticas que correspondem a 10% das proteínas existentes no citoplasma. Têm como local ativo um resíduo de tirosina, estão presentes em todos os tecidos e são enzimas polimórficas. A glutationa é um tripéptido constituído por 3 aminoácidos, o ácido glutâmico, cisteína e glicina e o seu local ativo é o grupo tiol da cisteína. Um dos exemplos clássicos da ação destoxificante por conjugação com glutationa é o que ocorre com o paracetamol. Este, pode ser metabolizado via CYP450 a um metabolito extremamente reativo, denominado NAPQI (N-acetil-p-benzoquinona imina). Este metabolito é hepatóxico, podendo causar falência renal em casos de sobredosagem de paracetamol. No entanto, o NAPQI é 95 destoxificado pela glutationa-S-transferase na presença de glutationa, formando um metabolito facilmente excretável na urina. No entanto, os conjugados com a glutationa podem ser eliminados e biotransformados na urina. A nível renal, os conjugados podem sofrer um processo de simplificação, com perda de aminoácidos. Assim, o primeiro aminoácido que pode ser quebrado a nível renal, por ação da gama- transferase, é o ácido glutâmico. De seguida, por ação da alanil aminopeptidase, pode ocorrer a perda da glicina, ficando um metabolito apenas conjugado com a cisteína. O conjugado de cisteína, por sua vez, pode sofrer acetilação, originando ácido mercaptúrico, facilmente eliminado na urina devido à sua elevada hidrofilia. Contudo, a nível renal também temos uma enzima, denominada de beta-liase, que consegue metabolizar o conjugado cisteína formando um composto com grupo tiol, com uma enorme reatividade, que pode causar toxicidade renal. Conjugação com aminoácidos Exemplo do ácido acetilsalicílico: Notas: As reações de conjugação com aminoácidos são muito comuns, sendo o exemplo mais clássico o que ocorre com o ácido acetilsalicílico. Este pode ser facilmente hidrolisado a ácido salicílico por ação de esterases ou por hidrólise intestinal. O ácido salicílico é um metabolito reativo que é facilmente conjugado com a glicina, via CoA, e que forma um metabolito hidrossolúvel, ácido salicílico, facilmente eliminado na urina. 96 Conjugação com CoA Notas: Pode dar origem à conjugação com aminoácidos. Pode originar um metabolito intermediário, acil CoA tioester, que tem alguma reatividade e pode ter consequências toxicológicas, entre elas a depleção de CoA, induzindo a beta-oxidação, ou a transacilação da glutationa, podendo levar à depleção deste composto de ação antioxidante (menor quantidade de glutationa). Pode ainda levar à transacilação de proteínas, formando compostos reativos e com capacidade imunológica. Destoxificação vs bioativação A destoxificação é a principal função do metabolismo dos xenobióticos, de forma a facilitar a eliminação e reduzir a toxicidade . No entanto, durante processo metabólico pode ocorrer a formação de metabolitos mais tóxicos e quimicamente mais rea vos ou instáveis, á qual nominamos de bioativação. As enzimas de destaque no processo de bioa vação são a CYP450, glucuronosil-transferases e peroxidases , que levam à formação de eletrófilos, nucleófilos, radicais livres e metabolitos a vos (redox). Metabolismo do paracetamol Como exemplo, temos mais uma vez, o paracetamol. A via metabólica é a via de metabolização principal, é aquela que leva à formação de conjugados com o ácido glucorónico e com sulfatos (seta a verde). Ambos os metabolitos formados correspondem a conjugados e são extremamente 97 hidrófilos, logo, facilmente eliminados na urina. Este processo metabólico corresponde a cerca de 90% do metabolismo do paracetamol. Cerca de 2% corresponde à eliminação sem qualquer alteração química, ou seja, na sua forma inalterada. O restante 5-9% poderá levar a outras vias metabólicas. A CYP450 leva à formatação do metabolito NAPQI, extremamente reativo, que pode ser destoxificado por reações de fase II, conjugando o metabolito com a gluta ona e originando um metabolito facilmente eliminado na urina na forma de ácido mercaptúrico. Portanto, a conjugação com o ácido glucurónico, sulfato e com a gluta ona corresponde a vias destoxificantes do paracetamol. Numa situação de sobredosagem, as vias de destoxificantes podem ficar saturadas ou esgotadas. Neste caso, há uma acumulação de NAPQI e este tem agora a capacidade para se ligar às proteínas hepá cas e provocar necrose centribular. Em termos renais, pode também formar-se um metabolito, por ação da PHS, que é um radical nitrénio, com um átomo de azoto carregado, que permite a sua ligação às proteínas renais, provocando danos na medula renal. Pode ainda sofrer um novo processo metabólico e formar o NAPQI, que terá a nível renal um efeito idêntico ao que tem a nível hepático. 98 Excreção É a etapa final no processo de desintoxicação dos organismos e depende de vários fatores como a lipofilia, o volume urinário (caso seja renal, o aumento de volume leva a maior solubilização de xenobiotico) e transportadores. No final do processo metabolitos temos metabolitos mais hidrossolúveis que são mais facilmente eliminados – se funcionassem de forma linear. As principais vias de excreção são: 1) Renal (principal) – eliminação de compostos mais hidrossolúveis na urina. 2) Biliar – a eliminação de compostos (se ocorrer) dá-se através de fezes. É a segunda via de eliminação de xenobióticos (xenobióticos não absorvidos e xenobióticos/metabolitos drenados pela bílis). 3) Pulmonar – eliminação de compostos pelo ar exalado. Terceira via de eliminação de xenobióticos (importante via para gases e compostos voláteis). No entanto também pode ocorrer: 4) Através do leite materno – ocorre a pH acido a nível de compostos básicos e lipofílicos (DDT e metais), através do transportador membranar BCRP (transportador de efluxo que leva à acumulação de xenobiótico no leite). 5) Através do suor e saliva – acumulam anfetaminas e seus metabolitos, permitindo a deteção por testes imunológicos. 6) Através de cabelos e unhas – tecidos que acumulam drogas de abuso e metais (permite deteção de As e Hg em analises de contaminação ambiental, ocupacional e analises forenses). A eliminação através destas vias está bastante relacionada com a solubilidade no xenobiótico. 99 1. Excreção renal A excreção renal é a principal via de eliminação dos xenobió cos e dos seus metabolitos – os rins são órgãos altamente capazes de excretar xenobioticos e limpar o sangue: Tem na sua funcionalidade de excreção um glomerulo cons tuído por membranas porosas que permitem a filtração dos xenobió cos que posteriormente são drenados para a zona tubular proximal, onde ocorrrem processos mediados por transportadores, havendo absorção de metabolitos importantes e efluxo de xenobió cos diretamente para o lúmen urinário onde depois são eliminados A excreção pela urina envolve três mecanismos: i. Filtração glomerular – existem membranas porosas a nível glomerular (poros glomerulares) que filtram xenobióticos hidrossolúveis e de baixo peso molecular (limpeza de sangue por parte do rim). ii. Excreção tubular (difusão passiva) – xenobióticos passam para o túbulo proximal que possui grande quantidade de transportadores, que executam a reabsorção de compostos importantes no organismo, e levam ao efluxo de xenobióticos eliminados através da urina(devido a reabsorção de água há precipitação de xenobióticos, podendo haver lesão renal/nefrotoxicidade com necrose). Alguns fatores que podem afetar a excreção: Saturação das moléculas transportadoras (Ex. etanol no T. ativo) – vão modular o processo de eliminação de muitos xenobióticos. Ligação às proteínas plasmá cas (pode diminuir a excreção via Dif. Passiva). pH da urina (Fenobarbital ioniz. A pH alcalino/ Anfetamina a pH ácido) – administra-se uma solução para alcalinizar ou acidificar a urina e assim solubilizar o composto de acordo com o seu pH. Volume urinário – quanto maior for, maior é a capacidade do composto se solubilizar e ser eliminado. Hidrofilia dos compostos – é fundamental que o composto sejam solubilizados na urina, para que possa ser eliminado. 100 Exemplo de excreção de xenobióticos na urina: A sulfonamida é um dos an bió cos mais usados no século passado, sendo responsável por nefrotoxicidade. Possui dois grupos que vão sofrer uma ace lação levando a uma dupla acetilação da estrutura durante a reação de fase II (formação de metabolitos duplamente acetilados) que conferem maior lipofilia (menos hidrófilos) e portanto é mais dificil de se solubilizarem na urina e precipitam sob a forma de cristais, levando a necrose renal. O veículo também tem um efeito nefrotóxico porque o etilenoglicol (diol) é reduzido por um processo de oxidação e leva à formação de oxalato de cálcio que possui baixa solubilidade, ficando depositado no túbulo proximal, provocando também danos renais – nefrotoxicidade. Na gota (acumulação de acido úrico) não ocorre eliminação de acido na urina pois é reabsorvido por URAT1 (transportador do túbulo proximal), devendo administrar-se um fármaco que iniba este transportador. iii. Secreção tubular ativa – transporte para fluidos tubulares. Existem vários fatores que podem afetar excreção: Saturação de moléculas transportadoras – pode ocorrer a nível do etanol no transporte ativo. Ligação a proteínas plasmáticas – pode diminuir excreção via difusão passiva. pH da urina – se for alcalino pode levar a ionização de fenobarbital e se for acido pode levar a ionização de anfetamina. Volume urinário – quanto maior for, maior é a capacidade do composto se solubilizar e ser eliminado 101 2. Excreção biliar A segunda via de eliminação dos xenobióticos é a via de excreção intestinal/biliar: xenobióticos não absorvidos e xenobióticos/metabolitos drenados pela bílis. Depende do estado do fígado e da sua constituição em termos de membranas sinusoidais porosas (os compostos passam pelos poros para os hepatócitos onde podem sofrer processos metabólicos) e transportadores membranares (sinusoides e canalículos). É uma via importante para xenobióticos/metabolitos com elevado peso molecular (>300g/mol), que são transportados pelos transportadores de efluxo para os canalículos biliares, depois para a bílis e posteriormente para o duodeno onde podem ocorrer duas situações: 1. Eliminação dos compostos, que não têm capacidade para serem abosrvidos, nas fezes – preferível. 2. Circulação entero-hepatica – hidrolise dos conjugados glucoronideos (por β-glucuronidases) ou sulfatos (por sulfatases) no duodeno, pelo que independentemente da enzima atuante (depende de metabolito), há libertação de compostos hidrofílicos que vão sofrer reabsorção intestinal. A eliminação pelas fezes compreende vários pos de compostos: ➢ Compostos que não são absorvidos pelo trato intestinal. ➢ Compostos segregados diretamente para o lumen por transportadores. ➢ Compostos excretados pela bílis que é drenada diretamente no duodeno e depois para o intes no, eliminando pelas fezes. 3. Excreção pulmonar Depende de estado de pulmões. É a terceira via de eliminação, e apenas ocorre para compostos voláteis ou gasosos de baixa solubilidade no sangue (os de alta solubilidade podem sofrer esta excreção, mas vai ser lenta). Ocorre através de um mecanismo de difusão simples devido à pressão parcial do xenobióticos nos alvéolos ser inferior à pressão a parcial no sangue. O dióxido de carbono tem uma menor solubilidade no sangue do que o etanol, sendo por isso mais facilmente eliminado do sangue – comparando os dois compostos no sangue, nós eliminamos preferencialmente o CO2. 102 Pode ocorrer por dois tipos diferentes de transporte: 1. Difusão simples – depende de pressão parcial do xenobiotico nos alvéolos e no sangue (para ocorrer excreção a primeira deve ser menor). É o principal mecanismo. 2. Transporte ativo – ocorre através de P-gp a nível dos pneumocitos. O aumento do efluxo leva à eliminação dos seus substratos. A presença de transportadores membranares nos pneumócitos (P-gp) aumenta o efluxo e eliminação do seus substratos. Está muito dependente da solubilidade que o xenobiótico tem no sangue: Compostos com grande solubilidade tem uma enorme dificuldade de serem eliminados pela via pulmonar. Compostos com baixa sofrem facilmente difusão para a zona alveolar e são eliminados pela respiração. Variabilidade biológica não genética e suas consequências no ADMET de xenobióticos Os fatores biológicos não genéticos que afetam a variabilidade são: Sexo – as diferenças de sexo podem levar a diferenças significa vas nos processos de biodisponibilidade: A ADH da classe 4 interfere no metabolismo do etanol ainda antes de ele ser absorvido, sendo mais ativa no homem do que na mulher; A CYP3A4 é mais ativa na mulher; A glicoproteina P é mais ativa no homem; As mulheres têm em média menor Vd e eliminação renal mais lenta. Idade Os recém nascidos têm uma imunidade hepática, sobretudo uma deficiência na glucoronidação; Os recém nascidos têm uma BHE imatura, logo são mais susce veis a efeitos neurotóxicos (ex: chumbo). Estado patológico Doenças hepáticas originam deficiências de cofatores enzimáticos; Doenças renais reduzem a eliminação de xenobitoicos; 103 A meningite aumenta a permeabilidade da BHE; Algumas doenças genéticas podem diminuir a capacidade de conjugação. Dieta O conteúdo proteico influencia a a vidade microssomal, porque esta é dependente de proteínas para a síntese de grande parte das enzimas; A deficiência alimentar reduz a biodisponibilidade de cofatores essenciais às reações de fase II; A ingestão de compostos com a vidade indutora ou inibidora, como o benzopireno ou as furanocounarinas, respetivamente. Espécie A respiração é mais rápida nos canários; A glucuronidação é pobre nos felinos; A absorção mais rápida dos gases tóxicos, útil nas minas; As esterases estão ausentes nos insetos, tornando-os mais suscetiveis aos Pesticidas orgânicos formados e piretroídes; Grande parte das espécies tem variabilidade na ligação proteica, vias metabólicas, distribuição lipídica e volume urinário. Variabilidade genética EXEMPLO: ADH e ALDH no metabolismo do etanol (relembrar!!) 104 No caso do etanol, este é metabolizado pela ADH e ALDH. No citoplasma, o etanol é metabolizadores a acetaldeído pela ADH que depois, na membrana mitocondrial, é metabolizado a ácido acético pela ALDH. Ambas as enzimas são polimórficas. Na ADH focamos em 2 isoenzimas, a ADH2*2 e a ADH7. A ADH2 polimórfica pode ter um alelo ADH2*2 que consegue a conversão rápida do etanol a acetaldeído. Este alelo é predominantemente e, 90% dos asiáticos do denominado “rim do pacifico” e é pouco frequente nos caucasianos. A classe 4 da ADH7 tem baixa afinidade, mas alta capacidade metabólica, é muito pouco expressa nos asiáticos bem como nos alcoólicos e durante o jejum. A ALDH pode também ter um alelo ADH2*2, que tem baixa a vidade metabólica e é expressa essencialmente na população asiática. Portanto, esta população vai ter uma rápida metabolização do etanol a acetaldeído,mas uma lenta metabolização deste a ácido acético. Deste modo, esta população acumula acetaldeído sempre que ingere etanol, provocando desconforto semelhante ao do dissulfiram. ʓ Indução e inibição enzimática Ambos estes processos podem alterar o perfil metabólico de um xenobiótico, o que pode resultar em efeitos marcados na atividade biológica e na toxicidade. Indução Inibição Aumento da síntese de isoenzimas específicas ou transportadores Caracterizada pela diminuição da atividade da enzima Dioxina - temos um aumento seguido de: Ligeiro do conteúdo em outras enzimas Do conteúdo em CYP450 Ligeiro tamanho do fígado Ligeiro da síntese de proteínas A transcrição de CYP1A1 Etanol: Indução da CYP2E1 Não ocorre por aumento da transcrição Estabilidazação da enzima Aumento da eficiência da síntese de proteína A degradação da enzima é inibida. Compostos do sumo de toranja, furanocumarinas: Atividade inibitória deve-se à presença de furanocumarinas Inibem a CYP1A2, 2C9, 2C19, 2D6, e a CYP3A4 intestinal e hepática e a P-gp Afetam sobretudo os xenobióticos com marcado efeito de primeira passagem Mecanismo de inibição provável: aumento da degradação da CYP3A4. Ex: Consumo de toranja aumenta entre 10 e 480% a AUC da felodipina (fármaco hipertensor) O hipericão tem a capacidade de alterar a expressão génica da CYP3A4. 