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Ética NO AMBIENTE DE TRABALHO MÁRCIA CRISTINA GONÇALVES DE SOUZA © 2009, Elsevier Editora Ltda. Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei no 9.610, de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográfi cos, gravação ou quaisquer outros. Copidesque: Shirley Lima da Silva Braz Revisão: Jaime Teotônio Borges Luiz e Roberta Borges Editoração Eletrônica: Estúdio Castellani Elsevier Editora Ltda. Rua Sete de Setembro, 111 – 16o andar 20050-006 – Centro – Rio de Janeiro-RJ – Brasil Telefone: (21) 3970-9300 Fax: (21) 2507-1991 E-mail: info@elsevier.com.br Escritório São Paulo Rua Quintana, 753/8o andar 04569-011 – Brooklin – São Paulo – SP Tel.: (11) 5105-8555 ISBN 978-85-352-3383-4 Nota: Muito zelo e técnica foram empregados na edição desta obra. No entanto, podem ocorrer erros de digitação, impressão ou dúvida conceitual. Em qualquer das hipóteses, solicitamos a comunicação à nossa Central de Relacionamento, para que possamos esclarecer ou encaminhar a questão. Nem a editora nem o autor assumem qualquer responsabilidade por eventuais danos ou perdas a pessoas ou bens, originados do uso desta publicação. Central de Relacionamento Tel.: 0800-0265340 Rua Sete de Setembro, 111, 16º andar – Centro – Rio de Janeiro – RJ – CEP.: 20.050-006 e-mail: info@elsevier.com.br site: www.elsevier.com.br CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ S716e Souza, Márcia Cristina Ética no ambiente de trabalho : uma abordagem franca sobre a conduta ética dos colaboradores / Márcia Cristina Souza. – Rio de Janeiro : Elsevier, 2009. Inclui bibliografi a ISBN 978-85-352-3383-4 1. Ética empresarial. 2. Comportamento empresarial. 3. Administração de empresas - Aspectos morais e éticos. I. Título. 09-1002. CDD: 174.4 CDU: 174.4 1597-00-caderno zero.indd iv 25/3/2009 15:42:36 Dedico a meus sobrinhos Marina, Maria Eduarda, Edison Neto e Maria Clara, como representantes das novas gerações que, confio, serão formadas por pessoas com maior senso de ética, que criarão sociedades mais justas e com relações mais honestas. 1597-00-caderno zero.indd v 25/3/2009 15:42:36 Constato ainda que, de modo geral, as pessoas cuja conduta é eticamente positiva são mais felizes e satisfeitas do que aquelas que se descuidam da ética. Dalai-Lama 1597-00-caderno zero.indd vii 25/3/2009 15:42:36 Agradecimentos Agradeço especialmente à minha sobrinha e afilhada, Marina Castro de Souza, que ao me convidar para proferir uma palestra em sua escola, despertou em mim o desejo de repetir a experiência com um tema provocante, que me incomoda desde meus primeiros anos como funcionária de uma grande empresa. Agradeço à minha cunhada Glória Castro, que me alertou sobre a pouca atenção ainda dispensada pelas empresas, inclusive multinacionais, à repressão à conduta antiética, mas não criminosa. Agradeço a Antonio Limone, pela opinião gabaritada que me es- timulou a caminhar e a acreditar neste trabalho, e à minha amiga Mara Núbia Piccinini, que acompanhou de perto e me incentivou durante todo o tempo em que trabalhei para escrever cada página. Agradeço também a meus pais, Edison e Maria do Socorro, que souberam transmitir, com seus exemplos de vida, a diferença entre o que é certo e o que é errado sob o ponto de vista da ética. Agradeço ainda a todos os meus colegas de trabalho, que, com seus comportamentos éticos ou antiéticos, me proporcionaram experiências de vida que resultaram no desenvolvimento da sensibilidade crítica para escre- ver este livro, acreditando que, aos poucos, as empresas serão capazes de se transformar em ambientes mais saudáveis. Finalmente, agradeço a Deus, pela inspiração que me guiou na execução desta obra que, tenho certeza, está alinhada com Seus ensinamentos. 1597-00-caderno zero.indd ix 25/3/2009 15:42:36 Apresentação Este livro revela com clareza que a ética não está na empresa, na pessoa jurídica, mas sim, nas pessoas físicas que a integram. Recheando de inúmeros casos concretos de vivências relacionadas aos dilemas éticos que envolvem o ambiente de trabalho, sua autora é cora- josa. Coloca o dedo na ferida e descortina a realidade humana desenvolvida nas organizações. Mostra as grandezas e, ao mesmo tempo, as vilezas do ser humano. E o faz com simplicidade e franqueza, proporcionando uma leitura muito agradável, além de despertar a curiosidade do leitor, já que relata casos verídicos e atuais. Mas não é só. Ética tem a ver com caráter – e o caráter não se forja apenas com sentimentos, com oportunidades momentâneas, se- gundo as circunstâncias e conveniências de cada situação. O caráter do ser humano se sustenta em alicerces sólidos, que consolidam a vontade da pessoa, conduzindo-a para o bem e para a verdade. Credibilidade, integridade, humildade e transparência são alguns desses alicerces, que a autora, com muita sabedoria, propõe que se transformem em ações no ambiente de trabalho. Maria do Carmo Whitaker Professora e consultora de ética nas empresas Organizadora do site www.eticaempresarial.com.br 1597-00-caderno zero.indd xi 25/3/2009 15:42:36 Prefácio A o s e r e c e b e r a i n c u m b ê n c i a d e p r e f a c i a r u m l i v r o , podemos fi car num misto de vaidosa alegria e de redobrada atenção. Quando, gentilmente, recebi o convite de Márcia Cristina Gonçalves de Souza para prefaciar seu consistente e gostoso livro Ética no ambiente de trabalho, assumi também a atitude de redobrada responsabilidade e detalhado cuidado. Nada mais justo e natural pelo tema em pauta, pela trajetória profi ssional e experiência que a autora possui em sua estrada de realizações. O assunto tratado em Ética no ambiente de trabalho necessita ser considerado com toda a nossa atenção. A história de nosso país apresenta incontáveis passagens e fatos que não podem ser considerados condutas limpas e éticas. Quando as 13 caravelas do navegador Pedro Álvares Cabral avista- ram o Monte Pascoal em 22 de abril de 1500, afi rmam alguns historiadores que, após fazer o reconhecimento da terra descoberta, Cabral pediu ao es- crivão que registrasse a necessidade de o rei Dom Manoel liberar recursos para a construção de um porto para desembarque. O detalhe é que o porto naturalmente já existia na região em que se encontra hoje a cidade de Porto Seguro. Águas tranquilas protegidas por arrecifes, que permitiam que os barcos atracassem em segurança. Do Brasil Colônia para cá, os registros históricos e judiciários apre- sentam infi ndáveis casos de desvios, roubos e crimes de toda ordem, além 1597-00-caderno zero.indd xiii 25/3/2009 15:42:36 de questões e maquiavélicos movimentos políticos e econômicos com fi ns inconfessáveis. Agora, o mundo está globalizado e qualquer ato antiético ou crimi- noso que uma pessoa, um grupo de pessoas ou de organizações venha a realizar no meio empresarial, cedo ou tarde será conhecido e de domínio público. Os sistemas e os meios de controle empresariais estão mais apri- morados e públicos. As empresas se organizam melhor em tempos globalizados, conversam com frequência e estabelecem, com grande e necessária atenção, mecanismos de comunicação entre si. Se alguém tiver algum desvio de conduta, todos fi ca- rão sabendo, pois todos se falam, diretamente ou por meio de suas associações, comunidades empresariais, ou mesmo pela participação da imprensa. A realidade é que, cada vez mais, a conduta ética é fator de sobrevi- vência empresarial e profi ssional. Não se trata de movimento da moda ou de iniciativa de poucos, com forças desarticuladas e sem objetivos claros a alcançar. Trata-se, sem dúvida, de um forçoso aprimoramento de conduta das pessoas no mundo corporativo, que vem se robustecendopara fi car. As empresas, de modo geral, quando iniciam um processo seletivo para seus quadros funcionais, procuram identifi car, em cerca de 60% dos casos, quem o candidato é. Certo é que verifi cam também a capacidade técnica dos candidatos, porém, fundamentalmente, querem conhecer o ca- ráter de quem irão contratar para fazer parte do time. Há quase dois séculos, Abraham Lincoln disse: “Praticamente qual- quer um pode suportar a adversidade, mas, se quiser testar o caráter de alguém, dê-lhe poder.” No mundo das empresas, essa citação se ajusta per- feitamente à realidade do cotidiano. Caráter, poder, possibilidades, esco- lhas, atos e consequências, tudo está conectado, como se fosse uma corren- te, a partir de quem o binômio pessoa/profi ssional é. O livro Ética no ambiente de trabalho, de Márcia Cristina, oferece mais conteúdo e sentido à consistente atenção e às efetivas providências que as empresas precisam aplicar (e vêm aplicando) quando identifi cam pequenas ou grandes derrapadas éticas de componentes de seu quadro fun- cional. Fica evidente que o como se obtém determinado resultado é tão ou mais importante do que o próprio resultado em si, como também a conduta profi ssional dos integrantes de uma organização empresarial está, cada vez mais, sob permanente observação e acompanhamento. 1597-00-caderno zero.indd xiv 25/3/2009 15:42:36 Ética no ambiente de trabalho chama a atenção e apresenta numerosas situações em que a ética e a conduta devem estar acima das vaidades e das práticas profi ssionais só confessáveis em mundos “muito pessoais e parti- culares”. É mais uma importante contribuição ao meio empresarial com que agora a autora nos brinda com base em sua valiosa experiência profi ssional. De fato, se fi zermos a nossa parte, como Márcia Cristina vem fazendo a sua, construiremos um mundo melhor para todos, mais ético e justo, com cada um de nós ganhando com isso também. Leia e usufrua do livro sob essa ótica. Ruy Leal Superintendente-geral do Instituto Via de Acesso www.viadeacesso.org.br 1597-00-caderno zero.indd xv 25/3/2009 15:42:36 Introdução Durante meus quase anos de trabalho numa grande empresa, tive a oportunidade de presenciar inúmeras situações em que a conduta antiética de alguns colegas provocava evidentes perdas na efi ciência e na produtividade da empresa, muitas vezes fazendo com que o ambiente de trabalho se tornasse insuportável. Eram chefes isolados e carrancudos, intocáveis, que agiam sob a inspiração dos tempos da ditadura, sem serem importunados por qualquer questionamento acerca de seu comportamento ou sobre a forma de tratamento que dispensavam à sua equipe. Eram pro- movidos por tempo de serviço ou por força de seus relacionamentos pesso- ais, e suas carreiras prosseguiam independentemente dos estragos causados à empresa e à vida de seus subordinados. Passavam anos causando prejuí- zos, exercendo o papel de feitores dos tempos da escravidão, sem que hou- vesse uma reclamação formal, muito menos uma denúncia. Na década de 1980, ainda em consequência das perseguições políticas do regime militar, o papel de delator era altamente condenado e não havia sequer canais de comunicação disponíveis para esse fi m. Raramente, uma ou outra questão chegava ao conhecimento dos ges- tores da área de RH ou da região de atuação da pessoa, mas não se percebia qualquer consequência punitiva para o colega, que permanecia atuando da mesma maneira. Os comentários desabonadores sobre as várias queixas de todos que se relacionavam com ele fervilhavam pelos corredores, mas nem se imaginava que poderia haver algum tipo de punição. Ele era o chefe e 1597-Book.indb 1 25/3/2009 15:43:10 2 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O pronto! Todos tinham de obedecer e se adaptar para conviver da melhor maneira possível. Quando alguma situação mais grave chegava às instâncias superio- res, a rádio-corredor funcionava a mil por hora, dando como certo que, fi nalmente, o opressor sofreria algum castigo. O tempo passava e a pessoa continuava exercendo suas atividades normal e tranquilamente. Para os demais, fi cava a impressão de que aquele comportamento não era reprovado pelos líderes e que, portanto, deveria ser adotado por todos. Quando passei a trabalhar na sede da empresa, percebi que as mes- mas coisas aconteciam bem próximas dos ocupantes das funções mais im- portantes, ou, pior ainda, alguns desses poderosos eram igualmente antié- ticos e protagonizavam histórias tão desagradáveis quanto as que eu via na regional. Ainda hoje, mentiras, assédio moral ou sexual, apropriação de ideias alheias, manipulação de dados e de informações são atitudes facilmente perce- bidas dentro de muitas empresas, em especial nas grandes corporações. Ao mesmo tempo, decisões baseadas em concepções pessoais, mo- vidas apenas pela vaidade de quem está mais preocupado em se autopro- mover do que em manter ou aumentar a lucratividade da empresa, não são questionadas, causando enormes prejuízos fi nanceiros, gerados por desper- dícios ou pelo desgaste na imagem da empresa. São situações que envolvem temas pesados. Temas que muitas vezes são tratados como se não ocorressem, mas que fazem parte da natureza hu- mana e não deveriam mais permanecer subestimados e mantidos debaixo dos tapetes das salas da alta cúpula empresarial. A difi culdade está em separar o que é estilo de gestão do que é falta de ética. Cansada de testemunhar injustiças e resultados desastrosos e perce- bendo que estamos vivendo uma nova época no que se refere aos valores éticos, dediquei-me a observar com mais cuidado esses comportamentos. O objetivo é relatá-los de forma crítica e tentar lançar um alerta para os estragos provocados por funcionários que atuam sem preocupação com a ética ou com as consequências danosas que suas ações podem trazer para a empresa, para um colega, um cliente ou um fornecedor. Pessoas sem ética subestimam os riscos, possuem visão de curtíssimo prazo e baseiam os alicerces de sua reputação em resultados imediatos. 1597-Book.indb 2 25/3/2009 15:43:11 I N T R O D U Ç Ã O 3 Adotando conduta antiética, fi cam expostas a riscos. Sabem que, se fo- rem descobertas ou denunciadas, podem arruinar as próprias carreiras, mas agem contando com a inércia dos colegas e com a impunidade para ações não criminosas, mas “apenas” antiéticas. Apesar de muitas das situações aqui relatadas terem ocorrido comigo ou com colegas meus, existem também muitos exemplos que aconteceram em outras empresas e que foram contados por amigos e colegas dos vários cursos dos que participei. Não é objetivo deste livro aprofundar o estudo de assuntos já trata- dos por literatura específi ca como Qualidade, Atendimento, Compliance, Gestão de Pessoas e outros. Esses temas são abordados pelo ponto de vista da conduta ética a eles relacionados, sem qualquer expectativa quanto a acrescentar algo novo ao trabalho realizado por especialistas e teóricos des- sas áreas de atuação. O objetivo deste livro é chamar a atenção de empresários, dirigentes e gestores quanto à importância de dedicar maior atenção a “como” um resultado foi obtido. Registrando alguns dos inúmeros casos de condutas antiéticas testemunhadas ao longo dos anos, podemos perceber a ampli- tude dos prejuízos causados, dos talentos desperdiçados ou dos resultados que deixaram de ser alcançados por atos antiéticos, jamais questionados, que serviram de exemplo a outras pessoas que encontraram justifi cativa para também atuar de forma antiética. A uma empresa que pretenda atuar com Ética, não basta criar um Conselho ou uma Comissão de Ética e um Código de Conduta. A coerên- cia de atitudes entre o que é divulgado e a forma de atuação da empresa é fator preponderante para que se possa perceber a real importância da Ética para uma organização. Quem atua, e quem decide, não é a empresapropriamente dita, já que se trata apenas de um ente jurídico. Na verdade, quem atua e decide são os empregados da empresa. Assim, é preciso que os dirigentes criem mecanismos de controle como forma de assegurar que seus empregados pratiquem a conduta ética em suas atividades diárias. Para isso, é necessário investir na criação de rotinas e ferramentas que viabilizem denúncias e apu- rações, amparadas por uma política de consequências que espelhe o rigor com que são tratados os casos em que o Código é desrespeitado. Não tenho certeza de que o esforço despendido para escrever este livro vá mesmo fazer alguma diferença nas empresas. Mas mantenho acesa 1597-Book.indb 3 25/3/2009 15:43:11 4 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O a esperança de que possa servir de base para acender uma pequena chama que ilumine algumas mentes sobre as consequências nefastas que simples descuidos ou deslizes podem provocar em suas carreiras ou nas empresas em que trabalham. Como membros de escolas, clubes, igrejas, equipes esportivas ou no papel de empregados, sócios ou dirigentes de empresas, possivelmente se- remos confrontados com dilemas éticos, como, por exemplo, ter de optar entre ser leal a um amigo ou ser leal à empresa na defesa do que é correto. Estou convicta da necessidade de focar o ensino da ética de forma mais abrangente e pessoal, porque quem faz a ética das empresas é o com- portamento de cada pessoa que lá trabalha. Escrever este livro reconforta minha consciência de que estou ten- tando fazer minha parte. É mais ou menos como o passarinho que, ao ver o incêndio dominando a fl oresta, voa até o lago mais próximo e traz em seu bico poucas gotas de água que deixa cair sobre as chamas. Questionado a respeito da inutilidade de sua atitude, ele argumenta que estava fazendo tudo o que podia. Era a sua contribuição. 1597-Book.indb 4 25/3/2009 15:43:11 C A P Í T U L O 1 O que é ética Uma palavra muito em moda neste início do século XXI, ética é aquele conceito que todo mundo sabe o que é, mas tem muita difi - culdade de explicar. Ética, palavra de origem grega ethos, que quer dizer o modo de ser, a conduta ou o caráter da pessoa. Etimologicamente, a palavra ética cor- responde à palavra latina morale, que tem o mesmo signifi cado. Assim, podemos concluir que ética e moral são palavras sinônimas, pelo menos em sua origem. Entretanto, a Moral estabelece regras comuns à sociedade, que são assumidas pela pessoa. A literatura disponível que busca explicar o que é Ética em seus as- pectos fi losófi cos é consideravelmente extensa. Entretanto, sem entrar no mérito de questões discutidas desde a Antiguidade – e para as quais ainda não existe consenso –, é possível simplifi car a defi nição para efeito de faci- litar o entendimento do conteúdo deste livro. Ética é o que diferencia o que é bom ou mau, correto ou incorreto, justo ou injusto, e esses conceitos podem variar de pessoa para pessoa. O questionamento quanto à existência de um componente genético que infl uencia a postura de cada pessoa é algo que se discute, pelo menos, desde o tempo de Aristóteles. Entretanto, não se pode negar que algumas pessoas têm a ética como característica inata, enquanto outras vão assimi- lando, ou não, esses conceitos ao longo da vida. 1597-Book.indb 5 25/3/2009 15:43:11 6 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O Assim, a ética pode variar conforme o “ponto de vista” de cada indi- víduo, não sendo, necessariamente, imutável e defi nitivo. O objeto material da ética é o ato humano, e seu objeto formal é a moralidade desse ato. Portanto, a Ética lida com questões do bem, do direito, da justiça, da honestidade, da transparência, da sinceridade e do bem comum. Segundo o dicionário Aurélio, Ética é “o estudo dos juízos de apre- ciação que se referem à conduta humana suscetível de qualifi cação do pon- to de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto”. Aristóteles afi rmou que a fi nalidade da ética é promover o bem-estar. Disse ainda que o estudo do bem tem natureza política e que mais impor- tante que o bem-estar do indivíduo é o bem-estar da coletividade. Ética diz respeito ao comportamento humano voluntário livre. O comportamento ético não se impõe: é uma adesão livre ao que se apresenta como bom, e não uma submissão exterior a um conjunto de regras e proi- bições. Obviamente, na maior parte dos casos, essa submissão é necessária, já que o comportamento ético é também um comportamento legal, mas não se reduz a ele. Em determinados casos, tratando-se de leis injustas, o comportamento ético exige o descumprimento dessas leis. Por outro lado, alguns comportamentos que não preveem qualquer sanção legal são considerados antiéticos e desagradam à maioria das pes- soas; um bom exemplo é o ato de se “furar fi la”. É comum ouvir alguém dizer que tem a própria visão sobre o que é éti- ca, que nem sempre está alinhada com a verdade e a ética aceitas pelo grupo e pela empresa. Esse entendimento é fortalecido pelo culto ao individualismo e ao consumismo. Normalmente, essa argumentação sobre a particularidade de interpretação procura esconder ou justifi car determinadas ações. Não obstante, existe uma pergunta que, ao ser feita, pode ajudar a descobrir se uma atitude é ou não ética: Eu posso divulgar para todos como foi que fi z ou como foi que consegui? Se a resposta for não, provavelmente a atitude em questão não se enquadra nos padrões éticos. Para ajudar a diferenciar uma atitude ética de outra não ética, existe ainda uma regra de ouro: “Faça aos outros o que você gostaria que fi zessem com você.” 1597-Book.indb 6 25/3/2009 15:43:11 O Q U E É É T I C A 7 Para efeito de conceituar o que é uma empresa comprometida com a ética, precisamos considerar ainda os seguintes aspectos: � Integridade nas relações comerciais. � Políticas justas nas relações de trabalho. � Responsabilidade na proteção ao meio ambiente. � Vigência e observância de códigos de conduta. � Solidariedade nas ações junto à comunidade. � Estímulo à prática do voluntariado entre seus funcionários. 1597-Book.indb 7 25/3/2009 15:43:12 C A P Í T U L O 2 Ética nas corporações A consultora em ética nas organizações e professora universitária Maria do Carmo Whitaker, em artigo publicado na revista Citi Brasil, do Grupo Citi, na edição 267, de julho de 2007, descreve: “Em Congresso sobre Ética, Negócios e Economia realizado na Argentina em 2001, um consultor europeu afi rmou que em um futuro não muito distante, a ética nos negócios e nas organizações seria tratada com a mesma impor- tância com que se tratam os assuntos referentes ao marketing na empresa. Reuniões de diretoria seriam convocadas para segunda-feira pela manhã, tendo a ética como item constante da pauta.” Com certeza, em muitas empresas brasileiras, essa profecia já está incorporada à rotina de reuniões de diretorias, conselhos e acionistas. Conforme explica Carlos Alberto Júlio, presidente da HSM do Bra- sil, empresas são organismos vivos. É o conjunto de pessoas que trabalham com um objetivo comum. Pessoas trazem seus valores e princípios grava- dos na mente e no coração e tendem a usá-los em suas decisões diárias. Na assertividade dessas decisões, pode estar o sucesso da organização e da carreira do funcionário. Assim, as empresas, tais e quais os indivíduos, precisam de valores e princípios para nortear sua atuação. Depois de defi nir a Missão e os Valores da empresa, percebeu-se a necessidade de alinhar as decisões individuais dos gestores com esses valo- res e princípios. 1597-Book.indb 9 25/3/2009 15:43:12 10 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O A velocidade da informação existente no mundo atual vem tornando a sociedade cada vez mais consciente e participativa. O senso crítico mais apurado, a noçãodos direitos individuais, a constatação de que pessoas satisfeitas e valorizadas produzem mais e melhor, as leis de proteção ao consumidor e a preocupação com a perpetuação do planeta e da própria es- pécie humana vêm exigindo das empresas maior cuidado com sua imagem de integridade e de postura ética e responsável. Podemos perceber com clareza o crescimento dos movimentos de consumo socialmente responsável e a reação das pessoas em geral em rela- ção a escândalos que envolvem alguns ícones do capitalismo. A obtenção de lucro permanece como objetivo essencial para empre- sas capitalistas. Entretanto, a sustentação dos negócios lucrativos precisa estar inserida em um círculo virtuoso que inclui a ética e a responsabilidade social. As empresas buscam aumentar suas margens de lucro por meio de gestão responsável, governança corporativa e processos avançados de con- trole que assegurem o retorno aos acionistas. Já é grande a quantidade de empresas que estão investindo maciça- mente em ações que visam promover a associação de sua imagem à imagem de uma empresa responsável, transparente, uma empresa que valoriza seu quadro de funcionários e que investe na preservação do meio ambiente. Aqui no Brasil, podemos citar empresas como a Companhia Vale do Rio Doce – a Vale, que criou a Fundação Vale – e o Banco Real – Grupo Santander, com o projeto Sustentabilidade – e o Boticário e o Instituto O Boticário como exemplos de organizações que investem na preservação ambiental ou que estão empenhadas em evitar o aquecimento global. Esses investimentos têm como principal objetivo a sustentabilidade da empresa, fazendo com que sua marca seja associada ao conceito de em- presa consciente de sua responsabilidade social. A sociedade consumidora tem consciência de seu papel, percebe e valoriza as ações adotadas pela empresa e passará a consumir produtos fei- tos por quem atua com responsabilidade. Esse é o caminho para o aumento da receita e, consequentemente, do lucro dessas companhias. Importante esclarecer a confusão, ainda presente no campo empre- sarial, entre ética e responsabilidade social. Embora sejam conceitos que se complementam, cabe aos empre- sários determinar a forma de atuar para que suas empresas, independen- temente do tamanho, sejam permanentemente sustentáveis. A estratégia 1597-Book.indb 10 25/3/2009 15:43:12 É T I C A N A S C O R P O R A Ç Õ E S 11 de gestão ética reverte no reconhecimento de uma empresa ética, social e ambientalmente responsável. O conceito de Governança Corporativa in- corpora a questão da sustentabilidade e implica a relação com todos os públicos: internos e externos. O papel de uma empresa é, em síntese, criar riqueza e emprego, fornecer produtos de qualidade aos consumidores e promover bem-estar, respeitando o meio ambiente. A sobrevivência não pode mais ser um fi m a qualquer custo. Responsabilidade Social empresarial é o respeito ético diante do mundo com o qual a empresa se relaciona. Segundo o professor Carlos Aurélio Mota de Souza, é a tese do “sucesso econômico com realização do homem”. A credibilidade nas informações divulgadas, a transparência nos ne- gócios e os benefícios oferecidos ao corpo funcional impactam diretamente na opinião da sociedade quanto a segurança e pertinência de se manter ou não relacionamento comercial com as empresas. Essa decisão da socieda- de refl ete diretamente no crescimento, no aumento da lucratividade e, até mesmo, na importância dispensada à perpetuação daquela empresa. Essa perspectiva surge a partir de uma nova consciência coletiva, que descobre a importância de se buscar selecionar as empresas merecedoras de confi ança a partir, não apenas de seus produtos ou serviços, mas também de sua postura com relação à sociedade na qual está inserida. Evidentemente, essa conscientização da população ocorre em dife- rentes intensidades, que variam de acordo com a localização da empresa, o índice de educação da população envolvida e sua condição socioeconômica, mas estamos falando de uma tendência que vem sendo percebida e que promete se alastrar de forma acentuada e rápida. Não apenas os clientes e fornecedores, mas também os profi ssionais mais bem preparados e talentosos do mercado, estão preferindo trabalhar em empresas que atuam de forma ética. A preocupação desses profi ssionais consiste em afastar riscos de comprometer suas carreiras e sua credibilidade ao se verem, involuntariamente, envolvidos em escândalos provocados por fraudes de toda a espécie, sejam fi nanceiras, tributárias ou que impliquem a perda da qualidade dos produtos, sem que tenham tido qualquer partici- pação efetiva nos atos ilegais. Considerando que os conceitos da Ética Corporativa e da Ética nos Negócios já estão sendo largamente compreendidos e aplicados por em- 1597-Book.indb 11 25/3/2009 15:43:12 12 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O presas de todo o mundo, surge agora a necessidade de dirigir o foco para a ética dentro da empresa. Não podemos esquecer que o ser humano é o principal agente das empresas e que os princípios e valores de seus proprietários e dirigentes é que criam a cultura da empresa. As empresas que desejam atuar de forma ética terão de projetar essa atitude junto a seus stakeholders. As pessoas é que atuam de forma ética. As empresas apenas espelham o caráter das pessoas que desempenham suas atividades em nome dela. Decisões e condutas inadequadas podem comprometer a própria empresa, gerando prejuízos irrecuperáveis e desgastes de imagem. A cons- tatação de que ética assimilada e praticada pelos funcionários da empresa é o caminho para se buscar a correção nas decisões é ainda muito recente. Considerando que as empresas, na qualidade de pessoa jurídica, são apenas fi gura do direito, reafi rmamos que a ética está nas pessoas que com- põem a empresa. São elas que efetivamente agem e interagem, que inferem e diferenciam o que é certo do que é errado sob a infl uência de suas reais intenções ou escolhas. O discernimento do que é ético para com a própria empresa é que determina se uma decisão está optando pelo que é melhor para a empresa e não para quem está decidindo. 1597-Book.indb 12 25/3/2009 15:43:12 C o n su m id o re s, P ar ce ir o s e F o rn ec ed o re s E m p re sa É ti ca e S o ci al m en te R es p o n sá ve l G es tã o É ti ca e É ti ca n o s N eg ó ci o s C o n d u ta É ti ca L u cr at iv id ad e e S u st en ta b ili d ad e E m p re sa Im ag em d a E m p re sa M er ca d o 1597-Book.indb 13 25/3/2009 15:43:12 C A P Í T U L O 3 Código de ética A c a d a d i a n o v a s e m p r e s a s l a n ç a m s e u s r e s p e c t i v o s Códigos de Ética e criam comitês ou conselhos responsáveis por salvaguar- dar a adoção e a prática de atitudes éticas. Não existe receita para elaborar um código de ética, visto que cada empresa tem sua maneira de atuar no mercado, o que abrange os próprios valores, sua cultura e seus conceitos. Por isso, não se pode simplesmente copiar o código de ética de outra organização. Também é recomendável que o código seja revisto e atualizado periodicamente, com base no históri- co de ocorrências verifi cadas na própria empresa, de modo a torná-lo cada vez mais abrangente e condizente com a própria cultura organizacional. Não se trata de um manual de procedimentos operacionais, nem deve estar voltado apenas para compliance, ou seja, procedimentos de con- trole top-down na estrutura hierárquica. Richard G. Weaver, no livro Corporate Codes of Ethics: Purpose, Pro- cess and Content Issues, Business and Society (1993), defi ne o código de ética como documento formal que especifi ca obrigações éticas conscientes para a conduta organizacional, só tendo validade se for formulado com base em padrões morais para condutas éticas. SharpL. Paine, em Managing for Organizational Integrity (1994), deu nova defi nição ao código de ética, como qualquer instrumento da or- ganização que institua valores de integridade ética para guiar o comporta- mento e a tomada de decisão por parte dos funcionários, não importando 1597-Book.indb 15 25/3/2009 15:43:12 16 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O sua forma, desde que seu foco esteja em valores ou aspirações: código de conduta, declaração de visão, propósitos, crenças, princípios ou valores. No Brasil, o Instituto Ethos (www.ethos.org.br) disponibiliza em sua página na internet orientações sobre como formular e implementar uma “Declaração de Valores Éticos”. Segundo o Instituto Ethos, esse ins- trumento ajuda a empresa a desenvolver relações sólidas com fornecedores, clientes e outros parceiros, assim como a reduzir o número de processos legais e de contingências, a negociar confl itos de interesse e assegurar o cumprimento das leis. A “Declaração de Valores Éticos” contempla os se- guintes princípios para guiar as decisões no trabalho: Ética Honestidade Justiça Compaixão Integridade Compromisso Respeito ao próximo Lealdade Solidariedade Os conceitos contidos no quadro acima estão na publicação do Ins- tituto Ethos “Formulação e Implantação de Código de Ética em Empresas – Refl exões e Sugestões”, focada no objetivo de tornar uma empresa reco- nhecida como socialmente responsável. A adoção de uma política de empresa voltada para os conceitos da ética não pode ser apenas uma estratégia de marketing. Projetos de grande impacto junto ao público externo, descolados de investimentos na dissemi- nação da prática da conduta ética junto a gestores e colaboradores, certa- mente semearão a descrença e o fracasso no médio ou longo prazo. Além das ações de endomarketing e treinamento, é preciso estabele- cer procedimentos e rotinas que permitam identifi car e atuar junto a con- dutas reprováveis. Outra necessidade é a adoção de medidas que estimulem a prática da ética pelos funcionários em relação à empresa. Disseminar valores e conceitos entre todos os funcionários, mudar comportamentos, criar instrumentos que facilitem o trânsito de informa- 1597-Book.indb 16 25/3/2009 15:43:12 C Ó D I G O D E É T I C A 17 ções e medidas punitivas adequadas são tarefas que exigem investimento de recursos e dedicação permanente, para que se consiga penetrar na cons- ciência de cada pessoa em todos os setores. Em muitas empresas, já se constata a preocupação no sentido de ba- nir dos ambientes empresariais as práticas de assédio sexual e preconceito racial, mas existem inúmeros outros comportamentos que prejudicam rela- cionamentos pessoais, desmotivam pessoas e que, se não causam prejuízos aparentes e mensuráveis, inibem o aumento da lucratividade. A adoção concreta de um código de ética começa na alta direção. Se a alta direção não aderir integralmente ao conjunto de estipulações morais do código, os demais profi ssionais da empresa não terão motivação para fazê-lo. Isso signifi ca que a tarefa de implantar um código de ética não se resume ao exemplo vindo de cima, um detalhe importantíssimo mas não defi nitivo. Quando se pretende mudar comportamentos, uma atitude passiva não costuma surtir resultados. Além do exemplo, são necessários a disseminação junto a todos os stakeholders, o acompanhamento e o contro- le, a avaliação, a cobrança, a implantação de política de consequências, a recompensa e os estímulos às atitudes positivas. 1597-Book.indb 17 25/3/2009 15:43:12 Fo nt e: C id A lle di , É tic a, tr an sp ar ên cia e re sp on sa bi lid ad e s oc ia l. D iss er ta çã o (M es tr ad o Pr ofi ss io na l e m S ist em as d e G es tã o) , U FF , 2 00 2. 