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saberes.senado.leg.br Racismo Estrutural e Práticas Antirracistas SUMÁRIO MÓDULO I – FUNDAMENTOS PARA ENTENDER O RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL ............................................. 4 Unidade 1 - O Uso do Termo Raça e Racismo ...................................... 7 Unidade 2 - Presença Negra no Brasil: Escravidão, Desigualdade e Preconceito ................................................................... 10 Unidade 3 - Já Podemos Falar em Racismo Estrutural? ........................ 13 Unidade 4 - Um Pilar a Mais: as Ideias de Branqueamento da População Brasileira ...................................................................... 15 MÓDULO II – AÇÕES POLÍTICAS E A RESISTÊNCIA NEGRA ............ 18 Unidade 1 - As Ações de Resistência Negra no Início do Século XIX ....... 22 Unidade 2 - A Resistência Quilombola ................................................ 28 Unidade 3 - As Revoluções Negras na América Latina e os Desdobramentos no Brasil .............................................. 36 Unidade 4 - Os Aspectos Jurídicos e a Luta Negra por Liberdade ........... 39 MÓDULO III – AS DIFERENTES FORMAS DE RACISMO E A LUTA ANTIRRACISTA NO BRASIL ..................................... 43 Unidade 1 - As Diferentes Formas de Racismo na Sociedade Brasileira .. 47 Unidade 2 - Feminização Negra: O Racismo Estrutural Inerente à Mulher Negra Brasileira ............................................................. 52 Unidade 3 - A Uberização do Trabalho ............................................... 61 Unidade 4 - A Construção da Luta Antirracista no Brasil ....................... 67 MÓDULO IV – MECANISMOS E MANIFESTAÇÕES COTIDIANAS ....... 80 Unidade 1 - Microagressões: O que são e como Identificá-las ............... 83 Unidade 2 - Piadas e Preconceito ...................................................... 87 Unidade 3 - Estereótipos Raciais e seus Impactos ............................... 91 Unidade 4 - Efeitos do Racismo na Saúde Física e Mental ..................... 96 Unidade 5 - A Desigualdade Racial sem Acesso a Oportunidades e Recursos: O Racismo Ambiental .................................... 101 REFERÊNCIAS .............................................................................. 104 SENADO FEDERAL INSTITUTO LEGISLATIVO BRASILEIRO UNIVERSIDADE ZUMBI DOS PALMARES CURSO DE FORMAÇÃO RACISMO ESTRUTURAL E PRÁTICAS ANTIRRACISTAS 2023 MÓDULO I – FUNDAMENTOS PARA ENTENDER O RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL OBJETIVOS Ao final do módulo você será capaz de: Contextualizar o racismo do ponto de vista conceitual, histórico, social e político; Identificar o processo histórico escravista brasileiro; Distinguir as noções de raça e racismo. APRESENTAÇÃO Você sabe o que é racismo? Quantas vezes já ouviu falar que uma pessoa foi destratada ou humilhada por conta da cor da pele? Ao iniciar a reflexão sobre este tema é importante olhar o mundo que está à sua volta: sua casa, sua escola, sua universidade, o ambiente de trabalho, a rua, enfim, os espaços em que há relações sociais. Em todos eles o que se vê é diversidade. São homens e mulheres com características sociais e físicas diferentes. O racismo assume alcance grupos sociais das mais diferentes origens. Indígenas, negros, asiáticos, muçulmanos apenas para citar alguns exemplos, são tocados por olhares de desaprovação. Também a sociedade brasileira foi fundada a partir de múltiplos povos. De um lado estavam as tribos indígenas que habitavam o território. Após 1500, houve a chegada dos portugueses e outros europeus que colonizaram o Brasil. Em determinado momento houve também a vinda compulsória dos negros africanos oriundos de tribos e culturas distintas. Já no fechar dos olhos do século XIX uma gama de novos imigrantes europeus aportou no Brasil para ocupar a força braçal da indústria nascente. É dessa junção de culturas e elementos físicos que se formou a sociedade brasileira miscigenada e repleta de distinções. No entanto, o olhar do europeu que conduziu a construção do Brasil sobre a presença negra no desenvolvimento do país inseriu uma marca que deixa registros até os dias atuais. O cidadão negro, mulato, cafuzo, mestiço e tantos outros resultantes do processo miscigenação, foi sendo estigmatizado e rebaixado na estrutura social, econômica e política nacional. Num termo teórico, esta ação se refere ao racismo. E por que falar em racismo estrutural? Essa caracterização só é possível porque falas, hábitos e ações práticas estão impregnadas na vida cotidiana reafirmando o preconceito racial todos os dias. O que é visto como “brincadeira” é, na verdade, a reprodução da estrutura na qual a desigualdade prevalece. Negros e negras são estigmatizados por sua pele, seu cabelo ou sua origem de classe e gênero. O racismo estrutural atinge diretamente esta população que foi por séculos escravizada e sofre até hoje as consequências múltiplas desta construção histórica e social. Neste curso são apresentados elementos que permitirão ampliar a leitura e interpretação sobre o significado do racismo negro no Brasil, bem como a forma que ele assumiu e assume na vida cotidiana. Na medida que as relações de poder foram se constituindo o racismo delegou um lugar para a população negra e mestiça. Não apenas de maneira velada como analisaram alguns pensadores nacionais, mas também explicitamente no olhar, na fala, nas piadas, na não aceitação do negro em espaços variados. INTRODUÇÃO Falar sobre o racismo estrutural requer um olhar de observação e questionamento sobre os acontecimentos cotidianos. Quem diria que em pleno século XXI estaríamos vendo trabalhadores sendo resgatados de situações análogas à escravidão. O que isto significa? É que assim como os negros africanos trazidos para o Brasil durante o período colonial, sofriam castigos, ficavam aprisionados e tinham sua liberdade confiscada. O caso revelado em Bento Gonçalves, conhecida como a capital brasileira do vinho, demonstra que não nos desprendemos completamente da escravidão no Brasil. É com postura crítica e problematizadora sobre o alcance do racismo que podemos ver o enraizamento dele na vida comum das pessoas. Veja a matéria do jornal Extra Classe sobre o caso. Os maus tratos, choques e péssimas condições de higiene e alimentação a que foram submetidos os mais de 200 homens nordestinos, negros e mulatos, revelam a profundidade do racismo estrutural. É ele uma constante nas relações pessoais, na forma como se olha para a mulher negra, no padrão do cabelo liso, dentre tantos outros pontos que podem ser citados. Na sequência, você é nosso convidado para conhecer alguns conceitos e um pouco da história brasileira que caminhou até o momento presente e mantém intenso o debate sobre o racismo, mas sobretudo, a luta de resistência cotidiana. http://www.extraclasse.org.br/justica/2023/02/180-foram-resgatados-de-trabalho-escravo-para-vinicolas-de-bento-goncalves/ Unidade 1 - O Uso do Termo Raça e Racismo Para início das discussões sobre o racismo, o primeiro passo é analisar o termo raça. Isto porque o termo racismo é uma variante daquela palavra para designar um conjunto de ações de subalternidade da população negra e superioridade dos brancos. Mesmo sendo a sociedade brasileira miscigenada e fortemente marcada pela presença africana. De acordo com Kabengele Munanga, a palavra raça vem do italiano razza, derivado do latim arcaico que significa sorte, categoria ou espécie” (2003. p.1). De acordo com ele, o termo tem seus primeiros usos na zoologia e na botânica como conceito classificatório utilizado para animais e vegetais. Ou seja, é uma categoria longe de definir as sociedadespor meio de suas culturas. Esse termo, no entanto, passou a ser utilizado a partir do século XVI, momento da expansão europeia e conquista territorial, para dar maior espaço para os colonizadores e legitimar a dominação sobre as sociedades dominadas (MUNANGA, 2003). Isso porque se classificavam como superiores em relação às raças africanas, asiáticas e de demais povos originários encontrados na América Latina. Mesmo não sendo adequado, o termo raça tornou-se usual e ganhou campo dentro da sociedade que foi se desenvolvendo a partir dos parâmetros definidos pelos cientistas europeus. Foi o caso do alemão Johan Friedrich Blumenbach (1865) que em 1795, que classificou a humanidade em cinco raças: branca, negra, amarela, marrom e vermelha. Felizmente, uma outra gama de antropólogos e demais cientistas refutaram esta construção fantasiosa e reafirmaram que “raças humanas não existem (...) e as categorias 'raciais' humanas não são entidades biológicas, mas construções sociais” (PENA, 2005, p. 1). Logo, essa ação é política e ideologicamente construída para defender a ideia de superioridade de uma parte dos homens, no caso brancos, para com as demais culturas mundiais. https://ea.fflch.usp.br/autor/kabengele-munanga Caracterizar as pessoas por tipo de cabelo ou cor da pele acaba sendo o padrão a partir da sociedade eurocêntrica. Ou seja, o europeu, naturalmente branco se entende diante daquilo que é diferente dele. Figura: Raça Superior? Fonte: Wikipédia Exemplo maior dessa posição política foi a tentativa dos cientistas alemães nazistas em criar a raça alemã superior, nobres. Homens brancos, loiros, com biotipo forte e “perfeitos”. Em nome dessa perfeição, deficientes físicos, negros e judeus foram exterminados aos milhões durante a Segunda Guerra Mundial. A tentativa de perfeição e superioridade tornou a população negra escravizada e seus descendentes estigmatizados como inferior. No Brasil, o quadro ficou ainda mais grave em virtude dos mais de trezentos anos de escravidão dos africanos e afrodescendentes (RIBEIRO, 2022). Até aqui, o conceito desenvolvido de raça não se apresenta como racismo. O sufixo “ismo” confere um outro significado à palavra raça. Passa a significar doutrina, sistema, teoria, tendência, ideologia. Mas esses conceitos não surgem do nada. Há um conjunto de fatores que sustentam essa construção. Dentre eles está o processo histórico. https://en.wikipedia.org/wiki/Portal:History_of_science/Picture/7 Para nos guiar, é importante pensar quando é então que raça, um conceito das ciências biológicas, se constituiu como base ideológica para sustentar e orientar as relações sociais por critérios biotípicos, originando as desigualdades entre a sociedade? É o que você vai ver nas páginas a seguir. Unidade 2 - Presença Negra no Brasil: Escravidão, Desigualdade e Preconceito Para este momento do curso o objetivo é que você se questione sobre a seguinte problematização: Como a raça se torna racismo no Brasil? Quais foram os trajetos percorridos para que no Brasil o preconceito racial tenha que ser combatido por meio de legislação e políticas públicas? Afinal, onde o Brasil errou? A resposta é encontrada quando olhamos para o desenvolvimento histórico e social brasileiro. O que se encontra é a fundação da nação alicerçada na exploração de determinados setores, como o indígena que foi aprisionado ou exterminado literalmente em grande parte do território nacional (GOULART, 1975). Soma-se, após 1532, a chegada do negro no Brasil trazido compulsoriamente pelos portugueses. Assim, de acordo com Goulart (1975) a nação brasileira tem seus alicerces num dos mais cruéis regimes de exploração humana, a escravidão de africanos, africanas e seus descendentes. Chegaram gradativamente e estiveram sempre vinculados às atividades econômicas. Entre 1576 e 1600, foram trazidos para o Brasil aproximadamente 40.000 africanos escravizados. Posteriormente, entre 1601 e 1725, esse número foi para cerca de 150.000, sendo que a maior parte foi escravizada para o trabalho em grandes lavouras (SCHWARTZ, 1988). A grande maioria ficou localizada no Nordeste brasileiro e foram responsáveis pela produção e exportação da cana-de-açúcar. Fosse na lavoura ou na casa grande, os escravos eram a mão-de-obra de trabalho exclusiva. Figura: Estrutura do Navio Negreiro Fonte: Behance Você pode ver na imagem como era a estrutura do navio negreiro. O recorte mostra o interior daquele que foi o instrumento fundamental de tráfego legal e ilegal de tribos e famílias inteiras. No final do século XVII e ao longo do século XVIII, houve um acelerado processo importação de escravos fazendo funcionar a todo o vapor o tráfico de escravos (FLORENTINO, 2015). A violência sofrida pelos negros começava já no momento do transporte. Homens, mulheres e crianças eram separados já no embarque. Muitos preferiam se jogar no mar a viver sem liberdade. Outros morriam diante das péssimas condições de higiene, doenças e fome. Muitas famílias permaneceram para sempre separadas mesmo depois de chegarem ao Brasil. Nos navios negreiros eram transportados entre 300 e 500 africanos em amontoados de gente sem alimentação, ar e condições de https://www.behance.net/gallery/82332409/Navio-Negreiro?tracking_source=search_projects%7Cnavio+negreiro higiene (PINSKY, 2010). Isto justifica o termo navios tumbeiros já que a quantidade de perdas de vida era bastante alta no trajeto até o Brasil. Já na segunda metade do século XVII foram trazidos cerca de 360.000 africanos como escravizados. A crescente participação dos negros africanos na economia se ampliou com a descoberta do ouro em Minas Gerais. Assim, um robusto contingente populacional de africanos se formou no Brasil, chegando a ser a maioria da população (PINSKY, 2010). Os dados dão conta de que em torno de sessenta anos um milhão de negros aprisionados foram trazidos para o Brasil. Importante ressaltar que o número é muito maior uma vez que boa parte morria nos porões dos navios negreiros e sob o tráfego ilegal não existia controle algum (MARCÍLIO, 1999). Já no século XIX, com a chegada da família real em 1808 e mais tarde até o ano de 1850, com a abolição definitiva do tráfico transatlântico de escravizados, foram trazidos aproximadamente 1,5 milhão de africanos (PINSKY, 2010). Há historiadores que afirmam que o Brasil foi o país que mais recebeu africanos durante o período de expansão colonial europeia. Unidade 3 - Já Podemos Falar em Racismo Estrutural? O racismo estrutural se construiu a partir dessa fundamentação histórica e das relações culturais, sociais, políticas e econômicas decorrentes desse jogo de forças. Em cada uma dessas fases, a população negra e seus descendentes ficaram sob o domínio do senhor de escravo, eram tratados como objetos e, portanto, sem cobertura jurídica que amparasse as demandas negras pelas violências sofridas em seu cotidiano dentro e fora dos limites da casa grande. Os escravos compunham a riqueza material de cada proprietário português ou inglês. Aqueles que conseguiam alforria tentavam o comércio como mascate ou tornavam-se escravos de ganho nas ruas das cidades (PINSKY, 2010). A desigualdade social e racial era sentida nas ruas, na pele e na jurisdição. As alforrias eram compradas e as leis foram gradativamente libertando os escravos das amarras da escravidão. No entanto, não houve por parte do Estado brasileiro mecanismos de ruptura com essa base que alicerçava o preconceito e o racismo. Não houve na mesma medida a inserção dessa população nas políticas públicas da sociedade em construção, fosse no século XIX ou no desenvolvimento do século XX. São nesses pontos que você vai perceber que a definição de racismo é “uma forma de discriminação que leva em conta a raça como fundamentode práticas que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertenciam” (ALMEIDA, 2017). Os negros, mulatos, pardos, cafuzos, mestiços e todas as outras denominações possíveis, viveram em condições constantes de desvantagens ao longo da história brasileira. No Brasil, segundo Silvio Almeida (2017, s/p), o que temos é “a concepção estrutural do racismo como uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares”. O racismo tornou-se a regra da sociedade e passou a ser naturalizado. A estrutura do Direito e do Estado não apresentava saídas ao racismo estrutural, pelo contrário. A exemplo, quando a Lei Áurea extinguiu definitivamente a escravidão, os negros não foram colocados como trabalhadores para a sociedade capitalista nascente. Pelo contrário, se dirigiram para as áreas periféricas ou para os morros do Rio de Janeiro. Enquanto isso, uma leva de europeus era importada para trabalhar na lavoura e nas indústrias nascentes nas regiões entre São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Para esses houve a promessa de terras e salário (FERNANDES, 1978). Assim, a herança de desigualdade institucionalizada tanto quanto a cor da pele passou a ser o elemento de partida para o racismo. Unidade 4 - Um Pilar a Mais: as Ideias de Branqueamento da População Brasileira Você viu até aqui que a questão negra no Brasil foi determinante para a formação da sociedade brasileira nos aspectos sociais, políticos e culturais. Não se pode negar que os diversos momentos em que o país assumiu a dianteira da produção de cana-de-açúcar ou a exportação do ouro, apenas foi possível devido ao extenuante trabalho de negras e negros africanos e afro-brasileiros. A miscigenação já era um fato dado (FERNANDES, 1978). Além disto, o sincretismo religioso demonstrava a inserção cultural criada em âmbito nacional. As designações sociais para os negros encontraram no Brasil escravista terreno fértil para a construção de uma arquitetura social racializada que criou empecilhos ao exercício de uma cidadania plena mesmo enquanto liberto. As categorias sociais para o negro, o pardo e o mulato eram claramente definidas e, como tal, estabeleciam um lugar hierarquizado a cada um deles. Mas a profundidades das estruturas com caráter racista foram se aprofundando cada vez mais. No Brasil do final do século XIX e início do século XX, as interpretações darwinistas tiveram importante alcance entre os cientistas e intérpretes brasileiros. Charles Darwin entendia que as espécies passavam por um processo evolutivo e de aperfeiçoamento. O mesmo padrão foi adotado para as sociedades. Elas caminhariam um processo evolucionista. Homens como Nina Rodrigues e Oliveira Vianna defendiam a ideia de que o branqueamento era a solução para os problemas sociais brasileiros. Figura: “A Redenção