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LIVRO DO Professor História da Filosofia e a formação do pensamento crítico 1 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 1PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 1 29/07/2022 11:36:0929/07/2022 11:36:09 © 2023 – SAE DIGITAL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. FICHA CATALOGRÁFICA S132 SAE, ensino médio: 1. série: filosofia: livro do professor : SAE DIGITAL S/A. - 1. ed. - Curitiba, PR : SAE DIGITAL S/A, 2023. 120 p. : il. ; 28 cm. ISBN 978-85-535-1818-0 1. Filosofia (Ensino médio) - Estudo e ensino. I. Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino. II. Sistema de Apoio ao Ensino: o passo a frente. CDD: 109 CDU: 316.7 Todos os direitos reservados. SAE DIGITAL S/A. R. João Domachoski, 5. CEP: 81200-150 Mossunguê – Curitiba – PR 0800 725 9797 | Site: sae.digital Gerência Executiva Rita Egashira Vanzela Coordenação Editorial Emanoelle Almeida Edição Caroline Schlegel, Hector Ribeiro Molina, Maria Victória Ruy Coordenação de Cotejo e Revisão Fabiana Teixeira Lima Cotejo e Revisão Anna Karolina de Souza, Brunno Freire, Henrique Luiz Fendrich, Igor Spisila, Juliana Basichetti Martins, Ludmilla Borinelli, Marcela Batista Martinhão, Marcela Vidal Machado, Pamela de Fátima Leal, Priscila Sousa, Rafaella Ravedutti, Thainara Gabardo, Victor Truccolo Gerência de Design Tassiane Aparecida Sauerbier Arte da Capa Cinthia Satoko Fujii de Siqueira, Deny Mayer Machado, Scarllet Gabardo Anderson, Wagner de Oliveira Ramari Especialista em Ilustrações Wagner de Oliveira Ramari Ilustrações Carlos Morevi, Cinthia Satoko Fujii de Siqueira, Deny Mayer Machado, Scarllet Gabardo Anderson Projeto Gráfico Thiago Figueiredo Venâncio Iconografia Ana Paula de Jesus Gonçalves Cruz, Paulo Gustavo Costa Coordenação de Produção Visual Marina Prado Pereira de Mello Diagramação André Lima, Bruna Aparecida de Andrade, Bruno Gogolla, Diego Vinicius Kloss, Fernanda Wolf, Flávia Sousa Gonçalves, Gustavo Ribeiro Vieira, Juliana Adami Santos, Kássio Nery, Luana Santos, Luciana Nesello Künzel, Luisa Piechnik Souza, Maisa Leepkaln, Mariana Oliveira, Nadiny Silva, Raphaela Candido, Silvia Santos, Tarliny Silva, Thiago Figueiredo Venâncio, Vanessa Trevisan Marcon Supervisão de Processos e Qualidade Raul Jungles Processos e Qualidade Bianca Borba, Camila Radulski, Luana Rosa de Souza, Mariana Chaves, Sheila Roman, Vitor Ribeiro Colaboração Externa Clarice Yumi Yokoi Bogut (Diagramação), Estevam Cezar Maia Goulart (Diagramação) Autoria Fernanda Tavares Paulino, Josemar Soares PI_EM23_1_FIL_LU_LP.indd 2PI_EM23_1_FIL_LU_LP.indd 2 30/07/2022 10:15:2630/07/2022 10:15:26 SUMÁRIO Pilares pedagógicos .............................................................IV Tecnologia digital relevante – SAE DIGITAL .....................V Ensino Médio .........................................................................VI Conhecimentos de Filosofia ............................................VIII PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 3PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 3 29/07/2022 11:36:0929/07/2022 11:36:09 PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP Pilares pedagógicos Os pilares pedagógicos do sistema de ensino do SAE Digital vêm ao encontro das habilidades espe- radas dos aprendizes, expostos a um ambiente que exige leitura plural do mundo, caracterizada por constantes mudanças nos campos científico, tecnológico e político. Os desafios da atualidade preveem uma formação que priorize a capacidade de refletir e in- terpretar as realidades local e global, bem como agir de acordo com as necessidades coletivas, por meio do desenvolvimento da empatia, da resiliência e do senso de cooperação. Para desenvolver habilidades que atendam a tão complexas necessidades, as estratégias do SAE Digital estão fundamentadas em quatro pilares do trabalho pedagógico: protagonismo, rigor concei- tual e conteúdo relevante, complexidade e saberes múltiplos e transformação da realidade. Protagonismo Uma prática pedagógica estruturada no protagonismo considera o estudante como centro do processo de sua aprendizagem. Tem como ponto de partida os conhecimentos prévios que ele possui para, a partir deles, promover o fortalecimento de sua identidade, a sua autonomia e o de- senvolvimento das habilidades necessárias à concretização de seu projeto de vida e sua atuação na sociedade com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários. Rigor conceitual e conteúdo relevante Esse pilar, que abarca duas ideias complementares, corrobora o entendimento de que a edu- cação deve sempre se pautar em bases conceituais do conhecimento acadêmico e científico. Na era da informação, a escola assume o papel de propulsora da pesquisa para a escolha, a apropria- ção e a produção do conhecimento por parte dos professores e dos estudantes, a fim de garantir a sistematização dos processos de ensino e de aprendizagem pautados na relevância do currículo e na precisão da cientificidade. Complexidade e saberes múltiplos O paradigma atual do conhecimento requer a superação da disposição estanque do currículo escolar. Trazemos como proposta para o trabalho pedagógico o pilar complexidade e saberes múltiplos visando ao desenvolvimento do pensamento complexo, que só se efetiva por meio de um trabalho inter e transdisciplinar. Promover a religação dos saberes com vistas à formação de leitores competentes e capazes de atuar em um cenário complexo é um dos compromissos impre- teríveis dos quais a escola não pode se eximir. Transformação da realidade Com base no entendimento da educação como agente transformador da realidade, o sistema de ensino do SAE Digital incorpora à sua proposta pedagógica um trabalho sistemático com te- mas contemporâneos de relevância social que afetam a vida humana em escala local, regional e global. Ao promover a consciência dos direitos e deveres de todo ser humano, o exercício pleno da cidadania e a tomada de decisões para iniciativas concretas de impacto socioambiental, visamos à manutenção do estado democrático de direito e à transformação da realidade. Matriz de pilares do SAE Protagonismo Rigor conceitual e conteúdo relevante Complexidade e múltiplos saberes Transformação da realidade Meu mundo Mundo da ciência e da tecnologia Mundo revisitado Mundo transformado Conhecimento de mundo Conhecimento científico Pensamento complexo Saberes ressignificados Conhecimento prévio Currículo escolar Inter e transdisciplinaridade Ações transformadoras Autonomia Compreensão Reflexão Iniciativa concreta IV FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 4PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 4 29/07/2022 11:36:0929/07/2022 11:36:09 PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP Tecnologia digital relevante – SAE DIGITAL São recursos digitais – livros, atividades, jogos, realidade aumentada, vídeos, animações, apli- cativos, plataforma adaptativa, avaliações, ferramentas de gestão escolar, de gestão da aprendi- zagem e de desenvolvimento dos profissionais da Educação – concebidos com intencionalidade pedagógica, integração à proposta e aos conteúdos dos materiais impressos e dinâmica eficiente, a fim de que cumpram um papel efetivo no processo educativo, seja por meio a) da interação do aluno com o conteúdo digital, que tenha como propósito contribuir com a sua aprendizagem; b) da sensibilização/motivação do aluno para a aprendizagem; c) da promoção da apropriação de conceitos ou do desenvolvimento de habilidades e atitudes; d) do controle do desempenho e das adaptações e personalizações necessárias a uma aprendizagem significativa; e) da gestão do desempenho e aprendizagem do aluno; f ) da formação permanente do professor. Outras considerações a respeito de tecnologia digital relevante O projeto de Tecnologia Digital Relevante – SAE Digital também tem como enfoqueaproxi- mar a produção do SAE Digital às metodologias contemporâneas da aprendizagem: ● Por desenvolver o conteúdo digital pro- duzido em consonância com o material impresso pode ser considerado como um modelo híbrido de ensino. ● Por promover a autonomia do aluno em seu processo de aprendizagem, os ob- jetos digitais podem ser considerados como metodologia ativa. ● Por promover o uso de diversas mídias digitais, os objetos digitais podem con- tribuir para o letramento digital. ● Por ofertar feedbacks do desempe- nho dos alunos, pode contribuir com a regulação e a autorregulação da aprendizagem. VFIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 5PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 5 29/07/2022 11:36:1129/07/2022 11:36:11 PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP Ensino Médio Há alguns anos os documentos oficiais que regulam a educação básica preveem o currículo do Ensino Médio organizado em quatro grandes áreas do saber: ● linguagem e suas tecnologias; ● matemática e suas tecnologias; ● ciências da natureza e suas tecnologias; ● ciências humanas e suas tecnologias. A integração dos componentes curriculares em quatro grandes áreas atende à necessidade educacional e social premente de superar a fragmentação do currículo escolar. Outras necessida- des da sociedade do século XXI também estão presentes no documento da BNCC, como o desen- volvimento de competências e habilidades e a formação integral dos estudantes. Essas e outras diretrizes são contempladas nos pilares pedagógicos SAE Digital – Protagonismo; Rigor conceitual e conteúdo relevante; Complexidade e saberes múltiplos; Transformação da rea- lidade – que estão presentes nos livros que compõem a coleção do Ensino Médio. Elas podem ser percebidas tanto no que tange à organização curricular integrada proposta pela BNCC, como também no que diz respeito aos objetivos de aprendizagem nesse documento, conforme consta no texto a seguir: “O Ensino Médio deve atender às necessidades de formação geral indispensáveis ao exercício da cidadania e construir àprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes e, também, com os desafios da sociedade contemporânea’, como definido na Introdução desta BNCC (p. 14; ênfases adicionadas). Para atingir essa finalidade, é necessário, em primeiro lugar, assumir a firme convicção de que todos os estudantes podem aprender e alcançar seus objetivos, independentemente de suas características pessoais, seus percursos e suas histórias. Com base nesse compromisso, a escola que acolhe as juventudes deve: ● favorecer a atribuição de sentido às aprendizagens, por sua vinculação aos desafios da reali- dade e pela explicitação dos contextos de produção e circulação dos conhecimentos; ● garantir o protagonismo dos estudantes em sua aprendizagem e o desenvolvimento de suas capacidades de abstração, reflexão, interpretação, proposição e ação, essenciais à sua auto- nomia pessoal, profissional, intelectual e política; ● valorizar os papéis sociais desempenhados pelos jovens, para além de sua condição de estu- dante, e qualificar os processos de construção de sua(s) identidade(s) e de seu projeto de vida; ● assegurar tempos e espaços para que os estudantes reflitam sobre suas experiências e aprendizagens individuais e interpessoais, de modo a valorizarem o conhecimento, confia- rem em sua capacidade de aprender, e identificarem e utilizarem estratégias mais eficientes a seu aprendizado; ● promover a aprendizagem colaborativa, desenvolvendo nos estudantes a capacidade de tra- balharem em equipe e aprenderem com seus pares; e ● estimular atitudes cooperativas e propositivas para o enfrentamento dos desafios da comu- nidade, do mundo do trabalho e da sociedade em geral, alicerçadas no conhecimento e na inovação.” (BNCC, 2018). VI FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 6PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 6 29/07/2022 11:36:1129/07/2022 11:36:11 PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP VIIFIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 7PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 7 29/07/2022 11:36:1129/07/2022 11:36:11 PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP Conhecimentos de Filosofia Desde o seu nascimento com os gregos antigos, a Filosofia tenta responder àquelas perguntas