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FISIOLOGIA AULA 6 Prof. Rafael Luciano de Mello 2 CONVERSA INICIAL O sistema digestório é responsável por transferir os nutrientes, a água e os eletrólitos daquilo que comemos para o organismo. Afinal, o alimento ingerido é essencial como fonte energética nas diversas atividades dependentes de adenosina trifosfato (ATP), como a contração muscular, além de fornecer moléculas para a construção, renovação e adição dos tecidos. No entanto, o ato de comer não torna o alimento ingerido automaticamente disponível. Para que isso ocorra, é necessário que ele seja triturado e transformado em moléculas simples, as quais serão absorvidas pelo sistema circulatório e utilizadas pelas células dos diferentes tecidos. A parte inicial desse processo é realizada pelo sistema digestório, por meio da ingestão, digestão e absorção dos nutrientes, que será detalhada a seguir. Ao final desta aula, esperamos que você identifique os principais componentes do sistema digestório, compreenda o funcionamento mecânico e químico do trato gastrointestinal, e como ocorre a regulação desse sistema. Os temas abordados nesta aula são: • mastigação e deglutição; • motilidade; • secreção gástrica; • secreção pancreática; e • regulação do TGI. TEMA 1 – MASTIGAÇÃO E DEGLUTIÇÃO A primeira etapa do processo digestivo é a mastigação, que envolve cortar, rasgar, triturar e misturar os alimentos. Os dentes são admiravelmente projetados para essa função. Os anteriores (incisivos), por exemplo, fornecem a ação de corte, enquanto os posteriores (molares) favorecem a trituração. Esse processo é controlado por áreas específicas do tronco cerebral, e, quando estimuladas pelos centros gustativos, causarão movimentos ritmados de mastigação, que são parcialmente voluntários, embora a maioria tenha ação reflexiva. A presença do bolo alimentar na boca ocasiona, inicialmente, uma inibição dos músculos da mastigação, o que permite o relaxamento da mandíbula inferior. 3 Essa queda, por sua vez, inicia um reflexo de estiramento dos músculos da mandíbula que levará à contração de rebote. Com isso, a mandíbula subirá e causará o fechamento dos dentes. Por outro lado, o bolo alimentar será comprimido contra as paredes da boca, o que inibirá os músculos da mastigação mais uma vez, permitindo que a mandíbula relaxe, estire e contraia novamente de maneira cíclica até que se encerre a mastigação. A mastigação é importante para a digestão de todos os alimentos, especialmente das frutas e vegetais crus, porque esses alimentos possuem membranas indigeríveis que devem ser quebradas antes que a comida possa ser digerida. Além disso, as enzimas digestivas atuam apenas na superfície das partículas de alimentos, ou seja, a taxa de digestão depende da área da superfície exposta a tais secreções. Por fim, triturar o alimento em partículas muito finas evita a escoriação do trato gastrointestinal (TGI), facilita o esvaziamento gástrico e a defecação (Guyton; Hall, 2016). Um outro aspecto essencial que acontece nessa etapa da mastigação é a produção de saliva. Essa secreção é produzida por três pares de glândulas salivares localizadas do lado de fora da cavidade oral, sendo liberada na boca através de ductos curtos. As principais funções da saliva são as que se seguem (Sherwood, 2011). 1. Iniciar a digestão do carboidrato na boca por meio da ação da amilase salivar, uma enzima que quebra polissacarídeos em maltose (dissacarídeo formado por duas moléculas de glicose). 2. Facilitar a deglutição, umedecendo as partículas de alimentos e mantendo-as unidas. 3. Exerce alguma ação antibacteriana. 4. Servir como solvente para moléculas que estimulam as papilas gustativas, por exemplo o açúcar. 5. Auxiliar na fala, facilitando os movimentos dos lábios e da língua. 6. Ajuda a limpar os resíduos dos alimentos, das partículas estranhas e das células epiteliais antigas, contribuindo na higiene bucal. 