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Biologia
@p r o f e s s o r f e r r e t t o w w w . p r o f e s s o r f e r r e t t o . c om . b r f b . c om / P r o f e s s o r F e r r e t t o
PROFESSOR FLÁVIO LANDIM
ASSUNTOS DA AULA.
• A origem da vida - Parte 1
• A hipótese da Panspermia
• A hipótese da evolução gradual dos sistemas químicos
• Leitura complementar - A origem do universo: Big Bang!
• Quem foi o primeiro material genético: o DNA, o RNA
ou as proteínas
• A hipótese do mundo do RNA
ORIGEM DA VIDA – PARTE 1
As questões a respeito da origem da vida intrigam a humani-
dade desde seu surgimento. Todas as culturas e sociedades pos-
suem suas crenças sobrenaturais a respeito do surgimento da
vida. Egípcios, gregos e hebreus tinham suas maneiras particu-
lares de explicar a origem da vida. Uma dessas ideias é talvez a
mais popular entre a nossa cultura ocidental: o gênese bíblico.
Essas ideias de uma força sobrenatural, divina, dando origem à
vida, são denominadas Criacionismo ou Criação Especial.
Existe uma corrente de pesquisadores que defendem embasa-
mento científico para as ideias criacionistas, no que se chama de
Criacionismo Científico ou Design Inteligente. O principal
argumento do design Inteligente é que a grande complexidade
dos seres vivos só poderia ter surgido mediante um projeto bem
desenhado por uma entidade superior, ou seja, Deus. De modo
geral, a ciência descarta essa explicação.
De qualquer modo, é importante deixar claro que nada em
origem da vida é certeza absoluta, de modo que, ao pé da letra,
não há "teorias" a respeito da origem da vida, mas "hipóteses". Se
você lembrar da diferença, vai entender que isso ocorre porque
não há explicações confirmadas ("teorias") dentro de origem da
vida, mas explicações a confirmar ("hipóteses"), que nesse caso
em particular, talvez nunca sejam confirmadas (uma vez que não
há como voltar no tempo e ter certeza de como a vida surgiu...).
No máximo, pode-se ter certeza de que a vida não surgiu de um
certo modo, mas nunca se vai ter certeza de que a vida surgiu de
uma certa maneira em especial.
Apesar disso tudo, para as hipóteses mais aceitas, que já ti-
veram inclusive alguns de seus aspectos submetidos à experi-
mentação e se mostraram viáveis, muitas vezes se utiliza o termo
teoria. Assim, não estranhe muito quando algum livro mencionar,
por exemplo, a "Teoria de Oparin" sobre a origem da vida, quando
o mais correto seria falar em "Hipótese de Oparin"...
CRIAÇÃO ESPECIAL
Clique no assunto desejado e seja direcionado para o tema.
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O senso comum na Antiguidade até a Idade Média era de que a vida surgia continuamente a partir de estruturas não vivas,
como a matéria orgânica em decomposição. Explicações empíricas dadas por pensadores gregos importantes como Platão
e Aristóteles para a origem de determinados organismos incluíam ideias sobre lodo originando patos em lagoas, moscas
surgindo de carne putrefata e outras situações que hoje nos parecem absurdas. Antes que você estranhe mais ainda, já se
sabia naquela época "de onde os bebês vêm", ou seja, que o sexo leva a produção de filhotes; apenas se acreditava que para
alguns seres, essa reprodução através do sexo não era necessária ou obrigatória.
Essa ideia de que corpos brutos podem originar seres vivos continuamente recebe o nome de geração espontânea ou
abiogênese. O próprio gênese bíblico que defende a ideia de uma Criação Especial utiliza princípios abiogenéticos (se é que
o “nada” a partir do qual Deus criou a vida pode ser considerado “corpo bruto”...).
Alguns outros pensadores, entretanto, acreditavam que um ser vivo só pode ser proveniente de um outro pré-existente,
ideia chamada de biogênese. Como você pode imaginar, é essa a ideia aceita hoje pela ciência biológica.
ABIOGÊNESE X BIOGÊNESE
É importante que se perceba que as ideias mais aceitas atualmente sobre a origem da vida, como a hipótese de Oparin,
acreditam que os primeiros seres vivos surgiram a partir de uma lenta transformação de substâncias químicas em formas
primitivas de vida. Dessa maneira, os primeiros seres vivos teriam surgido a partir de estruturas não vivas, inanimadas. Não seria
um caso de geração espontânea? Não. A abiogênese defende que seres vivos podem surgir continuamente a partir de corpos
brutos, ou seja, inclusive nos dias atuais. A hipótese de Oparin não é abiogênese porque defende que a vida surgiu a de partir
estruturas inanimadas, mas nas condições totalmente particulares da Terra primitiva, possivelmente numa situação única; nas
condições atuais, segundo as ideias de Oparin, vale a noção de biogênese que uma forma de vida deve vir, obrigatoriamente,
de outra forma de vida.
Teoria da abiogênese: os seres vivos originam-se da matéria bruta de maneira contínua.
Teoria da biogênese: os seres vivos originam-se apenas de outros seres vivos.
ALGUMAS DISCUSSÕES SOBRE A ORIGEM DA VIDA...
Da Idade Antiga à Moderna, as ideias de abiogênese estavam bem consolidadas. Algumas receitas clássicas de como
fabricar organismos vivos a partir de matéria bruta são largamente divulgadas na época:
- O filósofo grego Aristóteles, considerado o Pai da Biologia, era um defensor de ideias abiogenéticas como a origem de
moscas a partir de carne pútrida, a origem de patos a partir do lodo no fundo de lagoas...
- O poeta romano Virgílio (70 a.C-19 a.C) garantia que moscas e abelhas nasciam de cadáveres em putrefação.
- Na Idade Média, o padre Atanásio Kircher (1627-1680) explicava que, do pó de cobra, espalhado pelo chão, nasceriam
muitas cobras.
- A mais legal, entretanto, é a do médico belga Jean Baptiste de Von Helmont (1577-1644): “Enche-se de trigo e fermento
um vaso, que é fechado com uma camisa suja, de preferência de mulher; um fermento vindo da camisa, transformado pelo
odor dos grãos, transforma em rato o próprio trigo”. Tenta fazer essa...
Pesquisadores menos empíricos e mais práticos começaram então, ainda no século XVII, a fazer experimento para verificar
a veracidade das ideias abiogenéticas.
Redi e a derrubada da abiogênese (para animais...)
Em 1668, o italiano Francesco Redi, através de um típico experimento controlado, dentro das regras do Método Hipotéti-
co-Dedutivo, provou que a carne putrefata apenas atraía as moscas, que lá depositavam seus ovos, dando a impressão de
que as moscas surgiam diretamente da carne.