mais profundas que fazemos a nós mesmos, por exemplo: De onde as coisas vêm? Qual o sentido da existência? O que é conhecimento? Como devo agir? Como devem proceder as ciências? O que é a verdade? A Filosofia é a aventura fascinante do ser humano de tentar conhecer a si mesmo e ao mundo; e essa é uma aventura que já atravessa muitos séculos, exigindo esforços de grandes pensadores, como Sócrates, Platão, Aristóteles, Descartes, Kant, Nietzsche, Foucault, Hannah Arendt, entre muitos outros. Este livro propõe um percurso pelas ideias de tais homens e mulheres mostrando que o que os move não são interrogações que habitam apenas a mente dos filósofos, mas sim questões que são, no fundo, de toda a humanidade. Estudar Filosofia ajuda a desenvolver nossa capacidade de compreensão do mundo, a qualificar o nosso senso crítico e a aplicar o que aprendemos intelectualmente no cotidiano. Tudo isso é essencial para os dias atuais, pois vivemos em um período complexo em que a globalização, a internet, o mercado de trabalho, a família, a sociedade e as relações inter- pessoais são só alguns dos elementos dos quais os jovens têm de dar conta. Entender esses elementos de um modo mais profundo certamente é essencial para se construir uma existência mais autônoma, crítica e responsável pelo aprimora- mento da própria sociedade. A Filosofia sempre teve implicações na trajetória da história humana. Cada período histórico, com suas grandes re- voluções, costumes, modos de pensar e de viver, teve como pano de fundo a fundamentação de grandes autores que pensavam sua própria época e que por vezes apontavam novos rumos para a história. Na primeira série, será estudada a origem da Filosofia na Grécia Antiga. A mitologia é o ponto de partida para entender o nascimento dessa ciência e, na sequência, estudar os grandes filósofos daquele período: os pré-socráticos, os sofistas, Sócrates, Platão e Aristóteles, os mais célebres nomes da Filosofia grega, e, por fim, o helenismo. Serão estudadas as con- siderações de Platão sobre a origem e o fundamento do conhecimento e a importância da educação para a formação do Estado, bem como os principais pontos do pensamento lógico, ético e político de Aristóteles. Será estudada, também, a Filosofia Medieval, analisando-se o fortalecimento da moral cristã com a fundamentação de Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, que tiveram influências diretas de Platão e Aristóteles, respectivamente. Por fim, serão estudados o humanismo renascentista e a revolução científica – extraordinário período que rompe com uma tradição de mais de mil anos com o surgimento da ciência moderna – abordando pensadores como Leonardo da Vinci, Maquiavel, Galileu e Isaac Newton. Na segunda série, será estudada a Filosofia da Idade Moderna à Contemporânea, iniciando com o estudo do racio- nalismo e empirismo, com os pensadores Descartes, Spinoza, Bacon, Locke e Hume, para fundamentar as bases de uma ciência metódica e objetiva. Também serão estudados os filósofos do contrato social, uma vez que muito do que se entende por Estado, por socie- dade civil, direito e liberdade vem da Idade Moderna, com Hobbes, Locke e Rousseau. As normas e as formas de organi- zação da sociedade foram defendidas, criticadas e influenciadas por esses brilhantes filósofos modernos. Também serão estudados os filósofos do idealismo, Kant e Hegel. No período do século XIX, será trabalhado o surgimento de correntes de pensamento, como positivismo, utilitarismo e marxismo, e a influência que ainda têm em nosso tempo. Depois, na passagem do século XIX para o século XX serãoestudados filósofos como Schopenhauer, Nietzsche e Bergson. Por fim, serão estudados pensadores e ideias da Filosofia Contemporânea, como Husserl, Heidegger, Sartre, Hannah Arendt, Foucault, entre outros filósofos contemporâneos, além de pensar em crises ocorridas na atualidade, como as duas Guerras Mundiais, a Guerra Fria, os dilemas da globalização etc. Vive-se uma época conturbada em que se observa a relativização de hábitos e valores que por séculos foram os alicer- ces do comportamento humano. A razão moderna, as religiões, as ciências e o Estado não foram capazes de evitar tantas crises que atingem as esferas social, econômica e política no mundo todo. Estudar o pensamento desses filósofos nos faz entender melhor nosso próprio tempo, carregado de antagonismos, diversidade e incertezas. Por fim, será dedicada atenção à Filosofia da Ciência, à alguns aspectos da Filosofia da Arte e da Pós-modernidade. A terceira série tem caráter revisional, sendo abordados os conteúdos da primeira e segunda séries de modo mais sucinto, sem perder a característica reflexiva da Filosofia. VIII FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 8PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 8 29/07/2022 11:36:1129/07/2022 11:36:11 PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP História da Filosofia e a formação do pensamento crítico 1 Livro Módulo Frente única 1 1 Mitologia e Teatro na Grécia AntigaBusca pelo conhecimento • Poesia épica • Os mitos e a Filosofia 2 Os pré-socráticos: surge a filosofia Passagem do mythos ao logos: o surgimento da filosofia • Pré-socráticos: explicando a natureza e seus fenômenos 2 3 Sofistas e SócratesDo cosmos ao anthropos • Sofistas • Sócrates 4 Platão: o homem e a cidade ideais Platão • Diálogos platônicos • Dimensões da justiça social em Platão • Papel da educação na construção da cidade ideal • Justiça e bem: o rei filósofo de Platão 3 5 Filosofia de AristótelesAristóteles: vida e obra • Divisão das ciências • Lógica aristotélica • Ética aristotélica • Política 6 HelenismoContexto histórico 4 7 Filosofia medieval Santo Agostinho: a Patrística • Santo Tomás de Aquino: a Escolástica • Franciscanos: a crítica à Escolástica tradicional 8 Período RenascentistaContexto histórico IXFIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 9PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 9 29/07/2022 11:36:1229/07/2022 11:36:12 PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP Anotações X FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 10PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 10 29/07/2022 11:36:1229/07/2022 11:36:12 PI _E M 23 _1 _F IL _L U_ LP M AT ER IA L DO AL UN O PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 11PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 11 29/07/2022 11:36:1229/07/2022 11:36:12 Seção Disciplina & sociedade/arte/cultura/meio ambiente/ tecnologia: nas seções que finalizam a exposição teórica dos módulos são propostas atividades que propiciam a aplicação dos conceitos e, em muitos casos, a reflexão, a análise e a construção de novos saberes. As propostas podem indicar um trabalho coletivo com o objetivo de estimular a interação com a comunidade em que se vive, alinhando-se aos pilares de Complexidade e saberes múltiplos e Transformação da realidade. Atividades: Concluindo a sequência didática dos livros, os alunos são apresentados a um grupo de questões dos mais relevantes vestibulares e do Enem como forma de testar seus conhecimentos e como autoavaliação. Elas são organizadas em quatro seções: Resolvidos, Praticando, Desenvolvendo habilidades e Complementares. Dentro de cada uma das seções, as questões são organizadas por seu grau de dificuldade. Todas as seções apresentam questões fáceis, médias e difíceis. Na seção Desenvolvendo habilidades são indicadas as competências e habilidades do Enem exploradas em cada uma das questões. Na seção Complementares há um grupo maior de questões, dentre as quais encontram-se questões desafio, conexões e discursivas. Ainda na seção de atividades, você irá observar a presença de QR Codes nas questões das últimas provas do Enem. Esse QR code irá direcionar os alunos para um vídeo no qual as questões são comentadas. Por fim, os QR Codes presentes ao final da seção de atividades direcionam os alunos e os professores aos gabaritos das questões, e os professores a comentários de apoio e solucionários. Desenvolvimento do conteúdo: após o momento de sensibilização, propomos o desenvolvimento do conteúdo por meio de um texto teórico construído alinhado aos pilares Rigor conceitual e conteúdo relevante e Complexidade e saberes múltiplos. Arrase no Enem: sempre que o módulo trabalhar um tema recorrente no Enem, estará disponível por meio de QR Code uma videoaula do curso Arrase no Enem. Seção Start: As atividades propostas nas páginas de abertura têm por objetivo sensibilizar os alunos a res- peito do conteúdo a ser ex- plorado. Nelas são propostas leituras, observação de ima- gens e reflexões que servem como ponto de partida para a exploração do conteúdo e a apreensão de novos saberes e, também, para levantar os conhecimentos prévios dos alunos acerca do tema, garantindo o protagonismo do aluno em seu processo de aprendizagem. Terceira coluna: Nas colunas ex- ternas das páginas encontram-se as seções que complementam o desenvolvimento do conteúdo. Essa ampliação pode acontecer com indi- cações de filmes, sites e livros, intro- dução de exemplos, complementos e curiosidades, indicação de pontos de atenção, explicação de termos e conceitos e sugestões de reflexões de pesquisas. Estrutura didática Os livros da 1.ª e da 2.ª série apresentam uma organização de conteúdos e propostas de atividade que evidencia a sequência didática da coleção e oferece ferramentas para auxiliar a prática dos professores e o estudo dos alunos. PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 12PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 12 29/07/2022 11:36:1629/07/2022 11:36:16 Seção Disciplina & sociedade/arte/cultura/meio ambiente/ tecnologia: nas seções que finalizam a exposição teórica dos módulos são propostas atividades que propiciam a aplicação dos conceitos e, em muitos casos, a reflexão, a análise e a construção de novos saberes. As propostas podem indicar um trabalho coletivo com o objetivo de estimular a interação com a comunidade em que se vive, alinhando-se aos pilares de Complexidade e saberes múltiplos e Transformação da realidade. Atividades: Concluindo a sequência didática dos livros, os alunos são apresentados a um grupo de questões dos mais relevantes vestibulares e do Enem como forma de testar seus conhecimentos e como autoavaliação. Elas são organizadas em quatro seções: Resolvidos, Praticando, Desenvolvendo habilidades e Complementares. Dentro de cada uma das seções, as questões são organizadas por seu grau de dificuldade. Todas as seções apresentam questões fáceis, médias e difíceis. Na seção Desenvolvendo habilidades são indicadas as competências e habilidades do Enem exploradas em cada uma das questões. Na seção Complementares há um grupo maior de questões, dentre as quais encontram-se questões desafio, conexões e discursivas. Ainda na seção de atividades, você irá observar a presença de QR Codes nas questões das últimas provas do Enem. Esse QR code irá direcionar os alunos para um vídeo no qual as questões são comentadas. Por fim, os QR Codes presentes ao final da seção de atividades direcionam os alunos e os professores aos gabaritos das questões, e os professores a comentários de apoio e solucionários. Desenvolvimento do conteúdo: após o momento de sensibilização, propomos o desenvolvimento do conteúdo por meio de um texto teórico construído alinhado aos pilares Rigor conceitual e conteúdo relevante e Complexidade e saberes múltiplos. Arrase no Enem: sempre que o módulo trabalhar um tema recorrente no Enem, estará disponível por meio de QR Code uma videoaula do curso Arraseno Enem. Seção Start: As atividades propostas nas páginas de abertura têm por objetivo sensibilizar os alunos a res- peito do conteúdo a ser ex- plorado. Nelas são propostas leituras, observação de ima- gens e reflexões que servem como ponto de partida para a exploração do conteúdo e a apreensão de novos saberes e, também, para levantar os conhecimentos prévios dos alunos acerca do tema, garantindo o protagonismo do aluno em seu processo de aprendizagem. Terceira coluna: Nas colunas ex- ternas das páginas encontram-se as seções que complementam o desenvolvimento do conteúdo. Essa ampliação pode acontecer com indi- cações de filmes, sites e livros, intro- dução de exemplos, complementos e curiosidades, indicação de pontos de atenção, explicação de termos e conceitos e sugestões de reflexões de pesquisas. Estrutura didática Os livros da 1.