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APG 14 - Ai que dor! Objetivos • Revisar a morfofisiologia da unidade funcional do rim. • Estudar a etiologia, epidemiologia, fatores de risco, manifestações clinicas, fisiopatologia, diagnóstico e tratamento da nefrolitíase. • Diferenciar os tipos de cálculos renais. Néfron - unidade funcional do rim Os néfrons são as unidades funcionais dos rins. Cada néfron consiste em duas partes: um corpúsculo renal, onde o plasma sanguíneo é filtrado, e um túbulo renal, pelo qual passa o líquido filtrado (filtrado glomerular). Os dois componentes de um corpúsculo renal são o glomérulo e a cápsula glomerular (cápsula de Bowman), uma estrutura epitelial de parede dupla que circunda os capilares glomerulares. O plasma sanguíneo é filtrado na cápsula glomerular, e então o líquido filtrado passa para o túbulo renal, que tem três partes principais. Em ordem de recebimento do líquido que passa por eles, o túbulo renal consiste em um (1) túbulo contorcido proximal (TCP), (2) alça de Henle e (3) túbulo contorcido distal (TCD). Proximal denota a parte do túbulo ligado à cápsula glomerular, e distal indica a parte que está mais longe. Contorcido significa que o túbulo é espiralado em vez de reto. O corpúsculo renal e os túbulos contorcidos proximais e distais se localizam no córtex renal; a alça de Henle se estende até a medula renal, faz uma curva fechada, e então retorna ao córtex renal. Para produzir urina, os néfrons e os ductos coletores realizam três processos básicos – filtração glomerular, reabsorção tubular e secreção tubular. • Filtração glomerular: Na primeira etapa da produção de urina, a água e a maior parte dos solutos do plasma sanguíneo atravessam a parede dos capilares glomerulares, onde são filtrados e passam para o interior da cápsula glomerular e, em seguida, para o túbulo renal. Basicamente, o líquido que entra no espaço capsular é chamado filtrado glomerular. Em média, o volume diário de filtrado glomerular em adultos é de 150 ℓ nas mulheres e 180 ℓ em homens. Mais de 99% do filtrado glomerular regressa à corrente sanguínea por meio da reabsorção tubular, de modo que apenas 1 a 2 ℓ são excretados como urina. Membrana de filtração: os capilares glomerulares e os podócitos, que circundam completamente os capilares, formam uma barreira permeável conhecida como membrana de filtração. Esta configuração possibilita a filtração de água e pequenos solutos, mas impede a filtração da maior parte das proteínas plasmáticas, células sanguíneas e plaquetas. As substâncias filtradas do sangue atravessam três barreiras de filtração – a célula endotelial glomerular, a lâmina basal e uma fenda de filtração formada por um podócito. A filtração glomerular depende de três pressões principais. Uma pressão promove filtração e duas pressões se opõem à filtração. A pressão hidrostática glomerular do sangue (PHGS) é a pressão do sangue nos capilares glomerulares. Em geral, a PHGS é de aproximadamente 55 mmHg. Ela promove a filtração, forçando a água e os solutos do plasma sanguíneo através da membrana de filtração. A pressão hidrostática capsular (PHC) é a pressão hidrostática exercida contra a membrana de filtração pelo líquido que já está no espaço capsular e no túbulo renal. A PHC se opõe à filtração e representa uma “pressão de retorno” de aproximadamente 15 mmHg. A pressão coloidosmótica do sangue (PCOS), que é decorrente da presença de proteínas – como a albumina, as globulinas, o fibrinogênio no plasma e no sangue – também se opõe à filtração. A PCOS média nos capilares glomerulares é de 30 mmHg. A pressão de filtração efetiva (PFE), a pressão total que promove a filtração, é determinada como segue: PFE = PHSG – PHC – PCOS Substituindo os valores fornecidos anteriormente, pode-se calcular a PFE normal: Assim, uma pressão de apenas 10 mmHg faz com que uma quantidade normal de plasma sanguíneo (menos as proteínas plasmáticas) seja filtrada do glomérulo para o espaço capsular. Taxa de filtração glomerular: A quantidade de filtrado formado em todos os corpúsculos renais de ambos os rins a cada minuto determina a taxa de filtração glomerular (TFG). No adulto, a TFG média é