Redi elaborou um experimento que consistia de dois frascos com carne, um fechado com gaze e o outro aberto. Ele
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observou que apenas o frasco aberto apresentava moscas, enquanto no frasco com gaze as moscas se limitavam a voar
externamente ao frasco com muitas larvas de moscas presentes sobre a gaze. Desta maneira, foi provado que a origem das
moscas não era a carne, senão haveria moscas no interior dos dois frascos.
Isso derrubou a abiogênese para moscas, e logo experimentos semelhantes demonstraram que animais em geral não
surgem por geração espontânea. É nada...
Leeuwenhöek e a descoberta dos microorganismos
Com a difusão do microscópio e a descoberta dos microorganismos pelo holandês Anton Von Leeuwenhöek em 1678, a
abiogênese voltou com força total, pelo menos para explicar a origem de microorganismos. Esses, segundo se acreditava,
eram tão simples que não precisariam se reproduzir, surgindo então por geração espontânea.
O que ocorria, é que quando se deixava um recipiente com material orgânico, os microorganismos aparentemente pro-
liferavam a partir do nada. Na verdade, bactérias não são visíveis individualmente ao microscópio óptico, só ao mi-
croscópio eletrônico (desenvolvido somente em 1932). Somente colônias bacterianas podem ser vistas ao microscópio
óptico. Fenômenos como a bipartição em bactérias também não são visíveis ao microscópio óptico.
Como não era possível a observação de uma única bactéria, não se podia observar bactérias trazidas pelo ar chegando
ao meiocom matéria orgânica, se reproduzindo e originando colônias. O que se via era, simplesmente, colônias bacterianas
aparecendo repentinamente, dando a impressão de que surgiam por geração espontânea.
O experimento de Joblot e as “sementes” de microorganismos
O francês Louis Joblot, em 1711, foi o primeiro a propor uma origem alternativa para os microorganismos, que não a
geração espontânea. Ele ferveu um caldo nutritivo à base de carne e o repartiu em vários frascos limpos, sendo que alguns
ficavam abertos e outros fechados com pergaminhos. Após alguns dias, ao observar os frascos ao microscópio, Joblot perce-
beu que os frascos abertos estavam repletos de microorganismos, mas os frascos fechados não. Desse modo, Joblot concluiu
que os microorganismos eram provenientes de “sementes” provenientes do ar, e não através de mecanismos de abiogênese.
A polêmica Needham X Spallanzani
Por volta de 1745, o cientista inglês John T. Needham realizou vários experimentos que "provavam" a existência da
geração espontânea para microorganismos (ou pelo menos ele assim pensava...). Needham submetia à fervura frascos con-
tendo substâncias nutritivas. Após a fervura, fechava os frascos com rolhas e deixava-os em repouso por alguns dias. Depois
desse período, examinando essas soluções ao microscópio, Needham observava a presença de microorganismos.
O que ocorreu na verdade é que a fervura eliminou a maioria dos microorganismos, mas esporos resistiram. Como eles são
células bacterianas isoladas, não são visíveis ao microscópio óptico. Assim, Needham interpretou como se todos os microor-
ganismos tivessem sido eliminados. Quando o meio de cultura resfriou, os esporos voltaram à forma ativa e, se reproduzindo,
deram origem a novas colônias. A explicação que Needham deu para os seus resultados foi que os microorganismos teriam
surgido por geração espontânea. Isso porque, ao ferver as substâncias nutritivas, todas as formas vivas que ali já se encon-
travam teriam morrido. O fato de se manterem os frascos fechados teria impedido a entrada de microorganismos presentes
no meio. Assim, na idéia de Needham, os que ali surgiram só poderiam ter surgido por geração espontânea. Ele dizia que a
solução nutritiva continha uma “força ou princípio vital” responsável pelo surgimento das formas vivas.
Em 1770, o padre italiano Lazzaro Spallanzani repetiu os experimentos de Needham, mas com algumas diferenças.
Spallanzani pensou que a vedação com rolhas poderia ter deixado algum espaço para a penetração de microorganismos.
Também, que talvez o tempo de fervura que Needham usou não tinha sido suficiente para eliminar todos os microorganis-
mos, tendo alguns sobrevivido e não sido percebidos (esporos bacterianos não são visíveis ao microscópio óptico; apenas
colônias bacterianas são visíveis ao microscópio óptico).
Para corrigir essas falhas nos experimentos de Needham, Spallanzani adotou o cuidado de vedar melhor os frascos, que
passaram a ser hermeticamente fechados: ao invés de usar rolhas, os gargalos foram derretidos, para garantir a não entrada
de microorganismos do ar. Além disso, a fervura passou a ocorrer por bem mais tempo. Desse modo, Spallanzani promovia
a esterilização dos meios de cultura, pela eliminação de todas as formas de vida na infusão. Isso inclusive possibilitou o
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desenvolvimento da indústria de conservas.
Alguns dias após a esterilização, ele abria os frascos e examinava a solução nutritiva. Nenhum organismo estava presente.
Spallanzani explicava que Needham não havia fervido a sua solução nutritiva tempo suficientemente longo para matar todos
os microorganismos da solução, esterilizando-a (hoje se sabe que esporos bacterianos resistem a grandes temperaturas).
Needham respondeu a essas críticas dizendo que Spallanzani, ao ferver por muito tempo as substâncias nutritivas em
recipientes hermeticamente fechados, havia destruído a “força vital” e tornado o ar desfavorável ao aparecimento da vida. Tá
bom, eu sei que não tem nada a ver, mas muita gente acreditou nessa desculpa esfarrapada...
Alguns anos depois, o gás oxigênio foi descoberto e passou-se a compreender seu papel essencial na manutenção da
vida. Para muitos estudiosos, o oxigênio passou a ser interpretado como o princípio vital, reforçando a posição de Needham.
E aí, como convencer a todos que o ar não ficava “estragado” devido ao calor intenso e que essa história de princípio vital
não existia?
O experimento com o balão pescoço de cisne de Pasteur derruba a abiogênese
O pesquisador francês Louis Pasteur deu grandes contribuições à ciência. Ele é um dos autores da Teoria dos Germes,
que afirma que doenças específicas são causadas por microorganismos específicos. Eu sei, pode parecer óbvio hoje em dia,
mas no século XIX, a compreensão dos mecanismos responsáveis pelo surgimento de doenças estava só começando. E a
contribuição de Pasteur foi essencial.
Além disso, Pasteur idealizou um experimento que derrubou de vez as crenças abiogenéticas. Em seus experimentos,
desenvolveu a técnica de pasteurização, pela qual, através do rápido aquecimento e resfriamento do material, microor-
ganismos são eliminados por choque térmico, não havendo tempo para a formação de esporos bacterianos de bactérias
patogênicas. Essa técnica foi desenvolvida com o objetivo de eliminar qualquer forma de vida que pudesse atrapalhar os re-
sultados de seus experimentos relacionados à geração espontânea. Graças à pasteurização, o desenvolvimento da indústria
de laticínios se tornou possível, pois preserva no leite bactérias como os Lactobacillus, que são úteis por tomarem parte da
microflora bacteriana intestinal.