105 Toxicodinâmica Considera as diferentes interações dinâmicas dos xenobióticos com os alvos biológicos e os respetivos efeitos adversos resultantes, isto é, procura descrever como é que o agente tóxico lesa as células e os tecidos. Estudo dos mecanismos de ação do agente tóxico sobre o organismo, sob o ponto de vista bioquímico e molecular, isto é, o agente tóxico interage com recetores biológicos no local de ação e desta interação resulta o efeito tóxico. Alcançando o alvo, o agente tóxico causa alterações bioquímicas e fisiológicas, levando a efeito danoso. Porque é tão importante conhecer os mecanismos de toxicidade? Ao conhecermos os mecanismos de toxicidade, é possível avaliar e realizar diferentes aplicações como: − Avalição de risco; − Identificação de subgrupos com risco superior; − Definição de limiares de doses; − Desenvolvimento de novos biomarcadores (de exposição, de efeito e suscetibilidade); − Novas abordagens terapêuticas para doenças do foro toxicológico; − Direcionamento do desenvolvimento de novos fármacos; − Novos antidotos para intoxicações agudas; − Abordagens terapêuticas mais seletivas. Mecanismos de toxicidade Descrevem a forma como ocorre um efeito adverso-tóxico, envolvendo muitos processos moleculares, bioquímicos e celulares que podem atuar isoladamente ou numa combinação complexa para produzir essa resposta. Os mecanismos de toxicidade podem ser simplificados visualmente para um processo de quatro etapas: 1. entrega do tóxico ao seu alvo; 2. interações entre o tóxico e o seu alvo ou o microambiente; 3. progressão para disfunção celular; 4. reparação ou adaptação inadequadas. 106 Quando as perturbações induzidas pelo AT excedem a capacidade reparadora ou quando a reparação não funciona → a toxicidade ocorre. Ex: Necrose tecidular, cancro e fibrose, são exemplos de toxicidade quimicamente induzida e que seguem este percurso da 4ª etapa. Etapa 1 – Entrega do agente tóxico: do local de exposição ao alvo O processo de entrega do tóxico ao alvo é o primeiro passo para o desenvolvimento da toxicidade. Os fatores ilustrados à esquerda aumentam a entrega ao alvo, enquanto os da direita indicam uma entrega reduzida ao alvo. Absorção vs eliminação pré-sistémica; A distribuição do tóxico ocorre através de processos passivos porosos ou a vos: mecanismos que facilitam/dificultam a distribuição para o alvo; Excreção vs reabsorção; Bioactivação vs destoxificação. Esta toxicidade normalmente é consequência de um processo de não destoxificação e de não eliminação do organismo. O facto da biotransformação produzir metabolitos quimicamente reativos (eletrófilos, nucleófilos e compostos reativos em termos redox) – são responsáveis pelas consequências tóxicas a nível dos tecidos, provocam uma desregulação da homeostasia do cálcio, stress oxidativo, peroxidacao lipídica, apoptose, a vação de cinases, necrose e por fim morte celular. Os metabolitos rea vos dependem da estabilidade – metabolitos com maior estabilidade entram rapidamente na corrente sanguínea e vão provocar efeitos tóxicos noutros órgãos. Dependem também da sele vidade para se ligarem a determinado alvo, das propriedades químicas… Etapa 2 – Interações entre o tóxico e o seu alvo ou o microambiente A etapa 2 pode ser subdividida em duas, e dependem de: a) Características da molécula-alvo; pos de reações; efeito do AT sobre a molécula-alvo (disfunção , destruição, formação de moléculas imunogénicas); b) Toxicidade não iniciada pela reação com a molécula-alvo (xenobióticos que alteram o microambiente biológico produzindo uma resposta tóxica: 107 Exemplos de xenobióticos que têm a capacidade de alterar o microambiente: 1. Solventes e detergentes alteram diretamente a fase lipídica das membranas celulares e destroem os gradientes de soluto das membranas, essenciais para as funções celulares. 2. Os produtos químicos que alteram as concentrações de iões H+ na biofase aquosa → perturbando o equilíbrio ácido-base essencial. 3. Alguns xenobióticos causam danos pelo simples facto de ocuparem um local ou espaço. Qualquer uma das etapas (2a ou 2b) vão culminar na progressão para uma disfunção celular ou para uma reparação ou de adaptação inadequadas – em qualquer uma destas situações o fenómeno de toxicidade é consequência final. Etapa 3 – Progressão para disfunção celular A 3ª etapa do desenvolvimento da toxicidade: alteração das funções celulares. Os principais efeitos manifestam-se através da alteração da regulação da sinalização celular ou da manutenção da função celular, com efeitos específicos que incluem a alteração da expressão génica, a deterioração da função celular, a deterioração da homeostasia intracelular e da homeostasia extracelular. Etapa 4 – Reparação ou adaptação inadequadas Um organismo dispõe de mecanismos que: neutralizam a distribuição dos AT, como a destoxificação; revertem a lesão tóxica, como os mecanismos de reparação; compensam algumas disfunções, como as respostas adaptativas. Assim, a toxicidade não é uma consequência inevitável da exposição a um AT porque pode ser prevenida, revertida ou compensada por tais mecanismos. A toxicidade desenvolve-se se o AT esgota ou prejudica os mecanismos de proteção e/ou destroi a adaptabilidade dos sistemas biológicos. 108 Exemplos de mecanismos de ação: Toxicidade dependente da metabolização. − Ex: Pb (chumbo), organosfosforados, paracetamol em sobredosagem Toxicidade por interação de xenobióticos com enzimas chave na homeostase da célula. − Ex: Pb, organosfosforados – podem estar nestes dois tipos de mecanismos de toxicidade e em outros, podem ser seletivos para enzimas específicas. Interação dos xenobióticos com recetores celulares e a sua relevância na toxicologia. − Ex: 2,3,7,8-tetraclorodibenzo-p-dioxina(TCDD) com um recetor celular (AhR). Desregulação da homeostase do cálcio. − Ex: CCl4, lindano, paracetamol, DDT. Stresse oxidativo induzido por xenobióticos. − Ex: CCl4, paraquato, paracetamol, Cr, Pb, Hg,… - vão originar espécies reativas de oxigénio. Toxicidade mediada por desregulação da produção de energia da célula. − Ex: etanol (diminuição da formação de Co A e inibe – cetoglutarato); o arsenito (inibe a piruvato desidrogenase) – a maior parte vão reduzir a produção de ATP comprometendo todo o organismo celular. Mecanismos de morte celular: apoptose, necrose e autofagia. − Ex: Amanita phalloides– cogumelo que provoca disfunção celular. Considerações finais Mais do que um mecanismo pode ser responsável pela toxicidade de um xenobiótico e eles podem ocorrer concomitantemente ou sequencialmente. Alguns agentes tóxicos têm mecanismos mais seletivos (os organofosforados vão atuar diretamente ao nível da enzima, bloqueando a acetilcolineaterase), enquanto outros têm múl plos mecanismos e induzem múltiplos efeitos. Alguns efeitos tóxicos resultam de múl plos mecanismos – caso do chumbo que provoca anemias (impede a síntese de 3 enzimas responsáveis pela produção de heme), vai ter efeitos gastrointestinais, efeitos a nível do SNC (fundamentalmente nas crianças), afeta a parte da musculatura. 109 Clínica – generalidades sobre o tratamento das intoxicações Caracterizada pelas manifestações clínicas dos efeitos resultantes da ação tóxica. Intoxicação – corresponde à fase em que aparecem os sinais e sintomas que caracterizam o efeito tóxico e evidenciam a presença do fenómeno da intoxicação. Estão envolvidas 6 fases: 1. Estabilização do doente intoxicado; 2. Avaliação clínica (anamnese, exame físico, análises laboratoriais e exame radiológico); 3. Prevenção da absorção do tóxico; 4. Aumento da eliminação do tóxico e/ou seus metabolitos – onde atua mais o farmaceutico. 5. Administração de antidotos; 6. Medidas de suporte adicionais e seguimento. 1. Estabilização do doente intoxicado Quando os primeiros socorros (INEM) chegam ao doente, realizam os primeiros tratamentos rela vos ao que o doente apresenta. Esta estabilização tem de ser: Rápida; Exame geral com avaliação das funções vitais, medidas de suporte e reanimação; Com o objetivo de prevenir o agravamento do estado do paciente. A avaliação inicial é feita com o modelo ABCDE: Airway – vias aéreas Breathing – respiração e ventilação; Circulation – circulação; Disability – incapacitação: estado neurológico; Exposure – exposição/controle ambiental. Tem que retirar o paciente do local de exposição de forma a terminar o contacto sempre que possível. 2. Avaliação clínica (anamnese, exame físico, reconhecimento do toxidrome análises laboratoriais e exame radiológico) A anamnese envolve os 5 W (base do diagnóstico tóxicológico): Who (quem): identificar o paciente e suas condições, incluindo patologias de base e uso de medicamentos. What (o quê): identificar o agente tóxico. 110 When (quando): horário do evento. Where (onde): via e local da exposição. Why (por que): motivo/circunstância da exposição. Os exames físicos, nomeados de toxidromes, são uma combinação de sinais e sintomas que ajudam a restringir o diagnóstico diferencial a um determinado tóxico, orientando a terapia - os sinais mais úteis do ponto de vista clínica são os que envolvem: Sistema nervoso central (estado mental); Sistema oftálmico (tamanho da pupila); Sistema gastrointestinal (peristaltismo); Sistema dermatológico – pele (secura vs diaforese); Membranas mucosas (humidade vs secura); Sistema genito-urinário (retenção urinária vs incontinência). Sinais/Sintomas Agente Miose Anticolinesterásicos, opiáceos, barbitúricos, fenotiazinas, álcool Midríase Simpaticomiméticos, cocaína, anticolinérgicos, beladona Nistagmo Carbamazepina, fenitoína, barbitúricos, etanol, toxinas animais Hipertermia Neurolépticos, cocaína, anticolinérgicos, salicilatos, anti-histamínicos, antidepressivos, fenotiazinas, teofilina Hipotermia Etanol, barbitúricos, opiáceos, CO, sedativos Agitação psicomotora, alucinações Anticolinérgicos, cocaína, LSD, antidepressivos tricíclicos, etanol, carbamazepina Sinais extrapiramidais Neurolépticos, antidepressivos tricíclicos Taquicardia Antidepressivos tricíclicos, anticolinérgicos, cocaína, simpaticomimétucos, cafeína, organofosforado Bradicardia Organofosforados, carbamatos, opiáceos, ⍺-adrenérgicos, digitálicos, β-bloqueadores, clonidina, bloqueadores de canal de cálcio Cianose Depressores respiratórios, agentes metahemoglobinizantes (sulfona, nitritos) Pele de coloração rósea CO, CN- Queimaduras de mucosa oral ou pele Substâncias cáusticas (alcalinas, ácidas) Convulsões Organoclorados, estricnina, organofosforados, cocaína, teofilina, anticolinérgicos 111 A ingestão de medicamentos pode levar a existência de intoxicações, sendo importante o controlo e abordagem do intoxicado. Os medicamentos são, ou por acidente ou por intenção (suicidio), grandes responsáveis por intoxicações. Idosos e crianças são as duas faixas etárias mais atingidas por intoxicações. Existem ainda os odores característicos do tóxicos: As análises laboratoriais cabem aos hospitais realizarem e têm de ser rápidas para permitir determinar o tratamento do paciente. As amostras utilizadas são o conteúdo gástrico, urina e sangue – o sangue é o mais usado porque é o que nos dá uma melhor correlação entre quantidade de tóxico e efeito. Os testes de despistagem de drogas na urina não são úteis na avaliação clínica inicial e no tratamento de doentes com overdoses porque não conseguem detetar um grande número de drogas e podem ter falsos positivos. EX: os metabolitos da cocaína são detetados durante 3 dias após o consumo, os opiáceos sintéticos, como o fentanil, não são detetados nos exames de urina de rotina e a pseudoefedrina produz um exame falso positivo para as anfetaminas. Os rastreios de drogas na urina são frequentemente solicitados para a avaliação psiquiátrica imunoensaios enzimáticos. cromatografia líquida e gasosa. A seguir às análises, fazem se exames complementares – exames radiológicos para: ϟ Drogas; ϟ Materiais radiopacos: chumbo e corpos estranhos metálicos. 112 3. Prevenção da absorção do tóxico Determinar qual a via de contacto (cutânea, ocular, oral, inalatória ou parenteral) de forma a adotar as medidas de descontaminação adequadas. Minimizar a quantidade total de substância química que atinge a circulação sistémica. O tratamento do intoxicado envolve uma mistura de várias funcionalidades a fazer, porque não existe só um tratamento para a situação – envolve várias situações em que é necessário realizar diferentes tratamentos. Os processos de descontaminação variam de acordo com a via de contacto: Inalatória – retirar o doente do ambiente onde se encontra a toxina e proporcionar-lhe ventilação e oxigenação adequadas; avaliação mais aprofundada se o doente apresentar irritação respiratória ou falta de ar. Cutânea – lavagem abundante com água e à remoção de roupas contaminadas (no caso de ácidos ou bases fortes este procedimento é desaconselhado). Ocular – irritação dos olhos com solução salina isotónica ou água morna durante períodos prolongados (15 min aproximadamente). Gastrointestinal – Indução do vómito (com xarope de ipecacuanha), a lavagem gástrica e a administração de carvão ativado ou catárticos e a irrigação intestinal é importante ter em consideração o tóxico envolvido. Contraindicações para a indução do vómito: ❖ Crianças com menos de seis meses de idade. ❖ Na ingestão de um agente cáustico (ácido ou alcalino). ❖ Num doente com um nível de consciência deprimido ou com falta de reflexo de vómito. ❖ Quando existe um risco significativo de aspiração do conteúdo gástrico, como no caso da ingestão de um hidrocarboneto líquido com elevado potencial de aspiração. Contraindicações para a lavagem gástrica: § Doentes inconscientes, exceto se estiverem entubados (risco de aspiração). § Ingestão de cáusticos ou hidrocarbonetos com elevado potencial de aspiração. § Integridade das vias respiratórias não está assegurada, mais tóxico para os pulmões do que para o sistema gastrointestinal. 