de 125 mℓ/min em homens e 105 mℓ/min em mulheres. Secreção e reabsorção no TCP: A maior quantidade de reabsorção de soluto e água a partir do líquido filtrado ocorre nos túbulos contorcidos proximais, que reabsorvem 65% da água filtrada, e também reabsorvem íons glicose, aminoácidos, etc. A maior parte da reabsorção de solutos no túbulo contorcido proximal (TCP) envolve o Na+ e seus mecanismos de transporte. • Reabsorção tubular: Conforme o líquido filtrado flui pelos túbulos renais e ductos coletores, as células tubulares reabsorvem aproximadamente 99% da água filtrada e muitos solutos úteis. A água e os solutos retornam ao sangue que flui pelos capilares peritubulares e arteríolas retas. A reabsorção de soluto impulsiona a reabsorção de água, porque toda a reabsorção de água ocorre por osmose. Aproximadamente 90% da reabsorção de água filtrada pelos rins ocorrem juntamente com a reabsorção de solutos, como o Na+, o Cl– e a glicose. Este tipo de reabsorção de água ocorre no túbulo contorcido proximal e na parte descendente da alça de Henle, porque estes segmentos do néfron sempre são permeáveis à água. • Secreção tubular: Conforme o líquido filtrado flui pelos túbulos renais e ductos coletores, as células dos túbulos renais e dos ductos secretam outros materiais – como escórias metabólicas, fármacos e excesso de íons – para o líquido. Observe que a secreção tubular remove uma substância do sangue. Reabsorção na alça de Henle: A alça de Henle reabsorve aproximadamente 15% da água filtrada (no seu ramo descendente) e uma porcentagem menor de solutos como Na, K e outros. Aqui, pela primeira vez, a reabsorção de água por osmose não é automaticamente acoplada à reabsorção de solutos filtrados, porque parte da alça de Henle é relativamente impermeável à água. A alça de Henle define assim o cenário para a regulação independente tanto do volume quanto da osmolaridade dos líquidos corporais. As membranas apicais das células da parte ascendente espessa da alça de Henle têm simportadores Na+- K+-2Cl–. No ramo ascendente da alça de henle, pouca ou nenhuma água é absorvida na sua parte ascendente. Neste segmento do túbulo, as membranas apicais são praticamente impermeáveis à água. Como os íons, mas não as moléculas de água, são reabsorvidos, a osmolaridade do líquido tubular diminui progressivamente à medida que o líquido flui para a extremidade da parte ascendente. Reabsorção no início do túbulo contorcido distal: cerca de 10 a 15% da água filtrada é reabsorvida junto com uma pequena quantidade de íons. Nefrolitíase A litíase urinária (cálculos) é a causa mais comum de obstrução das vias urinárias superiores. Embora os cálculos possam formar-se em qualquer parte do sistema urinário, a maioria desenvolve-se nos rins. • Epidemiologia: A incidência anual em países desenvolvidos é de 1 caso a cada 1000 pessoas. Com risco de 7% para as mulheres e cerca de 11% para os homens. incidência da formação de cálculos atinge seu máximo nas terceira e quarta décadas de vida e a prevalência aumenta conforme a idade até aproximadamente 70 anos nos homens e 60 anos nas mulheres. • Etiologia e patogênese Pode envolver alguns fatores, inclusive aumentos dos níveis sanguíneos e urinários dos componentes Reabsorção e secreção no final do túbulo contorcido distal e no ducto coletor: No momento em que o líquido alcança o final do túbulo contorcido distal, 90 a 95% dos solutos filtrados e água retornaram para a corrente sanguínea. Lembre-se de que existem dois tipos diferentesde células – principais e intercaladas – na parte final ou terminal do túbulo contorcido distal e ao longo do ducto coletor. As células principais reabsorvem Na+ e secretam K+; as células intercaladas reabsorvem K+ e HCO3– e secretam H+. Na parte final dos túbulos contorcidos distais e nos ductos coletores, a reabsorção de água e solutos e a secreção de soluto variam de acordo com as necessidades do organismo dos cálculos e interações entre eles; anormalidades anatômicas das estruturas do sistema urinário; fatores metabólicos e endócrinos; fatores dietéticos e relacionados com a absorção intestinal; e infecção urinária. Vários fatores contribuem para a formação dos