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GUILHERME COELHO DANTAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Vamos discutir a relação? ”: abordagens de saúde do homem na 
prática do (a) médico (a) de família 
 
 
 
Tese apresentada no Departamento de 
Medicina Preventiva da Faculdade de 
Medicina da Universidade de São Paulo 
como parte dos requisitos para obtenção do 
título de Doutor em Ciências. 
 
Área de concentração: Saúde Coletiva 
Orientadora: Profa. Dra. Márcia Thereza 
Couto Falcão 
 
 
 
 
 
(Versão corrigida. Resolução CoPGr 6018/11, de 1 de novembro de 2011. A 
versão original está disponível na Biblioteca da FMUSP) 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2020 
 
 
 
GUILHERME COELHO DANTAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Vamos discutir a relação? ”: abordagens de saúde do homem na 
prática do (a) médico (a) de família 
 
 
 
Tese apresentada no Departamento de 
Medicina Preventiva da Faculdade de 
Medicina da Universidade de São Paulo 
como parte dos requisitos para obtenção do 
título de Doutor em Ciências. 
 
Área de concentração: Saúde Coletiva 
Orientadora: Profa. Dra. Márcia Thereza 
Couto Falcão 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Paulo 
2020 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
DEDICATÓRIA 
 
 
Gostaria de dedicar essa tese a Luciana, para a minha querida esposa Lu, 
mulher determinada, provocadora de meus questionamentos e incentivadora 
na busca dos caminhos que me trouxeram até aqui. Fez-se presente nas 
etapas decisivas desse projeto. Sim, nós conseguimos! A conquista é nossa. 
Mais uma vez, te amo, sim. 
 
Ao meu amado filho Benjamin, meu Bem, que faz pouco chegou e tanto 
transformou. Sua presença é sorriso, foi inquietação quando se fez inevitável 
me concentrar na solitária tarefa do refletir-escrever-respirar-suspirar-refletir-
escrever...que este projeto contribua para melhor percepção do cuidado 
prestado pelos profissionais a ti e autocuidado dos homens em nossa 
sociedade. Te amo, filho. 
 
Aos queridos amigos Fernando e Gary, distantes, mas presentes na atenção 
ao menino, ao homem, ao humano que habita em todos nós. Abriram 
caminhos no tema, me levaram de roldão. Trago mais um suspiro para 
nossa reflexão. 
 
E aos meus pais, Garibaldi e Helena, que por esse amor que só agora 
começo a compreender, disseram SIM às minhas buscas não importando 
quão longe eu tenha ido atrás de respostas. 
 
Sim, meus querid*s, essa caminhada irá prosseguir. 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
A minha orientadora e parceira nessa jornada acadêmica, Profa. Dra. 
Márcia Couto, por acreditar que eu poderia realizar esse percurso 
metodológico ousado na investigação da trajetória dos homens na sua 
relação com sua saúde. Foi sofrido, sim. Mas também foi divertido, 
surpreendente, enlouquecedor como uma folha em branco. MAS sem esse 
dínamo, esse caminho teria sido muito mais penoso. Levo a lembrança do 
seu afeto, seu compromisso com o ensinar sem estar ensinando, e algum 
aprendizado na condução do barco com a leveza que a vida pede, mas não 
ensina. 
Ao Prof. Dr. Homero Salazar [in memoriam], da Parasitologia para o 
cargo de diretor eleito da FCM, UERJ – 1988-91, foi o mestre em todos os 
sentidos. Quando mais perdido estava, ele acreditou na minha visão e 
inconformismo diante da precariedade do ensino e tamanha injustiça social. 
Ao professor que tanto me ensinou sobre o ser humano, sobre a ética 
experienciada, que transmitiu sabedoria com humor e picardia. Ainda faltou 
tanto a aprender que uma vida não seria o bastante. MAS sem sua 
presença, eu não teria voado tão longe nem por tanto tempo até chegar a 
este dia. 
A quem levo como referência de comportamento ético, paciência para 
com as dores e mazelas do ser humano, Manuel Martins, que exemplo 
maravilhoso!! Que sua modéstia diante de tanta sabedoria tenha se 
misturado a minha práxis. Que privilégio foi ter sido seu residente por alguns 
meses, no meio da dor e do questionamento, aprendizado que se faz até 
hoje, 25 anos depois. 
A amiga Maria Celia Detoni que acreditou e me orientou no meu 
projeto de conclusão de residência (1998), que me conduziu ao mestrado e 
doutorado. Sempre na busca de entender o pensar e agir dos homens no 
cuidado de sua saúde. Admiração pela pessoa e profissional que foram de 
imenso auxílio nessa trajetória. 
 
 
Ao ‘Bruxo’, Mago, ao querido Dr. Grossman, que na sua sabedoria 
infinita me esperava chegar mais longe apesar de todo tempo que precisava 
mantendo sua curiosidade, interesse e bom humor assistindo os percalços 
do residente e depois desbravador num mestrado em terras estranhas. 
Ao primeiro supervisor de clínica, Bulhões que, ao me perguntar sobre 
o nome do gato da paciente citado nesta tese, tentou me mostrar como a 
prática da medicina pode ser prazerosa, sem perder a seriedade quando 
esta se faz necessária. Por onde você estiver.... Obrigado! 
Ao querido amigo e prof. Luís Barco, ouvinte e apoiador de meus 
anseios no compartilhamento diante de uma medicina tão desumana para 
com os seus. Espero que este trabalho possa responder, ao menos em 
parte, aos nossos anseios pelo cumprimento de seu papel original no cuidar 
das pessoas com empatia e solidariedade. 
Werner, amigo e companheiro do Grupo de Pais do qual participei por 
10 anos, onde compartilhamos tantas vivências e tanto aprendemos sobre 
ser homem e pai em nossas distintas sociedades, e com quem compartilhei 
este sonho de investigação sobre a saúde do homem. A Valério Nascimento 
que lidera um grupo de homens que começamos juntos em 2009. Grato pela 
parceria e persistência na lida !! 
Gabriela, querida amiga reencontrada nos corredores de saber, 
parceira nas angústias e incertezas que encobriram nossas pegadas. 
Sigamos juntos ou paralelos na busca diante de nossas inquietações. 
A Equipe do Departamento de Medicina Preventiva, Lilian Prado e 
Gorete de Sales, que me orientaram desde o início até os momentos cruciais 
dessa jornada presencial e a distância. Aos colegas do Grupo SIMAS pelas 
discussões e sugestões quando este trabalho ainda era projeto de pesquisa. 
A equipe da Biblioteca FM USP, em especial a Isabel Figueiredo, 
pelos ensinamentos ao abrir os caminhos digitais do magnífico acervo dessa 
casa onde reencontrei o prazer da busca do conhecimento. 
A Secretaria de Saúde de Florianópolis, na figura de Matheus M. P. 
Andrade, que acreditou no projeto e autorizou uso de parte das horas 
necessárias a cumprir algumas das atividades essenciais desse programa. 
 
 
Gratidão pela disponibilidade para permanente diálogo sobre a rede de 
atenção à saúde em Florianópolis para a qual contribui com seu 
conhecimento e inteligência. Fonte de grande aprendizado. 
 Aos profissionais de saúde dos Centros de Saúde Acosta e Bagé em 
que se realizou esta investigação, pelo acolhimento e pelo auxílio em 
momentos cruciais desse projeto. 
A Maria Luisa Iusten, que veio em meu auxílio para algumas 
entrevistas quando dúvidas tivemos se pelo fato de pertencer a rede 
dificultava a coleta de dados enquanto entrevistador. Ao querido Jader 
Barcelos na sua serenidade e parceria na última etapa, o grupo focal, 
desafio previsto em reunir os homens e finalmente realizado! A Jessica Lima 
Ramos pela transcrição de todas as entrevistas e grupo focal realizadas ao 
longo de dois anos. Pela recuperação inestimável de alguns arquivos que 
suspeitei terem desaparecido em frente aos meus olhos! E a revisora Ana 
Carla N. Tobias que se reuniu a essa equipe na reta final viabilizando montar 
esse quebra-cabeça que não parou de crescer até o último minuto! Já na 
prorrogação, contei ainda com o valioso auxílio técnico do colega Augusto 
Mathias que viabilizou a defesa diante da banca. E a querida amiga Patricia 
Golino a trazer serenidade e um sorriso para a nau incandescente rumo a 
defesa. 
A Prof. Dra. Ana Claudia Germani, Prof. Dr. Charles Tesser e Prof. 
Dr. Wagner Figueiredo pelas valiosas contribuições norteadoras por ocasião 
da qualificaçãoe banca examinadora desta tese. 
Por fim, meu agradecimento especial aos homens entrevistados que 
permitiram que eu adentrasse episodicamente em seus lares, em suas 
vidas, compartilhando suas ricas experiências de aflição e dor vividas com o 
adoecimento, mas prestando também seus testemunhos de força e 
superação desses problemas. Em particular destaco aquele que não foi 
entrevistado, mas que erraticamente o atendi sem conseguir alcançá-lo até 
sua despedida aos 62 anos, no silêncio do não dito. 
Desejo que esta investigação colabore para que muito mais homens 
venham a cuidar melhor de si e de seus pares. 
 
 
#NinguémSoltaaMãodeNinguém. Muito obrigado a tod*s pelo incentivo e 
auxílios diversos para a realização desta investigação. 
 
 
 
 
 
 
Ingredientes que me inspiraram na confecção dessa tese: 
 
 Humor, Humildade, Humanidade 
Federico Navarro (1924-2002) 
 
 
Após tantos anos, algumas trançadas linhas: 
 
Aos meus botões 
Que a solidão se desfaça no encontro 
Que o sorriso supere o choro contido 
Não somos mais, nem menos 
Que o medo seja vencido 
Para nos tornarmos aquilo que temos direito a ser 
Que tenha valido a pena ter vivido 
Sonhado e realizado aquilo em que acreditei 
que precisava ser dito. 
Virar a página, ponto. 
Parágrafo... 
A busca continua. 
 
 
E por fim, uma canção, que embala a alma e suaviza a queda 
 
Father and Son 
(...) 
I was once like you are now, and I know that it's not easy 
To be calm when you've found something going on 
But take your time, think a lot 
Why, think of everything you've got 
For you will still be here tomorrow, 
but your dreams may not 
(...) 
 
Steven Demetre Georgiou (1948 -1965) 
Cat Stevens (1965 -1980) 
Yusuf Islam (1980 - presente) 
 
 
 
 
 
 
 
Esta dissertação ou tese está de acordo com as seguintes normas, em vigor 
no momento desta publicação: 
 
Referências: adaptado de International Committee of Medical Journals 
Editors (Vancouver). 
 
Universidade de São Paulo. Faculdade de Medicina. Divisão de Biblioteca e 
Documentação. Guia de apresentação de dissertações, teses e monografias. 
Elaborado por Anneliese Carneiro da Cunha, Maria Julia de A. L. Freddi, 
Maria F. Crestana, Marinalva de Souza Aragão, Suely Campos Cardoso, 
Valéria Vilhena. 3a ed. São Paulo: Divisão de Biblioteca e Documentação; 
2011. 
 
Abreviaturas dos títulos dos periódicos de acordo com List of Journals 
Indexed in Index Medicus. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 SUMÁRIO 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
LISTA DE TABELAS 
LISTA DE GRÁFICO 
GLOSSÁRIO 
RESUMO 
ABSTRACT 
APRESENTAÇÃO 
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 1 
1.1 Homens, padrões de mortalidade e políticas de saúde...................... 2 
1.2 Homens, padrão de morbidade e a busca dos serviços de saúde .. 15 
2 OBJETIVOS ............................................................................................. 27 
2.1 OBJETIVO GERAL ............................................................................... 27 
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................. 27 
3 REFERENCIAL TEÓRICO ....................................................................... 28 
3.1 Masculinidade e cuidados ................................................................... 28 
3.2 Os Homens, a saúde e a prevenção quaternária .............................. 40 
3.3 A Relação Médico(a) + Pessoa na Prática da MFC ........................... 44 
3.4 Contextualização da Medicina de Família e Comunidade ................ 45 
3.5 Aspectos da Comunicação na Consulta Médica ............................... 66 
3.6 Métodos de Abordagem na Relação Médico + Pessoa .................... 68 
4 METODOLOGIA ....................................................................................... 77 
4.1 O desenho da pesquisa ....................................................................... 78 
 
 
4.2 Caracterização do campo de pesquisa .............................................. 80 
4.2.1 Estrutura da APS em Florianópolis ..................................................... 80 
4.3 Sobre o campo de pesquisa: a produção do material empírico ...... 81 
4.3.1 Etapa 1: Entrevistas com homens usuários ........................................ 82 
4.3.2 Etapa 2: Entrevistas com médicos de família e comunidade .............. 87 
4.3.2 Etapa 3: Devolutiva com os homens usuários .................................... 91 
4.4 Aspectos éticos ................................................................................... 93 
4.5 Impressões do pesquisador (médico) acerca do trabalho de campo
 ................................................................................................................... 953 
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO .............................................................. 102 
5.1 Concepções saúde–doença e as masculinidades: as experiências 
dos homens nos serviços de APS ......................................................... 102 
5.1.2 Experiências dos homens nos serviços de APS ......................... 116 
5.2 Considerações sobre a Frequente Troca de Médicos .................... 122 
5.2.2 Percepções dos médicos de família ............................................. 125 
5.3 Vínculo e relação médico + pessoa .................................................. 137 
5.3.1 Tempo satisfatório, mas atenção do médico dividida ....................... 137 
5.4 A consulta para além da abordagem técnica .................................. 144 
5.5 Sexualidade e Saúde Mental: dimensões da expressão de si e do 
cuidado na relação médico + pessoa..................................................... 151 
 5.6 Estamos, portanto, ‘discutindo a relação’ ...................................... 163 
5.7 Como esse homem na consulta é percebido pelos profissionais de 
Saúde, na maioria mulheres? ................................................................. 170 
5.7.1 Como os homens se sentem diante dessas médicas? ............... 171 
5.8 Limitações à Implementação do Humaniza SUS ............................. 173 
5.9 Trajetória de Inclusão dos Conceitos Relativos à Humanização na 
Formação Médica ..................................................................................... 178 
 
 
6 SUGESTÕES PARA APRIMORAMENTO ............................................. 184 
6.1 Sugestões para as (os) Médicas (os) – Praticando a Parceria ....... 186 
6.2 Sugestões para discutir com a Equipe ............................................ 192 
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................... 195 
REFERÊNCIAS ......................................................................................... 197 
ANEXOS .................................................................................................... 227 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
Figura 1 - Ciclo de invisibilidade do homem no serviço de saúde................ 26 
 
Figura 2 - Modelo de Identidade do Papel de Gênero ................................. 32 
 
Figura 3 - Algoritmo da interseccionalidade ................................................. 40 
 
Figura 4. Fluxograma – Etapas da coleta de dados. .................................... 79 
 
Figura 5 - Visão geral das Estratégias chave adotadas para Implementação 
do Programa de Saúde do Homem da Irlanda. .......................................... 186 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE TABELAS 
 
Tabela 1 - População brasileira na faixa etária de 20 a 59 anos por sexo – 
Brasil, 2012 .................................................................................................... 7 
 
Tabela 2 – Taxa de internação/100 mil homens por capítulo CID-10 e faixa 
etária – Brasil,2015 ....................................................................................... 8 
 
Tabela 3 - Taxa de mortalidade em homens por capítulo CID-10 e faixa 
etária – Brasil, 2014 ..................................................................................... 10 
 
Tabela 4 - Entrevistas com usuários conforme CS origem e local de 
realização .................................................................................................... 83 
 
Tabela 5 - Caracterização dos entrevistados Etapa 1 da Pesquisa (CS 
ACOSTA). .................................................................................................... 85 
 
Tabela 6 - Caracterização dos entrevistados Etapa 1 da Pesquisa (CS 
BAGÉ). ......................................................................................................... 86 
 
Tabela 7 – Perfil dos médicos de família entrevistados. .............................. 87 
 
Tabela 8 – Vinhetas escolhidas pela maioria dos médicos de família 
entrevistados................................................................................................ 90 
 
Tabela 9 – Distribuição dos participantes de acordo com a CS na devolutiva
 ..................................................................................................................... 93 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE GRÁFICO 
 
Gráfico 1 - Taxa de mortalidade por causas externas em homens por faixa 
etária – Brasil,2014 ...................................................................................... 11 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GLOSSÁRIO 
 
ABRASCO - Associação Brasileira de Saúde Coletiva 
ACS - agentes comunitários de saúde 
ATSH - Área Técnica de Saúde do Homem 
CAPS - Centro de Atenção Psicossocial 
CDC - Center for Diseases Control, USA, Centro de Controle de Doenças, 
componente do Departamento de Saúde e Serviços do Governo dos EUA 
CEBES - Centro Brasileiro de Estudos em Saúde 
CID B 24 - denominação usada pelo Código Internacional de Doenças para 
designar pessoas portadoras do vírus HIV que tiveram doença relacionada. 
CS - Centro de Saúde, denominação da unidade de saúde da Estratégia da 
Saúde da Família em Florianópolis. 
ESF – Estratégia de Saúde da Família. 
Especialista focal – médico cuja especialidade é focada num determinado 
sistema ou conjunto de órgãos. 
ESSQ - Inquérito Social e Sanitária da Província do Quebec, Canadá 
Health Canada - Ministério da Saúde, Canadá 
HSE, Ireland, Health Service Executive, Sistema Público de Saúde da 
Irlanda 
INCA - Instituto Nacional do Câncer 
INR (in English), RNI (português) – international normalized ratio, medida 
realizada a partir de dosagem no sangue de elementos que fornecem 
indicação sobre ajuste de dose de cumarínico que visa evitar risco de 
trombose ou acidente vascular encefálico 
IST – infecção sexualmente transmissível. 
MCCP – Método clínico centrado no paciente (Stewart et al) ou Método 
clínico centrado na pessoa (tradução de Lopes, JMC). 
MFC - Médico de Família e Comunidade ou Medicina de Família e 
Comunidade. 
 
 
MGC -Medicina Geral e Comunitária 
MPS - Medicina Preventiva e Social 
MS - Ministério da Saúde 
NHS - National Health System, Sistema de Saúde Pública (Reino Unido) 
NOSP - National Office for Suicide Prevention, Irlanda (Agência Nacional de 
Prevenção ao Suicídio) 
OMS – Organização Mundial de Saúde ou WHO (inglês) 
OPAS – Organização Panamericana de Saúde ou PAHO (inglês) 
PAISM - Programa de Atenção Integral da Saúde da Mulher 
PAR - Programa de Apoio as Residências de Medicina Social, Medicina 
Preventiva e Saúde Pública 
PBI - Problem Based Interview (Entrevista baseada no problema) 
PMMB - perfil da morbimortalidade masculina no Brasil 
PNAB – Política Nacional de Atenção Básica 
PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 
PNAISH - Política Nacional de Atenção à Saúde Integral do Homem 
PNH - Política Nacional de Humanização 
PSA – Prostate Specific Antigen (Antígeno Prostático Específico) 
PSE - Programa Saúde na Escola 
SBMFC - Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade 
SBU - Sociedade Brasileira de Urologia 
SIM - Sistema de Informação de Mortalidade 
SUS - Sistema Único de Saúde 
TDC - tomada de decisão compartilhada 
UBS - unidade básica de saúde 
UKNSC - United Kingdom National Screening Comittee - Comitê Nacional de 
Screening do Reino Unido 
UPA - Unidade de Pronto Atendimento 
USF - Unidade de Saúde de Família 
USPSTF - United States Preventive Services Task Force- grupo 
independente formado por voluntários ‘experts’ em medicina preventiva 
baseada em evidência 
 
 
 
 
RESUMO 
 
 
DANTAS GC. “Vamos discutir a relação? ”: abordagens de saúde do homem 
na prática do (a) médico (a) de família [tese]. São Paulo: Faculdade de 
Medicina, Universidade de São Paulo; 2020. 
 
 
INTRODUÇÃO: O tema “Saúde do homem” passou a fazer parte da agenda 
de gestores e profissionais de saúde na Atenção Primária a Saúde (APS), a 
partir de 2009, quando foi lançada a Política Nacional de Atenção à Saúde 
Integral do Homem (PNAISH). Entretanto, a temática ainda permanece 
periférica na formação dos profissionais de saúde, particularmente os 
médicos. Por sua vez, a relação médico-paciente vem passando por grande 
transformação desde os estudos de Balint na década de 1950: de uma 
abordagem paternalista para modelo de cuidado centrado na pessoa, o qual 
busca incluir maior participação do sujeito, com destaque para sua maior 
autonomia no processo de tomada de decisão. OBJETIVO GERAL: 
Compreender abordagens de comunicação entre médicos (as) de família e 
homens usuários atendidos em unidades de saúde em APS no município de 
Florianópolis, SC, visando identificar os limites e possibilidades de um 
cuidado efetivo a este segmento da população. METODOLOGIA: A 
investigação se pautou na modalidade de pesquisa qualitativa, utilizando as 
técnicas de entrevistas semiestruturadas e grupos focais na produção dos 
dados empíricos. A pesquisa ocorreu em três etapas. Na primeira, foram 
entrevistados 18 homens adultos que relataram suas concepções saúde – 
doença entremeadas ao exercício de suas masculinidades; o impacto da 
frequente troca de médicos na relação com o profissional; a atenção dividida 
do profissional entre várias atribuições e a dimensão da consulta que não se 
limita a abordagem técnica. Na segunda, foram entrevistados quatro médico 
(a) s, os quais propuseram algumas técnicas para mitigar as dificuldades 
apontadas e enfrentadas pelos homens usuários no contexto do cuidado em 
saúde e da consulta clínica. Na etapa final, os resultados obtidos com a 
produção dos dados da segunda etapa foram compartilhados em grupo focal 
e entrevistas semiestruturadas com os participantes da primeira etapa, 
visando identificar a adequação das proposições do (a) s médico(a)s. 
RESULTADOS: No tocante a percepção dos homens usuários, atenção 
dividida do médico (a) entre várias tarefas os desagradou apesar de cientes 
dos motivos. A frequente troca de médicos gerou frustração e causou 
impacto na formação do vínculo. Por outro lado, reconheceram os benefícios 
de uma abordagem que supera a estrita precisão técnica. Já os médicos, 
quando estimulados pelas percepções oriundas dos homens usuários, 
demonstraram reconhecimento das dificuldades e inseguranças dos homens 
diante do risco de a enfermidade limitar sua forma de viver; assim como seu 
aprisionamento no papel tradicional masculino, o que pode gerar 
 
 
dificuldades para que façam a busca ativa de cuidado de saúde. Os 
médicos(a)s também recomendaram aos colegas que estejam atentos e 
compartilhem com os homens suas impressões no tempo e formato mais 
adequados. Para os homens, fica evidente seu interesse em participar de 
uma relação continuada, mas questionam se a mesma irá perdurar diante da 
instabilidade nos serviços de saúde. CONCLUSÃO: Oestudo mostra que a 
compreensão das falas dos homens usuários e médico(a)s, a partir dos seus 
lugares sociais, é complexa pela sua diversidade, pelos temores e 
experiências prévias e pela assimetria da relação médico-pessoa. O trabalho 
aponta que estratégias como manter os espaços de troca entre os 
profissionais, garantir espaço de participação das pessoas atendidas e 
respeito por parte dos gestores à complexidade envolvida no cuidado 
oferecido na APS, com qualidade e competência cultural, constituem 
aspectos fundamentais para que se alcancem as melhorias necessárias no 
campo da relação comunicacional médico(a)s-pessoas e, de maneira mais 
ampla, do cuidado em saúde. 
 
 
Descritores: Masculinidades; Saúde do Homem; Relação Médico-Paciente; 
Medicina de Família e Comunidade; Atenção Primária a Saúde; Estratégia 
Saúde da Família; Pesquisa Qualitativa. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
DANTAS GC. “Shall we discuss the relationship?”: Men's health approaches 
in the practice of the family doctor [dissertation]. São Paulo: “Faculdade de 
Medicina, Universidade de São Paulo”; 2020. 
 
INTRODUCTION: The theme “Men's health” became part of the agenda of 
managers and health professionals in Primary Health Care (PHC), starting in 
2009, when the National Policy for Comprehensive Men's Health (PNAISH) 
was launched. However, the theme remains peripheral in the training of 
health professionals, particularly doctors. In turn, the doctor-patient 
relationship has undergone a major transformation since Balint's studies in 
the 1950s: from a paternalistic approach to a person-centered care model, 
which seeks to include greater subject participation, with emphasis on its 
greater autonomy in the decision-making process. General Objective: To 
understand communication approaches between family doctors and male 
users attended at PHC health units in the city of Florianópolis, SC, aiming to 
identify the limits and possibilities of effective care for this segment of the 
population. METHODOLOGY: The investigation was based on the qualitative 
research modality, using the techniques of semi-structured interviews and 
focus groups in the production of empirical data. The research took place in 
three stages. In the first, 18 adult men were interviewed who reported their 
conceptions of health - disease interspersed with the exercise of their 
masculinities; the impact of the frequent shift of doctors in the relationship 
with the professional; the professional's divided attention between various 
attributions and the dimension of the consultation that is not limited to the 
technical approach. In the second, four doctors were interviewed, who 
proposed some techniques to mitigate the difficulties pointed out and faced 
by the male users in the context of health care and clinical consultation. In 
the final stage, the results obtained with the production of the data from the 
second stage were shared in a focus group and semi-structured interviews 
with the participants of the first stage, in order to identify the adequacy of the 
doctor's propositions. RESULTS: Regarding the perception of male users, 
the physician's divided attention between various tasks displeased them 
despite being aware of the reasons. The frequent change of doctors 
generated frustration and impacted the formation of the bond. 
Notwithstanding, they recognized the benefits of an approach that goes 
beyond the strict technical precision. Physicians, on the other hand, when 
made aware of by the perceptions of male users, demonstrated recognition 
of the difficulties and insecurities of men in view of the risk of the disease 
limiting their way of living; as well as their entrenchment in the traditional 
male role, which can cause difficulties for them to actively search for health 
care. The doctor (s) also recommended that colleagues be attentive and 
share their impressions with the men in the most appropriate format and 
timely fashion. For men, their interest in participating in a continued 
relationship is evident, but they question whether it will last in the face of 
instability in health services. CONCLUSION: The study shows that the 
 
 
understanding of the communication styles of male users and doctors, based 
on their social places, is complex due to their diversity, the fears and 
previous experiences and the asymmetry of the doctor-person relationship. 
The work points out that strategies such as maintaining the spaces of 
exchange between professionals, guaranteeing the participation space of the 
people served and respect on the part of managers to the complexity 
involved in the care offered in PHC, with quality and cultural competence, are 
fundamental aspects for reaching the necessary improvements in the field of 
the communication relationship between doctor (a) s-people and, more 
broadly, health care. 
 
 
Descriptors: Masculinities, Men's Health, Doctor-Patient Relationship, 
Family and Community Medicine, Primary Health Care, Family Health 
Strategy, Qualitative Research. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
APRESENTAÇÃO 
 
O tema da saúde do homem tem me interessado desde 1995, quando 
era médico residente do programa de Medicina Geral e Comunitária no 
Serviço de Saúde Comunitária do Grupo Hospitalar Nossa Senhora da 
Conceição, em Porto Alegre (RS). Em minha prática clínica junto a usuários 
do Sistema Único de Saúde (SUS), observava que a maioria da população 
atendida era tipicamente formada por mulheres, crianças e idosos. Em frente 
ao centro de saúde onde atuava, havia um bar onde os homens do bairro se 
encontravam. Aquela distância de poucos metros entre o “lugar” das 
mulheres e crianças e o “lugar” dos homens, me levou a refletir sobre o 
autocuidado masculino em nossa sociedade, assim como o papel dos 
profissionais de saúde e das políticas públicas em saúde no sentido de 
colaborarem ou não para a aproximação dos homens e os serviços de saúde 
em atenção primária. 
Concomitantemente, fui assistente do coordenador de um grupo de 
homens que se reunia quinzenalmente. Eram seis homens de classe média 
interessados em discutir aspectos diversos do “ser homem”. A vivência 
clínica me fez perceber que a visão masculina sobre aspectos preventivos e 
o “tempo” dos homens na consulta eram muito diferentes, comparativamente 
às mulheres. A partir disso, decidi buscar compreender em meu trabalho de 
conclusão de residência, a visão de saúde e doença e aspectos 
relacionados ao cuidado da saúde dos homens da vila em que atuava 
(Dantas, 1998). 
Dentre as falas dos usuários utilizadas na pesquisa realizada no 
período de residência, destaco dois aspectos: a proximidade da unidade de 
saúde dos moradores causava incômodo devido à perda do anonimato, pois 
tinham receio de que os vizinhos especulassem sobre o motivo de sua 
presença naquele espaço. Daí a preferência pelo serviço de emergência do 
hospital. Quanto à experiência de ter um familiar doente, a angústia de não 
 
 
se sentirem habilitados a auxiliar emocionalmente seus parentes os 
mobilizava, levando-os a manejar ajuda financeira, alcançada através do seu 
trabalho, como meio de legitimar e garantir seu papel de provedor, o que os 
tornaria o “solucionador” imediato do problema. Este aspecto estava 
intimamente ligado ao exercício daquilo que eles consideravam central no 
exercício de sua masculinidade. 
Ao completar o programa de Residência, fui aceito para realizar o 
Mestrado em Medicina de Família e Comunidade na Universidade de 
Toronto, Canadá. O programa consistia em cumprir disciplinas obrigatórias e 
optativas, além de participar de atividades didáticas no curso de Graduação 
da Medicina e em atividades comunitárias. Pelo meu interesse no tema da 
saúde do homem, pleiteei e fui aceito como observador num grupo de 
homens que eram pais, e cujas mulheres apresentaram depressão pós-
parto. Assim, em 1998 comeceia participar das reuniões mensais lideradas 
por um médico de família e um assistente social e segui participando da 
atividade após o término do mestrado. Em 2001, Toronto se deparou com a 
epidemia de SARS (síndrome respiratória aguda grave) ocasionando o 
fechamento do hospital para os encontros do grupo. Nessa ocasião, os 
coordenadores que iniciaram o grupo em 1988 decidiram deixar o grupo, o 
qual também fechou para o ingresso de novos membros. Naquele momento, 
o grupo se consolidou com cinco homens entre 45 e 60 anos de idade, todos 
moradores e trabalhadores da cidade, com nível universitário completo, 
sendo que quatro deles eram casados e todos tinham filhos entre 3 e 16 
anos de idade. Nessa oportunidade, me ofereci para assumir a coordenação 
e o foco inicial foi se expandindo da relação com os filhos (as) e as esposas 
para outros temas de interesse correlatos propostos pelos participantes. Em 
comum, o grupo debatia três temas principais: o isolamento sentido em 
relação a outros homens, pois não conseguiam compartilhar dos 
estereótipos típicos da masculinidade hegemônica; problemas quanto à 
comunicação e expectativa de suas parceiras em relação às demandas da 
vida cotidiana e divisão de tarefas domésticas; e, finalmente, os desafios e 
benefícios de conviver com os filhos (as) e aprender com as mudanças 
 
 
advindas do seu desenvolvimento. A permanência do grupo por tantos anos 
era creditada pelos participantes pelo fato de se sentirem ouvidos, mas não 
necessariamente julgados, o que os motivava a comparecer mensalmente 
até 2008, quando deixei o país. 
Em 2009, após breve experiência clínica como médico de família 
numa pequena cidade do interior do Rio Grande do Sul, ingressei no corpo 
docente da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), 
Porto Alegre, onde ministrei disciplinas do 1º aos 5º anos do curso de 
Medicina, assim como na disciplina de Saúde Coletiva da Faculdade de 
Educação Física e Ciências do Desporto. Além disso fui tutor do programa 
PET Saúde do Ministério da Educação no qual, dentre as diversas atividades 
realizadas no período de 2009-2012, merece destaque a criação de um 
grupo de homens de periodicidade mensal, o qual se mantem ativo até hoje, 
e a resposta numérica expressiva no evento organizado por ocasião do Dia 
da Saúde do Homem na unidade básica de saúde (UBS) em que atuava, 
que contou com participação de alunos da graduação de sete áreas da 
saúde. 
Em 2009, a partir do lançamento da Política Nacional de Atenção à 
Saúde Integral do Homem (PNAISH), o tema da saúde do homem passou a 
fazer parte da agenda de gestores, mas ainda hoje permanece marginal na 
formação dos médicos de família, de acordo com o reduzido número de 
trabalhos apresentados em congressos regionais e nacionais da área na 
última década. Uma vez que não se discute na graduação ou mesmo pós-
graduação médica de que forma e em que dimensão o exercício da 
masculinidade influencia o autocuidado e como se expressa no contexto 
clínico, tenho questionado sobre a adequação da abordagem dos homens 
nas consultas da Medicina de Família e Comunidade (MFC). 
Apesar de os cursos da área da saúde terem incorporado o ensino de 
habilidades de comunicação (Machado et al., 2018), estas têm se mostrado 
insuficientes para modificar a situação atual da relação assistencial 
permeada por aspectos relacionados a gênero. Portanto, este projeto visa 
 
 
identificar elementos na relação médico (a) - paciente que os homens 
consideram ser necessários para comunicação efetiva e mais enriquecedora 
para se formar uma aliança que seja realmente terapêutica no amplo sentido 
da palavra. 
Em síntese, esse trabalho se justifica pelo vácuo que percebo na 
formação médica acerca desse tópico e pelo meu interesse no 
aprimoramento da comunicação no contexto da prática clínica, pela riqueza 
emergente da relação com homens e mulheres atendidos ao longo da última 
década, seja no período como docente em que se sobrepunha o papel do 
ensino dentro da supervisão do atendimento a estudantes num ambulatório 
de medicina de família, seja posteriormente na minha prática como médico 
de família e comunidade. Assinalo aqui a minha opção por me concentrar 
nesse profissional sem com isso desmerecer a importância do trabalho 
efetuado pelas demais áreas e profissões dentro da perspectiva do trabalho 
em equipe na Atenção Primária à Saúde*; mas entendo que posso contribuir 
de forma mais efetiva a partir do ponto de vista do meu pertencimento e 
prática. Por fim, acredito na especialidade de MFC como estratégica para 
promover uma relação igualitária pela defesa da autonomia e respeito ao 
indivíduo. Considero que a melhoria da comunicação no contexto desta 
prática clínica irá promover sua aproximação do papel de referência para o 
cuidado em saúde para pessoas, guardados seus pertencimentos de 
gênero, classe, geração, sexualidade e raça/cor. 
Esta tese está organizada em sete partes, sendo que a primeira 
contém a apresentação e introdução ao tema, delimitação do problema de 
pesquisa e objetivos gerais e específicos. 
 
* Nesta tese optei por usar o termo APS ao invés de Atenção Básica (AB) ciente da 
controvérsia na literatura (Sampaio et al, 2018; Giovanella, 2018) na qual alguns autores 
defendem o uso de AB porque historicamente a denominação APS estaria vinculada a 
abordagem seletiva de cesta se serviços que foi traduzida por Mario Testa como atenção 
primitiva ou “medicina pobre para pobres” (Testa, 1992). Por outro lado, a denominação 
APS se relaciona de forma lógica com os demais níveis de atenção e dialoga de forma 
coesa com a literatura internacional. Ainda assim, cabe aos formuladores das políticas e 
gestores garantirem recursos para que a meta presente no compromisso diante dos 
preceitos do SUS quanto a atenção primária à saúde integral e de qualidade permaneça ao 
alcance de todos. 
 
 
 
Em seguida o referencial teórico-metodológico compreende os 
marcos teórico-conceituais assim como o detalhamento do percurso 
metodológico de produção, tratamento e análise dos dados. Por fim, as 
questões éticas que norteiam esta pesquisa em especial observações 
referentes a pontos fortes e limitações pelo fato de o pesquisador ser 
integrante da instituição em que os dados foram coletados. 
Na quinta parte são apresentados e discutidos os dados a partir do 
diálogo proposto entre as partes que não costumam discutir essa relação. 
A sexta parte buscou oferecer sugestões para o aprimoramento da 
prática dos profissionais de saúde. Além dessa contribuição, busquei inserir 
ao longo da tese situações da minha prática cínica para ilustrar e 
contextualizar alguns aspectos da tese, visando amplificar o diálogo 
pretendido com o leitor. 
As considerações finais são apresentadas na sétima parte. As 
referências bibliográficas, os anexos e os apêndices referenciados ao longo 
do texto estão organizados na última parte. 
Por fim, cabe um esclarecimento acerca do título: baseado numa 
expressão que insinua intimidade, muitas vezes evitada pelos homens em 
geral, mas intimidade que pode se criar nessa relação médico-paciente. 
Afinal, busca-se no ‘tempo ao tempo’ a oportunidade de aproximação entre 
as partes, o que pode ser catalisada pela vulnerabilidade ou circunstâncias 
envolvidas nesse processo de autoconhecimento proporcionada pelo 
adoecer ou idealmente na busca pela manutenção da saúde. Essa relação 
pode até mesmo incluir outros membros da família, em função da 
abordagem proporcionada pela especialidade principalmente no ambiente da 
ESF. Fazer esta roda girar a partir do estranhamento pelo desconhecido até 
se criar o hábito dessa referência em saúde é objetivo imanente, seu 
sucesso vai depender da permeabilidade das partes ao novo, em ambiente 
propício, mediante as circunstâncias vivenciadas. Portanto, o convite que 
faço é: ‘vamos discutir essa relação’?1 
 
1 INTRODUÇÃO 
Esta introdução se inicia com a aproximação ao tema e objeto desta 
tese a partir do recurso de uma revisão de literatura não exaustiva, 
produzida nacional e internacionalmente. A busca bibliográfica, a partir da 
Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), da Literatura Latino Americana e do 
Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), foi inicialmente realizada em 
fevereiro de 2018 e atualizada em dezembro de 2019. Utilizou-se os 
descritores “relação médico-paciente” e “saúde do homem”. A pesquisa se 
concentrou em artigos relativos à medicina de família publicados em 
português, inglês, francês e espanhol entre os anos de 2009 e 2019. 
Adicionalmente, foram incorporados artigos e documentos (teses) 
considerados consagrados, pela importância dentro dos temas pesquisados, 
a partir de sugestão de outros pesquisadores e professores, mesmo fora do 
recorte temporal definido. Foram revisados 508 referencias, das quais 350 
revelaram maior pertinência com a temática desse projeto. 
A partir da década de 1980, a saúde do homem ganhou destaque no 
meio acadêmico internacional com uma série de congressos e livros 
publicados, tais como o de Brod (1987) e a coleção de livros editados por 
Sabo e Gordon (1995). Entre os autores destas coletâneas, Waldron (1995) 
destacou a menor expectativa de vida masculina e o impacto dos padrões de 
comportamento e papéis sociais desempenhados. Além disso, o autor 
destacava a preponderância de doenças cardiovasculares e causas externas 
no perfil de morbimortalidade masculina nos Estados Unidos ao longo da 
década de 80 do século XX. O final do século foi marcado pela Conferência 
Internacional sobre a Saúde do Homem em Viena (1999) seguido do 
Relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2000) que foi debatido 
nos editoriais do ‘British Medical Journal’ (BMJ, 2001) e The Lancet (2001). 
Em comum a mensagem pela organização de um movimento acerca da 
 
 A revisão da literatura, sumariamente apresentada na sessão de introdução, não teve 
como objetivo tratar de forma exaustiva os temas e o debate que envolve os artigos 
captados na busca, mas utilizá-los para melhor situar o objeto desta tese. 
2 
 
saúde do homem e uma chamada pela colaboração entre órgãos 
internacionais. 
Na Europa a expectativa de vida ao nascer dos homens se elevou em 
todos os países no período 2000-2016 alcançando 81.2 anos na Suíça e 
64.7 no Turquimenistão, enquanto a expectativa de vida saudável é de 72.4 
anos de idade para os países nórdicos e da Europa Ocidental (WHO, 2018). 
O relatório destaca ainda a mortalidade prematura, ocorrida entre os 30 e 69 
anos de idade, relacionadas a doenças não transmissíveis e ferimentos 
intencionais e não intencionais; as inequidades na saúde física e mental e a 
busca de melhoria nas áreas de autocuidado, paternidade, trabalho não 
remunerado, prevenção de violência e saúde sexual e reprodutiva. 
O estudo sobre o Impacto Global das Doenças (WHO, 2014) mostrou 
que, no período de 1970-2010, a expectativa de vida da mulher ao nascer 
aumentou de 61 para 73 anos, enquanto a do homem cresceu de 56 para 67 
anos. Esse substancial aumento entre as mulheres alargou a disparidade da 
expectativa de vida entre homens e mulheres de 4,8 anos para 5,8 anos. 
Estudos globais sobre mortalidade revelaram que, dos 67 fatores de risco 
listados, 60 responderam por mais mortes masculinas do que femininas Lim 
et al. (2012). Peralta et al. (2010) e Robertson et al (2016) apontam que o 
exercício da masculinidade aumenta a probabilidade de comportamentos de 
risco, contribuindo para piores indicadores de saúde quando comparados às 
mulheres. Mais recentemente, o relatório da organização não governamental 
(ONG) Promundo mostrou associação entre sete tipos de comportamento, a 
saber: dieta pobre, uso de tabaco, álcool, riscos ocupacionais, sexo não 
seguro, uso de drogas e reduzida procura de serviço de saúde, estavam 
relacionados a metade das mortes e 70% das causas de adoecimento 
(Ragonese et al., 2019). 
 
1.1 Homens, padrões de mortalidade e políticas de saúde 
Acerca do paradoxo da relação homens-saúde, no qual ao mesmo 
tempo em que os homens detêm poder e prestígio frente às mulheres na 
3 
 
sociedade, apresentam sobretaxas de mortalidade para a grande maioria 
das causas de morte (Gomes e Nascimento, 2006; Couto e Gomes, 2012), 
agências internacionais e governos de diferentes países buscaram formular 
políticas para fazer frente ao chamado Déficit de Saúde dos Homens, que 
tem sido identificado e debatido desde os anos de 1970. Courtenay (2000a) 
e outros autores indicaram a relação entre as construções sociais das 
masculinidades e impacto na saúde (Robertson et al., 2016). 
Diante disso, entre 2001 e 2008 a Irlanda promoveu extenso e 
abrangente estudo vindo a se tornar o primeiro país no mundo a formular 
uma política nacional voltada para a saúde do homem. Na época foram 
destacadas a preocupação com a taxa de mortalidade prematura, 
principalmente entre aqueles de nível socioeconômico mais baixo e o 
aumento das taxas de suicídio, especialmente entre os mais jovens (Irlanda, 
2008). A revisão da política acerca do período 2008-2013 apontou que existe 
forte evidência de que uma abordagem sensível ao gênero pode contribuir 
ainda mais para a melhoria da saúde dos homens (Baker, 2015). Mais 
recentemente, o Plano de Ação para o período 2017-2021 do governo da 
Irlanda (Ireland, Health Service Executive, 2016, p.08) recomendou a 
“criação de ambientes de suporte a serviços sensíveis a questões de gênero 
visando ampliar parcerias e engajamento entre setores para reforçar ações 
comunitárias que apoiem iniciativas vinculadas a saúde do homem”. 
Além disso, os gestores irlandeses propuseram uma abordagem 
intersetorial levando-se em conta que diversos aspectos pessoais e sociais 
afetam o bem-estar dos homens e que não haveria um formato de programa 
que seja do interesse de todos. Essa abordagem considera os 
determinantes sociais de saúde sob as lentes de gênero, mantendo como 
referência o engajamento da comunidade tanto em relação aos participantes 
como em relação às organizações já existentes buscando formar parcerias. 
Os organizadores valorizam e recomendam permanente presença na 
comunidade para engajar moradores e promover lideranças entre os 
participantes. 
4 
 
Entre as diversas iniciativas, destaque para um grupo semanal que se 
reúne no Centro Larkin, em Dublin. O projeto se caracteriza pela confecção 
de um programa de atividades realizadas, de forma proativa, usando 
abordagem informal, estimulando a contação de estórias, priorizando 
momentos de perguntas e respostas, trabalho em pequenos grupos ou 
exercícios por equipe. Assim, ao longo de 10 semanas é realizada 
verificação do estado de saúde no início e ao final do período; incluindo 
testes de aptidão física, treinos de futebol com treinadores do time local 
(Glasgow Celtic); oficinas de educação e saúde abordando diversos temas 
usando linguagem apropriada (saúde mental, saúde sexual, tabagismo e uso 
de álcool, fisioterapia, entre outros) liderados por facilitadores experientes; e 
aulas de culinária (Lefkowich et al., 2015). A análise dos resultados revelou 
que propiciando segurança, apoio, confiança e trabalho em equipe foram 
abordadas normas e pressões sociais vivenciadas pelos homens tais como a 
expectativa de ser independente e se colocar de forma passiva em assuntos 
de saúde. Participantes valorizavam as características, o estilo dos 
facilitadores que demonstram atitudes positivas perante as masculinidades e 
a saúde do homem vindo a servir como ‘role models’ por conseguirem 
envolver os homens no processo. 
A Austrália, por sua vez, tem desenvolvido ações e reflexão 
consistentes desde a década de 1990, tendo instituído sua Política Nacional 
em 2010, ano seguinte à publicação da Política Nacional de Atenção Integral 
a Saúde do Homembrasileira (PNAISH, 2009). Estudos apontam quadro 
australiano similar ao brasileiro quanto às barreiras pessoais e sistêmicas na 
procura e uso de serviços de atenção primária (Smith et al., 2006). O 
programa Men´s SHEDS começou em 1993 e, desde então, se disseminou 
por diversos países tais como Irlanda, Canadá, Nova Zelândia. A palavra 
‘Shed’ tem, entre seus significados, um lugar onde se guarda ferramentas e, 
neste projeto, se refere ao espaço de encontro para homens desenvolverem 
atividades em conjunto. O professor Golding (2014), que iniciou essa nova 
fase do movimento, defende que a iniciativa auxilia a reduzir o desequilíbrio 
na saúde dos homens, inclusive atuando diretamente no apoio a pessoas 
5 
 
com Demência, por exemplo. Ele criou o termo ‘shedagogia’ e argumenta 
que o aprendizado dos homens ocorre ‘ombro a ombro’. Esse aspecto 
peculiar de sua visão acerca dos homens deve ser considerado entre os 
profissionais de saúde, pois a maior parte de nossas atividades de educação 
em saúde ocorre de forma linear, estruturada, quase clássica no antigo 
senso da palavra. Entre os participantes, um dos aspectos identificados é a 
impressão de que cada participante é professor e aluno ao mesmo tempo. 
Segundo um dos relatórios de avaliação (Misan, 2008), o ‘SHED’ é uma 
ferramenta para melhoria do letramento em saúde (‘health literacy’), definido 
por Pessamai (2012) como “(...) o grau pelo qual os indivíduos têm a 
capacidade para obter, processar e entender informações básicas e serviços 
necessários para a tomada de decisões adequadas em saúde” (p.301), por 
propiciar que as preocupações acerca da saúde sejam discutidas entre os 
pares diferente dos espaços onde se é instruído pelos ‘experts ‘sobre 
determinado tema. 
No Brasil, estudos sobre a relação homens-saúde se iniciam na 
década de 1990 influenciados pelos movimentos mundiais galvanizados pela 
Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 
Egito,1994) e IV Conferência Mundial sobre a Mulher: Igualdade, 
Desenvolvimento e Paz (Pequim, China, 1995) organizadas pela 
Organização das Nações Unidas (ONU) com ampla participação dos países 
membros e de Organizações Não Governamentais (ONG). Os documentos 
formulados trataram da “(...) saúde e os direitos sexuais e reprodutivos, 
numa perspectiva de defesa promoção da igualdade de gênero, 
reconhecendo-se explicitamente que as relações de poder entre homens e 
mulheres são desiguais” (Leal et al., 2012, p.2610). 
A presença da discussão de gênero e masculinidades nas 
publicações do campo da Saúde Coletiva no Brasil avançou a partir dos 
anos 2000, segundo Araújo, Schraiber e Cohen (2011). Couto e Dantas 
(2016) realizaram revisão narrativa de artigos veiculados na revista Saúde e 
Sociedade tendo como critérios de inclusão a categoria analítica ou 
conceitual sob a perspectiva de gênero e/ou masculinidades. A partir da 
6 
 
leitura de 66 trabalhos, as autoras realizaram seleção conforme critérios 
estabelecidos e chegaram a 49 trabalhos para análise descritiva. Entre os 
temas mais prevalentes destacam-se a sexualidade, reprodução, agravos à 
saúde, violência de gênero e suas variações, trabalho e masculinidades, 
além de outros temas emergentes ou pouco explorados, como 
envelhecimento e saúde mental. Após detida análise as autoras afirmam 
que, entre outras conclusões, não existe uma única masculinidade e que 
elas são mutantes. Reconhecem que essa abordagem permitiu a busca de 
particularidades das formas de ser homem e da relação com os processos 
de saúde-adoecimento e cuidado. Assim se aprofundou a discussão sobre 
as masculinidades. As autoras destacam a importância do trabalho de 
Connell por situar gênero em intersecção com outros marcadores sociais e 
que este debate ainda vai se aprofundar no Brasil. 
Considerando-se a realidade brasileira, em 2017, a expectativa de 
vida dos homens (72,8 anos) foi menor do que das mulheres (79,6 anos), 
sendo que a maior diferença foi verificada no estado de Alagoas (9,5 anos a 
favor das mulheres), enquanto Maranhão, Alagoas e Piauí apresentaram a 
menor expectativa de vida masculina (66,9 anos). A discrepância entre os 
sexos é observada desde o primeiro ano de vida: “(...) para cada 1000 
nascidos calculou-se a morte de 13 meninos antes de completar o primeiro 
ano de vida enquanto para o sexo feminino seriam 11 meninas (IBGE, 
2018). 
A PNAISH, como assinalado, foi concebida no período 2008-09, em 
conformidade com a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), após 
estudos realizados pela recém-criada Área Técnica de Saúde do Homem 
(ATSH) do Ministério da Saúde (MS). No processo de elaboração da política, 
houve período de articulação e debates entre as diversas sociedades 
médicas, particularmente a de cardiologia, pneumologia, urologia e 
psiquiatria, que lidam com as causas de mortalidade mais prevalentes além 
de pesquisadores da temática nos centros de pesquisa, universidades e 
ONGs. O texto inicial da proposta também foi aberto para consulta pública 
no período de agosto de 2008 a maio de 2009. Segundo a equipe 
7 
 
responsável da ATSH, a política nacional de saúde do homem foi elaborada 
com o objetivo de melhorar as condições de saúde da população masculina 
entre 20 e 59 anos de idade, visando reduzir sua morbidade e mortalidade, a 
partir das causas principais, a saber: doenças do aparelho circulatório; 
neoplasias (pulmão e fígado); causas externas; doenças do aparelho 
digestivo e algumas doenças infecciosas e parasitárias. 
Segundo Censo de 2012, a população masculina dessa faixa etária é 
formada por 53 milhões de pessoas (IBGE 2011-2012) com a seguinte 
distribuição por faixa etária (Tabela 1). 
 