de Cam” e o Branqueamento no Brasil Fonte: Wikipédia O quadro “A Redenção de Cam” (1895), do pintor espanhol Modesto Brocos, retrata a sociedade esperada pelos defensores dessa linha de pensamento. Na interpretação desses seguidores deveria ser incentivada a miscigenação entre negros e brancos para que a população fosse gradativamente se tornando mais branca do que mestiça e negra. A cena apresentada registra justamente esta “evolução”. A avó negra, a mãe parda, que tem um filho de homem branco, e seu descendente segue o fenótipo do pai, sendo também branco. Esse, por sua vez, na leitura dos defensores da branquitude, daria sequência a essa linhagem garantindo a mudança necessária para uma sociedade de melhor qualidade (MATTOS, 2009). Essa interpretação tinha em si um posicionamento preconceituoso que acentuava o racismo no Brasil. Tal interpretação foi felizmente contraposta por outros estudiosos e pensadores, que entendiam que a característica maior da população brasileira era a troca cultural entre os três pilares da formação social e cultural: os indígenas, os negros e o português. O necessário não era tornar https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Reden%C3%A7%C3%A3o_de_Cam%23/media/Ficheiro:Reden%C3%A7%C3%A3o.jpg a sociedade branca, mas sim, inserir os negros e descendentes nas políticas públicas nacionais (MATTOS, 2009). Outros pensadores também contribuíram para que a ideia de branqueamento fosse amplificada na sociedade brasileira entre o final do século XIX e início do século XX. É caso de Silvio Romero que defendia a ideia de que a mestiçagem brasileira era a solução regeneradora e não degenerativa como defendia seus pares europeus. Mas essa mestiçagem caminharia para “o tipo branco irá tomando a preponderância até mostrar-se puro e belo como no velho mundo” (ROMERO apud SKIDMORE, 1976, p. 53). Dessa forma, o Brasil do fim do século XIX era um país imerso em suas contradições, com o fim da mão de obra escravizada e uma tão grande desigualdade social e econômica e ainda em busca de não somente pensar, mas forjar uma identidade nacional que legitimasse a república nascente. Infelizmente o olhar dado à população negra não apontava para a afirmação de sua cultura e a construção da identidade. Tal ação visava assegurar que a desigualdade causada pelos mais de trezentos anos de escravidão pudesse começar a ser enfrentada. A questão racial era essencial e delimitava as fronteiras da cidadania e poder, já que esta camada da população ficava à margem do desenvolvimento social e político. MÓDULO II – AÇÕES POLÍTICAS E A RESISTÊNCIA NEGRA OBJETIVOS Ao final do módulo você será capaz de: Apresentar as formas de resistência do negro durante a escravidão; Contrapor a ideia de inferioridade histórica e política do negro demonstrando a luta de resistência dos escravizados nos movimentos sociais e políticos, em especial no século XIX; Demonstrar os movimentos sociais do século XIX a partir do olhar da negritude. APRESENTAÇÃO Você viu até aqui que o desenvolvimento histórico e social do Brasil, contou com a presença negra em momentos decisivos e colocou o país entre os principais exportadores de monocultura entre os séculos XVII e XIX. Foi a mão de obra dos trabalhadores e trabalhadoras africanos e descendentes que ergueram a sociedade brasileira. Já sabe também que sofreram horrendo castigos, prisões, mortes. A desigualdade social sempre existiu, já que a elite branca, açucareira, cafeeira ou exportadora de ouro nunca propôs uma outra organização social e jurídica que não fosse a escravidão entre o período colonial e o império. A dependência da força de trabalho do negro foi peça chave para o enriquecimento de uma parcela privilegiada da população. Agora, como sequência, você verá que, mesmo diante da tentativa de calar a voz do escravizado, a resistência pela vida, cultura e identidade sempre existiu. Essa defesa foi acompanhada de exemplos de outras nações negras que realizaram seus processos de independência e serviram de inspiração para diversos movimentos de luta. As ações a seguir servem para demonstrar que o movimento negro esteve sempre antenado com às demandas de defesa e luta, mesmo em meio às perseguições e castigos em que viviam. INTRODUÇÃO O Brasil foi o país que mais recebeu contingente populacional africano de escravizados. De acordo com Luiz Felipe de Alencastro (2000) quase cinco milhões de africanos chegaram ao Brasil nos trezentos anos de escravidão. Esse número confere um papel especial ao território. Foi aqui que os negros tiveram que reconstruir seus laços culturais e, mesmo, sua identidade. Ao mesmo tempo que estava à frente da vida econômica, sendo responsáveis por todas as forças de trabalho que produziram a riqueza nacional, os negros estavam também decididos a organizar suas lutas de resistência.O tratamento conferido à população negra saltava aos olhos uma vez que eram usurpados enquanto serem humanos. Teoricamente o branco colonizador, latifundiário e proprietário de escravos consideravam os africanos como objetos. Por tal diretriz era simplesmente substituível. As tentativas de contenção das reivindicações e críticas das extenuantes jornadas de trabalho sempre foram uma preocupação por parte da classe dominante. Por parte da multidão de escravos, a coisificação do escravo foi constantemente posta à prova uma vez que, como resposta aos castigos e maus tratos, muitos fugiam e se estabeleciam longe de seus antigos donos. Quilombos foram formados em todos os cantos do país e recebiam constantemente negros fugidos. Mas estas e outras formas de resistência não foram devidamente registradas e trabalhadas como pontos constitutivos da história brasileira. No decorrer do desenvolvimento histórico, por exemplo, essas lutas foram nada ou quase nada abordadas nos livros didáticos (MAIA, 2012). Em grande medida, as abordagens nos livros didáticos conferem às reivindicações do negro na história como rebeldia ou ações isoladas que se contrapunham ao poder legal. A ótica usualmente construída é a eurocêntrica que coloca a sua visão de mundo correta. E nela a ordenação das coisas se dão a partir do desejo e da realização da classe economicamente dominante. O Brasil é um país que sistematicamente busca negar a história e memória da escravidão. Não somente porque é incômoda, mas admiti-la é reconhecer que a sociedade tal como está, com sua elite política e econômica branca, é herdeira das riquezas e privilégios criados pela escravidão. Nessa interpretação, outro debate necessário se vincularia a ele, a reparação história (MUNANGA, 2003). Esta nova ordem das coisas pode se configurar como um momento de conceder o lugar necessário para todos os conjuntos de forças sociais e políticas que realmente sustentaram o desenvolvimento do Estado brasileiro. Por muito tempo, a partir da ideologia de uma democracia racial brasileira das décadas de 1930 e 1940, abordou-se a escravidão como se tivesse sido branda, leve e paternalista. A idealização da democracia racial, defendida por Gilberto Freyre, autor do livro Casa-Grande & Senzala publicado em 1933, fez esconder a verdadeira essência da formação nacional brasileira, que é preconceituosa e racista. O livro Casa-Grande & Senzala compõe a obra de Gilberto Freyre que em muito contribuiu para entender o Brasil a partir da ordem paternalista. No livro são abordadas as características culturais e sociais da relação entre a casa grande, lugar de pertencimento do branco e em que o negro assume diferentes relações sociais. Por outro lado, está a senzala, reservada aos negros onde os hábitos culinários, os cantos, a vida pessoal, o descanso e a violência estavam postos. O livro é um clássico e como tal merece ser lido para melhor conhecer o pensamento social brasileiro. Ainda que tenha feito uma importante contribuição, não só Gilberto Freyre, mas também outros pensadores, negaram que a ação histórica e social contra os negros foi violenta e cruel. A formulação de um pensamento social brasileiro assentado na convivência pacífica, é desmentida pelos documentos históricos e pela prática cotidiana para com a população negra e seus descendentes. Exemplo desta vida nada pacífica foram as respostas aos castigos sofridos por parte dos senhorios com fuga, formação de quilombos e as insurreições (PINSKY, 2010). Muitas delas não estão nos livros didáticos. Outras são descritas com ênfase ao papel da repressão legal. Somente um aprofundamento na investigação sobre o Brasil é que vai apresentar a verdadeira raiz da resistência negra. Unidade 1 - As Ações de Resistência Negra no Início do Século XIX Findado o século XVIII o auge da extração do ouro e a chegada da família real no início do século XIX foram momentos decisivos para que uma estrutura interna nacional fosse gradativamente construída. Isto se revela diante das diferentes forças sociais e políticas em constante movimento pensando e agindo de acordo com seus interesses. A história do Brasil no século XIX, em especial, se edificou em sustentada com debate político acerca da melhor condução para a ordem nacional. Este ponto deve ser entendido como atenção aos interesses das classes dominantes. O plural é usado por não haver um único poder dominante. As características locais do país definiram também as forças políticas e as demandas de cada uma delas (CARVALHO, 2015). O recorte histórico aqui delimitado é justificado por ser neste século o momento em que um conjunto de ações locais foram sendo desenvolvidas em cada uma das áreas do território nacional. No Nordeste, no Norte e na região Centro-sul, movimentos importantes foram iniciados concedendo maior espaço para as demandas locais. O que há de comum, em todas estas frentes é que a defesa dos interesses se organizou, principalmente, pelas armas e pela repressão aos movimentos de contestação que fossem contra a manutenção da Coroa, da Regência ou do Império. Soma-se a este aspecto, a subjugação das classes populares, em especial da população negra. A realidade da maioria1 dos trabalhadores escravizados era o trabalho extenuante por horas a fio, sem alimentação e sujeitos a castigos. A 1 Alguns escravos que conseguiam atividades como negros de ganho, ou seja, vendiam quitutes nas ruas ou mesmo aqueles que trabalhavam na casa grande, conseguiam ter uma vida com menor volume de castigos e ter contato com outras pessoas. Isto em grande medida permitia uma inserção social nas coisas do dia-a- dia. Já os negros escravos da senzala estavam diretamente vinculados aos castigos do senhor ou dos seus capatazes. expectativa de vida de um homem negro por volta de 1870 era de 20 anos (RIBEI RO, 2014). Ainda assim, em meio a um contexto de violência, esta população conseguiu encontrar meios de resistência, sendo os quilombos espalhados por toda parte do Brasil exemplos disso. A independência do Brasil em relação a Portugal em 1822 incentivou ainda mais os movimentos locais a olhar para suas localidades. De acordo com José Murilo de Carvalho, os portugueses “deixaram uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e latifundiária, um Estado absolutista” (CARVALHO, 2015). Por ser uma fase de transição para a formação do Estado Nacional, não houve, nos anos iniciais preocupação com a questão escrava. Este debate foi iniciado apenas na segunda metade do século liderado pelos abolicionistas. Até então a manutenção da escravidão foi o pilar de manutenção da ordem. Dessa forma uma série de movimentos políticos são deflagrados e revelam personagens importantes para história nacional. Muitos destes acontecimentos estão retratados nos livros de história e receberam o olhar histórico da classe dominante. Por consequência receberam uma leitura a partir deste lugar de dominação. Como forma de exemplificar um pouco da dinâmica deste período brasileiro, será apresentado na sequência alguns dos movimentos mais emblemáticos deste período. A intenção é que você consiga ter uma visão das reivindicações, dos personagens e de como deixaram suas marcas locais e nacionais. Mas principalmente evidenciar o papel do negro nestes fatos que ajudaram na formação do Estado brasileiro. Alguns desses movimentos foram compilados no livro Rebeliões da Senzala escrito por Clóvis Moura em 1952. O autor apresenta a luta do movimento negro espalhada pelo território, indo de norte a sul. Usavam diferentes tipos de estratégias de força frente o poder dominante. Revolução dos Alfaiates ou Revolução Baiana Iniciamos este percurso ainda com um pé no século XVIII. Isto porque não se pode deixar de falarsobre o importante movimento construído por negros escravos, libertos, trabalhadores de baixa renda e mulatos na província da Bahia em 1798. A capitania da Bahia era a maior cidade brasileira no século XVIII. A população girava em torno de 60 mil pessoas. Deste total, 48% era composta por negros escravos africanos e seus descendentes (SCHNEERBERGER, 2010). As condições básicas para a vida eram inexistentes. Ser branco ou negro era condição determinante para acesso a melhores condições de vida. Aos negros, mulatos e mestiços as condições eram ainda mais acentuadas uma vez que o trabalho pesado e a vida nas senzalas agravavam ainda mais a condição de pobreza e violência. Entre eles reinava a miséria, a fome e más condições de vida. Entre a população livre as altas cobranças de impostos eram pontos centrais no debate cotidiano. Todos estes pontos levaram à organização da Revolta2 dos Alfaiates. Interpretada por muitos historiadores como uma ação radical, defendiam a abolição da escravatura, o fim do preconceito, melhoria salarial entre outros pontos. A soma de tais conjuntos de fatores levou a uma organização que se iniciou em 1798 e marca a participação das camadas pobres dentro das lutas sociais brasileiras. Clóvis Moura afirma que a participação do negro neste momento histórico “tinha um grau de coerência que advinha da coincidência de interesses das camadas artesãs que o estruturavam e a classe escrava.” (MOURA, 2020, p. 67). A reação ao movimento foi bastante enérgica. Havia o medo de ocorrer aqui um movimento semelhante ao haitiano em que a abolição foi conquistada com violência e derrocada das classes dominantes. Foram reprimidos pelo exército legal, sendo as lideranças negras e mulatas mortas em praça pública. (PIMENTA, 2022). Já os brancos participantes do foram poupados e sofreram punições leves. A Cabanagem no Pará A Cabanagem, foi um movimento político e social que aconteceu entre 1835 e 1840, teve como protagonistas os cabanos. Estes eram formados pelas classes pobres, mestiças, negras, mulatas e libertas que diante das péssimas condições de vida expressaram suas insatisfações com um movimento organizado em torno de ideias progressistas (SANTOS, 2004). Iniciada com a participação de setores de classe média e proprietária a Cabanagem inovou dentre os demais movimentos daquele período histórico por ter entre seus membros decisórios a população pobre. Foi ela 2 É importante considerar que as ações de resistência fossem por parte dos negros ou pelos indígenas escravizados foram traduzidas por longo período histórico como rebeldes, descontentes, revoltosos. Tais adjetivos marcaram a interpretação na História conferindo a eles um lugar de desordem frente à construção nacional. responsável pela tomada do poder na província em uma fase em que as condições políticas e objetivas lhes eram favoráveis. Como objetivos tinham a liberdade nos mais diferentes sentidos: econômica, social e jurídica. Defendiam ainda a luta pela distribuição de terras como caminho para o fim da desigualdade social (SANTOS, 2004). A luta cabana significou a possibilidade de liberdade em diversos sentidos: jurídica, saindo da condição de escravos, liberdade econômica podendo ter a perspectiva de produzir mesmo que em pequena escala, liberdade cultural. A marca dos cabanos ficou viva entre a população local. Seja na população interiorana ou urbana a presença dos cabanos é relembrada por meio de poemas, monumentos e mesmo na educação. Neste último, durante meados da década de 1990, foi organizada a Escola Cabana, movimento pedagógico que colocava como principal pilar o aluno enquanto sujeito histórico. Da mesma forma, a formação continuada e um currículo renovado eram pilares deste projeto educacional. Figura: Memorial da Cabanagem, Oscar Niemeyer, 1985. A Revolução Farroupilha no Sul do País De acordo com Clóvis Moura (2020) os estados do Sul do país receberam um grande contingente de negros africanos apesar destes não representarem a maioria da população como em outras regiões. Ainda assim, foram a não de obra preferida para a lida com a pecuária e as demais atividades locais. O principal acontecimento político ocorrido na região foi a Revolução Farroupilha. Os líderes deste movimento eram saídos de classes abastadas que se contrapunham aos aumentos de taxas sobre seus produtos, principalmente o charque. Em razão disso organizaram investidas contra as forças legais a fim de pedir a baixa dos impostos e a liberdade de comercializar com os países fronteiriços. Na região, mais do que em qualquer outra, segundo Moura (2020), a os escravos recebiam alforria para compor as frentes de combate ao lado das lideranças brancas como Bento Gonçalves e Garibaldi. Além disto, a abolição dos escravos foi um ponto central durante a existência do movimento. Mesmo após a rendição forçada pelas tropas legais, os farrapos defendiam a abolição dos escravos. É sabido que a ocorrência de diferentes movimentos com a participação negra existiu em todas as fases do desenvolvimento de nossa história. No entanto, estas listadas anteriormente, dentre tantas outras, foram atos concretos da participação negra na contestação da escravização e das péssimas condições de vida em que viviam (MOURA, 2020). Mas se situam dentro de iniciativas de lideranças brancas. Na sequência são apresentados movimentos que são de organização exclusivas dos negros escravizados refletindo a luta cotidiana e a reivindicação por melhores condições de vida. Unidade 2 - A Resistência Quilombola Ao falarmos de ações políticas e de resistência, o principal ponto a ser evidenciado quando falamos na presença negra é a organização dos quilombos. De acordo com Clóvis Moura (2021), importante