7. Neutraliza os ácidos dos alimentos, bem como os produzidos por bactérias na boca, por ser rica em tampões de bicarbonato. Como vimos, embora a saliva seja liberada na boca e atue diretamente na mastigação, ela acaba exercendo outras funções também, inclusive na 4 deglutição, que é a etapa seguinte do sistema digestório e será detalhada a seguir. A deglutição é a passagem do bolo alimentar da cavidade oral para o estômago através de um tubo de músculo liso composto pela faringe e pelo esôfago. Esse caminho é anatomicamente compartilhado com a via aérea. Assim, além de direcionar os alimentos para o estômago, o mecanismo de deglutição atua como um protetor vital das vias aéreas, bloqueando a passagem de alimento para a traqueia e consequentemente para os pulmões, por meio do reposicionamento da epiglote (Figura 1). O modelo atualmente aceito para deglutição descreve três estágios principais e sequenciais: 1) a fase oral (voluntária); 2) a fase faríngea (involuntária); e 3) a fase esofágica (involuntária). Embora alimentos sólidos e líquidos compartilhem das mesmas fases, eles diferem ligeiramente no processo de transporte dos bolos na orofaringe durante a fase oral. Durante a fase oral, existe um momento preparatório no qual o bolo alimentar é selado pela língua e pelo palato duro, em caso de alimentos líquidos. Processo este que não ocorre para alimentos sólidos, que são processados por meio da mastigação e manipulação. Em seguida, dá-se início à propulsão oral, que seria o ato de elevar a língua para que o bolo alimentar seja direcionado posteriormente para a orofaringe. Ambos os processos da fase oral estão, em sua maioria, sob controle muscular voluntário. A fase faríngea é a primeira etapa irreversível do mecanismo de deglutição e começa quando o bolo alimentar atinge o arco palatoglosso. Nessa etapa, estímulos sensoriais são transmitidos ao núcleo do trato solitário e as fibras musculares eferentes coordenam uma resposta muscular reflexiva na faringe e, posteriormente, no esôfago. A fase faríngea tem o objetivo de direcionar o alimento para o esôfago e proteger as vias aéreas da aspiração errônea do bolo alimentar (Figura 1), sendo caracterizada por uma onda de estímulos coordenados (movimentos peristálticos) com duração de cerca de um segundo, que termina quando o bolo alimentar atinge o esfíncter esofágico superior, ou esfíncter faringoesofágico. Esse esfíncter permanece tonicamente contraído em repouso para evitar que o ar entre no esôfago, mas é aberto por três mecanismos sequenciais que permitem a passagem do bolo alimentar para o esôfago: 1) contração do músculo tireo-hióideo para mover a laringe e o hioide 5 superiormente e anteriormente; 2) relaxamento do músculo cricofaríngeo; e 3) distensão do esfíncter esofágico superior, dependente da pressão exercida pelo bolo alimentar (Guyton; Hall, 2016; Reinus; Simon, 2014). Figura 1 – Fase orofaríngea da deglutição Fonte: Jefferson Schnaider. 6 O bolo alimentar continua a ser inferiormente direcionado por uma onda de peristalse autônoma (Figura 2), muito parecido com o ocorrido na fase faríngea. No entanto, a peristalse da fase esofágica é mais lenta do que na fase faríngea, ocorrendo a uma taxa de cerca de 3 a 4 centímetros por segundo. Essa etapa encerra quando o bolo alimentar passa pelo esfíncter esofágico inferior, ou esfíncter gastroesofágico, e chega ao estômago. Do mesmo modo que o observado no esfíncter esofágico superior, o esfíncter esofágico inferior também permanece tonicamente contraído em repouso. Nesse caso, para evitar o refluxo do estômago (Guyton; Hall, 2016). TEMA 2 – MOTILIDADE A motilidade nada mais é do que a movimentação da comida ao longo do TGI, desde os movimentos exercidospela boca na chegada do alimento até a excreção do bolo fecal pelo ânus. Esses movimentos são coordenadamente controlados por ondas de contração e relaxamento da musculatura envolvida (Figura 2). Figura 2 – Movimentos peristálticos Crédito: Designua/shutterstock. https://www.shutterstock.com/pt/g/designua 7 Para que seja mantida a sequência lógica do sistema digestório, daremos continuidade na chegada do bolo alimentar ao estômago após a fase de deglutição previamente descrita. Mas para isso é necessário compreender, primeiramente, a anatomia e a motilidade do estômago. O estômago é um órgão em forma de J localizado entre o esôfago e o intestino delgado. Esse órgão apresenta algumas subdivisões (Guyton; Hall, 2016) (Figura 3). • O fundo: é a parte do