ª e da 2.ª série apresentam uma organização de conteúdos e propostas de atividade que evidencia a sequência didática da coleção e oferece ferramentas para auxiliar a prática dos professores e o estudo dos alunos. PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 13PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 13 29/07/2022 11:36:2129/07/2022 11:36:21 DIGITAIS CONHEÇA OS RECURSOS O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) do SAE Digital oferece uma série de ferramentas de reforço e acompanhamento do desempenho escolar, como Trilhas Digitais, Arena SAE, Desa- fios, Simulados e muito mais. As Trilhas Digitais são conjuntos de questões e videoaulas referentes a cada módulo do li- vro que podem ser agendadas pelo professor como forma de estudo ou avaliação. O número de questões respondidas para cada módulo depende do desempenho obtido em cada uma delas. O sistema gera, ainda, relatórios individuais de desempenho que permitem acompanhar a evolução dos estudos. AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM (AVA) A Arena SAE é uma plataforma de avaliação que concentra um banco com mais de 170 mil questões, entre questões exclusivas e de domínio público, categorizadas por tipo de questão, componente, assunto, banca e ano, e possibilita a disponibilização, realização e correção automa- tizada de atividades objetivas de maneira online ou impressa. Avaliações referentes a cada componente e volume dos livros impressos, como provas, listas de exercícios, Desafios e Simulados, podem ser agendadas a partir dessa ferramenta. A plataforma gera relatórios detalhados de desempenho em cada atividade. Para complementar o estudo, é possível gerar uma trilha de questões a partir dos assuntos que apresentaram menor desempenho. ARENA SAE O Livro Digital é um recurso que disponibiliza todo o conteúdo do material impresso de for- ma digital e pode ser acessado de modo online ou offline a partir do computador ou celular. Esse recurso permite que o livro esteja sempre à mão e contribui para desenvolver o hábito do estudo diário e potencializar o processo de aprendizagem. LIVRO DIGITAL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 14PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 14 29/07/2022 11:36:2529/07/2022 11:36:25 DIGITAIS CONHEÇA OS RECURSOS O Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) do SAE Digital oferece uma série de ferramentas de reforço e acompanhamento do desempenho escolar, como Trilhas Digitais, Arena SAE, Desa- fios, Simulados e muito mais. As Trilhas Digitais são conjuntos de questões e videoaulas referentes a cada módulo do li- vro que podem ser agendadas pelo professor como forma de estudo ou avaliação. O número de questões respondidas para cada módulo depende do desempenho obtido em cada uma delas. O sistema gera, ainda, relatórios individuais de desempenho que permitem acompanhar a evolução dos estudos. AMBIENTE VIRTUAL DE APRENDIZAGEM (AVA) A Arena SAE é uma plataforma de avaliação que concentra um banco com mais de 170 mil questões, entre questões exclusivas e de domínio público, categorizadas por tipo de questão, componente, assunto, banca e ano, e possibilita a disponibilização, realização e correção automa- tizada de atividades objetivas de maneira online ou impressa. Avaliações referentes a cada componente e volume dos livros impressos, como provas, listas de exercícios, Desafios e Simulados, podem ser agendadas a partir dessa ferramenta. A plataforma gera relatórios detalhados de desempenho em cada atividade. Para complementar o estudo, é possível gerar uma trilha de questões a partir dos assuntos que apresentaram menor desempenho. ARENA SAE O Livro Digital é um recurso que disponibiliza todo o conteúdo do material impresso de for- ma digital e pode ser acessado de modo online ou offline a partir do computador ou celular. Esse recurso permite que o livro esteja sempre à mão e contribui para desenvolver o hábito do estudo diário e potencializar o processo de aprendizagem. LIVRO DIGITAL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 15PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 15 29/07/2022 11:36:2629/07/2022 11:36:26 Organize seu estudo O Ensino Médio é uma importante etapa de sua formação escolar e educacional, com a qual o SAE irá ajudá-lo a se desenvolver em diferentes dimensões ao longo dos três anos que estaremos juntos. No entanto, vale salientar que nessa fase é muito importante desenvolver um método de estudo. As ha- bilidades a serem desenvolvidas e os conhecimentos a serem adquiridos e consolidados serão mais facilmen- te obtidos com uma metodologia de apoio e uma estra- tégia de estudo, estabelecidas conforme suas caracte- rísticas de disponibilidade de tempo, preferências por horários, entre outras variáveis. Há diferentes formas de organizar seu tempo para estudar além daquele em que você está na sala de aula com seus professores e colegas. Há quem prefira estudar assim que chega em casa (ou no am- biente destinado ao estudo), enquanto outros prefe- rem ocupar-se com outras atividades e iniciar o estu- do individual mais tarde. É uma opção pessoal. Entretanto, há determinadas atitudes que pode- rão ajudá-lo, independente de quaisquer variáveis. Inicialmente, observe sua postura em sala de aula, du- rante os trabalhos feitos em classe. Ao iniciar as aulas, faça um “aquecimento” do con- teúdo: enquanto o professor prepara o ambiente de trabalho, realize uma rápida leitura daquilo que será exposto na aula. Isso o ajudará a entender melhor os conteúdos e a sequência de ideias. Além disso, reco- menda-se usar um caderno de anotações. Anotar os apontamentos feitos pelo professor é indispensável para seu estudo posterior. Outra etapa essencial para seu estudo autônomo ocorre fora da escola: em casa ou em outro ambiente destinado a esse fim. Para esses momentos, aconselha- -se uma série de atitudes que poderão ser ajustadas e proporcionarão um aproveitamento ideal do seu tempo e energia. O local de estudo deve ser tranquilo e silencioso. Para que a sua concentração e a retenção do que se estuda sejam maiores. Evite sons, música, televisão ou quaisquer outras distrações. Embora não pareça, essas interferências podem atrapalhar, e muito, sua concentração. Para quaisquer áreas do conhecimento, inicie seu estudo com uma rápida revisão do que foi desenvol- vido em sala de aula, tanto recorrendo ao seu mate- rial do sistema SAE, quanto às anotações feitas em seu caderno. Dedique alguns minutos a isso. Em seguida, cumpra as atividades passadas pelos professores: as pesquisas da seção de fechamento dos capítulos (se houver) e, principalmente, os exercícios propostos. Procure fazer todas as questões ou atividades, pois a quantidade deles é programada para que haja a fixa- ção dos conteúdos. O tempo de estudo também é muito importante. Procure destinar ao menos meia hora de estudo em casa para cada aula dada em sala de aula. Com isso, os conteúdos a serem estudados não se acumulam e você evita trabalhos mais intensos e desgastantes nas datas que antecedem as avaliações. Lembre-se de que método de estudo é algo desen-volvido individualmente e pode passar por ajustes. Contudo nada substitui o trabalho feito pelo aluno so- mado àquele desenvolvido na escola. Bom estudo! PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 16PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 16 29/07/2022 11:36:2629/07/2022 11:36:26 SU M ÁR IO • H1 – Interpretar historicamente e/ou geograficamente fontes documentais acerca de aspectos da cultura. • H2 – Analisar a produção da memória pelas sociedades humanas. • H3 – Associar as manifestações culturais do presente aos seus processos históricos. • H4 – Comparar pontos de vista expressos em diferentes fontes sobre determinado aspecto da cultura. • H5 – Identificar as manifestações ou representações da diversidade do patrimônio cultural e artístico em diferentes sociedades. • H12 – Analisar o papel da justiça como instituição na organização das sociedades. • H23 – Analisar a importância dos valores éticos na estruturação política das sociedades. • H24 – Relacionar cidadania e democracia na organização das sociedades. Habilidades 10 Mitologia e Teatro na Grécia Antiga 35 Sofistas e Sócrates 24 Os pré-socráticos: surge a filosofia 47 Platão: o homem e a cidade ideais 61 Filosofia de Aristóteles 83 Filosofia Medieval 74 Helenismo 95 Período Renascentista Hi st ór ia d a Fi lo so fi a e a fo rm aç ão d o pe ns am en to c rí ti co 1 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 9PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 9 29/07/2022 11:36:2729/07/2022 11:36:27 Com base no texto e em seus conhecimentos, responda às questões. 1. Qual a importância de conhecer? 2. Por que o ser humano busca o conhecimento? 3. Quantos tipos de conhecimento existem? 4. De onde surgiu toda a diversidade de seres que existem no mundo e fora dele?Mosaico romano originário da Villa de Sentino. Cerca de 200-250 a.C. Gliptoteca de Munique, Alemanha. Neste mosaico antigo é possível observar Urano (céu) e Gaia (terra) com seus filhos. Segundo a mitologia grega, a união do céu com a terra deu origem aos primeiros seres a habitar o planeta: os titãs e as titânides. ar ut m /W .Co m m on s As perguntas da seção start têm o objetivo de introduzir algumas das questões que sempre intrigaram a hu- manidade e foram o objeto de estudo dos primeiros pensadores. Promover uma conversa inicial, para diag- nosticar os conhecimentos prévios dos alunos e pre- pará-los para a abordagem inicial da disciplina. Resposta pessoal. Resposta pessoal. Resposta pessoal. Resposta pessoal. (MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 19-20.) Quando dizemos que o pensamento filosófico-científico surge na Grécia Antiga no século VI a.C., caracteri- zando-o como uma forma específica de o homem tentar entender o mundo que o cerca, isto não quer dizer que anteriormente não houvesse também outras formas de se entender essa realidade. [...] O pensamento mítico consiste em uma forma pela qual um povo explica aspectos essenciais da realidade em que vive: a origem do mundo, o funcionamento da natureza e dos processos naturais e as origens deste povo, bem como seus valores básicos. [...] Por ser parte de uma tradição cultural, o mito configura assim a própria visão de mundo dos indivíduos, a sua maneira mesmo de evidenciar esta realidade. [...] Não há discussão do mito porque ele constitui a própria visão de mundo dos indivíduos pertencentes a uma determinada sociedade, tendo portanto um caráter global que exclui outras perspectivas a partir dos quais ele poderia ser discutido. Ou o indivíduo é parte dessa cultura e aceita o mito como visão de mundo, ou não pertence a ela e, nesse caso, o mito não faz sentido para ele, não lhe diz nada. A possibilidade de discussão do mito, de distanciamento em relação à visão de mundo que apresenta, supõe já uma transformação da própria sociedade e, portanto, do mito como forma reconhecida de se ver o mundo nessa sociedade. FIL Filosofia EM 23 _1 _F IL _0 1 01 10 PP PP PP PP PPP PP PP PP mód. 01/08 EM 23_1_FIL_01 S T A R T Mitologia e Teatro na Grécia Antiga Busca pelo conhecimento • Poesia épica • Os mitos e a Filosofia Filosofia grega clássica: do mito ao logos PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 10PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 10 29/07/2022 11:36:2929/07/2022 11:36:29 Busca pelo conhecimento A Filosofia não foi a primeira manifestação do ser humano em busca do conhecimento. Antes mesmo de seu surgimento, os mitos já representavam uma tentativa de explicar os fenômenos naturais e as condutas humanas. Portanto, antes de estudar a Filosofia, é preci- so compreender os mitos. Mas afinal, o que é um mito? A palavra mito origina-se da expressão gre- ga mythos, que significa narração, conto. É algo que se conta, que se fala, é uma informação transmitida oralmente de uma pessoa para outra, de geração em geração. Os mitos são histórias que vêm de tem- pos muito antigos e, em geral, envolvem