113 O uso do carvão ativado – é o mais utilizado. Ɣ Indicação – maioria das intoxicações medicamentosas,agrotóxicos, plantas. Ɣ Uso – administrado sob a forma de uma pasta com água, por via oral ou por sonda nasogástrica, logo que possível após a ingestão. Ɣ Ação – é um dos melhores absorventes do agente tóxico que temos, através de poros presentes nas partículas do carvão ativado. Ɣ Características – Pó finamente dividido, da polpa da madeira e submetido a processos especiais de ativação. Contraindicações do carvão ativado: Acetaminofeno (paracetamol) quando este já está a ser tratado com acetilcisteína; Ácidos ou bases fortes; É o que menos causa complicações (raras). Metais, cianetos, malatião, ácido bórico, metanol, sulfato ferroso, acetona, digoxina; Utilizado com precaução em doentes com ruídos intestinais diminuídos e está contraindicado em doentes com obstrução intestinal; Não deve ser administrado se houver suspeita de perfuração esofágica ou gástrica ou se for necessária uma endoscopia de emergência. Drogas/toxinas bem adsorvidas pelo carvão ativado Drogas/toxinas pouco adsorvidas pelo carvão ativado Acetaminofeno; Anfetamina; Anti-histamínicos; Aspirina; Barbitúricos; Benzodiazepinas; Beta- bloqueadores; Bloqueadores de canal cálcio; Cocaína; Opioides; Fenitoína; Teofilina; Ácido valproico Ácidos; Alcalinos cáusticos; Álcoois; Ferro; Lírio; Cianetos metálicos; Ácidos minerais, solventes orgânicos Uso de catárticos: Um catártico é uma substância que provoca ou promove os movimentos intestinais. Em teoria, os catárticos diminuem a absorção de fármacos e toxinas acelerando a sua passagem através do trato gastrointestinal, limitando assim o seu contacto com as superfícies das mucosas. Sorbitol a 70% ou citrato de Mg a 10% ou sulfato de magnésio ou sulfato de sódio; Solução eletrolítica de polietilenoglicol, osmoticamente neutra e pouco absorvida, que limpa o lúmen do trato gastrointestinal. Este procedimento é o mesmo que o u lizado para preparar um doente para procedimentos médicos endoscópicos do intestino grosso - utilizado nas colonoscopias. 114 Indicações comuns: Metais pesados, ferro, lítio, formulações de libertação prolongada ou retardada. Contraindicações: ausência de ruídos intestinais ou obstrução – quando a parte intestinal está afetada. Complicações: inchaço, cãibras, irritação rectal. Como resultado, a absorção é atrasada e o desenvolvimento de efeitos tóxicos pode não ser observado durante várias horas. 4. Aumento da eliminação do tóxico e/ou seus metabolitos Para aumentarmos a eliminação podem usar-se diversas técnicas como: Manipulação do pH da urina – quelação. Remoção extracorporal do tóxico: − Hemodiálise; − Hemoperfusão. Troca de plasma ou Transfusão de plasma. Carvão ativado em doses múltiplas. A administração de carvão ativado oral em série durante o período de tratamento. Diurese forçada – na prática clínica de rotina não é recomendada, porque tem muitos inconvenientes - administração de fármacos diuréticos Manipulação do pH urinário – pode ser útil na eliminação de alguns agentes tóxicos e/ou seus metabolitos: Alcalinização da urina Acidificação da urina Melhora a depuração renal de certos ácidos fracos. Aumenta o pH do filtrado urinário para um nível suficiente para ionizar o acido fraco e impedir a reabsorção da molécula pelos túbulos renais. Requer um fluxo urinário adequado e um controlo clínico rigoroso, incluindo o do pH da urina. Aumento da depuração de bases fracas, como a anfetamina A acidificação da urina já não é recomendada devido à baixa depuração dos fármacos e ao risco de complicações como a rabdomiólise. 115 Intoxicação por ácidos fracos Intoxicação por bases: Salicilatos e barbitúricos (fenobarbital) Urina alcalina usando infusão intravenosa de NaHCO3 1-2 mEq /kg Verifique o pH da urina (pH >7); torna a urina alcalina e ioniza droga/ venenos acidas Complicações: inclui edema pulmonar ou cerebral e desequilíbrio eletrolíticos. Alcalóide da cocaína com nitrogénio e anfetaminas Acidifique a urina usando ácido ascórbico ou infusão de NH4Cl, IV Acidificar o pH da urina <5, que ioniza os compostos básicos. Uma parte dos tóxicos são ácidos ou bases fracas, e, portanto, o que normalmente se faz numa situação de intoxicação com ácidos fracos (barbitúricos, ácido acetilsalicílico…) faz-se a administração IV de um soro bicarbonatado para aumentar a eliminação do tóxico – elimina-se a molécula, formam- se sais solúveis que são eliminados por via renal. Para bases fracas (anfetaminas…) normalmente podemos usar um soro IV com ácido ascórbico. Quelação: A quelação envolve a utilização de agentes ligantes para remover níveis tóxicos de metais do organismo, como o mercúrio, o chumbo e o arsénio, e ainda ferro e cádmio. Exemplos de agentes quelantes são: EDTA – quando está sozinho tem o problema de complexar todos os metais essenciais ao nosso organismo, e por isso temos de ter outras opções como o complexo de cálcio – EDTa (CaNa2EDTA) – quando este complexo entra no organismo o cálcio sai e entra o metal tóxico, não causando problemas. Os agentes quelantes possuem: Grande afinidade para o metal; Capacidade de penetrar nas células; Capacidade de competir com os compostos quelantes naturais; Elevada solubilidade em água – extremamente hidrossolúvel e por isso eliminado facilmente pela urina. Capacidade de formar complexos estáveis e que não são tóxicos; 116 Metabolismo reduzido e rápida eliminação do metal; Distribuição semelhante à do metal no organismo. Agente quelante Utilizações nas intoxicações Efeitos adversos 2,3-dimercaptopropanol (BAL) Mercúrio, Chumbo, Ouro, Arsénio Hipertensão, taquicardia, náuseas e vómitos, cefaleias, secura dos lábios e garganta e da boca, conjuntivite, rinorreia, lacrimejamento e sudorese Succimer (DMSA) Chumbo, Mercúrio, Cádmio, Arsénio Desconforto gastrointestinal, neutropenia leve, erupções cutâneas e sintomas gripais 2,3-dimercaptopropano- 1-sulfonato (DMPS) Chumbo, Mercúrio, Cádmio, Arsénio Desconforto gastrointestinal, neutropenia leve, erupções cutâneas e sintomas gripais Edetato disódico de cálcio (CaNa2EDTA) Chumbo Nefrotoxicidade, arritmias, hipocalcemia, hipotensão, depressão da medula óssea, convulsões, problemas respiratórios, fadiga, febre, glicosúria, entre outros Ácido dietilenotriamino- Pentaacético (DTPA) Plutónio, Cobalto, Zinco Náuseas e vómitos, diarreia, febre, calafrios e contrações musculares D-Penicilamina (DPA) Cobre, Mercúrio, Chumbo, Ferro Trombocitopenia, leucocitopenia, anorexia, náuseas e vómitos, distúrbios gastrointestinais, alopécia e proteinúria Desferroxamina (DFO) Ferro Infeções agudas, complicações pulmonares, toxicidade ocular e auditiva, náuseas e vómitos, trombocitopenia, diarreia, febre, entre outros Deferiprona (L1) Ferro Artropatia, sintomas gastrointestinais, cefaleias, depleção de zinco, agranulocitose e neutropenia Trientina (TETA) Cobre Pancitopenia, anemia sideroblástica com siderose hepática Ácido nitrilotriacético (NTA) Cálcio, Ferro, Cobre, Níquel Adenocarcinoma, sobrecarga de ferro e peroxidação lipídica 117 Durante a guerra, usavam-se armas químicas com composto vesicantes, que eram compostos organo-arsénicos, formando vesículas ao longo de todo o corpo (são semelhantes a bolhas, em ponto maior, ao longo de todo o corpo). Estes compostos têm arsénio na sua composição, e para tratar a intoxicação, surgiu o agente apelante BAL que possui dois grupos tios (SH) – os metais atuam em tudo o que tenha grupos SH (tióis) e o que temos de fazer é administrar um composto que possua esses grupos tióis, vão complexar formando um anel em que o arsénio fica preso, facilmente hidrossolúvel e eliminado por via renal. A partir do BAL surgiram outros agentes quelantes ácidos.Reações de complexação: Lewisite = agente vesicante do grupo de agentes de guerra química. Remoção extracorporal do tóxico: É considerada quando a eliminação normal pelo organismo se encontra diminuída ou é insuficiente a remoção extracorporal de qualquer substância depende das suas características físico-químicas, níveis plasmáticos e condições clínicas do doente. Hemodiálise ou hemoperfusão são técnicas raramente utilizadas. Hemodiálise: É realizada em 90% dos casos que requerem um método de remoção extracorporal. Durante a hemodiálise, até 400 mL de sangue por minuto atravessam um circuito extracorporal em que compostos tóxicos difundem-se em uma membrana semipermeável e são retirados do organismo. É mais efetiva na remoção de compostos com as seguintes características: − Baixo peso molecular (< 500 daltons); − Baixa ligação a proteínas plasmáticas; − Pequeno volume de distribuição (< 1 L/Kg). Diálise reservada para toxinas específicas: salicilatos, metanol, lítio, teofilina, amanita (cogumelos). Não fazer diálise em crianças pequenas, deve ser considerada uma transfusão de troca. 118 Hemoperfusão: Consiste na depuração do agente tóxico fazendo o sangue passar através de uma coluna de resinas não iónicas ou de microcápsulas de carvão ativado. Tem a capacidade de remover mais efetivamente os AT adsorvidas pelo carvão ativado quando comparada à hemodiálise, porém a disponibilidade desta técnica nos centros de emergência é limitada. A substância deve ter um baixo volume de distribuição e de adsorção pelo carvão ativado – nas substâncias que não são absorvidas pelo carvão ativado não vale a pena fazer. Pode ser utilizado com compostos lipossolúveis e com compostos de peso molecular superior (>500 Da) ao da hemodiálise. A ligação às proteínas não interfere significativamente com a remoção por hemoperfusão. Utilizado principalmente no tratamento da sobredosagem grave de teofilina, bem como no envenenamento por paraquato. Uma vantagem da hemoperfusão em relação à hemodiálise é que a área total da superfície da membrana de diálise é muito maior. Os riscos médicos incluem trombocitopenia, hipocalcemia e leucopenia. Utilização limitada devido à necessidade de acesso ao cartucho de hemoperfusão esterilizado. Administração de doses múltiplas de carvão ativado (MDAC): É efetiva quando o AT ainda não foi absorvido do trato gastrointestinal, aumentando a sua eliminação. Intoxicados por carbamazepina, dapsona, fenobarbital, quinina ou teofilina que corram risco de vida. O carvão ativado no lúmen intestinal funciona como um ”coletor" para os tóxicos. As características dos produtos químicos que favorecem uma melhor eliminação por MDAC incluem: i. circulação entero-hepática significativa, incluindo a formação de metabolitos ativos circulantes. ii. semivida plasmática prolongada após uma sobredosagem. iii. volume de distribuição pequeno (<1,0 L/kg). iv. ligação limitada (<60%) às proteínas plasmáticas. v. comprimidos e/ou cápsulas de libertação prolongada/em forma de resina. vi. início de falência de órgãos (por exemplo, rins) que resulte na redução da capacidade da principal via de eliminação do tóxico (para substâncias químicas excretadas por via renal), de modo que a MDAC possa contribuir consideravelmente para a depuração corporal total. 119 Troca de plasma ou transfusão de plasma: Possui uma utilização limitada. ✓ Vantagem – remoção de substâncias tóxicas de elevado peso molecular e/ou ligadas às proteínas plasmáticas. Procedimento – envolve a remoção do plasma e a sua substituição por plasma congelado de dador, albumina, ou ambos, com fluido intravenoso. Os riscos e complicações incluem – reações do tipo alérgico, complicações infeciosas e hipotensão. 5. Administração de antídotos (destruir ou neutralizar o tóxico) Antídotos: Todo produto químico age biologicamente diminuindo ou neutralizando a ação de um agente tóxico ou opondo-se aos seus efeitos, através de diferentes mecanismos. Existem, de facto, muito poucos antídotos. Muitos antídotos têm uma margem de segurança relativamente estreita ou um índice terapêutico baixo. Antagonista: É uma substância que neutraliza a ação de outro. Toxina Antídoto Acetaminofeno (paracetamol) N-acetilcisteína Metanol, Etilenoglicol Etanol, Fomepizol Ferro Desferroxamina Opioides Naloxona Anticolinérgicos Fisostigmina Monóxido de carbono Oxigénio a 100%, Oxigénio hiperbárico Organofosfatos Atropina/Pralidoxima Meta-hemoglobina Azul de metileno Cianeto Hidroxocobalamina, nitrato de sódio, tiossulfato de sódio Digoxina Fragmentos de digoxina imune Beta-bloqueantes Glucagon, doses de insulina elevadas Bloqueadores dos canais de cálcio Doses de insulina elevadas Hipoglicémicos orais Glucose, Octreotido 120 No caso de uma sobredosagem de paracetamol, forma-se o NAPQI e para fazer a destoxificação é necessário a glutationa. A N-acetilcisteína vai permitir formar mais glutationa e dessa forma eliminar o metabolito reativo do organismo. Quatro mecanismos básicos que orientam a terapia de antídotos em toxicologia 121 Intoxicação por cianeto O tratamento de uma intoxicação por cianeto inclui: Administração de antídotos para o cianeto; Descontaminação dependendo da via de absorção; lavagem gástrica, carvão ativado. Tratamento de suporte adaptado à severidade da intoxicação. Não existe um antídoto ideal para todas as ocasiões, a escolha do antídoto adequado depende: Ɣ da natureza do composto e as circunstâncias da exposição; Ɣ da severidade da intoxicação; Ɣ da presença de fatores de risco para a toxicidade do antídoto; Ɣ do número de pacientes; Ɣ da proximidade de um hospital. A intoxicação por cianeto tem a ver com a facilidade de alguns compostos de cianeto se hidrolisarem e levarem a formação de ácido cianídrico. Muitos deles, em termos de etiologia das intoxicações, podem resultar de alguns pesticidas, terapêuticas, vegetais como as amêndoas amargas, o feijão… a ação do suco gástrico leva a esta hidrólise do ácido cianídrico provocando uma resposta bastante rápida em relação à intoxicação por cianeto. Estas intoxicações também podem resultar através do consumo de águas contaminadas, porque o ácido cianídrico é muitas vezes utilizado em processos de desinfeção e lavagens de minérios. As intoxicações são muito rápidas, bastando uma pequena quantidade para levar à morte. Os sintoma podem variar: ➢ Intoxicações subagudas – inibição dos centros globulares e, portanto, com tensão muscular, com morte extremamente rápida (1-2 minutos). ➢ Formas mais agudas – vertigens, náuseas, dispneia, asfixia e morte com paragem cardíaca em apenas 30 min. ➢ Lesões anatomopatológicas do cadáver – coloração vermelha-rosa do sangue e a apresentação de um cadáver rosado, se for por ingestão de cianetos alcalinos temos toda uma lesão da mucosa gástrica, o cadáver apresenta também um cheiro característico a amêndoa amarga. O tratamento passa em primeiro lugar por um suporte básico de vida, de seguida uma respiração artificial com administração a 100% de oxigénio ou colocar o indivíduo numa câmara, estimula-se o centro respiratório do indivíduo com fármacos dependendo se está ou não muito comprometida a 122 parte respiratória, e por fim, restabelecer a respiração celular garantindo a terapêutica de competição que é feita utilizando os tais antídotos para o cianeto. Os antídotos usados para o tratamento das intoxicações por cianeto podem ser classificados em 3 categorias: 1. Dadores de enxofre; 2. Geradores de meta-hemoglobina; 3. Combinação direta. 