Os experimentos de Pasteur sobre geração espontânea tiveram um incentivo extra. Em 1860, a Academia Francesa de
Ciências ofereceu um prêmio a quem pudesse resolver a polêmica da existência ou não da “força vital”.
Louis Pasteur estava realmente interessado em resolver esse problema. Tanto, que, como defensor das ideias da biogênese,
imaginou uma série de experiências que pudessem mostrar a inexistência da força vital. Convencido de que os microorganis-
mos nos caldos de cultura surgiam não por geração espontânea, mas por serem trazidos a partir do ar, Pasteur se viu diante
de um impasse: se ele repetisse a experiência de Spallanzani com o frasco fechado, os defensores a abiogênese argumen-
tariam que o princípio vital tinha sido destruído; se a experiência fosse feita com o frasco aberto, o ar traria microorganismos
e os defensores da abiogênese argumentariam que eles haviam surgido por geração espontânea. Em outras palavras, o
experimento não poderia ser feito nem com o frasco fechado nem com o frasco aberto. E aí?
A experiência nos Alpes
Uma ideia de Pasteur foi que, se o experimento fosse feito num ambiente onde o ar é bastante puro e há poucos microor-
ganismos em suspensão no ar, os caldos de cultura fervidos em recipientes abertos permaneceriam livres de bactérias por
bastante, mostrando que não há geração espontânea de micróbios nem "princípio vital" no ar. Com o ar puro e, na crença dos
defensores da abiogênese, a "força vital" "renovada", a lógica da abiogênese dizia que o surgimento de micróbios seria mais
fácil, e não mais demorado como afirma o raciocínio de Pasteur, que é o que ocorre na verdade. O problema dessa idéia era
onde arranjar um local com o ar sem microorganismos. Isso não existe em ambiente algum.
Entretanto, naquela época já se sabia que o ar das cidades era mais poluído que o ar do campo, como em áreas montan-
hosas. Pasteur então pensou que, fazendo o experimento de Spalanzani no alto de uma montanha, ao abrir o frasco após
a fervura, haveria poucos microorganismos no ar para contaminar o caldo de cultura, não havendo a formação de colônias
bacterianas de modo rápido e mostrando que sua hipótese estava certa.
Pasteur então convidou uma comissão da Academia de Ciênciaspara presenciar seu experimento. Ele aqueceu frascos
hermeticamente fechados contendo uma infusão (meio de cultura líquido para bactérias, normalmente caldo de carne),
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e verificou a ausência de microorganismos após a fervura controlada. Ao abrir o frasco e deixar o ar entrar, bactérias não
reapareciam no meio de cultura devido à pureza do ar e aos poucos microorganismos em suspensão, exatamente como Pas-
teur imaginava. Com o frasco aberto, o ar entrava, e, se os defensores da abiogênese estivessem corretos, microorganismos
deveriam aparecer por geração espontânea, graças ao ar puro e à "força vital" "renovada". Mas isso não aconteceu e Pasteur
estava certo em suas ideias.
Apesar do experimento bem planejado, alguns defensores da geração espontânea argumentaram, porém, que em ambi-
entes de grande altitude, o ar rarefeito deveria apresentar uma "força vital" "fraca" (lembre-se da associação do "princípio
vital" com o oxigênio, rarefeito em altitudes elevadas). Para os defensores da abiogênese foi por isso que não ocorreu a for-
mação de colônias bacterianas após o experimento de Pasteur.
De volta, Pasteur teve que pensar em outro experimento que não deixasse nenhuma dúvida.
O balão pescoço de cisne
Depois de várias ideias de Pasteur, a que resolveu o problema foi o experimento com o “balão pescoço de cisne”, em
1862.
Pasteur preparou quatro frascos de vidro contendo caldos nutritivos e amoleceu seus gargalos no fogo, esticando-os e
curvando-os de modo que tomassem a forma de um pescoço de cisne. Durante todo o experimento, o frasco permanecia
aberto, para que o ar pudesse entrar. Assim, ninguém poderia argumentar que a fervura iria estragar o "princípio vital", visto
que o frasco aberto e a contínua entrada de ar o renovariam (se ele existisse...). Em seguida, ferveu os caldos prolongada-
mente, eliminando todos os microorganismos da infusão, até que saísse vapor pela extremidade do gargalo longo e curvo.
Na curva inferior do balão, o vapor de água já estava suficientemente distante da fonte de calor para condensar, forman-
do-se gotículas de água nessa região. Essas gotículas, como você vai observar daqui a pouco, são essenciais no resultado
do experimento.
Devido à diferença de pressão do ar gerada pela diferença de temperatura entre o frasco aquecido (mais quente) e o fim
do tubo (mais frio), o ar continuamente entrava pela abertura do gargalo. Era possível observar o ar entrando através do
movimento das gotículas de água depositadas na curva do balão, como se alguém as estivesse soprando. Assim, durante
todo o experimento, era possível observar o ar entrando no balão, e, se o "princípio vital" existisse, ele estaria sendo renovado.
Um problema, entretanto: se o ar entrava, não iria trazer bactérias para contaminar o meio de cultura? É aí que entram
as gotículas de ar novamente. Elas agiam como um filtro, retendo os microorganismos trazidos a partir do ar e impedindo a
contaminação. A infusão permanecia esterilizada, livre de microorganismos mesmo com a entrada do ar.
Desta maneira, ao fim do aquecimento, havia o caldo de carne, havia o ar, mas não havia os micróbios. Se o "princípio vital"
existisse, deveria teria sido renovada com a entrada de ar fresco, e microorganismos deveriam ter aparecido. Como eles não
apareceram, Pasteur havia provado a inexistência de geração espontânea e "força vital". O cara se garantiu muito...
Para finalizar, Pasteur quebrou o gargalo do balão e mostrou microorganismos nas gotículas de água retidas a partir da
condensação do vapor de água na curva do balão. Assim, se o vapor de água não continha micróbios (que eram mortos
devido à alta temperatura do vapor) nem matéria orgânica (que não evaporava junto com a água da infusão), e os micróbios
apareciam nas gotículas de água, é porque eles não poderiam ter surgido por geração espontânea (lembre-se: não havia
matéria orgânica nas gotículas e ela seria fundamental no surgimento de bactérias segundo a abiogênese). Eles tinham sido
trazidos do ar.
Estava derrubada a abiogênese. E a Biologia passou a ter a certeza de que "todos os seres vivos vêm de outros pré-exis-
tentes".
Tome nota:
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Louis Pasteur: o cidadão ficou tão estressado com
bactérias que passou a desenvolver uma compulsão
por limpeza, chegando a não apertar mais as mãos das
pessoas...
Experimento com o balão pescoço de cisne de Louis
Pasteur.