tan- to seres humanos quanto seres sobrenatu- rais, como deuses, gigantes e monstros. Não se sabe quem os inventou, pois suas origens remotas não permitem determinar um autor para essas narrativas. Além disso, diversos povos possuem mitologias que, muitas vezes, assemelham-se. Além disso, os mitos possuem função epistemológica e moral. ● Função epistemológica: oferece expli- cação para um fenômeno ou aconteci- mento, como uma tempestade ou o sur- gimento do Universo. ● Função moral: explica a razão de de- terminadas ações serem consideradas corretas e louváveis e outras não. Um exemplo de mito com valor moral seria uma história que explicasse o valor do trabalho. Os mitos surgiram devido à necessidade humana de explicar os fenômenos do mundo. Por que o dia se sucede à noite? Por que a lua muda de forma ao longo de um período regu- lar de tempo? De onde vêm as estrelas? Para as primeiras sociedades, todos esses aconte- cimentos só poderiam ter uma origem divina e sobrenatural. O conjunto de vários mitos de determina- da cultura ou povo chama-se mitologia. Esta reflete as principais características de um povo, já que fornece as crenças e os valores reconhecidos por aquela cultura. Cada mitolo- gia possui seus mitos envolvendo o surgimen- to do Universo, do homem, do trabalho, das guerras, das tempestades, entre tantas outras questões. Dessa forma, temos a mitologia grega, a mitologia egípcia, a mitologia celta, a mitologia dos povos orientais e também as mitologias dos povos indígenas que ajudaram a formar a cultura brasileira. Outro ponto muito importante é que os mitos não precisavam ser comprovados, pois acreditava-se que eram mensagens GlossárioGlossário Epistemológica: que se refere a um conhecimento organizado e estruturado. transmitidas pelos próprios deuses, portanto, possuíam um valor de verdade e eram aceitos como tal. Além disso, as narrativas mitológicas eram consideradas sagradas e, geralmente, eram contadas por pessoas que possuíam au- toridade dentro do grupo, como os sacerdotes. Nas narrativas mitológicas, os deuses pos- suíam atributos humanos, como inveja, raiva, piedade, ciúme. Mitologia grega A mitologia grega é uma das mais fasci- nantes e complexas da história da humanida- de e influenciou a formação de toda a cultura ocidental. Não se sabe ao certo de onde ela surgiu, nem como se estruturou, mas o fato é que chegou até a atualidade devido aos poetas Hesíodo e Homero, os primeiros a registrá-la por escrito. A mitologia grega narra os acontecimen- tos desde antes da origem do universo até sua formação e ordenação. Ela se divide em três eras ou gerações: de ouro, de prata, e de bronze, além de narrar também a passagem do caos para o cosmos, bem como a geração dos homens. Do caos ao cosmos Antes do surgimento do universo, reinava o caos absoluto, também identificado com o va- zio ou vácuo. Os primeirosseres que existiam eram os deuses primordiais, que surgiram no momento da criação, e a partir dos quais toda a diversidade de seres e fenômenos do mundo passaram a existir. Por esse motivo, Caos é o primeiro deus primordial a existir. Dentre os deuses primordiais, além de Caos, estão: Gaia (terra), Urano (céu), Nix (noi- te), Éter (ar), Tártaro (inferno ou submundo), Ananque (destino), Eros (amor) e Tésis (criação). Os mitos existem porque o ser humano possui um anseio natural pelo conhecimento. O modo ativo de pensar, analisar, refletir, criar, e assim modificar a realidade, coloca os seres humanos em uma condição de querer entender as coisas, compreender os fenômenos que os cercam. ObserveObserve GlossárioGlossário Caos (do grego Kaos): significa a primeira etapa da criação do universo, em que tudo já existia, mas estava desorganizado e caótico. Cosmos (do grego Kosmos): significa ordem, harmonia, e corresponde ao momento em que o caos inicial se ordenou harmonicamente e passou a existir tal qual ele é. O mundo sempre foi um mistério para a humanidade e, desde o princípio, buscou-se explicar como tudo passou a existir. un de rw or ld /S hu tte rst oc k 11FIL EM 23 _1 _F IL _0 1 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 11PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 11 29/07/2022 11:36:3029/07/2022 11:36:30 CABOFERRI, Giovan Francesco (sobre o desenho de LOTTO, Lorenzo). Magnum Chaos. 1524-1531. Afresco. Basílica de Santa Maria Maior, Bérgamo (Itália). Sa ilk o/ W. Co m m on s Geração de ouro A primeira geração da mitologia grega é a de ouro e corresponde aos filhos dos deuses primordiais. Alguns desses filhos foram gera- dos espontaneamente por um só deus, outros, pela união de dois deuses – como Gaia, filha apenas do Caos, e Éter, filho de Nix (noite) e Érebo (trevas). Na extensa lista das divindades da geração de ouro estão aqueles que correspondem aos elementos da natureza, como das montanhas e bosques, das pastagens, dos pomares, do dia, da noite, assim como as divindades que representam estados de espírito, como as da tristeza, da violência, dos vícios etc. BOUGUEREAU, William-Adolphe. A noite. 1883. Museu de Hillwood, Washington D.C. (EUA). Dos filhos que Nix gerou sozinha, muitos re- presentam ações morais boas (prudência, ética, cuidado etc.) ou más (inveja, ciúme, fome etc.). Geração de prata A segunda geração da mitologia grega é a de prata, corresponde à criação dos titãs (masculino) e titânides (feminino) e outros seres monstruosos, como os gigantes e os ciclopes. Segundo contam as histórias, Urano (gerado por Gaia) tornou-se marido dela e, juntos, tive- ram muitos filhos. Urano, então, tornou-se o primeiro senhor do Cosmos e, também, o primeiro grande tirano. Entre os filhos de Urano e Gaia está o titã Cronos (que representa o tempo e que, mais tarde, destronou seu despótico pai). VASARI, Giorgio. Cronos castrando Urano. 1580. Afresco. Sala di Cosimo, Pallazzo Vechio, Itália. Ma t/ W. Co m m on s GlossárioGlossário Ciclopes: monstros de um olho só, responsáveis pela forja dos relâmpagos. Foram imortalizados após a titanomaquia, empreendida mais tarde por Zeus. Saiba maisSaiba mais Titãs: Oceano, Ceos, Crio, Hiperíon, Jápeto, Cronos. Titânides: Téia, Réia, Mne- mósina, Febe, Tétis. 12 FIL EM 23 _1 _F IL _0 1 EM 23 _1 _F IL _0 1 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 12PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 12 29/07/2022 11:36:3329/07/2022 11:36:33 Geração de bronze A terceira geração da mitologia grega é a de bronze e corresponde aos filhos dos titãs. Quando o titã Cronos destronou seu pai (Urano), tornou-se igualmente despótico, pois uma profecia dizia que ele seria destronado por um de seus filhos. Temendo que a profecia se concretizasse, Cronos, que era casado com Reia, passou a devorar os próprios filhos. Sua esposa, no entanto, conseguiu salvar um deles desse trágico fim, entregando-o às ninfas para criá-lo. Esse filho era Zeus. Mais tarde, Zeus enfrentou seu temível pai e todos os titãs, o que ficou conhecido como titanomaquia. Vencidos, os titãs foram apri- sionados no Tártaro (inferno). Depois de ven- cer os gigantes, Zeus enfrentou ainda uma das mais difíceis batalhas, empreendida contra o gigante Tifão (deus dos ventos), vencendo-o e tornando-se, então, o novo senhor do cosmos. A geração de bronze corresponde aos doze deuses do Olimpo, a saber: Zeus, Hera, Poseidon, Atena, Ares, Deméter, Apolo, Ártemis, Hefesto, Afrodite, Hermes e Dioniso. Estátua de Zeus, o mais importante dos doze deuses do Olimpo. IM G St oc k S tu dio /S hu tte rst oc k Geração dos homens A obra Teogonia, do poeta grego Hesíodo, narra o surgimento dos deuses e também dos seres humanos ou seres mortais. Segundo re- lata o poeta, os seres humanos passaram por cinco grandes eras, que correspondiam às cin- co raças. ● Era de ouro: corresponde ao período anterior à luta de Zeus com Cronos. Nessa fase, os mortais viviam em plena harmonia entre si e com a natureza. Não havia fome, velhice ou doenças, nem precisavam trabalhar. A morte se asse- melhava a uma grande noite de sono. Nessa era viveu a raça de ouro. ● Era de prata: depois que Zeus venceu seu pai, Cronos, surgiu a raça de prata, caracterizada pela violência, ignorância e falta de reverência aos deuses do Olim- po. Irado, Zeus enviou os homens de prata para o Submundo. GlossárioGlossário Deuses do olimpo: também conhecidos como deuses olímpicos, eram aqueles que habitavam o Monte Olimpo e que compõem o panteão grego. ● Era de bronze: nesse período, viveu a raça de bronze, mais inteligente que a anterior, porém eram guerreiros que portavam armas e escudos de bronze, contudo acabaram matando uns aos outros e também foram parar no Sub- mundo. ● Era de ferro: Zeus insistiu em criar mais uma raça, a de ferro, que era composta por homens que trabalhavam e tinham noção do bem e do mal. A raça de ferro foi salva pelo titã Prometeu, contra a fú- ria dos deuses. Então, ele ensinou a raça de ferro a arte da medicina e da nave- gação, bem como o sacrifício de animais para reverenciar aos deuses. ● Era dos homens: depois de receberem o fogo de Prometeu, os seres humanos foram amaldiçoados pelos deuses e ex- pulsos da Terra. Prometeu e sua esposa, Mirra, foram pedir ajuda ao oráculo de Delfos, onde foram aconselhados a jo- garem os ossos de seus ancestrais para trás das costas. Então, eles pegaram as pedras do chão, que vieram de Gaia (a deusa mãe), e, para cada pedra lançada, surgiu um ser humano. A partir da explicação desses mitos pode- mos compreender de maneira mais clara como auxiliaram na formação cultural da Grécia Antiga. Com isso, podemos sintetizar que os mitos foram essenciais no processo de educa- ção do homem grego. Ou seja, toda a constru- ção grega posterior envolvendo a literatura, a política, o direito e mesmo a Filosofia tem, em grande parte, influência do legado mitológico deixado por estas narrativas que atravessa- ram tantos séculos. FÜGER, Heinrich Friedrich. Prometeu leva o fogo à humanidade. 1817. Óleo sobre tela. m nb ar t/ W. Co m m on s Saiba maisSaiba mais Atlas, filho do titã Jápeto, foi condenado por Zeus a carre- gar o mundo nas costas. 13FIL EM 23 _1 _F IL _0 1 EM 23 _1 _F IL _0 1 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 13PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 13 29/07/2022 11:36:3529/07/2022 11:36:35 Poesia épica Outro aspecto relevante para a influência dos mitos na educação grega foi o registro escrito de suas histórias. Como já foi dito, os mitos são narrativas orais que passam de geração em gera- ção. Contudo, em dado momento, passaram a representar tamanha força na formação do caráter grego que as principais histórias começaram a ser registradas. Os responsáveis por esses regis- tros foram os grandes poetas gregos Homero e Hesíodo, considerados por muitosestudiosos os primeiros a registrar por escrito as narrativas que até então eram orais. A poesia épica, também conhecida como epopeia, é um gênero literário que se caracteriza pela narrativa de diversas histórias curtas, dentro de um contexto mais amplo. Essas histórias geralmente se relacionam com os feitos de deuses, semideuses e heróis da mitologia. As obras de Homero (Ilíada e Odisseia) são consideradas as mais antigas epopeias do Ocidente e chegaram até a atualidade praticamente intactas e completas. Naquela época, os poetas eram considerados pessoas com dons divinatórios especiais, pois acreditava-se que os poemas eram recebidos por uma espécie de iluminação divina, como se fossem ditadas pelos deuses. A poesia épica, juntamente com o teatro, teve fundamental impor- tância no processo de educação na Grécia Antiga, pois, por meio desses cantos, comumente ence- nados nos teatros, eram passados os valores necessários para tornar as pessoas mais virtuosas. Homero Homero foi um lendário poeta épico que teria vivido na Grécia Antiga no século VIII a.C. Escreveu duas das principais obras da Antiguidade: Ilíada e Odisseia, que mostravam gran- de preocupação com a formação ética e espiritual do homem, descrevendo as mais diversas situações passadas na vida, sempre enfatizando um modo de viver com base nas virtudes do homem, usando os mitos como forma de educar o povo. A primeira grande obra escrita por Homero foi Ilíada, que trata de um modelo de vida dentro de um estado de guerra, mas sempre tendo