estômago que fica acima da abertura esofágica e possui camadas de músculo liso relativamente finas. • O corpo: é a parte central ou principal do estômago e possui camadas de músculo liso relativamente finas. • O antro: é a parte inferior do estômago e possui uma musculatura muito mais grossa. Essa diferença na espessura muscular distingue a motilidade entre as regiões. • O piloro ou esfíncter pilórico: esta é a porção terminal do estômago, que serve como barreira entre o estômago e a parte superior do intestino delgado, denominada de duodeno. Figura 3 – Anatomia do estômago Fonte: Jefferson Schnaider. O estômago apresenta três funções motoras: 8 1. armazenar grandes quantidades de alimentos até que a comida possa ser processada ao longo dos órgãos (estômago, intestino delgado e intestino grosso); 2. misturar o alimento com as secreções gástricas até formar um composto denominado quimo (o bolo alimentar transportado pela deglutição passa a ser chamado de quimo no estômago); 3. esvaziar lentamente o quimo do estômago, em um ritmo que favoreça a digestão e a absorção desse composto pelo intestino delgado. De maneira mais detalhada, ao chegar no estômago, o bolo alimentar ocasiona a distensão desse órgão, gerando um estímulo de reflexo vasovagal do estômago para o tronco cerebral. Como resposta, há uma redução na tonicidade da parede muscular do corpo do estômago, o que permite acomodar quantidades cada vez maiores de alimentos, até que a capacidade máxima do estômago completamente relaxado seja atingida (≈ 0,8 a 1,5 litros). A pressão no estômago permanece baixa até que esse limite seja alcançado. Em seguida, os sucos digestivos secretados pelas glândulas do estômago entram em contato com aquela comida armazenada na mucosa estomacal e inicia-se uma onda de movimentos peristálticos fracos, denominados de ondas de mistura, as quais começam na porção médio-superior da parede do estômago e se propagam em direção ao antro a cada 15 a 20 segundos em média. À medida que essas ondas se aproximam do antro, a intensidade se torna cada vez mais forte. No entanto, a abertura do piloro é muito pequena para que o conteúdo do antro seja expelido no duodeno, indicando que o esvaziamento do quimo não depende exclusivamente da motilidade estomacal. Na realidade, o esvaziamento do estomago é parcialmente controlado por fatores estomacais. O controle mais importante é feito por sinais de feedback inibitório do duodeno, tanto os enterogastricos quanto o feedback hormonal da colecistocinina (CCK) (detalhes sobre a CCK são observados na Tabela 1). Esses mecanismos de feedback inibitórios trabalham harmonicamente para diminuir a velocidade de esvaziamento gástrico quando há muito quimo no intestino delgado ou quando o conteúdo do quimo é excessivamente ácido, contém muita proteína ou gordura não processada ou é irritante para a parede intestinal. Ou seja, a taxa de esvaziamento do estômago é limitada à quantidade de quimo que o intestino delgado pode processar. 9 Ao chegar no duodeno, o quimo continua a ser impulsionado através do intestino delgado por ondas peristálticas em segmentação (Figura 4) que seguem em direção ao ânus a uma velocidade que varia de 0,5 a 2,0 cm/s. Dificilmente uma onda percorre mais do que 10 centímetros, o que dá a característica lenta de segmentação no intestino delgado. Tão lenta que o deslocamento médio do quimo nessa etapa é de apenas 1 cm/min. Ou seja, são necessárias de 3 a 5 horas para que o quimo chegue à válvula ileocecal e continue o processo no intestino grosso. Esse mecanismo de propulsão lento é vantajoso por permitir uma maior digestão e absorção dos nutrientes. Afinal, é no intestino delgado que a maior parte desses dois processos ocorre. Já no intestino grosso, movimentos em massa ocorrem do ceco até o colón sigmoide (Figura 4) para que o TGI continue a desempenhar o seu papel propulsivo. Esses movimentos normalmente ocorrem de uma a três vezes ao dia, e para boa parte das pessoas, por cerca de 15 minutos durante a primeira hora após o café da manhã. Os movimentos em massa seguem esta sequência: 1) um anel constritivo ocorre em resposta à distensão do cólon transversal; 2) rapidamente, os 20 centímetros do cólon descendente