A HIPÓTESE DA PANSPERMIA
A hipótese da panspermia ou cosmozoica (numa tradução
literal, panspermia significaria "sementes de todo lugar"), sugeri-
da por William Thomson (Lord Kelvin) e melhor organizada pelo
químico sueco Svant Arrhenius em 1908, defende que a vida teria
chegado à Terra em meteoritos e cometas. Pesquisadores como o
astrofísico Fred Hoyle eram defensores ardorosos dessa hipótese.
Essa idéia surgiu a partir da constatação que meteoritos e come-
tas chegam frequentemente ao planeta contendo matéria orgâni-
ca (inclusive aminoácidos e bases nitrogenadas). No começo do
século XIX, isso havia sido constatado, tendo sido inclusive en-
contrados ácidos nucléicos como DNA e RNA em meteoritos.
Arrhenius acreditava que microorganismos poderiam ter vindo
nesses meteoritos. Eles até foram chamados de cosmozoários
("microorganismos cósmicos") Essa hipótese é muito contestada,
pois oferece algumas críticas:
DE ONDE VEIO, ENTÃO, O PRIMEIRO SER VIVO?
Esta pergunta até hoje não tem resposta definitiva. Várias
hipóteses já foram lançadas até os dias atuais.
- Como os microorganismos iriam sobreviver nas rigoro-
sas condições do espaço (vácuo, frio extremo e incidência
de raios cósmicos e radiações ultravioleta)? Talvez, no cen-
tro de um meteorito de grandes dimensões, pudesse haver
um nicho onde os "cosmozoários" pudessem se proteger.
- Como os microorganismos iriam obter seu alimento?
Se bem que eles poderiam ser autótrofos, inclusive quimi-
ossintetizantes, se se imaginar que no centro do meteorito
não haveria luz para haver fotossíntese.
- Como os microorganismos iriam sobreviver ao calor
gerado pela fricção com a atmosfera, quando da entrada
do meteorito (calor tal que faz o meteorito se fragmen-
tar e incandescer, dando origem às estrelas cadentes)?
E como eles iriam sobreviver ao impacto com o solo? Um
meteoroide ou asteroide muito grande talvez pudesse se
fragmentar, mas conservar pedaços de tamanho suficiente
para proteger alguns microorganismos, que talvez pudes-
sem sobreviver.
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Por mais que haja críticas, os defensores da panspermia
possuem argumentos que tornam a idéia, se não provável,
pelo menos viável. A existência na Terra atual de microor-
ganismos extremófilos, adaptados a condições extremas
de temperatura, pressão e/ou exposição à radiação au-
menta as chances de existir vida fora do planeta.
Talvez o maior problema dessa idéia seja que ela expor-
ta para fora da Terra a origem da vida. Se já é difícil elaborar
uma explicação para a origem da vida na Terra, um ambi-
ente conhecido (e que nós sabemos que existe...), imagine
a dificuldade de se imaginar a origem da vida em um lugar
que não se conhece, e que nem se sabe se existe? Por isso,
talvez, por mais que a panspermia não deva ser descarta-
da, é mais viável que se procure uma solução terrestre para
a origem da vida.
Em 1996, foi encontrado na Antártida um meteorito
marciano contendo bactérias fossilizadas. Numa primeira
análise, cientistas da agência espacial norte-americana
(NASA) concluíram que o meteorito havia se desprendido
do solo marciano devido ao impacto com um grande as-
teroide ou cometa, e acabou chegando a Terra. E que os
microorganismos teriam vindo de Marte junto ao meteorito,
sendo, pois, microorganismos marcianos. Análises posteri-
ores, entretanto, colocaram em dúvida essa conclusão. Se
algumdia for confirmada a origem extraterrestre desses
microorganismos, a hipótese da panspermia vai deixar de
ser apenas viável para se tornar bastante possível.
A PANSPERMIA NOS DIAS DE HOJE
A ideia da panspermia tem lá seus problemas. Nos últi-
mos anos, alguns pesquisadores têm aventado a possibil-
idade de que meteoritos, cometas e poeira espacial (sim,
isso existe e está o tempo todo caindo dos céus sobre nos-
sas cabeças...) tenham trazido a matéria orgânica que deu
origem à vida na Terra. Por esse raciocínio, se os primeiros
microorganismos não podem ter vindo do espaço, talvez
pelo menos a matéria-prima para originá-los tenha vindo.
As ideias a favor são que, nos primórdios da Terra, a que-
da de meteoritos e cometas era bem mais frequente que
no dias de hoje, possibilitando talvez o acúmulo de matéria
orgânica em quantidades suficientes para dar origem à
vida. As ideias contra são que essa quantidade de matéria
orgânica que chega até Terra do espaço, em pequenas
quantidades, não seria suficiente para originar as primeiras
formas de vida.
A HIPÓTESE DA EVOLUÇÃO
GRADUAL DOS SISTEMAS
QUÍMICOS
Em 1869, o biólogo inglês Thomas Huxley, colaborador
de Darwin e ferrenho defensor das ideias evolucionistas, foi
o primeiro a defender a ideia de que os primeiros seres vivos
teriam surgido por um processo lento de evolução química
em nosso planeta. Essa ideia foi retomada e aprofundada
na década de 1920 pelo biólogo inglês J. B. S. Haldane e
pelo bioquímico russo Aleksandr Ivanovich Oparin, com
a hipótese da evolução gradual dos sistemas quími-
cos, também conhecida como hipótese da coacervação.
Tome nota:
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A hipótese mais aceita a respeito da origem do Universo defende que ele começou a partir de um ponto de
temperatura e densidade infinitas, que acumularia toda a matéria e a energia que existem atualmente. Esse ponto,
conhecido como singularidade, em algum momento, há cerca de 13,7 bilhões de anos, começou a se expandir
rapidamente, num evento descrito como Big Bang, “a grande explosão”.
As evidências que sustentam a hipótese do Big Bang começaram a ser reunidas com os trabalhos do famosís-
simo físico alemão Albert Einstein, cuja também famosíssima Teoria da Relatividade, elaborada no início do
século XX, implicava nessa expansão do Universo. Em 1927, o físico (e padre) belga Georges Lemaître, baseado
nessa e em outras evidências sugere que a expansão do Universo poderia ser explicada pela hipótese do Big Bang
(chamada por ele inicialmente de Hipótese do Átomo Primordial):
- O fato de as galáxias estarem se afastando implica que, em algum momento do passado, elas devem ter es-
tado mais próximas, e talvez, num passado muito distante, elas tenham estado todas reunidas num único ponto, a
singularidade descrita anteriormente.
- Além disso, o fato de o Universo estar em expansão implica em uma contradição para a Física, uma vez que,
devido à atração gravitacional, as galáxias deveriam estar se aproximando. Assim, a alguma força deveria estar
agindo contra a gravidade para impedir essa atração e, pelo contrário, induzir o afastamento das galáxias. A rápida
expansão da singularidade que caracteriza a “explosão” do Big Bang poderia representar esta força que compen-
saria a gravidade e promoveria o afastamento das galáxias.