1. Dadores de Enxofre A adição de um átomo de enxofre ao cianeto forma o ião tiocianato, muito menos tóxico que o cianeto e facilmente excretado. Esta reação é catalisada por duas enzimas:rodanase (tiossulfato-cianeto sulfotransferase) e B-mercaptopiruvato-S-transferase. O anião tiocianato formado neste processo de destoxificação pode ser prejudicial em doentes com insuficiência renal. [2] O tiossulfato de sódio (I.V.) é o substrato natural da enzima rodanase, localizada principalmente no fígado, rim e músculo esquelético. É um tratamento eficaz, é lento, não podendo por isso ser usado como tratamento de primeira linha em intoxicações por cianeto podendo, no entanto, ser usado em combinação com outros antídotos. Efeitos adversos: náuseas, vómitos, dor no local de injeção e sensação de queimadura. Aplicação: Este é o antídoto escolhido em casos em que o diagnóstico ainda não está confirmado, por exemplo, em vítimas de incêndios. 2. Geradores de meta-hemoglobina A conversão de oxi-hemoglobina a meta-hemoglobina por um agente oxidante (nitritos - nitrato de sódio) leva à conversão do ião ferroso (Fe2+) a ião férrico (Fe3+), para o qual o ião cianeto tem afinidade. Embora a afinidade do cianeto para a citocromo oxidase seja maior que para a meta-hemoglobina, a produção desta em quantidades na ordem dos 20-40% faz com que a fração de cianeto que se combina com a meta-hemoglobina seja significativa, facilitando assim o trabalho das enzimas detoxificantes. 123 Risco: crianças e vítimas de incêndio, devido à existência no organismo de carboxi-hemoglobina. Fármacos: que atuam por este mecanismo incluem nitrito de sódio (intravenoso), nitrito de amilo (inalação) e 4-dimetilaminofenol (intravenoso ou intramuscular).; nitritos possuem com efeitos adversos. A administração de geradores de meta-hemoglobina requer uma monitorização cuidada dos níveis de oxigénio e meta-hemoglobina no sangue. O facto de gerar a meta-hemoglobina não é vantajosa porque ela é muito lenta na eliminação. 3. Combinação direta O composto mais conhecido a atuar por combinação direta é o cobalto, que possui uma elevada afinidade para o cianeto; 1 mol de um sal de cobalto tem a capacidade de se combinar com 6 de cianeto, formando um anião relativamente pouco tóxico, o cianeto de cobalto. A hidroxocobalamina (vitamina B12a) é menos tóxica e por isso tem sido usada como fonte de cobalto e o seu efeito é aumentado quando combinada com tiossulfato. A ligação da hidroxocobalamina ao cianeto forma cianocobalamina, não tóxico e que é facilmente excretado na urina. Intoxicação por metais (Tóxicos/Pesados) – arsénio (As), chumbo (Pb), mercúrio (Hg) O que são metais pesados? São encontradas diferentes definições na literatura, mas não existe uma oficial. Os metais pesados são um conjunto de elementos com alta densidade e que têm a forma metálica à temperatura ambiente. elementos metálicos que têm uma massa cujo valor mínimo se situa entre 4000 kg/m3 e 5000 kg/m3? elementos metálicos situados entre o cobre e o chumbo na Tabela Periódica dos Elementos, e mais o ferro e o crómio? todos os elementos que pertencem ao quarto período da Tabela Periódica dos elementos? A perceção pública é que os metais pesados são elementos com propriedades tóxicas = metais tóxicos 80 dos 105 elementos da Tabela Periódica são metais. > 30 deles são tóxicos para os humanos: - metais pesados (cerca de 20); 124 - metais leves (Al, Be); - metalóides: formam aniões e catiões (As, Se); A sua toxicidade é conhecida desde a Antiguidade. Sob a forma elementar raramente interferem nos sistemas biológicos (exceto o Hg°). Alguns são muito tóxicos – Pb, Cd, Hg, As. Outros são essenciais em doses baixas (para as atividades do nosso organismo) – Cr, Co, Cu, Fe, Mn, Zn. Lista de Prioridades de Substâncias de acordo com ATSDR (Agência para o Registo de Substâncias Tóxicas e Doenças) de 2022: É de notar que esta lista de prioridades não é uma lista das substâncias "mais tóxicas", mas sim uma hierarquização das substâncias com base numa combinação da sua frequência, toxicidade e potencial de exposição humana. TOTAL SCORE = FREQUENCY + TOXICITY + POTENTIAL FOR HUMAN EXPOSURE 4 dos metais listados no top-10 dos produtos químicos prioritários pela WHO/ IPCS de interesse para a Saúde Pública: 125 ʓ Importância dos metais pesados: O metal pesado pode reagir no corpo com ligandos que contêm oxigénio (-OH, -COOH), enxofre (-SH) e azoto (-nh2) – a toxicidade é principalmente devida à ligação do metal a enzimas contendo enxofre, o que leva a: inibição das enzimas; inibição da síntese de proteínas; atravessar as membranas celulares por difusão passiva/pinocitose. A maioria dos metais consegue atingir o órgão alvo/crítico – rim – levando a bioacumulação (aumento da concentração de uma substância química num organismo biológico ao longo do tempo). ➢ Biomagnificação: o processo pelo qual as substâncias químicas passam de um nível trófico para outro, aumentando assim a sua concentração (alimentação com peixes). ➢ Perigo ambiental: extensivo uso, toxicidade e ampla distribuição (dispersão = espalhada por uma vasta área, através do vento, da água e do solo). ➢ Não biodegradáveis → persistentes. ➢ Formas tóxicas/ formas não tóxicas (a toxicidade depende do seu estado de oxidação e da forma em que se apresentam). ➢ Facilmente transportadas pelo ar: gases ou como partículas em suspensão. ➢ Perigo para a saúde humana: efeitos crónicos e subletais a baixas concentrações, teratogénicos e carcinogénicos. Pb (efeitos nefastos no SNC) – déficit cognitivo acentuado nas crianças. As – doença do pé preto e outras doenças cutâneas: cancro (pulmão, pele, bexiga). Hg – doença de Minamata (envenenamento com MeHg) – efeitos cognitivos. ʓ Fontes de metais pesados no ambiente: 126 ʓ Efeitos dos metais pesados em diferentes órgãos vitais da saúde humana: Coração: Alterações na função Aumento de problemas do ritmo cardíaco Pulmões: DPOC Redução da função pulmonar Sangue: Passagem de partículas pelas paredes dos vasos Problemas de circulação sanguínea Tromboses ou doenças de vasos periféricos Cérebro: Enxaquecas AVCs Desordens cognitivas Doenças neurodegenerativas Sistema vascular: Aterosclerose Redução do diâmetros dos vasos sanguíneos, aumento da pressão arterial Sistema reprodutor: Problemas de fertilidade Aborto espontâneo Problemas de crescimento fetal Parto prematuro, baixo peso à nascença Arsénio É considerado um metal pesado (metaloide) e altamente tóxico. Ubíquo no ambiente. Ocorre naturalmente na crosta terrestre. Pode causar uma série de problemas de saúde como náuseas, vómitos, dor de cabeça,... Conhecido desde a Antiguidade como o Veneno dos Reis e o Rei dos Venenos (As2O3: assassinatos e suicídios). Atualmente usado como medicamento (As2O3) contra a Leucemia Promielocítica Aguda-APL – quando já nada resulta na terapêutica. Pode ser classificado como: Inorgânico Orgânico Tóxico ambiental Nas formas trivalentes (As3+) e pentavalentes (As5+): Arsenito e arsenato – constituem as rochas/solos Não tóxico Presente nos frutos do mar – pode haver alguma hipersensibilidade 127 Usos: Indústria eletrónica – semicondutores: Arsenieto de índio, arsenieto de gálio; Conservação da madeira-crómio-cobre- arsenato; Processamento de metais: arsenopirita; Pigmentos para tintas, cerâmica, vidro; Inseticidas, rodenticidas, herbicidas: Arsenato de cálcio e magnésio; Fármacos. Fármacos com arsénio: No passado Atualmente Arsfenamina: comercializado sob a marca Salvarsan em 1910 – tratamento da sífilis Solução de Fowler (1% arsenito de potássio): tónico, estimulante do apetite Melarsoprol: doença do sono africano As2O3 (TRISENOX®): agente quimioterapêutico para a Leucemia Promielocítica Aguda (LPA) As2O3– trióxido de arsénio foi no passado um veneno popular (Rei dos venenos e o veneno dos Reis): Século XVI e XVII: envenenamentos mais famosos por arsénio: Itália: família Borgias e Dona Toffana (As+ Pb + beladona) França: veneno profissional na corte real francesa O pó foi usado para matar rivais, familiares, para assassinatos políticos e como solução de conflitos de heranças. As propriedades do trióxido: ➔ insípido, inodoro e incolor; ➔ a dose letal para o homem é baixa: 200 mg; ➔ envenenamento não era detetado, porque os sintomas eram semelhantes à cólera, que era comum nessa época. Distribuição O arsénio está amplamente distribuído na natureza / atividades antropogénicas: ➢ Exposição ocupacional; 128 ➢ Exposição ambiental: ingestão de água e solos contaminada e o ar; ➢ Exposição na dieta alimentar: arsénio inorgânico predomina na carne, cereais e lacticínios, o arsénio orgânico (arsenobetaína e diferentes arsenoaçucares) é mais comum no marisco, vegetais e fruta; ➢ Agricultura, indústria - por causa dos pesticidas e utilização para diversos fins industriais; ➢ PICA-Solo (alteração de comportamento): quando as crianças ingerem grandes quantidades de solo de cada vez (por exemplo, até uma colher de chá ou de 5 000 mg). A constituição do nosso solo que contém os arsenitos e arsenatos, quando ocorre qualquer alteração das chuvas ácidas, leva a que o arsénio se desprenda das rochas e vá parar aos leitos de água, contaminando. Tipos de compostos e toxicidade A toxicidade vai depender: Valência Tipo de composto O Arsénio existe na forma elementar e, em estados de oxidação trivalente (As3+) e pentavalente (As5+) - são as mais preocupantes Compostos inorgânicos de arsénio (arsénio branco e sais de arsenato e arsenito) Compostos orgânicos de arsénio (trivalente e pentavalente) + arsina (AsH3) - toxicidade baixa, à exceção da arsina - a arsina encontra-se na forma gasosa e é a mais tóxica Toxicocinética Absorção: compostos inorgânicos de arsénio A absorção pode dar-se essencialmente por 3 vias: Oral (80-90 % dos casos) – ingestão de água (principalmente), arroz (tem grande capacidade de adsorver arsénio do solo)… Inalação (10% dos casos) – arsina (gás que tem o odor a alho). 129 Dérmica (comprovada, mas ainda não quantificada) – a população do Bangladesh contacta com águas ricas em arsénio devido ao solo. Forma química e tamanho das partículas: As5+ é melhor absorvido através do intestino, enquanto As3+ é mais solúvel nas membranas lipídicas. A absorção através da pele é uma importante via de exposição. Distribuição: Rápida distribuição no sangue, ligando-se às proteínas, como a globulina – depende do tipo de metal. Redistribui-se em 24 h, acumulando-se no fígado e rim membranas. Redistribui-se em 2- 4 semanas no cabelo e unhas; também pode ser depositado nos ossos e dentes por longos períodos. Não penetra prontamente a BHE. Passa rapidamente a placenta → perigo de dano fetal. Biotransformação: Os compostos inorgânicos As3+ são metilados → compostos menos tóxicos. Os compostos inorgânicos As5+ são convertidos a compostos mais tóxicos (As3+) após metilação. A metilação depende da idade (nas crianças é mais rápida) O arsenato (As5+) é reduzido a arsenito (As3+) em presença da arsenato redutase. O arsenito (As3+) é depois metilado formando-se 2 compostos de As metilados: ➢ Ácido monometilarsónico -MMA ➢ Ácido dimetilarsínico- DMA O arsenato (As5+) é reduzido, pela glutationa reduzida ou pela arsenato redutase, originando o arsenito (As3+) e a respetiva glutationa oxidada. O As3+ é convertido a ácido monometilarsónico V (à custa da arsenato metiltransferase) para fazer a metilação. Esta metilação pode continuar levando à formação de MMA III e posterior dimetilação para DMA V. 130 No final, o que vamos obter como principais metabolitos, são metabolitos metilados e eliminados por via renal: ➢ Ácido monometilarsónico -MMA ➢ Ácido dimetilarsínico- DMA Uma vez que a metilação é mais rápida nas crianças, é sempre necessário ter em conta esse aspeto. Vias alternativas de metabolismo: ➢ Via proposta em 2005 e baseia-se na formação não-enzimática de complexos de glutationa com o arsenito, originando triglutationa arsénica (ATG). ➢ No mecanismo clássico o MMA (V) converte-se em MMA(III), que é mais tóxico, enquanto nesta via o MMA(III) é convertido em MMA (V), menos tóxico. Na presença de baixas concentrações de glutationa (1 mM), o MADG é hidrolisado para formar o MMA (III); a concentrações elevadas de glutationa (5 mM), o MADG é metilado pela AS3MT originando DMAG. Excreção: A maior parte do arsénio inorgânico (45-85%) é excretado pela urina ( a excreção urinária de As é rápida - 30% do As é eliminado em 24h) numa mistura de As3+, As5+, MMA e DMA, que pode durar 1 a 3 dias: -10 % As inorgânico, 10-20 % MMA, 60 -80 % DMA. A proporção em que estes metabolitos aparecem nas amostras biológicas reflete o tipo de exposição. Uma pequena parte é eliminada nas fezes. O arsénio também pode ser excretado no suor e na camada de células mais externa da pele e fica concentrado nas unhas e cabelo, devido à sua ligação a proteínas contendo grupos –SH. ATG = Triglutationa arsénica DMAG = Glutathiona dimetilarsínica GSH = Glutationa MADG = Glutationa monometilarsínica SAHC = S-adenosilhomocisteína SAM = S-adenosilmetionina MMA (V) - As5+ MMA (III) - As3+ 131 Mecanismos de toxicidade Formas pentavalentes: ➔ competem em determinadas reações enzimáticas, como substratos, com os grupos fosfato durante o processo de fosforilação oxidativa. ➔ substituem a ligação estável éster do fosfato no ATP, formando o arsenilato lábil, havendo um bloqueio da síntese de ATP. Interferem com o metabolismo do fosfato, mimetizando as suas ações - o arsénio remove o fosfato, obtendo a mesma estrutura do fosfato Formas trivalentes: ➔ Ligam-se a grupos sulfidrilo livres → levando à inibição de uma grande variedade de processos oxidativos intracelulares. ➔ Inibem o ciclo de Krebs e a fosforilação oxidativa - estes levam à inibição da produção de ATP. ➔ O As e seus metabolitos podem produzir danos oxidativos no DNA, alterações na reparação do DNA e aumento da proliferação celular. Uma das enzimas comprometidas é a piruvato desidrogenase que bloqueia o complexo crucial para a conversão do piruvato em AcetilCoA que entraria no ciclo de produção de proteínas e enzimas A toxicidade e carcinogenicidade associada ao arsénio ainda não é completamente conhecida bioquimicamente. Vários mecanismos responsáveis pela carcinogénese induzida por estes compostos têm sido propostos, envolvendo stress oxidativo, danos no genoma (genotoxicidade), anomalias cromossómicas e a combinação com outros agentes tóxicos ambientais. Mecanismos epigenéticos, em particular, alteram a metilação do DNA. Arsina (forma gasosa mais tóxica) provoca hemólise intravascular. Uma das consequências desta hemólise é a falência renal, diretamente relacionada com a precipitação da hemoglobina nos túbulos renais. AsH3 > As(III) > As(V) > As orgânico 132 Intoxicação aguda Inalação: o Dor na garganta e irritação dos pulmões Neurológicos: o Parestesia, Depressão SNC, Coma Efeitos gastrointestinais: o Gosto metálico na boca, vómitos, dor abdominal, diarreia, desidratação, hemorragia gastrointestinal Dérmico: o Vermelhidão e inchaço Cardiovascular: o Insuficiência circulatória – podendo levar a morte Dose letal para o Homem (ingestão composto inorgânico) – 70-180 mg ➢ depende de cada indivíduo Sintomas de uma intoxicação aguda: o Febre o Anorexia o Hepatomegalia o Melanose o Arritmia cardíaca e eventualmente paragem cardíaca. Ingestão de doses elevadas provocalesões da mucosa gastrointestinal Outros sintomas ainda que podem surgir: o Perda de sensibilidade no SNP (1 a 2 semanas depois; reversível se houver paragem da exposição). o Anemia e leucopenia (reversível se houver paragem da esxposição). o Encefalopatia (dor de cabeça, confusão mental, alucinações e até coma). Arsina (gás), potente agente hemolítico, produzindo sintomas como