se contraem como uma unidade, impulsionando o material fecal ao longo deste segmento; 3) há um aumento progressivo na força de contração por cerca de 30 segundos e há um relaxamento durante os 2 a 3 minutos seguintes; 4) em seguida, outro movimento de massa ocorre e assim sucessivamente por cerca de 10 a 30 minutos até cessarem; 5) esses movimentos retornam mais tarde e empurram uma massa de fezes no reto; 6) a movimentação das fezes para o reto causa uma distensão da parede retal, levando ao reflexo de defecação; 7) o esfíncter anal interno (formado por músculo liso – contração involuntária) relaxa, enquanto o reto e cólon sigmoide contraem mais intensamente; e 8) se o esfíncter anal externo (formado por músculo esquelético – contração voluntária) estiver relaxado, ocorre a defecação. Vale ressaltar que como o esfíncter anal externo está sob controle voluntário, é possível contraí-lo se as circunstâncias forem desfavoráveis, mesmo que a distensão da parede retal cause o reflexo de defecação (Guyton; Hall, 2016; Sherwood, 2011). 10 Figura 4 – Anatomia e motilidade do sistema digestório Fonte: Jefferson Schnaider. TEMA 3 – SECREÇÃO GÁSTRICA O TGI possui o controle motor (motilidade), que foi previamente descrito, e o controle químico, realizado pela liberação de secreções, como a saliva, por exemplo, que participa da digestão de carboidratos por meio da ação da enzima amilase salivar. Devido à abrangência de secreções regulatórias, nessa seção serão descritas apenas as principais secreções gástricas e seus mecanismos de ação. Sendo assim, a mucosa do estômago possui dois importantes tipos de glândulas tubulares, as quais secretam substâncias específicas e estão localizadas em diferentes porções do estômago. 11 • As glândulas oxínticas (também chamadas de glândulas gástricas) estão localizadas nas superfícies internas do corpo e do fundo do estômago. Essas glândulas secretam ácido clorídrico, pepsinogênio, fator intrínseco e muco. • As glândulas pilóricas estão localizadas na região do antro e secretam principalmente muco para proteção da mucosa pilórica contra o ácido do estômago, além de secretar o hormônio gastrina. As glândulas oxínticas são compostas por três tipos de células: as células mucosas do colo, que secretam principalmente muco; as células pépticas, que secretam pepsinogênio; e as células parietais, que secretam ácido clorídrico e fator intrínseco. Quando as células parietais são estimuladas, elas secretam uma substância extremamente ácida (pH ≈ 0,8), denominada de ácido clorídrico. Esse ácido não atua diretamente na digestão, mas é responsável por ativar a enzima precursora pepsinogênio para ser convertida na sua forma ativa, denominada de pepsina, e fornecer um meio ácido que é ideal paraa atividade dessa enzima. Além disso, o ácido clorídrico ajuda na degradação do tecido conjuntivo e das fibras musculares, reduzindo grandes partículas de alimentos em partículas menores e matando a maioria dos microrganismos ingeridos com os alimentos. Uma vez que a enzima pepsinogênio foi convertida à sua forma ativa, pepsina, pela ação do ácido clorídrico, inicia-se uma formação ainda maior de pepsina por meio do processo de autoativação. A pepsina inicia a digestão das proteínas ao dividi-las em fragmentos peptídicos (pequenas cadeias de aminoácidos) e funciona de forma mais eficaz no ambiente ácido promovido pelo ácido clorídrico. Como a pepsina digere proteínas, é importante que ela seja armazenada e secretada em uma forma inativa para que não faça a digestão das células que lhes formam. Portanto, a pepsina é mantida na forma inativa de pepsinogênio até que atinja o lúmen gástrico, onde é ativada pelo ácido clorídrico. Outra substância produzida pelas células parietais é o fator intrínseco, que é fundamental na absorção de vitamina B12 e pode afetar a produção de eritrócitos. Afinal, essa vitamina só consegue ser absorvida se ligada ao fator intrínseco, e sabe-se que a vitamina B12 tem papel importante na formação dos 12 glóbulos vermelhos. Ou seja, na ausência de fator intrínseco, essa vitamina não consegue ser absorvida e a produção de eritrócitos se torna deficitária, o que pode levar a quadros de anemia perniciosa, por