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PROFESSORA
Dra. Vanessa Freitag de Araújo
Desenvolvimento
do Conhecimento
Lógico
NEAD - Núcleo de Educação a Distância
Av. Guedner, 1610, Bloco 4 Jd. Aclimação - Cep 87050-900 | Maringá - Paraná
www.unicesumar.edu.br | 0800 600 6360
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NEAD - NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
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EXPEDIENTE
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ.
Núcleo de Educação a Distância. ARAÚJO, Vanessa Freitag de.
Desenvolvimento do Conhecimento Lógico. Vanessa
Freitag de Araújo. Maringá - PR: Unicesumar, 2021.
Reimpresso em 2023.
200 p.
ISBN 978-65-5615-714-6
“Graduação - EaD”.
1. Desenvolvimento 2. Conhecimento 3. Lógico. 4. EaD. I.
Título.
CDD - 22 ed. 101
Impresso por:
Bibliotecário: João Vivaldo de Souza CRB- 9-1679
Coordenador(a) de Conteúdo
Priscilla Campiolo Manesco Paixão
Projeto Gráfico e Capa
André Morais, Arthur Cantareli e
Matheus Silva
Editoração
Matheus Silva de Souza
Piera Consalter Paoliello
Design Educacional
Barbara Tamires Neves
Curadoria
Cleber Rafael Lopes Lisboa
Revisão Textual
Nágela Neves da Costa
Ilustração
André Azevedo
Geison Odlevati Ferreira
Fotos
Shutterstock
FICHA CATALOGRÁFICA
02511142
Dra. Vanessa Freitag de Araújo
Olá, chamo-me Vanessa Freitag. Atuo como docente há 16
anos e vou contar um pouco sobre minha trajetória. No
terceiro ano do Ensino Médio, como todos adolescentes,
preparava-me para o vestibular. Não havia dúvida alguma
que eu escolheria algum curso nas Ciências Humanas,
pois amava história, religião, sociologia e política. Meu
coração, porém, sempre bateu forte pela filosofia. Mas
havia empecilhos: naquela época, a filosofia ainda não
era parte do currículo do Ensino Médio (a filosofia só foi
instituída como disciplina obrigatória em 2008), portanto,
eu pensava se existiria um campo de trabalho para um
licenciado em filosofia, e me sentia incapaz. Aluna de es-
cola pública, pensava que não teria capacidade cognitiva
de acompanhar o curso, pois acreditava que a filosofia era
apenas para aqueles que possuem inteligência além da
média. Resolvi cursar Pedagogia. Graduei-me, defendi o
Mestrado em Educação. Mas a paixão pela filosofia con-
tinuava, até que resolvi vencer o medo: fiz a graduação
em filosofia, concomitantemente com o Doutorado em
Educação, em 2014. Em 2021, defendi o Mestrado em Fi-
losofia na área da Lógica.
http://lattes.cnpq.br/8491095222648301
http://lattes.cnpq.br/8491095222648301
É senso comum que a comunicação é fundamental para a evolução, pois se trata
de um processo de troca de mensagens entre interlocutores, mediante a utilização
de regras e signos de compreensão mútua. É por intermédio da comunicação que
transmitimos cultura, conhecimentos, sentimentos e tentamos descrever ao próxi-
mo aquilo que nossa percepção sensível capta. Com razão, desde os tempos primór-
dios, a linguagem fascina a humanidade. A linguagem distingue povos, estabelece
relações sociais, é um marco para o processo de desenvolvimento das crianças. O
livro sagrado mais difundido pelo mundo, a Bíblia, faz menções da importância da
linguagem: “o Verbo se fez carne”, “Disse Deus: haja luz”, “se alguém não tropeça
no falar, tal homem é perfeito, sendo também capaz de dominar todo o seu corpo”.
Esses são alguns exemplos para entendermos o poder das palavras sobre o desen-
volvimento da humanidade. Ela pode ser utilizada tanto para o bem quanto para o
mal. Na Antiguidade Clássica, no apogeu dos debates nas Ágoras gregas, filósofos
empenharam-se para o bom uso da linguagem, mais especificamente para a arte
de argumentar, de construir raciocínios e, principalmente, de investigar a verdade,
em busca do amor à sabedoria. Essa arte consolidou-se em ciência, e, por isso,
convido você, caro(a) aluno(a), a conhecer, comigo, um pouco mais sobre essa área
da filosofia denominada lógica.
A lógica pode ser considerada uma área propedêutica da filosofia, pois é ela
que nos fornece subsídios para identificar se uma teoria exposta por um autor
realmente faz sentido ou não. É por intermédio da lógica que estudamos as regras
e princípios para formar e distinguir raciocínios válidos ou inválidos. Conhecer essas
distinções é fundamental, quando se busca pensar filosoficamente e desenvolver
conhecimento científico, mas também é extremamente válido para utilizarmos no
cotidiano, pois permite que nós não sejamos enganados com qualquer discurso.
Podemos ver elementos da lógica em muitas atividades do nosso dia a dia. Para
introduzir nosso conteúdo, leia algumas proposições a seguir:
DESENVOLVIMENTO DO CONHECIMENTO LÓGICO
• Se você reformar seu carro e trocar, de uma em uma, todas as peças, você
teria ainda o mesmo carro?
• Por que a primeira coisa que temos que fazer, quando vamos a uma reunião
de Alcoólicos Anônimos, é nos apresentar e contar nossa vida?
Tais sentenças tratam-se de paradoxos, que são argumentos que contrariam alguns
princípios básicos de organização pensamento humano. Os paradoxos também são
objetos de estudo da lógica. Quer mais um exemplo de utilização da lógica na nossa
vida? Diga-me se você se identifica com alguma dessas situações:
• Presenciou alguém mentindo descaradamente, mas não conseguiu refutar
o argumento da pessoa?
• Já votou em algum candidato e, depois, refletiu que era claro que o discurso
dele era mentiroso?
• Alguma vez você já discutiu com alguém e, mesmo estando certo, não con-
seguiu responder a pessoa? Por isso, ficou morrendo de raiva e, depois,
pensando: “eu devia ter falado isso!”?
Esses são exemplos de estratégias de argumentação que estudamos em lógica. Ago-
ra, que tal refletir sobre alguns conceitos e argumentos que você tem como lógicos
em sua vida: será que são tão lógicos assim? Será que você consegue estabelecer
boas linhas de raciocínio? Sugiro, caro(a) aluno(a), que você registre suas reflexões
sobre o tema, para, após terminar a leitura do material, retome suas anotações e
perceba o quanto desenvolveu, desde o início da disciplina.
Buscando evitar erros na construção de raciocínios e, especialmente, para evitar
que um argumento falso se insinue como verdadeiro, alguns filósofos perceberam
a necessidade de se estabelecer uma instrumentalização de verificação da validade
dos argumentos. É na obra de Aristóteles que vemos as primeiras sistematizações
dos silogismos, base da lógica.
A lógica nos permite refletir sobre como a linguagem, especialmente por ser
expressão daquilo que captamos por nossos sentidos e intelecto, é elemento funda-
mental para o desenvolvimento da ciência. Estudando sobre como identificar o que
é verdadeiro e falso, verificamos que, ainda, encontramos muito mais discussões
com elementos erísticos, nas quais as pessoas buscam apenas vencer seu adver-
sário, mas não elevar a ciência e o conhecimento.
Para você, caro(a) aluno(a), futuroprofessor(a) de filosofia, sugiro que busque
em suas redes sociais (ou em sua memória) um exemplo de debate em que uma
pessoa tenta desmerecer um arguidor, pois não consegue refutar sua tese. Ou,
então, lembre-se de debates políticos que já assistiu e reflita: os argumentos dos
candidatos são bem construídos ou eles apenas buscam ofender-se mutualmente?
Considere trabalhar isso em sala de aula futuramente, pois assim instigará seus
alunos a não apenas argumentar de maneira racional, mas também a desenvolver
senso crítico.
Introduzimos, rapidamente, um pouco o enfoque do ensino da importância da
argumentação e da linguagem. Agora, quero fazer a você um convite: vamos, jun-
tos(as), mergulhar nesse universo da lógica? Tenho certeza de que esta disciplina
será um divisor de águas em sua vida acadêmica.
Quando identificar o ícone de QR-CODE, utilize o aplicativo Unicesumar
Experience para ter acesso aos conteúdos on-line. O download do
aplicativo está disponível nas plataformas: Google Play App Store
Ao longo do livro, você será convida-
do(a) a refletir, questionar e trans-
formar. Aproveite este momento.
PENSANDO JUNTOS
NOVAS DESCOBERTAS
Enquanto estuda, você pode aces-
sar conteúdos online que amplia-
ram a discussão sobre os assuntos
de maneira interativa usando a tec-
nologia a seu favor.
Sempre que encontrar esse ícone,
esteja conectado à internet e inicie
o aplicativo Unicesumar Experien-
ce. Aproxime seu dispositivo móvel
da página indicada e veja os recur-
sos em Realidade Aumentada. Ex-
plore as ferramentas do App para
saber das possibilidades de intera-
ção de cada objeto.
REALIDADE AUMENTADA
Uma dose extra de conhecimento
é sempre bem-vinda. Posicionando
seu leitor de QRCode sobre o códi-
go, você terá acesso aos vídeos que
complementam o assunto discutido.
PÍLULA DE APRENDIZAGEM
OLHAR CONCEITUAL
Neste elemento, você encontrará di-
versas informações que serão apre-
sentadas na forma de infográficos,
esquemas e fluxogramas os quais te
ajudarão no entendimento do con-
teúdo de forma rápida e clara
Professores especialistas e convi-
dados, ampliando as discussões
sobre os temas.
RODA DE CONVERSA
EXPLORANDO IDEIAS
Com este elemento, você terá a
oportunidade de explorar termos
e palavras-chave do assunto discu-
tido, de forma mais objetiva.
https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/3881
A Pavimentação
do Caminho
da História
da Lógica até
Aristóteles
11 47
APRENDIZAGEM
CAMINHOS DE
1 2
Introdução à
silogística
83
A lógica do
Pórtico: a
contribuição
dos megáricos e
estoicos
3 4 115
A trajetória da
lógica para a
Idade Média
5 153
A arte do
discurso:
falácias,
sofismas,
paralogismos e
dialética erística
1A Pavimentação do Caminho da História da Lógica
até Aristóteles
Dra. Vanessa Freitag de Araújo
Olá, caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) ao mundo da ciência do discurso! A
lógica é o ramo da filosofia que estuda, por intermédio de operações inte-
lectuais, a validade de um argumento e a veracidade de um conhecimento.
Para entender — e aplicar — a lógica, é fundamental, inicialmente, conhecer
os caminhos trilhados pelos filósofos até o estabelecimento dela, enquanto
ciência. Para isso, veremos, nesta unidade, os primeiros filósofos ocidentais que
buscaram refletir sobre a utilização da linguagem para a construção de uma
argumentação, seja ela válida, ou não. Entre esses filósofos, estão os gregos:
Heráclito de Éfeso (535-475 a.C.), Parmênides (530–460 a.C.), Zenão de Eléia
(489-430 a.C.), Platão (428-347 a.C.) e seu reconhecido fundador, Aristóteles
(384-347 a.C.). O objetivo desta unidade é, portanto, fornecer a você uma base
teórica e histórica da lógica, com o intuito de prepará-lo para a resolução de
exercícios posteriormente, com o avanço das unidades da disciplina.
UNIDADE 1
12
É muito comum, em nosso cotidiano, a utilização da palavra LÓGICA e suas
derivadas. De maneira intuitiva e baseada no senso comum, atribui-se àquilo que
é lógico o sentido de coerência e de raciocínio. Essa perspectiva não está em
todo equivocada, apenas limitada, uma vez que a lógica busca a noção da verda-
de (ou validade) de um argumento por intermédio da linguagem, das asserções.
Vamos raciocinar juntos: se caminharmos debaixo de chuva, ela nos molhará;
caminhamos na chuva, logo, nos molhamos. Isso é lógico, não? Mas nem todos
os raciocínios, mesmo que apresentem coerência, são lógicos, não é verdade?
Caro(a) aluno(a), se chover, e alguém decidir caminhar na chuva sem proteção
alguma, logicamente, molhar-se-á, não é mesmo? Esse raciocínio, embora basea-
do no senso comum e não organizado de forma silogística, preserva a verdade,
porquanto possui uma premissa verdadeira que acarretou uma conclusão válida.
Todavia os argumentos do cotidiano nem sempre nos demonstrarão ser válidos. Va-
mos ver o outro lado da mesma moeda: se andar na chuva, molhar-se-á; molhou-se,
logo, caminhou na chuva. A conclusão da sentença não é válida, pois não preserva,
necessariamente, a verdade. A conclusão de que o sujeito se molhou por andar na
chuva trata-se de parte de um raciocínio plausível, mas não lógico, uma vez que
existem outras possibilidades para o sujeito estar molhado. Vamos, pela história da
lógica, buscar juntos, nesta unidade, a compreensão daquilo que é lógico?
Descrição da Imagem: a imagem apresenta uma menina raciocinando, em três diferentes momentos.
No primeiro, com as mãos abertas, a criança pensa que “existem biscoitos que são feitos de água e sal”.
No segundo momento, a menina reflete, com a mão no queixo, que “o mar é feito de água e sal”. E, final-
mente, a menina expressa oralmente sua conclusão: “o mar é um grande biscoito”.
Figura 1 - HQ: O mar é um grande biscoito / Fonte: a autora.
Existem biscoitos
que são feitos
de água e sal...
O mar é feito
de água e sal...
Logo,
o mar é um grande
BISCOITO!
UNICESUMAR
13
Durante o estudo da lógica, retomaremos, com frequência, determinados
conceitos básicos que nortearão nossa práxis filosófica. Para o domínio
desses conceitos, busque, primeiro, em seu conhecimento prévio, algumas
palavras que apareceram até o momento: “lógica/lógico/logicamente”, “ar-
gumento/argumentação”, “silogismo/silogística”, “premissa”, “raciocínio”
e “asserções”. Estas são palavras-chave para nossos estudos. Após refletir
sobre elas, caro(a) aluno(a), convido você a realizar uma rápida pesquisa
na web para conhecer o significado e confirmar se o que você pensava ser
está coerente com a definição apresentada na internet (lembrando que as
primeiras definições que aparecem nos mecanismos de buscas geralmente
são etimológicas). Utilize o Diário de Bordo para registrar os significados
dos conceitos encontrados em sua pesquisa.
Você deve ter percebido, em sua pesquisa, que as palavras que procurou
conceituar estão intimamente ligadas à linguagem. Isso acontece porque
todo conhecimento construído pela razão se comunica por intermédio de
orações, sejam elas escritas, sejam faladas. Na busca de se evitar erros, ou
até mesmo falácias, a humanidade viu necessidade de se estabelecer ins-
trumentos que verificassem a validade dos argumentos, para que nenhuma
doutrina se insinuasse como verdadeira. Buscaram, então, os filósofos uma
maneira de fornecer preceitos seguros para o desenvolvimento de uma arte
do discorrer, maneira pela qual a lógica também pode ser definida. Vamos
retomar a proposição:
A. Se caminharmos debaixo de chuva, ela nos molhará.
B. Saímos na chuva.
C. Logo, molhamo-nos.
Com a lógica, é possível demonstrar se esse argumento é verdadeiro ou fal-
so, não podendo haver uma terceira conclusão para ele. Na lógica clássica,
o argumento é formado por proposições que defendem uma tese. Existem
dois tipos de proposições: as premissas, que sustentam a conclusão (A - se
caminharmos debaixo de chuva, ela nos molhará; B - saímos na chuva), e a
conclusão, que se fundamenta nas premissas, (C - logo, molhamo-nos). Um
tipo de argumento é osilogismo, pelo qual a partir de duas premissas é pos-
sível deduzir a conclusão.
UNIDADE 1
14
É perceptível, caro(a) aluno(a), que mesmo nas situações mais comuns do
nosso cotidiano, podemos empregar a estrutura do silogismo para chegar às
conclusões. E, muitas vezes, já temos tal estrutura internalizada e não nos damos
conta. Interessante, não é mesmo? Mais adiante, retomaremos os silogismos com
alguns exercícios, mas, agora, vamos trilhar o caminho da história da lógica.
Caro(a) aluno(a), nesta unidade, estudaremos, inicialmente, alguns aspectos da
história da lógica para embasar a compreensão teórica da temática bem como
fornecer um suporte conceitual. Com esse suporte teórico, você terá base para
trilhar um caminho seguro em busca de seu conhecimento.
A lógica é a vertente da filosofia que possui, enquanto objeto de estudo, o racio-
cínio, sob a perspectiva de sua validade. Estamos iniciando um caminho em uma
estrada na qual vamos utilizar a linguagem em busca do conhecimento. Mas, durante
essa viagem, é importante ter em mente que o conhecimento não é construído de
maneira linear e aleatória, não é verdade? Cada um de nós, até chegarmos à gradua-
ção de FILOSOFIA, trilhamos um caminho individual cuja estrada, muitas vezes,
não era plana, mas que seguimos em busca de um alvo em comum: o conhecimento!
Tal qual uma estrada cujo caminho foi, inicialmente, traçado a partir da circula-
ção de pessoas que ali se locomoveram repetidamente, para posteriormente concre-
DIÁRIO DE BORDO
UNICESUMAR
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tizar sua pavimentação, assim podemos traçar um paralelo com a história da lógica.
Até chegar à instrumentalização com regras básicas definidas por Aristóteles, a maior
autoridade na área, outros filósofos da Antiguidade refletiram sobre argumentação
e a demonstração enquanto caminho para se chegar ao ato da razão sem equívocos.
Nesta unidade, buscamos apresentar a você, em uma linha do tempo, os marcos
da história da lógica que antecederam à teoria dos silogismos. Todavia essa lineari-
dade é um recurso didático para aprendermos o conteúdo: na verdade, os caminhos
da história da lógica possuem diversas bifurcações e caminhos quase desertos.
O caminho que optamos por percorrer na construção do conhecimento é o
da lógica ocidental. Mas é importante que já informemos a você que ele não é o
único: o pensamento oriental abarca os trabalhos lógicos desenvolvidos nos siste-
mas da filosofia indiana e chinesa. Na Índia, no século V a.C., a lógica Nyaya, que
possui fundamentos no budismo, desenvolveu a construção da argumentação por
intermédio de cinco elementos: proposição, causa, exemplo, aplicação e conclusão.
Representada pelas escolas nominalista e moísta, cujos principais exponentes são
os filósofos Hui Shi, Gongsun Longzi e Mozi, a lógica chinesa, por sua vez, possui
registros que datam o início do século IV a.C. e possui base no taoísmo cuja tradi-
ção mística e filosófica incorpora a dualidade do universo enquanto fundamento.
Diferentemente da lógica ocidental, que pode ser organizada cronologicamente
e do fácil acesso que temos às obras dos principais filósofos, a lógica oriental não
pode ser explicada com exatidão comparável, bem como a pesquisa científica sobre
sua história, ainda, é pouco desenvolvida. Se compararmos as linhas de pesquisa e
áreas de conhecimento da filosofia, poucos são os pesquisadores que se dedicam ao
estudo da lógica. E, quando o debate se volta para a lógica oriental, o campo torna-se
ainda mais restrito, ao ponto de, muitas vezes, ser sequer mencionado.
Meu intuito, agora, é convidar você, caro(a) aluno(a), a filosofar comigo: existe
um caminho único e correto para a construção do conhecimento? Existe apenas
uma versão da história, um único caminho a ser trilhado? Com apenas um pará-
grafo, podemos observar que a humanidade, nos mais diversos cantos do planeta,
buscou respostas para suas angústias e indagações e, em suas buscas, produziu um
legado cultural imenso, do qual ainda temos muito a descobrir e explorar.
Se analisarmos a raiz etimológica da palavra filosofia, enquanto o amor à sabe-
doria (philos: amor, afeição, amizade; sophia: sabedoria, saber), é limitado idealizar
que esse amor possua barreiras geográficas e culturais, não é mesmo? Nesse sentido,
UNIDADE 1
16
é um equívoco afirmar que existe apenas a perspectiva da lógica ocidental ou que
ela seja a “verdadeira” lógica.
Nossa cultura, ainda, encontra-se enraizada no eurocentrismo. Fomos acostu-
mados a ver o mundo pela ótica do colonizador, no qual a Europa é considerada a
protagonista da história da humanidade. Quantas vezes nos ensinaram que a América
foi “descoberta” por europeus, por exemplo?
O mesmo ocorreu na filosofia, na qual a Europa foi tida como o centro da
produção cultural e intelectual do mundo moderno. A consequência disso é que os
filósofos europeus ganharam destaque na produção científica acadêmica e pouco
espaço é atribuído nos currículos das licenciaturas em filosofia para aqueles que
não pertenciam ao Velho Continente. A busca pela sabedoria, todavia, não é ex-
clusividade da civilização ocidental e negar que as demais sociedades produziram
conhecimento é negar-lhes a humanidade.
Outro detalhe digno de nota no percurso da história da lógica é a coexistência
de outro termo para designá-la. Você poderá observar que alguns autores, espe-
cialmente aqueles antes do século XVII, denominam a lógica enquanto dialética,
todavia se referem ao mesmo objeto de conhecimento. Isso acontece porque a
lógica — assim como todas as ciências desenvolvidas e sistematizadas — surgiu
sem nomenclatura, instrumentalização e categorias definitivas. A dialética, nesse
contexto, até conceituar-se como lógica, abarcava as técnicas de debates que utiliza-
vam a demonstração e a refutação para uma argumentação coerente. Nesse sentido,
cabia ao argumentador articular, de maneira coerente e organizada, a defesa de suas
proposições, procurando refutar as teses do adversário.
Como podemos ver, nada nasce pronto e acabado, mas se constitui e se consolida
historicamente, conforme a humanidade aprofunda seus conhecimentos em deter-
minadas áreas. Isso ocorreu com a lógica. Aristóteles, enquanto analisava os processos
dos raciocínios, não pensou que estava “fazendo lógica”, ou agindo “logicamente”, pois
esse conceito ainda não existia. Esse é o motivo, prezado(a) aluno(a), que diferentes
designações precederam e foram utilizadas simultaneamente ao termo que indica
tal forma de conhecimento utilizado na contemporaneidade. É importante, também,
estar atento, pois a lógica possui diversas facetas, evoluiu e se transformou, apresen-
tando diferentes especialidades, que veremos ao longo da disciplina.
Você deve se questionar nesse momento: “mas o que é lógica afinal, professora?”.
Sinto muito, caro(a) aluno(a), mas não há uma única resposta para a pergunta, mas
várias. Não há um consenso na filosofia sobre a definição da lógica. A resposta de-
UNICESUMAR
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penderá sobre qual vertente da lógica você está perguntando, a que ponto da estrada
da história da lógica você se refere. E isso ocorre com diversos outros conceitos da
filosofia. Mas nós podemos ter uma definição básica, utilizando um autor de peso
como referência, sobre o qual você já deve ter ouvido falar: o filósofo alemão Imma-
nuel Kant (1724-1804). Kant acreditava que a lógica deveria ser considerada como o
fundamento de todas as ciências e como propedêutica para o uso da razão. Impor-
tante, não é mesmo? Veja nas palavras do filósofo a conceituação da lógica.
“ [...] ciência das leis necessárias do pensamento, sem as quais não tem lugar uso algum do entendimento e da razão e que são, pois, as con-dições sob as quais apenas o entendimento pode e deve concordar
consigo mesmo – as leis e condições necessárias de seu uso correto –,
a Lógica é um cânon. / E, enquanto cânon do entendimento e da razão,
não deve tampouco, por isso mesmo, tomar princípio algum seja a
uma ciência,seja a uma experiência qualquer: ela só pode conter leis a
priori, / que sejam necessárias e concirnam ao entendimento em geral
(KANT, 1992, p. 32).
Nesse momento do curso que você se encontra, prezado(a) aluno(a), já deve ter per-
cebido que, na filosofia, evita-se o uso de dicionários e enciclopédias (especialmente
as virtuais) para a definição de termos. E um dos motivos é o apresentado anterior-
mente: a gama de definições e a complexidade dos conceitos. O que é lógica para
Aristóteles, é diferente do que é lógica para Charles Peirce. Todavia as duas são lógicas.
Depende da perspectiva de onde você vê. Por isso, escolhemos uma espécie de linha
do tempo para ensiná-lo(a). Assim, vamos conhecendo historicamente aqueles que
marcaram o caminho da lógica.
Um recurso pedagógico que pode ajudá-lo(a) na aprendizagem e na
assimilação do conteúdo (não apenas da lógica) é buscar conhecer quem
são os pesquisadores da área que atuam nas universidades brasileiras. Dessa
maneira, além de aprofundar seu conhecimento, você estará fortalecendo
a comunidade acadêmica e valorizando a produção de ciência no Brasil.
E, lembrando que você já está quase cruzando a linha de chegada para se
tornar um(a) professor(a) de filosofia, se você deseja, assim, aprofundar
seus estudos e ampliar seu leque de opções no mercado de trabalho, curse
especializações lato ou stricto sensu (ora, por que não? O céu é o limite,
UNIDADE 1
18
caro(a) aluno(a), você chegou até aqui e pode ir além! Ainda, há muito a se
descobrir na história da filosofia), recomendo fortemente que conheça o
que a comunidade acadêmica está produzindo na área e trilhe sua carreira
acadêmica a partir do que já foi produzido.
OLHAR CONCEITUAL
Conheceremos mais algumas definições de lógica apresentadas por colegas professores e pesqui-
sadores da filosofia de universidades brasileiras que merecem destaque.
Ciência que estuda princípios e métodos de inferência, tem o
objetivo principal de determinar em que condições certas
coisas se seguem (são consequência), ou não, de outras
(MORTARI, 2001, p. 3).
Estudo sistemático dos raciocínios (ou argumentos ou inferências)
dotados de real capacidade probativa (ou demonstrativa); [...]
estudo da prova (ou demonstração) que se dá sistematicamente
através de um raciocínio (ou argumento ou inferência)
(ALCOFORADO, 2013, p. 1).
Ciência do raciocínio dedutivo, estuda a relação de consequência
dedutiva, tratando entre outras coisas das inferências válidas; ou
seja, das inferências cujas conclusões têm que ser verdadeiras
quando as premissas o são. A lógica pode, portanto, ser
considerada como “o estudo da razão” ou “o estudo do raciocínio”
(D’OTTAVIANO; FEITOSA, 2003, p. 3).
O
q
ue
é
ló
gi
ca
?
?
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?
?
Descrição da Imagem: : o infográfico apresenta um desenho, um rosto, com um livro acima. Apresenta,
também, um diagrama que serve como esquema representativo do conceito de lógica. Do lado esquerdo,
há um retângulo com a pergunta “o que é lógica?”. Desse retângulo saem outros três, com as seguintes
definições: 1ª) Ciência que estuda princípios e métodos de inferência, tem o objetivo principal de determinar
em que condições certas coisas se seguem (são consequência), ou não, de outras (MORTARI, 2001, p. 3); 2ª)
Estudo sistemático dos raciocínios (ou argumentos ou inferências) dotados de real capacidade probativa
(ou demonstrativa); [...] estudo da prova (ou demonstração) que se dá sistematicamente por meio de um
raciocínio (ou argumento ou inferência) (ALCOFORADO, 2013, p. 1); 3ª) Ciência do raciocínio dedutivo, es-
tuda a relação de consequência dedutiva, tratando entre outras coisas das inferências válidas, ou seja, das
inferências cujas conclusões têm que ser verdadeiras quando as premissas o são. A lógica pode, portanto,
ser considerada como “o estudo da razão” ou “o estudo do raciocínio” (D’OTTAVIANO; FEITOSA, 2003, p. 3).
Figura 2 - O que é lógica? / Fonte: adaptada de Alcoforado (2013); D’Ottaviano e Feitosa (2003);
Mortari (2001).
UNICESUMAR
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Podemos concluir, prezado(a) aluno(a), com base nas citações de nossos co-
legas professores, que a lógica utiliza de operações intelectuais para buscar o
conhecimento verdadeiro e, com o seu desenvolvimento, algumas fórmulas
foram criadas para a comprovação da validade dos argumentos. Dessa manei-
ra, por intermédio da lógica, é possível chegar a uma verdade pela vinculação
das premissas.
Todo o conhecimento humano construído pela razão é comunicado, ou
seja, é transmitido por orações (frases ordenadas de acordo com normas gra-
maticais que expressam sentido, sentença, proposição), sejam elas escritas, ou
não. Vamos visualizar a sociedade grega do contexto histórico: nas ágoras,
homens discutiram e deliberaram sobre a vida da pólis. Inclusive, é nesse
cenário que se encontram os fundamentos da democracia. A utilização dos
argumentos para a defesa de ideias é fundamental para o cidadão da Grécia
Antiga. A expressão de um pensamento é a comunicação. Cabia ao sujeito
recorrer a recursos da linguagem para defendê-lo, ou, então, refutar o argu-
mento de um adversário. Aquele que não soubesse sustentar suas concepções
acabaria sendo derrotado por um adversário cuja ideia poderia, não neces-
sariamente, ser verdadeira.
Os debates públicos eram partes essenciais da vida da pólis. Não é à toa que
as obras de grandes filósofos, como Platão, são desenvolvidas por intermédio
de diálogos. O próprio método de Sócrates para induzir um interlocutor ao
conhecimento e às descobertas de verdades consistia no diálogo, mediante a
multiplicação de perguntas, que é a maiêutica. Também é comum observar
que é por intermédio da comunicação que podemos conhecer o pensamento
de filósofos cujas obras se perderam no tempo: temos acesso ao pensamento
de Zenão de Eleia, por exemplo, pela obra de Aristóteles. Desse modo, a re-
futação de um argumento, escrito em um livro, proporciona-nos visualizar a
importância da linguagem para o desenvolvimento da filosofia.
Em um acalorado debate, se quem discursa não tiver seu pensamento or-
ganizado e sua transmissão não ocorrer de maneira eficaz acaba, por muitas
vezes, ser desvalidado. E quem, muitas vezes, apresenta um discurso totalmen-
te falso, acaba por ser visto como verdadeiro. Assim, vencer um debate não
significava necessariamente defender uma ideia válida, ou um conhecimento
verdadeiro, mas dominar técnicas da dialética, da argumentação.
UNIDADE 1
20
Muitas vezes, na construção de argumentos, o sujeito poderia apelar para
alguns recursos escusos para vencer um debate, como as falácias, que são
os raciocínios inconsistentes, que simulam uma construção lógica, todavia
induzem ao erro. A classificação das falácias foi essencial para o desenvolvi-
mento da ciência lógica, de maneira que podemos, com a razão, identificá-las.
Isso porque muitas fogem do aspecto racional do argumento, apelando para
a autoridade, o sentimento, o ataque ao argumentador.
Você se recorda sobre o que estudou a respeito dos sofistas? Os sofistas
eram, na Grécia Antiga, preceptores itinerantes, que ensinavam mediante pa-
gamento. O enfoque dos sofistas era o ensino da retórica, cuja finalidade era
introduzir o homem na vida pública da pólis. Preparavam o cidadão para atuar
em sociedade mediante o ensino fragmentado da linguagem, pois ensinavam
a utilização de citações e jargões na defesa de ideais. Dessa maneira, o objetivo
não era ensinar a elaboração de argumentações válidas para se produzir conhe-
cimento, mas a defesa pura e simples do argumento. Não estavam em busca da
verdade, mas buscavam apenas o refinamento da arte do debate.
É nesse contexto que surge a necessidade da instrumentalização de
regras para a formulação de argumentos: para se construir proposições
válidas, para identificar equívocos e, especialmente, para não se propagar
doutrinas falsas. Resumidamente, a lógica consiste no estudo sistemático
dos raciocínios que possuem capacidade demonstrativa.
Podemos observar, aténo nosso dia a dia, que o domínio da argumen-
tação muitas vezes supera a verdade. Quantas vezes vemos, por exemplo,
políticos com bons argumentos ganharem eleições com projetos totalmente
inalcançáveis ou que se defendem de acusações, utilizando argumentos que
são verdadeiras falácias, todavia bem construídos e apoiados em boa oratória.
No direito, também podemos observar em júris a utilização de falácias por
advogados na defesa de clientes culpados a fim de diminuir penas. Enfim, a
utilização da arte da linguagem em defesa da vitória, não da verdade.
Imagino que você deve estar pensando o que me questionei quando iniciei
meus estudos na lógica: foi preciso criar uma ciência para estabelecer regras para
argumentar corretamente? Sim, pois o que nos parece óbvio/lógico agora, não
UNICESUMAR
21
era nos primórdios da humanidade. Não podemos olhar para o passado com os
olhos do presente. E a argumentação sustentada por falácias não foi superada,
todavia, por intermédio da lógica, podemos identificá-las e refutá-las.
Você já presenciou uma discussão na qual alguém apelou para a frase: “você
sabe com quem está falando?”, “você sabe quem é meu pai?”. Esse é um tipo de
argumentação que recorre à falácia: apelo à autoridade. Ou, então, já ouviu: “se
tivesse ouvido meu conselho, tal coisa não teria acontecido”, essa proposição é
uma falácia de hipótese contrária ao fato, pois uma coisa que não aconteceu
não pode ser prevista. Ou algo parecido: “você está acima do peso, logo não é um
bom referencial de saúde para ninguém”, que é uma falácia ad hominem, pois
busca desqualificar a fala de alguém, atacando pessoalmente o argumentador. Já
presenciou alguém fazendo uma chantagem emocional? Logo, é muito provável
que esteja presente uma falácia do tipo argumentum ad misericordiam, quando
o orador busca recorrer à compaixão. A lógica está presente em nosso dia a dia.
Caro(a) aluno(a), falar organiza o pensamento. Muitas vezes, pensamos
algo e não conseguimos expressá-los em palavras corretamente, portanto, o
exercício da argumentação é essencial. Por isso, é fundamental que, enquanto
futuro docente, você esteja ciente que é necessário estimular a si mesmo e aos
seus futuros alunos a aliarem o pensamento à linguagem para organizar a rea-
lidade, incentivando o debate de ideias e conceitos. A lógica, ocupando-se dos
princípios da argumentação, estuda a estrutura formal do pensamento e é um
recurso pedagógico possível de ser utilizado em sala de aula.
Pela lógica, é possível chegar à verdade de uma proposição por sua vin-
culação com outras proposições, instrumentalizando o desenvolvimento de
pensamentos que eliminem as possibilidades de erros e contradições, na me-
dida em que buscam demonstrar a validade dos argumentos com raciocínios
válidos. A lógica busca formas universalmente válidas, passíveis de aplicação
em qualquer conteúdo. É válido ressaltar que a preocupação da lógica não é
a veracidade dos fatos, mas a construção da sintaxe dos argumentos. Logo,
quando o termo verdade é utilizado na lógica, ele se refere à validade argu-
mentativa da premissa. É possível organizar didaticamente, em uma linha do
tempo, a lógica ocidental em oito manifestações.
UNIDADE 1
22
É importante frisar, caro(a) aluno(a), que essa divisão não é unanimidade na
comunidade filosófica, uma vez que existem outras periodizações e classificações
que dividem a história da lógica ocidental, mas é um recurso pedagógico para
sua assimilação, que pode ser resumido da seguinte maneira:
Lógica antiga/grega designa as aproximações lógicas dos pré-socráticos,
como Heráclito de Éfeso, Parmênides e Zenão de Eléia, até Platão e co-
mentadores de Aristóteles.
A Lógica aristotélica é a lógica desenvolvida por Aristóteles, especialmente
no Organon.
A Lógica estoico-megárica é composta por filósofos da Escola de Mégara
(fundada por Euclides) e do estoicismo (filosofia helenística baseada no
pensamento de Zenão de Cítio).
Antiga ou
Grega
Aristotélica
Estoico-megárica
Medieval
Escolástica
Neoescolástica
Moderna
Contemporânea
Descrição da Imagem: : a imagem apresenta uma linha do temporepresentada por uma estrada com vá-
rias curvas indo na direção diagonal esquerda abaixo para direita acima, a estrada termina com uma seta
apontando para diagonal direita acima. dividida em nove partes, que representam marcos para a história
da lógica ocidental, que são respectivamente da esquerda para a direita: Antiga, Grega, Aristotélica, Estoi-
co-megárica, Medieval, Escolástica, Neo-escolástica, Moderna e Contemporânea.
Figura 3 - Linha do tempo da história da lógica ocidental / Fonte: adaptada de Mora (2001).
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Por Lógica medieval entende-se a lógica produzida entre Boécio e o século
XV.
A Lógica escolástica é aquela desenvolvida entre os séculos XIII e XV, por
autores escolásticos, como Tomás de Aquino.
A Lógica neo-escolástica apresenta uma espécie de revisitação da lógica
aristotélica, cujos expoentes são, em sua maioria, neotomistas, como o
jesuíta Pedro da Fonseca.
A Lógica moderna, por sua vez, remete aos autores da modernidade, como
Gottfried Leibniz, a partir do século XVI, e inclui filósofos renascentistas.
Finalmente, a Lógica contemporânea designa o conjunto do trabalho lógi-
co, desenvolvido entre os séculos XIX a XXI, cujos principais representantes
são George Boole, Gottlob Frege e Charles Peirce.
Os Primeiros Analíticos de Aristóteles podem ser, historicamente, conside-
rados o grande marco inaugural da lógica formal, pois introduz o estabele-
cimento de uma teoria para a validação de argumentos dedutivos. A obra
compõe a coleção de seis tratados agrupados no começo da obra aristotélica,
organizada pelo peripatético Andrônico de Rodes (60 a.C.), cuja edição do
Organon inclui Categorias, Da Interpretação, Primeiros Analíticos, Segundos
Analíticos, Tópicos e Refutações Sofísticas.
Nas Refutações Sofísticas, Aristóteles indica que objetivou “descobrir uma
faculdade capaz de raciocinar sobre o problema posto ante nós a partir das
premissas mais geralmente aceitas que existem, porquanto é esta a função da
dialética em si mesma e da arte do exame” (XXXIV, 183 a39) (ARISTÓTELES,
1985, p. 118), não limitada na capacidade de condução de um argumento, mas
“também a descoberta de como, ao sustentar um argumento, devemos defen-
der nossa tese por meio das premissas de aceitação mais geral de uma maneira
coerente” (XXXIV, 181 b5) (ARISTÓTELES, 1985, p. 108).
UNIDADE 1
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Aristóteles afirma que o intuito de instrumentalização da condução e susten-
tação dos argumentos é inédito, tendo “em vista destas condições de originalidade
nossa investigação se mostra em condição satisfatória, comparada às outras investi-
gações que foram formadas pela tradição” (XXXIV, 184 b4) (ARISTÓTELES, 1985, p.
123). Podemos observar, prezado(a) aluno(a), que foi Aristóteles quem desenvolveu
o primeiro estudo sistemático que permanece como referência para a lógica até os
dias de hoje. Embora existissem preceptores que treinassem seus educandos, os
sofistas, a argumentação estava mais ligada à retórica e oratória do que à lógica, de
maneira que “o ensino que ministravam aos seus alunos era rápido, mas assistemá-
tico, pois concebiam que podia treinar seus alunos transmitindo a estes não uma
arte, mas os resultados de uma arte” (XXXIV,184 a2) (ARISTÓTELES, 1985, p. 122).
Foi Aristóteles que, de fato, desenvolveu a teoria do silogismo, uma vez que,
diferentemente da retórica, “[…] no que toca ao silogismo, não tínhamos abso-
lutamente nenhum trabalho anterior a mencionar e passamos muito tempo em
pesquisa laboriosa” (XXXIV, 184 b1) (ARISTÓTELES, 1985, p. 122). Isso possi-
bilitou o desenvolvimento da lógica modal, utilizando noções de necessidade,
possibilidade e contingência. Caro(a) aluno(a), lembra que você pesquisou na
web o que era silogismo no início da unidade? Vamos retomar esse conceito
com as palavras de seu próprio criador?
Caro(a) aluno(a), lembra quepesquisou o que era silogismo no início da Unidade? Vamos
retomar o conceito pela definição de seu criador?
O silogismo é uma locução em que, uma vez certas suposições sejam feitas, alguma coisa
distinta delas se segue necessariamente devido à mera presença das suposições como
tais. Por ‘devido à mera presença das suposições como tais’ entendo que é por causa
delas que resulta a conclusão, e por isso quero dizer que não há necessidade de qualquer
termo adicional para tomar a conclusão necessária” (ARISTÓTELES, Primeiros Analíticos, I,
24 b19) (ARISTÓTELES, 1985, p. 111).
Quer mais um exemplo de silogismo? Vamos lá.
• Todo homem é mortal (premissa maior).
• Sócrates é homem (premissa menor).
• Logo, Sócrates é mortal (conclusão).
EXPLORANDO IDEIAS
UNICESUMAR
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Os princípios que regem a lógica de Aristóteles são: identidade (aquilo que é, exem-
plo: A é A, B é B, A não é B, B não é A), terceiro excluído (ou algo é ou será o contrário,
não havendo meio termo, exemplo: para qualquer A e para qualquer B, A é B ou não
B) e não contradição (não é possível uma afirmação ser verdadeira e falsa ao mesmo
tempo, exemplo: A é B e A não é B são impossíveis de serem verdadeiras ao mesmo
tempo). Certos temas que a lógica aborda, todavia, foram tratados por pensadores
que precederam Aristóteles. Foram dúvidas levantadas, a partir de suas argumenta-
ções, que criaram condições para que o pensamento Aristotélico fosse sedimentado,
ou seja, foram esses filósofos que abriram caminhos para a construção da lógica,
enquanto ciência do argumento. Da Antiguidade, chegaram até nós fragmentos
de produções intelectuais que indicam a utilização da argumentação e técnicas de
persuasão que datam do século VI a.C. Vamos conhecer alguns desses filósofos?
A contribuição de Heráclito de Éfeso (535–475 a.C.), que chegou até
nós, assim como os demais pré-socráticos, apenas por fragmentos, apresenta
Descrição da Imagem: : a imagem apresenta uma ilustração de
um rosto masculino, retratando o filósofo Heráclito.
Figura 4 - Heráclito
o estudo de algumas pre-
missas filosóficas sobre o
movimento e a unidade
de opostos. A obra, a qual
a autoria indica perten-
cer a Heráclito, é a Sobre
a natureza, cujo título foi
atribuído pelos peripaté-
ticos, e sua organização,
dividida em três partes,
veio apenas posteriormen-
te: cosmologia, política e
teologia. O pensamento
expresso na obra aponta
para a construção de uma
argumentação sistemati-
zada, com origem em um
pensamento fundamental.
Muitas vezes, Heráclito é
apresentado por autores
como o “pai da dialética”.
UNIDADE 1
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A classificação que Heráclito faz de pares opostos possuem relação com di-
mensões essenciais da existência humana, por exemplo: dia e noite, vida e morte.
Questionou, então, a existência dos opostos, cuja resposta estaria na essência da
realidade, apreensível por intermédio do pensamento humano. A essência da
realidade, por sua vez, seria a síntese dos contrários, no qual todas as coisas são
uma unidade composta pelos opostos que se complementam harmonicamente,
de modo que o todo apenas existe mediante relações de suas partes, e cada parte
do todo só o é por causa de sua relação com as outras partes. Tal perspectiva foi
fortemente questionada por Aristóteles, na Física.
Caro(a) aluno(a), vamos conhecer algumas frases atribuídas a Heráclito, que
vão de encontro com sua perspectiva de movimento? Tenho certeza que você já
ouviu pelo menos uma delas: “ninguém entra em um mesmo rio uma segunda
vez, pois, quando isso acontece, já não se é o mesmo, assim como as águas que
já serão outras” e “a guerra é mãe e rainha de todas as coisas; alguns transforma
em deuses, outros, em homens; de alguns faz escravos, de outros, homens livres”
(KIRK; RAVEN; SCHOFIELD, 1994, p. 189).
Para Heráclito, a realidade é um movimento, na qual, inclusive, elementos
aparentemente estáticos estão em constante mudança. As mudanças, para
o filósofo, ocorrem mediante as contradições. A dialética de Heráclito ba-
seia-se nessa noção de movimento entre um polo e outro. Para ilustrar tal
pensamento, o filósofo usa metáfora da guerra entre opostos para construir
sua argumentação, afirmando que ela é necessária para o desenvolvimento
das coisas. Para sua melhor compreensão, pensaremos em um círculo para
ilustrar o que significa a doutrina de Heráclito, no campo da demonstração,
por intermédio da construção argumentativa: pense em um ponto constan-
temente transitando pelo círculo, um momento ele está acima, outro abaixo.
Esse movimento leva o ponto a lugares diferentes do mesmo ciclo. Está em
lugares diferentes, dentro do mesmo objeto. Esse movimento representa a
alternância da realidade e elas são complementares. Vamos refletir: sabemos
que a fome é ruim, pois sabemos que nos alimentar é fundamental; sabemos
que a saúde é algo bom, pois a doença se mostra destrutiva. Ou seja, a signi-
ficação de um, depende do outro.