Em 1929, os trabalhos do astrônomo norte-americano Edwin Hubble, através de observações do céu com
potentes telescópios, confirmaram que as galáxias estão se afastando uma das outras, o que indica que o
Universo está em expansão, o que consiste no principal embasamento teórico para as ideias do Big Bang. (As
observações de Hubble se baseiam em uma propriedade básica das ondas: o efeito Doppler. Quando uma fonte
emissora de ondas se afasta de uma receptora com uma determinada velocidade, esta passa a receber as ondas
com uma frequência menor do que a emitida. (É por isso que quando uma ambulância se aproxima, o som da
sirene é percebido de modo mais agudo do que quando ela se afasta). Na luz emitida pelas galáxias, este efeito
também se observa para ondas luminosas. Dessa maneira, quando uma fonte luminosa se afasta, observa-se um
redshift, ("desvio para o vermelho"; o vermelho é a cor do espectro de luz visível cujas ondas são de menor fre-
quência); quando uma fonte luminosa se aproxima, observa-se um blueshift ("desvio para o azul"; o azul é a cor
do espectro de luz visível cujas ondas são de maior frequência). Assim, Hubble observou que a luz das galáxias
que observara apresentava um desvio sistemático para o vermelho, o que indicava que as mesmas estavam se
afastando. Além disso, suas medidas indicavam que, quanto mais distante a galáxia, mais rápido ela se afastava.)
Em 1946, o físico ucraniano (naturalizado norte-americano) George Gamow postulou que o Big Bang deve ter
deixado uma energia residual, denominada por ele de radiação cósmica de fundo, equivalente à energia dissi-
pada a partir da explosão inicial. Na época, não foi possível sua observação, mas em 1965, Arno Penzias e Robert
Woodrow Wilson detectaram ondas eletromagnéticas, no comprimento de ondas de microondas, condizentes
com a radiação cósmica de fundo proposta por Gamow, se constituindo numa outra forte evidência que sustenta
a hipótese do Big Bang.
A origem dos átomos
Uma vez que a singularidade explode (Big Bang!), dados indicam que cerca de um centésimo de segundo de-
pois, a temperatura do Universo recém-nascido deve ter atingido algo em torno de 100 bilhões de graus Celsius
(!!!), e as partículas que originam a matéria, como prótons (ou seja, núcleos de hidrogênio), nêutrons e elétrons,
começaram a se formar. (Na verdade, estima-se que se formaram partículas de matéria e suas equivalentes em
LEITURA COMPLEMENTAR – A ORIGEM DO UNIVERSO: BIG
BANG!
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antimatéria, com as mesmas propriedades, mas cargas elétricas inversas, ou seja, antiprótons negativos e pósi-
trons, elétrons positivos; não se sabe, entretanto, por que razão o Universo ficou sendo formado de matéria, e qual
o destino que essa antimatéria teve.)
Nos poucos minutos seguintes ao Big Bang, o Universo começou a se resfriar rapidamente, para cerca de 1
bilhão de graus Celsius (apenas...), de modo que a energia de prótons e nêutrons diminuiu o suficiente para que
a força nuclear os tenha atraído, formando núcleos de elementos como o hélio e outros elementos leves, num
processo conhecido como nucleossíntese.
Nos milhares de anos seguintes, a temperatura do Universo caiu ainda mais, de modo que a energia dos elétrons
diminuiu o suficiente para que fossem atraídos pelos núcleos atômicos existentes, formando os primeiros átomos
de elementos leves, mas não ainda de elementos como carbono e oxigênio.
A origem das galáxias
Quando o Universo apresentava algo em torno de 1 bilhão de anos, grandes aglomerações de matéria
começaram a se formar no espaço, dando origem a nebulosas, que são nuvens formadas essencialmente por
hidrogênio, e onde constantemente ocorre a formação de estrelas.
Estrelas se formam quando algumas áreas de nebulosas acumulam grandes densidades moleculares, de modo
que a pressão e a temperatura elevadas levam à ocorrência de reações de fusão nuclear, pelas quais hidrogênio
deutério (massa atômica 2, contendo um próton e um nêutron) se funde a hidrogênio trítio (massa atômica 3,
contendo um próton e dois nêutrons), formando hélio 5 (massa atômica 5, com dois prótons e três nêutrons, muito
instável), que logo forma hélio 4 (massa atômica 4, com dois prótons e dois nêutrons), liberando um nêutron e
quantidades massivas de energia.
Em algumas estrelas de massa muito grande, as reações de fusão nuclear acabam por originar os elemen-
Deutério
Trítio
Hélio
Nêutron
Energia
Fusão nuclear
tos químicos mais pesados que o hélio. Ao envelhecerem e explodirem em eventos conhecidos como super-novas, essas estrelas ejetam esses elementos, que então são espalhados pelo espaço, podendo compor outras
nebulosas.
Várias estrelas podem se aglomerar em regiões denominadas galáxias. Aquelas na qual o nosso sistema solar
se localiza é conhecida como Via Láctea.
A origem do Sistema Solar
Há cerca de 4,7 bilhões de anos, uma nebulosa composta de hidrogênio e partículas de poeira localizada na Via
Láctea deu origem ao nosso Sol, a partir do hidrogênio, e ao sistema planetário, a partir das partículas de poeira.
Uma vez que o Sol se formou, os restos da nebulosa inicial permaneceram circulando o mesmo na forma de um
disco em espiral. Em alguns pontos dessa espiral, aglomerados de poeira e gases começaram a constituir proto-
planetas, também conhecidos como planetesimais, cuja composição dependia da distância ao Sol. Naqueles
mais próximos do Sol, as temperaturas elevadas promoveram a perda de substâncias voláteis, como os gases,
dando origem aos planetas rochosos, à base de silicatos, que são Mercúrio, Vênus, Terra e Marte. Naqueles
mais distantes do Sol, as temperaturas mais baixas possibilitaram a condensação do material volátil, acumulando
silicatos e gelo, de modo a assumir massas da ordem de várias vezes a da Terra, que acabaram por atrair ainda mais
matéria pela sua atração gravitacional, principalmente gases, dando origem aos planetas gasosos, que são Júpi-
ter, Saturno, Urano e Netuno. Algumas partículas restantes originaram outros corpos no Sistema Solar, como
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asteroides, à base de rochas, e cometas, à base de gelo. (Plutão, a partir de 2006, deixou de ser considerado um
planeta, passando a ser incluído na categoria de planeta-anão, junto a outros corpos como Ceres).
O Sistema Solar em escala: observe a diferença de tamanho dos
planetas rochosos (os quatro primeiros; na sequência, Mercúrio,
Vênus, Terra e Marte), bem menores, para os planetas gasosos
(os quatro seguintes; na Júpiter, Saturno, Urano e Netuno). Plutão
não é representado porque, como mencionado, não é mais con-
siderado planeta...