Tabela 1 - População brasileira na faixa etária de 20 a 59 anos por sexo – 
Brasil, 2012 
Faixa Etária Masculino Feminino Total 
20 a 29 anos 17.393.558 17.562.246 34.955.804 
30 a 39 anos 14.736.999 15.410.113 30.147.112 
40 a 49 anos 12.212.809 13.041.087 25.253.896 
50 a 59 anos 8.876.466 9.830.449 18.706.915 
Total 53.219.832 55.843.895 109.063.827 
Fonte: 2011-2012: IBGE – Estimativas populacionais enviadas para o TCU, estratificadas 
por idade e sexo pelo MS/SGEP/DATASUS 
 
O relatório acerca do perfil da morbimortalidade masculina no Brasil 
(PMMB, 2018), é baseado nas taxas de internação hospitalar, conforme foi 
realizado na formulação da PNAISH, em 2009, baseada em dados do 
Sistema de Informação de Mortalidade (SIM, 2005). 
Dados de 2015 mostram que ocorreram aproximadamente 4 milhões 
de internações na população de 20 a 59 anos de idade, com discreto 
predomínio do sexo masculino (3.758/100 mil homens e 3.639/100 mil 
mulheres). A distribuição de acordo com o CID 10 para as oito primeiras 
causas, que representam 80 % das causas de morte, de acordo com faixa 
etária, consta da Tabela 2. 
 
8 
 
Tabela 2 – Taxa de internação/100 mil homens por capítulo CID-10 e faixa 
etária – Brasil, 2015 
No Capítulo CID 10 
Taxa 
20-29a 
Taxa 
30-39a 
Taxa 
40-49a 
Taxa 
50-59a 
Taxa 
Total 
/100mil 
1 XIX. Lesões, 
Envenenamentos 
Causas Externas 
978 991 921 940 962 
2 XI. Doenças do 
Apar. digestivo 
296 453 660 1036 546 
3 IX. Doenças do 
apar. circulatório 
79 188 479 1345 412 
4 I. Algumas 
doenças 
infecciosas e 
parasitárias 
197 271 340 494 300 
5 X. Doenças do 
apar. respiratório 
160 
 
196 271 539 258 
6 V. Transtornos 
mentais e 
comportamen- 
tais 
176 256 267 258 233 
7 II. Neoplasias 
(tumores) 
71 112 253 723 233 
8 XIV. Doenças do 
apar. 
geniturinário 
1321 191 257 443 229 
 Total 2.730 3.189 4.191 6.120 3.758 
* Demais grupos suprimidos representam menos de 20% do total 
 
Fonte: Ministério da Saúde – Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS). 
 
O relatório PMMB compara dados de 2009, ano de lançamento da 
PNAISH com 2015 e aponta que “houve um aumento significativo das taxas 
de internações, em todas elas, devidoàs lesões, envenenamento e algumas 
outras consequências de causas externas, e chama atenção as taxas da 
faixa etária de 50 a 59 anos, que em 2009 era 642 e em 2015 subiu para 
940.” (Relatório PMMB, 2018, p.19) 
Em 2015 a doença pelo vírus HIV passou a liderar as causas de 
internação masculina no grupo das doenças infecto-parasitárias. Cabe 
destacar que no período 2009-2015 houve grande melhora no tratamento 
com a introdução de novos medicamentos e disponibilidade dos esquemas 
9 
 
PEP (Profilaxia Pós-Exposição ao HIV) cujo número de tratamentos 
fornecidos pelo SUS subiu de 15 mil para 52 mil/ano nesse período tendo 
chegado a 82 mil em 2017 (GIV, 2018). 
Quanto ao perfil de mortalidade, em 2014, ocorreram 
aproximadamente 360 mil mortes no Brasil na faixa etária de 20 a 59 anos 
(excluindo os óbitos por gravidez parto e puerpério) com uma taxa de 
predomínio do sexo masculino de 464 contra 203/100 mil do sexo feminino 
(maiores detalhes na Tabela 3). 
Entre os homens, houve aumento nas três principais causas de 
mortalidade quando comparado aos dados de 2009. Destaque para o 
aumento na taxa devido às causas externas de morbidade e mortalidade, 
que subiu de 158 em 2009 para 172/100 mil em 2014. Na comparação por 
sexo, a taxa por causas externas de morbidade e mortalidade é 
aproximadamente sete vezes maior no sexo masculino, o que acompanha 
perfil de outros países, embora a magnitude do risco de ser homem no Brasil 
seja impressionante e persistente, principalmente para os negros e pobres 
(Batista, 2005). 
Considerada a gravidade do alarmante número de óbitos por causas 
externas, vale destacar alguns pontos. A agressão por meio de disparo de 
outra arma de fogo ou de arma não especificada foi a principal causa de 
morte masculina, sendo essas taxas de mortalidade maiores quanto menor 
for a idade (Gráfico 1). Aos 22 anos, a chance de um homem vir a óbito é 
quatro vezes maior que a de uma mulher e em relação ao homem branco, 
morre o dobro de negros (Batista, 2005). A mortalidade precoce resulta em 
imenso impacto socioeconômico ao refletirmos sobre os dados do Ministério 
da Saúde que estima termos 700 mil mães adolescentes e 300 mil pais 
nessa faixa etária (Instituto Papai, 2006) 
 
 
 Inclui mortalidade por lesões, envenenamento e algumas outras consequências de causas 
externas e por causas externas de morbidade e mortalidade. 
10 
 
Tabela 3 - Taxa de mortalidade em homens por capítulo CID-10 e faixa 
etária – Brasil, 2014 
 
No Capítulo CID 10 
Taxa 
20-29a 
Taxa 
30-39a 
Taxa 
40-49a 
Taxa 
50-59a 
Taxa 
Total 
/100mil 
1 
XX. Causas 
externas de 
morbidade e 
mortalidade 
204 176 141 142 172 
2 
IX. Doenças do 
apar. circulatório 
10 30 96 291 82 
3 
II.Neoplasias 
(tumores) 
8 17 57 212 56 
4 
XI. Doenças do 
apar. digestivo 
4 18 50 98 34 
5 
I. Algumas 
doenças 
infecciosas e 
parasitárias 
10 24 38 58 28 
6 
XVIII. Sint. sinais e 
achados anormais 
Ex. clínicos e de 
laboratório 
10 17 34 66 27 
7 
X. Doenças do 
aparelho 
respiratório 
6 12 26 75 24 
8 
IV. Doenças 
endócrinas 
nutricionais e 
metabólicas 
2 6 16 53 15 
9 
V. Transtornos 
mentais e 
comportamentais 
2 7 15 24 10 
 Total 262 318 492 1.060 464 
* Demais grupos suprimidos representam menos de 10% do total 
Fonte: MS/SVS/CGIAE – Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM. 
 
 
 
11 
 
Gráfico 1 - Taxa de mortalidade por causas externas em homens por faixa 
etária – Brasil,2014 
 
Fonte: MS/SVS/CGIAE – Sistema de Informações sobre Mortalidade – SIM. 
 
Quanto aos óbitos por neoplasia afetando os brônquios, pulmões, 
esôfago e estômago e aqueles relacionados ao aparelho digestivo (doença 
alcoólica do fígado e a cirrose hepática), tais patologias têm em comum o 
consumo excessivo de álcool e tabaco ou cigarro como fatores de risco 
muito relevantes e prevalentes nesse grupo populacional. A pesquisa 
nacional de saúde, a partir de inquérito domiciliar que usa a amostra mestra 
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) revelou que a 
prevalência do consumo abusivo de álcool entre os homens nos 30 dias 
anteriores a pesquisa foi de 21,6%, entre os jovens de 18 a 29 anos (18,8%) 
de cor negra (16,6%) que avaliaram sua saúde como boa ou muito boa (15,6 
a 14,9% respectivamente) e sem morbidades referidas (Garcia e de Freitas, 
2015). Com base na mesma pesquisa, Malta et al. (2015), relataram a 
prevalência do uso atual do tabaco ou fumo em torno de 18% para os 
homens e 11% entre as mulheres, com destaque para pessoas de baixa 
escolaridade e entre negros e pardos. 
Visando o enfrentamento destas disparidades em termos de 
mortalidade, a PNAISH enfrenta dificuldades desde sua formulação. Martins 
e Malamut (2013) indicaram que sua elaboração se deu a partir de uma 
decisão política e não de uma demanda reconhecida e compartilhada por 
toda a população, sobretudo, a masculina. Carrara, Russo e Faro (2009) 
observaram que o objetivo principal da política estaria no enfraquecimento 
daquilo que denominaram como resistência masculina à medicina, isto é, 
12 
 
seguir protocolos e condutas para os quais este segmento da população 
ainda não havia sido cooptado. Em outras palavras, a PNAISH impactaria no 
sentido da medicalização da saúde do homem, o que vai na contramão 
daquilo que os movimentos feministas buscaram quando contribuíram 
efetivamente para a formulação do Programa de Atenção Integral da Saúde 
da Mulher (PAISM, 2004), política pública nacional instituída em 1983. 
Rohden (2012), por sua vez, relata como se deu no ano anterior ao 
lançamento da PNAISH a engenhosa articulação entre o slogan “a saúde 
sexual como portal da saúde do homem” e a divulgação na mídia nacional 
dos 10 anos de lançamento da famosa ‘pílula azul’ (Viagra®, por exemplo), 
seguida de campanha no ‘site’ da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) 
onde se destacava a disfunção erétil como indicativo de cardiopatias, 
hipertensão arterial e diabetes mellitus. Encontrava-se, desta forma, a 
estratégia de chamamento para trazer o homem para os serviços de saúde. 
Por outro lado, diversos autores criticaram a não incorporação das 
discussões de gênero (Medrado et al., 2010; Leal et al., 2012). Para 
Nascimento et al. (2009) e Storino et al. (2013), a PNAISH veio a tornar o 
homem objeto ao invés de sujeito de uma política específica, porque 
precisaria ser protegido de si mesmo. Esta estratégia proveu mais um passo 
no processo de “medicalização” do corpo masculino tendo a próstata como 
foco hipertrofiado. Por sua vez, Couto e Gomes (2012) apontaram a 
necessidade de articulação com outras políticas a fim de se garantir a 
transversalidade da matriz de gênero no campo da saúde. Estratégia esta 
que foi reconhecida na Irlanda, primeiro país a formular uma política nacional 
tendo obtido resultados consistentes que serão explorados no capítulo seis 
(Richardson e Carroll, 2018). 
Enquanto isso, após uma década desde seu lançamento, a PNAISH 
ainda não conseguiu ser disseminada e implementada conforme planejado, 
apesar do avanço da cobertura de 50,8% para 63,8% da população pela 
Estratégia de Saúde da Família (ESF) (DATASUS, 2019). Entre os principais 
fatores, pode-se listar a escassez de recursos alocados, limitado 
envolvimento de grupos de interesse, característica desde a concepção da 
13 
 
política e insuficiente rol de intervenções específicas para este segmento da 
população segundo alerta de Medrado et al (Papai, 2009). 
Pesquisas realizadas para avaliação da PNAISH entre 2010-2011 
junto a gestores e profissionais de saúde revelaram a falta de padronização 
dos indicadores na sua construção e limitações inerentes ao acesso de 
dados (Moura et al., 2012). No estudo de Leal et al (2012) foram 
entrevistados profissionais de 11 serviços de saúde (sendo oito da Atenção 
Básica)em cinco municípios das cinco regiões do país. Destacaram o 
desagrado quanto a sobrecarga das equipes e falta de profissionais 
médicos, bem como o pouco conhecimento dos gestores sobre a própria 
política. Além disso, indicaram treinamento insuficiente e voltado apenas 
para os profissionais de nível superior, assim como ausência de 
coordenação específica a nível municipal, além da falta de material didático, 
diretrizes ou protocolos da coordenação nacional da Área Técnica de Saúde 
do Homem. 
Enquanto a investigação de Gomes et al. (2012) apontou, entre outros 
aspectos, dificuldades de inserção das ações dentro da rotina do serviço de 
APS entre os gestores e profissionais de saúde. Os autores ainda criticam “a 
implantação de políticas que se reduz a eventos e não ao planejamento e 
desenvolvimento de processos” (p.2593), o que apenas reflete a construção 
tortuosa e sem o necessário alicerce dos diversos setores da sociedade que 
não se encontram representados. Por sua vez, Moura et al. (2014) 
verificaram significativa dissonância entre a visão dos gestores e dos 
homens entrevistados acerca dos motivos de procura de consulta em 
unidades selecionadas conforme cobertura das ESF localizadas em 10 
municípios de diversos portes populacionais de todas as regiões do país, 
sendo todas pactuantes da PNAISH entre 2009 e 2010. 
Estudos de revisão sobre a implantação da PNAISH no Brasil, como o 
de Separavich e Canesqui (2013), destacam as diversas formas de 
representação de cuidado para os homens e o fato de que a discussão 
sobre ‘invisibilidade dos homens’ nos serviços de saúde é perpassada pelo 
14 
 
entendimento do próprio homem sobre o que entende como necessidades e 
demandas em saúde. No bojo dessa discussão, os autores destacam “(...) 
as masculinidades distintas que não partilham do mesmo poder” (p.423) no 
que tange a homens negros quando comparados aos brancos. Além disso, 
abordam que o conceito de homem que deve ir além do ‘universal, sem 
gênero, evocado nas representações sociais como dominador e 
inabalável...’. Os autores clamam, portanto, pelo descobrimento de homens 
de diferentes pertencimentos sociais e que estes se tornem visíveis e 
escutados pelos gestores e profissionais de saúde. Deste modo, a 
sociedade ainda aguarda por esse reconhecimento às diferentes 
masculinidades já que a PNAISH não as reconheceu de fato, exceto num 
breve ‘discurso’ bem-intencionado. Conforme demonstrado pelas mulheres, 
terá que partir da articulação dos movimentos sociais a conquista do 
reconhecimento social e político que a PNAISH, até o momento, perdeu a 
oportunidade de exercer. 
Quanto à repercussão da PNAISH na mídia, esta tem sido esporádica 
e reduzida a campanhas de combate ao câncer de próstata. Infelizmente, 
após 11 anos desde seu lançamento, pouco se avançou na discussão de 
outros temas de maior impacto sobre a mortalidade e sobre o convívio em 
sociedade. Assim, a cada ano, nos chega o “Novembro Azul”, campanha 
liderada pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Sociedade Brasileira 
de Oncologia Clínica e Instituto Lado a Lado Pela Vida, que se caracteriza 
pela ênfase no rastreamento do câncer de próstata. Esta atitude proativa se 
encontra também entre aqueles que não admitem esperar diante do 
diagnóstico do câncer de próstata localizado, o que contribui para que 
adiram a intervenções terapêuticas para ‘livrar-se do problema’ (Xu et al, 
2012). Entre as inúmeras críticas a esta estratégia, destaca-se a sólida 
evidência baseada em ensaios clínicos com seguimento de grupos 
populacionais por período que se estendeu entre quatro e 14 anos que não 
identificaram redução de mortalidade com a estratégia de rastreamento de 
câncer de próstata. A partir dessa análise, várias organizações tais como a 
agência governamental United States Peventive Services Task Force 
15 
 
(USPSTF) dos EUA, o United Kingdom National Screening Comittee (Comitê 
Nacional de Screening do Reino Unido) e a ‘Cochrane Library’*† formularam 
seus pareceres contrários ao rastreamento. Além disso, o rastreamento 
preconizado resulta em potenciais malefícios que superam seus potenciais 
(e questionáveis) benefícios. Por conta das evidências, o Ministério da 
Saúde do Brasil, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) e Sociedade 
Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) se manifestaram 
contrários ao rastreamento proposto pelas entidades médicas (Modesto et 
al., 2018). Além destes motivos, profissionais das unidades de saúde se 
mostraram críticos acerca do recorte da campanha associado a PNAISH que 
ameaça reduzir o papel de outros agravos de maior importância quanto ao 
perfil de morbidade por não pertencerem ao aparelho gênito-urinário, motivo 
preponderante na formulação da PNAISH tingida pelo viés imposto pelas 
sociedades médicas já citadas (Gomes et al., 2012). 
Por fim, entendemos que situação e estratégias utilizadas pela Irlanda 
e Austrália quanto à formulação, implantação e avaliação de políticas e 
programas de atenção à saúde do homem merecem ser acompanhadas e 
analisadas pelos gestores e pesquisadores brasileiros, diante da 
semelhança do perfil de morbidade entre os países e experiência acumulada 
na última década por estes países, apesar das diferenças de contexto 
cultural e organizacional entre os respectivos sistemas de saúde. 
 
1.2 Homens, padrão de morbidade e a busca dos serviços de saúde 
Segundo Moura (2012), “a pesquisa nacional por amostra de 
domicílios (PNAD), realizada em 2008, apontou que 20,8% dos homens e 
10,1% das mulheres com idade entre 20 a 64 anos referiram não ter 
realizado nenhuma consulta médica nos doze meses antecedentes à 
pesquisa. As mulheres relataram maior número de consultas médicas nos 
últimos 12 meses (3,9), quando comparadas aos homens (1,8) (IBGE, 
 
† Coleção de bancos de dados que contêm diferentes tipos de evidência independente, de alta 
qualidade para subsidiar processo de decisão no sistema de saúde. Traduzido do site 
https://www.cochranelibrary.com/about/about-cochrane-library acessado em 05 de Abril 2020 
16 
 
2010a) ” (p.53). Segundo o Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS 
(SIA/SUS), em 2010, na média, ocorreu 0,06 consulta/ano dos homens entre 
20 e 59 anos de idade. 
Bocolini e Souza Jr (2015), usando dados da Pesquisa Nacional de 
Saúde (PNS), baseado em amostra domiciliar realizada em 2013, 
verificaram indicadores de subutilização do sistema de saúde entre 22 
milhões de adultos o que representa 15% desse segmento. Os dados 
mostram que são mais afetados os homens, pobres com menor nível 
educacional, autodeclarado não brancos, resultando em maior probabilidade 
de nunca terem tido consulta médica ou de dentista, terem verificado sua 
pressão arterial ou medido sua glicemia. Por outro lado, em Ribeirão Preto, 
SP, Moraes et al. (2014) identificaram que homens mais velhos, com maior 
escolaridade, que foram hospitalizados anteriormente ou tinham hipertensão 
arterial ou diabetes mellitus tinham maior probabilidade de uso de serviços 
de saúde 
Enquanto isso, dados do ‘Center for Diseases Control’ (CDC, 2010), 
dentro da realidade diversa do sistema de saúde dos Estados Unidos da 
América (EUA), indicam que os homens relatam número semelhante de 
consultas (3,0) em relação às mulheres (2,8). Contudo, os autores alertam 
que se deve considerar a influência dos planos privado de saúde acessíveis 
aos que estão no mercado de trabalho formal. A título de contextualização 
desses dados, naquela ocasião, 61% dos adultos acima dos 18 anos que 
foram entrevistados (n=27.157) avaliaram sua saúde como excelente ou 
muito boa. 
Por fim, faz-se necessário ampliar essa leitura visto que aquilo que 
motiva as pessoas a procurar pela consulta, não necessariamente é o que o 
 
 A autora observa que o sistema de informação não é confiável quando se buscou realizar 
alguns ajustes nas taxas encontradas(Moura, 2012). 
 Estes dados visam apenas ilustrar a situação em diferentes países sem que se pretenda 
ou se acredite que consultas ocorreriam em proporções semelhantes em sistemas de saúde 
mais estruturados, sem antes considerar o contexto histórico e as inúmeras diferenças 
biopsicossociais dos segmentos populacionais que resultam na decisão em consultar. 
 
17 
 
sistema de saúde considera ‘necessidade’ (Moller-Leimkuhler, 2002). 
Conforme alertavam Wright, Williams e Wilkinson (BMJ, 1998), as 
preocupações de organizar um sistema de saúde que facilite o acesso e se 
oriente pela equidade precisa também considerar o quanto é apropriada e 
efetiva a busca do serviço. Transpor essa discussão para o sistema de 
saúde brasileiro tem ainda maior ressonância a partir da implantação do 
SUS em 1988, conforme a Lei 8.080, de 1990 (Brasil, 1990) cujos princípios 
visam garantir a universalidade, equidade e integralidade. Desde então, se 
por um lado, a população gradativamente passou a exercer seus direitos 
quanto ao uso dos serviços de saúde no setor público, por outro a melhoria 
da qualidade deste setor atraiu o segmento oriundo dos planos de saúde 
com os quais não puderam mais arcar em função da escalada de custos 
associada a recessão econômica e perda de poder aquisitivo. Este aspecto 
merece destaque porque esse segmento costuma trazer algumas demandas 
extras, o que gera aumento dos custos quando os profissionais cedem a 
pressão, além do tempo dispendidos quando tentam demonstrar a 
inadequação de alguns desses pleitos, muitos deles orientados pelo 
referencial de qualidade do serviço enquanto um bem a ser adquirido ou 
garantido a partir de exames ou medicamentos, que muitas vezes não tem 
embasamento em evidência científica. 
Em 1995 Siegrist formulou um modelo acerca da busca de cuidado 
em saúde (‘Health seeking behavior’) que veio a ser adaptado por Moller-
Leimkuhler (2002). Este consiste em quatro estágios no processo de procura 
de auxílio. A partir da percepção dos sintomas incide fatores biológicos, 
individuais e socias que são catalisados. Sua avaliação e busca de 
informações pode gerar dois caminhos, não necessariamente excludentes, 
seja aquele de normalizar, subestimar ou ainda negar a existência de 
problema. Assim como, a pessoa pode optar pelo automedicação. Nesta 
etapa, considera-se que a informação vinda de pessoas significativas pode 
levar a reinterpretação de sintomas, podendo se chegar a um consenso 
sobre sua causa ou ainda vir a sofrer pressão social pela busca de outras 
ações. Daí se opta, com ou sem auxílio de outras pessoas, por procurar 
18 
 
auxílio no sistema leigo ou no sistema de saúde. Os autores que seguem 
esse modelo salientam que quando os sintomas envolvem aspectos 
emocionais ou depressão se torna mais difícil a aplicação desse esquema, o 
que já foi verificado por outros autores (Johnson et al., 2012). No caso da 
depressão entre os homens, por exemplo, os sintomas iniciais como raiva, 
irritabilidade, agressividade, hostilidade, atitudes de risco ou ainda 
comportamento escapista, podem ser relegados pelos profissionais de 
saúde como a ‘atitude típica de homem’, o que sugere necessidade de 
melhoria nos eventos de educação permanente em saúde (Ogrodniczuk, 
Oliffe e Gross, 2016), o que será detalhado em outra seção desta tese. 
Aspecto adicional a ser considerado na tomada de decisão para 
consulta médica é o conceito do letramento funcional em saúde definido 
como “(...) o grau pelo qual os indivíduos têm a capacidade para obter, 
processar e entender informações básicas e serviços necessários para a 
tomada de decisões adequadas em saúde” (Passsamai et al., 2012, p.301). 
Segundo Moraes (2014) “(...) as mulheres percebem mais facilmente os 
riscos à saúde que os homens, por terem maior acesso a essas 
informações” (p.335). Enquanto outros autores afirmam que os homens são 
menos propensos a perceber risco para sua saúde e relatam de forma 
reiterada que consideram sua saúde melhor do que realmente é (Courtenay, 
2000a, 2000b, 2003; Oliffe et al., 2010). Nesse contexto, a busca de 
informação sobre a saúde pode ser classificada como ativa ou passiva, 
sendo este o estilo mais prevalente entre os homens (Saab et al., 2017). 
Este aspecto já foi verificado em estudos acerca de sintomas específicos do 
homem, independente de orientação sexual, como no caso do câncer de 
testículo (Saab et al., 2017b) e neoplasias não específicas por gênero (Hunt 
et al., 2010). Vale destacar que o conceito de letramento funcional em saúde 
não é diretamente relacionado ao nível de escolaridade. Dados europeus 
(WHO, 2018) revelam que “(...) em 23 de 30 países pesquisados, homens 
com escolaridade mais elevada são menos propensos a procurar auxílio 
profissional do que mulheres com menor escolaridade” (p.59). Nos EUA, 
alguns estudos realizados entre afro-americanos sugerem que vergonha, 
19 
 
machismo e medo são fatores que dificultam essa busca (Ford et al., 2006; 
Friedman et al., 2009). 
 No Brasil, Machin et al. (2011) e Gomes et al. (2007) alertam que 
muitos homens interpretam a demanda por cuidado de saúde como um 
desvirtuamento diante de seu papel de provedor. Por sua vez, Fernandes et 
al. (2009) destacam que em estudo transversal de base populacional 
realizado em Porto Alegre, mulheres acima dos 60 anos de idade com 
menor nível sócio econômico e sem cobertura por plano de saúde e com 
auto percepção de saúde muito ruim são três vezes mais propensas a 
frequentar a unidade de saúde de família. 
Além do processo de decisão pela consulta médica, convém destacar 
o relato na literatura científica e percepção entre os profissionais de saúde 
de que os homens demoram a procurar os serviços de saúde pelos motivos 
expostos acima e que isso traria mais danos a sua saúde e custos ao 
sistema, conforme relato no texto da própria PNAISH (2009). Por outro lado, 
estudo de base populacional publicado no Reino Unido em 2014 (Wang et 
al.) refuta tal noção ao mostrar que “(...) os padrões de consulta com 
médicos de família prévios a diagnóstico de três tipos de câncer não 
relacionados ao sexo mostraram pequena diferença entre homens e 
mulheres. Este dado poderia desafiar a noção de que homens retardam a 
busca de cuidado profissional para doenças graves e que, portanto, seriam 
diagnosticados em estágio mais avançado, pior prognóstico e reduzida 
expectativa de vida” (p.60). 
Acerca da presença masculina nos serviços de saúde no Brasil, 
pesquisadores exploraram as justificativas usadas pelos homens para não 
procurarem atendimento, dentre eles o horário restrito de funcionamento, a 
feminilização das unidades de saúde e a prevalência de profissionais do 
sexo feminino, assim como o distanciamento do homem em relação ao 
autocuidado (Figueiredo, 2005; Gomes et al., 2007; Couto et al., 2010). No 
estudo de Gomes (2007) com 18 homens de escolaridade básica e de nível 
superior foi apontada a falta de serviços específicos para esse grupo. 
20 
 
Considerando que esta queixa se repete na literatura brasileira (Vieira, 2013; 
Leite et al., 2016), cabe o questionamento a quais aspectos da saúde 
necessariamente se referem. A hipótese aqui levantada é de que 
significativa parcela dos homens vem motivada pela preocupação com a 
saúde da próstata e buscam se desfazer do medo de câncer, 
recorrentemente propagado pela mídia. Na medida em que os (as) médicos 
(as) de família têm se capacitado para avaliação e diagnóstico de tais 
patologias, suponho que os entrevistados ocultam essa demanda (Modesto, 
2016) ou nem chegam a se consultar com esses profissionais. Ou ainda pior, 
pensando no fluxo de atendimento, desistiram na entrada do serviço quando 
informados que ‘não havia urologista’, como costumo ouvir de muitos 
homens, na prática cotidiana. 
Com o intuito de compreender o percurso dos homens que acessam 
as unidades de saúde, Gomes et al.(2011b) entrevistaram 201 homens de 
seis cidades brasileiras que revelaram seu desconforto nos serviços de 
saúde, o que os levava a se comportarem como se estivessem fora de seu 
território. Na pesquisa de Tonelli et al. (2010) foram entrevistados 11 
coordenadores (as) dos programas de saúde sexual e reprodutiva do 
Hospital Universitário de Florianópolis. Os gestores apontaram questões 
culturais refletidas na alegação do trabalho como motivo de não consultar e 
busca de tratamento em detrimento de aspectos preventivos. Nesse estudo, 
duzentos e sessenta homens, sendo metade entre 18-25 anos e a outra 
entre 45-55 anos de idade, participaram de grupos focais quando 
reafirmaram o comportamento percebido pelos profissionais ao se apoiarem 
no imaginário estoico de suportarem o desconforto ou a dor até o limite. 
Além disso, relataram que ao vivenciar uma doença se sentem mais 
vulneráveis por se verem diante de uma situação desconfortável. Esta 
reação é semelhante àquela identificada por Courtenay (2000b) pela adesão 
ao modelo de masculinidade hegemônica entre homens estadunidenses o 
que os torna mais suscetíveis à depressão e maior reatividade 
cardiovascular em situações de estresse. 
21 
 
Storino et al. (2013) investigaram as necessidades de saúde de 27 
homens atendidos numa UBS de Belo Horizonte, MG. Os autores 
concluíram que: 
(...) a capacidade dos profissionais e dos serviços de acolherem, 
traduzirem e construírem um cuidado contínuo e adequado para 
as necessidades de saúde desse público é fundamental para que 
o valor de uso do trabalho em saúde seja reconhecido e para que 
os homens se reconheçam como sujeitos do seu cuidado e de 
suas necessidades (Storino et al., 2013, p.637). 
Após a implantação da PNAISH, Knauth et al. (2012) realizaram 
estudo entre os profissionais de nível superior, em sua maioria atuando na 
atenção básica, que revelou que o homem é visto como mais objetivo e 
resistente a mudanças. Além disso, trabalhadores da saúde admitem que as 
falhas na rede impedem ou dificultam resposta às demandas trazidas. Os 
autores ratificaram o papel do trabalho como impeditivo para a procura por 
consulta, e isso se agrava pela possibilidade de não ter garantia em obter a 
consulta. Nessa situação, os homens demonstram urgência em resolver 
seus problemas, tendem a não questionar os “prós” e os “contras” sobre a 
terapêutica oferecida e desvalorizam atividades de prevenção que tendem a 
trazer benefícios a médio e longo prazos. 
A presença de homens nos centros de saúde (CS) comumente é vista 
pelos profissionais como aquele usuário mais objetivo quando comparado a 
mulher, que busca solução rápida e se mostra avesso a conversa, que 
busca um atestado médico para justificar sua falta ao trabalho, pois, na 
concepção desses homens, não existiria motivo que a justificasse (Machin et 
al., 2011). Nesse sentido, ficaram registrados dois aspectos: em primeiro 
lugar, o espaço do CS que ainda é mais frequentado majoritariamente por 
mulheres, crianças e idosos. Em segundo lugar, a presença masculina gera 
a suspeita, indício de que o homem que o frequenta está sendo desonesto, o 
que fere o senso de honra, como proposto por Bourdieu, o qual atribui a 
honra o significando e as dimensões simbólicas que “tornam o homem 
verdadeiramente homem” (Bourdieu, 2003, p.61). Neste caso, a busca do 
cuidado com sua saúde é desconsiderada, ficando limitada à resolução dos 
sintomas que o afastam do trabalho. Faz-se importante reforçar o quanto a 
22 
 
função laboral permanece como definidora do ‘lócus’ do homem na 
sociedade, marca identitária que legitima seu espaço, o qual, se por um lado 
traz destaque, por outro significa risco à saúde através dos acidentes no 
exercício da função. Segundo Dantas (1998), os homens se colocavam, 
portanto, enquanto grupo que buscava reforçar sua especificidade entre os 
demais grupos, ratificar seu poder através de prover recurso num momento 
crítico de cuidado a saúde do familiar. Por outro lado, quando necessitavam 
usar o serviço de saúde, preferiam procurar serviços de emergência na 
busca de resolução rápida de seu problema e, mais importante, de forma 
anônima perante seus vizinhos no bairro, conforme relatado por homens de 
uma vila de Porto Alegre. Nessa época, pesquisa realizada por Stein (1998) 
na mesma cidade mostrou que pessoas com acompanhamento médico 
definido tinham três vezes mais chances de procurar o serviço de 
emergência por motivo adequado. 
No estudo de Gomes (2011a) feito entre os profissionais de saúde 
incluindo gestores, de nível superior, e médio da atenção primária na Zona 
Oeste do Rio de Janeiro (RJ), estes afirmaram sua impressão de que o 
homem é mais objetivo e impaciente em resolver seu problema. Além disso, 
parte deles se mostra envergonhado em atividades de grupo e deseja 
privacidade. Interessante notar que esses profissionais demonstraram 
desconforto pela presença masculina e que estes homens, em algumas 
circunstâncias, exigiam respostas não oferecidas pelo serviço e, portanto, 
eram percebidos como agressivos, em termos verbais, quando da demora 
no atendimento. Ficou evidenciado o não reconhecimento da singularidade 
dos homens, o que dificulta aproximação necessária na busca do cuidado e 
estímulo ao autocuidado. Os autores ainda salientaram a lógica do 
atendimento focado na doença, sem considerar aspectos específicos dos 
homens e a estrutura dos serviços, cujos profissionais não demonstraram 
habilidade para acolhê-los. Faz-se interessante perceber o contraste 
denunciado pela visão que se tem dos usuários. Enquanto um dos médicos 
enaltece o fato de a mulher seguir sua orientação e consultar com outros 
23 
 
especialistas, outra prefere atender o idoso por se sentir mais seguro ao 
invés do homem adulto que considera agressivo e impaciente. 
A falta de habilidade dos profissionais também foi percebido no meio 
rural entre homens com doença crônica em pesquisa realizada no Rio 
Grande do Sul. Participantes relataram a insensibilidade do especialista focal 
diante da queixa e indicaram preferência pela busca da unidade de pronto 
atendimento acessível no turno da noite para não prejudicar sua 
necessidade de se manter na lavoura (Burille e Gerhardt, 2014). Em outro 
estudo, realizado no meio rural na Nova Zelândia, Noone e Stephens (2008) 
destacaram o dilema vivenciado por alguns homens que decidem não 
procurar assistência à saúde e assim tendem a ser vistos como “membro 
imoral” da sociedade. Em contrapartida, quando decidem procurar, 
percebem que assim arriscam a sua imagem tipicamente masculina, por se 
aproximarem da imagem social que tem das mulheres, que frequentam os 
serviços regularmente. No contexto brasileiro, Burille et al. (2018) destacam 
a negação do corpo que ‘fala’ através de sintomas em função do controle do 
corpo masculino, conceito que foi discutido por Schraiber e Figueiredo 
(2011), corpo este que é ferramenta essencial para o trabalho que faz parte 
de sua identidade. Este homem que não quer, não se permite pensar-se 
doente, se amedronta diante da possibilidade de depender do outro, o que 
arranha sua pretensa invulnerabilidade. 
Na Austrália, Smith et al. (2008) questionam o senso comum e as 
pesquisas que afirmam que os homens são desinteressados ou lenientes 
acerca de sua saúde. Após entrevistarem 38 homens listaram indicadores 
usados para ativamente auto monitorar problemas que justificariam adiar ou 
antecipar a procura por atendimento. Concluíram que a decisão por procurar 
assistência médica é precedida por período de racionalização no qual o 
homem pondera, baseado em seu conhecimento, acerca de indicadores 
para auto monitoramento de sua saúde, entre eles: a possibilidade de que o 
problema se resolva espontaneamente, avaliação de experiência prévia, 
presença de dor persistente e limitações nas ações do dia a dia acerca do 
momento de consultar.24 
 
Outro aspecto importante nesse intervalo de tempo para tomada de 
decisão é se o homem teve uma experiência positiva em evento anterior, na 
qual o (a) médico (a) assistente respaldou e legitimou sua preocupação, o 
que os auxilia a reduzir o tempo de espera num evento futuro. Douglas et al. 
(2013) também criticam o preconceito quanto ao suposto desinteresse 
masculino, pois entendem que não é possível excluir outros fatores como 
idade e estruturas sociais e isolar masculinidade como aspecto determinante 
de seu interesse pela saúde. 
 Em síntese, e especialmente considerando as pesquisas brasileiras, 
revela-se com nitidez o estranhamento entre homens não habituados a 
frequentar serviços de atenção primária onde são acolhidos por profissionais 
não capacitados para entender e/ou esclarecer suas demandas, suas formas 
de se comunicar. Algumas vezes, por acreditar que a queixa se limita a 
questões urológicas para as quais não caberia se consultar naquele serviço 
(Knauth et al., 2012), em outras por não se aperceber da frustração que vive 
o cidadão que na maioria das vezes é penalizado financeiramente pelo 
empregador quando busca o serviço de saúde sem a contrapartida de ter 
seu problema resolvido, ou ao menos devidamente encaminhado. 
Esses desencontros remetem à imagem da rosa dos ventos cujas 
pontas miram para horizontes opostos, leste e oeste, norte e sul, portanto 
não se conhecem e não se reconhecem unidas pelo eixo central, que seria a 
consulta. Parte dos homens a postergar enfrentamento de seus males pelo 
risco de encarar sua vulnerabilidade e parte dos profissionais que carregam 
ou alimentam estereótipos que promovem a permanência desse ‘ciclo de 
invisibilidade’. Para mitigar o desencontro, muitas vezes ao término de 
consultas rápidas voltadas para eliminar sintomas, a resposta médica vem 
na forma da medicalização, seja através de medicamentos ou exames, que 
tem se tornado resposta reflexa a esse ‘modus operandi’ de oportunidades 
perdidas. Afinal: 
(...) a vida é mais ampla do que os meios que a gente vai 
encontrando para que ela se mantenha saudável. O processo de 
“medicalização da vida” faz diminuir a autonomia e aumenta a 
dependência ou a resistência ao tratamento, fazendo de uma 
25 
 
interminável sucessão de consultas, exames e procedimentos o 
centro da vida (PNH, 2009, p.30). 
 
Esse atrito entre as expectativas tem importante potencial de 
interferência na construção do vínculo entre homens e profissionais de 
saúde, especialmente na APS, o que pode vir a afetar a satisfação dos 
usuários conforme ilustrado por dos Santos et al. (2018). Na pesquisa de 
Gomes et al (2011b) 201 homens entrevistados apontaram que buscam 
atendimento que seja atencioso, ancorado na comunicação, resolutivo e que 
ocorra tão logo seja possível. Em Natal, RN, Leite et al. (2016) abordaram 24 
usuários, sendo 12 de cada contexto de prática na APS: uma unidade básica 
(UBS) em bairro de classe média, e uma Unidade de Saúde de Família 
(USF) em bairro de classe popular. Os sentidos produzidos se vinculam às 
experiências vividas especialmente no tocante a relação profissional-usuário 
e a oferta de serviços. A maioria dos respondentes da UBS indica a baixa 
resolutividade, enquanto na USF destacaram o acesso e acolhimento a partir 
de um vínculo positivo com membros da equipe. Além disso, relataram que 
empatia e interesse dos funcionários propiciavam satisfação pelo serviço 
prestado. Por outro lado, em ambos os grupos o encaminhamento para 
atenção secundária gerou frustração pela demora e quebra do 
relacionamento. Também se registrou insatisfação pela assistência pública 
que não goza de boa reputação nos círculos imediatos como também 
alimentado pela mídia. Por conseguinte, a assistência à saúde do homem 
deve ser pensada no sentido da especificidade das suas demandas, 
considerando a perspectiva de gênero para se alcançar um maior 
conhecimento das necessidades de saúde desse segmento. 
O conflito em potencial na interação se deve, em parte, à pouca 
exposição e experiência dos profissionais de saúde (‘denominado como 
NÓS’ na Figura 1) ao lidar com esses usuários, o que fomenta a 
manutenção do ciclo de invisibilidade dos homens nesses serviços (Dantas, 
2012), conforme ilustrado na Figura 1: 
26 
 
 
Fonte: adaptado Dantas (2012). 
 
Figura 1 - Ciclo de invisibilidade do homem no serviço de saúde 
 
27 
 
2 OBJETIVOS 
 
2.1 OBJETIVO GERAL 
 
Compreender abordagens de comunicação entre médicos (as) de 
família e homens atendidos na Atenção Primária à Saúde (APS) para 
identificar os limites e possibilidades de um cuidado efetivo a este segmento 
da população. 
 
2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS 
 
Têm-se como objetivos específicos: 
a) Identificar experiências da relação médico (a) - paciente com os 
homens que consultaram com médicos (as) de família no último ano e com 
homens que não se consultaram com médicos (as) de família nos últimos 
dois anos; 
b) Investigar como médicos (as) de família abordariam as 
dificuldades vivenciadas nas consultas médicas pelos homens, segundo os 
relatos destes; 
c) Conhecer a opinião dos homens usuários sobre as abordagens 
propostas pelos (as) médicos (as) de família em resposta às dificuldades 
que apresentaram 
 
28 
 
3 REFERENCIAL TEÓRICO 
 
3.1 Masculinidade e cuidados 
 
A fim de compreender o campo da saúde do homem, devemos 
considerar os aportes conceituais sobre masculinidades e a construção 
social em torno dos seus sentidos atribuídos em nossa sociedade. 
Segundo Joan Scott (1995), em seu texto “Gênero, uma categoria útil 
de análise histórica”: gênero é, ao mesmo tempo, uma noção teórica e uma 
categoria para pesquisas empíricas. Compreende os significados culturais 
que instituíram a noção de diferenças biológicas/anatômicas entre os sexos 
e, igualmente, atribuíram diferenças e desigualdades de status, poder e 
prestígio a tais diferenças. Refere-se, assim, aos atributos, papéis ou 
funções sociais culturalmente legitimadas para indivíduos do sexo masculino 
e do sexo feminino, estabelecendo-os com determinados valores sociais 
diferentes e desiguais entre si. Nisso, o conceito de gênero diz respeito a 
relações entre indivíduos (homens, homens-mulheres e mulheres) que 
transcendem o biológico/reprodutivo e que terminam por configurar relações 
de poder construídas social e culturalmente. É importante assinalar que o 
gênero varia espacialmente (de uma cultura a outra), temporalmente (na 
mesma cultura em diferentes tempos históricos) e longitudinalmente (ao 
longo da vida de um indivíduo). As marcas do ‘socialmente construído’, do 
caráter ‘relacional’ e da dimensão de ‘poder’ constituem os fundamentos da 
categoria proposta por J. Scott. Em síntese e em suas palavras: “Quando 
falo de gênero, quero referir-me ao discurso da diferença dos sexos. Ele não 
se refere apenas às ideias, mas às instituições, às estruturas, às práticas 
cotidianas, aos rituais e a tudo o que constitui as relações sociais. O 
discurso é um instrumento de ordenação do mundo e, mesmo não sendo 
anterior à organização social, é inseparável desta. Portanto, o gênero é a 
organização social da diferença sexual” (1995, p. 115). 
Segundo Connell, a masculinidade é: 
29 
 
(...) “ao mesmo tempo a posição nas relações de gênero, as práticas 
pelas quais os homens e as mulheres se comprometem com essas posições 
de gênero e os efeitos destas práticas na existência corporal, na 
personalidade e na cultura” (Connell, 1995, p. 35). 
Enquanto a Organização Panamericana de Saúde (OPAS, 2019, p.01) 
considera masculinidade como “(...) um conjunto de atributos, valores, 
funções e comportamentos que são assumidos como essenciais para 
homens numa cultura específica”. 
Connell (1998) e Figueroa-Perea (2003) acrescentam que “(...) tais 
especificidades podem conduzir a um arco de masculinidades que podem ter 
elementosem comum associados a formas dominantes de masculinidade, 
mas que incluem formas muito diferentes de ser homem, como por exemplo 
determinadas por grupo étnico, classe, estado migratório, orientação sexual, 
trabalho e nível educacional” (p.31 apud WHO, 2018). 
Por sua vez, Gomes (2008) refletiu sobre a Masculinidade como: 
 Espaço simbólico que serve para estruturar a identidade de ser 
homem, modelando atitudes, comportamentos e emoções a serem 
adotados (...) [representando] um conjunto de atributos, valores, 
funções e condutas que se espera que um homem tenha em uma 
determinada cultura. (p.70) 
 
Na medida em que as masculinidades são construídas em oposição ao 
que pertence ao universo feminino (Courtenay, 2000), a noção de cuidado 
fica comprometida no campo da saúde. Ainda hoje, o homem exerce a 
crença de ser forte e menos suscetível aos riscos que assume, o que o leva 
a práticas de pouco cuidado com o próprio corpo, tornando-o vulnerável em 
diversas situações no trabalho e no lazer. 
Connell e Messerchmidt (2005) destacaram que: “(...) a masculinidade 
não representa um certo tipo de homem, mas a forma como os homens se 
posiciona através de práticas discursivas” (p. 841). Essas características 
fazem parte do conceito da masculinidade hegemônica (Connell, 1995), que 
30 
 
veio a ser reformulado por Connell e Messerschmidt (2005, p.829) em quatro 
áreas, a saber: 
(...) um modelo de hierarquia de gênero enfatizando o 
protagonismo das mulheres; reconhecimento explícito da 
geografia das masculinidades enfatizando a interação de níveis 
regionais e globais; busca de tratamento mais especifico da 
personificação social (embodiment) em contextos em que se 
discute privilégio e poder e, finalmente, ênfase mais robusta sobre 
as dinâmicas da masculinidade hegemônica reconhecendo 
contradições internas e possiblidades de movimento no sentido de 
uma democracia de gênero. 
 
Segundo Connell (1995) a face pública da masculinidade hegemônica 
não é, necessariamente, o que os homens mais poderosos são, mas aquilo 
que sustenta seu poder e aquilo que muitos homens são motivados a apoiar. 
Construída em relação às mulheres e a outras masculinidades referentes a 
grupos dominados, a masculinidade hegemônica as oculta e as subordina, 
embora não as elimine, posto que relações de hierarquia pressupõem o 
“outro”. 
A função ideológica deste modelo de análise é explicitada: embora não 
necessariamente represente a maneira de ser dos homens da elite, nem dos 
homens subordinados, a cumplicidade de todos com a masculinidade 
hegemônica explica-se pelo fato de que é a expressão cultural da sua 
dominação sobre as mulheres, que legitima e naturaliza práticas de 
subordinação. Assim, a masculinidade hegemônica é um modelo cultural 
ideal que, não sendo atingível por nenhum homem, exerce sobre todos, 
homens e mulheres, um efeito controlador. Implica um discurso sobre a 
dominação e a ascendência social, atribuindo aos homens (categoria social 
construída a partir de uma metonímia do dimorfismo sexual) este privilégio 
potencial. Ainda, a própria masculinidade é internamente constituída por 
assimetrias (como heterossexual/homossexual) e hierarquias (de mais a 
menos “masculino”), em que se detectam modelos hegemônicos e variantes 
subordinadas. 
Mais tarde, Connell (2014) esclareceu que na reformulação do conceito 
de masculinidade hegemônica quando se refere a personificação, considera 
31 
 
que, enquanto gênero é personificado a partir de uma relação social, a 
masculinidade hegemônica precisa estar conectada dentro desse 
entendimento de personificação social. A autora também se refere a 
geografia das masculinidades, sobre a qual deve-se ponderar que a 
masculinidade pode ser considerada hegemônica numa determinada 
localidade, mas não em outra. Quanto ao uso da palavra hegemonia, 
Connell alerta sobre uma concepção equivocada quando associada ao 
autoritarismo citando como exemplo propostas de mudança por uma 
paternidade engajada na Escandinávia ou ainda a ‘paternidade afetiva’ 
observada na América Latina. 
Griffith (2016) destaca que, individualmente, cada homem exercita 
certas características da masculinidade hegemônica para formar o seu 
padrão de masculinidade, moldada dentro do contexto em que vive. O autor 
destaca que muitos deles são marginalizados por seu ‘status’ econômico e 
social, etnia, orientação sexual ou classe e ficam inabilitados a atingir alguns 
aspectos da masculinidade hegemônica. Em relação ao autocuidado, esse 
modelo estereotipado também tem contribuído para a manutenção da 
desigualdade entre homens e mulheres na busca da assistência à saúde, 
comportamentos de risco e morte prematura. 
Ainda na busca de compreensão dos indicadores em relação a saúde 
do homem/perfil de morbidade, Cloutier et al. (2005) desenvolveram um 
modelo explicativo composto de cinco fatores (Figura 2), a saber: 
 
 
 
 
 
 
 
32 
 
 
 
Fonte: elaborado pelo autor. 
 