UNICESUMAR
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Na construção da argumentação, por intermédio de orações escritas, utilizando
aforismas e metáforas, para a compreensão ontológica mediante o uso da razão,
é que se encontra a contribuição de Heráclito para a lógica. A contribuição fi-
losófica de Heráclito é conhecida, especialmente, pelos críticos de sua doutrina:
Platão e Aristóteles. A teoria de que tudo flui e nada permanece foi questionada,
visto que a fluidez implica na ausência de conhecimentos verdadeiros. E se tudo
está em movimento, aquilo que se percebe dissolve-se na própria percepção.
Embora o pensamento de Heráclito a respeito da unidade dos opostos ter susci-
tado distintas análises e que seus aforismos sejam cercados de dificuldades de inter-
pretação, é necessário ratificar que dele provém uma das origens do pensar dialético/
lógico e sua contribuição filosófica é ter destrinchado o permanente na mudança.
Descrição da Imagem: : a imagem apresenta uma
ilustração de um rosto masculino, retratando o
filósofo Parmênides.
Figura 5 - Parmênides
Entre os dialéticos que precederam
Aristóteles, também estão os filóso-
fos da escola eleática: Parmênides
(530-460 a.C.) e seu discípulo Zenão
(489-430 a.C.), que diferentemente de
Heráclito, cuja filosofia pautava-se na
contradição, defendiam a imobilida-
de e a identidade. Ao primeiro, atri-
bui-se a formulação do princípio de
identidade e de não contradição, no
qual não há a possibilidade da coexis-
tência de contrários ao mesmo tem-
po, porque o ser ou é algo, ou não o é.
O pré-socrático Parmênides
nasceu em Eléia, por volta do ano
515 a.C., cujos primeiros contatos
com a filosofia se deram com a
escola pitagórica, sendo discípulo
Ameinias. Parmênides compõe o
grupo dos primeiros filósofos que
estudaram a origem cosmológica da
UNIDADE 1
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natureza, sem recorrer às narrativas míticas, mas buscando respostas por in-
termédio da racionalização e dos nexos causais. Pela condução da linguagem,
enquanto discurso na busca do ser em sua manifestação pura, Parmênides
inaugurou uma manifestação de argumentos que permitiu o desenvolvimento
de refutações, a partir de sua reflexão filosófica. Ainda, não era a lógica formal
como conhecemos, mas permitiu condições para tal.
Não é difícil articular, nesse sentido, a importância da coerência argumen-
tativa para o filósofo, não é mesmo? Parmênides buscava compreender aquilo
que era, e o que não era, como nós lemos em seu poema. O discurso ontológico
baseava-se na razão e na lógica, uma vez que a linguagem está a serviço do pen-
samento. Vamos ler os fragmentos 2 a 5 do poema Da Natureza, de Parmênides,
no qual se identifica o princípio da identidade:
“ Vamos, vou dizer-te – e tu escuta e fixa o relato que ouviste – quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar: um que é, que não é para não ser; é caminho de confiança (pois acompanha
a verdade); o outro que não é, que tem de não ser, esse te indico ser
caminho em tudo ignoto, pois não poderás conhecer o que não é,
não é consumável, nem mostrá-lo.
Poiso mesmo é pensar e ser.
Nota também como o que está longe pela mente se torna firme-
mente presente: pois não separarás o ser de sua continuidade com
o ser, nem dispersando-o por toda a parte segundo a ordem do
mundo, nem reunindo-o.
Convergente, porém, é para mim, de onde começarei; pois lá mesmo
chegarei de volta outra vez (Fr. 2 B DK) (PARMÊNIDES, 2002, p. 10).
A escola eleática, a qual Parmênides pertence, defende a ideia de que a realidade
é algo imutável, e não fluído, como pensava Heráclito. Diferentemente de outros
pré-socráticos, para Parmênides o ser é algo uno, imóvel e indivisível. Todavia,
para o filósofo, nossos sentidos nos enganam e nos passa uma ilusão de multiplici-
dade de seres em constante mudança, por isso alerta, no prólogo de Da Natureza,
que a sensibilidade empírica não é o caminho para a verdade.
UNICESUMAR
29
É possível afirmar que Parmênides deslocou o eixo da filosofia da physis
(princípio do primeiro movimento dos seres naturais) para o saber, ou seja,
ocupou-se em procurar a forma correta de pensar, em vez da busca de um
elemento físico que estivesse na constituição do mundo, de maneira que pode
ser reconhecido por ter vislumbrado alguns princípios elementares da lógica.
Esse princípio desenvolvido por Parmênides, que atualmente conhecemos
como o princípio de identidade, serviu de base para o filósofo sedimentar
sua concepção metafísica.
Zenão de Eléia, por sua vez, foi considerado pelo próprio Aristóteles o
inventor da dialética, cujas discussões filosóficas demonstravam a utilização
de argumentação erística (que busca apenas vencer o debate, não necessa-
riamente utilizando instrumentos que garantam a validade dos argumentos)
Descrição da Imagem: : a imagem apresenta uma ilustração de um
rosto masculino, retratando o filósofo Parmênides.
Figura 6 - Zenão de Elea
por meio de paradoxos
e de falácias dos tipos
reductio ad absurdum,
valendo-se do princí-
pio da não contradição
e do terceiro excluído, e
argumentum ad homi-
nem para rebater teses
adversárias. As falácias,
conforme falamos an-
teriormente, são estru-
turas linguísticas que
parecem uma premissa
(argumento), mas que
não sustentam a con-
clusão. Nós as estuda-
remos mais profunda-
mente no decorrer da
disciplina, mas vamos
aprofundar as que já
foram citadas?
UNIDADE 1
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Reductio ad absurdum: é um raciocínio que procura demonstrar que a
premissa é falsa, pois dela se chega a uma conclusão inconsistente ou
absurda. Exemplo: quando um filho deseja ir a uma festa, pois todos seus
amigos irão, e o pai argumenta que se todos os amigos pularem de uma
ponte, o filho também desejaria segui-los.
Argumentum ad hominem: é um raciocínio que implica um ataque ao argu-
mentador, no qual não se trata de verificar a validade de um argumento ou
a plausibilidade de uma proposição. Exemplo: Nietzsche faleceu louco, logo
sua contribuição para o estudo da razão humana deve ser desconsiderada.
Os paradoxos formulados por Zenão foram elaborados com o intuito de de-
monstrar as falhas dos argumentos defendidos por aqueles que se opunham ao
pensamento de seu preceptor, Parmênides. Repare, aluno(a), como a construção
de uma argumentação coerente foi fundamental para o desenvolvimento do co-
nhecimento humano. Os paradoxos de Zenão são construções argumentativas
no exercício da racionalidade, em busca da defesa de uma tese.
NOVAS DESCOBERTAS
Entre os quatro paradoxos do movimento (dicotomia, Aquiles e a tartaruga,
flecha imóvel e estádio) de Zenão de Eléia, o mais conhecido é a corrida en-
tre Aquiles e a Tartaruga. Apresentado na Física, de Aristóteles: “o corredor
mais lento nunca poderá ser alcançado pelo mais veloz, pois o perseguidor
teria que chegar primeiro ao ponto desde onde partiu o perseguido, de tal
maneira que o corredor mais lento manteria sempre adiante”. Vamos co-
nhecer (e tentar resolver) esse paradoxo? Aponte a câmera de seu celular
para os QRcode seguinte, ou acesse pelos links.
https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/8905
https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/8903
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Agora que você conhece o pa-
radoxo “Aquiles e a Tartaruga”,
é possível perceber que a par-
tir da dialética, Zenão buscou
refutar a tese de Heráclito. A
partir da construção de uma
argumentação, seu objetivo foi
comprovar a inexistência do
movimento, demonstrando
que muitas vezes aquilo que
parece ser lógico e verdadei-
ro, como a vitória de Aquiles
na corrida, pode ser uma con-
clusão falsa. Nesse sentido, a
contribuição filosófica de Ze-
não para o desenvolvimento
da lógica foi a demonstração
da falsidade e do absurdo das
impressões geradas empirica-
mente pelos homens.
O ateniense Platão (428-
347 a.C.) legou-nos escritos
Descrição da Imagem: : a imagem apresenta uma ilustra-
ção de um rosto masculino, retratando o filósofo Platão.
Figura 7 - Platão
sobre o pensamento de Sócrates e a continuidade da sistematização de pensa-
mento de seu mestre. Sua contribuição para a lógica e dialética encontram posi-
cionamentos divergentes, pois embora não tenha trabalhado, necessariamente,
a lógica formal, seus diálogos demonstram agilidade e técnica na condução da
argumentação. É possível perceber, prezado(a) aluno(a), no diálogo Timeu, a
descrição do próprio objetivo de estudo da lógica:
UNIDADE 1
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“ […] o deus descobriu e concedeu-nos a visão em nosso favor, para que, ao contemplar as órbitas do Intelecto no céu, as aplicássemos às órbitas da nossa atividade intelectiva que são congêneres daque-
le, ainda que as nossas tenham perturbações e as deles sejam im-
perturbáveis. Só depois de termos analisado aqueles movimentos,
calculando-os corretamente em conformidade com o que se passa
na natureza, e de termos imitado esses movimentos do deus, abso-
lutamente impassíveis de errar, podemos estabilizar os que em nós
são errantes (PLATÃO, Timeu, 47b) (PLATÃO, 2010, p. 126).
A contribuição filosófica de Platão, construída a partir da maiêutica de Sócrates,
utiliza a argumentação para conduzir o pensamento em busca do conhecimento
verdadeiro. Por intermédio das contradições dos discursos, o filósofo utiliza-se do
diálogo, enquanto recurso da linguagem para encontrar conclusões válidas, fazendo
o interlocutor reconhecer sua ignorância mediante um processo de racionalização.
Assim, a discussão de ideias opostas com o objetivo de encontrar verdades exige o
preparo intelectual de seu debatedor, pois a argumentação exige uma sistematização
que proporcione a reflexão consciente ao interlocutor, que partirá do senso comum.
O enfoque, nesse sentido, não é apenas vencer um debate ou refutar uma tese, mas
permitir que o sujeito seja ativo na produção de seu conhecimento.
Reconhecidas as reservas de alguns argumentos de diálogos platônicos, uma vez
que alguns autores apontam que a argumentação do ateniense apresenta algumas
dificuldades demonstrativas, eles permitem avaliar como o filósofo utiliza esquemas
que regulam o curso dos raciocínios e como discorre sobre questões fundamentais
para a reflexão da natureza da lógica. Vamos analisar um excerto do diálogo Górgias,
no qual aparece o princípio de identidade: “[...] se a alma temperante é boa, a que for
conformada por maneira contrária à dela, será má, a saber, insensata e desregrada”
(PLATÃO, Górgias, 507a) (PLATÃO, 1991, p. 78). Aqui, caro(a) aluno(a), Platão busca
demonstrar que A é A (a alma temperante é boa), B é B (a alma insensata é má), A
não é B (a alma temperante não é má), B não é A (alma insensata não é boa).
O quarto livro da A República, de Platão, também, é outro exemplo em
que é possível observar a enunciação do princípio da não contradição en-
quanto esquema de inferência que, se uma hipótese leva a uma contradição,
UNICESUMAR
33
logo ela deve ser falsificada, preservando a lógica implícita à argumentação
da trivialidade: “A mesma coisa, claramente não pode atuar ou receber o ato
da mesma forma ou em uma relação com a mesma coisa ao mesmo tempo,
de forma contrária”(Platão, A República, 436b) (PLATÃO, 2002, p. 66).
Os diálogos de Platão, também, apresentam um método de utilização da ar-
gumentação de maneira sistematizada, no qual, por meio de sucessivas divisões,
chega-se a uma conclusão verossímil: a diérese. A diérese platônica parte de de-
finições amplas, dividindo-as, até chegar a uma conclusão mais concreta. E é na
reflexão sobre a insuficiência da diérese, para produzir conclusões válidas, que
Aristóteles descobre os silogismos, pois considerou que a dialética platônica se
Descrição da Imagem: : a imagem apresenta uma ilustração
de um rosto masculino, retratando o filósofo Aristóteles.
Figura 8 - Aristóteles
tratava apenas de um exercício
para a opinião dos homens.
Assim, é possível obser-
var que as sucessões de as-
serções, e não de evidências,
dos diálogos platônicos po-
dem ter sido úteis para um
método, porém não consti-
tuem a lógica formal em si,
conforme foi demonstrado
posteriormente por Aristóte-
les. Isso porque seu preceptor
não explorou, todavia nitida-
mente enunciou a existência
de leis que regem o curso dos
raciocínios. De maneira que
a instrumentalização da lógi-
ca formal é reservada a Aris-
tóteles, contudo foi o pensa-
mento de Platão que tornou
possível o surgimento dessa
ciência com Aristóteles.
UNIDADE 1
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Os filósofos que estudamos até o momento nesta unidade, prezado(a) alu-
no(a), possuem o mérito de se aproximarem da lógica de uma perspectiva da
aplicação prática, contudo não desenvolveram teorias sobre a maneira como
instrumentalizar suas argumentações. E como a influência de um pensador não
se mede apenas pelo impacto de sua obra, mas também pelas reflexões que sus-
citaram, é possível afirmar que tais perspectivas filosóficas abriram o caminho
para o desenvolvimento da lógica, na medida em que Aristóteles analisava-as,
considerava-as insuficientes, refutando-as. Vamos conhecer um pouquinho so-
bre a contribuição intelectual do principal expoente da lógica enquanto ciência.
Aristóteles (384-322 a.C.) nasceu em Estagira, colônia jônica situada na Ma-
cedônia. Seu pai foi Nicômaco, médico do rei Amintas. Aos dezessete anos, in-
gressou na Academia de Platão em Atenas, na qual permaneceu por vinte anos,
a princípio como discípulo, depois como professor, até a morte de Platão em 347
a.C. Casou-se com Pítias, irmã de Hérmias. Morto este pelos persas, retirou-se
Aristóteles para Mitilene. Depois da morte de Pítias, casou-se com Hérpilis, e
teve um filho chamado Nicômaco, a quem dedicou o livro Ética a Nicômaco,
que aborda as virtudes que devem cultivar os homens. Em 343 a.C., Aristóteles
tornou-se preceptor de Alexandre (356-323 a.C.), em que permaneceu na função
por dois anos, depois dos quais aconteceu o assassinato do rei Felipe II.
Alexandre assumiu o trono, em 336 a.C., com apenas vinte anos. Sem função
na Macedônia, voltou Aristóteles para Atenas, pelo ano 335 a.C., com Teofrasto.
Auxiliado sempre por Alexandre, Aristóteles fundou o Liceu (cerca de 334 a.C.) no
ginásio do templo de Apolo. Em pouco mais de dez anos de atividade, fez Aristóteles
de sua escola um centro de adiantados estudos, em que os mestres se distribuíam
por especialidades, inclusive em ciências positivas. Após a morte de Alexandre,
prematuramente, em 323 a.C., Aristóteles retirou-se de Atenas, deixando o Liceu
sob a direção de Teofrasto. Faleceu em sua propriedade em Cálcis, de Eubea, com
cerca de sessenta anos. Por seu nível conceitual, rigor metodológico e pela gama dos
campos do conhecimento humano que analisou, Aristóteles pode ser considerado
o primeiro pesquisador científico no sentido contemporâneo do termo. Em suas
obras, é demonstrado que o filósofo procurou analisar o problema do conhecimen-
to do ser, analisando os paradoxos de seus predecessores, e buscou, por intermédio
de sua filosofia realista, articular a experiência sensível com o inteligível.
A partir da reflexão da limitação dos diálogos platônicos, pois, para Aristó-
teles, as sínteses apresentadas não produziam conclusões, mas permaneciam em
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35
aberto, possibilitando a apresentação de novos argumentos, abrindo caminho
para um relativismo, que o filósofo viu a necessidade do estabelecimento de re-
gras fixas do pensamento. Objetivando a demonstração de verdades, mediante o
emprego das palavras e seus significados e significantes, o compêndio aristotélico
Organon — composto pelos escritos Categorias, Da Interpretação, Primeiros
Analíticos (ou Analíticos Anteriores), Segundos Analíticos (ou Analíticos Pos-
teriores), Tópicos e Refutações Sofísticas — discorre sobre a lógica dedutiva, ba-
seada na instrumentalização racional do silogismo.
Nos Tópicos, Aristóteles apresenta que o objetivo do tratado é a elaboração de
uma metodologia “que nos capacite a raciocinar, a partir de opiniões de aceitação
geral, acerca de qualquer problema que se apresente diante de nós e nos habilite,
na sustentação de um argumento, a nos esquivar da enunciação de qualquer coisa
que o contrarie” (ARISTÓTELES, Tópicos, I, 100a18) (ARISTÓTELES, 2005,
p. 347). D’Ottaviano e Feitosa (2003, p. 4) destacam que historiadores da lógica
“consideram a teoria do silogismo como a mais importante descoberta em toda
a história da lógica formal, pois não constitui apenas a primeira teoria dedutiva,
mas também um dos primeiros sistemas axiomáticos construídos”. De acordo
com o filósofo estagirita, o silogismo define-se como:
“ O silogismo é um discurso argumentativo no qual, uma vez formu-lada certas coisas, alguma coisa distinta destas coisas resulta neces-sariamente através delas pura e simplesmente. O silogismo é de-
monstração quando procede de premissas verdadeiras e primárias
ou tais que tenhamos extraído o nosso conhecimento original delas
através de premissas primárias e verdadeiras (Aristóteles, Tópicos,
I, 100a25) (ARISTÓTELES, 2005, p. 351).
Figuram-se, enquanto conceitos básicos ancorados na lógica aristotélica, a pre-
missa (que é a sentença de um argumento), a inferência (que é a ação intelectual
que as relaciona) e o argumento (que leva à conclusão, relacionando com as pre-
missas). A lógica aristotélica busca investigar o que faz um silogismo ser válido
ou inválido, quais os tipos de proposições que constituem os silogismos e os
elementos que constituem uma proposição.
A leitura de Kneale e Kneale (1968, p. 69) sobre a definição aristotélica de
silogismo trata-se de “uma inferência na qual, se certas proposições se afirmam,
UNIDADE 1
36
qualquer coisa diferente do que é afirmado nelas se segue necessariamente”.
D’Ottaviano e Feitosa (2003) explicam que a teoria dos silogismos trabalha com
termos gerais (como homem) ou singulares (Sócrates) e com predicados (mor-
tal), tratando de proposições categóricas (todo homem é mortal) e proposições
singulares (Sócrates é mortal). Dessa maneira, é possível verificar que o silogismo
possui três proposições (que categorizam objetos e seres) declarativas que se
conectam e que das duas primeiras concluímos a terceira. As proposições pos-
suem dois termos: sujeito (de que se fala) e predicado (o que é dito a respeito do
sujeito), a cópula (o verbo que conecta o sujeito e o predicado), um quantificador
(universal ou particular) e, em caso de proposição negativa, uma partícula de
negação. Agora, visualizaremos exposto em forma de silogismo:
“ Todo animal é mortal. (Premissa maior – contém o termo maior (mortal) e o termo médio (animal)) Todo homem é um animal. (Premissa menor – contém o termo
menor (homem) e o termo médio (animal))
Todo homem é mortal. (Conclusão – contém o termo menor (ho-
mem) e o termo maior (mortal)).
Observamos que “mortal”, o termo maior da premissa maior, é o pre-
dicado da conclusão; “homem”, o termo menor da premissa menor,
é o sujeito da conclusão; e “animal” é o termo médio (D’OTTAVIA-
NO; FEITOSA, 2003, p. 4)
De forma geral, os silogismos podem ser considerados mediatos, demonstrativos
(dedutivo ou indutivo), necessários e envolvem,conforme já citado, três proposi-
ções para sua constituição: a premissa maior (em que aparece o termo maior e o
médio), a premissa menor (termo menos e médio) e a conclusão, em que aparece
o termo maior (predicado da conclusão) e o termo menor (sujeito da conclusão).
É interessante observar que se encontra o termo médio em todas as premissas,
mas não na conclusão. Mesmo possuindo premissas verdadeiras, os silogismos
podem levar a conclusões falsas, que são as falácias. Consideradas sofismas, as
falácias podem ser consideradas raciocínios inválidos que tentam passar por
válidos, normalmente com o intuito de ludibriar no processo argumentativo.
UNICESUMAR
37
No sistema da lógica silogística, os termos são representados por letras maiús-
culas, no qual permanecem em sua estrutura a cópula, os quantificadores e a par-
tícula de negação, quando for o caso. Exemplifica-se, a seguir, a estrutura padrão
de um silogismo: duas premissas e uma conclusão, o termo menor (o sujeito da
conclusão, no caso S), termo maior (predicado da conclusão, que é P) e termo
médio (sujeito ou predicado nas duas premissas, mas que não aparece na conclu-
são, M). Conforme é possível visualizar a representação, as proposições acima do
traço são as premissas; a proposição abaixo do traço, a conclusão:
Todo M é P
Todo S é M
Todo S é P
A proposição categórica aristotélica é substancial, ou seja, é constituída por ter-
mos, que correspondem às categorias. As categorias definem o objeto, pois refle-
tem o que a percepção capta e o estatuto ontológico de maneira imediata e pos-
suem duas propriedades lógicas (extensão e a compreensão). Com as categorias,
Aristóteles busca classificar e analisar os dez tipos de predicados (ou gêneros do
ser) que todo objeto no mundo pode ser classificado: substância, quantidade,
qualidade, relação, lugar, tempo, posição (ou espaço), posse (ou hábito), ação e
paixão. A extensão, por sua vez, é considerada o conjunto de coisas designadas por
uma categoria. Já a compreensão representa o conjunto de propriedades que foi
designada por essa categoria. Nesse sentido, podem-se compreender as categorias
enquanto elementos que definem um objeto:
“ Cada uma das palavras ou expressões não combinadas significa uma das seguintes coisas: o que (a substância), quão grande, quan-to (a quantidade), que tipo de coisa (a qualidade), com o que se
relaciona (a relação), onde (o lugar), quando (o tempo), qual a pos-
tura (a posição), em quais circunstâncias (o estado ou condição),
quão ativo, qual o fazer (a ação), quão passivo, qual o sofrer (a pai-
xão). Exemplos, sumariamente falando, de substância são homem,
cavalo; de quantidade, dois côvados de comprimento, três côvados
de comprimento; de qualidade, branco e gramatical. Termos como
UNIDADE 1
38
metade, dobro, maior indicam relação; no mercado, no Liceu e ex-
pressões similares indicam lugar; enquanto a referência é ao tempo
em expressões como ontem, o ano passado, etc. Deitado ou sentado
indica posição; calçado ou armado indica estado; corta ou queima
indica ação; é cortado ou queimado indica paixão (ARISTÓTELES,
Categorias, IV, 1 b25) (ARISTÓTELES, 2010, p. 102).
Para Aristóteles, a investigação da contribuição do argumento lógico, como um
todo, está preocupada com a demonstração e com o conhecimento científico.
Depois, o enfoque é a definição do que são premissas, termos, silogismos (quais
são perfeitos e quais são imperfeitos) e, finalmente, sobre o que pode ser ou não
ser no conjunto e o que significa se predicar de todos ou de nenhum. A premissa
é, nesse sentido, uma sentença que afirma ou nega algo de alguma coisa ou sujei-
to, seja ele particular, universal, seja indeterminado. Compreende-se, enquanto
universal, aquilo que pertence a todos ou a nenhum de algo; particular enquanto
aquilo que pertence a alguns, a não alguns e a nem todos e, finalmente, enquanto
indeterminado, aqueles que pertencem sem universalidades ou particularidades.
Aristóteles explica, no capítulo IV dos Primeiros Analíticos, que silogismos em
geral devem ser tratados antes da demonstração, pois são os conteúdos mais ge-
rais, e as demonstrações são um tipo de argumento dedutivo, porém nem todo
argumento dedutivo configura-se como demonstrações.
No âmbito da lógica clássica, a extensão de um conjunto é inversamente pro-
porcional à sua compreensão. Nesse sentido, quanto maior for a extensão de
um conjunto, menor será a compreensão dele, e vice-versa, fator que favorece a
classificação das categorias em gênero, espécie e indivíduo. Isso porque, quando
se avalia a proposição, a categoria da substância é o sujeito (S). As demais cate-
gorias são os predicados (P) atribuídos ao sujeito. A compreensão da predicação
acontece pela designação do verbo ser, que é um verbo de ligação.
O conceito de proposição é o enunciado do discurso daquilo que foi pensado
e reunido pelo juízo, ou seja, uma demonstração verbal daquilo que foi separado
e organizado pelo juízo mentalmente. Na proposição, a reunião de termos é feita
pela afirmação (S é P) ou pela separação, na qual ocorre a negação (S não é P).
Sob a perspectiva do sujeito (S), existem dois tipos de proposições: existencial e
predicativa. Para exemplificar, a proposição existencial (algum S é P e sua nega-
tiva) declara a existência, posição, ação ou paixão do sujeito, por exemplo, “um
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39
homem fala”, e sua negativa “um homem não fala”. A proposição predicativa, por
sua vez, declara a atribuição de alguma coisa a um sujeito por meio do verbo de
ligação “ser” (todo S é P ou sua negativa). Por exemplo: “todo homem é rei”, e sua
negativa “todo homem não é rei”.
As quatro formas lógicas, também, podem ser representadas por um dia-
grama denominado “Quadrado das oposições (ou proposições)”. O esquema
demonstra as interações que cada uma das quatro formas pode realizar com as
outras três, com o intuito de se visualizar inferências e proporcionar raciocínio
adequado sobre classes de objetos.
Todo S é P
A
Universal A�rmativa
Subalternas
I
Particular A�rmativa
Algum S é P
Contrárias
Contraditórias
Contraditórias
Subcontraditórias
Nenhum S é P
E
Universal Negativa
Subalternas
O
Particular Negativa
Algum S é não P
Descrição da Imagem: : no canto superior esquerdo do diagrama está posicionada a proposição universal
afirmativa (A); no canto superior direito, a universal negativa (E); no canto inferior esquerdo, a particular afir-
mativa (I) e, no canto inferior direito, a particular negativa (O). As fórmulas lógicas relacionam-se entre si da
seguinte maneira: as relações possíveis ocorrem entre A e E, I e O, A e O e E e I. Tais inferências imediatas entre
as proposições podem ser divididas didaticamente em três leis: contraditórios (entre A e O, E e I); contrários
(A e E); subcontrárias (I e O) e subalternas (A e I, E e O).
Figura 9 - Quadrado das oposições / Fonte: a autora.
As proposições contraditórias ocorrem entre os enunciados A e O e E e I (no
X do quadrado) e nos indica que, da verdade de uma dessas proposições, pode-
mos inferir a falsidade de contraditório, ou seja, é impossível que ambos sejam,
simultaneamente, verdadeiros ou falsos.
UNIDADE 1
40
Exemplo com universal afirmativa (A) e particular negativa (O): se
considerarmos que todas as mulheres são bonitas (universal afirmativa A:
todo S é P), a proposição alguma mulher não é bonita (particular negativa
O: algum S é não P) será falsa.
Exemplo com universal negativa (E) e particular afirmativa (I): se ne-
nhum homem é imortal (universal negativa E: nenhum S é P), a proposição
algum homem é imortal (particular afirmativa I: algum S é P) é falsa.
A lei dos contrários ocorre entre os enunciados A (todo S é P) e E (nenhum
S é P), exposta na parte superior do quadrado, e nos leva a concluir o seguinte:
a verdade de um desses enunciados implica, necessariamente, na falsidade do
outro. Ou seja, não poderão ser simultaneamente verdadeiros, todavia podem
ser simultaneamente falsos.Exemplo quando uma proposição é verdadeira: se todo ser humano é
mamífero (afirmativa universal A: todo S é P) for verdadeira, a proposição
nenhum ser humano é mamífero (negativa universal E: nenhum S é P) é falsa.
Exemplo quando ambas as proposições são falsas: se a proposição todo
homem é honrado (afirmativa universal A: todo S é P) for falsa, a propo-
sição nenhum homem é honrado (negativa universal E: nenhum S é P)
também pode coexistir na falsidade.
Os subcontrários ocorrem entre enunciados I (particular afirmativo) e O (particular
negativo), expostos na parte inferior do quadrado, e nos informa o seguinte: nunca
poderão ser simultaneamente falsos, mas podem ser simultaneamente verdadeiros.
Exemplo em ambas podem ser verdadeiras: se algum animal aquático
é mamífero (particular afirmativo I: algum S é P) é verdadeiro, logo algum
animal aquático não é mamífero (particular negativo O: algum S não é P)
também pode ser verdade.
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41
Exemplo quando uma proposição é falsa sendo a outra verdadeira:
se algum réptil é mamífero (particular afirmativo I: algum S é P), logo a
proposição algum réptil não é mamífero (particular negativo O: algum S
não é P) tem que ser verdade.
As subalternas, por sua vez, ocorrem entre A e I e entre E e O, expostas nas pro-
posições que estão nos lados do quadrado: da verdade dos enunciados universais
(A e E), seguem a verdade dos particulares (I e O). Ou seja, se A é verdadeira, I
é verdadeira; se E é verdadeira, assim também será O. Se o enunciado particular
for falso, seu correspondente universal, também, será falso: se I for falso, logo A
é falso; se O for falso, logo será E. Todavia, se I e O for verdadeiro, seu correspon-
dente universal não será necessariamente verdadeiro também.
Exemplos de universais verdadeiras com particulares verdadeiras:
se todo homem é virtuoso (afirmativa universal A: todo S é P), logo algum
homem é virtuoso (particular afirmativa I: algum S é P). Se nenhum homem
é bom (universal negativa E: nenhum S é P), logo algum homem não é bom
(particular negativa O: algum S é não P).
Exemplos de particulares falsas com universais falsas: se algum cachor-
ro é gato (particular afirmativa I: algum S é P) é falsa, logo todo cachorro é
gato (afirmativa universal A: todo S é P) também será falsa; se algum cavalo
não é quadrúpede (particular negativa O: algum S é não P) é falsa, neces-
sariamente nenhum cavalo é quadrúpede (universal negativa E: nenhum
S é P) também será falsa.
Exemplos de particulares verdadeiras com universais variáveis: se
algum carro é veloz (particular afirmativa I: algum S é P), a proposição
universal afirmativa A todo carro é veloz não precisa ser necessariamente
verdadeira; se alguma fruta não é saborosa (particular negativa O: algum
S é não P), a universal negativa nenhuma fruta é saborosa não precisa ser
necessariamente verdade.
UNIDADE 1
42
Caro(a) aluno(a), vimos que a lógica é a expressão do raci-
ocínio pela linguagem, em forma de oração (oral ou escrita).
Embora pareça simples, a formulação dos argumentos exige
o conhecimento de algumas regras básicas. Que tal conver-
sarmos um pouco sobre a formulação de argumentos? Afinal,
argumentar é mais do que expressar um pensamento, mas
defender um posicionamento. Em nosso bate-papo, vou
lhe contar mais sobre algo que, na maior parte dos casos,
faz-nos temer a lógica: o quadrado das oposições! Convido
você, aluno(a), para, em nossa roda de conversa, entender
um pouquinho mais sobre esse elemento que nos ajuda a
sustentar nossos raciocínios e organizar ideias!
Ao aplicar o diagrama de Venn, também, é possível demonstrar as proposições
categóricas da seguinte maneira, lembrando que A = universais afirmativas (todo
S é P); E = universais negativas (nenhum S é P), I = particulares afirmativas (algum
S é P) e O = particulares negativas (algum S não é P):
S P S P S P S Px
x
A = Todo S é P E = Nenhum S é P I = Algum S é P O = Algum S não é P
Descrição da Imagem: : a imagem consiste em um diagrama. Representando a proposição A (afirmativa univer-
sal) estão dois círculos no canto esquerdo, no qual um possui a letra S (de sujeito) dentro dele e o outro possui a
letra P (de predicado). Esses dois círculos se encontram e o círculo em que o S está pintado de preto, indicando que
todo S é O. Após, estão dois círculos (um com a letra S e outro com a letra P dentro), representando a proposição
E (negativa universal). Esses dois círculos se encontram, e onde eles se fundem está pintado de preto, represen-
tando que nenhum S é P. A proposição I (particular afirmativa) está representada, também, por dois círculos que
se fundem, cada qual com as letras S e P dentro. No encontro desse diagrama, está um X representando que
apenas algum S é P. Finalmente, no canto esquerdo, os dois círculos com S e P dentro se encontram, todavia,
apenas, o círculo que possui a letra S no centro possui também um pequeno X, indicando que algum S não é P.
Figura 10 - Categorias das proposições conforme diagrama de Venn / Fonte: a autora.
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UNICESUMAR
43
Apesar de Aristóteles não utilizar a terminologia formal, todavia as características
da lógica clássica (reconhecida enquanto ciência atualmente) estão presentes nos
Primeiros Analíticos. Os silogismos desenvolvidos por Aristóteles na obra não são
formais no sentido de serem simbólicos, pois ele não emprega linguagem simbólica
contendo símbolos artificiais. Pelo contrário, Aristóteles utilizou-se do grego comum,
que consistiam em letras e termos familiares a qualquer leitor de grego. Todavia, o uso
que Aristóteles faz das letras do alfabeto grego, que utiliza para denotar os termos nas
proposições que constituem um silogismo, constitui emprego autêntico de variáveis
tais como na matemática grega do período.
Outro ponto é de que a lógica dos Primeiros Analíticos não é formal no sentido
de ser “formalizada”, uma vez que a linguagem formal não é empregada. Seja um
argumento considerado como uma dedução ou não na obra, não se pode julgá-lo
apenas pela expressão linguística utilizada, sem levar em conta seu significado. Isso
porque Aristóteles, ao contrário dos estoicos, que estabeleceram uma lista de expres-
sões silogísticas, não introduz cânones para as formas de expressão das premissas e
conclusões de suas deduções, mas permite uma variedade de intercâmbios de expres-
sões, por exemplo: A pertence a todo B; ou então: A é predicado de todo B. Nessas
perspectivas, qualquer expressão é possível de ser admitida, desde que possuam o
mesmo sentido. A lógica aristotélica é formal porque é generalizante e apresenta
neutralidade de tópicos, passível de ser aplicada em qualquer debate, mas que isso já
igualmente ocorre na dialética discorrida nos Tópicos.
UNIDADE 1
44
Caro(a) aluno(a), ao final desta unidade, você foi introduzido à doutrina dos
silogismos. Você está apenas na ponta de largada do caminho da história da ló-
gica. Aristóteles desenvolveu no Organon (palavra grega que, em sua etimolo-
gia, significa instrumento) a teoria das proposições organizadas no argumento
silogístico. A proposição é o enunciado de um juízo (raciocínio) formulado pelo
pensamento e expresso pela linguagem formada pela união de termos (ou concei-
tos) que atribui um predicado (P) ao sujeito (S). A multiplicidade metodológica
da argumentação aristotélica merece um momento de nossa disciplina voltada
exclusivamente para ela, e serão exploradas na próxima unidade, na qual lhe se-
rão apresentados tipos de argumentação, lista de falácias e extensão dos termos.
Tenho certeza de que você já vivenciou as seguintes situações, caro(a) alu-
no(a):
Alguma vez discutiu com alguém, e mesmo estando com a razão, não
conseguiu expressar de maneira organizada seus argumentos. E, depois,
quando estava sozinho, pensou: por que não falei isso? Por que não dei
determinada resposta?
Algum vendedor conseguiu convencê-lo(a), por meio da argumentação,
a comprar algoque não precisava e, ao chegar em casa, refletiu que não
precisava de tal objeto, mas não conseguiu expressar?
Votou em algum candidato que deliberadamente enganou o povo com
falácias?
Essas são apenas três situações práticas nas quais o reconhecimento das estrutu-
ras dos argumentos lógicos faria a diferença em nossa vida. Identificar quando
querem enganá-lo(a), quando uma ideia é falsa, quando uma justificativa não é
válida é utilizar a lógica no cotidiano.
45
Caro(a) aluno(a), neste momento em que finalizamos a unidade, convido você a rea-
lizar os exercícios para assimilação de alguns conceitos aprendidos. A fixação de tais
conceitos, dessa unidade, é fundamental para a compreensão da organização dos
argumentos silogísticos.
1. De acordo com a doutrina dos silogismos de Aristóteles, existem quatro tipos de propo-
sições categóricas indicadas pelas letras A, E, I e O. Responda qual letra corresponde a:
a) Afirmativa universal: _______.
b) Negativa universal: ________.
c) Particular afirmativa: _______.
d) Particular negativa: ________.
2. As inferências imediatas expostas no quadrado das oposições, as proposições dos silo-
gismos podem ser divididas didaticamente em três leis: contraditórios, contrários, sub-
contrárias e subalternas. Se as proposições “nenhum homem presta” e “algum homem
não presta” são verdadeiras, a relação estabelecida é subalterna porque ocorre entre:
a) A (todo S é P) e O (algum S não é P).
b) E (nenhum S é P) e I (algum S é P).
c) A (todo S é P) e E (nenhum S é P).
d) E (nenhum S é P) e O (algum S não é P).
e) I (algum S é P) e O (algum S não é P).
3. Identifique quais são as premissas e qual é a conclusão do silogismo seguinte:
Toda rosa é vermelha. Toda rosa é flor. Logo, toda flor é vermelha.
Premissa
1: _________________________________________________________________
Premissa
2: _________________________________________________________________
Conclusão: __________________________________________________________
4. Observe o quadrado das oposições apresentado anteriormente na página 39 e trans-
forme a proposição afirmativa universal “todo homem é mortal” em negativa universal,
particular afirmativa e particular negativa.
46
5. Considerando que os silogismos são constituídos por duas premissas e uma conclu-
são, formule um argumento.
6. A lógica é a vertente da filosofia que estuda a argumentação e a linguagem, enquan-
to organização do raciocínio e expressão das operações intelectuais. A respeito da
história da lógica, leia as afirmações seguintes:
I - Todos os argumentos plausíveis são silogismos.
II - A história da lógica ocidental pode ser organizada cronologicamente, diferente-
mente da lógica oriental, que não pode ser dividida com exatidão comparável.
III - A história da lógica remete unicamente ao conhecimento produzido no ocidente,
uma vez que seus autores clássicos são os gregos Heráclito, Parmênides, Zenão,
Platão e, principalmente, Aristóteles.
IV - É comum verificar que autores anteriores ao século XVII denominavam a lógica
de dialética.
É correto apenas o que se afirma em:
a) I e II.
b) II e III.
c) II e IV.
d) I, II e III.
e) II, III e IV.
7. A proposição “José está acima do peso, logo o que ele pensa a respeito de saúde e
bem-estar não deve ser levado em consideração”, corresponde a qual tipo de falácia?
Assinale a alternativa correta:
a) Apelo à autoridade, pois José é considerado uma autoridade na questão de qua-
lidade de vida.
b) Argumentum ad misericordiam, pois a situação de saúde de José desperta com-
paixão aos interlocutores.
c) Hipótese contrária ao fato, pois a realidade do estilo de vida de José está na con-
tramão de seus argumentos.
d) Ad hominem, pois ataca o indivíduo, não seus argumentos.
e) Reductio ad absurdum, pois é um absurdo um sujeito que não vive sua vida pes-
soal de maneira coerente com seu discurso.
2Introdução à Silogística
Dra. Vanessa Freitag de Araújo
Caro(a) aluno(a), na primeira unidade, você foi apresentado aos primei-
ros filósofos, os quais refletiram sobre conceitos que possibilitaram
a instrumentalização dos silogismos por Aristóteles e culminaram,
posteriormente, nas operações lógicas tal qual conhecemos. Agora,
com base nesse suporte teórico sobre a lógica por um panorama
histórico, na Unidade 2, você terá a oportunidade de aprofundar
seus conhecimentos por uma perspectiva mais prática. Nós estuda-
remos, então, os princípios da lógica aristotélica por intermédio das
proposições lógicas e suas conjunções, identificando seus princípios:
identidade, não contradição e terceiro excluído. Você, ainda, terá a
possibilidade de conhecer a argumentação por dedução e indução e as
dez categorias de predicados dos sujeitos para elaborar um silogismo.
48
UNIDADE 2
Caro(a) aluno(a), imagine a seguinte situação: você vê um objeto que nunca viu
antes, pela primeira vez. Você não sabe o que aquilo é, nem para o que serve. Tal
objeto desperta curiosidade em você e, depois, ao descrevê-lo aos seus amigos,
você tenta, por aproximação, indicar alguns elementos que você acredita que o
compõem. Dessa maneira, seus amigos vão tentar entender, por suas palavras,
o que é aquilo que você descreveu. Seus amigos, inclusive, vão questionar a si
mesmos se aquilo que você está contando é verdade. Como você vai conseguir
explicar aos seus amigos aquilo que viu? E como vai fazê-los acreditar em você?
E será que seus olhos não estão pregando-lhe uma peça?
Coitado do
Paulo, está
trabalhando
demais. Está
até vendo
coisas.
Pessoal, ontem a noite
eu vi um negócio muito
estranho no quintal de casa.
Era verde, alto e magro…
Descrição da Imagem: : a imagem apresenta três pessoas. O primeiro é um homem que está falando
para os colegas a seguinte frase: “pessoal, ontem, à noite, eu vi um negócio muito estranho no quintal
de casa. Era verde, alto e magro…”. A segunda pessoa da imagem é uma mulher, que está pensando:
“Coitado do Paulo, está trabalhando demais. Está até vendo coisas”. O terceiro personagem, também
um homem, está pensando em hipóteses para entender o que deve ser aquilo que o primeiro homem
contou. Acima da cabeça do terceiro homem estão três balões, que representam os seguintes pensa-
mentos: um extraterrestre, um grilo e uma cana-de-açúcar.
Figura 1 - Você sabe expressar o que pensa?
UNICESUMAR
49
Se você, alguma vez, já tentou descrever algo que pouco conhece a uma pessoa,
deve ter percebido como é difícil definir as coisas. Nós temos que buscar em
nossa memória as características que podem definir aquele objeto, a partir de ou-
tros objetos que já conhecemos. Por exemplo, quando vamos descrever um carro
para uma pessoa, não basta dizer que ele possui quatro rodas e um volante, pois
isso pode ser característica de um trator, de um caminhão, de uma camioneta, de
um buggy, ou ainda, de um brinquedo, não é mesmo? Ou, então, você já brincou
de “adivinhas” ou “detetive”? Dando pistas ou dicas, as pessoas tentam adivinhar
algo por suas características, por aquilo que a define.
Tal reflexão, prezado(a) aluno(a), já foi feita há milênios, na Grécia Antiga. E
foi feita com rigor científico, desenvolvendo métodos e esquemas para isso. E a
filosofia trata disso. Por meio de exemplos de nosso cotidiano, podemos começar
a pensar como os filósofos refletiram a utilização da linguagem na definição dos
conceitos e, para, consequentemente, a argumentação científica.
Você também já se questionou se suas palavras são realmente expressões daqui-
lo que você está pensando? Vamos a um exemplo: se você pensa em um cachorro,
logo, para falar sobre o que está pensando, utilizará a palavra “cachorro”. Mas a pala-
vra cachorro é diferente em outras línguas: dog, perro, hündchen, cane, entre outras.
Inclusive, na língua portuguesa, há mais de uma palavra para designar cachorro: cão.
Então, como é possível garantir que um cachorro é de fato um cachorro? Aristóteles
elaborou dez categorias para definir aquilo que se predica do objeto.
E paraacrescentar à nossa reflexão, como podemos argumentar com alguém
que aquilo que apreendemos em nosso pensamento é verdadeiro? Que aquilo que
pensamos é viável? Que aquilo que expressamos oralmente é fiel ao que pensamos?
Como podemos argumentar de maneira válida e convencer nossos interlocutores?
Aristóteles, também, pensou nessa questão, ao propor o raciocínio por dedução.
Vale ressaltar, porém, que, ao se tratar de conhecimento científico, não
podemos, caro(a) aluno(a), acreditar em tudo que é dito por aí, não é verdade?
É necessário que haja rigor científico para algo ser considerado verdade. E,
para isso, foram desenvolvidos os silogismos, os quais foram elaborados por
Aristóteles. Você deve pensar nesse momento: “mas esse Aristóteles pensou
em tudo?”. Sim, pensou em tudo e mais um pouco. E, agora, vamos conhecer
um pouco mais sobre as obras lógicas desse filósofo.
50
UNIDADE 2
As palavras-chave de nosso estudo dessa unidade são: linguagem, proposição,
argumentação, termos, silogismo e dedução. Reflita sobre elas e realize uma pes-
quisa na web para conhecer seus significados. Sugiro fortemente, caro(a) aluno(a),
que faça seu próprio Quadrado das Oposições (que aparece na primeira unidade),
pois ele será seu grande norteador para a elaboração dos argumentos e guia para
a compreensão da Unidade 2. Ao registrá-lo com sua letra, você estimulará seu
cérebro a internalizá-lo e memorizá-lo, isso o(a) auxiliará no entendimento da
estrutura silogística. Você pode utilizar o Diário de Bordo para registrar seu
Quadrado das Oposições.