em vista a busca pela excelência, que os gregos chamavam de Areté. Pouco se sabe sobre a vida de Homero, que viveu no sé- culo VIII a.C. O que se sabe é que ele não foi testemunha dos fatos narrados nas suas obras Ilíada e Odisseia, pois estes acontecimentos ocorreram cerca de quatro séculos antes de sua existência. Ilíada A história narra a guerra cujo es- topim foi o fato de Páris, príncipe troia- no, ter raptado a esposa de Menelau, monarca grego. Disposto a recuperar sua esposa, Menelau pede a ajuda de Agamêmnon, seu irmão, e logo os de- mais reinos gregos se juntam em bata- lha contra os troianos. Nessa obra sur- ge a figura do herói, como aquele que supera seus limites e é capaz de atos grandiosos. A temática central da obra diz res- peito à ira de Aquiles, semideus e gran- de herói da Guerra de Troia. Ele mata Heitor, o Príncipe troiano, depois de descobrir que Pátroclo, seu primo, havia sido assassinado por ele. Aquiles era imortal, mas possuía um ponto vulnerável: o calcanhar, onde acabou atingido por uma flecha disparada por Páris. Quando novo, recebeu uma profecia: viveria eternamente tendo uma vida comum ou, caso fosse a uma guerra, iria realizar grandes feitos, mas acabaria morrendo. Busto de Homero. Século I ou II d.C. Mármore. British Museum, Londres (Inglaterra). Ch ris O/ Sh ut te rst oc k GlossárioGlossário Areté: o termo em portu- guês que mais se aproxima de Areté é virtude, a ação que busca a perfeição e harmonia. Corpo de Heitor sendo levado de volta à Troia. Cerca de 180-200 d.C. Alto relevo em mármore. Museu do Louvre, Paris (França). Tre st/ W. Co m m on s Saiba maisSaiba mais A questão existencial em Aquiles A história de Aquiles permi- te-nos compreender melhor a ideia de destino para os gregos, com a questão da responsabilidade de cada pessoa perante o próprio destino. Se Aquiles não fosse à guer- ra, viveria eternamente, mas não faria nada de grandioso em sua vida. Se fosse à guerra, morreria, mas seria lembrado eternamente como um herói. Aquiles enfrenta suas dúvidas e vai à Guerra de Troia, ou seja, prefere uma vida breve, mas repleta de heroísmo e feitos extraordinários a uma vida longa e sem realizações. Para os gregos isso simboli- zava duas coisas: Imortalidade: é muito maior que uma ideia de viver “eternamente” ou “viver para sempre”. É imortal o homem lembrado eterna- mente por seus feitos em vida. Ou seja, Aquiles, ainda que morto, eternizou-se por suas façanhas na Guerra de Troia. Questão do destino: Aquiles já tinha seu futuro decre- tado, mas a forma como tudo isso se desenrolaria dependeria de sua escolha: lutar ou não. Nesse sentido, deuses determinavam as condições da existência de cada um, mas não o final, não aquilo que eu faço com a vida que recebi, nem todas as decisões. Aquiles na corte do rei Licomede. Ma rie -L an N gu ye n/ W. Co m m on s 14 FIL EM 23 _1 _F IL _0 1 EM 23 _1 _F IL _0 1 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 14PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 14 29/07/2022 11:36:3729/07/2022 11:36:37 Odisseia Esta obra de Homero narra o retorno de Odisseu, um grande guerreiro grego, da Guerra de Troia para Ítaca, onde ficava sua casa. O que impediu o retorno ao seu lar logo de- pois do fim da guerra foi a arrogância de Odisseu diante de Poseidon. TIEPOLO, Giovanni Domenico. O cavalo de Troia. 1760. Óleo sobre tela. The National Gallery, Londres (Inglaterra). Odisseu foi o grande herói da Guerra de Troia, devido a estratégia que usou para invadir a cidade: construir um cavalo de madeira monumental e oferecer de presente para os troianos, mas, dentro do cavalo, estava todo o exército de Odisseu, que acabou invadindo e tomando a cidade. Ma rtl os /W .Co m m on s Odisseu acredita não precisar mais dos deu- ses para conduzir a sua vida. Por causa disso, Poseidon, o deus do mar, atrasou por 20 anos a chegada de Odisseu a Ítaca, sua terra natal, como punição a este desrespeito. Foi somente depois de superar a soberba que Odisseu pôde rever sua esposa e seu filho, agora já adulto. Perseguidos por Poseidon, Odisseu e sua tri- pulação passaram por muitas provas para su- perar a ira do deus dos mares, como enfrentar as Sirenas, desvencilhar-se da ninfa Circe e de seus ardis e lutar contra o Ciclope. Por meio da astúcia e inteligência, Odisseu enfrentou cada um dos desafios com verdadeira are- té (virtude), digna de um herói. Quando venceu a soberba, Odisseu foi capaz de enten- der que o homem é apenas parte do cosmos e que preci- sa cultivar humilda- de e respeito diante das forças maiores da natureza, repre- sentadas pela figura de Poseidon. Hesíodo Hesíodo foi um poeta que viveu na Grécia no final do século VIII a.C. ou início do século VII a.C. Em sua obra, Hesíodo retrata a vivência do camponês naquele período histórico. Em sua região, a terra era difícil de ser cultivada, de Estátua de Poseidon. Cerca de 125-110 a.C. Mármore. Museu Arqueológico Nacional, Atenas (Grécia). Poseidon, deus grego que detinha o poder sobre os mares e castigou Odisseu por sua arrogância. Ric ar do /W .Co m m on s forma que o sustento só poderia ser obtido com a luta diária e incessante do trabalho no campo. O trabalho garantia os alimentos para a so- brevivência e a possibilidade de aumentar a ri- queza para ter uma vida confortável. Porém, outro fator tornava a situação ainda mais complicada: a luta contra a injustiça. Isso pode ser evidenciado na própria experiência vi- venciada pelo poeta. Quando o pai de Hesíodo morreu, iniciou-se um confronto judicial entre ele e seu irmão, Perses, pela herança. Porém, Perses subornou os juízes e venceu o conflito. O sentimento de inconformismo diante das injustiças que aconteciam em sua época, em que os mais ricos prevaleciam sobre os mais pobres, surgiria em seus poemas em tons dra- máticos e desafiadores. Hesíodo não aceitava as injustiças de seu tempo, e por isso se pôs não apenas como poeta, mas como educador de seu povo. Lousi Kato, ao norte de Kastria, Achaia, Grécia. Esta imagem mostra o solo grego, difícil para o cultivo. vm er t/ W. Co m m on s Para Hesíodo, em sua época, apenas dois bens eram essenciais: trabalho e justiça. Nesse contexto, cada indivíduo deveria colocar todo esforço para criar uma vida melhor, trabalhan- do muito e buscando a justiça. As duas principais obras de Hesíodo são Teogonia eOs Trabalhos e os Dias. A primeira trata da origem dos deuses, do mundo e do próprio homem. A segunda apresenta a condi- ção existencial do homem grego no momento histórico em que foi escrita. Os Trabalhos e os Dias A obra está dividida em duas partes principais. Na primeira parte, Hesíodo mostra a necessidade da justiça e do trabalho para o homem. Constam essas ideias na narrativa das duas lutas, no mito de Prometeu e Pandora, no mito das cinco raças e na sátira contra os reis, iniciada pela fábula do falcão e o rouxinol. Já a segunda parte corresponde a conselhos prag- máticos e calendários relativos à agricultura e à navegação, incluindo observações morais com caráter de crítica. Busto de Hesíodo. lam kte rty /W .Co m m on s GlossárioGlossário Sirenas: figuras mitológicas que viviam nos mares. Eram meio pássaros e meio mulheres e enfeitiçavam os marinheiros com seu canto sedutor, fazendo-os caírem no mar e morrerem afogados. Un ive rsa l Helena de Troia – paixão e guerra Diretor: John Kent Harrison Ano: 2003 Mostra as razões do surgi- mento da Guerra de Troia e como o destino influencia a vida das pessoas. É excelen- te para evidenciar as ideias do homem grego, como a honra e a lealdade a uma causa maior. Ha llm ar k A Odisseia Diretor: Andrei Konchalovski Ano: 1997 Retrata as dificuldades que Odisseu tem que enfrentar para conseguir voltar à sua terra natal, após o término da Guerra de Troia. Esses desafios muito se asseme- lham às batalhas diárias de cada pessoa para encontrar o caminho de realização. FilmesFilmes 15FIL EM 23 _1 _F IL _0 1 EM 23 _1 _F IL _0 1 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 15PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 15 29/07/2022 11:36:3929/07/2022 11:36:39 Hesíodo enxergava o trabalho como a forma de obter e cultivar a virtude em meio à existên- cia sofrida destinada ao ser humano. Para ele, o trabalho é uma necessidade humana, e a justiça, um dever. Dentro desta obra há ainda a história das cinco idades do mundo, que demonstra cinco momentos diferentes na história do homem, conforme foi visto anteriormente. Hesíodo possui um caráter prático. Não bus- cou tratar de assuntos que não eram de seu tempo, ou de falar sobre o belo, o perfeito, o melhor. Sabendo dos erros e das injustiças de sua época, buscou uma maneira de educar o povo a fazer diferente. Acreditava que os deuses ti- nham abandonado os homens porque estes ti- nham se tornado corruptos, e que a única salva- ção seria o duro e constante trabalho na terra. Nessa luta com a terra, o homem também trava uma batalha com suas ideias, pois há mu- danças de comportamentos e pensamentos, que são espelhados nos próprios poemas ao se denunciar a corrupção e a injustiça daquele tempo. Os mitos e a Filosofia O mito não é uma coisa do passado, pois ainda hoje ele é usado para explicar fenômenos que ainda fogem da possibilidade de uma explicação científica. As len- das, o folclore regional, os milagres etc., são exemplos disso. ObserveObserve Por meio dos mitos buscava-se encontrar explicações para os fenômenos naturais e sociais. Em outras palavras, os povos primitivos, e também os gregos, acreditavam que os mitos conti- nham verdades sobre o mundo e a vida em suas narrativas influenciadas pelos deuses. No en- tanto, a partir de certo momento, começou-se a pensar que essa “verdade” das coisas não mais estaria nos mitos, mas nos próprios fenômenos. Por exemplo, em vez de se tentar explicar o surgimento do relâmpago a partir de uma narrativa, é necessário estudar o próprio fenômeno do relâmpago. Essa passagem será decisiva para o nascimento da Filosofia como explicação racional das coisas. Por outro lado, é importante notar que o surgimento da Filosofia não causou a ruptura e o es- quecimento da mitologia. No decorrer da história da Filosofia, é possível notar que filósofos como Platão não pouparam esforços em utilizar mitos para explicar suas ideias. Na obra A República, de Platão, podemos encontrar o mito da caverna e o mito de Er, que compõem as ideias de constru- ção da cidade existentes na obra. O mito segue como uma forma de compreensão e interpretação do mundo, e sempre que o estudamos podemos identificar uma representação da realidade muito profunda em suas histó- rias que, por mais fantásticas que pareçam, guardam ensinamentos que nos colocam em contato com a origem, a essência e o movimento do universo do qual fazemos parte. Os mitos no século XX Hoje em dia, ainda é comum buscar explicações fictícias para fenômenos que não consegui- mos compreender. Pensemos na figura do boitatá, por exemplo, representado na maioria das vezes como uma cobra de fogo que queima todos aqueles que tentam incendiar as matas e flores- tas. A existência desse mito pode ser explicada pela ciência por meio do fogo-fátuo, que é forma- do pelos gases inflamáveis que emanam dos pântanos e dos restos mortais de grandes animais. Esses gases, vistos de longe, se assemelham ao fogo em movimento. Além de explicação das coisas, existem ainda hoje mitos que nascem da busca por uma ori- gem, um passado remoto em que tudo era perfeito. Essa busca pelas origens fez com que, no fim do século XIX, surgissem os nacionalismos. O despertar do nacionalismo que buscava as raízes de sua nação foi transformado em propaganda política. A figura do arianismo, da raça pura, é um exemplo, que foi representado pelos alemães e depois difundido pelo regime nazista. O ariano era ao mesmo tempo o herói e o ancestral, seria um ser puro, que precisava ser resgatado para que houvesse a reestruturação da sociedade. GlossárioGlossário Nacionalismo: é uma exalta- ção do sentimento nacional, a ponto de se criar uma preferência significativa por tudo aquilo que é da nação a qual se pertence. A política interna de um Estado nacio- nalista se volta totalmente para o desenvolvimento de seu poderio. Ocorre uma nacionalização de todas as atividades do país, seja a indústria seja o comércio. POLLAIUOLO, Antonio del. Hércules e a Hidra. 