Figura 2 - Modelo de Identidade do Papel de Gênero 
 
1 - Sensibilidade diferenciada (SD): a hipótese é da existência de 
mecanismos de detecção, ponderação, ativação e seleção de trilhas de 
comportamento que possuem uma especificidade entre os homens. Os 
autores ilustram através da metáfora de que homens funcionam com fusíveis 
de 30 amperes quando o sistema aciona o disjuntor quando a tensão atinge 
20 amperes. Os autores citam estudos sobre limiar para tolerância da dor 
que relacionam a diferença entre os sexos a fatores hormonais. Eles 
argumentam que a resposta mais saudável faria parte de um mecanismo de 
proteção. Contudo, entre certos homens, haveria um mecanismo psicológico 
distinto em que o estímulo poderia ser percebido pelos sentidos, mas não 
atingiria o limiar cognitivo necessário para desviar o indivíduo de seu alvo 
funcional a ponto de atrair sua atenção para a busca do cuidado e da 
precaução. Lynch e Kilmartin (1999) explicam tal mecanismo pelo processo 
de socialização masculina que supervaloriza alcançar os objetivos. Essa 
insensibilidade relativa aos corpos se manteria na medida em que muitos 
homens associam vantagens em superarem os medos, manter a direção 
diante de seus objetivos, em ir adiante 
33 
 
2. Viés otimista masculino: Seria a tendência de perceber os eventos 
como mecanismo de controle pessoal, mas que não correspondem à 
realidade. Seria o sentimento de que as chances de viverem momentos 
prazerosos são maiores do que os riscos da ocorrência de eventos 
negativos comparado a seus pares na comunidade (Weinstein e Klein, 
1996). Isto se daria em função da diferença entre a estimativa subjetiva e o 
risco objetivo além das diferenças individuais em matéria de vulnerabilidade 
objetiva (Joffe, 1999). Os autores indicam que tal viés existiria na maioria 
das culturas, mas num grau mínimo naqueles em que a interdependência 
social é maior valorizada do que o individualismo. Naqueles em que a 
solidariedade comunitária é mais forte, o poder de controlar eventos 
negativos seria melhor recurso coletivo do que o atribuído a iniciativa 
individual. Em matéria de saúde a percepção adequada de sua 
vulnerabilidade é necessária para adoção de atitudes saudáveis o que 
levaria estas pessoas a não se proteger dos perigos (Polivy e Herman, 
2002). Desta forma os comportamentos de risco relativos a dirigir em alta 
velocidade, abuso de álcool, comportamento sexual de risco ou excesso de 
trabalho comprometem mecanismos de proteção e aumentam os riscos para 
a saúde, como ocorre, por exemplo, entre os mais jovens (Courtenay, 
2000b). 
3. Radicalismo comportamental: Baseado em pesquisa realizada na 
província do Quebec, Canadá (Inquérito Social e Sanitário do Québec – 
ESSQ 98), Daveluy et al. (2000), os autores situam que homens realizam 
atividades físicas de lazer mais intensas assim como em atitudes e 
consumação de atos suicidas com maior letalidade. Em relação aoutros 
comportamentos também é observada esta tendência como por exemplo no 
uso exagerado do fumo assim como na forma radical quando decide cessar. 
Em outras palavras, seria a preferência pela atitude que percorre os 
extremos ao invés de realizar redução gradual de danos ou riscos. 
4. Bloqueio seletivo relacional: Segundo diversos autores, os meninos 
desenvolvem identidade baseada na afirmação pessoal, independência 
instrumental e ambição enquanto as meninas desenvolvem maior 
34 
 
sensibilidade emocional, habilidade verbal e na qualidade relacional no seu 
meio social. Segundo os resultados da pesquisa denominada ESSQ 98, os 
homens demonstram menos habilidades no domínio relacional que as 
mulheres representadas por bloqueios que podem afetar sua saúde. Por 
exemplo, eles apresentam tendência a negar sintomas por período mais 
prolongado sem se importar com a gravidade da doença ou problema 
(Dulac, 2001). De maneira geral, tendência de consultar menos 
frequentemente um profissional de saúde, o que também foi verificado em 
dados brasileiros, ou pedir ajuda a amigo (a) em situações que assim 
exigem, incluindo na eventualidade de uma doença. Esta é caracterizada por 
um valor social que é considerada pelos homens como fonte de 
desvalorização potencial de forma mais acentuada do que entre as 
mulheres. Assim, a busca de auxílio profissional evidencia a perda de 
controle sobre si e intrusão na sua intimidade de forma mais marcante do 
que para as mulheres (Dulac, 1997). Todavia, estudo empírico realizado por 
Turcotte et al (2002), revela que mesmo aqueles refratários a pedir auxílio, 
na medida em que eles conseguem vencer sua resistência, se torna mais 
fácil buscar o cuidado profissional. Afinal, diante dos ideais pretendidos de 
força, independência e competitividade da masculinidade tradicional, se 
torna mais difícil aceitar o adoecimento. 
A necessidade de manter controle de si e da situação torna 
incompatível a ideia de revelar suas crenças íntimas, expressão emocional 
diante da doença (Brooks, 1998). Este bloqueio relacional, portanto, limita 
sua capacidade na busca de recursos interpessoais ou resolver seus 
problemas de saúde em tempo hábil. Por sua vez, autores como Moynihan 
(1998), refutam a ideia de que o apoio social seja incompatível com a 
masculinidade, enquanto os profissionais de saúde deveriam considerar que 
o apoio pessoal mútuo, isto é, auxiliar o homem a perceber que pode auxiliar 
o outro nessa rede de forma bidirecional. 
5. Identidade de papel de gênero: os autores reivindicam a 
identidade de papel e gênero como pano de fundo desses quatro fatores, 
que em graus variados evoluem em relação ao processo de socialização de 
35 
 
meninos e homens. A construção de identidade conforme papéis sociais 
masculinos típicos aumentam a probabilidade do aparecimento de certos 
componentes em detrimento de outros. Assim, haveria um certo grupo de 
homens mais tradicionais que teriam mais dificuldade em aceitar ajuda, 
aceitar cuidado ou se expressar emocionalmente diante das dificuldades 
(Bruch 2002; Trembaly e L´Heureux, 2002). Cientes das críticas aos 
estereótipos de gênero masculino e feminino, os autores ratificam que é 
muito clara a presença de categoria de gênero entre os valores, atitudes e 
expectativas da sociedade (Chick e Loy, 2001). Ao mesmo tempo admitem 
variabilidade na expressão dessas referências sociais e alertam que 
comportamentos ‘hipermasculinos’ como atos de bravura ou gestos 
heroicos, estoicismo no trabalho etc.) são menos bem documentados que os 
negativos (agressão, delinquência, vandalismo, etc). Em comum, se situa o 
desejo de provar sua masculinidade. Esta dinâmica faria parte de uma 
‘masculinidade compensatória’, cujo papel seria uma resposta a insegurança 
latente relativa a masculinidade que é mediada pela sociedade para o ganho 
de poder e reconhecimento. Mais recentemente, verifica-se outro tipo de 
pressão social denominada ‘homem relacional’, aquele que participa da 
educação dos filhos, expressa sentimentos, que se preocupa com os demais 
a sua volta. (o que seria contrário a visão da masculinidade tradicional). 
Assim, viveríamos período de redução e denuncia desta postura ao mesmo 
tempo que é estimulada. A mensagem dupla lança os homens na tensão 
identitária que precisam solucionar (Pleck, 1982, Corneau, 1989). 
Como em qualquer modelo, seus conceitos não devem ser 
considerados de forma rígida ou estanque. Os autores destacam que os 
componentes propostos se situam num continuum de forma que o indivíduo 
se aproxima ou se distancia deles de acordo com as circunstâncias. 
Portanto, propõe-se considerar essa flexibilização por considerar que, do 
contrário, seria o mesmo que afirmar que homens ou mulheres não tem 
capacidade de se adaptar a novas circunstâncias ou aprender a partir de 
trilhas percorridas que não levaram a resultado satisfatório. Ainda assim, o 
36 
 
modelo fornece um referencial para se debater estratégias para auxiliar na 
relação com os homens e outros profissionais envolvidos no cuidado. 
A busca em compreender o estudo da saúde dos homens a partir de 
certos comportamentos masculinos ganhou nova dimensão, a partir do final 
da primeira década dos anos 2000 à medida em que marcadores sociais 
foram incorporados na análise do gênero masculino. Robertson et al. (2016), 
por exemplo, exploraram fatores relacionados à obtenção de apoio social e 
condições de trabalho que, entre outros motivos, afetaram o nível de 
estresse, procura por serviços de saúde e participação em campanhas de 
promoção de saúde. Na medida em que se enfrenta um período de recessão 
econômica que gera risco para manutenção do emprego, verificou-se maior 
frequência do abuso de substâncias e atitudes arriscadas. Nesta direção, o 
relatório europeu sobre saúde e bem-estar dos homens (WHO, 2018) 
indicou a necessidade de nos apropriarmos de conhecimento acerca da 
dinâmica social de gênero, o que deve incluir a perspectiva do ciclo de vida, 
sendo esta uma das ferramentas usadas pela Medicina de Família e 
Comunidade. Este aporte viabiliza identificar fatores protetivos para 
prevenção de doenças e promoção de saúde. Assim, gestores devem 
acompanhar os efeitos sobre a socialização dos meninos, incluindo 
adaptação às escolas, pois estudos mostram associação de maior 
mortalidade entre os adultos que tinham menor nível de educação formal 
(Mackenback et al., 2017). Em relação às famílias, Sundstrom et al. (2009) 
chamam atenção de que a socialização não se limita a estar na companhia 
de adultos, mas a forma como adultos reforçam comportamento e expressão 
verbal de meninos e meninas. Em vista disso, os pesquisadores 
demonstram preocupação quanto ao impacto do tempo dispendido usando 
computadores ou videogames. Entre os adultos, a correlação entre força 
física e realização de funções que envolvem risco marca o perfil de 
morbimortalidade, pois o trabalho ainda define seu status dentro da 
hierarquia masculina. Aliado ao estoicismo que caracteriza o exercício da 
masculinidade hegemônica, configura-se o período de negação da dor e 
estresse elevado. Por exemplo, aqueles homens caracterizados pela 
37 
 
personalidade ‘tipo A’ se tornam propensos a desenvolver doenças 
coronarianas que contribuem para maior risco de infarto do miocárdio (Evans 
et al., 2011). 
Quanto ao envelhecimento masculino, os autores destacam que esse 
processo implica não só na redução de sua força física, mas no aumento do 
risco de perda de emprego e perdas correlatas de poder e status social. 
Prejuízo similar ocorre entre homens com doença crônica, pois, conforme 
Charmaz (1995) aponta, existe perda de ‘status’ na hierarquia da 
masculinidade, o que muda sua sensação de poder em relação às mulheres 
e levanta questionamento sobre sua própria masculinidade. Esse aspecto 
ganha mais destaque para o homem do meio rural que dependeessencialmente da força física para desempenhar sua função laboral. 
Segundo os entrevistados de Burille et al. (2018), a dependência de outras 
pessoas, inclusive profissionais de saúde, é considerado vergonhoso. Além 
disso, eles se mostraram despreparados para a velhice, diferente das 
mulheres, as quais se dedicavam às atividades sociais que antes não 
podiam realizar em função do trabalho. No caso dos homens, à medida em 
que perdem sua força física, reduz-se a relação de dominação-
subordinação, ratificando a observação de Scott (2011) de que as 
vulnerabilidades nas relações entre os gêneros variam ao longo da vida. Por 
sua vez, Griffith et al. (2012) destacam que, à medida em que estas 
masculinidades tradicionalmente praticadas envelhecem, há uma tendência 
em haver mais espaço para a demonstração de responsabilidade no 
exercício da paternidade, no papel de provedor e parceiro. 
No Brasil, cuja expectativa de vida é inferior à média dos países 
ocidentais anteriormente discutidos, o envelhecimento se reflete na queda 
da taxa de mortalidade por causas externas, que declina acentuadamente a 
partir dos 45 anos de idade, enquanto a prevalência de doenças crônicas 
cresce e se assemelha àquelas que acometem as mulheres sem 
necessariamente resultar em taxas de mortalidade similares (Brasil, 2008). 
Isto se deve, em parte, pelo estágio avançado com que estes homens 
iniciam o acompanhamento clínico adequado, mas também pela pouca 
38 
 
familiaridade com as medidas de prevenção à saúde. Ao debate deve-se 
acrescentar que existem poucas ações efetivas e recomendadas em que o 
homem precise realmente comparecer a unidade de saúde. Em outras 
palavras, se faz oportuno redimensionar o conceito de ‘invisibilidade 
masculina’ (Couto et al., 2010), que foi originalmente concebida “(...) diante 
da incapacidade dos profissionais de notarem sua presença” (p.264), mas 
associada por alguns críticos à negligência ou negação do risco à sua 
pretensa invulnerabilidade. 
Passados 10 anos da PNAISH utilizando abordagens de relativo 
impacto e diante de indicadores de saúde ainda preocupantes, buscamos 
construir leituras que permitam avançar. Assim, Griffith et al. (2012) 
examinaram as disparidades existentes na saúde dos homens que indicam 
caminhos que evidenciam maior risco de os homens adoecerem ou 
morrerem de certas doenças. Foram identificados aspectos positivos das 
masculinidades que permitiram aos homens se sobrepor aos efeitos do 
racismo, opressão étnica, e outros aspectos que podem afetar 
negativamente suas vidas. A partir desses dados, os autores decidiram 
explorar o uso da interseccionalidade dos marcadores sociais da diferença 
como abordagem que viabilize novas estratégias visando maior poder de 
compreensão e ação política para a saúde dos homens. 
A expressão interseccionalidade foi cunhada pela advogada e 
feminista negra norte americana Crenshaw nos anos 90 e foi adotada por 
Connell, Messerschmidt e outros estudiosos dos estudos de masculinidades. 
Segundo Griffith et al. (2012), essa ferramenta irá auxiliar pesquisadores a 
considerar como masculinidades e determinantes sociais de saúde dialogam 
e os motivos pelos quais afetam a saúde dos homens. Os autores clamam 
pela necessidade de compreender como características socialmente 
definidas moldam a saúde do homem e influenciam sua relação com as 
masculinidades. Estas características também podem trazer aspectos 
positivos como verificado entre aqueles homens maduros que se tornam 
provedores, pais e maridos responsáveis (Hammond e Matiz, 2005). Por 
outro lado, Snow (2008) alerta que tais medidas de masculinidade foram 
39 
 
estabelecidas entre homens jovens, o que limita sua compreensão usando o 
mesmo prisma à medida que esses homens envelhecem. 
Lembremos que Connell (1995) em suas obras anteriores já abordava 
as configurações gerais e locais de gênero nas masculinidades e apontava 
para um referencial de análise que coloca gênero interseccionado com 
outros marcadores sociais (raça/cor, classe social, geração). Em suas 
palavras, “(...) para entender gênero, então, devemos ir constantemente 
além do próprio gênero. O mesmo se aplica inversamente. Não podemos 
entender nem classe, nem raça ou desigualdade global sem considerar 
constantemente gênero” (p. 36). 
Abaixo, o algoritmo da interseccionalidade (Figura 3), que relaciona 
diversos marcadores sociais que impactam sobre a vida humana e seu 
potencial impacto sobre as disparidades em saúde. Faz-se interessante 
observar como gênero se encontra no centro do eixo que é afetado por 
aspectos fenotípicos de raça, além de idade e sexo. A partir disso, gênero se 
expressa sobre comportamentos relativos à saúde e doença e resposta 
fisiológica aos estressores. Por fim, estes elementos atuam sobre as 
disparidades verificadas na saúde que também sofrem influência de outros 
estressores afetados pelo ambiente econômico. 
 
40 
 
 
Fonte: Griffith et al. (2012). 
Figura 3 - Algoritmo da interseccionalidade 
 
3.2 Os Homens, a saúde e a prevenção quaternária 
 
A medida em que o movimento de prevenção quaternária (P4), 
definida como “detecção de indivíduos em risco de tratamento excessivo 
para protegê-los de novas intervenções médicas inapropriadas e sugerir-lhes 
alternativas eticamente aceitáveis” (Norman e Tesser, 2009, p.2013), tem 
apontado a ineficácia e o risco da realização de exames periódicos 
conhecidos como ‘check-up’ (Jamoulle, 2008; Heneghan e Mahtani, 2019). 
Assim, a P4, que esteve adormecida por duas décadas, nas palavras de 
Jamoulle, busca evitar “(...) diagnósticos nos gráficos abusivos e questões 
éticas, incluindo aqueles ligados à sobrecarga de informação e à 
sobremedicalização” (Jamoulle, 2015, pag.01). No caso dos homens, 
permanece a próstata como ícone iatrogênico. 
41 
 
Machin et al. (2011) entrevistaram 69 profissionais de saúde de nível 
superior atuando na APS em quatro estados brasileiros, acerca dos 
significados associados a ser homem e a relação entre masculinidade e 
cuidados de saúde. Os profissionais afirmaram que homens têm maior 
dificuldade em buscar assistência em razão da sua percepção de que o 
cuidado consigo seria uma tarefa do feminino. Também foi percebido o 
reforço de um padrão hegemônico de masculinidade que acarreta em pouco 
envolvimento do público masculino no autocuidado. De acordo com 
Wetherell e Edley, são muitas as estratégias para prática da masculinidade 
hegemônica, enquanto Jefferson (2002) (apud Noone e Stephens, 2008) 
pondera que estas se modificam de acordo com o contexto. Os autores 
também descrevem profissionais de saúde que reforçam o estereótipo no 
qual os homens são percebidos como teimosos por não procurarem serviços 
de saúde, enquanto mulheres seriam as hiper utilizadoras, como já descrito 
pelos (as) pesquisadores (as) brasileiros (as). 
Quanto às atividades de grupo realizadas nas unidades de saúde, são 
aquelas nas quais, teoricamente, se pode refletir sobre promoção e 
educação em saúde considerando as relações de gênero e o contexto 
sociocultural de inserção. Infelizmente, esses momentos não os beneficiam 
na medida em que conforme crítica de Malta e Merhy (2010), os homens 
precisariam de “(...) grupos que lhe façam sentido, e não preleções que não 
lhe estimulam a rever nada no seu modo de viver, ou seja, grupos que 
consigam, junto com ele, operar a criação de novos sentidos para o viver” 
(p.597). 
 Caso tais cuidados não sejam considerados quando os homens 
começarem a se aproximar efetivamente da atenção primária, os 
profissionais de saúde estarão fomentando a medicalização do corpo 
masculino catalisada pela tentativa de implementar a PNAISH (Carrara, 
Russo e Faro; 2009). Além dos tradicionais grupos de hipertensos e 
diabéticos, que costumam se ‘confundir’ com grupos de idosos com ínfima 
presença masculina, o grupo de pré-natal invariavelmente ignoraa presença 
masculina seja no convite, seja na elaboração de temas para discussão 
42 
 
apesar da proposta de sua inclusão no projeto da Rede Cegonha lançada 
em 2011 e inserida na Caderneta de Gestante reformulada em 2015. Assim 
se perde oportunidade de promover saúde e hábitos saudáveis quando os 
homens estão mais sensibilizados pela iminência da mudança de fase no 
ciclo de vida (Carter e McGoldrick, 1995). 
Portanto, ao considerarmos os diversos aspectos já discutidos sobre o 
autocuidado e a presença de homens nos serviços de saúde, cabe aos(às) 
profissionais de saúde encarar alguns desafios que têm apontado para a 
necessidade de aprimorar a comunicação desde a chegada à unidade de 
saúde, cujo primeiro contato é previsto que ocorra através do acolhimento 
com aplicação dos princípios da prevenção quaternária (Norman e Tesser, 
2009) e destituídos das preconcepções tradicionais sobre motivo da procura 
de determinados grupos como de homens em idade laboral que pode 
permanecer ausente na medida em que raras são as intervenções indicadas, 
conforme as evidências atuais. Para a adoção de um acolhimento efetivo, 
faz-se necessárias, portanto, de algumas mudanças substantivas na 
organização e no aprimoramento do trabalho em equipe, como enumerado 
por Tesser et al. (2010): preferencialmente que a equipe de referência 
acolha a população de sua área de abrangência; acesso facilitado a médicos 
e enfermeiras visando agilizar resolução das demandas; apoio humano e 
institucional para a equipe, entre outras ações para proteger a equipe diante 
do fluxo da demanda; reuniões semanais para discutir e avaliar o trabalho e 
envolvimento das equipes num processo de educação permanente, sendo 
esta última também recomendada por Ceccim (2005), entre outros. Tesser et 
al. (2010) acreditam que a adoção do Acolhimento de forma efetiva seria 
uma das medidas pertinentes à desmedicalização social, aspecto prevalente 
na população atendida pelas equipes de saúde da família. Nesse sentido, 
cabe trazer a definição de medicalização social, segundo os autores: 
“(...) um processo sociocultural complexo que vai transformando 
em necessidades médicas as vivências, os sofrimentos e as dores 
que eram administrados de outras maneiras, no próprio ambiente 
 
 https://www.saude.gov.br/saude-para-voce/saude-da-mulher/rede-cegonha, acessada em 
09-03-2020. 
https://www.saude.gov.br/saude-para-voce/saude-da-mulher/rede-cegonha
43 
 
familiar e comunitário, e que envolviam interpretações e técnicas 
de cuidado autóctones” (p. 3615). 
 
De acordo com Rose (2007), a Medicina enquanto instituição de 
controle social usou de seu prestígio para avançar sobre os campos 
espiritual, moral, legal e criminal. Illich avançou na crítica à medicina 
institucionalizada como grande ameaça à saúde ao retirar “(...) 
progressivamente do cidadão o domínio da salubridade no trabalho e o 
lazer, a alimentação e o repouso a política e o meio” (Tabet et al., 2017, 
p.1191). Assim se considerou legitimada a regular fenômenos como 
alcoolismo, aborto, práticas consideradas desviantes como homo e 
transexualidade além do uso de drogas ilícitas (Russo, 2004). 
Esta trajetória ficou muito evidente no que veio a ser difundido como a 
‘epidemia de depressão’ que corresponde a banalização do diagnóstico 
seguido do excessivo, por vezes indiscriminado, uso de psicotrópicos que 
medicalizaram sentimentos como tristeza, luto ou irritabilidade (Brasil, 2009; 
Whitaker, 2017). 
Por sua vez, Johansson et al. (2016) alertam para os riscos 
intrínsecos daquilo que os autores denominam como um “excesso de 
medicina” a balizar decisões que envolvem problemas éticos e julgamentos 
complexos baseados em valores pessoais dentro de uma conjuntura, ao 
menos no ocidente, em que o consumismo abarcou a saúde como 
mercadoria associado ao acesso facilitado à informação nem sempre 
fidedigna ou, por vezes, tendenciosa. Afinal, concluem os autores, vive-se 
num contexto em que a prática da chamada medicina preventiva, a redução 
dos limiares diagnósticos que passam a nomear pessoas como doentes, 
como se deu na mudança de critério para diagnóstico de diabetes mellitus 
tipo II e ainda a aplicação de tratamento para lidar com fatores de risco, 
como se fossem doenças, exige mais atenção dos profissionais para evitar 
que pessoas, no legítimo exercício de sua autonomia, mas carentes de 
informação, venham a tomar decisões sem uma compreensão da 
complexidade dos fatores acima descritos. 
44 
 
À vista disso, cabe aos profissionais de saúde buscar desconstruir 
discursos e práticas imperativas de ordenação de mudanças de hábito como 
se faz rotineira e indiscriminadamente. As consultas, que por serem 
episódicas e espaçadas ao longo do tempo da vida do adulto, exigem 
sensibilidade ainda maior do profissional, na medida em que não conhecem 
com mínima profundidade aqueles (as) que atende. 
Propõe-se, por conseguinte, que ao lidar com homens não habituados 
a esse nível de interferência sobre suas práticas seria mais adequado 
aproximar-se demonstrando interesse em conhecer a pessoa, perceber 
efetivamente qual é a sua demanda, inclusive a possibilidade de estar 
oculta, conforme assinalado por Modesto e Couto (2016). E, a partir daí, 
modular o tom da mensagem na busca de pontos em comum antes de 
propor mudanças de hábitos há muito arraigados. Esta postura vai ao 
encontro dos princípios postulados por diversas formas de abordagem 
comunicacional na clínica, mas que ainda não foram efetivamente adotadas 
nas escolas médicas e pelos serviços de saúde o que será debatido em 
maiores detalhes no capítulo seis. 
 
3.3 A Relação Médico (a) + Pessoa na Prática da Medicina de Família e 
Comunidade 
 
Inicialmente é importante registrar a escolha da denominação adotada 
por Lopes (2005) no uso da denominação médico (a) – pessoa ao invés da 
tradicional e histórica ‘relação médico-paciente’. Isto se deve em função da 
carga simbólica vinculada a palavra paciente no que encerra enquanto 
passividade e perda de autonomia nessa relação já tão desigual por fatores 
históricos, sociais e econômicos. Além disso, proponho que a nomenclatura 
para se referir a essa relação adote o sinal de soma como em ‘médico + 
pessoa’ ao invés do hífen que separa os dois elementos dessa relação. 
Acredito que o símbolo serve para nos lembrar do efeito da soma ao invés 
da separação que, boa parte de nós médicos de família, conseguimos 
dissipar afastando a mesa que distancia imageticamente o encontro. 
45 
 
Portanto, acredito que essas mudanças provocam profissionais e 
pesquisadores(as) a considerar essa assimetria danosa que está arraigada 
em nosso pensar e agir. Faz-se oportuno também registrar que a troca de 
paciente por pessoa foi adotada pela SBMFC nos princípios que regem a 
especialidade. Apesar disso, em alguns momentos, optei por manter a 
denominação tradicional ‘médico-paciente’ em respeito às diversas 
publicações que assim a denominam. 
 
3.4 Contextualização da Medicina de Família e Comunidade 
 
Na década de 70, o crescimento inicial da Medicina Geral e 
Comunitária (MGC) no sistema de saúde se deu a partir de uma relação 
conflituosa com o grupo da Medicina Preventiva e Social (MPS) em função 
de suas diferentes propostas de atuação na Saúde Pública. No início dos 
anos 80, a MPS já havia alcançado a devida relevância na relação com as 
políticas de saúde, sobre as quais seus profissionais viriam a ocupar 
espaços na gestão do sistema público de saúde. Apesar disso, “(...) o 
Governo federal determinou corte de todas as bolsas da RMPS mantendo 
apenas aqueles cujos programas se transformassem em MGC” (Massuda et 
al., 2009, p.635), área que em 1979 havia estabelecido seu primeiro 
programa de residência. Segundo a Associação Brasileira de Saúde Coletiva 
(Abrasco), a “(...) manobra visava, principalmente, impedir a politização da 
questão dasaúde, presente na formação dos profissionais sanitaristas” 
(Abrasco, 2006, p.82). Diante dessa ameaça, a Abrasco se mobilizou e 
através do Programa de Apoio as Residências de Medicina Social, Medicina 
Preventiva e Saúde Pública (PAR) conseguiu aumento substancial do 
número de vagas até o ano de 1981. A relação pouco harmoniosa se 
manteve entre as duas correntes no campo da saúde coletiva até a ruptura 
que configurou a corrente de MGC com objetivo de formar médico 
generalista numa perspectiva biopsicossocial com treinamento na APS e o 
da Medicina Preventiva e Social que visava formar profissionais com a 
perspectiva coletiva do cuidado, articulando práticas socialmente 
46 
 
estruturadas e determinantes sociais do processo saúde-doença. Esta 
corrente criticava a MGC por considerar que, como havia ocorrido em outros 
países, a especialidade iria segmentar a assistência entre cidadãos de 
primeira classe, a serem atendidos pelas especialidades focais, e os pobres, 
ficando estes sob o cuidado da medicina de família (Campos e Belisário, 
2001). 
Segundo Sater (2017), os sanitaristas alegavam que era perda de 
tempo atender as pessoas, enquanto Falk (2004) registra a crítica de que a 
MGC iria atuar apenas como ‘tampão social’, porque se concentrava em 
atender a população. Outra crítica se referia a seu crescimento inicial 
através de financiamento de organizações como a Fundação Kellogg e Ford, 
diretamente apoiadas pelo governo dos EUA e baseadas em concepções 
focalizadas e restritas dos serviços de saúde e elementos do modelo liberal 
da prática médica. Num contexto brasileiro de pujança do movimento 
sanitário latino-americano, luta armada e clandestinidade, a MGC foi 
criticada profundamente por “(...) atuar politicamente junto a populações 
historicamente marginalizadas, além de atendê-las” (Sater, 2017, P.44). 
Nesse contexto, o ano de 1978 se tornou um marco para a saúde 
coletiva a partir da conferência de Alma Ata, organizada pela OMS, que 
indicou a atenção primária como força motriz para alcançar a meta de 
“Saúde para Todos no ano 2000”. Em documento histórico se formulou três 
diretrizes essenciais: acesso universal e primeiro ponto de contato do 
sistema de saúde; indissociabilidade da saúde do desenvolvimento 
econômico social, reconhecendo-se os determinantes sociais; e participação 
social – três componentes símbolo que iriam embasar os princípios do SUS 
a ser implantado na década seguinte. 
A década de 80 se iniciou com a formalização do programa de 
residência em MGC seguido da abertura de poucos programas pelo Brasil 
enquanto a Medicina Preventiva e Social estabelecia 20 novos programas 
com impulso determinante da Abrasco. Em 1986, o Conselho Federal de 
Medicina veio a reconhecer a MGC com especialidade médica. 
47 
 
Desde os anos de 1970, a articulação entre as lideranças na saúde 
pública num movimento conhecido como Reforma Sanitária e, nos anos de 
1980, contando com lideranças acadêmicas e de organizações como o 
Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), a Abrasco, as 
universidades e sindicatos trabalharam na construção de propostas e 
diretrizes chave que foram debatidas na VIII Conferência Nacional de Saúde 
(1986) e, posteriormente, incorporadas no texto da Constituição Federal de 
1988. Na etapa seguinte, esses atores com apoio de segmentos da 
sociedade civil conceberam as propostas que vieram a resultar na 
implantação do SUS em 1990, após o longo período da ditadura. 
No bojo do retorno progressivo da democracia e incremento da 
participação popular, 1994 marcou a instalação do Programa de Saúde da 
Família (PSF) que promoveu a reorientação do modelo assistencial a partir 
da Atenção Básica em conformidade com os princípios do SUS e da 
Conferência de Alma Ata. Tendo a família como centro da atenção e 
atuando vinculada ao território dentro de seu contexto social, o PSF veio a 
se tornar o principal mercado de trabalho para os médicos generalistas, 
assim como de outras especialidades e egressos dos programas de 
residência em Medicina de Família e Comunidade. Em 1998 quando o país 
contava com três mil equipes instaladas, o PSF foi aprimorado e renomeado 
Estratégia Saúde da Família (ESF), que veio a expandir e consolidar a 
atenção primária a partir de reorientação e aprofundamento de suas 
diretrizes visando ampliar a resolutividade e impacto na situação de saúde 
da população. Em 2008, quando a ESF completou 10 anos havia 
aproximadamente 29 mil equipes, 558 vagas nos programas de residência 
de MFC, 5.200 vagas para especialização e 582 vagas no programa de 
residência multiprofissional. (Brasil, 2010); Dez anos depois, o programa de 
Residência em MFC havia crescido seis vezes alcançando quase 3.600 
vagas para residentes de primeiro ano (MEC, 2018). 
A operacionalização da ESF ocorre a partir de um trabalho em equipe 
multiprofissional composta de médico (a), enfermeiro (a), técnico de 
enfermagem e, originalmente, agente comunitário de saúde (ACS), sendo 
48 
 
estipulado uma equipe para no máximo 4 mil pessoas e um ACS para 750 
pessoas por ACS. Em 2003, a equipe original foi ampliada passando a 
contar com dentista e técnico de higiene dental. Em 2008 foi estabelecido o 
Núcleo de Apoio a Saúde de Família (NASF), concebido nas modalidades 1 
e 2 e incorporou profissionais de diversas áreas tais como a Farmácia, 
Nutrição, Psicologia, Psiquiatria, Serviço Social, Fisioterapia, Educador 
Físico, entre outros. O acesso ao atendimento ocorre mediante discussão 
dos casos nas equipes da ESF com as quais compartilham a 
responsabilidade do cuidado da população do território. Além disso as 
equipes de ESF são articuladas com outros setores como, por exemplo, a 
educação através do Programa Saúde na Escola (PSE). Os Núcleos de 
Atenção à Saúde da Família (NASF) atuam de forma integrada à Rede de 
Atenção à saúde e seus serviços tais como os Centros de Atenção 
Psicossocial (CAPS) que se dividem por faixa etária (adulto ou 
infantil/adolescente) e pela especificidade quanto aos transtornos de saúde 
mental ou ainda quando relativos ao abuso de álcool e drogas através do 
CAPS AD (PNAB, 2012). 
O avanço da APS através da alavancagem da expansão da ESF nos 
anos 90 atingiu a cobertura de 53% da população em 2013 (Malta et al., 
2016) e em dezembro de 2019 chegou a 65% sendo a menor, 68% na 
região Sudeste e a maior, 85% no Nordeste (DATASUS, 2019). Através do 
trabalho exercido por 44 mil equipes espalhadas pelo território com potencial 
de resolutividade de 80% das queixas nas consultas (Starfield, 2002) são 
aspectos marcantes da ESF que ressoam num sistema de saúde que a cada 
ano precisa de mais recursos. Entre outros motivos, diante da complexidade 
das tarefas, custos operacionais envolvendo exames e medicamentos, além 
do envelhecimento da população. Em virtude de a medicina de família e 
comunidade buscar oferecer assistência à saúde caracterizada por 
longitudinalidade, integralidade e reconhecer a importância da relação 
médico (a) – pessoa vem, desta forma, a responder a duas das fontes de 
conflito para a sociedade frente a fragmentação e desumanização do 
cuidado. 
49 
 
Por sua vez, diante da alta resolutividade alta e a busca de eficiência 
no uso dos recursos financeiros contribuíram para atrair o interesse do setor 
privado que através , entre outras iniciativas, de associações de 
funcionários da companhia aérea VARIG nos anos 1990 e em 2003 da Caixa 
de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil (CASSI) criaram 
estruturas que guardam semelhanças com a ESF no que tange a busca de 
ações de promoção de saúde e prevenção de doenças; vinculação a 
trabalho conjunto de médicos(a)s e enfermeiras e racionalização do custo 
dos serviços de saúde oferecidos a funcionários e familiares. A onda mais 
recente se deu em 2005 através da Agência Nacional de Saúde 
Suplementar que iniciou política indutora(Machado et al., 2019) liderada 
pelas operadoras de planos de saúde que passaram a abrir espaço para 
atuação dos MFCs (Amil, 2016; Machado et al., 2019). Segundo matéria 
publicada na Folha de São Paulo (2015), a Sociedade Brasileira de Medicina 
de Família e Comunidade estimava na ocasião que, dos cerca de 5.000 
profissionais afiliados, 10% trabalham em consultórios particulares. Este 
movimento numa sociedade com severa restrição no orçamento federal do 
setor e com pequeno número de especialistas na área concentrados nos 
grandes centros, anuncia o risco de progressiva migração de recursos 
humanos do setor público. Nesse sentido, cabe acrescentar a sistematização 
elaborada por Silva Junior (1998): 
... a MGC oriunda da concepção estadunidense é caracterizada 
por um conjunto de 8 elementos: (...) 1) coletivismo restrito – 
restringindo a clínica a uma comunidade local, onde haveria uma 
dinâmica própria distinta da sociedade como um todo e um 
consenso integrado de interesses; 2) integração de atividades de 
promoção, prevenção e cura a grupos entendidos como 
“vulneráveis e de risco”; 3) desconcentração de recursos; 4) 
hierarquização do acesso a partir de um nível primário, sem 
pressupor necessariamente a organização de uma rede de 
serviços; 5) adequação de tecnologias acessíveis e disponíveis; 6) 
inclusão de práticas médicas “alternativas” – a partir de distintas 
racionalidades, além da biomédica; 7) utilização de equipe de 
saúde multiprofissional e 8) participação comunitária (apud 
SATER, 2017, p.41). 
 
Segundo McWhinney e Freeman (2009), diferentemente da grande 
maioria das especialidades, a MFC não se restringe ao estudo de um grupo 
50 
 
de órgãos ou sistemas, tampouco está vinculada a determinada tecnologia. 
Essa denominação quando ‘traduzida’ para o contexto brasileiro se mostra 
incompleta e até confusa, na medida em que Merhy (1997) se apropriou e 
ressignificou o conceito de tecnologia em três aspectos: leve (dos saberes, 
da capacidade de decisão do profissional), tecnologia “leve-dura” 
(protocolos, que deverão ser adaptados pelo cuidador na singularidade do 
sujeito) e “tecnologias duras” (exames, imagens, procedimentos). No ocaso 
da MFC, a especialidade transita principalmente na aplicação das 
tecnologias leves e leve-dura na perspectiva da construção do cuidado que 
Malta e Merhy (2010) advogam que seja “(...) centrada nos usuários e suas 
necessidades e não de um modelo que atenda aos interesses do mercado” 
(p.594). 
Outrossim, o (a) médico (a) de família busca conhecer a pessoa de 
maneira integral ao longo do ciclo de vida individual e familiar, 
independentemente do agravo pelo qual possa vir a ser acometido. Dessa 
forma, o médico (a) utiliza a consulta para fomentar um vínculo que 
aprofunde a compreensão do ser saudável e dos significados do 
adoecimento para a pessoa e sua rede de apoio existente ou potencial. 
Nesse sentido, Spence (1960) frisa que a consulta propicia uma 
possibilidade de confiança depositada no (na) médico (a) como unidade 
essencial da prática médica, enquanto todo o resto apenas deriva desse 
‘setting’. 
A especialidade é regida por quatro princípios, a saber: o médico de 
família e comunidade é um clínico qualificado; sua atuação é influenciada 
pela comunidade; o MFC é o recurso de uma população definida e a relação 
médico-pessoa é fundamental para o desempenho desse médico (Lopes e 
Dias, 2019). Este último cabe ser destacado por ser crucial no seu 
arcabouço teórico e prático. Entre outros motivos, pelo fato de que o (a) 
médico(a) lida com situações em que a incerteza diagnóstica pode se 
prolongar, quando então a confiança fomentada na relação se torna requisito 
essencial para manutenção do vínculo. Nesse sentido, Adler e Herbert 
(1997) reconhecem que a coleta de informações sobre a história da doença 
51 
 
pode ser terapêutica, desde que o médico demonstre sensibilidade, 
segurança, competência afetiva e cognitiva. Ainda assim, Houston (1938 
apud Dixon, 1989) observava que esse tema, apesar de tão presente na 
prática, raramente era discutido entre profissionais da década de 1930. 
Nessa época o médico e professor Peabody demonstrava grande interesse 
pelo tema tendo ele mesmo se tornado paciente devido a um câncer de 
estômago enquanto alertava seus alunos “(...) a importância da íntima 
relação entre médico e paciente não pode ser excessivamente enfatizada 
para um grande número de casos, ambos o diagnóstico e tratamento 
dependem diretamente disso...o segredo do cuidado do paciente, é cuidar 
do paciente” (Lock et al., 2001, p.192). 
Em 1989, a relação médico-paciente foi tema central da revista do 
Colégio de Médicos de Família do Canadá. Em seu editorial, Dixon (1989) 
faz uma revisão histórica do tema sob diferentes prismas. Esse autor mostra 
que, na percepção social de Bastide (1972), a relação não se resumia aos 
dois indivíduos diretamente envolvidos, mas sim à troca entre médico (a) e 
paciente; já para o físico Henderson (1935), ao longo do tempo a relação 
entre os indivíduos teria o potencial de atingir um equilíbrio interdependente. 
Freidson (1988), por sua vez, considerava que visões e experiências tão 
diversas quanto às do indivíduo e do (a) profissional se encontravam num 
estado de conflito em potencial. 
Na segunda metade do século XX, em decorrência do acelerado 
avanço tecnológico apoiado no modelo biomédico, a relação médico (a)-
paciente se tornou mais centrada no(a) médico(a) e na doença, em 
detrimento do foco no(a) paciente e sua subjetividade (Ballester et al., 2010). 
Nessa época, o psiquiatra húngaro Michael Balint (1957), entre outros 
pesquisadores, desenvolveu intenso e extenso trabalho de supervisão de 
grupo de médicos de família na Inglaterra. Suas observações trouxeram 
imensa contribuição para a compreensão e aplicabilidade dos princípios do 
cuidado centrado na pessoa sobre diversos aspectos da relação médico 
pessoa. Crítico do modelo biomédico como “medicina de uma pessoa”, seu 
trabalho, aliado ao desenvolvido por Carl Rogers (1951, apud Mead e 
52 
 
Bower, 2000), destacava que a aproximação do mundo do paciente viabiliza 
a empatia permitindo assim que o profissional entenda os sentimentos e 
assim se estabeleça a efetiva comunicação (Rogers, 1992). Em outras 
palavras, Balint salienta que o objetivo é “(...) entender as queixas oferecidas 
pelo paciente e os sintomas e sinais encontrados pelo médico, não apenas 
em termos das doenças, mas também como expressões da individualidade 
singular do paciente, seus conflitos, e seus problemas” (citado em Henbest e 
Stewart, 1989 apud Mead e Bower, 2000, p.1089). Essa concepção alerta 
para um equívoco banalizado no ensino e prática da medicina em que a 
pessoa sendo cuidada é reduzida a um rótulo diagnóstico, quando a 
patologia se sobrepõe ou anula a pessoa, o que costuma ser descrito no 
jargão médico como ‘a pneumonia do leito 12’, entre outras referências 
reducionistas e despersonalizadas do sujeito. Portanto, o reconhecimento da 
pessoa a ser cuidada na relação contribuiu para o reconhecimento da 
formação da parceria que se influenciava mutuamente, originando daí o 
conceito “medicina de duas pessoas”. Além desses aspectos, Balint refletiu 
sobre o potencial da ação do (a) médico (a) sintetizado através do aforismo 
‘the doctor as a pill’, isto é, sobre o uso do profissional enquanto 
medicamento. Em outras palavras, a atuação do profissional seria 
semelhante ao uso de um medicamento, mas sobre o qual advertia que se 
desconhecia a apresentação, a dosagem e possíveis riscos associados. 
Nessa época, para descrever a relação médico(a)-paciente, Szasz e 
Hollender (1956) propuseram três modelos baseados nos diferentes níveis 
de participação do paciente: a) a situação em que ocorria a total obediência 
às orientações médicas (atividade-passividade), que ilustravam com 
situações agudas, envolvendo risco devida ou trauma severo que 
impediriam a comunicação; b) o modelo intermediário de participação, 
chamado orientação-cooperação, no qual o(a) paciente se mostraria mais 
 
 Pode-se fazer um paralelo desta expressão, com a frase creditada a Voltaire, que teria 
afirmado: “Médicos são homens que prescrevem medicamentos dos quais eles conhecem 
pouco, para curar doenças das quais eles sabem ainda menos para seres humanos dos 
quais eles não conhecem nada” (Lock et al., 2001). 
 
53 
 
ativo e aceitaria a orientação daquele(a) que tem o poder “traduzido” em 
conhecimento, tendo como exemplo o manejo de um quadro infeccioso 
agudo, cenário no qual os autores reconhecem haver risco de exploração 
por parte do(a) médico(a), supostamente imbuído do princípio da 
beneficência; e c) o modelo denominado ‘participação mútua’, que 
pressupõe três aspectos: igualdade de poder entre médico(a) e paciente, 
interdependência mútua e engajamento em um projeto que traga satisfação 
para ambos. Nesse caso, o (a) profissional, sem ter exata noção do que é 
melhor para o (a) paciente, o (a) auxilia tornando-se parceiro (a) na tomada 
de decisão. Essa abordagem se mostra benéfica, por exemplo, em doenças 
crônicas como a diabetes, em que o conhecimento dos hábitos e sua 
adaptação depende em muito do que o (a) paciente pretende adotar. Os 
autores admitiam que esse modelo baseado em referenciais de parceria e 
amizade era uma relação pouco comum na medicina da época. Além disso, 
consideravam que cada modelo poderia ser pertinente numa determinada 
situação e que a relação médico (a)-paciente poderia se transformar à 
medida que as circunstâncias e expectativas de cada um se modificassem. 
No final da década de 1970, Engel (1977) reforça as críticas às 
limitações do modelo biomédico e lança as bases do modelo biopsicossocial, 
no qual inclui a perspectiva do (a) paciente, o contexto social em que vive e 
o sistema complementar formado pelo papel do(a) médico(a) e o sistema de 
saúde. Segundo Brody (1980), a insatisfação da população estadunidense 
foi propulsora da publicação da lei sobre os direitos dos pacientes (Patient's 
Bill of Rights) pela Associação Americana de Hospitais em 1972. Nessa 
época, o termo de consentimento informado, criado na década de 10 do 
século XX, ainda não era enfatizado, vindo a se tornar um instrumento 
poderoso na medida em que o movimento dos grupos de autoajuda (self-
help) se fortaleceu. Brody acrescentou que a relação médico-paciente 
tradicional, na qual o paciente ocupa uma posição passiva, como recipiente 
das decisões tomadas pelo (a) profissional, gerava grande insatisfação pela 
perda de autonomia. A partir deste tipo de relação, propõe uma abordagem 
que estimulasse mútua participação na consulta a ser organizada em quatro 
54 
 
etapas. Inicialmente se deve criar atmosfera que tranquilize o (a) paciente; 
em seguida recomenda que se conheça as expectativas e objetivos; na 
etapa seguinte busca-se informar sobre o problema clínico, discutir as 
opções de manejo e, em alguns casos, explicitar a recomendação médica; 
finalmente, tenta-se conhecer a preferência do paciente e esclarecer, caso 
haja discordância com a proposta do médico (a). Vale destacar que o MCCP 
criado na década seguinte aprimora essa abordagem ao propor conhecer a 
agenda da pessoa logo no início da consulta. O autor enfatiza que a 
flexibilidade e empatia do profissional seriam essenciais para melhor uso 
desta abordagem. Ainda assim, Brody alerta que o (a) médico (a) teria o 
direito de recusar apoio à decisão que pudesse colocar o paciente em risco 
assim como, em tese, este deveria procurar outro profissional, caso as 
partes não chegassem a um acordo. 
Já na década de 1990, Emanuel e Emanuel (1992), por sua vez, 
discutiram o potencial conflito entre autonomia e manutenção da saúde a 
partir do papel do (a) paciente no processo de tomada de decisão. Os 
autores delinearam, então, quatro modelos: paternalista, informativo, 
interpretativo e deliberativo. No modelo paternalista, o (a) médico (a), como 
guardião da saúde, assume que compartilha objetivos com o (a) paciente, 
seleciona informação referente à investigação e ao tratamento, enquanto o 
(a) paciente daria consentimento para prosseguir com a intervenção 
proposta. Entre a autonomia e bem-estar do (a) paciente, o (a) médico (a) 
optaria por este último. 
No modelo informativo, também chamado científico (ou do 
consumidor), o (a) paciente selecionaria a intervenção que deseja a partir 
das informações fornecidas pelo (a) médico (a), ou seja, a natureza do 
problema, riscos e benefícios associados à intervenção e às incertezas. A 
partir dos valores do (a) paciente, os fatos seriam repassados para sua 
tomada de decisão, que seria então adotada pelo(a) médico(a). Nesse 
modelo, o(a) médico(a) não deve oferecer recomendação pelo receio de 
impor sua visão e afetar o controle que o(a) paciente deve ter sobre a 
decisão. Esse modelo, porém, é criticado por reforçar a tendência vigente à 
55 
 
especialização e impersonalização da profissão médica. Além disso, não 
prevê que o(a) paciente reflita e revise suas preferências. 
No modelo interpretativo, o objetivo da consulta é elucidar os valores 
do(a) paciente, esclarecendo o que ele(a) quer, além de auxiliá-lo(a) a 
selecionar a intervenção que corresponda a seus valores para torná-los mais 
coerentes com as decisões a serem tomadas pelo(a) paciente. Como já 
ocorre no modelo informativo, o(a) médico(a) atua como um conselheiro, que 
informa sobre a natureza do problema, riscos e benefícios das possíveis 
intervenções. Além disso, tem a preocupação de engajar o(a) paciente no 
processo de tomada de decisão. Nesse caso, fazia-se o alerta sobre a 
habilidade do(a) médico(a) e a falta de tempo, que poderiam levar o(a) 
profissional a impor seus valores. 
Por último, no modelo deliberativo, o(a) médico(a) é tido como 
professor ou amigo que auxilia na definição e escolha dos valores 
relacionados à saúde que melhor podem ser empregados na situação clínica 
em questão. Supõe-se que o(a) paciente tenha poder para considerar 
valores alternativos relacionados à saúde, ao seu valor e às suas 
implicações para o tratamento. Nesse processo, os críticos apontam o risco 
de se implantar um paternalismo não intencional. 
Em resumo, os autores discutem modelos baseados na autonomia 
do(a) paciente, mas que diferem na postura do(a) profissional, que 
reconhece, em maior ou menor grau, aspectos como empoderamento e 
respeito aos valores do indivíduo frente a situações com diversos graus de 
risco de morte. Nesse contexto de crítica pela perda de autonomia e 
insatisfação representado pelo aumento de número de processos contra 
profissionais médicos, em 1988 o Programa ‘Picker/Commonwealth’ de 
Cuidado Centrado no Paciente formulou o conceito do “Cuidado Centrado na 
Pessoa” (Barry e Edgman-Levitan, 2012). Este, por sua vez, se caracteriza 
pela ênfase no conhecimento das necessidades do(a) paciente e sua 
experiência com o problema ou enfermidade que o aflige. Segundo Mead e 
Bower (2000), esta abordagem do cuidado médico não gozava de consenso 
56 
 
entre vários autores proeminentes. Assim, para Edith Balint (1969) seria 
conhecer a pessoa como ser humano singular, enquanto para Byrne e Long 
(1976) representa o estilo de consulta onde o médico utilizaria o 
conhecimento do paciente e experiência para guiar a interação. Já para 
McWhinney (1989), líder do grupo na criação do Método Clínico Centrado na 
Pessoa (MCCP), compreendia a abordagem como “a entrada do médico no 
mundo do paciente, vendo a enfermidade através de seus olhos” (p.1087). 
Finalmente a publicação do artigo de Mead e Bower (2000) veio a 
sistematizar os elementos característicos do cuidado centrado no paciente, a 
saber: (1) estar atento a aspectos biológicos, psicológicos e sociais da 
saúde (perspectiva biopsicossocial);(2) explora o significado da enfermidade 
para a pessoa; (3) aumento do envolvimento do paciente no seu cuidado a 
saúde (compartilhamento do poder e responsabilidade); e (4) colocando 
maior prioridade sobre a relação pessoal entre médico e paciente; 
O cuidado centrado na pessoa foi definido pela OMS como o cuidado 
que responde a expectativa das pessoas e respeita seus desejos. A 
organização reconhece esta abordagem como parâmetro de bom 
funcionamento dos sistemas de saúde (OMS, 2010, 2015). Outrossim, foi 
demonstrado que essa forma de cuidado melhora os resultados diante de 
agravos como diabetes mellitus e reabilitação de acidente vascular 
encefálico. Foi verificada também a melhora da relação entre pacientes e 
clínicos assim como satisfação, aumento de aderência e da qualidade de 
vida. Quanto ao sistema de saúde, estudos demonstraram redução de 
tempo de hospitalização e redução de custos para o sistema de saúde 
(Brickley et al., 2019). Por outro lado, instituições como o ‘Royal College’ que 
representa os médicos de família do Reino Unido indica dificuldades dos 
profissionais seja pela sua aptidão técnica, seja pela necessidade de 
conciliar ‘linhas de conduta/diretrizes’ recomendadas com as preferências 
das pessoas atendidas. Além disso, o sistema de saúde pode acrescentar 
limitações pelo sistema de pagamento ou forma de organização das clínicas 
(2014). 
57 
 