historiador da presença negra no Brasil, os primeiros registros de quilombos datam de 1559. Estas localidades eram caracterizadas por serem refúgios para os negros e negras que escapavam dos maus tratos de seus senhores. Como demonstrado no anúncio de jornal a seguir, a fuga era muito comum entre a população negra escravizada. Uma vez longe da casa-grande se agrupavam em espaços isolados e lá se reorganizavam social e politicamente, imprimindo um novo significado para sua existência. Nestes locais, de preferência ocultos e de difícil acesso, os escravos fugidos realizavam o sonho de viverem livres e independentes. Para além disso, era o espaço de rever pessoas e resgatar os laços ancestrais trazidos pela diáspora africana. Desta maneira, o quilombo se tornou um lugar efervescente e rico culturalmente. No Brasil os quilombos se espalharam rapidamente pelos quatro cantos do território, uma vez que a escravidão do negro africano foi a tônica do desenvolvimento econômico local, inserindo o país dentro do mercado internacional fosse do extrativismo mineral ou vegetal. Foi uma constante de resistência e organização sociocultural. Quilombo dos Palmares Como apontado anteriormente, uma das principais formas de resistência foi a formação de quilombos. Espalhado em todo o território nacional foram lugares de reprodução de cultura, de produtividade econômica e principalmente de garantia de liberdade. O principal deles foi o Quilombo dos Palmares localizado na Serra da Barriga, na região Nordeste, como apresentado na Figura. Figura: O Quilombo dos Palmares Fonte: Go Brazil Localizado entre o que hoje é o território de Alagoas e Pernambuco, reunia uma multiplicidade étnica. De acordo com Clóvis Moura (2020), os quilombos criavam sua seus próprios valores e hierarquia sem se prender ao modelo https://go-brazil.org/2014/11/20/black-awareness-day-in-alagoas/quilombo-dos-palmares-map/ estabelecido na vida anterior presos aos senhores de escravos. Pela figura, é possívelver que a estrutura era composta por vários outros quilombos de dimensões menores que se agrupava sobre a proteção coletiva. O autor afirma que cerca de 6 mil pessoas viviam na localidade. Mas outros historiadores chegam a falar de uma população entre 25 e 35 mil pessoas. A produção agrícola diversa assegurava a subsistência. Com o passar dos anos a necessidade de uma organização política surgiu já que a amplitude da força quilombola ia crescendo. Foi nele que o principal expoente da luta negra foi constituído. Zumbi dos Palmares foi um guerreiro escolhido entre seus pares e reconhecido pela sua liderança e méritos. O Quilombo se constituiu como uma república e, ao lado do líder máximo, estava um Conselho deliberativo que assessorava as decisões políticas (MOURA, 2020). Ao lado de Zumbi estava sua companheira Dandara, importante liderança representativa das mulheres palmarinas e que esteve ao lado de Zumbi mesmo nos momentos de luta armada para o enfrentamento das forças militares. Era ativa na vida social e política e se posicionava claramente diante dos demais líderes. Mesmo importante para o movimento negro a representatividade de Dandara foi sendo apagada diante da visão de mundo patriarcal. Seu principal líder foi Zumbi dos Palmares, homem escolhido entre seus pares devido os méritos por ser um forte guerreiro. Zumbi tinha ao seu lado um conselho de líderes que representavam os demais mocambos da área. Juntamente com Dandara, esteve à frente da organização social e política do Quilombo de Palmares. Ambos, defenderam a sociedade negra criada pelos escravos e lideraram homens e mulheres na resistência contra a violência branca (RIBEIRO, 2014). O Quilombo dos Palmares teve a maior extensão territorial e durabilidade. Assim também foi o enfrentamento diante as forças legalistas. Várias foram as investidas sem sucesso para a destruição daquele que entraria para a história brasileira como o principal exemplo de organização social e política dos negros dentro do modelo colonizador escravista. Palmares resistiu por 100 anos. Sua derrocada veio somente após lutas intensas e traições. Zumbi morreu em novembro de 1695 depois de permanecer escondido resistindo por cerca de um ano e meio aos ataques colonizadores. Deixou um importante legado para a história afrodescendente. Hoje, o dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, se fundamenta na luta do quilombo e em todos os demais momentos de resistência ao longo da existência negra. A Presença Viva dos Quilombos na Sociedade Atual Ainda hoje há comunidades que são originárias a partir dos quilombos. Tanto que no último censo do IBGE de 2022 publicado recentemente, mais de um milhão de pessoas se autodeclararam quilombolas, ou seja, remanescentes de quilombos e que vivem em áreas históricas onde a marca da sua cultura é a ancestralidade. O Censo 2022 revelou que os estados da Bahia e Maranhão, concentram 50% da população quilombola. Além disso, 30% das cidades brasileiras foram identificadas como tendo moradores que se caracterizam como quilombolas. O Vale do Ribeira na região sul do estado de São Paulo é um bom exemplo desta distribuição populacional. Na localidade vivem espalhados em várias cidades e asseguram a defesa da terra, do cultivo agroecológico e da cultura de seus antepassados. Para melhor organização social e principalmente econômica, os quilombolas se organizaram em torno de uma cooperativa agrícola, a Cooperquivale. A cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale) nasceu em 2012 a partir da demanda das comunidades Quilombolas de se organizarem para comercializar seus produtos agrícolas, florestais e turísticos. Foi fundada depois de um extenso processo de discussão entre as lideranças comunitárias e os parceiros regionais sobre o melhor formato, princípios e objetivos que norteariam a instituição. Composta por, aproximadamente, 256 cooperados exclusivamente quilombolas que residem nos munícipios de Eldorado/SP, Iporanga/SP, Itaóca/SP e Jacupiranga/SP. Contempla agricultores 16 comunidades Quilombolas e na sua composição possui 60% de mulheres agricultoras quilombolas. O cultivo de banana prata e nanica e de palmito pupunha, por exemplo, tem certa expressividade da participação dos homens. No entanto, os demais alimentos englobam maior diversidade tem o manejo preponderantemente das mulheres. A cooperativa trabalha principalmente com produtos oriundos da agricultura tradicional quilombola, que é da composição do uso da coivara ou roça de toco adaptada a região do Vale do Ribeira por mais de 300 anos de ocupação, gerando uma diversidade de itens alimentares que servem tanto para segurança alimentar quanto para geração de renda dos cooperados. Alguns dos produtos produzidos são: arroz, feijão, banana (nanica, ouro, zinca, prata, maça, vinagre, terra), palmito, batata doce, mandioca, cará, inhame, limão, laranja, abacate, abóbora, berinjela, chuchu, maná, verduras em geral e também produtos processados como banana chips, rapadura, taiada, mel e farinha. Para exemplificar a produção de cada área, o quilombo Poça apresenta menor diversidade de alimentos com foco em banana prata e banana nanica. Já os quilombos Nhunguara, Pilões, Galvão e São Pedro apresentam maior multiplicidade de alimentos para comercialização. Por meio da tabela a seguir é possível encontrar toda a listagem de produtos que compõem o Sistema Agrícola Tradicional Quilombola. O objetivo da cooperativa é promover a produção quilombola e sua comercialização nos mercados comuns e institucionais, contribuindo para geração de trabalho e renda nas comunidades e região. Possibilitar que a sociedade acesse alimentos de qualidade e saudáveis e valorize o Sistema Agrícola Tradicional Quilombola, com sua cultura e modos de vida. Os remanescentes de quilombos que ali estão são resultado da introdução do negro escravizado pelos bandeirantes que estavam à procura de minérios na atual região sul do estado de São Paulo. A Cooperquivale cumpre um importante papel de valorização da ancestralidade africana, no cultivo sustentável e na defesa da diversidade étnico-racial. Usam técnicas agrícolas que remontam a mais de trezentos anos de tradição. Usam o sistema de coivara que consiste em usar uma parte da terra por um ou dois anos e deixar que este espaço se recupere naturalmente. A continuidade da plantação é feita em outros lugares para que o próprio ecossistema nativo se desenvolva novamente. Durante a pandemia da Covid-19 os cooperados distribuíram mais de 220 toneladas de alimentos para favelas e moradores carentes de diversos municípios paulistas. Já no início alcançaram cerca de 35 mil pessoas com seus produtos agroecológicos e ancestrais. Isto foi possível porque cultivam uma variada gama de produtos. Tais aspectos fazem da Cooperquivale também um importante articulador do turismo histórico no estado de São Paulo e da promoção da cultura afro- brasileira. Soma-se a estes pontos a necessidade corrente de valorização da alimentação saudável que vai além do orgânica e tem origem na produção ancestral. A partir de 1988, a Constituição Federal definiu que o Estado deveria conceder o título definitivo da posse da terra a estas comunidades. No entanto, de lá para cá, foram poucos os quilombos reconhecidos e que hoje possuem esta garantia. Tal foi sua importância que os remanescentes de quilombos estão vivos defendendo a memória dos seus ancestrais. Atualmente, o país se encontra com um quadro crescente de terras quilombolas titulados e outras em processo de regulamentação. A imagem a seguir apresenta esse cenário que expressa o quanto os remanescentes de quilombos conseguiram se organizar, resistir e encontrar os canais de articulação para que o poder público assegurasse a existência do território e da memória dosancestrais africanos e demais descendentes. A regulamentação fundiária dessas comunidades é, portanto, uma vitória que pode ser inserida dentro do campo de políticas de reparação e ações afirmativas. Mesmo que o processo seja lento, é um ganho ter 179 terras tituladas e aproximadamente 1700 no trâmite para o reconhecimento de área remanescente de quilombo. Figura: Terras Quilombolas no Brasil (2019) Fonte: Portal Humanista https://www.ufrgs.br/humanista/2019/01/17/quilombo-lemos-resistencia-e-marca-na-luta-pela-preservacao-da-cultura-negra/ Para o momento atual, o que o levantamento do IBGE demonstra é que as políticas públicas para a população quilombola se revelam necessárias para assegurar a posse de seus territórios bem como o desenvolvimento de infraestrutura básica necessária nestas áreas. Guerra de Guerrilhas Além da fuga para os quilombos, os negros, durante o período de dominação, realizaram ações de combate contra as forças legais. Entra em questão as guerrilhas. É o caso do movimento que ocorreu em Belém do Pará, durante a Cabanagem, quando os negros que participaram do movimento de contestação à dominação portuguesa se refugiaram ao longo dos rios. No interior, juntamente com os indígenas, estabeleceram a guerra de guerrilha e resistiram às investidas das tropas legais por longo período (SANTOS, 2017). Unidade 3 - As Revoluções Negras na América Latina e os Desdobramentos no Brasil Os estudos sobre as lutas de resistência negra no território brasileiro não são completos se olhadas apenas dentro do país. Isso se justifica porque os movimentos externos na América Latina, colonizada por europeus, foram fundamentais para que os processos de contestação se ampliassem a partir do final do século XVIII. É o caso da Revolução do Haiti desencadeada a partir de 1790 e que teve alcance além de suas fronteiras. Naquele pequeno país, escravos conseguiram que o colonizador francês lhes concedesse a alforria (SANTOS, 2017). A libertação ocorreu em meio a uma guerra declarada, primeiramente com a Inglaterra e posteriormente com a própria força francesa. Liderados por Toussaint de Louverture (1743-1803) e Jean-Jacques Dessalines (1759-1806) os negros haitianos inauguraram um momento único no continente e na história da escravidão negra latino-americana. Ambos deixaram suas marcas e impediram a recolonização do país. Mas o principal feito foi a proclamação da independência colocando fim ao período de dominação francesa em 1804 (SANTOS, 2017). Saiba Mais: O vídeo a seguir apresenta informações sobre esse importante movimento negro que marcou a história do desenvolvimento dos negros revolucionários na América Latina. Para que você perceba a importância da Revolução Haitiana, os ecos do movimento chegaram ao Brasil e contribuíram para que negros escravizados, libertos e indígenas se apropriassem do precedente dos ex-colonizados franceses. As elites ficaram alertas para a possibilidade de levantes negros e de camadas populares. Além disto, após a chegada ao poder das camadas revolucionárias, Santos (2017) aponta que a economia local decresceu, causando um empobrecimento da elite branca e da população recém-liberta. Tal fato serviu de parâmetro para os demais países que agiam com intensa repressão diante de revoltas escravas ou populares. Influenciados pelos acontecimentos externos e diante de um aumento expressivo de africanos escravizados, as insurgências estouraram em todas as regiões do país. Para além do discurso oriundo da ideologia da democracia racial, os escravizados se insurgiram de várias formas possíveis contra o regime de escravidão. Houve diversas e ainda incontáveis insurreições e revoltas de escravizados por todo território brasileiro. A seguir são apresentadas algumas delas: https://www.youtube.com/embed/XQXnixDXvjQ?feature=oembed 1832 - Insurreição em Campinas. Na ocasião, negros de 15 engenhos arquitetaram um plano para sufocar os brancos e conseguirem sua liberdade. Entre as lideranças estavam o liberto João Barbeiro e Diego Rebolo (PIROLA, 2011). 1835 - Quilombo de Catucá ou Malunguinho em Recife/PE. Liderados pelo líder conhecido por Malunguinho viviam nas matas. De acordo com o historiador Marcus Carvalho (1996), a região já era um local conhecido para onde escravizados fugiam quando conseguiam escapar dos navios negreiros que atracavam em Recife. A posição estratégica, próxima a estradas importantes, favoreceu a resistência e interferência na política local, desestabilizando a repressão e facilitando a fuga de escravizados. 1835 - Revolta dos Malês em Salvador/BA. Na noite de 24 para 25 de janeiro de 1835, os líderes negros conduziram os escravizados da religião muçulmana, em número aproximado de 600 homens, contra as forças legais (REIS, 2003). Seu objetivo era a liberdade jurídica e religiosa. 1838 - Insurreição de Manoel Congo em Vassouras/Paty do Alferes no Rio de Janeiro. Nesse movimento, cerca de 80 escravizados fugiram nas terras do Capitão-mor Manuel Francisco Xavier. Assim como os demais acontecimentos, os participantes foram capturados, torturados e mortos. 1842 - Revolta do Negro Cosme no Maranhão. É considerada a maior insurreição de escravizados e negros da história do Brasil Imperial e ficou conhecida como Balaiada. Contou com cerca de três mil homens que se juntaram a Cosme Bento das Chagas, conhecido como “Negro Cosme”, na luta por liberdade, direitos dos campesinos e vaqueiros pobres. Essas poucas movimentações são apenas alguns olhares sobre a potencialidade de crítica e organização política da negritude escravizada e liberta no Brasil escravista. O século XIX ainda permitiu que outros tantos lugares tivessem sido alcançados pelos feitos daqueles que diariamente lutavam por liberdade e direitos. Unidade 4 - Os Aspectos Jurídicos e a Luta Negra por Liberdade É sabido que o Direito brasileiro fosse no período colonial ou durante o império que o negro compunha os bens dos senhores brancos, fazendo parte da lista de propriedades que estes possuíam. Assim, os negros escravizados foram tratados como objetos vivendo boa parte da sua existência durante a escravidão. A Constituição de 1824 apresentou alguns contornos, ainda tímidos, em relação aos direitos para os negros. A carta abordava limites para dados pelos senhores aos seus escravos. Como exemplo estava a questão dos castigos (RIBEIRO, 1999). A partir daquela data, ficava proibido o uso de açoites, marcar a pele com ferro quente, a tortura ou qualquer outro meio cruel de violência contra o escravo. A mesma Constituição de 1824 limitava a participação de negros na vida econômica, social e política, fossem eles escravizados e libertos. Isto porque no artigo 94 estava expressamente escrito ou ainda pela necessidade de uma renda mínima. Por exemplo, para candidatar-se a deputado a renda mínima necessária era quatrocentos mil réis líquidos (RIBEIRO, 1999). A urbanidade era também medida a partir da divisão social do trabalho. Enquanto os embates políticos aconteciam, a massa de trabalhadores escravos ou assalariados transitava em maior volume pelas cidades. A questão social no segundo império foi, portanto, caracterizada pela continuidade da presença negra escravizada. Estas “mulheres e escravos estavam sob a jurisdição privada dos senhores, não tinham acesso à justiça para se defenderem” (CARVALHO, 2015, p. 22). Já a Consolidação das Leis Civis, de 1858, não incluiu a questão negra em nenhum espaço do texto. Somente na revisão feia em 1875, após a Lei do Ventre Livre, de 1871, é que alguns aspectos foram sendo abordados (GOMES, 2006). De acordo com Gomes “parece que a elite da época, embora pretendesse parecer progressista, não queria expor a sua face verdadeira, mascarando-a, no caso do direito,por meio da ignorância à escravidão negra” (2006, p. 38). O caminhar para o final do século XIX, as alterações possíveis demandavam atenção e interesse do poder público para assegurar que a legislação proporcionasse garantias mínimas para a população negra, escravizada ou liberta. No entanto, o que foi sendo feito foram alterações lentas sem mudanças profundas no enfrentamento da inserção dessa população nas políticas públicas daquele momento. A legislação do império foi sendo pressionada pelos movimentos internos e externos a encontrar soluções para a escravidão. Os ingleses, principalmente, cobravam o cumprimento dos acordos para o fim do tráfego negreiro, que ocorria de forma clandestina, e que a alforria fosse feita. O interesse em obter mercado de consumo para seus produtos requeria maior número de homens livres que pudessem adquirir novos bens. No âmbito interno, a pressão ocorria por parte dos abolicionistas e republicanos que estavam desenhando a entrada da nação no século XX e requeriam novos campos de organização social e política para o Brasil capitalista nascente. A escravidão não mais atendia aos interesses das classes economicamente dominantes e, portanto, acabaram ficando de fora do processo de transformação social. Em termos legais a escravidão contou com as seguintes leis sobre o tema: 1850 - Lei Eusébio de Queirós: extinguia o tráfego de escravos. 