cálculos, inclusive urina supersaturada, existência de um núcleo para a formação dos cristais e deficiência de inibidores da produção de cálculos. A formação dos cálculos renais depende da supersaturação da urina e de condições que favoreçam o crescimento do cálculo. O risco de formá-los aumenta quando a urina está supersaturada com componentes formadores de cálculo (p. ex., sais de cálcio, ácido úrico, fosfato de amônio e magnésio, cistina). A supersaturação depende do pH urinário, da temperatura, da concentração do soluto, da força iônica e da formação de complexos (complexação). Quanto maiores as concentrações de dois íons, maiores as chances de precipitação. Além da urina supersaturada, a formação do cálculo urinário requer um nicho ou núcleo que facilite a agregação dos cristais. Na urina supersaturada, a formação do cálculo começa com diminutos grumos de cristais (p. ex., oxalato de cálcio). A maioria dos grumos tende a dispersar porque as forças internas que os reúnem são muito fracas para suplantar a tendência aleatória de dispersão dos íons. Os grumos iônicos maiores formam núcleos e são estáveis porque as forças de atração equiparam-se às perdas de superfície. Quando estáveis, os núcleos podem crescer com níveis de saturação menores que os necessários para sua formação. O fato de muitas pessoas terem supersaturação urinária, mas não desenvolverem cálculos renais, parece uma consequência da existência de inibidores naturais da formação de cálculos, inclusive magnésio e citrato. A suplementação de citrato (citrato de potássio) pode ser benéfica para algumas pessoas com cálculos de cálcio, porque se acredita que a elevação da concentração do citrato diminui a cristalização do cálcio. Outro mecanismo que causa a formação de cálculos é ligado a bactérias que produzem urease (p. ex., Proteus sp., Klebsiella sp., Serratia sp., Pseudomonas sp., Ureaplasma sp. e Citrobacter sp.). A urease resulta na formação de íons amônia e pH urinário alcalino, facilitando assim a combi-nação de cristais de fosfato com amônia, magnésio e cálcio. Esses compostos se precipitam e formam o cálculo de estruvita. Esse tipo de cálculo apresenta crescimento rápido e é conhecido também com a denominação de cálculo “coraliforme”, por ocupar a pelve e os renais, originando um formato semelhante a corais marinhos. Em princípio, a Escherichia coli, bactéria frequentemente encontrada na infecção do trato urinário, não é produtora de urease. • Etapas de formação do cálculo renal: Como resultado da ação isolada ou associada dos mecanismos descritos anteriormente, a formação de cálculos segue duas etapas principais: nucleação e agregação. A nucleação marca o início do processo de formação de um cálculo renal e em geral ocorre quando a urina está supersaturada com cristaloides contendo íons livres. Esses íons livres combinam- se de forma homogênea (íons similares, formando um cristal específico) ou heterogênea (íons distintos e outras substâncias urinárias, como restos de células epiteliais, formando um cristal dissimilar). Por exemplo, cristais de oxalato de cálcio podem se nuclear ao redor de cristais de ácido úrico, formando uma nucleação heterogênea. A seguir, vários pequenos cristais começam a se ligar, constituindo a fase denominada de agregação. Com a manutenção de fatores que propiciam esse processo, ocorre o crescimento do cálculo. • Manifestações Clínicas Pacientes com cálculos renais frequentemente apresentam dor e/ou hematúria e menos frequentemente apresentam infecções urinárias ou lesão renal aguda, seja pela obstrução bilateral ou unilateral em um único rim funcional. Os pacientes costumam se queixar de cólicas ureterais intensas. A dor é de início abrupto e pode se intensificar em uma dor intensa e excruciante no flanco. A dor pode migrar para a região ao longo do abdome e inferiormente à virilha, testículos ou grandes lábios conforme o cálculo desce pelo ureter em direção à junção ureterovesical. A dor desaparece somente depois que o cálculo é eliminado ou é removido. Hematúria microscópica ou macroscópica é comum e os pacientes ocasionalmente apresentam hematúria indolor. O achado de um cálculo no exame radiográfico