náuseas, vómitos, falta de ar e dores de cabeça. ➔ Exposição fatal acima dos 25%. ➔ Odor a “alho”= nem sempre! (muitas das vezes se o indivíduo estiver num meio arejado o cheiro acaba por desaparecer). Intoxicação crónica Efeitos gastrointestinais: o Diarreia o CIrrose Neurológicos: o Encefalopatologias o Neuropatologias periféricas 133 Dérmico: o Hiperqueratose + hiperpigmentação das palmas das mãos e plantas dos pés o Cancro Após um mínimo de exposição de aproximadamente 5 anos, podem provocar cancro da pele. Uma das formas de identificar uma intoxicação crónica é o surgimento das linhas das unhas (Mees Lines). O "pior envenenamento em massa" de uma população na história - com dezenas de milhões de pessoas afetadas = contaminação natural das águas subterrâneas do Bangladesh Água dos poços no Bangladesh: > 50 μg/L de arsénio (podiam atingir cerca de 3000 μg/L) OMS recomenda: < 10 μg/L numa água potável - têm tentado melhorar as águas, colocando filtros ou outros sistemas para reduzir ao máximo a quantidade de arsénio destas águas. Estima-se que 43 000 pessoas morrem todos os anos devido a doenças relacionadas com o arsénio no Bangladesh Agora, a situação pode estar a piorar. Novas evidências sugerem que os impactos da crise climática causada pelo homem - incluindo as inundações e o aumento do nível do mar – estão a alterar a química da água no subsolo e a aumentar ainda mais os níveis de arsénico – o pH é fundamental, daí as chuvas ácidas afetarem tanto as quantidades de arsénio. Esquema relativo à toxicidade que o arsénio pode causar como: diabetes, doenças cardiovasculares, hepatotoxicidade, lesões de pele, nefrotoxicidade, defeitos nas proteínas e nas funções neurológicas 134 Carcinogénico IARC: Classificou o As como carcinogénico para o humano (grupo 1). Cancro: pele, pulmão, rim, fígado, próstata. É caracterizado como um desregulador endócrino – capacidade de alterar todos os sistemas regulados pelas hormonas. Determinação laboratorial Intoxicação aguda ➢ A maior parte do As é completamente excretada ao fim de 3 dias → As na urina = valioso indicador de intoxicação (devido à rápida excreção a amostra ideal é urina colhida às 24h). ➢ Valores no sangue: muito variáveis - não é a amostra mais recomendada. Atenção! O marisco (contém uma grande quantidade de arsenobetaina e arsenocolina, considerados não tóxicos). A ingestão de marisco pode elevar o arsénio urinário total, conduzindo a interpretações erradas. Intoxicação crónica: ➢ Unhas + cabelo concentrações elevadas persistem durante meses após os níveis urinários normalizarem. Diagnóstico: − radiografia ao abdómen: compostos arsénicos são rádio – opacos − níveis séricos de arsénio (2 a 4 horas após a ingestão) − níveis urinários de arsénio ( arsenúrias elevadas ) − detetado no cabelo e nas unhas: análise das unhas das mãos pode mesmo fornecer uma estimativa do período de exposição − anemia, leucopenia, função hepática anormal, hematúria, proteinúria, alterações nos eletrocardiogramas Tratamento das intoxicações Diferente consoante a intoxicação seja aguda, crónica ou por arsina Intoxicações agudas: Estimular o vómito ou faz-se uma lavagem gástrica. Reposição eletrolítica. 135 Via I.M., administração de 3-5 mg/kg de dimercaprol (agente quelante) ou BAL, inicialmente durante 4 a 6 horas durante os primeiros 3 a 5 dias e em seguida a cada 7–12 horas durante 7 a 10 dias até desaparecimento de sintomas. Intoxicações crónicas: Evitar uma exposição adicional. Administração de 250 mg de penicilamina, de 6 em 6 horas. Intoxicação por arsina: Deve-se fazer uma transfusão sanguínea a fim de evitar a hemólise ou, então, uma exanguinotransfusão (já não se usa). Cianeto de hidrogénio – HCN O ácido cianídrico, também conhecido como cianeto de hidrogénio ou ácido prússico, é um asfixiante químico que interfere com a utilização normal de oxigénio por quase todos os órgãos do corpo humano, sendo que a sua exposição pode ser rapidamente fatal. Pode provocar efeitos sistémicos, afetando particularmente os sistemas de órgãos que são mais sensíveis a baixos níveis de oxigénio, como o sistema nervoso central (cérebro), sistema cardiovascular (coração e vasos sanguíneos) e o sistema respiratório (pulmões). Os sais de ácido cianídrico nominam-se de cianetos de potássio, e de cálcio (ex: KCN e NaCN). ʓ Características: Líquido incolor e inflamável que facilmente se evapora, em condições normais com um ponto de ebulição de 25,6 graus. Tem um odor característico de amêndoas amargas (Deteção ≥ 2-10 ppm) - 20 a 40% da população não deteta porque não possui o gene responsável pela deteção deste odor. ʓ Fontes de cianeto de hidrogénio: Existem naturalmente em muitas plantas nomeadamente em sementes e caroços da espécie Prunus: cerejeiras, amendoeiras, ameixeiras, pessegueiros e macieiras. 136 Exemplo: As amêndoas amargas apresentam na sua constituição até 5.3% de um glicosídeo cianogénico, a amigdalina - é hidrolisada por enzimas específicas libertando o HCN no organismo ➢ Ao atingir o meio ácido, o pH ácido leva à libertação do ácido cianídrico A quantidade que têm não é causadora de toxicidade é o nosso organismo consegue resolver O HCN é importante em processos industriais, tendo diversas aplicações (síntese de polímeros e na metalurgia) Fumigações, galvanoplastia, mineração, produção de fibras sintéticas, plásticos, corantes e pesticidas, intermediário na síntese química. Usado na lavagem de ouro com ácido cianídrico e por isso vai atingir as águas ʓ Formas de exposição: Uma absorção substancial pode ocorrer através da pele intacta, se a concentração de vapor for alta, ou por contacto direto com soluções. As principais vias são a ingestão (oral), inalação e absorção dérmica. Em qualquer uma destas vias vão causar efeitos sistémicos porque qualquer um destes órgãos está devidamente vascularização e facilmente entra na corrente sanguínea. Inalação (Pulmões) Absorção dérmica Ingestão (via oral) Facilmente absorvido pelos pulmões. Sintomas de intoxicação em segundos a minutos. O odor de ácido cianídrico é detetável entre 2-10 partes por milhão (ppm) A absorção através da pele ou olhos é rápida e contribui para um envenenamento sistémico. Após exposição cutânea, os sintomas podem ser imediatos ou tardios, por 30 a 60 minutos. A ingestão de soluções ácido cianídrico ou de sais de cianeto pode ser rapidamente fatal. Se o indivíduo tiver numa zona exterior o odor desaparece rapidamente, podendo ser difícil de identificar uma intoxicação por ácido cianídrico. 137 ʓ Intoxicação: Acidental (o mais frequente): Frequentemente causado pela inalação de fumo de materiais queimados que contêm carbono e azoto. Lã, seda e polímeros sintéticos (nylon, poliuretano). HCN pode ser libertado durante o revestimento industrial e polimento de metais se os sais de metal de cianeto são misturados com ácidos. Inseticidas à base de cianeto Zyklon B é um deles. Gases do escape de veículos, tabaco e fumo da madeira. Intencional: Zyklon B usado nas câmaras de gás durante o Genocídio da Segunda guerra Mundial. EX: pastilhas de KCN + H2SO4 → K2SO4 + 2HCN. Altamente reativo e toxicidade - daí a sua frequente utilização em homicídios e suicidios, utilizado como armas químicas. ʓ Efeitos da intoxicação: O HCN é um agente asfixiantemuito letal, sendo que a sua toxicidade é mediana pelo grupo CN- Dose letal 40 mg/Kg. A concentração de 135 ppm é letal após 30 minutos. ʓ Toxicocinética: Absorção O HCN é rápida e extensivamente absorvido por, via oral, inalatória, dérmica e ocular. Por via oral a quantidade absorvida é inferior às doses letais. É um ácido fraco (pKa 9.2), encontrando-se sob a forma não ionizada (HCN) ao nível do estômago (pH ácido) e do trato gastrointestinal inferior. Consequentemente, é absorvido por difusão passiva através da matriz lipídica das microvilosidades intestinais. Visto ser uma pequena molécula e por apresentar solubilidade moderada em lípidos e água, o HCN atravessa rapidamente as membranas das mucosas, ocorrendo, assim, a sua absorção. 138 Distribuição O HCN distribui-se de forma rápida e uniforme, após a absorção. Quando inalado ou absorvido por via dérmica, entra na circulação sistémica e distribui-se pelos tecidos, apresentado níveis mais elevados no fígado, pulmões, sangue e cérebro. Existem poucos dados disponíveis sobre a distribuição do cianeto em humanos após a exposição oral, mas sabe-se que o conteúdo do estômago também apresenta elevadas concentrações de cianeto. Metabolismo A via metabólica maioritária (1) é responsável pela conversão de 60-80% do ácido cianídrico absorvido em compostos menos tóxicos, como o tiocianato, através da enzima mitocondrial transferase de enxofre, a rodanase. O tiocianato é posteriormente excretado pela urina (2). A via metabólica minoritária (3) de desintoxicação do cianeto envolve a reação com a cistina que produz os ácidos carboxílicos aminotiazolina e iminotiazolidina, que por sua vez, combinam-se com hidroxicobalamina(vitamina B12a) para formar a cianocobalamina (vitamina B12). Estes metabolitos resultantes são também excretados pela urina. Pequenas quantidades são também convertidas em dióxido de carbono ou excretado sem alterações como HCN (4), no ar expirado. A rodanase converte o ácido cianídrico em tiocianato, transferindo um átomo de enxofre, proveniente de um dador de enxofre, tal como a glutationa, o tiossulfato e a cistina. A rodanase está distribuída amplamente por todo o organismo, permitindo maximizar o processo de conversão. Deste 139 modo, tem um papel importante no metabolismo de primeira passagem, quando ocorre uma exposição oral e inalatória. O metabolismo do ácido cianídrico pela rodanase exibe uma cinética de ordem zero, que está dependente da quantidade existente de moléculas dadoras de enxofre. Outra enzima que converte o ácido cianídrico em tiocianato é a mercaptopiruvato sulfurtransferase (MPST). Esta catalisa a transferência de enxofre para o ácido cianídrico a partir de tióis orgânicos. A MPST apresenta uma distribuição tecidual nas hemácias e nos rins, localizando-se tanto nas mitocôndrias como no citosol, o que a torna mais disponível para a conversão em tiocianato. Embora a reação que ocorre entre o ácido cianídrico e a rodanase seja irreversível, o tiocianato pode converter-se novamente em ácido cianídrico e em sulfato, pela ação da enzima tiocianato oxidase (5), que está presente nos glóbulos vermelhos, linfócitos, glândula mamária e tiroide. Por outro lado, esta enzima origina um produto intermediário resultante da oxidação do tiocianato, o ião hipotiocianato (OSCN⁻), que reage com o ácido cianídrico para formar cianato (CNO⁻) (6). Posteriormente, o CNO⁻ é hidrolisado a amónia e dióxido de carbono (7). Eliminação O ácido cianídrico é eliminado principalmente na urina, sob a forma de tiocianato, quer a exposição ocorra por via oral ou inalatória. Pequenas quantidades são excretadas como HCN ou dióxido de carbono, no ar expirado. ʓ Mecanismo de toxicidade do HCN: O ácido cianídrico liga-se e inativa várias enzimas, particularmente as que contêm ferro na forma férrica (Fe ) e cobalto. Exerce o seu efeito tóxico pela inibição do citocromo c oxidase, da cadeia respiratória de eletrões, provocando anoxia histotóxica. Consequentemente, há uma inibição da transferência de eletrões para o oxigénio molecular. Apesar da presença de oxigénio no sangue este não pode ser utilizado para gerar adenosina trifosfato (ATP), reduzindo o metabolismo aeróbico. Inicialmente, isto não seria um problema porque as células têm a capacidade de recuperar a fonte de energia, sob a forma de ATP, através do processo de glicólise (metabolismo anaeróbico), no entanto, apenas por um curto período, principalmente em órgãos metabolicamente ativos, como o coração e o cérebro. 140 No entanto, o ácido cianídrico pode ser removido por vários processos antes de entrar nas células, como por exemplo: Através da formação de um complexo com fator de relaxamento derivado do endotélio, como o óxido nítrico; Por ação dos metais pesados, como ouro e sais de cobalto, ou dos compostos orgânicos com centro metálico, como a hidroxicobalamina, que podem remover o ácido cianídrico eficazmente; Pela ação da albumina, que se comporta de forma semelhante a uma enzima, e usa a ligação do enxofre elementar para destoxificar o ácido cianídrico. Quando o ácido cianídrico está no interior da célula existem vários processos de eliminação. Um dos processos mais importantes é a formação de cianometa-hemoglobina, nos glóbulos vermelhos, que é produzida quando o ácido cianídrico reage com a meta-hemoglobina. Existem pelo menos quatro enzimas intracelulares para a destoxificação, tais como a rodanase, mercaptopiruvato sulfurtansferase, tiossulfato redutase e a cistationase. ʓ Principais sintomas da intoxicação: Manifestações clínicas aparecem no primeiro minuto depois da inalação. Os primeiros sintomas de envenenamento por cianeto incluem tonturas, vertigens, respiração rápida, náuseas, vómitos, sensação de constrição do pescoço e asfixia, confusão, inquietação e ansiedade. 141 Intoxicações graves por cianeto progridem para coma, espasmos musculares, convulsões, pupilas fixas e dilatadas, e morte. O sistema nervoso central (SNC) é o alvo mais sensível nos casos de envenenamento por cianeto. Os efeitos no sistema cardiovascular requerem doses de cianeto mais elevadas do que as necessárias para provocar efeitos no SNC. Exposição crónica: Trabalhadores com uma exposição prolongada ao ácido cianídrico podem apresentar sintomas de dor de cabeça, irritação nos olhos, fadiga fácil, desconforto no peito, palpitações, perda de apetite e hemorragias nasais. Para evitar este tipo de sintomas, existem níveis máximos de exposição ocupacional, que, no caso do ácido cianídrico, são de 8 ppm. Os valores de ppm aparecem a partir da avaliação do risco. ʓ Tratamento: As diversas vias de exposição requerem diferentes abordagens a vítima, sendo que todas elas incluem a remoção da vítima da zona de exposição e remoção da roupa contaminada (caso seja o caso). O antídoto do cianeto deve ser administrado o mais rápido possível, sendo que existem duas opções: a) Kit antídoto para o cianeto. b) Hidroxicobalamina. Antídoto para o cianeto Nitrito de amilo para inalação rápida inicial e, nitrito de sódio e tiossulfato de sódio, ambos por i.v. ➔ Os nitritos ligam-se à meta-hemoglobina, que tem maior afinidade para o CN do que a cit. oxidase a3. ➔ Meta-hemoglobina sequestra o CN formando a ciano-meta-hemoglobina. Mitocôndria funcional e respiração celular restaurada O tiossulfato de sódio liga o cianeto extracelular ocorrendo a reação: Desvantagem desta terapia: o vasodilatação com hipotensão induzida por nitritos o diminuição da quantidade de hemoglobina funcional 142 Hidroxicobalamina É a alternativa mais recente e, parece mais favorável. A Hidroxicobalamina liga-se ao cianeto formando a cianocobalamina = Vit.B12 que é excretada pelos rins. ʓ Curiosidades: As sementes da maçã contêm cianeto? As sementes da maçã contêm umcomposto de cianeto, chamado de“amigdalina”, que se transforma em cianeto de hidrogénico quando metabolizado no nosso organismo. Ingerir sementes de maçã, isto é uma pequena quantidade destas sementes não é fatal , uma vez que o organismo humano é perfeitamente capaz de lidar com pequenas doses de cianeto. No entanto, a ingestão e mastigação de uma mão cheia destas sementes poderá ser fatal! Esteroides androgénicos anabolizantes (AAS) Ciclopentano per-hidrofenantreno Os esteróides têm como estrutura básica o ciclopentano per-hidrofenantreno (composta por 3 aneis aromáticos unidos): Na estrutura básica de fenantreno, se reduzirmos os aneis aromáticos a ligações simples com hidrogénios e os carbonos covalentemente substituídos passamos a ter o per-hidrofenantreno e se a esse composto acrescentarmos um anel de 5 carbonos, fica o ciclopentano per-hidrofenantreno Ciclo-hexano Os ciclo-hexanos podem ter estrutura em cadeia ou em barco, sendo que a mais estável é a cadeira 143 Substituintes Os substituintes podem ser axiais (vertical) ou equatoriais (para cima ou para baixo de forma equatorial) Os carbonos alternam axial com axial, equatorial-equatorial Decalinas A conformação entre dois ciclo-hexanos em cadeira pode ser trans (os dois carbonos da fusão estão para cima e para baixo) ou cis - nos esteroides normalmente a fusão é trans Esteróides Compostos por 4 anéis (ABCD) Esteróides: grupos angulares Temos dois grupos metil adicionais (18 e 19) muito importantes 144 Esteróides: cadeia lateral Os esteroides são moléculas bastante planares e os dois grupos metil são duas antenas (na fase beta) que fazem com que muitas reações ocorram pela fase alfa Esteróides: estereoquímica a e β Esqueleto esteróide ʓ Esteróides: Todos os esteróides têm um sistema de 4 anéis – Grande semelhança estrutural. A presença de diferentes substituintes no esqueleto esteróide – Enorme variação de atividades fisiológicas e farmacológicas. Principais funções: o Componente da estrutura das membranas Hormonas. o Agentes gastro-intestinais. o Precursores de vitaminas. 