1871 – Lei do Ventre Livre: por meio dela ficava decretado que todos os filhos de escravos, nascidos a partir daquele ano, estariam livres. 1885 – Lei do Sexagenário: os escravos acima de 60 anos estariam livres, desde que cumprissem um período de trabalho para seu senhor, a título de indenização. 1888 – Lei Áurea: fim definitivo da escravidão e liberdade imediata a todos os escravos. Entre esse espaço de tempo transcorrido, a pressão do movimento abolicionista e da própria organização dos negros escravizados e libertos pressionavam o sistema para que medidas fossem tomadas. No campo cível, as ações mais comuns eram as ações de liberdade. Essas ações, uma vez iniciadas na esfera jurídica, eram capazes de, ainda que não fossem atendidas, desafiar os poderes senhoriais e ser um campo para a luta por melhores condições de trabalho e vida (MATTOS, 2009). Com uma logística de resistência, driblavam os caminhos minados de processos judiciais, questionando os descaminhos para que, por fim, pudessem conseguir a tão sonhada liberdade. A aproximação com os abolicionistas e o papel de lideranças negras, como o caso de Luiz Gama, foram fundamentais neste período histórico. Saiba Mais: Luiz Gama foi um homem negro, advogado, filho de quituteira que lutou pela abolição da escravatura. Conheça um pouco mais sobre a vida desse herói brasileiro: Percebe-se que houve tempo para pensar em políticas públicas que antedessem a esses homens e mulheres que foram aos poucos saindo das amarras dos seus donos. Ao mesmo tempo, se dirigiram para as áreas https://www.youtube.com/embed/oWMIsr2Tckk?feature=oembed periféricas das cidades e foram substituídos por trabalhadores imigrantes europeus (CARVALHO, 2015). Por sua vez, os negros e negras, com uma logística de resistência, driblavam os caminhos minados de processos judiciais, questionando os descaminhos para que por fim pudessem conseguir a tão sonhada liberdade. É com esse espírito que a chegada do século XX abre um conjunto de desafios para a população liberta da escravidão, mas aprisionada pelo preconceito e o racismo. MÓDULO III – AS DIFERENTES FORMAS DE RACISMO E A LUTA ANTIRRACISTA NO BRASIL OBJETIVOS Ao final do módulo você será capaz de: Apresentar a organização da comunidade negra ao longo do século XX; Discutir as principais formas pelas quais o racismo estrutural está presente na vida de homens e mulheres; Introduzir elementos para pensar os espaços de defesa política e cultural da população negra a partir do século XX. APRESENTAÇÃO O presente módulo se destina a apresentar como a questão racial se constituiu ao longo do século XX e como o século XXI trouxe importantes possibilidades de ações afirmativas. Trata-se de um momento em que as bases do racismo estrutural se firmaram a partir da construção de um paradigma da branquitude. Ainda assim, este percurso histórico demonstrou a capacidade de organização do movimento negro em diferentes frentes, mas especialmente no campo cultural e no aspecto político. Diferentes espaços foram ocupados pela população negra como é o caso do Teatro Experimental do Negro ou o Movimento Negro Unificado. No campo político a processo de Assembleia Nacional Constituinte abriu espaço para que as demandas do povo preto estivessem em discussão: acesso à saúde, educação, habitação inseridos na Constituição Federal de forma a assegurar a garantia de direitos para negros e negras, ainda que numa sociedade marcadamente racista. Complementa este módulo a discussão de questões do presente. Primeiramente abordando o papel da mulher negra na sociedade atual. Suas conquistas e dificuldades demonstram o longo caminho a ser seguido, mas já há resultados positivos, principalmente no campo da educação tanto básica como educação superior. Um ponto relevante que marca a sociedade atual são as diferentes maneiras de organização de precarização do trabalho que envolve a população negra. Esteja presente nos bicos, entre os vendedores e vendedoras ambulantes ou o que ocorre hoje, na uberização do trabalho. A partir destes pontos iniciais busca-se discutir como o racismo estrutural está presente nas nossas relações cotidianas. INTRODUÇÃO O Brasil tornou-se uma República Federativa há 132 anos, deixando grande sequelas sociais para a população pobre e, principalmente, para os descendentes do processo de escravização, segundo a socióloga Ângela Alonso. Em seu livro Flores, votos e balas, a autora afirma que a monarquia brasileira deixou o seguinte tripé: uma participação política extremamente restrita, o escravismo como desigualdade social e o catolicismo como o defensor das hierarquias sociais. O moderno passou a servir ao arcaico. Isso porque, segundo Clóvis Moura, o Brasil entrou na modernidade sem haver mudança. Caminhou do processo de transição do escravismo para uma sociedade que entraria para uma economia industrializada. Se antes era apenas uma economia agrária (cafeeira) o século XX o inseriu no processo embrionário de industrialização brasileira. O novo país sem a escravização deixou uma lacuna social imensa para população negra. Entre vários aspectos podemos detalhar os seguintes episódios: O Brasil teve uma população que não foi incluída, que foi esquecida como cidadã. A condição de pobreza não é uma escolha, é uma condição dada para essa população que não teve, por parte do Estado, nenhuma política de inclusão desde o fim da escravidão. A sociedade brasileira entendia que a pobreza era um fato dado à essa população, desconsiderando o grande período de escravização, sem a implantação de mecanismos de inclusão. A pobreza ficou enraizada de forma naturalizada no inconsciente coletivo, da mesma forma que a escravidão foi naturalizada na história do Brasil, tirando a condição de humanidade da população pobre e negra brasileira. Essa questão estava tão internalizada no pensamento brasileiro que a pobreza era destinada a uma classe que estava fadada a tal situação. A pobreza não tinha uma intervenção do poder público ou do Estado. As obrigações com a pobreza ficavam ao cunho de grupos privados e religiosos, de forma clientelista, que mediavam o atendimento à população vulnerável e pobre. A pobreza era entendida e apresentada como uma fatalidade e era gerenciada pela igreja e pelos “homens bons” ou “damas de caridade”. Esse conceito assistencialistae voluntarista se manteve até meados do século XVIII e aos poucos foi sendo substituído pelo que alguns especialistas nomearam de assistência disciplinada: as ações continuavam filantrópicas e a cargo de particulares e religiosos, como instituições filantrópicas. A sociedade em que se vive hoje é pautada pela Constituição Federal de 1988 denominada “constituição cidadã”. Essa adjetivação foi atribuída justamente porque nela está constando elementos importantes para a dignidade da pessoa humana. O Artigo 5º da Constituição assegura que: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. (CF/1988) Com base nessa ideia, sustentada pela lei máxima do país, foram assegurados direitos a todos aqueles que compõem a sociedade brasileira. Cor, classe social e religião, entre outros pontos, foram colocados a todos em pé de igualdade. Assim, brancos, indígenas e negros e toda a população mestiça tinha garantias constitucionais para proferir sua fé, não ser discriminado por sua cor, religião ou classe social. No entanto, para chegar a esse ponto crucial para o ordenamento social, cultural e jurídico foi percorrido um longo caminho de preconceitos e lutas antirracistas. Nas páginas a seguir serão apresentados alguns recortes e pontos que permitem entender esta trajetória de construção do racismo estrutural no país, mas também de luta e de defesa da identidade africana e afro-brasileira. Unidade 1 - As Diferentes Formas de Racismo na Sociedade Brasileira A Imigração Após o fim da escravidão a presença negra na sociedade brasileira ainda era uma coisa indesejada por aqueles que estavam conduzindo as mudanças sociais e políticas no país. A vinda dos imigrantes europeus, apresentada na unidade anterior, ocupou os melhores espaços no processo produtivo, bem como na organização das cidades. A discriminação foi sustentada em grande parte pela legislação. É ela, portanto, um dos pontos que corroboram a perspectiva do racismo estrutural presente na vida nacional. As regras de imigração foram abordadas no Decreto nº 528, de 28 de junho de 1890 que alterava o Código Penal de 1890. Ao tratar da introdução de imigrantes, o Decreto revela o racismo que foi institucionalizado pelo Estado após 1888: Art. 1º E' inteiramente livre a entrada, nos portos da Republica, dos indivíduos válidos e aptos para o trabalho, que não se acharem sujeitos á acção criminal do seu paiz, exceptuados os indigenas da Ásia, ou da Africa que sómente mediante autorização do Congresso Nacional poderão ser admittidos de accordo com as condições que forem então estipuladas. (...) Art. 3º A polícia dos portos da Republica impedirá o desembarque de taes individuos, bem como dos mendigos e indigentes. Numa leitura comparativa, a legislação que instituía a entrada o imigrante no Brasil diferia da abordagem para as populações imigrantes de outras áreas do mundo, a exemplo do que é citado no trecho acima. Aqueles que chegavam da África ou da Ásia apenas poderiam ser recebidos se houvesse a anuência do congresso nacional. Figura: Programa de Residência Artística – Rostos Invisíveis da Imigração no Brasil Fonte: Museu da Imigração/SP Depois de séculos de entrada de negros escravizados por meio de navios negreiros, a partir da república, os negros que desejassem a entrada ficavam impedidos ou passariam por um conjunto de ações burocratizadas. A imigração invisível era um fato sem acolhimento do poder público. Felizmente, após a Constituição de 1988, a questão da imigração ganhou outros contornos. Como visto no Artigo 5º da Constituição Federal, os estrangeiros que viverem no país têm assegurado direitos, assim como os brasileiros. Soma- se a este ponto a elaboração do Estatuto do Estrangeiro de 1980 pela Lei 6.815/80. Após várias discussões e, como meio de garantia de direitos universais, em 2017 foi promulgada a Lei nº 13.445. Graça a ela, diversas discriminações, que marcaram o processo migratório na história brasileira, puderam ser corrigidas. A Criminalização das Religiões Afro-Brasileiras A entrada da população africana ao território brasileiro, trouxe não só a mão-de-obra necessária para o desenvolvimento econômico da colônia portuguesa, mas, também, um conjunto de elementos culturais, religiosos e sociais que compuseram a formação histórica brasileira. A partir da República, consagrou-se a liberdade ao culto no âmbito formal da Constituição de 1891. Contudo, as práticas religiosas de africanos e descendentes, que já eram criminalizadas e reprimidas, por meio de Códigos de Posturas locais, permaneceram discriminadas e perseguidas antes da promulgação do Código Penal de 1890. Os ideólogos do início do século XX, como Nina Rodrigues e outros, consideravam o africano como Inferior, menos evoluído que o pensamento branco cristão capaz de abstrair e crer em um sistema monoteísta, por exemplo. O sistema religioso africano é caracterizado como fetichista e politeísta, possuidor de inúmeras variantes. (CARNEIRO, 2019, online) De acordo com o autor, as religiões africanas, mesmo sendo estudadas pela academia no início do século XX e posteriormente, ficaram sempre à margem da sociedade e estigmatizada. A leitura ideológica construída foi a de que os cultos africanos se ligavam ao demônio, ao curandeirismo ou charlatanismo. Essa construção responde ao anseio da subalternidade a ser imposta para os negros. O sincretismo religioso foi uma alternativa para que a expressão religiosa pudesse existir. Os orixás e deuses negros eram representados nos santos católicos. As igrejas dos homens pretos, foram antes de tudo lugar de resistência frente às várias tentativas de calar as religiões de matriz africana (PRANDI, 2005). A perseguição às práticas relacionadas à tradição religiosa de matrizes africanas ocorreu de diversas formas e foram fundamentadas na higienização, na ciência médica (combate às doenças mentais), no combate ao charlatanismo, entre outras. Com o Código Penal de 1940, houve a descriminalização de algumas figuras delituosas como o espiritismo e a capoeira, mantendo os crimes de charlatanismo (artigo 283) e curandeirismo (artigo 284). É importante compreender que a mudança na codificação penal não alterou por si só a cultura jurídica, o que pode ser verificado na continuidade da perseguição às religiões no decorrer no século XX, incluindo ações estatais por via de polícia. Ademais, nos anos recentes houve ataques continuados a candomblés e terreiros. Líderes religiosos de outras denominações muitas vezes estimulam e alimentam o ódio religioso. As agressões físicas e simbólicas demonstram que as ações pedagógicas são cada vez mais necessárias para fazer valer os artigos da Constituição Federal de 1988 e assegurar o direito ao livre culto religioso a qualquer orientação religiosa. A Violência Cultural A amplitude da perseguição aos negros, além dos aspectos religiosos e de imigração alcançaram também as manifestações culturais. É o caso da perseguição imposta desde sempre contra a capoeira, mas que foi institucionalizado pelo Código Penal de 1890: Art. 402. Fazer nas ruas e praças publicas exercicios de agilidade e destreza corporal conhecidos pela denominação capoeiragem; andar em correrias, com armas ou instrumentos capazes de produzir uma lesão corporal, provocando tumultos ou desordens, ameaçando pessoa certa ou incerta, ou incutindo temor de algum mal: Pena - de prisão cellular por dous a seis mezes. Paragrapho unico. E' considerado circumstancia aggravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes, ou cabeças, se imporá a pena em dobro. (BRASIL, 1890) O simples fato decircularem livremente pelo espaço urbano fazia com que fossem vistos como vadios e perigosos. Da mesma forma o rap e o hip-hop, expressões contemporâneas da cultura negra, também foram alvos do preconceito enraizado na sociedade brasileira como, por exemplo, os Racionais MC’s. Unidade 2 - Feminização Negra: O Racismo Estrutural Inerente à Mulher Negra Brasileira Dentre as diversas heranças deixadas pela presença da escravidão no Brasil propomos alguns questionamentos: Como podemos esquecer de uma grande parte da população que não estava incluída no mercado de trabalho formal, principalmente a negra? Para respondermos a esse questionamento, iremos considerar que o sociólogo e professor Pedro Demo (1988) afirma: A exclusão mais comprometedora não é aquela ligada ao acesso precário a bens materiais, mas aquela incrustada na repressão do sujeito, tendo como resultado mais deletério a subalternidade. O nível mais profundo de pobreza política é, assim, a condição de ignorância: o pobre sequer consegue saber e é coibido de saber que é pobre. Por conta disso, atribui sua pobreza a fatores externos, eventuais ou fortuitos, sem perceber que pobreza é processo histórico produzido, mantido e cultivado […]. É nesse cenário que buscamos pensar como a presença da mulher negra foi inserida neste contexto social e econômico brasileiro? É necessário considerar que na mudança do processo escravocrata para o início da industrialização brasileira, as mulheres negras entraram no mercado de trabalho como empregadas domésticas. Passaram a prestar seus serviços de cozinheira, lavadeira, babá, dentre outras atividades braçais. Tais funções acabaram sendo os únicos, ou quase únicos, meios de apoio (subtenência) e sobrevivência para manter as suas famílias. Isso porque, a transição para a industrialização deixou milhares de negros desempregados depois do dia 14 de maio de 1888 – pós-abolição. O Brasil deixou e deixa marcas geracionais de desequilíbrio social e econômico que afetam diretamente a vida dessas mulheres negras. Essas desigualdades voltadas para o mercado de trabalho estão interligadas diretamente à estratificação social, à questão racial e de gênero. No entanto, para uma melhor compreensão da ideia citada acima, é necessário entender os termos matrizes de opressões e intencionalidade. São vários os fatos históricos no Brasil que condicionaram a opressão das mulheres negras. Dentre eles, o principal foi o processo escravocrata, que construiu uma submissão ideológica e a negação de suas subjetividades. Dessa forma, cristalizou-se um local social para a mulher negra, a invisibilidade. Tomamos o conceito de opressão a partir de Patrícia Hill Collinns (2022), socióloga, professora e pesquisadora da Universidade de Maryland nos Estados Unidos, que apresenta teorias contemporâneas do feminismo negro. Segundo Collins (2022), há estruturas que se interligam. A opressão se sustenta em estruturas raciais, ou seja, na diferença entre brancos e negros, na desigualdade de gênero e na diferença de classe entre ricos e pobres. Tais distinções, segundo a autora, não são somatórias de processos de poder distintos. São sim a combinação e a articulação que resultam na definição de um lugar determinado, bem como de uma trajetória específica para as mulheres negras. Portanto, não há uma série de opressões, mas um sistema opressor unificado que sobrecai na mulher negra. Somando-se a essa interpretação, Kimberle Crenshaw (2002) assegura que essas opressões determinam um lugar social e econômico para mulher a negra. Olhando para o Brasil, pensar o racismo estrutural inerente à mulher negra suscita olhar ao processo histórico, mais especificamente ao escravismo, que deixou um espólio que tem um reflexo incrustado na sociedade