1475. Têmpera sobre madeira. Galeria Uffizi, Florença (Itália). Hesíodo também escreveu uma obra chamada Escudo de Hércules. cv at /W .Co m m on s 16 FIL EM 23 _1 _F IL _0 1 EM 23 _1 _F IL _0 1 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 16PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 16 29/07/2022 11:36:4329/07/2022 11:36:43 No Brasil, vive-se um momento de ressignificação, de busca por uma verdadeira identidade cultural. A herança mitológica deixada pelos indígenas e pelos povos africanos, juntamente com a herança cultural trazida pelos imigrantes, como os italianos, os alemães e os japoneses, associa- ram-se entre si e acabaram por reconfigurar-se, constituindo uma essência única característica do povo brasileiro. O teatro na Grécia Antiga Foi observada anteriormente a importância dos mitos na educação do homem grego. Primeiro eles eram transmitidos oralmente de geração em geração. Depois, passaram a ser registrados e cantados pelos poetas. Posteriormente, os gregos seguiram adiante. O período do século VI a.C. ao século IV a.C. é caracterizado pela difusão das grandes peças de teatro, a atividade cultural favorita dos gregos antigos. Mas esses espaços não eram apenas de diversão, eram sobretudo espaços de educação, pois ajudavam o indivíduo a praticar as virtudes e exercer a cidadania plena. Werner Jaeger, um autor alemão importantíssimo por apresentar o processo histórico e cultural de formação do homem grego desde as poesias de Homero e Hesíodo, descreve o teatro da Grécia Antiga como um espaço de pedagogia para os indivíduos. Segundo Jaeger, o teatro possui várias dimensões da existência. Destacam-se: ● Dimensão psicológica: retratada nos di- lemas existenciais vividos pelos perso- nagens e que, inclusive, serão motivo de estudo de autores consagrados muitos séculos depois. Exemplos de tragédias gregas desse tipo são: Édipo Rei, de Sófo- cles, e Medeia, deEurípedes. ● Dimensão religiosa: seu objetivo era demonstrar que o ser humano é ape- nas parte do cosmos, e por isso não era completamente livre, pois precisava aprender a conhecer a força do destino, influenciado pelos deuses. Exemplo: a obra Prometeu acorrentado, de Ésquilo. ● Dimensão social: as obras mesclam ele- mentos políticos e jurídicos. O teatro gre- go servia também para promoção de valores democráticos e do bem comum. A comédia de Aristófanes enquadra-se aqui, uma vez que realiza várias críticas sociais, bem como obras de Eurípedes, como As suplicantes, na qual a decisão democrática do povo sobre determinado pro- blema que envolvia a cidade é uma das primeiras obras com teor preponderantemente político. A origem da palavra “teatro” é alvo de grandes discussões até hoje. Para alguns estudiosos, ela significaria “como deus se manifesta diante do povo”. Era como se todos os espectadores dos teatros gregos assistissem a uma aula de psicologia e filosofia dos próprios deuses. Por isso di- ziam que os teatros gregos eram tão emocionantes, pois mexiam com emoções internas que todo cidadão experimentava, promovendo na plateia o que se chama catarse. O teatro grego divide-se em dois gêneros: a tragédia e a comédia. Tragédias As tragédias situam-se na constante relação entre o homem e o divino. Sempre há um herói trágico que recebe indicações dos deuses de como deve agir em sua vida (pode ser por meio de uma profecia ou mesmo de uma conversa direta com um deus). Mas esse herói, por algum motivo pessoal, decide não seguir a orientação divina, e por isso comete crimes ou erros trágicos que trazem sofrimento para ele, sua família e sua cidade. As grandes tragédias gregas originaram-se das festas em homenagem ao deus do vinho, Dionísio. Inclusive os eventos eram acompanhados por procissões e sacrifícios. Com o tempo, os festivais foram crescendo tanto em popularidade que se tornaram por si só eventos de grande importância cultural para o povo grego. Os principais autores das tragédias gregas foram: Ésquilo, Sófocles, Eurípedes. Ésquilo nasceu em 525 a.C. na cidade de Elêusis, próxima à Atenas. Foi considerado o funda- dor do estilo poético conhecido como tragédia e suas principais obras são: Os persas, Prometeu acorrentado, Agamêmnon, Eumênides e Coéforas. Na obra de Ésquilo, os deuses são personagens presentes o tempo inteiro, advertindo as pessoas como devem agir. O teatro grego era repre- sentado por atores, todos homens, e o coro. Os atores usavam máscaras, feitas de diversos materiais e indicavam as caracterís- ticas do personagem – se era trágico ou cômico ou mulher. O coro era um grupo de atores, sem individuação, que comentava coletiva- mente as ações representa- das na peça. O coro era um grupo de pessoas localizado em lugar à parte do cenário, não intervindo diretamente na história, mas sempre dialo- gava com os personagens, estimulando-os, criticando- -os, enaltecendo-os, entre outras ações. Representação de máscara teatral grega do deus Dionísio, de II a.C. po rtt a/ W. Co m m on s ObserveObserve BiografiaBiografia Werner Jaeger (1888-1961) escreveu o livro Paideia – a formação do homem grego, em que o foco de estudo é o modelo de formação do homem grego. GlossárioGlossário Catarse: do termo grego kathársis, significa purifica- ção da alma provocada na plateia pelo sofrimento vi- venciado pelos personagens teatrais. Era uma espécie de estado de êxtase para expurgar os sofrimentos da vida e renovar as forças para enfrentar obstáculos futuros. Busto de Ésquilo. ch up db al/ W. Co m m on s JALABERT, Charles. Édipo e Antígona. 1842. Óleo sobre tela. Museu de Belas-Artes da Marselha (França). Antígona conduz seu pai Édipo Rei, que cegou a si mesmo depois de descobrir que era o assassino de seu pai. tm nc o/ W. Co m m on s 17FIL EM 23 _1 _F IL _0 1 EM 23 _1 _F IL _0 1 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 17PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 17 29/07/2022 11:36:4629/07/2022 11:36:46 Busto de Sófocles. Ric ar do /W .Co m m on s RO DK AR V/ Sh ut te rst oc k Teatro de Dionísio, na Grécia. Aqui foram encenadas tragédias de Sófocles e Eurípides. Sófocles nasceu em Atenas, provavelmente em 495 a.C., e morreu na mesma cidade, no ano 406 a.C. Escreveu várias peças, porém ape- nas sete chegaram aos dias atuais: Ajax, Antígona, As Traquíneas, Édipo Rei, Electra, Filoctetes e Édipo em Colono. Sófocles aprofunda os dilemas humanos do cotidiano abordados por seu antecessor Ésquilo. Na obra de Sófocles, os deuses já não são personagens tão presentes, manifes- tam-se com mensagens ocultas transmitidas por meio de profecias. A mensagem divina aparece na forma do destino, isto é, cada pes- soa possui um caminho antes determinado pelos deuses e é preciso conhecê-lo para não cair em sofrimento. As principais obras sobre Édipo compõem a Trilogia Tebana: Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígona. Eurípedes, considerado o autor que es- creveu o maior número de obras trágicas da Grécia, viveu entre 480 e 406 a.C. Em suas obras predomina a dis- cussão sobre os dilemas humanos, sociais e políticos dentro da cida- de. Este é o grande fato que o diferencia dos demais autores de tragé- dias. Eurípedes reduz a importância das questões divinas, trazidas por Ésquilo, e das questões sobre o destino, por Sófocles, para adentrar em um novo mundo, onde o homem é o membro da pólis. Eurípedes foi considerado o autor que chegou mais perto da rea- lidade social, ao buscar relatar a situação do cotidiano na sociedade, aproximando-se de forma realista de seus problemas e suas dificulda- des. Em suas obras expunha que nem sempre os nobres e guerreiros eram os heróis, mas que um cidadão comum também poderia se tornar um protagonista social. Outra característica importante nas obras de Eurípedes é o valor conferido às personagens fe- mininas, sempre apresentadas com bravura e força psicológica, revelando serem por vezes cruéis e fascinantes. Comédias As comédias são conhecidas até hoje como aquelas peças que con- seguem levar o indivíduo ao humor, ao riso. Na Grécia Antiga, a co- média tinha grande importância, pois possibilitava fazer uma crítica a todas as esferas: política, econômica e social. Ninguém estava livre das críticas da comédia: nobres, governantes, filósofos e até mesmo deu- ses, todos eram alvos das comédias. O maior representante das comédias na Grécia Antiga foi Aristófanes (450-385 a.C.), que conseguia total atenção do povo com suas cenas ex- travagantes e suas sátiras bem elaboradas. Seu objetivo era chamar a atenção do público para aquilo que estava acontecendo na política e na cultura da cidade, como problemas de corrupção. Permitindo ao povo sair da indiferença e começar a questionar a administração pública, as guerras e até mesmo os próprios hábitos. Uma de suas grandes comé- dias chama-se Lisístrata. Essa obra foi escrita na época da Guerra do Peloponeso, com intenção de promover de forma humorística a paz entre Atenas e Esparta. Uma curiosidade quanto ao nome da personagem principal, que deu o nome à obra, é que no grego Lisístrata quer dizer “aquela que dissolve” ou “aquela que separa exércitos”. Cu lt Cla ss ic Édipo Rei Diretor: Pier Paolo Pasolini Ano: 1967 Apresenta a história de Édipo partindo de uma relação com a atualidade. É excelente para demons- trar como a história das tragédias gregas pode ser utilizada para evidenciar experiências do cotidiano de qualquer pessoa. Wa rn er B ro th er s Hamlet Diretor: Kenneth Branagh Ano: 1996 Retrata a tragédia de Hamlet, de Shakespeare. Este filme demonstra como as tragédias gregas influen- ciaram a cultura, a literatura e a filosofia depois tantos séculos. FilmesFilmes Busto de Eurípides. Ca rli os /W .Co m m on s GlossárioGlossário Pólis: é o termo que designava as cidades-Estado gregas, pois naquela época, diferente de hoje, não existiam cidades agrupadasque formavam um Estado, mas cada cidade em si era autônoma em relação às outras, com seu exército, política e costumes. Busto de Aristófanes. Lo rd e/ W. Co m m on s Atualmente a comédia é usada por diversos seg- mentos, seja no marketing para fazer a propaganda de determinado produto, seja no jornal por meio de quadrinhos para fazer uma crítica social ou política. Encontre uma propaganda ou tirinha de jornal em que o humor é usado para trans- mitir alguma informação e explique qual a mensagem transmitida. Apresente essa pesquisa em um breve texto, trazendo para sala o material pesquisado e, sob orientação do professor, compartilhe com os colegas. PesquisePesquise 18 FIL EM 23 _1 _F IL _0 1 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 18PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 18 29/07/2022 11:36:4929/07/2022 11:36:49 Atualmente, os filmes de super-heróis estão em voga no cinema; além da temática despertar o interesse de um público bastante diversificado, os avanços tecnológicos permitem que os su- perpoderes sejam realizados com perfeição, levando a plateia ao delírio. Mas qual será a relação dos heróis modernos com a mitologia? Leia o texto a seguir para responder às questões propostas. 20 th Ce nt ur y F ox Percy Jackson e o ladrão de raios Diretor: Chris Columbus Ano: 2010 De modo descontraído, demonstra vários aspectos da mitologia grega. É uma boa indicação para se familiarizar com os deuses, suas relações entre si e com o ser humano. FilmeFilme Os heróis e a mitologia Os gregos chamam-no de Hermes e os romanos de Mercúrio. Nós o chamamos de Flash. Os gregos o cha- mam-no de Poseidon, os romanos de Netuno. Nós chamamos de Aquaman. A conexão entre os super-heróis e a mitologia é fascinante. Muitos veem os super-heróis como os protagonistas na mitologia moderna. Mas o que isso exatamente significa? Um mito é uma maneira de se comunicar, desenvolvida por diversas culturas, por meio de histórias, poemas ou até mesmo músicas. Geralmente essas histórias contam fatos sobre a vida dos indivíduos e en- sinamentos sobre onde estão localizados em meio ao universo. Contudo, é criado um paradoxo: por que precisamos de contos fantasiosos para relatar fatos tão simples do nosso cotidiano? [...] Na verdade, a gente não PRECISA dessas histórias para conseguir entender temas tão profundos, mas eles nos ajudam sem sombra de dúvidas. Os elementos fantásticos encontrados em mitos antigos nos ajudam a entendê-las. Em culturas geradas em torno de tradições orais, é mais simples lembrar dessas narrativas e é mais fácil passá-las adiante. Para nós, o problema não é a comunicação, mas o compromisso com certeza é. Se nós queremos que jovens pensem em poder e responsabilidade, nós podemos só sentar a conversar. Ou podemos dá-lo o Homem-Aranha. Na sua opinião, qual é o mais efetivo? (FRANCISCO, Allan. Os heróis e a mitologia. Disponível em: <http://www.infogeekcorp. com/2015/08/os-herois-e-mitologia.html>. Acesso em: 20 ago. 2018.) 