145 Os esteróides incluem: ➔ Colesterol; ➔ Adrenocorticóides; ➔ Estrogénios; ➔ Progestinas; ➔ Androgénios; ➔ Ácidos biliares; ➔ Precursores da vitamina D; ➔ Oxiesteróis; ➔ Esteróis vegetais. Na aula, vamos nos focar nas hormonas sexuais: o Estradiol; o Progesterona; o Etinilestradiol; o Testosterona; o Oxandrolona. Androgénios Os androgénios têm 19 carbonos. A testosterona é a principal hormona androgénica. Função: desenvolvimento de características sexuais masculinas: Estimulam o desenvolvimento e manutenção dos órgãos sexuais masculinos e das células espermatogénicas. A deficiência em androgénios provoca hipogonadismo – caracteristicas que iniciam o subdesenvolvimento das características sexuais masculinas. Os androgénios provocam retenção de compostos azotados => aumento da síntese de proteínas e diminuição do catabolismo de proteínas. Têm ação anabólica. Provocam aumento da massa muscular. A produção de testosterona ocorre principalmente nas células de Leydig (células intersticiais dos testículos) e a sua secreção é estimulada pela hormona luteinizante (libertada pela glândula pituitária anterior). Importância dos androgénios durante as 3 fases da vida: 1° trimestre de gravidez – Os androgénios produzidos pelos testículos do feto são responsáveis pela diferenciação dos órgãos reprodutivos. 146 Puberdade (dos 13 aos 15 anos) – A testosterona estimula o crescimento generalizado do corpo, incluindo a massa muscular e os órgãos sexuais. Idade adulta – A testosterona é continuamente segregada para manter a função reprodutiva normal, a produção de espermatozóides e o comportamento sexual masculino. Os níveis de testosterona descem por volta dos 60 anos de idade (andropausa – sendo que o problema clínico mais associado é o aumento da próstata – hipertrofia benigna da próstata). Definição de esteróides androgénicos anabolizantes: Mimetizam os efeitos da testosterona. Testosterona – anabólica e androgénica. Anabólico – crescimento e desenvolvimento de tecidos (estimulação da síntese de macromoléculas), aumento da massa muscular esquelética, densidade óssea, hemoglobina, retenção de azoto e síntese de proteínas. Androgénico – características sexuais masculinas secundárias (por exemplo, crescimento de órgãos sexuais, aumento de pelos corporais, libido, oleosidade da pele e mudança na voz). Os esteróides androgénicos anabolizantes (AAS) são desenvolvidos para maximizar os efeitos anabólicos e minimizar os efeitos androgénicos. A proporção dos efeitos anabólicos/androgénicos da testosterona é a linha de base em 1. Efeitos positivos dos esteróides androgénios anabolizantes Maior massa/força muscular. Aumento do volume sanguíneo e da concentração de hemoglobina. Maior densidade óssea. Recuperação acelerada de lesões musculares. Diminuição da gordura corporal. Aumento da resposta imunológica. Melhor humor. Utilização clínica de esteróides androgénios anabolizantes ➢ Hipogonadismo, andropausa – Terapia hormonal de substituição. ➢ Certos carcinomas. ➢ Doentes debilitados (atividade anabólica) – cancro, anorexia, SIDA, ... ➢ Doenças do metabolismo ósseo – osteoporose. 147 Aumento da massa muscular: Ativação de rRNA resultando na síntese de proteínas. Efeito anticatabólico – bloqueio da ação da cortisona natural. Aumento dos níveis de testosterona livre. Estimulação da atividade do IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina). Hormonas naturais ➢ Testosterona oxidada a androstenodiona. ➢ Desidroepiandrosterona (DHEA). ➢ Di-hidrotestosterona (DHT). Através da enzima 5-alfa redutase, a testosterona é convertida em DHT, 4X mais potente. A DHT liga-se aos recetores mais fortemente do que a testosterona (responsável pela hipertrofia benigna da prostata). A 5-alfa redutase está presente em grandes quantidades nos tecidos da próstata, pele, couro cabeludo, fígado e sistema nervoso central - utilizam-se inibidores para o tratamento Metabolismo da testosterona: Se a posição for cis não tem atividade androgénica (etiocolanolona). Se a posição for trans tem atividade androgénica (Androsterona). A testosterona é convertida em estradiol através da enzima aromatase (enzima importante no tratamento do cancro da mama) – se quisermos diminuir os níveis de estradiol, podemos inibir a aromatase. Relação estrutura-atividade: − Temos de ter a fusão dos aneis trans, é conveniente ter oxigénios em C3, C17. 148 − Se tivermos em C17 um grupo alquilo ou metilo vamos impedir que haja oxidação do OH, ficando metabolicamente mais estável - por isso os esteroides que têm um grupo alquilo nesta posição são oralmente ativos. − Nos derivados 19-nor podemos não ter o grupo metilo, mantendo a atividade anabólica − No anel A podemos introduzir duplas ligações quer dentro ou fora do anel Esteróides androgénicos anabolizantes - de sintese - todos têm um grupo metilo na posição 17 alfa: o Metiltestosterona. o Fluoximesterona. o Calusterona. o Metandriol. o Metandienona. o Oxandrolona. o Etilestrenol. o Oximetolona. o Stanozolol. 149 O stanozolol tem a particularidade de não ser capaz de se converter em estrogénio devido a modificações da posição 2: Preparado nas formas oral e injetável. Metilação em C17 (oralmente ativo). Relativamente poucos efeitos colaterais. Doping desportivo “Doping” refere-se ao uso de substâncias proibidas em desportos competitivos. Os gregos relataram o uso de certos cogumelos e sementes de plantas para aumentar o desempenho. Os romanos usavam drogas para aumentar o desempenho dos cavalos e os gladiadores para aumentar a resposta da multidão. Os esteróides foram desenvolvidos pela primeira vez na década de 1930. Usado pelos alemães em seus soldados durante a Segunda Guerra Mundial para compensar a falta de nutrição. 1950, usado pela primeira vez para fins atléticos na Rússia e na Europa, principalmente para levantamento de peso. Em meados da década de 1950, descobriu-se que a testosterona era a força motriz por trás do aumento do desempenho atlético. Utilizado em todos os níveis desportivos, nas Olimpíadas de 1972. Elevadas penalizações por doping (ex. Lance Amstrong em 2012). AAS e doping desportivo: Aumentar a massa corporal magra e a forca. Reduzir o tempo de recuperação entre os treinos. Aumentar a resistência Vantagem competitiva? Doping com esteróides androgénios anabolizantes pode ser feito com: o Precursores da testosterona (pro-hormonas): Androstenediona. Androstenodiol. Desidroepiandrosterona (DHEA). o Esteróides sintéticos conhecidos; o Esteróides desconhecidos das autoridades (designer steroids); 150 O dopping é normalmente feito com testosterona por ser uma hormona endógena, sendo que pode apenas dizer que faz parte do seu organismo – utilizada em pensos hormonais por ter um tempo de semivida muito curto. Vias de administração de AAS Preparações orais – 17 metil alquilados para resistir às secreções gástricas ácidas, meia-vida curta. Soluções injetáveis – preparadas em água ou óleo. Tempos de libertação mais longos para óleo (p/ ex., Decanoato de Nandrolona). Patch e gel – fornece entrega constante de testosterona (por exemplo, trembolona) Propulsor de aerossol – efeitos rápidos, muito difíceis de detetar em testes de drogas. Preparações sublinguais – absorvidas diretamente na corrente sanguínea, evitando efeitos rápidos no sistema digestivo. Designer steroids ➢ Esteróides projetados e sintetizados fora da academia e da indústria farmacêutica oficial - são ilegais ➢ Compostos novos, não listados como proibidos - por isso a pessoa não pode ser incriminada ➢ Facilmente acessíveis online em suplementos dietéticos ou nutricionais ➢ Normalmente têm estruturas incomuns e, como resultado, podem passar despercebidos pelos atuais protocolos de triagem antidoping, o que os torna uma preocupação significativa. ➢ Por exemplo, hemapolina e furazadrol, esteróides que são ingredientes de vários suplementos “dietéticos” e “nutricionais” disponíveis online para uso humano e animal. Uma modificação química incomum no anel A do esteróide poderia permitir que este composto passasse pelos exames antidoping sem ser detectado. Efeitos secundários − Toxicidade hepática. − Hipertensão. − Aumento do volume do peito (ginecomastia). − Danificação dos testículos. − Hipogonadismo. − Diminuição da líbido. − Aumento da agressividade, perturbações psiquiátricas. − Acne e queda do cabelo. 151 − Estimulação do apetite. − Aumento do risco cardiovascular (aumento de LDL e diminuição de HDL). − Aumento do risco de cancro, sobretudo hepático e testicular. − Dismorfia corporal - perceção distorcida do corpo levando a procura insaciável da melhoria da imagem. − Imunossupressão. AAS e toxicidade psiquiátrica o Testosterona associada ao domínio social. o Estudos indicam aumento da agressividade em animais tratados com AAS. o Efeitos pronunciados no sistema límbico. o Podem atuar como neurotransmissores. o Em doses suprafisiológicas, os AASs podem alterar a função e aumentar o número de recetores dos neurotransmissores. Modulação de outros neurotransmissores: Depressão. Insónia. Instabilidade de humor. Mania. Psicose. Delírio. Agressão. Ideação suicida e homicida. AAS na cadeia alimentar Uso de AAS em aquacultura - quando comemos salmão, corremos o risco de ingerir esteróides, porque na sua fase inicial ingerem esteroides para se tornarem masculinos podendo ser diretamente consumidos pelo homem ou usados para a reprodução. Uso de esteróides anabólicos na produção pecuária. Contaminação de efluentes com AAS de uso humano, aquacultura e pecuária. Transferência de AAS para plantas e águas de uso humano. Há muitos estudos relativos à presença deste tipo de esteroides em suplementos alimentares que são vendidos nos ginásios em marcas para desportistas - possuem esteroides não declarados. Nos EUA, os limites de esteroides foram aumentos devido à presença excessiva de esteroides na cadeia alimentar. 152 Análises toxicológicas de esteróides androgénicos anabolizantes ¤ Pesquisa dos esteróides e dos seus metabolitos na plasma, na urina e no cabelo - ao ser pesquisado no cabelo, o esteroide acumula-se no cabelo, por isso mesmo que o atleta suspensa os esteroides uns dias antes, permite identificar a toma prolongada. ¤ Deteção e quantificação por HPLC (uso de padrões conhecidos). ¤ Identificação de novos esteróides e seus metabolitos por espectrometria de massa. Armas químicas A guerra química envolve o uso das propriedades tóxicas de substâncias químicas como armas. distinto da guerra nuclear, guerra biológica e guerra radiológica, todas consideradas "armas لا de destruição em massa" um termo que contrasta com as armas convencionais. O uso de armas químicas é proibido pelo direito internacional humanitário. Os potenciais agentes de guerra química foram selecionados no passado com base nas suas altas toxicidades agudas e foram otimizados como armas devido às suas propriedades físico-químicas e características técnicas. ʓ Classificação de agentes de guerra química: Uso histórico e uso potencial A. Produtos químicos designados “agentes de guerra” porque foram transformados em armas no passado, p/ ex. mostardas e compostos arsenicais. B. Compostos desenvolvidos como armas, mas que não foram usados na guerra (p/ ex, saxitoxina). C. Agentes que um invasor possa ter desenvolvido e contra os quais se deseja tomar medidas de precaução. Existe uma lista de produtos químicos proibidos pela Organização para a Proibição de Armas Químicas. Propriedades físico-químicas, origem e aplicações As possíveis categorias que descrevem as propriedades químicas: a) orgânico vs inorgânico, b) volátil vs não volátil, c) reativo vs não reativo, d) origem biológica (toxina) vs origem sintética (tóxico). 153 Alguns potenciais agentes de guerra química e alguns precursores são intermediários em larga escala em processos químicos industriais (p/ ex, fosgénio), outros que são usados fora de fábricas químicas, como o cloro para desinfecção de água ou toxina botulínica para aplicações cosméticas e terapêuticas. Tais substâncias causam problemas de controlo e não proliferação de agentes de guerra química. Gravidade do dano Todos os agentes de guerra química visam produzir efeitos agudos, mas nem todos são igualmente fatais. Existem três categorias parcialmente sobrepostas: a) Agentes letais que causam a morte em exposições suficientemente altas. b) Agentes que causam a morte em poucos minutos (p/ ex, inibidores da AChE), c) Agentes que têm um período de latência assintomática de horas (p/ ex, fosgénio). Os agentes incapacitantes têm a finalidade de incapacitar transitoriamente as pessoas, sem matar. No entanto, as substâncias deste grupo podem ser fatais em altas doses, principalmente na ausência de contramedidas médicas. Agentes dissuasores (p/ ex, agentes de controlo de distúrbios/multidões) visam funções de órgãos não vitais e tendem a constituir uma ameaça à saúde ainda menor do que os agentes incapacitantes. ¤ vários gases lacrimogéneos e odorantes. Existe discussão sobre até que ponto as substâncias dessa classe devem ser consideradas como agentes de guerra química.Órgãos alvo a) Substâncias reativas e corrosivas (p/ ex, agentes de formação de bolhas) tendem a danificar qualquer superfície corporal exposta; pele, olhos e vias aéreas, ... b) Em contraste, agentes tóxicos não corrosivos frequentemente interagem com um alvo biológico específico que se desvia do órgão inicialmente exposto. Por exemplo, quando uma mistura anestésica é inalada, o órgão exposto primário é o pulmão, mas o órgão alvo clinicamente relevante será o cérebro. 