1597-Book.indb 18 25/3/2009 15:43:12 C A P Í T U L O 4 Ética e lucro A idéia de incompatibilidade entre lucro e ética está completamente superada. A busca desgovernada pelo aumento permanen- te da lucratividade cede lugar à busca da sustentabilidade. O sucesso nos negócios precisa estar atrelado ao bem-estar de todos os envolvidos: em- presa, funcionários, fornecedores e clientes. Embora ética e lucro não sejam incompatíveis, é mais fácil conquis- tar resultados econômicos quando se deixam de lado valores éticos. Ainda assim, o caminho ético será melhor se considerarmos que é preferível ser honesto a ser desonesto. É questão de princípios. Quanto vale a honra e a credibilidade de uma pessoa ou de uma empresa? A ética é pessoal e, por essa razão, pode haver empresários e em- presas éticas e antiéticas. Quem despreza a atuação empresarial pautada na ética é quem não assume compromisso pessoal com a honestidade ou é cético quanto à possibilidade de se construir uma sociedade mais ética. O momento em que uma pessoa precisa optar entre atuar com va- lores éticos na busca de seus objetivos ou buscar resultados econômicos a qualquer custo é aquele em que se conhece seu verdadeiro caráter. Diante do acirramento da concorrência e da entrada de novos players de mercados externos, a prática da ética exige novos desafi os e criatividade. É importante que o empresário tenha fi rmeza para considerar que a hones- tidade é um valor que está acima do valor econômico e que atuar de forma 1597-Book.indb 19 25/3/2009 15:43:13 20 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O ética é a melhor forma de enfrentar concorrentes sem arriscar a credibilida- de da empresa e sua permanência no mercado. Empresas que atuam de forma ética têm visão de futuro. Uma empresa que foca o lucro imediato e aufere vantagens inde- vidas junto a clientes, parceiros ou fornecedores provoca desgaste em sua imagem, o que pode comprometer sua participação em negócios futuros. Empresários e executivos éticos vão preferir manter relacionamento com empresas éticas, assim como os clientes estão desenvolvendo senso crítico nesse sentido. A ética pode não ser o caminho mais lucrativo, mas é o caminho que trará sustentabilidade e um maior número de negócios ao longo do tempo. Ainda é prematuro considerar a ética um fator de competitividade, mas já é possível observar alguns exemplos de empresas que sofreram boi- cotes a seus produtos por utilizarem mão-de-obra infantil ou por demons- trarem falta de preocupação com a preservação ambiental. Por outro lado, já existem empresas especializadas em preparar port- folios de investimentos apenas em empresas consideradas socialmente responsáveis e éticas. Destaque-se que esses investimentos costumam dar maior retorno aos investidores. Por falar em investidores, tornou-se evidente que empresas que mantêm péssimas relações trabalhistas costumam apresentar um enorme passivo e baixa produtividade, o que refl ete negativamente nos resultados operacionais. Empresas que poluem o meio ambiente fi cam sujeitas a ar- car com multas de grande valor, aplicadas por órgãos reguladores, o que compromete o resultado. Assim, grandes e experientes investidores pre- ferem empresas éticas também como forma de fugir de perdas e assegurar lucros. Uma comparação entre o lucro e o ar que se respira é muito inte- ressante: é impossível uma pessoa sobreviver se parar de respirar, como é impossível uma empresa sobreviver sem ter lucro. Mas ninguém vive só para respirar; respirar é simplesmente uma necessidade essencial da sobre- vivência. Aumentar a quantidade de ar que se respira não implica obrigato- riamente a obtenção de melhor saúde. Assim também é o lucro: nenhuma empresa atua só para ter lucro; o lucro é um dos fatores necessários à so- brevivência da empresa. 1597-Book.indb 20 25/3/2009 15:43:13 C A P Í T U L O 5 Identificando as questões éticas No Brasil, a cultura da “esperteza” foi muito valorizada, e seu maior ícone foi a propaganda em que o ex-jogador da seleção tri- campeã de futebol, Gérson, expressava a fraseque fi cou conhecida como a “Lei de Gérson: a gente gosta de levar vantagem em tudo, certo?”. Durante décadas, o “jeitinho” brasileiro foi aceito como uma característica inata e apreciável. Dessa forma, algumas práticas eram tão comuns que passaram a ser tratadas como “normais”. Até a década de 1980, o comportamento de políticos e governantes que se utilizavam dos serviços públicos em benefício próprio era aceito sem maiores questionamentos. Utilizar veículo, combustível e motorista do serviço público para realizar tarefas particulares, como levar crianças a escolas ou esposas às compras, era tolerado não apenas pela impossibilida- de de divulgar abertamente esses abusos por força da censura aos meios de comunicação, mas também porque era encarado pela maioria das pessoas como parte das “vantagens” do cargo. Esse tipo de comportamento era tão banal que muitos deles não só agiam assim, como se gabavam de ocupar posições que possibilitavam esse tipo de atitude. Um diretor de administração de uma grande empresa con- fi denciou-me, sem a menor cerimônia: “Aqui só contrato empresas que pa- gam para fazer negócio. Eu não pego em dinheiro, prefi ro pedir que man- dem um trator para minha fazenda, e só assino o contrato depois que o trator estiver lá em minhas terras.” Esse mesmo diretor exigiu que uma em- 1597-Book.indb 21 25/3/2009 15:43:13 22 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O preiteira reformasse o apartamento em que iria morar. Ele chegava a pedir “favores” aos empresários na frente de seus funcionários, como se quisesse demonstrar seu poder e se vangloriar de suas atitudes. Provavelmente algumas pessoas se sentiam desconfortáveis com o comportamento do diretor, mas ninguém sabia ao certo se seria o caso de denunciá-lo. Se muitos gestores agiam assim, era assim que se esperava que eles se comportassem, não cabendo, portanto, denunciar uma prática conhecida e tolerada pela empresa. Até porque, caso algum empregado menos graduado procurasse um meio de denunciar as atitudes do diretor, havia uma chance muito grande de esse empregado recorrer a outro exe- cutivo que adotava as mesmas práticas. Dá pra imaginar o resultado dessa ousadia? Essas práticas eram tidas como “naturais” por muitas pessoas que conviveram com ocupantes de cargos semelhantes que costumavam adotar a mesma prática. Era como se aquelas benesses fossem inerentes ao cargo. Quem falasse alguma coisa, provavelmente, colocaria um ponto fi nal nas próprias aspirações profi ssionais, pois passaria a ser visto como não confi á- vel, um alcaguete de carteirinha. Outra prática muito comum era a “parceria” com grandes construto- ras no sentido de viabilizar ações de marketing. Como as verbas de promo- ção regionais eram limitadas, alguns dirigentes pediam às principais em- presas-clientes ou fornecedoras que arcassem com os custos de campanhas promocionais locais. As empresas pagavam para confeccionar camisetas, banners, cartazes, out-doors, material esportivo, premiações e toda espécie de despesa necessária para promover e divulgar eventos de grande reper- cussão. As empresas pagavam, mas, evidentemente, cobravam a fatura de alguma forma. Como, felizmente, nem todas as regionais eram comandadas por gestores adeptos de parcerias com construtoras, aquelas que seguiam as re- gras eram vistas como pouco produtivas e gerenciadas por pessoas de pouca capacidade empreendedora ou criativa. Ainda não é possível assegurar que casos de corrupção já não fazem parte do dia a dia das empresas. Entretanto, está cada vez mais claro para as pessoas que atitudes como as aqui comentadas são erradas, e que aquelas que se calam tornam-se coadjuvantes do esquema, pois contribuem com sua omissão. Atualmente, percebe-se que as coisas estão mudando. Hoje, muitas empresas já dispõem de código de ética e criaram sistemas que permitem 1597-Book.indb 22 25/3/2009 15:43:13 I D E N T I F I C A N D O A S Q U E S T Õ E S É T I C A S 23 denúncias anônimas. Entretanto, o que ainda falta é a consciência dos em- pregados no sentido do dever de utilizar os canais de denúncia. Falta despertar a consciência para o importante papel de cada em- pregado na defesa dos interesses da empresa. Desenvolver essa consciência é a alavanca que vai dar a coragem necessária para denunciar atitudes que geram prejuízos. O despertar dessa consciência é um desafi o que terá de ser enfren- tado pelas empresas que prezam a ética e estão buscando desenvolver seus colaboradores. Trata-se de um investimento de médio e longo prazo, um esforço que vai exigir envolvimento direto de gestores e gerentes. Estamos falando de um trabalho de formiguinha, que abrange não apenas treina- mento, mas também os exemplos que vêm de cima. Há um grande questionamento quanto à viabilidade de se desenvol- ver uma cultura ética, sob a argumentação de que o “ser ético” é uma carac- terística que vem de berço. Não obstante concordarmos quanto à natureza genética, que facilita o comportamento ético, não se pode desprezar a im- portância do meio em que foi criado o indivíduo e das experiências vividas na formação da personalidade de cada ser humano. Independentemente da fi rmeza do caráter do profi ssional no exercí- cio de suas funções, existem questões éticas que nem sempre são tão facil- mente identifi cadas. É o que chamamos de Dilema Ético. Antes de criar a consciência sobre o papel da delação, é preciso es- clarecer quanto ao que deve ser considerada uma atitude antiética. Muitos empregados não têm sequer condição de avaliar quando estão diante de um dilema ético, agindo de forma questionável simplesmente porque não sabem que poderiam agir de outra maneira. Vejamos um exemplo: um gerente que se vê pressionado para o cum- primento de metas de venda de títulos de capitalização orienta sua equipe a convencer clientes de poupança a direcionar seu investimento para a com- pra de um título de capitalização. Independentemente da pequena proba- bilidade de aquele cliente vir a ser premiado, o gerente orienta o pessoal do atendimento a omitir a informação sobre a tarifa a ser paga no momento da compra, assim como o fato de que o dinheiro fi cará indisponível para saque pelo período previsto (exceto se o cliente optar por arcar com o pre- juízo do saque antecipado). Além disso, na data de vencimento do título de capitalização, o cliente vai receber muito menos do que teria acumulado em 1597-Book.indb 23 25/3/2009 15:43:13 24 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O sua poupança naquele mesmo período. Para completar o quadro, o gerente oferece premiações aos maiores vendedores. Será que todos os empregados têm consciência de que estão agindo de forma antiética? Será que eles têm noção do prejuízo que estão causando ao cliente e do desgaste que poderão provocar na imagem da empresa? Se alguns desses clientes decidirem acionar judicialmente a empresa por se sentirem ludi- briados, o prejuízo acumulado poderá atingir números assustadores. Existem situações em que o dilema ético é ainda mais sutil. Vamos imaginar a situação de Vera, uma empregada com mais de 15 anos de empresa, que veio galgando posições à custa de muito trabalho e que conquistou a total confi ança de seu diretor. Vera recebe dele a infor- mação altamente confi dencial de que haverá uma grande reestruturação na empresa. Felizmente, Vera fi ca sabendo que seu posto não será afetado. Ao olhar o novo organograma, ela percebe que a área em que sua melhor amiga trabalha, uma pessoa que começou junto com ela na empresa e que é sua comadre, será extinta, e que essa amiga deverá ser demitida. Vera lembra que sua amiga é chefe de família e que precisa do salário para sustentar seus dois fi lhos. No dia seguinte, essa mesma amiga procura por Vera para saber sobre os boatos que já circulam pelos corredores da empresa e pergunta se ela sabe algumacoisa sobre a reestruturação e sobre o que vai acontecer com sua área. Qual será a atitude eticamente correta de Vera? Analisando pelo lado profi ssional, caso ela conte à amiga que sua área será extinta, é provável que a informação vaze para os demais empre- gados envolvidos e que se crie um ambiente de grande insatisfação. Isso sem falar na possibilidade de retaliação por parte dos empregados mais revoltados. Além disso, Vera certamente perderá a confi ança de seu diretor e poderá até mesmo ser demitida junto com a amiga. Assim, sob o aspecto profi ssional, podemos afi rmar que Vera deve mentir para sua amiga e que, assim, estará agindo de forma ética. Sob o ponto de vista pessoal, se Vera contar a verdade, vai contribuir para que sua amiga ganhe tempo para procurar um novo emprego. Além disso, sua amiga também terá tempo para se programar no sentido de quitar dívidas, enxugar despesas, reorganizar o orçamento e até mesmo planejar alguma outra atividade remunerada. Seguindo a premissa de que “devemos agir com os outros como gostaríamos que agissem conosco”, podemos con- cluir então que Vera deve, sim, contar à sua amiga sobre a demissão. 1597-Book.indb 24 25/3/2009 15:43:13 I D E N T I F I C A N D O A S Q U E S T Õ E S É T I C A S 25 Como se pode perceber, o comportamento ético está sujeito a inter- pretações e infl uências que superam a simples distinção entre o que é certo e o que é errado. Segundo Linda K. Treviño e Katherine A. Nelson, no livro Mana- ging Business Ethics, existem diferentes ângulos de visão para se identifi car a forma correta de agir diante de um dilema ético. 1. Foco nas consequências Baseada na avaliação utilitarista, uma decisão quanto a um dilema ético deve se basear na busca de maximizar os benefícios para a sociedade, minimizando os prejuízos. O que realmente importa é agir de modo a fazer as consequências boas superarem as ruins. Assim, é preciso identifi car as alternativas de atuação possíveis dian- te de um dilema ético e suas respectivas consequências no que se refere aos benefícios e perdas de cada uma dessas alternativas. Sob esse foco, quais seriam as consequências caso Vera contasse à sua amiga sobre a reestruturação? Benefícios Perdas Vera manteria a confi ança e a amizade de sua comadre A amiga contaria a outros colegas a respeito da reestruturação e provocaria o caos na empresa A amiga ganharia tempo para reorganizar suas fi nanças Talvez mais pessoas perdessem o emprego em consequência do vazamento da informação, inclusive Vera. A amiga poderia se antecipar e procurar outro emprego Vera perderia a confi ança de seu diretor, que a alertou sobre o sigilo da informação A empresa teria de arcar com os prejuízos provocados pela divulgação antecipada da informação A empresa estaria sujeita a atos de retaliação por parte dos empregados envolvidos 1597-Book.indb 25 25/3/2009 15:43:13 26 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O Diante da análise utilitarista, a tendência é concluir que o compor- tamento ético mais adequado é Vera mentir para sua amiga e comadre, protegendo os próprios interesses, assim como os interesses da sociedade e da empresa. É correto afi rmar que focar nas consequências é um método prático para decidir a respeito de um dilema ético. Afi nal, é assim que agimos normalmente quando precisamos decidir a respeito de outros assuntos – a famosa análise custo versus benefício. Entretanto, há um grande desafi o em se utilizar apenas o foco nas consequências para decidir a respeito de um dilema ético: é a ca- pacidade de ter acesso a todas as informações sobre as consequências possíveis. Nem sempre é possível visualizar todos os envolvidos. Assim, algumas consequências diretas ou indiretas podem ser inesperadas, ge- rando embaraços. É mais fácil visualizarmos benefícios e prejuízos para nós mesmos e para aqueles que estão próximos a nós, mas é preciso frisar que a decisão focada nas consequências envolve análise de benefícios e perdas para a so- ciedade, o que exige uma visão o mais abrangente possível. 2. Foco nos princípios Treviño e Nelson defendem que a decisão ética pode seguir tam- bém a teoria deontológica (parte da Filosofi a que trata das regras morais). A análise sobre um dilema ético sob o ponto de vista dos deontologistas considera que a decisão correta a ser tomada deve basear-se pura e simples- mente em regras e princípios morais. O foco consiste em diferenciar o que é certo do que é errado, sem considerar as consequências dessa decisão. O foco nas obrigações considera estritamente o que é correto, justo, honesto, legal e que serve ao direito, à privacidade, à segurança, à compai- xão, ao respeito à propriedade e às pessoas. As consequências desse tipo de decisão serão avaliadas e tratadas posteriormente, caso a caso, e sob o mesmo enfoque. Sob essa ótica, Vera deveria dizer a verdade à sua amiga simples- mente porque o certo é dizer sempre a verdade – mentir é errado. Além disso, essa seria a forma que Vera gostaria que sua amiga agisse caso elas estivessem em situações opostas. 1597-Book.indb 26 25/3/2009 15:43:13 I D E N T I F I C A N D O A S Q U E S T Õ E S É T I C A S 27 3. Foco na integridade O foco na integridade considera a motivação ou a intenção que levou a determinada decisão, ou seja, importa mais a integridade de quem deci- diu do que a decisão em si. Isso não signifi ca que regras morais, princípios ou consequências não sejam respeitados, mas a avaliação considera o contexto do caráter e inte- gridade de quem decidiu. Nesse caso, é importante saber se a decisão foi honesta, seguiu as regras, considerou o código de ética da respectiva profi ssão e as consequên- cias daquela decisão. Um bom exemplo é a decisão de se denunciar alguém. A denúncia foi provocada por consciência ética ou porque o denunciado obteve melhores resultados em seu trabalho e motivou a inveja do denun- ciante? Uma pessoa que denuncia um colega de trabalho que está lesando a empresa apenas porque se ressente de não estar participando do esquema, ou seja, porque não está lucrando com seu silêncio, não pode ser conside- rada uma pessoa ética. Se um dia esse denunciante for nomeado para uma função cujas atribuições envolvam poder de decisão sobre algum tipo de despesa, provavelmente também vai agir de maneira desonesta para obter alguma vantagem pessoal. Nas empresas, não raramente, acontece de alguém denunciar um colega que cometeu um erro qualquer, seja de atitude, postura, ava- liação ou decisão equivocada apenas para poder “fi car bem na foto” e ganhar prestígio com seus superiores. Muitas vezes, o objetivo maior do denunciante é ser indicado para ocupar o lugar daquele a quem de- nunciou. Excluindo os casos de desonestidade evidente, antes de denunciar alguém, é importante considerar que errar é humano e que todos merecem ser alertados sobre suas falhas para que tenham a oportunidade de crescer tanto no aspecto pessoal quanto no profi ssional. Uma pessoa que se propõe a ser ética precisa analisar cuidadosamen- te as verdadeiras razões que a impulsionam a decidir por fazer ou não uma denúncia. Uma boa conversa com quem está cometendo erros pode resol- ver o problema. O famoso feedback deve acontecer independentemente da posição hierárquica dos envolvidos, mas depende da acessibilidade pessoal dos profi ssionais. 1597-Book.indb 27 25/3/2009 15:43:13 28 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O Uma decisão conduzida pela integridade ética está amparada na consciência sobre o certo e o errado, e não nas consequências pessoais da- quela decisão. Existem ainda outros fatores que infl uenciam a decisão de uma pes- soa que se vê diante de um dilema ético – são as experiências acumuladas durante a vida. Os fatores psicológicos atuam no processo decisório e podem de- terminar a conduta éticade um profi ssional. Mesmo que a tendência da equipe seja a de seguir o exemplo daqueles que estão em posições hierar- quicamente superiores, as pessoas sempre trazem algo de si mesmas em suas decisões. É essa força interna que motiva pessoas a agirem de forma inesperada. A visão pessoal determina tanto a denúncia de uma prática até então naturalmente aceita pela maioria, como a desobediência de empre- gados que enganam e mentem para o cliente apesar de todo o esforço do gerente no sentido de orientar quanto à importância da correção e hones- tidade nas relações negociais e pessoais. Não há uma explicação para a conduta ética ou antiética. Em tudo que se refere aos seres humanos, independentemente das questões situa- cionais, cada pessoa tem a própria linha de pensamento. O pensamento humano refl ete não apenas as características pessoais inatas, como aquelas absorvidas na família, na escola, na convivência com as pessoas, mas tam- bém as regras morais e as experiências vividas que resultam na interpreta- ção própria, baseada na percepção individual, que faz com que cada pessoa enxergue determinada situação sob diferentes ângulos, tirando as próprias conclusões. Não cabe aqui entrar na discussão fi losófi co-psicológica quanto aos processos decisórios dos seres humanos. Apenas é importante registrar que existem inúmeras variáveis atuando simultaneamente e que, por isso, é tão complicado exigir um comportamento ético uniforme entre os profi ssio- nais de uma mesma empresa. 1597-Book.indb 28 25/3/2009 15:43:13 C A P Í T U L O 6 Criando a consciência ética Não obstante a grandeza do desafio de se buscar implantar cultura ética nas empresas, e a despeito da complexidade de se buscar uni- formizar procedimentos e comportamentos humanos, não se pode subes- timar a importância de ações estruturadas na busca de alterar percepções e comportamentos. Considerando que as pessoas agem sob a infl uência das próprias experiências, e que muitas dessas pessoas não tiveram acesso a informa- ções adequadas sobre regras morais e conduta ética, é possível afi rmar que, respeitando o direito à igualdade de condições e oportunidades entre os colaboradores, a empresa tem o dever de disseminar as questões rela- tivas à ética. Caso contrário, seria o mesmo que sonegar informações e permitir que os empregados se exponham a riscos desnecessários, deixando-os su- jeitos a erros que podem não apenas gerar prejuízos à empresa e aos clientes e parceiros, como também destruir suas respectivas carreiras. Além disso, empresas que negligenciam o ensino do comportamento ético podem estar encorajando o comportamento antiético. A tendência de qualquer pessoa que está iniciando em uma profi ssão é seguir o exemplo do chefe, atendendo, da melhor maneira possível, às suas demandas. Com o passar do tempo, é natural que ela incorpore a cul- tura corporativa, adotando comportamento semelhante ao de seus colegas mais antigos. 1597-Book.indb 29 25/3/2009 15:43:14 30 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O Aconteceu no extinto BNH (Banco Nacional da Habitação), na Subchefi a de Publicidade da Secretaria de Comunicação Social. No início de 1986 (ano da extinção do banco, ocorrida em novembro) a chefi a da área de publicidade recebeu a ordem de fazer publicar todos os dias, num jornal de circulação inexpressiva do Rio de Janeiro, matéria paga sobre as- suntos de interesse do BNH. Não foi esclarecido o motivo da publicação diária de matérias pagas de página inteira em um jornal que não atingia o grande público, visto tra- tar-se de um meio de comunicação famoso por emitir opiniões tendencio- sas e que adotava a prática de defender os interesses do proprietário. Como agravante, conforme prática do mercado jornalístico, o custo do espaço no caso de matéria paga era o dobro do custo de publicação de um anúncio pu- blicitário normal. Assim, o desperdício de dinheiro público era evidente. Questionada sobre a razão daquelas publicações, a resposta da chefi a foi que se tratava de determinação da “diretoria” do banco, ou seja, um ser impes- soal e abstrato, já que a diretoria é composta por mais de um diretor. Apesar de não concordar com aquele absurdo, a equipe tinha de inventar uma série de boas razões para fazer um documento interno diário propondo a publicação de matérias enormes produzidas pela assessoria de imprensa do BNH. Era difícil conseguir novos argumentos todos os dias e, evidente- mente, os motivos que “justifi cavam” o investimento eram claramente frá- geis e inconsistentes. Mesmo conscientes de que estavam trabalhando em uma atividade que desperdiçava dinheiro público, os funcionários pensavam não caber a eles o papel de denunciantes e, mesmo que quisessem falar, não sabiam a quem recorrer. O dono do jornal era uma pessoa infl uente que costumava vender espaços e fazer caixa à custa de chantagem contra pessoas públicas que tinham algo a esconder. Isso aconteceu há mais de 20 anos, quando as noções de conduta ética não eram sequer consideradas, muito menos transmitidas aos jovens profi ssionais. Além disso, ainda sob os efeitos da ditadura militar, a prática da denúncia era vista como quase criminosa. Também não existiam canais confi áveis e institucionalizados de denúncia que assegurassem o sigilo da identidade e a proteção ao denunciante. O certo é que, apesar de saber que algo muito errado estava aconte- cendo, a equipe nada fez além de executar as tarefas que eram solicitadas. Será que hoje agiria da mesma maneira? 1597-Book.indb 30 25/3/2009 15:43:14 C R I A N D O A C O N S C I Ê N C I A É T I C A 31 Não obstante o fato de o exemplo citado ter acontecido numa em- presa pública, envolvendo recursos públicos, a consciência a respeito do desperdício (que deveria ser ainda mais forte ao envolver o dinheiro de todos) é que serve ao objetivo de análise de caso. O que está em pauta é a ideia de que o acesso à informação sobre conduta ética e a disponibilidade de canais podem fazer toda a diferença. Se essas pessoas tivessem recebido informações a respeito do que a empresa espera delas no que se refere à ética, e dispusessem de um canal de comunicação para relatar práticas consideradas antiéticas, a chance de um deles denunciar a irregularidade daquelas publicações seria bem maior. Não se pode desconsiderar que, além dos canais internos de denún- cia, existem os meios de comunicação, a mídia, sempre ávidos por furos de reportagem e que podem ser a alternativa restante quando a atitude antiética é corporativa. O assunto denúncia será tratado especifi camente mais adiante. As empresas que pretendem criar uma consciência ética entre seus colaboradores devem não apenas criar e divulgar um código de ética, como também criar um canal de denúncia. Muito mais do que isso (que são pas- sos necessários, mas apenas iniciais): é preciso investir na disseminação da cultura ética. Cada empresa tem a própria cultura e expectativas em relação à postura de seus empregados. Evidentemente, um “curso” sobre conduta ética no trabalho não vai garantir que atitudes antiéticas deixem de acon- tecer, mas pelo menos os empregados não poderão agir inocentemente ou sob o pretexto de ignorarem o tipo de comportamento que se espera que eles adotem no trabalho. É uma questão de tratamento justo dado pela empresa a todos os seus empregados. Há que se considerar que a opção pela ética nem sempre vem de den- tro do ser humano. Existem muitas pessoas, aliás, a imensa maioria, que só se comportam corretamente por causa da percepção de que ações vistas como erradas, desconectadas das regras adotadas, podem ser punidas e que, para obter ganhos, é preciso agir dentro dos padrões aceitos. Durante milhares de anos, a religião se encarregou de exercer esse controle sobre o comportamento humano. Hoje, com o desenvolvimento da ciência, em especial após ateoria da evolução da espécie humana, a re- ligião já não tem o mesmo poder para fazer com que as pessoas obedeçam à lei e às regras por medo de pagar por seus erros depois da morte. A glo- balização e o consumismo passaram a exercer um forte poder de persuasão, 1597-Book.indb 31 25/3/2009 15:43:14 32 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O estimulando as pessoas a conseguirem aumento da capacidade de possuir coisas a qualquer custo. A impunidade é, inquestionavelmente, um fator determinante no sentido de estimular a atitude antiética. Estelionatários, de maneira geral, agem na confi ança de que jamais serão descobertos, contam com a boa-fé ou com a distração das pessoas ou com as falhas de sistemas tecnológicos (a clonagem de cartões de crédito e débito é um bom exemplo). É claro que existe um grupo de pessoas que age de forma ética, in- dependentemente de haver ou não controle, punição ou premiação. Essas pessoas agem sob a infl uência de uma consciência ética própria, apoiada em suas convicções e dentro de um sentimento de justiça e honestidade. Infelizmente, essas pessoas constituem a minoria. Dessa forma, como as empresas contam com pessoas de diversos perfi s, a divulgação das regras, o conhecimento do tipo de comportamento ético que a empresa espera delas, assim como as consequências possíveis para os casos de desobediência, são tão importantes para a consolidação das intenções empresariais de se tornar uma empresa verdadeiramente ética. Lembrando: empresa ética tem de contar com o trabalho de pessoas que tomam decisões éticas. Um processo de disseminação de cultura ética deve ter como foco principal de atuação o grupo de gerentes. São eles que acompanham o trabalho das equipes. O comportamento dos gerentes serve de referência, inspirando os demais empregados quanto à forma de atuar. É por isso que as empresas precisam de um competente trabalho de seleção de pessoas, es- pecialmente quando vão contratar ou promover um profi ssional para exer- cer funções de comando. É para esse público que deve ser direcionado todo o esforço de conscientização, o que inclui desenvolver a habilidade para conviver com a diversidade de tipos de pessoas com as quais vão precisar se relacionar para liderar. 1597-Book.indb 32 25/3/2009 15:43:14 De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver pros- perar a desonra; de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto. Rui Barbosa 1597-Book.indb 33 25/3/2009 15:43:14 C A P Í T U L O 7 O trabalho ético A cultura corporativa de uma empresa é o resultado direto dos exemplos que vêm de cima. Não adianta uma empresa chamar um empregado de “colaborador” se ele não tem chance de colaborar. Não adianta implantar programas internos de motivação se existe uma barreira intransponível entre a baixa e a alta hierarquia. Nas melhores empresas para se trabalhar, os canais de comunicação são abertos. Uma reclamação sai lá de baixo e chega lá em cima – e alguém faz algo a respeito. Nas empresas que não têm uma adequada gestão de pessoas, costu- ma haver uma grande diferença entre o discurso e a prática. Os melhores líderes são os que lideram pelo exemplo pessoal e essa regra não aceita exceções. Sem desconsiderar o tênue limite entre aspectos da ética e das ca- racterísticas pessoais de gestão, vamos analisar alguns fatores que, quando ignorados, permitem que comportamentos comuns e perniciosos estejam presentes na maioria das empresas: 1. Respeito ao cliente 1.1. Ouvir o cliente 1.2. Responder ao cliente 1.3. O importante é o cliente, e não a venda ao cliente 1.4. Não discriminar o cliente 1597-Book.indb 35 25/3/2009 15:43:14 36 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O 2. A atuação dos “antilíderes” 3. A existência dos “donos da atividade” 4. Desperdícios de verba e de material 5. Transparência na gestão de pessoas 6. A coerência na promoção de pessoas 7. Conformidade nos processos 8. Possibilidade de manipulação de dados e resultados 9. A responsabilidade nos resultados 10. Usufruir do mérito alheio 11. O deixar para depois e a inatividade 12. Confl itos de interesse 13. Usufruir da reputação da empresa 14. A responsabilidade com a imagem da empresa 15. Segurança da informação 16. Acesso à Internet 17. Preconceito 18. Discriminação 19. Assédio moral 20. Assédio sexual 21. Relacionamentos pessoais inconsequentes 22. Fraudes, corrupção e roubo 23. Vaidade 1. Respeito ao cliente A face da empresa que o cliente percebe é composta por produto/ serviço e atendimento. Fator crítico de sucesso para qualquer tipo de em- presa, o atendimento, seja no momento da venda ou no pós-venda, tem força sufi ciente para determinar o sucesso ou o fracasso do esforço de todas as demais áreas da empresa, desde o chão-de-fábrica, logística de distribuição e disposição no ponto-de-venda até investimentos em pesquisa e marketing. O talento e a motivação do atendente podem determinar a decisão de compra e a satisfação do cliente. Uma grande quantidade de livros já foi escrita sobre a importância fundamental da qualidade do atendimento. In- vestimentos milionários são destinados a treinamentos e pesquisas. Encan- 1597-Book.indb 36 25/3/2009 15:43:14 O T R A B A L H O É T I C O 37 tar o cliente, antecipar os desejos dos clientes e construir relacionamento para, fi nalmente, conquistar a confi ança e a fi delidade do cliente. Infelizmente, ainda hoje, não é raro encontrar funcionários desaten- tos, desmotivados, estressados e mal-educados que apresentam um com- portamento sem qualquer vínculo com a ética, seja com o cliente ou com a empresa. São capazes de mentir, ludibriar e até mesmo ofender clientes. Assim, eles não só perdem a venda, como ganham um “inimigo” que vai re- latar para muitas pessoas o quanto foi mal atendido, denegrindo a imagem da empresa junto a outras pessoas. É o famoso boca a boca, instrumento de grande credibilidade, que faz toda a diferença na imagem de uma empresa ou de um produto. Uma situação como essa, tão corriqueira e muitas vezes executada por quem não tem uma visão ampliada das consequências nefastas de sua atitude, é uma verdadeira sabotagem dos empregados contra os empre- gadores. Essa prática é mais frequentemente percebida nos famigerados atendimentos via telemarketing, que têm o poder de enraivecer o cidadão mais pacato. 1.1. Ouvir o cliente Para melhor exemplifi car essa prática, vale o exemplo de um fato ocorrido com Ana Cristina ao contatar o atendimento via telemarketing de uma das maiores administradoras de cartões de crédito do mundo e que tem o mérito de ter um dos mais antigos serviços de telemarketing. Ana Cristina foi convidada a substituir o cartão Internacional pelo Gold mediante a oferta de algumas vantagens adicionais. Em seu primeiro extrato após a substituição do cartão, percebeu que havia um erro no cál- culo da cobrança da anuidade, visto que estava no período de renovação do cartão. Como o erro gerou a cobrança de valores indevidos, ela ligou para a administradora explicando a situação e pedindo que providenciassem o acerto. Depois de várias tentativas de explicar à atendente as razões pelas quais entendia haver engano nos valores cobrados, a atendente continuava insistindo que não havia erro no extrato e que Ana Cristina não estava entendendo a forma como os valores haviam sido lançados. Ana Cristina chegou ao limite da paciência e pediu para ser atendida por outra pessoa. 1597-Book.indb 37 25/3/2009 15:43:14 38 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O A atendente não repassou a ligação e não ouvia as argumentações, já que ela se limitava a tentar fazer valer as explicações baseadas em seu entendi- mento equivocado, insistindoem tentar convencer Ana Cristina de que os valores estavam corretos. Não houve solução. Mais de meia hora depois, e já à beira de um ataque de nervos diante de tamanha incompetência, Ana Cristina passou a ignorar as regras de boa educação que impõem que se use um tom de voz amistoso. Em seguida, encerrou a ligação, depois de ouvir insinuações desrespeitosas sobre sua difi culdade em “não estar compreen- dendo” o extrato. Ana Cristina decidiu então buscar “socorro” por e-mail enviado para o “Fale Conosco” do site da empresa, no qual relatou a ocorrência e a pés- sima qualidade do atendimento, citando, inclusive, o nome da atendente que a tratara de forma tão inefi ciente. Como cliente de uma empresa cuja publicidade focava a valorização, o respeito e a qualidade do relacionamento e do serviço de atendimento, Ana Cristina imaginou que receberia uma resposta formal e gerencial para a questão apresentada. Infelizmente, nunca responderam à sua reclamação. Ana Cristina não recebeu a atenção que julgava merecer, ainda mais que, àquela época, ela já mantinha relacionamento com a empresa havia mais de 10 anos. Apesar disso, no extrato do mês seguinte, foram feitos os acertos que atendiam ao entendimento de Ana Cristina sobre o que era realmente devido. Ana não cancelou o cartão, mas a partir dessa data reduziu sensivel- mente a utilização, passando a privilegiar o cartão da bandeira concorrente. A empresa resolveu a questão fi nanceira, mas desprezou a questão referente à valorização do cliente e do relacionamento. É justo concluir que houve má vontade da atendente em ouvir com atenção as explicações de uma cliente que havia acabado de ser reconhe- cida como interessante para a empresa, já que acabara de ser selecionada para receber vantagens adicionais em um cartão mais rentável e dirigido a clientes especiais. A verdadeira avalanche de Sistemas de Atendimento ao Consumi- dor (SAC) que se verifi cou nos últimos anos carece de qualidade de ser- viços, sendo comum a reclamação de clientes que se consideram tratados com total impessoalidade, sem que se sintam reconhecidos ou valorizados como clientes, por não receberem uma resposta satisfatória ou um retorno que atenda às expectativas e apresente uma solução adequada. 