Nessa perspectiva, o processo de tomada de decisão que, 
historicamente foi atribuição exclusiva do profissional de saúde, se tornou 
objeto de estudo na medida em que o cuidado a saúde centrado na pessoa 
veio a se tornar referência para algumas correntes de cuidado. Esta 
abordagem consiste no compartilhamento da melhor evidência disponível no 
intuito de se tomar decisões clínicas. Isto se dá a partir do apoio aos 
pacientes na consideração de suas opiniões visando alcançar escolhas 
informadas (Elwyn et al., 2010). Para que esse processo de decisão ocorra 
de forma adequada, Towle e Godolphin (1999) descrevem os atributos 
necessários para profissionais e pacientes. Estes precisam definir que tipo 
de relação médico(a)-paciente preferem e o(a) profissional adequado à sua 
visão. A partir daí, espera-se uma reflexão sobre seus problemas de saúde, 
sentimentos, expectativas de forma objetiva e sistemática e uma 
comunicação clara durante a consulta. Caberia ainda ao paciente acessar e 
avaliar a informação, negociar decisões e dar feedback ao seu médico(a) até 
definir um plano de manejo de seu(s) problema(s). Quanto aos profissionais, 
estes precisariam estabelecer parceria com seus pacientes para conhecer 
suas preferências e valores, responder a seus questionamentos e 
preocupações. Baseado nestas condições, identificar escolhas e avaliar 
evidência relativa a seu paciente e discutir alternativas e possíveis impactos 
da decisão a ser tomada. Finalmente, definir em conjunto um plano de ação 
e estabelecer o seguimento das consultas. 
Elwyn et al. (2012) destacam que este processo se baseia no 
princípio da autodeterminação e do respeito à autonomia do sujeito. No 
contexto brasileiro, Malta e Merhy (2010) destacam a importância de “(...) 
considerar a singularidade e autonomia dos sujeitos na definição das opções 
terapêuticas adequadas ao seu contexto de vida” (p.598). E ao mesmo 
tempo compreender que a autonomia é fundamental para fortalecer escolhas 
responsáveis, a sua qualidade de vida. Além disso, segundo Elwyn et al. 
(2012), é essencial que o clínico tenha sólidas habilidades de comunicação e 
conheça suficientemente aqueles dos quais cuida. Os autores relatam uma 
extensa série de ensaios clínicos randomizados nos quais os benefícios aos 
58 
 
pacientes demonstram ganho de conhecimento, confiança na tomada de 
decisão e envolvimento neste processo. 
Acerca das dificuldades para a efetiva utilização do processo de 
tomada de decisão compartilhada, Barry e Edgman-Levitan (2012) declaram 
que, dentre os maiores desafios está o envolvimento dos(as) pacientes 
nesse processo, apesar destes(as) indicarem o desejo em participar. Os 
autores apontam que os(as) pacientes deveriam receber ferramentas que 
facilitem sua participação ao mesmo tempo em que sejam apoiados(as) 
emocionalmente para expressar seus valores e preferências sem se 
sentirem censurados(as) pelos seus clínicos(as) ao pedir esclarecimentos. 
Por sua vez, os médicos (as) precisariam se desligar de uma atitude por 
vezes autoritária ou paternalista para se tornarem efetivamente parceiros 
(as) com a postura ativa de perguntar sobre interesses e valores que 
efetivamente importam para seus (as) pacientes. 
A prática clínica muitas vezes passa ao largo das ferramentas 
existentes para auxiliar no processo de tomada de decisão compartilhada 
(TDC), entre elas o Modelo ‘SHARE’, ‘5As e, ‘IAIS’ já testadas na atenção 
primária e muito úteis quanto a rastreamento de câncer (O’Connor et al, 
2015). Visando aplicação às demais situações clínicas, não vinculada a 
órgão ou sistema específico, os autores recomendam o ‘Ottawa Personal 
Decision Guide’. A fim de aproximar o processo de tomada de decisão da 
prática clínica, Legaré e Thompson-Leduc (2014) revisaram artigos 
publicados entre 1982-2013 relativos ao processo de TDC. Definiram como 
mitos aquelas crenças que não tinham apoio na evidência. Entre elas, vale 
destacar a suposição de que as pessoas não querem tomar parte no 
processo de decisão, quando na verdade os artigos mais recentes do estudo 
(2000-2013) mostraram que, em média, 71% dos respondentes queriam 
participar. A outra possibilidade é a de que nem todos têm talento para 
participar da tomada de decisão, quando os estudos mostram que é um 
comportamento que pode ser aprendido e que existem ferramentas 
revisadas pelo Grupo Cochrane que mostrou redução do percentual de 
quem prefere permanecer passivo ou indeciso, que facilitam a tomada de 
59 
 
decisão compartilhada, inclusive são mais eficazes quando envolvem 
pacientes e profissionais simultaneamente. Quanto ao temor do aumento do 
tempo de consulta, o estudo do Grupo Cochrane mostrou, em média, um 
acréscimo de 2 minutos na sua duração. 
No Brasil, desde 2017 a Sociedade Brasileira de Medicina de Família 
e Comunidade (SBMFC) promove campanha educativa chamada ‘Choosing 
Wisely’ que foi criada no Canadá em 2014 com o objetivo de auxiliar 
médicos (as) e pacientes a dialogar sobre testes, tratamentos ou 
procedimentos desnecessários. Esta ferramenta, portanto, visa aproximar os 
membros desta parceria a tomar decisões que garantam a qualidade do 
cuidado médico. Desta forma se coloca como instrumental para a discussão 
da prevenção quaternária e evitar a medicalização tão presentes em nossa 
sociedade 
Em instigante e recente artigo no renomado e influente Journal of 
American Medical Association (JAMA), Rabi et al. (2020) afirmam que as 
diretrizes têm recomendado de forma crescente incorporar o TDC, embora 
admitam que este processo de discussão não agrada médicos e ‘pacientes’, 
que só desejam saber ‘o que devo fazer’. Os autores alertam que o 
posicionamento de recomendação classificada como robusta pode inibir 
abordagem centrada na pessoa e que podem ter sido exageradas em 
algumas circunstâncias clínicas pela pouca praticidade de serem aplicadas, 
apesar de terem demonstrado os melhores resultados nos ensaios clínicos. 
Por fim, o artigo clama que a complexidade multidimensional e desgaste 
causado por alguns tratamentos propostos podem se mostrar inviáveis e 
potencialmente prejudiciais à saúde. Ao concluir, os autores recomendam 
que médico (a) e ‘paciente’ conversem sobre a natureza, magnitude e 
relevância do problema considerado (risco cardiovascular, por exemplo) para 
chegarem juntos a definir a conduta de forma sensível às circunstâncias de 
cada pessoa. 
60 
 
Esta abordagem me faz lembrar de uma pesquisa da qual participei 
quanto ao uso da mediçãode RNI ( INR - international normalized ratio)* 
para avaliar risco de coagulação, medida feita a partir de coleta de sangue. 
Entrevistei um homem de 65 anos que se mostrou orgulhoso ao trazer o 
registro de todos os valores de RNI ao longo de vários meses numa planilha 
em papel com 2 metros de extensão. Ele estava habituado a receber 
chamadas telefônicas regulares da enfermeira da clínica de medicina de 
família onde se tratava orientando sobre ajuste de dose do medicamento. 
Portanto, para esta pessoa, em particular, a proposta de manter 
monitoramento com exames para outras condições parece viável, enquanto 
para outras com problemas de mobilidade ou de compreensão, seria 
prejudicial pelo desgaste e risco de consequências desastrosas que se 
tentava evitar ao aplicar a recomendação proposta pelas diretrizes. Portanto, 
o uso da TDC depende das habilidades e experiência do médico (a) e 
sensibilidade e conhecimento das circunstâncias daqueles que atende, pois 
estas podem impedir os benefícios calculados ‘no mundo da pesquisa’ onde 
os participantes aceitam ser monitorados diligentemente ao longo de meses 
ou anos. Ainda assim, médicos (as) de família se encontram na melhor 
posição para encararem o desafio de propor a aplicação da TDC, pois faz 
parte de sua abordagem buscar o equilíbrio entre as peculiaridades do 
‘mundo real’ onde vivem as pessoas que atendem e a seus familiares e 
calcular o benefício máximo ou risco de malefício advindos de 
recomendações oriundas do ‘mundo ideal’ pesquisado. 
Essa busca em verificar se as condutas propostas ressoam para as 
pessoas atendidas faz parte da premissa de que objetivos e expectativas de 
médicos (as) e pacientes (ou membros da díade) acerca da consulta podem 
ser diversas na medida em que partem de campos diferentes que se 
encontram na consulta. Portanto, seria muito valioso identificar aspectos que 
pudessem contribuir para melhoria da qualidade e satisfação mútua. Além 
disso, por se tratar de uma relação assimétrica onde as implicações éticas 
 
* Medida realizada a partir de dosagem no sangue de elementos que fornecem indicação 
sobre ajuste de dose de cumarínico que visa evitar risco de trombose ou acidente vascular 
encefálico. 
61 
 
acerca do poder médico, do impacto das decisões sobre a saúde e, ainda 
hoje, pouca permeabilidade para participação de uma terceira pessoa nessa 
relação terapêutica, colaboram para que raramente os profissionais tenham 
oportunidade de conhecer a opinião ou preferência daqueles (as) que 
atende. Acredito, inclusive, que a palavra ‘consulta’ não é internalizada 
pelas pessoas atendidas, muito menos pelos profissionais. Em outras 
palavras, a rigor, a intenção de comparecer a uma consulta deveria implicar 
em expor uma situação e ouvir uma opinião abalizada acerca de como 
investigar ou manejar o problema. Infelizmente dentro da perspectiva de 
uma relação que deveria promover a autonomia e respeito, o ‘script’ é bem 
diverso, a tônica é de que o ‘paciente’, no sentido tradicional do termo, 
obedeça a recomendação. Portanto, na maioria das vezes não ocorre um 
diálogo, mas uma prescrição que pressupõe obediência a uma determinada 
diretriz. 
Nesse sentido, a etapa de devolutiva desta pesquisa busca 
estabelecer essa ponte no diálogo que, pela arraigada tradição autoritária da 
relação, raramente ocorre. Em parte porque médicos (as) em geral 
acreditam que o seu conhecimento é suficiente para determinar o que é 
melhor a ser feito, sem abertura para questionamentos, posição reforçada 
pela idéia de que, por dever de ofício, praticam o bem, que suas opiniões 
são isentas de viés que perturbe aquilo que a ciência estipula. Infelizmente 
no mundo real, esse equilíbrio não ocorre até porque muitas das vezes, não 
é possível ter a clareza necessária sobre o que é mais indicado. Afinal, a 
incerteza é inerente a medicina como explicitado por Wellbery (2010) no 
editorial da revista The Lancet. E no caso da medicina de família e 
comunidade (MFC), a dúvida se torna mais explícita na medida em que os 
problemas costumam se apresentar em sua fase inicial, para a qual a lógica 
biomédica, na maioria dos casos, não se ateve a compreender e definir 
parâmetros de conduta (Weston et al, 1989). Esta situação típica da 
especialidade e frustrante para especialistas focais, pode ser ilustrada com 
os episódios de ‘virose’. Nesses casos as pessoas atendidas costumam se 
mostrar inconformadas diante dessa hipótese que lhes parece vaga, o que é 
62 
 
compreensível. Esse encontro com a incerteza clínica seria, portanto, a 
fenda necessária para se iniciar o diálogo sobre opções, sobre benefícios e 
riscos o que não costumam ser explicitados. Afinal, as posições de médico e 
‘paciente’ ainda hoje pressupõem manter o equilíbrio dessa balança onde o 
peso da opinião do médico se impõe sobre a posição de quem está do outro 
lado da mesa. Quando surge a incerteza ou um desequilíbrio na confiança 
tácita, a ‘magia’ se parte. Nesse caso, a busca da chamada ‘segunda 
opinião’ costuma significar, na maioria das vezes, o rompimento daquela 
relação que seria de confiança supostamente absoluta, inerente a procura 
inicial. Esta confiança não deveria ser superdimensionada, mas sim 
relativizada a partir das variáveis explicitadas. Ainda assim, compreendo 
que seja muito difícil encontrar esse equilíbrio num ambiente em que as 
pessoas trazem na bagagem inquietações de diversas origens e o estressse 
pelo que sentem e pelo que supõem estar ocorrendo e potencial impacto em 
suas vidas, o que pode levá-las a se negar ou evitar participar do processo 
de decisão. Diante dessa equação complexa, a MFC se propõe a oferecer 
diálogo mais aberto, a apresentação dos possíveis desfechos e diante da 
incerteza sugerir observar a evolução natural dos sintomas através da 
conduta expectante (‘watchful waiting’) (Driffield e Smith, 2007). Nesse 
sentido, não se trata apenas de uma questão filosófica, a priori menos 
agressiva ou intervencionista, mas também pelo aspecto estatístico em que 
pela tendência das queixas se apresentarem no estágio inicial, a espera pela 
realização do exame complementar pode aumentar seu valor preditivo (May 
et al, 2012). 
No intuito de refletir sobre esses cenários, remeto ao filósofo Martin 
Buber, que influenciou o trabalho de Paulo Freire ao propor o conceito de 
comportamento dialógico, que consiste na possiblidade de os membros de 
uma relação se reconhecerem como influenciadores mútuos. Em outras 
palavras, Buber propõe que “(...) cada um dos dois se torne consciente do 
outro de tal forma que, precisamente por isso, assuma para com ele que não 
o considere e não o trate como seu objeto, mas como seu parceiro num 
acontecimento de vida” (Buber, 1982, p.137-138). Nessa perspectiva, 
63 
 
Caprara e Franco (2006) complementam: “As relações se dão entre dois que 
se consideram parceiros” (p.90). Por outro lado, os autores ressaltam que 
outros estudiosos contestam a ideia de “parceiros nas relações” na medida 
em que as diferenças de poder ou de compreensão da realidade 
impossibilitariam sua efetivação. Ainda assim, Caprara e Franco postulam 
que, na medida em que o poder do médico está ameaçado pela busca de 
adesão como uma possibilidade, mas não como certeza, ele (a) precisa 
constituir uma relação de parceria com quem atende (quem o/a consulta). 
A questão da possibilidade ao invés da ‘certeza’ aprendida ou na qual 
muitos médicos tendem a querer acreditar baseada no modelo cartesiano 
ainda muito arraigado, me remete a experiência vivida quando recém-
formado e atuava como clínico geral numa ONG para meninos (as) de rua. 
Certa ocasião veio um adolescente entre 10 e 13 anos se consultar e então 
perguntei seu nome. Ele respondeu ‘Roberto’, e comecei a escrever na sua 
ficha. De repente, ouço uma voz da sala ao lado. Em tom autoritário, talvez 
apurada em me alertar sobre a informaçãocorreta, a técnica de enfermagem 
gritou em sinal de alerta: ‘é Joao, nome dele é João’. Lembro daqueles 
segundos em que refleti sobre o que aprendemos na faculdade de medicina 
e como deveria proceder. Desmenti-lo para me atrelar a informação 
‘correta/oficial’ e correr o risco de desmanchar a possibilidade de vínculo já 
no primeiro minuto de consulta? Ou ir adiante e ignorar o ‘auxílio externo’? E 
rindo por dentro me dei conta: ‘Não, não aprendi nada sobre isso na 
faculdade’. Então encarei o menino e perguntei: ‘Então, como prefere ser 
chamado?’ E ele repetiu com convicção: ‘Roberto’. ‘Ok, e o que tá 
acontecendo contigo?’ Daí anotei o nome escolhido / nome oficial e 
reiniciamos o nosso primeiro e único encontro, como muitos outros em que 
não houve sequência, pois, a vida, naquele lugar, era muito ligeira. Basta 
dizer que, alguns que passaram por ali não terminaram o ano no mundo dos 
vivos. Esta e outras situações naquela instituição me levaram a refletir sobre 
o poder médico, na verdade tão frágil e fugaz, e o quanto dependemos das 
pessoas que atendemos para aquilo que hoje entendo como formação dessa 
parceria, a busca do vínculo, até firmar-se uma relação de confiança, e não 
64 
 
de medo diante do poder pelo qual o médico (a) exerce sua autoridade, 
aprende a se apoiar, pois dele se beneficia e goza de alguma forma de 
prazer. 
Esta situação de consulta remete ao argumento de Buber (1982) de 
que os seres humanos se ligam e se reúnem na qualidade de pessoas ao 
mesmo tempo dependentes e independentes entre si. Adotar essa postura 
ainda se coloca como um grande desafio na prática clínica no Brasil na 
medida em que a perspectiva caritativa descrita por Casate e Correa (2005) 
ainda prevalece baseado num modelo de comunicação unidirecional de 
forma paternalista, em que o profissional indica o que considera a melhor 
conduta ou de forma meramente informativa no qual repassa informação 
sem conhecimento do impacto ou compreensão acerca do conteúdo 
(Emanuel e Emanuel, 1992). A fim de reverter esse quadro, Caprara e 
Franco (1999) buscam subsídio na abordagem hermenêutica que incorpora 
o ponto de vista dos usuários e de seus familiares. À medida em que os 
sujeitos envolvidos rompem o vidro que os separa dos médicos podem se 
engajar em se explicar e se conhecerem melhor transformando o encontro 
clínico numa consulta – isto é, em discutir a relação que se forma nesse 
momento de efetivo encontro (Caprara, 2003). 
Admito que trazer essa discussão sobre o poder médico e a relação 
médico(a)+paciente assimétrica para o contexto do homem que não 
costuma ter vínculo ao médico(a) seja uma proposta ousada. Porém, diante 
de seu perfil de morbi-mortalidade nos propomos a investigar quais fatores 
influenciam no vínculo entre as partes, se existe algum aspecto na 
comunicação que afeta a aderência ou a surda insatisfação daqueles que 
não retornam ao consultório. Pretendo que o estudo traga aos profissionais 
material para refletir sobre outras possibilidades de abordagem que, a 
princípio, consideramos que não sejam exclusivas do homem. Embora 
nesse trabalho, tenha visado identificar particularidades que contribuam 
especificamente para identifcar barreiras na comunicação com esse 
segmento. 
65 
 
Portanto, nessa pesquisa tive oportunidade de refazer o caminho que 
alguns pesquisadores já realizaram sem terem explicitado o enfoque de 
gênero. De acordo com a revisão da literatura feita por Mazzi et al (2016), 
pesquisas realizadas em centros europeus revelaram que ‘pacientes’ que 
desempenham papel mais ativo na consulta alcançam maior aderência ao 
tratamento e menor taxa de desistência, além de maior satisfação 
(Chewning et al., 2012; Legaré et al., 2014). A fim de identificar aspectos da 
consulta que trazem maior satisfação aos pacientes, Mazzi et al. (2015) 
construíram cenários de consulta apresentados a 798 pessoas de quatro 
países (Itália, Bélgica, Holanda e Reino Unido) para que opinassem sobre o 
que consideravam relevante antes, durante e depois da consulta e 
indicassem os papéis a serem desempenhados pelos próprios pacientes e 
médicos (as). 
Segundo Mazzi et al. (2015, p. 58), os entrevistados indicaram que, 
(...) pacientes delegam aos médicos (as) maior responsabilidade 
do que a eles mesmos em assegurar que a consulta seja efetiva. 
Os dados relativos a sugestões aos médicos indicam que os 
pacientes são percebidos com menos responsabilidade ou menos 
poder que os médicos (as), que sao percebidos como ‘líderes’ da 
interação. Além disso, pacientes acreditam que devem assumir 
responsabilidade de abordar questoes psicossociais quando 
necessário, contudo consideram ser responsabilidade do médico 
(a) de provocar para que o paciente se abra e que cabe ao 
profissional checar se o paciente entendeu adequadamente sua 
situação, e não vice versa como seria esperado numa relação 
equilibrada, isto é, que o paciente assumisse a responsabilidade 
de garantir que o médico (a) compreenda o que lhe perturba. 
 
A partir da reflexão acerca do cuidado centrado na pessoa, autonomia 
e tomada de decisão compartilhada propostos pelos diversos autores, 
iremos nos debruçar sobre algumas das abordagens de comunicação em 
consulta que se coadunam com os postulados acima discutidos por 
incluírem em seus pressupostos, o respeito ao sujeito e sua autonomia 
combinada à participação na tomada de decisão. 
Afinal, a abordagem tradicional esteve até o momento centrada na 
doença e no médico, que costuma utilizar estratégias de educação em 
saúde baseadas no julgamento de forma crítica e moralizadora, ou ainda a 
66 
 
repreensão por seus hábitos. Questiona-se se esta postura foi efetiva em 
contribuir para que os homens encampassem noções de autocuidado e 
desenvolvessem autonomia? Ou pelo contrário, se contribuíram para seu 
afastamento de um acompanhamento médico regular? 
 
 
3.5 Aspectos da Comunicação na Consulta Médica 
“Se você não consegue se comunicar, não importa o que você sabe” 
Chris Gardner (Lock et al., 2001) 
 
Acerca da consulta médica, Pendleton et al. (2011) destacam que 
neste espaço se precisa vir a conhecer a pessoa e seu contexto, tarefa 
precípua através da qual vai se explorar o mundo do outro, o que permitirá 
propor alternativas para o manejo das demandas apresentadas. Nesse 
enfoque fica evidente como e o quanto o profissional deve sair de seu centro 
de saber para adentrar o desconhecido que é aquilo que o outro traz para o 
encontro. Ao vislumbrar que estes momentos se repetirão cotidianamente na 
prática clínica como parte da atuação do profissional que busca estabelecer 
maior participação através do diálogo, devemos nos dedicar a propor e 
estimular o vínculo para que suas queixas e preocupações ao longo do 
tempo, mesmo que aparentemente de menor importância, venham a ser 
compartilhadas. Em função disso, longitudinalidade e integralidade se 
tornam dimensões de referência da engrenagem que é a relação médico (a) 
+ pessoa. 
Nessa perspectiva, buscamos nos orientar através de educadores 
como Cassell (1995) que proclamou que a descoberta da pessoa seria a 
tarefa da medicina para o século XXI. No artigo em que descreve a pessoa, 
o autor (2010) nos remete ao fato de que adoecer é fenômeno individual, 
que é relativo às características da pessoa, “(...) lembra que a medicina 
centrada na pessoa indica que a medicina está focada nos objetivos, 
 
 Diretor de comunicação, Faculdade de Medicina, Universidade de Yale, EUA. 
67 
 
expectativas e necessidades determinadas pela pessoa, é uma medicina 
respeitosa e responsiva às preferências do indivíduo, suas preferências, 
necessidades e valores” (p.52). 
No Brasil, Gomes et al. (2012) investigaram a interação 
médico+pessoa na ESF através de entrevista com os membros da díade e 
observação de campo no Ceará. Identificaram que as consultas se deram 
com três enfoques diversos: centradono paciente; encontro sem 
entendimento e aquele realizado a curto prazo, de forma pontual, no qual o 
sintoma foi fio condutor resultando no tratamento medicamentoso. Quanto 
ao vínculo, os autores concluem que este requer “(...) mudanças na 
organização dos serviços, com ênfase numa formação profissional que 
valorize a cultura, o protagonismo e a reflexão filosófica da convivência 
humana, visando à qualificação da atenção primária” (p.1101). 
Ironicamente, e a propósito do estudo da comunicação no cuidado a 
saúde, estes aspectos não promovem o diálogo, conforme nos alerta 
Gardner (2001), quando a pessoa em busca do cuidado tem pouca 
familiaridade com a abordagem integral proposta pela MFC (Lopes e Dias, 
2019). Assim, principalmente quando necessitam abordar temas desprovidos 
de caráter eminentemente orgânico, se sentem receosos, não autorizados 
quanto à pertinência naquele espaço terapêutico. 
Malta e Merhy (2010) denunciam que o modelo assistencial praticado 
pode se dar através da “voz” do profissional e pela “mudez” do usuário numa 
relação “objetal”, na qual trocas e compartilhamentos de saberes não 
costumam ocorrer assim como a autonomia daquele que busca cuidado. 
Infelizmente, essa crítica se mostra fiel a realidade da assistência praticada 
em boa parte do sistema de saúde do Brasil. Além disso, os códigos de 
comunicação estabelecidos numa consulta são precedidos pelo contexto 
social e história de vida de cada membro da díade. Desta forma, o processo 
de construção social do homem irá influenciar no ‘tempo e timing’ em que irá 
compartilhar seu momento de vida, aspectos que remontam, em maior ou 
menor grau ao exercício estoico da crença na sua invulnerabilidade seja em 
68 
 
relação ao risco de adoecer, ou ainda outros aspectos que lhe afetam. 
Ademais, homens acreditam menos do que as mulheres acerca de terem 
controle sobre a sua saúde no futuro ou atitudes pessoais que possam 
contribuir para serem saudáveis (Courtenay, 2003; Oliffe e Philips, 2008; 
Robertson, 2009). Assim, se estabelece gradual isolamento a medida em 
que muitos homens aprendem a não compartilhar o que pode vir a ser 
socialmente rotulado como fraqueza, enquanto os (as) profissionais de 
saúde não familiarizados (as) com suas particularidades e que os 
desconhecem deixam de abordá-los de forma a suscitar maior participação 
na consulta, conforme já ilustrado pela rosa dos ventos. 
 
3.6 Métodos de Abordagem na Relação Médico + Pessoa 
 
A seguir serão apresentados e discutidos dois métodos de 
abordagem da relação que, em comum, tem como eixo o cuidado centrado 
na pessoa: a Clínica Ampliada e Compartilhada e o Método Clínico Centrado 
na Pessoa (MCCP) 
A clínica ampliada é uma das diretrizes que a Política Nacional de 
Humanização (PNH) (Brasil, 2001) propõe para qualificar o modo de trabalho 
na saúde. Baseado no respeito ao sujeito, sua história, suas 
vulnerabilidades, saberes e crenças, privilegiando sua autonomia e 
participação direta na confecção do plano de terapia singular que conta com 
participação dos profissionais de saúde de diversas áreas. 
Bedrikow e Campos (2014), a partir da crítica à clínica “oficial ou 
tradicional’, que se caracteriza por ter a doença como único objeto de 
trabalho e que ainda prevalece nas escolas médicas, consideram a clínica 
ampliada e compartilhada (denominada Clínica Ampliada a partir de agora) e 
a medicina centrada na pessoa (denominada MCP) como respostas à 
fragilidade da ‘clínica oficial’ que, atrelada ao paradigma positivista e 
insensível as dimensões subjetiva e social das pessoas, se 
desresponsabiliza pela integralidade dos sujeitos. Quanto à sua 
69 
 
aplicabilidade, os autores entendem que tanto esta como o Método Clínico 
Centrado na Pessoa (MCCP) potencialmente convergem para a atenção 
primária pela facilidade de acesso, longitudinalidade do cuidado e 
proximidade e vínculo com os profissionais de saúde que vem sendo 
capacitados nessa perspectiva (Lopes e Ribeiro, 2015). Neste espaço se 
concentram as demandas que não se encontram nos tratados de medicina, 
que não podem ser classificadas diante da ciência moderna, o que torna a 
clínica ampliada mais adequada para o seu acolhimento e aliada na 
desmedicalização da vida. 
Sua metodologia de abordagem foi sistematizada a partir de cinco 
eixos (Brasil, 2009): 
1. Compreensão ampliada do processo saúde-doença através do 
tensionamento dos limites de cada matriz disciplinar. 
2. Construção compartilhada dos diagnósticos e terapêuticas - 
tanto na equipe como com os usuários por defenderem a potência desse 
envolvimento ao invés da abordagem pontual e individual tradicional 
3. Ampliação do “objeto de trabalho” visando desfazer a 
fragmentação do processo de trabalho na medida em que ‘pessoas se 
responsabilizam por pessoas’. Propõe-se equipes e de referência e apoio 
matricial como instrumentos de abertura. 
4. A transformação dos “meios” ou instrumentos de trabalho 
5. Comunicação transversal na equipe e entre equipes (nas 
organizações e rede assistencial). Mas, principalmente, são necessárias 
técnicas relacionais que permitam uma clínica compartilhada. A capacidade 
de escuta do outro e de si mesmo. 
 
Segundo Bedrikow e Campos, a fim de alcançar tais objetivos, o 
profissional precisa desenvolver escuta mais apurada para conhecer e 
entender o sujeito de que passa a cuidar, sua história, a coletividade, seu 
processo de adoecimento. Diante das dificuldades inerentes a essa 
aproximação, cabe ao médico (a) considerar e reconhecer o empenho da 
70 
 
pessoa atendida. Além disso, a fala deve propor o diálogo para identificar a 
compreensão de suas orientações ao invés de se fixar no tradicional roteiro 
de cobrança por ‘tarefas’ que deveriam ter sido adotadas ou ‘obedecidas’. 
Da mesma forma que precisa se afastar das recomendações culpabilizantes 
viabilizando assim a aproximação do outro num mecanismo saudável de 
vinculação 
Quanto à instituição, diante dos desafios expostos acima, faz-se 
necessário que apoie os profissionais que precisarão renunciar à 
neutralidade advogada pelos centros de formação e que tendem a se 
desgastar diante dos afetos e subjetividades inerentes ao processo de mão 
dupla envolvida nessa efetiva relação profissional. Nesse contexto, caberia a 
equipe desenvolver uma parceria entre seus membros para amenizar e 
propor novas reflexões na medida das complexidades envolvidas no 
processo de cuidar no qual se estimulam os vínculos e afetos. 
Ao passo que o Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP) foi uma 
metodologia publicada em 1995 a partir dos trabalhos de Rogers (1951), 
Balint (1957), Engel (1977) e Levenstein (1986). Desenvolvida pelo Grupo de 
Comunicação Médico Paciente no Departamento de Medicina de Família da 
Universidade de Western Ontario, Canadá, o método foi aprimorado em 
2013 (Stewart et al., 2014), e pressupõe que o (a) médico (a) esteja imbuído 
da meta de fomentar autonomia ao paciente e de equilibrar aspectos 
objetivos e subjetivos da relação em resposta ao sofrimento. Em outras 
palavras, o médico (a) precisa deixar a posição hierárquica habitual de ter 
controle da situação diante do (a) qual aquele (a) que consulta se encontra 
numa posição passiva. Essa mudança dialoga diretamente com as 
características que são intrínsecas à filosofia da medicina de família, o que 
tem feito do método uma ferramenta estratégica da prática de uma clínica 
voltada para o cuidado centrado na pessoa. 
Nessa abordagem, dividida em quatro componentes, o profissional de 
saúde busca na consulta, primeiramente compreender a experiência da 
doença de maneira que não limite seu olhar a uma visão limitada, 
71 
 
biologicista do adoecimento. Na segunda etapa, o(a) médico(a) precisa 
conhecer melhor a pessoa, sua história de vida, questões de seu 
desenvolvimento pessoal e seu contexto (família e comunidade). A partir 
disso, se estabeleceuma agenda em comum com o intuito de estabelecer 
um plano de ação. Finalmente, a partir da empatia e compaixão, reforça-se a 
relação médico(a)-paciente, considerando transferência e 
contratransferência, com o intuito de fomentar esperança e processo de 
cura, conforme o contexto clínico. 
Cabe aqui destacar a diferença proposta entre ‘illness’ e ‘disease’: a 
primeira descreve a subjetividade do adoecimento, a experiência da pessoa 
diante do desconforto em relação a algo que sente não estar bem em seu 
corpo ou mente, enquanto ‘disease’, traduzida como “doença”, se refere a 
aspectos objetivos para os quais a pessoa pode receber os benefícios e 
riscos da medicina científica (Kleinman,1988). Cabe ao médico de família 
esclarecer a distinção e tratar ou compartilhar o cuidado com o(a) 
especialista focal. Vale salientar que na tradução brasileira do livro acerca do 
método MCCP (Stewart et al., 2010), o revisor da tradução optou por usar a 
palavra “pessoa” ao invés de “paciente”, por se entender que esta 
denominação remete ao modelo biomédico em que se espera que o 
paciente permaneça passivo e alheio à tomada de decisão. 
Quanto a aplicação do cuidado centrado no paciente, Hudon et al. 
(2011) elaboraram revisão sistemática de artigos publicados entre 1980 e 
2009, na qual foram identificados dois instrumentos capazes de medir a 
percepção dos pacientes acerca dessa abordagem: o ‘Patient Perception of 
Patient Centeredness Questionnaire’ (PPPC), criado pelo grupo que 
formulou o Método Clínico Centrado no Paciente (MCCP) e o ‘Consultation 
Care Measure’ (CCM), da Grã-Bretanha. O instrumento PPPC, que foi 
validado no Brasil (Kolling, 2012), não avalia a relação médico paciente 
enquanto o PPPC conta com apenas um de seus 21 itens para mensurá-la. 
Contudo, cabe registrar que ambos ficaram defasados na medida em que o 
MCCP foi reformulado em 2013 para uma versão em que se reduziu o 
modelo de seis para quatro componentes anteriormente descritos. 
72 
 
A aplicação do método MCCP tem demonstrado benefícios para 
saúde física e mental dos pacientes em diversos contextos clínicos, 
solicitação de menos exames complementares e encaminhamentos, assim 
como maior satisfação e aptidão para lidar com os sintomas, segundo as 
pesquisas de Little et al. (2001), Stewart et al. (2000), entre outros. 
A fim de ilustrar sua aplicação entre os homens participantes dessa 
pesquisa, destaco duas consultas nas quais fica nítida a postura e a 
aplicação do MCCP. Iniciaremos pela descrição da experiência de Vagner, 
55 anos, aposentado, atendido por uma médica residente MFC recém 
graduada. 
V – Já passei por três residentes, sempre com supervisão, isso 
aconteceu no tempo da residente T. 
E- ...e não foi nenhum impedimento de pensar ‘o que essa jovem tem 
para me dizer?’... 
V - Não, achei legal, porque a abordagem que ela, foi muito 
engraçado, ela disse, primeira vez quando eu relatei tudo isso, ela disse 
assim ‘ó eu vou digerir tudo isso que você me passou, porque ela colocou 
tudo isso no computador né e se me dá uma semana? Eu falei ‘dou não tem 
problema’. Eu achei isso legal, porque ela não se colocou como Deus, que já 
sabia a resposta de tudo na hora, né, foi procurar, foi estudar o meu caso 
que normalmente os médicos não fazem isso. Ela foi estudar o meu caso, 
não sei se em conjunto, não sei se foi com o professor, seja lá quem for né. 
Ela estudou meu caso, voltei..., ela disse: ‘o começo de pirâmide é o 
seguinte, você têm todos esses problemas, mas o começo da pirâmide pra 
gente poder começar a caminhada, a tua questão hormonal, é que vai 
regular todo esse outro problema, se isso aqui tiver desregulado nada mais 
vai funcionar, se topa fazer isso comigo?’ Eu disse: ‘topo’, quer dizer ela foi 
humilde... 
Vinícius, 40 anos, autônomo, casado, atendido pelo MFC residente 
João, recém graduado, em cujo relato se destaca o processo de decisão 
acerca do tratamento. 
73 
 
 “(...) mas ele perguntou se eu queria uma área que fosse encaixar 
mais naquilo vamos dizer assim: ‘não, não, está beleza’. Ele me explicou a 
gente conversou bastante e tal, aí ele perguntou se eu queria, é, tratamento 
com medicação tal, aí ele foi analisando e tal, a gente foi conversou algumas 
vezes, não fui só uma vez, e ele me encaminhou tal, me deu medicamento 
tal, perguntou seu eu queria: ‘claro, não, quero, claro, vamos ver...’ E falou: 
‘acho que acho melhor assim’, mas eu gostei bastante assim, eu achei bem, 
bem importante essa parte assim”. 
“...e a gente foi desenvolvendo, foi, foi tentando chegar a um ponto, 
identificar o que estava acontecendo, mas depois de um tempo eu tomei 
medicação, tomei o medicamento lá tal, não lembro qual medicamento, mas 
tomei, e depois de um tempo eu parei, parei por conta própria mesmo assim, 
estava me sentindo, quer dizer me sentindo, senti vontade de parar e parei, 
beleza fiquei tranquilo, não aconteceu nada e tal, mas isso depois de um 
tempo, depois de um ano talvez”. 
Há, porém, críticas e questionamentos acerca do MCCP, como em 
Starfield et al. (2011), ao considerarem que o método se concentra na 
consulta ao invés de focalizar a longitudinalidade. Em contraponto, portanto, 
recomendam o Cuidado Focado na Pessoa, que seria baseado no 
conhecimento da pessoa e da população ao invés de orientado por doenças 
específicas. 
Desta forma, observam-se vários pontos de contato entre esta 
abordagem e a Clínica ampliada e Compartilhada, sendo que esta apresenta 
‘tradução mais fluida’ por ter sido elaborada a partir do conhecimento do 
contexto socioeconômico histórico brasileiro enquanto a abordagem 
canadense oferece uma sistemática mais simples e já avaliada na literatura 
e praticada em diversos países e culturas. 
 
 Preciso registrar que discordo dessa interpretação dos autores, já q o MCCP preconiza a 
prática do cuidado da pessoa com ou sem doenças organizadas, com ou sem queixas, mas 
sim a pessoa e seu desejo de manifestar aquilo que lhe convém naquele momento da 
consulta. 
74 
 
O debate sobre o poder médico e o controle sobre a tomada de 
decisão na consulta prossegue em consonância com as transformações na 
sociedade ocidental contemporânea. Encontrar o equilíbrio entre as forças 
implicadas é desafio ético a ser enfrentado por todos os envolvidos no 
cuidado, visando alcançar equidade e maior satisfação. Essa tese, ao 
discutir a comunicação médico-pessoa, também busca contribuir para a 
discussão sobre se os métodos da Clínica Ampliada e MCCP podem 
contribuir para a inclusão do homem nos serviços de APS. Traz, portanto, 
esse dilema em seu cerne, propondo a reflexão e autocrítica entre os 
médicos de família acerca da escuta desse segmento para o centro do 
debate da relação médico + pessoa. 
Em 2019, Brickley et al. (2019) realizaram revisão da literatura de 
artigos publicados em inglês entre 2003 e 2018 acerca do cuidado centrado 
no paciente na prática da medicina de família, de acordo com nomenclatura 
usada na língua inglesa. Os autores concluíram pela criação de um novo 
modelo também composto de quatro componentes, conforme o MCCP, mas 
que difere em dois deles, a saber: a vivência do tempo para a díade, e por 
fim, a meta de alcançar resultados positivos. 
Quanto ao primeiro componente, entendendo a pessoa como um 
todo, os autores não fizeram proposta diferente do que já preconizava o 
MCCP. Em relação ao segundo componente, ‘elaborando um plano conjunto 
de manejo de problemas’, a revisão indicou a importância da confiança no 
profissional para que se alcance este objetivo e sua relação com satisfação 
do paciente (Brickley, 2019). 
No tocante ao terceiro componente, a vivência do tempo para a díade 
em relação ao tempo disponível seja na consulta seja quanto a 
longitudinalidade. Estudos mostraram que tanto pacientes quanto médicos 
(as) de família desejam maior tempo de consulta visando atuar na dinâmica 
da integralidadedo cuidado sendo o tempo considerado instrumental para 
maior confiança e satisfação na relação enquanto menor tempo de consulta 
restringia o uso da empatia e escuta ativa. 
75 
 
Por fim, com relação a meta de alcançar resultados positivos acerca 
do desfecho clínico, identificou-se apenas um estudo que visava medida 
clínica, através de controle de pressão arterial a partir de técnicas de 
empoderamento e fomento a maior participação no cuidado, mas não se 
encontrou evidência positiva de resultado clínico como resultado do cuidado 
centrado no paciente. No que tange ao desfecho positivo para o paciente, 
verificou-se a correlação entre comunicação, tempo suficiente de consulta e 
satisfação elevada para aqueles (as) que participavam mais efetivamente da 
tomada de decisão. No tocante ao desfecho para o médico (a) de família, 
apenas um estudo foi identificado e mostrou que médicos (as) lidando com 
pessoas que não tinham expectativa de cura vinham a representar desgaste 
psicológico para os profissionais. Brickley et al., concluem que este 
componente tem o potencial de fortalecer a parceria médico-pessoa e 
reforçar a experiência do tempo dispendido conjuntamente. 
Contextualizando, a consulta costuma expor fragilidades e receios do 
processo de adoecimento, muitas vezes, cercados de incertezas sobre 
repercussões no presente e futuro. Portanto, à medida que se tem mais 
tempo seja na consulta seja a longo prazo, mais oportunidades de 
esclarecimento e definição de metas devem propiciar cuidado mais 
satisfatório para ambos os lados, inclusive familiares que venham a 
participar diretamente do encontro. Em contrapartida, tempo reduzido 
contribui para perda de autonomia e satisfação do profissional, o que traz 
potencial de perda de continuidade caso ele (a) venha a desistir de atuar 
naquele cenário de prática. Estudos revisados reforçaram a importância da 
continuidade interpessoal do cuidado, o que já foi identificado por Haggerty 
et al. (2003) e discutido anteriormente nesta tese. A relevância do tema foi 
alvo da organização que representa os médicos de família da Austrália 
alertando sobre necessidade de reestruturação no sistema de saúde (‘Royal 
Australian College of GPs’, 2019). 
Espera-se que a proposta de abordagem formulada por Brickley et al 
(2019) venha a ser avaliada e comparada às demais apresentadas nessa 
76 
 
tese e na literatura a fim de verificar seu potencial benefício para a relação 
médico + pessoa. 
A síntese acerca das diferentes abordagens apresentadas visou 
estimular o debate e propor e alternativas conforme as situações que se nos 
apresentam na prática clínica assim como prosseguir na investigação de 
maneiras mais eficazes de comunicação com os homens na ESF. Fica nítido 
perceber que ambas exigem significativa mudança na visão dos profissionais 
acerca da capacidade daqueles (as) que atende no sentido de maior 
empoderamento e autonomia no processo de tomada de decisão. Ao mesmo 
tempo, apesar das distorções emanadas da ideia de saúde como bem de 
consumo, parte da sociedade começa a requerer mudança de atitude da 
parte dos médicos (as) que mantêm abordagem paternalista e pouco aberta 
ao diálogo. 
Para concluir, faz-se notar, porém, que os modelos de comunicação 
aqui discutidos não se debruçam sobre a categoria gênero na relação 
médico (a) + pessoa. Este tese, ao se apoiar na perspectiva de gênero e das 
masculinidades, especificamente na relação homens – saúde – cuidado, visa 
contribuir para um debate de como esta categoria de análise influencia a 
relação médico(a)+pessoa e, a partir daí, delinear propostas que possam 
contribuir para uma abordagem mais efetiva da população masculina pelo 
(a) médico (a) de família, seja na consulta médica, seja através de outros 
pontos de contato na linha de cuidado como através dos grupos de 
educação e saúde ou nas visitas domiciliares. 
 
 
 
 
 
 
 
77 
 
4 METODOLOGIA 
 
Esta tese se baseou em pesquisa empírica de abordagem qualitativa 
a partir da perspectiva da construção social das realidades investigadas no 
contexto da APS, no município de Florianópolis. Pretendeu-se conhecer as 
perspectivas dos participantes, profissionais médicos e homens usuários a 
partir de seus universos de significados, crenças, valores e atitudes (Minayo, 
2001). 
O estudo se caracterizou por abordagem exploratória descritivo-
analítica, tendo como finalidade se aproximar de fenômenos ainda pouco 
conhecidos no meio acadêmico (Gil, 1999), como é o caso da comunicação 
e relação estabelecida entre usuários homens e médico(a)s de família no 
contexto da APS. A consecução de estudos exploratórios descritivo-
analítico, como o que será apresentado a seguir, tem como virtude poder 
auxiliar na formulação e esclarecimento de conceitos e ideias referentes ao 
objeto de pesquisa em questão, sugerir novos desenhos de investigação e 
contribuir para o debate do corpo de produção técnico-acadêmica sobre o 
tema da pesquisa. 
Em termos do uso de técnicas de produção de dados, os propósitos e 
características da investigação orientaram a pesquisa para o uso da 
triangulação de métodos na produção dos dados empíricos primários ou 
originais (Denzin; Lincoln, 2011). As principais técnicas de produção de 
dados utilizadas foram: entrevistas semiestruturadas com usuários e com 
médico(a)s e grupos focais. 
Optou-se por utilizar entrevistas semiestruturadas pela possibilidade 
de captar, por meio desta técnica, os relatos de experiência narrados, 
representados e recontados pelos participantes. Com essa modalidade de 
entrevista qualitativa, os eventos narrados seguem uma ordem significativa, 
coerente, permitindo uma articulação entre passado, presente e futuro. 
Como salienta Ricouer (2012), a partir da entrevista são produzidas 
informações que ocorreram no passado com o olhar do presente e a 
78 
 
projeção do futuro. Nesse sentido, a técnica de entrevista proporciona ao 
entrevistado contar suas histórias com reduzida interferência, numa 
sequência de fatos para os quais encontra explicações e sentidos possíveis 
(Jovchelovitch; Bauer, 2015). 
A técnica de grupos focais foi selecionada pela potencialidade de 
captar tendências humanas, atitudes e percepções relativas a aspectos da 
vida social. Partindo da noção de que somos influenciados pelo ambiente 
circundante e pelas pessoas a nossa volta, a técnica enfatiza o processo de 
interação entre os participantes, mediados pelo roteiro previamente 
construído e pela atuação do moderador (Barbour, 2009; Nóbrega, Andrade, 
Melo, 2016). Neste estudo, em que o grupo focal, como sintetizado por 
Gaskell (2015), se torna uma entidade em si mesma, entendeu-se que a 
interação entre os participantes permitiria ao grupo se fortalecer, ao discutir 
diferentes opiniões, reduzindo a possibilidade de os participantes se 
intimidarem diante de um entrevistador médico tratando de situações de 
consulta. 
 
4.1 O desenho da pesquisa 
 
O desenho de estudo se pauta por uma perspectiva relacional, ao 
abordar o tema-objeto, comunicação entre profissionais da saúde (médicos) 
e homens usuários ou potenciais usuários, e longitudinal, com entrevistas 
semi estruturadas com medico(a)s usuários, além de grupos focais com 
homens usuários, em momentos distintos. 
As pesquisa se constitui em três etapas: na primeira parte-se da 
compreensão das experiências dos homens em consultas médicas nos 12 
meses que antecederam o estudo, no contexto de unidade(s) de saúde 
pertencentes à ESF de Florianópolis-SC (CS Acosta e CS Bagé). 
Igualmente, com o intuito de identificar experiências diversas, foram 
entrevistados homens que não se consultaram nos últimos dois anos em 
suas unidades de saúde de referência. Desssa forma se buscou alcançar 
79 
 
aqueles que se consultaram mais recentemente assim como aqueles que se 
consultavam com periodicidade mais espaçada, no caso dos homens,há 
pelo menos dois anos. A partir da análise dos dados produzidos nesta etapa 
inicial da pesquisa, vinhetas representativas de experiências dos usuários no 
contexto clinico-assistencial foram elaboradas e, posteriormente, utilizadas 
na etapa de pesquisa subsequente, que incluiu médicos(as) de família das 
unidades citadas. O intuito da composição metodológica em duas etapas 
interconectadas foi o de explorar as propostas de abordagem 
comunicacional na prática dos Médicos(as) de MFC, a partir das 
proposições, impasses e críticas apontados pelos homens usuários 
entrevistados na primeira etapa do estudo. Por fim, os resultados obtidos 
com a produção dos dados com as entrevistas com o(a)s médico(a)s foram 
compartilhados em grupo focal e entrevistas semiestruturadas com os 
participantes da primeira etapa, visando identificar as proposições do(a)s 
médico(a)s que consideram mais adequadas. 
A seguir apresenta-se um fluxograma (Figura 4) para melhor 
visualização das etapas descritas anteriormente. 
 
 
 
 
 
Fonte: elaborado pelo autor. 
 
Figura 4. Fluxograma – Etapas da coleta de dados. 
•Entrevista 
de 11 
homens
• CS Acosta
• Entrevista 
de 07 
homens do
CS Bagé
1ª.
Etapa
•02 MFCs 
CS Acosta
•02 MFCs 
CS Bagé*
2ª. 
Etapa
▪ENTREVISTA
de 5 Homens 
da 1ª Etapa 
▪ 01 Gr. Focal
com 4 Homens
da 1ª. Etapa
3a.
Etapa
 12 VINHETAS DEVOLUTIVA 
 Apresentadas 04 VINHETAS Avaliadas 
Julho 2017-Março 2018 Maio a Dezembro 2018 Março de 2019 
80 
 
4.2 Caracterização do campo de pesquisa 
 
4.2.1 Estrutura da APS em Florianópolis 
 
A pesquisa foi realizada no município de Florianópolis, cuja população 
é estimada em 500 mil habitantes em 2019, sendo 75% entre 15 e 64 anos 
de idade, taxa de mortalidade infantil de 7,7/1000 nascidos vivos, IDH 0,87, 
sendo este o 3º mais elevado entre as cidades brasileiras (IBGE, 2010). 
Seu território se divide entre a ilha e o continente. A rede de atenção 
primária é composta por 49 Centros de Saúde onde estão alocadas 132 
equipes, que se consolidou ao longo da última década (SISSON, 2011). 
Florianópolis foi a primeira capital brasileira a atingir 100% de cobertura da 
população em 2015 e, desde então, tem sofrido declínio, chegando a 74% 
em novembro de 2019**. 
Além disso, a rede é formada por 4 Policlínicas, 3 Centros de Atenção 
Psicossocial, sendo um deles específico para crianças e adolescentes, um 
CAPS – Álcool e Drogas e 3 Unidades de Pronto Atendimento (Florianópolis, 
2017***). 
Segundo dados do setor de recursos humanos da Secretaria 
Municipal de Saúde (SMS, Florianópolis, 2020), quanto ao perfil dos 
profissionais médicos, 58% são do sexo feminino; idade média 41 anos; 
atuando na ESF da prefeitura, em média, há seis anos e seis meses e 
tempo médio no mesmo CS de seis anos. Aproximadamente 70% do(a)s 
 
 Dados acessados em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/florianopolis/panorama>. No 
verão, a população dobra, sendo que significativa parcela dos turistas são oriundos dos 
países do Cone Sul (principalmente Argentina, Chile e Uruguai), o que sobrecarrega a rede 
pública de saúde e compromete os serviços, seja nas Unidades de Pronto Atendimento, 
seja na rede de APS, que costuma ter reduzida sua força de trabalho em função das férias 
escolares coincidentes neste período. 
** Dados acessados em: 
<https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.x
html;jsessionid=NIJt44QQKMxT5Glq6Hjw4ljN> 
*** Dados acessados em: <http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/saude/> 
 
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sc/florianopolis/panorama
https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml;jsessionid=NIJt44QQKMxT5Glq6Hjw4ljN
https://egestorab.saude.gov.br/paginas/acessoPublico/relatorios/relHistoricoCoberturaAB.xhtml;jsessionid=NIJt44QQKMxT5Glq6Hjw4ljN
http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/saude/
81 
 
médicos(a)s possuem especialização ou título de residência em Medicina de 
Família e Comunidade. 
 