até os dias atuais. Dessa forma, os conceitos anteriormente apresentados possibilitam compreender as especificidades do contexto em que a mulher vive. Para entender como esses atributos inerentes ao cotidiano das mulheres negras refletem o racismo estrutural, apontaremos alguns dados estatísticos levantados pelo IBGE. a) Desigualdade de Renda Olhar para a sociedade brasileira é encontrar uma série de elementos que transparecem a desigualdade interna nas camadas populares. Se a segmentação é feita pelo gênero e pela cor ou “raça”, isso fica ainda mais evidenciado. Veja os dados a seguir relacionados ao salário mínimo e o alcance entre homens e mulheres: Figura: Rendimento que Mulheres Negras, Homens Negros e Mulheres Brancas Recebem em Relação ao Rendimento do Homem Branco Fonte: Poder 360 (IBGE, 2021) Com tais números, percebe-se que a diferença salarial entre brancos e negros é gritante. As mulheres brancas recebem quase que o dobro do que é pago para as mulheres negras. O salário das mulheres negras é 57% menos do que os homens brancos. Outros dados do IBGE revelam que quanto mais alto é o cargo dentro das empresas, menor é o número de negras nestas vagas. Figura: Mulheres Pretas em Cargos Gerenciais Nas posições gerenciais, por exemplo, o rendimento de mulheres negras fica quase na metade se comparado ao de homens brancos. Vale ressaltar que a mulher concentra não só o trabalho corporativo, mas também o trabalho doméstico e o cuidado dos filhos. As múltiplas tarefas sobrecarregam seu dia a dia, levando-as a assumir diferentes responsabilidades sem o merecido reconhecimento. Esse é um ponto dentro de um conjunto de possibilidades no olhar para a mulher. b) Educação É dentro da sala de aula que a formação intelectual e a visão de mundo se amplificam. Infelizmente, a ligação das mulheres negras com a educação no Brasil está longe de ser a ideal. Ainda assim, houve um crescimento do número de mulheres pretas tanto na educação básica quanto no ensino superior, como pode ser verificado no quadro a seguir: Figura: Conclusão do Ensino Médio por Gênero e Raça Fonte: PNAD Contínua, IBGE, 2018 Observa-se que a taxa de mulheres pretas ou pardas concluintes do ensino médio possui um percentual distinto em relação aos homens e mulheres brancas. Os 67,6% de mulheres que finalizaram o estudo nessa fase da educação é maior que os homens negros. Entretanto, se comparado ao total de mulheres brancas que terminam os estudos no ensino médio, há um registro da marca histórica do atraso deixado para a população negra, a desigualdade. Ainda de acordo com o IBGE, o atraso escolar é também um ponto relevante. Adolescentes com idade entre 15 e 17anos apresentam atraso escolar de 30,7% entre pretas ou pardas e de 19,9% entre as mulheres brancas (IBGE, 2017). Estes dados estão interligados com a colocação da mulher no mercado de trabalho. Aquelas com melhor qualificação ocupam cargos mais proeminentes e possuem renda mais elevada. Figura: Ingresso de Mulheres Negras no Ensino Superior Importante salientar que as políticas públicas de letramento racial e a efetivação de políticas públicas de inclusão incentivaram a auto declaração de negros e pardos elevando os índices de identificação deste percentual nos espaços públicos. O gráfico acima demonstra bem esse novo momento para as mulheres pretas ocupando os espaços públicos. Houve um grande crescimento da curva saltando de 274 mil mulheres negras para em torno de 621 mil mulheres nas universidades públicas entre 2014 e 2020. Tais números são bastante expressivos por representar o quanto o resultado de políticas afirmativas pode transformar as oportunidades para negros e negras. De acordo com publicação do Geledés, Neste contexto está o avanço na escolarização das meninas e mulheres negras. Mesmo enfrentando uma série de adversidades desde a educação básica, mulheres negras acessaram as universidades e aparecem prioritariamente nos cursos que envolvem o cuidadoe assistência. Uma parcela dessas mulheres rompeu as barreiras nas áreas chamadas de ciências duras e outras chegaram à pós-graduação. (GELEDÉS, 2003) Há, portanto, um grande caminho a percorrer para que essas diferenças sejam completamente suplantadas e o racismo estrutural, que está presente nas instituições e nas mentes de muitos, possa ser rompido. c) Saúde A saúde da mulher negra requer um cuidado com atenção. Assim como os demais recortes apresentados, a saúde requer uma abordagem transversal recortada pelos elementos de gênero, classe e raça (VARELLA, 2021). Pensar a questão da saúde exige identificar as especificidades. Para iniciar a problematização vamos apresentar algumas questões básicas relacionadas à saúde. O diabetes tipo 2 e a pressão alta são os principais problemas relatados. Observando as crianças, o maior alcance de doenças parasitárias e giardíase são recorrentes chegando mesmo a causar a morte antes dos 5 anos. A primeira infância das crianças negras é também atingida pela desnutrição, tornando-se um impeditivo para seu pleno desenvolvimento cognitivo. Outro problema recorrente no campo da saúde da mulher negra é a anemia falciforme. Trazida para o país com os ancestrais africanos, a doença causa abortos espontâneos e complicações durante o parto. Em vista disto, o acompanhamento do pré-natal é essencial para a tranquilidade da mãe e do bebê. Fonte: Casa da Mulher Trabalhadora - Camtra Outras violências que acontecem entre esta população são a violência obstétrica e o elevado número de abortos entre as mulheres negras. Dados levantado pelo IBGE apontam que o índice de aborto é o dobro do que entre as mulheres brancas. Essas estão entre 1,7% enquanto entre as mulheres pretas, 3,5%. Tais dados reforçam o papel e a necessidade do SUS na ampliação de políticas públicas em saúde para toda a população, mas em especial à mulher negra que carrega em si um conjunto de especificidades. d) Violência Neste item podemos fazer referência a um conjunto de aspectos que podem representar a violência contra a mulher negra em nossa sociedade. No entanto, faremos um recorte para delimitar a problematização. Nos debruçaremos sobre a violência sobre o corpo da mulher e o aumento de feminicídios. Por estarmos inseridos numa sociedade em que a mentalidade branca se fez padrão para todos os aspectos, a visão sobre a negra e a parda devem ser pensadas dentro deste contexto. Na leitura de Lobato, https://camtra.org.br/serie-consciencia-negra-racismo-obstetrico/ (...) o corpo do negro vai ser atravessado pela violência que ele sofre cotidianamente. Negar o seu próprio corpo à medida que se distancia de um padrão estético branco é prejudicial à saúde mental dos negros. A autoimagem fica distorcida e autoestima aniquilada (2020, p. 86). A violência é travestida nesse caso de embranquecimento. A negação do corpo negro da mulher, com suas singularidades, é um projeto sistemático de exclusão e negação da negritude que se faz presente (LOBATO, 2020). A beleza negra por muito tempo não foi valorizada, pois estava fora do “padrão” esperado da mulher branca. Por outro lado, os índices de violência em relação à mulher negra são os dados que mais refletem a condição do racismo estrutural no Brasil. Está por trás desse dado a objetificação da mulher negra. Em diversos registros históricos, como em arquivos de jornais, a negra escrava estava nos classificados. Por outro lado, atributos físicos eram exaltados em textos e outros documentos históricos. Dados de 2020 apontam que de cada 10 assassinatos de mulheres, 7 eram de mulheres pretas. Tal é a gravidade da situação que o Brasil construiu uma avançada legislação para o enfrentamento a esse problema. A Lei Maria da Penha surgiu, em 2006, num contexto de combate à violência contra a mulher e instituiu no código penal o crime de feminicídio. De acordo com o Instituto Igarapé (2022), “as mulheres negras são as principais vítimas de feminicídio no Brasil: elas representam 67% dos casos notificados em 2020, dos quais 61% são de mulheres pardas e 6% pretas”. Desse total, cerca de 30% dos homicídios aconteceram em seus próprios domicílios, e foram mortas por seus próprios companheiros. Unidade 3 - A Uberização do Trabalho Para pensarmos sobre o racismo estrutural em nosso cotidiano, vamos problematizar também a questão do trabalho. Vive-se um momento em que as bases estruturais do emprego formalizado, nos setores produtivos clássicos como a indústria, serviços e o comércio, precisaram passar por uma reestruturação. O modelo clássico de trabalho in locu, com 40 a 44 horas semanais, com o sonhado registro em carteira ou CLT, foi substituído em grande medida pela mediação da tecnologia. De acordo com Ricardo Antunes [...] contra a rigidez taylorista e fordista vigentes nas fábricas da ‘era do automóvel’ durante o século XX, nas últimas décadas, as empresas ‘liofilizadas e flexíveis’, impulsionadas pela expansão informacional-digital e sob comando dos capitais, em particular o financeiro, vêm impondo sua trípode destrutiva sobre o trabalho. (2020) O momento atual se distancia daquele criado no início do século XX na linha de produção ou nos processos racionalizados da indústria asiática. A flexibilidade tornou-se a palavra da vez nas relações entre patrões e empregados. Não mais se organizava a estrutura da produção ou do comércio a partir de segunda a sexta e em horário comercial. A flexibilização dos horários em cargas de 6 horas diárias com rodízio de folgas apareceu como uma grande solução. Com o passar do tempo essa flexibilidade trouxe à tona a sua verdadeira essência. Ela é o caminho de empobrecimento do trabalhador, da precarização da saúde e de salários. Os funcionários de call center e telemarketing representam os primeiros a serem colocados nesse tipo de relação precária do trabalho (ANTUNES, 2020). As pressões psicológicas por produção, o controle do tempo de almoço, idas ao banheiro e a supervisão constante resultaram em profissionais instáveis e com problemas psicológicos. São comuns os xingamentos por parte dos clientes, o assédio moral e sexual por parte de seus chefes e, ao final, o baixo salário (VIEIRA e RUFINO, 2020). Outros dois pontos interferiram bastante nessa nova organização. De um lado a crise econômica que elevou o número de desempregados. Um dos dados que reforçam esse cenário é o aumento do trabalho sem carteira assinada. Saiu de 11,2 milhões em 2021 para 12, 9 milhões de pessoas em 2022. O número de desalentados, ou seja, aqueles que procuraram emprego por longo período e desistiram de dar continuidade também é alto no Brasil e estava em 19,91% da população economicamente ativa em 2022. Dados recentes apresentados pelo IBGE sobre o ano de 2023, demonstram que 16 estados tiveram crescimento no índice de desemprego, segundo a PNAD contínua. Bahia, Pernambuco e Amapá são os estados com os maiores índices. Tais números estão ligados ao terceiro ponto que influenciou para a precarização do trabalho no Brasil. A pandemia de Corona vírus paralisou produções industriais e fechou comércios. Mas, ao mesmo tempo, a vida pandêmica abriu espaço para que atendimentos digitalizados ganhassem campo. Assim, diante da era digital, muitos desempregados gerados pela crise econômica ou pela pandemia passaram a realizar atividades para plataformas de vendas online, principalmente de comida e de transporte de objetos e pessoas. Se num primeiro momento era apenas uma ação passageira, tornou-se a fonte principal de renda de milhares de pessoas, principalmente nas grandes capitais (VIEIRA e RUFINO, 2020). Esse processo recebeu o nome de uberização do trabalho. Os homens e mulheres que se inseriram nesse modelo de produção se colocam na condição de empreendedores. Não possuem carteiraassinada ou qualquer outro tipo de benefício como aqueles presentes na CLT. Os trabalhadores e trabalhadoras ficam à disposição de plataformas de vendas. Não há contrato de trabalho e atuam de acordo com a demanda. São, em sua maioria, motoristas de aplicativos e motoboys. Mas também compõem esse grupo os eletricistas, empregadas domésticas e cuidadores de idosos. (ANTUNES, 2020) A precariedade das condições de trabalho permanece também nas relações de trabalho surgidas a partir das plataformas digitais. O parâmetro de verificação do trabalho parte do que se considera trabalho decente. Essa conceituação foi formalizada em 1999 pela Organização Internacional do Trabalho – OIT e está diretamente ligada às boas práticas para que os trabalhadores possam ter renda e qualidade de vida asseguradas: [...] o conceito de trabalho decente sintetiza a sua missão histórica de promover oportunidades para que homens e mulheres obtenham um trabalho produtivo e de qualidade, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas, sendo considerado condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável. (OIT) Esses e outros pontos aparecem na Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável e são norteadores para que o planeta caminhe por trajetos mais humanizados. Dessa forma, as organizações precisam equalizar as suas produções, garantindo a seus funcionários e colaboradores a manutenção de direitos, como a não discriminação por gênero, classe, raça, por exemplo. O trabalho decente é também pautado pela ampliação da proteção social e a promoção de relações de trabalho produtiva e de qualidade. Recentemente, de acordo com Carelli e Santos (2022), foram feitos levantamentos sobre o trabalho decente em universidades americanas e europeias. Os dados ligados ao Brasil apontaram que há um grande déficit quando se fala em qualidade do trabalho decente. De seis empresas avaliadas, numa escala de 1 a 10, duas receberam nota dois, uma alcançou a nota um e as demais não pontuaram. Tais observações são extremamente preocupantes uma vez que a maioria dos trabalhadores ligados às plataformas digitais, direta ou indiretamente, são negros. Em 2021, o IBGE realizou uma pesquisa na qual identificou que a maioria das pessoas que ficou em trabalho remoto foi formada por pessoas brancas com ensino superior. Já a maioria da população negra permaneceu nos postos de trabalho presencial. No que se refere ao trabalho ligado às plataformas digitais, 60% dos trabalhadores foram identificados como negros dentre os motoristas de aplicativos. Os entregadores somavam um total de 59,25 em relação a 40% de brancos. Para os motoristas de aplicativos o recorte foi de 60,0% de negros e 38,5% de brancos. Tais números revelam que a discussão sobre o racismo estrutural se mantém mesmo com a introdução de meios tecnológicos mediando as relações de trabalho (CARELLI e SANTOS, 2022). No trabalho de pesquisa apresentado pelas autoras, um dado que chama a atenção é a quantidade de horas trabalhadas. Os trabalhadores de transporte de pessoas e de mercadorias trabalhavam, em sua maioria, de trinta a quarenta horas semanais. Fonte: PINAD-Covid-19 A partir do gráfico, vemos que nos seis estados em primeiro lugar os motoristas de aplicativos rodam acima de quarenta horas semanais. No Rio Grande do Sul, Ceará e Tocantins ultrapassam a casa de 45 horas. Se pensarmos que o trabalho ao volante tem desgaste físico e mental, atuar por longas horas pode acentuar ainda mais a baixa qualidade de vida desses trabalhadores. Assim como no período de escravização dos negros africanos, o momento presente ainda exige dessa população o sobretrabalho para garantir a renda mínima. Se durante o período escravocrata a diferença entre a população livre e escravizada era evidenciada, hoje construiu-se um arcabouço ideológico que esconde as amarras que geram a desigualdade entre os trabalhadores. Para tanto, o racismo estrutural nas novas formas de organização do trabalho traz a ideia de “autonomia” ou de “liberdade” ao exercer suas funções. Se antes eram empregados com carteira assinada, os trabalhadores ligados às plataformas digitais de transporte de pessoas e mercadorias trabalham “por conta” e não possuem direitos assegurados. Soma-se a isso os ataques aos entregadores que se espalharam pelo Brasil afora e demonstram o quanto o crime de racismo está colocado na sociedade brasileira. A foto abaixo foi resultado de um pedido feito por uma plataforma de pedidos online. O cliente incluiu, além do pedido de comida, uma solicitação para que não fosse enviado um entregador negro ou pardo. Fonte: G1 A proprietária do restaurante se posicionou e levou o caso à polícia. A plataforma de comidas, por sua vez, disse não compactuar com tal postura e lançou uma nota de repúdio. Ou seja, o processo de preconceito e de crime de racismo se reproduz e mantém o ciclo estrutural existente na sociedade brasileira. Todas essas características forjaram o termo “uberização do trabalho”. As relações trabalhistas inexistem e os direitos trabalhistas passam longe da carteira de trabalho. Ademais, em tal ação produtiva não existe qualificação e reafirma a população negra na manutenção do modelo que foi aberto quando do final da escravidão: trabalhador livre e mão-de-obra preta desqualificada. Unidade 4 - A Construção da Luta Antirracista no Brasil Diante da reafirmação cotidiana do racismo estrutural, os pretos e pretas do Brasil viveram anos sem que seus direitos fossem minimamente assegurados. Fossem aspectos ligados ao trabalho, saúde, cultura, educação ou moradia, para qualquer um deles, os ganhos foram garantidos por movimentos sociais e articulação com os poderes que regem a nação, mesmo que mínimos. Como visto no módulo anterior, a luta de resistência contra o processo de escravização estava sendo construída a cada novo minuto em que o negro se contrapunha isolada ou coletivamente contra seu opressor. Os diversos movimentos sociais e políticos apresentados, e tantos outros que os documentos históricos trazem, são prova disto. O histórico brasileiro de mais de trezentos anos de escravidão não foi capaz de criar políticas profícuas de reparação. Sendo assim, tanto o poder público como as organizações sociais, educacionais e culturais devem assumir o compromisso na discussão e proposição de políticas afirmativas. Esses espaços são canais importantes para a reflexão sobre o lugar em que o negro foi colocado, bem como de apontar as saídas para os problemas estruturalmente presentes na sociedade ainda hoje. Ainda