exemplo. Em outra linha de atuação está o muco. Essa secreção ajuda a contrabalançar os possíveis efeitos prejudiciais de outras substâncias, como o ácido clorídrico, e serve como uma barreira protetora contra as diferentes formas de potencial lesão da mucosa gástrica. • O muco protege a mucosa gástrica contra lesões mecânicas, devido às suas propriedades lubrificantes. • Ajuda a proteger a parede do estômago da autodigestão, já que ação da pepsina é inibida quando entra em contato com a camada de muco no revestimento do estômago (o muco não afeta a atividade da pepsina no lúmen, onde ocorre a digestão das proteínas advindas da alimentação). • Por ser alcalino, o muco ajuda a proteger o estômago das lesões derivadas do ácido, a partir da neutralização do ácido clorídrico no revestimento gástrico. Mas não interfere na função desse ácido no lúmen, assim como foi descrito para a pepsina. Por fim, podemos destacar a ação da gastrina, que é um hormônio peptídico secretado pelas glândulas pilóricas na região distal do estômago. A secreção desse hormônio é estimulada pela chegada de alimentos proteicos ao antro do estômago. Algumas dessas proteínas têm efeito estimulador das células G localizadas nas glândulas pilóricas, levando à produção e liberação desse hormônio. A gastrina, por sua vez, é um poderoso estimulante de ácido clorídrico e pepsinogênio, além de auxiliar na liberação de histamina, que aumenta ainda mais a secreção ácida (Guyton, Hall, 2016; Reinus; Simon, 2014). TEMA 4 – SECREÇÃO PANCREÁTICA O pâncreas é um órgão composto com funções exócrinas e endócrinas (Figura 5). A porção endócrina é organizada em ilhotas de Langerhans, compostas por cinco tipos de células, que são responsáveis por secretar diferentes hormônios, incluindo a insulina e o glucagon (Guyton, Hall, 2016; Reinus; Simon, 2014). No sistema digestório, a função exócrina do pâncreas tem maior relevância e será abordada nesta seção. 13 A porção exócrina do pâncreas é responsável por secretar o suco pancreático, que é formado por dois componentes: 1. As enzimas pancreáticas, que são secretadas ativamente pelas células acinares; 2. A solução alcalina aquosa, que é secretada pelas células do ducto pancreático. O suco pancreático é secretado mais abundantemente em resposta à presença de quimo nas porções superiores do intestino delgado, e as características da secreção são parcialmente determinadas pelo conteúdo de alimento contido no quimo. Nesse sentido, as células acinares são capazes de secretar três tipos de enzimas pancreáticas, cada qual responsável pela digestão de um macronutriente específico. • Enzimas proteolíticas: responsáveis pela digestão das proteínas. A enzima mais abundante e importante desse processo é a tripsina. • Amilase pancreática: responsável pela digestão de carboidratos. • Lipase pancreática: responsável pela digestão dos lipídios. Assim como foi visto para o pepsinogênio, as enzimas pancreáticas são armazenadas dentro do zimogênio em sua forma inativa e são liberadas por exocitose quando necessárias. É importante ressaltar que elas são capazes de digerir quase que completamente os alimentos mesmo na ausência das outras secreções digestivas. Em relação à solução alcalina aquosa, vale destacar que este é o componente mais abundante do suco pancreático e, por ser uma secreção rica em bicarbonato de sódio (NaHCO3), exerce um papel de tamponamento do suco gástrico liberado pelas glândulas estomacais. 14 Figura 5 – Anatomia e divisão funcional do pâncreas Crédito: Alila Medical Media/ shutterstock. TEMA 5 – REGULAÇÃO DO TGI O sistema digestório é controlado por outros sistemas do organismo e diferentes mecanismos de regulação, incluindo os neurais e os endócrinos. Do ponto de vista neural, a atividade do TGI sofre influência direta do sistema nervoso autônomo (denominado de sistema nervoso entérico no sistema digestório), que regula tanto a motilidade quanto as secreções. Nessa perspectiva, sabe-se que a estimulação parassimpática aumenta a atividade do sistema nervoso entérico por secretar acetilcolina em suas terminações, o que leva ao incremento da motilidade. Ainda, como as fibras parassimpáticas fornecem uma extensa inervação para o