4.3 Sobre o campo de pesquisa: a produção do material empírico 
 
 Em 2016, quando iniciamos o planejamento da pesquisa de campo, 
Florianópolis era dividida em cinco distritos: Norte, Sul, Leste, Centro e 
Continente. Até que se iniciou a coleta de dados, os Centros de Saúde (CS) 
do Leste foram redistribuídos entre os distritos vizinhos. A escolha dos dois 
CS localizados no distrito Centro se baseou em três critérios: estar vinculado 
a um distrito onde nunca atuei como médico de família; incluir médicos de 
ambos os sexos e onde as equipes já atuavam há, pelo menos, dois anos, 
inclusive o(a)s médico(a)s. Estes critérios eram estratégicos para propiciar 
relatos mais diversos, densos e maior possibilidade de que os homens 
entrevistados já tivessem estabelecido relação mais consolidada tanto com 
as equipes, mas principalmente com os (as) MFCs. 
Quanto às unidades selecionadas, elas atendem populações de perfil 
diverso, a partir do qual se buscou conhecer um espectro amplo de 
experiências na interação usuários-profissionais de saúde. Assim, o trabalho 
de campo foi desenvolvido em dois bairros da região mais central, cujo CS 
foi denominado Acosta*, com grande contingente de estudantes, acesso a 
diversos serviços públicos e privados, servido por densa malha de transporte 
público. Enquanto o bairro atendido pelo CS denominado Bagé possui duas 
áreas bem distintas: sendo uma de alto poder aquisitivo e idade populacional 
média acima dos 45 anos e a outra de nível socioeconômico mais baixo, 
variação etária e população mais dependente dos serviços públicos de 
saúde e educação. 
No tocante aos participantes da primeira etapa da pesquisa, foram 
convidados homens entre 20 e 59 anos que se consultaram nos últimos 12 
 
* Os nomes dos serviços de saúde participantes da pesquisa aqui mencionados são 
fictícios, visando resguardar o anonimato destes e dos participantes da pesquisa, sejam 
médico(a)s e usuários. 
82 
 
meses, visando conhecer suas experiências na consulta médica, e homens 
da mesma faixa etária que não se consultaram com médico(a) de família nos 
últimos 2 anos. A escolha dessa faixa etária se deve ao fato de este 
segmento da população ser o alvo da PNAISH. 
 
4.3.1 Etapa 1: Entrevistas com homens usuários 
 
Para a realização da primeira etapa, foram utilizadas algumas 
estratégias de “entrada em campo”. Como pesquisador executante e 
responsável, compareci a reunião das equipes dos centros de saúde 
selecionados, expliquei os objetivos da pesquisa e entreguei folhetos 
contendo informação essencial sobre a investigação. Solicitei auxílio à 
equipe das unidades (especialmente o(a)s médico(a)s) na indicação dos 
participantes, homens de 20 a 59 anos atendidos no último ano ou que não 
tenham sido atendidos nos últimos dois anos por médico(a) de família. 
Enfatizei que homens que não tinham boa relação com membros da equipe 
deveriam ser incluídos a fim de evitar uma pré-seleção daqueles que 
poderiam emitir apenas opiniões favoráveis aos profissionais e ao serviço. 
Após algumas semanas, refiz o contato com médicos e 
coordenadores dos Centros de Saúde. Através do aplicativo WhatsApp ™ 
recebi os nomes indicados pelas equipes tendo contado com maior 
participação do(a)s médico(a)s do CS Acosta, seguidos das agentes 
comunitárias de saúde (ACS) e técnico(a)s de enfermagem. Por parte da 
equipe do CS Bagé houve maior participação dos ACS nas indicações dos 
potenciais participantes da pesquisa. Deste segundo CS, mantive contato 
com ACS durante algumas semanas devido à baixa taxa de resposta dos 
potenciais entrevistados. Esclareci e reforcei a necessidade de conseguir 
mais alguns nomes no intuito de manter número semelhante entre os 
serviços de saúdeparticipantes do estudo. 
No CS Acosta foram convidados 15 homens e 11 foram entrevistados 
enquanto no CS Bagé foram convidados 19 e sete entrevistas foram 
realizadas. Dessas, cinco foram agendadas para o domicílio e duas em local 
83 
 
público. Das 11 entrevistas do CS Acosta, oito delas ocorreram após 
consulta médica ou com a enfermagem no centro de saúde, duas em local 
público e a outra no domicílio do entrevistado. Ao final desta primeira etapa, 
foram realizadas 18 entrevistas, 11 do CS Acosta, sete do CS Bagé, que 
ocorreram em diversos locais conforme preferência do entrevistado, a saber, 
no centro de saúde (8), no domicílio (6), local de trabalho (3) e local público 
(1). 
A Tabela 4 sintetiza as informações sobre os convites e as entrevistas 
realizadas. 
 
Tabela 4 - Entrevistas com usuários conforme CS origem e local de 
realização 
 Local de realização 
ETAPA 1 
 
Convidados Aceitaram 
Centro de 
saúde 
Local 
público 
Domicílio 
CS 
Acosta 
15 11 08 02 01 
CS Bagé 19 07 - 02 05 
Total 34 18 08 04 06 
Fonte: elaborado pelo autor 
 
Quanto aos motivos de recusa, no CS Acosta a maioria se deu pela 
impossibilidade de efetivar contato telefônico (cadastro não atualizado da 
unidade), enquanto no CS Bagé a maior parte dos que recusaram afirmou 
não se consultar com médico(a) de família e/ou não consultar no Centro de 
Saúde por terem plano de saúde. Esta resposta foi surpreendente na medida 
em que seus nomes foram indicados por médicos ou agentes de saúde que, 
provavelmente, os conhecem há alguns anos. Outra justificativa seria o 
estranhamento, pelo convite na medida em que homens raramente são 
chamados a participar de pesquisas/entrevistas. No CS Bagé, a maioria dos 
potenciais participantes foi sugerida pelos agentes de saúde, sendo que um 
deles foi indicado pelo próprio pai entrevistado, enquanto no CS Acosta 
84 
 
houve maior participação dos médicos (as) assistentes e do próprio 
pesquisador abordando os homens usuários antes ou depois das consultas 
com ou sem intermediação dos funcionários da recepção. 
A realização das entrevistas se iniciou em junho de 2017. O roteiro de 
entrevista (ANEXO A) explorou aspectos relacionados à experiência dos 
homens durante as consultas médicas, desde o(s) motivo(s) que os levaram 
a se consultar, acolhimento e orientações recebidas durante a mesma, 
motivos de satisfação ou insatisfação, dificuldade de comunicação, 
atentando para a (não) paridade de gênero entre medico(a) e usuário. As 
entrevistas foram concluídas em agosto de 2018, quando consideramos ter 
atingido saturação. Segundo Gomes et al. (2005) e Fontanella et al. (2011), 
a saturação é alcançada quando o(a) pesquisador(a) percebe que alcançou, 
a partir da repetição das entrevistas, um corpus de falas, cuja riqueza e 
diversidade possibilitou a emergência de significados atribuídos à 
experiência dos usuários sobre o contexto da consulta clínica e a relação 
estabelecida neste contexto com o(a) médico(a)s. Ou seja, quando o 
pesquisador compreende que os depoimentos de novos participantes pouco 
acrescentariam ao material empírico já obtido, para a conformação das 
categorias temáticas antevistas e emergentes. Os resultados encontrados 
são apresentados nas Tabelas 5 e 6. 
A média de idade dos participantes foi de 43 anos respeitando a faixa 
etária contemplada na PNAISH, 20 a 59 anos de idade. Dos 18, sete 
nasceram em Florianópolis; quatro no interior do estado, cinco são oriundos 
de outros estados e dois são estrangeiros, sendo que um veio para o Brasil 
na infância. Quanto ao estado civil, oito são solteiros, oito casados, um 
separado e um viúvo. Nove deles têm filhos. Do total, dez trabalham, quatro 
estão aposentados, sendo que três por doença incapacitante; um 
desempregado e um afastado temporariamente por doença. Quanto a 
escolaridade, quatro não completaram 1º. Grau, oito completaram 2º. Grau, 
cinco completaram 3º. Grau sendo dois estudantes de pós-graduação. Dos 
18, um é negro, um pardo e os demais brancos (auto referido); quatro são 
homossexuais e os demais heterossexuais. 
85 
 
Tabela 5 - Caracterização dos entrevistados Etapa 1 da Pesquisa (CS ACOSTA). 
Fonte: elaborado pelo autor 
(*) – Denominação criticada por autores que a consideram implicar na retirada da responsabilidade do indivíduo (Schimidt, et al., 2019) 
 
CS ACOSTA 
 
Nome 
Estado 
Civil, 
Idade (a) 
Cor da 
pele 
Naturalidade Escolaridade 
Orientação 
Sexual 
Ocupação 
 
Consulta 
no 
último 
ano 
Contexto 
Familiar / Adoecimento 
Alfredo 
 
Solteiro, 
26 
Branca Florianópolis 2º Grau Homossexual Trabalha Sim Mora com os pais 
Amadeu 
Solteiro, 
34 
Branca Ceará 
3º Grau 
incompleto 
Homossexual Trabalha Sim 
AIDS. 1 ano acompanha com médico 
residente em MFC 
Antônio 
Solteiro, 
53 
Branca 
Grande 
Florianópolis 
1º Grau 
incompleto 
Heterossexual 
Aposentado 
por invalidez 
Sim 
Hipertenso, artrose. Aposentado. Filho 
dependente químico*. 
Ângelo 
 
Casado, 
58 
Branca Florianópolis 2º Grau Heterossexual Trabalha Não 
Faz 10 anos que consultou MFC 
através do plano saúde 
André 
 
Solteiro, 
37 
Branca 
Mato Grosso 
do Sul 
Pós-Graduando Homossexual Estudante Sim 
Atendido por MFC da mãe por vários 
anos. Diferentes MFC em Florianópolis 
Aureliano 
Solteiro, 
36 
Branca Colombia Pós-Graduando Heterossexual Estudante Sim 
Artur 
Separado 
49 
Branca Interior (SC) 2º Grau Heterossexual 
Afastado por 
doença 
Sim 
Dpd químico*, vive em Comunidade 
Terapêutica. ‘Crises de asma 
‘esconderam’. 
Augusto 
 
Solteiro, 
27 
Branca Interior (SC) 3º Grau Heterossexual Trabalha Sim 
 
Celíaco. Mãe falecida. 
Antunes 
Casado, 
53 
Negro Florianópolis 
1º Grau 
incompleto 
Heterossexual Trabalha Sim 
Foi atendido pelo MFC do CS há 30 
anos. Acompanha pré-natal. 
Amandio 
 
Casado, 
41 
Pardo Pará 
1º Grau 
incompleto 
Heterossexual Trabalha Sim 
Acompanha com MFC há 2 anos 
Acidente de caminhão. 
Alberto Viúvo, 52 Branca Florianópolis 2º Grau Heterossexual 
Aposentado por 
depressão 
Sim 
Episódio depressivo, 1 consulta com 
MFC, pretende dar seguimento 
86 
 
Tabela 6 - Caracterização dos entrevistados Etapa 1 da Pesquisa (CS BAGÉ). 
Fonte: elaborado pelo autor 
CS BAGÉ 
Nome 
Estado Civil, 
Idade (a) 
Cor da 
pele 
Naturalidade Escolaridade 
Orientação 
Sexual 
Ocupação 
 
Consulta 
no 
último 
ano 
 
Contexto 
Familiar / Adoecimento 
 
Vanderlei 
 
Casado, 
57 
Branca Interior (SC) 
1º Grau 
incompleto 
Heterossexual 
Aposentado 
pós infarto. 
Sim 
Enfartado aos 52 anos. Hipertenso 
e diabético. Há 5 anos 
acompanhado pelo mesmo MFC. 
Vagner 
 
Casado, 
55 
Pardo 
Rio de 
Janeiro 
3º Grau Heterossexual Aposentado Sim 
Acompanha com médico residente, 
troca anual (3 x), mas MFC do CS 
como referência 
Vilson 
(militar 
ref.) 
Casado, 
57 
Branca Interior (SC) 2º Grau Heterossexual Trabalha Não 
 
Acompanha com Cardiologista por 
HAS e Urologista há 6 anos. e 
uma consulta com MFC 
Vinicius 
 
Casado, 
40 
Branca Florianópolis 3º Grau Heterossexual Trabalha Não 
 
Músico, mora com namorada na 
casa dos pais. Acompanhou com 
MFC por episódio depressivo 
Vanderson 
 
Casado, 
33 
Branca Interior (RS) 2º Grau Heterossexual Trabalha Sim 
 
Acompanha há 5 Anos c. outro 
MFC no mesmo CS que o pai. 
Virgílio 
Solteiro, 
36 
Branca Argentina 2º Grau Heterossexual Trabalha Sim Vive no Brasil desde a infância 
Vitor 
 
Solteiro, 
40 
Branca Florianópolis 2º Grau Homossexual Trabalha Não 
Administrador Hospitalar. Mora 
com a mãe. Pai falecido, irmão 
(alcoolistas) 
87 
 
4.3.2 Etapa 2: Entrevistas com médicos de família e comunidade 
 
A segunda etapa, segundo o desenho original (e que se manteve) do 
estudo, teve início após a análise preliminar dos dados da primeira etapa. 
Para tanto, foram criadas vinhetas a partir de situações positivas e conflitivas 
captadas nasentrevistas com os usuários, as quais foram utilizadas nas 
entrevistas semi estruturadas com quatro médicos de família dos distritos 
selecionados. Segundo Veloski et al. (2005), vinhetas clínicas são usadas 
para avaliar abordagens médicas quanto a diagnóstico e tratamento sendo 
que a aplicação da técnica de pacientes simulados (‘standard patients’) seria 
mais adequado para verificar habilidades de comunicação e realização de 
exame físicos. Esta não foi utilizada pela falta de recursos financeiros e a 
logística necessária para convite e ensaio dos atores/atrizes, seguido de 
agendamento para consultas simuladas com os médicos participantes. 
Como critérios de inclusão dos médicos nesta etapa, tem-se a 
atuação há pelo menos dois anos na mesma unidade de saúde da ESF 
Florianópolis e que tenham realizado especialização lato sensu ou 
residência em medicina de família e comunidade. A Tabela 7 apresenta o 
perfil dos médicos entrevistados. 
 
Tabela 7 – Perfil dos médicos de família entrevistados. 
Nome Idade 
Experiência 
como MFC 
Tempo de 
atuação em 
Florianópolis 
Tempo 
de Atuação 
no CS atual 
Maior 
período 
atuando no 
mesmo CS 
Aurora 33 05 05 4 4 
Alice 33 05 04 4 4 
Raul 35 09 07 7 7 
Rildo 42 13 07 2 5 
Fonte: elaborado pelo autor 
 
Obs.1: Tempo medido em anos. 
Obs. 2: Todos atuam como preceptores dos alunos do Internato em MFC durante seu 
estágio de 2 meses e residentes de MFC por 2 anos. 
Obs.3: Dados relativos a 2018 quando ocorreram as entrevistas com os MFCs. 
 
 
88 
 
O roteiro para coleta de dados nesta segunda Etapa foi elaborado a 
partir dos achados e análises da primeira Etapa. Buscou-se elencar temas 
que expressavam situações prevalentes que afetavam a relação médica 
pessoa conforme os relatos de experiência e de acordo com os objetivos da 
pesquisa. A partir disso, foram selecionadas doze vinhetas (ANEXO B) 
(pequenos excertos de falas) que obedeceram aos preceitos recomendados 
para formulação de uma vinheta eficaz: instruções claras, situações realistas 
e estratégia para análise de dados (Veloski et al., 2005). Desta forma, as 
vinhetas foram apresentadas por escrito com o objetivo de explorar a 
experiência dos profissionais para que criassem ou compartilhassem 
abordagens a serem posteriormente apresentadas para apreciação do 
mesmo grupo de homens entrevistados na primeira etapa (Quadro 1). 
Quanto ao possível efeito sentinela em que o(a) médico(a) se sinta 
avaliado por um colega, este não foi observado na medida em que o 
entrevistador problematizava as propostas de abordagem para se obter mais 
detalhes e visando tornar a ideia o mais efetiva possível visando melhoria da 
comunicação com os homens atendidos. Além disso, os profissionais da 
rede de APS de Florianópolis tem o hábito de se exporem com os colegas e 
residentes das várias áreas de saúde, seja através de reuniões de equipe, 
grupos de PBI (‘Problem Based Interview’) em que se discute estratégias de 
comunicação utilizadas nas consultas ou ainda através de grupos Balint nos 
quais se discute formas de estabelecer relações médico-paciente mais 
adequadas (Brandt, 2009). 
Em suma, a metodologia escolhida visou provocar um diálogo entre 
as duas partes que convivem no consultório, mas que não costumam discutir 
a relação que vem a se estabelecer seja esta satisfatória ou não. 
 
 
 
 
89 
 
Quadro 1 – Orientação ao MFC diante das vinhetas recebidas. 
Ao MFC _________ - 
Nessa segunda parte da entrevista, a idéia é apresentar as seguintes 
vinhetas e que você comente aquelas que mais te chamam a atenção. 
Seus comentários devem tentar responder, propor uma abordagem ao 
que aparece na vinheta escolhida. 
Seria como você compartilhar sua experiência ao lidar com vinhetas 
que remetem ao que já vivenciou OU propor algo nas vinhetas q te 
provocaram seu interesse. 
Suas respostas (de forma anônima) serão levadas na 3ª. e última etapa 
aos homens entrevistados para que avaliem sua aplicabilidade. 
Fonte: elaborado pelo autor. 
 
Na tabela 8, são listadas aquelas que provocaram maior repercussão 
entre os médicos de família entrevistados. Optou-se por disponibilizar as 
vinhetas selecionadas livremente ao invés de direcionar para que um 
subgrupo fosse comentado. Considerando que os médicos convidados têm 
formação e prática clínica semelhante, observou-se que praticamente todas 
as quatro listadas abaixo foram alvo de reflexão pelos quatro profissionais a 
exceção do MFC Raul que escolheu outras vinhetas além das duas abaixo 
identificadas (1 e 4). A nomeação das categorias a partir das vinhetas de 
maior repercussão (resposta) se deu após a coleta de dados. 
 Dada a variedade de situações presentes na atenção primária, e 
aquelas trazidas pelos usuários na Etapa 1, foram priorizados temas 
complexos em relação à comunicação médico-pessoa, e alguns (a título 
comparativo) bastante recorrentes e de abordagem rotineira no serviço. 
Pretendeu-se assim problematizar tanto dificuldades corriqueiras quanto as 
incomuns da relação médico – usuário no sentido de proporcionar novas 
maneiras do profissional se colocar para a interação da díade conforme 
objetivo do projeto. 
90 
 
Tabela 8 – Vinhetas escolhidas pela maioria dos médicos de família 
entrevistados 
VINHETAS Escolhidas (*) 
MFC 
CONCEPÇÕES SAÚDE – DOENÇA e as 
MASCULINIDADES 
EXPERIÊNCIAS dos Homens nos serviços de APS 
“Nunca me cuidei, sempre fui um pouco relaxado, só 
queria trabalhar, trabalhar, e trabalhar, e não cuidava da 
saúde. Quando deu [Infarto], quando aconteceu isso daí, aí o 
cara cai na real e vi que se tivesse cuidado não teria sofrido 
tanto como eu sofri, né?” 
Rildo 
Aurora 
Raul 
Alice 
Frequente mudança de Médico (a) 
“... Mas cadê a médica que consultava comigo? primeira 
vez mudou a equipe, agora já é outra equipe. Aí depois tu ias 
lá de novo já era outra equipe. Então era tudo médico 
diferente, aí tu tinhas que contar tudo de um para outro, no 
final das contas era até chato sabe, porque tu tinhas que 
contar tudo de novo” 
Rildo 
Aurora 
Alice 
Tempo satisfatório, mas Atenção do Médico dividida 
“...todos eles me tratam super bem, não tem pressa na 
consulta, a minha consulta é mais longa do que um 
consultório particular, só que às vezes a gente está falando e 
a pessoa não está ouvindo preocupada com alguma coisa 
que está lá fora acontecendo.” 
Rildo 
Aurora 
Alice 
Consulta além da Abordagem Técnica 
“E assim... o suporte não só médico, emocional uma 
coisa assim, você saber que tem uma pessoa que está 
preocupada contigo, que quer saber como você está, toda vez 
que eu vim aqui, sempre. Eu sei que para o senhor isso é 
normal, né? 
Mas pra mim isso é muita coisa, que a pessoa quer 
saber meu peso, o que eu estou comendo, né? Aí só uma 
coisa que ela me perguntou, se a minha família sabe. A minha 
família não sabe [do diagnóstico de HIV]” 
Rildo 
Aurora 
Raul 
Alice 
Fonte: elaborado pelo autor 
 
No segundo semestre de 2018 foram entrevistados quatro médicos de 
família, sendo duas vinculadas ao Centro de Saúde Acosta e dois outros 
médicos com perfil profissional semelhante ao dos médicos (as) do CS 
Bagé, cujos usuários e pacientes do serviço aceitaram participar da pesquisa 
(Etapa 1). Desta forma, mantive a proporção médicos e médicas, assim 
como foi garantido o critério de ter experiência na rede de APS de pelo 
menos dois anos atuando num mesmo Centro de Saúde. Estas 
91 
 
prerrogativas, não previstas no desenho original do estudo, se deu a três 
motivos: 
1. Interesse dos convidados pela temática; 
2. Facilidade de acesso aos profissionais entrevistados; 
3. Fato de que o estudo visa estudar a relação médico + pessoa, 
mas não especificamente da díade médico(a) - paciente em determinado 
centro de saúde. 
O benefício desta mudança foi permitir maior conforto para os 
participantes na medida em que na 3ª. Etapa, a devolutiva na qual foi 
apresentada aopinião e abordagem proposta pelos profissionais não trazer, 
necessariamente, a opinião ou abordagem proposta pelo (a) médico (a) 
assistente com quem se tem uma relação estabelecida. Assim se evitava um 
potencial desgaste que poderia advir caso o homem se sentisse 
desconsiderado numa vinheta que o representava ou abordava tema 
pertinente a sua condição. Por exemplo, um homem soropositivo que viesse 
a considerar a forma como é abordado em suas consultas muito diversa 
daquela proposta por algum dos profissionais. Supondo, nesse cenário, que 
fosse revelada uma opinião estigmatizante, mas que não necessariamente 
teria sido emitida pelo seu médico(a). Considerou-se que a possibilidade de 
que tal opinião tivesse sido emitida por este(a) poderia vir a prejudicar a 
relação no futuro. Assim, a escolha de outros profissionais (dois dos quatro) 
permitiu reduzir a possibilidade desse potencial desgaste. 
 
4.3.2 Etapa 3: Devolutiva com os homens usuários 
 
A terceira Etapa, como prevista originalmente, constituiria em 
‘devolutiva’ aos participantes da primeira Etapa, através de grupos focais e 
entrevistas, para apresentar as abordagens médicas propostas na Etapa 2 e 
verificar sua adequação às expectativas daqueles homens. 
Percorrer a trajetória e identificar alguns benefícios dessa 
participação que resultou na melhora da aderência ao tratamento, redução 
92 
 
da quebra de continuidade no seguimento e aumento da satisfação 
(Chewning et al., 2012; Legare et al., 2014). 
A etapa da devolutiva ocorreu em março de 2019, um ano e nove 
meses após a realização das primeiras entrevistas. O roteiro para a 
execução dessa 3ª Etapa consta no Anexo C do presente trabalho. 
Conforme previsto no projeto de pesquisa, foi feito contato com os 18 
homens entrevistados na Etapa inicial, através de ligação telefônica e 
mensagens via aplicativo WhatsApp™. Numa mensagem curta, o 
pesquisador se reapresentou e os convidou a participar de um encontro com 
a presença de outros homens também entrevistados com objetivo de 
debater a abordagem proposta pelos médicos de família. Foram ofertados 
duas datas e dois horários, às 15 horas e às 17 horas, com duração prevista 
de duas horas. Além disso, foi solicitado sugestão de outra data conveniente 
visando manter a possibilidade de captar maior número de participantes. 
Vale esclarecer que, considerando o objetivo do estudo e a previsível 
dificuldade em obter resposta satisfatória, após longo período sem qualquer 
contato, o convite foi feito a todos os homens, isto é, sem limitar a vinculação 
a determinado centro de saúde. 
Após três tentativas ao longo de uma semana, quatro homens 
confirmaram participação em um grupo focal de 17 às 19 horas no centro de 
saúde situado no bairro mais próximo ao centro. Além destes, cinco homens 
aceitaram realizar entrevista individual, sendo que três delas ocorreram na 
própria moradia, uma no centro de saúde e uma em local público. 
Dos 18 usuários participantes iniciais, um se encontrava no exterior 
com retorno previsto para além do período destinado a coleta de dados. 
Assim, dos 17 potenciais participantes, nove foram entrevistados de forma 
individual ou grupal. Dos oito que não participaram, dois afirmaram não 
dispor de tempo e seis não responderam aos diversos convites realizados. 
Das cinco entrevistas individuais, de acordo com as preferências dos 
entrevistados, uma ocorreu no CS, uma em local público e três no domicílio 
(Tabela 9). 
93 
 
Tabela 9 – Distribuição dos participantes de acordo com a CS na devolutiva 
 Convidados Aceitaram Entrevista 
Grupo 
Focal 
CS Acosta 11 05 02 03 
CS Bagé 07 04 03 01 
Fonte: elaborado pelo autor. 
 
Em termos de tratamento dos depoimentos produzidos a partir das 
entrevistas semiestruturadas e grupos focais, foi utilizado o método de 
interpretação de sentidos, baseando-se em princípios que buscam 
interpretar o contexto, as razões e as lógicas de falas, ações e inter-relações 
entre grupos e instituições (Gomes et al., 2005). 
Na trajetória analítico-interpretativa, percorreremos os seguintes 
passos: (a) leitura compreensiva, visando impregnação, visão de conjunto e 
apreensão das particularidades do material da pesquisa; (b) identificação e 
recorte temático que emergem dos depoimentos; (c) identificação e 
problematização das ideias explícitas e implícitas nos depoimentos; (d) 
busca de sentidos mais amplos (socioculturais), subjacentes às falas dos 
sujeitos da pesquisa; (e) diálogo entre as ideias problematizadas, 
informações provenientes de outros estudos acerca do assunto e o 
referencial teórico do estudo; e (f) elaboração de síntese interpretativa, 
procurando articular objetivo do estudo, base teórica adotada e dados 
empíricos. 
Destaque-se que no tocante aos grupos focais, por sua especificidade 
de buscar o caráter coletivo da produção de sentido, a análise privilegiou, 
também, os consensos e discordâncias processadas pelos participantes do 
grupo. 
 
4.4 Aspectos éticos 
 
Em termos éticos, a pesquisa atende ao disposto na Resolução 
466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. O projeto foi submetido à 
94 
 
avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da 
Universidade de São Paulo (CEP ‒ FMUSP) e aprovado sob o n. 1.913.359 
(ANEXO D). Trâmite semelhante foi seguido junto a Escola de Saúde 
Pública da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, que através da 
Comissão de Acompanhamento de Projetos de Pesquisa em Saúde avalia a 
pertinência e rigor ético em todas as etapas do projeto de pesquisa (ANEXO 
E). 
A pesquisa de campo se iniciou após a aprovação regulatória e pelas 
instituições participantes da pesquisa. Todos os entrevistados, usuários e 
profissionais médicos, foram adequadamente informados sobre o projeto 
através de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que 
garante anonimato, confidencialidade e liberdade para interrompam a 
participação na pesquisa a qualquer momento (ANEXO F). Antes de iniciar 
cada entrevista os participantes receberam o Termo de Consentimento Livre 
e Esclarecido (ANEXO G), momento em que me disponibilizei para tirar 
dúvidas eventuais e reforçar a questão do anonimato, visando assegurar o 
participante de que não haveria mal-estar nas futuras consultas. A partir 
disso, o termo foi lido e assinado juntamente com o pesquisador. Etapas 
semelhantes foram cumpridas em relação aos médicos de família, bem 
como na etapa de devolutiva com os usuários. 
Na Terceira etapa, no que concerne a realização do grupo focal, 
contei com a assistência de um residente do Serviço Social que auxiliou na 
condução, explicação e coleta dos TCLE (ANEXO H) assim como aspectos 
sobre o sistema de saúde de forma geral. 
Foram garantidos o anonimato e a confidencialidade dos dados e dos 
participantes da pesquisa, bem como a possibilidade de interromper a 
entrevista a qualquer momento, em conformidade com os termos do TCLE. 
Para tanto, todos os nomes dos participantes (nas condições de usuários e 
médicos), foram trocados por nomes fictícios. 
Por questões éticas, os usuários participantes selecionados para as 
entrevistas não pertenciam a área adscrita do Centro de Saúde no qual o 
95 
 
pesquisador realiza suas atividades clínicas. Outra informação importante é 
a de que foi vedado ao investigador acessar os prontuários dos participantes 
do estudo para verificar dados de cadastro (telefone) ou aspectos clínicos. 
 
4.5 Impressões do pesquisador (médico) acerca do trabalho de campo 
 
Nesta breve seção, e considerando as implicações e as 
intersubjetividades envolvidas na relação entre pesquisador-campo de 
pesquisa, pesquisador-participantes da pesquisa, e entre distintos 
participantes, considerei relevante discorrer sobre algumas impressões e 
percepções sobre aquilo que em pesquisa qualitativa é denominado “o 
campo”. 
Tal relevância está diretamente relacionadaà escolha do método 
qualitativo, o qual propicia maior colaboração dos participantes da pesquisa 
com o pesquisador, na medida em que as interações são fundamentais para 
que se alcance em profundidade a experiência quanto ao fenômeno 
estudado. Entretanto, cabe ao pesquisador o cuidado na formulação das 
perguntas para se evitar o que Oliffe e Mroz (2005) ponderam ser 
equivocado quando os respondentes se sentem testados em seu nível de 
conhecimento da situação quando o objetivo precípuo desta investigação foi 
de conhecer a experiência dos homens acerca da relação estabelecida na 
consulta médica. 
Considerando os participantes usuários homens adultos no contexto 
da primeira etapa do campo, para alguns deles, este aspecto se mostrou 
desafiador por notarmos, principalmente no início da entrevista, a tentativa 
por parte deles de convergir para respostas que pressupunham ‘adequadas’ 
ou ‘mais agradáveis’, seja no modo reticente de responder ou, inserindo um 
elogio ao profissional ou equipe de saúde em geral de modo entusiástico, 
apesar de não ter perguntado acerca do profissional, da equipe ou sobre o 
serviço de saúde. 
96 
 
Esta dificuldade, inerente a metodologia escolhida, deriva de alguns 
conceitos arraigados ao lidar com profissionais de saúde, pois o sistema de 
saúde pública traz uma série de regras que os usuários, em maior ou menor 
grau, têm que se adaptar implícita ou explicitamente; um sentido de 
reproduzir uma certa “tradição”. A título de exemplo, houve um entrevistado 
que, na segunda entrevista (devolutiva), mencionou o receio de reclamar 
pois lembrava do cartaz afixado no centro de saúde que alertava sobre o 
risco de processo judicial para o usuário que distratar o funcionário público. 
Nas consultas médicas, por exemplo, muitas vezes os profissionais (e 
inclusive o pesquisador) se deparam com pessoas que trazem sintomas 
adornados pelo jargão médico, na tentativa de colaborar com o profissional 
para que a consulta se torne mais rápida e eficaz, o que não se comprova na 
maioria das vezes. 
Um outro exemplo que merece destaque, dado o desenho 
metodológico do estudo: na seleção dos participantes, os profissionais 
médicos pediam autorização de seus pacientes no intuito de indicá-los para 
participar do estudo, mediante anuência destes. Assim, pode ter ocorrido o 
viés de “busca de convergência” (‘social desirability bias’) (Babbie, 1983) 
quando o respondente tenta moldar sua resposta para aquilo que pareça 
apropriado ou politicamente correto. Em outras palavras, alguns usuários 
podem ter demonstrado interesse em colaborar, como forma de “agradar” ou 
não “contrariar” seu (sua) médico (a) assistente. Para tentar minimizar esse 
efeito indesejado, na primeira etapa antes de iniciar a entrevista eu reforçava 
que os profissionais não sabiam quais daqueles indicados viriam a participar 
da entrevista. Este cuidado foi facilitado na terceira etapa, a devolutiva, pois 
o intervalo em relação a etapa inicial foi de seis a 21 meses. Além disso, 
havia se passado o desconforto inicial inerente a este tipo de entrevista. 
Relacionado a este aspecto, mas problematizando quanto à paridade 
de gênero entre pesquisador – participantes, Oliffe e Mroz (2005) endossam 
o impacto sobre a dinâmica e compartilhamento de informação. Nesse 
sentido, Williams e Heikes (1993) descreveram a denominada performance 
de gênero em estudo realizado com enfermeiros entrevistados por 
97 
 
pesquisadoras. A fim de buscar reduzir o viés do gênero do entrevistador 
(masculino) ao conversar com homens (Sallee e Harris, 2011), convidei uma 
psicóloga com experiência em pesquisa qualitativa para realizar duas das 
entrevistas da primeira etapa, a fim de avaliar a necessidade de me afastar 
ou reconfigurar as estratégias da produção das entrevistas. Conforme 
material transcrito, e em discussão com a orientadora, definimos que eu 
poderia dar seguimento com as demais entrevistas, já que não houve 
diferenças significativas na linguagem, conteúdo e postura dos participantes 
quando da presença do pesquisador ou da pesquisadora. Esses aspectos 
foram trazidos no grupo focal quando os entrevistados, já se sentindo mais à 
vontade, buscavam entender o ‘real’ motivo do estudo, onde eu trabalhava e 
o porquê de realizar a investigação fora do local de atuação clínica. 
Merece também consideração, o fato de o entrevistador ser médico 
de família na rede municipal de Florianópolis, o que pode ter criado algum 
embaraço, especialmente na parte inicial das entrevistas da primeira Etapa. 
Entretanto, ficou manifesto que, ao longo da entrevista, quando os poucos 
que se lembravam deste fato, o faziam de forma positiva, já que esse 
aspecto criava certa cumplicidade quanto ao entendimento da situação 
compartilhada, como por exemplo, na dificuldade de adesão a algumas 
orientações médicas às quais eu me referia ao longo da entrevista inicial ou 
na devolutiva. Nesses momentos, a entrevista ficava mais rica pela 
exposição mais detalhada das experiências do homem entrevistado, 
conforme Vanderlei descreve abaixo. 
Entre os benefícios trazidos pelo estudo, percebi que alguns homens, 
durante as sessões de entrevistas e nas devolutivas, se instrumentalizaram 
quanto ao funcionamento da APS no município e sua relação com o nível 
secundário de atenção à saúde, além de esclarecer dúvidas acerca da 
inserção de sua consulta no contexto da ESF. Esse aspecto foi reforçado no 
grupo focal pela presença de um residente do Serviço Social da Residência 
Multiprofissional vinculada a PMF atuando em outro centro de saúde, que 
trouxe aspectos sociais e políticos para melhor compreensão das 
particularidades da rede do município. Considero estes momentos de grande 
98 
 
valor pelo potencial em suscitar interesse em participação social desses 
atores tradicionalmente alheios aos mecanismos existentes como o conselho 
local de saúde. Esse debate foi enriquecedor para a desmistificação do que 
seja pesquisa, situação a qual os homens não costumam estar afeitos, 
principalmente ao se tratar da abordagem qualitativa. 
Em suma, ao final do trabalho de campo, considero que a 
metodologia desenhada e aplicada em três etapas propiciou maior reflexão 
no intervalo entre a primeira e última etapa, que foi concebida para oferecer 
a devolutiva a partir das experiências que compartilhei junto aos 
profissionais médicos entrevistados na segunda etapa. Portanto, naquele 
momento, seja através de nova entrevista individual, seja através do grupo 
focal, alguns homens tiveram oportunidade de elaborar algumas de suas 
colocações iniciais. 
Dessa forma, na fase de devolutiva com Vanderlei, um ano e nove 
meses depois da primeira entrevista, eu me reaproximei de um aspecto que 
havia sido relegado anteriormente retomando o episódio do ‘susto’ sofrido 
quando sentiu mal-estar ao fazer atividade física extenuante e sozinho. Na 
ocasião optei por não o interromper, mas na devolutiva pude investigar em 
mais detalhes como ele havia processado a orientação recebida de seu 
médico de família que o acompanhava há cinco anos: 
V-... então, às vezes, eu vou até de bicicleta, mas aquela coisa o cara 
vai, mas como eu já fui... 
E- O senhor já teve um susto, né? 
V- Já tive que parar no caminho, né... 
E- Com dor. 
V- Isso eu tive que parar, porque... 
E- O senhor me contou que fez, era uma ’bicicletada’ longa que o 
senhor fez, foi lá na beira mar... 
V- É, é... 
E- O senhor vai longe também, né? 
V- É o cara se empolga, o cara se empolga e vai embora sabe, o cara 
não para. 
E- Tá gostoso, né... 
99 
 
V- Sim, é... 
E- Tá se divertindo, está esfriando a cabeça. 
V- Exatamente. 
E- Refrescando a cabeça. 
V- Na hora tu não lembra de nada [orientação do médico para não ir 
longe, nem fazer atividade física sozinho], só lembra de ‘porra como está 
legal pedalar’, olha pra um, olha pra outro, né, então o cara... 
E- Distrai.V- Distrai, então e pra mim é bom caramba sabe, é muito bom. 
E- É bom pra cabeça? 
V- Pra tudo, né, pra tudo... então o cara trabalha de zelador, então tu 
anda bastante, então tu bota a máquina nas costa e vai cortar grama, então 
tu fica o dia todinho envolvido com aquilo dali, tu acredita eu falei para o 
doutor Guilherme, para o doutor [MFC dele] eu disse assim: ‘até a minha 
insulina, o meu açúcar baixou de trezentos passou pra cento e poucos, 
cara’... 
 
Como se verifica nesse trecho, ele confundiu meu nome com o do 
médico que o acompanha há cinco anos e com o qual demonstrou ter bom 
vínculo. Além disso, ele descreveu que, apesar de ciente da orientação 
recebida, não resistiu a realizar atividade prazerosa mesmo sob risco para 
sua saúde física. Nessa segunda entrevista, inclusive, ele se queixou como 
a vida havia ficado monótona na medida em que os familiares não 
dispunham de tempo para acompanhá-lo na atividade física conforme 
orientação médica. Estes aspectos devem ser considerados e 
problematizados na interação com os homens, pois a adaptação a novos 
hábitos vai além da compreensão da necessidade da mudança de hábitos. 
Acredito que, baseado numa relação horizontal e franca amadurecida ao 
longo do tempo pode se buscar adaptações ao que seja preconizado, mas 
sempre considerando o indivíduo, seu contexto e seu desejo em manter 
autonomia, principalmente quando limites tentam obstruir a plena realização 
do indivíduo. Infelizmente, a longitudinalidade dessa relação se vê fragilizada 
pela frequente troca de médico (a) como será discutida em outro capítulo. 
No grupo focal Alberto (A) lembrou da entrevista realizada na primeira 
etapa, sete meses antes, e trouxe para o contexto da discussão em grupo o 
100 
 
potencial existente na consulta com médico (a) de família diante da 
possibilidade de abordar outros aspectos além da sintomatologia ou da 
renovação de uma prescrição, como ele manifestou que fazia. 
A- O senhor falou naquela entrevista comigo ali [na sala em que foi 
entrevistado meses antes] que tu [o homem] entra no consultório, se puder 
falar outras coisas, tu tem que te abrir com o médico, não... Daí eu 
perguntei: ‘doutor, pode?’ 
E - Pode. 
A - Entendeu ? (se dirigindo aos demais), não é só saber do teu 
problema, tu tem a liberdade de contar outros problemas, de... 
E- Sim, e esclarecer... será que uma coisa [queixa] tem a ver com a 
outra?... 
A- Exatamente.[de forma enfática] 
 
Ou ainda o trecho em que Antonio se interessa em conhecer sobre o 
processo de pesquisa: 
Antonio- Tu trabalha aqui não? 
... 
Antonio- Pela prefeitura? 
E- Pela prefeitura, eu estou há cinco anos na mesma unidade [Centro 
de saúde]. 
... 
Antonio- Por que tu veio aqui nesse C. Saúde [nome do CS]? 
E- Porque a minha pesquisa não podia acontecer junto das pessoas 
que eu atendo, porque, em geral, é um constrangimento. Imagina quando eu 
fiz a sua entrevista você de repente tem uma situação ruim tua comigo em 
uma consulta como é que você ia falar isso pra mim, pra evitar esse 
constrangimento eu vim para outro território. 
Antonio - Foi só aqui nesse bairro [as entrevistas]?* 
E- Aqui e outro bairro, e eu não passo pra elas [médicas] quem eu 
entrevistei, elas não vão ficar sabendo, isso aqui [sobre esse encontro] 
quando for publicado [eu vou descrever como] ‘são homens dos dois bairros, 
dessa faixa-etária’, entende? Para que todo mundo ficasse bem à vontade 
pra responder, isso tudo são preocupações de uma pesquisa, pra [o texto] 
ficar o mais isento [neutro] possível... 
 
* Observação do Pesquisador - Percebe-se como o entrevistador se tornou entrevistado, em 
parte, porque eles se sentiram mais à vontade para perguntar nesse segundo encontro. 
 
101 
 
 
Conforme ilustrado pelos trechos acima, o grupo focal permitiu uma 
multiplicação de enfoques e maior envolvimento dos participantes (Krueger, 
1994; Bauer e Gassel, 2015). Além disso, propiciou o debate sobre vários 
temas, entre eles, supostamente de maneira inédita neste grupo, acerca dos 
direitos dos usuários, sobre a APS e as particularidades da abordagem da 
medicina de família. Ao longo das entrevistas e grupo focal ficou nítido como 
a especialidade ainda é desconhecida pelos participantes apesar de 
solidificada na APS de Florianópolis há pelo menos 15 anos. 
102 
 
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO 
 
5.1 Concepções saúde–doença e as masculinidades: as experiências 
dos homens nos serviços de APS 
 
A partir das falas dos entrevistados, esta categoria visa discutir a 
interseção do binômio saúde e doença e alguns aspectos do autocuidado na 
sua interface com as masculinidades. Desta forma pretendemos debater a 
trajetória percorrida pelo homem naquilo que compreende como 
necessidade de busca do cuidar de si no serviço de saúde. Cabe aqui 
esclarecer que não acredito que a busca do cuidado se reduza a procura 
pela consulta, até porque esta ação pode se desdobrar na crescente 
medicalização das queixas e investigações diagnósticas sem evidência 
científica o que tem sido verificado de forma ‘avassaladora’ no setor privado 
que muitas vezes adere a lógica de que o ‘cliente tem sempre razão’. Neste 
caso, para determinado segmento da população, a busca da saúde se reduz 
a um mero produto a ser consumido cuja qualidade se mede pelo número de 
exames complementares solicitados e medicamentos prescritos. 
Infelizmente esse viés tem avançado sobre a consulta no serviço público no 
ambiente da APS sob a égide da busca de seus direitos, enquanto no setor 
privado se traduz na compra de planos de saúde ‘premium’ ou na consulta a 
profissionais adeptos dessa lógica Na APS*., essa temática será analisada a 
partir das experiências vivenciadas pelos entrevistados. 
 Entre os 18 homens se percebe ampla gama de fatores que os 
levaram a consultar. O sexagenário Vanderlei, por exemplo, se dedicou ao 
trabalho até que adoeceu e se viu obrigado a frequentar o serviço de saúde: 
Nunca me cuidei, sempre fui um pouco relaxado, só queria trabalhar, 
trabalhar e trabalhar e não cuidava da saúde. Quando deu, quando 
aconteceu isso aí. Daí o cara cai ‘na real’ e depois vê que se tivesse cuidado 
(risos) não teria sofrido tanto como eu sofri né. 
 
* Gomes et al. (2007) esclarecem que essa procura não necessariamente alude a uma 
preocupação em cuidar de si, nem tampouco a reduza, mas consideram que em nossa 
sociedade a busca pelo serviço já emana tal preocupação. 
103 
 
 
Já a trajetória de Ângelo, 58 anos, repercute achados de outros 
estudos apresentados anteriormente acerca do cuidado de saúde entre os 
homens (Couto et al., 2010; Gomes et al., 2010; Pinheiro et al., 2012): 
 É, doutor, eu não sou muito de frequentar médico, então pra mim eu 
procuro se eu tiver sentido algum desconforto em mim mesmo, por enquanto 
está tudo certo. 
Foi tudo tranquilo, tudo bem, eu estou bem né, graças a Deus. Então 
não tem por que tá ruim. Então eu fui justamente porque a mulher pega no 
pé: ‘vai fazer uns exames, ver como tu tá’, esse é o motivo [para consultar]. 
E- Uhum, tá, mas o senhor estava tranquilo, ficou meio apreensivo? 
E4- Não, não, tranquilo. 
E- Foi tranquilo? 
E4- Tranquilo como estou tranquilo agora, conversando com o senhor 
agora. 
 
Faz-se necessário contextualizar essa entrevista que ocorreu no meio 
da tarde em sua loja. Ao longo de uma hora, apenas uma pessoa passou e o 
cumprimentou. Ainda assim, Ângelo não demonstrava tranquilidade, na 
verdade se mostrava ressabiado, desconfortável com as perguntas acerca 
de sua experiência de consulta. Sua expressão era de querer entender 
algum motivo subjacente para se detalhar algo que, no seu relato, parecia 
tão simples: ‘Agendar consulta pressionado pela esposa, realizar exames, 
resultados normais, dever cumprido’. 
Esta situação de aparente normalidade, quando, de fato, seria o 
período assintomático, não é tão estável ou perene como ele tenta 
transparecer. Bastanotar sua inflexão ao afirmar ‘por enquanto, está tudo 
bem’, o que denota reconhecimento do imponderável, pois pelo menos até 
aquele momento sua estratégia foi satisfatória. Também foi curioso 
contrastar seu estilo em lidar com a consulta médica quando comparada à 
sua atitude diante da consulta com dentista da qual sabia o nome da 
profissional e agendava consulta regularmente sem necessidade de 
interferência da esposa. Interessante observar que a postura tradicional de 
104 
 
‘chefe da casa’ ou se colocar como detentor da ‘última palavra´ em outros 
domínios como aspectos financeiros, decisões quanto ao trabalho se 
esvanecem ao tratar de sua própria saúde pois assume que delega a esposa 
a marcação de consulta. Robertson (2009) caracteriza essa atitude como 
uma tentativa de manter a performance masculina hegemônica intacta. Além 
disso, esta atitude propicia a justificativa para se consultar, pois, em última 
análise, o homem não costuma considerar legítima sua presença no 
consultório quando assintomático. Nesse sentido, devemos cogitar que o 
diferimento pode estar relacionada a noção de que a busca por atenção 
médica remete a potencial desfecho desfavorável, aqui entendido como 
ameaça a sua independência, crença na sua invulnerabilidade, limitação 
para o trabalho ou ainda o vislumbre da morte. Esta associação já foi 
observada anteriormente no estudo de Gomes et al (2011). Sadovsky (2005) 
e Holland (2005) defendem que parceiras devam ser incluídas como 
motivadoras para que os homens venham a se consultar, estratégia refutada 
por Robertson (2009) que recomenda auxiliá-los a buscar formas de 
legitimarem a adoção de estilo de vida mais saudável. 
Ângelo e Vitor, por exemplo, demonstram uma ‘aproximação 
cautelosa’ na qual destacam que a ausência de sintomas e/ou exames com 
resultados normais ratificam aquilo que entende como estar saudável (OU 
atestam a garantia procurada, ‘não estou doente (sintomas), ‘não tenho que 
me limitar ou abrir mão do que gosto’). Vitor, 40 anos, técnico de 
enfermagem atuando no setor administrativo de um hospital em 
Florianópolis, se mostrou favorável a busca de cuidados preventivos 
baseado no seu conhecimento teórico ainda que não o aplicasse de forma 
efetiva: 
Exatamente acabo não fazendo, de acordo com o meu [meu grifo] 
protocolo. Mais é questão de tempo também e comodidade, no caso eu faço 
caminhada, três, quatro vezes na semana...então como aparentemente 
estou bem de saúde, acabo não solicitando alguns exames pra fazer um 
check-up né? A idade vai chegando o correto seria fazer um check-up pra 
verificar se está tudo ‘ok’ e de preferência no posto de saúde com o médico 
de família, justamente também pra reduzir custo, porque se você faz algum 
diagnóstico ali você será encaminhado, senão você não precisaria usar os 
105 
 
hospitais, emergências, quando tivesse um problema simples que acha que 
é grave, né, muitas vezes acha que é grave”. 
 