Crosta
Manto
Núcleo externo
Núcleo interno
As camadas da Terra. Existe um núcleo interno, sólido, á base
de níquel e ferro, e um núcleo externo, líquido, também à base
de níquel e ferro. O manto pastoso é composto essencialmente
de silício e magnésio, tendo consistência pastosa e formando o
magma expelido pelos vulcões. A crosta terrestre, camada mais
fina, é a mais externa e de consistência sólida, tendo composição
semelhante à do manto, mas com elementos mais leves como car-
bono, oxigênio e nitrogênio. A crosta flutua sobre o magma do
manto, o que acaba por gerar os movimentos das placas tectôni-
cas responsáveis pelo fenômeno de deriva continental.
AS IDEIAS DE OPARIN SOBRE A TERRA PRIMITIVA E A ORIGEM DA VIDA
O Sistema Solar e a Terra devem ter se formado há cer-
ca de 4,55 bilhões de anos. Os planetas começaram a se
formar da nuvem de matéria que originou o nosso sistema
solar, quando se juntaram rochas, ferro e diversos metais
pesados. À medida que esses materiais se agregavam e os
planetas cresciam, maior se tornava a gravidade. Em deter-
minado momento, os planetas já conseguiam atrair e reter
por gravidade até mesmo elementos leves, como os gases
hélio e hidrogênio, que passaram a formar uma camada
gasosa mais externa: a atmosfera primária ou primordial.
Nos planetas mais próximos do sol, inclusive a Terra, a
atmosfera primária foi logo varrida pela turbulência das
emanações solares, os chamados “ventos de energia solar”.
Como resultado, esses planetas ficaram praticamente sem
atmosfera primária ao redor.
A atividade interna dos planetas, porém, liberou diversos
gases. Nos planetas maiores, esses gases ficaram retidos
por gravidade junto à superfície, constituindo a atmos-
fera secundária ou primitiva da Terra. Oparin, baseado
em dados de espectrofotômetros (aparelho que analisa a
composição química de estrelas e planetas distantes), da-
dos geológicos de rochas (pegando-se rochas de datas
antigas, próximas à origem da Terra e verificando os gases
que estariam em contato com essas rochas) e de material
expelido de vulcões (já que o vulcanismo teria sido bem
mais comum à época da origem da vida), supôs que a at-
mosfera primitiva da Terra era composta de metano (CH
4
),
amônia (NH
3
), gás hidrogênio (H
2
) e vapor d’água (H
2
O)
(observe que estes compostos possuem átomos de car-
bono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio, os principais ele-
mentos químicos constituintes da matéria orgânica). Hoje,
acredita-se que essa atmosfera devesse incluir também
gases como gás carbônico (CO
2
), gás nitrogênio (N
2
),
gás sulfídrico (H
2
S) e outros.
A temperatura inicial do nosso planeta deveria ser altís-
sima. Durante os primeiros 700 milhões de anos não houve
superfície sólida na Terra então uma bola incandescente,
constituída por rochas fundidas. A abundância de ma-
terial radioativo no solo contribuía para a manutenção
dessas altas temperaturas. Foi somente após essa época
que começou a se formar, devido ao resfriamento pela ir-
radiação de calor ao espaço sideral, bem como do decai-
mento do material radioativo, uma fina camada de material
rochoso sólido, a futura crosta terrestre.
A água que havia no interior da Terra em formação era
expelida na forma de jatos de vapor e incorporada à at-
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células
(vivas)
coacervados
(não vivos) - formação de
membrana
lipoprotéica
- aquisição de
material
genético e
capacidade de
reprodução
- aquisição de
metabolismo
moléculas
orgânicas
complexas
coacervados
mudanças no
pH, alterações
de salinidade
moléculas
orgânicas
complexas
moléculas
orgânicas
simples
calor do solo
metano,
amônia,
vapor de
água, gás
hidrogênio
moléculas
orgânicas
simples
relâmpagos,
raios UV
mosfera. A superfície era quente demais para permitir a
existência de água líquida.
O vapor d’água formava densas nuvens. Ao subir para as
camadas mais altas da atmosfera acabava se condensan-
do e caindo como chuva. Ao chegar à superfície da Terra,
por esta ser muito quente, a água evaporava novamente,
subia às camadas mais altas da atmosfera, se condensa-
va e acabava caindo na forma de chuva novamente. Este
processo, repetindo-se, levou a um lento resfriamento da
superfície terrestre, o que permitiu o acúmulo de água, for-
mando os primeiros mares, que mais pareciam lagos, por
serem pequenos e rasos.
As chuvas abundantes levavam ao aparecimento de
relâmpagos com grande frequência e a ausência de ozônio
na atmosfera castigava a mesma com o bombardeamen-
to de raios ultravioleta. Estas duas formas de energia
(relâmpagos e raios UV), além das altas temperatu-
ras, ao incidirem sobre os componentes da atmosfera
provocavam reações e recombinações entre eles,
formando as primeiras moléculas orgânicas simples
(aminoácidos, monossacarídeos etc).
Estas primeiras moléculas orgânicas simples ficavam na
atmosfera em suspensão até que a chuva as arrastasse, le-
vando-as para o solo quente. Nas rochas quentes do solo
elas reagiam, formando moléculas orgânicas complexas
(proteínas, polissacarídeos, etc). Isso ocorre através de
uma reação de polimerização por desidratação intermo-
lecular (síntese por desidratação) mediada por calor.
As moléculas orgânicas complexas eram então levadas
até os mares primitivos, onde se acumulavam. Esses
mares rasos teriam assumido uma concentração tão alta
de matéria orgânica que Oparin se referia a eles como
sopa ou caldo primordial.
As moléculas complexas (coloides) se agregavam na
água, especialmente diante de condições como a mu-
dança de pH no meio, o que ocorria quando determinadas
rochas eram dissolvidas pela água dos mares cujos níveis
começavam a aumentar. Essas moléculas orgânicas com-
plexas eram envoltas por camadas deágua (de solvatação)
que permitiam um certo grau de isolamento do meio ex-
terno. Isso possibilitava a ocorrência de reações químicas
dentro do conjunto de moléculas impossíveis de ocorre nas
condições externas. Esses sistemas de moléculas envoltas
pelas camadas de solvatação foram os precursores da vida,
estruturas chamadas hoje de protobiontes. No caso de
Oparin, esses protobiontes foram chamados de coacer-
vados.
Esses passaram a abrigar material genético (correspon-
dente aos protogenes, primeira forma e armazenamento
de informações genéticas; possivelmente RNA e depois
DNA) para armazenar informações sobre as reações quími-
cas realizadas e poder repeti-las, bem como copiá-las em
outras estruturas semelhantes.
O que teria marcado a transição dos protobiontes
como os coacervados (não vivos) para as células (vi-
vas) no início da vida teriam sido principalmente dois as-
pectos:
- O surgimento de uma membrana lipoproteica
responsável pela manutenção da homeostase do organismo,
uma vez que ela isola a célula do meio e controla a composição
da célula (os coacervados se isolavam do meio através de uma
camada de água, a camada de solvatação, pouco eficiente
como agente homeostático);
- O aparecimento de material genético, capaz de con-
trolar o metabolismo celular pela síntese proteica e, prin-
cipalmente, regular as atividades reprodutoras.