1597-Book.indb 38 25/3/2009 15:43:14 O T R A B A L H O É T I C O 39 Quantos clientes cancelam relacionamentos por razões semelhantes a essa? Já outro tipo de funcionário enxerga o cliente como seu maior pro- blema no dia a dia da empresa. Percebe os clientes como chatos, igno- rantes, impacientes, e se incomodam com tantas reclamações. Para eles, o cliente quase nunca tem razão. O objetivo, antes de fazer negócio, é livrar- se daquele incômodo o mais rapidamente possível. Quem ainda não ouviu atendentes reclamarem do quanto é aborrecido “ter” que atender clientes? Quantos investimentos na conquista e manutenção de clientes se perdem porque as empresas não investem em treinamento, em conscienti- zação das equipes e em ações de correção dos problemas relatados por clien- tes insatisfeitos! A idéia é que, enquanto se perde um cliente, ganham-se vários outros a cada dia. Esse pensamento, banalizado com o tempo, acaba por denegrir sensivelmente a imagem da empresa, gerando prejuízos. Podemos enquadrar esse comportamento como antiético? Podemos evitar que maus atendentes atuem de forma tão perniciosa aos interesses da empresa? A resposta é sim. Para isso, é fundamental a atuação da gerência imediata através de um feedback informal, em que alertas e orientações se- jam passados. Persistindo o problema, a solução é a utilização de medidas corretivas previstas numa política de consequências corporativa, que pode ir desde uma advertência informal até a demissão. 1.2. Responder ao cliente Um dos maiores motivos de insatisfação e perda de clientes é a falta de resposta a uma solicitação ou reclamação. Diversos estudos de marketing já detectaram que o percentual de clientes insatisfeitos que se dão ao trabalho de reclamar é ínfi mo. A imensa maioria limita-se a não voltar a fazer negócio com aquela empresa. Pro- vavelmente, com o aumento da consciência quanto aos direitos do con- sumidor, o número de reclamantes esteja aumentando. Mas certamente também vem aumentando o número de reclamantes que fi cam ainda mais insatisfeitos ao receberem uma resposta padrão, o que demonstra que não houve uma avaliação personalizada de seu problema. Percebem que sua reclamação não foi adequadamente entendida, estudada ou tratada. 1597-Book.indb 39 25/3/2009 15:43:14 40 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O O caso de Ana Cristina relatado anteriormente serve de exemplo. O extrato do mês seguinte demonstrou que os acertos solicitados foram cor- retamente comandados, mas além da incompreensão e da falta de educação da atendente do telemarketing faltou a resposta à reclamação feita pelo “Fale Conosco” da empresa. O descaso com as respostas às reclamações encaminhadas via SAC pode ser mais pernicioso do que o fato que motivou a reclamação. Exceto quando o problema se enquadra em uma rotina de fácil so- lução e pode ser respondido por meio de um roteiro tradicional, o cliente tende a esperar muito tempo por uma resposta ou mesmo nunca vir a re- ceber uma. O problema se agrava quando a resposta precisa ser uma negativa, quer dizer, é preciso dizer não ao cliente. Simone trabalha no setor de análise e aprovação de projetos de en- genharia de uma grande empresa estatal e recebeu uma demanda para res- ponder a uma solicitação de cliente que estava pendente e que já circulava por algumas áreas da empresa havia mais de dois meses. Tratava-se de uma entidade benefi cente pedindo doação de recursos fi nanceiros para a manu- tenção dos serviços prestados a pessoas carentes. Percebeu que a origem daquela ocorrência era uma carta enviada ao presidente da estatal. Ao observar a movimentação já percorrida pela demanda, Simone viu que, recebida no Gabinete da Presidência, aquela solicitação fora enviada ao setor de liberação de recursos a construtoras que tinham projetos para a execu- ção de obras do governo já aprovadas e contratadas. Sem ter como liberar re- cursos não previstos em algum projeto já aprovado, o pedido foi encaminhado ao setor de Simone – análise e aprovação de projetos. Como não se tratava de um projeto, Simone decidiu encaminhar a demanda de volta ao Gabinete da Presidência, informando que, diante da proibição legal de doações de recursos fi nanceiros por parte de uma empresa estatal, a resposta deveria ser negativa, com os devidos esclarecimentos à entidade solicitante. Surpreendentemente, mais de dois meses depois, Simone recebeu de volta a mesma demanda para que a resposta fosse providenciada. Apesar de não trabalhar com esse tipo de atividade, Simone achou por bem preparar uma resposta e enviá-la ao solicitante, liquidando, de uma vez por todas, aquela pendência. A situação exposta demonstra como as pessoas podem agir de forma a evitar assumir a responsabilidade de dar uma resposta negativa, mesmo 1597-Book.indb 40 25/3/2009 15:43:14 O T R A B A L H O É T I C O 41 que não haja qualquer possibilidade de se atender ao que está sendo soli- citado. Evidentemente, a resposta deveria ter sido providenciada por algum assessor do presidente, mas a insegurança quanto às consequências de dizer não – que, obviamente, não será bem recebido pelo cliente – pode provocar uma síndrome em algumas pessoas profi ssionalmente inseguras. É espantosamente comum o costume das pessoas de “empurrar com a barriga” uma resposta negativa. Tem gente que foge do cliente, não aten- de ligações, diz que não recebeu e-mails, dá um prazo para resposta que já sabe que será negativa, enfi m, faz qualquer coisa para evitar dizer “não”. O que não é levado em conta é que um “não” é, indubitavelmente, melhor do que respostanenhuma ou do que fazer o cliente sentir-se “en- rolado” e desrespeitado. Quando o cliente recebe um não, dá-se a ele a oportunidade de se reprogramar, de procurar uma alternativa para resolver sua necessidade, de buscar outro caminho ou mesmo outra empresa. Adiar a resposta deixa o cliente na esperança de um sim, podendo até mesmo causar prejuízos por compromissos assumidos; afi nal, enquanto não for dito não, existirá sem- pre a possibilidade do sim. A questão está na forma de dizer não. A resposta tem de ser clara, tem de ser dita com respeito, consideração e com as explicações possíveis. É questão de assegurar a manutenção da confi ança, da transparência e a qualidade do relacionamento, o que possibilita a realização de futuros ne- gócios. Outro costume ainda mais prejudicial ao relacionamento com os clientes é a mentira. Recentemente, Marcos Gomes assumiu um posto na área de logís- tica de uma indústria de peças de automóveis. Ele está satisfeitíssimo com seu novo emprego e foi muito bem recebido pelo novo chefe. Entretanto, logo nos primeiros dias, percebeu que seu novo chefe tinha o costume de evitar atender a telefonemas de clientes, no caso lojas de peças de auto- móveis, com pedidos atrasados. Quando decidia atender aos telefonemas, tratava a todos como se fossem grandes amigos, costumava atribuir a culpa à transportadora e prometia prazos que sabia não haver possibilidade de serem cumpridos. Quando Marcos atendia as ligações, ouvia muitas reclamações dos clientes insatisfeitos, que falavam de suas difi culdades por também terem 1597-Book.indb 41 25/3/2009 15:43:14 42 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O assegurado a entrega dos produtos a seus clientes e estarem sendo pres- sionados por culpa da fábrica, que não estava cumprindo com a entrega dentro do prazo combinado. Marcos anotava tudo e procurava passar ao chefe todo o teor das conversas. Ele notava que o chefe ouvia tudo sem muita preocupação. Um dia, quando o chefe mais uma vez estava ausente, um grande distribuidor do Nordeste ligou e fechou o tempo com Marcos, fazendo exigências e ameaças de suspender o pedido e de nunca mais voltar a comprar naquela indústria, já que havia concorrentes com produtos de boa qualidade dispostos a atender às suas necessidades. Preocupado com as consequências daquele problema, Marcos ligou para o celular de seu chefe e recebeu a orientação de retornar a ligação para o cliente, assegurando que a entrega seria feita dentro de dois dias, o que Marcos sabia ser impossível. O que Marcos devia fazer? Mentir para o cliente conforme orien- tação de seu chefe? Permitir que a empresa corresse o risco de perder um grande e lucrativo cliente, contribuindo, assim, para a continuidade das ati- tudes irresponsáveis de seu chefe? E se decidisse não mentir, como deveria proceder? A resposta a essa questão deverá seguir os passos recomendados no Capítulo 9. 1.3. O importante é o cliente, e não a venda ao cliente Empregados que vendem o produto que o cliente não precisa ou que não atende a todas as suas necessidades são capazes de afi rmar, de forma convincente, que uma roupa fi cou perfeita quando, na verdade, fez a pessoa fi car parecida com um abajur. O importante é a comissão que ele vai rece- ber com aquela venda, sem qualquer esforço para agradar ao cliente e fazer com que ele volte a comprar naquele estabelecimento. Esse procedimento, absolutamente comum, caracteriza uma total falta de comprometimento com o empregador. Nem sempre é fácil identifi car um empregado sabotador, mas as empresas precisam observar não apenas o de- sempenho nas vendas, mas também a qualidade dessas vendas. É fundamental saber como a venda foi realizada ou como um resultado foi alcançado. Por que convencer um cliente carente, idoso, solteiro, sem fi lhos e pouco instruído a comprar um seguro de vida contra acidentes pessoais? Quem será o benefi ciário? 1597-Book.indb 42 25/3/2009 15:43:15 O T R A B A L H O É T I C O 43 A pressão pelo cumprimento de metas, a busca pelo resultado a qual- quer custo, o não acompanhamento na adequação entre as necessidades do cliente e os produtos vendidos, além da falta de atuação com base nas reclamações que registram a insatisfação dos clientes lesados, signifi cam o mesmo que compactuar para que a prática se repita. Não raramente, ven- dedores que se comportam dessa maneira são elogiados e até premiados pelo desempenho. São apontados como exemplos de competência! Entretanto, qual será o percentual de vendas canceladas ou devolvi- das depois de alguns dias? Esse acompanhamento é feito e considerado? Existe alguma consequência que puna de alguma forma os sabotadores? O gestor que compactua com essa atitude é um gestor compromissado com a empresa? Ele apresenta uma conduta ética? Ele está realmente con- tribuindo para o crescimento da empresa? É correto manter na equipe o empregado sabotador e o gerente que incentiva, compactua e se benefi cia dos resultados alcançados por meio de práticas antiéticas? A Liga Baiana Contra o Câncer (LBCC), administra o hospital fi lan- trópico Aristides Maltez, localizado em Salvador, e que há anos é presidido pelo Dr. Aristides Maltez Filho. A Liga costuma buscar empréstimos em bancos, concedidos por meio de linhas especiais do governo, com taxa de ju- ros subsidiadas, para custear investimentos na modernização dos equipamen- tos médicos ou para cobrir défi cits de caixa provocados pelo fl uxo irregular de receita: basicamente recursos do SUS (Sistema Único de Saúde), referentes ao atendimento prestado aos segurados, e doações da comunidade. Em 2003, o Brasil estava se recuperando da crise econômica provo- cada pela posse de um presidente de esquerda, o Lula, e o mercado apre- sentava tendência de queda de juros. O hospital era atendido pelos maiores bancos do mercado e, pouco antes de Marina assumir a gerência empre- sarial da agência que atendia ao hospital, o Dr. Aristides se aborrecera por não ter obtido um fi nanciamento nas condições desejadas. Por causa disso, ele transferiu o pagamento dos salários de seus empregados para outro ban- co e, assim, a agência da Marina perdeu muitos clientes. Necessitando de novo empréstimo, o presidente da LBCC marcou uma reunião com gerentes de todos os bancos dos quais era cliente e soli- citou que todos apresentassem propostas com limites disponíveis, taxa de juros e prazos de pagamento. Marina sabia estar em situação desvantajosa no relacionamento com o Dr. Aristides, mas retornou dias depois para apresentar a proposta ne- 1597-Book.indb 43 25/3/2009 15:43:15 44 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O gociada com a gerência de empréstimos à pessoa jurídica do banco. O Dr. Aristides a recebeu friamente, mas ouviu a proposta com bastante atenção e se interessou pelas condições apresentadas. No meio da reunião, ele explicou que, por temer o excesso de bu- rocracia que comumente vinha ocorrendo para concretizar o empréstimo, preferia contratar um volume de recurso superior às suas necessidades ime- diatas deixando parte do valor liberado aplicado no banco até o fi nal do ano, quando teria garantido os recursos para pagamento do 13o salário dos empregados. Dr. Aristides temia que a instituição viesse a estabelecer con- dições desfavoráveis no momento em que voltasse a solicitar o empréstimo, prejudicando a concretização. Para o banco, aquele seria um grande negócio. Além de ganhar os juros da operação de crédito, ainda poderia lucrar com a administração do valor aplicado em fundos de investimento. Para a agência da gerente Ma- rina também seria ótimo, já que, por meio de um único contrato, atingiria boa parte das metas de aplicação e captação de recursos. Entretanto, para o cliente, não seria um bom negócio. Ele pagaria de juros mais do que receberia de rendimento em sua aplicação fi nanceira.Além disso, com a taxa de juros em declínio, ele poderia contratar naquele momento apenas o valor de que precisava e, no fi nal do ano, contratar o restante a uma taxa de juros que seguramente seria menor do que a que estava sendo praticada naquele momento. Marina ouviu os argumentos e percebeu que o cliente estava come- tendo um equívoco. Ponderou que estava tratando com uma empresa sem fi ns lucrativos que lutava com grandes difi culdades para continuar atenden- do bem aos doentes de câncer da sofrida população mais pobre do estado da Bahia. Imediatamente, Marina alertou o Dr. Aristides sobre a desvan- tagem da operação bancária que pretendia contratar e assegurou a ele que os procedimentos para a contratação não eram tão burocráticos a ponto de justifi car que o hospital arcasse com o prejuízo. Logo depois que Marina terminou de falar, Dr. Aristides admirou- se e parecia que a estava vendo pela primeira vez. Não escondeu seu encan- tamento com a transparência da atitude da nova gerente e, imediatamente, fechou negócio com o banco em que Marina trabalhava. Apesar da perda inicial que Marina causou ao banco com sua ho- nestidade, defendendo os interesses do cliente e reduzindo o resultado da agência, ela passou a desfrutar de total confi ança do presidente da LBCC. 1597-Book.indb 44 25/3/2009 15:43:15 O T R A B A L H O É T I C O 45 Durante todo o tempo em que Marina permaneceu como gerente daquela agência, o Dr. Aristides passou a só contratar empréstimos com ela, di- recionando também as aplicações e prometendo retornar com a folha de pagamento dos empregados. Marina participou de outras parcerias com a Liga Baiana Contra o Câncer, inclusive ações referentes à responsabilidade social do banco. Marina chegou a receber o reconhecimento em sessão do Conselho Deliberativo da Entidade. O banco perdeu num primeiro momento, mas os consecutivos negó- cios contratados superaram com grande folga a perda inicial. Imensurável, no entanto, foi o valor da confi ança conquistada. 1.4. Não discriminar o cliente Quem nunca percebeu que a disposição do vendedor para atender um cliente varia conforme a aparência da pessoa que entra na loja? E varia não apenas por causa das características físicas, mas também pela aparência da pessoa. A roupa, o fato de estar ou não barbeado e penteado, ter mais ou menos idade ou qualquer outro motivo relacionado à aparência, tudo isso faz com que o vendedor avalie preconceituosamente a pessoa que entra na loja. Esquece que muitos milionários são excêntricos, não se preocupam com o que vão vestir, porque não devem satisfação a ninguém, e que mui- tos velhinhos têm ótima disponibilidade fi nanceira e gostam de dar bons presentes. Já diz o velho ditado: “As aparências enganam.” A impressão de que um cliente talvez não tenha disponibilidade fi - nanceira ou perfi l para comprar determinado produto – e que por isso não vale a pena “perder tempo” com ele – é uma percepção especialmente sujei- ta a equívocos, podendo ser interpretada como ofensa pessoal. Profi ssionais com mais experiência, em especial aqueles que traba- lham nas empresas do setor fi nanceiro, sabem que muitos clientes bem trajados, eloquentes e articulados são estelionatários bem preparados e bem-sucedidos. Houve um ganhador da Mega-Sena, na Bahia, que era vigilante e ganhou pouco mais de R$13 milhões. Ele precisava comprar novos col- chões para sua nova casa. A gerente da agência bancária em que o novo mi- lionário aplicou o valor do prêmio, sabendo que a aparência dele não dei- xava transparecer seu real poder de compra, indicou uma loja de colchões 1597-Book.indb 45 25/3/2009 15:43:15 46 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O que também era cliente do banco, e recomendou ao proprietário que desse um bom atendimento à pessoa que ela estava indicando. Nem assim ele foi bem atendido. O vendedor não acreditou que um homem que apresentava problemas dentários e vestia roupas simples pudesse ter condições de pagar por um produto caro e sofi sticado. O lojista perdeu a venda. No entanto, o maior perigo de permitir que um cliente se sinta dis- criminado é, sem dúvida, ter de enfrentar uma ação judicial. Nesse caso, o prejuízo pode ser bem alto. Não resta dúvida de que discriminar pessoas é antiético, seja por raça, sexo, religião, idade, modo de vestir, opção sexual ou qualquer outra característica que dê margem a preconceitos e resulte em classifi car alguém como indesejável, menos que os outros e que, por isso, não merece receber um tratamento igual ao oferecido aos demais clientes. A lei antirracismo vem sendo cada vez mais observada e respeitada, sujeitando os infratores à pena de prisão. Os demais fatores de discrimi- nação ainda não estão sendo penalizados por lei aqui no Brasil, mas, em ações judiciais, se devidamente provados, podem resultar em indenizações por danos morais. Os códigos de ética já costumam prever que não serão aceitas condu- tas discriminatórias dentro da empresa, mas ainda não é comum perceber consequências claras para atos de discriminação, principalmente quando o alvo é o cliente, o parceiro, o fornecedor, ou seja, o público externo. O que transparece nas atitudes preconceituosas é basicamente a falta de humildade. Interessante notar que muitas pessoas que agem precon- ceituosamente são aquelas que não têm qualquer razão para se sentir su- periores a outras. Elas sabem que estão agindo errado, não têm a desculpa de alegar que não sabiam que estavam agindo de forma errada, sabem per- feitamente distinguir o certo do errado, sabem que não deviam agir assim, mas ainda assim o fazem. É uma questão de caráter. Para exemplifi car, basta perceber que alguns vendedores de lojas de artigos de luxo, que ganham salário insufi ciente para torná-los clientes da própria loja em que trabalham, sentem-se no direito de tratar com indife- rença pessoas aparentemente mais simples que entram na loja e os abordam para se informar sobre o preço de alguma peça. O preconceito, nesse caso, acontece entre seres econômica e socialmente semelhantes e cuja única di- ferença está num provável crachá ou uniforme que representa o vínculo empregatício do vendedor. 1597-Book.indb 46 25/3/2009 15:43:15 O T R A B A L H O É T I C O 47 2. A atuação dos “antilíderes” Profi ssionais que ainda pensam que liderar pessoas signifi ca delegar tarefas e cobrar resultados podem estar a um passo de provocar o fracasso de uma promissora carreira. Obviamente, essas atribuições fazem parte da atividade gerencial. Entretanto, para liderar e ser aceito como líder pela equipe, é preciso saber conduzir a gestão das pessoas de forma ampliada, em que inúmeras variá- veis devem ser consideradas e trabalhadas. Atualmente, liderar demanda estar em sintonia com a equipe. Para isso, o líder precisa se interessar pelas necessidades pessoais de cada um, com o obje- tivo de identifi car a melhor maneira de motivar as pessoas a darem o melhor de si em um ambiente amistoso e saudável, além de nunca esquecer de valorizar o mérito e manter um processo contínuo de feedback. O respeito às características individuais também é uma atitude ética. A percepção de que todos os empregados são tratados com equidade e justiça é o primeiro passo para buscar o comprometimento e a motivação da equipe. Infelizmente, existem muitos gerentes que não são líderes. Conside- rando que existem inúmeros cursos e vasta literatura sobre a boa liderança, é mais interessante tratar aqui das atitudes adotadas pelos profi ssionais com função de comando que não são líderes. Apesar de tantos treinamentos e da evolução que vem ocorrendo, boa parte dos cargos gerenciais em todas as empresas é ocupada por chefes não líderes. Até mesmo aquelas empresas que buscam desenvolver e valorizar habilidades de liderança de seus em- pregados não conseguem evitar que essas pessoasassumam colocações de comando, porque, na maioria das vezes, são pessoas que conseguem bons resultados em termos de negócios realizados. Normalmente, essas pessoas são egocêntricas, vaidosas e, tão logo contratadas, começam a atuar com foco apenas na promoção pessoal. Em- bora ambiciosas, não costumam demonstrar comprometimento com resul- tados consistentes para a empresa. O principal interesse é alcançar números que as façam aparecer, não importando a forma como esses resultados são alcançados. Simultaneamente, dedicam boa parte de seu tempo para criar uma rede de relacionamentos infl uentes que as ajude a alcançar um cargo mais alto. Continuam agindo da mesma forma, galgando postos e poder, até o dia, que pode demorar muito, em que a máscara cai. 1597-Book.indb 47 25/3/2009 15:43:15 48 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O A ânsia por ocupar cargos gerenciais nada tem a ver com a vontade de contribuir de forma mais efetiva para o resultado da empresa. O que move esses profi ssionais é o desejo de obter melhores salários, status mais elevado, vaga cativa na garagem, carro, motorista ou outros benefícios ine- rentes às funções de poder. Entretanto, esse tipo de profi ssional não passa a ser mais dedicado depois que é promovido, tampouco se abala com o aumento de suas res- ponsabilidades por força do novo cargo. Considerando que chefes “carrascos” são mais evidentes e rapi- damente percebidos como inadequados ao perfi l de líder, podendo ser denunciados por assédio moral, é mais proveitoso analisar os chefes que agem como lobos em pele de cordeiro. A princípio, passam a impressão de ser ótimas pessoas, mas o tempo denuncia que estão preocupados apenas consigo, e não com o crescimento da empresa ou dos integrantes de suas equipes. São gerentes que atuam de modo a evitar assumir o ônus inerente ao cargo. Temem o desgaste pessoal natural na boa gestão de pessoas e, por isso, não exercem atribuições como dar feedback, fazer cobranças referentes a assuntos disciplinares ou demitir/dispensar um integrante da equipe por questões não relacionadas ao baixo desempenho. Para eles, não alcançar metas é a única razão para assumir o desgaste de dispensar um subordinado. Aliás, são muito efi cientes para cobrar resultados de sua equipe. Fa- zem isso sem a menor preocupação com as circunstâncias pessoais ou de conjuntura de mercado que possam ter infl uído no desempenho. Entre- tanto, não costumam contribuir com seu trabalho efetivo na condição de mais um membro da equipe. Quando estão presentes no local de trabalho, limitam-se a dar ordens e cobrar as tarefas anteriormente demandadas. Na melhor das hipóteses, esses gerentes fazem o meio de campo para trazer novos negócios para a empresa. Recorrendo à sua rede de relacionamentos, prospectam negócios e abrem caminho para que sua equipe atue na opera- cionalização dos procedimentos do negócio. Enquanto alguns desses profi ssionais têm a preocupação de manter um bom relacionamento com suas equipes, buscando formas de agradar a todos, outros chegam a despertar ódio por transmitirem à equipe a percep- ção de que estão sendo explorados e menosprezados pelo chefe. O medo de suas reações, e não o bom exemplo de suas ações, faz com que eles sejam 1597-Book.indb 48 25/3/2009 15:43:15 O T R A B A L H O É T I C O 49 respeitados pelos subordinados, pelo menos por algum tempo. Aliás, dar bom exemplo à equipe é um cuidado que nem passa pela cabeça deles. Todavia, não se pode negar um grande mérito de profi ssionais que apresentam esse perfi l: a habilidade para selecionar pessoas e delegar tare- fas. Delegam e cobram com muita facilidade, mas sem interesse em saber ou mostrar o “como” a tarefa deve ser feita. Não conseguem trabalhar sem ter uma equipe efi ciente, pois depen- dem integralmente da equipe para alcançar resultados; afi nal, é o resultado do trabalho da equipe que garante sua sobrevivência no cargo. Sem des- merecer a importância do trabalho em equipe, qualquer equipe, quando liderada de forma adequada, certamente vai alcançar resultados melhores do que quando exigida e cobrada por um líder que não participa nem se interessa pelas atividades operacionais. Por outro lado, quando a equipe é mesmo muito boa e tem um líder informal, sente até mais conforto em ter um gestor ausente que, pelo me- nos, não incomoda nem atrapalha, dando liberdade para trabalhar. Geraldo era um gerente muito agradável, simpático, alegre e engra- çado, que demonstrava grande apreço por todas as pessoas de sua equipe. Gerenciava de forma ausente, chegando ao ponto de telefonar para um dos gerentes da agência bancária da qual era gerente geral para pedir que se en- contrasse com ele no boteco próximo à agência. Nessas ocasiões, Geraldo vestia bermudas, enquanto o gerente de sua equipe trajava terno e gravata. Limitava-se a perguntar sobre o andamento da agência e dos negócios, fa- zendo um check-list sobre as pendências e passando algumas orientações. O gerente subordinado a Geraldo, estressado e atarefado por estar fazendo a sua parte e a parte do chefe, prestava as informações e voltava para a agên- cia bastante indignado. Apesar de gostar do chefe no lado pessoal, percebia aquela atitude como quase ofensiva. Com o tempo e os naturais comentários que vão surgindo, alguns desses gerentes, quando desmascarados, são punidos, mas, para isso, é pre- ciso que tenham a pouca sorte de estar vinculados a um gestor maior que não foge a suas obrigações e decide abrir mão de um gerente que, apesar de alcançar bons resultados, não apresenta uma conduta ética adequada. Nem sempre o gestor maior está disposto a enfrentar o desgaste pessoal necessário para punir um colega que costuma apresentar bons re- sultados, podendo ser considerado até mesmo um amigo. Por isso, em al- guns casos, mesmo depois de desmascarados, esses profi ssionais continuam 1597-Book.indb 49 25/3/2009 15:43:15 50 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O exercendo uma liderança perniciosa, porque o gestor imediato se acomoda e o mantém no cargo de gerente, pelo menos até que apareça algum motivo mais “consistente” que justifi que uma atitude mais drástica. Dessa forma, não é raro que esses “antilíderes” se mantenham no cargo por anos, a despeito dos comentários a respeito de suas defi ciências. 3. A existência dos “donos” da atividade Outro tipo muito comum de ser encontrado são os “donos” de uma atividade. São empregados que pensam que, mantendo o domínio do co- nhecimento sobre uma atividade qualquer, estarão assegurando sua perma- nência na empresa. Acham que, dessa forma, vão se tornar insubstituíveis. Sem desmerecer o trabalho desenvolvido por especialistas, a prática de esconder informações não contribui para o bom andamento da empresa; afi nal, as pessoas passam, e a empresa continua. Além do risco de descontinuidade na ausência do proprietário, outro prejuízo provocado pelo sigilo a respeito de procedimentos operacionais necessários à manutenção de uma atividade é impedir que mais pessoas analisem esses procedimentos e tenham a possibilidade de contribuir com sugestões de melhorias para otimizações na rotina, redução de custos, au- mento de produtividade, redução de riscos etc. Um bom gestor tem de estar atento para impedir esse tipo de prática e evitar que a empresa se torne refém de uma pessoa que, mais cedo ou mais tarde, vai precisar se afastar, seja por ocasião das férias, por licença- saúde, aposentadoria ou morte. Outra característica dos “donos de atividade” que costuma prejudi- car a empresa é não admitir que alguém “venha a se meter em meu traba- lho”. Costumam ser ciumentos e sentem-se ameaçados se algum colega ousa questionar ou sugerir alguma coisa. Ao mesmo tempo, se algum colega sai de férias e ele recebe a incumbência de executar as atividades desse empregado, é possível queprocure não devolver o trabalho quando o outro retornar, pois, quanto mais se sentir indispensável, mais seguro pensará estar. Isso também acontece quando um empregado inseguro (não obri- gatoriamente incompetente) se sente ameaçado por se sentir competindo com um colega que ele percebe ser tão ou mais competente e interessado 1597-Book.indb 50 25/3/2009 15:43:15 O T R A B A L H O É T I C O 51 do que ele mesmo. Assim, quanto mais ele puder evitar que o colega tenha a chance de executar alguma atividade que possibilite a geração de bons resultados, mais tranquilo vai se sentir. Outro aspecto importante sobre os “donos de atividades” aparece na falta de diálogo entre as diferentes áreas de uma mesma empresa, a começar pelos próprios dirigentes. Apesar da implantação de diretorias colegiadas, comitês decisórios, retirada de divisórias e outras providências já adotadas pela grande maioria das empresas, a falta de visão sistêmica e compartilha- da acaba também por ser uma signifi cativa fonte de desperdícios. Uma empresa do mercado fi nanceiro tem em seu portfolio um pro- duto específi co para fi nanciar a aquisição de equipamentos para profi ssio- nais liberais da área médica. Analisando o desempenho dessa linha de cré- dito, a área de estratégia negocial de um grande banco decide investir na divulgação do produto como forma de melhorar o desempenho. Além de produzir material promocional como cartazes, folhetos e mala-direta, os gerentes das agências de algumas regiões do país foram orientados a con- tatar representantes de indústrias de equipamentos médicos e dirigentes de conselhos da categoria, para a formação de parcerias que permitissem a divulgação do produto entre a classe médica. Muitas reuniões e treinamentos depois, quando muitos contatos já haviam sido feitos pela área negocial e o material promocional já se encon- trava em fase de produção na gráfi ca, a concessão da operação foi suspensa. A área responsável pelo acompanhamento do desempenho do produto per- cebeu um crescimento no volume de inadimplência e, sem consultar a área negocial, orientou a diretoria do banco para a necessidade de suspender a contratação de novos fi nanciamentos até que o nível de inadimplência fosse reduzido. O resultado foi um desgaste na credibilidade e no relacionamento do banco com a classe médica e com a indústria de equipamentos médicos, além do prejuízo com os custos de produção do material de divulgação. Por que isso aconteceu? Por que a área de estratégia negocial não “conversou” com a área responsável pelo produto antes de colocar o “bonde na rua”? Se as equipes das duas áreas tivessem conversado, a tendência de crescimento na inadimplência seria considerada, e assim fi caria claro que aquele não era o melhor momento para investir no produto. Embora seja justo considerar que esses exemplos estão relacionados mais ao perfi l de cada pessoa do que ao comportamento ético, é importante 1597-Book.indb 51 25/3/2009 15:43:15 52 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O perceber que a falta de consequência para gerentes que apresentam o per- fi l de “donos da atividade” acaba por provocar perdas à empresa, ferem a transparência, a lealdade, a humildade e a busca do bem comum. Pior ainda quando, como no exemplo anterior, a falta de diálogo acaba por criar constrangimentos junto a clientes externos. São situações em que a vaidade humana de “se achar” melhor do que os outros, descon- siderando a opinião alheia e agindo de forma autossufi ciente, é praticada impunemente e em detrimento dos interesses da empresa. 4. Desperdícios de verba e de material A falta de cuidado com despesas desnecessárias é, provavelmente, um dos principais focos de prejuízo das empresas. Mesmo que não alcancem valores vultosos, são perdas constantes, até mesmo diárias, se considerado o material de uso como papel, fotocópias e energia elétrica. A falta de atenção aos pequenos itens de desperdício, que não che- gam a confi gurar um comportamento antiético a ser combatido, é uma fonte de prejuízo. Todavia, existem práticas adotadas por muitos gestores que são mais graves, muito onerosas e que não geram qualquer tipo de consequência negativa. São gastos desnecessários, autorizados por dirigentes antiéticos, com o objetivo único de “mostrar trabalho”, ou melhor, de fazer marketing pessoal à custa da empresa. Esses profi ssionais agem movidos pela vaidade e pelo desejo de valorizar e marcar sua atuação ou, pior ainda, buscam uma forma de obter renda extraordinária pela contratação de serviços de terceiros. Alguns exemplos são: eventos em hotéis de luxo, viagens de gran- des grupos de pessoas, reformas diversas, lançamento de produtos sem que tenham sido considerados os pareceres técnicos ou sem cumprir todas as etapas de análise de viabilidade, além de muitas outras maneiras utilizadas para chamar a atenção para o brilhantismo pessoal. Importante esclarecer que não se trata de condenar eventos de con- graçamento, mas a utilização de pretexto negocial para a realização de en- contros, reuniões ou seminários desnecessários e sem conteúdo prático. Apesar de evidenciar o baixo profi ssionalismo de gestores que agem sem considerar a relação custo versus benefícios dos investimentos, ainda é possível perceber ocorrências assim em muitas empresas. 