Esta posição de valorizar os exames complementares como ’atestado 
de saúde’ conta com o subsídio de sociedades médicas como a de urologia 
(SBU) que preconiza que a população masculina realize exames como a 
dosagem sérica do PSA e se submeta ao toque retal a partir dor 50 anos e 
para os homens de raça negra ou com parentes de 1º. Grau acometidos 
seriam orientados a procurar ‘profissional especializado’ para iniciar 
rastreamento aos 45 anos*. Esta orientação pressupõe a redução de 
mortalidade, o que não se sustenta na literatura científica na qual se baseia 
o INCA (2013), SBMFC (2015) e outras instituições de renome internacional 
como o NHS (sistema de saúde do Reino Unido)**, a USPSTF dos Estados 
Unidos da América (Fenton et al, 2018) e ‘Canadian Task Force’*** que não 
recomendam rastreamento antes dos 55 anos de idade pela maior incidência 
de riscos do que benefícios. 
Ainda assim, um segmento da população masculina brasileira é 
cooptado a aderir ao rastreamento sob a expectativa de garantir sua 
invulnerabilidade. Ironicamente, as consequências relativas aos efeitos 
colaterais pouco divulgados podem contribuir para a perda dessa 
invulnerabilidade seja através da disfunção erétil ou da incontinência urinária 
conforme verificado pelas revisões sistemáticas mais recentes. Entre 
aqueles que aderem, Vilson, 55 anos, demonstra postura proativa e 
descreve sua decisão de forma contundente: 
(...) eu trabalho da seguinte maneira: tudo que aparecer em mim eu 
vou tentar resolver o mais cedo possível, nunca tenho medo de cirurgia, 
nunca tenho medo de nada. Se aparecer um câncer agora eu fiz esse daí do 
 
* Disponível em: <https://portaldaurologia.org.br/medicos/destaque-sbu/nota-oficial-2018-
rastreamento-do-cancer-de-prostata/>. Acessado em 21/02/2020. 
** Disponível em: <https://www.nhs.uk/conditions/prostate-cancer/psa-testing/>. Acessado 
em 29/02/2020. 
*** Disponível em: <https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/prostate-
cancer/>. Acessado em 29/02/2020. 
 
https://portaldaurologia.org.br/medicos/destaque-sbu/nota-oficial-2018-rastreamento-do-cancer-de-prostata/
https://portaldaurologia.org.br/medicos/destaque-sbu/nota-oficial-2018-rastreamento-do-cancer-de-prostata/
https://www.nhs.uk/conditions/prostate-cancer/psa-testing/
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/prostate-cancer/
https://canadiantaskforce.ca/guidelines/published-guidelines/prostate-cancer/
106 
 
teste [PSA], se aparece algum problema vamos em frente, enfrentar, porque 
quanto mais cedo melhor, se esconder pra que? Então eu trato assim. 
 
E lamenta a postura de alguns amigos que não seguem sua escolha: 
(...) e muitos nem vão. Tem amigos meus que tem problema de 
ejacular, por exemplo, a urina e não foi nem fazer o teste de PSA porque 
tem medo da picada o de saber que tem alguma coisa... 
E- E o senhor fala com eles isso... 
Vi- Já falei várias vezes. 
E- Deu o seu exemplo, falou da sua experiência? 
Vi- Não adianta. 
E- E por que o senhor acha... 
Vi- Não sei, ele é gaúcho, aí sei lá é macho, acho que isso aí não leva 
nada, daqui a pouco ele vai embora e vai deixar a gente, infelizmente. 
E- É, e mais de uma pessoa? 
Vi Tem, têm vários. Já perdemos várias pessoas [nas Forças 
Armadas] que são assim, nunca foram daí quando foram não tinha mais jeito 
e diziam pra gente: “puxa nunca prestei atenção nisso aí que falavam, que a 
gente tinha que fazer depois dos quarenta”. 
 
A análise dos discursos configura a existência de dois polos: Vilson e 
Vitor, com as devidas observações já realizadas, se encontrariam no polo 
proativo onde o homem busca garantias quanto a sua saúde através de 
exames. Enquanto no polo reativo, definido por Machin et al. (2011) como 
“(...) ausentes, pouco participativos, impacientes, desconhecedores dos 
códigos sociais que permeiam o atendimento na APS, aqueles que buscam 
práticas curativas, etc” (p.4510) estariam Vanderlei e Angelo. Essa postura 
traduz o receio de que a consulta venha a romper a aparente segurança de 
sua pretensa invulnerabilidade, o que foi explicitado por Vanderlei (V), 57 
anos, aposentado após ter enfartado: 
E- Mas o senhor acha que tinha receio, medo de que podiam 
descobrir alguma coisa [caso fosse consultar]? 
V - Exatamente... 
E- ‘Deixa quieto’... 
V - É. 
107 
 
E- ‘Deixa quieto, não mexe’. 
V - Um pouco foi isso, porque eu já tive pessoas da família que foi, 
que mexeu naquilo ali sabe... 
E- E aí o que aconteceu? 
V - E aí descobriu, né, aí entrou em depressão e, né, ao invés de ficar 
melhor, ficou pior, então eu lembrava disso daí também, né... 
E- E era gente próxima do senhor? 
V - Uma foi a minha mãe, né, que entrou em depressão, a minha irmã 
a mesma coisa, a minha irmã mais velha, também foi assim, ela entrou em 
depressão, porque descobriu que tinha diabetes, descobriu que tinha... 
E- Problema parecido com o senhor? 
V - Igual o meu, tinha que fazer uma cirurgia, essas coisas todas. 
E- Entãoo senhor foi vendo isso na sua volta... 
V - Isso aí, né, aí o cara receio, fica com receio de ir no médico... 
E- Aham sim, e aí o trabalho toma conta do resto? 
V - É, aí o cara só fica atirado, se eu for mexer com isso vai aparecer, 
então eu vou trabalhar e não vou cuidar da saúde, sabe isso era o que 
pensava, né, mas não foi bem assim... 
 
Outro aspecto intimidante embutido na busca do cuidado através da 
consulta é o receio dos homens de que venham a sofrer restrições e até 
proibições quanto a manter seus hábitos que trazem prazer em seu dia a 
dia, o que contraria um dos aspectos mais valorizados (Courtenay, 2000), 
que seria a preservação de sua autonomia, como descrito por Vanderlei: 
(V) - Gosto, gosto de caminhar, gosto de pedalar, mas aí aquele 
negócio relaxei em tudo, sabe? Quando eu fiz a cirurgia eu perdi vinte e seis 
quilos. 
E- Ficou com cinquenta e poucos. 
(V) - É, sim eu estava legal cara, fininho... 
como o cara está acostumado a comer bem. 
E- Tirou a atividade. 
(V) - Ah sim, aí também... 
E- Sai do trabalho. 
(V) - É, também não podia, pra eu caminhar, ele mesmo o doutor 
[MFC ] me indicou que eu não podia ir sozinho, [dizia] ‘sempre tem que ir 
alguém comigo’, 
108 
 
mas é difícil o cara, em casa. 
E- Mesmo hoje em dia depois de tanto tempo devia ter esse cuidado? 
(V) - Sim, sim. 
[Telefone toca] 
E- Então [havia] recomendação de ter alguém para caminhar junto 
e não tinha ninguém [disponível] em casa? 
(V) - Não tinha, os meus filhos todos trabalham, então é difícil. Não 
tem, até no começo me ajudaram um pouco, a gente ia à noite, me deram 
uma força assim, sabe. O cara não pode obrigar, porque eles trabalham no 
outro dia 
e eu não, não faço nada, né? Então pra mim... 
E- E como é que fica o dia para o senhor agora? 
(V) - Ah, é assim né, como diz o outro ‘come, bebe e dorme’, 
não faço nada, passa o dia não faço nada. 
E- Fica desanimado, dá uma tristeza? 
(V) - Ah, sim, como dá, porque era uma coisa que eu gostava muito 
 de caminhar, gostava muito de pedalar, saía todo dia cedo ia pedalar. 
 
De acordo com a metodologia da pesquisa, as principais colocações 
de alguns homens foram apresentadas para quatro médicos(as) de família 
que compartilharam seus pontos de vista através de entrevista individual. A 
MFC Aurora, por exemplo, reflete sobre aspectos envolvidos na tomada de 
decisão quanto a consulta médica: 
(...) alguns ‘não querem vir [consultar] também pra não descobrirem 
nada’; que fique ‘dependente do serviço’, de ficar vindo várias vezes Além 
da questão do trabalho, que a pessoa acaba priorizando outras coisas em 
relação a saúde, alguns têm medo de que encontre coisas, mas sim dela 
mesma ter que se cuidar, ter que tomar várias medicações, ter que correr 
atrás das coisas pela saúde dela. 
 
Vinícius, 40 anos, que não tem um trabalho formal, reflete sobre o 
aprendizado em sua família da maior relevância do trabalho em relação a 
consulta, mas enfatiza a prioridade que o cuidado a saúde exige 
contrariando a fala de Amadeu, que destacou o risco do desemprego, e se 
ancora na reflexão da médica Aurora: 
109 
 
(...) eu escutei desde pequeno, né, o negócio do trabalho. Também eu 
acho que pra quem já não está muito, né, a fim de ir, né, coloca como 
desculpa o trabalho, né, 
 tem medo que encontre coisa, né, se cuidar, é assim como a médica 
[Aurora] fala da prioridade da saúde, né, tem que correr atrás de coisas pela 
saúde, sim claro. 
 
Nesse contexto de forças tensionando entre a pertinência em se 
consultar e a pressão do mercado de trabalho desfavorável, mesmo 
Amadeu, que se mostrou proativo no que concerne a busca da consulta 
quando entende ser necessária, alertou que o processo de tomada de 
decisão é influenciado não só pelo aspecto cultural, mas também por 
aspectos socioeconômicos: 
(...) mas vou complementar aqui a [fala] da [médica] Aurora. Não é só 
isso, não é só questão cultural, também tem a questão estrutural... quando 
você está principalmente numa época de desemprego aqui em Florianópolis 
tem uma alta rotatividade, né? quando tu é jovem, quando tu trabalha, os 
primeiros três meses [se] tu falta muito, tu não renova contrato. Aí o pessoal 
fica guardando doença por três meses, seis meses, pra não desagradar na 
empresa. Aí o que eu penso que tem essa vulnerabilidade socioeconômico 
que não tem como contornar, não é cultura, é sócio econômico, porque a 
pessoa, na questão de priorizar o trabalho, precisa ter trabalho... 
 
A preocupação aparentemente corriqueira descrita por Amadeu 
encontra ressonância na análise de Hone et al. ( 2019) cujos dados do 
período de recessão econômica entre 2012-2017 exacerbada pela 
precarização do trabalho mostrou a correlação entre recessão e excesso de 
mortes, sendo os grupos mais atingidos os homens, negros ou pardos, de 30 
a 59 anos de idade. 
O MFC Raul, na sua prática clínica, problematiza o peso que o 
homem se impõe ao privilegiar o trabalho em detrimento do cuidado a 
saúde: 
Mas como médico, considero o homem como vítima desse sistema, 
 da sua dificuldade de se desvencilhar das várias obrigações: 
 ‘tem que sustentar casa, etc’ e o restante deixa de ser importante. 
110 
 
A gente precisa perceber na nossa vida e levar para o consultório, 
perceber o significado da vida além do trabalho. 
O que dá sentido para vida? 
 
Na 3ª etapa do estudo, devolutiva, quando esta colocação foi 
apresentada a Augusto (A), 27 anos, Antropólogo e economista, ele 
demonstra ambivalência: mostra-se proativo em relação a busca de 
informação dentro e fora do consultório acerca da doença celíaca, 
diagnosticada há cinco anos, mas reproduz a postura do polo do reativo 
quando, mesmo ciente dos riscos, coloca o trabalho acima do cuidado com 
sua saúde : 
A - Então tu pensa assim, tem muito essa questão de ser, ‘ah eu sou 
forte, eu sou macho’, não sei o que lá, por alguma razão realmente ele [pai] 
forte pra caramba, sei lá, a saúde dele está absolutamente destruída, o 
corpo dele está destruído, não sei como ele está vivendo, meu pai já tem 
setenta, apesar de eu ser novo ele é quase um ’pai avô’ assim digamos, e 
eu sempre acreditei, eu acreditava que eu tinha tentado me criar pra ser 
diferente dele, mas o que eu percebi é que, às vezes, eu faço coisas que 
talvez eu não destrua a meu corpo fumando e bebendo álcool, mas eu 
trabalho demais, talvez eu faça mal mais ao meu psicológico do que meu 
corpo, eu sempre me alimento muito bem, minha alimentação é redonda, 
mas... 
E- Até porque você tem uma questão de saúde que se você não 
cuidar... 
A - É sou obrigado, doença celíaca e lactose eu tenho que me 
alimentar bem, eu tenho que fazer minha comida, mas eu admito que 
principalmente a questão psicológica eu provavelmente eu passo demais, às 
vezes, do limite de trabalho, de cansaço, de stress, por sorte nunca meu deu 
nada o que me faz continuar focando no erro. 
E- E esse médico [RAUL] então que falou isso, né, dessas perguntas 
que ele coloca na mesa tipo ‘o que dá sentido pra vida’ e ‘como é que fica a 
busca pela saúde’, se a gente carrega todas essas obrigações, se ele te 
colocasse isso, você acha que isso de alguma forma possa te ajudar? Ou... 
A - É que eu acho que é muito uma questão de que assim eu sei o 
que eu estou fazendo de certa forma faz mal para minha saúde, mas a 
crença é, se eu não trabalhar, se eu não me esforçar, se eu não der cem por 
cento agora, talvez eu não consiga fazer nada vida assim. Então vale a pena 
o risco de arriscar a minha vida num curto prazo pra talvez ter um longo 
prazo mais interessante, mais prazeroso, do que, é uma questão de 
sacrificar o presente pra ter o futuro assim, se não tiver fazendo isso talvez a 
111 
 
vida perca o sentido assim sabe, se eu não tiver fazendo algo que seja, 
produzindo, né, se tu não está produzindo eu acho que a tua vida perde um 
pouco o sentido, né... 
E- Mesmo colocando a tua saúde em risco?A - Absolutamente. 
E- Está ciente de que está colocando... 
A - Sim, sim. 
E- Mas ainda assim você acha que vale a pena? 
A - Eu acho que vale a pena o risco, porque se eu não tiver isso eu 
não tenho mais nada pra mim, eu sou muito, ganância não é a palavra, mas 
também sou um pouquinho ganancioso, eu quero alcançar muita coisa na 
vida, se eu estou fazendo uma coisa muito mais que eu posso fazer agora, 
estou vendo que eu não estou conseguindo fazer tudo que planejava para o 
ano, parei de me culpar disso, porque eu sei que eu estou fazendo o meu 
melhor, eu trabalho mais de dez horas por dia, tenho que dar mais, e até é 
uma coisa que eu aprendi esse ano, mas ao mesmo tempo eu estou triste, 
porque bom não estou alcançando, não estou mais me culpando, mas 
continuo um pouco triste, porque ‘droga, putz eu queria ter feito mais’, eu 
queria alcançar mais já esse ano, não consegui, mas azar então... 
E- E esse comentário de que os homens se colocam uma carga por 
achar que tem que levar, que tem que fazer, você se vê nisso também, você 
percebe uma cobrança externa ou é algo só seu, que você se cobra? 
A - Eu sinto que é eu que me cobro assim, é que eu não sei se eu sou 
o melhor exemplo assim, minha família acha que eu deveria estar fazendo 
uma coisa da minha vida, e eu estou fazendo outra, uma pós-graduação, 
tentando abrir uma startup na área de tecnologia, não é o negócio mais 
seguro, outra coisa que eu não estou conseguindo é segurança, não é o 
mais seguro, o mais obvio, pega um emprego, eu tinha um emprego muito 
bom, larguei o emprego para estar fazendo isso agora, para estudar para o 
mestrado, pra tentar abrir uma startup, é um negócio que eu não tenho 
garantia de ganho, é um risco completo, eu diria que esse meu ano é o ano 
que eu estou em risco absoluto, mas eu vejo que ou eu arrisco ou eu, se 
não eu vou ter uma vida que eu não quero ter, sabe... 
E- Uhum. 
A - Então eu acho que é muito sacrifício no momento presente pra 
tentar ganhar o futuro assim, falta saúde, dinheiro, tudo, nesse sentido eu 
acho que na questão de estar saudável ou não, eu acho que estou pecando 
em todas as áreas possíveis assim... 
E- Mas alguma coisa do que esses médicos falam te ajudaria nesse 
caso, te ajudar a pensar, te ajudar a refletir sobre? 
A - Talvez se alguém me mostrasse que se eu trabalhasse uma hora 
a menos por dia eu posso alcançar tanto quanto trabalhando uma hora mais 
talvez , talvez, mas eu acho que é muito uma, talvez se alguém me 
112 
 
mostrasse... o próprio fato de eu não estar me sentindo culpado por não ter 
alcançado tudo foi um negócio que eu aprendi, demorei muito tempo pra 
aprender, eu me fazia mal, me sentia mal por não estar acontecendo tanto 
quanto, e hoje em dia eu já aprendi que eu posso ficar doente, eu posso 
descansar, descansar é permitir, não é um pecado... 
 
Esta longa explanação aponta para o enorme significado que o 
trabalho tem na vida de Augusto. Mesmo quando confrontado com o risco à 
saúde, incluindo o risco de morte, ele ainda barganha consigo mesmo 
alegando que sua atitude melhorou. E em seguida, quando provoco sua 
reflexão acerca do papel do profissional de saúde nessa questão, ele solicita 
por uma garantia. Simplesmente aguarda que alguém, não por acaso na 
figura simbólica do médico que possa lhe garantir algo valioso caso desista 
do sacrifício que se impõe. Afinal, o trabalho vai muito além de garantir a 
subsistência ou reconhecimento de seu valor pela sociedade, o trabalho 
define a sua identidade, como já observado no estudo de dos Santos et al. 
(2017). 
Já no polo proativo, e mais próximo do questionamento do MFC Raul 
acerca do papel do trabalho que vem a sacrificar a saúde, colocou-se o 
colombiano Aureliano, 36 anos, estudante de pós-graduação em área de 
humanidades. Vivendo no Brasil há quatro anos, ele critica a pretensa 
invulnerabilidade masculina o que reforça sua motivação para não adiar a 
procura pela consulta: 
‘Cara, o risco da gente ter alguma coisa sempre está, ‘quem que é 
você para não ser atingido por uma doença, sabe?’. Então eu acho que faz 
mais sentido de ir, e porque eu gosto muito de viver, eu acho que sinto mais 
medo de não fazer alguma coisa do que fazer, ...eu acho que minha mãe 
desde criança, né, todos os anos pegava minha irmã e eu levava no 
médico, então eu acho que isso eu me acostumei meio a que ir no médico. 
 
Por sua vez, Vagner, 55 anos, traz cores vívidas a dois aspectos da 
vivência da masculinidade na sua relação com o autocuidado. O isolamento 
ou auto isolamento (exclusão) do homem, que não costuma ter rede de 
apoio para compartilhar suas inseguranças e sua expectativa de que seja 
113 
 
necessário um grave motivo que claramente justifique se ausentar do 
trabalho para se consultar. 
 ‘(...) porque eu não vim antes, né, porque eu deixei chegar nesse 
ponto, né?’ Então essa, é um ponto que a gente sempre ‘puxa, podia ter 
vindo antes’, né?’ E isso tudo remete aquela cultura que eu acredito que 
está mudando um pouco no século XXI já está mudando um pouco, mas até 
o século XX, era uma cultura de que você só vai no médico se sentir dor, 
né, mas é muita dor, uma dorzinha não vai no médico, ‘você tem que ser 
forte, homem não chora’, as baboseiras que você ouviu a vida inteira, né, 
então quando você chega nesse ponto você diz assim ‘poxa vida eu 
deveria ter vindo antes, né?’ ...Acaba sendo com ele [médico (a)], acaba 
sendo com ele, porque a não ser que seja um amigo muito íntimo, de muitos 
anos, né, mas certas intimidades você não tem confiança com ninguém, né, 
o médico é o elo de confiança, né, e se a gente puder, né, falar com ele já 
diretamente é um tanto melhor, né? 
 
O isolamento, ainda, é muito marcante na construção social do 
homem, mas alguns trabalhos indicam que este começa a se romper em 
redes de apoio seja através de rodas de conversa (Arruda, 2013) ou ainda 
em grupos estruturados de homens na UBS (Strey et al., 2014) ou outros 
espaços (de Freitas et al., 2012). De maneira geral, permanecer isolado 
ganha contornos críticos na medida em que o adoecer denuncia sua 
vulnerabilidade, ameaça sua convicção de força, rasga o mito do herói que a 
tudo supera para se manter como provedor, aquele que garante ou sustenta 
sua autoridade na família e no meio social. 
Quanto a postura do profissional, independente do sexo, Payne e 
Doyal (2010) revelam que alguns profissionais de saúde podem se mostrar 
menos atentos na identificação de problemas de saúde em mulheres ou 
homens por conta dos estereótipos de gênero dos pacientes. Nesse sentido, 
Clareus e Renstrom (2019) realizaram estudo na Suécia junto a 90 médicos 
generalistas que, diante da vinheta de paciente com dor lombar, tendiam a 
diagnosticar mais mulheres como portadoras da condição com sintomas 
medicamente inexplicados, diagnóstico de exclusão, isto é, quando não se 
confirma suspeita de dor de causa mecânica. Os autores esclarecem que o 
tratamento de sintomas inexplicados requer o direto envolvimento do 
114 
 
paciente o que pode ser prejudicial quando, de fato, a dor é de origem 
anatômica. Essa conduta ilustra o viés de gênero mesmo quando controlado 
para gênero do profissional e tempo de experiência profissional. 
No Brasil, alguns estudos têm questionado o estereótipo veiculado 
pelos profissionais de saúde quanto ao não cuidado associado ao homem 
(Couto et al., 2010; Machin et al., 2011). 
Afinal, como bem descreve Burille et al. (2018), “(...) se o cuidado é 
atrelado às representações de feminilidade, ser homem pode ser assumido, 
nessa perspectiva, como não ter que cuidar de ninguém – inclusive nem de 
si mesmo” (p.437). Este argumento endossa a necessidade de discussão 
acerca dos estereótipos de gênero, para então vislumbrar possibilidades 
para além da culpabilização ou da vitimização dos homens (Medrado; Lyra; 
Azevedo, 2011). 
Retomo o relato dos profissionais entrevistados no estudode Knauth 
et al. (2012), quanto a perpetuação desse viés também em relação ao 
critério usado para emitir atestado para homens pois estes costumam ser 
vistos como simuladores de queixa para obter afastamento do trabalho sem 
motivo plenamente justificado*. 
Desta forma a referida invisibilidade nos serviços de saúde vai além 
do ambiente feminilizado; preponderância de profissionais de saúde do sexo 
feminino, visão preconceituosa sobre sua presença e horários de 
funcionamento que limitam a procura (Machin et al., 2011; Knauth et al., 
2012). Quanto a prática clínica, a presença de estereótipos e viés de gênero 
se reproduz, por exemplo, em relação a tolerância ao choro nas consultas 
das crianças sendo do sexo masculino (‘um menino grande chorando?’, ‘que 
coisa feia chorar por isso’) ou feminino (‘já vai passar, que menina bonita...’). 
Visto por este ângulo, o afastamento desse grupo começaria nessa fase até 
seu alijamento na adolescência onde a função reprodutiva ainda é tratada 
 
* Na minha experiência clínica, este aspecto é sobreposto pelo hábito da maioria dos 
empregadores que, apesar da mudança da legislação, ainda exigirem ou pressionarem 
pela inclusão do motivo do afastamento no atestado, o que tornava o empregado ainda mais 
exposto ao assédio moral e coerção para que sua ausência não viesse a se repetir . 
 
115 
 
como de responsabilidade da mulher e a infantilização do adulto jovem que, 
em geral, pouco participa do processo de decisão e responsabilização. 
 Quanto a abordagem dos (as) MFCs ao lidar com os homens 
que consultam, a médica Alice faz uma distinção por idade: 
“(...) na verdade, eu replico essa fala [de Vanderlei] para os novos, 
para os jovens, eu falo: “olha nessas de ficar relaxado, ficar lá fora 
trabalhando, então tá aí, não tem como depois no futuro, né, tem que se 
cuidar agora, vamos aproveitar esse momento, tira um tempinho”, então eu 
vejo que essa fala [de Vanderlei] como um neon [alerta], quando o homem 
mais novo, né, quando ele chega mais velho me contando isso, na verdade, 
eu conforto e falo: “não, mais ainda tem tempo, vamos se cuidar agora, né”... 
 
Virgílio, 36 anos, elogia a proposta motivacional de Alice: “(...) ela está 
realmente tendo uma abordagem cuidadosa e adequando diante das 
circunstâncias, enquanto o próprio Vanderlei, 57 anos quando é apresentado 
às respostas dos (as) médicos (as), admite ter ouvido esse tipo de 
orientação, mas refuta sua eficácia: 
- Eu acho que sim, eu acho que sim, é um incentivo, né, isso é um 
incentivo, eu acho que isso, né, isso ai na época a gente escutava isso, 
então, mas só que é aquela coisa, eu não digo, eu não digo que são todos 
iguais a mim, mas eu era assim eu não ligava muito para que o médico dizia, 
não prestava muito atenção, até inclusive hoje tem muita coisa que o MFC 
me fala assim sabe, e eu digo que vou fazer e não faço. 
 
Essa fala revela imensa riqueza que acredito não ser percebida pelos 
(as) médicos (as) na maior parte do tempo. Ainda mais quando se trata de 
homens dos quais pouco conhecemos acerca de suas crenças e 
experiências anteriores de cuidado conforme ilustrado/esquematizado pelo 
Ciclo de Invisibilidade do Homem no sistema de saúde (Dantas, 2012). 
Vanderlei alerta que a mensagem foi recebida, os fatos vividos não se 
devem a ignorância, como se costuma apontar nas equipes de saúde que os 
rotula como ‘difíceis, resistentes, teimosos’. Porém, as circunstâncias de 
vida, de trabalho, de escolaridade não foram favoráveis, como alerta 
Amadeu. No intuito de reverter esse quadro, irei me debruçar sobre 
116 
 
estratégias e abordagens no capítulo 6, Sugestões para aprimoramento, 
visando ‘quebrar o ciclo de invisibilidade’. 
 
5.2 Experiências dos homens nos serviços de APS 
 
Durante o grupo focal, Virgílio criticou a postura de alguns profissionais 
a partir das colocações da médica Aurora, quando reconhece o aspecto 
cultural no qual homens evitam procurar auxílio para não demonstrar 
fragilidade, o que gerou debate entre os participantes do grupo: 
Virgílio – ‘Passa uma pomadinha’ ao invés, né, de incentivar ‘que legal 
você está preocupado com o seu corpo, querendo saber um pouco mais 
sobre essa doença, querendo melhorar um pouco a tua bronquite, e tal’, o 
que mais você pode ir atrás pra ver, consultar. 
 Então assim estimular essa qualidade de vida, essa busca por uma 
vida melhor, mais saudável mesmo, acho que esse seria fundamentalmente 
o papel dos profissionais da área da saúde, quebrar essa visão de que ‘ah 
o homem é assim mesmo, não gosta de se sentir frágil’. Enfim, por isso que 
muitas vezes não querem ir ao médico, não quer descobrir alguma coisa, a 
gente já sabe disso, né, mas aí quem pode quebrar isso, só os profissionais 
da saúde mesmo pra estimular quando chegar essa população masculina, 
incentivar: ‘olha que legal que você está aqui, é isso mesmo, né, vai atrás, 
não tem problema ser frágil, não tem problema ficar doente’... 
Amadeu- Você não é menos homem porque está doente. 
Virgílio - Exatamente, ter esse acolhimento... 
E- Então você nota um certo rechaço em relação a queixa que ele traz, 
né, não é suficiente pra você estar vindo aqui, né? 
Virgílio - É. 
E- E disso que você está falando? 
Virgílio - É. 
E Os profissionais não validam a chegada do homem... 
Virgílio - Os profissionais acabam... 
E - ‘Por esse motivo que você está vindo aqui?’... 
Virgílio - É acabam... 
E - Reforçando... 
Virgílio - Às vezes, até de forma, não consciente ou por vontade, mas 
acabam reforçando essa característica, de tipo ‘ah tu é um cara tão forte, 
porque está vindo aí só por causa de uma tosse?’. 
117 
 
Angelo- É isso daí também é muito de cada um, né, cada profissional, 
né, profissional que já não está nem aí, quer mais é se livrar do cara, ele 
nem olha pra ti... 
E - ‘É um atestado que você quer, né?’... 
Virgílio - Exatamente, mas que está muito ligada a essa questão 
cultural mesmo... 
Angelo- - Claro, questão cultural. 
Virgílio - ‘Tu é um homem forte aí, vai trabalhar’... 
E- Se fosse mulher fazendo uma queixa talvez ia ter um outro olhar... 
Virgílio - Já ia ter outra abordagem, outro olhar... 
 
As experiências relatadas ilustram o desconforto perante um 
profissional que não acolhe suas queixas ou preocupações, o que converge 
com o estudo de Smith et al. (2008). Além disso, do diálogo captado emerge 
a potência quando homens reunidos num grupo focal têm oportunidade de 
se articular e expressar as dificuldades vivências em consulta. Os 
participantes abordam a experiência quando suas vozes são silenciadas, 
como descrito pelos entrevistados de Separavich (2014), vozes que gritam 
quando a limitação os impede de trabalhar. Quando decidiram se consultar, 
suas queixas foram rechaçadas (invisibilizadas) pelos médicos, sugerindo a 
inadequação da presença masculina como não merecedores do cuidado 
profissional 
A desqualificação de sua queixa, porém, remete ao que na literatura já 
foi apontado como a ‘invisibilidade masculina’ nos serviços de saúde de 
APS brasileira (Couto et al, 2010; Gomes et al, 2011), resultado de uma 
série de fatores já amplamente debatidos na produção científica nacional, 
incluindo a PNAISH que nessa década de implementação apontou mas não 
conseguiu reverter a maioria das limitações apontadas: espaços de saúde 
não receptivos ao segmento, feminilização do espaço e ainda a falta de 
atividades estruturadas dentro e fora dos centros de saúde (Figueiredo, 
2005; Couto et al., 2010; Gomes et al., 2011; Knauth et al., 2012; Coelho e 
de Melo, 2018). No entanto, acima dessa complexa situação, o 
desconhecimento acerca das masculinidades aliado a estereótipos de 
118 
 
gênero dificulta a mudança desse cenário e denunciam o desconforto dos 
profissionais de saúde com a presença do homem que vem a frequentar os 
serviços de atenção primária sobreposto ao desconhecimento dos gestores 
acerca dasdiretrizes da PNAISH (Gomes et al., 2012; Moura et al., 2014). 
Tendo em vista que as medidas apontadas pela PNAISH e por diversos 
pesquisadores (as) não foram efetivadas, não causa surpresa que a 
somatória desses aspectos favoreça a perpetuação da (des) assistência 
cotidiana desse segmento da população. (Des) assistência aqui definida 
como a assistência equivocada, disfuncional e até acusatória da imputada 
irresponsabilidade do homem. 
Ademais, faz-se necessário destacar que alguns MFCs legitimam o 
discurso de que o trabalho justifica postergar a busca da consulta, seja por 
acreditarem nessa justificativa, postura identificada por Machin et al. (2011) 
entre profissionais da ESF, seja pela demanda excessiva na agenda médica 
que esvazia o questionamento. 
Assim se configura um ambiente inóspito para mudança de padrão, do 
‘modus operandi’ em relação a atenção a saúde do homem na medida em 
que os homens trazem consigo (se apoiam) o modelo da masculinidade 
hegemônica e seus riscos para saúde enquanto os profissionais reforçam 
estereótipos. Conforme denunciado por Amadeu, a demora na busca de 
consulta não se limita a uma ‘questão cultural’, as normas sociais do 
estereótipo de gênero que indicam que a masculinidade se define pelo 
trabalho e a autoridade que dele emana dentro das famílias tradicionais 
aparentemente podem trazer alguns benefícios imediatos, por outro lado, o 
perfil morbimortalidade denuncia perda brutal: anos e qualidade de vida. 
Nesse contexto, o(a)s médico(a)s ouvem os relatos quanto ao risco de 
demissão ou desemprego por tempo prolongado e deixam de questionar 
sobre o alegado motivo de que o trabalho se sobrepõe a consulta; o que, em 
algumas ocasiões, serve para não enfrentar o receio de ‘descobrir algo 
errado’, o que afetaria sua pretensa invulnerabilidade. 
119 
 
Visto que frequentam menos o serviço quando comparados às 
mulheres, suas falas evidenciam o seu desconhecimento quanto ao papel 
das unidades de saúde assim como a gama de serviços prestados pela 
equipe de ESF/NASF. Apesar de não ser necessariamente inédito, esse 
aspecto merece destaque no caso específico de Florianópolis por conta da 
solidez que a APS alcançou ao longo da última década quando em 2015 se 
tornou a primeira capital a atingir 100% de cobertura territorial (DATASUS, 
2019), sem que isso tenha se traduzido em maiores taxas de utilização pela 
população masculina 
 Além dos motivos já discutidos, os dados denotam a falta de 
estratégias específicas visando o segmento masculino apesar de prevista 
nas Diretrizes da PNAISH. De forma incipiente, à medida que alguns 
homens passaram a frequentar o serviço, perceberam a importância dos 
demais membros da equipe, assim como a satisfação alcançada por essa 
abordagem, como destacado por André, 37 anos e Augusto, 27 anos: 
“(...) enfermeiros super competentes, tive uma relação muito boa com 
elas, mas de médico eu tive várias mudanças (André) 
Augusto - Sim, certamente ela [médica] estava me ouvindo, ela estava 
prestando atenção, só que ela estava em uma correria doida pelo jeito ali, 
atendendo outra pessoa enquanto ela estava me atendendo. 
E- Ela interrompia e ia em outra sala? 
A - Sim, aí eu continuava com a enfermeira, daí foi basicamente assim. 
E- Mas as duas estavam juntas na sala, não? 
A- Eu estava na sala com enfermeira X e a médica ia e voltava. 
E- E como é que foi para você? 
Augusto - Sinceramente, assim, se atacou o problema, resolveu o 
problema pra mim, o que eu precisava, tá bom assim. Não sei se como 
deveria ser, se está certo, se está errado. 
 
Alguns, como Aureliano, 36 anos, revelaram-se positivamente 
surpreendidos pela qualidade do atendimento: 
“(...) realmente me explica muito bem as coisas ... mesmo que ela 
[MFC] já tenha explicado outras vezes, e é sempre super tranquilo assim, 
né, é realmente um acolhimento, tem um acolhimento assim. 
120 
 
 
Amadeu, 34 anos, que é HIV+, por sua vez, destacou o interesse da 
equipe da ESF: 
“(...) eu passo muito tempo sem vir assim, mais de duas semanas, três, 
aí o pessoal aqui do postinho liga pra mim... Porque assim eles querem 
saber como eu estou, eles querem, se preocupam mesmo. 
E- Como é isso pra você deles ficarem... 
Ah é muito bom, muito bom. 
E- Não te incomoda? 
De jeito nenhum, bem, porque meus pais já são falecidos e ter alguém 
que se preocupa contigo, é muito bom. 
 
Enquanto Virgílio, 36 anos, se mostraria inclinado a consultar mais 
caso o acesso fosse facilitado. 
“(...) pra você conseguir ser atendido você tem que ir lá no posto, sei lá, 
quatro e meia da manhã, cinco e meia da manhã, e ficar na fila porque são 
vagas restritas por dia, se você não consegue estar dentro daquele número 
de vagas você não consegue ser atendido. 
 
Como síntese interpretativa das categorias até aqui tratadas, vê-se que 
a trajetória pela busca da consulta médica para os homens é influenciada 
pelos diversos fatores que afetam também as mulheres: idade, estado civil, 
escolaridade e nível socioeconômico. Mas, em termos de particularidades 
dos homens, observa-se que estes mesmo quando percebem a necessidade 
ou estão cientes da recomendação por consultas médicas periódicas, o 
trabalho, como categoria social de identidade masculina, ainda exerce 
grande pressão limitadora para a busca de assistência e cuidado. 
Considerando o horário tradicional de funcionamento vigente nas unidades 
de saúde (entre 8 e 17 horas) na ocasião da coleta de dados, muitos 
relataram ter procurado de forma tardia ou ainda quando as condições 
socioeconômicas se modificaram (aposentadoria, perda do plano de saúde 
privado, gestação da esposa, doença na família) conforme já ilustrados na 
seção 5.1. 
121 
 
Diante do quadro apresentado em que percebemos barreiras na 
aproximação ao serviço de saúde, ou inserção a partir de evento quase fatal, 
cabe aos gestores e equipes de saúde, e aqui particularmente os MFCs, 
planejarem novas estratégias de aproximação. Robertson (2009) destaca 
que homens ainda precisam de formas de legitimar a busca de estilo de vida 
saudável e se vincular aos serviços de saúde. Propõe, portanto, que 
gestores e profissionais de saúde busquem identificar fatores que possam 
motivar os homens na busca de práticas saudáveis. A literatura traz 
exemplos ocorridos a partir dos CS como já implementado em outros 
municípios como se deu na região de Ermelino Matarazzo em São Paulo e 
São Luiz do Maranhão (BIS, 2012). Na mesma ocasião, numa UBS de Porto 
Alegre se iniciou um grupo de homens liderado por um agente comunitário 
de saúde que há 10 anos realiza encontros mensais discutindo temas de 
interesse dos participantes apesar de limitados recursos disponíveis (Strey 
et al., 2014). Outra estratégia utilizada tem sido de ir ao encontro de grupos 
de homens como em locais de trabalho predominantemente masculinos 
(mineração, construção civil) ou ainda participar de festividades como o dia 
do Caminhoneiro onde se discutiu material produzido pelo Instituto Barong 
em São Paulo (BIS, 2012). 
Internacionalmente, na última década, países como Escócia e 
Inglaterra se notabilizaram por ações promovidas através dos esportes 
populares como futebol e rugby estimulando perda de peso e mudanças no 
estilo de vida (Robertson e Baker, 2017). Além dessas estratégias, 
diferenças culturais tais como o papel da mulher e do machismo no cuidado 
da saúde, além da expectativa de receberem atenção personalizada por 
parte do profissional de saúde precisam ser consideradas, como observado 
em estudo realizado junto à comunidade mexicana vivendo nos Estados 
Unidos (Sobralske, 2006). 
 
 
 
122 
 
5.3 Considerações sobre a Frequente Troca de Médicos 
 
Essa categoria precisa ser analisada no contexto de um segmento da 
população que, historicamente, frequenta o serviço de saúde aquém do 
preconizado, principalmente no que concerne a APS. Além disso,tipicamente, e não só no Brasil, quando suas enfermidades já se encontram 
em estágio mais avançado (PNAISH, 2009). Os fatores envolvidos nessa 
dinâmica já foram amplamente discutidos na literatura e citados 
anteriormente. Esta tese parte do encontro no consultório visando identificar 
aspectos da relação que sejam identificados como passíveis de ajuste. A 
partir deste ponto, pode se iniciar a construção da relação médico (a) + 
pessoa até que venha a se formar o vínculo. Ao longo das consultas, a 
parceria poderá se efetivar à medida que são conhecidas as nuances de 
cada um e a construção de códigos e propostas de engajamento terapêutico. 
Tempo e ‘timing’ são fatores delicados no molde e refino dessa parceria. O 
tempo entremeia a sequência dos encontros que se colocam como pedras a 
construir o caminho desde que articuladas, pois envolve a construção da 
confiança. 
Nas entrelinhas pode se ouvir: ‘posso mesmo confiar em você?’, ‘o 
que você espera de mim?’, ‘até onde você irá para manter esse vínculo?’, 
‘quais são as regras não ditas do rompimento?’ ‘em que momento você vai 
me deixar?’ Nesse sentido, o sistema de saúde pública costuma falhar na 
medida em que a rotatividade se mostra mais como regra do que exceção, 
como é o caso de Florianópolis, onde a APS se encontra mais consolidada. 
No município, o tempo médio de permanência do médico de família que 
trabalha com a mesma comunidade é de seis anos, o que sugere que 
‘tempo’ de permanência favorece a construção da relação, cabendo 
investigar se o ‘timing’ é utilizado de forma a desenvolver uma relação 
satisfatória. 
Na minha prática clínica, percebo que ‘tempo e timing’ são 
marcadamente distintos, que não existem regras pré-estabelecidas exceto a 
instabilidade. Diante da inconstância dos encontros, o ‘timing’ seria a 
123 
 
habilidade de perceber quando e como se aproximar, os riscos de 
rompimento iminentes, a falta de tempo é crítica. Nesse sentido, formulei o 
‘ciclo de invisibilidade do homem no sistema de saúde’ (Dantas, 2012) que 
visa contribuir para a discussão do nó crítico que favorece a perene 
‘desassistência’ ao homem, mais especificamente para a criação de sólida 
relação com o médico (a). 
 Diante disso, a crítica à frequente troca de médico (a) se torna ainda 
mais contundente e esclarecedora, pela sua repercussão para o 
esfacelamento de laços terapêuticos, como explicitado por Vanderlei, 58 
anos: 
‘(...) mas cadê a médica que consultava comigo? primeira vez mudou 
a equipe, agora já é outra equipe. Aí depois tu ia lá de novo já era outra 
equipe. Então era tudo médico diferente, aí tu tinha que contar tudo de um 
para outro, no final das contas era até chato sabe, porque tu tinha que contar 
tudo de novo’. 
 
Vanderlei veio a estabelecer vínculo com seu médico de família após 
o infarto, relação que já dura cinco anos, algo raro entre os entrevistados. 
Este aspecto provavelmente contribuiu para que viesse avisar seu médico 
que não queria ser atendido por estudantes ou médico(a)s residentes. 
Felizmente, no seu caso, o Centro de Saúde estabelece que consultas 
agendadas sejam preferencialmente com seu/sua médico(a), o que as difere 
das consultas não programadas sobre a qual ele descreve o processo. Ainda 
assim, se ressente quando não é atendido pelo seu médico de família: 
V - [Médico Residente] Lê o prontuário e dali ele começa a me 
perguntar, então não precisa ele me perguntar desde o começo, aí o que 
acontece, e aí ‘hoje como é que o senhor está’ (?), ‘ah não, hoje eu estou 
assim, assim, assim’, então o que acontece ai ele vai lá e passa para o MFC, 
ai depois ele vem ou o [meu médico] vem e fala pra mim, né? Ou então o 
[meu médico] manda dizer pra mim o que eu tenho que fazer, ai ele 
[residente] diz assim, ‘não, [meu médico] mandou pedir para o senhor fazer 
isso, aquilo, então isso é... 
E- E aí como é que fica para o senhor quando acontece desse jeito? 
V - Eu não gosto, eu não gosto, porque eu gosto mesmo é de 
consultar com ele, né, não gosto que atrapalhem, mas aí como eles [a 
124 
 
equipe] dizem que é bom, porque é estagiário, eles têm que saber como é 
que faz então... 
 
E Vanderlei conclui sobre a relação estabelecida com seu médico: 
- Sim, é assim eu o [meu médico [MFC] a gente sei lá, a gente se 
entende bem pra caramba, tanto que ele uma vez eu estava meio 
atrapalhado aí, me aconselhou um monte, então ele é o médico, meu 
conselheiro, ele é tudo, pra mim ele é muito, pra mim ele é uma pessoa que 
eu nunca posso falar mal dele, muito bom... 
 
A seguir, Vilson, que não tem proximidade nem experiência com a 
medicina de família, comenta sobre a frequente mudança de médica 
vivenciada com os especialistas focais: 
V - É, pelo meu convênio teve uma época que não tinha urologista, aí 
o que aconteceu comigo, eu precisava, eles me passavam um médico X que 
não estava conveniado. 
Quando eu precisava de novo já não era mais aquele, já era outra 
clínica, então nunca iam um protocolo de um lugar para o outro, um médico 
novo não sabia o que a gente falava, aí fazia tudo de novo, isso foi cinco, 
seis vezes. 
E- E o que o senhor achou dessa situação? 
Não, foi péssimo. Hoje não, hoje tem aquele me acompanha, está 
tudo anotado lá. Se tem algum problema, tipo isso que aconteceu comigo 
agora, seria um diferente aí faz exame de toque, faz não sei o que, vai para 
outro, faz de novo porque ele não sabe. Aí estava complicado. Assim está 
melhor, ajuda bastante né quando tem um que acompanha mais tempo. 
 
André, 37 anos, que já havia desenvolvido familiaridade com a 
abordagem da Medicina de família acompanhando sua mãe nas consultas, 
ressalta sua experiência em Florianópolis desde 2014, onde ressalta o papel 
da troca de profissionais: 
“(...) eu tive uma atenção maior nos últimos dois anos assim, que foi 
até legal, enfermeiros super competentes, tive uma relação muito boa com 
elas, mas de médico eu tive várias mudanças assim... eu tive atendimentos 
com médicos que foram muito bons, com ela eu acho que foi bem legal, 
mais porque eu tive uma repetição, né, assim, talvez se ela tivesse ocupado 
o posto da área em que eu estava morando então por isso eu tive consultas 
mais frequentes, eu tive médicos muitos bons, mas foram poucas consultas, 
125 
 
né, esse residente que me atendeu alguma vezes eu achei ele super legal 
assim, foi super bom consultar com ele, mas foram poucas vezes também. 
 
5.4 Percepções dos médicos de família 
 
Diante desses relatos, o MFC, Rildo, que trabalhou por cinco anos no 
mesmo centro de saúde (Tabela 7), comenta: 
[a troca representa] prejuízo enorme para os pacientes, Eu [médico] 
estou perdendo quatro anos e meio de trabalho ‘eu sou seu médico, eu sou 
a pessoa que cuida de você, confia em mim pra criar esse vínculo, né?’ 
E REPETIR 
Deixar a pessoa ciente que: “eu sou o cuidador, ou eu sou a sua 
referência” (para cuidado de sua saúde) 
 
Na devolutiva (fase 3 da pesquisa de campo), Vinícius reagiu a esse 
comentário por não acreditar que se pode manter vínculo duradouro com o 
profissional médico: 
- Não pra mim não assim, na minha opinião eu, claro, eu acho que 
se o cara me fala isso aqui eu fico, claro, eu fico contente e tal, mas eu não 
vou, eu não vou me basear muito assim, eu vou ficar muito crente nisso 
aqui, porque eu sei como que funciona, ... eu acho uma frase eu acho muito 
assumir um compromisso muito grande e tal, mas que conforta algumas 
pessoas sim cara isso aqui, uma pessoa chegar pra ti e falar ‘ó eu vou cuidar 
de ti e tal, e depois muda como está dizendo aqui, depois muda’... 
 
Em resumo, nas entrelinhas, a fala de Vinícius denota a desconfiança 
no funcionamento da ESF no que tange a possibilidade de vinculação a 
determinado médico (a). 
A MFC, Aurora, igualmente destaca a importância do vínculo e a sua 
consequente perda decorrente com a troca de profissional. 
Como eu estou com uma residente aí geralmente eles estranhamquando tem que passar por ela, né, mas aí eu explico, né, que o prontuário a 
gente deixa tudo anotado certinho, que a gente é uma equipe, então o que 
ela fizer, né, a gente vai discutir junto depois, né, e aí isso dá uma 
tranquilizada, né, mas em relação a mudança, né, de lotação [troca de 
CS], né, aí é uma coisa mais complexa, né, por enquanto eu não consegui 
126 
 
elaborar nenhuma estratégia pra minimizar isso assim, porque eles 
reclamam mesmo, né, fez o vínculo todo, né, e tem que mudar, é 
complicado. 
E- Tem um certo, talvez um certo luto, né, de término daquela relação, 
que às vezes nem foi explicada que ia terminar, né? 
Aurora - Uhum. 
E -E você recebe essa pessoa que começa se queixando que o outro 
saiu. 
Aurora- Sim. 
E - E às vezes te questiona se você não vai sair também. 
Aurora – Aham 
 
Considerando a importância da relação médico+pessoa, um dos 
quatro princípios estabelecidos pela especialidade medicina de família e 
comunidade no Brasil (Lopes e Dias, 2019), a médica busca amenizar a 
perda destacando que o prontuário proporciona a continuidade do cuidado. 
Infelizmente, instrumento tão importante costuma se restringir a armazenar 
informações técnicas e raramente algumas impressões do profissional. Isto 
porque existem nuances e peculiaridades da relação que são difíceis de 
serem incorporadas pela falta de tempo ou por serem consideradas de 
menor valor para outro profissional que venha a participar do cuidado. Sobre 
estes fatores ainda paira a censura vigente no treinamento médico, no qual 
tradicionalmente se enfatiza a importância dos aspectos clínicos e técnicos 
em detrimento de aspectos subjetivos* (Engel, 1977). 
 
* Para exemplificar, no quarto ano da graduação atendi uma senhora de meia idade que 
morava sozinha, parecia triste, de poucas palavras. Naquele roteiro típico de um estudante 
da graduação, acabei perguntando um pouco mais e soube que ela tinha um gato. E nessa 
observação merece o adendo de que, como graduado, existe tendência a se firmar mais na 
chamada objetividade da história, traduzida por sintomas e circunstâncias. Ao discutir o 
caso com o supervisor eu me concentrei, conforme ‘a bússola biomédica’, nos aspectos 
clínicos, em buscar um diagnóstico para em seguida propor um tratamento. Foi então que o 
supervisor me perguntou sobre o nome do gato. Fiquei aturdido por alguns segundos. 
Quando ele quebrou o silêncio e esclareceu: ‘o gato deve ser muito importante para ela, se 
você souber e anotar o nome do gato, na próxima consulta poderá perguntar por ele na 
próxima consulta e, quem sabe, contribuir para seu tratamento’. Tendo adotado essa 
sugestão para minha carreira, hoje compreendo que se tratava daquilo que Balint (1985) 
chamou de ‘doctor as a pill’, o efeito que o profissional pode provocar dentro da relação. 
Passadas algumas décadas, a relação se deteriorou e a medicina brasileira chegou na era 
da judicialização da prática médica na qual os profissionais passaram a conviver com o 
127 
 
A MFC, Alice, enquanto preceptora de estudantes ou residentes de 
MFC, precisa se basear nesse registro quando atende ‘seus’ pacientes: 
“(...) mas todos [casos atendidos] passam comigo, então os pacientes 
entendem que eu sou deles, né, que eu sou a médica deles, ne? ...alguns 
passaram algumas consultas só comigo, então eles tiveram, vamos dizer, 
aquele momento comigo,[então simula a fala de um dos pacientes] ’não eu 
vou atender com a minha médica’, e agora não, eles são atendidas com 
outras pessoas, mas no final de toda a consulta, eu vou”. 
 
Na sua fala, destaca que, pelo fato de já ter atendido a maioria das 
pessoas que vêm ao Centro de Saúde, sua presença momentânea no 
consultório seria suficiente. Interessante observar como enfatiza que a 
relação profissional se mantém apesar de não estar presente. Refuto se, 
diante da alta demanda, seria possível comparecer a todas as consultas e se 
a breve presença é suficiente para a pessoa atendida. Esta preocupação se 
revela no comentário de Alberto, 53 anos, que foi atendido por esta médica 
apenas uma vez: 
- Então tu deixa, tu vai consultar tu vê que é totalmente diferente 
entendeu a abordagem dele [estudante] contigo, paciente com o médico, e 
ela fica na outra sala fazendo outro atendimento, aí você fica naquela...‘será 
que ela [a médica], está ali [ao lado]?’, tu vê que tem perguntas que ele faz , 
que tu não fica à vontade assim entendeu?... 
E- Uhum. 
Alberto- Aí ele coloca tudo no sistema, aí na hora de fazer o 
medicamento a doutora vem e tal, [paciente simula frase da médica] ‘Alberto, 
eu estava aqui, tem muita gente [para ser atendida]’, [Alberto complementa] 
mas deveria ficar junto com o profissional, né... a gente não se sente seguro. 
 