Todo esse processo teria durado cerca de 1 bilhão de
anos a partir da formação do planeta, de modo que os fós-
seis de microorganismos conhecidos de maior idade têm
cerca de 3,7 bilhões de anos.
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Por mais que toda essa história seja muito bem contada, ainda é uma especulação. Não é possível se ter certeza de que a
atmosfera primitiva tinha a composição que Oparin acreditava, que a Terra primitiva era quente e as chuvas frequentes, que
relâmpagos teriam estimulado a formação das primeiras moléculas orgânicas etc. Não se pode entretanto afirmar que todo
o processo descrito por Oparin seja produto de uma imaginação muito fértil e seja completamente "chute": Oparin embasou
seu raciocínio em dados astronômicos e geológicos. Mas, na década de 1920, suas ideias continuavam sendo especulações,
e não havia certeza da viabilidade delas. Até os experimentos de Miller...
OS EXPERIMENTOS DE MILLER REFORÇAM AS IDEIAS DE OPARIN SOBRE A
PRODUÇÃO DE MOLÉCULAS ORGÂNICAS SIMPLES
Em 1953, o estudante e pesquisador Stanley L. Miller e seu orientador Harold Urey construíram um tubo fechado de
vidro, com uma ampola onde se tinha uma mistura de gases metano, amônia e hidrogênio, simulando a suposta atmos-
fera primitiva, uma parte mais inferior em “U” com água líquida aquecida que simulava os rasos mares primitivos e
levava à formação de vapor de água, e descargas elétricas frequentes nos tubos simulando relâmpagos.
Depois de alguns dias, observaram uma mistura viscosa e avermelhada. A análise química da mistura mostrou ser formada
de moléculas orgânicas simples, como aminoácidos e precursores de bases nitrogenadas, originadas a partir dos gases e
descargas elétricas.
Experimento de Miller e Urey.
Os experimentos de Miller não provam que Oparin estava certo. Afinal de contas, o experimento não confirma a com-
posição da atmosfera, nem a presença de relâmpagos, etc. O que Miller mostra é que as ideias de Oparin são viáveis,
ou seja, que se a atmosfera da Terra primitiva fosse aquela, se houvesse relâmpagos frequentes etc, moléculas orgânicas
podem ter se formado. De qualquer modo, faz com que as ideias de Oparin sejam as mais aceitas para explicar a origem da
vida atualmente.
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OS EXPERIMENTOS DE FOX REFORÇAM AS IDEIAS DE OPARIN SOBRE A
PRODUÇÃO DE MOLÉCULAS ORGÂNICAS COMPLEXAS
Em 1957, outro pesquisador, Sidney Fox submeteu misturas de aminoácidos secas ou úmidas à ação do calor, simu-
lando o calor das rochas e da água do mar que, supõe-se, havia na Terra pré-biótica. A partir daí, notou a formação
de moléculas orgânicas complexas, no caso proteínas. Assim, ele mostrou que o calor podia promover a polimerização
de moléculas orgânicas simples em moléculas orgânicas complexas. Misturas úmidas de aminoácidos em apresentavam
resultados semelhantes.
O mesmo Fox, ao aquecer proteínas em água levemente salgada, verificou a formação de esferas microscópicas, agrega-
dos protéicos envoltos por camadas de solvatação, aos quais ele chamou microsferas, mas que claramente correspondem
aos coacervados de Oparin. Tais microsferas, acredita-se, deviam existir na Terra pré-biótica e devem ter sido protobiontes,
precursores da primeira célula.
Os experimentos de Fox também não provam que Oparin estava certo, mas novamente confirmam que
suas ideias são viáveis. Caso a atmosfera primitiva fosse aquela baseada em metano, amônia, vapor de água
e hidrogênio, e ela fosse submetida a relâmpagos frequentes, moléculas orgânicas simples podem ter sido
formadas. Bem como se eles tivessem sido submetidos ao calor de rochas, moléculas orgânicas complexas
também podem ter sido formadas. E por fim, se essas moléculas orgânicas complexas tivessem se acumu-
lado em mares primitivos rasos e de alta concentração, protobiontes podem ter surgido.
QUESTIONANDO AS IDEIAS DE OPARIN
A atmosfera de Oparin com metano, amônia, vapor d'água, gás sulfídrico e hidrogênio é uma suposição baseada
em dados de espectrofotômetros (aparelho que analisa a composição química de estrelas e planetas distantes) e dados
geológicos (analisando-se rochas de datas antigas, próximas à origem da Terra e verificando os gases que estariam em
contato com essas rochas) e de material expelido de vulcões (já que o vulcanismo teria sido bem mais comum à época da
origem da vida).
Entretanto, os dados obtidos por Oparin são da década de 1920, e muitas novas descobertas ocorreram desde então,
pondo em dúvida alguns dos princípios de suas ideias.
- Questiona-se hoje se realmente haveria metano e amônia em grandes quantidades na atmosfera, uma
vez que eles seriam quebrados pela ação dos raios UV do Sol. Talvez houvesse na verdade CO2 em abundância,
vapor d’água, hidrogênio e nitrogênio (N2). Ou talvez CO2, CO, N2 e H2O. O lado interessante dessa situação, que
é na verdade um ponto positivo a favor de Oparin, é que realizando o experimento de Miller com outras com-
posições de gases, como, por exemplo, com gás carbônico ao invés de metano e gás nitrogênio ao invés de
amônia, ainda assim se formam moléculas orgânicas.
- Questiona-se também se a atmosfera primitiva teria um poder redutor tão grande assim, ou seja, se
realmente haveria tanto hidrogênio (essencial à formação de moléculas orgânicas), uma vez que é muito reativo.
Ao fazer o experimento de Miller com um teor menor de H na composição, torna-se mais difícil a obtenção
de moléculas orgânicas, aparecendo muito CO e óxido de nitrogênio.
- Fazendo os experimentos de Miller, consegue-se aminoácidos, ácidos orgânicos, bases nitrogenadas e
outros compostos, mas não nucleotídeos ou açúcares, essenciais para o organismo vivo. Esse é, no entanto,
um argumento fácil de ser derrubado: com as enzimas adequadas, moléculas orgânicas podem ser obtidas a partir da
transformação de outras previamente existentes.
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DNA DNA RNA proteína
replicação transcrição tradução
Apesar desses questionamentos, a hipótese
da evolução gradual dos sistemas químicos ou
hipótese da coacervação de Oparin ainda é a
mais aceita pela Biologia atual.
QUEM FOI O PRIMEIRO
MATERIAL GENÉTICO: O DNA,
O RNA OU AS PROTEÍNAS?