Caro(a) aluno(a), você deve ter observado que o Quadrado das Oposições é
fundamental para a lógica, não é mesmo? Isso ocorre porque, buscando manei-
ras de memorização dos conceitos lógicos, os filósofos, ao decorrer da história,
criaram diversos esquemas que ajudam a internalização das regras da lógica. Não
foi, necessariamente, Aristóteles quem elaborou tal diagrama, mas ele foi baseado
na teoria aristotélica. Foi na filosofia medieval que as fórmulas e esquemas ló-
gicos ganharam mais força, o que influenciou na forma que ensinamos a lógica
até a atualidade. A lógica, com suas raízes na linguagem, acabou também por
adentrar a matemática, o que proporcionou a adesão de mais símbolos, equações
e fórmulas em suas teorias. Aos poucos, algumas dessas esquematizações mais
conhecidas, serão apresentadas a você.
UNICESUMAR
51
Caro(a) aluno(a), na unidade anterior, foram fornecidos a você alguns aspectos
da história da lógica ocidental para que, munido de suporte conceitual, nós
pudéssemos avançar para uma compreensão mais aprofundada e prática da ló-
gica. Nós vimos que o desenvolvimento das ciências não é algo linear, estanque
e imutável. Ao contrário, a produção do conhecimento científico acumulado
pela humanidade está sempre sujeita aos condicionantes que envolvem toda
a sua materialidade, uma vez que “os homens fazem a sua própria história,
não como querem e sim sob aquelas circunstâncias com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado” (MARX, 1997, p. 18). Nesse
sentido, as relações sociais e seus produtos (como a educação, a cultura e a
ciência) não são inexoráveis e imutáveis, mas processos dinâmicos que ocor-
rem conforme a influência das movimentações históricas e suas contradições
internas, ou seja, pela interferência humana em seu cenário de vivência.
52
UNIDADE 2
A lógica, enquanto integrante do quadro das ciências, enquadra-se nessa pers-
pectiva dialética, uma vez que a produção filosófica anterior a ela (como vimos
com os pré-socráticos e Platão, por exemplo) proporcionou sua definição por
Aristóteles bem como possibilitou, posteriormente, novas formas de pensá-la. É
possível observar, estudando a história da filosofia, que movimentos intelectuais
ora buscam uma revisitação do conhecimento filosófico já produzido, ora bus-
cam sua superação. Vemos isso, por exemplo, na escolástica, que buscou alinhar
o pensamento dos filósofos gregos pagãos à doutrina cristã. Nesses movimentos
cíclicos de produção do conhecimento, no qual a humanidade busca respostas
aos seus questionamentos, a ciência se desenvolve.
Para Aristóteles, a inteligência humana forma conceitos pelas imagens
conservadas na memória e alteradas pela imaginação, descartando a fideli-
dade da percepção sensível. Todavia o imaginário não reflete apenas as dis-
posições e pensamentos do indivíduo, mas os esquemas linguísticos e sim-
bólicos transmitidos pela cultura em que ele está inserido. A cultura é capaz
de moldar o imaginário individual e coletivo, sendo reflexo de um contexto
histórico. É pela linguagem que o indivíduo expressa o pensamento, porém
será a linguagem expressão fiel daquilo que se apreendeu pelo pensamento
sendo que existem diversas línguas? E, ao se tratar da língua escrita, são os
signos suficientes para demonstrar aquilo que algo é? Questionando também
a maneira adequada para se argumentar e construir conceitos, com base na
linguagem, a contribuição de Aristóteles para a filosofia é imensa.
Quando nos enfocamos na lógica, é possível observar que, embora muito
já tenha sido desenvolvido desde Aristóteles, sua contribuição é fundamental
e basilar. A compreensão da lógica clássica é fundamental para que avancemos
no campo científico, e as páginas dedicadas ao filósofo na primeira unidade
não são suficientes para o estudo da teoria do silogismo, portanto, aqui, na
segunda unidade, vamos nos aprofundar nas obras lógicas de Aristóteles.
UNICESUMAR
53
Como vimos anteriormente, é em Aristóteles que encontramos o primeiro es-
tudo formal de lógica que possuímos cujo objetivo era estudar as propriedades
de sistemas inferenciais e a axiomatização do silogismo. É importante relembrar,
caro(a) aluno(a), que não era o objetivo do filósofo estagirita o fornecimento de
um guia de argumentação convincente, isso era objeto de trabalho dos sofistas.
Os escritos sobre a lógica de Aristóteles foram agrupados sob o título Organon,
que contém os sete seguintes tratados:
1. Introdução: A Introductio in Praedicamenta (que posteriormente ficou
conhecida como Isagoge, após a tradução de Boécio) trata-se de um comen-
tário das Categorias de Aristóteles feita pelo filósofo Porfírio (232–304 d.C.).
Baseado nas dez categorias de Aristóteles (substância, quantidade, qualidade,
relação, lugar, tempo, posição, posse, ação e paixão) e acrescentando cinco
critérios (definição, gênero, diferença, propriedade e acidente), Porfírio ela-
borou um diagrama para analisar como as qualidades atribuídas às coisas
podem ser classificadas, que ficou conhecido posteriormente como a Árvore
de Porfírio. Junto ao Quadrado das Oposições, a Árvore de Porfírio serviu,
por séculos, como esquema de aplicação do raciocínio lógico:
NOVAS DESCOBERTAS
Caro(a) aluno(a), você se recorda que vimos na unidade anterior que
existe a lógica ocidental e oriental? Retomando a questão de que
estudamos, predominantemente, filósofos europeus, sugiro, não
apenas para apresentar a você uma obra cinematográfica produzida
em um contexto social e cultural totalmente diferente do nosso, mas
também para incentivá-lo a refletir sobre o papel do educador, uma vez que
estamos em curso de licenciatura, que assista ao filme indiano Como estre-
las na terra (2007), dirigido por Aamir Khan, que está disponível tanto em
plataformas de vídeos via streaming quanto no YouTube.
54
UNIDADE 2
SUBSTÂNCIA
Corpórea Incorpórea
CORPO
Animado Inanimado
VIVENTE
Sensível Insensível
ANIMAL
Racional Irracional
HOMEM
Sócrates Platão Aristóteles Etc
Descrição da Imagem: : a imagem apresenta um diagrama de definição por dicotomias sucessivas, que vai
do gênero mais geral ao mais específico, que começa na parte da direita acima e desce na diagonal esquerda.
A substância subdivide-se, podendo ser corpórea ou incorpórea. Se corpórea, o corpo pode ser animado ou
inanimado. O corpo animado vivente é sensível ou insensível. O corpo animado sensível (animal)é racional ou
irracional e, finalmente, o animal racional constitui o gênero humano.
Figura 2 - Árvore de Porfírio / Fonte: adaptada de Japiassú e Marcondes (2008).
2. Categorias: No tratado das Categorias encontram-se enunciadas as dez
formas pelas quais um atributo pode ser predicado de um objeto, citadas
acima na Introdução de Porfírio. Vamos retomá-las de acordo com as pa-
lavras de Aristóteles e seus exemplos:
“ As palavras sem combinação umas com as outras significam por si mesmas uma das seguintes coisas: o que (a substância), o quanto (quantidade), o como (qualidade), com que se relaciona (relação),
onde está (lugar), quando (tempo), como está (estado), em que
circunstância (hábito), atividade (ação) e passividade (paixão). Di-
UNICESUMAR
55
zendo de modo elementar, são exemplos de substância, homem,
cavalo; de quantidade, de dois côvados de largura, ou de três côva-
dos de largura; de qualidade, branco, gramatical; de relação, dobro,
metade, maior; de lugar, no Liceu, no Mercado; de tempo, ontem,
o ano passado; de estado, deitado, sentado; de hábito, calçado, ar-
mado; de ação, corta, queima; de paixão, é cortado, é queimado
(Categorias, 2a 1-18) (ARISTÓTELES, 1985, p.47).
As categorias podem ser analisadas por três perspectivas: ontológica, linguística
e lógica. Ontologicamente, as categorias são as divisões originárias do ser. No
aspecto semântico logístico, as categorias podem ser consideradas modalidades
pelas quais se estrutura uma língua. E, finalmente, para a lógica, as categorias
são as noções pelas quais os termos devem ser referidos.
O filósofo alemão Franz Bretano (1838-1917), expoente da fenomenologia,
elaborou um esquema para a compreensão das categorias de Aristóteles de uma
perspectiva ontológica. Vamos conhecer como ele organizou os dez predicados
do sujeito (ou gêneros do ser)?
Qualidade Quantidade Ação Paixão Estado Hábito Lugar Tempo
Movimento Intermediação
Inerente Direcionamento Contenção
Propriedade Relação
AcidenteSubstância
ser
Descrição da Imagem: : a imagem apresenta um diagrama de definição das categorias aristotélicas por
dicotomias sucessivas. As categorias derivam, inicialmente, do ser, partindo para a substância. Seu acidente
subdivide-se em relação e propriedade. A propriedade divide-se em: inerente, direcionamento e contenção.
O inerente refere-se à qualidade e à quantidade. O direcionamento divide-se entre movimento (ação e pai-
xão) e intermediação (estado e hábito). Finalmente, a contenção refere-se às categorias de lugar e tempo.
Figura 3 - Diagrama das dez categorias de Aristóteles, por FranZ Brentano
Fonte: adaptada de Sowa (2020).
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UNIDADE 2
Como nosso enfoque é a lógica, podemos compreender, caro(a) aluno(a), as cate-
gorias enquanto termos das proposições que dizemos sobre as coisas. Ou seja, as
categorias indicam o que algo é, não sendo necessariamente uma verdade ou co-
nhecimento, uma vez que deriva de premissas das quais tiramos uma conclusão:
“ Nenhum destes nomes em si mesmo e por si mesmo é afirmativo ou assertivo. As afirmações e as negações só se produzem quando eles são combinados entre si. Toda a asserção, afirmativa ou negativa, deve
ser verdadeira ou falsa, enquanto as palavras não combinadas, por
exemplo, homem, branco, corre, vence, não podem ser, nem verdadei-
ras, nem falsas (Categorias, 2a 19-27) (ARISTÓTELES, 1985, p. 47).
Vamos alinhar essas informações ao que aprendemos na primeira unidade: uma
proposição é formada pelas dez categorias, que são os elementos que definem
um objeto. Essas categorias refletem o que nossa percepção é capaz de captar de
maneira imediata. Lembre-se do Quadrado das Oposições: ao analisar uma
proposição, a categoria da substância é o sujeito (S), já as demais categorias são
os predicados (P) atribuídos ao sujeito.
3. Da Interpretação: Conhecido também como Peri Hermeneias, esse tra-
tado aborda a relação entre o que é apreendido pelo pensamento e, con-
sequentemente, expresso pela fala e as palavras escritas, as quais devem
ser a representação dos pensamentos por intermédio de signos diversos,
que variam conforme a língua:
“ As palavras faladas são símbolos das afecções de alma, e as palavras escritas são símbolos das palavras faladas. E como a escrita não é igual em toda a parte, também as palavras faladas não são as mes-
mas em toda a parte, ainda que as afecções da alma de que as pala-
vras são signos primeiros, sejam idênticas, tal como são idênticas as
coisas de que as afecções referidas são imagens (Da Interpretação,
16a 3-11) (ARISTÓTELES, 1985, p.121).
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Aristóteles apresenta, na obra, a problemática da elaboração de juízos so-
bre como expressá-los, por intermédio da linguagem, bem como apresenta a
teoria da oposição das proposições, a significação natural e convencional e
sobre os futuros contingentes (proposições nem necessariamente verdadeiras,
nem necessariamente falsas). Da Interpretação, também, apresenta as primei-
ras discussões sobre a lógica modal.
4. Analíticos Anteriores (ou Primeiros Analíticos): Nesse tratado, Aris-
tóteles expõe a teoria dos silogismos, abordados pela sua validade
formal. Você lembra o que é silogismo, caro(a) aluno(a)? Vamos re-
tomá-los rapidamente: o silogismo é um argumento que possui pelo
menos três proposições: duas premissas e uma conclusão. As pro-
posições possuem um sujeito (S) e um predicado (P) que se relacio-
nam de maneira contrária, subcontrária, subalterna ou contraditória.
Exemplo de silogismo:
Todo político é corrupto.
Carlos é político.
Logo, Carlos é corrupto.
Nesse exemplo, a primeira premissa do silogismo é a proposição “todo polí-
tico é corrupto”. Também, podemos chamá-la de premissa maior. A segunda
premissa, ou também conhecida como premissa menor, é a proposição “Carlos
é corrupto”. A conclusão é a proposição “logo, Carlos é corrupto”. O sujeito
desse silogismo é o “Carlos” e o predicado, o que se afirma sobre o sujeito, é
“corrupto”. Esse silogismo também é do tipo A (afirmativa universal) = todo
S é P, ou seja, todo sujeito é predicado. Vamos retomar o Quadrado das
Oposições com as informações básicas do diagrama:
58
UNIDADE 2
Os silogismos serão formados com proposições que seguem as regras do Qua-
drado das Oposições. As proposições universais (A e E) recebem esse nome,
pois, como a própria nomenclatura indica, referem-se a toda a gama de seres.
Ou algo é predicado de todos os seres, ou de nenhum ser. As proposições
particulares (I e O) referem-se, sempre, a apenas uma fração de indivíduos,
por isso, utilizam-se os termos: algum, alguns. Ainda, existe, no Quadrado
das Oposições, a informação se as proposições são afirmativas ou negativas.
Observe que as afirmativas confirmam o predicado do sujeito, enquanto as
negativas, contestam o predicado do sujeito. É bem fácil, aluno(a), fique atento
às palavras, seus indicativos e etimologia. Podemos concluir que, ao designar
uma proposição do tipo A, significa que ela é uma afirmativa universal; se for
tipo E, é negativa universal; se tipo I, particular afirmativa e, finalmente, se for
O, será particular negativa.
A
todo S é P
E
nenhum S é P universal
I
algum S é P
O
algum S é não P
particular
a�rmativas negativas
Figura 4 - Quadrado das oposições simplificado / Fonte: a autora.
Descrição da Imagem: : diagrama que, no lado superior esquerdo, está posicionada a proposição universal
afirmativa A (todo S é P), no lado superior direito a universal negativa E (nenhum S é P). Na parte inferior esquer-
da, a particular afirmativa I (algum S é P) e, na parte inferior direita, a particular negativa O (algum S é não P).
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59
O silogismo é uma locução em que, uma vez que certas suposições sejam feitas, alguma
coisa distinta delas se segue necessariamente devido à mera presença das suposições
como tais. Por “devido à mera presença das suposições como tais” entendo que é por
causa delas que resulta a conclusão, e por isso quero dizer que não há necessidade dequalquer termo adicional para tomar a conclusão necessária.
(Aristóteles)
PENSANDO JUNTOS
Anteriormente, vimos que a proposição “todo político é corrupto” é uma afir-
mativa universal, pois indica que todo S é P. Vamos transformar essa asserção em
sentenças das demais tipologias do Quadrado? Observe:
A: Todo político é corrupto (afirmativa universal).
E: Nenhum político é corrupto (negativa universal).
I: Algum político é corrupto (particular afirmativa).
O: Algum político não é corrupto (particular negativa).
5. Analíticos Posteriores (ou Segundos Analíticos): Trata, especialmente, da
demonstração do silogismo fundado em premissas, enquanto instru-
mentalização para as ciências, bem como traz uma definição do que é
conhecimento científico.
6. Tópicos: Com oito livros, os Tópicos referem-se aos lugares nos quais os
argumentos são concebidos e tratam sobre a argumentação dialética, ou
seja, “ao silogismo fundado em premissas apenas prováveis como as que
fornecem os lugares comuns” (BLANCHÉ; DUBUCS, 1996, p. 28).
7. Das Refutações Sofísticas: Considerado último livro do Organon, as Refu-
tações Sofísticas são um apêndice aos Tópicos, no qual Aristóteles identi-
fica ao menos treze falácias e sofismas empregados em debates. As refu-
tações sofísticas são argumentos que parecem ser contestações, todavia
não são válidos.
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UNIDADE 2
A polêmica sobre a lógica já se instaura pela própria nomenclatura Organon,
que do grego indica instrumento ou ferramenta. Logo, questionou-se se a lógica
seria uma parte da filosofia, como afirmavam os estoicos, ou seria apenas um
instrumento da filosofia. Polêmicas à parte, é válido ressaltar que a organização
dos textos gregos, que chegaram até nós, foi posterior aos seus autores. Blanché e
Dubucs (1996) explicam que foi Andronico de Rodes, o décimo primeiro suces-
sor de Aristóteles no Liceu, que editou, no século I a.C., as obras de seu mestre,
agrupando-as de acordo com as temáticas.
A organização dos textos do Organon, bem como o título da obra, não foi
idealizada por Aristóteles, portanto, não há certeza da periodização da escrita
dessas obras, nem mesmo se faltam textos para completá-las, os quais não
chegaram até nós. Nem ao menos existem indicações que os tratados de Orga-
non pertençam de fato a um grupo, embora haja referências entre os Tópicos e
os Analíticos. Aristóteles, também, não indicou a terminologia lógica em suas
obras, esse termo foi utilizado posteriormente. Blanché e Dubucs (1996, p. 27)
indicam que a escolha do título Organon para nomear as obras justifica-se “pelo
fato de que Aristóteles via na lógica, mais do que uma parte da filosofia, uma
disciplina intelectual preparatória”. Agora que você já está familiarizado com o
Organon, prezado(a) aluno(a), exploraremos mais a fundo alguns conceitos da
lógica aristotélica.
Comecemos pela proposição, esta trata de uma frase que é a expressão de
um pensamento, ou seja, é a expressão dos juízos que temos sobre determinados
entes, que podem ser verdadeiros ou falsos (partindo do princípio do terceiro
excluído). A proposição é, nesse sentido, quando afirmamos algo (predicado)
sobre alguém (sujeito). As proposições elementares da lógica foram expressas
no mundo medieval com o esquema S para indicar o sujeito, e P para indicar o
predicado, por isso, conforme você já pôde observar no Quadrado das Oposições,
as definições: todo S é P, nenhum S é P, algum S é P e algum S é não P.
A expressão daquilo que é de algum ser também não se limita à formação de
frases com palavras, mas incorpora os conceitos matemáticos, por exemplo, a pro-
posição 33 = 27, ou ainda a própria fórmula do teorema de Pitágoras, a2 = b2 + c2, no
qual o quadrado da medida da hipotenusa é igual à soma das medidas ao quadrado
dos catetos. Esses dois exemplos demonstram, em linguagem matemática, que todo
S é P. Alencar Filho (2002) define e exemplifica a proposição da seguinte maneira:
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61
“ Chama-se proposição todo o conjunto de palavras ou símbolos que exprimem um pensamento de sentido completo. As proposições transmitem pensamentos, isto é, afirmam fatos ou exprimem juí-
zos que formamos a respeito dos entes. Assim, por exemplo, são
proposições: a) A Lua é um satélite da Terra; b) Recife é a capital de
Pernambuco; c) n > √ 5 (ALENCAR FILHO, 2002, p.11).
É válido ressaltar, caro(a) aluno(a), que toda proposição é uma frase, todavia nem
toda frase é proposição, podendo ser apenas uma sentença. Aristóteles explica:
“ [...] embora toda sentença tenha significado, ainda que não como um instrumento da natureza, mas como observamos, por conven-ção, nem todas as sentenças podem ser classificadas como proposi-
ções. Chamamos de proposições somente as que encerram verdade
ou falsidade em si mesmas. Uma prece, por exemplo, é uma senten-
ça, porém não encerra nem verdade nem falsidade (Periérmeneias,
IV, 17a 1-4) (ARISTÓTELES, 1985, p. 157).
Nessas perspectivas, para ser considerado proposição na lógica aristotélica, é
necessário ter em mente que a verdade e a falsidade são propriedades da propo-
sição. Vamos aos exemplos:
O homem é mortal — é uma proposição, pois indica que seja verdadeira
ou falsa a mortalidade do sujeito.
Vá estudar! — é uma sentença imperativa, uma ordem, portanto, não se
pretende que seja verdadeira ou falsa;
Vamos ao cinema? — é uma sentença interrogativa, um questionamento,
não pretendendo ser verdadeira ou falsa.
Ele não é honesto — é uma proposição, pois pretende que seja ou ver-
dadeira ou falsa.
62
UNIDADE 2
Vamos transformar as duas proposições anteriores no esquema S (sujeito) e P (predi-
cado): “o homem é mortal” é definido como todo S é P e “ele não é honesto” é algum S é
não P. Essa forma geral das proposições pode ser predicada, de acordo com Aristóteles,
nas dez categorias citadas na Introdução e nas Categorias: substância, quantidade,
qualidade, relação, lugar, tempo, posição, posse, ação e paixão. Vamos aos exemplos: “o
homem corre releva da ação, ao passo que o homem é queimado, releva da paixão,
o homem está no liceu do lugar, o homem é gramático da qualidade, o homem
está deitado da posição etc.” (BLANCHÉ; DUBUCS, 1996, p. 32).
A lógica aristotélica é bivalente, baseando-se no axioma fundamental da filosofia de
que nada pode ser e não ser ao mesmo tempo. Nessa questão, entramos no mérito da
verdade e da falsidade das proposições. As proposições devem seguir três princípios:
■ Princípio da identidade: princípio basilar da lógica clássica que compreende
que tudo é idêntico a si mesmo. Exemplo: uma flor é flor. Este princípio pode
ser definido por letras: A = A; B = B.
■ Princípio da não contradição: uma proposição não pode ser verdadeira e
falsa simultaneamente, ou seja, conforme sua própria nomenclatura nos de-
monstra, não é admitido contradição no argumento. Dessa maneira, uma flor
não pode ser não-flor, ou então A não pode ser não A.
■ Princípio do terceiro excluído: a proposição ou é necessariamente verda-
deira ou é necessariamente falsa, não havendo um meio termo. Basicamente,
ou algo é ou não é, não existe um terceiro caminho para defini-lo, portanto,
essa terceira via é excluída, como diz o nome deste princípio. Exemplo: aquilo
é uma flor ou não é uma flor, ou ainda A é B ou A não é B.
Com base nesses princípios, prezado(a) aluno(a), os valores lógicos das proposições
indicam para a sua verdade ou falsidade, designados pelas V e F. Lembre-se que, de
acordo com os princípios da lógica aristotélica, as proposições não podem ser verdadei-
ras e falsas ao mesmo tempo. Vamos aos exemplos: “a) O mercúrio é mais pesado que a
água; b) O Sol gira em torno da Terra. O valor lógico da proposição A é verdade (V)
e o valor lógico da proposição B é a falsidade (F)” (ALENCAR FILHO, 2002, p. 12).
As proposições, ainda, podem ser classificadas como simples (atômicas) ou
compostas (moleculares). As proposições simples são aquelas que se encerram
em si mesmas, ou seja, não possuem outras para integrá-las e,geralmente, são de-
signadas por letras minúsculas, como a, b, c, entre outras. Exemplos: p = Sócrates
é homem, q = Platão é alto.
UNICESUMAR
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Já as proposições compostas são formadas pela combinação de mais de uma pro-
posição e são representadas por letras maiúsculas. Exemplos: P = Sócrates é homem, e
Platão é alto; Q = Sócrates é homem ou Platão é alto. Nesse sentido, quando se deseja
explicar que a proposição composta é formada pelas proposições simples, pode ser
representada, tomando como base o exemplo já utilizado, P (p, q), ou ainda Q (p, q).
A lógica de Aristóteles baseia-se na dedução que é “uma locução em que, da-
das certas proposições, algo distinto delas resulta necessariamente, pela simples
presença das proposições dadas” (Analíticos Anteriores, 24b 18-20) (ARISTÓ-
TELES, 1986, p. 11). As “certas suposições” são as premissas e “algo distinto delas
resulta” é a conclusão, ou seja, a partir de duas premissas, uma conclusão se deriva.
Dessa estrutura, é possível definir se um argumento é válido ou não. Tenha em
mente, caro(a) aluno(a), a estrutura do silogismo que vimos na primeira unidade:
PREMISSAS = Proposição 1
Proposição 2
CONCLUSÃO = Proposição 3
O silogismo é um argumento constituído por um conjunto de proposições que
pretende demonstrar uma tese. As proposições dos silogismos são nomeadas de
acordo com sua função no argumento, as primeiras são denominadas premis-
sas, e a que delas se deriva é a conclusão. Vamos, novamente, a um exemplo de
silogismo:
Nenhum herói é covarde
Alguns soldados são covardes
Logo, alguns soldados não são heróis.
Para estudar o silogismo dado, caro(a) aluno(a), vamos retomar os tipos de sen-
tenças declarativas (que podem ser verdadeiras ou falsas) da lógica aristotélica:
Sentença do tipo A: todo S é P.
64
UNIDADE 2
Agora, que você localizou as proposições do silogismo dado no Quadrado das
Oposições, vamos transformá-lo nas sentenças categóricas? Ficará assim:
Sentença do tipo E: nenhum S é P.
Sentença do tipo I: algum S é P.
Sentença do tipo O: algum S não é P.
Nessas perspectivas, podemos observar que no silogismo categórico exempli-
ficado, a premissa nenhum herói é covarde é do tipo E. A premissa alguns
soldados são covardes é do tipo I, e a conclusão logo, alguns soldados não
são heróis é uma sentença do tipo O. Vamos localizar essas sentenças no Qua-
drado das Oposições para que você possa visualizar de maneira prática? Elas
estão grifadas para sua maior compreensão:
A
todo S é P
Universal a�rmativa
Contrarias
E= Nenhum herói é covarde
Nenhum S é P
Universal negativa
subalternas
O=Logo, alguns soldados
não são heróis
algum S é não P
Particular negativa
Subcontrárias
I
Alguns soldados
são covardes =
algum S é P
Particular a�rmativa
Subalternas
Contraditórias
Contraditórias
Descrição da Imagem: : diagrama que no lado superior esquerdo está posicionada a proposição universal
afirmativa (A), no lado superior direito a universal negativa (E), em que se lê “nenhum herói é covarde”, no lado
inferior esquerdo a particular afirmativa (I), em que se lê “alguns soldados são covardes” e, no lado inferior
direito, a particular negativa (O) “logo, alguns soldados não são heróis”. Tais inferências imediatas entre as pro-
posições são: contraditórios (entre A e O, E e I); contrários (A e E); subcontrárias (I e O) e subalternas (A e I, E e O).
Figura 5 - Quadrado das oposições / Fonte: a autora.
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SILOGISMO SENTENÇA CATEGÓRICA
Premissa 1: Nenhum herói é covarde. Nenhum S é P.
Premissa 2: Alguns soldados são covardes. Algum S é P.
Conclusão: Logo, alguns soldados não são heróis. Algum S é não P.
Quadro 1 - Silogismo e sentenças categóricas / Fonte: a autora.
O esquema estabelecido pelo Quadrado das Oposições nos possibilita visualizar
as relações que as sentenças categóricas estabelecem entre si, tornando mais fácil
seu entendimento. Todavia é válido destacar que ele não foi elaborado por Aristó-
teles, pois sua criação remete ao século I d.C., mas ele é uma forma de diagrama
que aplica a teoria da lógica aristotélica, a qual utilizamos até os dias de hoje.
Prezado(a) aluno(a), o objetivo da unidade é adentrar
ao mundo da lógica silogística em si. Observamos que,
aparentemente, a organização desse tipo de raciocínio é
simples, porém ela possui diversas regras. Você está lendo
sobre o Quadrado das Oposições e suas sentenças dos
tipos A, E, I e O, que tal conversarmos um pouco sobre a
estrutura desse tipo de argumentação?
Utilizando, ainda, o silogismo “nenhum herói é covarde, alguns soldados são
covardes; logo, alguns soldados não são heróis”, vamos observar quais inferên-
cias essas sentenças estabelecem entre si? Leia as relações a seguir e retorne ao
Quadrado das Oposições para localizá-las:
■ A premissa “nenhum herói é covarde” (tipo E) estabelece uma relação
contraditória a sentença “alguns soldados são covardes” (tipo I), veja que
elas estão em cantos opostos ao Quadrado das Oposições. Nesse tipo de
relação, é impossível que ambas as sentenças sejam falsas ou ambas sejam
verdadeiras. Se é verdadeiro que nenhum herói é covarde e se é verdadeiro
que alguns soldados são covardes, logo alguns soldados necessariamente
não são heróis, pois lembre-se do princípio de identidade: algo é aquilo
que é. Não é possível que soldados covardes sejam heróis, pois não o são,
são covardes. E com relação ao princípio da não contradição, no qual
uma proposição não pode ser verdadeira e falsa simultaneamente, ou seja,
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66
UNIDADE 2
um herói não pode ser herói e covarde ao mesmo tempo. E seguindo o
princípio do terceiro excluído não há um meio termo, ou algo é ou não
é. Não existindo meio herói ou meio covarde.
■ Já a premissa “nenhum herói é covarde” (tipo E) estabelece uma relação
subalterna a conclusão “logo, alguns soldados não são heróis” (tipo O),
e esta, por sua vez, encontra-se logo abaixo da do tipo E no Quadrado
das oposições, sendo uma dependente da outra. Em outras palavras, se a
sentença tipo E é verdadeira, a sentença tipo O também será. Se E falsa, O
também o será. Veja bem, se é verdade que nenhum herói é covarde, nada
impede o raciocínio de que alguns soldados não são heróis, e vice-versa.
Dessa maneira, podemos observar que, para Aristóteles, as sentenças categóricas
devem afirmar ou negar a atribuição de um único predicado (P) a um único su-
jeito (S). Vamos aprofundar um pouco mais as relações semânticas estabelecidas
entre as quatro formas lógicas das sentenças declarativas categóricas (universal
afirmativa = A, universal negativa = E, particular afirmativa = I e particular ne-
gativa = O) que aparecem no Quadrado das Oposições:
a) As sentenças do tipo A e O, bem como E e I são contraditórias, pois é
impossível que ambas possuam o mesmo valor de verdade (V) ou de
falsidade (F).
b) As sentenças do tipo A e E são contrárias, não podendo ser ambas verda-
deiras, mas é possível que as duas sejam falsas. Exemplo: se é verdade (V)
que “nenhum herói é covarde” (sentença tipo E), não é possível que “todo
herói é covarde” (sentença tipo A) também seja verdade (V), pois uma
implica no significado contrário da outra. Agora, se a asserção “nenhum
herói é covarde” for falsa (F), é possível que “todo herói é covarde” seja
falsa (F) também.
c) As sentenças do tipo I e O são subcontrárias, e não é possível que ambas
sejam falsas, mas podem ser ambas verdadeiras. Ou seja, se é verdadeiro
(V) que “alguns soldados são covardes” (sentença tipo I), é possível que
seja a sentença “alguns soldados não são covardes” (sentença tipo O) tam-
bém seja verdade (V), pois uma não exclui a outra. Agora, se é falso (F) que
“alguns soldados são covardes”, implica que a sentença “alguns soldados
não são covardes” não pode ser falsa também, pois já se subentende com
a primeira asserção que os soldados são covardes.
UNICESUMAR
67
d) Já a relação estabelecida entre as sentenças do tipo A eI, E e O são consi-
deradas subalternas, pois uma depende da outra. Quando A é verdadeira
(V), implica na verdade de I; quando I é falso (I), implica na falsidade de
A. O mesmo ocorre entre sentenças do tipo E e O. Vejamos: se é verda-
deiro (V) que “todo soldado é herói” (sentença tipo A), por exemplo, logo
também é verdadeiro (V) que “algum soldado é herói” (sentença tipo I).
Todavia, se é falso (F) que “algum soldado é herói” (sentença tipo I), logo
a asserção “todo soldado é herói” (sentença tipo A) também será falsa (F).
As inferências imediatas das relações entre proposições na lógica aristotélica e
seus valores lógicos se dão da seguinte maneira (aluno(a) retorne, sempre que
necessário, ao Quadrado das Oposições, observando as flechas para identificar
as inferências realizadas pelas sentenças categóricas):
“ Aristóteles afirma que A e O são contraditórias, que E e I são contraditórias, e que A e E são contrárias. A partir destas afirmações, podemos inferir outras relações entre as sentenças. Para ver que
I e O são subcontrárias, suponha que I é falsa. Logo, E é verda-
deira. A contrária de E, A, é falsa. E sua contraditória, O, é verda-
deira. Assim, I e O não podem ambas ser falsas. Por outro lado, é
possível que tanto I quanto O sejam verdadeiras. Portanto, I e O são
subcontrárias. Por fim, se A é verdadeira, então I também o é. E, se
I é falsa, isso significa que A também é falsa. Logo, uma sentença A
é superalterna de sua sentença I correspondente, e essa sentença I
é subalterna à sentença A correspondente. Um raciocínio análogo
mostra que a relação de subalternação também se aplica a sentenças
do Tipo E e O (DIAS, 2020, p. 97).
Na lógica, também, é utilizado um esquema para conferir o valor lógico das sen-
tenças categóricas, no qual utilizamos a letra V para verdadeira, F para falsa e a
interrogação (?) para indicar se uma asserção pode ser tanto verdadeira quanto
falsa. Vamos primeiro relembrar que as sentenças categóricas dos tipos A e E são
consideradas universais, sendo A para AFIRMATIVA UNIVERSAL e E para
NEGATIVA UNIVERSAL. Observe:
68
UNIDADE 2
Quadro 2 - Esquema dos valores lógicos das sentenças categóricas universais / Fonte: a autora.
O mesmo esquema de aplicação dos valores lógicos das relações imediatas es-
tabelecidas entre as inferências (contrárias, subcontrárias, contraditórias e su-
balternas) pode ser utilizado para as sentenças categóricas particulares, sendo
I (algum S é P) particular afirmativa e O (algum S é não P) particular negativa.
Vejamos a seguir:
UNIVERSAIS (A = Afirmativa Universal; E = Negativa Universal)
ESQUEMA VALOR LÓGICO EXEMPLOS
A {V} = E {F},
I {V}, O {F}
Se a sentença A (todo S
é P) é V (verdadeiro), as
demais inferências do
Quadrado das Oposi-
ções são: E (nenhum S
é P) é F (falso); I (algum
S é P) é V (verdadeiro);
O é F (falso).
Se é verdadeira a asserção “toda
fruta é saborosa”, será falso que
“nenhuma fruta é saborosa”,
verdadeiro que “alguma fruta é sa-
borosa” e falso que “alguma fruta
não é saborosa”.
A {F} = E {?},
I {?}, O {V}
Se A (todo S é P) é F,
logo: E pode ser V ou F;
I pode ser V ou F; O é V.
Se for falso que “toda fruta é sa-
borosa”, as afirmações “nenhuma
fruta é saborosa” e “alguma fruta
é saborosa” podem ser tanto ver-
dadeiras quanto falsas, e “alguma
fruta não é saborosa” é verdadeira
E {V} = A {F},
I {F}, O {V}
Se E (nenhum S é P) é
V: A é F; I é F; O é V.
Se “nenhum homem é belo” for V,
logo “todos homens são belos” é F,
assim como é F a sentença “alguns
homens são belos”. Já a sentença
“algum homem não é belo” é V.
E {F} = A {?},
I {V}, O {?}
Se E (nenhum S é P) é
F: A pode ser V ou F; I é
V; O pode ser V ou F.
Se “nenhum homem é belo” for F,
a proposição “todos homens são
belos” pode ser F ou V, “alguns
homens são belos” é V e “algum
homem não é belo” é F.
UNICESUMAR
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PARTICULARES (I = Particular Afirmativa; O = Particular Negativa)
ESQUEMA VALOR LÓGICO EXEMPLOS
I {V} = E {F}, A
{?}, O {?}
Se I (algum S é P) é V
(verdadeiro): E (ne-
nhum S é P) é F (falso);
A (todo S é P) pode
ser V (verdadeiro) ou
F (falso); O (algum S é
não P) também pode
ser V (verdadeiro) ou F
(falso).
Se a asserção “alguns objetos
pesam mais que 100 kg” é ver-
dadeira, será falso que “nenhum
objeto pesa mais que 100 kg”. Já
as proposições “todos objetos
pesam mais que 100 kg” e “algum
objeto não pesa mais que 100 kg”
podem ser verdadeiras ou falsas.
I {F} = E {V}, A
{F}, O {V}
Se I (algum S é P) é F,
logo: E é V; A é F, O é V.
Se a proposição “alguns objetos
pesam mais que 100 kg” é falsa,
“nenhum objeto pesa mais que
100 kg” será V, “todos objetos
pesam mais que 100 kg” será F e
“algum objeto não pesa mais que
100 kg” é V.
O {V} = A {F}, I
{?}, E {?}
Se O (algum S é não P)
é V: A é F; I pode ser V
ou F; E pode ser V ou F.
Se “algum objeto não pesa mais
que 100 kg” é V, logo “todos obje-
tos pesam mais que 100 kg” será
F, “alguns objetos pesam mais
que 100 kg” e “nenhum objeto
pesa mais que 100 kg” podem
ser tanto F quanto V.
O {F} = A {V},
I {V}, E {F}
Se O (algum S é não P)
é F: A é V; I é V; E é F.
Se “algum objeto não pesa
mais que 100 kg” é F, “todos
objetos pesam mais que 100
kg” e “alguns objetos pesam
mais que 100 kg” serão V e
“nenhum objeto pesa mais
que 100 kg” será F.
Quadro 3 - Esquema dos valores lógicos das sentenças categóricas particulares / Fonte: a autora.
70
UNIDADE 2
Tais formulações para verificar os valores lógicos das sentenças categóricas fo-
ram elaboradas para analisar os argumentos, mediante a sua validade. No con-
texto histórico de desenvolvimento de tal raciocínio, a comunidade filosófica
debruçava-se na análise da linguagem, enquanto representação dos entes, na
reflexão das definições dos conceitos dos seres. Também buscava, na ânsia por
respostas, pela definição dos conhecimentos científicos. Mas, para a procura de
tais respostas, eram necessários debates, discussões e reflexões. E a busca pelo
conhecimento dependia da verificação correta de uma argumentação, portanto,
almejavam-se não permitir que uma falácia se insinuasse como verdade.
Tais esquemas e princípios apresentados a você, caro(a) aluno(a), podem soar
demasiado óbvios, pois já assimilamos a linguagem enquanto representação do
pensamento. Essa representação, todavia, que agora nos parece natural, só foi
assimilada porque pensadores do passado se propuseram a estudá-las e decifrá-
-las. Não é incrível pensar que algo que já internalizamos e fazemos em nosso
cotidiano, como argumentar com nossos colegas, passou por um processo de
digressão filosófica tão extenso? Ou, ainda, pensar em como aqueles homens, na
Grécia Antiga, questionavam coisas e chegavam a conclusões que, hoje em dia,
mesmo com o avanço da internet, pensamos tanto para ao menos nos aproximar?
Essas são demonstrações de como o intelecto humano e, consequentemente, o
conhecimento científico, ainda, proporciona muito a pesquisar e compreender.
Como você deve ter observado, a lógica incorpora diversas letras e símbolos
que são aplicados, enquanto fórmulas, para o estudo do argumento, o que pode
deixar a disciplina, à primeira vista, com a impressão de que ela é um pouco difícil
de assimilar. É, porém, com a prática que apreendemos esse conteúdo e essa, por
sua vez, virá com nossa experiência profissional no exercício da filosofia. Agora,
apresentaremos a você três elementos que podemos utilizar na estrutura dos
silogismos: a introdução de conclusão, os quantificadores e os conectivos.
UNICESUMAR
71
Para a formulação de silogismos, faz-se necessário, para conectar a inferên-
cia às premissas, a utilização de palavras que são conhecidas como introdução
de conclusão ou conjunções coordenativas conclusivas, como: portanto, logo,
assim, conclui-se, por isso, por conseguinte. Exemplos: penso, logo existo; ele
jantou, por isso está saciado. Também, utilizamos na formação dos silogismos
os quantificadores, que não palavras queindicam a quantidade com relação ao
sujeito. Como exemplo de quantificadores, estão as palavras: todo, todos, nenhum,
algum, alguns, cada, pelo menos, nenhum, entre outros.
As proposições, também, são compostas pelos conectivos. Os conectivos
são palavras que unem ou formam as proposições, como: e, ou, não, se... então,
se e somente se. Observe sua utilização nos exemplos seguinte (caro(a) aluno(a),
repare que as letras maiúsculas na frente das proposições indicam que elas são
compostas e a minúscula que é simples):
“ P: O número 6 é par e o número 8 é cubo perfeitoQ: O triângulo ABC é retângulo ou isósceles
r: Não está chovendo
S: Se Jorge é engenheiro, então sabe Matemática
T: O triângulo ABC é equilátero se e somente se é equiângulo
(ALENCAR FILHO, 2002, p.13).
Os conectivos lógicos são utilizados para conectar as proposições a fim de que
elas sejam válidas, de maneira que a proposição formada necessite daquela que a
originou. Assim como as proposições não precisam ser, necessariamente, expres-
sas por palavras, mas também por símbolos, são os conectivos:
72
UNIDADE 2
OPERAÇÃO
LÓGICA
SÍMBOLO LÊ-SE
ESTRUTURA
LÓGICA
EXEMPLO
Negação ~ ou ¬ não
~p ou ¬p
(não p)
O dia não é frio.
Conjunção ^ e
p ^ q
(p e q)
O dia é quente, e a
noite é fria.
Disjunção
inclusiva
v ou
p v q
(p ou q)
O dia é quente ou a
noite é fria.
Disjunção
exclusiva
v ou... ou
p v q
(ou p ou q)
Ou o dia é quente,
ou a noite é fria.
Condicional →
se...
então
p → q
(se p então q)
Se o dia é quente,
então a noite é fria.
Bicondicio-
nal
↔
se e
somente
se
p ↔ q
p se e so-
mente se q
O dia é quente se e
somente se a noite
é fria.
Quadro 4 - Conectivos lógicos / Fonte: adaptado de Alencar Filho (2002).
É válido explicar que a lógica elaborada por Aristóteles não sugere sentenças
conjuntivas ou disjuntivas, essas foram elaboradas posteriormente pelos medie-
vais. Tal informação foi trazida com o intuito de mostrar os conectivos lógicos
na íntegra, para que você saiba que exista, todavia não é o enfoque de nossos
estudos no momento.
Como já vimos, o silogismo é um argumento formado por três sentenças cate-
góricas: as premissas e a conclusão. Acrescento, nesse momento, uma informação:
o silogismo também possui três termos diferentes, que aparecem duas vezes cada
um. Você deve estar pensando: “mas o que são esses três termos, professora?”. Eu
explico, caro(a) aluno(a). O termo maior é o predicado da conclusão; o termo
menor é o sujeito da conclusão; e o termo médio é aquele que aparece duas vezes
nas premissas. Os termos, também, são identificados por letras maiúsculas nos
esquemas lógicos da seguinte forma:
UNICESUMAR
73
S: termo menor (sujeito da conclusão).
P: termo maior (predicado da conclusão).
M: termo médio (presente nas duas premissas).
Munidos de tal informação, identificarmos os termos no mesmo silogismo que já
foi utilizado. Para facilitar a visualização, os termos serão identificados por cores:
Nenhum herói é covarde
Alguns soldados são covardes
Logo, alguns soldados não são heróis.
Nesse silogismo, o termo maior (P) é herói, o predicado da conclusão, identifica-
do em vermelho. O termo menor (S) é soldado, sujeito da conclusão, colorido de
roxo. E o termo médio (M) é a palavra covarde, que aparece nas duas premissas
e está em verde. Que tal, agora que identificamos os termos, transformar esse
silogismo em sentença categórica, de acordo com o que acabamos de aprender:
Nenhum herói é covarde = Nenhum P é M
Alguns soldados são covardes = Algum S é M
Logo, alguns soldados não são heróis = Algum S é P
74
UNIDADE 2
Para aprender, é necessário exercitar. Vamos tentar identificar os termos em
um outro exemplo de silogismo? O silogismo seguinte é do tipo A I I, sendo
que A (todo S é P), I (algum S é P) e I (algum S é P):
Todo ser humano é bondoso
Alguns seres humanos são mulheres
Logo, algumas mulheres são bondosas
Vamos lá, qual é o termo que indica o predicado da conclusão no silogismo
dado? Vamos analisar a asserção “logo, algumas mulheres são bondosas”: a
palavra logo é uma introdução de conclusão, algumas é o quantificador
da sentença, mulheres indica o sujeito da frase e, finalmente, o predicado
da conclusão é a palavra bondosas. Com essa digressão, já identificamos,
facilmente, o termo maior (predicado da conclusão) desse silogismo: bondo-
sas. Com o mesmo raciocínio, já identificamos o sujeito da conclusão, que é
a palavra mulheres, portanto, já temos conhecimento do termo menor desse
silogismo. Falta, ainda, identificar o termo médio. Leia novamente o silogis-
mo, caro(a) aluno(a), qual termo se repete duas vezes nas premissas? Se você
respondeu ser humano (e seu plural), a resposta está correta. Agora, transfor-
mando em sentença categórica de acordo com os termos, o silogismo ficará
da seguinte maneira:
Todo M é P
Algum M é S
Logo, algum S é P
UNICESUMAR
75
O silogismo é formado por duas premissas e uma
conclusão. Vimos isso diversas vezes, ao longo do
curso. A primeira premissa do silogismo deve
conter o termo maior e o termo médio, portan-
to, também é denominada PREMISSA MAIOR. A
segunda premissa deve, necessariamente, conter o
termo médio e o menor, sendo conhecida como
PREMISSA MENOR. No caso do silogismo ante-
rior, podemos dizer que a premissa maior é Todo M
é P e a premissa menor é Algum M é S.