1597-Book.indb 52 25/3/2009 15:43:15 O T R A B A L H O É T I C O 53 Entretanto, a percepção do desperdício, quando baseada em conclu- sões subjetivas, não tem como ser comprovada e não permite a aplicação de uma punição. Além da difi culdade de se comprovar a falta de necessidade daquela ação, também pode ser inviável comprovar, por meio de medidores consistentes, a falta de retorno dos investimentos. Não é raro acontecer desperdícios que vão desde uma simples mani- pulação de prestação de contas com despesas de viagem até a realização de reuniões improdutivas, em que a empresa arca com os custos de passagem, traslado, hospedagem e alimentação de vários empregados, até o aluguel de salas de reunião, coff ee-break e material promocional. Nelson acumulava o cargo de gerente em uma grande empresa com a função de professor universitário. Ele não disfarçava sua disponibilidade para viajar a trabalho; pelo contrário, costumava inventar razões para via- gens por conta da empresa. Provavelmente, era o jeito que encontrava de fi car afastado da rotina maçante do escritório, além de acumular pontos em sua conta de fi delidade junto à companhia aérea. As viagens desnecessárias de Nelson eram tão evidentes que come- çaram a chamar a atenção da própria equipe e de seu chefe. A ocasião mais escandalosa foi quando ele pediu à secretária que marcasse uma reunião em São Paulo na terça-feira e outra na quarta-feira da mesma semana, mas em vez de solicitar a reserva do hotel, ele determinou a marcação de passagem de volta na terça-feira à noite, e novo voo na manhã de quarta-feira. Nelson explicou, sem qualquer constrangimento, que não podia faltar a seu com- promisso junto à faculdade em que dava aulas no período noturno. Então, ele acha correto que a empresa arque com o custo de sua passagem para que ele mantenha seu compromisso pessoal com a faculdade? Nelson foi e voltou como queria, mas pouco tempo depois foi des- tituído do cargo e não conseguiu se recolocar na empresa. Saiu dizendo-se injustiçado... Existem muitas outras formas de desperdiçar o dinheiro da empresa, e uma das mais comuns é a contratação de obras. Mudanças de leiaute dos escritórios, das lojas ou da fachada são uma forma de anunciar que houve mudança na gestão. Essa teoria é válida nos casos de venda de uma empresa, quando ocorre alguma mudança signifi - cativa na estratégia empresarial ou quando a marca é alterada ou moder- nizada. O que não faz sentido é que aconteça execução de obras que nada representam além de fazer o ambientefi car mais parecido com a cara do 1597-Book.indb 53 25/3/2009 15:43:16 54 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O atual gestor: pintar paredes ainda limpas, trocar a cor do tapete, mudar a disposição das mesas ou baias, redistribuir divisórias e coisas assim. Será que não sabem quanto custa mexer na instalação de pontos lógi- cos? E a movimentação de divisórias pra lá e pra cá? Quanto custa? Mesmo sabendo que a empresa é um organismo vivo, que pulsa e muda com frequência, não se pode negar que algumas mudanças de leiaute são totalmente desnecessárias. Uma grande rede de lojas de departamentos estava promovendo ade- quações no ambiente de suas lojas em todo o Brasil. Eram dois projetos distintos – ambos demandavam a execução de obras nas lojas, e estavam sendo implementados simultaneamente por duas diferentes equipes. O primeiro projeto alterava a disposição dos estandes e criava uma nova área para venda de produtos esportivos. O segundo projeto, por questões de segurança e economia de escala, retirava os guichês de caixa das ilhas que fi cavam no meio da loja e concentrava todos os guichês no fundo, próximos ao escritório. Quando a equipe do primeiro projeto chegou à loja, comunicou ao gerente que teria de alterar a localização das ilhas de caixas, mostrando uma planta com o novo leiaute. O gerente da loja percebeu que as ilhas de caixa seriam deslocadas por alguns poucos metros, envolvendo o custo de mu- dança de pontos lógicos, telefone e instalação de piso elevado. Esse gerente já havia participado de reunião com a segunda equipe de projetos e sabia das mudanças previstas na localização dos caixas, que seriam agrupados no fundo da loja. Assim, ele perguntou por que mexer nas ilhas de caixa da forma apresentada pela primeira equipe, já que pouco tempo depois teriam de mudar tudo novamente. A resposta foi inacreditável. Eram dois projetos diferentes, aprova- dos pela diretoria em momentos diferentes e com verbas especifi camente destinadas às adequações de leiaute de cada um dos projetos. Portanto, a equipe do primeiro projeto não poderia executar o trabalho que seria feito pela equipe do outro projeto. O gerente questionou, argumentou e, por último, reclamou com seus superiores, afi nal, o custo das obras impactaria no resultado da loja, já que aparece na conta das despesas. Porém, os geren- tes das lojas são vinculados à área comercial, e seus superiores não tinham poder para interferir na forma de trabalhar da área de projetos. Evidentemente, esse caso espelha a falta de consciência administra- tiva de pessoas ocupantes de cargos decisórios. De quem é a culpa? Quem 1597-Book.indb 54 25/3/2009 15:43:16 O T R A B A L H O É T I C O 55 seria responsabilizado pelo prejuízo? Imagine essa mesma situação sendo repetida em todas as lojas da rede! Esse exemplo também refl ete os prejuí- zos causados pelos “donos da atividade”, tratado anteriormente. É ético desperdiçar o dinheiro da empresa? É ético atuar com a visão voltada exclusivamente para sua área, sem qualquer preocupação com os interesses da empresa como um todo? Se a empresa desperdiça recursos, seu lucro é menor, se o lucro é menor, menores são suas chances de crescer. Se a empresa não cresce, a carreira do empregado, também, se crescer, cres- ce menos do que seria possível se a empresa obtivesse um lucro maior. Se o lucro é menor, menor também é o valor da participação nos lucros des- tinado aos empregados. Pior ainda se a empresa gerar prejuízos, porque a manutenção dos empregos fi cará ameaçada. Então, por que tamanho pou- co-caso na defesa dos reais interesses da empresa? Mais do que antiético, demonstra falta de inteligência. 5. Transparência na gestão de pessoas Uma das piores sensações que um profi ssional pode ter de enfrentar é ser obrigado a conviver com a falta de transparência, de coerência e de verdade na condução da gestão de pessoas, seja pela chefi a imediata, seja pela empresa como um todo. O desconhecimento dos critérios utilizados para decidir questões de encarreiramento de empregados ou de tratamento de questões pessoais é uma das razões mais comuns de insatisfação entre profi ssionais de todos os níveis. É característica do ser humano sentir maior afi nidade com algumas pessoas e menos com outras, mas um gestor competente precisa saber dis- tinguir suas relações pessoais de suas relações profi ssionais. Os critérios de decisão precisam ser divulgados, e, quando possível, até mesmo submeti- dos à aprovação da equipe. Um dos pontos de atrito que geram desgaste entre a equipe e ne- nhum ganho para a empresa é a defi nição do período de férias de cada um de seus componentes. É um procedimento banal, mas que, quando feito sem o devido cuidado, costuma gerar insatisfações, mágoas e revolta. Para o gestor, a defi nição de quem vai fi car com o período mais nobre pode gerar muita dor de cabeça, pois a maioria deseja tirar férias nos meses das férias 1597-Book.indb 55 25/3/2009 15:43:16 56 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O escolares. Pode não ser fácil, mas precisa ser justo, e, para ser justo, precisa de critérios transparentes. É justo que, por não ter fi lhos, uma pessoa esteja condenada a só gozar férias na baixa temporada? É justo que o amigo do chefe sempre consiga sair de férias no verão? É justo que o próprio chefe sempre tenha o privilégio de escolher quando vai sair de férias, sem ter de se preocupar com as férias de seu substituto? Com certeza, não. A utilização de um sistema de pontuação que considere as características familiares pessoais de cada empregado, com pesos diferentes para quem tirou férias em período nobre mais recentemente, criando um regime de rodízio com regras previamente defi nidas pela equipe, é a melhor forma de evitar problemas e questiona- mentos. Com base na pontuação de cada uma das pessoas da equipe, serão defi nidas as opções de meses disponíveis em cada ano. Dessa forma, um empregado com fi lhos em idade escolar vai sair de férias mais vezes na época das férias das crianças do que um empregado sem fi lhos, mas vai permitir aos solteiros também tirarem férias em meses “nobres”, ainda que com menor frequência. A mesma situação ocorre nos feriados que possibilitam enforcar a segunda ou a sexta-feira e nas dispensas para sair mais cedo ou chegar mais tarde. Há que se manter a equidade entre os empregados, sem deixar de considerar o nível de dedicação e comprometimento de cada um. Outro fator gerador de estresse é a avaliação de desempenho. Mui- tas empresas não conseguem encontrar uma fórmula efi caz para avaliar o trabalho dos empregados. A ferramenta capaz de amenizar insatisfações e sentimentos de injustiça é o feedback. Não o feedback feito anualmente ou raras vezes, mas aquele que é feito de maneira informal, a cada dia em que o empregado apresenta um ótimo desempenho ou em que comete alguma falha na execução de suas tarefas. O problema é que ninguém gosta de dar feedback. Criticar o traba- lho e o comportamento dos colegas é uma atividade desgastante e muito estressante, principalmente nos casos em que a pessoa avaliada apresenta mais defeitos que virtudes. É desgastante, mas absolutamente necessário. Alguns gerentes têm grande facilidade de chamar a atenção para os erros cometidos, às vezes até de forma pouco educada ou deselegante e agindo sob a infl uência de uma irritação momentânea. Isso é uma lástima e não é o que se espera de um gestor de pessoas. Feedback efi ciente só é viável se for por meio de uma conversa sincera e construtiva, em que as verdades 1597-Book.indb 56 25/3/2009 15:43:16 O T R A B A L H O É T I C O 57 que realmente interessam têm de ser ditas com respeito, olhando nos olhos do outro, apontando os pontos fracos e fortes e orientando sobre a melhor forma de melhorar o desempenho. Um feedback honesto éuma ferramenta de justiça, já que permite ao empregado ter a oportunidade de conhecer e buscar melhorar suas defi ciências. Sem ter conhecimento sobre onde está errando, a pessoa não tem condições de tentar mudar, de tentar fazer diferente. Com o tempo, uma defi ciência não trabalhada pode comprometer a carreira de um empregado a quem não foi dada a oportunidade de tentar superar o problema. A honestidade e a sensibilidade do gerente são fundamentais no mo- mento de dar feedback, porque ele precisa ser o mais sincero possível, mas utilizando as palavras de forma respeitosa. Críticas só são aceitas e com- preendidas quando ditas por alguém que detém a confi ança e o respeito da equipe. Confi ança e respeito só se conquistam com bons exemplos. Outro detalhe importante é diferenciar a crítica construtiva sobre comportamentos ou atitudes que podem ser melhorados das críticas ofen- sivas que independem de uma ação corretiva ou fogem da simples vontade do empregado, como, por exemplo: “Seus fi lhos adoecem demais” ou “Sua aparência está muito envelhecida”. Uma equipe que confi a no chefe e o respeita aceita melhor suas de- cisões. Evidentemente, ninguém consegue agradar a todo mundo o tempo todo, mas o índice de descontentamento certamente será menor em equi- pes que têm uma gestão competente. 6. A coerência na promoção de pessoas Outra fonte de polêmica é quando acontece a vacância de um cargo e surge a necessidade de escolher o novo ocupante. É natural que algumas pessoas que compõem a equipe em que surgiu a vaga sintam-se aptas a assumir o cargo, embora nem sempre apresentem os requisitos de perfi l e experiência necessários ao bom desempenho das atividades inerentes ao cargo. O que não deve acontecer é a indicação de uma pessoa “amiga” de alguém com poder de indicação, apenas por ter a qualidade de ser “amiga”, sem qualquer referência de competência que justifi que sua indicação. 1597-Book.indb 57 25/3/2009 15:43:16 58 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O Na melhor das hipóteses, pelo menos num primeiro momento, essa pessoa terá de conviver com a mágoa de quem se sentiu preterido e com a desconfi ança de toda a equipe. Não é uma situação fácil, e vai exigir muita habilidade de quem foi promovido, para superar as resistências e conquistar o respeito de todos. Se o novo ocupante do cargo tiver conhecimento sobre o trabalho a ser desenvolvido e demonstrar segurança no exercício das ati- vidades, além de agilidade na hora de tomar decisões, provavelmente vai se impor mais rapidamente; caso contrário, as difi culdades de relacionamento poderão se prolongar por muito tempo. A solução que costuma apresentar melhores resultados é a escolha de pessoas por meio de um processo seletivo, seja de abrangência restri- ta ao corpo de empregados da empresa ou não, desde que seja realizado com isenção, transparência e honestidade. Dependendo da maneira como o processo seletivo for conduzido, as chances de surgirem questionamentos fi cam reduzidas. A própria divulgação do processo de seleção vai exigir que se estabe- leçam os critérios, como requisitos de conhecimento e experiência necessá- rios para o cargo, o que já confi gura a transparência do processo. Vivian, que trabalhava desde os 20 anos numa grande empresa, cons- truiu toda sua carreira por meio de participação e aprovação em processos seletivos internos. Simpática, autêntica, mas tímida e seletiva, Vivian sabia que não conseguiria crescer na empresa se precisasse agir com falsidade para agradar superiores. Acreditava que a forma correta de conquistar confi ança e ser indicada para funções mais altas era trabalhando duro e apresentan- do resultados. Competente, interessada, dinâmica e comprometida, estava habituada a ser bem avaliada pelos psicólogos, que atestavam seu perfi l de liderança nos processos pelos quais já havia passado. Vivian colecionava amizades sinceras entre pessoas que lhe eram subordinadas, que tinham feito parte de sua equipe, mas sentia difi culdade para se aproximar de seus chefes, exceto quando realmente se identifi cava com algum deles. Tudo estava indo muito bem na carreira de Vivian, que já concluíra duas pós-graduações em áreas de interesse da empresa, quando, inadverti- damente, optou por participar de outro processo seletivo, só que para um alto cargo técnico. A partir de então, a carreira de Vivian fi cou estagnada. Surpresa, ela percebeu que as seleções para cargos gerenciais exigiam que os inscritos apresentassem experiência gerencial restrita aos últimos três anos. Como 1597-Book.indb 58 25/3/2009 15:43:16 O T R A B A L H O É T I C O 59 era muito raro haver processos seletivos para cargos gerenciais de seu in- teresse, o tempo foi passando e, a cada dia, Vivian constatava que suas chances de classifi cação fi cavam menores. A restrição imposta, que ignora- va a experiência de quase 20 anos de atuação gerencial, apenas porque nos últimos três anos Vivian estava ocupando uma função técnica, impediu a continuidade de seu crescimento funcional. Ela percebeu que colegas que agiam de forma antiética tinham mais sucesso do que ela, que pensava ser a qualidade do trabalho a melhor ma- neira de conseguir uma promoção. Pessoas que utilizavam caminhos alter- nativos como denegrir a imagem de um colega concorrente, agradar supe- riores de forma claramente interesseira ou implorar por uma promoção sem constrangimento algum, eram mais facilmente promovidas. Vivian perce- beu que todo o seu histórico não seria considerado, que pessoas com me- nos tempo de empresa, menos experiência e, por isso, menos qualifi cadas, teriam mais oportunidades do que ela. Vivian fi cou desmotivada, inconfor- mada e acabou procurando novos rumos para sua atuação profi ssional. Não obstante, há uma única situação pior do que a indicação de “amigos”: é a falta de idoneidade na escolha do empregado aprovado em processo seletivo. “Fazer de conta” que a seleção se baseou em critérios técnicos para, no fi nal, selecionar alguém por vínculos pessoais é a mesma coisa que tentar ofender a inteligência dos demais. A “rádio corredor” des- cobre todos os segredos e, em pouco tempo, todos acabarão sabendo que os critérios divulgados não foram respeitados. Perder a credibilidade na idoneidade da seleção de pessoas compro- mete não apenas os futuros processos seletivos, como também contribui para desmotivar as pessoas. A consequência é que muitos empregados per- dem a esperança de ascensão profi ssional baseada no mérito e entendem que a empresa valoriza não a qualidade do trabalho, mas sim a qualidade da rede de relacionamentos pessoais. A indicação direta pela chefi a, que tem o poder de decidir com base em considerações pessoais relativas à confi ança e à competência da pessoa selecionada, é uma atitude muito utilizada. Não cabe questionamento ético a respeito dessa atitude, mas é um método que não oferece transparência, e a aceitação da indicação pela equipe vai depender do desempenho de quem é promovido. Finalmente, é importante que seja considerado o histórico funcional do empregado, não apenas no que se refere ao currículo e aos cargos ocupa- 1597-Book.indb 59 25/3/2009 15:43:16 60 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O dos, mas, principalmente, à percepção do desempenho e da postura dessa pessoa nos locais em que trabalhou anteriormente. Muitas informações só podem ser obtidas por meio de referências pessoais passadas por quem já trabalhou e conviveu com o empregado. Infelizmente, essa prática não é adotada na maioria das empresas, causando injustiças como promover al- guém que já demonstrou inabilidades diversas em outras áreas, inclusive na gestão de pessoas ou preterir um bom profi ssional que tem bom conceito junto a outros gestores que não foram ouvidos. 7. Conformidade nos processos Independentemente dos atos caracterizadoscomo roubo ou fraude, em que a manipulação de dados ocorre em consequência de uma ação cri- minosa, é fácil perceber a falta de compromisso com que muitos emprega- dos tratam a qualidade das informações inseridas nos sistemas corporati- vos, inclusive aquelas que compõem os dados cadastrais dos clientes. Informações inconsistentes podem levar a erros de avaliação que podem resultar em erros na defi nição de ações estratégicas, erros na seg- mentação de clientes, erros na avaliação de investimentos em produtos já existentes ou a serem lançados. Dados inconsistentes geram informação distorcida e cenários falsos que fundamentam decisões equivocadas. O ris- co do negócio aumenta na mesma proporção da falta de qualidade das informações utilizadas. Para destacar a importância da utilização de dados precisos nas deci- sões estratégicas, basta lembrar que grandes empresas investem milhões em pesquisas de mercado que apontem tendências, necessidades e percepções. Em empresas do sistema fi nanceiro, a prática de alguns funcionários de “ajustar” as informações cadastrais dos clientes digitadas nos sistemas para facilitar a contratação de negócios implica o oferecimento de limites de cré- dito superiores à capacidade de pagamento do cliente. Dessa forma, o nível de risco das operações contratadas fi ca muito superior ao recomendado, já que, por força das informações divergentes da realidade, os sistemas da em- presa aprovam empréstimos para pessoas que não têm como pagar a dívida. Uma prática que ainda ocorre em bancos brasileiros, públicos ou privados, em que os gerentes são pressionados diariamente para o cum- primento de metas de captação de recursos, concessão de empréstimos e 1597-Book.indb 60 25/3/2009 15:43:16 O T R A B A L H O É T I C O 61 venda de produtos, é o gerente atuar de forma a cadastrar as informações da forma mais favorável possível à aprovação do cadastro do cliente. Assim, rendimentos ocasionais como horas-extras, diárias, comissões e premiações são incorporados à renda mensal do cliente. Considerando que as informações cadastrais são automaticamente utilizadas para determinar limites de contratação e benefícios a serem dis- ponibilizados aos clientes, até mesmo descontos nas tarifas, a consequência natural é a geração de prejuízo. Não podemos esquecer que, de maneira geral, mesmo que esses limites não representem grandes volumes, a em- presa ainda vai arcar com os custos de cobrança. Estudos internos de ban- cos brasileiros revelaram que, quando se trata de dívidas de valores menos representativos – o que acontece com a maioria dos clientes pessoa física, é mais vantajoso para a empresa arcar com o prejuízo do que executar a dívida, não só pelo custo da execução como pela pouca efetividade no re- cebimento dos valores devidos. Assim, as empresas limitam-se a utilizar os sistemas de restrição ao crédito, como SPC e SERASA. A criação de mecanismos de controle quanto à prática de entrada de dados inconsistentes, que também pode acontecer de forma não intencio- nal, já que todo ser humano está sujeito a erros, exige toda uma estrutura de conferência e ateste entre as informações constantes nos documentos apresentados e aquelas inseridas nos sistemas tecnológicos. Além do custo de manutenção da estrutura extra que assegure a con- formidade dos procedimentos, conhecida como compliance, essa solução tem a desvantagem de ser reativa, ou seja, em alguns casos, quando o erro é detectado, a operação de crédito já foi contratada e o dinheiro, liberado. Uma fragilidade a ser contornada é a identifi cação da frequência com que um mesmo empregado comete esses “equívocos”. A criação dessa roti- na não chega a ser considerada complicada, pois um sistema de pontuação e um acompanhamento contínuo permitiriam a identifi cação dos empre- gados mais displicentes ou com más intenções. Todavia, a implantação de um sistema de controle para buscar melhorar a integridade das informações sistêmicas será inócua se não for acompanhada da adoção de uma política de consequência específi ca. A instalação de procedimentos de controle da conformidade não ser- ve apenas para identifi car empregados que agem com intenções de fraudar ou roubar a empresa. Erros involuntários podem gerar enormes prejuízos às empresas. 1597-Book.indb 61 25/3/2009 15:43:16 62 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O Um bom exemplo é o do operador Nick Leeson, o negociante de ações que, em 1995, quebrou um dos mais tradicionais bancos ingleses, o Barings Bank. Considerado um apostador de sucesso no mercado de ações, Leeson provocou um rombo de 850 milhões de libras ao investir, a partir da agência do Barings em Cingapura, em negócios de alto risco no mercado japonês. Antes do rombo que o derrubou, ele havia conseguido a proeza de intermediar, em um ano, lucros de 36 milhões de libras, dos quais ganhou, só em comissão, mais de 2 milhões de libras. Mesmo sendo praticamente impossível assegurar a conformidade e a segurança nos negócios e procedimentos executados por todos os em- pregados, há que se destinar atenção e esforço não apenas na criação de instrumentos de controle, como também não deixar de penalizar os casos passíveis de serem classifi cados como antiéticos. Outro investimento não menos importante é alertar os empregados para a importância de manter a integridade das informações necessárias à realização de negócios seguros, esclarecendo as consequências desastrosas que podem ser geradas por pequenos equívocos e que podem destruir car- reiras brilhantes ou promissoras. Assim, as empresas devem criar e manter atualizada a descrição dos procedimentos de todas as suas rotinas. Os empregados precisam ter a in- formação formalmente disponível para poderem executar suas atividades com segurança, protegendo os interesses da empresa e tendo a tranquilida- de de estar a salvo de cometer erros involuntários. Evidentemente, as instruções passadas pelos empregados mais expe- rientes, especialmente utilizando a técnica de coaching, são absolutamente válidas e muito utilizadas, mas a disponibilidade de uma fonte de consulta formal confi ável traz transparência sobre o que a empresa espera de seus empregados e como deseja que os procedimentos operacionais sejam exe- cutados. 8. Possibilidade de manipulação de dados e resultados Não raramente, equipes recebem ordem para listar suas atividades ou resultados obtidos em determinado período. Essa prática é sempre alvo de estresse para alguns membros da equipe porque logo começam a surgir conjecturas sobre quais serão os motivos e as consequências daquele le- 1597-Book.indb 62 25/3/2009 15:43:16 O T R A B A L H O É T I C O 63 vantamento. Redistribuição de tarefas? Redução de pessoal? Cobrança de resultados? Nesse momento, a insegurança natural de cada um afl ora, assim como o medo do que pode acontecer caso seu trabalho seja considerado inefi ciente ou, pior ainda, dispensável. Na maior parte das vezes, tudo o que o gerente quer é conhecer melhor os trabalhos desenvolvidos pela equipe, de forma a maximizar o potencial de trabalho de cada um. Conhecendo a produtividade individual, é possível identifi car valores e buscar caminhos para otimizar o trabalho daqueles que estão abaixo do esperado. Entretanto, o que se percebe nessas ocasiões é a criação de listas enormes de atividades as mais variadas, em que são incluídas até aquelas ações que são realizadas esporadicamente e que não exigem mais do que cinco minutos de dedicação. Como nem sempre os gerentes conhecem to- das as rotinas, uma atividade que não exige maiores esforços, dependendo de como é informada, pode parecer algo muito complicado e que demanda muito tempo. Só mesmo mensurando tempo e movimento, é possível co- nhecer melhor cada rotina. Até aqui, estamos tratando de atitudes compreensíveis e aceitáveis por parte de pessoasque querem demonstrar a importância de seu trabalho para garantir a manutenção de seus respectivos empregos. O que não deve- ria ser aceito ou, pelo menos, ser alvo de críticas, é a manipulação descarada de dados numéricos relativos aos trabalhos ou negócios realizados. Outro fator de risco é a manipulação proposital de informações ca- dastrais com o objetivo de viabilizar negócios em volumes acima da ca- pacidade do cliente apenas para fazer números, sem se importar com as possíveis consequências, como prejuízos, inadimplência, devoluções, recla- mações e perda de credibilidade, como já visto no item anterior. Roberto era um avaliador de garantias experiente e muito honesto. Em sua vida pessoal, apresentava uma conduta que a maioria dos colegas considerava do tipo certinho até demais (nunca usava o limite de seu che- que especial). Todos gostavam muito dele. Seu trabalho foi reconhecido e Roberto foi promovido para um escritório maior, no qual precisava apre- sentar resultados maiores. Um dia, recebeu a visita de uma antiga e conhecida cliente, Dona Dulce, que atravessava um momento difícil em sua vida fi nanceira e preci- sava muito de um empréstimo. Entretanto, a garantia que ela apresentava 1597-Book.indb 63 25/3/2009 15:43:16 64 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O não era sufi ciente para aprovar um empréstimo de valor sufi ciente para cobrir sua necessidade fi nanceira. Ela insistiu muito para que Roberto au- mentasse a avaliação da garantia a fi m de viabilizar um empréstimo de valor maior. Dona Dulce era uma cliente confi ável que, durante anos, apresentara um comportamento correto. Era o tipo da senhora distinta, educada, correta e que aparentava um bom padrão de vida. Ela estava tão afl ita e necessitada que apelou até mesmo para os sentimentos de Roberto, chegando mesmo a chorar para comovê-lo com suas carências. Por outro lado, a necessidade de produzir resultados maiores fez com que Roberto encarasse aquela situação como uma oportunidade. Ponde- rou que se tratava de um negócio seguro, já que Dona Dulce, ao longo dos anos, sempre pagou suas obrigações em dia e merecia que ele confi asse em sua honestidade. Assim, Roberto, conscientemente, jogou a avaliação da- quela garantia lá para cima. Roberto nunca mais viu Dona Dulce. A garantia foi a leilão, mas não alcançou o preço de venda necessário para quitar a dívida. Roberto respondeu a um processo de apuração inter- no, pagou a dívida da cliente, recebeu uma punição severa, mas não foi de- mitido por causa do depoimento de seus ex-chefes, unânimes em garantir a singularidade daquela atitude. Roberto nunca mais se deixou comover. Infelizmente, nem todos os manipuladores têm o bom caráter de Roberto nem são facilmente descobertos. Outro tipo de manipulação é quando a empresa resolve reunir seus gerentes para estabelecer metas. Essa prática é mais comum na área comer- cial das empresas, e as metas costumam ser para volume de vendas. Alguns gerentes, independentemente da competência demonstrada ao longo do tempo, a-d-o-r-a-m estar sempre muito bem na foto. Assim, propondo metas facilmente realizáveis, eles sabem que vão apresentar ín- dices de cumprimento superiores a 100%, estando habilitados a receber premiações e reconhecimentos. A empresa não deve corroborar com esse tipo de atitude. Bons pro- fi ssionais não fogem de metas ousadas, desde que sejam factíveis. É fun- damental que os gestores não aceitem metas propostas que não resistem a uma análise superfi cial para evidenciar que são números abaixo do poten- cial de mercado. O critério para o estabelecimento de metas deve ser claro, justo, considerando as peculiaridades regionais e a capacidade de atendi- mento de cada fi lial. 1597-Book.indb 64 25/3/2009 15:43:16 O T R A B A L H O É T I C O 65 O resultado prático é que outro profi ssional da mesma área que pro- põe seus objetivos de forma honesta, criteriosa e justa, desafi adora, mas dentro da realidade possível, ao comparar suas metas com as metas de seu colega mais “esperto”, sente-se lesado e com um sentimento desagradável de estar fazendo papel de bobo. Não obstante, há que se considerar que metas coerentes estimulam, enquanto metas inatingíveis desmotivam. Um método equivocado que ainda é utilizado é a projeção de resul- tados com base apenas no resultado do ano anterior. Por essa metodologia, o profi ssional que obteve um desempenho abaixo do esperado será benefi ciado, porque vai receber metas que estão aquém da capacidade do mercado. Ao mesmo tempo, o profi ssional que batalhou muito e superou suas metas será “penalizado” com metas ainda maiores para o ano seguinte, sem que seja verifi cado se aquele mercado não está saturado e, portanto, com campo de atuação reduzido. Um gerente que propõe um volume de vendas inferior ao poten- cial do mercado em que atua precisa ser questionado. Não é justo ter um profi ssional de vendas atuando numa região repleta de grandes clientes, que se propõe a realizar números menores do que outro profi ssional na mesma função, mas que trabalha numa região em que o mercado é me- nor e que ambos tenham desafi os de resultado cujos valores absolutos são semelhantes. A empresa que não inibe práticas como essa, aprovando as duas propostas de metas apresentadas, sem qualquer questionamento, pro- vavelmente não valoriza o trabalho sério de seus melhores colaboradores, estimula a prática da sabotagem e não tem propósitos consistentes para crescer no mercado. Por mais absurdo que possa parecer, não raro esse tipo de atitude acontece. A forma de neutralizar e impedir que se venha a ferir o princípio da equidade entre os empregados, com condições de trabalho equivalentes, demanda atuação gerencial por parte do responsável pelo acompanhamen- to dos resultados da equipe. A coerência entre as metas e os diferentes po- tenciais de mercado tem de ser perseguida. Não faltam dados de pesquisas de mercado em que as diferentes realidades podem ser mensuradas (mesmo havendo alguma inconsistência, é melhor ter um critério claro do que ape- nas projeções subjetivas). Caso contrário, os bons profi ssionais, que projetaram corretamente e com profi ssionalismo seus desafi os de desempenho, vão se ver no papel 1597-Book.indb 65 25/3/2009 15:43:17 66 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O de tolos, já que terão de se esforçar muito mais, correndo o risco de não alcançarem resultados tão bons quanto o colega que manipulou seus nú- meros para menos. No fi nal do ano, ainda vão ter de estar presentes quan- do ocorrer a premiação anual dos melhores desempenhos e ainda ter de, educadamente, cumprimentar o “espertinho”. Para piorar, o empregado honesto tem uma grande chance de ver o “espertinho” ser promovido e vir a ser seu novo chefe. Que dureza! 9. Responsabilidade nos resultados Podemos partir do pressuposto de que pessoas capazes de manipu- lar relatórios sobre o próprio desempenho são também capazes de buscar resultados a qualquer preço. Pessoas com esse perfi l são capazes de fechar negócios que não vão gerar lucro, que têm rentabilidade negativa (descon- tos exagerados) ou que não atendem às reais necessidades do cliente. São os sabotadores de plantão. Em geral, são pessoas simpáticas, vai- dosas, ambiciosas, bem articuladas e com ótimo poder de convencimento. Não têm o menor constrangimento de vender “geladeira para esquimó”. Não se preocupam em vender benefícios inexistentes e agem com tamanha na- turalidade que gostam de contar suas proezas. Seu momento de glória é quando recebem elogios por seu desempenho acima da média. Muitas ve- zes, ganham prêmios por superação de metas. Muitas empresas medem apenas os números das vendas realizadas. Consideram esse número para a avaliação de desempenho da equipe de vendas sem deduzir desse número as vendas devolvidas, aquelas em que o cliente deixoude pagar ou aquelas que geraram prejuízos. Vendas rea- lizadas sem a honestidade e a transparência necessárias ainda deixam a empresa exposta ao risco de ter de responder a ações judiciais, arcando com custos de advogados e indenizações vultosas. Ocorre que esses problemas só aparecem algum tempo depois da venda. Além disso, problemas com devoluções de pedidos, reclamações em geral e ações judiciais não costumam ser tratados pelos mesmos ges- tores das equipes de venda. O resultado é que o empregado manipulador apenas usufrui dos louros por ter alcançado um ótimo volume de negó- cios, mas não sofre qualquer penalidade pelos problemas gerados por seu trabalho malfeito. 1597-Book.indb 66 25/3/2009 15:43:17 O T R A B A L H O É T I C O 67 Nem sempre as empresas têm sistemas de controle que identifi quem os responsáveis por vendas malfeitas, ou, se têm o controle, não aplicam qualquer punição; sequer uma advertência ou um registro na folha do em- pregado sabotador. Poucas pessoas fi cam sabendo sobre a forma antiética como aquele “brilhante” profi ssional fechou tantos negócios. Não é só na área de vendas que a qualidade na realização das roti- nas tem o poder de impactar negativamente no resultado líquido da em- presa. Um trabalho malfeito, na melhor das hipóteses, vai gerar o custo do retrabalho. Inajara trabalhava na área de contabilidade de uma grande empresa havia mais de oito anos. Sua função era descobrir as origens de centenas de pendências contábeis para comandar os acertos. Não era um trabalho cria- tivo, mas exigia dedicação, atenção, paciência e muita persistência. Inajara sempre trabalhou corretamente e era uma das empregadas mais produtivas do setor. Um dia, a empresa lançou uma campanha para estimular os em- pregados a trabalhar com mais agilidade. Importante destacar que uma pendência contábil costuma repre- sentar um cliente insatisfeito por não ter recebido um valor devido pela empresa e/ou um cliente que recebeu indevidamente ou deixou de pagar alguma coisa. Em resumo, são prejuízos que a empresa vai assumindo, sem que a origem seja detectada, até que se encontre a contrapartida de cada pendência. Mesmo em se tratando de valores pequenos, a soma vai sensi- bilizar o balanço da empresa. Temos de considerar, ainda, que os clientes que se sentem lesados reclamam e podem recorrer à Justiça. Entre os clientes que receberam algo que não lhes era devido, uma ínfi ma parte se dá ao trabalho de tentar de- volver. E, quando isso acontece, quando tentam devolver o que receberam indevidamente, nem sempre a empresa tem como apropriar aquele valor, porque ainda não identifi cou a contrapartida, ou seja, a rubrica contábil ou o cliente que deveria ter recebido o valor em questão. Caso a empresa aceite a devolução, pode resolver o problema do cliente, mas vai criar uma pendência (e mais um problema) interno. Pois bem, nossa personagem, Inajara, fi cou muito animada com a premiação oferecida aos empregados mais efi cientes, pois era uma pessoa vaidosa e tinha a ambição de ver seu trabalho reconhecido em toda a empre- sa. Assim, ela simplesmente liquidou as pendências contábeis de sua regio- nal. Foi um feito admirável. Todos fi caram muito impressionados. Inajara 1597-Book.indb 67 25/3/2009 15:43:17 68 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O recebeu não apenas o prêmio, mas foi homenageada na reunião semestral dos principais gestores da empresa. Foi aplaudida e muito elogiada. Pouco tempo depois, quando a campanha já estava encerrada, des- cobriram que o grande feito de Inajara foi conseguido com um “jeitinho” nada complicado. Ela simplesmente comandou os acertos e zerou a maior parte das pendências lançando na rubrica de valores a serem lançados a prejuízo ou apropriando em receitas diversas aquelas que tinham valores de origem desconhecida. Simples, não? Depois da premiação e das homena- gens, Inajara acabou sendo demitida por justa causa quando, em meio aos levantamentos dos comandos indevidos, foi encontrado um lançamento que benefi ciava uma conta em nome dela e que fora tratada incorretamente em seu próprio benefício. Dá para imaginar o constrangimento que o caso de Inajara provocou em seus chefes? E o enorme retrabalho para desfazer centenas de coman- dos indevidos? A empresa perdeu muito tempo e muito dinheiro por causa da atitude de uma empregada irresponsável e que fora infl uenciada por uma campanha motivacional que desprezou o controle a respeito de como as pendências deveriam ser liquidadas. A venda casada de produtos ainda é uma prática muito comum, em especial no mercado bancário. Embora seja um procedimento publicamen- te condenado, inclusive passível de punição contra a empresa envolvida, já que se encontra previsto no Código de Defesa do Consumidor, alguns bancos não inibem a prática da venda casada e os empregados continuam agindo impunemente. O que mudou foi a tática de abordagem. Os produtos não são mais impostos aos clientes no formato: “Se não comprar o seguro de vida, o ban- co não tem como lhe conceder o empréstimo.” Agora, quando o cliente vai pedir um empréstimo ou pede para abrir uma conta corrente ou um limite de cheque especial, o atendente “oferece” os outros produtos. Caro leitor: você se sente confortável quando entra em uma fi nancei- ra para pedir um empréstimo? Provavelmente você está muito necessitado, passando por alguma situação de emergência e precisa muito de dinheiro para honrar seus compromissos (quem sabe um parente doente, interna- do?). Você desconfi a que, se não comprar o seguro, o cartão de crédito ou o título de capitalização que estão lhe oferecendo, aquele empréstimo pode não sair ou demorar muito mais para ser aprovado. Então? Qual a solução? 