Em relação aos protogenes, primeira forma de armaze-
nar informações, vem uma pergunta: quem veio primeiro
como material genético, o DNA ou a proteína? A origem dos
dois deve ter ocorrido mais ou menos ao mesmo tempo, a
partirda polimerização dos compostos orgânicos simples
pelo calor das rochas e dos mares primitivos como descre-
via Oparin. A pergunta a respeito de quem foi o primeiro
composto a funcionar como material genético é, no entan-
to, uma questão bem mais delicada.
- Uma vez que o DNA só forma outro DNA por autodu-
plicação se houver uma enzima (proteína) catalisando a
reação, pode-se dizer que o DNA depende de enzimas para
sua produção.
- Só que as proteínas só podem ser formadas através
das informações contidas no DNA, que controla a síntese
protéica, de modo que também é válido dizer as proteínas
(e consequentemente as enzimas) dependem do DNA para
serem produzidas.
Assim, nos dias atuais, segundo o dogma central da Bi-
ologia Molecular, há uma interdependência entre o DNA e
as proteínas.
Em 1981, o biólogo Thomas Cech fez uma descoberta
que veio a trazer uma luz a essa questão. Cech descobriu
algumas formas de RNA catalíticas, às quais ele chamou
ribozimas. No início, as ribozimas foram identificadas em
organismos simples como protozoários, mas hoje nós sabe-
mos que mesmo em células eucarióticas, algumas molécu-
las de RNA ribossômicos têm ação catalisadora. Alguma
formas de ribozimas são inclusive capazes de catalisar sua
própria autoduplicação. Por mais que as ribozimas não
sejam catalisadores tão eficientes como as enzimas, um
cenário interessante sobre a origem do material genético
começou a ser desenhado.
A HIPÓTESE DO MUNDO DO
RNA
O RNA deve ter sido o primeiro material genético
A hipótese do mundo do RNA, apesar de sugerida por
alguns autores na década de 1960, mas foi mais bem or-
ganizada por Walter Gilbert em 1986. Ela acredita que no
mundo pré-biótico, algumas moléculas de RNA tenham
sido ribozimas capazes de catalisar sua própria autodupli-
cação (numa espécie de autocatálise). Isso dispensaria a
ação do DNA como armazenador da informação genética,
bem como as enzimas do papel de catálise. Essas ribozimas
autocatalíticas teriam sido a primeira forma de materi-
al genético, o que traria uma série de vantagens para a
pré-vida:
- O RNA autocatalítico dispensaria o auxílio de
enzimas em seus processos de autoduplicação.
Lembre-se que a capacidade de autoduplicação (re-
produção) é a essência da definição de vida.
- O RNA apresenta uma instabilidade maior
que o DNA, devido à sua fita simples, sofrendo
mutações mais facilmente e possibilitando uma
grande variabilidade. Assim, ele mudava frequente-
mente, e cada mudança era acompanhada do apare-
cimento de novas características. Atualmente, essas
mudanças excessivas seriam prejudiciais, uma vez
que as reações metabólicas estão todas bem organi-
zadas; entretanto, numa época em que essas reações
estavam ainda sendo desenvolvidas, quanto mais
novidades surgissem, maiores as chances de alguma
delas ser útil. Graças a algumas dessas mutações,
o RNA teria adquirido a capacidade de coordenar
a síntese proteica, desenvolvendo enzimas capazes
de tornar a autoduplicação bem mais eficiente. Lem-
bre-se que as ribozimas são catalisadores de baixa
eficiência.
No mundo pré-biótico, a competição entre as moléculas
de RNA pelos recursos do meio deveria ser acirrada, uma
vez que o suprimento de moléculas orgânicas no caldo pri-
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mordial deveria ser limitado. Os RNAs que se duplicavam competiam pelos nucleotídeos livres no meio e pelas fontes de
energia química no meio (provavelmente o ATP já existia e era a fonte primordial de energia química, como nos dias de hoje).
Quem se autoduplicasse com maior velocidade tinha clara vantagem, pois estaria com mais cópias de si mesmo
quando o esgotamento dos recursos ocorresse.
Na competição entre os RNAs autocatalíticos e os RNAs que usavam enzimas em sua autoduplicação, esses
últimos, bem mais eficientes, levaram a melhor, tornando-se a forma predominante de RNA.
O papel da membrana plasmática
A membrana plasmática foi de grande auxílio nessa competição entre moléculas de ácidos nucléicos no início da vida:
além de manter a homeostase funciona como uma estratégia de seleção natural, de modo que as enzimas "inventadas" por
um ácido nucleico ficavam restritas a ele, não podendo ser utilizadas por outro ácido nucleico "concorrente" (o que aconte-
ceria se a enzima estivesse livre no meio).
O DNA assumiu o papel de material genético
A partir do momento em que a maioria das reações metabólicas haviam sido desenvolvidas, o RNA instável altamente mu-
tante deixou de ser vantagem: qualquer mudança agora ofereceria o risco de desmontar a sequência de reações necessárias
à manutenção do metabolismo dos organismos que se desenvolviam. Nesse momento, o DNA assumiu a condição de ma-
terial genético.
O DNA deve ter surgido como um intermediário na duplicação do RNA. Observe:
O RNA fita dupla que aparece nesse processo
deve ter originado o DNA. O DNA apresenta uma
série de vantagens sobre o RNA como material
genético:
- O DNA, graças à sua fita dupla mantida
por pontes de hidrogênio, é mais estável
que o RNA, sendo menos vulnerável a mu-
tações. Isso possibilita um armazenamen-
to mais seguro de informações genéticas,
já que, como mencionado, qualquer erro ago-
ra no mecanismo de duplicação ou de síntese
proteica pode levar a um defeito metabólico.
Além disso, é bom lembrar que a desoxirribose
é mais estável, e consequentemente menos reativa que ribose, contribuindo para a maior estabilidade do DNA.
- O DNA apresenta uma capacidade de autoduplicação semiconservativa, bem mais eficiente e segura que
a replicação do RNA. O DNA possui também mecanismos de reparação que diminuem os erros provocados em sua
sequência a um mínimo necessário para a evolução. Esses mecanismos e baseiam na existência das duas fitas, em que
erros numa das cadeias podem ser corrigidos tomando como molde a cadeia intacta.
Dessa maneira, o DNA assumiu e mantém até hoje a função de material genético, coordenando a duplicação e o metabolismo
da célula.
Pelo fato de todas as espécies atuais, salvo raríssimas exceções, guardarem um mesmo código genético (isto é, uma mesma
maneira de ler a informação genética), o que nos leva a chamá-lo de universal, acredita-se que todos os organismos atuais
compartilhem de uma mesma origem evolutiva. Pesquisadores de origem da vida costumam se referir a esse primeiro organismo
hipotético, que evoluiu para originar todos os demais, pelo termo “Luca” (um acrônimo para “last universal common ancestor”,
ou seja, “último ancestral comum universal”).