Compare, caro(a) aluno(a), que nos dois silogis-
mos que utilizamos como exemplo, o termo médio
ocupou lugares diferentes nas sentenças categóricas.
Observe-os circulados:
Todo M é P
Algum M é S
Logo, algum S é P
Nenhum P é M
Algum S é M
Algum S é P
Para que um silogismo seja válido, é necessário que
se respeite um conjunto de regras e, entre elas, estão
os esquemas que denominamos de figuras do silo-
gismo. As figuras do silogismo nada mais são que
quatro formas estabelecidas de estrutura silogística,
que são organizadas conforme a distribuição do ter-
mo médio na sentença. O termo médio, que deve
constar nas duas premissas, pode ocupar as seguintes
posições no argumento: sujeito na premissa maior e
predicado na premissa menor, predicado nas duas
premissas, sujeito nas duas premissas, predicado na
premissa maior e sujeito na premissa menor. Veja o
quadro das figuras do silogismo:
76
UNIDADE 2
1ª FIGURA 2ª FIGURA 3ª FIGURA 4ª FIGURA
M – P
S – M
S – P
P – M
S – M
S – P
M – P
M – S
S – P
P – M
M – S
S – P
O termo médio
é sujeito na
premissa maior
e predicado na
premissa menor.
O termo médio
é predicado nas
duas premissas.
O termo médio
é sujeito nas
duas premissas.
O termo médio
é predicado na
premissa maior
e sujeito na pre-
missa menor.
Exemplo:
Todos homens
são mortais.
Alguns brasilei-
ros são homens.
Logo, alguns
brasileiros são
mortais.
Exemplo:
Nenhum herói é
covarde.
Alguns soldados
são covardes.
Logo, alguns
soldados não
são heróis.
Exemplo:
Todo ser huma-
no é bondoso.
Alguns seres
humanos são
mulheres.
Logo, algumas
mulheres são
bondosas.
Exemplo:
Rogério é ho-
mem.
Todo homem é
mortal.
Logo, algum
mortal é Rogé-
rio.
Quadro 5 - Figuras do silogismo / Fonte: a autora.
Com as quatro sentenças categóricas do Quadrado das Oposições: A (todo S é
P), E (nenhum S é P), I (algum S é P) e O (algum S é não P), é possível formar
64 tipos diferentes de combinações de silogismos (4 premissas menores X 4
premissas maiores X 4 conclusões). Todavia, apenas, 19 dessas combinações
são consideradas argumentos válidos.
Dessas quatro figuras do silogismo, a quarta não foi elaborada por Aristó-
teles, mas pelos filósofos medievais, que a adicionaram posteriormente. Com
o intuito de facilitar a memorização dos silogismos válidos, diversos esquemas
foram criados pelos medievais para a lógica. Entre esses recursos de memo-
rização, estão os nomes de tipos de silogismos. Certamente, você encontrará,
nos manuais de lógica, silogismos com os seguintes nomes: Barbara, Celarent,
Darii e Ferio. Aluno(a), você deve estar pensando “argumento com nomesde
gente?”. Sim, é muito fácil se nós observarmos as vogais desses nomes:
UNICESUMAR
77
BARBARA – CELARENT – DARII – FERIO
As vogais dos nomes são as mesmas que indicam as sentenças categóricas (A, E, I
e O) que formam esse silogismo. Dessa maneira, um silogismo Barbara é formado
por três universais afirmativas (A, A, A); o Celarent, constituído por premissa
maior, é universal negativa, premissa menor é universal afirmativa e a conclusão
universal negativa (E, A, E); em Darii, a premissa maior é universal afirmativa, a
premissa menor e a conclusão são particulares afirmativas (A, I, I) e, finalmente,
em um silogismo Ferio, a premissa maior é universal negativa, a premissa menor
é particular afirmativa e a conclusão é particular negativa (E, I, O).
Para ser considerado válido, além de contemplar a estrutura correta, um silogismo
deve seguir algumas regras que permitem sua verificação e possível correção. São elas:
1. Todo silogismo tem apenas 3 termos: maior, médio e menor (também
conhecido como falácia dos 4 termos).
2. O termo médio deve estar distribuído ao menos uma vez nas premissas
(falácia do termo médio não distribuído).
3. Todo termo distribuído na conclusão também deve estar distribuído nas
premissas (falácia do lícito maior).
4. Não é possível que as duas premissas sejam negativas (falácia das pre-
missas exclusivas).
5. Se uma premissa for negativa, então a conclusão será negativa (falácia de
extração de uma conclusão afirmativa de uma premissa negativa).
6. As duas premissas não podem ser particulares.
As deduções, ou silogismos, são apenas uma das duas espécies de argumentos in-
dicada nas obras lógicas de Aristóteles. A outra forma de argumento é a indução,
que, embora bem menos explorada que a dedução, é abordada, especialmente, nos
Segundos Analíticos. A indução é “um processo cognitivo que vai de particulares
para suas generalizações, que é a base do conhecimento dos primeiros princípios
indemonstráveis das ciências” (SMITH, 2020, p. 24), ou seja, uma abstração racio-
nal do que é inteligível e parte do particular para o universal. Quando a questão
é a argumentação, o raciocínio indutivo toma como ponto de partida verdades
singulares em busca de verdades universais.
78
UNIDADE 2
A lógica silogística está conectada à linguagem; portanto, para a introdução dos estudos
nessa área, é fundamental a assimilação de alguns conceitos básicos. Vamos resumir al-
guns que trabalhamos no decorrer da unidade:
• Dedução: chegar a uma conclusão mediante um raciocínio.
• Proposição: oração declarativa que realiza uma afirmação ou negação sobre algo.
• Silogismo: raciocínio formado por três proposições, das quais pelas duas primeiras
(premissa maior e premissa menor) é possível chegar a uma hipótese (conclusão).
EXPLORANDO IDEIAS
Apesar das especificidades dos esquemas filosóficos da lógica e sua carac-
terização organizada sob diversas formulações linguísticas e matemáticas,
Alexander Pfänder (1928, p. 30) afirma que historicamente a lógica “sem-
pre teve por objeto conceitos, juízos e raciocínios”; sendo, dessa maneira,
equivalentes em alguns aspectos. Assim, pode-se considerar que a lógica
possui como objeto de estudo o raciocínio da perspectiva de sua validade,
mediante a linguagem.
Por intermédio da lógica, é possível chegar à verdade de uma propo-
sição por sua vinculação com outras proposições, instrumentalizando o
desenvolvimento de pensamentos que eliminem as possibilidades de erros
e contradições, à medida em que buscam demonstrar a validade dos ar-
gumentos com raciocínios válidos. A lógica busca, dessa maneira, formas
universalmente válidas, passíveis de aplicação em qualquer conteúdo, seja
na semântica, seja na gramática, seja na matemática.
UNICESUMAR
79
Caro(a) aluno(a), em nosso cotidiano, vamos nos deparar com situações nas
quais ter conhecimento sobre a lógica será o diferencial em nossa vida. Obser-
vamos, atualmente, com as mídias sociais, um fenômeno que podemos chamar
de fake news, que nada mais é que a disseminação de notícias falsas, ou, ainda,
baseadas no senso comum. As pessoas divulgam, muitas vezes com motivações
obscuras, inverdades, provocando medo e desinformação. Soma-se a esse con-
texto o processo de democratização e de acesso à tecnologia, no qual, para nos
sentirmos inseridos com nossos amigos e colegas, emitimos opiniões sobre tudo o
que acontece na sociedade, mesmo quando não estamos munidos cientificamente
para isso. Você já se deparou com a opinião de algum amigo de rede social que
estava completamente desconectada com a realidade? Como você lidaria com
tal situação em sala de aula?
A filosofia, com certeza, faz-nos refletir sobre muitas temáticas, mas também
nos dá munição para identificar se os argumentos possuem sentido, se estão bem
organizados, se são verdadeiros. Como abordamos no início da unidade, ter plena
convicção de que expressamos corretamente aqui-
lo que nosso pensamento captou é algo delicado,
que foi objeto de estudos de muitos pensadores
que vieram antes de nós. Não é algo simplório. E
a organização desse pensamento, para que ele se
transforme em argumento, é algo que deve ser es-
tudado, treinado, refletido. Tendo o conhecimento
disso, tenho certeza que sua práxis educativa irá
tirar muitos alunos do senso comum.
80
Agora que você concluiu seus estudos desta unidade, que tal demonstrar o que
aprendeu? Para tanto, realize as atividades propostas.
1. As sentenças categóricas dos silogismos são: afirmativa universal, negativa universal,
particular afirmativa e particular negativa, sendo representadas, respectivamente,
pelas letras A, E, I e O. Complete as proposições, indicando quais as vogais que as
representam:
a) Todo S é P: _______.
b) Nenhum S é P: ________.
c) Algum S é P: _______.
d) Algum S é não P: ________.
e) Alguns S são P: ________.
f) Um S é P: ________.
2. Identifique, no silogismo a seguir, a introdução de conclusão e seus quantificadores:
Nenhum amigo é traidor.
Algum homem é traidor.
Portanto, algum homem não é amigo.
Introdução de conclusão: ____________.
Quantificadores: ____________.
3. Identifique os termos médio, maior e menor dos silogismos abaixo.
a) Todo homem é mortal.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.
Termo menor: _____________________________.
Termo maior: _____________________________.
Termo médio: _____________________________.
81
b) Todos os brigadeiros são doces.
Brigadeiros engordam.
Logo, doces engordam.
Termo menor: _____________________________.
Termo maior: _____________________________.
Termo médio: _____________________________.
c) Toda rosa é vermelha.
Toda rosa é flor.
Logo, toda flor é vermelha.
Termo menor: _____________________________.
Termo maior: _____________________________.
Termo médio: _____________________________.
4. Identifique quais são as premissas (maior e menor) e qual é a conclusão dos silogis-
mos a seguir:
a) Todos os felinos são mamíferos. Alguns felinos são tigres. Portanto, todos os tigres
são mamíferos.
Premissa maior: _____________________________________________________
Premissa menor: _____________________________________________________
Conclusão: _________________________________________________________
82
b) Nenhuma mãe é indiferente. Algumas mulheres não são mães. Logo, algumas
mulheres são indiferentes.
Premissa maior: ______________________________________________________
Premissa menor: _____________________________________________________
Conclusão: __________________________________________________________
c) Alguns religiosos são honestos. Alguns brasileiros são religiosos. Logo, alguns bra-
sileiros são honestos.
Premissa maior: ______________________________________________________
Premissa menor: ______________________________________________________
Conclusão: __________________________________________________________
5. Para um silogismo ser considerado válido, ele deve contemplar algumas regras, den-
tre elas:
I -Todo silogismo tem mais quatro termos.
II - Para ser considerado válido, cinco premissas bastam na formulação do silogismo.
III - O termo médio deve estar distribuído ao menos uma vez nas premissas.
IV - Não é possível que as duas premissas sejam negativas.
V - Se uma premissa for negativa, então a conclusão será negativa.
Assinale a alternativa cujas regras correspondem verdadeiramente à composição
do silogismo:
a) I, II e III, apenas.
b) II, III e IV, apenas.
c) I, II e V, apenas.
d) III, IV e V, apenas.
e) I, II, III, IV e V.
6. Transforme a sentença afirmativa universal “toda árvore é verde” em proposição:
a) Negativa universal: ________________________________________________.
b) Particular afirmativa: _______________________________________________.
c) Particular negativa: ________________________________________________.
3A lógica do Pórtico: a Contribuição
dos Megáricos e
Estoicos
Dra. Vanessa Freitag de Araújo
Caro(a) aluno(a), nesta unidade, você será apresentado a algumas
noções da lógica do Pórtico, conhecida também como a lógica estoi-
ca. Esta, todavia, possui influência de uma outra escola filosófica da
Grécia Antiga: os megáricos. Para isso, estudaremos o pensamento
dos filósofos Euclides de Mégara (435-365 a.C.), Eubúlides de Mileto
(400 a.C.), Diodoro Crono (340-284 a.C.), Fílon de Mégara (300 a.C.) e
Crisipo de Sólis (280-208 a.C.). A lógica desenvolvida pelos megáricos
e estoicos, por um longo período da história da humanidade, ocupou
um papel de coadjuvante na lógica. Porém, na Modernidade, recebeu
sua devida apreciação. Vamos compreender os fatores que levaram
a essa reviravolta teórica?
UNIDADE 3
84
Um mentiroso, ao afirmar que mente, está falando a verdade? Mas, ao falar a
verdade, não estaria ele se contradizendo, pois afirma ser um mentiroso? Tal
questionamento, caro(a) aluno(a), é um paradoxo. Um paradoxo muito famoso,
inclusive, que mereceu a atenção dos filósofos na Antiguidade e no Medievo. A
lógica possui uma raiz nos paradoxos, afinal, eles nos levam a raciocinar.
Você está
mentindo para
mim?
Sim,
o que eu falo
é mentira
Mas se ela está
mentindo, então
está me dizendo
a verdade...
...e se está dizendo
a verdades, está
mentindo!
Figura 1 - Verdade ou mentira?
Caro(a) aluno(a), a lógica na Antiguidade, por muitos anos, teve um capítulo seu
apagado. Esse momento trata a respeito da lógica estoico-megárica, que foi ofus-
cada pelo brilhantismo do silogismo aristotélico. Convenhamos que Aristóteles é
um páreo difícil, todavia a história se encarregou de compensar o esquecimento
da contribuição dos erísticos e dos estoicos, trazendo à tona uma diferente visão
Descrição da Imagem: a imagem apresenta um casal: um homem de cabelo castanhos, barba, vestindo
uma camisa azul e calça marrom, e uma mulher, de cabelos castanhos, na altura dos ombros, usando
um casaco azul, camiseta branca e calça jeans. No primeiro quadrinho, o homem questiona se a mulher
está mentindo para ele, e ela responde que sim, que ela é mentira. No segundo quadrinho, o homem
está refletindo que se ela está mentindo, estão está dizendo a verdade e, depois, em um segundo balão
de pensamento, se ela está dizendo a verdade, logo ela está mentindo.
UNICESUMAR
85
sobre a lógica. Mesmo com a escassez de fontes, a Modernidade conseguiu ob-
servar em seus pequenos excertos que os filósofos do Pórtico já visualizavam e
elaboravam conceitos que pensávamos ser atuais. Agora, estudaremos um pouco
sobre uma visão paralela da ciência que utiliza a linguagem como objeto e a ar-
gumentação, enquanto instrumento.
Quando iniciamos o estudo da lógica, deparamo-nos com complexos e uma
gama de símbolos que podem, a princípio, fazer-nos imaginar que é um ramo da
ciência muito distante de nossa realidade. Essas dificuldades deverão ser superadas
com o estudo e a prática, todavia há uma maneira de exercitar o raciocínio lógico
muito divertida. Na internet, existem diversos sítios eletrônicos que promovem
uma aprendizagem lúdica e desenvolve a análise combinatória, portanto, eu indico
você a visitar o endereço eletrônico: https://rachacuca.com.br/logica/problemas.
Caro(a) aluno(a), você alguma vez, ao elaborar uma linha de raciocínio, depa-
rou-se com uma conclusão fora do esperado? Já teve a impressão de que saberia
a resposta, mas se viu em uma pegadinha criada por seus próprios pensamentos?
Como a menina da primeira unidade: ela refletia que se existem biscoitos que são
feitos de água e sal, e o mar é feito de água e sal, seria o mar um grande biscoito?
Esse tipo de pensamento pode também ser conhecido como paradoxo. O concei-
to de paradoxo é um dos elementos-chave para a compreensão da nossa temática.
Convido você, então, a realizar uma rápida pesquisa na web para conhecer o seu
significado. Que tal registrá-lo no Diário de Bordo?
https://rachacuca.com.br/logica/problemas
UNIDADE 3
86
Nas primeiras unidades da disciplina, nós apresentamos uma introdução ao
pensamento dos precursores da lógica e de Aristóteles. Agora, veremos ou-
tros elementos e filósofos importantes para a trajetória de consolidação dessa
ciência, ainda na Antiguidade. É importante reforçar que, no decorrer do de-
senvolvimento deste componente curricular filosófico que estamos estudando,
retornaremos ao silogismo diversas vezes, uma vez que, por exemplo, a Idade
Média revisitou o pensamento de Aristóteles, mas, especialmente, por se tratar
de lógica, é muito difícil nos desvencilharmos de seu expoente máximo. É inte-
ressante observar que, no desenvolvimento da lógica na Grécia Antiga, existem
relações de influência e dependência entre as vertentes filosóficas, de maneira
que os pensamentos de diversos filósofos interagem e/ou complementam-se.
Em conjunto com a lógica aristotélica, o estoicismo pode ser considerado
um dos grandes sistemas lógicos desenvolvidos na Antiguidade. Você se recorda
quando estudamos, na Unidade 1, a denominação da lógica enquanto dialética?
Pois retomamos essa questão, quando estudamos a lógica dos estoicos, uma vez que
os eles utilizavam o termo dialética para denominá-la. A lógica dos estoicos possui
suas bases na filosofia desenvolvida na Escola de Mégara, fundada por Euclides.
UNICESUMAR
87
Vamos contextualizar: na metade do século V a.C., na época de Sócrates e
dos sofistas, o debate dialético focava-se no processo de discussão e arguição,
no qual, por intermédio de perguntas e respostas, dois interlocutores busca-
vam sustentar posicionamentos opostos. O intento desse tipo de discussão
era o convencimento do outro e, se não possível o convencimento genuíno,
almejava-se, ao menos, a vitória no debate.
De acordo com Paulo Alcoforado (2015), toda dialética grega girava em
torno dessa polarização, e, “para vencer ou refutar o arguido, mostrando as
consequências absurdas que decorrem da tese por ele assumida, o arguidor
tem que apelar, no decurso do debate, para uma regra ou princípio que dê em-
basamento racional a sua argumentação” (ALCOFORADO, 2015, p. 102). Ou
seja, por meio de recursos argumentativos, expor publicamente a fragilidade
da tese de seu arguidor. Você se recorda, todavia, de quando mencionamos
que muitos desses recursos apelavam para falácias? Pois o que importava,
nesse momento, era ganhar o debate público, e não verificar a validade do
argumento. Essa verificação foi feita, posteriormente, por Aristóteles.
A dialética grega relaciona-se com a lógica, adotando uma perspectiva
mais contemporânea de lógica, uma vez que implica a utilização de regras e
princípios para a refutação de teses. Quando tais princípios estão explícitos, é
demonstrado que “lógica formal e dialética têm profundas e estreitas vincula-
ções, na medida em que a lógica formal é, em princípio, o estudo sistemático
de tais regras” (ALCOFORADO, 2015, p. 102).
Para situar melhor, apresentaremos a você duas definições dessas duas
escolas do conhecimento filosófico, todavia já alerto que os termos retirados
de dicionáriosde filosofia são bastante resumidos, portanto, é interessante
sempre recorrer a outras fontes, quando desejamos aprofundar nossos co-
nhecimentos. Acrescenta-se a problemática de se utilizar de dicionários na
filosofia a questão de que, muitas vezes, um termo pode possuir um signifi-
cado diferente de acordo com a vertente filosófica adotada, como podemos
observar na própria utilização dos termos “dialética” e “lógica” que estudamos.
Apesar das ressalvas ao uso do dicionário, não podemos descartá-lo, pois é
um instrumento pedagógico eficiente para as primeiras aproximações ao co-
nhecimento, não é mesmo? Vamos às características dessas escolas filosóficas:
UNIDADE 3
88
Figura 2 - Lógica estoico-megárica / Fonte: adaptada de Japiassú e Marcondes (2008).
Descrição da Imagem: o infográfico apresenta um quadro centralizado escrito “Lógica estoico-me-
gárica”, de onde surgem duas ramificações com definições das escolas filosóficas megárica e estoica.
No quadro, à esquerdo, lê-se: “Escola Megárica: Fundada por Euclides de Mégara (cidade próxima a
Atenas), que floresceu entre os séculos V e IV a.C., sofrendo a influência tanto do eleatismo quanto
do pensamento de Sócrates. Também conhecida como escola erística. Notabilizou-se sobretudo
pela elaboração de paradoxos, dos quais o do mentiroso ou paradoxo de Epimênides, formulado
por Eubúlides de Mileto, é o mais célebre. Nenhum escrito dos megáricos sobreviveu, sendo a obra
deles conhecida apenas por meio de referências em outras fontes”. No quadro do lado direito está
escrito: “Escola Estoica: Escola filosófica grega, deriva seu nome da Stoa Poikilé, um pórtico em Atenas,
onde lecionava o seu fundador, o filósofo Zenão de Cicio, sendo também, por vezes, conhecida como
filosofia do Pórtico. O estoicismo desenvolveu-se como um sistema integrado pela lógica, pela física
e, pela ética, articuladas por princípios comuns. […]. Em nosso século, as contribuições dos estoicos
à lógica e à teoria da linguagem têm sido revalorizadas. Tradicionalmente, a lógica estoica teve pouca
repercussão, uma vez que foi suplantada pela grande difusão da lógica aristotélica, da qual difere
sobretudo por ser fundamentalmente uma lógica da proposição e não do silogismo”.
Escola Megárica: Fundada por Euclides de
Mégara (cidade próxima a Atenas), que �oresceu
entre os sécs.V e IV a.C., sofrendo a in�uência
tanto do eleatismo quanto do pensamento de
Sócrates. Também conhecida como escola
erística. Notabilizou-se sobretudo pela
elaboração de paradoxos, dos quais o do
mentiroso ou paradoxo de Epimênides.
formulado por Eubúlides de Mileto, é o mais
célebre. Nenhum escrito dos megáricos
sobreviveu, sendo a obra deles conhecida
apenas através de referências em outras fontes”
(JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008, p.128).
Escola Estóica: Escola �losó�ca grega,
deriva seu nome da Stoa Poikilé, um pórtico
em Atenas, onde lecionava o seu fundador,
o �lósofo Zenão de Cicio, sendo também,
por vezes, conhecida como �loso�a do
Pórtico. O estoicismo desenvolveu-se como
um sistema integrado pela lógica, pela física
e, pela ética, articuladas por princípios
comuns. […] Em nosso século, as
contribuições dos estoicos à lógica e na teoria
da linguagem têm sido revalorizadas.
Tradicionalmente, a lógica estoica teve pouca
repercussão, uma vez que foi suplantada pela
grande difusão da lógica aristotélica, da qual
difere sobretudo por ser fundamentalmente
uma lógica da proposição e não do silogismo”
(JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008, p.68).
LÓGICA ESTÓICO-MEGÁRICA
Tendo isso em mente, trataremos agora da lógica estoico-megárica. A respeito
da influência dos megáricos no desenvolvimento da lógica estoica, que compro-
vam a interação entre as perspectivas filosóficas, citada anteriormente, Blanché
e Dubucs (1996, p. 93) explicam que os estoicos “foram buscar o essencial dela a
UNICESUMAR
89
uma escola filosófica anterior, que florescia na época de Aristóteles a quem ela se
opunha como uma escola rival”.
Entre as dificuldades do estudo dessa lógica, especialmente sobre a con-
tribuição dos megáricos, está a quantidade de informações que chegaram até
nós. Todavia os autores enfatizam que os poucos registros são mais do que
suficientes para endossar a tese da colaboração da “Escola Erística”, pois, “por
muito reduzidas que sejam as informações que possuímos sobre os megáricos,
o que deles sabemos basta para nos certificar que são eles os verdadeiros fun-
dadores da lógica dita estóica, e seria de toda a justiça qualificar de preferência
tal lógica de megárico-estóica” (BLANCHÉ; DUBUCS, 1996, p. 93).
Observe que os autores utilizam a nomenclatura “megárico-estóica”, toda-
via, nesse caso, como enunciado na propriedade comutativa da multiplicação,
a ordem dos fatores não altera o produto. Sempre que você vir os termos lógica
(ou dialética) estoico-megárica, megárico-estoica, ou até mesmo somente
como lógica estoica ou do Pórtico, trata-se do mesmo objeto de estudo. São
prismas diferentes da mesma vertente da lógica. Retornemos ao assunto: os
filósofos franceses Robert Blanché e Jacques Dubucs, duas grandes referências
para o estudo da história da lógica na contemporaneidade, vão além e, ainda,
destacam a importância do filósofo estoico Crisipo (279 a.C.-206 a.C.) para
a lógica antiga, porém acentuam a contribuição dos filósofos da cidade de
Mégara nesse desenvolvimento. Observe:
“ É verdade que ela [a lógica estoica] só recebeu seu pleno de-senvolvimento com Crisipo. Este foi sempre reconhecido na Antiguidade, mesmo pelos seus adversários, como um grande
lógico, colocado no mesmo plano que Aristóteles e mesmo por
vezes acima dele. Se os deuses tivessem uma dialética, dizia-se, só
poderia ser a de Crisipo – entenda-se: e não a de Aristóteles. Será
ele, e não Aristóteles, que Clemente de Alexandria citará como o
mestre por excelência em lógica, do mesmo modo que Homero é
o mestre em poesia e Platão em filosofia. Mas enfim, se ele levou
as pesquisas lógicas mais longe que os filósofos de Mégara pare-
cem tê-lo feito, fê-lo pelo menos sobre as bases que estes tinham
estabelecido (BLANCHÉ; DUBUCS, 1996, p. 93-94).
UNIDADE 3
90
A citação traz uma informação importante. Veja que os
autores exaltam a influência de Crisipo para a lógica e
que seu pensamento foi notavelmente reconhecido,
equiparando-o à Aristóteles. Nesse momento, é im-
portante reforçar aquilo que trabalhamos na pri-
meira unidade, que nosso conhecimento, indepen-
dente de qual área for, é limitado por alguns fatores,
que vão desde a disponibilidade de material até a
perspectiva ideológica assumida. O enaltecimento de
Crisipo é uma demonstração de que não existe apenas
uma lógica, um tipo de conhecimento, uma forma de
se ver o mundo. Dessa maneira, nem a própria lógi-
ca ocidental é uniforme e estanque, mas cresceu
conforme as contribuições filosóficas para as
respostas das questões levantadas pela huma-
nidade. Todavia é fato que a tradição filosófica
privilegiou a utilização da lógica de Aristóteles.
Blanché e Dubucs (1996), ainda, informam
que, apesar dos poucos registros sobre a dialéti-
ca megárica, eles apontam que ao menos três filó-
sofos de Mégara dedicaram-se a esse pensamento,
sendo eles Diodoro, Filon e Eubúlides e, apenas um
estoico, Crisipo de Sólis. É válido, porém, acrescentar
que não há como comprovar se as teses hoje atribuídas
a Crisipo eram originais, ou adotadas por ele.
Para ilustrar, de maneira generalizada, a influên-
cia e contribuição de filósofos para o florescimento da
dialética, Bochënski (1961) organizou um esquema
para a organização dos dados que possuímos sobre
as escolas megárica e estoica. Com tal esquema, po-
demos facilmente visualizar cronologicamente (lem-
brando que as datas de nascimentos e falecimentos
dos filósofos são aproximações, e não exatas) as raízes
dos pensamentos que permitiram o desenvolvimento
da lógica, na Antiguidade:
UNICESUMAR
91
Heráclito de Éfeso (535-475 a.C.)
Parmênides (530-460 a.C)
Zenão de Eléia(489-430 a.C.)
Sócrates (469-399 a.C.) So�stas primitivos (século V a.C.).
Platão (428-347 a.C.)
Aristóteles (384-322 a.C.)
Teofrasto (372-287 a.C.)
Euclides de Mégara (435-365 a.C.)
Eubúlides de Mileto (400 a.C.)
Diodoro Crono (340-284 a.C.)
Zenão de Cítio (333-263 a.C.) Fílon de Mégara (300 a.C.)
Crisipo de Sólis (280-208 a.C.)
Figura 3 - Raízes do pensamento lógico na Antiguidade / Fonte: adaptada de Bochénski (1961).
Descrição da Imagem: a imagem apresenta um diagrama que hierarquiza, cronologicamente, os
filósofos que contribuíram para a lógica na Antiguidade, sendo Heráclito de Éfeso (535-475 a.C.) o
primeiro, Parmênides (530-460 a.C) o segundo, Zenão de Eléia (489-430 a.C.) o terceiro. Ramificam
em duas vertentes: à esquerda, está Sócrates (469-399 a.C.) e, à direita, estão os sofistas primitivos
(século V a.C.). Abaixo de Sócrates está seu discípulo Platão (428-347 a.C.), Aristóteles (384-322 a.C.)
e, finalmente, Teofrasto (372-287 a.C.). Dos sofistas ramificam Euclides de Mégara (435-365 a.C.),
também discípulo de Sócrates; Eubúlides de Mileto (400 a.C.); Diodoro Crono (340-284 a.C.); Zenão de
Cítio (333-263 a.C.) com Fílon de Mégara (300 a.C.) ao lado e, por último, Crisipo de Sólis (280-208 a.C.).
Sobre os esquemas que ilustram a correlação entre as doutrinas lógicas, Paulo Alco-
forado (2015) alerta que elas são simplificadas, mas que servem como um recurso
pedagógico para uma tentativa de compreensão do todo, uma vez que “iluminam e
organizam, de modo direto ou indireto, um conjunto de dados e informações disper-
sos pelas diversas fontes históricas, muitas de difícil acesso, e cuja interpretação nem
sempre se afigura imediata” (ALCOFORADO, 2015, p. 103). É importante frisar tam-
bém que tal organograma de influência não indica que havia concordância absoluta
entre os pensamentos de tais filósofos. Muito pelo contrário, pois na maioria das vezes,
a divergência e a observação das lacunas nas reflexões filosóficas foram as motivações
para o desenvolvimento e aprimoramento da filosofia e, nesse caso, da lógica.
UNIDADE 3
92
As relações entre os pensamentos, sejam na perspectiva de refutação, sejam de apro-
fundamento, são demonstradas ao ponto de que só por elas podemos conhecer a con-
tribuição filosófica de alguns filósofos cujos escritos se perderam com o tempo. Você se
recorda, por exemplo, que tivemos conhecimento dos paradoxos de Zenão de Eleia, por
terem sidos citados na Física, de Aristóteles? Outro exemplo, na esfera da filosofia, em
geral, de que temos conhecimento do legado de Sócrates graças aos escritos de Platão.
Diferentemente da lógica aristotélica, cujos escritos foram posteriormente reu-
nidos no Organon e que possuiu diversos comentadores e discípulos de peso, tais
como Alexandre e Teofrasto, da lógica dos megáricos e dos estoicos, restou-nos frag-
mentos que foram muito negligenciados com o decorrer da história. Apenas entre
1903 e 1905 tais fragmentos foram publicados, devido ao excepcional trabalho de
organização das fontes, pelo filólogo Hans von Arnim (1859-1931). Dessa maneira,
podemos observar que o estudo da lógica estoico-megárica é muito recente.
O pouco apreço pela lógica estoica deve-se, também, por uma perspectiva que
se iniciou na Antiguidade e perdurou até a Modernidade, de que ela era mera opo-
sição ao pensamento aristotélico, desconsiderando sua originalidade e mérito. Dessa
maneira, é possível observar uma espécie de anacronismo, pois viam a lógica estoica
com o mesmo olhar da lógica de Aristóteles. Esse embate quase maniqueísta entre as
lógicas impediu de se observar que ambas as doutrinas poderiam se complementar
e que não tratavam da mesma temática, pois considerou-se que fosse apenas uma
escolha de qual lado se posicionar e que a diferença entre ambas se limitava à lingua-
gem escolhida, ignorando que:
“ […] se os estoicos tinham tido o cuidado de designar as suas variáveis por símbolos diferentes dos de Aristóteles – numerais ordinais e não letras – eram precisamente para assinalar que não eram da mesma
natureza; e as pessoas obstinavam-se, contrariamente ao que indicavam
com bastante clareza tanto as fórmulas abstratas como os exemplos
concretos, em interpretar tais variáveis nominais à maneira de Aristó-
teles (BLANCHÉ; DUBUCS, 1996, p. 95).
Quanto à historiografia alemã da lógica, representada, especialmente, pelos filósofos
Karl von Prantl (1820-1888) e Eduard Zeller (1814-1908) cujas obras reduziram
a lógica estoico-megárica a um grau de inferioridade se comparada à de Aristóte-
les, uma vez que compreenderam que ela apenas utilizou-se de símbolos diferentes,
UNICESUMAR
93
e não apresentou nada de inédito para a filosofia, limitando-se a “vestir com uma
nova terminologia a lógica peripatética, sendo infelizes as raras mudanças que nela
introduzem, e que eles perderam de vista o objetivo real da lógica, ao caírem num
formalismo vazio e estéril” (BLANCHÉ; DUBUCS, 1996, p. 95). Você deve se recordar
que vimos, na primeira unidade, que, no contexto alemão, um século antes, Imma-
nuel Kant também afirmava que não havia mais nada a ser estudado na lógica, pois
Aristóteles já havia descoberto tudo que poderia ser desenvolvido por essa matéria.
Blanché e Dubucs (1996) acrescentam que o estudo dessa lógica, ainda, sofreu mui-
to pela pouca habilidade na área da lógica daqueles que legaram tais fragmentos. Entre
esses estão o historiador e historiógrafo Diógenes Laércio (200-250) cuja obra Vidas e
doutrinas dos filósofos ilustres busca trazer um compêndio sobre a filosofia antiga. Tal
compilação possui dez volumes e trata desde a filosofia desenvolvida por Tales de Mi-
leto a Epicuro. Não é de se admirar que, com tamanha vastidão de conteúdos, Diógenes
Laércio não se aprofundou na contribuição para a lógica dos estoicos e megáricos. A
obra Contra os matemáticos, do médico e filósofo Sexto Empírico (160-210), também,
é outra relevante fonte de informação sobre a lógica desenvolvida no Pórtico, todavia a
perspectiva cética de seu autor e por seus escritos terem sido publicados pela primeira
vez em latim apenas no século XVI, a referência aos estoicos não é muito positiva.
Podemos verificar tais informações sobre a origem das fontes que nos permitiram o
conhecimento sobre pensamento dos estoicos e dos megáricos sobre a lógica:
“ Ora, no que se refere à lógica, verifica-se que essas informações são na maioria das vezes devidas que a autores pouco competentes em lógica, quer a adversários, quando não se trata de ambos os casos ao mesmo
tempo. As nossas duas melhores fontes são Diógenes Laércio e Sexto
Empírico. O primeiro, pouco instruído em lógica, teve a sabedoria de
inspirar-se sobre este ponto numa espécie de manual da doutrina es-
tóica da autoria de Diocles de Magnésia. O segundo, muito mais perito
na matéria, é um cético que, como tal, se opõe aos estóicos assim como
a todos os dogmáticos (BLANCHÉ; DUBUCS, 1996, p. 94).
A contribuição desses dois autores, todavia, muito colaboraram para que nós conhe-
cêssemos a lógica estoico-megárica, pois ambas cruzam informações importantes e
complementam-se, pois o “frequente acordo entre estas duas fontes independentes
é uma garantia da sua fidelidade” (BLANCHÉ; DUBUCS, 1996, p. 94).
UNIDADE 3
94
É apenas no século XX, graças aos trabalhos dos filósofos Charles Sanders Peirce
(1839-1914), Victor Brochard (1848-1907) e Jan Lukasiewicz (1878-1956), que os
estudos sobre a lógica estoica começaram a ganhar novas perspectivas, livrando-se
do olhar tendencioso de que eram apenas uma revisitação limitada da aristotélica. É
interessante observar, aqui, a nacionalidade e contexto desses autores (norte-america-
no, francês e polonês, respectivamente), pois demonstram uma espécie de revisitação
da lógica do Pórtico, enquanto um movimento mais amplo de progresso da ciência,
que considera a soma das descobertas sucessivas, feitas pelos mais diversos autores.
Em 1898, Peirce observou semelhanças na concepção de implicaçãodos filósofos
megáricos com a de implicação material apresentada por seus pares na contemporanei-
dade e, portanto, “o debate das condicionais que ocorrerá no período helenístico (envol-
vendo Philo, Diodoro Crono e Crisipo) correspondia ao que transcorria em sua própria
época” (DINUCCI, [s. d.], p. 97). Brochard, por sua vez, defendeu que a lógica aristotélica
era conceitual, baseada na substância e na essência, diferentemente dos estoicos, que
eram nominalistas. Os estoicos concebiam as classificações como artificiais, sem gêneros
e sem essências, ou seja, a caracterização de um ser seria baseada nas qualidades concretas
e individuais desse ser, e não em uma classificação comum com os outros demais seres
cujas essências semelhantes permitiram uma organização em uma classe natural.
Nessas perspectivas, para Brochard, o pensamento da lógica estoica “incide so-
bre o individual, não avança segundo um encaixe de espécie e gêneros” (BLAN-
CHÉ; DUBUCS, 1996, p. 96). Você se recorda que, na segunda unidade, vimos que
a classificação aristotélica buscava definir o ser enquanto aquilo que é? Buscava-se a
definição do ser mediante sua substância. Já a lógica estoica inclinava-se mais para
acontecimentos, uma vez que as proposições estoicas não demonstram ligações entre
conceitos intemporais, como o “homem é mortal, Sócrates é homem”, mas sim em
fatos que indicam tempo, como “o sol brilha, é dia”, “Sócrates passeia”.
Apesar desses novos olhares para a lógica do Pórtico, é apenas com um estudo,
publicado em 1927, que o lógico polonês Lukasiewcz, definitivamente, reacende o
debate lógico sobre as similaridades dos megáricos-estoicos com os contemporâneos,
que iriam para além das questões relativas à implicação, permitindo que diversas ou-
tras análises o sucedessem, após suas descobertas. Aldo Dinucci ([s. d.] reitera que foi
Lukasiewicz o primeiro a compreender que “na lógica aristotélica as variáveis devem
ser substituídas por termos, na estóica elas devem ser substituídas por proposições e,
assim, percebeu que a lógica estóica é, na verdade, uma lógica proposicional similar
em muitos aspectos à contemporânea” (DINUCCI, [s.d.], p. 98).
UNICESUMAR
95
Figura 4 - Euclides de Mégara / Fonte: Wikimedia Commons (2015a, on-line).
Descrição da Imagem: a imagem apresenta um homem, com cabelos longos encaracolados e barba, com um
compasso em sua mão direita e um papel em sua mão esquerda, representando o filósofo Euclides de Mégara.
UNIDADE 3
96
Agora que entendemos um pouco do percurso da lógica estoico-megárica, vamos
conhecer a contribuição dos megáricos. Dedicada, especialmente, à doutrina dialéti-
ca, a escola de Mégara foi fundada por Euclides de Mégara que, assim como Platão,
foi um discípulo de Sócrates, cujo pensamento também sofreu influência dos eleatas
(se necessário, retomar a primeira unidade, quando estudamos o pensamento de
Parmênides e Zenão). Após a condenação de Sócrates, fugindo do ambiente hostil de
Atenas, alguns filósofos refugiaram-se em Mégara, demonstrando a grande influência
do mais velho discípulo de Sócrates, sendo visto como uma espécie de referência de
proteção, mesmo que circunstancial.
Euclides viveu entre os anos de 435 a 365 a.C., e o que sabemos a respeito de sua
filosofia, conforme sinalizado anteriormente, deve-se ao trabalho de Diógenes Laércio.
É curioso citar que o desconhecimento sobre sua contribuição era tamanho na Idade
Média que, frequentemente, confundiam-no com o matemático grego Euclides de Ale-
xandria (323-283 a.C.). Uma demonstração é o retrato selecionado intencionalmente
para não apenas ilustrar o filósofo, mas para que você observe que ele está manuseando
um compasso, instrumento evidentemente da matemática, mas cuja a inscrição latina
Evclidi Megaren indica a intencionalidade do pintor Justus de Ghent (1410-1480).
De acordo com a tradição filosófica, atribuem-se a Euclides seis diálogos: Lam-
prias, Aisquines, Foinix, Críton, Alcibíades e Do amor, que provavelmente acom-
panharam o estilo de Platão e Xenofonte, considerando que foram ensinados na
maiêutica. Tal hipótese é reforçada por Diógenes Laércio, ao indicar a maneira que
os megáricos organizariam, posteriormente, sua filosofia, uma vez que “seus segui-
dores passaram a chamar-se megáricos por sua causa, depois erísticos e, mais tarde,
dialéticos, nome dado pela primeira vez a esses filósofos por Dionísio de Calcêdon
porque expunham seus argumentos na forma de perguntas e respostas” (LAERTIOS,
2008, p. 73). É muito interessante observar quando lemos, especialmente na filosofia,
que as escolhas das palavras não são acidentais. Veja, por exemplo, que nesta pequena
citação de Diógenes Laércio, mesmo que não fosse um lógico como já assinalado por
Blanché e Dubucs (1996), podemos extrair uma palavra na qual o objeto da lógica
orbitará: os argumentos.
Ainda sobre a perspectiva de Euclides para a argumentação, inclinada para os
debates erísticos, “rejeitava o argumento por analogia, declarando que o mesmo se
baseia em coisas similares ou dissimulares; se se baseia em coisas similares, é nestas
e não em suas analogias que os argumentos devem basear-se; se se baseia em coisas
dissimulares, o paralelo é supérfluo” (LAERTIOS, 2008, p. 73).
UNICESUMAR
97
As citações a respeito da filosofia de Euclides que permitem conhecermos seu
pensamento indicam que ele buscou unir duas perspectivas: o dogma do Uno (in-
divisível, eterno e estático) de Parmênides com o conceito de Bem (no qual o bem
supremo, embora recebesse diferentes designações, como sabedoria ou deus, era um
só) ligado à ética de Sócrates. Acrescenta-se, nessa doutrina, a influência da dialética
de Zenão, discípulo de Parmênides. Tais características fizeram os megáricos serem
reconhecidos como “mestres na arte de discutir e, mais precisamente, de embaçar o
adversário” (BLANCHÉ; DUBUCS, 1996, p. 99).
Vamos articular esse momento do texto com o que estudamos na primeira unida-
de: no contexto da Grécia Antiga, o debate público era valorizado como um exercício
da democracia e da produção de conhecimento, todavia, com os recursos retóricos,
o debatedor muitas vezes buscava apenas vencer seu arguidor. A obra de Diógenes
Laércio aponta que o cético grego Tímon (320-230 a.C.) adjetivou Euclides de bri-
guento, que desenvolveu, em seus discípulos, um amor pela controvérsia.
Essa é uma característica dos erísticos, uma vez que seu fundador “ao impugnar
uma demonstração, […] não atacava as premissas, e sim as conclusões” (LAERTIOS,
2008, p. 73). Ou seja, que Euclides “se empenhava essencialmente em refutar os seus
adversários, apropriando-se das suas conclusões para delas tirar consequências ab-
surdas” (BLANCHÉ; DUBUCS, 1996, p. 99). Temos que ter em mente que, mesmo
com essas características, foi o solo das disputas verbais que permitiu que a lógica
do Pórtico florescesse.
Diferentemente dos megáricos, cuja dialética era voltada aos discursos erísticos, Aristóte-
les buscou, desde os Tópicos, a elaboração de uma arte que permitisse tanto a refutação
quanto aceitação de uma tese de um adversário. Em outras palavras, Aristóteles questio-
nou-se se “A pertence a B”, se “A é A”; enquanto os discípulos de Euclides refletiram sobre
como refutar uma afirmação.
PENSANDO JUNTOS
Discípulo de Euclides, Eubúlides de Mileto, também, é considerado um grande
expoente da escola megárica. Nascido aproximadamente no século IV a.C., suas
obras também não chegaram até nós e o que conhecemos deve-se a seus comenta-
dores. De acordo com Diógenes Laércio, são atribuídos ao filósofo sete paradoxos.
Nicola Abbagnano define paradoxo enquanto aquilo “que é contrário à ‘opinião da
UNIDADE 3
98
maioria’, ou seja, ao sistema de crenças comuns a que se fez referência, ou contrário a
princípios considerados sólidos ou a proposições científicas” (ABBAGNANO, 2007,
p. 742). Nos termos da lógica, Roy Cook define paradoxos enquanto um argumento
que “(a) começa com premissas que parecem ser incontroversamenteverdadeiras;
(b) procede via um raciocínio que parece ser incontroversamente válido; (c) chega
em uma conclusão que é uma contradição, é falsa, ou é absurda, inapropriada, ou
inaceitável” (COOK, 2013, p. 7).
Blanché e Dubucs (1996) afirmam que os paradoxos de Eubúlides são variantes
de si mesmos, ou seja, todos são perspectivas diferentes de uma mesma maneira de
reflexão. Aldo Dinucci ([s. d.]) pontua que os paradoxos, também, podem ser deno-
minados como argumentos dialéticos interrogativos, uma vez que se estruturam
por questionamentos. Vamos conhecê-los, de acordo com a definição de Dinucci
([s.d.], p. 96-97) e refletir sobre eles:
1. O paradoxo do mentiroso: “Um homem diz que está mentindo. Ele diz a
verdade ou mente?”. Quando um homem afirma que está mentindo, o que
ele diz é falso ou verdadeiro? Se a proposição for verdadeira, significa que
ele está mentindo. Se não for, ele não está mentindo. Logo, se fala a verdade,
mente. Se mente, diz a verdade.