esôfago, estômago, pâncreas e da metade distal do intestino grosso até o ânus, com maior proeminência no reto e no ânus, fica evidente que a estimulação dessas fibras aumenta a atividade gastrointestinal e estimula o reflexo de defecação. Por outro lado, a estimulação simpática inibe a atividade do TGI pelo fato de essas fibras secretarem noradrenalina nas suas terminações, o que reduz a motilidade gastrointestinal e a atividade do sistema entérico como um todo. Embora o sistema nervoso entérico atue a todo momento na regulação do controle do TGI, vale destacar o papel regulatório exercido pelos hormônios 15 gastrointestinais secretados pelas glândulas endócrinas do trato digestório, que são transportados através do sangue para outras áreas do TGI, onde exercem funções excitatórias ou inibitórias nas células musculares e nas glândulas exócrinas (Guyton; Hall, 2016; Sherwood, 2011) (Tabela 1). Tabela1 – Ações dos hormônios gastrointestinais e estímulos para a secreção Hormônio Estímulo para secreção Ações Gastrina Proteína Distensão Atividade neural Estimula as secreções gástricas Estimula o crescimento da mucosa Colecistocinina Proteína Lipídios Ácido Estimula as secreções pancreáticas Estimula a contração da vesícula biliar Inibe o esvaziamento gástrico Secretina Lipídios Ácido Estimula a secreção de pepsina Estimula a secreção de bicarbonato no pâncreas Inibe a secreção gástrica Motilina Lipídios Ácido Atividade neural Estimula a motilidade gástrica Estimula a motilidade intestinal Fonte: elaborado com base em Guyton; Hall, 2016, p. 802. NA PRÁTICA Como vimos nesta aula, a motilidade do sistema digestório faz o transporte, absorção e excreção dos alimentos ao longo do TGI. Mas, para isso, uma série de mecanismos de controle precisam entrar em ação, inclusive outros sistemas (sistema circulatório e sistema nervoso autônomo). Pensando na atividade do profissional e do professor de educação física, e considerando os diferentes sistemas, será que há alteração na atividade do TGI durante a prática deexercícios físicos? Sim, durante a prática de exercícios físicos, especialmente os de alta intensidade, ocorre uma redistribuição do sistema circulatório para atender à demanda da atividade. Nesse caso, um maior volume de sangue é direcionado aos músculos esqueléticos ativos, para entregar os nutrientes necessários, enquanto menos sangue flui para o estomago e o intestino, ocasionando a diminuição da atividade desses órgãos. Além disso, com o aumento da atividade simpática estimulada pelo exercício, há uma redução da motilidade no sistema digestório, o que inibe a passagem do alimento ao longo do TGI. Por outro lado, 16 existem evidências de que podem ocorrer episódios de diarreia durante exercícios prolongados (maratonas e ultramaratonas), devido à aceleração da passagem dos alimentos pelo trato digestório, como forma de “defesa” do organismo. FINALIZANDO A sobrevivência humana depende da disponibilidade de recursos alimentares que forneçam nutrientes para as diferentes ações fisiológicas. Nesse sentido, o sistema digestório é essencial, afinal, é ele que recebe, transporta, digere, absorve e excreta o alimento ingerido. A sua atividade segue uma cascata de eventos, que são marcados pelos movimentos peristálticos ao longo do trato gastrointestinal e pela ação das secreções digestórias que atuam sobre o bolo alimentar / quimo. Além disso, a regulação desse sistema é dependente da ação neural e hormonal, que podem variar de acordo com o estado do indivíduo e com as características do alimento processado. Portanto, é importante que os profissionais e professores de educação física compreendam a base do sistema digestório para identificar, entre outras coisas, possíveis efeitos adversos devido à falta de alimentos no organismo ou à ingestão excessiva de líquidos, que podem ocasionar desconforto e prejudicar a prática de exercícios físicos. 17 REFERÊNCIAS GUYTON, A. C.; HALL, J. E. Textbook of medical physiology. 13. ed. Elsevier, 2016. REINUS, J. F.; SIMON, D. Gastrointestinal anatomy and physiology: the essentials. Willey Blackwell, 2014. SHERWOOD, L. Fisiologia humana: das células aos sistemas. 7. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2011.