154 Da mesma forma, o monóxido de carbono interage principalmente com a hemoglobina no sangue, mas os danos à saúde ocorrem por anoxia nas células consumidoras de oxigénio, principalmente no cérebro. ʓ Fatores que influenciam a velocidade: 1. Exposição e dose Um agente pode ser distribuído como gás, aerossol líquido, aerossol sólido, líquido, substância pegajosa ou munição contendo o agente. A concentração da substância no ambiente da vítima (“exposição externa”) dependerá de parâmetros como pressão de vapor, movimento do ar e temperatura. Possíveis sinais de alerta, como vapor visível e odor (cloro), irritação das vias aéreas, irritação nos olhos e dor, podem ajudar a evitar uma exposição extensa. A exposição externa resulta em contato corporal, absorção através de uma das superfícies do corpo, como vias aéreas, pele e olhos e possível absorção no sangue. A “exposição interna” resultante é relevante para toxicidade para órgãos internos. A exposição interna aumenta com o tempo de contato, frequência respiratória ou umidade da pele. Os processos de eliminação e biotransformação podem ocorrer em paralelo, mas são irrelevantes na fase aguda inicial. 2. Sensibilidade individual Existem variações interindividuais no que diz respeito à sensibilidade aos efeitos adversos dos produtos químicos: doença pré-existente, vias aéreas hiperreativas, idade, sexo, tamanho (o nariz de uma criança está mais próximo do solo), peso corporal polimorfismo de proteínas-alvo ou enzimas biotransformadoras. ʓ Mecanismo de ação: Mecanismo tóxico inespecífico vs específico Alguns agentes actuam por um mecanismo de ação específico (p/ ex, toxina botulínica, organofosforados) e afectam apenas uma via ou reação bioquímica selecionada em apenas alguns tipos de células. 155 No extremo oposto estão alguns produtos químicos altamente reativos (p/ ex, mostardas) que atacam e alquilam uma ampla gama de biomoléculas, todos os tipos de tecidos e órgãos expostos. Canais iónicos e inflamação neurogénica Compostos químicos irritantes actuam em canais catiónicos, levando ao influxo de Na+ e de Ca2+, e consequente: Envio de um sinal de “dor” através da medula espinhal para o cérebro, e Libertação de mediadores imunológicos no tecido vizinho, que inicia inflamação neurogénica local ʓ Agentes letais que afetam o sistema nervoso: Inibidores da acetilcolinesterase A sinapse colinérgica representa um alvo para muitos agentes neurotóxicos de guerra química A acetilcolina (ACh) é sintetizada no terminal pré-sináptico a partir de acetil-CoA e colina e armazenada numa vesícula. Quando um potencial de ação chega, a ACh é libertada no espaço sináptico, liga-se a um receptor mACh pós-sináptico (sistema muscarínico) ou receptor nACh (sistema nicotínico e junção neuromuscular) e finalmente é clivada pela acetilcolina esterase (AChE) em colina e acetato. A colina é transportada de volta ao terminal pré-sináptico e reciclada. 156 A AchE tem a função fisiológica de inativar continuamente a acetilcolina segregada (ACh) no espaço sináptico, de modo que cada impulso nervoso seguinte não seja “contaminado” pelos impulsos anteriores. A inibição da AChE leva à acumulação de ACh no espaço sináptico nos receptores muscarínicos e nicotínicos periféricos e centrais da ACh. Os receptores muscarínicos e nicotínicos da ACh estão envolvidos em diferentes níveis hierárquicos de neurotransmissão no sistema nervoso central e periférico. Mecanismo catalítico de acetilcolinesterase: A1: A acetilcolina forma uma ligação covalente com o aminoácido serina (Ser). Histidina (His) e Glutamina (Glu) estabilizam a transição química. A colina é clivada. A2: O grupo acetilo sai, a enzima é regenerada. B1: Ligação de soman à AChE. Uma ligação covalente é formada entre o fósforo e a serina, enquanto a ligação do flúor é clivada B2: Dois caminhos alternativos para reverter a ligação covalente. Administração precoce de antídoto com um grupo oxima, que pode quebrar a ligação covalente e regenerar a enzima. Com o tempo ocorre, mas clivagem do grupo alcoxi ao fósforo e a ligação covalente à serina permanece. As oximas permanecem ineficazes. 157 A AChE pertence às serina hidrolases. A ACh tem de passar por uma estreita entrada no local ativo da AChE onde a porção acetilo interage com a serina da com a “tríade catalítica”, caracterizada pelos três aminoácidos Ser, His e Glu. A carga positiva do resíduo de colina interage com o glutamato. Com a ajuda da His, o resíduo acilo faz uma interação mais forte com a Ser enquanto a colina é clivada, produzindo o intermediário “AChE acetilado”. Na segunda etapa, a enzima é desacetilada. A ligação dos organofosforados ao centro ativo da AChE ocorre de maneira semelhante à ACh. O átomo de fósforo interage com o oxigénio da Ser, enquanto um grupo lateral é separado. Ao contrário da etapa natural de “desacetilação”, o agente permanece ligado à enzima, mantendo-a inativa. Oximas administradas inicialmente são capazes de clivar a ligação covalente e reativar a enzima. Na ausência de oxima, o resíduo de fosfónio tende a se separar de um segundo resíduo causando “envelhecimento”, após o que a enzima não pode mais ser regenerada por oximas. O tempo de envelhecimento dos vários agentes nervosos varia muito, entre alguns minutos e muitas horas. Efeitos tóxicos: Sistema periférico autónomo Músculo esquelético Cérebro estreitamento das pupilas broncoconstrição motilidade gastrointestinal sudorese estimulação da atividade cardíaca fasciculações espasmos paralisia confusão ataxia convulsões coma A insuficiência respiratória por broncoconstrição ou depressão do SNC é uma causa característica de morte. Após sobreviver a uma intoxicação aguda, pode surgir um tipo tardio de toxicidade no SNC. Quais são os agentes inibidores da AChE? “Agentes nervosos”, como o soman, o sarin (líquido incolor e inodoro) e os diversos Novichoks (uns líquidos, outros sólidos – pós ultrafinos) inibem a AChE e, assim, causam uma superexcitação do neurónio pós-sináptico. 158 Os agentes inibidores da AChE, também denominados organofosforados ou “agentes nervosos”, foram responsáveis por mais de 5 milhões de mortes nas últimas três décadas. A maioria deles estava relacionada com a ingestão intencional ou não intencional de inseticidas. Os agentes de guerra química neste grupo foram desenvolvidos a partir de inseticidas. O seu potencial tóxico tornou-se evidente durante o ataque do sarin (líquido incolor e inodoro) no metro de Tóquio em 1995. Tratamento: £ oxigenoterapia, benzodiazepinas, oximas e atropina Saxitoxina A saxitoxina e suas toxinas relacionadas são conhecidas por causar intoxicação paralítica em mariscos. Na natureza, as toxinas são bioacumuladas pelos mariscos que se alimentam de algas que as produzem. A saxitoxina é uma pequena molécula relacionada com a purina e uma neurotoxina muito potente que inibe seletivamente os canais de sódio dependentes de voltagem que são necessários para a propagação de potenciais de ação ao longo dos axónios de neurónios e fibras musculares. Isso causa os sintomas de intoxicação com paralisia progressiva que pode resultar em insuficiência respiratória. Foi desenvolvida comoarma química mas nunca foi usada. Listada como substância proibida. Estudada como um poderoso anestésico local. Toxina botulina (BTX) A toxina botulínica (BTX) é produzido por uma bactéria anaeróbica conhecida por causar intoxicações alimentares. A proteína BTX possui características que lhe permitem escapar parcialmente à degradação digestiva no trato gastrointestinal e ser absorvida e entrar na circulação . A BTX é absorvida por endocitose em neurónios pré-sinápticos da junção neuromuscular, onde a cadeia leve é libertada no citoplasma. A sua atividade peptidase deteriora as proteínas necessárias para a exocitose de vesículas contendo ACh na fenda sináptica. Consequentemente, o músculo recebe sinais de transmissão insuficientes. 159 Os sintomas de intoxicação começam com paralisias dos nervos cranianos, distúrbios visuais, dificuldade para engolir e fala arrastada. Mais tarde, a paralisia progride para fraqueza do tronco e extremidades com eventual paralisia flácida e insuficiência respiratória. Foi desenvolvida como arma química mas nunca foi usada de forma efectiva. Nicotina A nicotina é o principal princípio activo do tabaco. É um inseticida de origem natural utilizado na forma vaporizada para combater pragas em condições controladas. Os neonicotinóides quimicamente relacionados são uma classe amplamente utilizada de inseticidas neuroativos. As questões sobre o possível uso da nicotina como arma evoluíram recentemente devido à sua elevada toxicidade humana. Foi usada em homicídios. A nicotina exerce seu efeito farmacológico e tóxico ligando-se e ativando os receptores nicotínicos do sistema nervoso colinérgico. O recetor nicotínico, normalmente é ativado pela acetilcolina, mas na presença de nicotina é ativado também por esta. Agentes que afetam os componentes do sangue: Monóxido de carbono CO, cianeto de hidrogénio HCN e cloreto de cianogénio NCCl são frequentemente classificados como agentes sanguíneos, o que é enganoso, pois o seu alvo predominante é a respiração celular. A arsina AsH3 é um gás incolor, inodoro (um leve aroma de alho), não irritante, inflamável e 2,5 vezes mais denso que o ar. Foi desenvolvida na 2a Grande Guerra, mas não foi usada. ¤ É utilizado na síntese de semicondutores. ¤ A intoxicação aguda por arsina devido à inalação do gás é rara. Não tem antídoto conhecido. ¤ É mais pesado que o ar e letal em baixas concentrações. ¤ A inalação de arsina causa efeitos clínicos em humanos tipicamente após 4-6 h. ¤ Os sintomas incluem dor de cabeça, náuseas e vómitos. ¤ O mecanismo primário é a hemólise maciça que leva à anemia. Supõe-se que a hemólise pode ser causada pela formação de peróxido de hidrogénio e adutos com oxiemoglobina ou interação com a bomba de sódio-potássio e ruptura dos eritrócitos. 160 Agentes que afetam as vias aéreas e pulmão: Este grupo também é denominado “agentes de choque”. É composto por gases e aerossóis irritantes, corrosivos e/ou quimicamente altamente reativos. Agentes com alta hidrossolubilidade tendem a lesar as vias aéreas superiores, agentes com baixa hidrossolubilidade preferencialmente as vias aéreas inferiores e alvéolos. Os recetores de TRP nas vias aéreas desempenham um papel significativo na patogénese de várias doenças pulmonares e medeiam ou amplificam os efeitos tóxicos de irritantes químicos. As partes mais profundas das vias aéreas e os alvéolos são frequentemente o alvo mais sensível , onde a exposição inicia respostas celulares complexas, muitas vezes resultando em edema pulmonar. £ Fosgénio (dicloreto de carbonilo) é um composto químico simples com a fórmula estrutural COCl2. Quando inalado, interage com os recetores de TRP nas vias aéreas . Em contato com a água, decompõe-se em dióxido de carbono e ácido clorídrico, causando danos induzidos por ácido. A reação química do fosgénio com água e biomoléculas resulta na formação de ácido clorídrico (HCl), depleção da glutationa protetora das células (GSH) e alquilação de macromoléculas. A ligação aos recetores TRPA induz uma inflamação neurogénica local. Segue-se uma fase de dano celular/tecidular que finalmente resulta em insuficiência respiratória. Em contato com a água, decompõe-se em dióxido de carbono e ácido clorídrico, causando danos induzidos por ácido. Em contato com biomoléculas, liga-se aos grupos amino e tiol das macromoléculas, causando danos citotóxicos . Uma pessoa exposta pode notar uma irritação inicial das vias aéreas seguida de um período de latência sem sintomas, durante o qual uma cascata de dano e reparação atua nos alvéolos, envolvendo processos inflamatórios locais, diminuição do fluxo sanguíneo e broncoconstrição . O dano tecidular resulta finalmente na captação de água para os espaços teciduais entre as células (edema intersticial) e influxo de água para os alvéolos cheios de ar (edema alveolar). Ambos os processos diminuem as trocas gasosas pulmonares e podem resultar em insuficiência respiratória . Embora o pulmão seja o principal alvo do fosgénio inalado, o contato com a pele húmida pode causar irritação e eritema na pele. O difosgénio atua de maneira semelhante ao fosgénio e acredita-se que destrua os primeiros filtros de máscara. 161 O gás cloro tem efeitos pulmonares semelhantes aos efeitos descritos do fosgénio, porém tende a ser corrosivo já nas vias aéreas superiores e apresenta diferenças em relação aos efeitos cardíacos. Provoca morte por asfixia. Alvéolo normal (A) e alterações após inalação de fosgénio (B). ¤ A unidade de troca gasosa do pulmão é o alvéolo cheio de ar. ¤ Os capilares sanguíneos estão muito próximos das células alveolares. ¤ As células imunitárias estão normalmente presentes nos alvéolos (macrófagos alveolares) e no espaço intersticial. Agentes que afetam a pele e superfícies: Este grupo inclui agentes de bolhas e urticantes. Sendo muitas vezes oleoso e pegajoso, o contato da pele com esses agentes pode ser duradouro e causar sintomas dérmicos característicos. Quando transportados pelo ar, os agentes atacam qualquer superfície corporal exposta, principalmente os olhos e as vias aéreas. Os agentes de mostarda já receberam esse nome porque os primeiros produtos de síntese tinham o cheiro de óleo de mostarda. Os agentes de mostarda induzem inflamação neurogénica via receptores TRP. Existem dois tipos de agentes de mostarda, as mostardas de enxofre (p/ ex, sulfeto de 2,2'- dicloretilo) e as mostardas de azoto (p/ ex, bis(2-cloroetil)metilamina). Ambos são quimicamente instáveis. 162 São agentes alquilantes altamente reativos, formando prontamente ligações covalentes com muitas biomoléculas. A sua ligação à glutationa celular diminui a proteção antioxidante da célula e suporta a formação de ROS e stress oxidativo. A sua ligação à guanina causa quebras e ligações cruzadas no DNA, o que constitui um checkpoint para sinais de reparação e/ou degradação celular, como ADP-ribosilação, que pode iniciar a apoptose. A interação com ácidos gordos pode causar danos à membrana. Tomados em conjunto, os agentes de mostarda são substâncias universalmente citotóxicas. Quando absorvidos pela circulação, deprimem o crescimento da medula óssea. Devido a esse tipo de efeito, as mostardas nitrogenadas são usadas como quimioterápicos para tratar o cancro. Agentes que afetam a respiração celular: Os agentes que afetam a respiração celular interagem com o transporte de oxigénio no sangue ou com a fosforilação oxidativa nas mitocondrias. O monóxido de carbono (CO), produto da combustão incompleta, é historicamente conhecido como componente tóxico do gás de carvão. Devido à sua alta afinidade com o heme, desloca o oxigénio da hemoglobina. O transporte de oxigénio para o tecido é interrompido, as células sofrem hipóxia e a síntese mitocondrial de ATP é interrompida. Alémdisso, o monóxido de carbono inibe a citocromo c oxidase mitocondrial e pode favorecer a formação de radicais de oxigénio, desde que haja algum suprimento de oxigénio. Órgãos com alta necessidade de oxigénio são afetados. A atividade cerebral reduzida causa tontura, fadiga, inconsciência e, finalmente, morte. O ácido cianídrico, HCN, ou melhor, o anião cianeto tem afinidade para o heme na forma Fe(III). O cianeto liga-se silenciosamente à metemoglobina, a forma Fe(III) não transportadora de oxigénio da hemoglobina, sem diminuir o transporte de oxigénio no sangue. O principal alvo tóxico é o citocromo c oxidase nas mitocondrias . O seu bloqueio prejudica a fosforilação oxidativa e causa deficiência de ATP celular. Os efeitos clínicos do cianeto são semelhantes aos de uma intoxicação por monóxido de carbono, com sintomas que incluem náuseas, convulsões, dificuldade respiratória, apneia, paragem cardíaca e morte. 