2. O paradoxo do disfarçado (também conhecido como mascarado ou
escondido): “Conheces este mascarado?”; “Não”; “Ele é o teu pai. Logo, co-
nheces e não conheces o teu próprio pai”. Lafayette Moraes e Carlos Alves
(2007) explicam que, com esse paradoxo, há a implicação de que não é pos-
sível conhecer algo que esteja escondido e/ou disfarçado, mesmo que ele nos
seja conhecido. Os autores apontam que “o pai de alguém, que conhece o
próprio pai, está escondido; então esse alguém não conhece seu pai. Falácia
desse paradoxo: considerar que o conhecimento de um objeto não perma-
nece com o passar do tempo” (MORAES; ALVES, 2007, p. 254).
3. O paradoxo de Electra: “Electra não sabe que o homem que se aproxima
é seu irmão, Orestes. Mas Electra conhece seu irmão. Conhece, então, Elec-
tra o homem que se aproxima?”. Esse paradoxo remonta ao personagem da
tragédia grega Electra, que inspirou poetas e dramaturgos como Sófocles,
Eurípides e Ésquilo. Na tragédia, Electra induz seu irmão Orestes a assassinar
sua mãe, vingando a morte de seu pai. Na psicologia, o complexo de Electra é
designado para indicar a atração da filha pelo pai, desejando o lugar ocupado
pela mãe, sendo considerado como um oposto ao complexo de Édipo.
UNICESUMAR
99
Figura 5 - O encontro de Electra e Orestes na tumba de Agamenon (340-330 a.C.)
Fonte: Wikimedia Commons (2015b, on-line).
Descrição da Imagem: na imagem, temos um vaso grego, em que as cores predominantes é o preto e o
laranja. No centro, há um túmulo com uma coluna grega em cima, e sentada sobre o túmulo temos Electra,
vestida com uma saia e uma camisa regata, ela está com as pernas viradas para a direita, em que há um vaso
deitado perto de seus pés, sua mão esquerda se apoia no túmulo e sua mão direita segura uma espécie de
punhal, enquanto sua face está olhando para um homem a sua direita, que é seu irmão, Orestes. Ele está
nu, seu corpo e sua face estão voltados para a esquerda, ele usa uma capa, botas nos pés e usa uma toca na
cabeça. Sua mão direita está levantada, segurando uma corda e sua mão esquerda segura uma lança, e há
um cachorro perto dos seus pés. Acima, à esquerda, há um busto de uma mulher com a face voltada à direita,
em que se tem duas serpentes saindo em cada braço da mulher. Na esquerda e na direita do vaso, há uma
pintura ornamental na vertical.
UNIDADE 3
100
Lafayette Moraes e Carlos Alves (2007) indicam que a falácia do paradoxo de
Electra é semelhante à do paradoxo do disfarçado/escondido, ratificando a tese
de Blanché e Dubucs (1996) de que os paradoxos são semelhantes:
“ Electra (da tragédia Electra de Eurípides) sabe que Orestes é seu irmão e lhe é apresentado Orestes sem que ela saiba que quem é apresentado é seu irmão. Então sabe e não sabe que Orestes é seu
irmão. Falácia desse paradoxo: é o mesmo do Escondido, pois se dá
aqui como se Orestes estivesse escondido para Electra (MORAES;
ALVES, 2007, p. 254).
4. O paradoxo do argumento velado (ou ignorado): “Alguém ignora
quem se aproxima dele e o trata como um estranho. O homem é seu pai.
Aquele, então, ignora quem seja seu próprio pai e o trata como um es-
tranho?”. Moraes e Alves (2007, p. 254) explicam o paradoxo: “o que está
coberto por um véu não pode ser conhecido, mas é conhecido de quem o
velou. Então é conhecido e desconhecido ao mesmo tempo. Falácia desse
argumento: a mesma do Escondido”.
5. O paradoxo do sorites (ou do monturo): “Um único grão não é um
monte. Nem a adição de um só grão é o suficiente para transformar um
tanto de areia num monte. Mas sabemos que, adicionando grãos um a
um, em algum momento teremos um monte”. No Dicionário Michaelis
de Língua Portuguesa ([2021]), podemos encontrar a definição de sori-
tes, enquanto um encadeamento lógico de diversos “silogismos em que o
atributo da primeira proposição é o sujeito da segunda e, nessa sequência,
chega-se a uma conclusão, representada pela união do sujeito da primeira
proposição com o atributo da última; cadeia silogística”. De acordo com
Moraes e Alves (2007):
“ Um grão de trigo não faz um monturo; um monturo precisa de mais que um grão de trigo; mais que um grão de trigo é pelo menos mais outro grão de trigo; outro grão de trigo é em tudo idêntico ao
primeiro grão de trigo; o primeiro grão de trigo mais outro grão
de trigo são dois grãos de trigo; dois grãos de trigo não fazem um
monturo; um monturo precisa de pelo menos mais de dois grãos de
UNICESUMAR
101
trigo; mais que dois grãos de trigo é pelo menos mais um terceiro
grão de trigo; o terceiro grão de trigo é em tudo idêntico aos dois
primeiros grãos de trigo; os dois primeiros grãos de trigo mais o
terceiro grão de trigo são três grãos de trigo; três grãos de trigo não
fazem um monturo; um monturo precisa de mais de três grãos de
trigo, e assim por diante. Portanto, nunca se pode ter um monturo
de trigo, não importa quanto trigo se colha e se acumule. Falácia
desse argumento: considerar cada grão de trigo individualmente. O
monte de trigo já existe a partir do segundo grão de trigo, apenas vai
crescendo indefinidamente à medida que se adicionem mais grãos
(MORAES; ALVES, 2007, p. 255).
O paradoxo do tipo sorites possui a mesma estrutura da argumentação silogística,
que vimos na segunda unidade. Nesse tipo de raciocínio, o predicado da primeira
proposição se torna sujeito da próxima, até que, na conclusão, unam-se o sujeito
da primeira proposição com o predicado da última. Vamos observar, na prática,
com um exemplo do político ateniense Temístocles (524-459 a.C.):
• A Grécia é governada por
Atenas.
• Atenas é governada por mim.
• Eu sou governado por minha
mulher.
• Minha mulher é governada
por meu filho, criança de 10
anos.
• Logo, a Grécia é governada
por essa criança de 10 anos.
UNIDADE 3
102
Existem, nesse silogismo, quatro proposições e uma conclusão, iniciada pelo
termo “logo”, que, conforme vimos na segunda unidade, é uma introdução de
conclusão. A primeira proposição “A Grécia é governada por Atenas” significa
que é uma sentença do tipo A, ou seja, que S é P (sujeito “Grécia”, predicado “go-
vernado por Atenas”). Na segunda proposição “Atenas é governada por mim”,
o sujeito S é “Atenas”, que era predicado na frase anterior, e “governado por mim”
é o predicado P. Na terceira sentença do silogismo, o sujeito é o “eu” (predicado
indicado anteriormente como “governado por mim”), e o predicado é “governado
por minha mulher”. A quarta proposição traz como sujeito a “minha mulher”,
que era predicado na sentença acima. Finalmente, a conclusão “logo, a Grécia é go-
vernada por esta criança de 10 anos” une o primeiro sujeito do silogismo “Grécia”
com o predicado a quarta proposição “é governada por esta criança de 10 anos”.
Para a melhor compreensão, sugiro como um exercício de fixação, que
você retome o silogismo de Temístocles e circule, com caneta ou lápis
colorido, o sujeito e o predicado de cada proposição com cores diferentes
(exemplo: sujeitos em vermelho e predicados em azul). Dessa maneira,você
conseguirá visualizar melhor e localizar, com facilidade, os sujeitos e predi-
cados do paradoxo de sorites. Após realizar sozinho, verifique a seguir se sua
detecção ficou semelhante. Observe que as setas indicam que os predicados
das proposições anteriores viraram sujeitos:
PREMISSA 1: A Grécia é governada por Atenas.
PREMISSA 2: Atenas é governada por mim.
PREMISSA 3: Eu sou governado por minha mulher.
PREMISSA 4: Minha mulher é governada por meu filho, criança de 10 anos.
CONCLUSÃO: Logo, a Grécia é governada por essa criança de 10 anos.
Legenda:
S (sujeito): vermelho.
P (predicado): azul.
Predicado da
última premissa
Sujeito da
primeira pessoa
proposição
UNICESUMAR
103
6. O paradoxo do calvo (ou careca): “um homem com muitos cabelos
na cabeça não é careca. Nem a supressão de um fio o tornará careca.
Mas se arrancarmos seus fios de cabelo um a um, eventualmente ele
ficará careca”. Moraes e Alves (2007) explicam que o paradoxo do cal-
vo é praticamente idêntico ao paradoxo de sorites, diferenciando-se
apenas por estar organizado de maneira decrescente:
“ […] perder um fio de cabelo não deixa calvo; o calvo perdeu mais que um fio de cabelo; mais que um fio de cabelo é pelo menos mais outro fio de cabelo; outro fio de cabelo é em tudo
idêntico ao primeiro fio de cabelo; o primeiro fio de cabelo mais
o segundo fio são dois fios de cabelo; perder dois fios de cabelo
não deixa alguém calvo; o calvo perdeu mais que dois fios de
cabelo, mais que dois fios de cabelo é pelo menos mais um ter-
ceiro fio de cabelo; o terceiro fio de cabelo é em tudo idêntico
aos dois primeiros; os dois primeiros mais o terceiro são três fios
de cabelo; perder três fios de cabelo não deixa alguém calvo; o
calvo perdeu mais de três fios de cabelo, e assim por diante. De
modo que ninguém fica calvo, mesmo perdendo todos os cabelos.
Falácia desse argumento: idêntica à do Monturo: considerar os
fios individualmente. A pessoa já está calva a partir do primeiro
fio perdido, apenas se dá que a calvície aumenta até todo o cabelo
cair (MORAES; ALVES, 2007, p. 255).
Vamos refletir: pegamos um homem, e começamos a arrancar os seus cabelos.
Um fio de cada vez. Quando podemos afirmar que ele se tornou careca? E se
devolvermos esses fios, ele deixará de ser calvo? Para a melhor compreensão
desse paradoxo, podemos utilizar algumas analogias, por exemplo, em qual
centavo um homem ficou milionário? Tirando um centavo, ele deixará de
ser rico? De um em um centavo, tirando ou devolvendo, a falácia desse argu-
mento consiste em considerar o objeto de maneira individual. Um centavo a
menos já faz do sujeito menos rico, assim como a perda de um fio de cabelo
já tornaria a pessoa calva.
UNIDADE 3
104
NOVAS DESCOBERTAS
Entre os sete paradoxos de Eubúlides, o mais famoso é o do mentiroso. A questão
do mentiroso foi explorada por diversos outros filósofos, não apenas na Antiguida-
de, mas também na Idade Média. Ederson Safra Melo (2017) traz uma exemplificação
muito interessante do paradoxo do mentiroso, utilizando o mentiroso mais famoso de
toda a história: Pinóquio. Observe:
Outro Mentiroso empírico é o interessante e divertido paradoxo do Pinó-
quio: era uma vez um homem solitário chamado Gepeto que fabricava bo-
necos de madeira. Certo dia, Gepeto fez um boneco de madeira e o batizou
de Pinóquio. Satisfazendo os desejos de Gepeto, Pinóquio se tornou um
menino de verdade. Porém, Pinóquio tinha uma peculiaridade: seu nariz
crescia toda vez que ele mentia (proferisse uma falsidade). Diante das cir-
cunstâncias do conto, podemos perguntar o que aconteceria se Pinóquio
dissesse: “Meu nariz irá crescer!”. Se Pinóquio está falando a verdade, então
o seu nariz não deveria crescer, mas então o que ele disse deve ser falso, o
que o tornaria um mentiroso. Por outro lado, se ele está mentindo, então o
seu nariz deve crescer, mas então o que ele disse é verdadeiro; o que signi-
fica que ele não está mentindo (MELO, 2017, p. 29).
Vamos aprender um pouco mais sobre o paradoxo do mentiroso? Apon-
te a câmera de seu celular para o QR Code, ou acesse pelo link: https://
www.youtube.com/watch?v=am2FOdZsuok
7. O paradoxo do cornudo (ou dos chifres): “O que não perdeste
ainda tens; não perdeste teus chifres; logo, ainda os tens”. Tal silogismo
considera que o que não foi perdido, conserva-se. Para Moraes e Alves
(2007), a falácia desse paradoxo consiste em “considerar que tanto o
que se tem como o que não se tem não podem ser perdidos. Aquilo
que não se tem nem pode nem não pode ser perdido” (MORAES;
ALVES, 2007, p. 255).
https://www.youtube.com/watch?v=am2FOdZsuok
https://www.youtube.com/watch?v=am2FOdZsuok
https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/10603
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105
Figura 6 - Pinóquio
Descrição da Imagem: a imagem apresenta uma ilustração do boneco de madeira denominado Pinóquio,
com um grande nariz pontudo e gorro vermelho.
À primeira vista, os paradoxos de Eubúlides podem assemelhar-se a uma brincadei-
ra, um joguete de linguagem sem muito objetivo. Blanché e Dubucs (1996) chegam
afirmar que o neoplatonista Plutarco (46-120) depreciou-os, considerando “apenas
vã argúcias e armadilhas sofísticas” (BLANCHÉ; DUBUCS, 1996, p. 100). Todavia o
mesmo Plutarco utilizou-se de tais recursos de raciocínio, elaborando o “paradoxo
do navio de Teseu”. Para os megáricos, os paradoxos possuíam um alcance lógico,
pois expunham o problema de se buscar, em proposições aparentemente plausíveis,
as falhas que levariam a conclusões contraditórias e/ou inadmissíveis.
UNIDADE 3
106
A tradição da historiografia da filosofia atribui a Eubúlides o ensino da
dialética a Demóstenes (384-322 a.C.), filósofo e político grego, considera-
do um dos maiores oradores da Antiguidade. Sobre essa relação, Diógenes
Laércio afirma que um autor de comédias gregas contemporâneo, Eubúlides,
definiu-o de maneira depreciativa como um “erístico que propunha sofismas
cornudos e confundia os oradores com argumentos falsos e pomposos, foi-se
com toda a fanfarronada de um Demóstenes” (LAERTIOS, 2008, p. 73).
E nós que imaginávamos que os ataques pessoais eram algo da atualidade,
não é mesmo? Os filósofos da Grécia Antiga já se digladiavam publicamente,
nem sempre utilizando de argumentos polidos. Imagine como seriam esses
filósofos nas redes sociais de hoje em dia? Consegue visualizar, neste momen-
to, a importância do trabalho que Aristóteles desenvolveu? Por que ele buscou
uma maneira segura para a construção e refutação de argumentos?
Vamos aproveitar para retomar um pouco do conteúdo visto na primeira
unidade. O tipo de argumento que Diógenes Laércio traz sobre Eubúlides é
considerado um tipo de falácia. Você se recorda qual? Raciocine comigo: as
afirmações feitas demonstram um ataque generalizado à pessoa de Eubúlides,
sem justificar o motivo específico, sem refutar nenhuma ideia. A afirmação
ataca um orador pelo simples fato de ser quem ele é. Logo, se você pensou em
falácia do tipo Ad hominem, você está correto.
Caro(a) aluno(a), você conheceu alguns paradoxos elabo-
rados por Eubúlides de Mileto, todavia a filosofia é repleta
de outros pensadores que lançaram mão desse recurso
reflexivo para buscar conhecimento. Quer conhecer mais
alguns? Aguardo, você, então, em nossa roda de conversa,
para entender um pouquinho mais sobre esse e outros
paradoxos.
Outros dois megáricos que merecem destaque são Diodoro Crono (340-
284 a.C.) e seu discípulo Fílon (aproximadamente 300 a.C.), que trouxeram
a lógica enquanto elemento central de preocupação, abandonando a carac-
terística erística de Euclides e Eubúlides. Fílon de Mégara contribuiu para a
lógica com a noção de implicação, que atualmente conhecemos como “condi-
cional filoniano”, no qual a implicação trata-se do conector que se liga a uma
https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/9634
UNICESUMAR
107
proposição hipotética que, de maneira prática, conhecemos pelos conectivos
“se… então” ou “se p, então q”, que já vimos na segundaunidade. Portanto,
para compreendermos a teorização das proposições de Fílon, vamos utilizar
os termos verdadeiro/verdade e falsidade/falso, representados pelas letras V e
F. Para Fílon, as proposições, utilizando esses conectivos, seriam verdadeiras
de três maneiras e falsa apenas por uma:
1. Começando pelo verdadeiro (V) e acabando pelo verdadeiro (V). Logo,
V e V, será verdadeira a proposição. Exemplo: se é dia, então está claro.
2. Começando pela falsidade (F) e terminando em falsidade (F). Nesse
caso, F e F, será verdade a proposição. Exemplo: se a Terra está voando,
então ela tem asas.
3. Quando começa falso (F) e finaliza verdadeiro (V). Sendo F e V, ver-
dade. Exemplo: se a Terra voa, então a Terra existe.
4. A proposição será falsa apenas quando começa pelo verdadeiro (V) e
acaba em falso (F). V e F, será falsa. Exemplo: se é dia, então está escuro.
Na análise das proposições, a teoria da condicional filoniano também pode ser
representada pelo método das matrizes ou tábua das verdades. As possibili-
dades das proposições são as mesmas, organizadas pela sua ordem, utilizando
das representações “se p então q” e “p ⊃ q” (p contém q):
p q p p⊃q
1) V V V
2) F F V
3) F V V
4) V F F
Quadro 1 - Tábua da verdade / Fonte: adaptado de Blanché e Dubucs (1996).
Os filósofos modernos observaram que esse raciocínio de Fílon para caracterizar
as proposições válidas era semelhante ao que, atualmente, chamamos de “teoria
das funções da verdade” e, na contemporaneidade, observaram que sua con-
cepção de implicação se liga à concepção das “implicações materiais”, de Bertrand
Russell (1872-1970), que estão na base do cálculo moderno das proposições.
UNIDADE 3
108
Embora fosse seu discípulo, a concepção de implicação de Fílon difere-se da
de seu mestre, Diodoro Crono. Para Diodoro Crono, a condição para a validade
da proposição era mais restrita que a de Fílon, já que para este, como pudemos
observar anteriormente, uma proposição verdadeira deriva-se de qualquer coisa,
inclusive de uma falsidade. Diodoro opõe-se a Fílon devido à variação do tempo
e movimento para a validação das proposições. Veja o exemplo: a proposição
“se é dia, então eu discuto” seria verdadeira para Fílon, uma vez que ambas são
verdades, todavia se eu me calo e deixo discutir, logo se tornará uma verdade e
uma falsidade. Porém, para Fílon, uma verdade e uma falsidade são falsos. Só que
ainda é dia, então não é falso. Veja outro exemplo para ilustrar:
“ Por exemplo, a relação, “Se é noite, é dia”, visto ser dia, segundo Fílon é verdadeira porque começa pelo falso (ou seja, tem antecedente falso) “é noite”, mas acaba com o verdadeiro (ou seja, tem o conse-
quente verdadeiro) “é dia”. Segundo Diodoro, porém, é falsa porque
admite começar pelo verdadeiro, desde que sobrevenha a noite, e
terminar pelo falso “é dia” (ABBAGNANO, 2007, p. 653).
Para solucionar as consequências paradoxais da teoria de Fílon, Diodoro sugere
a noção modal de possível e de impossível e a interferência das mudanças tem-
porais, com distinção de passado e presente, demonstrando um esforço para con-
ciliar a relação de implicação com a consequência lógica. Nesse sentido, Diodoro
Crono elaborou algumas noções primeiras das quais as demais serão derivadas:
Com relação às modalidades, Diodoro Crono estabelece três noções de tempo
para as hipóteses que constituem problemas:
Necessário: o que é verdadeiro e não será falso.
Não-necessário: o que é falso ou será falso
Impossível: o que é falso e não será verdadeiro.
Possível: o que é verdadeiro ou será verdadeiro.
UNICESUMAR
109
1) Tudo o que passou é necessariamente verdadeiro.
2) Do possível não se segue o impossível.
3) É possível o que não é verdadeiro nem o será.
Nessas perspectivas, podemos comparar que as teorias de Fílon e de Diodoro
Crono correspondem, na atualidade, respectivamente, à noção de implicação
material e implicação formal. Como exemplo, Abbagnano (2007, p. 653) ex-
plica que “Fílon interpretava […] ‘se é dia, há luz’ como se dissesse ‘ou não é
dia ou há luz’ enquanto Diodoro interpretava como se dissesse ‘agora é dia,
portanto deve haver luz’, admitindo uma conexão causal entre o antecedente
e o consequente”.
Sintetizando o que vimos até o momento sobre os megáricos, podemos
concluir que a contribuição da dialética deles para o pensamento dos estoicos,
que culminaria com a lógica do pórtico, encontra-se na “(I) a invenção de
paradoxos; (II) o exame da questão da modalidade lógica; e (III) a criação
do debate sobre as condicionais” (KNEALE; KNEALE, 1968, p. 114). Vamos
conhecer agora, como os estoicos utilizaram essas informações para a elabo-
ração da lógica do Pórtico.
O principal filósofo da lógica estoica trata-se de Crisipo de Sólis (280-208
a.C.), que nasceu na Sicília e foi para Atenas, por volta do ano 260 a.C. Foi
aluno de Arcesilau (316-241 a.C.), preceptor cético que dirigia a Academia
de Platão, na época. Cleantes de Assos (330-230 a.C.), discípulo de Zenão de
Cítio, foi quem introduziu-o no estoicismo, vindo a sucedê-lo na direção da
escola do Pórtico, posteriormente. A historiografia da filosofia afirma que a
produção de Crisipo foi intensa, tendo escrito mais de cem tratados sobre
lógica, todavia o que chegou, até nós, foram apenas fragmentos dessas obras
e informações de comentadores. Justamente por esse caráter fragmentado das
fontes e pela hegemonia do aristotelismo, por muitos séculos a lógica estoica
teve sua importância renegada.
UNIDADE 3
110
Para os estoicos tudo inicia
com a lógica, uma vez que o en-
tendimento de física e da ética
pressupõe o conhecimento da
lógica. Diferentemente dos platô-
nicos, a filosofia estoica concebe
a alma como algo unificado; por-
tanto, todas as ações devem ser
baseadas em um julgamento de
que são consideradas adequadas
e sóbrias. Nesse sentido, as pai-
xões não são involuntárias, mas
frutos de juízos errôneos. E para
a descrição desse processo, os es-
toicos desenvolveram três teorias:
a da inteligência, da apreensão
e do assentimento. Assim, para
os estoicos, um sábio deve saber
processar corretamente os juízos,
portanto, deve dominar a arte da
argumentação e do raciocínio.
Os estoicos eram dedicados à linguagem, procurando a harmonia das estrutu-
ras lógicas com as estruturas gramaticais. Para a filosofia do Pórtico, o significado,
que é o objeto formal da lógica estoica, é diferente do significante e do aconteci-
mento. O significante é a voz falada, captada pelas experiências sensíveis, e isso é
acessível até por aqueles que não dominam a língua. Os significados, por sua vez,
os estoicos denominam de lektón, que são os dizíveis. Os dizíveis são resultados
das ações conjuntas das experiências sensoriais com o pensamento que interpreta
e raciocina sobre essa impressão.
É o historiador da filosofia Diógenes Laércio que também nos trouxe a infor-
mação de que os estoicos não possuíam uma perspectiva unificada da lógica, sendo
organizada em três frentes: “[…] alguns a dividem em duas ciências: retórica e dialé-
tica; outros, em um ramo concernente às definições e outro aos critérios; há também
os que eliminam o ramo relativo às definições” (DINUCCI, [s.d.], p. 98). Para com-
preender melhor o que os estoicos definiam por retórica e dialética, Dinucci explica:
Figura 7 - Crisipo de Sólis
Descrição da Imagem: trata-se de uma ilustração do
filósofo Crisipo de Sólis, representado por um homem
calvo e com barba.
UNICESUMAR
111
“ A definição estoica de retórica é ciência de bem falar em discurso expositivo. Quanto à dialética, os estoicos a definem ora como o discorrer corretamente por meio de perguntas e respostas, ora
como a ciência do verdadeiro, do falso e do que não é um nem
outro. A dialética, por sua vez, divide-se no tópico relativo aos
significados e às vozes. Este último tópico, por sua vez, divide-se
no tópico acerca das representações e dos dizíveis subjacentes
a elas (isto é, o sentido das representações), contando entretais
dizíveis os asseríveis (os equivalentes estoicos das proposições da
lógica contemporânea) e os argumentos (DINUCCI, [s.d.], p. 98).
É possível observar que os estoicos incluem, na lógica, elementos que hoje
consideramos como outras ciências. O que eles denominavam como dialética,
atualmente é conhecido como lógica proposital, que trata das inferências
e dos asseríveis, que incutem o valor lógico de verdade (V) e falsidade (F), e
assumem tanto o papel de premissa quanto de conclusão.
Vamos compreender, de maneira sucinta, os aspectos que diferenciam a lógica de Aristó-
teles e a estoica com a explicação de Moreira Junior:
[…] A lógica estoica não é do tipo sentencial, isto é, suas proposições não são
formuladas com ‘sujeito + verbo de ligação’, ou ‘cópula + predicado’, onde os ter-
mos ‘sujeito’ e ‘predicado’ se referem sempre a classes, como ocorre na lógica
aristotélica. As proposições estoicas […] dividem-se em simples e não-simples,
distinção análoga à divisão contemporânea entre proposições moleculares e atô-
micas, e são do tipo conjuntivo, disjuntivo, condicional ou negação. O axioma
estoico tem caráter verofuncional: partindo do princípio da bivalência, ele pode
ser ou verdadeiro ou falso. Além disso, os operadores também têm valor verda-
de, tal como na lógica atual, embora com algumas diferenças notáveis (MOREIRA
JUNIOR, 2016, p. 208).
Na lógica aristotélica, o verbo possui função predicativa e copulativa, que vai classificar o
ser em categorias. Diferentemente da lógica estoica que, de acordo com Crisipo, trata do
discurso, no qual o verbo é essencial, a cópula e o predicado se unem para exprimir um
acontecimento. Os estoicos, também, lançam mão das proposições para formar silogis-
mos, mas a função desse silogismo não é a hierarquização, mas os acontecimentos.
Fonte: adaptado de Moreira Junior (2016).
EXPLORANDO IDEIAS
UNIDADE 3
112
Um asserível, para a lógica estoica, significa “um dizível completo em si, que
pode ser afirmado no que se refere a si mesmo” (MOREIRA JUNIOR, 2016, p.
208), formando toda a representação racional do ser humano. Dessa maneira,
o asserível pode ser uma afirmação ou uma negação de alguma qualidade que
pode ser tanto verdade quanto falsidade. Por exemplo, a proposição “é noite”
é feita sob o juízo de alguém que afirma que isso é verdadeiro no momento.
A base para o cálculo proposicional da lógica estoica constitui-se do asse-
rível negativo, do asserível disjuntivo exclusivo, do asserível conjuntivo
e da noção de implicação desenvolvida por Crisipo que, de acordo com ela,
é verdadeira a condicional cuja contraditória da conclusão esteja em conflito
com a primeira. É graças a Boécio (480-525) que os cálculos das variáveis
proposicionais dos estoicos foram revisitados.
De acordo com os estoicos, os asseríveis mudam o valor de verdade com
a noção de tempo, ou seja, o que pode ser verdadeiro em um momento, pode
não ser no outro. Por exemplo, o asserível “está calor” só o é quando for
verdadeiro. Caso contrário, é falso. A afirmação só é verdadeira quando é
vista na perspectiva do presente. Tal perspectiva demonstra a influência dos
megáricos nos estoicos.
O estudo da lógica nos faz refletir sobre como a linguagem, especialmente
por ser expressão daquilo que captamos em nossas experiências sensoriais, in-
triga a humanidade e é elemento essencial para o desenvolvimento da ciência
e da cultura. Com o estudo sobre como se debater e como verificar o que é ver-
dadeiro e falso, podemos observar que, ainda, encontramos muito mais dis-
cussões erísticas, nas quais apenas queremos vencer o argumento de alguém,
e não buscar o conhecimento. Sugiro a você, nesse momento, que busque, em
suas redes sociais, apenas um exemplo de discussão, no qual uma pessoa tenta
desmerecer um arguidor, pois não consegue refutar sua tese. Tenho certeza
que você encontrará uma situação parecida em menos de cinco minutos. São
em momentos como esses que a filosofia, disciplina tão desvalorizada atual-
mente pelas políticas públicas, mostra-se essencial para o desenvolvimento
humano. Você concorda? Espero que, no exercício da docência, você possa
demonstrar a importância da lógica aos seus alunos.
1. Diferentemente da lógica aristotélica, a lógica estoico-megárica possui a contribui-
ção de diversos filósofos em seu corpo teórico. Para que você consiga assimilar os
conceitos principais, sugiro que elabore um mapa mental com as palavras-chave do
pensamento de cada filósofo que estudamos nesta unidade:
LÓ
G
IC
A
E
ST
O
IC
O
-M
EG
Á
RI
CA
Euclides:
Eubúlides:
Filon:
Diodoro:
Crisipo:
Figura 8 - Mapa mental / Fonte: a autora.
Descrição da Imagem: a figura indica o Mapa mental cuja ideia é organizar as palavras-chave das contribuições
para a lógica dos filósofos Euclides, Eubúlides, Fílon, Diodoro e Crisipo, estudados na presente unidade.
4A Trajetória da Lógica Para a Idade Média
Dra. Vanessa Freitag de Araújo
Caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) à quarta unidade da nossa dis-
ciplina. O enfoque dos nossos estudos concentra-se nos autores de
destaque para a história da lógica na Antiguidade tardia, em transição
para a Idade Média, e também alguns escolásticos. Para tanto, você
receberá as primeiras aproximações ao pensamento desenvolvido por
filósofos e teólogos do contexto, tais como Santo Agostinho (354-430),
Boécio (470-525), Alcuíno de York (735-804), Pedro Abelardo (1079-
1142), Hugo de São Vitor (1096-1141) e Tomás de Aquino (1225-1274).
Estudaremos, também, nesta unidade, alguns mitos que envolvem
a produção científica na Idade Média e noções da organização da
educação no período, representadas pelo Trivium (lógica, gramática e
retórica) e Quadrivium (aritmética, astronomia, música e geometria).
UNIDADE 4
116
"Mais de 30 milhõe
s de
brasileiros não têm
acesso
à água potável e 1
00
milhões ,não têm s
erviço
de coleta de esgot
os"
“Liberdade deimprensa no Brasilé cerceada”
“Agora é lei: não se
pode fazer piadas
com políticos no
Brasil”
“Amanhã, em nosso talk
show, entrevistaremos um
defensor do terraplanismo”
“A pandem
ia matou
mais de 1,6
milhão de
pessoas”
“Veja, após o intervalo,
o que é verdade e o que é
fake news no combate aovírus”
“Querida, às vezestenho a impressão que
estamos retornando à Idade Média!”
Figura 1 - Retorno à Idade Média? / Fonte: a autora.
Descrição da Imagem: a imagem retrata uma história em quadrinhos, composta por quatro momentos.
Em todos os quatro quadrinhos, tem-se um casal (ele trajando roupas em tons amarelados e ela, em tons
de azul), sentados em um sofá verde, assistindo ao noticiário na televisão. No primeiro quadrinho, são
apresentadas as seguintes notícias: “mais de 30 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável,
e 100 milhões não têm serviço de coleta de esgotos” e “liberdade de imprensa no Brasil é cerceada”. No
segundo, a voz do apresentador do jornal notícia “agora é lei: não se pode fazer piadas com políticos
no Brasil” e “amanhã, em nosso talk show, entrevistaremos um defensor do terraplanismo”. Ao terceiro
quadrinho, as notícias são “a pandemia matou mais de 1,6 milhão de pessoas” e “veja, após o intervalo,
o que é verdade e o que é fake news no combate ao vírus”. Finalmente, no quarto quadrinho, o homem
comenta com a mulher: “querida, às vezes, tenho a impressão que estamos retornando à Idade Média”.
UNICESUMAR
117
Caro(a) aluno(a), você já esteve diante de alguma afirmação semelhante a que aparece
na história em quadrinhos: ao se deparar com uma situação
retrógrada e sombria, um interlocutor compara-a com
algo medieval? Ou, ainda, já viu a Idade Média ser
retratada apenas por momentos de escassez, mar-
cados por doenças, retrocesso científico e perse-
guição religiosa?
O tipo de generalização que temos do pe-
ríodo medieval acontece devido à nossa herança
historiográfica iluminista, que acabou por incu-
tir em nós uma percepção limitada de uma época
tão extensa da humanidade. Será que a IdadeMédia
realmente pode ser reduzida a uma noite de mil anos,
como divulgou-se há muito, em nossos livros di-
dáticos? Vamos descobrir juntos, nesta unida-
de, que a produção científica no medievo não
ficou estagnada, pelo contrário, e que a filoso-
fia muito deve aos intelectuais desse momento
histórico. Por intermédio da história da lógica,
podemos compreender um pouco o motivo
pelo qual temos essa percepção envolta por
mitos do período.
Idade média é sinônimo de cultura: sem
os medievais, não conheceríamos Platão, Aris-
tóteles, todos os antigos. Quem usa o adjetivo
medieval como sinônimo de retrógrado, no mínimo, não conhece a história nem a
filosofia. Com as autoridades antigas e medievais, aprendemos que o conhecimento
é condição de e da liberdade, vital para o estabelecimento do humanitas.
UNIDADE 4
118
Ao refletir sobre a filosofia medieval, você deve ter reconhecido alguns no-
mes, especialmente aqueles ligados à teologia, afinal já estudou sobre eles em
módulos anteriores. A organização social europeia da Idade Média pode ser
considerada uma junção convencionada de setores diferentes, dentre os quais:
o político e o religioso. Não havia espaço para qualquer tipo de dualismo que
fragmentasse a unidade do conhecimento, uma vez que ele era disseminado
pelas próprias instituições religiosas e seus atores. Realmente, tarefa difícil é
desvencilhar questões inerentes aos dogmas cristãos da filosofia medieval,
uma vez que os filósofos do período se debruçaram sobre temáticas, como
a existência de Deus, livre-arbítrio, origem do mal, presciência e providên-
cia divina. Inclusive, os principais expoentes do período compõem o corpus
philosophorum da Patrística e Escolástica, sendo alguns reconhecidos como
Doutores da Igreja Católica, devido ao modelo de santidade, ortodoxia, mas
também pela dedicação à ciência. Sugiro, caro(a) aluno(a), como exercício
reflexivo, que você faça um esquema representativo em seu Diário de Bordo,
composto por duas colunas: uma para você escrever o que conhece sobre a
filosofia na Idade Média, a ser feita agora, antes de iniciar a leitura desta uni-
dade, e a outra, para você completar, ou confirmar, seu conhecimento, após
ler sobre a lógica medieval.
UNICESUMAR
119
Caro(a) aluno(a), você se recorda da linha do tempo que lhe foi apresentada
na primeira unidade da nossa disciplina, para representar a periodização da
história da lógica? Vamos retomá-la para localizarmos qual momento estuda-
mos sobre o desenvolvimento do conhecimento lógico: nós nos encontramos
no centro da linha do tempo, que abrange a lógica medieval e escolástica,
circulado de vermelho. Portanto, o enfoque desta unidade será a lógica de-
senvolvida durante o período medieval.
Antiga ou
Grega
Aristotélica
Estoico-megárica
Medieval
Escolástica
Neoescolástica
Moderna
Contemporânea
Figura 2 - Linha do tempo da história da lógica ocidental / Fonte: adaptada de Ferrater Mora (2001).
Descrição da Imagem: a imagem apresenta uma linha do tempo, esta representa uma periodização da
história da lógica ocidental,representada por uma estrada com várias curvas indo na direção diagonal es-
querda abaixo para direita acima, a estrada termina com uma seta apontando para diagonal direita acima.
A linha do tempo é dividida em nove partes, da esquerda para direita: Antiga, Grega, Aristotélica, Estoi-
co-megárica, Medieval, Escolástica, Neoescolástica, Moderna e Contemporânea. Há um círculo vermelho
indicando que esta unidade estudará a lógica medieval e Escolástica.
UNIDADE 4
120
De acordo com a periodização da história da lógica estabelecida por Bochënski
(1961), podemos compreender a lógica medieval — como aquela produzida entre
Boécio (480-524), representante da lógica da antiguidade tardia, e o século XV — e
a lógica escolástica — como a desenvolvida entre os séculos XIII e XV, por auto-
res escolásticos, como Tomás de Aquino. É importante termos em mente, nessa
etapa do nosso processo de formação, que dominar a definição de alguns termos
recorrentes na filosofia, uma vez que eles podem esclarecer e fornecer pistas para
o aprofundamento dos nossos estudos, é essencial. Escolástico é, resumidamente,
o pensamento cristão desenvolvido na Idade Média, que buscava unir o ideal ra-
cionalista da antiguidade, especialmente Platão e Aristóteles, com os preceitos do
cristianismo. Vamos ler a definição de escolástica de Japiassú e Marcondes (2008),
pois ela nos permitirá estabelecer links com a própria lógica:
“ Termo que significa originariamente “doutrina da escola” e que designa os ensinamentos de filosofia e teologia ministrados nas escolas eclesiásticas e universidades na Europa durante o
período medieval, sobretudo entre os sécs. IX e XVII. A esco-
lástica caracteriza-se principalmente pela tentativa de conciliar
os dogmas da fé cristã e as verdades reveladas nas Sagradas
Escrituras com as doutrinas filosóficas clássicas, destacando-se
o platonismo e o aristotelismo. […]. O período áureo da esco-
lástica corresponde ao da influência de Aristóteles, cujas obras
foram traduzidas para o latim em torno dos sécs. XII-XIII, bem
como às interpretações da filosofia aristotélica trazidas para o
Ocidente pelos filósofos árabes e judeus. O aristotelismo forne-
ceu assim a base de grandes sistemas da filosofia cristã como o
de Tomás de Aquino (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008, p. 65).
UNICESUMAR
121
Vamos destrinchar a citação anterior: observe que a escolástica remete a en-
sinamentos desenvolvidos dentro das instituições de ensino, como universi-
dades e escolas, que possui como base a filosofia de tradição grega. Você se
recorda que apenas temos contato com a produção filosófica da antiguidade,
devido ao esforço dos medievais de compilação e tradução dos clássicos?
Guarde isso na memória, pois retomaremos isso, posteriormente, nesta uni-
dade. Observe a revisitação da filosofia aristotélica realizada pelos medievais,
que, consequentemente, também, abrange a questão da lógica silogística.
A despeito do florescimento das universidades no medievo, infelizmente,
ainda é comum que esse período da história da humanidade seja definido e
ensinado por uma perspectiva limitada e, até mesmo, preconceituosa. Quantas
vezes não ouvimos que a Idade Média foi a “Idade das trevas”, não é mesmo?
Ou, ainda, a falácia de que era uma época subjugada pela religião, que impe-
diu o livre florescimento das ciências e das artes, sendo, portanto, um período
de pouco desenvolvimento cultural? Como pontua a historiadora Régine
Pernoud (1994, p. 8) “não há dia em que não encontre uma reflexão do tipo:
‘não estamos mais na Idade Média’, ‘é um retorno à Idade Média’ ou ‘é uma
mentalidade medieval’”, para referir-se a algo arcaico, rígido.
NOVAS DESCOBERTAS
De todas as eras da história da humanidade, a Idade Média certamente é a
mais injustiçada no imaginário popular, considerada equivocadamente um
período de ignorância, brutalidade, sectarismo religioso, sujeira e pestilên-
cia. Agora, considerando que o papel da mulher na história sempre foi co-
locado em segundo plano (ou pior, apagado), imagine como é a visão que o
senso comum tem sobre as mulheres no período medieval: bruxas ou víti-
mas passivas da opressão masculina.
Sugiro, para conhecer mais sobre as mulheres na Idade Média, que você assista ao ví-
deo, acessando o QR Code ao lado. Aproveito para fazer um convite à reflexão: quan-
tas filósofas de destaque você conhece? É um número significativo se compararmos
aos homens? Será que elas simplesmente não existiram/existem ou há indícios de
favorecimento do trabalho intelectual masculino em detrimento do feminino?
https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/12251
UNIDADE 4
122
Como vemos, desde o início de nossa disciplina, muitas vezes, nosso acesso
ao conhecimento, produzido historicamente, é limitado por diferentes razões,
seja pela dificuldade de acesso às fontes, por posições ideológicas divergentes,
seja por simples ignorância. Vimos isso com alógica oriental e com a lógica
estoica, por exemplo, que foram deixadas de lado por um longo período. É
muito importante, especialmente sendo a filosofia uma espécie de epicentro
do qual todas as ciências desabrocham, que abandonemos as amarras que nos
impedem de conhecer outras facetas do conhecimento.
A Idade Média abrange aproximadamente dez séculos, sendo considerado
seu início com a queda do Império Romano do Ocidente, no século V, e seu
término é marcado pela conquista de Constantinopla pelo Império Turco-
-Otomano, no século XV. A própria extensão da periodização do medievo
indica que é complicado limitar e classificar a produção de conhecimento da
humanidade em tão longo contexto.
Essa visão pejorativa a respeito da Idade Média possui raízes historio-
gráficas renascentistas que o iluminismo, enquanto representação de um
amadurecimento político e econômico da mentalidade burguesa, herdou e
divulgou. Dessa maneira, o iluminismo encontrou na filosofia uma espécie
de justificativa para se romper com estratificação social. Você já ouviu a afir-
mação que a Idade Média pode ser considerada “uma noite de mil anos”,
devido seu caráter obscuro e sombrio? Pois bem, não é à toa que o Iluminis-
mo emergiu posteriormente para “iluminar a humanidade”, retirando-a
das “trevas”. Observe, aluno(a), como a escolha dos termos e dos conceitos
nunca são aleatórios, mas narrativas contadas por grupos de indivíduos com
intencionalidades. Célio Costa (2006) afirma que:
“ […] graças ao iluminismo, os séculos XV e XVI são lembrados mais pelos tribunais da Santa Inquisição e, quando se enaltece o período é pelo que de renascentista ele teve. O chamado espírito
iluminista teima em permanecer na historiografia, na medida
em que valoriza-se ou deprecia-se exatamente aquilo ou aquele
que mais se parece ou mais é contrário ao que se tem hoje como
correto (COSTA, 2006, p. 3).
UNICESUMAR
123
Na continuação da definição do pensamento escolástico, Japiassú e Marcondes
(2008) afirmam que, com a reforma protestante e com o humanismo renascentis-
ta, a Idade Média recebeu uma alcunha pejorativa, designando “um pensamento
dogmático, tradicional, formalista e repetitivo, preocupado com discussões es-
téreis e contrário a qualquer inovação” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2008, p. 65).
Dessa maneira, caro(a) aluno(a), é possível observar que, no decorrer da
história, perspectivas científicas se opuseram, digladiando-se em uma espé-
cie de combate para verificar qual possui mais razão ou, ainda, mais adeptos.
Tal informação o(a) faz lembrar algo que já estudamos: você se recorda dos
debates erísticos, no qual o objetivo era refutar a tese do adversário e não a
validade dos argumentos? Podemos ver, claramente, que elementos da lógica
são utilizados pelas vertentes que buscam o pensamento hegemônico.
Segundo a crítica à mentalidade iluminista na historiografia, a defesa pela
liberdade política e econômica acabou atrelada à propagação de uma visão de
que o conhecimento produzido durante a Idade Média era insuficiente, ultra-
passado e, mais ainda, autoritário. Nessa direção, observa-se que a superação
de paradigmas não envolve apenas o estabelecimento de uma nova forma de
se conceber a sociedade, mas ocorre em um processo de relação de poder e
tentativa de supressão do paradigma vigente de maneira quase maniqueísta.
Os intelectuais iluministas da Europa buscaram “uma ruptura audaciosa da
tradição de autoridade, seja bíblica seja aristotélica, e encareceram os méritos
do raciocínio, da experiência e da utilidade” (MAXWELL, 1996, p. 10), uma
vez que os filósofos da Antiguidade, como Aristóteles, foram revisitados pelos
grandes intelectuais da Igreja Católica, durante a Idade Média.
Assim como apenas na Modernidade iniciou-se o processo de retomada
dos estudos a respeito da lógica estoica, a valorização da Idade Média deu-se
na Contemporaneidade. No decorrer do século XX, os estudos sobre o me-
dievo ganharam novos olhares, especialmente de uma corrente historiográ-
fica francesa denominada Escola dos Annales, cujos principais expoentes
medievalistas são Marc Bloch (1886-1944), Georges Duby (1919-1996) e Ja-
cques Le Goff (1924-2014).Tais historiadores propuseram uma reorganização
da periodização da Idade Média bem como revisitaram fontes e analisaram
tempos históricos sobrepostos, o que permitiu o estudo das mentalidades e
das representações sociais, compreendidas como estruturas de longa duração.