não exclui outra causa. Por outro lado, mesmo cálculos grandes podem ser assintomáticos e ser descobertos durante a investigação de sintomas não relacionados. A obstrução causada por cálculos também pode ser indolor, e a nefrolitíase deve sempre ser considerada no diagnóstico diferencial de doença renal aguda ou crônica inexplicada. Outra forma de abordar as apresentações clínicas da litíase renal é baseada no local que o paciente procura assistência (i. e., no pronto-socorro ou ambulatório). Em geral, no pronto-socorro, o paciente apresenta-se com cólica renal aguda, associada ou não a hematúria macroscópica, obstrução do trato urinário, ou com infecção do trato urinário (ITU). No ambulatório, o paciente apresenta senta-se com litíase renal como achado ocasional de exame de rotina, para investigação de hematúria microscópica ou de disfunção renal crônica. • Diagnóstico: Se baseia no quadro clínico e nos exames complementares, que incluem exame simples de urina (EAS), radiografias simples, urografia excretora ou pielografia intravenosa (PIV), tomografia de abdome ultrassonografia abdominal. O EAS revela indícios de hematúria, infecção, cristais formadores de cálculos e pH urinário. A maioria dos cálculos é radiopaca e facilmente identificada nas radiografias simples do abdome. TC helicoidal sem contraste é o exame de imagem padrão ouro para identificação desses cálculos. A TC consegue detectar cálculos renais com sensibilidade e especificidade que excedem 95%. Com base na densidade do cálculo, muitas vezes também pode diferenciar um cálculo de cálcio de um cálculo de cistina ou de ácido úrico. Um benefício adicional é que a TC helicoidal costuma ser útil para determinar a causa da dor abdominal que não é derivada da nefrolitíase. A PIV consiste em injetar um contraste intravenoso, que é filtrado nos glomérulos e mostra o sistema coletor dos rins e os ureteres. A ultrassonografia abdominal é altamente sensível à hidronefrose, que pode ser uma complicação da obstrução ureteral. Uma técnica nova de exame de imagem conhecida como cintigrafia nuclear usa bifosfonatos marcados para apresentar imagens dos cálculos (identificam inclusive cálculos bem pequenos). A ultrassonografia (US) é maneira fácil e rápida de detectar possível obstrução urinária sem expor o paciente à radiação ionizante. A US consegue detectar cálculos renais clinicamente significativos, com cerca de 85% de sensibilidade para detectar cálculos ureterais que causam sintomas agudos. • Tratamento Terapia medicamentosa: Como a dor da cólica renal pode ser excruciante, o controle da dor é fundamental após o diagnóstico definitivo. Nesse caso podem ser utilizados AINES. (ex: diclofenaco). Terapia clínica expulsiva: Cálculos renais de 5 mm ou menores apresentam cerca de 70% de probabilidade de serem eliminados espontaneamente,enquanto cálculos entre 5 e 7 mm apresentam 60% de chance, cálculos de 7 a 9 mm apresentam 48% de chance e cálculos de 9 mm ou mais têm 25% chance de serem eliminados espontaneamente. Os cálculos localizados mais distalmente no ureter apresentam maior probabilidade de serem eliminados espontaneamente. A terapia expulsiva pode ser tentada com cautela com cálculos ureterais menores que 10 mm de diâmetro por 4 a 6 semanas se a dor estiver controlada, a função renal estiver normal e não houver evidências de infecção urinária ou obstrução significativa do sistema urinário. O paciente tem de ser acompanhado de perto, geralmente com ultrassonografias repetidas a cada semana ou a cada 2 semanas. A terapia expulsiva consegue reduzir o espasmo ureteral e aumentar as taxas de eliminação espontânea em cerca de 50%. Medicamentos como alfa bloqueadores mostram-se eficientes nesses casos (ex: tansulosina) outras opções incluem os BCC (nifedipino) ou bloqueadores alfa-1 seletivos como a silodosina. Tratamento cirúrgico inicial: Cálculos que causam obstrução, infecção ou dor intratável devem ser removidos rapidamente. Em geral, cálculos maiores que 1 cm e mais proximais apresentam menos probabilidade de eliminação espontânea, mesmo com terapia medicamentosa expulsiva, e costumam ser um indicador de intervenção precoce. Aproximadamente 15% de