assim, a luta contra o racismo estrutural, a partir do século XX, transita profundamente pelo reconhecimento de que a sociedade brasileira é preconceituosa e recai no racismo. Esse é o primeiro ponto para propor o debate. Isto se faz necessário uma vez que a ideia do mito racial ou da democracia racial, escondeu, por longas décadas, a verdadeira cara do Brasil: preta, parda, miscigenada. Ao longo dos anos, a criminalização do povo negro foi a tônica das instituições. Mas os movimentos civis organizados ganharam corpo e contribuíram determinantemente para que políticas públicas afirmativas fossem debatidas, elaboradas e postas em prática. Após a Proclamação da República o movimento negro começou a se organizar em torno de associações e clubes. É o caso do Clube 28 de Setembro, fundado em 1871 em Jundiaí, um dos mais antigos do estado de São Paulo. Nesses clubes estavam os negros de várias categorias profissionais que viam estes Lugares como espaços para debater sua questão trabalhista (DOMINGUES, 2007). Figura: Clube 28 de Setembro Fonte: Tribuna de Jundiaí Em paralelo aos clubes e associações,surgiu também a imprensa negra com seus folhetins e jornais. Do início da república até 1930, diversos materiais foram publicados. Como exemplo, podemos citar, em São Paulo, os jornais A Sentinela, de 1920, e O Baluarte, de 1903. Em Minas, Curitiba e Porto Alegre, entre outros estados, também registraram a presença de publicações exclusivamente negras que aglutinavam temas importantes para esta população: educação, saúde, alimentação, habitação entre outros aspectos (DOMINGUES, 2007). A partir de 1931, o movimento negro ganhou uma cara mais politizada com a criação da Frente Negra Brasileira - FNB. Chegou a ter vinte mil filiados e filiais em cidades ao longo do país. Além disso, publicou o jornal Voz da Raça. Diante do avanço do movimento integralista, esse jornal criou o seu próprio slogan “Deus, Pátria, Raça e Família”. Ou seja, o movimento negro colocou-se diante do debate corrente na época. Sua aproximação com Getúlio Vargas rendeu o fim da proibição da participação de negros para a guarda civil. Com o golpe do Estado Novo, a FNB, assim como outros movimentos, foi extinta. Ainda assim, outras entidades foram ganhando corpo e alcance dentro do cenário nacional. Podemos citar o União Homens de Cor – UHC e o TEN – Teatro Experimental do Negro. Este último, a partir de meados da década de 1940, liderado por Abdias do Nascimento, deixou um legado impactante para a sociedade brasileira. Figura: Teatro Experimental do Negro Fonte: Fundação Palmares Foi um espaço de evidência para a arte e a corporeidade da negritude. Abdias do Nascimento tornou-se um expoente do movimento negro. Por sua atividade foi preso e, mesmo dentro do presídio, usou da arte para envolver os detentos no mundo da arte. Seu alcance ganhou o mundo e viajou mundo a fora levando as ações e os debates propostos pelo TEN. Em 1951 o país ganhou a primeira lei antirracista. A Lei Afonso Arinos tornava contravenção penal a discriminação por raça ou cor, no entanto, ela só foi elaborada em função de um episódio emblemático. A bailarina afro- americana Katherine Dunham foi impedida de se hospedar em um hotel em São Paulo. Frente a repercussão internacional negativa, houve a mobilização no congresso para desenhar alguma orientação jurídica sobre o racismo. É importante considerar que após a instalação da ditadura militar o movimento negro ficou impedido de atuar, assim como outros movimentos sociais organizados. Entretanto, o final da década de 1970 trouxe novamente o movimento à cena política e cultural. A principal expressão neste momento foi o Movimento Negro Unificado – MNU – em 1978 (DOMINGUES, 2007). Não se pode perder de vista que o cenário internacional da luta antirracista alimentava ideologicamente o movimento negro brasileiro. Desta forma, o movimento negro norte-americano, nas suas diferentes organizações, servia de guia para o desenvolvimento nacional da luta da população negra. As linhas de ações de Martin Luther King, Os Panteras Negras e Malcon X, por exemplo, substanciavam o pensar e agir do movimento nacional. A ampliação do Movimento Negro Unificado conclamou diversas entidades de luta dialogando com a sociedade. No início dos anos de 1980, No Programa de Ação, de 1982, o MNU defendia as seguintes reivindicações "mínimas": desmistificação da democracia racial brasileira; organização política da população negra; transformação do Movimento Negro em movimento de massas; formação de um amplo leque de alianças na luta contra o racismo e a exploração do trabalhador; organização para enfrentar a violência policial; organização nos sindicatos e partidos políticos; luta pela introdução da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares, bem como a busca pelo apoio internacional contra o racismo no país. (RODRIGUES, 2007, online) O MNU - Movimento Negro Unificado, atuou em várias frentes de modo a contribuir para que elementos que sustentavam as bases do racismo estrutural fossem ao menos questionados. É o caso, por exemplo, de conteúdos ligados à educação que apresentaram uma visão errônea de democracia racial ou a manutenção de material didático que reforçasse o preconceito racial no país (NERIS, 2018). Ademais, o movimento contribuiu para o fortalecimento de uma identidade negra que remetesse às suas origens ancestrais e não a modelos preestabelecidos pela branquitude. Neste sentido, a defesa da beleza negra e de valores culturais, a partir de meados dos anos de 1980, deram um passo a diante no movimento negro. Inclusive, após o pontapé inicial dado pela Lei Afonso Arinos, o movimento de resistência e denúncia do preconceito e do racismo foi continuado em 1985 por meio da Lei 1390/85 na qual a contravenção penal passava englobar discriminação por raça, sexo, cor ou estado civil. Mais adiante, em 1989 a Lei 7.716 definiu a reclusão para quem praticasse atos de preconceito ou discriminação por raça, etnia, religião ou procedência nacional. Com os debates em torno da constituinte, o movimento negro pode propor evidenciar as demandas vindas desta parte da população. No parlamento, num total de mais de quinhentos congressistas, apenas 11 eram negros. Ainda assim, ocuparam os espaços para serem propositivos para além da elaboração de leis que repudiavam a violência contra os negros e pedia a criminalização do racismo. Figura: Bancada Negra Constituinte Fonte: Brasil de Fato Os reflexos da mobilização e trabalho coletivo das associações ao longo do território somada à ação dos parlamentares pretos que estavam no congresso deu margem a que políticas públicas em saúde, educação e emprego pudessem ser discutidas e viabilizadas. Dentre os ganhos deste processo estava a inclusão da História da África na grade curricular. No entanto, apenas com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 é que a educação na perspectiva étnico-raciais ganhou maior destaque. A partir deste momento, mesmo que não posta em prática ativamente, a educação africana e afro-brasileira e a educação indígena passaram a compor o currículo escolar e abrir campo para que professores e professoras pudessem abordar temáticas que dialogassem com a história dos negros no Brasil. Mas um ponto que deu nova cara à luta contra o racismo foi a formulação de políticas afirmativas a partir dos anos 2000. Como forma de reparação e concretização de espaços para negros e negras, as políticas afirmativas deram novo contorno aos espaços nos quais elas são aplicadas. Seja na educação ou nos espaços corporativos o que se tem é a abertura de oportunidades a esta população. A discussão a respeito das ações afirmativas se dá dentro de um processo de ruptura com a defesa da mestiçagem. A mestiçagem tem cumprido um papel histórico importante na manutenção racializada da elite branca, por um lado ela nega o valor da própria branquitude na alocação de posições-chave na sociedade, por outro, ela inibe a manifestação dos setores que sofrem os efeitos da racialização das elites (SILVÉRIO, 2003, p. 69). Falar em políticas afirmativas é dar lugar ao reconhecimento dos atores negros na sociedade como um todo. Não mais escamoteado nos trabalhos braçais, mas também permitindo que ele se prepare para a educação superior, pesquisa científica, liderança em todas as áreas do conhecimento. Assim, a democracia e igualdade de condições estariam em pleno desenvolvimento. As políticas afirmativas tratam-se de Um significante que pode designar um conjunto de iniciativas ou políticas adotadas, impostas ou incentivadas pelo Estado, a fim de promover a igualdade material em relação a indivíduos, grupos ou segmentos sociais marginalizados da sociedade, buscando eliminar desequilíbrios e realizar o objetivo da República de concretização da dignidade da pessoa humana. (SOUSA, 2006, p. 85) Por meio das políticas afirmativasos espaços estruturantes do racismo estrutural passaram a ter as barreiras removidas, sejam elas formais ou informais. O Estado enquanto órgão elaborador de políticas de inclusão e pertencimento se viu diante da tarefa de formular ações para além da teoria que concretiza o ideal de redução das desigualdades sociais e econômicas, marcantes na sociedade brasileira. As primeiras proposições para as políticas afirmativas foram instituídas por meio da Lei de Cotas, 12.711/12. Esta política instituiu o ingresso em universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, a reserva de 50% das vagas, nos turnos e cursos existentes, para alunos oriundos do ensino médio feito integralmente em escolas públicas, provenientes de famílias com renda igual ou inferior a um salário mínimo e meio per capita. Soma-se a este ponto o preenchimento de vagas por estudantes autodeclarados negros, pardos ou indígenas, de acordo com a delimitação feita pelo IBGE. Gradativamente o ensino superior foi adquirindo uma nova cara. Passados os vinte anos da adoção da política de cotas universidades públicas ao redor do país passaram a adotar este sistema. Os últimos dados do censo da educação superior de 2021 demonstram que houve um crescimento significativo no número de estudantes autodeclarados negros ou pardos, conforme apresentado no gráfico abaixo: Figura: Proporção de Formando em Relação à Raça Autodeclarada Fonte: INSPER, 2021 Observando atentamente os gráficos vemos que há um crescimento significativo de negros e pardos nos bancos das universidades entre 2010 e 2020. Os autodeclarados pretos e pardos saltaram de um número pouco maior de 7% em 2010 para 37% em 2020. Em paralelo, o número de não declarados diminuiu. Tal fato pode estar relacionado ao processo de construção de identidade possibilitado pelas cotas na educação superior. Desta forma, um percentual maior de jovens e adultos passou a se ver e entender-se enquanto preto ou pardo. Os espaços acadêmicos passaram a também ser lugar de ocupação da maioria da população que é trabalhadora e moradora da periferia. Estes são os lugares em que estão o maior número de pretos e pardos. A conclusão, portanto, é de que a adoção de políticas afirmativas, em especial na educação superior, transformou um campo bastante elitizado num campo com a verdadeira versão da sociedade brasileira, multicultural e diversa. Como apontado anteriormente, a legislação educacional também se abriu para políticas de reparação. Uma delas é a inserção da cultura afro e afro- brasileira no currículo nacional. Esta demanda requer ainda hoje uma maior atenção. Não é apenas colocar na grade curricular. É preciso colocar o professor numa posição de protagonista. Sua formação deve permitir que as relações étnico-raciais possam ser debatidas em sala de aula de forma a contribuir na formação da identidade de crianças e jovens (PICANÇO, 1984). As universidades, por sua vez, têm o papel de discutir os currículos e inserir maior gama de conteúdos decoloniais, direitos humanos, igualdade e equidade. Neste sentido uma ação bastante importante ocorreu em São Paulo. Podemos compor este conjunto de ações antirracistas com a proposta pela Associação Afrobras que lutou por uma universidade que desse um espaço educacional para jovens negros e negras. Assim nasceu a Faculdade Zumbi dos Palmares em 2003. De lá até hoje tornou-se um espaço propositivo para abrir portas educacionais e profissionais a seus estudantes. Em 2014, por meio da Lei 12.990, os concursos públicos da administração federal colocaram em seu certame a política de reserva de 20% de cotas para autodeclarados negros e indígenas. Assim, os setores públicos de outras esferas da federação, passaram a elaborar atos deliberativos que concediam espaços para inclusão em seus concursos, de notas diferenciadas para candidatos negros, pardos e indígenas. Em julgamento sobre a constitucionalidade da Lei 12.990/2014, o STF deliberou que: em diversos e relevantes eixos da vida e nos correspondentes indicadores, persiste forte desigualdade na sociedade brasileira, associada ao gênero e à cor da pele. Esse quadro mostra que o País ainda precisa de políticas que auxiliem a promoção da igualdade material entre pessoas de pele negra e branca. Mesmo com o crescimento da economia durante certo período da última década e meia, muito ainda falta para reduzir essas importantes disparidades. (STF, 2017) Os levantamentos demonstram que houve um salto, ainda que tímido, em número de negros na gestão pública. No setor judiciário, por exemplo, o número de negros e negras saiu de 13% em 2013 para 21% em 2020. Neste número estão inseridos magistrados, servidores, técnico administrativos e estagiários. Portanto, em todos os campos as políticas de inclusão racial conferem mudanças sociais e culturais. Vemos também a luta antirracista por meio de ações de instituições do poder público. É o caso do Conselho Nacional de Justiça e do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo que desenvolvem ações antirracistas. Ambos iniciaram a partir de 2022 uma série de trabalhos para capacitar seus funcionários e permitir que mais diversidade e equidade sejam possibilitadas em espaços tão proeminentes da nossa sociedade. Mas, a despeito de haver transcorrida dez anos da promulgação da lei de Cotas, o que se vê é uma crítica à importância social e política na aplicação do direito de negros e pardos. Esta política de reparação se coloca na contramão da manutenção dos resquícios escravagistas nos quais a população negra brasileira é mantida. Nos anos 2000 uma série de atrocidades contra o povo negro reafirmou a necessidade de ações conjuntas entre poder público e sociedade civil. Neste sentido, um exemplo é o Movimento Ar, desencadeado após o episódio ocorrido nos Estados Unidos com a morte de George Floyd. Em todo o mundo houveram levantes pela defesa da população preta. Na figura a seguir percebe-se que os cargos gerenciais são majoritariamente ocupados por brancos. O total de 69% em relação aos 29,5% de negros em cargos gerenciais denunciam a baixa ocupação em cargos decisórios dentro das empresas. Por consequência, a distribuição de renda também é afetada, aprofundando a distância social existente em nossa sociedade. Figura: Mercado de Trabalho e Distribuição de Renda Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua 2021 Pelo racismo ser um elemento estrutural, ou seja, alicerce da sociedade em que vivemos, esta diferença ocorre também no mercado consumidor. O negro no mercado consumidor brasileiro de acordo com dados de 2018 movimento cerca de 1,7 trilhão por ano. Um número expressivo para a camada que representa 54% do total da população. No entanto, estar nos espaços de consumo nem sempre é uma situação tranquila. O olhar de desconfiança muitas vezes prevalece. Muitas empresas não estão preparadas para lidar com a diversidade. Assim como em outros setores a educação para o letramento antirracista é algo incipiente ou, muitas vezes, inexistente. Vendedores, lojistas, seguranças e toda a cadeia de vendas necessita estar preparada a ver em cada negro ou negra que adentra à sua loja apenas como consumidor. A política do Environmental Social and Governance – ESG – possibilitou que a elaboração de ações para o combate à desigualdade racial estivesse cada vez mais dentro da gestão destes importantes grupos econômicos. Mas as ações de inclusão tornaram-se uma necessidade e não se limitaram ao setor privado. Há uma potencialidade na presença negra nos espaços produtivos e consumidores. Pesquisa realizada pela Shopper Experience em maio de 2021, 20% dos entrevistados afirmou ter sofrido preconceito ou discriminação em supermercados. O número cresce quando se refere às lojas de vestuáriochegando a 30%. São em espaços como estes que a preocupação com a implantação dos Objetivos para Desenvolvimento do Milênio – ODS – ganham corpo. Atividades de letramento racial e discussão sobre diversidade são as bases pelas quais uma nova estrutura organizacional e cultural pode ser construída em substituição ao conjunto elaborado pelo racismo estrutural. No Brasil, o Movimento Ar reúne grandes e pequenas empresas empenhadas em ações concretas contra a discriminação e o preconceito. É a resposta da cobrança do movimento negro pela luta antirracista. As grandes empresas passaram a embutir, em alguma medida, a política de equidade racial em suas organizações. Empresas como AMBEV, Magazine Luiza, FENAVIST, Coca-Cola e Vivo incluíram a adoção de vagas afirmativas para afrodescendentes. Indo além, ampliaram para deficientes físicos e a comunidade LGBTQIAP+. São, portanto, ações importantes que permitem uma gama de diversidade em empresas mundiais. Além disto, outra demonstração de força na luta contra o racismo estrutural é o Procon Racial, único na América Latina, que presta atendimento diferenciado para vítimas de racismo nas relações de consumo e prestação de serviços. Acesse ao Procon Racial. O atendimento gratuito às vítimas é o pela plataforma online intitulada Acolhe Black. A proposta é dar o apoio psicológico e jurídico à população que sofreu racismo e injúria racial nas suas relações de consumo. Os profissionais mantêm todo o sigilo necessário e dão a confiança para que os atingidos pelo preconceito sejam acolhidos, ouvidos e tenham seus direitos assegurados. Muitas vezes as marcas psicológicas