1597-Book.indb 68 25/3/2009 15:43:17 O T R A B A L H O É T I C O 69 Provavelmente você vai comprar algum dos produtos oferecidos. Mas depois que tiver recebido seu empréstimo, você vai usar ou continuar pagando pelo que você foi “forçado” a comprar num momento de afl ição? Provavelmente o cartão de crédito será cancelado assim que chegar a co- brança da primeira anuidade. A mesma coisa deve acontecer com a parcela do seguro de vida e do título de capitalização. Mas... o que a empresa ganha com isso? Provavelmente nada ou muito pouco. O custo de confecção e envio do cartão vai gerar prejuízo. No caso do seguro e da capitalização, o ganho certamente não vai cobrir o desgaste da imagem da empresa junto ao cliente, e muitos acabam procu- rando o Procon ou o Juizado de Pequenas Causas. Então, por que os atendentes continuam agindo dessa forma? Prova- velmente porque o banco considera apenas o número de vendas realizadas, e não a forma “como” as vendas foram realizadas. Quando algum empregado apresenta desempenho acima da média, é importante investigar o resultado fi nal dessas vendas, antes de sair distri- buindo comissão, bônus, premiações e homenagens. A crise fi nanceira americana iniciada em 2008 que provocou o des- moronamento do mercado de vários países ao redor do mundo começou como? Com executivos buscando formas de mascarar resultados. Grandes, respeitados e aparentemente saudáveis bancos, segurado- ras, montadoras de automóveis e indústrias precisaram do socorro de seus governos que envolveram cifras de milhões de dólares, euros ou libras para não quebrarem, pois, se isso acontecesse, o estrago seria ainda maior, po- dendo atingir o mundo inteiro. Milhões de pessoas perderam suas economias, seus empregos, suas casas, enfi m, perderam sua saúde e sua paz em consequência de operações fi nanceiras lastreadas em ativos podres apresentados como confi áveis e se- guros. E por que executivos tão infl uentes praticaram atos absolutamen- te arriscados e inconsequentes? Provavelmente porque os resultados ab- solutos auferidos durante anos foram elogiados, premiados com bônus de valoresastronômicos e seu mérito profi ssional foi reconhecido e va- lorizado. A falta de senso crítico chegou a tal ponto que montadoras, bancos e seguradoras americanas, depois de já terem recebido ajuda do governo para evitar a falência, tiveram a coragem de pagar bônus por desempenho para 1597-Book.indb 69 25/3/2009 15:43:17 70 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O os mesmos executivos que, com seus desempenhos desastrosos, causaram enormes prejuízos. Isso não faz sentido algum! Será que nenhum dos instrumentos de controle dessas megaempresas envolvidas apontou as fragilidades e irregularidades das operações? Ou será que não interessava aos presidentes das empresas e aos respectivos conse- lhos administrativos acabar com aquela farra? Será que ninguém questio- nou como era possível que imóveis residenciais americanos apresentassem uma valorização tão expressiva durante tanto tempo? A resposta é simples: não interessava nem aos bancos, nem às segu- radoras, nem às construtoras, nem aos clientes (muitos ganharam muito no mercado imobiliário), nem ao governo acabar com a manipulação que proporcionava ganhos adicionais muito atraentes e confortáveis. Finalmente a fatura dessa farra foi apresentada e, certamente, quem paga não são as mesmas pessoas que ganharam durante muito tempo. Voltando aos exemplos mais comuns do dia a dia das empresas, outro exemplo trata da conduta de um dos melhores vendedores de previdência privada da empresa. Ele realmente tinha talento para convencer o cliente a investir em seu futuro, mas, como a métrica utilizada pela empresa estava na quantidade de títulos de previdência privada vendidos, e não no volume de recursos originados com as vendas, esse talentoso vendedor vendia cinco títulos de R$100 em vez de vender um único título de R$500. Quem ganhava com essa prática? A empresa perdia porque tinha o custo de manutenção de cinco títulos de previdência, quando, na verdade, bastaria ter emitido um único título. O cliente perdia porque recebia rendi- mentos menores, pois, quanto maior o valor aplicado por título, melhor será a taxa da remuneração. A resposta é que o único a lucrar era o melhor ven- dedor de previdência, que superava metas de vendas, recebia elogios e pre- miações, era respeitado pelos colegas e acabou sendo promovido. Até que um dia alguém percebeu sua artimanha e denunciou. Ele não foi demitido, mas perdeu o cargo para o qual fora promovido. Depois de algum tempo, a empresa mudou a forma de apuração dos resultados, passando a controlar volumes negociados, e não a quantidade de títulos vendidos. O que fi ca claro é que a melhor forma de neutralizar atitudes an- tiéticas como as aqui citadas é, além da conscientização constante sobre princípios éticos, a criação de instrumentos de controle e política de conse- quência. Talvez não seja possível punir todos os empregados que apresen- tam resultados inconsistentes, que desagradam os clientes, geram prejuízo 1597-Book.indb 70 25/3/2009 15:43:17 O T R A B A L H O É T I C O 71 e desgastam a imagem da empresa, mas deve-se divulgar internamente a consequência indesejável, ou seja, a punição aplicada aos praticantes de atos antiéticos. É preciso que as premissas que especifi cam o que pode e o que não pode ser feito sejam bem conhecidas por todos. Frisamos novamente a re- gra que diz: “Se você não pode contar como foi que fez, ou se fi cará muito mal se seus atos forem publicados na primeira página do maior jornal de seu estado, não faça. Muito provavelmente o que você está fazendo está errado.” 10. Usufruir do mérito alheio Usufruir do mérito alheio é mais do que um comportamento antiéti- co; é um comportamento que denuncia o mau-caráter de quem o pratica. Existem profi ssionais que não têm escrúpulo em se apropriar de um trabalho quando percebem que um colega, geralmente algum membro de sua equipe ou um de seus pares, teve uma ótima ideia ou fez um trabalho de excelente qualidade ou ainda criou um projeto que terá grande reper- cussão na empresa. A insegurança sobre a própria competência, a vaidade exacerbada e o descaso com o clima organizacional da equipe sob sua gestão e da empresa como um todo fazem com que o gerente se aproprie de um trabalho, omi- tindo o nome do verdadeiro autor e usufruindo das consequências positivas geradas pela repercussão entre as demais áreas da empresa. Mesmo concordando que os trabalhos realizados pelos componentes de uma equipe devem ser reconhecidos como mérito de toda a equipe, não parece justo e ético que o idealizador ou o mentor do trabalho permaneça no obscurantismo, não tendo seu talento reconhecido. Afi nal, normalmen- te, é por meio de demonstrações de competência, talento e dedicação que as pessoas costumam alcançar sucesso em suas carreiras. Nesse caso, onde fi ca a questão reconhecimento e recompensa? Quais as consequências, em termos de motivação, que vão surgir para uma pessoa vítima de uma atitude desse tipo? Quando acontece o contrário, ou seja, quando um trabalho apresen- tado é criticado e não aprovado, a reação do gestor é repassar, ao empre- gado responsável, as críticas e as alterações necessárias. Por que, quando 1597-Book.indb 71 25/3/2009 15:43:17 72 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O acontece a aprovação e implantação do projeto, a identidade de quem efe- tivamente realizou o trabalho não é divulgada? Uma empresa estava passando por um grande processo de reestrutu- ração. Buscando otimizar os procedimentos e rotinas até então utilizados, selecionou e treinou uma equipe especializada na revisão dos principais processos da empresa. As equipes precisavam entrevistar os empregados que operacionali- zavam cada rotina a fi m de mensurar, criticar e propor soluções. O trabalho visava também identifi car gargalos, focos de retrabalho e desperdícios, as- sim como apontar atividades desnecessárias ou controles que deveriam ser executados, mas ainda não estavam sendo feitos. As propostas de otimiza- ção de rotinas decorrentes desse trabalho deviam estar focadas na melhoria do atendimento e na redução de custos. Maria Clara estava na empresa há 15 anos e fi cou muito feliz por ter sido selecionada para gerenciar uma dessas equipes. Altamente motivada, providenciou inúmeros levantamentos e estudos em busca das melhores opções para melhorar o atendimento ao cliente, reduzindo desperdícios e retrabalho. Propôs desde a criação de um novo sistema de controle até um novo mobiliário para a área de atendimento, passando também por questões de risco e segurança. Ou seja, uma análise profunda que abordava praticamente todos os aspectos daquele processo. Junto com a equipe, Maria Clara preparou um relatório ilustrado, em que as propostas eram apresentadas com demonstrações gráfi cas e ana- líticas dos dados levantados e que justifi cavam cada uma das sugestões que compunham o projeto. Várias ferramentas consagradas da qualidade e do marketing foram utilizadas, como: Análise de SWOT (Forças e Fraquezas, Ameaças e Oportunidades), Diagrama de Pareto, Diagrama de Causa e Efeito, Matriz de BCG, fl uxogramas, melhoria contínua (PDCA) e ou- tras. Lembrando que, naquela época, 1996, essas ferramentas ainda não eram tão conhecidas como hoje em dia. Todo o trabalho foi acompanhado pelo gestor daquele processo, de nome Cláudio, que, juntamente com a equipe de Maria Clara, discutia cada uma das propostas até que se chegasse ao consenso sobre qual era a melhor para ser apresentada. Maria Clara entregou seu projeto dentro do prazo estabelecido pela área responsável pela coordenação dos trabalhos. Por questões de ordem burocrática, o trabalho precisava ser ofi cialmente submetido ao gestor do 1597-Book.indb 72 25/3/2009 15:43:17 O T R A B A L H O É T I C O 73 processo, o mesmo profi ssional que acompanhara o passo-a-passo das de- cisões epropostas apresentadas. A surpresa aconteceu quando Cláudio respondeu formalmente que o projeto não estava aprovado, sem esclarecer as razões pelas quais as propos- tas haviam sido rejeitadas. Quando Maria Clara soube do ocorrido, pensou que havia acontecido algum mal-entendido. Procurou por Cláudio, e ele afi rmou, em tom amistoso, que o projeto estava aprovado e que aquela informação não procedia. Afi rmava que, provavelmente, tratava-se de um erro da área à qual Maria Clara estava vinculada. O “disse-me-disse” durou algum tempo, até que Maria Clara viu o documento assinado por Cláudio em que o projeto era rejeitado. Percebeu que não havia qualquer justifi cativa e, então, entendeu que Cláudio era mentiroso, cínico e trapaceiro – um verdadeiro mau-caráter. Por mais que Maria Clara revelasse detalhes sobre a participação de Cláudio em todo o trabalho, o que valia era o que estava escrito no parecer, e não o testemunho de Maria Clara e sua equipe. A empresa não oferecia canais de reclamação ou denúncia. Maria Clara não teve a quem recorrer e fi cou com sua avaliação profi ssional pre- judicada pela não aprovação de um projeto que havia consumido muitos recursos em sua criação. Alguns meses depois, quando todo o ocorrido já havia caído no es- quecimento, Cláudio começou a apresentar cada uma das propostas cons- tantes do projeto de forma separada. Ou seja, era como se cada uma da- quelas propostas tivesse sido criada pela equipe dele, e não pela equipe de Maria Clara. Anos depois, em consequência de outras atitudes próprias de sua conduta antiética, Cláudio perdeu espaço na empresa e acabou saindo. En- tretanto, Maria Clara nunca mais teve a mesma oportunidade de crescer e de se fazer reconhecer profi ssionalmente. Talvez a empresa não tenha sofrido danos maiores no caso aqui re- latado, porque o projeto acabou sendo implementado. Entretanto, eventos semelhantes se repetiram junto a outras equipes, o que gerou desgastes, descontentamentos e desmotivação, acabando por inviabilizar a manuten- ção dos trabalhos de revisão de procedimentos. Muito tempo depois, fi cou evidente que os gestores de cada um dos processos, produtos, serviços ou rotinas enxergavam as equipes de revisão de procedimentos como “invasores” ameaçadores, porque exerciam a fun- 1597-Book.indb 73 25/3/2009 15:43:17 74 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O ção de mostrar o que eles deveriam fazer. Obviamente, eles achavam que já sabiam o que era preciso fazer. Temiam perder autonomia e poder. Há uma forma de evitar que a indevida apropriação de um trabalho ocorra. Cabe ao gestor maior exigir a presença da equipe ou do empregado executor nas apresentações dos projetos. Ninguém melhor do que ele vai poder explicar os detalhes, tirar dúvidas e expor a opinião consistente e se- gura de quem estudou e conhece profundamente o assunto. Dessa forma, será possível identifi car quem, além do gerente responsável, participou e executou boa parte de um bom trabalho, sendo, portanto, merecedor de reconhecimento de seu mérito. 11. O deixar para depois e a inatividade Há um famoso ditado bastante popular que diz: “Não se deve deixar para amanhã o que se pode fazer hoje.” Apesar de sábio e antigo, esse con- selho não é seguido por muita gente que trabalha em postos de diferentes níveis de responsabilidade. Pode-se questionar se esse tipo de conduta está apenas relacionado ao perfi l do empregado ou se trata também de conduta antiética. Quando alguém deixa de fazer algo e a ausência desse trabalho re- sulta em dano, é correto considerar que houve violação do código de ética? Alterando a pergunta: um empregado que não faz o trabalho para o qual a empresa o contratou está agindo de forma ética? Não se resume apenas à questão da falta de responsabilidade com o cumprimento de prazos. Postergar trabalho talvez seja uma caracterís- tica da cultura brasileira (não sei se existe algum estudo que comprove ou descarte essa teoria), mas a frequência com que encontramos pessoas que não se incomodam em não cumprir com suas obrigações é impres- sionante. Uma das consequências mais nefastas desse tipo de atitude é que a simples postergação do prazo de cumprimento de uma etapa de qualquer ação, seja ela relacionada a um projeto, ao atendimento de uma demanda, à falta de resposta a um cliente ou à demanda de qualquer outro stakeholder, pode não apenas gerar prejuízos, como também provocar um “incêndio”. Em geral, o incêndio ocorre em outras áreas que sofrem as consequências daquela falta de ação. 1597-Book.indb 74 25/3/2009 15:43:17 O T R A B A L H O É T I C O 75 Por exemplo: a área responsável por um produto ou serviço começa a receber informações da rede de atendimento de que um dos procedimen- tos adotados como rotina está sujeito a fraudes, ou que expõe os clientes a riscos. As ações corretivas são claramente percebidas, mas exigem um esfor- ço extra da equipe responsável para implementar as ações. As especifi cações do sistema ou do produto terão de ser revistas, equipamentos de segurança terão de ser instalados/substituídos, clientes terão de ser alertados sobre uma falha e haverá um inevitável desgaste na imagem da empresa. Além disso, o custo dessas ações pode comprometer os resultados projetados. Será que vale a pena investir na solução, ou é melhor deixar como está e ir administrando as situações que se apresentarem? A prática do recall – que hoje já faz parte da rotina dos fabricantes de automóveis e, mais recentemente, dos laboratórios farmacêuticos – resul- tou de uma série de acontecimentos que literalmente obrigaram a direção das empresas a assumirem erros de projeto e arcarem com os custos de consertar defeitos originados na fábrica. Alguns casos fi caram famosos. No fi nal dos anos 90, falhas no proje- to do Ford Explorer, montado sobre um chassi criado para a caminhonete Ranger (destinada ao transporte de carga leve), juntamente com problemas nos pneus Firestone utilizados no veículo, provocaram a morte de cerca de 200 pessoas em todo o mundo. Capotamentos ocorridos em consequência da explosão dos pneus, que apresentavam defeitos de fabricação, começa- ram a acontecer em número acima do aceitável. A decisão de lançar ou não um recall é corporativa e envolve os mais altos escalões da empresa. Entretanto, no dia a dia, é possível perceber inúmeros casos de profi ssionais que não fazem suas atividades e, apesar disso, não sofrem maiores consequências, pelo menos não de forma que se identifi que claramente como uma punição. Luciano foi contratado por um grande banco. Poucos anos depois, foi promovido a assistente do gerente de negócios empresariais. Simpá- tico, falante, alegre e com ótima apresentação pessoal, além de atencioso com os clientes, Luciano cumpria bem suas funções sempre que era de- mandado. Assim, ele se fez querido e conquistou a simpatia não só do gerente empresarial e do gerente geral, como de toda a equipe da agência. Luciano também adorava fi car depois do horário para trocar ideias com os colegas. 1597-Book.indb 75 25/3/2009 15:43:17 76 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O Muito observador, em conversas particulares com seus superiores, Luciano costumava apontar problemas e destacar qualidades no trabalho dos colegas, sempre contribuindo com sugestões de melhoria. Ao completar oito anos de banco, o gerente empresarial foi promo- vido e Luciano foi o nome indicado para substituí-lo. Por seu histórico de dedicação e nível de amizade com toda a equipe, Luciano foi promovido. Foi então que o perfi l de Luciano passou a não combinar com o perfi l necessário para um cargo gerencial. Atendimento a empresas requer conhecimento apurado sobre os produtos e necessidades do cliente, o que exige estudos permanentes e busca de informações para se manter atualiza- do com o frenético mercado fi nanceiro.Luciano era bom executor de tarefas, mas não sabia trabalhar sem que alguém lhe determinasse o que e quando fazer. Ficava tão envolvido com as atividades menos importantes e delegáveis que nunca achava tempo para visitar clientes. Não estava acostumado a ter de criar e organizar a própria agenda e a prospectar clientes. Luciano não se dava conta de que estava falhando com o atendimen- to aos clientes, já que dirigentes de grandes empresas não costumam com- parecer às agências. São clientes que utilizam o internet banking e esperam a visita dos representantes dos bancos para contratar algum novo negócio. Eles esperam que o gerente do banco venha apresentar soluções após ana- lisar as necessidades da empresa. Luciano não visitava, não prospectava e pouco contratava. Seus re- sultados eram medíocres, mas suas ideias a respeito de negócios de grande porte eram brilhantes, o que impressionava o gerente geral e os demais gerentes da região. Infelizmente, as ideias fi cavam apenas na cabeça de Luciano, jamais chegavam ao papel e muito menos eram executadas. Ele sempre deixava tudo para depois e nunca concretizava os projetos. Caro leitor: você conhece alguém assim? Há quanto tempo essa pessoa permanece na empresa em que você trabalha? Provavelmente ela está lá há muitos anos. Quem é o responsável por manter essa situação? Quem paga o prejuízo causado à empresa pelos negócios não fechados, pe- los clientes não conquistados ou, pior ainda, pelos clientes perdidos? Que exemplo Luciano está passando para os demais integrantes da equipe? Não seria melhor se Luciano trabalhasse numa função de menor projeção, mas que combinasse com seu perfi l e lhe permitisse crescer em outra área da empresa? 1597-Book.indb 76 25/3/2009 15:43:17 O T R A B A L H O É T I C O 77 Outra fonte regular de problemas é o descaso com informações soli- citadas por outras áreas. Os responsáveis pela criação de estratégias de ne- gócios precisam de informações para subsidiar a tomada de decisão quanto à pertinência de propostas, assim como volumes praticados, regiões a serem priorizadas e outras decisões diversas. Para isso, solicitam às fi liais da em- presa informações para fundamentar um trabalho consistente e coerente com a realidade. Apesar de, geralmente, a área demandante estar localizada na sede da empresa – portanto, é hierarquicamente superior –, é muito comum o não atendimento da solicitação de informação. Evidentemente, não se tra- ta de prática generalizada, mas o índice de displicência com as necessidades do trabalho alheio é alarmante! A área demandante precisa cobrar muitas vezes as respostas se quiser obter a informação necessária. O problema é que os profi ssionais relapsos costumam agir assim continuamente, sem que qualquer tipo de consequência os atinja. Por fi m, há o profi ssional que sabe que precisa fazer alguma tarefa ou dar início à execução de um projeto, mas, deliberadamente, nada faz. São muitas as razões para atitudes desse tipo, e as mais comuns vão desde a falta de iniciativa crônica (preguiça mesmo) até a não concordância com alguns pontos para os quais o profi ssional foi voto vencido em reuniões de avaliação anteriores (desrespeito à decisão da maioria) ou por medo de ser responsabilizado caso algo não saia conforme o esperado. Medo de se expor, medo de se arriscar ou medo de que a “coisa” funcione e evidencie que sua avaliação contrária estava errada. Um projeto pode ser “congelado” porque o assunto não está entre as prioridades do executivo responsável ou porque implica confl ito de interes- se pessoal ou, ainda, porque ele sabe que, quando o resultado daquela ação acontecer, alguém de quem ele não gosta muito terá grande projeção na empresa, o que não é interessante para ele. Aliás, a inveja da competência e do brilho alheio, associada à insegurança em relação ao próprio desempe- nho, é um dos piores defeitos de profi ssionais em todos os níveis. Quanto custa para a empresa a inércia de um empregado? Além do desperdício do salário pago por um trabalho não realizado, quanto a em- presa deixa de ganhar porque um projeto foi engavetado ou “congelado”? E o desperdício com o trabalho de criação do projeto? Infelizmente, esses prejuízos não aparecem no balanço e, por isso, na maioria das vezes, não geram consequências para os responsáveis. 1597-Book.indb 77 25/3/2009 15:43:18 78 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O É certo que, para cada ação não executada, há um ou mais em- pregados frustrados por não verem acontecer a implementação de uma boa ideia ou o resultado de seus esforços na criação de projetos. Por que eles não aparecem? Por que não se queixam? Por que não denunciam a inatividade de seus gerentes? Provavelmente porque não têm ou não sabem a quem recorrer sem criar problemas de relacionamento com seus superiores. Outra possibilidade é a descrença na efetiva consequência de suas denúncias. 12. Confl itos de interesse As diferentes redes de relacionamentos da empresa e de seus diver- sos stakeholders estão irremediavelmente ligadas, tanto no lado profi ssional quanto no pessoal. Manter a imparcialidade na condução dos diferentes re- lacionamentos é uma habilidade essencial para a manutenção da reputação de um profi ssional que pretende ser ético. Um confl ito de interesses ocorre quando fatores não vinculados a um negócio qualquer comprometem a objetividade e a capacidade de decisão do profi ssional responsável, a ponto de uma terceira pessoa encontrar argu- mentos para questionar a lisura de alguma atitude. Quando um cliente se oferece para fazer algum favor, é preciso ter muito cuidado não apenas na análise das reais intenções desse cliente, como também na repercussão que o fato pode trazer. Antes de aceitar a oferta, algumas questões têm de ser analisadas. Aceitar o favor vai infl uenciar as futuras decisões em relação aos negócios com aquele cliente? Se outros colegas souberem a respeito daquele favor ou presente, poderão questionar a lisura do comportamento? Por outro lado, é importante diferenciar claramente um relaciona- mento de amizade de uma amizade circunstancial e infl uenciada por um relacionamento de negócios. É muito comum ouvirmos alguns ex-ocupan- tes de cargos importantes dizerem que, só depois de terem deixado o cargo, perceberam que o número de amigos verdadeiros era bem menor do que supunham. Amizades verdadeiras costumam ser aquelas que já contam com mui- tos anos de relacionamento. Nelas, os envolvidos já atravessaram diferentes fases de vida mantendo a confi ança na isenção de interesses da relação. 1597-Book.indb 78 25/3/2009 15:43:18 O T R A B A L H O É T I C O 79 Já em cidades pequenas, onde todo mundo conhece todo mundo, é inevitável que relações de negócios se misturem com relações de amizade. Em situações assim, é importante certifi car-se de que a decisão será aquela que se confi gura como a melhor solução para o cliente sem causar qualquer tipo de dano à empresa. Não há nada de errado quando um cliente convida um representante da empresa para um almoço ou um fi nal de semana em sua casa de praia. O problema começa quando o cliente convida o representante da empresa para um fi nal de semana num hotel de alto luxo e se responsabiliza por todas as despesas. Quem não gosta de usufruir de um fi nal de semana com tudo grátis, in- clusive passagens aéreas, em algum hotel de alto luxo bancado por um cliente? Ainda mais um cliente simpático e agradável que, até o presente momento, não pediu nada em troca de sua “sincera” amizade? Todo mundo gosta, não é mesmo? A tentação é grande, mas é imprescindível considerar que presen- tes assim não acontecem por acaso. Com certeza, a conta será apresentada mais tarde e, provavelmente, exigirá a inclusão de vantagens adicionais para o “amigo” que não atendem aos interesses da empresa. O que contrariaos reais interesses da empresa deve ser considerado atitude antiética. Imagine que uma grande empresa decidiu padronizar o ambiente de suas várias fi liais. Além de pintura e novo mobiliário, está prevista a subs- tituição do piso. Como em qualquer obra, a quantidade de alguns itens de materiais de construção é determinada com um percentual além da quanti- dade exata, por força das perdas que normalmente ocorrem. O gerente André está à frente de uma das maiores fi liais da em- presa XYZ. Despretensiosamente, André comenta com o responsável pela execução da obra que precisa substituir o piso de sua casa, mas não tem noção do custo dessa pequena obra. O encarregado se oferece para fazer o orçamento, e André se surpreende com o preço do metro quadrado do piso utilizado na reforma da empresa. Gentilmente, o encarregado sugere que o gerente aproveite a sobra do piso já comprado pela empresa, argumentando que a despesa já foi absorvida no custo total da obra e que o material não utilizado fi cará guardado para eventuais reposições. André fi ca tentado a aceitar, afi nal, difi cilmente a empresa vai precisar utilizar toda aquela sobra e o material vai acabar se perdendo com o tempo. André pondera com seus botões que o fato de utilizar o piso não deverá ser percebido por ninguém da XYZ, pois se trata de sobra, não in- 1597-Book.indb 79 25/3/2009 15:43:18 80 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O fl uenciando no custo já aprovado. Além disso, André não participa das decisões relativas à seleção e contratação de empresas fornecedoras, assim, não terá de se comprometer com a construtora em relação a futuras con- tratações de obras. André fi cou muito tentado a aceitar a oferta. Trabalhava na XYZ há mais de 10 anos e seu salário lhe assegurava conforto para sustentar a famí- lia, esposa e duas fi lhas, mas não permitia despesas extras sem planejamen- to prévio. Seria muito bom ver sua casa mais bonita e poupar sua esposa do esforço de ter de limpar aquele piso desgastado e trabalhoso. Foi quando André pensou: e se meus superiores souberem disso, o que vão pensar de mim? André agradeceu a oferta e, educadamente, dis- se que preferia outro tipo de piso em sua casa. Imaginar a repercussão caso uma atitude duvidosa venha a cair no conhecimento público é um dos melhores instrumentos de avaliação para descobrir se uma decisão está ou não ferindo a ética. Confl itos de interesse acontecem quando as pessoas que trabalham próximas percebem a dedicação diferenciada na defesa dos interesses de um cliente em especial. Prestar consultoria a uma empresa concorrente, que disputa mercado com aquela para a qual se trabalha, também é exem- plo de confl ito de interesse passível de questionamento ético. Há outra forma de confl ito de interesse muito comum nas empre- sas brasileiras: o gerente de contratação de serviços de manutenção para equipamentos de informática solicita da empresa desconto no orçamento do conserto de seu computador particular, instalado em sua casa. Eviden- temente, a empresa vai atender o pedido sem cobrar nada pelo serviço. Confl itos de interesses, tão graves quanto comuns em alguns países me- nos desenvolvidos, ocorrem sob a forma de comissões ocultas, subornos, co- mércio de infl uência ou de informações privilegiadas. Não importa se o paga- mento é feito em moeda corrente ou por meio de algum produto ou serviço. Algumas empresas estabelecem um valor máximo para presentes re- cebidos de clientes, mas não costumam ter como identifi car aqueles que de- sobedecem à regra. Não apenas presentes, mas também descontos especiais oferecidos a apenas um empregado, podem ser considerados suborno. Os relacionamentos pessoais em si podem criar confl itos de interes- ses. Uma empresa precisa contratar um escritório de advocacia para atuar em ações judiciais de questões que envolvem valores expressivos e que, por consequência, vão proporcionar remunerações muito atraentes ao escritó- 1597-Book.indb 80 25/3/2009 15:43:18 O T R A B A L H O É T I C O 81 rio contratado. Um empregado que trabalha na área responsável pela sele- ção de serviços terceirizados pensa em contratar um conceituado escritório de advocacia na cidade, que tem à frente um grande amigo ou parente. Ele tem plena consciência da reputação, honestidade e efi ciência desse escri- tório. Seria justo impedir que a empresa contrate os serviços do advogado parente ou amigo apenas por conta dos vínculos pessoais existentes? Ob- viamente, não. Nesse caso, a atitude correta é deixar a decisão a respeito da contratação sob os cuidados de uma terceira pessoa capacitada a avaliar e selecionar o que for melhor para a empresa. Entre tantos exemplos de confl itos de interesses, há que se mencio- nar a atuação de gestores que privilegiam claramente os projetos tocados por integrantes de sua equipe aos quais considera amigos, em detrimento dos projetos dos demais membros. Gestores que adotam esse tipo de conduta não selecionam os projetos a serem priorizados com base em critérios técnicos: aquele que vai eliminar mais desperdícios; que vai ge- rar maior rentabilidade; ou que envolve ações corretivas para viabilizar o sucesso de um projeto. Seu critério é bem mais simples e não precisa de estudos: dedica-se a contribuir para o sucesso dos projetos que vão ofere- cer maior projeção a ele mesmo e àqueles por quem ele tem amizade (não importando o nível de competência profi ssional nem os resultados que serão gerados para a empresa). Não se pode desprezar a importância do apoio da chefi a, quando se precisa negociar internamente, demandar a criação de ferramentas especí- fi cas ou aprovar verba para um projeto. Dessa forma, é altamente prejudi- cial aos interesses da empresa priorizar a implantação de projetos com base apenas na simpatia e no bom relacionamento de seu criador. A empresa precisa manter canais de acesso a instâncias superiores para evitar que ações de grande impacto fi quem estagnadas por questões pessoais. O costume de muitos ocupantes de cargos diretivos que restringem o acesso dos subordinados apenas à equipe de gerentes, que não circulam pela empresa ou que não criam condições de interagir com os demais cola- boradores, acaba por possibilitar, muitas vezes, o recebimento de informa- ções fi ltradas. Isolado do “chão-de-fábrica”, não sabe que está contribuindo para impedir a expansão de muitos negócios. Uma das maiores frustrações de um profi ssional responsável é ver-se impedido de levar adiante uma boa ideia ou um bom projeto, apenas por- 1597-Book.indb 81 25/3/2009 15:43:18 82 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O que o chefe imediato não aprovou ou não comprou a ideia e não fornece o apoio necessário para buscar os meios de implantar aquele projeto. 13. Usufruir da reputação da empresa Profi ssionais que trabalham em empresas de grande prestígio podem adquirir o hábito de buscar obter vantagens pessoais apenas por se apresen- tarem como integrantes da equipe daquela empresa. Digamos que uma organização costume patrocinar grandes eventos esportivos ou culturais. Provavelmente, além da exposição da marca e de todos os outros motivos que justifi cam investimentos em marketing espor- tivo/cultural, há o objetivo de estreitar relacionamento com públicos de maior interesse no aspecto negocial e institucional. Desse modo, a equipe de marketing e a diretoria dessa organização vão destinar convites a clien- tes e parceiros meticulosamente selecionados. É quando o gerente de uma empresa não muito expressiva entre os diversos stakeholders dessa organização pede convites para um desses even- tos. Pior ainda: mesmo percebendo que seu contato demonstra não ter facilidade para conseguir os ingressos, ele insiste e costuma pedir novos ingressos a cada novo evento. Como será que essa empresa fornecedora passará a ser vista pela or- ganização?Será que a postura desse empregado será considerada quando houver necessidade de selecionar uma empresa para a contratação de novos negócios? Não se pode caracterizar uma transgressão quando um executivo ga- nha e usufrui de ingressos para algum evento, mas o fato de pedi-los já expõe a empresa a avaliações não interessantes. Um executivo que se utiliza do privilégio conseguido em função do cargo que ocupa para ter acesso a pessoas e pleitear favores está agindo em nome da empresa com o objetivo de obter vantagens pessoais. Afi nal, caso ele não estivesse exercendo aquela função, provavelmente não teria oportu- nidade nem de pedir, quanto mais de conseguir os ingressos. Esse tipo de conduta, além de expor a imagem da empresa, tem ou- tra consequência danosa. Se um executivo se benefi cia de favores obtidos de forma não espontânea, como fi ca a regularidade nas negociações dos futuros negócios? Até que ponto ele estará infl uenciado e disposto a con- 1597-Book.indb 82 25/3/2009 15:43:18 O T R A B A L H O É T I C O 83 ceder condições negociais mais favoráveis para a empresa para a qual ele já deve favores pessoais? 