UNIDADE 4
124
Entre avanços científicos e culturais da Idade Média, nos quais se en-
contram a arte, arquitetura, educação institucionalizada e literatura, figuram
também elementos como a superação do escravismo e a tentativa de conten-
ção da violência social. Dessa maneira, caro(a) aluno(a), um período que nos
legou intelectuais, como Pedro Abelardo, Hugo de São Vitor, Jean de Salisbury,
João de Quidort, Alberto Magno, Egídio Romano, Guilherme de Ockham,
Nicolas de Cusa, Marsílio de Pádua e inúmeros outros, chega ser uma sátira
denominar “idade das trevas” uma época de tanta luz filosófica.
Os argumentos pejorativos relativos à Idade Média também não se sus-
tentam, pois são falácias. Lembre-se: falácias são estruturas linguísticas que
parecem uma premissa, mas não sustentam a conclusão. Por exemplo, como
podemos afirmar que não houve produção de conhecimento, se os autores da
Idade Média foram grandes filósofos? Ou que a Igreja Católica era contrária à
ciência, se existem padres e clérigos que foram grandes cientistas, por exem-
plo, os doutores da Igreja, dos quais podemos citar Santo Agostinho (354-430),
São Tomás de Aquino (1225-1274), Santa Hildegarda de Bingen (1098-1179)
e Santa Catarina de Siena (1347-1380).
A supremacia da mentalidade cristã no medievo é inegável, todavia as
ordens eclesiásticas proporcionaram avanços intelectuais, como a filosofia
escolástica e a tradução de inúmeras obras clássicas, conforme já citamos.
A partir do século VI, com a tradução das obras lógicas de Aristóteles feitas
pelo filósofo italiano Boécio (480-524), inicia-se um marco de absorção do
pensamento aristotélico na Igreja Católica, culminando com o pensamento
de São Tomás de Aquino, no século XIII.
A releitura do pensamento aristotélico, o enfoque empírico, o rigor me-
todológico e a didática do ensino são contribuições da Idade Média, que an-
tecederam a Modernidade, afastando a concepção do dogma religioso. As
divergências da própria Igreja Católica também devem ser consideradas, uma
vez que a instituição nunca foi homogênea, mas possui complexidades e di-
vergências, sendo composta por diferentes Ordens e movimentos que, muitas
vezes, discordavam entre si. Devemos acrescentar que a forma de análise dos
dez séculos de duração da Idade Média, enquanto sinônimo de estagnação e
retrocesso, é eurocêntrica, pois ignora as demais áreas do globo. A visão ilu-
minista da Idade Média desconsiderou todo conhecimento produzido pelo
Oriente, pelo Império Islâmico e nas Américas.
UNICESUMAR
125
Como vemos, caro(a) aluno(a), o medievo foi muito mais que obscuridade, re-
ligião, medo e peste, conforme desprezou a intelectualidade iluminista, pois é nesse
período histórico que estão assentados os fundamentos civilizatórios do ocidente,
conforme sinaliza Le Goff (1995, p. 5):
“ Esta longa Idade Média é para mim o contrário daquele ato visto pelos humanistas da Renascença e, salvo raras exceções, pelos homens do Iluminismo. Trata-se do movimento da criação da sociedade moder-
na. De uma civilização moribunda ou morta nas suas formas campo-
nesas tradicionais, mas viva por aquilo que ela criou de essencial nas
estruturas sociais e mentais. A Idade Média criou a cidade, a nação, o
Estado, a universidade, o moinho e a máquina, a hora e o relógio, o li-
vro, o garfo, a lingerie, a pessoa, a consciência e finalmente a revolução.
Você consegue observar que uma boa educação filosófica nos ensinaria a não
considerar como verdades absolutas argumentos que não se sustentam comoverdades científicas, afinal a lógica faz justamente esse papel na ciência. E você
sabia que existiu um período da história da humanidade que a lógica foi adotada
como elemento essencial em seu currículo? Sabe qual foi? Exatamente, aquele que
recebeu a injusta alcunha de estagnação do progresso da ciência: a Idade Média.
A concepção de educação na Idade Média possuía como fundamento as artes
liberais clássicas, que remontam à Antiguidade Clássica (greco-romana). A or-
ganização das sete artes consideradas fundamentais para a formação humana que
recebeu o termo liberal provém da terminologia latina liber, que significa livre.
Isso porque a educação não era obrigatória e não estava relacionada a uma esfera
de poder, pois o indivíduo possuía a liberdade de escolher buscar a instrução ou
não, sob a orientação de um preceptor ou mestre.
É possível, também, outra conotação da utilização do termo liberal, advindo de
um dos maiores filósofos do período, Tomás de Aquino, o qual afirma que “posto que o
corpo servilmente subordina-se à alma, e o homem segundo a alma é livre” (TOMÁS
DE AQUINO, 1999, p. 196). Nessa perspectiva, a liberdade é fruto da independência
das coisas materiais cujo o aprendizado de cada uma das setes artes conduzirá. As artes
liberais ensinadas no medievo eram divididas em dois grupos: o Trivium, composto
pelas disciplinas de lógica, gramática e retórica, e o Quadrivium, formado pela arit-
mética, astronomia, música e geometria, conforme esquema representado na Figura 3:
UNIDADE 4
126
Trivium
Gramática
Retórica
Lógica
Quadrivium
Aritmética
Geometria
Música
Astronomia
Figura 3 - Sete artes liberais / Fonte: a autora.
Descrição da Imagem: diagrama representando as divisões das sete artes liberais clássicas. À esquerda,
encontra-se o Trivium, subdividido em gramática, retórica e lógica. À direita, está o Quadrivium, dividido
em quatro artes: aritmética, geometria, música e astronomia.
Críticos contemporâneos do sistema de ensino das instituições escolares erigi-
das na Modernidade exaltam o modelo de educação da Idade Média, justamente
por essa característica liberal, uma vez que o sujeito é livre para escolher apren-
der, e não obrigado pelo Estado, o nível de ensino tende a se elevar. E, diferen-
temente dos resultados que podemos observar atualmente nos mais diversos
exames que avaliam a qualidade do ensino de uma nação, como o Programa
Internacional de Avaliação do Estudantes (PISA) e Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM), do caso do Brasil, que denunciam a baixa proficiência em co-
nhecimentos básicos da população escolarizada, a proposta de ensino adotada
na Idade Média tenderia a apresentar mais resultados, uma vez que possui uma
base filosófica mais sólida, composta por autores clássicos.
Com o advento das universidades na Idade Média, as sete artes liberais eram
consideradas propedêuticas para o avanço no ensino superior. O esquema do
Trivium e do Quadrivium figurou a partir do século IX, sob o Império de Carlos
Magno, que buscou reordenar a cultura clássica herdada do Império Romano.
Esse momento histórico ficou conhecido como Renascimento Carolíngio,
que consolidou a integração da cultura ocidental cristã com a filosofia grega.
UNICESUMAR
127
Figura 4 - Carlos Magno e Alcuíno (1830)
Fonte: Wikimedia Commons (2014a, on-line).
Descrição da Imagem: a imagem é uma pintura, em que os tons
de vermelho, amarelo, azul e branco se sobressaem. A pintura
apresenta seis homens, sendo que três estão em destaque. O rei
Carlos Magno, com cabelos e barbas longas, está assentado em
um trono, segurando um cetro com a mão direita, envolto em um
manto vermelho com os ombros e parte do peito na cor branca, ele
veste uma túnica laranja e ostenta na cabeça uma coroa dourada
com joias. Alcuíno, um homem calvo e com barba grisalha, veste
uma túnica religiosa na cor roxa e detalhes dourados, ele está de
perfil olhando para a esquerda, para o trono, mostrando ao rei um
livro aberto. Um religioso, com o cabelo no estilo da prima tonsura
e hábito branco, também, está de perfil, segura o livro aberto para
Alcuíno e para Carlos Magno, onde os dedos da mão esquerda do
rei segura o marcador de páginas do livro. Com trajes medievais,
cinco homens encontram-se ao fundo da pintura, como figurantes.
Um dos principais re-
presentantes do Renas-
cimento Carolíngio é o
monge inglês Alcuíno
de York (735-804), pro-
fessor e conselheiro do
rei Carlos Magno. Entre
seus méritos, Alcuíno é
considerado um dos
homens mais letrados
do mundo, e seu pensa-
mento fundamentou as
bases para o que seria
a computação, mais de
mil anos depois. Carlos
Magno convidou Al-
cuíno, em 781, para as-
sumir a direção da Es-
cola Palatina, escolas
anexas a palácios e cor-
tes que, de acordo com
Reale e Antiseri (1990,
p. 478), possuem o mé-
rito de serem represen-
tantes do “refúgio privi-
legiado da cultura, tanto
por meio da transcrição
como da conservação
dos clássicos”.
UNIDADE 4
128
À direção da Escola Palatina, o monge implantou o ensino do Trivium e
Quadrivium, e, a partir de então, o ensino das sete artes liberais foi difundido no
reino franco e todo ocidente. O projeto de ensino desenvolvido na Escola Palatina
era ambicioso, conforme podemos observar nas palavras do próprio Alcuíno,
traçando um paralelo com a Academia de Platão e os tempos áureos da filosofia
grega: “surgirá na terra franca uma nova Atenas, mais esplêndida do que a antiga,
pois nobilitada pelo ensinamento de Cristo, nossa Atenas superará a sabedoria
da Academia” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 479).
A perspectiva de educação para Alcuíno era baseada na sabedoria e, para
alcançá-la, cabia ao estudante avançar, como em degraus, os mais avançados ní-
veis de aprendizagem. O primeiro nível de instrução dentro da organização de
Alcuíno seria a “leitura, escrita, noções elementares de latim vulgar, compreensão
sumária da Bíblia e dos textos litúrgicos” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 479). As
setes artes liberais do Trivium e do Quadrivium são consideradas elementos do
segundo nível a ser superado na Escola Palatina, e o terceiro trata-se do estudo
sistemático da Sagrada Escritura.
A estrutura didática baseava-se na lectio (lição), na disputatio (emulação),
na maiêutica e na dialética socrática. É importante frisar que Alcuíno não criou
esse modelo de ensino, pois ele possui seus fundamentos na antiguidade clássica,
especialmente nas obras de Platão, Aristóteles e dos matemáticos pitagóricos:
“ Embora tenha sido incapaz de expressar uma cultura que fosse além da justaposição ou contaminação dos modelos literários e filosófi-cos do mundo clássico e modelos teológicos do mundo patrístico,
Alcuíno teve o mérito de elaborar manuais para cada uma das sete
artes liberais, através dos quais canalizou o ensino e o estudo (REA-
LE; ANTISERI, 1990, p. 479).
Dessa maneira, podemos concluir que Alcuíno selecionou os melhores elementos
da cultura pagã e os alinhou à formação cristã. Havia, nesse momento histórico, a
concepção de que toda ciência foi elaborada por Deus, portanto, mesmo que fossem
desenvolvidos por pagãos, era lícito aos cristãos apropriarem-se desse conhecimento.
UNICESUMAR
129
Figura 5 - Filosofia e as sete artes liberais (século XII) / Fonte: Wikimedia Commons (2014b, on-line).
UNIDADE 4
130
Santo Agostinho (354-430), cujo pensamento alicerçou as bases para a filosofia
adotada pela Igreja Católica, também buscou justificar a utilização dos conhe-
cimentos elaborados antes do cristianismo por outras culturas, articulando-os
com a fé católica. Desse modo, comumente, é fácil encontrar manuais de filosofia
básica de grande circulação, a concepção — um tanto simplória, entretanto não
menos verdadeira — de que ele é um autor que cristianizou as obras de Platão,
utilizando, assim, elementos alheios à sua cultura religiosa para justificar sua fé:
“ Os que são chamados filósofos, especialmente os platônicos, quan-do puderam, por vezes, enunciarteses verdadeiras e compatíveis com a nossa fé, é preciso não somente não serem eles temidos nem
evitados, mas antes que reivindiquemos essas verdades para nos-
so uso, como alguém que retoma seus bens a possuidores injustos
(AGOSTINHO, 2002, p.144).
Descrição da Imagem: a imagem é um desenho que apresenta as sete artes liberais em um círculo,
personificadas por figuras femininas. Elas estão com os pés no círculo central, então algumas estão de
pé, outras de lado e outras de ponta cabeça, como se fosse um relógio. Cada mulher tem colunas do seu
lado e arcos em cima com inscrições em latim e há um círculo externo que circunda todas elas, também
com inscrições em latim. Em sentido horário, as três primeiras mulheres representam as disciplinas do
Trivium: com vestido vermelho, está a gramática; com um longo vestido azul-escuro, está a retórica; com
vestido verde, a terceira mulher representa a dialética. As próximas quatro mulheres representam as
disciplinas do Quadrivium: de cabelos castanhos ondulados e longos, com longo vestido rosa e uma harpa,
está a música; segurando um arco, com vestido azul-claro está aritmética; de vestido rosado e com um
compasso em mãos está a geometria e, finalmente, com os cabelos envoltos em um lenço e observando
os astros, está a astronomia, com vestes esverdeadas. Ao centro do círculo, encontra-se uma mulher
sentada em um trono, com três cabeças em cima da sua coroa, representando a filosofia. Abaixo dela,
está a ilustração de dois homens sentados um de frente para o outro, escrevendo cada um em um livro
sobre uma escrivaninha, representando os filósofos Sócrates e Platão. Sócrates está à esquerda, tem
cabelo e barba branca, e veste uma túnica verde com um manto roxo. Platão está à direita, tem cabelo e
barba ruiva, veste uma túnica vermelha com um manto azul. Abaixo do círculo externo, há quatro homens
sentados cada um em uma cadeira, eles estão escrevendo cada um em um livro sobre uma escrivaninha,
todos eles têm uma ave negra em seus ombros. Os dois da esquerda estão sentados com o corpo voltado
para a direita, o mais à esquerda tem o cabelo e barba longa branca, veste uma túnica verde com um
manto roxo. O outro tem cabelo e barba longa ruiva, e veste uma túnica vermelha com um manto azul.
Os dois da direita estão com seus corpos voltados para a esquerda, o mais à direita tem cabelo e barba
curta ruiva, e veste uma túnica vermelha com um manto azul. O outro tem cabelo e barba curta branca
e veste uma túnica verde com um manto vermelho.
UNICESUMAR
131
Santo Agostinho discorre na obra A Doutrina Cristã: Manual de Exegese e Formação
Cristã, escrita em 397, no argumento 40, sobre a “Utilidade do conhecimento das ciên-
cias” e “Instituições a serem adotadas ou rejeitadas”, que é não somente lícito ao cristão
aprender, mas também lhe é útil e fundamental para a compreensão dos dogmas da
Igreja e interpretação das Sagradas Escrituras, como especialmente, a leitura e a escrita:
“ Toda essa parte de instituições humanas que são convenientes para as necessidades da vida, os cristãos não têm razão alguma para evitá-las. Eles devem, bem ao contrário, à medida de suas precisões, dedicar-se
a seu cumprimento e aprendê-las de memória. Algumas dessas ins-
tituições, é verdade, têm traços pouco marcados e assemelham-se a
instituições naturais. Entre essas, é preciso absolutamente rejeitar e
detestar as que têm em vista, como já o dissemos, o comércio com os
demônios. Por outro lado, é preciso apropriar-se das instituições que
os homens estabeleceram entre si, se não forem supérfluas ou de luxo.
É para serem adotados, principalmente, os signos das letras, sem os
quais é impossível ler. Igualmente, as diversas línguas sobre as quais já
falei anteriormente. […]. Todos esses conhecimentos são úteis. É lícito
adquiri-los. Eles não implicam superstição, nem levam ao relaxamento
pelo luxo. Todavia, sob a condição de que nos entretenham sem trazer
obstáculos aos bens superiores, os quais eles devem ajudar-nos a ad-
quirir (AGOSTINHO, 2002, p. 127).
UNIDADE 4
132
Figura 6 - Santo Agostinho, de Philippe de Champaigne / Fonte: Wikimedia Commons (2016, on-line).
Descrição da Imagem: a ilustração retrata o bispo Agostinho sentado em um trono dourado, apoiado
em uma mesa, na qual se encontra um livro aberto. Um homem calvo, com barba longa, trajado com
túnica branca, estola dourada adornada de imagens de santos e sapatos azuis. Agostinho segura em sua
mão esquerda o Sagrado Coração de Jesus e, na mão direita, uma pena para escrever. Ao fundo, está
uma estante de livros, semicobertos por uma cortina verde. Três livros estão no chão da imagem. No
canto direito, está uma bíblia aberta e, acima do livro sagrado, está retratado uma luz, onde está escrito
a palavra veritas (verdade, em latim).
UNICESUMAR
133
Nos argumentos 60 e 61 da mesma obra, Santo Agostinho afirma que “Pertencem
aos cristãos tudo o que os pagãos disseram de bom”, demonstrando que é válido
aos cristãos realizarem a leitura e interpretação de textos filosóficos bem como
devem utilizar tudo aquilo que for verdadeiro e compatível com a fé cristã. É vá-
lido destacar que tais argumentos agostinianos fazem cair por terra a concepção
simplória e equivocada de que o florescer do cristianismo obscureceu o desenvol-
vimento das ciências, que perpetuou uma cultura de ignorância justificada pela
Igreja Católica. Pelo contrário, observa-se o incentivo ao ensino e à pesquisa, bem
como desconstrói o mito de que era interessante para os líderes católicos a falta
de instrução de seus fiéis, pois tornava-os facilmente manipuláveis.
É claro, todavia, que não podemos desconsiderar que o acesso à cultura le-
trada e erudita era — e, infelizmente, ainda é — limitado na Idade Média. Leia
o posicionamento de Santo Agostinho acerca das artes liberais que compõem o
Trivium e o Quadrivium:
“ Elas [as doutrinas pagãs] possuem, por certo, ficções mentirosas e supersticiosas, pesada carga de trabalhos supérfluos, que cada um de nós, sob a conduta de Cristo, ao deixar a sociedade dos pagãos, deve
rejeitar e evitar com horror. Mas eles possuem, igualmente, artes
liberais, bastante apropriadas ao uso da verdade e ainda alguns
preceitos morais muito úteis. E quanto ao culto do único Deus,
encontramos nos pagãos algumas coisas verdadeiras, que são como
o ouro e a prata deles. Não foram os pagãos que os fabricaram, mas os
extraíram, por assim dizer, de certas minas fornecidas pela Providên-
cia divina, as quais se espalham por toda parte e das quais usaram, por
vezes, a serviço do demônio. Quando, porém, alguém se separa, pela
inteligência, dessa miserável sociedade pagã, tendo-se tornado cristão,
deve aproveitar-se dessas verdades, em justo uso, para a pregação do
evangelho (AGOSTINHO, 2002, p. 144-145, grifos nossos).
Como nosso objeto de estudos é a lógica, focaremos esta unidade no Trivium, uma
vez que ele abarca esta arte liberal. Diferentemente da modernidade e da contem-
poraneidade, o estudante da Idade Média iniciava seus estudos aos catorze anos de
idade, em um caminho de ensino que valorizava a liberdade individual. Tal cami-
nho era composto, de acordo com as palavras do lógico francês Pedro Abelardo
(1079-1142), pelas três ciências da linguagem: lógica, gramática e retórica.
UNIDADE 4
134
Sobre as três artes do Trivium, o filósofo alemão Hugo de São Vitor (1096-
1141), na obra Didascalicon (ou A arte de ler), define que “a gramática é a ciência
de falar sem erro. A lógica é a disputa aguda que distingue o verdadeiro do falso.
A retórica é a disciplina para persuadir sobre tudo o que for conveniente” (HUGO
DE SÃO VITOR, 2001, p. 79). Nesse sentido, o Trivium organizava o processo de
ensino a partir do estudo da linguagem para, então, tratar das artes superiores.
Sobre os objetivos de aprendizagem do Trivium correlacionados com a função da lingua-
gem e, consequentemente, para a lógica e a argumentação, para humanidade, Marguerite
McGlinn explica:O Trivium nos ensina que a linguagem desenvolve-se a partir da natureza mesma
do ser humano. Uma vez que somos racionais, pensamos; porque somos so-
ciais, interagimos com outras pessoas; sendo corpóreos, usamos um meio físico.
Inventamos símbolos para expressar a gama de experiências práticas, teóricas
e poéticas que constroem nossa existência. Palavras permitem-nos deixar um
legado de nossa experiência para deleitar e educar aqueles que nos sucederem.
Por usarmos a linguagem, engajamo-nos num diálogo com o passado e com o
futuro (MCGLINN, 2008, p. 17).
Fonte: adaptado de Mcglinn (2008).
EXPLORANDO IDEIAS
Para Hugo de São Vitor, a lógica é “a primeira a dever-se estudar pelos iniciantes
na filosofia, pois nela é ensinada a natureza das palavras e dos conceitos, sem
os quais nenhum tratado de filosofia pode ser explicado de maneira racional”
(HUGO DE SÃO VITOR, 2001, p. 77). Isso porque não é possível alguém discor-
rer sobre qualquer temática, sem antes saber expressar-se corretamente e verda-
deiramente. O filósofo explica a sua concepção do que é lógica e a sua importância
na elaboração de argumentos:
“ A lógica vem do grego logos, nome que possui duas acepções. Logos pode significar “discurso” ou “razão”, e por isso a lógica pode ser dita ciência do discurso ou ciência da razão. A lógica racional que se diz
argumentativa, abrange a dialética e a retórica. A lógica do discurso
é um gênero relacionado com a gramática, a dialética e a retórica e
UNICESUMAR
135
contém sob si a argumentativa. […]. Mas não se deve pensar que esta
lógica é denomina ciência do discurso, como se antes da sua organi-
zação não houvesse discursos, como se antes os homens não tivessem
conversas recíprocas. Anteriormente existiam, sim, discursos comuns
e escritos, mas as leis dos discursos e das escritas ainda não tinham
sido organizadas numa arte. Não havia regra nenhuma do falar e dis-
putar corretamente (HUGO DE SÃO VITOR, 2001, p.77-79).
Podemos observar que cada componente do Trivium fornecia bases para uma
formação filosófica madura e fecunda, de maneira que não é de se estranhar a
quantidade de grandes filósofos e teólogos que advieram dessa maneira de ensinar.
A escolástica é fundamentada no Trivium, no qual a gramática permite que todos
expressem corretamente e interpretem a linguagem, a lógica constrói e proble-
matiza corretamente um argumento válido, e a retórica permite a elaboração de
discursos persuasivos.
Com o exposto, podemos perceber que, no contexto da Idade Média, espe-
cialmente com o florescimento da escolástica, houve um avanço significativo
para o estudo da lógica, uma vez que ela era etapa fundamental para o processo
educativo. A partir do aprofundamento dos estudos da lógica aristotélica, in-
centivados nas ordens religiosas, a lógica ganhou um caráter mais sistemático
e matematizado. Podemos elencar diversos filósofos que contribuíram para a
lógica nesse período, como Pedro Abelardo (1079-1142), João Duns Escoto
(1266-1308), Guilherme de Ockham (1285-1347), Raimundo Lúlio (1232-
1315) e Pedro Hispano (1215-1277).
A lógica foi durante a Idade Média entendida como a “ciência de todas as ciências”.
Competia-lhe validar os atos da razão humana na procura da Verdade. De acordo
com o pensamento corrente no tempo, o saber científico tinha que obedecer à lógica
formal. A partir de um conjunto de princípios universais admitidos como verdadeiros,
por um processo dedutivo procurava-se encontrar a explicação para todos os fenôme-
nos particulares. Embora este método fosse igualmente preconizado por Aristóteles,
na Idade Média deu-se uma enorme importância à dedução, desvalorizando-se por
completo a indução na descoberta científica. Este fato teve como consequência ter-se
cortado com a base empírica da investigação.
(Carlos Fontes)
PENSANDO JUNTOS
UNIDADE 4
136
Assim como toda a estrutura de ensino do período, a lógica medieval possui suas
raízes no conhecimento elaborado na Antiguidade. Essa revisitação filosófica le-
gou-nos diversos comentários e traduções das obras dos antigos, que nos permitiu
não apenas conhecer o pensamento clássico, mas outorgou aos autores medievais
a possibilidade de elaborarem suas próprias ideias, de acordo com a perspectiva e
necessidade do contexto.
A lógica medieval foi marcada por uma intensa combinação de teorias desen-
volvidas anteriormente, como a aristotélica e a estoico-megárica. Sobre essa fusão de
perspectivas lógicas, Gomes (2013, p. 120) afirma que “a lógica medieval, particular-
mente na fase escolástica, consolida um processo em que muitos elementos distintos
e irreconciliáveis de ambas as abordagens foram amalgamados”. D’Ottaviano e Feito-
sa (2003, p. 5) afirmam que a lógica medieval pode ser classificada em três vertentes:
“ [...] os bizantinos, os árabes e os escolásticos, estes últimos parecendo os mais frutíferos. São encontradas versões das lógicas de expressões subs-tantivas – abandonaram o uso de variáveis –, lógicas das proposições
e lógicas das expressões modais, as duas últimas entre os escolásticos.
Já para Wyllie (2007), o desenvolvimento da lógica medieval pode ser periodizado
historicamente da seguinte maneira:
LÓGICA MEDIEVAL (778-1428)
Pré-Escolástica
Carolíngia
(778-896)
Monástica
(896-1080)
Escolástica
Inicial
(1080-1160)
Intermediária
(1160-1301)
Final
(1301-1429)
Figura 7 - Periodização da lógica medieval / Fonte: adaptada de Wyllie (2007).
Descrição da Imagem: esquema que apresenta uma periodização da lógica na Idade Média. Começa na
parte de cima da imagem, com a LÓGICA MEDIEVAL (778-1429), que é dividida em dois períodos: Pré-Escolás-
tica (778-1080) e Escolástica (1080-1429). A Pré-Escolástica subdivide-se em: Carolíngia (778-896) e Monástica
(896-1080). A Escolástica, divide-se em: Inicial (1080-1160), Intermediário (1160-1301) e Final (1301-1429).
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137
O imaginário do ser humano na Idade Média era permeado pelo cristianismo;
portanto, seus principais expoentes intelectuais estão na área da teologia e da
filosofia. Conforme vimos anteriormente, com o resgate da filosofia grega, os
filósofos do medievo buscaram aliar o conhecimento pagão com a religião,
de modo que podemos identificar facilmente a influência platônica em Santo
Agostinho e a aristotélica em São Tomás de Aquino, por exemplo. A teoria dos
silogismos continuou predominante nas reflexões lógicas medievais, sendo
que, de acordo com o medievalista Jacques Verger (1999), a educação medie-
val fundamentou-se no pensamento do estagirita:
“ A partir de 1200, já se tinha à disposição, em tradução latina, a quase totalidade de suas obras filosóficas: física, metafísica, pe-quenos tratados de ciência natural (Parva naturalia), Tratado
da alma, livro do céu e livro do mundo, Meteorologia, Ética, Po-
lítica. A princípio formalmente proibido (1210-1215), o ensino
da filosofia de Aristóteles foi progressivamente tolerado. […].
De Aristóteles, possuíam-se, há tempos, tratados de lógica, cujo
conjunto formava o Organon. A primeira parte, Logica vetus, tra-
duzida desde o final do século V por Boécio, sempre fora conhe-
cida e estudada no Ocidente; os tratados seguintes (Lógica nova),
traduzidos na primeira metade do século XII, eram ensinados
nas escolas parisienses desde os anos de 1150. Ao texto mesmo
de Aristóteles se haviam juntado alguns manuais mais recentes,
sendo que o mais propagado destes eram as Summulae logicales
de Pedro de Espanha (c. 1210-1277). […]. O aristotelismo era,
antes de tudo, uma lógica, a arte do silogismo concebida como
técnica demonstrativa por excelência (VERGER, 1999, p. 33).
Com base na recepção da lógica aristotélica por autores medievais, caro(a)
aluno(a), apresentaremos a você os principais representantes do contexto:
Boécio (que apesar de não ser exatamente medieval, mas de um período de
transição entre a Antiguidade Clássica e a Idade Média, cujo legado para
lógica foi fundamental), Pedro Abelardo e Tomás de Aquino.
UNIDADE 4
138Figura 8 - Consolação da Filosofia (Boécio, 1385) / Fonte: Wikimedia Commons (2008, on-line).
Descrição da Imagem: a imagem é um desenho que ilustra o livro Consolação da Filosofia (1385), de
Boécio, possui um homem sentado em um trono, trajando vestes brancas com uma touca branca e ver-
melha, e ele está lendo um livro. Ao seu redor, encontram-se cinco discípulos sentados, o da esquerda
aparece apenas parte do busto que está voltado para a direita, ele usa um chapéu e veste uma roupa
vermelha, e está com barba preta. Tem três discípulos de costas para o observador da imagem e de frente
para o homem no trono, cada um tem um livro na mão. O da esquerda está com chapéu e vestimenta
verde, o do centro está com um chapéu vermelho e vestimenta azul, e o da direita usa chapéu azul e
vestimenta vermelha. O discípulo da direita está com seu busto voltado para a esquerda e, também,
segura um livro. O desenho está dentro de uma letra, que parece a letra A, escrita de forma cursiva na
cor branca. As bordas da letra, na parte esquerda, estão ornamentadas com folhas verdes, flores roxas
e brancas e, na parte direita, estão ornamentadas com folhas verdes. Na parte direita da imagem, está
escrito na vertical ARMTNA na cor dourada com um desenho ornamentado na cor roxa ao fundo. Abaixo
do desenho, há palavras escritas na cor dourada em latim, um pouco apagadas devido à ação do tempo.
O romano Anício Mânlio Torquato Severino Boécio (470-525), mais conhe-
cido como Severino Boécio, pode ser considerado um dos últimos expoentes
da filosofia ocidental da Patrística e é a principal fonte do aristotelismo da
Idade Média, devido a suas traduções e comentários realizados dos trata-
dos de Aristóteles, especialmente sobre a lógica, conforme afirma Anthony
Kenny (1999, p.165):
UNICESUMAR
139
“ Na sua juventude, Boécio escrevera manuais sobre música e matemá-tica, inspirado em fontes gregas, e planejara uma tradução integral das obras de Platão e Aristóteles. Tal tarefa nunca foi completada, mas fo-
ram as suas traduções das obras de lógica de Aristóteles que garantiram
a acessibilidade destas aos ocidentais no início da Idade Média. Boécio
conferiu também estatuto canônico a uma introdução à lógica escrita
por Porfírio, discípulo de Plotino, acrescentando-a como apêndice ao
Organon aristotélico.
Boécio exerceu diversas funções como estadista, em Roma, e foi importante funcio-
nário da corte do rei ostrogodo Teodorico, o Grande (474–526). Devido a desacordos
na vida política e acusado de traição, foi condenado à morte, sem direito de fazer-se
ouvir e defender. Antes de ser executado, o filósofo escreveu, na prisão, a obra Con-
solação da Filosofia (524). Constituída em cinco livros, Boécio apresenta, em prosa
e verso, uma perspectiva filosófica eclética, de grande circulação na Idade Média.
A Consolação da Filosofia pode ser considerada um marco na história da filo-
sofia ocidental, devido a sua influência para a escolástica. Fruto de suas meditações
no cárcere, a obra reflete o momento que o filósofo estava vivendo, analisando seu
apogeu e queda, e questionando-se o porquê dos homens piedosos padecem e os
injustos vivem impunemente. A pergunta está expressa pela máxima latina unde
malum, ou seja, “de onde vem o mal?”, que diversos pensadores, como Santo Agosti-
nho, já haviam tentado responder.
A obra trata-se de um diálogo entre uma alma que encara sua inevitável morte,
com os acréscimos das dores da existência, especialmente da injustiça mundana, com
a filosofia — personificada em uma dama — que, por sua vez, busca demonstrar que
tais sofrimentos transcendem a existência humana e se encaixam nos aspectos me-
tafísicos da perfeição da obra divina. No primeiro livro de Consolação da Filosofia,
Boécio afirma sua inocência, enquanto a dama filosofia relembra-o da condenação
de Sócrates por corrupção da juventude grega, sendo também executado, mesmo que
injustamente. Dessa maneira, a filosofia o encoraja a realizar um desprendimento em
relação aos assuntos do mundo, tal como fez o ateniense.
No segundo livro, Boécio desenvolve uma temática do estoicismo, na qual de-
monstra que os domínios de fortunas mundanas são inferiores aos valores interiores
de cada indivíduo e que, se desfrutou dos bônus que a fortuna lhe trouxe, também
deve aceitar os seus ônus. Segundo Anthony Kenny (1999, p.165), Boécio conclui que
“a ideia de que a felicidade não se encontra na riqueza, no poder ou na fama é então
UNIDADE 4
140
reforçada com citações de Platão e Aristóteles: só em Deus se encontra a verdadeira
felicidade. De fato, ser feliz é adquirir divindade”.
O quarto momento de Consolação da Filosofia, Boécio depara-se com o
problema do mal, citado anteriormente, e busca responder à questão: por qual
razão os perversos prosperam? Para fundamentar sua argumentação, o filósofo
recorre a Platão para a demonstração de que a prosperidade é algo ilusório,
aparente. O livro que mais apresenta contribuição teológica e filosófica da obra
é o quinto, no qual Boécio lida com a pergunta sobre a presciência de Deus. Ou
seja, questiona-se se Deus conhece o que os homens farão, mesmo com o livre-
-arbítrio. Isso seria problemático, porque afirma que os homens são livres para
agir de maneira diferente da estabelecida por Deus, logo seria o homem capaz
a vontade de Deus. Todavia a aceitação de que Deus possua o conhecimento
infalível das ações humanas acabaria por invalidar o livre-arbítrio.
Boécio realiza, então, os seguintes raciocínios para desenvolver sua argu-
mentação: “na minha opinião, o fato de Deus conhecer todas as coisas previa-
mente e ao mesmo tempo existir o livre-arbítrio são duas afirmações completa-
mente contraditórias e incompatíveis” (BOÉCIO, 1998, p. 135-136). O filósofo
continua “e isso é a coisa mais escandalosa que se pode imaginar, pois, já que a
ordem do universo procede da providência e que nada é deixado à iniciativa
dos homens, daí resulta que nossas más ações provêm também do Autor de
tudo o que constitui o bem” (BOÉCIO, 1998, p. 139).
A dama filosofia, então, propõe-lhe uma reflexão para a possibilidade de
coexistência do livre-arbítrio e da presciência divina, sem que um elimine
o outro, argumentando que a providência divina é eterna. Se é eterna, ela está
acima da simples conceituação de tempo humana, abrangendo todos os acon-
tecimentos simultaneamente, uma vez que “a eternidade é pura presença, não
é a divisão em passado, presente e futuro” (MORESCHINI, 2013, p. 526).
Dessa maneira, a providência divina conhece o futuro de antemão, pois
“o conhecimento divino é conhecimento simultâneo de todos os aconteci-
mentos, tanto dos passados como dos futuros” (REALE; ANTISERI, 1990,
p. 132). E, finalmente, conclui-se que “segue-se que é absurdo pensar numa
determinação do futuro por obra da presciência de Deus, porque tudo acon-
tece na sua presença num eterno presente, seja o que acontece depois de
uma necessidade, seja o que acontece como consequência do livre-arbítrio”
(MORESCHINI, 2013, p. 526).
UNICESUMAR
141
Essa problemática da presciência divina também foi abordada posteriormente
por lógicos na Modernidade, como Luís de Molina (1535-1600), Domingo Báñez
(1528-1604) e Pedro da Fonseca (1528-1599), sob a nomenclatura de ciência média.
A ciência média é uma tentativa de resolução para a compatibilidade entre a pres-
ciência divina e a liberdade de ação das criaturas, ela justifica que os acontecimentos
futuros conhecidos previamente por Deus ocorrem não por obrigação da presciência
infalível, mas porque o livre-arbítrio os determina diante das possibilidades disponí-
veis para sua realização. Resumidamente, Deus, em sua onisciência sabe o que ocor-
reria com todas as criaturas, mesmo que elas agissem de maneira diferente mediante
suas possibilidades de escolha.
Observe a sequência de filósofos que aparecem utilizados pela dama filosofia
para consolar Boécio, não é coincidência apontar que são aqueles que se debruçaram
sobre a arteda argumentação, que inclusive estudamos em nossa disciplina. Conse-
quentemente, para a lógica, a contribuição de Consolação da Filosofia é justamente
a capacidade de transcrição dos argumentos filosóficos em linguagem literária, for-
temente marcado pela retórica, e seu esforço para responder ao problema do futuro
dos contingentes (proposições nem necessariamente verdadeiras, nem necessaria-
mente falsas, que podem ocorrer ou não, imprevistas, acidentais), conforme exposto
anteriormente sobre presciência divina.
Souza e Morais (2010) afirmam que Boécio classificava a filosofia enquanto espe-
culativa (ou teorética) e ativa (prática), sendo a lógica um instrumento e parte dela. Na
Consolação da Filosofia, é possível observar que Boécio recorre à estrutura argumenta-
tiva para explorar as questões centrais da obra por intermédio de considerações modais
e inferências tópicas. Para Giovanni Reale e Dario Antiseri (1990, p. 131), “a lógica de
Boécio não é muito original, mas bastante refinada. Aristóteles permanece a sua matriz
de base, mesmo que se possam localizar algumas influências da lógica estoica”.
Você se recorda do Quadrado das oposições (ou proposições), caro(a) alu-
no(a)? Caso necessário, retome a segunda unidade deste material para relembrar o
esquema de organização das proposições. O diagrama que utilizamos para ilustrar
as relações lógicas e garantir a validade dos raciocínios que utilizamos, até hoje, foi
elaborado por Boécio, que aprimorou e complementou a fórmula quadrada do pla-
tônico Lúcio Apuleio (125-170). De acordo com Japiassú e Marcondes, Boécio pode
ser considerado “uma ponte entre a filosofia clássica e o pensamento medieval, tendo
sido conhecido como o último dos romanos e o primeiro dos escolásticos” (JAPIAS-
SÚ; MARCONDES, 2008, p. 28).
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Figura 8 - Heloísa e Abelardo: a aula de astronomia (1837) / Fonte: Wikimedia Commons (2020a, on-line).
Descrição da Imagem: a imagem é uma pintura, composta por um casal. Sentado em uma cadeira no
centro está um homem com cabelo e barba preta, que veste uma túnica marrom e por baixo uma ves-
timenta branca. O homem encara e abraça com seu braço esquerdo uma moça loira, à sua esquerda,
enquanto aponta com o dedo indicador de sua mão direita para um globo terrestre em cima de uma
pequena mesa. A moça usa um vestido verde e está sentada em um banco, olhando para o homem.
Eles estão em um ambiente interno, diante de uma grande janela, com uma cortina azul e uma coluna, à
esquerda da imagem. Ao redor, há livros pelo chão, uma arpa à esquerda e um suporte com pergaminhos
à direita da imagem, com uma pena, tinta, uma botija d’água e uma ampulheta.
UNICESUMAR
143
Outro importante representante da história da lógica medieval é o escolástico fran-
cês Pedro Abelardo (1079-1142). Destinado a seguir uma carreira militar, como os
demais da família, Abelardo demonstrou grande amor ao conhecimento e a lógica,
conforme ele mesmo afirma, pois renunciou “completamente a corte de Marte para
ser educado no regaço de Minerva. E, visto que preferi as armas dos argumentos
dialéticos a todos os ensinamentos da filosofia, troquei as armas por essas e antepus
os choques das discussões aos troféus de guerra” (ABELARDO, 2005, p. 79).
Com inspiração nos peripatéticos, Pedro Abelardo buscou participar das discus-
sões públicas, tendo em vista o cultivo da lógica. Tornou-se discípulo de Guilherme
de Champeaux (1070-1121), defensor do realismo extremo dos universais, que le-
cionava na escola da Catedral de Notre-Dame, a quem opôs-se doutrinariamente. De
acordo com Champeaux, Abelardo nutria simpatia pelos debates com características
erísticas, sendo que, de acordo com as palavras de seu mestre, ele “disputa, não como
aluno que quer aprender, mas como adversário que quer vencer” (VILELA, 1986,
54). No epitáfio de Abelardo, Pedro de Montboissier, o Venerável (1092-1156), não
lhe faltou com epítetos ilustres:
“ O Sócrates de França, o Platão sublime do Ocidente, nosso Aristóteles, o igual ou o mestre de todos os lógicos passados e presentes, o príncipe reconhecido da ciência em todo o universo, gênio variado, sutil, pene-
trante, vencedor de todos os obstáculos pela força da razão e a graça de
sua palavra: tal era Abelardo (GUIZOT, [s.d.], p. 361).
Entre acusações de heresia, a vida de Pedro Abelardo foi envolta por controvérsias,
especialmente na vida amorosa, quando se relacionou com sua aluna Heloísa de
Argenteuil (1090-1164). Abelardo e Heloísa casaram-se em segredo e tiveram um
filho, chamado Astrolábio (1116-1171). Todavia a família aristocrática de Heloísa
não aprovou a união, arquitetada ardilosamente por Abelardo, especialmente seu
tio Fulbert, um cônego da Catedral de Notre-Dame, que havia prometido a mão
da sobrinha a um outro nobre do período. Fulbert, ao descobrir o casamento entre
preceptor e aluna, mandou castrar Abelardo.
Após sua castração, Pedro Abelardo ingressou na vida monástica e obrigou
Heloísa a ir para um convento. Do romance proibido entre Abelardo e Heloísa,
surgiram também frutos filosóficos e literários, uma vez que o casal trocou corres-
pondências após a separação, nas quais ambos buscavam responder às questões
UNIDADE 4
144
sobre as inquietudes da vida. Heloísa também escreveu para Abelardo um tratado
religioso denominado Problemata Heloissae, com questionamentos acerca das
Escrituras Sagradas. Ele, por sua vez, escreveu uma autobiografia, inspirada nas
Confissões, de Santo Agostinho, chamada Historia Calamitatum (1132), tradu-
zida para o português como Histórias das minhas calamidades.
NOVAS DESCOBERTAS
Caro(a) aluno(a), você sabia que o relacionamento entre Pedro Abelardo
e Heloísa já foi transmutado pela sétima arte? Em uma versão bastan-
te romantizada da triste história de amor dos dois pensadores medie-
vais, se compararmos aos escritos em suas correspondências, o filme
Em nome de Deus (Stealing Heaven), de 1988, permite-nos vislumbrar
a trajetória do casal, transportando-nos para aquele contexto histórico.
Entre as narrativas das calamidades de sua vida pessoal, Pedro Abelardo legou-
-nos, com relação à lógica, quatro obras, baseadas nos escritos de Aristóteles e
Boécio: Introductiones parvulorum, Logica Ingredientibus (ou Lógica para prin-
cipiantes), Logica Nostrorum petitione sociorum e Dialética, sendo esta última
muito utilizada nas escolas medievais, no estudo do Trivium, na qual buscava
ensinar o debate de questões teológicas e metafísicas. Sobre sua contribuição para
a lógica, “inaugurava-se uma teologia fundada principalmente sobre a dialética.
Abelardo partia da palavra. Mas não, como nos mosteiros, deixando-se levar ao
devaneio, as associações fortuitas de vocábulos ou de imagens. E sim pelos rigores
do raciocínio” (DUBY, 1988, p.113). Sobre a lógica, Abelardo exalta-a:
“ Para aqueles dentre nós que se iniciam no estudo da lógica diga-mos algumas palavras sobre as suas propriedades, e comecemos por tratar do gênero a que ela pertence, ou seja, a filosofia. Boécio não
denomina qualquer ciência filosófica, mas só aquele que consiste
no estudo das coisas mais elevadas. De fato não damos o nome de
filósofos a quaisquer estudiosos, mas apenas aos sábios cuja inteli-
gência se aprofunda nas considerações das questões sutis. Boécio
distingue três espécies de filosofia, isto é, a especulativa, que inves-
tiga a natureza das coisas; a moral, que considera a questão da vida
UNICESUMAR
145
honesta; e a racional, denominada lógica pelos gregos e que trata
da argumentação (ABELARDO, 1988, p. 207).
A obra Lógica para principiantes trata a respeito da querela dos universais, uma
questão que, de acordo com Souza e Morais (2010), circulava no imaginário filo-
sófico desde Porfírio (232-304). Concordando com Aristóteles que o universal é o
que, por natureza, pode ser predicado de muitas coisas, Abelardo concluiu que os
universais se baseavam na função do conceito, que é significar as coisas. Ou seja,
por si mesma, o universalnão existe, mas se refere a seres e designa uma pluralidade
de indivíduos, como o que é constatado ao predicado homem:
“ Uma palavra universal, entretanto é aquela que é apta pela sua des-coberta para ser predicada singularmente de muitos seres, tal como este nome homem, que se pode ligar com os nomes particulares dos
homens segundo a natureza das coisas sujeitas (substâncias) às quais
foi imposto. […]. Portanto, quando se afirma que o universal é aquilo
que é predicado de muitos, a expressão aquilo que, usada no início
da definição, não apenas indica a simplicidade da palavra para dis-
tingui-la das proposições, como também, a unidade do significado
para distingui-la dos termos equívocos (ABELARDO, 1988, p. 230).