são profundas. Plataforma Acolhe Black. Vivemos ainda hoje os desdobramentos dos mais de trezentos anos de escravidão da população negra. Em levantamento recente realizado pelo IBGE é possível ver em números um pouco deste legado histórico para a https://www.procon.sp.gov.br/procon-racial/ https://acolhe.black/ sociedade brasileira. A marca do racismo estrutural é evidenciada na diferença social, econômica ou educacional entre brancos e negros. O despertar para uma mudança profunda de posicionamento é a chave para que situações como a morte de João Alberto Freitas em 2020, numa varejista, não mais venha a acontecer. A ação violenta dos seguranças ganhou destaque na mídia e a empresa hoje busca rever sua estruturação interna com a sensibilização para ações antirracistas. No entanto, quantos outros estabelecimentos ainda usam de práticas persecutórias independente de seu tamanho. São ações diárias e que representam a reafirmação do racismo na vida cotidiana. Pesquisa realizada pela Consultoria Accenture demonstra que Cerca de 30% de todos os consumidores das lojas de varejo tem uma tendência de escolher uma nova loja baseada no seu engajamento com a questão. E o contrário também acontece: 62% dos consumidores mudariam de varejista se sentissem que estão sendo desrespeitados ou tratados de maneira injusta. (RODRIGUES FILHO, 2021, online) De tal forma, ter este olhar atento para as relações de consumo é não só uma estratégica de vendas, mas antes de tudo, um posicionamento de mercado atendendo a um nicho extremamente representativo das camadas sociais. Ademais, uma política que direcione ações pedagógicas concretas de diversidade e inclusão responde às expectativas de empresas com responsabilidade social. Um ponto que se soma às ações de perspectiva antirracistas é a atualização do crime contra o racismo. Vimos que um primeiro passo para a criminalização do racismo foi a formulação da Lei de Crime Racial, 7.716 em 1989. Neste ano de 2023 foi dado mais um passo importante com a sanção da Lei 14.532 que tipifica como crime de racismo a injúria racial. Houve o aumento da pena de um a três anos para dois a cinco anos de reclusão. Assim, ofender a honra pessoal por razão de raça, cor ou etnia, tornou-se um crime inafiançável e imprescritível. MÓDULO IV – MECANISMOS E MANIFESTAÇÕES COTIDIANAS OBJETIVOS Ao final do módulo você será capaz de: Apresentar as diferentes formas de racismo na vida cotidiana; Problematizar a naturalização de atitudes racistas; Contribuir para a capacitação de letramento racial. INTRODUÇÃO Recentemente no início do ano parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a deputada Thainara Faria (PT) ao tentar adentrar ao salão deliberativo daquela casa para uma sessão solene, foi impedida por uma funcionária do legislativo de assinar o livro de presença. A justificativa dada era de que o ato era permitido apenas para parlamentares. A deputada que é negra, sentiu na pele as microagressões vividas cotidianamente pela população negra nos mais diversos espaços. Sua presença enquanto representante eleita não impediu que o estereótipo e o preconceito imperassem naquela situação. Figura: Deputada Thainara Faria Fonte: G1 Vivenciar as relações em sociedade sendo negro é um misto de medo, desconfiança e preocupações contra os olhares e gestos daqueles que reproduzem estigmas e lugares para os negros. A luta antirracista passa pela desconstrução deste tipo de atitude. É ela a responsável pela demonstração de que todos são iguais e podem estar e ser o que bem quiser. Ocupar os espaços e não aceitar tais atitudes é um importante caminho para reafirmar a presença negra na sociedade brasileira. https://g1.globo.com/sp/sao-carlos-regiao/noticia/2023/03/31/video-deputada-thainara-faria-afirma-que-foi-vitima-de-racismo-na-alesp-nao-e-mal-entendido.ghtml Neste módulo será discutido quais os impactos que ações estereotipadas e como a presença do racismo estrutural atua sobre a condição psicológica daqueles que sofrem pela sua cor de pele. Por tal meio entende-se possível conhecer para não reproduzir o erro que exercem influência na manutenção dos marcos racistas. Unidade 1 - Microagressões: O que são e como Identificá-las Vivemos num contexto em que o racismo estrutural está enraizado em todas as vertentes da sociedade. Há situações que até bem pouco tempo eram consideradas naturalizadas. Brincadeiras, piadas, chacotas. No entanto, a virada de chave em compreender o quanto tais ações são representantes do racismo fazem com que uma nova postura e crítica a tal comportamento seja pautado como ponto de desconstrução do racismo estrutural. As microagressões são comentários, perguntas ou ações dolorosas que questionam ou colocam em validação uma pessoa de um grupo considerado discriminado ou sujeito a estereótipos amplamente disseminados. Podem ser também insultos verbais ou comportamentais, com ofensas hostis e depreciativas (SANTOS et.all, 2023). De acordo com reportagem da Revista Você RH, as microagressões são tão prejudiciais quanto atos ou comentários abertamente preconceituosos, reforçando desprezo, indignidades, depreciações e insultos diários que negros, mulheres, populações LGBTQIPA+, pessoas com deficiência ou pessoas silenciadas e/ou marginalizadas vivenciam em interações cotidianas em diferentes contextos. Muitas agressões são consideradas apenas “brincadeiras” na nossa sociedade — e é aí que mora o perigo de criar muros quase intransponíveis entre as pessoas. Um perigo chamado microagressões. Para perceber e evitar as microagressões no cotidiano, é importante estar atento aos comentários e perguntas que fazemos e recebemos. Algumas frases aparentemente inofensivas podem ser microagressões. Veja a seguir: https://vocerh.abril.com.br/coluna/vivan-rio-stella/como-perceber-e-evitar-as-microagressoes-no-cotidiano/ https://vocerh.abril.com.br/coluna/vivan-rio-stella/como-perceber-e-evitar-as-microagressoes-no-cotidiano/ https://vocerh.abril.com.br/coluna/vivan-rio-stella/como-perceber-e-evitar-as-microagressoes-no-cotidiano/ https://vocerh.abril.com.br/coluna/vivan-rio-stella/como-perceber-e-evitar-as-microagressoes-no-cotidiano/https://vocerh.abril.com.br/coluna/vivan-rio-stella/como-perceber-e-evitar-as-microagressoes-no-cotidiano/ https://vocerh.abril.com.br/coluna/vivan-rio-stella/como-perceber-e-evitar-as-microagressoes-no-cotidiano/ Fonte: Defensoria Pública do Estado da Bahia, 2023 As microagressões racistas são atos ou comentários sutis, muitas vezes não intencionais, que perpetuam estereótipos raciais e humilham indivíduos de origens raciais ou étnicas marginalizadas. A frase “a coisa tá preta” está embutida de um conteúdo preconceituoso e historicamente triste para a construção da sociedade brasileira. Fonte: Defensoria Pública do Estado da Bahia, 2023 Nesta mesma linha, a frase acima “feito nas coxas” também carrega preconceito e racismo estrutural. Dizer que algo está mal feito não pode ser remetido às rudezas da escravidão ou ao escravizado. O correto é apenas dizer que tal situação ou coisa tem problemas e não foi feita corretamente. O letramento racial, portanto, é algo que permeia a reescrita das relações sociais e da própria história brasileira. Exemplos de microagressões racistas incluem fazer suposições sobre a formação cultural de alguém, usar insultos raciais ou linguagem depreciativa ou rejeitar as experiências de racismo de alguém. Estas ações podem parecer inofensivas para o agressor, mas contribuem para um ambiente hostil e discriminatório para os indivíduos afetados. Outra maneira como a microagressão racial se materializa no cotidiano é vista em meios de transporte onde alguém muda de lugar quando uma pessoa preta se senta ao seu lado. Ainda como exemplo, criar estereótipos imaginando que um preto(a) é menos inteligente mesmo sem saber sua formação ou origem, levando em consideração apenas o aspecto racial. É importante reconhecer e abordar as microagressões racistas para promover uma sociedade mais inclusiva e equitativa. A educação e a conscientização desempenham um papel crucial no desafio a esses comportamentos. Ao ouvir ativamente, aprender sobre diferentes culturas e envolver-nos num diálogo aberto e respeitoso, podemos trabalhar no sentido de desmantelar o racismo sistémico que perpetua estas microagressões. Além disso, é essencial que os indivíduos reflitam sobre os seus próprios preconceitos e privilégios para evitar a perpetuação de microagressões racistas. Ao examinar as nossas próprias ações e linguagem, podemos contribuir para a criação de um ambiente mais inclusivo e respeitoso para todos. Concluindo, as microagressões racistas são atos nocivos que perpetuam estereótipos raciais e contribuem para uma atmosfera discriminatória. É crucial que os indivíduos se eduquem, reflitam sobre os seus próprios preconceitos e trabalhem ativamente para a criação de uma sociedade mais inclusiva que valorize e respeite as experiências e identidades de todos os indivíduos, independentemente da sua raça ou etnia. Microagressões e as Mulheres Negras As microagressões raciais de gênero podem ocorrer em diversos contextos, como na escola, no trabalho, na mídia, na família e nas relações afetivas. Alguns exemplos são: criticar o cabelo natural ou os traços físicos das mulheres negras; exibir um ideal de beleza único e eurocêntrico; diminuir as conquistas e as capacidades das mulheres negras; hipersexualizar ou desumanizar seus corpos; ignorar ou desvalorizar suas vozes e opiniões; questionar sua pertença a determinados espaços ou grupos; fazer piadas ou comentários racistas ou sexistas. Martins, Lima e Santos (2018) afirmam que há uma diferença significativa entre o impacto da microagressão no homem negro e a mesma ação na mulher negra. Além do objeto racismo há também a questão de gênero que atinge diretamente aspectos fundantes da identidade da vítima. Estar exposta a uma maior frequência de discriminação racial de gênero afeta negativamente a autoestima de mulheres negras. Pode-se compreender essa redução na autoestima em função desse conceito estar relacionado a forma como os outros nos veem, assim, pessoas que tem características desvalorizadas socialmente tenderiam a internalizar parcialmente essas opiniões, de forma que apresentariam uma autoestima mais baixa do que indivíduos pertencentes grupos mais valorizados (MARTINS, LIMA e SANTOS, p. 2799, 2018). Para a mulher, e em particular a mulher negra, a questão da imagem toma uma dimensão determinante para sua autoestima. A comparação de seu corpo com corpos brancos, a sexualização da sua imagem, os detalhes do cabelo e demais aspectos impactam na forma como ela se vê e aceitação de sua imagem frente à sociedade, conforme visto na passagem acima. Unidade 2 - Piadas e Preconceito Piadas são uma forma de humor que envolve fazer graça de situações, pessoas ou grupos. Elas podem ser divertidas, inteligentes, irônicas ou absurdas, mas também podem ser ofensivas, preconceituosas, discriminatórias ou violentas. Quando as piadas se baseiam em estereótipos negativos ou falsos sobre uma raça, etnia, cultura ou religião, elas são chamadas de piadas racistas. Fonseca (2012) faz referência ao riso proveniente da piada, como uma expressão que tenta dar visibilidade à discriminação, mas com um ar de descontração. Trata-se de um riso que vem de uma origem euro-ocidental, como define o autor, e que está impregnada de preconceito e discursos culturais. Isto porque é comum, para não dizer natural a piada com as pessoas pretas. De acordo com Fonseca (2012) a piada longe está se ser inocente. Há nela um estímulo ao preconceito étnico-racial, homossexual, capacitista, dentre outras abordagens. As mensagens carregam “contextualizações históricas, de origem e de fins sociais” (2012, p.27) que delimitam posições sociais e culturais. O piadista, portanto, tem um alvo e uma intenção. Fonte: LinkedIn https://www.linkedin.com/posts/camila-brito-555a9375_racismo-recreativo-negro-activity-7064962847306391553-xRM9?utm_source=share&utm_medium=member_desktop Piadas racistas podem ter vários efeitos negativos, tanto para quem as conta quanto para quem as ouve. De acordo com Fonseca (2012), elas podem: Reforçar e legitimar o racismo na sociedade, criando uma falsa sensação de superioridade ou inferioridade entre os grupos. Desumanizar e desrespeitar as pessoas que pertencem a uma determinada raça, etnia, cultura ou religião, reduzindo-as a caricaturas ou alvos de zombaria. Causar dor, angústia, humilhação, vergonha ou medo nas vítimas das piadas racistas, afetando sua autoestima, saúde mental e bem-estar. Gerar conflitos, tensões, hostilidade ou violência entre os grupos, prejudicando a convivência pacífica e harmoniosa na sociedade. A título de exemplificação recentemente no Rio de Janeiro mãe e filha fizeram um trote com crianças pretas. Elas eram abordadas e um presente entregue pelas mulheres. A expectativa da criança em receber um brinquedo ou outro presente era frustrada ao abrir a caixa e encontrar bananas ou um macaco de pelúcia. A indignação tomou conta das redes sociais e ambas foram bloqueadas no Instagram, Youtube e TikTok3. A piada de fundo racista acaba consolidando o preconceito e a exclusão das pessoas pretas na sociedade, delimita a elas uma posição de inferioridade e, principalmente, “manipula com extrema habilidade o cenário aparente da harmonia social” (FONSECA, 2012, p. 33). Trata-se, pois de um dos pontos que sustentam o racismo estrutural na vida brasileira. A ruptura com este processo é longa, demorada e vem sendo feita aos poucos. O olhar mais atento às falas e comportamento em sociedade começou a ser mais cuidado a partir início do século XXI. Vê-se este caminhar, por exemplo, na mudança de letras de marchinhas tradicionais ou na reescrita de determinadas piadas. 3 Veja mais sobre o caso na reportagem do Portal O Tempo. https://www.otempo.com.br/brasil/mae-e-filha-que-entregaram-banana-a-crianca-negra-tem-perfis-bloqueados-1.2888173Na figura a seguir é possível ter um antes e um depois deste processo de mudança na maneira como as microagressões vão sendo minimizadas. Fonte: FONSECA, 2012, p. 33 Você pode ver que na coluna “Antes” o principal alvo das piadas era o negro. O negro minorizado, limitado a voar/crescer/subjugado. Está inserido nos trabalhos braçais, na construção civil e é tão ruim quanto um câncer. Já na coluna “Depois” a presença preta foi substituída, mas o olhar de superioridade se mantém definindo um lugar inferiorizado ao Brasil e ao pobre. Hoje a categoria de comediantes ganhou novos personagens que imprimem um “riso antirracista” fazendo piadas com mais responsabilidade. Podem ser citados Paulo Vieira, Yuri Marçal, Felipe Kot, Nathália Cruz entre outros que produzem piadas mais bem elaboradas provocando riso e crítica ao mesmo tempo (UOL, 2023). Como meio de contribuir para que o processo pedagógico de comportamento antirracista se amplie, deixamos algumas dicas para se policiar e não reproduzir microagressões com posturas e falas que apenas ratificam o histórico do racismo estrutural que precisa ser desconstruído: Eduque-se: Procure ler sobre o assunto e tente entender como as microagressões afetam as pessoas. Pense antes de falar: Reflita sobre o que você está prestes a dizer e como isso pode ser interpretado por outras pessoas. Ouça: Preste atenção ao que as outras pessoas estão dizendo e procure entender como elas se sentem. Peça desculpas: Desculpa-se imediatamente ao perceber que fez uma microagressão. Seja empático: Muitas vezes colocar-se no lugar do outro é o melhor jeito de pensar antes de causar uma microagressão. Portanto, é importante ter consciência e responsabilidade ao contar ou ouvir piadas racistas. Elas não são apenas uma forma de humor inocente ou inofensiva, mas sim uma manifestação de ódio, intolerância e ignorância. Piadas racistas não devem ser toleradas nem normalizadas, mas sim combatidas e denunciadas. O respeito à diversidade é um valor fundamental para a construção de uma sociedade mais justa, democrática e solidária. Unidade 3 - Estereótipos Raciais e seus Impactos O racismo é o preconceito e a discriminação baseados na origem étnica de uma pessoa. Os estereótipos são ideias simplificadas e generalizadas sobre um grupo social, que muitas vezes são negativas e falsas. No Brasil, o racismo e os estereótipos são problemas históricos, culturais e estruturais, que afetam a vida de milhões de pessoas negras e indígenas. Como vimos anteriormente, o racismo no Brasil tem suas raízes na escravidão de povos africanos e na colonização de povos indígenas, que duraram mais de três séculos. A abolição da escravidão, em 1888, foi feita sem garantir direitos e oportunidades para os ex-escravizados, que foram marginalizados e excluídos da sociedade (FERNANDES, 1978). O mito da democracia racial, que afirma que o Brasil é um país harmonioso e sem conflitos raciais, também contribuiu para ocultar e negar o racismo, impedindo a adoção de medidas efetivas para combatê-lo. As construções sociais estereotipadas possuem em si “aspectos basilares das emoções, sensações e comportamentos contra membros de grupos ou categorias distintas” (PEREIRA, 2019 apud. JAIRO e FRANÇA, 2022, p. 3). Assim, as relações sociais acabam sendo distorcidas e fantasiadas. As relações intergrupais são condicionadas a um modelo pré-definido e repleto de atributos nem sempre produtivos. Os estereótipos sobre as pessoas negras e indígenas, em especial, no Brasil são fruto de uma visão eurocêntrica e branca, que desvaloriza e inferioriza as culturas, as religiões, as línguas, as artes, as ciências e as histórias desses povos. Esses estereótipos são reproduzidos pela mídia, pela educação, pela literatura, pelo cinema, pela música e por outras formas de expressão cultural, reforçando o preconceito e a discriminação. Podemos exemplificar a construção de estereótipos raciais no Brasil a partir da forma como o povo preto foi representado, por longos anos, nas telenovelas brasileiras. As novelas são consideradas uma marca cultural do país. São não apenas formas de entretenimento, mas também um instrumento de debate de questões cotidianas. Seu alcance é amplo indo de norte a sul do país o que a faz ser bastante relevante em termos