14. A responsabilidade com a imagem da empresa Grandes empresas costumam investir milhões de dólares na constru- ção de uma imagem de credibilidade, qualidade, seriedade e honestidade. A imagem da empresa é percebida com base em muitos aspectos, que incluem desde o básico, que é a confi ança nos produtos e serviços ofe- recidos, até o emocional das pessoas, quando o objetivo é conquistar admi- ração, respeito e até mesmo amor. A imagem é tão importante que pode determinar a própria sobrevi- vência da empresa. Investidores procuram aplicar seus recursos em empre- sas que transmitem segurança quanto a lucratividade, perspectivas de risco e boa gestão de pessoas. Na avaliação de empresas seguras para receberem investimentos, também é considerada a qualidade de vida dos emprega- dos, ou seja, a forma como a empresa conduz a administração dos recursos humanos, inclusive no que se refere a treinamento, saúde e benefícios adi- cionais, além de, evidentemente, ser preferível a opção por empresas que demonstram ter a gestão voltada para a ética. A imagem da empresa pode fazer as ações subirem ou descerem, as vendas aumentarem ou diminuírem, os funcionários fi carem mais satisfei- tos ou fazerem greve, os fornecedores concederem mais ou menos prazo e por aí afora. Por isso, é preciso que cada colaborador preste muita atenção quando atua em nome da empresa, porque a forma como age e o que fala expressa a conduta e a opinião da própria empresa, e não apenas sua opinião pessoal. É prática das áreas de comunicação social das empresas adotarem procedimentos de orientação e controle nas ocasiões em que algum repre- sentante precisa dar informações ou entrevistas. Entretanto, não é possível eliminar as situações imprevistas. Ninguém está livre de sofrer constrangimentos por causa de palavras impensadas, gestos infelizes ou situações de crise, mas a conduta antiética sempre compromete a imagem da empresa. Casos extremos envolvendo atividades criminosas como fraudes, su- bornos, corrupção e sabotagem são situações em que nem cabe discussão 1597-Book.indb 83 25/3/2009 15:43:18 84 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O sobre dilemas éticos. Nesses casos, o objetivo de quem pratica é bem claro; e se a pessoa não está preocupada com questões criminais, muito menos com questões éticas. São inúmeros os exemplos de empresas que praticaram condutas antiéticas como formação de cartel, poluição do meio ambiente, mani- pulação da composição, da quantidade ou da embalagem de produtos, fraudes fi nanceiras, entre outras. Empresas como Arthur Andersen, WorldCom, Enron, Banco Société Générale e Parmalat protagonizaram eventos que abalaram não apenas os mercados, mas também a opinião pública mundial. No Brasil, alguns dos casos mais famosos envolvem instituições go- vernamentais, políticos e empresas estatais, mas ainda estão bem vivas na memória as lembranças de escândalos como o da quebra do Banco Santos, o das pílulas anticoncepcionais “de farinha” do Laboratório Schering do Brasil e o da adição de soda cáustica e água oxigenada ao leite distribuído por alguns laticínios. No entanto, esses exemplos mais famosos foram pro- vocados por decisões ou ações corporativas, e não pela atitude de um único empregado. O padrão de comportamento do empregado comum é o de agir com honestidade. As coisas só começam a se alterar à medida que essa mesma pessoa começa a ascender na hierarquia e as tentações começam a sur- gir – desde prestação de contas de viagens ou despesas de representação até “ganhos por fora” junto a fornecedores. Quanto mais alto for o cargo, maiores as chances de um executivo se deixar seduzir. São inegáveis a ca- pacidade que o poder tem de corromper pessoas e o talento dos poderosos para tomar decisões imorais sem se sentirem culpados. Parte do problema é provocada por empresas que adotam bonifi ca- ções para seus executivos com base no resultado da empresa. Distribuir os lucros é uma prática saudável, que incentiva a busca por melhores resulta- dos, mas que acaba motivando alguns profi ssionais desajustados a maquiar balanços a fi m de preservar suas bonifi cações. Não obstante a gravidade dos grandes escândalos corporativos, não é aconselhável ignorar a repercussão das atitudes tomadas no dia a dia, muitas vezes não intencionais, que po- dem repercutir junto a um número expressivo de pessoas, ou até mesmo envolver a mídia. Atendimentos malfeitos ou feitos de forma descortês, discriminação racial ou de outro tipo qualquer, promessas não cumpridas, informações 1597-Book.indb 84 25/3/2009 15:43:18 O T R A B A L H O É T I C O 85 enganosas, descaso com as ações de pós-venda, ou a divulgação de uma notícia que infl uencie negativamente a imagem da empresa, têm início na atitude ou decisão de um único empregado. Na maioria das vezes, essas ocorrências atingem apenas o próprio cliente envolvido e as pessoas com quem ele se queixa. Mas nem sempre é assim tão simples. O Código de Defesa do Consumidor, lançado em 1991, foi o ponto de partida na mudança da cultura do brasileiro sobre seus direitos e sobre o que é certo e o que é errado. O cliente passou a ter onde e com quem reclamar. A despesa com pagamento de indenizações judiciais motivou as empresas a terem muito mais atenção na qualidade de seus produtos e/ou serviços e em suas propagandas, promessas, informações e atendimento. Vale lembrar que uma conduta irresponsável ou descortês, quan- do dirigida a uma pessoa que tenha acesso aos canais de comunicação de massa, pode causar problemas muito mais graves que ações judiciais. Uma ocorrência que costuma se repetir sem maiores consequências – e por isso é vista como banal pela empresa – pode ser tratada por um ângulo diferente, com uma interpretação comprometedora e alcançar grande repercussão. No Brasil, o escândalo da utilização dos cartões corporativos do governo federal é um exemplo dessa situação. A empresa terá de investir muito dinheiro e esperar pela passagem do tempo para recuperar sua imagem. O que a princípio pode parecer uma bobagem, pode, na verdade, ser uma bomba. A maneira de construir e preservar a imagem da empresa, neutrali- zando ou reduzindo a possibilidade de situações imprevistas, é a existência de consciência ética entre os empregados. A absorção da cultura ética ha- bitua as pessoas a enxergarem as situações com base nos preceitos éticos defi nidos pela própria empresa. 15. Segurança da informação Os princípios básicos da segurança são confi dencialidade, integri- dade e disponibilidade das informações. Os benefícios evidentes são: re- duzir os riscos com fraudes, erros involuntários, uso indevido, sabotagens, ou roubo de informações, além de diversos outros problemasque possam comprometer esses princípios básicos. 1597-Book.indb 85 25/3/2009 15:43:18 86 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O A segurança visa também aumentar a produtividade dos funcionários por meio de um ambiente mais organizado, com maior controle sobre os re- cursos de informática que protegem as informações críticas das empresas. É um assunto que recebe atenção especial das organizações que se preocupam em manter o sigilo de suas estratégias, em especial dos resulta- dos obtidos nas áreas de pesquisa e desenvolvimento de produtos. Aqui, o foco não é a guerra nem sempre silenciosa travada entre os técnicos de informática que produzem os vírus e os antivírus, nem a ainda mais complicada guerra entre hackers e aperfeiçoadores de fi rewalls, sistemas e chaves de segurança. Tampouco cabe aqui a abordagem sobre grampos telefônicos e as parafernálias tecnológicas de espionagem, já que esses instrumentos são utilizados por especialistas na área. Em termos de ética no trabalho, o foco é a informação passada sor- rateiramente pelos próprios funcionários para atender ao pedido de um parente, amigo, cliente ou, nas hipóteses mais graves, para vender a um in- teressado, seja em benefício próprio, seja para repassar a uma empresa con- corrente. A preocupação com segurança da informação leva não apenas as empresas e seus executivos, mas também pessoas comuns, a buscarem um conhecimento mínimo de conceitos básicos de segurança da informação, a fi m de proteger seus arquivos de computador da invasão de espiões. Isso tudo sem descartar o risco de ter informações roubadas por pessoas de den- tro da própria empresa da forma tradicional, ou seja, por meios físicos. A espionagem industrial é a ação de pessoas com o objetivo de se apropriar de informações ou segredos comerciais. A maioria das empresas ainda não trata a proteção ao conhecimento como ponto fundamental no sucesso de seus negócios por não acreditar que esse tipo de atividade possa ser praticada pelos concorrentes. Durante o Campeonato Mundial de Fórmula 1 de 2007, a McLaren se viu envolvida em investigação de roubo de informações confi denciais da Ferrari e o resul- tado foi a eliminação da equipe inglesa do Mundial de Construtores, além ter sido condenada pela FIA (Federação Internacional de Automobilismo) à multa de US$100 milhões. Para prevenir e proteger informações, é importante que gestores en- carem a espionagem como um fato que pode fazer parte da estratégia de concorrentes antiéticos, que buscam copiar/roubar informações sobre ino- vações e melhorias a fi m de ganhar competitividade no mercado. 1597-Book.indb 86 25/3/2009 15:43:18 O T R A B A L H O É T I C O 87 O ponto-chave é a proteção às comunicações internas, já que elas são um dos aspectos mais utilizados para se colherem dados ou informações de uma empresa. Palestras de conscientização quanto à responsabilidade de todos na proteção das informações da empresa é a melhor maneira de prevenir a ação de agentes da concorrência. Afi nal, se a empresa vier a sofrer prejuí- zos decorrentes de espionagem e for obrigada a cortar custos, o quadro de pessoal poderá ser reduzido. Para empresas que trabalham diretamente com informações de clientes e serviços fi nanceiros, como é o caso dos bancos, a manutenção do sigilo é parte integrante dos serviços prestados – e até mesmo uma questão legal. Não são poucos os clientes que pedem para não receber em casa correspondência com os extratos de suas aplicações ou movimentações fi - nanceiras, o que demonstra a preocupação com a manutenção do sigilo de suas informações bancárias até mesmo junto a seus familiares. Um exemplo claro da gravidade que representa a quebra de sigilo bancário aconteceu em março de 2007. Nessa ocasião, Antônio Palocci, então ministro da Fazenda, e Jorge Mattoso, que na época era presidente da Caixa Econômica Federal, perderam seus cargos e foram processados por força da divulgação do extrato bancário do caseiro Francenildo Costa, que havia denunciado a presença de Palocci em reuniões suspeitas realizadas numa mansão em Brasília. A quebra do sigilo bancário do caseiro visava tentar provar que ele agia sob a infl uência de terceiros e que fi zera a denún- cia devido a pagamentos recebidos desses interessados. Apesar da quebra do sigilo de Francenildo Costa, nada fi cou provado contra o caseiro. Instituições fi nanceiras estão entre as empresas mais sujeitas a ações criminosas. O motivo para o crescente interesse dos bandidos é o sucesso do internet banking e das compras com cartões de crédito no Brasil. No mer- cado nacional, os prejuízos com fraudes eletrônicas somam centenas de mi- lhões de reais, mas esse número é impreciso, porque as empresas preferem não divulgar os valores exatos para não assustar ainda mais seus clientes. As instituições fi nanceiras investem mais de R$1 bilhão por ano para atualizar seus mecanismos de combate às fraudes eletrônicas, segundo a Febraban (Federação Brasileira de Bancos). Os arranhões na imagem das empresas são atenuados porque os valores sacados pelos bandidos costu- mam ser ressarcidos aos clientes. 1597-Book.indb 87 25/3/2009 15:43:18 88 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O Na maioria das vezes, as ocorrências de fraudes eletrônicas não en- volvem os funcionários ou prestadores de serviços terceirizados de bancos e de empresas de telecomunicações, outro setor bastante visado pelos cri- minosos. Entretanto, existem outras modalidades de fraudes, como com- pra de linhas telefônicas com documentos falsos, fraudes no pagamento de suas contas, clonagem de folhas de cheques e roubo de padrões de assinatura de clientes, que evidenciam a participação de agentes infi ltrados na empresa. Há ainda outro tipo de conduta não muito rara. Funcionários, pres- sionados pela necessidade de apresentar resultados, podem “ensinar” ao cliente com problemas para a aprovação de negócios o que ele pode fazer para maquiar a situação e conseguir aprovação. Esse tipo de atitude pode acontecer não apenas com clientes interessados em linhas de crédito, mas em várias outras situações, como cadastros de clientes autorizados a realizar compras faturadas. O negócio é fechado, mas a empresa não recebe e tem de arcar com o prejuízo. E não são apenas grandes empresas que estão sujeitas a ações de rou- bo de informação. Um dos maiores patrimônios de uma micro ou pequena empresa é seu cadastro de clientes. Quanto mais organizado e rico em in- formações atualizadas, mais precioso ele será. Quantas empresas já foram vítimas da ação de empregados que venderam cadastros ou levaram infor- mações ao deixar a empresa? É possível mensurar o prejuízo causado? Outro ponto nevrálgico que merece atenção, já abordado no item 7 deste capítulo é: a qualidade da informação no momento de sua entra- da nos sistemas corporativos. A digitação dos dados dos clientes costuma ocorrer de forma mecânica e despreocupada. Dados errados levam a erros de avaliação do perfi l dos clientes. Comprometem a qualidade dos relató- rios com estratifi cação de clientes, e a efi cácia de estratégias negociais ou de comunicação fi ca comprometida. Para reduzir as ocorrências, algumas empresas criaram sistemas de controle que exigem a conferência das informações ou atualizações dos clientes por um empregado desvinculado da unidade que tratou os dados do cadastro. Somente após a conferência das informações digitadas pelo empregado que fez o atendimento e do respectivo ateste na conformidade da documentação do cliente, é que as informações são liberadas para uso interno. Se houver identifi cação de inconformidade, o cadastro fi ca blo- queado até que a unidade responsável providencie os acertos necessários. 1597-Book.indb 88 25/3/2009 15:43:19 O T R A B A L H O É T I C O 89 Esse tipo de mecanismo exige investimento e,dependendo do porte da empresa, uma estrutura adicional de trabalhadores para a manutenção dos sistemas de controle. No entanto, não se pode deixar de considerar a importância de manter as informações da empresa de forma segura e con- sistente para evitar prejuízos de valores imprevisíveis. 16. Acesso à internet Segurança da informação e permissão de acesso dos funcionários à internet são assuntos próximos, porque é através da internet que acontecem as invasões de arquivos e roubos de informações. Controlar, monitorar e bloquear acessos, e, até mesmo, violar o conteúdo de e-mails, tem sido alvo de discussões acirradas e confl itantes por parte de gestores de recursos humanos, advogados e técnicos de informática. A utilização indiscriminada da internet e do e-mail com fi ns parti- culares afeta diretamente o bom andamento do serviço, bem como a pro- dutividade dos funcionários. Por isso, conforme decisão emanada do TST, o empregador tem o direito de fi scalizar o uso das ferramentas fornecidas exclusivamente ao desenvolvimento da atividade empresarial. A internet é um instrumento de informação e entretenimento que absorve a atenção das pessoas por longos períodos. Por outro lado, não é recomendável difi cultar o crescimento pessoal dos empregados, já que a internet é fonte de informações diversas, inclusive aquelas relacionadas à atualização do conhecimento. É importante destacar que existem cursos de graduação e de especialização disponíveis para serem realizados pela internet. Entretanto, não pode ser considerado ético que, durante o horário do expediente, empregados deixem de executar suas tarefas para fi car nave- gando na internet visitando sites diversos, incluindo os de relacionamento, bate-papo ou, ainda mais complicado, os que tratam de sexo, pedofi lia, jogos ou divulgação de algumas ideologias eticamente questionáveis. Permitir ou não o acesso dos empregados à internet é, portanto, um assunto polêmico, que vem sendo amplamente discutido, especialmente nas empresas de grande porte. O Instituto Qualibest, dedicado a pesquisas on-line, após ouvir a opinião de cerca de quatro mil pessoas para analisar o comportamento dos 1597-Book.indb 89 25/3/2009 15:43:19 90 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O funcionários que utilizam a Internet no ambiente de trabalho, apurou que 53% têm o hábito de navegar pela Internet no escritório. Dos 2.140 respondentes com acesso à Internet no trabalho, 89% afi rmaram que a utilizam com fi ns pessoais. A pesquisa identifi cou que 47% têm acesso livre, 32% têm muita restrição e 21% têm alguma restrição de conteúdo. As restrições mais comuns são aos sites de conteúdo adulto (77%), Orkut e outros sites de relacionamento (61%), Messenger (59%) e salas de bate-papo (53%). Como ainda não existe no Brasil uma legislação específi ca para tratar de controle de acesso de empregados à internet, o caminho dos responsá- veis pela gestão da empresa é avaliar a situação pelo ângulo da visão e da conduta ética. Independentemente do aspecto legal, é necessário considerar o di- reito de propriedade do empregador sobre os equipamentos tecnológicos, como hardware, software, rede e, ainda, o poder de direção que compreen- de a organização e o controle do negócio, bem como o de disciplinar seus empregados. Não obstante, a questão mais polêmica é o monitoramento de e- mails. Como também não existe uma lei específi ca quanto ao monitora- mento de e-mail, o assunto provoca bastante discussão, não apenas quanto à legalidade, mas também quanto à adequação ética de atuação das empre- sas. Afi nal, violação de correspondência é crime previsto em lei. Apesar disso, muitas empresas utilizam programas especializados no monitoramento ou controle de conteúdo das mensagens enviadas e re- cebidas por e-mail, bem como das páginas acessadas na internet. Segun- do alguns administradores, a intimidade do empregado não seria violada, porque a empresa não espera encontrar informações pessoais e íntimas, mas tão-somente informações profi ssionais. Ocorre que, por trás dos com- putadores, não se encontram apenas empregados que devem obediência aos comandos do empregador, e sim cidadãos, com direito fundamental à inviolabilidade de sua intimidade e privacidade. A Constituição Federal assegura tanto o direito à privacidade pessoal quanto o direito de proprie- dade do empregador sobre os instrumentos de trabalho. Enquanto não houver uma legislação específi ca a respeito do assun- to, a maneira de solucionar esse impasse é liberar o acesso à internet com base em regras claras. Dessa forma, o funcionário passa a ter ciência dos limites para a utilização da Internet. Evidentemente, nada impede que a 1597-Book.indb 90 25/3/2009 15:43:19 O T R A B A L H O É T I C O 91 empresa bloqueie sites como os citados anteriormente, inclusive os prove- dores de e-mail particular, os web-mails. Quanto ao monitoramento dos e-mails que transitam pela caixa postal profi ssional do empregado, defi nitivamente não deve ser um proce- dimento adotado por empresas que pretendem ser éticas. Utilizar instru- mentos que permitam ler o conteúdo de mensagens alheias é invasão de privacidade. A única exceção tolerável é nos casos de empregados que se encontram sob investigação interna, na busca por provas que confi rmem a suspeita de ações delituosas já detectadas. Caso seja absolutamente necessário, por questões de sobrecarga dos servidores ou outras ameaças à segurança da informação, a empresa deve, esgotadas as formas de inibição de transmissão de arquivos considerados perigosos, criar normas que indicam detalhadamente o que é permitido, tolerado e proibido. A política de acesso à internet deve prever sanções para o descumprimento das normas, inclusive demissão, mas deve ser tratada e controlada da mesma forma que as demais condutas consideradas antiéti- cas, ou seja, buscar a conscientização de cada empregado, tanto para não fazer uso indevido como para denunciar quem o faz. Regras de utilização claras favorecem um ambiente de trabalho rela- xado e confi ável, que proporciona autonomia e intimidade, evitando receio, pressão e mal-estar dos trabalhadores. 17. Preconceito Como o próprio nome já diz, preconceito nada mais é que um pré- conceito, ou seja, uma opinião formada antes de se conhecer realmente o alvo da ação que o despertou. São muitos os tipos de preconceito. Embora o mais divulgado seja o preconceito racial, é comum perceber atitudes que apontam preconceito religioso; contra mulheres (especialmente as loiras); quanto à classe social; contra os homossexuais; pessoas idosas; gestantes; estrangeiras; moradoras de outros estados ou de áreas menos nobres das cidades; pessoas muito gordas; ou, ainda, portadoras de defi ciência física ou de algumas doenças como Aids e Síndrome de Down. Todas as pessoas têm preconceitos em maior ou menor grau. A di- ferença está na capacidade de deixar que esse sentimento transborde para atitudes, machucando outras pessoas, discriminando abertamente ou de 1597-Book.indb 91 25/3/2009 15:43:19 92 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O forma camufl ada. O combate ao (próprio) preconceito é uma luta cons- tante, que precisa ser travada a cada contato, a cada nova amizade, a cada conversa, a cada decisão. O preconceito é uma herança milenar da humanidade e, provavel- mente, ainda levará muito tempo até que se consiga eliminar sua infl uência no comportamento de cada um. No desempenho das funções de comando de empresas, é necessário evitar a ocorrência da discriminação, que é o nome que se dá à conduta (ação ou omissão) que viola os direitos das pessoas com base em critérios injustifi cados e injustos, cuja origem costuma ser os diversos tipos de pre- conceitos existentes na mente humana. Em matéria publicada no Jornal PSI, do Conselho Regional de Psi- cologiade São Paulo, edição 118 de set/out de 1999, a diretora do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT), Maria Aparecida Silva Bento, declara que, “quando há homogeneidade, não há criação. O cerne da criatividade é o diverso; a uniformidade, por sua vez, é burra”. Dessa forma, ela exprime vantagens que programas de diversidade no trabalho podem trazer. Ao eliminar o preconceito, a empresa tem a oportunidade de consi- derar em suas análises e decisões as peculiaridades dos diferentes segmen- tos populacionais, o que é vantajoso tanto para as empresas quanto para os trabalhadores e consumidores. 18. Discriminação A discriminação acontece quando alguma outra característica, que não suas qualifi cações profi ssionais, afetam a forma como uma pessoa é tratada. Tratamento desigual, normalmente desfavorável, pode acontecer de muitas maneiras, além das mais conhecidas, como deixar de nomear uma pessoa por ser negra ou homossexual. Por exemplo: um jovem funcionário pode ignorar a opinião do colega mais velho por considerá-lo “ultrapassado”. Entretanto, ao agir dessa ma- neira, fi cará sujeito a cometer os mesmos equívocos ocorridos tempos atrás, que geraram prejuízos à empresa, e que agora poderiam ser evitados se o colega mais experiente tivesse sido ouvido. Ignorar a experiência adquirida por uma pessoa com mais vivência na empresa é o mesmo que desprezar a 1597-Book.indb 92 25/3/2009 15:43:19 O T R A B A L H O É T I C O 93 história da própria empresa. Além disso, à medida que a população vai se tornando cada vez mais velha, maior será o número de trabalhadores com mais de 50 ou 60 anos nas próximas décadas. As empresas estão preocupadas em vencer os desafi os da competi- tividade e da globalização. Assim, é comum verem como saída para esse problema a contratação de sangue novo, dispensando os mais velhos de casa e de idade para contratar pessoas mais jovens e mais dinâmicas para alavancar a empresa. Será que essa atitude é adequada? Talvez não. De- pendendo do número de colaboradores nessa condição, a empresa poderá perder expertise e até mesmo sua identidade. Além do que, essa forma de tratar os trabalhadores mais velhos poderá gerar insegurança entre os me- nos velhos, pois quem fi cou terá receio de que, no futuro, isso também aconteça com eles. Também não é ético discriminar uma funcionária apta a ser pro- movida, desperdiçando um talento e provocando desmotivação, apenas porque ela está grávida ou recém-casada (podendo engravidar a qualquer momento). Embora as mulheres grávidas estejam protegidas por lei no que diz respeito à manutenção do emprego, elas podem ter a ascensão na carreira prejudicada. Mesmo supondo que uma empregada com fi lhos precise dedicar mais tempo à família, será esse motivo sufi ciente para justifi car a estagnação de sua carreira? Não se pode ignorar que, entre os diferentes perfi s de empregados, existem aqueles que são mais produtivos ou menos produtivos, mais dedica- dos ou menos dedicados, mas que nem sempre o mais dedicado é o mais pro- dutivo. Do que a empresa precisa para sobreviver? De empregados mais dedi- cados, que permanecem por longos períodos nas dependências das empresas (em geral, utilizando telefone, energia, material de consumo e estendendo o horário da segurança) ou de empregados produtivos, que permanecem menos tempo na empresa, mas que alcançam resultados ainda melhores? Generalizar é quase sempre muito complicado. Evidentemente, exis- tem mulheres que engravidam e decidem privilegiar a vida familiar a partir daí, assim como existem trabalhadores mais velhos que estão desmotivados e propensos a contribuir menos para a empresa. O que não é correto é con- siderar que todas as pessoas terão a mesma reação e tratar a todas da mesma maneira apenas porque pertencem ao quadro de uma mesma empresa. Respeitar as particularidades da vida pessoal de cada empregado, analisando seu histórico e seu perfi l de forma individualizada, é um desafi o 1597-Book.indb 93 25/3/2009 15:43:19 94 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O na gestão de pessoas que tem de ser encarado com profi ssionalismo. Pre- judicar alguém por conta de um pré-julgamento com base no comporta- mento de outrem, que, coincidentemente, tinha características pessoais em comum signifi ca praticar discriminação dentro da empresa. Diversas pesquisas constatam que o salário das mulheres ainda é me- nor que o salário dos homens. Por quê? A repreensão à discriminação tem por objetivo promover igualdade de tratamento e oportunidade. E essa conduta deve nortear as relações não apenas com os empregados, mas com todos os stakeholders. A habilidade para gerir pessoas de diferentes tipos, origens e culturas deve ser valorizada dentro das empresas. Saber conviver com a diversidade demonstra fl exibilidade, além de ser qualidade essencial ao bom gerente ter respeito à individualidade. Um gerente que respeita as diferenças certa- mente estará mais propenso a ouvir opiniões, dividir decisões, administrar confl itos e ter melhor desempenho, já que, por estar aberto a considerar diferentes pontos de vista, terá mais chance de acertar em suas decisões. 19. Assédio moral Segundo defi nição encontrada no site www.assediomoral.org, assédio moral é a atitude de empregadores ou empregados hierarquicamente supe- riores que implica a “exposição de trabalhadores a situações humilhantes, constrangedoras e repetitivas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinados, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de tra- balho e a organização, forçando-o a desistir do emprego”. O assédio moral é capaz de gerar percepções pessoais que induzem a pessoa a sentir-se ofendida, menosprezada, ridicularizada, inferiorizada, envergonhada, traída, rebaixada, desvalorizada, constrangida, ultrajada e com muita raiva. É comum, e até saudável, a ocorrência de discordâncias entre colegas de trabalho. O que não é aceitável é uma forma de relacionamento pessoal que acarrete sofrimento e provoque prejuízos práticos e emocionais ao tra- balhador e à organização. 1597-Book.indb 94 25/3/2009 15:43:19 O T R A B A L H O É T I C O 95 Um efeito ainda mais pernicioso do assédio moral é que os superio- res hierárquicos deveriam servir de exemplo para os demais trabalhadores. Quando o chefe de uma equipe adota um comportamento que provoca os sentimentos citados, os demais componentes da equipe, até mesmo por medo do desemprego e da vergonha de também serem humilhados, sen- tem-se estimulados a romper os laços afetivos com a vítima. Além disso, o incentivo à competitividade faz com que os demais colegas reproduzam o comportamento do agressor, enquanto a vítima vai gradativamente se desestabilizando, fragilizando-se e “perdendo” a autoestima. Ainda segundo o mesmo site, “a humilhação repetitiva e de lon- ga duração interfere na vida do trabalhador de modo direto, comprome- tendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental. As vítimas passam a conviver com depressão, palpitações, tremores, distúrbios do sono, hipertensão, distúr- bios digestivos, dores generalizadas, alteração da libido e pensamentos ou tentativas de suicídio que confi guram um cotidiano sofrido. É este sofri- mento imposto nas relações de trabalho que revela o adoecer, pois o que adoece as pessoas é viver uma vida que não desejam, não escolheram e não suportam”. Há registros de casos em que o empregado que não atingiu as metas estipuladas ganhou da empresa um “troféu abacaxi” ou foi forçado a fazer fl exões, passando humilhações em público. Existem muitasformas de assediar moralmente um funcionário. As ações podem acontecer isoladamente ou virem embrulhadas no mesmo pacote. Uma das maneiras mais comuns de assédio moral é o aumento injustifi cado do volume de trabalho, num patamar muito acima da capacidade de produção da equipe, criando uma incapacidade de atendimento das demandas. Além disso, algumas demandas enquadradas como urgentes, quando fi nalizadas, permanecem “esquecidas” em alguma gaveta, enquanto o tra- balho realmente produtivo deixou de ser executado. O não cumprimento de prazos cria condições ao agente do assédio moral de emitir publicamente sua opinião desabonadora sobre a “incompe- tência” dos funcionários. Essa opinião costuma ser emitida em tom elevado e deselegante. Evidentemente, ele não menciona suas falhas na condução da equipe, mesmo tendo plena consciência de que o acúmulo de serviço e o erro na priorização dos trabalhos impediram a execução das demais tarefas com a qualidade e a agilidade desejadas. 1597-Book.indb 95 25/3/2009 15:43:19 96 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O Existem gestores que não têm coragem de assumir a própria incom- patibilidade no relacionamento com um bom funcionário ou se sentem ameaçados diante da competência de seu subordinado. Assim, de forma premeditada, iniciam um lento processo de “queimação” da imagem dessa pessoa, utilizando diversas “táticas”, como, por exemplo: � Reduzir a equipe ao mesmo tempo em que aumenta o volume de demandas. � Cobrar por trabalhos que não foram solicitados. � Pedir a diferentes empregados que executem o mesmo trabalho sem informá-los sobre a duplicidade de executores. � Exigir que o empregado registre fatos inverídicos, comprometendo a credibilidade e a reputação desse empregado, o que pode, inclusive, gerar dramas de consciência por prejudicar terceiros ou comprome- ter a carreira de outro empregado. � Não explicar exatamente aquilo que precisa ser feito. � Distorcer as especifi cações do trabalho a ser feito e que foi solicitado pela direção da empresa, para depois criticar o subordinado e classi- fi cá-lo de incompetente. � Não encontrar tempo para explicar ou tirar dúvidas sobre o trabalho e depois reclamar daquilo que é apresentado. � Estabelecer metas inatingíveis com o propósito de inviabilizar o bom desempenho de um profi ssional. � Exigir que um funcionário assine um documento ou apresente um trabalho cujo teor não traduz a opinião desse funcionário, mas sim a opinião do superior hierárquico. � Alterar constantemente as diretrizes ou a linha de raciocínio de um trabalho, impedindo sua fi nalização, para ter argumentos de crítica negativa contra o funcionário responsável pela execução. Trata-se de um fenômeno internacional, conforme pesquisa da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que revelou a ocorrência de as- sédio moral em países desenvolvidos como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos. No Brasil, ainda não existe uma lei federal que defenda o trabalhador vítima de assédio moral, mas há leis estaduais e municipais que tratam da questão. Entretanto, decisões emanadas pelo TST (Tribunal Superior do 1597-Book.indb 96 25/3/2009 15:43:19 O T R A B A L H O É T I C O 97 Trabalho) já criaram jurisprudência como resultado de uma série de ações judiciais do gênero movidas na Justiça do Trabalho brasileira. Ao contrário do que se possa imaginar, gestores autoritários ou inse- guros não são os únicos assediadores. O clima organizacional pode ou não favorecer o assédio moral. Já existe uma razoável bibliografi a sobre assédio moral. Nos livros pesquisados, a abordagem costuma focar o aspecto da identifi cação das ati- tudes que podem ser consideradas assédio moral e como o trabalhador que se encontra nessa situação pode reagir. Entretanto, cabe às empresas comprometidas com a ética disponi- bilizar canais internos de denúncia e reclamação a fi m de identifi car maus gestores e atuar de modo a salvaguardar os direitos dos empregados, asse- gurar a boa qualidade dos relacionamentos pessoais e do ambiente interno, além de evitar ações judiciais que, caso contrário, certamente se tornarão cada vez mais comuns. 