Nesse sentido, Abelardo define os universais como uma espécie de discurso mental,
que funcionam como referências simbólicas, todavia expressam coisas concretas.
E foi, justamente, pelas questões dos universais e sua defesa ao racionalismo que
Abelardo foi combatido pelo abade francês Bernardo de Claraval (1090-1153),
sendo acusado de heresias.
Prezado(a) aluno(a), dois importantes problemas que per-
meiam a lógica foram mencionados até este momento da
unidade: a questão do futuro dos contingentes, abordado
por Boécio, e a querela dos universais, explorada por Pedro
Abelardo. Que tal conversarmos para entender um pouco
mais sobre o significado dessas problemáticas e explorar
suas possíveis soluções? Convido você, então, para na
nossa roda de conversa, para que possamos, por uma outra
metodologia de ensino, aprofundar nossos conhecimentos
sobre temas importantes para a lógica.
https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/9635
UNIDADE 4
146
Figura 9 - Tomás de Aquino / Fonte: Wikimedia Commons (2020b, on-line).
Descrição da Imagem: a imagem é um desenho que traz um homem sentado, ao ar livre, em um caixote,
com o cabelo no estilo da prima tonsura e hábito dominicano, lendo um livro de capa vermelha. O homem
está com pés descalços, tocando a grama. Sua cabeça possui um halo, indicando a santidade do ilustrado.
UNICESUMAR
147
Não é possível falar sobre Idade Média sem mencionar o filósofo e teólogo
italiano Tomás de Aquino (1225-1274). Considerado o expoente máximo
da escolástica, Tomás de Aquino é considerado o filósofo que mais soube
conciliar a filosofia de Aristóteles com os preceitos cristãos. Com formação
monástica, Tomás estudou as artes liberais na Universidade de Nápoles, bem
como filosofia e teologia na França e Alemanha.
Em 1244, ingressou na Ordem dos dominicanos, onde “seus estudos foram
orientados por um dominicano mais velho, Alberto Magno, um homem de
uma enorme e indiscriminada erudição, que iniciara então o projeto gigan-
tesco de comentar as obras de Aristóteles, algumas delas mais de uma vez”
(KENNY, 1999, p. 201). Tomás de Aquino faleceu na Itália, em 7 de março de
1274, a caminho do II Concílio de Lyon. Foi canonizado em julho de 1323,
pelo papa João XXII e reconhecido como doutor da Igreja, em 1567. Sobre
a sua contribuição filosófica, Japiassú e Marcondes (2008, p. 17) explicam:
“ Seu papel principal foi o de organizar as verdades da religião e de harmonizá-las com a síntese filosófica de Aristóteles, de-monstrando que não há ponto de conflito entre fé e razão. Sua
teoria do conhecimento pretende ser, ao mesmo tempo, univer-
sal (estende-se a todos os conhecimentos) e crítica (determi-
na os limites e as condições do conhecimento humano). […].
Retomando a física e a metafísica de Aristóteles, estabelece as
cinco “vias” que nos conduzem a afirmar racionalmente a exis-
tência de Deus. […] Deus é a causa de tudo, mas não age dire-
tamente nos fatos da criação: Ele instaurou um sistema de leis,
causas segundas, ordenando cada um dos domínios naturais
segundo sua especificidade própria. Deus é o primeiro motor
imóvel, é a primeira causa eficiente […]. Sto. Tomás mostra que
há, em Aristóteles, uma filosofia verdadeiramente autônoma
e independente do dogma, mas em harmonia com ele. Assim,
sto. Tomás introduz no teísmo cristão o rigor do naturalismo
peripatético. Porém, distingue o Estado e a Igreja, o direito e a
moral, a filosofia e a teologia, a natureza e o sobrenatural.
UNIDADE 4
148
O pensamento de São Tomás de Aquino influenciou não apenas sua época, mas
sua colaboração filosófica perdura até os dias atuais. Entre as inúmeras obras
que Tomás nos deixou, podemos destacar: De ente et essentia (Sobre o ente e a
essência), Summa contra gentiles (Suma contra os gentios), De Veritare (Sobre a
verdade), a Summa theologiae (Suma teológica) e comentários sobre as obras de
Boécio, Aristóteles e neoplatônicos. Anthony Kenny (1999, p. 201) afirma que “o
primeiro serviço prestado por Tomás de Aquino à filosofia foi tornar as obras de
Aristóteles conhecidas e aceites pelos seus colegas cristãos, contra a persistente
oposição de teólogos conservadores”.
Em seus comentários aos Analíticos Posteriores, de Aristóteles, Tomás de
Aquino explica que as artes foram inventadas para que as ações humanas al-
cancem seu fim máximo determinado, de maneira organizada e esquematizada.
Existe no ser humano, diferentemente dos animais irracionais, a capacidade de
reflexão sobre os objetos, permitindo que eles possam ser classificados e con-
ceituados. Dessa possibilidade reflexiva, juntamente à ação humana, surgem
as artes mecânicas. Sobre os aspectos da natureza da lógica enquanto ciência
racional, Tomás discorre:
“ Pois a arte não parece ser outra coisa que não certa ordenação da razão de modo que os atos humanos atinjam por meios determi-nados o seu fim devido. Ademais, a razão pode não apenas dirigir
os atos das partes inferiores, mas também é diretiva de seu próprio
ato. De fato, isto é próprio da parte intelectiva posto que sobre si
se reflete, dado que o intelecto intelige a si mesmo e, similarmen-
te, a razão pode raciocinar sobre si mesma. Assim, do fato de que
a razão tenha raciocinado sobre os atos realizados com as mãos
descobriu-se a arte edificatória ou fabril, pela qual o homem pode
realizar fácil e ordenadamente esta classe de atos, pela mesma razão,
é necessário certa arte que seja diretiva do próprio ato da razão,
pela qual o homem proceda no ato mesmo da razão ordena-
damente, facilmente e sem erro. E esta arte é a lógica, isto é, a
ciência racional (TOMÁS DE AQUINO, 2021, p. 25, grifos nossos).
UNICESUMAR
149
Dessa maneira, podemos observar que, para o filósofo, a lógica possui uma carac-
terização ambivalente. É uma espécie de caminho introdutório para a filosofia,
para que possamos alcançar elucubrações racionais. Outro qualitativo para a lógi-
ca, de acordo com o Aquinate, para além de ser a arte diretiva das ações racionais,
trata-se de que ela pode ser considerada como arte metodológica e instrumental
para as ciências especulativas. Isso porque “[…] fornece à especulação seus ins-
trumentos, isto é, os silogismos, definições e similares, dos quais necessitamos nas
ciências especulativas” (TOMÁS DE AQUINO, 1999, p. 104).
Tomás de Aquino divide a lógica em classificações que seguem a ordem da
razão: a judicativa-resolutória, a dialética-inventiva e a sofística. O entendimento
da lógica não parte da realidade das ações, mas a partir dos frutos dos atos do
entendimento, mediante operações ordenadas. Conforme podemos observar na
organização silogística da argumentação:
“ Assim como nos atos exteriores devem ser considerados a operação e a obra, tais como a edificação e o edifício; do mesmo modo nas operações da razão devem ser considerados o próprio ato da razão,
o inteligir e o raciocinar, e algo por esse ato constituído. De tal modo
que as coisas que são constituídas pelas operações da razão são:
primeiro, a definição, segundo, a enunciação, e terceiro e por fim, o
silogismo ou a argumentação (TOMÁS DE AQUINO, 1999, p. 77).
Sobre os comentários de São Tomás de Aquino aos tratados lógicos de Aristóte-
les, em especial ao Da Interpretação (Peri Hermeneias), no que trataa respeito
das operações intelectuais e da construção dos raciocínios (que são: apreensão,
composição e divisão), Souza e Morais (2010, p. 63) afirmam que, de acordo com
pensamento do monge dominicano:
“ É no Livro das Categorias que Aristóteles trata das coisas que per-tencem à primeira operação do intelecto, isto é, das coisas que são concebidas por uma simples apreensão.
UNIDADE 4
150
No Livro da Interpretação o Filósofo trata das coisas que pertencem
à segunda operação, isto é, das enunciações afirmativas e negativas.
No Livro dos Primeiros Analíticos e no dos Segundos Analíticos, e
nos que se lhes seguem, o Filósofo trata das coisas que pertencem à
terceira operação do intelecto. Nestes livros ele trata do silogismo,
em geral e das diversas espécies de silogismos e argumentações.
Seguindo o modo como mostramos no item anterior que as diver-
sas operações do intelecto se ordenam umas às outras, devemos
também dizer que o Livro das Categorias, que trata da primeira
operação do intelecto, se ordena ao Livro da Interpretação, que trata
da segunda, o qual por sua vez se ordena ao Livro dos Primeiros e
ao dos Segundos Analíticos e aos que se lhe seguem, que tratam da
terceira operação do intelecto.
Após São Tomás de Aquino, diversos outros autores medievais também explo-
raram a lógica de Aristóteles e Boécio. É muito interessante observar como, no
período, diversos teólogos lançaram mão de recursos silogísticos em seus escritos,
uma vez que refletiram temáticas que buscavam solucionar os conflitos entre os
artigos da fé cristã e os primeiros princípios da filosofia. Nesse sentido, a capacida-
de de construção de argumentos não apenas convincentes, mas válidos, era fun-
damental para, por exemplo, provar a existência de Deus e a presciência divina.
A história da lógica, a sua importância para a filosofia e a sua contribuição
para a ciência nos faz refletir sobre como os seres humanos utilizaram-na para
defender seus pontos de vista e credos. Na Idade Média, quando o imaginário co-
letivo contemplava o divino, a argumentação foi essencial para que se discutissem
temas importantes para a religiosidade cristã. Considerando tudo que estudamos
até o momento, gostaria que você, caro(a) aluno(a), refletisse: você considera-se
capaz de formular argumentos válidos para defender aquilo que acredita? Um
exemplo desse tipo de situação é quando, especialmente devido ao advento da
internet, as defesas de pontos de vistas assumem aspectos sentimentais, igno-
rando preceitos básicos de racionalidade e lançando mão de falácias, buscando
apenas vencer um debate. Que tal começarmos a utilizar os argumentos de forma
racional, para buscarmos a verdade em nosso cotidiano?
151
1. Caro(a) aluno(a), podemos observar, nesta unidade, que a filosofia desenvolvida na
Antiguidade Tardia e na Idade Média possui a contribuição de diversos pensa-
dores, especialmente teólogos. Para que você assimile os conceitos principais que
embasaram a construção do conhecimento nesse contexto histórico, solicito que
elabore, cronologicamente, uma tabela com as palavras-chave do pensamento de
cada autor que estudamos:
SANTO AGOSTINHO
(354-430)
BOÉCIO (470-525)
ALCUÍNO DE YORK
(735-804)
PEDRO ABELARDO
(1079-1142)
HUGO DE SÃO VITOR
(1096-1141)
TOMÁS DE AQUINO
(1225-1274)
152
2. O monge Alcuíno de York (735-804), considerado um dos homens mais letrados
do mundo, é o principal representante do Renascimento Carolíngio. Na direção da
Escola Palatina, Alcuíno implantou o ensino do Trivium e Quadrivium; e, a partir de
então, o ensino das sete artes liberais foi difundido no ocidente. Sobre o legado de
Alcuíno de York, assinale V para verdadeiro e F para falso nas assertivas:
( ) O projeto de ensino de Alcuíno, para a Escola Palatina, buscava articular a filosofia
grega, semelhante ao desenvolvido na Academia de Platão, com o cristianismo.
( ) A base da educação para Alcuíno era fundamentada na capacitação dos alunos
para o perfeito domínio da linguagem culta latina.
( ) O primeiro nível de instrução, para Alcuíno, inclui a compreensão sumária dos
livros sagrados, sendo que o estudo sistemático da Bíblia aconteceria apenas
ao terceiro nível.
( ) O segundo nível de instrução para a Escola Palatina é o estudo de lógica, gramá-
tica, retórica, aritmética, astronomia, música e geometria.
( ) Embora almejasse o ensino de filosofia, aos moldes da Antiguidade Clássica,
Alcuíno desprezava a maiêutica e a dialética socrática como metodologia de
ensino, visto que tal abordagem ia contra os preceitos cristãos.
( ) Com a Escola Palatina, Alcuíno revolucionou a educação na Idade Média, sendo
o responsável pela criação do Trivium e do Quadrivium.
A sequência correta é:
a) V, V, F, V, V, V.
b) V, V, V, V, F, F.
c) V, F, V, F, V, F.
d) V, F, F, F, F, V.
e) F, V, V, V, F, V.
3. Nesta unidade, para conhecermos a lógica na Idade Média, estudamos também ele-
mentos do contexto da educação medieval e pudemos observar que esse momento
histórico, ainda, é cercado por mitos. Com base no que já estudou sobre o período,
você concorda que a Idade Média foi um momento de trevas e retrocesso científico?
Justifique sua resposta.
5A Arte do Discurso: Falácias, Sofismas, Paralogismos e
Dialética Erística
Dra. Vanessa Freitag de Araújo
Caro(a) aluno(a), estamos findando nossa caminhada na estrada do
desenvolvimento do conhecimento lógico. Na unidade final da nossa
disciplina, você será apresentado ao mundo das técnicas de argumen-
tação, mais especificamente das falácias, sofismas, paralogismos e
dialética erística. Para isso, retomaremos o contexto de fundamen-
tação da teoria silogística e realizaremos diferenciação dos conceitos.
Ao terminar esta unidade, creio que estará pronto para diferenciar
os raciocínios válidos das estratégias de discussão, que em nada
contribuem para o desenvolvimento da ciência, e apto para identificar
argumentos falaciosos nos mais diversos discursos e narrativas que
ouvimos em nosso cotidiano.
UNIDADE 5
154
Leia a história em quadrinho, a seguir, e reflita: quantas vezes você já ouviu
uma argumentação ou uma justificativa que, aparentemente, segue uma linha
de raciocínio válida, mas que no final você percebe que sua conclusão não
pode ser aplicada na realidade?
Acho que você não
deveria correr tanto em
regiões que possuem
escolas...
Ah... Qual é?
Você nem sabe dirigir e quer me
ensinar como me comportar no
trânsito?
Figura 1 - Falácia Ad hominem / Fonte: a autora.
Descrição da Imagem: a imagem mostra, no primeiro quadrinho, um carro vermelho correndo em alta
velocidade, em frente a uma escola. No segundo quadrinho, dentro do carro vermelho, um personagem
masculino, usando óculos, camiseta amarela e paletó marrom, comenta com a motorista, que possui
longos cabelos pretos e veste camiseta marrom: “Acho que você não deveria correr tanto em regiões que
possuem escolas”. À direita do carro, encontra-se uma placa de preferencial. No terceiro quadrinho, a mo-
torista responde: “Ah… Qual é? Você nem sabe dirigir e quer me ensinar como me comportar no trânsito?”.
Caro(a) aluno(a), ao observar a história em quadrinhos, podemos refletir se
alguém que não possui carteira de habilitação será o melhor indivíduo para
dar opinião a respeito do trânsito. Todavia, ao aprofundarmos nossa reflexão,
percebemos claramente, que não se trata de um assunto do qual apenas “espe-
UNICESUMAR
155
cialistas” podem opinar, portanto, esse argumento da personagem motorista
não é válido. Logo, é fácil chegar à conclusão de que, em nosso cotidiano, o
domínio da argumentação muitas vezes supera a verdade. Vemos isso nos dis-
cursos políticos, nas notícias, na disseminação de fake news, no entretenimento,
na advocacia. Enfim, vemos diariamente a utilização da arte da argumentação
em prol da vitória nos debates, e não em busca da verdade e do conhecimento.
Você já presenciou uma discussão na qual alguém apelou para a frase:
“você sabe com quemestá falando?”. Esse é um tipo de argumentação que re-
corre à falácia apelo à autoridade. Ou, então: “se tivesse me ouvido, isso não te-
ria acontecido”, essa é uma falácia de hipótese contrária ao fato. Já presenciou
alguém fazendo uma chantagem emocional para ganhar alguma vantagem
sobre alguém, ou para justificar seu comportamento? Então, esteve exposto
à falácia argumentum ad misericordiam. Reflita sobre o que estudamos até
o momento em nossa disciplina sobre as falácias e registre em seu diário de
bordo aquelas que você consegue lembrar que já ouviu.
Na Antiguidade Clássica, o debate público era considerado uma demons-
tração do exercício da democracia. Todavia, desde o princípio da construção e
sistematização do conhecimento filosófico, é possível observar a utilização de
recursos retóricos na elaboração de argumentos, nos quais o debatedor busca
apenas vencer seu arguidor e convencer a plateia, sem preocupar-se com a
validade de seu raciocínio e com a verdade de suas conclusões. Isso motivou
a sedimentação da lógica, enquanto elemento fundamental da filosofia, que
almejou instrumentalizar a condução e a sustentação de argumentos, com o
intuito de que nenhuma falácia insinuasse enquanto verdadeira.
UNIDADE 5
156
Séculos passaram, e tanto a valorização da liberdade de expressão quanto a ne-
cessidade de verificação argumentativa dos fatos continuam em foco no deba-
te público, colocando em dúvida a capacidade das demonstrações do exercício
da democracia nas sociedades ocidentais. Isso porque estamos, atualmente,
em uma era que, com o estímulo das redes sociais, os discursos falaciosos
tomam conta de um imaginário coletivo que desconsidera (ou desconhece)
uma ciência tão importante quanto a lógica. Vamos sair desse círculo vicioso
de desinformação, caro(a) aluno(a)? Convido você, então, para conhecer um
pouco das falácias mais comuns de nossa sociedade; afinal, identificando-as,
não iremos propagá-las.
UNICESUMAR
157
Caro(a) aluno(a), vimos no decorrer da nossa disciplina que a lógica é a
vertente da filosofia que objetiva analisar o raciocínio sob a expressão de
sua validade. De acordo com Alcoforado (2013, p. 1), a lógica é o “estudo
sistemático dos raciocínios (ou argumentos ou inferências) dotados de real
capacidade probativa (ou demonstrativa)”. Por intermédio da sistematização
dos silogismos, a lógica permite que se conclua a verdade de uma proposição,
eliminando as possibilidades de erros e contradições. Nesse sentido, na mes-
ma medida em que busca a demonstração da validade dos argumentos com
raciocínios válidos, podemos considerar que ela também busca identificar
aqueles que não são válidos.
Certamente, uma das partes mais interessantes do estudo da arte da cons-
trução de argumentos são as falácias. Nesta unidade, exploraremos, dentre
outros elementos, esse componente da lógica que fornece a nós instrumentos
para identificarmos quais argumentos ouvimos em nosso cotidiano, mas não
são válidos, logo, não são lógicos. Para iniciar nosso estudo e compreender-
mos melhor a temática, vamos retomar três conceitos básicos já estudados
nas unidades anteriores, que estão intimamente conectados: falácia, sofisma,
paralogismo e erística.
FALÁCIA: Derivado do latim fallere, falácia signi�ca “enganar”. Japiassú
e Marcondes (2008, p. 73) de�nem falácia enquanto um “argumento
envolvendo uma forma não-válida de raciocínio. Argumento errôneo,
que possui a aparência de válido, podendo isso levar à sua aceitação.
Por círculo vicioso; petição de princípio: so�sma”.
SOFISMA: “Raciocínio que
possui aparentemente a
forma de um silogismo,
sem que o seja, sendo
usado assim de modo a
produzir a ilusão de
validade, e tendo como
conclusão um paradoxo ou
um impasse. Ex.: Este cão é
meu, este cão é pai: logo,
este cão é meu pai.
Segundo Platão e
Aristóteles, os so�stas
usavam esse tipo de
raciocínio para provocar a
perplexidade em seus
interlocutores ou para
persuadi-los. Aristóteles,
em seu tratado Refutações
so�sticas, analisa os vários
tipos de so�smas de modo
a revelá-los como
falaciosos” (JAPIASSÚ;
MARCONDES; 2008, p. 178).
PARALOGISMO: “Raciocínio
falso quanto à suaforma
lógica, porém sem a intenção
de enganar, no que difere do
so�sma” (JAPIASSÚ;
MARCONDES; 2008, p. 147).
Ou seja, um argumento falso,
porém realizado de boa fé
pelo arguidor (ou ao menos
sem a consciência da
falsidade).
ERÍSTICA: Éris, na mitologia
grega, era a deusa da
discórdia (apenas com essa
informação, conseguimos
imaginar como é vista essa
técnica da disputa
argumentativa, não é
mesmo aluno(a)?). Com
base na habilidade verbal,
erística é a “arte da disputa,
derivada sobretudo da
prática dos so�stas que a
desenvolveram e
sistematizaram. Em um
sentido pejorativo, signi�ca
argumentação que visa ao
sucesso contra o adversário,
independentemente da
preocupação com a
verdade” (JAPIASSÚ;
MARCONDES; 2008, p. 64)
UNIDADE 5
158
Figura 2 - Falácia, sofisma, paralogismo e erística / Fonte: adaptada de Japiassú e Marcondes (2008).
Descrição da Imagem: esquema composto por quadro retângulos, com os seguintes conteúdos: FALÁCIA:
Derivado do latim fallere, falácia significa “enganar”. Japiassú e Marcondes (2008, p. 73) definem falácia en-
quanto um “argumento envolvendo uma forma não-válida de raciocínio. Argumento errôneo, que possui a
aparência de válido, podendo isso levar à sua aceitação. Por círculo vicioso; petição de princípio: sofisma”.
SOFISMA: “Raciocínio que possui aparentemente a forma de um silogismo, sem que o seja, sendo usado assim
de modo a produzir a ilusão de validade, e tendo como conclusão um paradoxo ou um impasse. Ex.: Este cão
é meu, este cão é pai: logo, este cão é meu pai. Segundo Platão e Aristóteles, os sofistas usavam esse tipo
de raciocínio para provocar a perplexidade em seus interlocutores ou para persuadi-los. Aristóteles, em seu
tratado Refutações sofisticas, analisa os vários tipos de sofismas de modo a revelá-los como falaciosos” (JA-
PIASSÚ; MARCONDES; 2008, p. 178). PARALOGISMO: “Raciocínio falso quanto à sua forma lógica, porém sem a
intenção de enganar, no que difere do sofisma” (JAPIASSÚ; MARCONDES; 2008, p. 147). Ou seja, um argumento
falso, porém realizado de boa-fé pelo arguidor (ou ao menos sem a consciência da falsidade). ERÍSTICA: Éris,
na mitologia grega, era a deusa da discórdia (apenas com essa informação, conseguimos imaginar como é
vista essa técnica da disputa argumentativa, não é mesmo, aluno(a)?). Com base na habilidade verbal, erística
é a “arte da disputa, derivada sobretudo da prática dos sofistas que a desenvolveram e sistematizaram. Em
um sentido pejorativo, significa argumentação que visa ao sucesso contra o adversário, independentemente
da preocupação com a verdade” (JAPIASSÚ; MARCONDES; 2008, p. 64).
UNICESUMAR
159
É evidente que os sofistas possuem papel de destaque no florescimento da retóri-
ca, nos quais empregam esboços gramaticais, técnicas de dicção e, principalmente,
o domínio da arte do discurso persuasivo. Podemos compreender também que as
falácias são estruturas linguísticas as quais apresentam argumentos que, todavia,
não são sustentados na conclusão. Mesmo com premissas verdadeiras, as falácias
são silogismos que podem induzir a conclusões falsas. Também denominados,
na literatura, enquanto sofismas ou enquanto elementos da dialética erística, as
falácias são raciocínios inválidos que tentam passar por válidos, comumente com
o intuito de ludibriar o processo argumentativo, apenas para se vencer um debate.
Em nossa terceira unidade, ao estudar a lógica do pórtico, vimos que a lógica
megárica e estoica possui o estilo de argumentação da dialética erística em suas
origens, sendo os primeiros reconhecidos enquanto “mestres na arte de discutir
e, mais precisamente, de embaçar o adversário” (BLANCHÉ; DUBUCS, 1996, p.
99). Inclusive, o fundador da lógica megárica, Euclides, é descrito por se empe-
nhar, em suas disputas verbais, a “refutar os seus adversários, apropriando-sedas
suas conclusões para delas tirar consequências absurdas” (BLANCHÉ; DUBUCS,
1996, p. 99), utilizando-se de recurso falacioso.
A identificação e a classificação das falácias foram essenciais para o desenvol-
vimento da lógica. Na Grécia Antiga, os sofistas focavam o domínio da retórica
no processo de ensino, com o intuito de introduzir um indivíduo que dominas-
se a arte da arguição na vida pública da pólis. Nessa perspectiva, habilitavam o
cidadão para atuar em sociedade mediante o ensino da linguagem, todavia de
maneira fragmentada, porque não ensinavam o aluno a elaborar argumentos por
intermédio de uma linha de raciocínio, mas incentivavam a utilização recursos de
memorização, como jargões, citações e discursos para a disputa pública. Assim,
não almejavam o conhecimento verdadeiro, mas o refinamento da arte do debate,
por meio de uma argumentação convincente.
Vimos, em nossa primeira unidade, que na construção de uma argumentação,
os indivíduos podem, eventualmente, lançar mão de recursos escusos para o con-
vencimento da validade de seus raciocínios, ao ponto de que diversos filósofos de
peso dedicaram seus escritos à temática. O principal autor da lógica, Aristóteles,
fez isso no último livro do Organon, chamado Refutações Sofísticas (também
conhecido como Argumentos Sofísticos ou Elencos Sofísticos). As Refutações
tratam-se de um apêndice aos Tópicos, no qual o estagirita indica diversas falácias
e sofismas empregados em debates. Observe como Aristóteles explica a existência
dos argumentos sofistas e os define:
UNIDADE 5
160
“ Vamos agora tratar dos elencos sofísticos, quer dizer, dos argumentos que parecem sê-los, mas que deveras são paralogismo e não argumen-tos. Começaremos pelo princípio conforme a ordem natural. Que al-
guns silogismos são verdadeiros, enquanto outros parecem ser, embora
não o sejam, é evidente. Esta confusão produz-se nos argumentos, tal
como se produz em outras coisas, em virtude de uma semelhança entre
o verdadeiro e o falso, sendo assim que, entre as gentes, há umas que
tem saúde, enquanto outras só a parecem ter […]; uns são belos por
virtude da beleza natural, enquanto outros parecem belos a poder de
se enfeitarem. O mesmo ocorre nas coisas inanimadas, em que umas
são de ouro e prata verdadeiros, enquanto outras não são tal, ainda que
o pareçam aos sentidos […]. Do mesmo modo, o silogismo e o elenco
umas vezes são verdadeiros outros falsos, ainda que a inexperiência os
tome por verdadeiros, porque as pessoas inexperientes são compará-
veis à que olham as coisas de longe. O silogismo é um razoamento em
que, dadas certas premissas, se extrai uma conclusão consequente e
necessária, através das premissas dada; o elenco é um silogismo acom-
panhado de contradição da conclusão (ARISTÓTELES, 1986, p. 9-10).
Aristóteles afasta-se dos sofistas na questão da utilização da argumentação na medida
que a faz de maneira sistematizada e em busca da argumentação válida. Em sua obra
Retórica, Aristóteles compreende que o homem é um animal político, que está em
sua natureza viver em sociedade, que possui o dom da palavra pela qual consegue
expressar noções de bem e mal, do que é justo e injusto, do que é vício e do que é
virtude. Por intermédio da linguagem, o indivíduo consegue expressar o que capta
pela experiência sensível e, com o domínio da retórica, o sujeito consegue expressar
suas perspectivas, sendo essa um instrumento na liberdade de expressão. Tendo isso
em vista, cabe ao orador ter ciência daquilo que profere em seu discurso, fundamen-
tando-o em verdades filosóficas.
A perspectiva epistemológica da maioria dos sofistas defende que o mundo não
possui uma verdade objetiva capaz de ser apreendida, portanto, um discurso
retórico não possui uma referência extrínseca ao discursante. Desse modo, o
critério de verdade, ou, ainda, de validade de uma argumentação assenta-se
naquele que a executa. Apesar dessa concepção cética quanto à verdade
objetiva, os sofistas acreditavam que as palavras adequadamente empregadas
podem não apenas convencer, mas também modificar opiniões dos ouvintes.
UNICESUMAR
161
Averígua-se, então, caro(a) aluno(a), que os sofistas não buscavam a verdade (nem ao
menos a verossimilhança). Essa forma de utilização dos argumentos ia na contramão
daquilo que Aristóteles acreditava ser o bem proceder na vida política. Cabia ao
orador público promover o bem do Estado, ocupando-se de cultivar a prudência, a
virtude e a benevolência e não se preocupar com o domínio sob os ouvintes, como
faziam os sofistas. Tais demandas também exigiam do orador que estivesse apto para
aconselhar de forma razoável e pertinente, nunca dissimular aquilo que sabe e pensa
e, finalmente, disponibilizar-se a sempre ajudar seu auditório. Santos (2019) afirma
que o “orador deve esforçar-se por implantar a justiça na alma dos seus concidadãos
e eliminar o vício. A retórica deve ser então um instrumento educacional ético-po-
lítico, e nisso consistiria sua legítima função na cidade” (SANTOS, 2019, p. 24).
Examine as duras palavras escolhidas por Aristóteles para referir-se aos sofistas nas Re-
futações, ao dar continuidade na explicação da existência dos argumentos falsos. Logo,
podemos perceber a carga pejorativa que os termos sofista e sofisma carregam:
Assim como há pessoas que preferem parecer sábios a sê-lo, em vez de o serem
mesmo sem parecer, dado que a Sofística é uma sabedoria aparente e não real,
e o sofista é o que negocia uma sabedoria aparente e não real, assim é evidente
que se lhes torna mais necessário parecer que fazem obra de sabedoria do que
fazer obra de sabedoria sem parecer (ARISTÓTELES, 1986, p. 9-10).
Fonte: adaptado de Aristóteles (1986).
EXPLORANDO IDEIAS
Além das considerações epistemológicas e da organização lógica dos silogismos,
Aristóteles também afirma que os sofismas diferem-se na perspectiva dos propósi-
tos, uma vez que possuem o propósito de produzir uma aparência falsa de sabedo-
ria. Na obra Metafísica, Aristóteles reforça que “a sofística e a dialética encontram-se
voltadas para o mesmo gênero que a filosofia. Mas a filosofia difere de uma pelo
modo da sua capacidade, e, da outra, pelo propósito de vida” (ARISTÓTELES, 2012,
p. 165), ou seja, enquanto uma almeja conhecer a verdade, a outra busca apenas
aparentar sabedoria. Aristóteles introduz distinções entre os argumentos utilizados
nos debates: sofismas, didascálicos, dialéticos, críticos e erísticos. Veja:
UNIDADE 5
162
SOFISMAS: O argumento sofístico […] é aquele que, além
de almejar produzir uma aparência ou reputação de
sabedoria, almeja ganhar dinheiro com essa reputação
(ANGIONI, 2012, p. 188).
DIDASCÁLICOS: “Argumentos que razoam a partir de
princípios próprios de cada disciplina, e não a partir das
opiniões de quem responde, pois importa que o discípulo
deles esteja persuadido” (ARISTÓTELES, 1986, p. 12), uma
vez que quem aprende deve aceitar as coisas em con�ança.
CRÍTICOS: São os argumentos que “razoam a partir de
premissas que parecem verdadeiras a quem responde, e
que deve conhecer naturalmente o tema que nelas se acha
implícito” (ARISTÓTELES, 1986, p. 13).
DIALÉTICOS: “Argumentos que concluem, a partir de
premissas prováveis, a contradição da tese dada”
(ARISTÓTELES, 1986, p. 12).
ERÍSTICOS: “Argumentos que concluem, ou parecem
concluir, a partir de premissas prováveis na aparência, mas
na verdade improváveis” (ARISTÓTELES, 1986, p. 13). Angioni
(2012, p. 118) acrescenta que o argumento erístico “apenas
visa à vitória na discussão a qualquer preço, certamente
tendo em vista produzir uma aparência ou reputação de
sabedoria”.
ARISTÓTELES
Figura 3 - Argumentos aristotélicos / Fonte: adaptada de Aristóteles (1986) e Angioni (2012).
Descrição da Imagem: desenho do busto de Aristóteles e, ao lado, um esquema formado por retângulos,
contendo os seguintes argumentos aristotélicos: SOFISMAS: O argumento sofístico “[…] é aquele que, além
de almejar produzir uma aparência ou reputação desabedoria, almeja ganhar dinheiro com essa reputação”
(ANGIONI, 2012, p. 188). DIDASCÁLICOS: “Argumentos que razoam a partir de princípios próprios de cada
disciplina, e não a partir das opiniões de quem responde, pois importa que o discípulo deles esteja persuadido”
(ARISTÓTELES, 1986, p. 12), uma vez que quem aprende deve aceitar as coisas em confiança. DIALÉTICOS:
“Argumentos que concluem, a partir de premissas prováveis, a contradição da tese dada” (ARISTÓTELES, 1986,
p. 12). CRÍTICOS: São os argumentos que “razoam a partir de premissas que parecem verdadeiras a quem
responde, e que deve conhecer naturalmente o tema que nelas se acha implícito” (ARISTÓTELES, 1986, p. 13).
ERÍSTICOS: “Argumentos que concluem, ou parecem concluir, a partir de premissas prováveis na aparência,
mas na verdade improváveis” (ARISTÓTELES, 1986, p. 13). Angioni (2012, p. 118) acrescenta que o argumento
erístico “apenas visa à vitória na discussão a qualquer preço, certamente tendo em vista produzir uma apa-
rência ou reputação de sabedoria”.
UNICESUMAR
163
Aristóteles explica nas Refutações que os raciocínios se baseiam em juízos, que
implicam em uma afirmação de algo que não foi afirmado inicialmente, mas que
aparecerá na conclusão do silogismo. Já uma refutação, por sua vez, é um raciocí-
nio contrário à conclusão prévia. Algumas refutações, de acordo com Aristóteles,
não alcançam seu objetivo por diferentes razões, sendo a mais comum e construtiva
destas o argumento que gira em torno de nomes.
Por utilizarmos os nomes das coisas nas discussões, enquanto símbolos, e não
a coisa em si (por exemplo, ao debater sobre um sujeito específico, utilizamos o seu
nome para indicá-lo, todavia a discussão limitar-se-á ao que a imagem que aquele
homem representa de acordo com a percepção do arguidor, e não desse homem em
toda sua essência), Aristóteles afirma que é impossível realizar uma discussão das
coisas próprias em si.
Para esclarecer, Aristóteles recorre ao exemplo daqueles que utilizam pedras para
um cálculo matemático: a pessoa pode realizar uma operação e chegar a um resul-
tado, porém essas pedras são finitas; já os números, são infinitos. O mesmo ocorre
com o nome das coisas. Os nomes são finitos, enquanto as coisas são infinitas em
número. Nesse sentido, é inevitável que tanto um cálculo quanto um nome possuam
significados diferentes. E quem não possui a habilidade de calcular, utilizando as
pedrinhas, pode ser ludibriado por quem sabe; na arte da argumentação quem não
domina o poder da utilização dos nomes pode se tornar vítima de um raciocínio
falso, tanto ao discutir quanto, apenas, a ouvir.
Reduzindo a questão a uma pessoa que possui conhecimento sobre algo, deve ela
ter os vícios de raciocínio naquilo que domina, bem como ser capaz de desmascarar
aquele que utiliza argumentos capciosos. Dessa maneira, o indivíduo deve ser apto
não apenas em justificar e defender aquilo que afirma, mas também fazer com que
seu adversário apresente as razões de seu discurso, para que não manipule a verdade.
UNIDADE 5
164
Devemos relembrar, nesse contexto, que os sofistas eram preceptores que
lecionavam mediante pagamento, logo, possuíam interesse direto em serem
reconhecidos como uma figura de reputação e prestígio, visando à possibi-
lidade de enriquecimento, sendo essa uma das razões pela qual Aristóteles
“censura o uso que os sofistas faziam das palavras, os quais incorriam […]
no mal moral. O mal moral seria a ênfase dada pelos sofistas na excitação
das paixões dos ouvintes e por visarem somente o interesse próprio, que em
nada favoreceria o bem da cidade” (SANTOS, 2019, p. 24).
É nessa conjuntura das disputas públicas que Aristóteles verifica a neces-
sidade da instrumentalização de regras para a formulação dos silogismos,
consistindo na lógica enquanto um estudo sistemático dos raciocínios que
possuem capacidade demonstrativa, evitando a propagação de doutrinas
falsas. Nas Refutações, Aristóteles explica que seu objetivo era “descobrir uma
faculdade capaz de raciocinar sobre o problema posto ante nós a partir das
premissas mais geralmente aceitas que existem, porquanto é esta a função
da dialética em si mesma e da arte do exame” (ARISTÓTELES, 1986, p. 118).
Aristóteles acrescenta que não bastava a capacidade de raciocinar e con-
duzir uma argumentação, mas “também a descoberta de como, ao sustentar
um argumento, devemos defender nossa tese por meio das premissas de
aceitação mais geral de uma maneira coerente” (ARISTÓTELES, 1986, p.
108). Vamos retomar o que é silogismo para o filósofo, de acordo com os
Primeiros Analíticos:
“ O silogismo é uma locução em que, uma vez certas suposições sejam feitas, alguma coisa distinta delas se segue necessariamen-te devido à mera presença das suposições como tais. Por ‘devido
à mera presença das suposições como tais’ entendo que é por
causa delas que resulta a conclusão, e por isso quero dizer que
não há necessidade de qualquer termo adicional para tomar a
conclusão necessária (ARISTÓTELES, 1985, p. 111).
UNICESUMAR
165
Caro(a) aluno(a), se houver alguma necessidade, retome a teoria dos silogismos
na segunda unidade. De maneira simplificada, o silogismo é um raciocínio que
possui, ao menos, três proposições, das quais pelas duas primeiras se é possível
chegar a uma hipótese ou conclusão. A premissa maior do silogismo deve conter
o termo maior e o termo médio. A premissa menor deve conter o termo médio
e o menor. As proposições devem possuir um sujeito (S) e um predicado (P) que
podem se relacionar de maneira contrária, subcontrária, subalterna ou contra-
ditória, conforme vimos no Quadrado das Oposições. Exemplificaremos alguns
silogismos para refrescar a memória:
Premissa maior: Para passar no vestibular, é necessário estudar.
Premissa menor: João passou no vestibular.
Conclusão: Logo, João estudou.
Premissa maior: Todos os bolos são doces.
Premissa menor: Bolos engordam.
Conclusão: Logo, doces engordam.
Premissa maior: Todo homem é mortal.
Premissa menor: Sócrates é homem.
Conclusão: Logo, Sócrates é mortal.
Premissa maior: Nenhum herói é covarde.
Premissa menor: Alguns soldados são covardes.
Conclusão: Logo, alguns soldados não são heróis.
Premissa maior: Os planetas orbitam em torno do Sol.
Premissa menor: A Terra gira em torno do Sol.
Conclusão: Logo, a Terra é um planeta.
Além de possuir uma estrutura determinada para a sistematização do raciocínio,
para ser considerado válido, o silogismo deve contemplar determinadas regras de
verificação, para que não se torne falacioso. Dentre essas regras, podemos destacar:
UNIDADE 5
166
A. Falácia de extração de uma conclusão afirmativa de uma premissa
negativa: se uma premissa for negativa, então a conclusão será negativa.
B. Falácia dos 4 termos: todo silogismo tem apenas 3 termos: maior,
médio e menor. Quando um termo é ambíguo, pode induzir o argumento ao
erro. Vamos exemplificar com um silogismo:
Todas as frutas são saborosas.
Manga é uma fruta.
A manga da camiseta é saborosa.
O termo menor é a manga (da camiseta), o termo médio é fruta, o termo maior
é saborosa. Todavia existe um quarto termo que invalida o raciocínio, pois na
segunda premissa, a manga indicada refere-se à fruta.
C. Falácia do termo médio não distribuído: ocorre quando o termo que liga
as premissas não abrange toda a classe que pertence. O termo médio deve es-
tar distribuído ao menos uma vez nas premissas, ou seja, o termo médio pode
ser universal nas duas premissas e particular em uma. Porém não pode ser
particular nas duas premissas. O termo médio deve ser universal (afirmativo ou
negativo), distribuído em, pelo menos, uma das premissas. Vamos ao exemplo:
Alguns estudantes são pessoas com espírito crítico.
Alguns filósofos são pessoas com espírito crítico.
Logo, alguns estudantes são filósofos.
D. Falácia da ilícita maior: todo termo distribuído na conclusão também
deve estar distribuído nas premissas. Essa falácia ocorre quando o termo
menor tem mais extensãona conclusão do que na premissa.
Nenhum homem é uma mulher.
Algumas mulheres são alemãs.
Logo, todos os homens não são alemães.
E. Falácia das premissas exclusivas: não é possível que as duas premissas
sejam negativas (sejam essas universais ou particulares).
Nenhum carioca é paulista.
Nenhum paulista é fluminense.
Logo, nenhum carioca é fluminense.
Tal hipótese da conclusão é, obviamente, uma falácia, uma vez que ser carioca
implica, necessariamente, em também ser fluminense.
UNICESUMAR
167
Agora que retomamos os silogismos, aprendemos o significado de falácia e sua
inter-relação com a erística e sofística e aprofundamos nossos conhecimentos
sobre o cenário filosófico e histórico, no qual os debates sobre os argumentos
falaciosos emergiram, que tal conhecermos as falácias mais famosas?
1. Argumentum ad hominem: é um raciocínio que implica um ataque dire-
to ao argumentador e não ao argumento, no qual não se trata de verificar a
validade de um argumento ou a plausibilidade de uma proposição. Quan-
do não existe uma forma lógica de se refutar um argumento, o arguidor
apela para a desqualificação de alguma conduta pessoal de seu debatedor.
Pode ser exemplificado com a tirinha de abertura desta unidade ou, ainda,
com a sentença “Nietzsche faleceu louco, logo sua contribuição para o
estudo da razão humana deve ser desconsiderada”.
2. Falácia do espantalho: consiste na distorção de um argumento para
tentar refutá-lo. Trata-se de uma falácia, pois, de maneira intencional
ou não, o arguidor distorce aquilo que seu oponente falou. Veja um
exemplo a seguir:
Vamos aprofundar um pouco mais nossos conhecimentos sobre falácias, utilizando defi-
nição do conceito para a lógica medieval. Observe a definição de Nicola Abbagnano (2007)
e o enfoque que cada periodização (Antiguidade, Idade Média, Modernidade e Contempo-
raneidade) do estudo da lógica dedicou à temática:
Pedro Hispano disse: “Falácia é a idoneidade fazendo crer que é aquilo que não
é, mediante alguma visão fantástica, ou seja, aparência sem existência” (Summ.
log., 7.03).[...] A doutrina das falácias foi uma das partes mais cultivadas da lógica
medieval, mas perdeu quase toda importância na lógica moderna. Cerca de me-
tade das Summulae logicales (séc. XIII) de Pedro Hispano é dedicada à refutação
das falácias. Mas já na Lógica de Port-Royal a ela é dedicado um único capítulo
(o XIX da parte III), que constitui cerca da vigésima parte do tratado. Na lógica
contemporânea esse assunto desapareceu de todo (ABBAGNANO, 2007, p. 426).
Fonte: adaptado de Abbagnano (2007).
EXPLORANDO IDEIAS
UNIDADE 5
168
Eu penso que o governo
deveria investir mais em
educação para a população,
pois um povo educado não
é subjugado e...
Nossa, quer dizer que, pra você, a
segurança pública não é importante?
Você tem noção de quanto ganha
um policial? Só professores merecem
aumento, então?
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Figura 4 - Falácia do espantalho / Fonte: a autora.
Descrição da Imagem: história composta por dois quadros. No primeiro, temos o desenho de um homem
grisalho que diz “Eu penso que o governo deveria investir mais em educação para a população, pois um povo
educado não é subjugado e…” a um policial. No segundo quadro, o policial diz “Nossa, quer dizer que, para
você, a segurança pública não é importante? Você tem noção de quanto ganha um policial? Só professores
merecem aumento então?” e o homem grisalho, com as mãos cruzadas abaixo do tórax, pensa: “Meu Deus,
mas eu não disse isso…”.
3. Reductio ad absurdum: é um argumento que busca demonstrar que a
premissa é falsa, pois, por ela, chega-se a uma conclusão inconsistente,
absurda ou ridícula. Exemplo desse tipo de raciocínio falacioso: um fi-
lho deseja ir a uma festa e justifica a seus pais que todos os seus amigos
irão, logo pai argumenta ao filho que se todos os amigos pulassem de um
abismo, o filho também desejaria segui-los.
4. Ad verecundiam: conhecida também como argumento de autoridade,
trata-se de uma falácia informal que apela para a reputação de si ou de
uma autoridade para sustentar o argumento. Na atualidade, nós vemos a
utilização desta falácia, por exemplo, quando opiniões de figuras públi-
cas ditas influenciadoras são tratadas como autoridade para validar um
argumento ou não. É bastante comum a utilização desse tipo de falácia
em estratégias de marketing.