todos os cálculos renais exigem intervenção para remoção. Avaliação clínica: Após um episódio inicial de cálculo, a taxa de recorrência em pacientes não tratados é estimada em cerca de 25% em 5 anos. Como resultado, todo paciente que forma um cálculo inicial deve ser investigado com a meta de prevenir cálculos recorrentes. A anamnese deve se concentrar em descobrir fatores predisponentes à formação de cálculo. Todos os cálculos devem ser analisados para auxiliar na definição da anormalidade metabólica subjacente e para orientar o tratamento. Tipos de cálculos renais • Cálculos de cálcio Cerca de 70 a 80% dos cálculos renais contêm cálcio, que frequentemente está ligado ao oxalato ou fosfato. Os cálculos renais que contêm cálcio são mais frequentemente causados por excreção excessiva de cálcio (hipercalciúria), oxalato (hiperoxalúria) ou urato (hiperuricosúria) ou excreção insuficiente de citrato (hipocitratúria). A formação de cálculos contendo cálcio apresenta um forte componente genético. A hipercalciúria idiopática é considerada um distúrbio poligênico no qual uma desregulação generalizada do transporte de cálcio no rim, no intestino e no osso leva ao aumento do cálcio urinário. Vários polimorfismos de nucleotídio único, em genes que codificam o receptor sensível ao cálcio, o receptor da vitamina D e osteopontina, e outros, foram associados à nefrolitíase de cálcio. No geral, 14 mutações monogênicas são responsáveis por 15% dos casos de nefrolitíase/nefrocalcinose, e os fatores genéticos parecem explicar cerca de 20 a 35% da variação interindividual na excreção de íons críticos para a formação de cálculos. O oxalato urinário é derivado do metabolismo endógeno de glioxilato e ácido ascórbico ou de fontes alimentares, como cacau, nozes, chá e certos vegetais verdes folhosos, como espinafre. As três principais causas de hiperoxalúria são ingestão excessiva de oxalato (oxalúria nutricional), absorção intestinal excessiva de oxalato (oxalúria entérica) que é paradoxalmente observada em distúrbios gastrintestinais de má absorção e produção excessiva de oxalato endógeno observada em certas deficiências de enzimas hepáticas (hiperoxalúria primária). A oxalúria entérica resulta em níveis elevados de oxalato urinário (60 a 100 mg/dia). Em condições de má absorção gastrintestinal, como doença de Crohn, doença celíaca, desvio jejunoileal e pancreatite crônica. Os ácidos graxos mal absorvidos ligam-se ao cálcio da alimentação, deixando o oxalato livre para passar para o cólon, onde sua absorção é mais provável graças aos ácidos biliares; esse excesso de oxalato é posteriormente filtrado pelo glomérulo e excretado na urina. As bactérias intestinais também podem influenciar os níveis de oxalato, degradando-o, impedindo sua absorção ou mesmo estimulando sua secreção da circulação para o intestino.3b A hiperoxalúria primária resulta de defeitos nas enzimas hepáticas na via do glioxilato do fígado; os resultados são produção endógena substancial de oxalato e elevação acentuada de oxalato urinário (80 a 300 mg/dia). O Oxalato deposita-se em vários órgãos, incluindo o coração, a medula óssea, os músculos e o parênquima renal, onde leva a insuficiência renal, miocardiopatia e supressão da medula óssea em idade precoce. Na hiperoxalúria primária do tipo 1, que é responsável por cerca de 80% dos casos, a enzima hepática alanina glioxilato aminotransferase é deficiente em razão de uma das várias mutações no gene AGXT. Na hiperoxalúria primária do tipo 2 mais leve, que representa aproximadamente 10% dos casos, os pacientes não têm as enzimas D-glicerato redutase e glioxilato redutase em decorrência de mutações no gene GRHPR. A hiperoxalúria primária do tipo 3, responsável por cerca de 5% dos casos, é resultado de mutações no gene que catalisa a clivagem do 4-hidroxi-2-oxoglutarato em piruvato e glioxilato. Obs.. O citrato inibe a formação de cálculos ao se combinar com o cálcio para formar um complexo solúvel que reduz a disponibilidade do cálcio para se ligar ao oxalato ou fosfato. O principal fator de risco para hipocitratúria é a ingestão elevada de proteínas. Os homens geralmente apresentam concentrações de citrato urinário