20. Assédio sexual Assédio sexual pode ser praticado entre dois homens, entre duas mu- lheres ou entre um homem e uma mulher. Joana tinha apenas 21 anos quando conseguiu ser contratada para es- tagiar numa grande e conceituada empresa. Ela estava muito feliz, porque a função permitia aprender bastante sobre sua profi ssão e ainda oferecia a possibilidade de futura contratação. Já na segunda semana de trabalho, um dos diretores começou a lhe enviar mensagens elogiando sua beleza, suas roupas e também seu trabalho. De repente, ele começou a propor que a equipe marcasse eventos de congraçamento em restaurantes nos quais ha- via espaço para dança. Joana achava que seria uma oportunidade de se en- trosar mais rapidamente com a equipe e que poderia passar por antipática caso não comparecesse. O diretor deu um jeito de se sentar a seu lado no restaurante e passou a noite inteira cercando Joana, chamando-a, inclusive, para dançar. No dia seguinte, o diretor enviou um lindo buquê de rosas vermelhas para a casa de Joana. Difícil foi explicar a situação a seus pais e a seu namo- rado. Por mais que ela tentasse ignorar as cantadas, o assédio foi fi cando cada vez mais intenso. Até que Joana não suportou e um dia, no meio da 1597-Book.indb 97 25/3/2009 15:43:19 98 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O tarde, foi chorar escondida no banheiro da empresa. Sua chefe já havia per- cebido o interesse do diretor por Joana e, ao vê-la chorando no banheiro, pressionou para que ela se abrisse. Apesar do medo de perder o emprego, Joana contou tudo à chefe. Dessa forma, Joana conseguiu resolver a situa- ção, porque a chefe adotou a conduta correta de “comentar” com o diretor sobre as consequências previstas no código de ética da empresa para casos de assédio sexual, que previa até mesmo demissão, e que era melhor evitar que casos desse tipo chegassem formalmente ao setor de RH. Foi o sufi - ciente. O diretor deixou Joana em paz, e ela pôde continuar na empresa. Quando a questão envolve o chefe imediato, a situação se complica, prin- cipalmente se a empresa não oferece canais de denúncia. Desde maio de 2001, o assédio sexual passou a ser crime que prevê detenção de um a dois anos. No Brasil, a lei diz que se caracteriza como assédio sexual: “Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de supe- rior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.” (Art. 216-A do Código Penal). Nem sempre é fácil distinguir a linha divisória entre o que é as- sédio sexual e uma simples “cantada”. A cantada vira assédio quando a resposta for “não” e o outro insiste em continuar com as cantadas e in- sinuações. Dessa maneira, o assédio caracteriza-se pela atenção sexual não correspondida. O ambiente de trabalho vai fi cando opressor, hostil e intimidador. Também são condutas indesejáveis: olhares insinuantes, ta- pinhas suaves, frases de duplo sentido, insistência ou pressão para aceitar convites. As vítimas de assédio sexual são majoritariamente as mulheres, mas há exceções. A noção acerca do que é assédio sexual só fi cou clara após a década de 1960 e a Revolução Sexual, quando mais mulheres entraram no merca- do de trabalho. A própria expressão “assédio sexual” só foi criada na década de 1970, por pesquisadoras da Universidade de Cornell, que, ao analisarem as rela- ções de gênero nos locais de trabalho, perceberam a necessidade de criar uma expressão que sintetizasse a conduta de um superior hierárquico com conotação sexual, mas que, de fato, constituía exercício de poder. É importante frisar que assédio sexual é sempre uma conduta inde-sejada por parte do assediado. Um interesse amoroso correspondido não é, de forma alguma, assédio sexual. 1597-Book.indb 98 25/3/2009 15:43:19 O T R A B A L H O É T I C O 99 Algumas empresas, na tentativa de evitar queixas por assédio sexual, estão proibindo namoros entre empregados. Algumas proíbem todo e qualquer namoro; outras, apenas os relacionamentos entre pessoas com vínculo hierárquico, e há ainda as que o permitem, desde que os emprega- dos comuniquem o início da relação aos superiores. Entretanto, esse tipo de norma segue na contramão da natureza humana de manter relaciona- mentos. O ambiente de trabalho, por força da convivência, permite que se descubram afi nidades além do campo profi ssional, acabando por ser um lugar que gera casamentos. Proibir esses relacionamentos saudáveis não os fará desaparecer; apenas vai transferi-los para a clandestinidade. O combate ao assédio sexual faz-se, primeiramente, dando ciência aos empregados de que comportamentos desse tipo não serão admitidos e garantindo-se que eventuais casos serão averiguados e solucionados. Assédio sexual é tema que apresenta uma realidade crítica na qual o medo se instala: as mulheres temem ser assediadas e os homens temem ser acusados. As vítimas e testemunhas temem ser demitidas e as empresas temem as indenizações por danos morais e os escândalos. Trata-se de uma modalidade de violência que pode gerar vários tipos de sofrimentos físicos e psíquicos às vítimas, tais como: depressão, crises de choro, problemas de memória, abatimento, irritabilidade, isolamento, per- da de confi ança e autoestima, náuseas, difi culdades de dormir, crises de suor, tremores, difi culdades de respiração, pânico etc. 21. Relacionamentos pessoais inconsequentes Este é um assunto ainda pouco abordado, mas que também causa problemas relacionados à ética. Ocorre quando uma abordagem romântica acontece entre colegas, vinculados hierarquicamente ou não, e surge um relacionamento mais duradouro. Como em todos os romances, nos primeiros tempos a paixão inebria os amantes, que fi cam felizes por estarem juntos no ambiente de trabalho. As consequências indesejáveis podem acontecer quando a relação entra em crise ou termina. O fi m de uma relação amorosa não costuma ser um fato pelo qual as pessoas passam com facilidade. Dependendo do nível de envolvimento, do perfi l das pessoas e dos motivos que levaram ao término daquela relação, a empresa está sujeita a servir de palco a cenas 1597-Book.indb 99 25/3/2009 15:43:19 100 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O desagradáveis, escândalos, ameaças, provocações e retaliações de ambas as partes. Carla – mulher muito bonita, casada e com uma fi lha de 11 anos – foi contratada por um grande escritório de contabilidade. Era seu pri- meiro emprego e, tão logo começou a trabalhar, interessou-se por Walter, um homem atraente e casado. Carla demonstrava claramente sua enorme simpatia por ele e o provocava com sorrisos e insinuações que beiravam a vulgaridade. O assédio foi tanto que Walter não resistiu e iniciou uma relação ex- traconjugal com Carla. Poucos meses depois, Carla separou-se do marido e começou a cobrar de Walter que ele deixasse sua esposa para viver com ela, o que, nem de longe, passava pelos planos dele. Por causa da pressão de Carla, Walter decidiu terminar com aquele romance, mas ela não aceitou a decisão. Romances costumam acabar de forma traumática para uma das partes, e o caso entre Carla e Walter não foi diferente. Para complicar ainda mais a situação, poucos dias depois, Carla des- cobriu que estava grávida de Walter. Ela sabia que Walter e a esposa haviam feito vários tratamentos para ter fi lhos, porém todos em vão. Carla pensou que sua gravidez seria o golpe fi nal que destruiria aquele casamento, pois imaginava que Walter fi caria muito feliz ao saber que fi nalmente seria pai. Entretanto, Walter se desesperou com a notícia, não aceitou a paternidade, alegando dúvidas quanto ao comportamento vulgar apresentado por Carla. Dizia que só reconheceria a paternidade mediante exame de DNA. Afi rma- va estar muito arrependido e empenhado em salvar o próprio casamento. O relacionamento dos dois, com brigas e discussões constantes, afetou todo o ambiente do escritório. A vida pessoal dos dois entrou em crise, envolvendo cônjuges e familiares. A convivência entre eles tornou-se impraticável. O caso acabou sendo levado ao setor de RH, que decidiu pela demis- são de Walter, já que a lei protegia Carla por estar grávida, mas, passado o tempo legal, que exigia sua permanência na empresa, ela também perdeu o emprego. Não existem formas de evitar ocorrências envolvendo relacionamen- tos amorosos entre empregados. No entanto, é importante que, quando essas situações acontecerem, a empresa saiba agir de forma a demonstrar o que não será tolerado. É preciso dar exemplos sobre as consequências de condutas não éticas, ainda que não diretamente relacionadas com os negó- cios da empresa. 1597-Book.indb 100 25/3/2009 15:43:20 O T R A B A L H O É T I C O 101 O mesmo exemplo se estende aos outros tipos de relacionamen- to, sejam eles pessoais ou comerciais, com clientes, fornecedores e outros stakeholders que venham a ferir os preceitos morais e éticos. 22. Fraudes, corrupção e roubo São os tipos de conduta não apenas antiética, mas também crimi- nosa, que já recebem atenção das empresas há bastante tempo, por isso não serão abordados em detalhes neste livro. Um parceiro que encontra um caminho para burlar normas e procedimentos contábeis com objetivos escusos e que visam unicamente aumentar seus rendimentos pessoais não merece confi ança, nem mesmo uma segunda oportunidade. Não obstante, mesmo diante de evidências que comprovam que a pessoa agiu desonestamente, é preciso apurar todos os fatos que envolvem cada ocorrência. Não se trata de tolerar casos de fraudes, falsifi cações, roubos ou acor- dos escusos. A apuração precisa ser conduzida com o devido cuidado para identifi car quem realmente está envolvido. Sandro trabalhava, havia alguns anos, como técnico em um grande laboratório que utilizava morfi na na composição de um de seus produtos. Era um empregado que desenvolvia suas atividades com correção e que nunca havia cometido qualquer deslize. Um dia, a área de controle de matéria-prima identifi cou pequenas diferenças no estoque de morfi na e abriu um processo de investigação para descobrir quem estava roubando a droga de uso restrito e que podia ser vendida para trafi cantes por um bom valor. Sandro foi identifi cado como autor do crime. O intrigante: o roubo não era de grandes quantidades, levando a crer que não se tratava de co- mércio de drogas, mas sim para consumo próprio. Quando o caso chegou ao conhecimento dos colegas de Sandro, todos fi caram absolutamente sur- presos, pois ele não aparentava qualquer sinal que demonstrasse tratar-se de um viciado em drogas. Todos o conheciam por ser um homem solteiro, que morava com a mãe e a quem dedicava total atenção. Quando Sandro foi interrogado, sob uma crise nervosa, contou que a mãe sofria de uma grave doença e que apenas a morfi na, receitada pelo médico, tinha poder anestésico sufi ciente para aliviar o sofrimento causa- 1597-Book.indb 101 25/3/2009 15:43:20 102 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O do pelas dores intensas. Como não dispunha de recursos para comprar o remédio, Sandro passou a pegar pequenas quantidades da droga, apenas para atender à necessidade da mãe doente. A mãe de Sandro, em estado terminal, por estar desenganada, não estava mais internada em um hospi- tal; esperava a morte chegar em casa. Sandro não foi demitido, e a empresa passou a fornecer a morfi na necessária até o dia em que a mãe de Sandro veio a falecer. Claro que, difi cilmente, os investigadores encontram casos como-ventes como o de Sandro quando apuram ocorrências de roubo. A reali- dade é mais cinzenta e, em geral, o que se apura é que a pessoa envolvida estava motivada tão-somente pela ganância. Ainda assim, é importante que a investigação seja sempre minuciosa, porque o custo de uma injustiça é alto demais para ser pago tanto pelo injustiçado como por quem, por displicência, a comete. 23. Vaidade Não é à toa que a vaidade é considerada um dos sete pecados capi- tais pela Igreja Católica. A vaidade está presente no perfi l de muitos pro- fi ssionais talentosos que trilham belas carreiras, que são comprometidos, criativos, ousados, têm credibilidade, dedicam-se intensamente a cumprir desafi os e conseguem o reconhecimento de seus superiores. Os casos de sucesso reconhecido começam a provocar no até então excelente profi ssional a sensação de ser uma pessoa especial, diferente e superior às demais. Seu histórico demonstra que ele está mesmo acima da média e por isso é promovido e alcança posição de grande poder. É nesse momento que a própria vaidade pode começar a criar armadilhas. Alguns desses excelentes profi ssionais se tornam tão arrogantes que passam a tratar todos os demais como se fossem “menos”. Em sua opinião, ninguém é capaz de ter uma ideia mais brilhante do que ele, ninguém está mais habilitado a apresentar alguma solução mais gabaritada do que ele. Pensa que ninguém tem competência sufi ciente para apresentar uma proposta melhor do que as que são criadas por ele mesmo. Todos, exceto seus superiores, deixam de ter importância sufi ciente para serem ouvidos. Ele assume o papel de “dono da verdade”, briga para impor suas opiniões e jamais se interessa em analisar uma posição contrária. 1597-Book.indb 102 25/3/2009 15:43:20 O T R A B A L H O É T I C O 103 Outra atitude comum aos vaidosos é o desejo de deixar sua marca por meio de um grande projeto que permaneça na história da empresa como tendo sido o ponto de partida de um novo momento. Um caso de sucesso para fi car na história. Os ídolos dos vaidosos e modelos máximos a serem imitados são gênios como: Henry Ford (fordismo), Frederick Taylor (taylorismo), Jack Welch, da General Electric, entre outros grandes nomes da história em- presarial mundial. Para deixar sua “marca” na história da empresa, o vaidoso passa por cima de estudos que revelam inadequação na relação custo versus benefício ou na relação de prioridade dos projetos, para optar por um que lhe pro- porcione maior visibilidade. Seus interesses de autopromoção passam a ser mais importantes do que os interesses negociais da empresa. A necessidade de provocar admiração nos demais colegas pode tor- nar-se obsessiva. Assim, essas pessoas passam a não querer dividir o mérito, gostam de estar sempre em evidência e costumam adquirir o mau hábito de se apropriarem de bons trabalhos executados pelos subordinados, im- pactando negativamente tanto no crescimento de profi ssionais que buscam reconhecimento como no ambiente de trabalho da equipe. Com certeza, os grandes ícones da gestão empresarial, tidos como ídolos pelos vaidosos, não agiam com irresponsabilidade na busca de re- sultados; caso contrário, não teriam obtido tanto sucesso e, provavelmente, seus feitos não teriam se tornado históricos. Outra motivação para esse fenômeno é a pressão por resultados sobre os maiores executivos das grandes empresas. No mundo dos negócios, o executivo que ocupa o cargo máximo e apresenta bons balanços é glorifi - cado e visto como um vencedor, podendo ser considerado uma verdadeira lenda, a exemplo dos nomes citados. Para adaptar sua biografi a a esse conto de fadas, alguns caem na tentação de esconder os prejuízos por meio da maquiagem de dados. Quando são fl agrados, seu destino deveria ser a ca- deia, mas no Brasil fi cam apenas com a reputação comprometida. Uma característica comum aos profi ssionais que se deixam sedu- zir pela vaidade é a disputa para ter o maior número de pessoas em suas respectivas equipes; fazem questão de ocupar a maior sala e ter a melhor estrutura à sua disposição. Tudo o que for símbolo de status passa a ter mais importância. Tudo o que representa poder é motivo de preocupação e eventuais disputas internas. Aos poucos, a vaidade pode cegar tanto que o 1597-Book.indb 103 25/3/2009 15:43:20 104 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O profi ssional não percebe quando começa a fi car isolado ou quando apenas os interesseiros permanecem a seu lado. Paralelamente, por estarem ine- briados pelo sucesso, perdem a motivação para apresentar novos projetos da própria autoria e deixam de se preocupar com a busca de soluções cria- tivas. Afi nal, pensam eles, tem gente sendo paga para fazer isso. Entendem que já demonstraram o quanto são indispensáveis e por isso não precisam mais dedicar a mesma atenção aos problemas da empresa. Em muitas organizações, existem projetos cuja aprovação leva anos, devido a diferentes posicionamentos que surgem dentro da própria direto- ria da empresa. Opiniões divergentes podem impedir a aprovação de mu- danças no posicionamento de mercado da empresa ou na diversifi cação da linha de produtos, ou ainda no modelo de atendimento. Impossível determinar se uma decisão estratégica de mudança é cor- reta ou não, já que cada caso é um caso. Não obstante, é comum que proje- tos polêmicos fi quem congelados até que, por qualquer razão, voltem a ser pautados tempos depois. A situação se complica quando, ao retomar um projeto que estava parado, a vaidade do novo gestor o impede de considerar os levantamentos e as propostas apresentadas na versão anterior. Com o objetivo de receber todo o crédito do “novo” projeto, o vaidoso opta por começar do zero e des- perdiçar o alto custo do trabalho realizado anteriormente. Mesmo sabendo que o custo de elaboração do projeto incluiu despesas com pesquisas, en- trevistas, reuniões entre equipes de diferentes áreas e de diferentes regiões do país ou até mesmo do mundo, o vaidoso não sente culpa em voltar a realizar despesas semelhantes. Evidentemente, um projeto que esteve parado por muito tempo pre- cisa ser atualizado, mas ignorar a totalidade do que foi feito anteriormen- te é uma atitude que pode causar prejuízos à empresa, deixando o novo projeto sujeito a erros provocados pela perda de informações e propostas preciosas que constavam da versão anterior. Com o tempo, o profi ssional que adota o comportamento vaidoso vai minando sua reputação, e o que era admiração se transforma em res- sentimento de colegas em todos os níveis hierárquicos. Seus subordinados começam a deixar de confi ar nele porque temem não receber o reconheci- mento esperado. Seus pares começam a se incomodar com tanta arrogância e falta de fl exibilidade para negociar. O resultado de tantos confl itos acaba repercutindo na produtividade da empresa. 1597-Book.indb 104 25/3/2009 15:43:20 O T R A B A L H O É T I C O 105 Importante salientar que um profi ssional vaidoso provavelmente não apresenta, ao mesmo tempo, todas essas características, mas certamente acumula algumas. Punir um empregado por causa de sua excessiva vaidade pode pare- cer uma proposta insólita. Além disso, é pouco provável que surjam denún- cias sobre um comportamento que não é desonesto, mas sim antiético. O ideal seria que o dono ou o presidente, o gerente ou seja lá qual for o cargo com poder de decisão prestasse atenção nas atitudes e na forma como se comportam os executivos a ele subordinados, para poder atuar e neutralizar os danos causados pela vaidade. Entretanto, se a empresa for sufi cientemente aberta ao diálogo e se os empregados souberem que existe um canal de comunicação, pessoal ou não, no qual suas queixas e angústias podem ser expressas ou até mesmo debatidas, em pouco tempo as reclamações sobre as atitudes de executivos com vaidade exacerbada surgirãoem número sufi ciente para caracterizar que algo precisa ser feito. 1597-Book.indb 105 25/3/2009 15:43:20 C A P Í T U L O 8 Os alicerces da conduta ética 1. Credibilidade Os recentes escândalos envolvendo grandes corporações afetaram ne- gativamente a credibilidade do setor empresarial como um todo. Credibilidade é algo que se constrói lentamente ao longo dos anos. É formada pelas ações praticadas, pelas palavras honradas, pela coerência das posições assumidas e pelo cumprimento dos compromissos. Credibilidade é o resultado da soma dos detalhes do comportamento de uma pessoa ou de uma empresa; baseia-se fundamentalmente nas ações, e não no discur- so. Com palavras, é possível até se conquistar a confi ança de alguém por algum tempo, mas, se não houver consistência entre o que é dito e o que se percebe nas atitudes, a confi ança se quebra. E, uma vez quebrada, é muito difícil (ou até impossível) recuperá-la. A transparência e a franqueza são pilares essenciais da credibilidade. Todo esforço de comunicação é perdido, ou, pior ainda, torna-se contrapro- ducente se o conteúdo não estiver sustentado em fatos e dados reais. Palavras manipuladas tornam-se vazias e provocam nos receptores a sensação de des- crédito e desprezo, quando não de aversão pela informação enganosa. Essa percepção, repetindo-se em doses homeopáticas, acaba por gerar um senti- mento que pode reverter em perdas comerciais e fi nanceiras signifi cativas. 1597-Book.indb 107 25/3/2009 15:43:20 108 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O Assim, uma empresa que busca ter credibilidade no mercado, precisa estar atenta à credibilidade de seus representantes. Da mesma forma, pro- fi ssionais gabaritados que se preocupam com sua reputação estão evitando trabalhar em empresas em que não há evidências de atuação voltada para a ética, pois são empresas sujeitas a serem foco de escândalos que podem comprometer suas carreiras. Credibilidade tem relação direta com a ética no trabalho porque essa é uma das características condicionantes que diferenciam a carreira de um bom profi ssional. Uma empresa com funcionários que não se preocupam em conquistar credibilidade junto aos stakeholders terá grandes difi culdades de fazer negócios com empresas e clientes que preferem manter relaciona- mento empresas confi áveis. Promessas e prazos não cumpridos, fornecimento de informações erradas ou omissão daquelas consideradas “inconvenientes”, pagamentos atrasados, não cumprimento de garantias ou de cláusulas contratuais, além da falta de compromisso com a qualidade dos produtos, serviços e aten- dimento, é o caminho mais curto para a criação de uma imagem de não credibilidade. O mesmo ocorre nas relações entre os empregados dentro da empresa. Empregados que conseguem conquistar a confi ança de seus colegas em todos os níveis da hierarquia têm uma grande vantagem. Ninguém está livre, de uma hora para outra, de se ver envolvido em alguma ocorrência questionável, até porque todo profi ssional que realmente trabalha está sujeito a cometer er- ros involuntários, que podem ser vistos como suspeitos. Ninguém é infalível. No entanto, se o tropeço acontece com uma pessoa que não semeou ou que não teve tempo sufi ciente para ver germinar a imagem de confi abilidade, fi ca muito mais complicado provar a própria inocência ou fazer com que todos acreditem que se trata de um caso de erro involuntário. Orlando era gerente de compras de uma rede de supermercados re- gional há mais de 15 anos. Sua reputação era ilibada, e todos que o conhe- ciam confi avam em sua honestidade e palavra. Orlando não era um homem expansivo; pelo contrário, era bastante seletivo em seus relacionamentos pessoais. Apesar disso, fez amizade com um empresário, dono de uma em- presa que negociava produtos importados, inclusive bebidas, e que era um dos principais fornecedores da rede de supermercados em que Orlando trabalhava. As pessoas mais próximas a Orlando, inclusive seu chefe – o diretor de compras –, sabiam daquela amizade. 1597-Book.indb 108 25/3/2009 15:43:20 O S A L I C E R C E S D A C O N D U TA É T I C A 109 Foi próximo à época das festas de fi nal de ano que o escândalo acon- teceu. O amigo de Orlando foi preso por contrabando e falsifi cação de bebidas. Descobriu-se, então, que, por baixo da fachada de empresa ho- nesta, havia uma atuação ilegal que misturava produtos falsifi cados entre os verdadeiramente importados. O escândalo não chegou a comprometer a imagem da rede de super- mercados, porque o público da região não soube que se tratava do fornece- dor de bebidas da rede, mas a atuação de Orlando foi colocada em xeque. Na condição de amigo do empresário desonesto, ele não sabia que havia algo errado acontecendo naquela empresa? Como pôde arriscar a credibili- dade da rede de supermercados ao permitir a venda de bebidas falsifi cadas? Teria ele levado alguma vantagem em manter aquele fornecedor? Orlando procurou seus superiores e a equipe para dar as devidas ex- plicações, assegurando que nada sabia e que desconhecia as atividades cri- minosas do amigo. Ofereceu a quebra de seu sigilo bancário, assim como a divulgação de sua Declaração de Imposto de Renda para provar que todos os seus rendimentos tinham origem comprovada. Nada disso foi necessá- rio. A reputação de Orlando foi sufi ciente para que todos acreditassem em sua inocência e condição de vítima do empresário criminoso. Outro fator-chave para manter a credibilidade é saber discernir com clareza uma situação que envolve confl ito de interesses. Embora esse tema já tenha sido abordado anteriormente, é importante frisar que um pequeno deslize, dependendo da repercussão, pode comprometer a reputação e o nível de confi ança conquistado ao longo da carreira. Mesmo que sejam ati- tudes desprovidas de maldade ou de segundas intenções, o estrago causado quando surgem questionamentos que colocam sob suspeita as decisões de um profi ssional pode ser irrecuperável. Outra máxima que não deve ser esquecida é a que diz: “A verdade sempre aparece.” Pequenas e impensadas mentiras podem comprometer a credibilidade de um profi ssional. Depois de uma bela carreira construída durante seus quase 20 anos de empresa, Mila havia sido designada para assumir a representação de um escritório da empresa no exterior. Era um mercado desconhecido que precisava ser prospectado para ter suas reais necessidades identifi cadas e trabalhadas. Mila era amiga de Rosane e, quando as duas se encontraram, ela comentou que estava muito preocupada com seu futuro profi ssional, por- 1597-Book.indb 109 25/3/2009 15:43:20 110 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O que a situação do novo escritório não estava nada boa. O levantamento de mercado local que vinha desenvolvendo sinalizava que não havia potencial de negócios naquele país que justifi casse a manutenção do escritório. A cultura do outro país, as implicações legais e, principalmente, a atuação da concorrência faziam-na crer que seria pouco provável a continuidade da existência do escritório no exterior. Mila apostara tudo naquele desafi o e estava muito insegura. Não queria retornar ao Brasil com a sensação de derrota, mesmo que, comprovadamente, o insucesso fosse causado por questões alheias a seu poder de atuação. Na mesma semana, Mila encontrou-se com um diretor da empresa, que também perguntou como andavam as coisas no novo escritório. Sua resposta foi totalmente diferente. Sua visão era absolutamente favorável e otimista, garantindo ao diretor que, em pouco tempo, os resultados come- çariam a aparecer. Mila estava, na verdade, preocupada com a possibilidade de acelerar a decisão da empresa no sentido de encerrar as atividades do escritório no exterior se admitisse que as coisas não estavam acontecendo conforme o planejado. Ela também temia que, voltando aseu país, pudesse ser demitida ou perdesse as vantagens salariais advindas de sua transferên- cia para o exterior. Rosane fi cou preocupada com o desabafo de Mila e comentou com sua amiga Lívia, esposa do diretor, a respeito das impressões que Mila lhe passara e sobre como temia ter de retornar sob uma aura de fracasso. Rosa- ne não imaginou que, ao encontrar casualmente com o diretor, Mila dera uma resposta tão diferente sobre o mesmo assunto. É claro que Lívia, a amiga de Rosane, comentou com o marido so- bre os problemas que estavam acontecendo no novo escritório. O diretor fi cou muito surpreso, porque a informação que havia recebido de Mila era totalmente oposta. Mila, além de não evitar o fechamento do escritório, destruiu sua credibilidade, porque não foi corajosa o sufi ciente para assumir a verdade perante seu superior e teve a falta de sorte de sua amiga comentar o caso justamente com a esposa do diretor. Não houve maldade por parte de Ro- sane nem de Lívia, apenas coincidência e falta de sorte de Mila. Vale lembrar que todo profi ssional talentoso que deseja uma carreira de sucesso precisa ter, além de empenho, muita sorte. Uma mentirinha, combinada com um pouco de falta de sorte, tem o poder de liquidar com uma reputação construída ao longo de anos. 1597-Book.indb 110 25/3/2009 15:43:20 O S A L I C E R C E S D A C O N D U TA É T I C A 111 O maior agravante da mentira é que, quando se percebe que alguém está mentindo, logo vem a seguinte pergunta: no que mais será que ela mentiu? Além disso, a pessoa que ouviu a mentira, quando descobre a ver- dade, sente-se ludibriada, enganada e ofendida; afi nal, usando de boa-fé, acreditou em uma pessoa que mentiu sabendo que a verdade poderia apa- recer mais cedo ou mais tarde. O ato de mentir é uma ofensa à inteligência do interlocutor. A famosa frase do propagandista-chefe do nazismo, Joseph Goeb- bels, segundo a qual uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade, continua fazendo escola, principalmente na política. Mas o tempo de du- ração da verdade fabricada está diminuindo. A evolução dos canais de co- municação e o aprimoramento dos instrumentos de controle e vigilância reduziram sensivelmente as chances de sucesso de mentiras ditas sem um minucioso planejamento prévio. Portanto, quando, por alguma razão de força maior ou quando for absolutamente necessário, surgir a necessidade de mentir, é muito importante ter o mínimo de respeito por quem vai rece- ber a informação inverídica, para evitar deixar buracos por onde a verdade possa aparecer. Isso é muito difícil, mas não impossível. A verdade é coerente e permanente. O tempo passa; tudo muda, mas não a verdade. Essa permanece imutável. Fica registrada na memória e pode ser contada e recontada inúmeras vezes, sempre da mesma forma ou com pequenas variações que não alteram o contexto. Outra vantagem de quem semeia a própria credibilidade é a maior fa- cilidade com que consegue fazer negócios, fechar acordos e ser indicado para novos clientes. Credibilidade é um bem que não está à venda, mas tem um valor imensurável e o poder de determinar o sucesso ou o fracasso de alguém. 2. Humildade A humildade é exatamente o oposto da vaidade. Ninguém pode ser tachado de antiético por ser humilde, mas é importante abordar o tema para clarifi car e desmistifi car a humildade como uma característica impró- pria ou que signifi que fraqueza de personalidade. É preciso chamar a atenção sobre a diferença entre humildade e hu- milhação, rebaixamento ou submissão. É possível ser pobre e fracassado 1597-Book.indb 111 25/3/2009 15:43:20 112 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O sem ser humilde. Por outro lado, é possível ser bem-sucedido, rico e, ao mesmo tempo, humilde. Sem desmerecer o grande trabalho desenvolvido por Taylor e Ford, que fi caram pessoalmente famosos por suas atuações à frente das empresas que comandavam, podemos destacar o exemplo de humildade dos profi ssio- nais que criaram o Sistema Toyota de Produção. Nenhum deles fi cou mais famoso que os demais; apenas um destaque um pouco maior para Taiichi Ohno, o engenheiro que, em visita às fábricas de automóveis dos Estados Unidos, identifi cou as defi ciências ou as características da indústria auto- motiva americana que precisariam ser revistas para a realidade da Toyota após a Segunda Guerra Mundial. A equipe da Toyota criou ferramentas administrativas como o Kan- ban,1 os 5 S,2 o Just in Time3 e o Kaizen,4 responsáveis por uma revolução não apenas na indústria automotiva, mas também em todos os segmentos empresariais do mundo inteiro. Em conjunto, sem qualquer intenção de autopromoção, a equipe daquela época criou um sistema inovador de gestão que se converteu em fenômeno único. Hoje, apesar de as informações estarem disponíveis há alguns anos, nenhuma outra montadora conseguiu igualar-se ao desempenho da Toyo- ta. Só agora montadoras coreanas estão chegando perto. De início, houve uma leitura equivocada do modelo Toyota. Su- pôs-se ser apenas um modelo de produção – uma maneira mais rápida e racional de fabricar automóveis. Era mais que isso. Envolvia relacio- namento com revendedores, planejamento de design e um misto de de- mocracia e comando. Cada plano é discutido em vários escalões. Cada escalão modifi ca o que tiver de ser modifi cado. O último a dar a palavra 1Kanban: Organiza e controla a sequência de produção de acordo com os princípios do Just In Time. 25S: Sigla formada pelas iniciais de cinco palavras japonesas. Seiri (Senso de Utilização), Seiton (Senso de Ordenação), Seisou (Senso de Limpeza), Seiketsu (Senso de Saúde) e Shit- suke (Senso de Autodisciplina). 3Just in Time: Modelo industrial que objetiva produzir os materiais necessários na quanti- dade necessária e no momento necessário, reduzindo o custo de manutenção de estoques e acelerando o giro do capital produtivo. 4Kaizen: Resumidamente, signifi ca melhoria contínua. 1597-Book.indb 112 25/3/2009 15:43:21 O S A L I C E R C E S D A C O N D U TA É T I C A 113 é o presidente. Depois, é gerado um documento, com a assinatura de todos os integrantes dos grupos de discussões. A partir daí, torna-se lei. Um dos grandes desafi os de quem tenta implantar o sistema Toyota é impregnar a cultura interna da fábrica. De 1990 a 1995, a Mercedes con- tratou uma consultoria de ex-diretores da Toyota. Sua fábrica do ABC se tornou uma das melhores do mundo. Depois, os consultores foram embo- ra, e levaram consigo o conhecimento e a determinação na manutenção das práticas implantadas. O modelo Toyota não é uma caixa-preta, mas exige total mudança na cultura da empresa. Antônio Rodriguez Lopes, em entrevista publicada no livro Ética na vida das empresas, de Maria do Carmo Whitaker, defi niu como caracterís- ticas dos líderes humildes: 1. Está aberto a novos paradigmas. 2. Deseja aprender de outros, aceita suas limitações e busca o apoio de outras pessoas. 3. Reconhece e corrige os próprios erros. 4. Aceita críticas. 5. Aceita o fracasso com pragmatismo. 6. Aceita o êxito com simplicidade e divide o mérito com seus colaboradores. 7. Pede conselho. 8. Forma outras pessoas para que possam fazer as coisas melhor que ele. 9. Respeita as outras pessoas. 10. Deseja servir. 11. Evita ser a estrela. 12. Compartilha os reconhecimentos. 13. Resiste à adulação. 14. Evita a autocomplacência. 15. Sabe o momento de ser austero e econômico. Em 2002, Jim Collins publicou Level 5 Leadership, um de seus su- cessos editoriais, no qual relata que descobriu, por meio de pesquisa, que as empresas que tiveram o maior êxito sustentado por décadas, depois de uma profunda transformação, tinham em comum que seus líderes eram 1597-Book.indb 113 25/3/2009 15:43:21 114 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O extraordinariamente humildes. Ele destaca que essanão era a principal ca- racterística dos entrevistados, mas era comum a todos eles. Humildade é, portanto, virtude de quem tem uma correta perspec- tiva de si mesmo em relação ao mundo que o rodeia. Quanto menor for o grau de humildade de um profi ssional, por mais talentoso que seja, mais difícil será a manutenção do êxito em suas atividades profi ssionais. 3. Transparência e coragem A transparência está visceralmente associada à criação da percepção de confi ança e credibilidade. Ao contrário do que se apregoava tempos atrás, quando a máxima dizia que o “o segredo é a alma do negócio” (ainda válida apenas no que se refere às inovações), percebe-se agora que a fórmula que abre o caminho da viabilidade e perpetuidade dos negócios é a transparência nas informações e na conduta dos ocupantes de cargos de todos os níveis hierárquicos. O discurso interno sobre a situação da empresa, que até bem pouco tempo costumava destacar apenas as qualidades e os resultados positivos, geralmente autoelogioso, varria as mazelas para baixo do tapete. Dessa for- ma, o discurso fi cava descolado da prática da “vida real” percebida não apenas pelos empregados, mas também por todos os stakeholders. A mudança no conteúdo da mensagem empresarial vem sendo per- cebida nos últimos tempos, embora apenas as melhores empresas estejam efetivamente em busca da transparência. Empresas transparentes, portanto éticas, passaram a falar também sobre o que não deu tão certo, sobre os problemas não resolvidos ou sobre as necessidades não atendidas. A trans- parência na comunicação, com a divulgação do que não vai bem, permite que as pessoas se sintam incluídas e possam participar da busca de ideias e soluções. A transparência está se tornando fator-chave nas mensagens enviadas a todos os públicos. A adoção da transparência de procedimentos pela empresa é atitude fundamental para o desenvolvimento da conduta ética por parte das pes- soas que integram as equipes e que formam a empresa. O trabalho entre pessoas que não confi am umas nas outras é des- gastante e contraproducente. Informações deixam de ser compartilhadas e impedem que mais pessoas possam contribuir. 