UNICESUMAR
169
É comum observarmos, por exemplo, slogans do tipo: “90% dos dentistas re-
comendam a utilização de determinado enxaguante bucal”. Com uma rápida
reflexão, é fácil perceber que se trata de uma frase de efeito, pois esses dados não
foram, de fato, coletados com todos os dentistas em atuação de determinada qua-
lidade. Acrescenta-se, para além da reflexão, com uma simples e rápida pesquisa
na internet, que os benefícios do uso de tal produto sequer são unanimidades
dentro da área da saúde bucal. Quer um outro exemplo? Veja a imagem:
Como ousa me multar?!
Você sabe com quem está
falando? Eu sou advogado!
Conheço meus direitos!
Figura 5 - Ad verecundiam / Fonte: a autora.
Descrição da Imagem: quadrinho ilustrado, exemplificando a falácia Ad verecundiam. Temos um motorista
dentro de um carro azul sendo multado por um guarda. O motorista diz ao guarda: “Como ousa me multar?!
Você sabe com quem está falando? Eu sou advogado! Conheço meus direitos!”.
5. Falácia do verdadeiro escocês: trata-se de uma falácia não formal, que
compreende em um raciocínio que considera uma atitude ou caracterís-
tica particular como geral e determinante. Para compreender a origem
dessa falácia, leia o diálogo e reflita se, alguma vez em sua vida, você já
ouviu alguma falácia parecida:
UNIDADE 5
170
Sujeito 1: Nenhum escocês bebe uísque com gelo.
Sujeito 2: Eu tenho um amigo escocês que só bebe uísque com gelo.
Sujeito 1: Nenhum escocês de verdade põe gelo no uísque.
Exemplos que vemos desse tipo de falácia com facilidade nas redes sociais
cotidianamente, uma vez que são temáticas em voga: “as mulheres são fúteis
e interesseiras”, “todo homem é um estuprador em potencial”, “todo político é
corrupto”, “todos os evangélicos são intolerantes”.
NOVAS DESCOBERTAS
Pela perspectiva psicológica, o humor é uma atitude utilizada
para expressar e realçar aquilo que há de caricato e anedótico
no comportamento humano. Desde a Antiguidade Clássica,
como as comédias escritas por Aristófanes, por exemplo, a
humanidade recorre à expressão artística para denunciar
situações do dia a dia bem como para criticar, de maneira leve
e irônica, pontos problemáticos da cultura em que estamos
inseridos. Sabemos que as falácias estão presentes em nosso
cotidiano. Vamos verificar como alguns grupos de humor
contemporâneo retrataram algumas falácias?
Acesse no QR Code ao lado.
Argumentum ad
hominem:
Ad verecundiam:
6. Falácia da falsa causalidade post hoc ergo propter hoc: do latim,
post hoc ergo propter hoc significa “depois disso; portanto, causa disso”,
é uma falácia não formal que pode estar presente em uma argumenta-
ção que justifique um acontecimento mediante uma causa. Todavia é
explícito que não existe, de maneira lógica, uma conexão entre os dois
eventos. Por exemplo, lembra-se de que, em todos os jogos da Copa
do Mundo de 2010, os quais o cantor Mick Jagger torceu para deter-
minada seleção, essa acabava por perder o jogo, trazendo ao roqueiro
uma fama de pé-frio?
https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/12600
https://apigame.unicesumar.edu.br/qrcode/12601
UNICESUMAR
171
Esse exemplo tratou-se de uma grande brin-
cadeira, que os brasileiros faziam nas redes
sociais, pedindo para que o cantor não usasse
a camiseta da seleção brasileira, pois é óbvio
que um evento (como alguém torcer para um
time) não influencia em nada na derrota em
uma partida, não é mesmo? Mas existem situa-
ções nas quais as pessoas tentam argumentar,
utilizando esse tipo de falácia de maneira
extremamente prejudicial, para culpabi-
lizar as vítimas dos mais diversostipos
de violência. Infelizmente, não é raro nos
depararmos nas redes sociais com discursos
que seguem linhas de raciocínio dos tipos: “se
não estivesse na rua de madrugada, não seria
assaltado”, “se estivesse na igreja, isso não teria
acontecido”, “se não usasse roupas curtas, não
seria assediada”.
7. Falácia da falsa dicotomia: a falácia da
falsa dicotomia ocorre quando as premis-
sas do raciocínio são dispostas de forma
disjuntiva (ou isto… ou aquilo) com o
intuito de fazer o ouvinte acreditar que
só existem duas alternativas
possíveis no que tange à
questão discutida. Veja
um exemplo que nos
deparamos muito
nos dias de hoje:
UNIDADE 5
172
Não sei...os outros
candidatos não possuem
nome de peso. No atual
é que não voto!
2022 será um ano
agitado. Haverá
eleições... em quem
você irá votar?
Não sei, amiga, mas
não estou satisfeita
com o atual governo.
Ah, quer dizer que
você vai votar em
ex-presidiário?
COMUNISTA! FASCISTA!
Figura 6 - Falácia da falsa dicotomia
Descrição da Imagem: Ilustração composta por quatro quadros, nos quais duas mulheres conversam e
tomam café. No primeiro quadro, a personagem de cabelos curtos e castanhos comenta “2022 será um
ano agitado. Terá eleições. Em quem você irá votar?”. A outra personagem, de cabelos pretos e longos,
responde: “Não sei, amiga, mas não estou satisfeita com o atual governo”. No segundo quadro, a perso-
nagem de cabelos castanhos pergunta: “Ah, quer dizer que você vai votar em ex-presidiário?”. No terceiro
quadro, a personagem de cabelos pretos responde: “Não sei… Outros candidatos não possuem nome de
peso. No atual é que não voto!”. No último quadrinho, a personagem de cabelo castanho pensa de sua
amiga: “Comunista”, e a de cabelo preto pensa: “Fascista!”.
UNICESUMAR
173
A falsa dicotomia é um discurso falacioso que vemos muito em nosso cotidiano,
especialmente na política, no qual as pessoas acreditam que só existem duas
vertentes possíveis: direita ou esquerda. E isso não é verdadeiro, uma vez que os
mais diversos espectros políticos existem e nenhum deles é guardião da verdade
absoluta, muito menos salvadores da pátria. De maneira quase maniqueísta, as
pessoas escolhem lados como se houvesse uma batalha do bem contra o mal, no
qual aqueles que pensam diferente tornam-se detestáveis opositores.
8. Falácia da falsa equivalência: trata-se de uma falácia que ocorre quando
os dois argumentos dos debatedores são apresentados como equivalentes,
semelhantes, mas não o são. Geralmente, ocorre em discussões políticas
e científicas. Um exemplo bastante atual é o debate sobre o verdadeiro
formato da Terra. A despeito de todos os estudos realizados pela huma-
nidade, desde a Antiguidade, observamos que algumas pessoas, com base
em posicionamentos ideológicos, ignoram as descobertas científicas e
não apenas acreditam, mas também divulgam, que a Terra é plana. Dar
voz a esse tipo de argumento é tratá-lo com a mesma relevância daquele
que afirma ser a Terra esférica, ou seja, é atribuir o mesmo valor aos dois
lados da discussão, quando não existe essa igualdade.
Outro exemplo que podemos dar é uma análise do último quadrinho da falácia
nº. 7: as colegas denominam uma à outra, mesmo que em pensamento, de co-
munista e de fascista. Mesmo detestando e desprezando o político e tudo o que
esse candidato representa, tais alcunhas não são as adequadas para exprimir o
que aquele suposto espectro político defende. Comparar alguém de direita ao
fascismo e alguém de esquerda ao comunismo como se fossem equivalentes é
uma falácia, pois obviamente, não o são. Nenhuma das duas são responsáveis
pelas atrocidades que ambos regimes produziram. Colocá-las em equivalência,
para além de falacioso, é cruel e anacrônico.
UNIDADE 5
174
9. Argumentum ad Nauseam: a falácia Argumentum ad Nauseam vem
da definição do latim “argumentar até a náusea”. Nesse tipo de falácia, o
argumentador praticamente vence pelo cansaço, pois repete exaustiva-
mente seu raciocínio até a náusea do oponente. Você alguma vez já ligou
a televisão em um telejornal e pensou “não aguento mais ver isso, só se fala
disso”? Esse tipo de falácia é muito utilizado nos meios de comunicação,
no qual uma narrativa é repetida diversas vezes, até que a população co-
meça a acreditar naquilo que é dito sem questionar. Lembre-se: é sempre
importante utilizarmos nossa criticidade e capacidade de reflexão para
não nos deixarmos manipular pela mídia.
Figura 7 - Argumentum ad Nauseam
Descrição da Imagem: ilustração de uma mulher tapando seus ouvidos, sua expressão apresenta os
olhos fechados e a boca arqueada para baixo. Ela está sentada a uma mesa, em frente ao notebook; à
sua esquerda, há um vaso com plantas e, à direita, dois livros empilhados.
10. Argumentum ad ignorantiam: a falácia “apelo à ignorância” constitui-se
quando o desconhecimento de um fato é utilizado para sustentar um
argumento, ou seja, quando alguém afirma que uma proposição é ver-
dadeira/falsa, porque ninguém provou o contrário. Exemplo: apesar de
muitos estudos, ninguém conseguiu provar que existe vida fora da Terra,
logo, não há vida extraterrestre.
UNICESUMAR
175
11. Argumentum ad baculum: derivado do latim, refere-se a um apelo à for-
ça, ou seja, uma forma de argumentação, na qual, direta ou indiretamente,
o debatedor recorre a um incitamento coercitivo em seu arguidor. Dessa
maneira, o adversário é, praticamente, obrigado a aceitar a conclusão do
raciocínio. Exemplos: “não me corrija, sou sua mãe”, “faça o que te mando,
senão irei despedi-lo”, “se não for assim, não brinco mais”.
12. Argumentum ad misericordiam: do latim, significa apelo à misericórdia.
Trata-se de vencer um debate mediante a conquista da simpatia e empatia
da plateia, ou seja, ganhar uma discussão fazendo o papel de vítima ou
digna de pena. Esse tipo de argumentação acontece (E MUITO) em rea-
lity shows, nos quais vemos participantes tentando conquistar o prêmio
e o público, fazendo-se de “coitadinho”.
Caro(a) aluno(a), vimos que a lógica é a arte de discorrer, de
argumentar. Quando argumentamos, precisamos seguir al-
gumas regras para que ele seja válido, ou seja, é necessário
seguir uma linha de raciocínio. Se acaso não seguimos essas
regras, corremos o risco de discursar algumas falácias. As
falácias, à primeira vista, parecem bons argumentos, porém,
quando analisados por alguém que conhece a lógica, tais ar-
gumentos caem por terra, perdendo a credibilidade. Vamos
conhecer um pouco mais sobre outros tipos de falácias?
Convido você para nossa roda de conversa!
Você se recorda que estudamos na terceira unidade de nosso material a erística,
especialmente com os megáricos, no qual alguns filósofos dessa escola, como
Eubúlides e Euclides, chegaram a ser definidos por Diógenes Laércio (180-240)
enquanto verdadeiros encrenqueiros, de tanto que amavam a arte de debater com
adversários. De acordo com Mora (2001):
“ O abuso do argumentar pelo mero argumentar, em que pareciam se comprazer alguns dos megáricos, levou muitos a identificarem a erís-tica com a sofística e a dialética, com a consequência de que a erística
foi definida como um exagerado apetite por triunfar sobre o adversá-
rio por cima das exigências da verdade, e sem levar em conta outros
gêneros e qualquer outra classe de sofismas. É o sentido que tem ainda
hoje o termo ‘erística’ na literatura filosófica (MORA, 2001, p. 1.048).
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176
Agora que ampliamos
nossos conhecimentos
sobre as falácias, que tal
conhecer um pouco mais
da erística, pela perspec-
tiva de um filósofo do
século XIX? Para finali-
zar nosso conteúdo sobre
argumentação, conhece-
remos o filósofo alemão
Arthur Schopenhauer
(1788-1860).
Para introduzir a obra
schopenhaueriana, intitu-
lada A Arte de Ter Razão:
38 Estratégias para Ven-
cer Qualquer Debate, va-
mos, primeiro, fazer algu-
mas colocações a respeito
do conceito de composi-
ção da obra: a erística.So-
bre a origem etimológica
Morgantti Pedroso (2016,
p. 13) explica:
“ De acordo com o relato da mitologia grega, segundas intenções travestidas de informação imparcial foram a origem da Guerra de Troia; o Pomo da Discórdia, razão última da indução de um juízo
ad hoc por meio de fundamentações extra-argumentativas, foi o
motivo de o Ocidente atribuir a Éris, potestade grega chamada Dis-
córdia pela tradição latina, o estilo de argumentação em que o que
importa é a vitória, pouco importando o meio.
Em sua obra, Schopenhauer denomina-a enquanto dialética erística e define-a
enquanto “a arte de discutir, e mais especificamente de discutir de modo a ter razão,
Figura 8 - Arthur Schopenhauer
Descrição da Imagem: imagem ilustrativa do busto de Arthur
Schopenhauer. É retratado um homem calvo que olha para o
retratista, com cabelo e costeleta brancas. Usa vestes da época,
um casaco em que vemos os dois primeiros botões e um lenço
amarrado sob a gola da camisa.
UNICESUMAR
177
isto é, per fas et nefas (por meios lícitos ou ilícitos)” (SCHOPENHAUER, 2014, p.
16), sendo a arte de disputar capaz de proporcionar ao indivíduo razão mediante
duas situações diversas, pois “é possível ter razão objetiva na questão em si e, no
entanto, aos olhos dos presentes, por vezes mesmo aos próprios olhos, não ter razão”
(SCHOPENHAUER, 2014, p. 16).
Nas notas introdutórias da obra de Arthur Schopenhauer, o filósofo e
linguista Karl Otto Erdmann introduz o texto com astúcia, definindo um
aspecto puro e simples dos debates, que muitas vezes se encontra velado, ou
nas entrelinhas: “como em qualquer disputa, em uma discussão o que está em
ação não é o desejo pela verdade, mas o desejo pelo poder. E o ser humano, que
não é um ser especialmente nobre, revela seu lado mais sombrio: a vaidade e
a hipocrisia triunfam” (ERDMANN, 2014, p. 10).
Erdmann (2014) vai além e explica como a derrota, em um debate, não é apenas
uma questão intelectual, uma vez que ter seu argumento refutado indica inferiorida-
de de raciocínio, pois “desafiar uma convicção soa como desvalorizar a personalidade;
uma refutação é considerada acusação de inferioridade intelectual” (ERDMANN,
2014, p. 10). Dessa maneira, cada arguidor “se agarra desesperadamente às suas afir-
mações; mesmo aqueles que duvidam da legitimidade de sua causa, fazem todos os
esforços para, pelo menos, parecer vitoriosos” (ERDMANN, 2014, p. 10).
É importante destacar que, diferentemente dos primórdios do estudo da lógica,
Schopenhauer (2014, p. 17) faz uma diferenciação entre lógica e dialética “a lógica
tem a ver com o conteúdo da argumentação e a dialética tem a ver com o convenci-
mento dos demais”. Nesse contexto, os debatedores, sem a preparação intelectual e
que não dominam a silogistica tendem a atacar-se intencionalmente, e isso é visto em
nosso cotidiano. Observe a citação de Erdmann (2014) a seguir que, mesmo sendo
escrita há quase um século, é facilmente aplicada na atualidade:
“ Assim atacam muitas vezes de maneira intencional, e outras tantas vezes de forma parcial ou completamente passional com todos os tipos de truques e subterfúgios dialéticos. E eles são numerosos e
variados, mas repetem-se por toda parte: nas conversas diárias e
nas polêmicas dos jornais, em debates parlamentares e em proces-
sos judiciais; e até mesmo em discussões acadêmicas, deparamos
hoje com os mesmos truques e subterfúgios utilizados há séculos
(ERDMANN, 2014, p. 10).
UNIDADE 5
178
Essa perspectiva pessimista de Erdmann (2014) vai de encontro com o pen-
samento do filósofo que introduz. Schopenhauer (2014) afirma que essa deso-
nestidade na maneira de utilizar as técnicas de argumentação e a busca do con-
vencimento mediante recursos escusos advém da vaidade perversa da natureza
humana, que busca ter razão a qualquer custo:
“ Se não fosse isso, se fôssemos completamente honestos, então em todo debate teríamos a intenção de exigir que a verdade fosse mos-trada, sem nos preocupar se nossa opinião ou a do outro é que estava
correta: isso seria absolutamente indiferente, ou pelo menos algo
completamente secundário. Mas a natureza humana torna esta a
questão central. A vaidade congênita, que é sensível em especial em
relação às faculdades intelectuais, não quer reconhecer estar errada,
e que o oponente tenha razão. Pela lógica, cada um deveria apenas
se esforçar para emitir opiniões verdadeiras, sólidas, para o que seria
preciso primeiro pensar e depois falar. Mas à vaidade congênita, se
juntam a verborragia da maioria e a doentia desonestidade do ho-
mem. Falam antes de pensar, e depois percebem que sua afirmação
era falsa ou que não tinham razão; ainda assim, atuam de modo
a parecer o contrário. O interesse pela verdade, que deveria ser o
único motivo da proposição de afirmações, é totalmente substituído
pelo interesse da vaidade: a verdade deve parecer falsa e o falso deve
parecer verdadeiro (SCHOPENHAUER, 2014, p. 10).
Observe, a seguir, o esquema fundamental para qualquer discussão, estabele-
cido por Arthur Schopenhauer (2014), do qual todo tipo de controvérsia pode
reduzir-se:
UNICESUMAR
179
ARGUMENTO
Refere-se à questão
(AD REM)
Refere-se ao homem
(AD HOMINEM)
REFUTAÇÃO
Direta
sobre a tese
Indireta
sobre a consequência da tese
Premissa
falsas
Conclusões
falsas
Levar
dúvida
Exceções para
destruir a tese
Figura 9 - Esquema de discussões / Fonte: adaptação de Schopenhauer (2014).
Schopenhauer (2014) ensina, em sua obra, que, antes de tudo, deve se considerar
a essência de um debate, do que realmente está em questão na discussão. Após o
oponente introduzir uma tese/afirmação/argumento, existem dois modos para
desenvolver uma refutação: pelo foco na questão (ad rem) ou pelo foco no opo-
nente (ad hominem), ou seja, refuta-se mediante a discordância com a natureza
da coisa (verdade absoluta objetiva) ou pela demonstração relativa.
Descrição da Imagem: esquema de discussões em que temos, em três linhas, os seguintes pontos: na
primeira linha, o argumento, que se desmembra em “refere-se à questão” (ad rem) e “refere-se ao ho-
mem” (ad hominem). Na segunda linha, a refutação divide-se em: direta (sobre a tese) e indireta (sobre
a consequência da tese). Na terceira linha, estão desmembramentos da direta (que são as “premissas
falsas” e as “conclusões falsas”) e da indireta (que são “levar dúvida” e “exceções para destruir a tese”).
UNIDADE 5
180
Os métodos a serem utilizados para refutação também são dois: direto e
indireto. No direto, os ataques são feitos aos fundamentos do argumento e, nos
indiretos, ataca-se as consequências da argumentação. Desse modo, “os diretos
mostram que a tese não é verdadeira, os indiretos que ela não pode ser verdadeira”
(SCHOPENHAUER, 2014, p. 24). O filósofo explica:
“ Nos diretos, podemos fazer duas coisas. Ou mostramos que os fun-damentos da afirmação são falsos (nego majorem, minorem); ou admitimos os fundamentos, mas mostramos que a afirmação não
leva às consequências (nego consequentiam), assim atacamos as
consequências, ou a forma da conclusão. Para as refutações indi-
retas, utilizamos o recurso da apagogia ou da instância (SCHOPE-
NHAUER, 2014, p. 24).
Que tal conhecermos, de maneira sucinta, os trinta e oito estratagemas que Ar-
thur Schopenhauer (2014) descreve em sua obra? Reforço que o objetivo do
filósofo era dar subsídios para que se identificassem as estratégias da dialética
erísticas, quando utilizadas em um debate, para mais facilmente refutá-las e não
cair em argumentações capciosas:
1. Generalize as afirmações do seu oponente: trata-se de considerar
“a afirmação do oponente além de sua fronteira natural, tomá-la e in-
terpretá-la da maneira mais ampla e generalista possível e exagerá-la”
(SCHOPENHAUER, 2014, p. 27).
2. Homonímia: mude os significados das palavras-chave do oponente
“para estender a afirmação estabelecida para o que, com exceção da
semelhança entre as palavras, tem pouco ou nada a ver com o assunto
discutido; então refutá-lacom vigor para dar a impressão de ser que
refutou a afirmação original” (SCHOPENHAUER, 2014, p. 29).
3. Confunda a argumentação: interprete a afirmação de maneira re-
lativa, como se tivesse sido feita de maneira geral e absoluta, ou em
um sentido totalmente diferente daquele que o orador quis dizer, para
então refutá-la.
4. Prepare o caminho, mas oculte a conclusão: de acordo com Scho-
penhauer (2014), quando alguém quiser chegar a uma conclusão das
hipóteses que você deu, não a deixe previsível, “mas deve fazer com que
UNICESUMAR
181
as premissas sejam admitidas uma a uma, sem perceber, misturando-as
aqui e ali durante a sua fala; senão o oponente tentará todos os tipos de
contra-ataque. […]. Desse modo, o jogo fica escondido até que se obte-
nham todas as admissões necessárias (SCHOPENHAUER, 2014, p. 33).
5. Use as premissas do seu oponente contra ele: estratégia de usar
as premissas do adversário enquanto “prova de uma afirmação ver-
dadeira outra afirmação falsa quando o oponente não quer admitir
as verdadeiras, seja porque ele não entende sua verdade ou porque
entende que se aceitá-las, a sua argumentação será aceita por todos”
(SCHOPENHAUER, 2014, p. 34).
6. Mude as palavras do oponente para confundi-lo: consiste em fazer
uma falácia do tipo petição de princípio de maneira velada, postulando
aquilo que se quer refutar.
7. Faça o oponente concordar de forma indireta: trata-se de fazer
diversas perguntas muito amplas de uma só vez, escondendo o real
objetivo das questões, de modo que o adversário concorde com sua
tese de maneira quase que inconsciente. De acordo com as palavras
do filósofo alemão, “quem é lento para compreender não consegue
acompanhar com exatidão e deixa passar os possíveis erros ou falhas
na demonstração” (SCHOPENHAUER, 2014, p. 36).
8. Desestabilize o oponente: provoque raiva, inclusive pela insolência
e deboche, fazendo seu adversário perder a capacidade de manter-se
racional.
9. Disfarce seu objetivo final: confunda o oponente, quando as per-
guntas “não são feitas na ordem que levaria a uma conclusão possí-
vel podem levar a uma confusão muito grande. O oponente não sabe
aonde você quer chegar e não pode se precaver” (SCHOPENHAUER,
2014, p. 38).
10. Use a psicologia da negação: quando identificar que seu adversário
nega suas teses propositalmente e de maneira infantil “as afirmações
cuja aprovação seria usada para a nossa frase, deve-se perguntar o
oposto da oposição utilizada, como se estivéssemos ansiosos por sua
aprovação” (SCHOPENHAUER, 2014, p. 39).
11. Tome um conceito geral para o caso particular: faça uma indução
para o oponente ceder em casos individuais, pelos quais ele deve ter
UNIDADE 5
182
concordância, “então não se deve perguntar a ele se também admite a
verdade em geral que surge desses casos, mas sim introduzi-la depois
como estabelecida e reconhecida” (SCHOPENHAUER, 2014, p. 40).
12. Uso sutil dos vocábulos: se o debate não for sobre um conceito geral,
deve-se optar sempre por uma parábola que favorece a sua afirmação.
Renomeie as mesmas palavras. Exemplo: troque “padres” por “clero”,
“evangélicos” por “protestantes”.
13. Apresente uma segunda opção inaceitável: para Schopenhauer
(2014, p. 42) “para fazer com que o oponente aceite uma afirmação,
deve-se dar a contrária também e deixá-lo escolher; e essa afirmação
contrária deve ser articulada muito claramente para que não se con-
tradiga e ele aceite a sua afirmação, que é feita de maneira a parecer
bastante provável em relação a outra”. Exemplo: “Devemos obedecer
ou desobedecer as leis?”.
14. Acuando os tímidos: essa estratégia, bastante cruel e insolente, dis-
pensa explicações, não é mesmo, caro(a) aluno(a)?
15. Utilize paradoxos: para situações difíceis, utilize afirmações paradoxais,
apresentando-as ao adversário para ele aceitar ou rejeitar, como se qui-
séssemos tirar provas delas, embora já temos conhecimento da verdade.
16. Desqualifique o argumento do outro: diante de uma preposição do
adversário, deve-se procurar qualquer possível inconsistência (mesmo
que superficial).
17. Faço uso da dupla interpretação: quando o arguidor “pressiona com
uma contraevidência, podemos nos salvar por meio de uma diferen-
ciação sutil, algo que não tínhamos pensando antes. Este recurso pode
ser utilizado quando a questão permite um outro significado ou uma
dupla interpretação” (SCHOPENHAUER, 2014, p. 46).
18. Mude o curso (interrompa antes da perda certa): quando perce-
ber que seu adversário vai derrotá-lo, interrompa-o com constância,
faça-o perder sua linha de raciocínio, mude de assunto. Se necessário
for, retire-se da discussão.
19. Desfoque (depois encontre uma brecha): “Se o oponente nos desa-
fiar de maneira expressa e fizer uma objeção contra algum ponto espe-
cífico de nossa afirmação, contra o que não temos nada a dizer, então
precisamos utilizar a generalização e devolver o ataque da seguinte
UNICESUMAR
183
forma: se somos chamados a dizer por que determinada hipótese da
física não pode ser aceita, devemos falar sobre a ilusão do conhecimen-
to humano e citar vários exemplos” (SCHOPENHAUER, 2014, p. 49).
20. Não arrisque num jogo ganho: quando um adversário reconhece a
conclusão da sua hipótese como válida, deve-se encerrar a discussão, mes-
mo que você possua, ainda, mais argumentos para sustentar o raciocínio.
21. Use as mesmas armas: ao perceber que o oponente lançou mão de um
sofisma, deve-se utilizar um também. Por exemplo, se alguém utilizar
uma falácia ad hominem (procurando desqualificar você e levar o
debate para esfera pessoal), deve-se atacar o adversário com a mesma
arma utilizada. Quem com ferro fere, com ferro será ferido.
22. Reduza a força do argumento principal: se o adversário “exige que
se admita algo que é decorrente exatamente do ponto em discussão,
então nos recusamos a fazê-lo ou permitir que ele continue declarando
que aquilo é uma petição de princípio, redundante e já está resolvido”
(SCHOPENHAUER, 2014, p. 52).
23. Provoque o oponente: por intermédio de contradições, podemos
estimular o oponente a “exagerar” em sua arguição, fazendo-o ficar
nervoso e mais fácil de refutá-lo.
24. Torne a alegação do outro inconsistente: por intermédio de falsa
inferências e distorção da fala do adversário, induzimos a conclusão
de que a hipótese do outro é absurda ou equivocada.
25. Use a exceção para destruir a tese: utilize casos isolados e raros
como exemplos para realizar a comparação com hipóteses generalistas.
Distorça a exceção como se ela fosse a regra.
26. Reforce um aspecto no oponente e depois destrua o seu valor: de
acordo com as palavras de Schopenhauer (2014, p. 57) “quando o ar-
gumento que o oponente quer usar para si poderá ser mais bem usado
contra ele. Por exemplo, ele diz: ‘trata-se de uma criança, deve-se dar
um desconto’. Retorsão: ‘Mesmo por ser uma criança, devemos puni-la,
para que ela não insista em seus hábitos ruins’”.
27. Deixe o seu oponente desequilibrado: ao perceber que alguma fala
ou comportamento seu deixou seu oponente bravo, insista nessa pos-
tura. Geralmente, quem perde a razão e a compostura, mesmo que
possua argumentos, é considerado equivocado.
UNIDADE 5
184
28. Ganhe a simpatia da audiência e ridicularize o adversário: es-
tratégia bastante aplicável quando a plateia é leiga sobre o tema da
discussão, pois “quando não se tem nenhum argumentum ad rem nem
mesmo um ad hominem, então se faz um ad auditores, isto é, uma
objeção inválida, cuja falta de validade apenas um especialista con-
segue ver: o oponente, mas não a plateia. E para ela, ele foi derrotado,
em especial quando a objeção à afirmação dele é tratada como algo
ridículo. As pessoas estão prontas para rir e temos o riso como nosso
aliado” (SCHOPENHAUER, 2014, p. 59). Caro(a) aluno(a), imagine
que situação constrangedora, mesmo estando certo, o adversário é ri-
dicularizado justamente pela ignorância de uma plateia. Vemos muito
isso em debates de candidaturaspolíticas.
29. Não se importe em fugir do assunto se estiver a ponto de perder: o
nome da estratégia já diz tudo: “se percebemos que seremos golpeados,
fazemos um desvio, isto é, começamos de repente a falar de algo comple-
tamente diferente, como se tivesse a ver com a questão discutida e fosse
um argumento contra o oponente” (SCHOPENHAUER, 2014, p. 60).
30. Aposte em credenciais e acue a todos: utilize da falácia apelo à auto-
ridade para validar suas hipóteses. Mais comumente conhecida como
a famosa “carteirada”.
31. Complique o discurso de seu oponente: “Quando não tiver nada
para contradizer os argumentos defendidos pelo oponente, declare-se
incompetente com um toque de ironia. […]. Dessa maneira você insi-
nua aos presentes, com quem você tem boa reputação, que o que seu
oponente diz é besteira” (SCHOPENHAUER, 2014, p. 65).
32. “Cole” um sentido ruim na alegação do outro: “Se somos confron-
tados com uma afirmação do oponente, há um caminho curto para se
livrar disso ou pelo menos torná-la suspeita, colocando-a em alguma
categoria odiosa, mesmo se a ligação for apenas aparente ou até sutil. Por
exemplo, ‘Isso é maniqueísmo’, ‘arianismo’” (SCHOPENHAUER, 2014, p.
65). Ou ainda, “você é fascista”, “você é comunista”. Já ouviu isso antes?
33. Invalide a teoria pela prática: já ouviu a famosa frase: “na teoria é uma
coisa, a prática é outra”? Ou ainda: “no papel tudo é bonito, na realidade
a situação é outra”?. Trata-se de erística pura.
UNICESUMAR
185
34. Encontre e explore o ponto fraco: quando perceber, pelo silêncio,
que o oponente desconhece uma resposta, deve-se explorar essa ques-
tão até o último minuto.
35. Mostre ao seu oponente que está lutando contra os próprios in-
teresses: “Eis uma estratégia que se for possível pôr em prática tornará
todas as outras desnecessárias. Em vez de agir sobre o intelecto por meio
de argumentos, age-se sobre a vontade do oponente e dos ouvintes como
se fossem motivos; e se o oponente e os ouvintes têm o mesmo interesse,
logo serão conquistados por nossa opinião, mesmo que ela tenha sido
tirada do manicômio; em geral, cinco gramas de vontade pesam mais do
que cinquenta quilos de conhecimento e convicção” (SCHOPENHAUER,
2014, p. 71). Políticos fazem isso com maestria.
36. Confunda e assuste o oponente com palavras complicadas: trata-se
de impressionar o opositor e a plateia com palavras eruditas, frases pro-
fundas e intelectuais, mesmo que desnecessárias.
37. Destrua a tese boa pela prova frágil: “Quando o oponente também
tem razão na questão, mas felizmente escolhe uma evidência ruim, tor-
na-se fácil para nós rebater essa evidência, e então estendemos isso para
a questão como um todo” (SCHOPENHAUER, 2014, p. 76).
38. Como último recurso, parta para o ataque pessoal: “Quando se
percebe que o oponente é superior e que vamos nos dar mal, então
devemos partir para o lado pessoal, ser ofensivos e rudes. Isso significa
sair do assunto da discussão (porque ali o jogo está perdido) e atacar de
alguma maneira aquele com o qual se disputa é a última esperança. […].
Mas ao ir para o lado pessoal, abandona-se o assunto completamente e
os ataques são direcionados à pessoa do oponente: a pessoa então será
sujeita a humilhações, maldades, afrontas e grosseiras. É um apelo da
força da mente sobre as virtudes do corpo, ou sobre a animalidade. Esse
truque é muito apreciado, pois pode e costuma ser usado por qualquer
um. […] como diz Hobbes ‘todo o prazer intelectual e toda a felicidade
se baseiam no fato de ter uma pessoa com quem se comparar e em
relação a quem se sentir superior’. Nada supera a satisfação da própria
vaidade e nenhum machucado dói mais do que o ataque a ela” (SCHO-
PENHAUER, 2014, p. 77). Pesado, não é mesmo?
UNIDADE 5
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Podemos observar que A Arte de Ter Razão: 38 Estratégias para Vencer Qualquer
Debate se trata de um texto que permite ao leitor raciocinar consigo mesmo sobre
os resultados da arte de persuadir, para que reflita e não caia em possíveis armadilhas
intelectuais disfarçadas de argumentos, ou seja, uma espécie de manual de defesa con-
tra argumentações desonestas. Recomendo muito a leitura, caro(a) aluno(a). Ensinar
a reconhecer argumentos falsos é primordial para a busca pela verdade e identificar
pseudointelectuais é um ato de amor à sabedoria. Isso porque, como observamos no
estudo das falácias, muitas técnicas de manipulação advieram da retórica e da dialé-
tica e, somando-as com os recursos tecnológicos que temos hoje em dia, tratam-se
de verdadeiras máquinas perversas de mentiras, travestidas de verdades.
Caro(a) aluno(a), vimos durante o nosso curso que a lógica, a arte de discorrer, ao
ocupar-se dos princípios da argumentação, estuda a estrutura formal do pensamento
e é um recurso pedagógico possível de ser utilizado em sala de aula. Que tal, após
estudarmos as falácias, realizar uma coleta de exemplos que vemos com frequência
nas mídias e nas redes sociais e disponibilizá-las aos seus alunos, identificando-as
apenas como argumentos, perguntando se concordam ou não? Após a apresentação,
revele aos alunos que elas são falácias. Muitos ficarão surpresos em observar que
alguns discursos e verdades que defenderam e se identificaram são apenas técni-
cas de argumentação e não raciocínios válidos. Ficamos por aqui e esperamos que
tenha gostado da trajetória que traçamos para conhecer um pouco da história do
desenvolvimento do conhecimento lógico e que persevere na busca pela sabedoria!
187
1. Na lógica, falácia é um raciocínio não válido que aparenta ser verdadeiro, des-
tinado à persuasão. Sobre as falácias, assinale V para verdadeiro e F para falso,
nas assertivas seguintes:
( ) A falácia da verdadeira dicotomia ocorre quando as premissas do raciocínio são dis-
postas de forma disjuntiva (ou isto… ou aquilo) com o intuito de fazer o ouvinte acre-
ditar que só existem duas alternativas possíveis no que tange à questão discutida.
( ) O argumento ad hominem é um raciocínio que implica um ataque direto ao
argumentador e não ao argumento, no qual não se trata de verificar a validade
de um argumento ou a plausibilidade de uma proposição.
( ) A falácia do verdadeiro irlandês trata-se de um raciocínio que considera uma
atitude ou característica particular como geral e determinante.
( ) A falácia do espantalho consiste na distorção de um argumento para tentar
refutá-lo.
( ) O apelo à autoridade é uma falácia que recorre à reputação de alguém para
sustentar o argumento.
A sequência correta é:
a) F, V, V, V, F.
b) F, V, F, V, V.
c) F, V, F, V, F.
d) V, F, F, F, V.
e) V, V, V, V, V.
2. Para ser considerado válido, o silogismo deve seguir as seguintes regras:
I - Todo silogismo tem três termos: menor, médio e maior.
II - Não é possível que as duas premissas sejam negativas.
III - Se uma premissa for negativa, então a conclusão será negativa.
IV - O termo médio deve estar distribuído ao menos uma vez nas premissas.
V - Todo silogismo deve possuir duas premissas.
É correto o que se afirma em:
a) I, II e III, apenas.
b) II, III e IV, apenas.
c) I, II, IV e V, apenas.
d) II, III, IV e V, apenas.
e) I, II, III, IV e V.
188
3. Identifique a premissa maior, a premissa menor e a conclusão do silogismo a seguir:
Todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal.
Premissa maior: ______________________________________________________________________
Premissa menor: _____________________________________________________________________
Conclusão: ____________________________________________________________________________
4. Para que você consiga assimilar os conceitos principais sobre as falácias, sugiro
que elabore um mapa mental com as palavras-chaves dos tipos de argumentos
categorizados por Aristóteles:
Fonte: a autora.
189
UNIDADE 1
1.
a) Afirmativa universal: A (todo S é P).
b) Negativa universal: E (nenhum S é P).
c) Particular afirmativa: I (algum S é P).
d) Particular negativa: O (algum S não é P).
2. D. Conformeexposto no Quadrado das Oposições, as relações subalternas ocorrem
entre A e I (afirmativa universal e particular afirmativa) e entre E e O (negativa universal
e particular negativa). As proposições “nenhum homem presta” e “algum homem não
presta” são, respectivamente, uma negativa universal e uma particular negativa. De
acordo com o Quadrado das Oposições, as alternativas A e B tratam-se de relações
contraditórias; a alternativa C corresponde a uma relação contrária; a alternativa D é
subalterna, pois ocorre entre E e O e, finalmente, a alternativa D é uma relação entre
subcontrárias. Logo, espera-se que o(a) aluno(a) verifique que a relação subalterna é
a letra D, pois é a única do tipo entre as alternativas disponibilizadas.
3.
Premissa 1: Toda rosa é vermelha.
Premissa 2: Toda rosa é flor.
Conclusão: Logo, toda flor é vermelha.
4.
Negativa universal: nenhum homem é mortal.
Particular afirmativa: algum homem é mortal.
Particular negativa: algum homem não é mortal.
5. A resposta deve seguir a organização do silogismo disponibilizado no início da unidade.
Dessa maneira, o silogismo a ser elaborado deve conter duas proposições (premissa
1 e premissa 2) e a conclusão do argumento. Exemplos de possíveis respostas:
a) Todos os brigadeiros são doces (premissa 1). Brigadeiros engordam (premissa 2).
Logo, doces engordam (conclusão).
b) Todos os professores trabalham muito (premissa 1). João é professor (premissa 2).
Portanto, João trabalha muito (conclusão).
190
6. C. Foi explicado que, para um argumento ser um silogismo, ele deve possuir, no mí-
nimo, três proposições (duas premissas e uma conclusão) e que, para estar dentro
dos parâmetros da lógica, o argumento deve adequar-se às suas estruturas básicas.
No senso comum, é possível observar que raciocínios plausíveis (que podem até ser
verdade, todavia não são válidos) são equivocadamente confundidos com raciocínios
lógicos. Logo, a alternativa I é uma falsa afirmação. A história da lógica possui diferen-
tes vertentes. A lógica possui produções tanto no ocidente (com os gregos) quanto no
oriente (especialmente, na Índia e na China), portanto a afirmação III, que “a história
da lógica remete unicamente ao conhecimento produzido no ocidente”, também, é
falsa. As afirmações II e IV constam explicadas no corpo do texto e são verdadeiras.
7. D. Ad hominem, pois ataca o indivíduo, não seus argumentos. A falácia Ad hominem é
explicada e recebe um destaque por ser de fácil assimilação e identificação no coti-
diano, permitindo ao estudante rapidamente associar à lógica em sua vida prática. A
falácia ad hominem busca desqualificar um argumento, fazendo um ataque pessoal
ao argumentador. Ou seja, o argumento do sujeito é válido e verdadeiro, todavia, na
intenção de se vencer um debate a qualquer custo, o oponente não podendo refutar
o argumento em si, apela para um ataque ao indivíduo. Assim, a resposta correta é
“Ad hominem, pois ataca o indivíduo, não seus argumentos”.
UNIDADE 2
1. No Quadrado das Oposições, as proposições são: universal afirmativa A (todo S é P),
universal negativa E (nenhum S é P), particular afirmativa I (algum S é P) e particular
negativa O (algum S é não P). Portanto, espera-se que a resposta seja:
a) Todo S é P: A.
b) Nenhum S é P: E.
c) Algum S é P: I.
d) Algum S é não P: O.
e) Alguns S são P: I.
f) Um S é P: I.
2. As introduções de conclusão são termos que conectam a hipótese com as premissas.
Os quantificadores indicam as quantidades de sujeitos nas proposições. Logo, no si-
logismo “nenhum amigo é traidor; algum homem é traidor; portanto, algum homem
não é amigo”, espera-se que a resposta seja:
Introdução de conclusão: Portanto.
Quantificadores: nenhum e algum.
191
3. No silogismo, o termo maior é o predicado da conclusão, o termo menor é o sujeito
da conclusão e o termo médio é aquele que aparece duas vezes nas premissas. Dessa
maneira, espera-se que a resposta seja:
a) Termo menor: Sócrates.
Termo maior: mortal.
Termo médio: homem.
b) Termo menor: doces.
Termo maior: engordam.
Termo médio: brigadeiros.
c) Toda rosa é vermelha;
Toda rosa é flor;
Logo, toda flor é vermelha.
Termo menor: flor.
Termo maior: vermelha.
Termo médio: rosa.
4. Todo silogismo é formado por duas premissas e uma conclusão. A primeira premissa
deve conter o termo maior e o termo médio, portanto, é denominada premissa maior.
A segunda premissa deve conter o termo médio e o menor, sendo conhecida como
premissa menor. A conclusão é a hipótese que se deriva da soma das duas premissas.
As classificações dos silogismos que esperamos são:
a) Premissa maior: Todos os felinos são mamíferos.
Premissa menor: Alguns felinos são tigres.
Conclusão: Portanto, todos os tigres são mamíferos.
b) Premissa maior: Nenhuma mãe é indiferente.
Premissa menor: Algumas mulheres não são mães.
Conclusão: Logo, algumas mulheres são indiferentes.
c) Premissa maior: Alguns religiosos são honestos.
Premissa menor: Alguns brasileiros são religiosos.
Conclusão: Logo, alguns brasileiros são honestos.
5. D. Nessa questão, a alternativa I está errada, pois um silogismo possui apenas três
termos (maior, médio e menor). A alternativa II também está incorreta, pois o silogismo
possui apenas duas premissas (maior e menor). Dessa maneira, a alternativa correta
é: “d) III, IV e V, apenas”.
192
6. Considerando que E (nenhum S é P), I (algum S é P) e O (algum S é não P), a resposta
deverá ser:
a) Negativa universal: Nenhuma árvore é verde.
b) Particular afirmativa: Alguma árvore é verde.
c) Particular negativa: Alguma árvore é não verde.
UNIDADE 3
Espera-se que o(a) aluno(a) consiga indicar, na elaboração do mapa mental, ao menos
os conceitos:
LÓ
G
IC
A
E
ST
O
IC
O
-M
EG
Á
RI
CA
Euclides:
Eubúlides:
Filon:
Diodoro:
Crisipo:
Erística, dialética,
Uno, Bem, Sócrates, Parmênides.
Paradoxos,
argumentos dialéticos
interrogativos
"se...então", "se p, então
q", condicional �loniano,
implicação
noção modal, noção
de tempo, implicação formal
lékton, dizível,
asseríveis.
193
UNIDADE 4
1. Espera-se que o(a) aluno(a) consiga indicar, na elaboração da tabela, ao menos os
conceitos a seguir:
SANTO AGOSTINHO
(354-430)
BOÉCIO (470-525)
ALCUÍNO DE YORK
(735-804)
É lícito aos cristãos
incorporarem
e aprenderem
conhecimentos pagãos,
tendo em vista que toda
ciência advém de Deus.
Sua contribuição
para a lógica está na
reflexão sobre o futuro
dos contingentes e na
origem do mal (unde
malum).
Estabeleceu a utilização
das artes liberais
(trivium e quadrivium)
na escola palatina.
PEDRO ABELARDO
(1079-1142)
HUGO DE SÃO VITOR
(1096-1141)
TOMÁS DE AQUINO
(1225-1274)
Grande expoente
lógico, sua contribuição
é fundamental para a
resposta da querela dos
universais.
A lógica deve ser a
primeira a ser estudada
na filosofia, pois nela
é ensinada a natureza
das palavras e dos
conceitos.
A lógica possui
significado ambivalente,
sendo tanto
instrumento quanto
propedêutica filosófica.
2. B.
3. Espera-se que, na resolução dessa questão, o estudante reflita sobre preconceitos de
origem iluminista enraizados na historiografia sobre o período medieval, tais como:
a imagem de que o contexto não produziu filosofia consistente, sendo que a própria
lógica aristotélica chegou até nosso conhecimento graças não apenas a tradução e
organização dos filósofos medievais, mas, especialmente, pela sistematização do
quadrado das oposições.
194
UNIDADE 5
1. B.
2. E.
3. Premissa maior: Todo homem é mortal. Premissa menor: Sócrates é homem. Con-
clusão: Logo, Sócrates é mortal.
4. Espera-se que o(a) aluno(a) consiga indicar, na elaboração do mapa mental, ao menos
os conceitos seguintes:
Fonte: a autora.
195
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