mais baixas do que as mulheres. A acidose tubular renal (ATR) distal promove a formação de cálculos de fosfato de cálcio em decorrência da desmineralização óssea e do pH tubular alcalino. Os cálculos renais de oxalato de cálcio se formam a partir de depósitos de fosfato de cálcio, denominados placas de Randall, que estão localizados nas papilas renais.A formação da placa de Randall está positivamente correlacionada com a excreção de cálcio na urina e negativamente correlacionada com o volume e o pH da urina. Esses cristais de fosfato de cálcio, na forma de apatita, originam-se ao redor da alça de Henle e se estendem para o interstício sem extravasar para o lúmen tubular ou danificar as células tubulares. Os cristais se movem para o espaço urinário, onde formam placas de Randall, que são visíveis na cistoscopia e também podem ser vistas como calcificações medulares na tomografia computadorizada (TC). Quando a urina está supersaturada em relação ao oxalato de cálcio, esses íons formam um cristal que aumenta de tamanho até atingir vários milímetros ou mesmo 1 cm. O cálculo pode se desprender da placa de Randall e, então, migrar para irritar e possivelmente obstruir o ureter. • Cálculos de ácido úrico A incidência de cálculos de ácido úrico parece estar aumentando nos EUA, acompanhando o aumento da obesidade, que leva resistência renal à insulina e pH urinário muito baixo. Mais de cinco vezes mais ácido úrico é solubilizado na urina com pH de 6,5 em comparação ao pH de 5,3 (diarreia e dietas ricas em proteína animal podem contribuir para o pH urinário ácido). A maioria dos pacientes com cálculos de ácido úrico apresenta redução do pH urinário e alguns apresentam baixos volumes urinários ou níveis elevados de ácido úrico urinário. Os formadores de cálculos de ácido úrico têm maior peso corporal e maior incidência de resistência à insulina e diabetes melito tipo 2 (DM2). A resistência à insulina também leva à excreção urinária de amônio prejudicada, resultando, portanto, na excreção de mais íons hidrogênio como ácidos tituláveis e menor pH urinário, o que reduz a solubilidade do amônio. • Cálculos de estruvita Tambémconhecidos como cálculos de fosfato triplo, cálculos de fosfato de magnésio e amônio e cálculos de infecção, representam apenas cerca de 10 a 25% de todos os cálculos, mas constituem a maioria dos cálculos coraliformes, cálculos grandes que se estendem para além de um único cálice renal. Os cálculos de estruvita são muito mais comuns em mulheres do que em homens, em grande parte pela maior suscetibilidade das mulheres a infecções urinárias. Do mesmo modo, qualquer paciente com estase urinária, como pacientes com bexigas neurogênicas, cateteres urinários permanentes ou lesões na medula espinal, é suscetível a cálculos de estruvita. Cálculos de estruvita se formam apenas quando há íons amônio e urina alcalina (pH ≥ 7), o que ocorre somente quando há bactérias produtoras de urease. Proteus é uma bactéria produtora de urease comum, mas outras bactérias gram- negativas e gram-positivas, como Klebsiella spp. e Staphylococcus epidermidis, bem como Mycoplasma spp. e algumas espécies de levedura têm sido envolvidas na produção de urease. Em comparação, Escherichia coli não produz urease. • Cálculos de cistina A cistinúria, que é um distúrbio autossômico dominante com penetrância incompleta ou um distúrbio autossômico recessivo causado por mutações no gene SLC3A1 ou no gene SCLC7A9, resulta em diminuição da reabsorção tubular renal e excreção urinária excessiva dos aminoácidos dibásicos cistina, ornitina, lisina e arginina. A excreção urinária de cistina resultante no volume típico de urina excede sua solubilidade de cerca de 300 mg/ℓ e possibilita a formação de cálculos. Embora pessoas normais excretem cerca de 30 a 50 mg/dia de cistina, os heterozigotos para cistinúria excretam cerca de 400 mg/dia e os homozigotos frequentemente excretam cerca de 600 mg/dia. Assim, os homozigotos precisam excretar continuamente mais de 2 ℓ/dia de urina para evitar a formação de cálculos. A cistinúria não está relacionada ao distúrbio muito mais grave cistinose, que resulta em substancial acúmulo de cistina intracelular.