Alberto, como a maioria dos homens que consulta, não conhece o 
fluxo de atendimento, o trabalho em equipe, as circunstâncias de 
funcionamento do centro de saúde. Provável que não tenha sido orientado 
pela equipe pois dí viria a saber que caso a preceptora comparecesse a 
todas as consultas, o atendimento de sua agenda seria interrompido várias 
 
receio e até ameaça que seu registro em prontuário possa vir a ser a ser alvo de 
interpelação judicial. 
 
128 
 
vezes ao dia. Este aspecto é de grande relevância para a relação assim 
como para o adequado treinamento em serviço dos alunos do curso de 
medicina e residentes da especialidade. Enquanto isso, outros homens se 
mostraram mais receptivos ao lidar com estagiários, sejam estudantes de 
medicina, sejam residentes da especialidade: 
Amadeu- Eu fico bem tranquilo, porque eu sei que tem o médico ali 
supervisionando, né, que discute o diagnóstico, que discutem o diagnóstico 
tudo entre eles, né, aí pra mim isso é bem tranquilo. 
Angelo - É, porque o residente também ele quer ir mais a fundo, 
porque ele quer mostrar serviço. 
 
Como síntese interpretativa desta categoria destacou-se o fato de que 
a APS tem como seus atributos essenciais a atenção ao primeiro contato, a 
integralidade, a coordenação do cuidado e a longitudinalidade e, como 
atributos derivados, a orientação familiar e comunitária e a competência 
cultural (Starfield, 2002), sendo esta considerada característica central e 
exclusiva da APS (Cunha e Giovanella, 2011). De acordo com os postulados 
da Política Nacional de Atenção Básica (Brasil, 2012), “(...) a 
longitudinalidade do cuidado pressupõe a continuidade da relação clínica, 
com construção de vínculo e responsabilização entre profissionais e 
usuários ao longo do tempo e de modo permanente” (p.21). 
Na literatura, Haggerty et al. (2003), após extensa revisão de 
documentos com subsequente discussão do tema com profissionais de 
diversas áreas explorando diferentes cenários, definiram a continuidade 
como a forma pela qual pacientes vivenciam a integração de serviços e sua 
coordenação. Os autores concluíram que para todas as especialidades 
foram identificadas três dimensões de continuidade. A primeira diz respeito à 
continuidade relacionada à informação quanto ao conteúdo e registro dos 
eventos, seja focado na doença ou na pessoa afetada. A segunda dimensão 
seria de gerência (management), especialmente para casos complexos que 
contam com diferentes profissionais envolvidos, uso de protocolos 
compartilhados e flexibilidade visando adaptar o cuidado às necessidades 
individuais. E a terceira dimensão, que será mais detalhada ao longo deste 
129 
 
trabalho, a continuidade relacional que se baseia na relação terapêutica 
entre paciente e um ou mais profissionais de saúde baseada no 
conhecimento acumulado sobre as preferências do paciente e circunstancias 
que raramente são registradas de maneira formal e confiança interpessoal 
baseado na experiência do cuidado ocorrido no passado e expectativa 
positiva quanto a competência no futuro (Guthrie et al., 2008). 
 Este aspecto da continuidade é de grande valia na APS, na geriatria 
e na saúde mental, entre outrasespecialidades que prezam pela 
longitudinalidade. A ênfase em cada uma dessas dimensões depende do 
tipo de cuidado e ‘setting’ de atuação. Saultz (2003), outra referência nesse 
tema, diferiu do grupo de Haggerty ao destacar a continuidade longitudinal 
que trataria da linha do tempo num determinado serviço de saúde e 
denominando a continuidade relacional como interpessoal, sendo esta de 
maior aplicabilidade para o presente estudo. Sua extensa revisão do tema 
identificou maior satisfação do paciente de diversas faixas etárias, inclusive 
gestantes, quando a continuidade interpessoal estava presente. Gray et al. 
(2003), por sua vez, identificaram forte evidência entre a continuidade 
relacional e adoção de práticas preventivas, aderência a tratamento e 
aumento da satisfação com o cuidado. 
A importância da continuidade se dá na medida em que a sequência 
de consultas fomenta o vínculo, base para tecer a construção da relação e, 
com isso, a adesão a um plano de cuidado. Vale deixar claro que, 
considerando as idiossincrasias das relações humanas, essa sequência não 
costuma se dar de forma linear e sem obstáculos, porém estes fazem parte 
do processo de construir a relação. 
A revisão da literatura traz alguns estudos que avaliaram motivos 
priorizados pelas pessoas atendidas na APS. Baseados em vinhetas de 
consulta hipotéticas enviadas pelo correio. Respondentes indicaram que o 
conhecimento técnico e relacionamento continuado superavam a 
importância de abordagem centrada na pessoa (Cheraghi-Sohi et al., 2008). 
Na Dinamarca, pesquisa qualitativa com 22 pessoas, sendo 12 com 
acompanhamento regular com médico(a) de família e 10 que não faziam 
130 
 
acompanhamento regular indicou que não bastaria ter acompanhamento 
regular, mas que o paciente se sentisse respeitado e lembrado pelo 
médico(a), isto é, o valor da continuidade interpessoal precisava ser 
combinada com o reconhecimento da pessoa. (Frederiksen et al., 2009). Por 
sua vez, Rubin et al. (2006) estudaram as variáveis que influenciam decisão 
em consultar em relação a facilidade de acesso, rapidez da marcação da 
consulta e escolha do profissional. A partir da observação realizada por 
1153 pacientes, os autores concluíram que para aqueles com doença 
crônica, ser atendido pelo seu médico regular era 7 vezes mais importante 
que agendamento antecipado em um dia; mulheres aceitavam esperar por 
mais dois dias e idosos por dois dias e meio. Estes estudos colaboram para 
a reflexão de aspectos considerados na tomada da decisão em consultar e a 
importância aferida pelos pacientes quanto a continuidade do cuidado. 
No Brasil, dos Santos et al. (2018) esclarecem que continuidade do 
cuidado, longitudinalidade ou vínculo longitudinal são denominações de 
sentidos semelhantes, tendo verificado que são utilizados muitas vezes 
como sinônimos. Quanto ao vínculo, segundo a Política Nacional de Atenção 
Básica, “(...) consiste na construção de relações de afetividade e confiança 
entre o usuário e o trabalhador da saúde, permitindo o aprofundamento do 
processo de corresponsabilização pela saúde, construído ao longo do 
tempo, além de carregar, em si, um potencial terapêutico” (Brasil,2012,p.21). 
No sentido de aprimorar as ações da APS, o avanço da política de 
Humanização no SUS (2004) requer o aprimoramento de seus princípios 
que poderão fortalecer o vínculo alicerçados na continuidade do cuidado 
(Ayres, 2004). Por sua vez, a medicina de família e comunidade aplica 
diretrizes que convergem e potencializam os atributos que norteiam a APS. 
A partir da implantação da ESF em 1994, os serviços de saúde 
desenvolveram ações que vieram a ser mensuradas em relação aos 
conceitos acima discutidos. Nesse sentido, Mendoza-Sassi e Beria (2003) 
realizaram estudo entre indivíduos acima dos 15 anos e idade na cidade de 
Rio Grande, RS, o qual revelou a prevalência de médico de referência entre 
131 
 
37,4% dos entrevistados. Os fatores associados a continuidade interpessoal 
na atenção à saúde foram sexo feminino, aumento da idade, rendas 
familiares per capita mais elevadas, plano de saúde privado, relato de 
doença crônica e auto percepção quanto à saúde classificada como ruim. 
Em 2008, estudo semelhante realizado por Rosa Filho et al. (2008) com 
população acima dos 20 anos de idade em Pelotas, RS, a prevalência de 
continuidade interpessoal foi de 43.7%. Fatores associados foram sexo 
feminino, idade mais elevada, maior renda, ter consultado no ano anterior, 
presença de doença crônica e consulta no sistema privado. Ter se 
consultado no último ano permaneceu associado significativamente à 
continuidade interpessoal na atenção à saúde. 
Entre aqueles que consultaram numa unidade básica de saúde, as mulheres 
tiveram duas vezes mais continuidade interpessoal na atenção à saúde do 
que os homens. Grupos com maior vulnerabilidade, denominados como 
baixa renda ou usuários do sistema público de saúde mostraram menor 
prevalência de continuidade de cuidado. 
 A continuidade também foi estudada em nível mais abrangente a 
partir de um estado federativo por Kristjansson et al. (2013) que investigaram 
os fatores associados a continuidade relacional em atenção primária entre 
diferentes tipos de prática (serviços de saúde), na província de Ontário, 
Canadá. Quanto ao perfil dos respondentes, confirmou-se outros estudos 
que apontam que a continuidade de cuidado está mais associada (presente) 
entre pessoas mais idosas ou com doenças crônicas. Por outro lado, 
pessoas com saúde mental debilitada, vivendo na área rural, maior nível 
educacional, que tinham emprego ou não tinham médico/enfermeira que o 
acompanhassem relataram menor índice de continuidade do cuidado. 
Quanto aos profissionais, aqueles que estavam formados há mais tempo, 
possuem maior número de pacientes em acompanhamento continuado. Em 
relação aos tipos de prática, aquelas que ofereciam menos de 24h/semana 
de plantão ou não abriam nos finais de semana apresentavam menor índice 
de continuidade do cuidado. Os autores identificaram mudança no perfil dos 
serviços de saúde da família no Canadá na última década com a formação 
132 
 
de redes de atenção (denominada ‘Family health networks’) substituindo 
paulatinamente as clínicas onde atuavam médicos (as) sem estrutura 
ampliada de recursos humanos, denominadas ‘solo pratice’ (contam com 
apenas um (a) MFC). O estudo mostrou que nos serviços com menor 
número de profissionais, a continuidade inter- relacional era maior. Por conta 
disso, eles anteveem que esta dimensão irá sofrer na medida em que a 
tendência para atuação em clínicas maiores, onde o cuidado é 
compartilhado, irá estimular o cuidado de forma menos personalizada. Este 
questionamento já havia sido aventado por outros autores no Reino Unido 
na década de 1990 quando foram iniciadas mudanças no sistema de saúde 
daquele país (Baker, 1997 e Freeman et al, 2003). 
Em relação à queixa dos entrevistados quanto à troca de médicos, 
denominada na literatura como ‘rotatividade’, Chiavenato (2000) a definiu 
como ‘(...) fluxo de entrada e saída de trabalhadores, ou melhor, a flutuação 
de pessoal entre uma organização e o seu ambiente’ (apud Sancho et al., 
2012, p.432). Esta questão tem sido percebida como fator debilitante na 
busca da integralidade visando solidificação de APS qualificada e retrata a 
precariedade para fixar a mão de obra em decorrência, entre outras razões, 
das diversas formas de contratação. Sancho et al. (2012) alertam que não 
há um ponto de corte que indique o valor ideal, pois fatores internos e do 
mercado de trabalho dificultam análise mais substancial. A fim de superar as 
limitações previamente encontradas, foi utilizada a Taxa Líquida de 
Substituição modificada a partir do estudo de Campos e Malik (2008), que foi 
aplicada no ambiente da ESF. O índice geral de rotatividade na APS foi 
medido trimestralmente e ficou entre4,3 e 7,4, o que foi considerado 
aceitável. Contudo, a inclusão de setores como controle de zoonoses, 
laboratório e farmácia distrital prejudica a interpretação do dado. A outra 
limitação, quanto a rotatividade dos médicos especificamente, foi o não 
isolamento dos médicos da ESF em relação às demais especialidades. 
Quanto a forma de contratação, ficou nítido o papel do contrato 
administrativo sobre a rotatividade, pois aqueles vinculados nesse formato 
revelaram índice considerado crítico (42%). Por fim, o fator distância da 
133 
 
região central foi relevante, pois o distrito sanitário mais afastado apresentou 
índice de rotatividade de 12, 6%. 
Giovani e Vieira (2013) realizaram revisão bibliográfica sobre 
continuidade do cuidado e rotatividade de profissionais na qual citam estudo 
de Rodrigues, Pereira e Sabino (2013) relativo à cidade de Santo Amaro da 
Imperatriz (SC) com índice de rotatividade de médicos na ESF de 44%, 
considerado bastante crítico. 
 Por outro lado, ao estudar a permanência dos médicos no município 
de Cachoeirinha (RS), localizada na grande Porto Alegre, Panni (2012) 
identificou que está se dava em função da infraestrutura das unidades, 
suporte das redes secundária e terciária, especialmente no que tange ao 
acesso a recursos diagnósticos, e salários 
Cunha e Giovanella (2011) indicam que para a fixação dos 
profissionais nas unidades, entre outras medidas, seriam necessárias a 
oferta adequada de serviços e estimular sua capacitação, sendo o 
investimento na educação permanente em saúde corroborado por Ceccim 
(2005) considerando que “(...) sua porosidade à realidade mutável e mutante 
das ações e dos serviços de saúde é sua ligação política com a formação de 
perfis profissionais e de serviços” (p.162). Por sua vez, Sancho et al. (2012) 
indicam que na medida em que os profissionais se fixam no território 
possibilita a melhoria da qualidade da assistência em função da formação de 
vínculos entre os profissionais assim como com os usuários e comunidade. 
Por conseguinte, o investimento na formação e aprimoramento profissional 
irá potencializar os resultados desejados por uma APS qualificada. 
Naquilo que tange a graduação do curso de medicina, a mudança das 
diretrizes curriculares nacionais é relativamente recente (Brasil, 2014). 
Desde então, a carga horária e exposição prática aos fundamentos da APS 
passou a ocorrer do 1o. ao 6º. Ano, entre outras alterações. Na medida em 
que efetiva repercussão para o mercado de trabalho possa ser estimada em 
10 anos, a ênfase na educação permanente dentro da ESF se torna ainda 
mais indicada. Enquanto isso, a força de trabalho ainda se encontra 
134 
 
majoritariamente composta por profissionais formados no modelo 
hospitalocêntrico e sem experiência ou interesse pela atenção primária a 
saúde. Segundo Rodrigues, Pereira, Sabino (2013) em seu estudo sobre 
rotatividade de profissionais na ESF de Santo Amaro da Imperatriz, SC, 
identificou-se que metade não tinha capacitação para atuar na ESF. 
Mudança tão acentuada no modelo de formação exige significativa 
adaptação dos docentes para implementar as mudanças propostas pela 
Diretriz Curricular Nacional (Vieira et al., 2018). Além disso, cabe registrar 
que a maioria dos campos de estágio situados nas UBS do SUS não foram 
planejadas para receber os (as) alunos (as) assim como as equipes apesar 
de seu empenho para corresponder às necessidades dessa nova realidade*. 
Ademais, parcela significativa dos profissionais de saúde envolvidos não foi 
exposta às melhorias significativas dos indicadores de saúde a partir da 
implementação da ESF o que limita sua capacidade em reverter 
expectativas negativas e até preconceitos arraigados acerca da APS. Por 
sua vez, à medida que ela se solidifica tem conseguido reduzir taxas de 
hospitalizações desnecessárias, reduzir desigualdades socioeconômicas na 
saúde, com impacto ainda maior para pessoas portadores de doenças 
crônicas (Macinko e Mendonça, 2018). Estudo de Dourado et al. (2016) 
realizado com pessoas nessa condição refletiu o avanço da cobertura da 
ESF, na medida em que elas declararam ter a ESF como fonte usual do 
cuidado na mesma proporção que a população coberta por plano privado, 
80%. Por outro lado, vale destacar estudo realizado por Bocolini et al. (2016) 
acerca das pessoas que não conseguiram se consultar devido à falta de um 
médico ou outro profissional em 49% das ocasiões. 
Diante do exposto, este cenário de instabilidade da presença do 
médico (a) nas equipes ou de profissional sem a formação adequada ainda 
deve perdurar por bastante tempo, considerando as diversas configurações 
de funcionamento da ESF nos milhares de municípios e a limitada 
capacidade de adaptação na esfera acadêmica. Aos gestores caberá 
 
* Portanto, a importância da educação continuada para que possam debater as nuances do 
campo com alunos (as) oriundos (as) de realidade educacional e social diversa. 
135 
 
organizar os recursos humanos que venham a acelerar o processo de 
inserção de novos (as) médicos (as) formados (as) a partir de modelo 
efetivamente centrado na APS para contribuir aos avanços alcançados pelo 
fortalecimento da ESF desde sua implantação. 
A partir da primeira consulta, que implica assumir que se precisa de 
ajuda, o profissional deve estar atento à leitura corporal e escuta para 
apreender indicativos que possam favorecer a construção do vínculo. De 
acordo com Haggerty et al, (2003), a continuidade do cuidado promove “(...) 
a afiliação do usuário a um profissional de saúde, envolvendo um contrato 
implícito, um sentido de lealdade e responsabilidade clínica” (apud Santos, 
Romano, Engstrom, 2018, p. 02). Vínculo implica na construção de relações 
de afetividade e confiança, dois aspectos inerentes às relações humanas 
que são mais delicados para os homens em geral, pois costumam se 
submeter a padrões de uma masculinidade hegemônica que os conforta 
como membro de um grupo, mas que os limita por requerer que mantenha o 
código de comportamentos considerados adequados para o homem (não 
chorar, não reclamar, não pedir ajuda, correr riscos desnecessários, entre 
outros). 
Cabe ao profissional, demonstrar a sensibilidade de um ‘dançarino’, 
aqui inspirado pelo professor Talbot, médico de família e terapeuta de família 
no Canadá que participou diretamente da formação de uma geração de 
médicos em várias cidades brasileiras na década de 1990. A relação 
enquanto um par de dançarinos desenvolve uma linguagem na qual se 
percebe o momento para o leve toque assim como o tônus adequado que 
permita sugerir mudança de direção ou ler o desejo do(a) parceiro(a). As 
palavras que podem confortar sem serem invasivas ou evidenciarem sinal de 
fraqueza. Observar os movimentos que indiquem o intuito de aproximação 
ou, pelo contrário, de se manter uma distância confortável. Essa dança de 
corpos e mentes, quando bem executada segundo parâmetros de ‘tempo e 
timing’, podem fortalecer a relação e o alcance a proximidade necessária 
para alcançar movimentos plenos e graciosos ou mais enérgicos e 
desafiadores. Esse processo requer o estabelecimento da confiança no 
136 
 
parceiro(a) a partir da abertura para se buscar respostas para quatro 
questões essenciais: quem fala (descrevendo seu momento de vida), o que 
fala, o que teme e o que busca. A fim de se alcançar o restabelecimento da 
saúde, seja física e/ou mental, a partir desse cuidadoso equilíbrio dentro da 
relação profissional, requer que ambos respondam a tais questionamentos. 
Os ingredientes para formação dessa parceria demanda, pelo menos, quatro 
requisitos: tempo, disponibilidade emocional, confiança e facilidade de 
acesso. Thom e Campbell (1997) estudaram o papel da confiança, definida 
pelos autores como a crença de que o médico irá fazer aquilo que é melhor 
para o paciente’ na relação médico paciente, que se mostrou relacionadaa 
satisfação do paciente. As categorias identificadas foram a compreensão da 
experiência individual do paciente; expressar afeto; comunicar-se clara e 
completamente; construção de parceria e compartilhamento de poder e 
demonstrar respeito e ser honesto com o paciente. Estes aspectos foram 
contemplados nos modelos que contemplam a centralidade do paciente no 
cuidado, o que foi sistematizado pelo Método Clínico Centrado na Pessoa 
(Stewart et al., 2014), já discutido anteriormente. 
A partir dessa compreensão sobre a confiança na relação, a frequente 
troca de médico inviabiliza que ela se estabeleça. Além disso, reduz a 
oportunidade para que o homem venha a se abrir antecipando que a 
parceria não é sólida, não irá perdurar como suspeitou Vinicius, um dos 
entrevistados. Não obstante termos experiências exitosas de parcerias bem 
estabelecidas tanto na literatura (Bocolini et al., 2013) como também entre 
os entrevistados dessa investigação, Vanderlei, Vagner, Amadeu e Antunes. 
Este processo, decerto, não afeta apenas os homens, mas na medida 
em que, historicamente, eles se colocam distantes dos serviços de saúde, 
portanto, desconhecendo os códigos subjacentes, conforme ilustrado nas 
entrevistas e grupo focal, ou ainda não foram acolhidos adequadamente, 
137 
 
resulta em maior dificuldade para o estabelecimento de uma relação que se 
pretende sólida*. 
Nos casos em que o profissional se afasta da comunidade se desfaz 
o vínculo o que contribui para perpetuar o modelo biomédico dentro do qual 
o (a) MFC e a doença se tornam centrais enquanto a pessoa e os 
determinantes sociais de saúde e doença ficam restritos ao trabalho dos 
demais membros da equipe. Portanto, para que se evite tais perdas e se 
alcance os resultados a que se propõem dentro da ESF, compete aos 
profissionais e gestores orientarem suas ações e reflexões em torno do 
respeito e comprometimento frente a esses princípios. 
Em suma, a prática da medicina de família e comunidade privilegia a 
excelência da relação médico + pessoa e para alcançar tal objetivo 
necessita da atenção integral e dedicação de seus profissionais e 
formandos. É uma prática artesanal, forjada na rotina, no conhecimento 
adquirido sobre as pessoas, seus familiares, vizinhos e comunidade o que 
catalisa a formação do vínculo ao longo do tempo. A falta de acolhimento, 
demanda excessiva ou pouca clareza sobre as prioridades e possibilidades 
de resposta às outras demandas do serviço que se intensificam na medida 
em que ocorre a troca frequente de médicos (as) dificultam e até impedem 
que se alcance os objetivos a que se destina a ESF. 
 
5.5 Vínculo e relação médico + pessoa 
 
5.5.1 Tempo satisfatório, mas atenção do médico dividida 
 
Esta categoria se destacou pelo que se admite quanto ao tempo de 
consulta no SUS, tema sobre o qual portaria do MS, de 2002, preconizava 
15 minutos, mas que foi revogada em 2015. No Brasil, estudos realizados 
entre 2004 e 2007 registraram consultas com duração entre 5 e 8 minutos. 
 
* Essa análise irá ser estendida a outras seções desta tese onde maior detalhamento acerca 
das perdas e ameaças para a formação do vínculo serão apresentados. 
 
138 
 
Enquanto no Reino Unido a duração média é de 9 minutos, países 
escandinavos entre 15 e 22 minutos e Portugal 15 minutos de duração 
(Irving et al., 2017). Entre os atributos derivados da APS, encontra-se a 
competência cultural, sendo este de grande relevância para a compreensão 
da relação médico+pessoa pelas expectativas associadas à consulta em 
diferentes países*. 
A partir da perspectiva do trabalho em saúde, e aqui particularmente 
dos médicos, a discussão sobre rotatividade dos médicos e o 
reconhecimento da síndrome de ‘burnout’ tem sido recorrente. Em Aracaju, 
por exemplo, Silva et al. (2015) detectaram prevalência entre 6,7% a 10,8% 
dos MFCs, afetando preferencialmente os mais jovens, de acordo com o 
Inventário de Maslach. Além disso, 54% dos profissionais apresentavam 
risco moderado a elevado para desenvolverem a síndrome. Morelli et al. 
(2015) realizaram revisão sistemática de 18 trabalhos publicados entre 2001 
e 2013, sendo que nenhum deles com a população brasileira, detectou que a 
prevalência de ‘burnout’ entre médicos (as) da APS variou de 34,8% a 
85,7%. Quanto a prevalência das dimensões de ‘burnout’, estas variaram 
entre 19 a 55,5% para alta exaustão emocional: de 15,7% a 54% para alta 
despersonalização e de 16% a 45,1% para baixa realização pessoal. 
Diante desse quadro, não surpreende que a geração de MFCs que 
sucedeu aquela dos formuladores da política da ESF passem a considerar a 
desistência de atuar no setor público onde as condições de trabalho 
costumam ser precárias e as pressões da demanda costumam ser muito 
intensas. Afinal, a realidade socioeconômica do país mudou 
consideravelmente desde a implantação da ESF que foi pautada e abraçada 
por profissionais que viveram período de acesso limitado da população sob a 
premissa de que saúde não era direito de todos. Atualmente, não só a 
 
* Tendo morado no Canadá por 10 anos onde fiz estágio observando consultas com 
médicos de família numa instituição acadêmica, percebi que em significativa parte das 
consultas, o ‘dito’ paciente faz uma consulta no sentido de checar opiniões, pontos de vista 
técnicos do problema trazido. Enquanto na minha experiência clínica de 18 anos, no Brasil, 
muitas pessoas procuram e descortinam um mundo de expectativa e dificuldades das mais 
diversas ordens que, pretensamente os (as) médicos (as) precisariam adequar a uma 
janela (tempo de consulta) de 15 minutos. 
139 
 
população cresceu e incorporou o direito, como também outras classes 
sociais que não podem arcar com os gastos com planos de saúde e vieram 
para as UBS reivindicar seu direito. Além disso, outro segmento da 
população buscou assistência através do pagamento de consultas em 
clínicas populares ou nos planos de saúde cujo valor da mensalidade é 
reduzido de onde levam imensas listas de exames complementares de 
necessidade duvidosa, vindo até a UBS para ‘apenas transcrever para o 
formulário de exame do SUS’. Portanto, o que esperar do profissional 
qualificado e competente que acreditou que a Medicina praticada no setor 
público não seria mais aquela descrita por Giovanella e Mendonça (2012), 
num período marcado pela “(...) concepção de atenção primária como cesta 
restrita de serviços básicos selecionados, voltados à população em situação 
de maior pobreza, (que) passou a ser hegemônica” (p.582). Essa 
concepção, encampada pelo Banco Mundial, foi denominada de APS 
seletiva, mas outras correntes nos anos 70 a traduziram como a ‘medicina 
de pobre para pobre’ (Testa, 1992). Como o profissional deveria fazer num 
tempo exíguo para propor uma discussão sobre evidências dos exames e 
medicamentos prescritos ou simplesmente ‘tocar ficha’, como se diz no 
jargão médico, e inchar as filas de exames e procedimentos de uma rede 
limitada pela contenção de gastos. 
Entre os entrevistados desta pesquisa, residentes em Florianópolis, 
cuja APS se encontra acima da média nacional quanto a tecnologias 
aplicadas na ESF, ao invés de crítica ao tempo reduzido das consultas, 
ganhou destaque a qualidade da atenção do profissional, contudo dividida 
com diversas atividades simultâneas, como outros atendimentos, supervisão 
de casos ou até mesmo tarefas administrativas. 
Vágner, 55 anos, faz tratamento por problema psiquiátrico e 
endócrino há pelo menos 20 anos e prefere se consultar com médico de 
família e psicóloga da ESF, mas também utiliza serviço privado. 
(...) todos eles me tratam super bem, não tem pressa na consulta, a 
minha consulta é mais longa do que um consultório particular, só que às 
140 
 
vezes a gente está falando e a pessoa não está ouvindo preocupada com 
alguma coisa que está lá fora acontecendo. 
 
Virgílio, 36 anos, por sua vez, reconhece a intençãoda abordagem 
integral feita pela medicina e família, enquanto aponta para a pressão da 
demanda assistencial durante sua consulta. 
“(...) ao mesmo tempo que eles estão ali tentando te dar uma atenção 
mais pessoal e tal, tem que se rápido porque já tem gente esperando pra ser 
atendido e tal, né, então um jogo assim, duplo assim, pra se virar. 
 
Ângelo, 58 anos, que não costuma consultar médico (a) de família, e 
que na maioria das vezes utiliza serviços privados explicita a postura médica 
que procura na consulta, apoiada pelos demais presentes ao grupo focal: 
“(...) o paciente quer o que, quer atenção do médico, assim não é, tu 
chega lá com algum problema, ela quer ver tu ali olhando na cara dele ali e 
te explicando: ‘olha isso e isso, e isso, vamos fazer um exame, assim, 
assim, assim, não precisa se preocupar e tal’, o paciente quer isso do 
médico... Eu, sinceramente, se eu estou ali com médico ali eu gosto deles 
voltado pra mim, com atenção total pra mim, porque eu estou expondo pra 
ela o meu problema, atender o telefone, bater na porta várias vezes... Eu 
não acho confortável [essas interrupções] entendeu, eu acho que tem que 
dar atenção pra mim ali naquele momento quando eu estou na mesa dele... 
Antônio - Esse é o pensamento dominante, a maioria das pessoas 
pensam assim? 
Alberto - Exatamente. 
 
No seu depoimento, merece destaque, pelo menos, dois aspectos: a 
necessidade da atenção total na escuta de seu problema pois venceu suas 
dificuldades para revelá-lo. E o outro aspecto foi o uso da expressão ‘na 
mesa dele’, que me remete a entrega, a permissão para se aproximar, para 
ser examinado. Diante de tamanha exposição, espera-se, portanto, atenção 
total, sem dispersão com outras situações, mesmo que envolvam pessoas 
em situação similar a dele. 
Desta forma, os homens apontam para suas barreiras pessoais até 
que conseguem compartilhar suas fragilidades, sua angústia diante daquilo 
141 
 
que lhes será dito e a repercussão em suas vidas. Portanto, para compensar 
esse esforço, esperam que lhes seja garantida dedicação. Gomes et al. 
(2011) trazem de sua pesquisa com 201 homens realizada nos estados do 
Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Norte e Pernambuco os quatro 
aspectos que buscam na consulta médica: atendimento onde o tempo entre 
a procura e efetivação da consulta seja o menor possível, que seja 
atencioso; ancorado na comunicação; e finalmente, que seja resolutivo. 
Diante dessas colocações, Rildo, MFC que aprimorou seu olhar 
clínico ao acompanhar a comunidade por quatro anos e meio, destaca a 
importância de que o profissional se atente que está sendo observado 
durante a consulta. Perceba que não basta realizar sua sequência de 
perguntas e a propedêutica aprendida em seu treinamento. 
O homem percebe nossa linguagem corporal. Lembrar que o homem 
não está acostumado ao ‘nosso modo‘ de funcionar (várias tarefas além da 
consulta)... Avisar que vai deslocar atenção (tela do computador/ responder 
sobre algo fora que acontece fora da consulta). Não interromper ele de 
imediato, refletir um pouquinho sobre a ambiência, essa coisa da 
interrupção, do barulho. 
 
Ciente que realiza várias tarefas ao longo do encontro, ele recomenda 
que os (as) colegas explicitem quando precisa desviar sua atenção, mesmo 
que brevemente, para não prejudicar o vínculo que busca estabelecer. 
Chama atenção, neste caso, achados do estudo de Costa e Azevedo (2010), 
que aponta que a relação interpessoal é codependente da comunicação, 
podendo ser desenvolvida por meio da linguagem verbal e não verbal, que 
atuam em conjunto e permeiam todo o processo de interação entre os 
indivíduos. 
Aurora, MFC há três anos em outro Centro de Saúde, salienta como 
os demais acontecimentos paralelos prejudicam sua atenção e destaca o 
risco de o homem interpretar sua reação como se desconsiderasse a 
importância daquilo que é trazido na consulta. Ela vai além e corrobora a 
preocupação de Ângelo no tocante às dificuldades que o homem enfrenta 
para abordar aquilo que o incomoda e ao impacto sobre a adesão ao que 
142 
 
venha a propor em função dos problemas extra consulta que interferem na 
sua prática. 
“(...) essas preocupações que acontecem extra consultório isso é bem 
importante assim, muitas vezes eu me pego assim, né, com muita 
preocupação lá fora, consulta foi tão perturbado, que aí no final ele 
conseguiu ter coragem de falar mesmo o que trouxe a consulta, então eu 
acho que isso é uma coisa que atrapalha muito a questão da adesão, né? 
Como se eles falassem: ‘ah tem tanto problema, tanta situação mais 
urgente assim que talvez o meu problema não seja tão importante”. 
 
Acerca da aparente (des) importância do motivo de consulta, Vagner 
ratifica essa impressão da MFC Aurora: 
É isso mesmo, é isso mesmo que a gente pensa, a gente pensa ‘não 
o que a gente está falando aqui não é importante’, exatamente isso, Então 
eu compreendo perfeitamente isso [interrupção], eu compreendo, mas então 
é mais simples dizer isso: ‘um minuto por gentileza eu preciso dar uma 
resposta... não que o senhor não seja importante, mas eu preciso resolver 
isso aqui agora’, ‘encaminhei vamos lá, desculpa, pronto continuou’...a gente 
se sente valorizado. 
 
E Vagner, 55 anos, aponta o equívoco quando o profissional tenta 
conciliar as várias tarefas: 
É, o fingir que está fazendo isso é que o principal,’ eu vou fingir’... 
 
Nesse sentido, Vagner destaca a perda da confiança no profissional 
já que a linguagem corporal demonstra que ele(a) está dividido entre se 
dedicar sua atenção a quem traz um problema e o que ocorre fora do 
consultório. Esse é tema sensível aos homens no seu percurso entre decidir 
se consultar e vir a confiar no profissional, o qual está ciente do risco e tenta 
contornar as dificuldades da logística do Centro de Saúde quando muitas 
vezes está sozinho ou responsável por aluno e/ou médico residente, 
simultaneamente*. 
 
* As interrupções de consulta e múltiplas tarefas exercidas ao longo do dia alcançou o 
treinamento dos residentes. Em 2015, tive oportunidade de participar de uma sessão de PBI 
(‘Problem Based Interview’) na qual um experiente MFC preceptor decidiu compartilhar uma 
143 
 
A MFC Alice, compartilha a angústia de se dividir entre as várias 
tarefas simultâneas e admite que outros membros da equipe interrompem 
sua consulta com certa regularidade, o que ela classifica como intromissão: 
Gostaria de me explicar pra cada paciente [sobre as interrupções da 
consulta], muitas vezes eu sei que eles [membros da equipe] já estão na 
porta me esperando, p.ex., ‘, eu falo ‘olha desculpa as pessoas vão se 
intrometer’ 
 
Concluímos essa temática ressaltando que as opiniões escolhidas 
sintetizam aspecto crucial para a relação médico + pessoa. Os homens 
reconhecem a sutileza para se manter um diálogo para o qual se vencem 
barreiras pessoais para explicitar suas preocupações e medos, enquanto os 
profissionais se estressam para conciliar sua função de médico-preceptor na 
atenção a diversas demandas simultâneas. 
Torna-se claro o prejuízo para o ganho da confiança daquele que é 
atendido, risco para perda de seguimento e impacto na adesão são algumas 
das consequências admitidas. No caso específico da atenção à saúde dos 
homens, cabe destacar que os profissionais podem não ter uma segunda 
chance de corrigirem problemas surgidos desse disfuncionamento. Por 
terem larga experiência no atendimento das mulheres, os profissionais 
sabem que, em geral, estas se mostram mais compreensivas ou tolerantes, 
por menor expectativa ou ainda pela própria experiência pessoal no manejo 
de várias tarefas simultâneas e maior exposição às dificuldades da equipe 
no manejo das diversas demandas. Portanto, seria estratégico atuar em 
duas frentes simultâneas: a educação permanente visando habilidades de 
comunicação para médico(a)s atuando na ESF; assim como para os alunos,o que já demonstrou resultados conforme relato de Andrade et al. (2011). 
 
consulta gravada em vídeo na qual foi interrompido diversas vezes tanto na forma 
presencial, quando um membro da equipe entrou em seu consultório quanto virtualmente 
através das inúmeras chamadas via Messenger na tela do computador. Para reduzir a 
interferência, ele passou a tirar o som do sinal emitido, mas ainda assim fica nítida na 
gravação as oportunidades em que desvia o olhar para as mensagens recebidas a cada 
poucos segundos. O grupo formado por alunos em estágio MFC, residentes em MFC e seus 
preceptores se surpreenderam com a banalização quanto a esse evento na prática clínica, 
o desgaste para profissional e pessoa atendida e discutiram como lidar com as 
interrupções. 
144 
 
5.5.2 A consulta para além da abordagem técnica 
 
A experiência da consulta médica despertou em vários homens a 
percepção acerca das diferenças de abordagem usada pelos médicos de 
família em relação à prática dos especialistas focais. Eles destacaram a 
abrangência daqueles no tocante ao lidar com os problemas de saúde no dia 
a dia e o reconhecimento de que a atuação médica não se limita a 
diagnóstico e tratamento de doenças ou eliminar sintomas. À vista disso, 
Amadeu, 34 anos, descreve a angústia de se descobrir soropositivo, quando 
o medo e o isolamento podem se tornar nocivos ao enfrentamento daquela 
etapa do cuidado com sua saúde: 
“(...) o suporte não só médico, emocional uma coisa assim, você 
saber que tem uma pessoa que está preocupada contigo, que quer saber 
como você está, toda vez que eu vim aqui, sempre. Eu sei que para o 
senhor isso é normal, né? Mas pra mim isso é muita coisa, que a pessoa 
quer saber meu peso, o que eu estou comendo, né? Aí só uma coisa que ela 
me perguntou se a minha família sabe. A minha família não sabe. Eu só 
pessoal da saúde, só médicos, e agora um advogado do trabalho, né? E o 
contador, porque eu tinha uma empresa no meu nome, e contador tinha que 
saber tudo também. Então três pessoas que você abre o seu coração: o seu 
contador, seu médico e seu advogado, pronto. Só profissional, gente, a 
minha família lá no Nordeste não sabe... 
 
Vilson, 57 anos, apesar de acostumado a ser acompanhado por 
especialistas focais que tratam de órgãos ou sistemas específicos, apontou 
que, na sua experiência, alguns profissionais não demonstraram a devida 
preocupação com a pessoa, isto é, se limitaram a monitorar o funcionamento 
dos órgãos através de exames complementares. 
(...) a gente nota assim é que não só lá [clínica conveniada] a maioria 
dos médicos hoje em dia eles só tratam a doença eles não tratam a pessoa, 
muitas vezes a pessoa está ali, eles só olham ou nem olham, só anotam as 
coisas, nem olham pra pessoa, ‘ah deu, entendeu?’ Então, às vezes, a 
pessoa está com outro problema ou qualquer coisa, mas ele nem puxou 
assunto. 
 
145 
 
Vilson complementou relatando a experiência que teve numa dessas 
consultas com o urologista: 
V - Não, lá não, o que aconteceu que eu não gostei foi um dos 
urologistas que eu estava lhe falando ali, não sei por que cargas da água 
naquele dia eu estava bem cansado assim, inclusive cochilei na cadeira de 
espera, porque demorou um pouco e quando ele me chamou ele perguntou 
minha idade. Daí eu olhei pra ele, daí ele simplesmente disse assim ‘pra 
mim, você aparenta mais idade que você tem’. 
E- Logo no início da consulta? 
V - De cara, eu estava pô, bem pra baixo, com sono mesmo, aquilo 
me arrebentou,[tom de desabafo] ‘Pô eu vim aqui pra... nem falei o que eu 
precisava pra ele’, que era a parte que estava a testosterona baixa, aquele 
negócio todo. Saí praticamente arrasado dali, porque pô... 
E- E era a primeira consulta com ele? 
V - Era, é que nem eu disse, mudava o médico diferente... 
E- E o senhor não voltou nele? 
V- Não, nunca mais, nem disse o que eu queria. 
 
André, 37 anos, homossexual, viveu experiência na qual foram 
solicitados repetidos exames de HIV na vigência de infecções de garganta 
de repetição. Ciente que suspeitavam de ser soropositivo, comenta a 
abordagem: 
(...) não deixou uma lembrança negativa em relação a essa coisa do 
pedido do exame...Ela [MFC] pediu diferente assim, teve um tratamento 
diferente assim, acho que foi mais, eu acho que pelo fato de ela estar mais, 
dela investigar mais, de ela ter essa relação mais assim de investigar a vida 
e não só o momento pontual, eu acho que ficou mais dentro, mais encaixado 
fez mais sentido. 
 
Sobre essa médica, André descreveu outros aspectos positivos da 
relação como o fato de compartilhar aspectos de sua vida pessoal: 
(...) eu tinha abertura maior assim até porque ela tinha um jeito mais 
atencioso, mais aberto também disso, de falar um pouco da vida dela e tudo 
mais. Eu acho que tinha uma identificação, porque ela estava no período de 
pesquisa, então eu acho que até quando ela começou a investigar o caso de 
ansiedade ela estava falando bastante que fazia pós graduação eu acho que 
eu estava fazendo o processo seletivo do doutorado na época... então tinha 
um pouco de identificação, ‘estamos no mesmo lugar aqui sofrendo’, eu 
146 
 
acho que tinha um pouco disso. ... ela falou um pouco dela também, que eu 
achava engraçado, do tipo eu acho que ela tinha [sofrido] um acidente muito 
grave, e daí ela contava um pouco disso e eu acho que até quando ela 
indicou do psicólogo, ela falou assim: ‘ah esse centro aqui foi aonde eu me 
tratei quando eu tive problema na adolescência’, eu achei super legal, foi 
até onde eu acabei indo assim, foi onde coincidiu de ir, ...ela compartilhava 
também, volta e meia ela ficava doente, eu achei interessante isso também... 
 
Em comum, os homens reconheceram quão singular se torna a 
consulta quando incorpora uma dimensão mais afetiva, solidária, o que 
provocou a reflexão sobre o agente facilitador para que também 
compartilhem mais do que sintomas. Esse aspecto captou a atenção de 
Aureliano, 36 anos: 
 [a consulta] não é somente uma questão técnica assim, 
também é uma questão de encontro, tanto assim, que as duas vezes que 
acabou o procedimento que ela estava fazendo e igual ficamos conversando 
três, quatro minutos a mais. 
 
Estes depoimentos subsidiam a aplicabilidade das reflexões de Engel 
(1980) quando propôs uma abordagem baseada em aspectos 
biopsicossociais inerentes ao processo saúde doença*. 
O desabafo de Amadeu quanto ao suporte recebido não se limitar a 
aspectos técnicos, mas incorporar o emocional, despertou no MFC Rildo, o 
seguinte comentário: 
Eu penso que de uma maneira geral, a gente não é estimulado, a 
gente como homem, uma questão cultural talvez simplista, mas assim eu 
penso que a gente não é muito estimulado a se colocar em relação a 
emoção, a dúvida, o medo, de uma maneira geral”. 
Enquanto a MFC, Aurora, destacou a importância do vínculo na 
relação médico (a) + pessoa: 
 ‘quando tem esse vínculo estabelecido, né? Essa questão da 
confiança eles acabam, é achando que a gente, a gente acaba funcionando 
 
* Por sua vez, Camargo Jr. (2005), critica a justaposição desses termos que buscam aferir 
legitimidade a tal abordagem que considera padecer de uma fragmentação que a limita 
enquanto olhar sobre o processo saúde-doença. 
 
147 
 
como a rede de apoio na verdade. Então eles conseguem se abrir, né, e fica 
uma relação que com o paciente fica mais fluida assim, você consegue ser 
bem atendida’. 
 
Ao passo que o MFC Raul, ressaltou como o adoecimento pode 
revelar aspectos outrora relegados. 
Conseguir se conectar com suas emoções, se utilizar, se confortar 
com a palavra, compreensão, olhar afetuoso... Interessante perceber essa 
delicadeza no discurso do homem, que pode se conectar com suas 
fragilidades, encontrar aquilo que precisa para se conectar... 
 
Raul também examinou o impacto que o adoecimento pode gerar: 
Afinal, para um homem, na nossa sociedade, visto como ‘chefe de 
família’, reconhecer que a equipepassou a ser sua família... Talvez pela dor, 
pelo sofrimento, consigamos tocar nessas dimensões. 
 
Por sua vez, a MFC Alice destacou as peculiaridades da formação do 
médico (a) de família no que tange a escuta e suporte emocional nas 
diversas circunstâncias que se apresentam, que no caso de Amadeu, foi o 
apoio recebido a partir do diagnóstico de HIV. 
“a gente tenta abordar os mais diversos aspectos no homem, por 
saber que ele tem com o médico de família, né? Eu não sei se um 
especialista também faria isso. Acho que não, porque nós tivemos formação 
pra isso, talvez um médico mais empático, mais preocupado sim, né? Mas o 
médico de família tendo essa formação, pra perguntar além dos sintomas, 
né, aqui ele fala assim, e assim um suporte médico, não só médico, o 
suporte, né? ...então é o que a gente como médico de família busca, nem 
sempre, às vezes, numa queixa aguda, num acolhimento de urgência a 
gente consegue estar trabalhando esses outros aspectos. 
 
Alice ainda destaca a especificidade ao atender os homens no que se 
refere a não se perder a oportunidade ao atender pessoas que não 
costumam se consultar: 
Mas na medida do possível sabendo que é um homem, né, a gente 
sim tenta, né, mas vamos se pesar [verificar peso], [e questiona se] ele está 
148 
 
preocupado com alguma coisa, e a sua família, tenta interagir mais e buscar 
outros aspectos... 
 
Acerca dessas colocações, Virgílio, 36 anos, comenta: 
(...) minha percepção sobre o médico de família é, realmente, é essa 
diferença assim de ter esse olhar para além do que você de repente está 
levando pra ele naquele momento, para além do que de repente você está 
tendo como doença ou digamos aflição naquele momento, ter essa 
abordagem que permite permear outros aspectos, né, permite perguntar um 
pouco mais sobre a sua vida, sobre a sua família, sobre o lugar onde você 
mora, por exemplo, ... então ter realmente esse olhar que vai além, né, de 
começar a conhecer o meio que permeia aquele individuo ali, né, e através 
desse cuidado poder, né, realmente ter uma atenção mais direcionada, um 
cuidado melhor com aquela pessoa, eu acho que o médico de família 
realmente se diferencia nesse aspecto, realmente tem esse olhar mais 
cuidadoso mesmo, é eu acho que é uma coisa que vale a pena reforçar, 
porque é importante, é importante que dentro, no meio de saúde exista esse 
profissional com esse olhar, né? que não seja só um olhar técnico de cuidar 
e resolver o que paciente tem, não, é realmente ter esse olhar mais 
acolhedor... 
 
A aflição e vulnerabilidade ficaram expostas no relato de Vagner, 55 
anos: 
 É pesado, é pesado, mas ao mesmo tempo dependendo da empatia 
ou da, é, do como ele falar, né, porque uma coisa é você falar 
grosseiramente, e outra coisa é você não falar olhando nos olhos, né, e aí 
entra um, uma bifurcação aí muito séria nisso daí, porque em alguns 
momentos a queixa do paciente ela não é entendida, é uma bifurcação, né, 
ou ela é entendida, mas o profissional, às vezes, tende a fazer meio ‘en 
passant’ aquela coisa, dá um chute e vamos pra frente, né? 
E isso dificulta muito a retomada do controle do que você está 
precisando, né, dificulta demais isso, então nessa minha caminhada eu 
encontrei vários médicos que sabe... 
E- Não valorizaram? 
V - Não valorizaram, ah ‘de cabeça baixa estava, de cabeça baixa 
ficou’ e ‘pega uma receita e vai na farmácia’, o que eu não encontrei, aliás o 
que eu encontrei no médico de família, né, por todos os que eu passei eles 
se importam com você como um todo, né? O todo que eu digo é você, 
família e etc, né, então é muito importante isso, porque muitas vezes o 
médico consulta particular ele quer resolver o problema na hora, né, ele não 
quer ter uma visão mais ampla, né? E é importante isso pra nós, é 
importante esse acompanhamento, esse, o abraçar o paciente, a expressão 
149 
 
é essa, o ‘abraçar o paciente’, né, saber que você é único, muito embora a 
gente sabe que não seja assim, mas naquele momento você é único e isso é 
importante pra nós. 
 
Por outro lado, Aureliano, 36 anos, abordou a riqueza das situações 
surgidas na consulta médica. A partir dos depoimentos dos médicos, essa 
questão trouxe à tona alguns aspectos sobre os quais não havia refletido, 
em particular, a demanda oculta, conforme discutido por Modesto (2016) 
enquanto sinal de desencontro entre usuários e profissionais: 
A consulta médica tem muitas nuances, podem ser bem feitas e 
responder aquilo que você quer, que você precisa, ou, às vezes, que você 
nem sabe que precisa, mas aquela pessoa [médico/a] te apresenta alguma 
coisa e podem ser bem negativas quando te tratam de uma forma que você 
não é reconhecido, né, não é valorizado, né.. 
 