culturais (ARAÚJO, 2019). No entanto uma questão se faz presente: Como o negro é retrato nesta manifestação cultural brasileira? A análise da representação dos negros nas telenovelas brasileiras revela como o racismo estrutural se consolidou nos meios de comunicação e fez uso deste instrumento para criar uma falsa versão do que é a sociedade brasileira. O resultado disso é que o discurso midiático brasileiro primeiro fortalece a ideia da branquitude, do privilégio branco. Os protagonistas são brancos, em sua maioria. E há uma hipervalorização do negro em relação à criminalidade e à pobreza. Isso cria uma naturalização do que é ser branco e do que é ser negro no Brasil (SANTOS, 2019). A chegada das transmissões televisivas no Brasil data de 1950. No entanto, a primeira produção com um personagem negro ocorreu somente em 1969 na novela Cabana do Pai Tomás. Momento marcante no qual a atriz Ruth Souza ganhou projeção. Como vimos anteriormente a atriz fez parte do Teatro Experimental do Negro e já era conhecida no meio artístico. Mas esta novela inaugurou no Brasil o blackface, ou seja, um ator branco foi maquiado para escurecer a pele e fazer o papel de um homem negro. Tal método já era comum nas telas norte-americanas e reforçava o estereótipo dado ao negro. De forma geral o negro foi representado, até pouco tempo, como sendo uma pessoa bastante humilde, sem posses, com pouca instrução. Na maioria das vezes moradores periféricos. Enquanto que os brancos recebiam papéis de destaque, protagonistas e bem-sucedidos, os papéis designados aos atores e atrizes negros eram subalternizados: motoristas, empregadas domésticas, babás dentre outros. A partir dos anos de 1990, houve uma mudança. Uma maior quantidade de atores e atrizes bem como papeis de destaque. Hoje há uma preocupação maior com o papel do negro abrindo caminhos para novelas com alto percentual de atrizes e atores negros como foi o caso da novela “Vai na fé” da TV Globo que tinha aproximadamente 70% de pretos em seu elenco. Na presença preta de Maju Coutinho na apresentação do Fantástico e no papel relevante que Glória Maria deu ao jornalismo negro brasileiro. As consequências do racismo e dos estereótipos na sociedade brasileira são graves e evidentes. As pessoas negras e indígenas sofrem com a violência policial, a falta de acesso à saúde, à educação, à moradia, ao trabalho, à cultura e à política. Elas também são vítimas de injúria racial, racismo institucional, genocídio, feminicídio, intolerância religiosa e outras formas de violação dos direitos humanos. Mas os estereótipos não são restritos às telas da televisão. A vida real, em seu dia-a-dia, expõe uma quantidade de situações nas quais cria-se uma leitura fantasiosa contra o povo preto. Uma destas posturas é afirmar que o homem negro é violento, o alto número de negros assassinados pela polícia ou a fetichização da mulher preta. Ou ainda que mulheres negras são mais fogosas que as mulheres brancas. Um terceiro estereótipo é o de que as pessoas pretas são mais sensuais, mais exóticas e mais fetichizadas do que as pessoas brancas. Esse estereótipo tem origem na mulher como objeto sexual desde a época da escravidão. Esse estereótipo se reflete na exploração sexual, no assédio e no estupro das pessoas pretas, especialmente das mulheres pretas. Entretanto, nenhum outro estereótipo é tão gritante quanto o que os números revelam sobre as abordagens policiais. Fonte: Rede de Observatórios da Violência Neste caso o estereótipoé o de que as pessoas negras são mais violentas, mais criminosas e mais perigosas do que as pessoas brancas. Essa concepção tem origem na criminalização da pobreza e na resistência das pessoas pretas ao longo da história. Esse estereótipo se reflete na violência policial, que mata desproporcionalmente mais pessoas pretas do que pessoas brancas no Brasil. A Rede de Observatórios da Segurança realizou pesquisa no ano de 2021 e revelou que a cada dez pessoas mortas em ações policiais seis eram pretas. Foram analisados dados de sete estados da federação: São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará, Maranhão, Piauí e Pernambuco. A Rede afirma que a polícia militar “é o braço racista do Estado” (REDE DE OBSERVATÓRIOS DA SEGURANÇA, 2022) e, por consequência, a concretização do racismo estrutural. Fonte: Rede de Observatórios da Violência O Rio de Janeiro, por exemplo, é um território onde os mortos pela polícia passam da casa dos milhares. Conhecida por sua beleza natural, sua cultura e sua diversidade são também internacionalmente pela violência, pela desigualdade e pelo racismo nos morros. Nas favelas do Rio, onde vivem milhões de pessoas, a maioria negra, a violação dos direitos humanos é uma realidade cotidiana. As operações policiais nas favelas são frequentes e muitas vezes resultam em mortes de civis inocentes, que são vistos como suspeitos apenas por sua cor de pele. É o caso da morte do adolescente Thiago Menezes Flausino de 13 anos. Ele foi fuzilado por militares na Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. Testemunhas afirmam que os policiais forjaram uma troca de tiros após a morte do garoto. O jovem era estudante, frequentava a igreja e tinha o sonho de ser jogador de futebol. Para enfrentar o racismo e os estereótipos na sociedade brasileira, é preciso reconhecer que eles existem e que são estruturais. É preciso também ter ações antirracistas de fato, que envolvam a educação, a legislação, as políticas públicas, a mídia, a cultura e a participação social. Efetivar a democracia racial. O caminho é a valorização e respeito à diversidade étnica do Brasil, reconhecendo as contribuições históricas e atuais das pessoas negras e indígenas para a formação da identidade nacional. É preciso apoiar os movimentos sociais que lutam pelos direitos das populações negras e indígenas no Brasil. E é preciso se solidarizar e apoiar as vítimas do racismo e dos estereótipos, denunciando as situações de violência e injustiça. O racismo e os estereótipos na sociedade brasileira são desafios que exigem o compromisso de todos e todas para serem superados. Somente assim poderemos construir um país mais justo, democrático e plural. Unidade 4 - Efeitos do Racismo na Saúde Física e Mental As microagressões ou ações marcadamente racistas podem ocorrer em vários ambientes, como locais de trabalho, escolas ou espaços públicos, e podem ter um impacto significativo no bem-estar e na saúde mental. O racismo estrutural afeta a vida das pessoas de diversas maneiras. Viver uma experiência de racismo e preconceito causa um estresse abundante na vítima. Soma-se a isto, a síndrome de burnout, por exemplo. Estar em ambientes que são tóxicos nos quais as questões raciais são ignoradas e por vezes tratada como chacota, pode causar danos irreversíveis (DELGADO, 2020). Recentemente uma criança de nove anos que tinha o sonho de ser modelo sofreu graves ataques racistas por parte na escola em que estudava. Foi chamado de “projeto de bandido” e “macaco” por uma aluna e pela mãe dela. O garoto que gostava de tirar fotos agora está revoltado e não que mais ir à escola. Fonte: G1 Sua fala expressa toda a inferioridade, tristeza e mágoa que uma criança que tem sonhos para o futuro não merece ouvir. A escola, diante do fato, não tomou uma atitude pedagógica de falar sobre o racismo e seus efeitos. Portanto, percebe-se que os traumas dos anos de colonização e escravatura são muito profundos ainda hoje. Esta situação vivida por esta criança não é uma exceção. Os jovens negros que cometeram atos contra a própria vida cresceram no Brasil. Entre os anos de 2012 a 2016 os suicídios cometidos por jovens negros cresceram 12% entre a população de 10 a 29 anos de idade, segundo dados do Ministério da Saúde. O suicídio é um importante problema de saúde pública e como tal tem por trás um conjunto de fatores determinantes. Há evidências de que fatores sociais, culturais, econômicos e históricos influenciam na vulnerabilidade e na prevenção do suicídio. Um desses fatores é o racismo, que gera sofrimento, exclusão, violência e desigualdade entre as pessoas negras (BRASIL, 2018). Interessante perceber que este número fica ainda maior se for segmentado por gênero. O sexo masculino negro apresenta, segundo a pesquisa, 50% mais chances de cometer suicídio do que a população masculina branca da mesma faixa etária. Esses dados revelam que o racismo estrutural, que se manifesta nas instituições, nas políticas públicas, na mídia, na educação, na saúde e em outras esferas da sociedade, tem um impacto direto na saúde mental e na qualidade de vida dos jovens negros. Houve um crescimento bastante significativo de suicídios entre 2012 e 2016. O racismo produz estereótipos negativos, discriminação, preconceito, violência física e simbólica, baixa autoestima, falta de oportunidades e de reconhecimento social (BRASIL, 2018). Esses fatores podem gerar sentimentos de angústia, solidão, desesperança, culpa e desvalorização pessoal, que podem levar à ideação e ao comportamento suicida. A manutenção da saúde mental perpassa uma série de fatores que transitam entre o biológico, passa por aspectos psicológicos e sociais. Portanto, estar exposto a episódios constantes de violência racial, discriminação ou preconceito, interfere de maneira negativa na saúde mental e, consequentemente a saúde física das pessoas (MARTINS, LIMA E SANTOS, 2018). Portanto, é fundamental que se reconheça o racismo como um determinante social da saúde e que se desenvolvam estratégias de prevenção do suicídio que considerem as especificidades e as demandas da população negra. São primordiais a valorização da cultura afro-brasileira, o combate ao racismo em todas as suas formas, o acesso à educação, ao trabalho, à renda e aos serviços de saúde de qualidade (MARTINS, LIMA E SANTOS, 2018). É preciso também fortalecer as redes de apoio social e comunitário, incentivar o diálogo sobre o tema e oferecer acolhimento e tratamento adequado às pessoas em sofrimento psíquico. Ser acolhido é um importante gesto que setores públicos e privados podem propiciar em seus locais de atuação. Por exemplo, a plataforma Acolhe Black, pensada e cuidada pela Faculdade Zumbi dos Palmares, concede apoio psicológico com escuta humanizada e com anonimato, bem como assessoria jurídica para aqueles que quiserem dar formalizar ações frente a justiça. Desta forma, com atendimento gratuito há um cuidado das vítimas de racismo. Os Efeitos Psicológicos do Racismo entre Mulheres Questão relevante ao olhar para as microagressões e a possibilidade de recorte feito a partir das mulheres negras. Estudo realizado no departamento de Psicologia da Universidade de Brasília em 2018 identificou que há um impacto severo no sistema psicológico das mulheres negras que vivenciam episódios de racismo. Entre elas a saúde mental fica primeiramente afetada a partir da autoestima. As mulheres negras são frequentemente vítimas de microagressões raciais de gênero, que também envolvem os processos de marginalização, silenciamento e objetificação vivenciados por elas (SANTOS et.al, 2023). Essas experiências têm um impacto negativo na saúde mental das mulheres negras, afetando sua autoestima, sua identidade e seu bem-estar. De acordo com Santos (SANTOS et.al, 2023). Esses atosaparentemente sutis, mas constantes e repetitivos, podem gerar um estresse psicológico crônico nas mulheres negras, que se sentem desrespeitadas, humilhadas, invisibilizadas e excluídas. O reflexo destes comportamentos são a ansiedade, a depressão, a baixa autoestima e até mesmo o isolamento social. Além disso, as microagressões podem afetar a identidade das mulheres negras, que muitas vezes rejeitam sua negritude ou tentam se adequar aos padrões impostos pela sociedade. No entanto, as mulheres negras também podem desenvolver estratégias de resistência e superação diante das microagressões raciais de gênero. É o que aponta os autores ao afirmarem que “o processo de tomada de consciência, reconhecimento e aceitação da negritude, que impulsiona a autoestima e a construção de uma nova identidade como mulher negra.” (SANTOS et.al, 2023, p.1). Desta forma, o reconhecimento da negritude se faz de forma coletiva com fortalecimento e noção de pertencimento. Portanto, as microagressões raciais de gênero são uma forma de violência simbólica que afeta a saúde mental das mulheres negras. É preciso combater esse fenômeno por meio da educação antirracista, da valorização da diversidade e da cultura afro-brasileira, da promoção da equidade racial https://www.scielo.br/j/pcp/a/nRcgBJp7zvGQtBr3vM37zNr/ https://www.scielo.br/j/pcp/a/nRcgBJp7zvGQtBr3vM37zNr/ https://www.scielo.br/j/pcp/a/nRcgBJp7zvGQtBr3vM37zNr/ e de gênero, da denúncia e da responsabilização dos agressores (SANTOS et.al, 2023, p.1). Também é necessário oferecer apoio psicológico às mulheres negras que sofrem com as microagressões, respeitando suas singularidades e suas demandas. Assim, será possível contribuir para o empoderamento e a emancipação das mulheres negras na sociedade. Unidade 5 - A Desigualdade Racial sem Acesso a Oportunidades e Recursos: O Racismo Ambiental A desigualdade racial é um problema social grave que afeta milhões de pessoas no Brasil e no mundo. Trata-se da situação em que pessoas de diferentes grupos étnico-raciais têm oportunidades, acesso a recursos, poder e trabalho desiguais, em função de preconceitos, discriminação e racismo. A desigualdade racial tem origem histórica na escravidão, no colonialismo e no imperialismo, que subjugaram e exploraram povos negros, indígenas e outros (SANTOS, 2009). A desigualdade racial persiste até hoje, apesar de algumas conquistas legais e políticas, porque ainda há resistência e negação em reconhecer o problema e enfrentá-lo. Desta forma, a desigualdade racial se manifesta em diversas dimensões da vida social, como a educação, a saúde, o trabalho, a renda, a cultura, a política e a justiça. A população preta no Brasil representa 55% da população brasileira, mas são maioria entre os pobres (75%) e os extremamente pobres (67%). São estes que têm menor escolaridade, menor acesso à saúde, menor participação política e maior vulnerabilidade à violência. As mulheres negras sofrem ainda mais com a dupla discriminação de gênero e raça. A desigualdade racial compromete o desenvolvimento humano das pessoas negras, que são privadas de exercer plenamente seus direitos e potencialidades. Ela prejudica inclusive o crescimento econômico e social do país, que desperdiça talentos e recursos humanos. É, portanto, uma violação dos direitos humanos e uma ameaça à democracia, pois gera conflitos, tensões e injustiças (SANTOS, 2009). Assim, hoje um novo termo é utilizado para caracterizar o racismo e a desigualdade: o racismo ambiental. Este conceito se consolida ao observarmos no contexto das cidades, os problemas socioambientais que são enfrentados por populações mais vulneráveis. Ou seja, estão em cotidianamente sendo atingidas pelo racismo e que não é apenas pela cor da pele ou pelo tipo de cabelo. O conceito de racismo ambiental surgiu nos Estados Unidos, na década de 1980, com o ativista afro-americano Benjamin Chavis Jr., que denunciou que a população negra era a mais vitimada pela degradação ambiental. Racismo ambiental é um termo que se refere à discriminação que populações vulneráveis, como negros, indígenas, quilombolas e ribeirinhos, sofrem por causa da degradação ambiental (PORTO; PACHECO; LEROY, 2013). No Brasil, o racismo ambiental também é uma realidade que atinge as populações marginalizadas e invisibilizadas pela sociedade. Essas populações são mais afetadas por problemas como poluição, desmatamento, enchentes, secas e rompimento de barragens. O racismo ambiental revela que a crise climática não atinge todas as pessoas da mesma forma, mas sim de acordo com fatores sociais, econômicos e históricos. As consequências desse racismo por denegação estruturaram-se, principalmente, na forma como lidamos com o cotidiano das cidades e as condições de vida determinadas para as pessoas que fazem parte dessa ambiência, em especial a população negra (FUENTES, 2021). Dentre as inúmeras constatações desse processo, encontra-se as injustiças sociais que podem ser verificadas pelo acesso dessa população aos bens e serviços e, também, no que concerne à segregação racial perpetrada nos espaços da comunidade afrodescendente nas áreas de risco e nas ocupações irregulares das grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro ou Salvador. Nestas e em outras localidades do país e mundo à fora, os afrodescendentes são condicionados a viver em locais com pouca infraestrutura. Constroem suas casas em áreas de riscos e são mais propensas a contraírem doenças como diarreia, tifo, dengue, febre amarela, hepatite ou leptospirose. Estas são caracterizadas como problemas diretamente relacionados a falta de investimento em saneamento básico. Espaços como este retratado na foto são comuns pelas periferias brasileiras. Elas ressaltam um dado apresentado pela PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento do ano de 2017 que os negros do país tinham dez anos atraso em relação aos brancos no que se referia ao índice de Desenvolvimento Humano – IDH. Este marcador analisa a renda per capita, acesso à educação e expectativa de vida. Menor acesso à educação pode levar a uma renda mais baixa, maiores dificuldades de acesso à saúde e demais aspectos imprescindíveis para a vida em plenitude. Para combater a desigualdade racial, é preciso adotar medidas que promovam a igualdade de oportunidades e o acesso universal aos bens e serviços públicos. É preciso também implementar políticas afirmativas que corrijam as distorções históricas e estruturais que favorecem os grupos dominantes. Ponto complementar é educar para o respeito à diversidade e para o combate ao racismo em todas as suas formas. É preciso, enfim, construir uma sociedade inclusiva e solidária, que reconheça e valorize as contribuições de todos os grupos étnico-raciais para a formação da nação brasileira. REFERÊNCIAS ALMEIDA, S. L. de. Racismo. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/92/edicao-1/racismo> Acesso em: 28/02/2023. BLUMENBACH, J. F. 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