1597-Book.indb 114 25/3/2009 15:43:21 O S A L I C E R C E S D A C O N D U TA É T I C A 115 Para ser transparente, é preciso ter coragem. Coragem para se expor, coragem para assumir erros, coragem para admitir que não se consegue resolver tudo sozinho e, acima de tudo, cora- gem para agir e reagir diante de situações delicadas inerentes ao relaciona- mento entre pessoas. Dizer a verdade é uma tarefa que pode ser árdua e desgastante. Claro que existem verdades que não precisam ser ditas porque não alteram nem contribuem para o trabalho, e só servem para agredir quem as ouve. Um bom exemplo é aquele empregado que, sem ser consultado, acha-se no direito de emitir opiniões sobre a vida pessoal do outro: “Você devia largar esse(a) marido/esposa” ou “Você engordou demais; devia fazer exercícios e dieta”. Nesse caso, não se trata de ser ou não sincero, mas de ser ou não educado. A verdade que precisa ser dita é aquela que, mesmo falada em tom de crítica, serve para construir, e não para diminuir. A verdade, quando dita com respeito e no tom adequado, pode até não ser bem recebida num primeiro momento, mas tem boa chance de contribuir para o crescimento profi ssional e pessoal do outro. Um empregado que abusa no descumprimento do horário, que não cumpre prazos, que comete muitos erros em seu trabalho ou que não aten- de aos clientes com a necessária atenção precisa ser advertido pela chefi a. Isso também é transparência. A crítica apoiada em fatos reais difi cilmente é contestada. O feedback honesto e respeitoso, quando feito no momento oportuno, contribui para fomentar a confi ança entre chefe e subordinado. Além disso, a equipe aca- ba por perceber a atuação justa do chefe e passa a confi ar cada vez mais em suas recomendações. Um dos segredos do sucesso na gestão de pessoas é reconhecer a forma correta de dizer o que precisa ser dito. A regra geral diz que o ideal é tratar os demais como gostaríamos de ser tratados. Suscetibilidades pessoais à parte, é perfeitamente possível chamar a atenção de alguém sem brigar, falando com a sincera preocupação de saber se está sendo corretamente compreendido e usar de toda calma e educação possíveis. Evidentemente, algumas pessoas não vão aceitar ou entender, concordar ou respeitar a crítica recebida, mas o importante é que o gestor cumpriu seu papel, assumiu o ônus da função gerencial exercendo a liderança com a responsabilidade da consciência crítica. Mesmo com um ou outro caso de feedback mal recebido, de forma geral, a equipe saberá 1597-Book.indb 115 25/3/2009 15:43:21 116 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O reconhecer a liderança quando as responsabilidades são devidamente assu- midas e tratadas com coerência e justiça. Por outro lado, o gestor que não assume seu papel de líder e é omis- so permite que o ambiente se deteriore diante de sua falta de atuação no sentido de esclarecer o comportamento que se espera da equipe e qual o caminho a ser seguido. 4. O exemplo vem de cima Em entrevista à revista OPET&MERCADO, o consultor e pales- trante Max Gehringer foi questionado a respeito do que seria mais fácil: o relacionamento interno com os funcionários ou com o público externo? Gehringer afi rmou que “relacionamento externo é uma questão de bom treinamento. Relacionamento interno é uma questão de bom ambiente, e isso se consegue através de exemplos que vêm de cima, da diretoria da em- presa. Como treinar funcionários requer investimentos, e dar bons exem- plos requer atitudes pessoais, é mais fácil se relacionar bem para fora do que para dentro. Esse é o caso da maioria das empresas brasileiras”. Max Gehringer acrescenta que “existem muitas empresas que man- têm gestores que agem como capatazes. Mas, mesmo assim, essas empresas conseguem bons resultados. Evidentemente, elas precisam contratar fun- cionários que suportem esse tipo de pressão. No caso externo, sem dúvida, empresas que descuidam do relacionamento perdem clientes. E cada clien- te perdido é um passo na direção do insucesso”. A especialista em liderança Joanne Ciulla, professora da Universi- dade de Richmond (EUA), declarou em entrevista que “a confi ança e o respeito dos subordinados, assim como a dedicação aos objetivos da em- presa, estão diretamente relacionados ao exemplo dos que têm funções de comando. Hoje em dia, a sociedade rejeita o uso coercitivo ou manipulador do poder. As pessoas desejam seguir líderes íntegros e coerentes, e são esses líderes que atraem os trabalhadores mais capacitados e competentes”. A questão que se impõe é simples: profi ssionais iniciantes que am- bicionam construir uma carreira de sucesso costumam observar o compor- tamento dos empregados mais antigos, ocupantes de cargos de liderança, a fi m de buscar inspiração sobre como devem atuar para, no futuro, vir a ocupar uma função de comando. 1597-Book.indb 116 25/3/2009 15:43:21 O S A L I C E R C E S D A C O N D U TA É T I C A 117 Além disso, o fato de “servir de exemplo” é uma das formas mais efi cientes de conquistar respeito. A conduta ética do líder é determinante na formação da opinião dos demais componentes da equipe. Discurso e prática precisam de coerência para conquistar a confi ança e o comprometi- mento da equipe na busca de resultados. Como cobrar participação, comprometimento, correção na execução de tarefas, se quem exerce o papel de líder não se faz presente, não parti- cipa das atividades, não procura identifi car difi culdades operacionais, não escuta o que os componentes da equipe têm para dizer? Além disso, fi ca impossível exigir bom desempenho se a equipe percebe que o líder não atua em defesa dos reais interesses da empresa e se omite nas situaçõesque envolvem desgaste pessoal. Profi ssionais que costumam dar maus exemplos não têm moral para exigir das pessoas atitudes diferentes daquelas que costuma praticar. Não há mais espaço para o “Faça o que eu digo e não o que eu faço!”. O Brasil é um país em que o noticiário é rico de casos de mau exemplo administrativo. Escândalos como “mensalão”, loteamento par- tidário de cargos públicos com o consequente mau uso dos recursos pú- blicos, abusos nos gastos com cartões corporativos do governo federal, denúncias contra o então presidente do Congresso Nacional, senador Renan Calheiros, e tantos outros eventos vergonhosos permanecem im- punes. Os autores têm apenas o dissabor de ver seus nomes submetidos à execração pública, mas muitos deles continuam agindo com a natu- ralidade de quem pensa que fez apenas o que muitos outros também fazem. Permanecem livres para novas práticas questionáveis, e alguns até conseguem se reeleger. Esses escândalos provocam uma grande descrença da população mais bem informada, que paga impostos exorbitantes e vê o dinheiro pú- blico enriquecer políticos desonestos, enquanto a população carente não tem acesso a um sistema de saúde efi ciente. Pior ainda é constatar a falta de oportunidade das crianças nascidas em famílias pobres, que permane- cem sem acesso a um sistema de educação com a qualidade necessária para inseri-las num mercado cada vez mais exigente e globalizado. Com tudo isso, o Brasil é um país com uma enorme carência de líderes admiráveis que possam servir de exemplo para inspirar a conduta das futuras gerações. Os ídolos brasileiros são os grandes atletas, artistas e alguns poucos grandes empresários da iniciativa privada. 1597-Book.indb 117 25/3/2009 15:43:21 118 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O Por isso, mais do que em outros países em que a corrupção não é tão comum, é preciso que empresários, executivos, gestores, gerentes e super- visores, assim como todas as pessoas que se propõem a ter uma vida digna, preocupem-se com o exemplo que estão passando por meio de seus atos, reações, decisões e conduta ética. A empresa é, talvez, a maior escola da vida. É nela que os trabalhadores passam a maior parte de sua vida pro- dutiva. Muitas lições aprendidas são baseadas na observação dos fatos e de suas respectivas consequências, formando assim a cultura empresarial, que é a soma do comportamento de cada empregado. O exemplo dado é um legado deixado. A empresa é uma escola que pode contribuir para formar a consciência de pessoas que estão começando a vida profi ssional. O exemplo que vem de cima não pode ser relegado e interpretado como se não fosse importante ou não infl uísse no comporta- mento das gerações futuras. O exemplo dado fi ca na consciência e até no inconsciente das pessoas. 1597-Book.indb 118 25/3/2009 15:43:21 C A P Í T U L O 9 Denúncia Alberto era técnico de uma grande empresa localizada em Curitiba. Um dia, após ter sido mais uma vez tratado de forma gros- seira e ofensiva por seu gerente, no auge da raiva, ele redigiu um e-mail em que descrevia em detalhes o assédio moral do qual havia sido víti- ma, relatando também seu ponto de vista sobre o assunto que motivou o desentendimento. Alberto enviou a mensagem ao gerente geral da região, assim como ao diretor geral e ao chefe do setor de RH na sede da empresa, em São Paulo. Não satisfeito, enviou cópia da mensagem para uma grande lista de empregados, da qual constavam pessoas de diferentes áreas da empresa, desde estagiários a gerentes de vários níveis das fi liais em todo o Brasil. Alberto foi demitido; não por ter sido considerado culpado da situa- ção que motivou o e-mail, mas pelo fato de ter divulgado a ocorrência para tantas pessoas que nada tinham a ver com o relacionamento existente entre ele e o gerente. Se Alberto tivesse relatado a ocorrência apenas às pessoas ocupan- tes de cargos com a competência necessária para agir, teria sido ouvido, e o gerente, provavelmente, advertido ou punido. Todavia, ao divulgar a conduta antiética do gerente, Alberto demonstrou falta de habilidade para lidar com situações de estresse, além de endossar sua pouca inteligência emocional, priorizando uma “vingança”, em detrimento de uma atitude profi ssional. Ele assumiu para si a atribuição de punir o gerente, antes de 1597-Book.indb 119 25/3/2009 15:43:21 120 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O qualquer apuração formal, determinando que a punição ideal consistia em denegrir a imagem do gerente na empresa. É preciso ter muita calma num momento assim. Normalmente, di- recionar denúncias sobre conduta antiética aos ocupantes dos cargos mais altos da empresa deve permanecer como o último recurso, e só deve ser utilizado depois que todos os demais canais disponíveis já tiverem sido tentados. O ato de denunciar é o ponto nevrálgico de uma situação identifi ca- da como conduta antiética. Exige coragem, consciência crítica, análise das consequências possíveis, senso de justiça, enfi m, uma série de considera- ções preliminares que precisam ser feitas antes do registro da ocorrência. Ultimamente, com a melhoria no nível de informação quanto aos direitos pessoais e quanto à conduta ética desejada, a população vem adqui- rindo a cultura de denunciar crimes, criminosos ou desrespeito aos próprios direitos. No ambiente empresarial, dependendo da conduta antiética perce- bida, o ideal é tentar interromper a continuidade da situação por meios menos radicais antes de se decidir por uma denúncia formal. Quando surge a suspeita de que alguém está agindo de forma antiéti- ca, é fundamental que se busque apurar o fato da melhor maneira possível. É preciso agir com cautela para não acabar, inadvertidamente, sendo en- volvido na situação que gerou a investigação e tornando-se alvo de retalia- ção ou de outras consequências imprevistas. Existem muitas variáveis que precisam ser consideradas quando surge uma suspeita de irregularidade. A mais importante é tentar descobrir se a ocorrência envolve um único empregado ou se existe a participação de ou- tras pessoas, principalmente de superiores hierárquicos. Um erro grosseiro, cometido repetidas vezes, sem que a área de controle aponte a irregularida- de, pode ser apenas a ponta de um iceberg de práticas irregulares cometidas com o consentimento de algum ocupante de função com alto poder. O caminho recomendado é expor as preocupações para o superior imediato. Dependendo da reação e das atitudes tomadas, fi cará mais fácil perceber a amplitude do problema. Caso o envolvido seja o próprio chefe, existem duas possibilidades: a primeira é dividir o problema com o chefe do chefe e observar atenciosamente a reação dele. Se nada acontecer e o problema persistir, a segunda alternativa é formalizar a denúncia, seja no sistema disponibilizado pela empresa ou 1597-Book.indb 120 25/3/2009 15:43:21 D E N Ú N C I A 121 por meio de outro caminho qualquer. Por ser importante a preservação da identidade do denunciante, um meio para denunciar pode ser uma corres- pondência anônima direcionada à auditoria. Entretanto, é fundamental avaliar o tipo de empresa em que está acontecendo o problema. Empresas com foco na atuação ética já dispõem de um código de ética, de um sistema ou mecanismo que representem um canal para o recebimento de denúncias e de uma comissão preparada para receber, analisar e resolver os casos denunciados. Problemas éticos podem ter diferentes dimensões e consequências. Pedro trabalha numa indústria química. Num passeio de fi nal de se- mana, ele descobre que os rejeitos químicos tóxicos da empresa deixaram de ser tratados depois que uma peça no equipamento necessário ao tratamento apresentou defeito. Pedro descobre que esses rejeitos poluentes estão sendo clandestinamente direcionados para um reservatório e lentamente escoadospara um rio economicamente importante para a região. Pedro descobre que aquela solução deveria ter sido provisória, mas que, por força das difi culdades fi nanceiras enfrentadas pela empresa, os poluentes já estão sendo lançados no rio há muito tempo. Pedro comenta com seus superiores, que se mostram sensibilizados, mas não demonstram intenção de tomar qualquer atitude a respeito do assunto. Ele decide abrir uma denúncia interna alertando para o perigo que os poluentes representam para a natureza, para a economia de toda a região, além do risco de prejuízo caso alguma organização de proteção ao meio ambiente descubra o problema e adote providências para denunciar, multar e até mesmo fechar a fábrica, sem mencionar o desgaste na imagem da empresa. Apesar da atitude consciente de Pedro, nada acontece. Nenhum prazo para a solução do problema é informado. Ele perde noites de sono pensando no peso que terá de carregar em sua consciência caso resolva se omitir e não denunciar o problema às autoridades competentes. Por outro lado, ele precisa daquele emprego para sustentar sua família, ainda mais que sua esposa trabalha na mesma indústria química. Como agir na situação de Pedro é uma decisão ética que depende da consciência de cada um. Diversas questões estão envolvidas, inclusive as consequências familiares. Nesse caso, a decisão deve passar por uma discussão do problema em conjunto com a família. O problema foi gerado por uma decisão corporativa da empresa, ou seja, não há nada que Pedro 1597-Book.indb 121 25/3/2009 15:43:21 122 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O possa fazer em nível interno para corrigir rapidamente aquele problema. Caso Pedro decida tomar alguma atitude, a opção viável, além de começar a procurar outra empresa para trabalhar, é denunciar o despejo de resíduos tóxicos às autoridades competentes ou a um veículo de comunicação. Há ainda o aspecto das consequências pessoais que uma denúncia pode trazer ao denunciante, o que inclui várias formas de retaliação. Na GlaxoSmithKline, uma das maiores da indústria farmacêutica mundial, as questões éticas são vinculadas à área de compliance, que atua como um grande guarda-chuva que abriga todas as áreas que têm como objetivo cuidar de processos. A empresa mantém políticas que asseguram o cumprimento das condutas éticas, encarregando-se o RH da responsa- bilidade de oferecer treinamento sobre essas políticas. O Comitê de Ética é composto por várias áreas (inclusive RH). A empresa só aceita denún- cias de autores identifi cados, mas assegura aos empregados denunciantes a manutenção do sigilo. Na GlaxoSmithKline, as questões referentes à com- pliance são tão importantes que se constituem em fator-chave de sucesso da visão empresarial, exigindo previsão de resultados anuais de todas as áreas da empresa. Muitas empresas utilizam a área de ouvidoria para receber denúncias. A decisão de denunciar exige uma forte confi ança do empregado na forma como a empresa conduz as questões éticas. Há uma diferença enorme entre descobrir que um colega está manipulando uma prestação de contas e perceber que vários colegas adotam sistematicamente o mesmo procedimento com o conhecimento da chefi a. Em se tratando da conduta de um colega isoladamente, a postura adequada é relatar o fato ao gerente responsável. Daí em diante, cabe ao denunciante decidir o que fazer. Empresas que pretendem ser éticas têm de criar caminhos que via- bilizem o controle da conduta ética de seus empregados. Além do inves- timento constante em treinamento e manutenção da consciência coletiva até que a ética se torne parte da cultura da empresa, há um grande desafi o: identifi car as ocorrências que ferem a conduta ética. Em muitas situações, não existem instrumentos capazes de viabilizar a identifi cação das atitudes individuais dos funcionários. Outro desafi o a ser vencido é aplicar uma política de consequências que não apenas puna, mas eduque e, eventual- mente, premie. Empresas realmente preocupadas em desestimular práticas conde- náveis e conscientizar o corpo funcional da importância da adoção da ética 1597-Book.indb 122 25/3/2009 15:43:21 D E N Ú N C I A 123 como parâmetro decisório e de gestão precisam disponibilizar instrumen- tos que viabilizem denúncias. Os relatos internos de má conduta devem estar acessíveis a todos os empregados. A apuração das denúncias, que deve assegurar o sigilo aos denun- ciantes, vai implicar constrangimentos e punições a alguns culpados, mas servirá como alerta para todos os outros. Só assim será possível viabilizar o cumprimento de modelos de liderança e padrões de negócios éticos, as- segurando a sustentabilidade e a manutenção da imagem empresarial de integridade. Denúncias descobertas como falsas devem ser exemplarmente puni- das para evitar que essa prática se instale. 1597-Book.indb 123 25/3/2009 15:43:21 C A P Í T U L O 1 0 Apuração Apurar denúncias envolve investigar cuidadosamente cada caso, o que exige dedicação dos empregados responsáveis. O primeiro passo é avaliar se há necessidade da adoção de provi- dências para assegurar a proteção do autor da denúncia, assim como de eventuais provas apresentadas. As apurações devem transcorrer em sigilo, não apenas para evitar rea- ções contra os envolvidos, como também para evitar a fuga e consequente impunidade em casos de condutas criminosas. É fundamental que um advogado seja ouvido sobre as decisões e pe- nalidades possíveis, e é imprescindível assegurar o direito de defesa. Nos casos em que a permanência do empregado denunciado no exer- cício de suas funções pode prejudicar o andamento das apurações, é indica- do estudar a possibilidade de afastamento, transferência, licença ou férias forçadas – mas esses recursos devem ser utilizados apenas em último caso. O mais importante é que, exceto nos casos de fl agrante, o acusa- do não sofra punições referentes à sua remuneração até a conclusão das apurações. Evidentemente, os procedimentos têm de ser ágeis para evitar maiores prejuízos à empresa, mas o desgaste de uma injustiça é também um prejuízo de alto valor. Afastar o empregado do cargo ou do setor em que vinha trabalhando e retirar seu acesso a sistemas, processos ou pessoas en- volvidas é uma atitude recomendável. Demitir ou impingir punição antes da conclusão da apuração não é adequado. 1597-Book.indb 125 25/3/2009 15:43:22 126 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O É preciso considerar todos os aspectos envolvidos, analisar a situação como um todo. A lei ou a norma interna são rígidas porque têm de ser rígi- das, mas não são a verdade absoluta. A lei, o código ou a norma empresarial não podem ser a razão de uma injustiça, pois a injustiça é imoral e antiética. No exemplo de Sandro, que roubava morfi na, a análise de todas as condi- cionantes que levaram um trabalhador honesto a roubar droga demonstrou que seria uma injustiça decidir por sua demissão. Se a lei é cega – dura lex sede lex –, é porque não considera as par- ticularidades de cada caso, e se essas particularidades não merecessem ser consideradas, não seria necessária a existência de advogados para acusar e defender. É preciso ter consciência de que ser honesto é muito difícil! É pre- ciso considerar e reconsiderar a noção de certo e errado. O que é certo e o que é errado? No Brasil, a maioria dos trabalhadores recebe um salário que não permite dar a melhor alimentação e muito menos o melhor estudo aos fi - lhos. Além disso, é muito difícil ver um fi lho doente e não ter atendimento médico adequado e muito menos dinheiro para comprar remédios. Não quer dizer que a falta do dinheiro justifi que o roubo. Mas, quando se constata que, num momento de desespero ou numa situação emergencial, um empregado, com bom histórico de serviços prestados, cometeu um delito apenas para resolver uma situaçãoespecial (prova- velmente de valor irrisório), é preciso considerar se ele merece mesmo receber a punição prevista para casos de furto – demissão. Não é justo que esse empregado receba o mesmo tratamento e a mesma punição de outro empregado que, por pura ganância, praticou atos criminosos e lesivos à empresa. Outro aspecto importante da apuração é a necessidade de ter muito cuidado para diferenciar o erro involuntário de uma ação antiética ou deli- tuosa. Na dúvida, é melhor dar uma advertência ou suspensão e conceder outra oportunidade ao empregado. Finalmente, se a empresa não quiser estimular a prática de ações an- tiéticas, tem de estar atenta aos sistemas de premiação adotados na busca de resultados. A avaliação do cumprimento de metas e desafi os quando da entrega de premiações, e até mesmo a justíssima PL (Participação nos Lucros), deve considerar “como” aquele desempenho foi atingido para res- guardar os reais interesses da empresa. 1597-Book.indb 126 25/3/2009 15:43:22 A P U R A Ç Ã O 127 Denúncias que se revelam falsas devem reverter em outra apuração para descobrir as razões que levaram o denunciante a levantar falso. Não é simples descobrir as “reais intenções”, mas, provavelmente, as pessoas que convivem com os envolvidos podem esclarecer muitas coisas. 1597-Book.indb 127 25/3/2009 15:43:22 C A P Í T U L O 1 1 Política de consequência Como constata a Terceira Lei de Newton, a toda ação corresponde uma reação com a mesma intensidade, mesma direção e senti- do contrário, sendo que ação e reação nunca se anulam, pois atuam sempre em corpos diferentes. Essa Lei de Newton está sendo usada aqui a fi m de ressaltar que para cada tipo de conduta antiética deve ser imputada uma punição com força equivalente à gravidade da conduta cometida. Existem muitas formas de punição: conversa franca e restrita, ad- vertência na fi cha funcional, suspensão com desconto dos dias parados, transferência para outro setor, perda do cargo de chefi a, demissão acordada e demissão por justa causa, além da possibilidade de abertura de processo na esfera cível ou criminal. O ideal é que o Código de Ética estabeleça o tipo de punição con- forme a gravidade e as consequências advindas das ações antiéticas ali des- critas, fi cando a critério da comissão de ética a decisão sobre situações não previstas no código. É importante que haja coerência (mesma força em sentido contrário) entre a ação antiética e a punição prevista. Também deve haver agravantes nos casos em que a conduta for reincidente. Um empregado que comete assédio moral pode receber como puni- ção apenas uma advertência verbal, mas caso a conduta se repita, a punição 1597-Book.indb 129 25/3/2009 15:43:22 130 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O não deve ser a mesma. A reincidência duplica a força da ação cometida, portanto a força da ação de punição também deve ser dobrada. A comissão de ética precisa ter uma atuação justa, independente e coerente para conquistar a confi ança do corpo funcional. A percepção de decisões diferentes, que demonstram a utilização de pesos e medidas dis- tintos para situações equivalentes, pode abalar a credibilidade da comissão de ética. A menos que haja uma razão que justifi que as diferentes conse- quências e que esse motivo possa ser do conhecimento de todos. Embora seja recomendável divulgar a solução dos casos denuncia- dos, em especial ao denunciante, já que as pessoas querem e precisam saber que a conduta antiética foi adequadamente punida, é preciso ter cuidado na forma dessa divulgação, para evitar a exposição desnecessária das pessoas envolvidas. É importante que se divulgue a ocorrência e a punição aplica- da, para que todos percebam que agir corretamente traz mais benefícios. Entretanto, na divulgação geral, o nome do empregado denunciado deve permanecer em sigilo, pois, caso contrário, pode vir a ser utilizado em fu- turos questionamentos jurídicos por danos morais. Não obstante, as pessoas que trabalham com quem agiu de for- ma antiética costumam saber sobre a ocorrência e certamente tomarão conhecimento da punição sofrida. É a partir dessa comunicação infor- mal, ou seja, é por meio das conversas de corredor que os outros fi cam sabendo o que foi feito e quem fez. O ideal é que a consequência seja amplamente conhecida. Por isso, é importante divulgar os casos regis- trados e as punições impostas, de forma a não permitir a identifi cação do empregado envolvido, mas utilizando a ocorrência para desestimular a repetição daquela conduta. Conforme abordado nas primeiras páginas, ética é uma maneira de agir que, teoricamente, deveria estar presente em todas as formas de re- lacionamento humano, já que pode ser resumidamente explicada como a forma correta de atuar diante das situações apresentadas diariamente. Também como já abordado, não é bem assim que a banda toca, pois a conduta ética recebe inúmeros inputs culturais, morais e de personalidade individual que interferem nos outputs individuais e que complicam muito o que deveria ser lógico e simples. Apesar de aparentemente não ser racional premiar condutas éticas porque não se deveria premiar alguém apenas por fazer o que é certo, algu- mas empresas adotam essa prática. Consideram que premiar atitudes éticas 1597-Book.indb 130 25/3/2009 15:43:22 P O L Í T I C A D E C O N S E Q U Ê N C I A 131 extraordinárias é a maneira de reconhecer o esforço de empregados que optaram por agir corretamente diante de um dilema ético. Premiar alguém que encontrou uma mala cheia de dinheiro e de- volveu ao dono ou denunciou um grande esquema de fraude (optou por não participar do esquema) é um reconhecimento importante. Para cada grande dilema ético, há um período de sofrimento provocado pela dúvida, pela tentação de seguir o caminho mais fácil, fi cando com o dinheiro ou se omitindo para evitar aborrecimentos pessoais ou eventuais crises de cons- ciência. Premiar demonstra aos demais empregados aquilo que é correto, o que a empresa considera conduta ética, e deve mesmo ser considerado um diferencial no perfi l dos que optam pela ética. 1597-Book.indb 131 25/3/2009 15:43:22 1597-Book.indb 132 25/3/2009 15:43:22 Conclusão Nenhum dos assuntos aqui tratados se revela uma grande novidade. Considerando que as empresas são formadas por pessoas e que conduta ética é uma opção pessoal, esses temas fazem parte do dia a dia de todas as empresas e, provavelmente, muitos dos exemplos aqui relatados são semelhantes a situações vividas pelos leitores com vivência empresarial. Entretanto, mesmo com a evolução das técnicas administrativas, dos instrumentos de controle e da consciência ética, ainda são poucas as em- presas que realmente perceberam o valor inestimável de implantar uma cultura ética – a qual agrega valor à imagem, às ações da bolsa, às pessoas e contribui efetivamente para evitar prejuízos. O desafi o é grande. Antes de exigir comportamentos éticos de seus empregados, a empresa precisa demonstrar claramente que atua com ética, tanto na condução dos negócios como no relacionamento com a sociedade e o meio ambiente, além de manter uma gestão de pessoas efi ciente e res- peitosa. Não basta para a empresa autodenominar-se ética. Não basta formar uma comissão para redigir um código de ética e dar conhecimento do teor do código aos stakeholders. Patrocinar eventos culturais, entidades de pro- teção ao meio ambiente ou apoiar alguma instituição benefi cente faz parte da estratégia de marketing, mas todo esse investimento pode se perder se os empregados recebem salários muito abaixo dos pagos por outras empre- 1597-Book.indb 133 25/3/2009 15:43:22 134 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O sas do mesmo ramo. Uma empresa ética não pressiona seus empregados com carga exagerada de trabalho. Também não estabelece metasacima da realidade de mercado. Uma empresa ética convive com as diferenças indi- viduais. Uma empresa ética contribui para o crescimento pessoal (incentivo ao estudo) de seus empregados. Ser uma empresa ética exige implementar ações que busquem manter a saúde física e mental, assim como a qualidade de vida de seus empregados. Empresas que exploram empregados não são empresas afi nadas com a ética, portanto não têm como exigir conduta ética por parte de seus colaboradores. Rosa trabalhava num grande banco brasileiro. Uma mulher simples, honesta, solteira e sem fi lhos, que vivia para trabalhar e passar os fi nais de semana com a família e os amigos. Os clientes gostavam muito do atendi- mento prestado por ela, uma mulher simpática, atenciosa e que se empe- nhava em resolver cada problema da melhor maneira possível, tanto para o banco como para o cliente. Rosa tinha orgulho de pertencer àquela em- presa, mesmo sabendo que seu salário era inferior ao que os outros bancos privados pagavam. Passados dez anos, sua remuneração havia melhorado. Mas um dia, depois de 10 anos de serviço, sem que lhe fossem passa- dos maiores detalhes, Rosa foi demitida. Ela fi cou completamente perdida na vida por algum tempo. Com o dinheiro da indenização, Rosa abriu uma pequena loja de doces e salgados em sociedade com uma amiga. A loja prosperou e ela melhorou seu padrão de vida. Tempos depois, Rosa soube que a única razão de sua demissão foi que, com 10 anos de serviço, estava ganhando um salário que não interessava mais à empresa. O banco optou por contratar para o lugar de Rosa uma jovem que, sem experiência e em início de carreira, aceitou trabalhar por um salário menor. Percebeu então que o mesmo havia acontecido com colegas que ela conhecera e que essa era uma prática comum nos procedimentos do banco. Esse mesmo banco se tornou um dos maiores bancos do Brasil, in- veste bastante em publicidade e se diz uma empresa que valoriza seu corpo funcional. Quem conhece pessoas que já trabalharam lá, e são muitas, sabe que essa imagem é falsa e que essa é uma das fórmulas adotadas para asse- gurar lucros cada vez maiores. Embora ainda mantenha seus lucros, considerando a tendência de valorização da conduta ética, será que a prática de demitir empregados an- tigos para contratar novos por salários menores não vai, no futuro, compro- meter a imagem desse banco? Quem viver verá. 1597-Book.indb 134 25/3/2009 15:43:22 C O N C L U S Ã O 135 Muitos dos temas abordados neste livro já foram tratados por pro- fi ssionais especializados em estudos técnicos e por especialistas em RH. Então, por que tantas empresas continuam permitindo que empregados que apresentam comportamentos antiéticos continuem agindo sem qual- quer consequência? Essa é a questão! Organizações que investem milhões de dólares em campanhas publicitárias, em ações de marketing de relacionamento, cul- tural ou esportivo, em ações de cidadania, em projetos de responsabilidade social e em benefícios para seus empregados não investem em ações que objetivam exigir, semear, cobrar, controlar e adotar políticas de consequên- cias para incentivar os empregados a atuarem de maneira ética. Pior ainda, muitas empresas promovem pessoas conhecidas por suas atitudes egoístas, vaidosas, desrespeitosas com colegas e clientes ou que, sabidamente, utilizam meios indevidos para alcançar “bons” resultados. Quando uma promoção assim acontece, que tipo de mensagem a empresa está passando aos demais empregados? Os interesses pessoais de cada um não podem ser mais importan- tes que os interesses da empresa. A vaidade e a prepotência humana não devem nortear as decisões de ocupantes de funções de comando. O com- portamento desses empregados infl uencia o posicionamento estratégico da empresa, tanto na linha negocial, na defi nição de fornecedores, de con- troles, de investimentos e fi nanças, como no relacionamento com clientes e em tantas outras áreas que interferem diretamente no desempenho, na manutenção da imagem de credibilidade, no crescimento e na lucratividade da empresa. Disseminar a cultura ética exige menos investimento, mas muita dedicação e persistência. É um esforço contínuo que precisa de atuali- zação permanente. Obviamente, o início do esforço é mais difícil – até a lei da física explica que o esforço inicial para superar a inércia precisa ser maior, mas, depois que a cultura é absorvida pelos stakeholders, a manutenção da conduta ética tende a entrar no automático do compor- tamento das pessoas. O “medo” de ser descoberto praticando conduta antiética precisa es- tar presente, o que exige controle e política de consequência. Muitas de- cisões difíceis terão de ser tomadas, mas suas consequências poderão se estender por toda a empresa, inibindo outras pessoas que, certamente, pen- sarão muito mais antes de agir de forma contrária ao código de ética. 1597-Book.indb 135 25/3/2009 15:43:22 136 É T I C A N O A M B I E N T E D E T R A B A L H O A noção de que cada um dos empregados é responsável pelo cresci- mento da empresa, que defender os interesses da empresa implica defender a manutenção do próprio emprego, está longe de fazer parte da consciência de muitos. Para eles, o empregador ainda é visto como um adversário. Essa cultura, nascida e alimentada pela prática da exploração da mão-de-obra, tão natural na história da humanidade, está impregnada no inconsciente coletivo e precisa de muito esforço para implantar a verdadeira noção de colaboradores ou parceiros. Empregadores e empregados devem ter em mente o mesmo interesse – o crescimento da lucratividade, num processo em que todos ganham. Ética não é utopia. Embora a mídia prefi ra dar grande repercussão aos escândalos de corrupção, fraudes, crimes e desastres, a maioria das pes- soas trabalha honestamente, e o trabalho de todos é que está construindo um mundo cada vez melhor. A questão ética precisa ser lapidada, já que está se tornando cada vez mais indispensável neste mundo em evolução. A conduta ética, seja no serviço público ou no governo, seja nas empresas ou exercida pelos cidadãos em geral, é o diferencial com poder de transformar a sociedade, tornando-a mais justa, rica, saudável e com melhor nível edu- cacional. Enfi m, ética não é uma questão de moda. É questão de necessidade estratégica para assegurar a sobrevivência e a competitividade no mundo globalizado. 1597-Book.indb 136 25/3/2009 15:43:22 Referências ALLEDI, Cid. Ética, transparência e responsabilidade social. Dissertação (Mestrado Profi ssional em Sistemas de Gestão). UFF, 2002. COLLINS, Jim. 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