As experiências de Aureliano e Vilson reforçam as nuances presentes 
nas diversas camadas evidentes ou ocultas na consulta. As diversas 
experiências aqui relatadas ressaltam a importância da regularidade desse 
encontro para que se propicie a formação do vínculo que pode resultar em 
benefício mútuo para a díade que se forma. Na minha prática clínica, por 
exemplo, em inúmeras oportunidades atendi casais separadamente e até no 
mesmo dia quando ouvi relato de problemas familiares trazidos pela esposa, 
mas ignorados pelo marido mesmo após perguntar diretamente se havia 
algum outro problema a abordar. Acredito que isso se deva a alguns 
motivos, entre eles: a concepção de que a consulta médica é para se tratar 
de problemas de ordem física; pela crença de que são problemas íntimos 
que devem ser resolvidos em família ou ainda pelas raras consultas 
realizadas o que dificulta alterar conceitos previamente aprendidos sobre o 
que seria adequado abordar numa consulta. Tornou-se comum a experiência 
de médicos de família e comunidade que em algum momento desse 
encontro vêm a ouvir de homens e mulheres num misto de curiosidade e 
aproximação a interjeição: ‘o senhor é meio psicólogo, não é?’ 
150 
 
Diante das peculiaridades discutidas em relação a masculinidade 
hegemônica e o isolamento presente entre os homens, as consultas médicas 
podem servir como alavanca para se tratar de demandas inicialmente 
omitidas. Aos profissionais cabe se manterem alertas, como mencionado 
pela MFC Alice, pelo potencial isolamento a que os homens, em geral 
desprovidos de rede de apoio, se impõem na expectativa de que seus 
problemas possam desaparecer espontaneamente ou serem resolvidos sem 
que assumam efetiva participação no processo. Ragonese e Barker (2019) 
alertam para a cristalização dos conceitos em torno da masculinidade que 
muitos dos profissionais entrevistados na literatura já introjetaram como 
impermeável a mudanças, quase uma fatalidade ou custo associado a ser 
homem. Para reverter esse quadro, os autores propõem que se reconheça 
que muitos homens se cuidam e são parceiros no bem estar de suas 
famílias. Até porque, como eles destacam, o custo social e econômico do 
adoecimento deles termina por recair sobre suas parceiras ou parceiros. 
Nesse contexto, ainda é vigente o ciclo de invisibilidade do homem no 
sistema de saúde brasileiro (Dantas e Modesto, 2019), onde a especialidade 
médica que visa a compreensão de aspectos não valorizados pelas demais 
dentro do processo saúde e doença ainda tem pequena penetração junto 
aos homens em grande parte pelas limitações estruturais no funcionamento 
das unidades de saúde do serviço público conforme pesquisas realizadas 
nos últimos 15 anos, já discutidas aqui. 
Por outro lado, a maioria dos homens já adoecidos segue 
acompanhada pelas demais especialidades, seja no sistema público ou 
privado, que costuma enfatizar mais as doenças do que os impactos em 
diversas esferas sobre as pessoas afetadas, sem que eles se beneficiem da 
coordenação do cuidado e ações promotoras de saúde realizadas pela MFC, 
mas não de forma exclusiva. Assim se evita ou minimiza a possibilidade de 
gastos desnecessários ou uso inadvertido demedicamentos prescritos por 
médicos (as) de diferentes especialidades conforme se verifica entre as 
pessoas com várias comorbidades, com destaque para a população idosa. 
151 
 
Ainda assim, o uso de diversas especialidades por parte dos homens 
se coaduna com a visão imediatista de que seus corpos precisam ser 
consertados para voltar ao trabalho (setor produtivo) o que tem sido 
alimentado pelo movimento de especialização das últimas décadas (Pereira, 
1979). Este percurso é apoiado no status de procurar ‘especialista em joelho’ 
ou ‘hipertensão’, entre tantos outros, enquanto na sociedade brasileira ainda 
sem tradição de Medicina Família e Comunidade, a busca de um único 
médico para todos os problemas soa, no mínimo, estranha. Além disso, 
como a penetração dessa especialidade no mercado se deu através do 
sistema público de saúde, esta ficou estigmatizada com menor valor de 
mercado, algo a que todos podem ter acesso, o que fere suscetibilidades 
nas classes mais abastadas. Ainda assim, como descrito anteriormente, a 
sociedade brasileira começa a se interessar pela atenção médica voltada 
para a pessoa e suas complexidades. Nesse sentido, alguns dos 
entrevistados como Vilson e Aureliano, refletiram sobre o atendimento 
‘automatizado’, focado no órgão acometido em que não se problematiza o 
processo de adoecimento, o que gerou a frustração de não se sentirem 
efetivamente percebidos além dos sintomas manifestados. 
 
5.6 Sexualidade e Saúde Mental: dimensões da expressão de si e do 
cuidado na relação médico + pessoa 
 
Antes de adentrar à discussão que remete ao convite desta tese 
“vamos discutir a relação”, considera-se oportuno trazer à cena outros temas 
que, embora não tenham se constituído como centrais (frente ao objeto de 
pesquisa recortado), emergiram da pesquisa de campo e se mostram 
pertinentes e merecedores de atenção. 
Ao longo das entrevistas buscamos identificar os temas que 
motivavam os homens a se consultar e se percebiam que teriam sido 
propostas condutas satisfatórias por parte dos (as) MFCs. Além disso, 
exploramos quais assuntos seriam de mais difícil abordagem, desde a 
perspectiva dos usuários. 
152 
 
Temas relacionados à sexualidade não costumam ser abordados no 
contexto da APS, conforme já descrito por Pinheiro, Couto e Silva (2011) e 
Modesto e Couto (2018), apesar do impacto sobre a qualidade de vida, 
como descrito por Vanderlei: 
V - É porque assim Guilherme, hoje depois que aconteceu isso 
comigo [infarto] eu já não sou mais aquele homem que eu era, então essa 
parte eu converso muito com ele [MFC] sabe, até nós temos fazendo um 
negócio aí pra poder... 
E- Usar algum remédio alguma tentativa assim? 
V - É não sei o que ele vai fazer... 
E- Está pensando em alguma coisa. 
V - Está pensando em alguma coisa, porque é uma coisa, eu falei pra 
ele: ‘doutor o cara já não faz nada, o cara já fica o dia todo, como diz os 
outros coçando’, tem que ter alguma coisa pra dar uma animação para o 
cara, não sei se é por causa da minha diabetes.... 
E- Esse assunto só apareceu aqui com ele, lá no cardiologista nunca 
apareceu? 
V - Não, primeiro [a médica] era mulher, aí na hora eu queria falar, 
mas aí o cara não pode ser assim porque é médico né, mas toda vez que o 
cara ia lá, mudava, não era a mesma pessoa, já era uma outra médica, aí 
antes era uma médica mais coroa, ai essa última que eu fui já era uma 
guriazinha nova, então o cara fica com vergonha de falar daquilo ali. 
 
Outros temas, de caráter subjetivo e que muitas vezes não são 
associados pelos usuários como pertinentes ao contexto do atendimento em 
saúde, também foram citados. Questões familiares, exemplificado no notável 
relato de conflito de relacionamento entre Antônio, 55 anos, e seu filho, 
ilustra esta dimensão. Antônio não o havia mencionado nas consultas até 
que foi abordado pelo MFC que o acompanhava há bastante tempo. O 
diálogo ocorreu há alguns anos, mas ele (Antônio) resgatou o episódio de 
uma consulta de rotina, mas que se ampliou pela percepção do profissional, 
durante a entrevista: 
(...) assim, a gente vai ali por aquele motivo que você está sentindo, 
tem médico que percebe, ‘tem essa outra coisa ai’, por exemplo, eu já 
consultei uma vez acho que foi um médico [MFC], ‘tu não tem só isso aí tu 
tem outro problema’, aí ele começou a entrar no assunto, começou a 
perguntar e eu comecei a responder. [MFC disse]: ‘tu está com depressão, 
153 
 
tu está com problema de depressão, tu está com problema em casa’. Aí foi 
aonde [eu expliquei]: ‘não, meu filho é assim, assim’, ai ele [MFC] disse: 
‘tem que trazer teus filhos aqui pra consultar’... aí expliquei pra ele, ele 
pediu até pra trazer ele, eu disse: ‘não doutor melhor deixar quieto, não vou 
trazer, porque ele não vai vim, eu sei que ele não vai vim, deixa quieto, não 
vou nem falar nada, deixa quieto’. Aí ele queria, ‘não, tu vai tomar um 
remédio’, [eu respondi] ‘não doutor, por favor, não, eu vou saber sair dessa. 
Eu já saí de tantas outras, eu vou saber sair dessa também’. 
 
Alberto, 55 anos, aposentado com depressão, descreve a consulta 
quando se limita a girar em torno de sintomas, doenças e exames: 
E- Com a médica de família você acaba falando disso, da tua rotina 
do teu dia a dia? 
A - Não, porque como você falou é mais um médico familiar, é mais 
tipo do dia a dia, da tua saúde, como é que tu tá, a pressão, mas assim a 
vida particular tipo, não sei nem se realmente é, né. 
E- Você nunca falou? 
A - Não, nunca cheguei. 
E- Nenhum médico de família assim, te acompanhasse há mais 
tempo? 
A- Não, não. 
A - Desabafava sim [para o psiquiatra], já era outro, né, porque tipo 
assim, não sei é o certo ou errado, mas o médico da família eu achava que, 
mas agora dependendo do que eu vou perguntar pra ela, a doutora, ‘... e 
essa sertralina* fico tomando até quando? ’... 
Eu achava que [a consulta com MFC] seria uma coisa muito direta, 
‘o que tu tem, está sentindo o que?’... 
Eu não cheguei a desabafar com ela [MFC], chegar nesse ponto 
assim. 
 
As situações relatadas trazem em comum a importância de se 
estabelecer uma relação de continuidade e confiança para que assuntos 
delicados viessem a ser compartilhados. No caso dos homens esse aspecto 
é ainda mais estratégico porque eles não conhecem as ‘regras do jogo’, não 
perceberam ou não foram orientados sobre a liberdade para abordar 
qualquer assunto, seja físico ou mental. Apesar de alguma repercussão na 
mídia sobre a abordagem da medicina de família, o fato é que parte da 
 
* Cloridrato de Sertralina é um medicamento comumente usado para depressão. 
154 
 
população desacredita que efetivamente possa abordar qualquer assunto 
nesse ‘mundo de especialistas’ instalado em nossa cultura. Além desse 
aspecto, existe o desgaste dos profissionais da APS. Portanto, um homem 
aparentemente saudável que venha procurar consulta tende a ser 
subliminarmente induzido a realizar consultas pontuais, rápidas, pois existe 
‘toda aquela população’ que requer mais tempo e já é conhecida pelas 
equipes. 
Além disso, a omissão desses problemas perpassa a noção arraigada 
de que a consulta médica se limita a abordagem de problemas físicos, 
exceto para a disfunção erétil, tema sensível que tem potencial de repercutir 
na redução de potência sexual, tão cara aos homens em geral. Afinal, 
prefere não passar pelo constrangimento de compartilhar uma queixa para a 
qual não tem expectativa de que o profissional possa ajudá-lo efetivamente. 
Acerca dessas limitações auto impostas, lembro de episódio quando era 
preceptor do internato em MFC no qual uma mulher diabética há muitos 
anos atendida num ambulatório por uma médica com formação em medicina 
de família veio a ser atendida por uma aluna. Sua abordagem mais ampla 
suscitou a surpresa dessa mulher que desconhecia poder expor outros 
assuntos na consulta além da diabetes mellitus. Nesse sentido, a troca de 
médicosque pode reduzir ainda mais a possibilidade da criação de vínculo, 
mas pode também abrir oportunidade para outras abordagens. A situação 
descrita vai ao encontro do que Caprara e Franco (2006) criticam como as 
“(...) relações que são frequentemente formais nos serviços de saúde” 
(p.88). Neste caso, Vanderlei expressou seu pudor e resiliência ao 
considerar a limitação do médico(a) para compartilhar seu problema: 
 E- E você nunca foi consultar por causa disso, por que o assunto te 
incomoda? 
V - É não, sobre isso aí, eu não vou fazer pergunta pra médica, 
porque ela não pode fazer nada também, coitada [grifo meu], ela não pode 
fazer nada... 
 
155 
 
Por outro lado, Amadeu, 34 anos, soropositivo, descreve interação 
mais franca com a MFC que o acompanha há dois anos. Vale esclarecer que 
interação se refere às formas verbal e não verbal de comunicação: 
Ah não, eu falo de tudo, falo que estou desempregado, que voltei a 
trabalhar, Não, é tudo... - E eu estava com gânglios, eu estava com o meu 
pescoço, estava horrível, não tinha como eu sair, aí não dava, isso até me 
entristeceu bastante, aí tudo isso eu falei para a doutora, nossa eu fiz a 
doutora de psiquiatra coitada, o que eu desabafava com ela, Ela [me 
tranquilizava] ‘ não tudo bem a gente tá aqui pra isso mesmo’. 
E- Uhum. 
- Porque eu não ficava só no físico, todo o problema emocional eu 
despejava nela, bem assim. 
 
A temática de viver com o HIV ainda padece do preconceito a 
começar pela revelação do diagnóstico apesar de a epidemia já ter 
completado 40 anos no Brasil. Em 2003, o relatório sobre inovações no 
cuidado de condições crônicas da OMS anunciava que um “(...) sistema de 
atenção primária incapaz de gerenciar com eficácia o HIV/AIDS, o diabetes e 
a depressão iriam se tornar obsoleto em pouco tempo. De fato, a atenção 
primária deve ser reforçada para melhor prevenir e gerenciar as condições 
crônicas” (OMS, 2003, p.05). Desde então, o agravo alcançou mudanças 
significativas no seu perfil epidemiológico, acesso ao diagnóstico e 
tratamento que permitiram substancial melhora da qualidade de vida. 
Ângelo, 59 anos, soronegativo, expressa sua estranheza sobre a doença: 
Principalmente a questão de AIDS, né, HIV, né, isso aí o cara fica 
assim perdido, né... É uma coisa que não é normal, né, câncer e AIDS, não 
é normal. 
 
Na experiência de Amadeu, 34 anos, outros fatores devem ser 
considerados como a abordagem da equipe de saúde frente ao diagnóstico 
e seguimento de seu estado sorológico (HIV+). Além disso, diante de sua 
frágil rede de apoio, tal abordagem pode ter servido como catalisador de 
uma relação de confiança mais sólida, significativa, que se estabeleceu entre 
156 
 
o usuário e o serviço. Em outra seção, serão detalhados os aspectos que 
podem ter propiciado a criação de vínculo. 
Essas situações de consulta ilustram o que Moura (2012) denomina 
como ‘afunilamento da narrativa’, na qual a pessoa molda seu relato diante 
do que considera ser permitido ou esperado. Em outras palavras, o médico 
(a) é treinado a se concentrar na escuta biomédica da narrativa e excluir 
trechos que não sejam relacionados à queixa principal em seus aspectos 
orgânicos. No caso de Amadeu, o diagnóstico pode ter contribuído para que 
o (a) MFC tenha se afastado desse modelo para acolher sua necessidade de 
escuta. 
Em Florianópolis, segunda capital brasileira com maior número de 
casos de HIV e a terceira capital com a maior taxa de mortalidade, a APS se 
incorporou na linha de frente tanto no oferecimento do teste rápido em todas 
as unidades básicas de saúde, como no uso da Profilaxia Pré-
Exposição (PrEP), assim como a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) que 
consiste numa forma emergencial de prevenção da infecção pelo HIV. Além 
disso, os (as) MFCs iniciam e manejam o tratamento contando com o apoio 
matricial dos infectologistas conforme descrito por Pinto e Capeletti (2019) e 
avaliado em artigo de Alves de Carvalho et al (2020). Nesse contexto, 
apesar de equipes experientes, mantem-se o receio quanto ao estigma do 
diagnóstico o que Amadeu, soropositivo, 34 anos, revelou na entrevista 
através do uso do código internacional de doenças: 
“(...)ela [MFC] me perguntou se a minha família sabe, a minha família 
não sabe, eu só, pessoal da saúde, só médicos, e agora um advogado do 
trabalho né, e o contador. Eu suportei sozinho, doutor. Nossa, eu em casa 
passando mal com febre, ainda não sabia se era tuberculose, se era linfoma, 
já sabia que era a B24 [Código do CID-10 que identifica a pessoa com 
AIDS], eu suportei sozinho, não sozinho, porque as médicas fizeram o papel 
da minha família pra mim. Tudo que eu devia fazer com a minha família, 
contar pra minha família, foi com elas, elas que tiveram que me aguentar, 
mas foi ótimo. Até hoje elas tem muito cuidado entendeu, uma coisa que fez 
muita diferença. 
 
Alfredo, 26 anos, por sua vez, vivenciou o preconceito quando 
procurou a UPA devido a corrimento uretral: 
157 
 
“Daí, aí a secreção estava saindo pelo pênis daí [médico] nem tocou 
[examinou], quando eu falei isso ele falou pra mim: ‘sai daqui, procura um 
posto de saúde’. Como eu ia procurar um posto de saúde se era feriado? 
Não tinha como encontrar, daí eu fiquei com medo, porque eu sou gay, 
mandou fazer exame de HIV, me botou bastante medo, não me deu receita, 
não fez o toque [não foi examinado], não me deu nada de remédio, nada, 
nada. Depois eu fui para outro médico, lá do outro lado da ponte, daí ele fez 
o toque [examinou], viu tudo certinho daí era uma íngua, me deu remédio, 
me fez tudo”. 
Amadeu viveu situação semelhante quando foi diagnosticado com 
tuberculose: 
“Na universidade eu até que falava, eu faltava muitas aulas aí eu tinha 
que justificar, porque eu estava faltando, levava o atestado... mas lá o 
pessoal é outra cabeça lá dentro, mas já aconteceu de eu ter que tomar 
medicamento no horário e me perguntarem o porquê, uma vez que eu 
estava no trabalho nem era de carteira [de trabalho assinada], era ‘free 
lancer’,e não me quiseram mais, aí já aconteceu esse tipo de discriminação”. 
 
A população LGBT no Brasil enfrenta grande dificuldade no seu dia a 
dia a partir da ameaça a sua integridade física e mental que se traduz no 
número alarmante de assassinatos. Em 2004 foi lançado o programa Brasil 
sem Homofobia e em 2008 a Política nacional de saúde integral de Lésbicas, 
Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (Brasil, 2008). Albuquerque et al. 
(2013) realizaram revisão integrativa da literatura no período 2004 a 2013, 
na qual detectaram imensa resistência do segmento em procurar pelos 
serviços de saúde. Em resposta a grave alienação desse segmento da 
população, a rede de APS de Florianópolis conta desde 2015 com um 
ambulatório trans que atende semanalmente no período noturno (Pereira et 
al, 2019). Valadão e Gomes (2011) apontaram a falta de apoio da parte dos 
profissionais de saúde apesar da existência dos marcos legais instituídos há 
quase uma década. Os autores realizaram pesquisa em 102 municípios 
brasileiros, com uma amostragem de 2363 entrevistados, constatando que 
89% dos participantes foram contra a homossexualidade masculina e 88% 
contra a lesbiandade e a bissexualidade de mulheres. Na presente pesquisa, 
dois dos três entrevistados homossexuais relataram experiências negativas 
acima descritas. Diversos pesquisadores identificaram situações de 
desestímulo a procura pelo serviço de saúde na APS e inabilidade na escuta 
158 
 
das demandas apresentadas (Machin et al, 2011, Knauth et al, 2012; Vieira, 
2013) 
Na Inglaterra, Cant e Taket (2007) descreveram os obstáculos 
enfrentados por gays e lésbicas desde o acesso aos serviços de APS no 
norte de Londres, assim como questões relacionadas a sexualidade até a 
abordagem de médicos (as) de família que assumiam referencial 
heteronormativo das pessoas atendidas. 
No tocante à saúde mental, entre os 18 entrevistados,o tema da 
depressão foi abordado diretamente por cinco deles sem que houvesse um 
direcionamento específico entre os objetivos desse estudo. 
No Brasil, estudo de base populacional realizado em Pelotas através 
de inquérito domiciliar usando o questionário PHQ-9 (Patient Health 
Questionnaire) mostrou prevalência de 20,4%, com maior prevalência entre 
as mulheres, indivíduos mais jovens, menor nível socioeconômico, menor 
escolaridade, solteiros ou separados e aqueles com doença cardíaca 
(Munhoz, 2012). Nos países desenvolvidos, a proporção do diagnóstico é de 
2 mulheres para cada homem (OMS, 2008), mas autores suspeitam que 
critérios diagnósticos não são sensíveis ao segmento masculino (Wilhelm et 
al., 2002). Bezerra investigou a prevalência dos transtornos mentais comuns 
(TMC), que envolvem um conjunto de sinais e sintomas relacionados 
principalmente a queixas somáticos e sintomas depressivos e ansiosos 
geralmente associados a condições de vida e à estrutura ocupacional. A 
partir de uma amostra de homens entre 21 a 59 anos na capital e cidades 
rurais da Paraíba, foram usados diversos instrumentos tais como SRQ-20 (já 
validado no Brasil) e questionários de estilo de vida e acesso a atendimento 
em saúde, de saúde mental e sociodemográfico. A prevalência de TMC foi 
de 46% na capital e 18,4% no meio rural com maiores índices entre os mais 
jovens e de 15% na faixa acima dos 50 anos. Quanto a escolaridade, índices 
mais elevados estavam presentes entre os de maior escolaridade 
Segundo Mahalik et al (2003) os homens apresentam menos sinais de 
alerta quanto a este desfecho. No Canadá a proporção de suicídios é 3: 1 
159 
 
entre os homens e na Irlanda 7: 1 (NOSP‡, 2014), sendo que esta mesma 
proporção ocorre entre os idosos no Canadá (Health Canada, 2002). Além 
disso, a literatura demonstra as peculiaridades quanto a prevalência, busca 
de atenção médica, apresentação clínica da depressão e risco de suicídio 
entre os homens (Addis, 2008; Oliffe et al, 2008; Robertson, 2009; Parent et 
al, 2018; Cant et al, 2017). Oliffe et al (2012) ao analisarem dados de uma 
coorte de 38 homens no Canadá alertam que ao falharem em reconhecer 
problemas de saúde mental foi detectada taxas de suicídio mais altas neste 
grupo. Em outro estudo realizado em Vancouver, Canadá, foram 
entrevistados 20 homens que pensaram ou tentaram suicídio. O isolamento 
estava entre os três fatores principais que contribuíram para esse desfecho 
(Oliffe et al, 2017). 
Estudos europeus verificaram correlação entre desemprego por tempo 
prolongado, depressão e uso de álcool e outras drogas Lappalainen et al., 
2017). Além disso, a recessão econômica coincidiu com aumento 
significativo da taxa de suicídio entre homens (Karanikolos et al., 2013; 
Antonakakis e Collins, 2014; O’Donnell e Richardson, 2018) 
Oliffe e Phillips (2008) apontam a depressão como fator risco para 
suicídio o que remete aos profissionais de saúde que precisam estar atentos 
às peculiaridades dos sintomas entre os homens. Portanto, para este grupo 
recomenda-se atenção acerca de atitudes ou acontecimentos que costumam 
ser vinculados ao acaso ou inerentes às masculinidades pois podem ser 
manifestações da depressão. Assim, episódios de violência, irritabilidade, 
incapacidade de descrever ou expressar sentimentos, acidentes de 
automóvel, abuso de álcool e outras drogas, comportamento abusivo, perda 
de emprego, violência doméstica, podem ser tomados, nessa perspectiva, 
como eventos sentinelas a serem verificados com maior interesse 
(Ogrodniczk e Oliffe, 2008). Em resposta as diversas manifestações 
apresentadas pelos homens, Rutz et al. (2002) vieram a desenvolver uma 
escala, ‘Gotland Male Depression Scale’, para diagnóstico de depressão 
masculina numa região da Suécia com alta prevalência de suicídio. 
 
‡ Irlanda, National Office for Suicide Prevention(NOSP) , relatório anual, 2014 
160 
 
Ainda acerca da depressão masculina, Addis (2008) desenha um 
panorama baseado na diferença da prevalência entre homens e mulheres; 
na tendência dos homens em esconder sintomas e experiências de 
depressão; os efeitos da socialização na expressão desses sintomas e como 
costumam responder a afeto de conotação negativa. Como resultante, 
verificamos a demora dos homens em procurar por assistência (Oliffe e 
Philips, 2008). Quanto aos fatores associados, Parent et al. (2018) 
analisaram banco de dados referente a 4.825 homens entre 20-59 anos de 
idade que mostrou maior procura por auxílio para saúde mental entre 
brancos, não heterossexuais, que não estavam em relacionamento, mais 
velhos e com depressão. 
Seidler et al. (2016) concluíram após revisão da literatura acerca da 
busca de auxílio de homens com depressão, que eles funcionam em 
conformidade com as normas tradicionais do gênero masculino que geram 
impacto três vezes maior sobre os sintomas da depressão, sobre atitudes e 
comportamentos relacionados a procura por auxilio e tipo de tratamento e 
estratégias para lidar e se engajar. Por outro lado, distinto do que se 
costuma acreditar, alguns trabalhos indicam que eles irão procurar auxílio 
que sejam acessíveis, apropriados e motivadores como a terapia cognitiva 
comportamental (Spendelow, 2015) ou terapia que reafirme seus pontos 
positivos (Englar-Carlson e Kiselica, 2013). 
A tentativa em suprimir suas emoções os coloca em risco de 
agravamento da piora de sua saúde mental, e quando de forma mais severa, 
consideram a autoagressão e suicídio. Acerca desse desfecho, Pinto, Assis 
e Pires (2012) analisaram o histórico de homens que cometeram suicídio no 
período 1996-2007 no qual “salientam que entre as várias vulnerabilidades 
masculinas encontra-se a negação do cuidado travestida pelo ideário de 
invulnerabilidade. Ao se incorporar à velhice masculina, a negação do 
cuidado pode funcionar como uma espécie de blindagem da masculinidade, 
já ameaçada pela saída do trabalho e pelo acometimento por doenças 
crônicas” (p.444). 
161 
 
Esse agravo veio à tona nas entrevistas de diversas maneiras. Alberto, 
52 anos, viúvo, aposentado, 2 filhos, admitiu: 
E- E fora a questão de fazer os exames algum outro motivo que te leva 
a consultar aqui? 
A- Foi esse motivo da depressão também, que eu quero continuar 
fazer o meu tratamento aqui como eu sou do bairro, então eu estou 
tomando os medicamentos e... 
... 
É foi tipo assim na verdade ela deu, eu não cheguei a conversar 
muito com ela sobre o problema da depressão, ela só me receitou o 
medicamento que eu já estava tomando, né, como eu falei para o 
senhor eu já estava sendo tratado pelo um psiquiatra, conversei 
com ele, depois quando eu vi que realmente não tinha mais 
condições de ficar com ele, eu resolvi aí ela me receitou esse 
medicamento. 
 
Enquanto Vagner, 55 anos, aposentado, compartilhou sua 
experiência com o manejo da residente em MFC: 
Quando eu tive uma época que eu estava com uma depressão muito 
grande né, eram muitos questionamentos né e a residente, foi muito bacana, 
ela disse assim: 
‘Vagner é o seguinte você tem que, quando você era bom você era 
uma pessoa, agora você é outra pessoa, então ela começa a trabalhar isso 
comigo né? Ó, se você sabe que você não pode caminhar mais de dez 
quarteirões caminha um quarteirão para e olha uma loja, caminha mais outro 
quarteirão cumprimenta um amigo, toma uma café, entendeu? 
 
Já Vinicius, 40 anos, autônomo, expressa sua surpresa no manejo 
cuidadoso de João, residente em MFC: 
“(....) mas a mais marcante foi, foi há uns três anos atrás, uns três 
anos, é, acho que foi em 2014. Eu não estava me sentindo bem assim no 
sentido psicológico mesmo, não estava me sentindo bem, eu não estava 
com dor em nada, mas estava meio, daí fui para o postinho, fui no postinho 
me consultei né tudo normal, marquei a consulta pelo telefone, me consultei 
com o doutor com o médico lá, e foi tudo tranquilo. Assim, na verdade a 
gente conversoubastante, teve umas conversas, até achei interessante, 
porque geralmente não se conversa muito quando se vai em consultório 
assim padrões assim e tal, mas achei bem interessante, porque a gente 
conversou muito sobre, ele se preocupou bastante com isso, se preocupou 
bastante em me, nessa parte de esclarecimento conversa, e eu acho que até 
162 
 
noto isso, até antes disso já percebia que no posto o interesse dos 
profissionais assim pelo, por esse lado mais talvez mais humano sei lá da 
coisa era bem, bem, assim, se preocupava bastante com isso então, 
aconteceu de o médico, da gente conversar bastante e tal, daí ele me 
perguntou tu queres que eu marque uma psicóloga depois, tu está sentindo 
bem aqui e tal, eu disse ‘não cara tranquilo, pra mim está tudo certo a gente 
está conversando e tal’. 
 
Enquanto Aureliano, 36 anos, percebeu que não poderia esperar pelo 
acesso limitado a equipe do CS: 
... quando eu comecei aquele período de depressão, aí eu fui lá, 
porque eu não estava me sentindo legal, não estava bom, aí fui, mas aí 
achei uma médica por outro canto. Aí eu preferi usar os serviços daquela 
médica, porque era uma questão urgente, né, e se eu esperar o que 
acontecia no centro de saúde ia passar muito tempo, e eu tinha medo que o 
negócio ficasse pior. 
 
Quanto a população homossexual, alguns estudos apontam que a 
depressão é três vezes mais prevalente que na população geral adulta (Cox, 
2006; King et al., 2008). A procura por serviços de saúde é ainda menor que 
entre os heterossexuais por não considerarem os serviços adequados às 
suas necessidades. Cant et al. (2017), chamam atenção para dificuldades 
adicionais relacionadas a grupos étnicos de imigrantes na Inglaterra em 
encontrar profissionais de saúde adequados às suas necessidades. Lee et 
al. (2017) indicam a necessidade de profissionais de saúde, muitas vezes 
refratários a discutir a sexualidade daqueles que atende, considerarem a 
correlação entre depressão, suicídio e sexualidade. Manter-se vigilantes 
quanto aos agravos de saúde mental e conquistar a confiança são 
essenciais para o manejo clínico dessa situação de risco. Um indicativo 
acerca da inabilidade do sistema de saúde em responder a este grupo, fica 
evidenciado no trabalho de Luoma et al. (2002) no qual alertam que aqueles 
que cometeram suicídio consultaram no ano anterior ao evento. 
Quanto às abordagens de intervenção, Ogrodniczuk et al. (2016) 
descrevem algumas iniciativas como ‘Man-Up Against Suicide’ em que se 
utilizam fotografias e histórias de vida relativas a perda; em outro projeto 
‘online’ (‘Heads Up Guys’, Canadá) visa-se demover os homens sobre a 
163 
 
ideia de que buscar o serviço de saúde seria como uma pressentida 
fraqueza, trabalhando com desejo de autonomia e independência para 
enfrentar a depressão. Em comum, esses projetos trazem linguagens 
diversas e inovadoras obtendo maior participação do que programas 
tradicionais considerados ineficazes pelos homens pesquisados. 
Portanto, na atenção primária, reconhecida como porta de acesso aos 
serviços de saúde, perceber a repetição de acontecimentos tomados como 
triviais ou ao acaso se torna ainda mais premente diante da severidade das 
consequências do não diagnóstico de depressão e pelo risco de 
oportunidades de intervenção perdidas. 
 
 
5.7 Vamos portanto, finalizar essa ‘discussão da relação’ 
 
 A partir do mapeamento das experiências dos homens em consulta 
com os médicos de família, ainda os vemos emparedados pelo paradigma 
biomédico, crente que seu corpo é máquina para viabilizar seu valor social 
na sociedade. Nesse espaço, torna-se conveniente aos membros da díade 
“transformar toda queixa em síndrome, “transtorno” ou doença de caráter 
biológico, desligando-a da vida vivida pelo doente”, seguida da crescente 
incorporação de diferentes aspectos da condição humana sob a órbita do 
“medicalizável” (Tesser et al., 2010, p.361). 
Nesse sentido, Schraiber et al. (2010) destacam que as necessidades 
de saúde dos homens são abafadas pela medicalização da consulta, 
reduzindo-as “(...) a questões biomédicas e impedindo que sejam 
enunciados carecimentos que não encontram possiblidade discursiva nessa 
linguagem” (p.962). 
Caprara e Franco (2006) destacam que as relações não ocorrem no 
vazio, que são influenciadas pelo grupo de origem de seus membros. Os 
autores trazem a contribuição de Hinde (1979, p. 14) que estabelece que 
uma relação “(...) requer uma interação intermitente entre duas pessoas 
envolvendo trocas em período extenso. Estas trocas têm algum grau de 
164 
 
mutualidade” (p. 88). No caso específico da relação médico+paciente, esta é 
influenciada por aspectos gerenciais do sistema, organizacionais da unidade 
de saúde, da formação do profissional médico e da história de vida da 
pessoa. 
Ayres (2009) alerta que “(...) para ser sujeito de fato, o paciente 
precisa sentir-se compreendido e valorizado e, para tanto, ter direito à voz e 
poder compartilhar com o profissional seu sofrimento, não apenas a dor 
física, mas suas dúvidas, medos, assim como alegrias e esperanças” (p.49). 
O autor enfatiza o aspecto relacional na construção de sujeitos e da 
necessidade de se reconstruir a ideia de sujeito com base na 
intersubjetividade, ou seja, vê-lo como aquele que se constrói a cada 
encontro entre profissional e usuário. 
Quanto à educação em saúde, a prática médica permanece arraigada 
nas antigas ‘orientações’ de estimular o cuidado através da exploração do 
medo e a desconsideração pelo contexto. Se ele não adere mais, em parte 
porque a Medicina moderna para Freidson (1988) é essencialmente 
heteronômica ao retirar autonomia do sujeito, a qual se deve obediência aos 
ditames sob a ótica do trinômio ‘certo/errado/castigo’. Portanto, se o homem 
no início da consulta era uma ‘ficha com ponto de interrogação’, ao fim desta 
será apenas uma figura a carregar uma solicitação de exames, uma 
prescrição e algum conselho de pouca serventia. Assim o ciclo de 
invisibilidade (Dantas, 2012) gira e a oportunidade do encontro se desfaz 
sob o risco de se abortar o retorno eliminando uma segunda chance para se 
aperfeiçoar o diálogo. 
Haveria peculiaridades na constituição do sujeito do gênero 
masculino? Como se dá o processo de cuidado para o homem? E de que 
homem estamos falando? Daquele que historicamente fez as regras do jogo 
ou dos invisíveis? Segundo Kimmel (1998) precisamos considerar que as 
masculinidades são socialmente construídas, portanto variam de cultura a 
cultura ao longo do tempo atravessada por um conjunto de variáveis que 
potencializam sua identidade. Nesta estava prevista a propriedade da terra, 
o aprimoramento e domínio de uma habilidade do ofício, mas não o cuidado, 
165 
 
não incluía a percepção do risco de que seus valores podiam ser 
ameaçados. Em resumo, “(...) a masculinidade poderia ser demonstrada 
através do autocontrole” (Kimmel, 1998, p.112). Essa construção foi forjada 
quando os benefícios da intervenção da ordem médica eram bem-
intencionados, mas frágeis. Portanto, não merecedores de muita atenção. 
Assim na medida em que suas conquistas o valorizavam perante outros 
homens se estabelecia uma hierarquia entre as masculinidades, 
diferenciando as hegemônicas das subalternas. Garantido o seu lugar de 
destaque na sociedade, se tornava evidente o sucesso pela conquista, o 
acerto de sua decisão enquanto ‘self-made man’. Diante dessa conquista 
sem a devida atenção aos riscos ou cuidados na trajetória, o autocuidado e 
a busca do cuidado pareciam irrelevantes. 
A evolução tecnológica fez esse cenário mudar drasticamente no 
último século. Diante do avanço da medicina e da sociedade em geral no 
século XX, dentro do que Kimmel (1998, p.113) denomina “influências 
feminilizantes da civilização”. Portanto, como se posiciona esse sujeito 
dentro do sistema de saúde onde se dá (ou não) o encontro entre o homemque, na maioria das vezes, desconhece o ‘modus operandi’ do sistema e o 
(a) profissional de saúde? 
 Afinal, dentro da ‘lógica’ do modelo biomédico ainda prevalente na 
formação médica, as crianças deixam de ser acompanhadas regularmente 
em torno dos dois anos de idade. Na puberdade, as adolescentes são 
trazidas pelas mães, na maioria das vezes, para orientação contraceptiva da 
qual os rapazes não costumam tomar parte, exceto pelo uso eventual do 
preservativo. Nessa trajetória, os homens se tornam alheios aos serviços de 
saúde, só retornando em casos de emergência, muitas das vezes ligados a 
acidentes de trabalho, acidentes de trânsito ou episódio de embriaguez. Das 
causas externas de óbito masculino, o Brasil teve 88 mil eventos entre 20-59 
anos no ano de 2017 (DATASUS, 2017). Portanto, para o homem a 
construção da própria identidade masculina está apartada da construção do 
autocuidado aqui definido como mecanismo que permite que as pessoas 
desempenhem suas funções de maneira autônoma, que promovam ações 
166 
 
convergentes a preservação da vida, preservação da saúde, e bem-estar 
(Garcia et al., 2019). Daí urge a pergunta: por que o homem não iria buscar 
essa ferramenta já que diante de várias outras frentes, ele busca se impor e 
se manter no controle da situação? 
Suponha que, avesso a resposta simples ou unifatorial, esse homem 
entra em fadiga. Ele precisa, reconhecendo ou não sua limitação, 
interromper o circuito em que ele mesmo se colocou, de forma consciente ou 
não. Portanto ele adoece e nessa condição abre mão de todo controle que 
primou em alimentar. Adoecer o envergonha (Sousa et al., 2016; Amaral et 
al., 2017) e gera crise. Sem a reflexão sobre o processo, abre espaço para 
que ela se agrave ou que a crise se repita até que a dependência do outro, 
tão temida inicialmente, se instale. Rotulado como ‘homem doente’, ele ‘sai 
do jogo’ competitivo da vida no qual estava familiarizado a participar. 
Distante desse ‘locus’ e somado a seu estranhamento pelo novo 
status, historicamente o alvo prioritário da assistência primária à saúde é o 
binômio materno-infantil, sendo a formação dos profissionais que atuam 
nesta área pouco voltada às contribuições dos aspectos sócio culturais e 
psicológicos relativos à gênero, e especialmente aqueles associados às 
masculinidades. Diante deste cenário, a limitada habilidade do profissional 
de saúde, dada a formação que recebe, não potencializa o desenvolvimento 
de ações de cuidado que levem em conta, de forma crítica e balizada, as 
questões de gênero. Esse contexto foi sintetizado por Dantas (2012) no 
fluxograma denominado ‘Ciclo de Invisibilidade do Homem no sistema de 
saúde’ (Figura 1, apresentada na seção 1.2 do presente trabalho), a partir 
das experiências vivenciadas pelos homens atendidos por médicos de 
família e na sua atividade anterior enquanto docente. 
No livro “A Ordem Médica”, o psicanalista francês Clavreul (1983) se 
mostra bastante crítico em relação a escuta médica no que tange aquilo que 
não parece orgânico. Acerca da relação médico+pessoa, mais 
especificamente, ele denuncia que “(...) o suposto ‘diálogo médico-doente’ 
na verdade se trata de um monólogo, onde se evidencia a função 
silenciadora do discurso médico e sua identificação com o discurso 
167 
 
dominante” (p.118). Clavreul (1983, p.118) vai além ao afirmar que: “(...) não 
existe relação médico-doente, tampouco existe relação médico-doença. 
Existe apenas uma relação instituição médica-doença”. 
Quanto ao processo de tomada de decisão acerca do tratamento, 
Clavreul (1983) destaca que, em geral, a opinião do paciente não é 
considerada pois este se encontra na posição limitada a oferecer signos ao 
invés daquele que demanda, que participa do processo de decisão. 
Este posicionamento de Clavreul na França, distante ao menos quatro 
décadas da atualidade e apesar das mudanças curriculares implementadas 
a partir de 2014 por algumas escolas médicas, ainda terão que esperar uma 
década para tornar passado experiências como a vivida por Vagner, 
farmacêutico de 55 anos, que contrasta experiências no sistema privado, 
onde consulta especialistas focais, e setor público devido às suas várias 
enfermidades: 
V- Mas é que aí lá fora [sistema privado] o cliente ele tem que 
comprar coisas para poder valer a consulta, ele tem que pagar, ele [médico] 
tem que te vender um complemento vitamínico, ele tem que te vender, ‘ah 
vai nessa farmácia’, ele não vende, é proibido, ‘mas ‘essa farmácia aqui é 
muito boa, entende?’ Esse medicamento aqui é muito bom, olha você tem 
que tomar esse remédio que é muito bom, eu tenho que retribuir aquela 
consulta de alguma forma’ E aqui no posto de saúde, eu não preciso fazer 
isso, eu, eu, um exemplo né, eu tomo deposteron®* , certo, que me custa 
trinta reais por mês. Aí fui nessa consulta de setecentos reais, [médico disse] 
‘não você tem que tomar a nebido ®, você tem tomar a nebido®**, a 
nebido®, não, não isso, aí tem que tomar a nebido®. 
E- Não se discute. 
V- Então o médico está dizendo, estudou pra isso, vou tomar a 
nebido®, quanto é que é a nebido®? Quinhentos reais, tá bem. Então vamos 
comprar a nebido®, são setecentos mais quinhentos, tomei a nebido®. No 
final de quinze dias eu estava igual. Voltei nele falei: ‘doutor não funcionou, 
não’,[médico retrucou] ‘mas espera aí, daqui a pouco funciona’. Esperei 
mais trinta dias, não funcionou, mas era três meses. [Pensei] daqui a pouco 
vai suspender e tal, não funcionou. Aí voltei para deposteron®, então eu 
gastei setecentos, mais quinhentos, mais as aplicações. 
 
 
* Nome comercial da cipionato de testosterona usada no tratamento de hipogonadismo 
primário ou secundário. 
** Nome comercial do undecilato de testosterona. 
https://consultaremedios.com.br/cipionato-de-testosterona/bula
168 
 
Diante do contexto de a comunicação médico(a)+pessoa estar 
limitada pelo modelo biomédico, ainda hoje o “principal modelo financiado 
pelo recurso público” (Caprara, 1999, p.650), o MS lançou a Política 
Nacional de Humanização (Brasil, 2004) cujos objetivos foram de “(...) 
valorizar os diferentes sujeitos implicados na produção da saúde através do 
fomento à autonomia e ao protagonismo; desenvolver práticas culturalmente 
sensíveis; defender a corresponsabilização na gestão e atenção em saúde; 
identificar as necessidades sociais; fortalecer o trabalho multiprofissional 
pautado na transversalidade e no sentido de equipe; entre outros aspectos” 
(p.5). A Política, aqui denominada ‘Humaniza-SUS’, preconizou uma 
assistência que valoriza ‘humanização’ a partir da qualidade técnica e ética 
do cuidado utilizando “tecnologias relacionais de alta complexidade que 
dizem respeito aos problemas complexos do cotidiano das pessoas 
relacionados aos modos de viver, sofrer, adoecer e morrer no mundo 
contemporâneo. Nesse sentido, aponta a necessidade dos profissionais se 
aproximarem dos saberes, práticas, crenças e afetos dos usuários com o 
desenvolvimento de estratégias de comunicação que potencializem a 
relação entre ambos” (Leite et al, 2016, p. 129). 
Nesse modelo, ganhou destaque o reconhecimento dos direitos do 
paciente, de sua subjetividade e referências culturais, a valorização do 
profissional e do diálogo entre os membros da equipe e entre as equipes, 
seja dentro do CS, seja com os colegas do NASF. Portanto, nesse sentido, o 
usuário foi colocado como centro da atenção. 
Quanto ao vínculo, a ‘Humaniza-SUS’ evidencia dois elementos 
bastante caros a uma concepção humanizada em saúde: longitudinalidade e 
confiança. O primeiro consiste em uma das características centrais da APS, 
pois a Longitudinalidade propicia “lidar com o crescimento e mudanças de 
indivíduos ou grupos no decorrer de um período de anos”(p.190), o que se 
consegue através de uma relação pessoal de longa duração entre os 
profissionais de saúde e as pessoas atendidas. Starfield (2002) destacaque 
a repetição permite o reconhecimento por parte dos indivíduos da 
disponibilidade de uma fonte segura de atenção (sentida como ‘sua’) a qual 
169 
 
existe independente da presença ou ausência de problemas específicos 
relacionados a saúde ou ainda do tipo de problema. A atuação num 
determinado território sob responsabilidade da equipe favoreceria o 
processo de vinculação e construção da confiança a partir das diversas 
oportunidades advindas desses encontros. 
Além disso, como tive oportunidade de perceber em minha prática 
clínica, esse processo permite que o (a) profissional venha a identificar 
padrões de risco como o compartilhamento de medicamentos entre os 
familiares ou ainda estratégias mais eficazes de educação e saúde a serem 
propostas diante das particularidades que se vêm a conhecer seja nas 
consultas, seja nas visitas domiciliares. 
Diante desses conceitos, algumas reflexões se anunciam no que 
tange aos homens e o processo de construir a relação médico-pessoa: 
Será que o processo de construir a confiança no profissional de saúde 
ocorre de forma semelhante para o homem em contraste ao processo 
experienciado pela mulher? E caso este processo seja em grande medida 
semelhante, caso a relação não se estabeleça, quais seriam as 
consequências? Em outras palavras, de que forma gênero modula esse 
processo de formação de vínculo? 
Em 2016, Thompson et al publicaram artigo onde avaliaram registro 
de consultas em dez estados do Canadá com 7.260 pacientes frequentando 
clínicas de medicina de família. Os dados mostraram que mulheres adultas 
procuravam consultar mais frequentemente do que os homens por queixas 
relativas à saúde física e mental, sendo que esta ocupou menor percentual 
como motivo de busca para ambos os sexos. Quanto a saúde mental, os 
fatores associados a busca por consulta tanto para homens como mulheres 
foram idade mais jovem, conhecimento sobre medidas para prevenção de 
doenças, confiança nos médicos e presença de condições crônicas. Em 
relação a queixas físicas, apenas entre as mulheres, confiança no médico foi 
fator preditor de busca de consulta. Nenhum dos fatores acima descritos 
predispunha os homens a consultar. O fato de os jovens afirmarem que 
170 
 
procurariam consultar por questões relativas à saúde mental foram 
creditadas às campanhas educativas lideradas por pessoas famosas na 
comunidade. Este dado nos leva a pensar sobre o uso desta estratégia em 
nossa sociedade como já ocorreu em relação a AIDS nos anos de 1990. 
Quanto a não ser proeminente a confiança no médico como motivo de 
procura em relação a saúde física faz ressoarem algumas hipóteses como a 
qualidade desse atendimento anterior e a pretensa invulnerabilidade do 
gênero masculino que ainda é muito marcada. Portanto, considero que 
gênero opera tanto na construção ou não do vínculo assim como em suas 
consequências. Isto sem desconsiderar o aporte que outros marcadores 
sociais como classe, orientação sexual ou etnia possam atuar e interagir na 
resultante aqui estudada, o processo de decisão pela procura da consulta. 
 
 
5.8 Como esse homem na consulta é percebido pelos profissionais de 
Saúde, na maioria mulheres? 
 
No Brasil, alguns traços já foram delineados nas pesquisas de Knauth 
et al (2012), Tonelli et al (2010), Dantas (1998) e apresentados ao longo do 
texto. Pesquisas realizadas nos EUA (Roter et al, 2002; Roter e Hall,2004; 
Bertakis et al, 1995; Epstein et al, 2005; Zolnierek e Dimatteo 2009) indicam 
que as médicas têm estilo de comunicação mais centrado no paciente, são 
mais abertos para a troca de ideias, fazem mais perguntas e compartilham 
informação. Além disso, engajam em temas psicossociais e comportamentos 
de formação de parceria, e incentivam mais participação do paciente nessas 
interações. Em função disso, as pessoas atendidas e médicos (as) ficam 
mais satisfeitos, aumenta o nível de aderência a recomendações de 
tratamento, ocorreu melhora do estado físico e psicológico e redução de 
custos financeiros para o sistema de saúde. 
 As diferenças apontadas entre os profissionais são tão ‘alarmantes’ 
que sugerem que os educadores médicos considerem programas de 
educação permanente no Brasil, pois percebo a possibilidade de se colocar 
171 
 
o foco sobre os homens enquanto empecilho por suas próprias barreiras 
socioculturais trazidas para as consultas, mas sob o risco de se perder de 
vista que são recepcionados por estilos bem diferentes de abordagem, pelo 
menos nos estudos supracitados. 
 
5.8.1 Como os homens se sentem diante dessas médicas? 
 
Na presente pesquisa, os entrevistados se dividiram em grupos de 
tamanho similar entre aqueles que tinham preferência pelo atendimento por 
médico ou médica de família. Percebemos os extremos quanto a abordar 
sua intimidade entre os heterossexuais, como Vanderlei, 57 anos, 
aposentado, que não revelou a disfunção erétil para as médicas e sim para 
seu médico de família que o acompanha há cinco anos desde o infarto. Mas 
também conhecemos o caminhoneiro Amândio, 41 anos, que ao longo de 
dois anos acompanhado pela MFC Alice, 33 anos, relatou, sem demonstrar 
sinais de exibicionismo ou gratuidade, que se sentia à vontade para falar de 
relações extraconjugais ciente das orientações recebidas acerca dos riscos 
de contrair/transmitir infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). Enquanto 
entre os quatro entrevistados homossexuais, Antônio (26) e Amadeu (34), 
manifestaram preferência por médica e médico respectivamente, sendo que 
ambos foram alvos de preconceito em consultas episódicas na UPA com 
médicos de ambos os sexos. Cabe destacar a resposta de Amadeu, 
homossexual, 34 anos, que preferia consultar com médico, mas é 
acompanhado pela MFC Aurora há dois anos: 
Eu não vou mentir eu me sinto mais à vontade com médico homem, 
só que as doutoras daqui [médicas de família] me tratam tão bem que assim 
eu meio que esqueço... o que é mais complicado pra mim, por exemplo, é ter 
que tirar a roupa, [com o] médico infectologista, tranquilo, foi só uma vez só, 
que ele queria ver se eu tinha gânglios e tudo né, aí foi tranquilo, mas é que 
nunca precisou, mas não sei se eu ficaria à vontade agora o senhor fez eu 
lembrar disso, eu nunca tinha pensado nisso, nunca precisei aqui [com 
médica de família], agora não sei, elas são muitos legais, mas não sei se eu 
ficaria à vontade. 
 
172 
 
Interessante observar que na medida em que a relação era 
satisfatória ao longo das consultas, sua preferência não o impedia de aderir 
ou solicitar por uma eventual troca de profissional, mas cabe esclarecimento 
de que em muitos Centros de saúde, essa troca não seria possível. 
 
Enquanto Alfredo, 26 anos, homossexual, que é atendido pela mesma 
MFC, comenta: 
A- Eu me travo mais com homem como eu falei pra ti, com mulher não 
tem problema não, eu falo tudo, falo tudo que aconteceu comigo... daí eu 
falo tudo sabe? [médico] Homem assim eu dou uma travada, mas mulher eu 
não me travo muito. 
E- Você acha que foi por conta desse episódio*? Ou teve outra 
situação fora da consulta? 
A- Não, eu nunca gostei, coisa de mim mesmo, não gosto de ser 
atendido por homem, muito difícil. 
 
Acerca do impacto do gênero do(a) médico(a) na comunicação 
durante as consultas, Roter e Hall (2004) fizeram revisão meta-analítica dos 
estudos realizados entre 1967-2001. As autoras identificaram que médicas 
de família se comunicavam de forma mais significativa, desenvolveram 
parceria, abordaram mais problemas psicossociais e mantiveram o foco nos 
aspectos emocionais. Estudos analisados apontaram que os(as) pacientes 
revelaram mais aspectos psicossociais para as médicas. 
E por fim, deixo um último questionamento: será que o modelo 
paternalista, descrito por Emanuel e Emanuel (1992) presente em muitas 
das consultas médicas no Brasil contribui para menor adesão ao 
acompanhamento com os médicos de família?

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