163 O cloreto de cianogénio, NCCl, ocorre em processos de síntese industrial, é formado em incêndios. Decompõe-se em solução aquosa em moléculas agressivas (amónia, ácido hipocloroso, ácido clorídrico) e pode representar um desafio para filtros de máscara de gás. Toxicologicamente tem um duplo modo de ação. Primeiro, devido à sua reatividade, é um forte irritante para os olhos e vias aéreas, induzindo rapidamente engasgamento. Uma vez absorvidos pelo sangue, é convertido em cianeto de hidrogénio, que então inibe a citocromo C oxidase. Efeitos dos agentes que interagem com a respiração celular. O monóxido de carbono desloca competitivamente o oxigénio da hemoglobina. O cianeto inibe a citocromo c oxidase na fosforilação oxidativa. O cloreto de cianogénio se decompõe em ácido clorídrico agressivo e amônia nas vias aéreas; depois de entrar no sangue, é convertido em cianeto, que bloqueia a citocromo c oxidase. CO = monóxido de carbono, HCN = cianeto de hidrogénio, CN− = cianeto, NCCl = cloreto de cianogénio (cloreto de cianogénio), HCl = ácido clorídrico, NH3 = amônia, O2 = dioxigénio, ATP = trifosfato de adenosina, Hb = hemoglobina. Agentes que afetam outras funções celulares: Ricina A ricina ganhou interesse, quando presumivelmente foi usada para cometer um assassinato político há cerca de 50 anos. Devido à sua alta toxicidade é considerada uma potencial arma química. A ricina pode ser facilmente obtida a partir das sementes da mamona. 164 Após ingestão oral, os efeitos tóxicos ocorrem principalmente na mucosa gastrointestinal. Após a inalação, ocorrem efeitos sistémicos. A ricina pertence ao grupo de toxinas AB. A sua proteína A tem atividade enzimática e a cadeia B é uma lectina, que se liga a resíduos de galactose da superfície celular. O complexo AB é absorvido pelas células por endocitose. Em seguida, uma fração da cadeia A é libertada no local dos ribossomas. Com sua atividade de glicosilase, ele inativa o rRNA da subunidade 60S dos ribossomas, interrompendo a síntese de proteínas celulares. Existe um período de latência entre a inibição da síntese proteica e os primeiros sintomas. A ricina inalada causa tosse, febre e destruição pulmonar. Por razões práticas e técnicas, não é provável que a ricina possa ser usada como arma química . Esporos de Antrax Os esporos de antrax foram testados como possíveis armas biológicas na ilha escocesa de Gruinard em 1942, que posteriormente permaneceu contaminada por anos. O Bacillus anthracis não é apenas altamente contagioso, mas também produz uma montagem extremamente eficaz de três proteínas de toxina: − Uma proteína (antígeno protetor) liga-se à membrana celular e auto-associa-se a um poro heptamérico da membrana. − As duas outras proteínas (fator de edema e fator letal), ambas com atividade enzimática, ligam-se a esse poro e o complexo é internalizado na célula atacada por endocitose . Quando o endossoma acidifica, as duas unidades enzimaticamente ativas saem para o citoplasma. O fator letal cliva as enzimas quinase, perturbando assim a transdução de sinal e a síntese de proteínas. O fator de edema atua como uma enzima adenilato ciclase, aumentando os níveis intracelulares da substância sinalizadora AMP cíclico, ativando assim as bombas iónicas e outras vias celulares. Os efeitos combinados das toxinas levam à apoptose e morte celular. Nas infecções por antrax, os efeitos depressores da toxina nas células T impedem uma defesa imunológica adequada. 165 Interações celulares da toxina do antrax (A) e da ricina (B): Ambas pertencem ao grupo de toxinas AB que possuem unidades A com atividade enzimática e unidades B que se ligam aos componentes da membrana. A toxina do antrax possui três unidades proteicas: A1 (fator letal), A2 (fator de edema) e B (antígeno protetor). A unidade B formadora de poros permite que as unidades A entrem no citoplasma, onde as unidades A atuam como enzimas, perturbando a sinalização intracelular exibindo atividade de protease e atividade de adenilato ciclase (AC). A toxina da ricina consiste em duas unidades. A unidade B liga-se a resíduos de galactose na superfície da célula, o que induz a internalização de ambas as unidades na célula. A unidade A deixa o endossoma e então cliva o RNA ribossómico (r-RNA), inibindo assim a síntese de proteínas. Substâncias incapacitantes - agentes tranquilizantes: Os agentes incapacitantes não têm a finalidade de matar pessoas, mas de trazê-las transitoriamente a um estado em que não possam agir ou lutar. Idealmente, isso seria totalmente reversível. No entanto, em altas doses, essas substâncias também têm a capacidade de matar ou pelo menos produzir problemas crónicos de saúde nas pessoas expostas. Carfentanilo Durante a crise dos reféns do teatro de Moscovo em 2002, as forças especiais usaram um aerossol, conhecido como kolokol-1, para sedar e incapacitar os atacantes. 40 atacantes, 800 reféns, 171 mortos. Mais tarde foi revelado que a mistura continha fentanilo, um derivado sintético da morfina. Embora a composição do aerossol nunca tenha sido descoberta, hoje assume-se que um dos componentes foi o carfentanilo , um opióide extremamente potente. O carfentanilo foi aprovado como sedativo para animais de grande porte. 166 A substância ganhou recentemente popularidade como droga recreativa sintética, disponível no mercado negro, e tem sido responsável por um grande número de fatalidades nos EUA . O mecanismo de ação sedativa é via receptores de morfina e a letalidade deve-se à depressão respiratória característica da morfina. Devido à sua baixa concentração efetiva, até recentemente era quase impossível detectar o agente em fluidos corporais de pessoas intoxicadas. Isoflurano O isoflurano é outro ingrediente suspeito do aerossol no teatro de Moscovo que para induzir o sono. É conhecido na medicina como um anestésico inalatório comum, aplicado com oxigénio ou ar enriquecido com oxigénio, onde a sua vazão é adaptada à profundidade da anestesia de cada paciente. Benzilato de 3-quinuclidinilo O benzilato de 3-quinuclidinilo é um agente psicoativo. Pode ser aerossolizado como nuvem visível. Está estruturalmente relacionado à atropina e atua nos receptores muscarínicos como antagonista competitivo no local de ligação da acetilcolina. Os efeitos incapacitantes começam após 2-3 h. Os sintomas estão parcialmente relacionados aos de outras substâncias anticolinérgicas de ação central, como a escopolamina, e incluem sonolência, confusão, desorientação e apatia. Dioxinas - Teratogénicas e carcinogénicas. As dioxinas, sobretudo o TCDD (2,3,7,8-Tetrachlorodibenzo-p-dioxin ) faziam parte do Agente Laranja, usado por vários países para desflorestar o território inimigo na década de 1960. A médio e longo prazo, verificou-se o surgimento de malformações, diversos tipos de cancros,sobretudo leucemias. Mecanismodeação das dioxinas: ligação ao recetor Aril-hidrocarboneto e consequente desregulação de diversos genes. O envenenamento do candidato ucraniano pró-ocidental Viktor Yushchenko em 2004 chamou a atenção para as dioxinas como armas químicas. 167 Sintomas iniciais: dores de cabeça e de estômago, seguidos de agravamento da situação para pancreatite. As lesões epidérmicas levaram a que o toxicologista inglês John Henry, diagnosticasse “chloracne,” indicativo de envenenamento por dioxinas. De facto, os níveis TCDD e metabolites foram confirmados como 50 0000 x acima do normal. Agentes alucinógenos: A dietilamida do ácido lisérgico (LSD) era uma droga psicadélica ilegal entre os jovens na década de 1960 e considerado um potencial agente de guerra psicoativa. A substância atua no cérebro como agonista dos receptores de serotonina e em doses mais elevadas estimula os receptores de dopamina. Embora o LSD cause ilusões sensoriais, alucinações e, às vezes, psicose, os seus efeitos incapacitantes pareciam pouco eficazes para fins de guerra. No Iraque terão sido usados alucinogénios por grupos insurgentes para aumentar a agressividade das próprias tropas. Anfetaminas: Fenetilina é uma anfetamina, droga psicoestimulante, conhecida por Captagon. Proibida desde a década de 1980, ganhou notoriedade como a "droga dos jihadistas" pelo seu uso e tráfico pelos insurgentes do Estado Islâmico (ISIS), na Síria. As atacantes dos de Paris (2015) haviam consumido fenetilina. Na 2a Guerra Mundial, as anfetaminas (metanfetamina) foram parte importante da estratégia de guerra nazi. Foi distribuída aos soldados em barras de chocolate e contribuiu para o desempenho das tropas na 1a fase da guerra. Blitzkrieg ou guerra-relâmpago - invasões da Polónia e da França. Em 1941 as autoridades de saúde alemãs constataram a existência de um grave problema de saúde pública. Agentes indutores de vómito: O vómito envolve a contração do estômago e a abertura do esfíncter gástrico superior. A falta de conhecimento preciso sobre a forma como os gatilhos do vómito são coordenados pode ser em parte devida ao fato de que os roedores não têm reflexo de vômito. A importância do nervo vago sensorial 168 e motor é evidente, e os receptores TRPV1 parecem desempenhar um papel . Os agentes de vómito são tipicamente compostos de arsénio. A difenilaminaclorarsina (Adamsite), conhecida como agente de espirros, é aplicada na forma de pó ou aerossol. Induz, em poucos minutos, espirros e em concentrações mais altas náuseas, vómitos e dor de cabeça. Esses efeitos adversos geralmente desaparecem logo após a exposição, no entanto, doenças graves e morte podem ocorrer. Difenilcloroarsina (Clark 1) e difenilcianoarsina (Clark 2) têm efeitos primários relacionados. Clark 2 induz tosse, ardor nos olhos, irritação das vias aéreas e edema pulmonar. Pode liberar cianeto. Na 1a Guerra Mundial estes agentes obrigavam os soldados a tirar as máscaras, ficando expostos ao fosgénio. Agentes dissuasores (agentes de controlo de distúrbios) Agentes lacrimogéneos Os gases lacrimais produzem uma sensação pungente nos olhos e estimulam a glândula lacrimal a produzir lágrimas. Alfa-cloroacetofenona o-Clorobenzilideno malononitrilo Oleorresina capsicum Apresentam baixo risco à saúde e podem ser usadas como agentes de controlo de distúrbios. Embora o nome “gás lacrimogéneo” implique que eles agem apenas na formação de lágrimas, eles podem produzir em maior concentração uma dor severa nos olhos e nas vias aéreas. O alvo molecular primário do gás lacrimogêneo são Irritação, dor e inflamação local são devidos à interação com os receptores TRP. Agentes malodorantes Os malodorantes produzem mal-estar e um reflexo de fuga. Os mercaptanos como o butanotiol (butil mercaptano) têm um odor fétido muito desagradável com um nível de limiar extremamente baixo para o sentido olfativo humano. O cheiro nocivo pode ser potencializado por substâncias irritantes, que atuam em paralelo via nervo trigémeo. 169 O efeito adverso dos malodorantes pode ser limitado por máscaras de gás ou mitigado com o tempo pela adaptação do órgão sensorial. Perspetivas futuras: A proibição de armas químicas é uma grande conquista humanística. É desejável que as listas existentes de agentes de guerra química não recebam novas entradas no futuro. Diante de tais ameaças desconhecidas, parece importante estar preparado, atualizar informações, adaptar métodos analíticos e desenvolver métodos terapêuticos adequados. A Química Verde ao incluir o objetivo de substituir produtos químicos tóxicos por substâncias menos perigosas pode mitigar a ameaça de armas químicas que recorrem a reagentes de síntese química de compostos não envolvidos em armas químicas. Opinião pública, informação, Democracia. Fritz Haber: Químico alemão que inventou o fosgénio e também o “Processo Haber”, que permitiu a fixação do azoto atmosférico em fertilizantes à base de amónia. Judeu alemão convertido ao cristianismo, recebeu o Prémio Nobel de Química em 1919 pelo Processo Haber. Embora tenha morrido antes do Holocausto, foi um dos químicos que aperfeiçoaram os inseticidas à base de hidrocianeto Zyklon A e Zyklon B, o último gás usado para matar milhões de judeus e outros, incluindo alguns de seus familiares. Guerra civil americana - cloro: 1ª Guerra Mundial: − cloro, fosgénio e gás mostarda, clorossulfato dianisidina, brometo de xililo. 1,3 milhões de mortos por armas químicas 1925 – Protocolo de Genebra – proibição do uso de armas químicas 2ª Guerra Mundial – uso de gases (ZyKlon B: HCN + um agente irritante + um material inerte) nos campos de concentração, e pelo Japão na Ásia. 170 Não foram usados gases nos campos de batalha. Guerra do Vietnam – Napalm (nafetato de alumínio e palmitato de alumínio , herbicida) e Agente Laranja (maioritariamente dioxinas). Visavam a desflorestação. Tiveram consequências trágicas na saúde das populações. ¤ Massacre Halabja, Curdistão, 1988 – gás mostarda e agentes nervosos (3000 a 5000 mortos) ¤ Metro de Tóquio, 1995 – Sarin (6252 feridos, 14 mortos) ¤ Guerra Civil Síria – Sarin, cloro, gás mostarda, fósforo Toxicologia de género/sexo Ao testar os tóxicos em animais, são sempre preferidos animais do sexo masculino, porque não sofrem alterações hormonais As próprias células onde são feitos os ensaios in vitro são sempre do sexo masculino, exceto nas doenças específicas do sexo feminino: - a expressão genética das células varia Quando vão para ensaios clínicos em humanos, são usados humanos do sexo masculino de cor branca (caucasianos) - resultando em falha terapêutica e aumento de reações adversas para o sexo feminino Ao longo dos anos, tem vindo a ser corrigido - a questão do género é relativamente recente Sexo e género: Sexo refere-se às diferenças biológicas entre homens e mulheres, incluindo cromossomas, perfis hormonais, órgãos sexuais internos e externos e características sexuais secundárias. Normalmente, o sexo é categorizado como masculino ou feminino, mas é importante observar que existem variações intersexuais que não se enquadram perfeitamente nessas categorias binárias. O género, por outro lado, é mais complexo. Envolve os papéis, comportamentos, atividades, expectativas e normas sociais associadas a ser homem ou mulher (ou outras identidades de género). O género é em grande parte uma construção social e cultural, e o espectro de identidades de género é mais amplo do que o binário entre homem e mulher. Inclui identidades como transgénero, não binário. Em resumo, embora o sexo tenha a ver principalmente com atributos biológicos, o género tem a ver com identidade pessoal, social e cultural. 171 Essas distinções ajudam a compreender as diferentesmaneiras pelas quais as pessoas vivenciam suas identidades e interagem com o mundo.