1. Qual a relação entre os super-heróis modernos e a mitologia? 2. Por que, ainda hoje, os seres humanos necessitam de histórias fantásticas para explicar os fenômenos humanos? 3. Releia o último parágrafo do texto e responda, com suas palavras, à pergunta final presente nele. 4. Qual é o seu super-herói favorito? Preencha a ficha a seguir e apresente sua resposta para a turma. Cole uma imagem ou desenhe seu super-herói favorito Nome: Quais são seus superpoderes: Quando e por quem foi criado: Quem é seu inimigo número 1: Como obteve seus superpoderes: Quais os atributos humanos (positivos e negativos) do seu super-herói: As questões de 1 a 3 podem ser debatidas em sala de aula antes do registro escrito individual. Já a questão 4 pode ser apresentada por voluntários na aula seguinte, após pesquisa individual. Tanto os super-heróis modernos quanto os da mitologia apresentam questões relacionadas à vida humana como um todo, possibilitando a reflexão sobre determinadas ações. Porque as histórias fantásticas despertam o interesse e facilitam a compreensão sobre temas gerais. Resposta pessoal. O aluno deve apresentar sua opinião sobre a diferença entre uma conversa sobre temas como poder e justiça e um filme ou história em quadrinhos que apresente a mesma temática de forma fabulosa. É importante que o aluno apresente argumentos bem estruturados e coerentes. Thor, personagem da mitologia nórdica. Outras mitologias tam- bém influenciaram a criação de histórias em quadrinhos e filmes Ma tia sD elC ar m in e/ Sh ut te rst oc k 19FIL FILOSOFIA E CULTURA EM 23 _1 _F IL _0 1 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 19PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 19 29/07/2022 11:36:5029/07/2022 11:36:50 Resolvidos 1. Tentativa de definição do mito [...] A definição que a mim, pessoalmente, me parece a menos im- perfeita, por ser a mais ampla, é a seguinte: o mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabuloso do “princípio”. Em outros termos, o mito narra como, graças às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um compor- tamento humano, uma instituição. É sempre, portanto, a narrativa de uma “criação”: ele relata de que modo algo foi produzido e começou a ser. O mito fala apenas do que realmente ocorreu, do que se manifestou plenamente. Os personagens dos mitos são os Entes Sobrenaturais. Eles são conhecidos sobretudo pelo que fizeram no tempo prestigioso dos “primórdios”. Os mitos revelam, portanto, sua atividade criadora e desvendam a sacralidade (ou simplesmente a “sobrenaturalidade”) de suas obras. Em suma, os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado no Mundo. É essa irrupção do sagrado que realmente fundamenta o mundo e o converte no que é hoje. E mais: é em razão das intervenções dos Entes Sobrenaturais que o homem é o que é hoje, um ser mortal, sexuado e cultural. [...] (ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São Paulo: Perspectiva, 1972. p. 9.) De acordo com o texto lido e com seus conhecimentos sobre os mitos, assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas. a) ( ) Os mitos são histórias fantasiosas que podem ser consi- deradas de ficção. b) ( ) Chama-se mitologia aquela que foi inventada na Grécia Antiga e disseminada para o restante do mundo. c) ( ) Segundo o autor, os mitos são tentativas de explicar como as coisas passaram a existir e são tais quais a vemos hoje. d) ( ) Os mitos possuem a mesma definição que a palavra religião. e) ( ) A mitologia revela as irrupções do sagrado no mundo. 9 Resposta: a) Falso. Os mitos, apesar de serem histórias fantasiosas, não são ficção, porque possuem um caráter de verdade. b) Falso. Todos os povos, do mundo todo, possuem seus mitos. A mitologia grega é apenas uma dentre inúmeras outras. c) Verdadeiro. Os mitos narram a origem da realidade total, como o Cosmo, mas também de fragmentos da realidade, como o sur- gimento de seres, elementos, fenômenos e atitudes humanas. d) Falso. Apesar de muitas religiões apresentarem narrativas com características mitológicas, mito não é sinônimo de religião. e) Verdadeiro. A mitologia explica, de forma fantasiosa, a origem de tudo o que existe a partir de uma força divina e, portanto, sagrada. 2. (UEPB) “Uma das principais expressões da arte grega, o teatro, tem suas origens ligadas às Dionisíacas, festas em homenagem a Dioniso, deus do vinho.” (Myriam Mota e Patrícia Braick, História das Cavernas ao Terceiro Milênio, 2002. p. 65.) Dois gêneros clássicos do teatro grego originaram-se destes fes- tivais, são eles: a) melodrama e tragédia b) drama e pantomima c) tragédia e drama d) vaudeville e comédia e) tragédia e comédia 9 Resposta: E a) Incorreto, pois o melodrama é um gênero que surgiu noséculo XVII. b) Incorreto, porque drama é uma forma genérica de nomear qualquer peça de caráter grave ou patético; e também porque pantomima é um gênero teatral que surgiu posteriormente na Roma Antiga. c) Incorreto apenas pelo drama, conforme foi descrito no item an- terior, pois a tragédia é um dos gêneros criados na Grécia Antiga. d) Incorreto apenas pelo vaudeville, que é um gênero de entreteni- mento surgido nos Estados Unidos no século XIX; a comédia foi um dos gêneros criados na Grécia Antiga. e) Correta, pois ambas, tragédia e comédia, foram criadas na Gré- cia Antiga. Praticando 1. O que são os mitos? Quais as razões de seu surgimento? 2. Leia a narrativa a seguir para responder ao que se pede. Os Guarani contam que o processo de criação do mundo teve início com Ñane Ramõi Jusu Papa ou “Nosso Grande Avô Eterno”, que se constituiu a si próprio do Jasuka, uma substância originária, vital e com qualidades criadoras. Foi quem criou os outros seres divinos e sua esposa, Ñande Jari ou “Nossa Avó”, foi alçada do cen- tro de seu jeguaka (...), o adorno ritual. Criou também a terra que então tinha o formato de uma rodela, estendendo-a até a forma atual; levantou também o céu e as matas. Viveu sobre a terra por pouco tempo, antes que fosse ocupada pelos homens, deixando-a, sem morrer, por um desentendimento com a mulher. Tomado de profunda raiva causada por ciúmes, quase chegou a destruir sua própria criação que foi a terra, sendo impedido, contudo, por Ñande Jari com a entoação do primeiro canto sagrado realizado sobre a terra, tomando como acompanhamento o takuapu: instrumento feminino, feito de taquara, com aproximadamente 1,10m, que é golpeado no solo produzindo um som surdo que acompanha os Mbaraka masculinos, espécie de chocalho de cabaça e sementes específicas. O filho de Ñane Ramõi, isto é, Ñande Ru Paven (“Nosso Pai de Todos”) e sua esposa Ñande Sy (“Nossa Mãe”), ficaram responsá- veis pela divisão política da terra e o assentamento dos diferentes povos em seus respectivos territórios, criando montanhas para delimitar o território guarani. Ñande Ru Paven roubou o fogo dos corvos e o entregou aos homens; criou a flauta sagrada (mimby apyka) e o tabaco (petÿ) para os rituais e foi o primeiro que morreu na terra. Da mesma forma que seu pai, decidiu abandonar a terra em função de um desentendimento com sua esposa que estava grávida de gêmeos. [...] (Disponível em: <https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Guarani_ Kaiow%C3%A1#Mitologia_e_rituais>. Acesso em: 20 ago. 2018.) a) De acordo com a narrativa Guarani-Kaiowá, quem criou o mundo? b) Na narrativa, que outros seres e objetos foram criados? São histórias que vêm de tempos muito antigos e, em geral, envolvem tanto seres humanos quanto seres sobrenaturais, como deuses, gigantes e mons- tros. Surgiram para oferecer explicação para um fenômeno ou para denotar aspectos de comportamento. A narrativa relata que o criador do mundo foi o “Nosso Grande Avô Eterno”, proveniente de uma substância originária, vital e com qualidades criadoras. A terra, o céu, as matas, as montanhas, a organização política, a divisão dos territórios, a flauta sagrada, o tabaco. 20 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 20PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 20 29/07/2022 11:36:5029/07/2022 11:36:50 c) Quais os atributos humanos da divindade criadora na mitologia Guarani-Kaiowá? 3. Quais são as gerações dos deuses da mitologia grega e quais as características de cada uma? 4. Leia a fábula a seguir, contada por Hesíodo. O falcão e o rouxinol Certo dia, um falcão capturou em suas garras um rouxinol, que passou a gritar desesperadamente. Foi então que o falcão disse: “Desgraçado, de que te adiantam os teus gemidos? Encontras-te na posse de quem é mais forte que tu, e seguir-me-ás onde qui- ser levar-te. Depende de mim comer-te ou deixar-te em paz”. No contexto da obra de Hesíodo, qual o significado da fábula do falcão e do rouxinol? 5. O que é a catarse? Desenvolvendo Habilidades 1. C1:H4 (UEL) Texto 1 Eis aqui, portanto, o princípio de quando se decidiu fazer o ho- mem, e quando se buscou o que devia entrar na carne do homem. Havia alimentos de todos os tipos. Os animais ensinaram o caminho. E moendo então as espigas amarelas e as espigas brancas, Ixmucaná fez nove bebidas, e destas provieram a força do homem. Isto fizeram os progenitores, Tepeu e Gucumatz, assim chamados. A seguir decidiram sobre a criação e formação de nossa primei- ra mãe e pai. De milho amarelo e de milho branco foi feita sua carne; de massa de milho foram feitos seus braços e as pernas do homem. Unicamente massa de milho entrou na carne de nossos pais. (Adaptado: SUESS, P. Popol Vuh: Mito dos Quiché da Guatemala sobre sua origem do milho e a criação do mundo. In: A conquista espiritual da América Espanhola: 200 documentos – Século XVI. Petrópolis: Vozes, 1992, p. 32-33.) OP: Chamar a atenção dos alunos para a questão do roubo do fogo, que apa- rece na narrativa Guarani-Kaiowá. Comentar que, na mitologia grega, Prometeu roubou o fogo dos deuses e entregou-o aos seres humanos, possibilitando que estes se desenvolvessem tecnologicamente. Por isso, Prometeu foi punido pe- los deuses, sendo amarrado no topo de uma montanha, onde, diariamente, te- ria seu fígado devorado por uma águia. Ressaltar que essas coincidências são comuns ao se comparar a mitologia de diversos povos, de lugares e tempos distintos. Sobre mais informações sobre a cultura Guarani-Kaiowá, sugere-se o site <http://www.maimuseu.com.br/musicais>, onde é possível contemplar os instrumentos mencionados no texto e ouvir uma música desse povo. Raiva e ciúmes. A geração de ouro, composta pelos filhos dos deuses primordiais e corres- pondiam aos elementos da natureza. A geração de prata, que corresponde à criação dos titãs, das titânides e de seres monstruosos, muitos deles representando as virtudes e os vícios. A geração de bronze, que corresponde aos filhos dos titãs e deu origem aos doze deuses do Olimpo. A fábula de Hesíodo critica a injustiça praticada pelos grandes senhores de seu período, que se aproveitavam do poder (seja social ou econômico) para brincar com a vida das pessoas comuns. É uma das mais dramáticas repre- sentações da injustiça na obra de Hesíodo. É o objetivo e resultado final de todo grande teatro. É o sofrimento que tanto os personagens como o público experimentam pelos erros cometidos. Mas esse sofrimento é purificador, pois conscientiza a pessoa de que errou e agora é preciso mudar de atitude. Texto 2 Se você é o que você come, e consome comida industrializa- da, você é milho”, escreveu Michael Pollan no livro O Dilema do Onívoro, lançado este ano no Brasil. Ele estima que 25% da comida industrializada nos EUA contenha milho de alguma forma: do refrigerante, passando pelo Ketchup, até as batatas fritas de uma importante cadeia de fast food – isso se não contarmos vacas e galinhas que são alimentadas quase exclusivamente com o grão. O milho foi escolhido como bola da vez ao seu baixo preço no mercado e também porque os EUA produzem mais da metade do milho distribuído no mundo. (Adaptado: BURGOS, P. Show do milhão: milho na comida agora vira combustível. Super Interessante. Edição 247, 15 dez. 2007, p.33.) Com base nos textos 1 e 2 e nos conhecimentos sobre as relações entre organização social e mito, é correto afirmar. a) Os deuses maias criaram os homens dotados de livre arbítrio para, a partir dos princípios da razão e da liberdade, ordenarem igualitariamente a sociedade. b) A exemplo das narrativas que predominavam no período homérico da Grécia antiga, os mitos expressam uma forma de conhecimento científico da realidade. c) Na busca de um princípio fundante e ordenador de todas as coisas, como ocorre na mitologia grega, a narrativa mítica justifica as bases da legitimação de organização política e de coesão social. d) Assim como nos povos Quiché da Guatemala, tambémos mitos gregos procuram explicar a arché, a origem, a partir de um elemento originário onde está presente o milho. e) Para certas tradições de pensamento, como a da escola de Frankfurt, o iluminismo representa a superação completa do mito. 2. C1:H1 (Unicentro) Os poemas homéricos têm por fundamento uma visão de mundo clara e coerente. Manifestam-na quase a cada verso, pois colocam em relação com ela tudo quanto cantam de importante – é, antes de mais nada, a partir dessa relação que se define seu caráter particular. Nós chamamos de religiosa essa cosmovisão, embora ela se distancie muito da religião de outros povos e tempos. Essa cosmovisão da poesia homérica é clara e coerente. Em parte alguma ela enuncia fórmulas conceituais à maneira de um dogma; antes se exprime vivamente em tudo que sucede, em tudo que é dito e pensado. E embora no pormenor muitas coisas resultem ambíguas, em termos amplos e no essen- cial, os testemunhos não se contradizem. É possível, com rigoroso método, reuni-los, ordená-los, fazer lhes o cômputo, e assim eles nos dão respostas explícitas às questões sobre a vida e a morte, o homem e Deus, a liberdade e o destino (...). (OTTO. Os deuses da Grécia: a imagem do divino na visão do espírito grego. 1ª Ed., trad. [e prefácio] de Ordep Serra. – São Paulo: Odysseus Editora, 2005 - p. 11.) Com base no texto, e em seus conhecimentos sobre a função dos mitos na Grécia arcaica, assinale a alternativa correta. a) De acordo com os poemas homéricos, os deuses em nada poderiam interferir no destino dos humanos e, assim, a deter- minação divina (ananque) se colocava em segundo plano, uma vez que era o acaso (tykhe) quem governava, isto é, possuía a função de ensinar ao homem o que este deveria escolher no momento de sua livre ação. b) As poesias de Homero sempre mantiveram a função de educar o homem grego para o pleno exercício da atividade racional que surgiria no século VI a.C., uma vez que, de acordo com histo- riadores e helenistas, não houve uma ruptura na passagem do mito para o logos, mas sim um processo gradual e contínuo de enraizamento histórico que culminou no advento da filosofia. 21FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 21PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 21 29/07/2022 11:36:5029/07/2022 11:36:50 c) Os mitos homéricos serviram de base para a educação, forma- ção e visão de mundo que o homem grego arcaico possuía. Em seus cânticos, Homero justapõe conceitos importantes como harmonia, proporção e questionamentos a respeito dos prin- cípios, das causas e do porquê das coisas. Embora todas essas instâncias apresentavam-se como tal, os mitos não deixaram de lado o caráter mágico, fictício e fabular em que eram narrados. d) O mito já era pensamento. Ao formalizar os versos de sua poe- sia, Homero inaugura uma modalidade literária bem singular no ocidente. As ações dos deuses e dos homens, por exemplo, sempre obedeceram a uma ordem pré-estabelecida, a qual sempre revelou uma lógica racional em funcionamento. e) Os mitos tiveram função meramente ilustrativa na educação do homem grego, pois o caráter teórico e abstrato da cultura grega apagou em grande parte os aspectos que se revelariam relevantes na poesia grega. 3. C1:H2 (UFU) (…) Assim, a magia e a mitologia ocupam a imensa região exterior do desconhecido, englobando o pequeno campo do conhecimento concreto comum. O sobrenatural está em todas as partes, dentro ou além do natural; e o conhecimento do sobre- natural que o homem acredita possuir, não sendo da experiência direta comum, parece ser um conhecimento de ordem diferente e superior. É uma revelação acessível apenas ao homem inspirado ou (como diziam os gregos) ‘divino’ – o mágico e o sacerdote, o poeta e o vidente. (CORNFORD, F.M. Antes e Depois de Sócrates. Trad. Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Martins Fontes, 2001, pp.14-15.) A partir do texto acima, é correto afirmar que a) o campo do conhecimento mítico limita-se ao que se manifesta no campo concreto comum. b) a magia e a mitologia não se confundem com o conhecimento concreto comum. c) o conhecimento no mito, por ser uma revelação, é acessível igualmente a todos os homens. d) o mito não distingue o plano natural do sobrenatural, sendo o conhecimento do sobrenatural superior. 4. C3:H11 (UEM-2015) No teatro grego a tragédia e a comédia eram os dois principais gêneros teatrais, sobre os quais é correto afirmar: (1) Nas apresentações das tragédias os atores usavam máscaras de couro, pano ou madeira. Além de auxiliar na amplificação da voz, a máscara também permitia que o mesmo ator fizes- se mais de um personagem durante a peça, sem revelar sua identidade ao público. (2) As comédias eram valorizadas pois proporcionavam ao pú- blico de classe social menos favorecida momentos de diver- são. Com esse intuito a comédia consagrou dramaturgos como Ésquilo, Sófocles e Eurípides. (3) Nas tragédias, além dos atores, um elemento fundamental do espetáculo era o coro, formado por um grupo de pessoas que faziam comentários, reflexões ou falas para, inclusive, explicar acontecimentos anteriores. (4) Na tragédia grega a figura do herói é caracterizada por sem- pre cometer uma falha trágica que desencadeia o fio condu- tor do espetáculo. Esse recurso objetiva mostrar a falha de caráter inerente a todo ser humano. (5) Tanto na comédia como na tragédia o ponto central era a improvisação. Era comum os atores pararem no meio das peças para falar diretamente ao público, pedir sua opinião e sugerir sua participação nelas. Soma ( ) Complementares 1. (Uenp) Sobre a religião dos gregos, assinale a alternativa correta. a) A mitologia está estritamente associada à religião. b) A religião está associada à vida prática do grego, e transcende o ritual para ordenar todos os gestos da existência. c) Na vida coletiva, era comum que o grego não fosse religioso. d) A religião e a política não se misturavam entre os gregos. e) Os deuses gregos são muito parecidos com os homens (pos- suem características antropomórficas), por isso o grego não se sente inferior a eles. 2. (Uenp) “Dividiu-se em três partes o Universo, e cada qual logrou sua dignidade. Coube-me habitar o mar alvacento, quando se tiraram as sortes, a Hades couberam as brumosas trevas e coube a Zeus o vasto Céu, no éter, e as nuvens. A terra ainda é comum a todos, assim como o vasto Olimpo”. Segundo o texto de Homero, a origem do Universo é explicada pela divisão feita por Cronos entre seus três filhos: Poseidon, Hades e Zeus. A visão mítica revelada por relatos como esse permeou as sociedades gregas e romanas da Antiguidade e atribuiu um caráter religioso a seu legado artístico e cultural. As religiões e as mitologias são formas de explicar os mistérios do mundo que tiveram grande importância para a formação dos povos da Anti- guidade. A mitologia grega, por exemplo, criou narrativas sobre a natureza, os sentimentos humanos presentes no imaginário do mundo ocidental. Dessa perspectiva, analise os enunciados a seguir: I. O mito de Prometeu continua sendo lembrado na atualidade, representando a possibilidade do ser humano de desafiar os deuses e construir a cultura. II. O mito de Édipo tem relação com a ideia de destino e com a dificuldade dos seres humanos diante das dificuldades da vida. III. Os deuses gregos eram poderosos e imortais, não tinham as fraquezas humanas e dominavam o mundo com sua astúcia. IV. Muitas obras da literatura grega se inspiraram nas histórias vividas pelos mitos, com destaque especial para as obras de Homero. V. A mitologia grega se desenvolveu sem vínculos com a religião da época; os mitos e os deuses eram cultuados de forma total- mente independente. Assinale a alternativa correta: a) I, II, III são verdadeiras; IV e V são falsas. b) apenas V é falsa. c) todas são verdadeiras. d) todas são falsas. e) apenas I é verdadeira. 3. (Unimontes) O mito é parte integrante da história da humanidade. Cadaindivíduo deve encontrar um aspecto do mito que se relacione com sua própria vida. Os mitos têm basicamente quatro funções. A primeira é a função mística – e é disso que venho falando, dando conta da maravilha que é o universo, da maravilha que é você, e vivenciando o espanto diante do mistério. Os mitos abrem o mundo para a dimensão do mistério, para a consciência do mistério que subjaz a todas as formas. Se isso lhe escapar, você não terá uma mitologia. Se o mistério se manifestar através de todas as coisas, o universo se tornará, por assim dizer, uma pintura sagrada. Você está sempre se dirigindo ao mistério transcendente, através das circunstâncias da sua vida verdadeira. A segunda é a dimensão cosmológica, a dimensão da qual a ciência se ocupa, mostrando qual é a forma do universo, mas fazendo-o de uma tal maneira que 22 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 22PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 22 29/07/2022 11:36:5029/07/2022 11:36:50 o mistério, outra vez, se manifeste. Hoje, tendemos a pensar que os cientistas detêm todas as respostas. Mas os maiores entre eles dizem-nos: “Não, não temos todas as respostas. Podemos dizer-lhe como a coisa funciona, mas não o que é”. Você risca um fósforo. O que é o fogo? Você pode falar de oxidação, mas isso não me dirá nada. A terceira função é sociológica – suporte e validação de de- terminada ordem social. E aqui os mitos variam tremendamente, de lugar para lugar. Você tem toda uma mitologia da poligamia, toda mitologia da monogamia. Ambas satisfatórias. Depende de onde você estiver. Foi essa função sociológica do mito que assumiu a direção do nosso mundo – e está desatualizada. A quarta função do mito, aquela, segundo penso, com que todas as pessoas deviam tentar se relacionar – a função pedagógica, como viver uma vida hu- mana sob qualquer circunstância. Os mitos podem ensinar-nos isso. (CAMPBELL, J. O Poder do Mito. São Paulo: Palas Athenas, 1990. p. 32.) Podemos afirmar que a) o mito é uma experiência singular que continua dando sentido à existência humana. b) os mitos pertencem somente a comunidades pouco evoluídas. c) o mito morreu e não diz mais nada para a sociedade. d) não necessitamos dos mitos e que eles são ultrapassados. 4. (Unesp) Aedo e adivinho têm em comum um mesmo dom de “vidência”, privilégio que tiveram de pagar pelo preço dos seus olhos. Cegos para a luz, eles veem o invisível. O deus que os inspira mostra-lhes, em uma espécie de revelação, as realidades que esca- pam ao olhar humano. Sua visão particular age sobre as partes do tempo inacessíveis às criaturas mortais: o que aconteceu outrora, o que ainda não é. (Jean-Pierre Vernant. Mito e pensamento entre os gregos, 1990. Adaptado.) O texto refere-se à cultura grega antiga e menciona, entre outros aspectos, a) o papel exercido pelos poetas, responsáveis pela transmissão oral das tradições, dos mitos e da memória. b) a prática da feitiçaria, estimulada especialmente nos períodos de seca ou de infertilidade da terra. c) o caráter monoteísta da sociedade, que impedia a difusão dos cultos aos deuses da tradição clássica. d) a forma como a história era escrita e lida entre os povos da península balcânica. e) o esforço de diferenciar as cidades-estados e reforçar o isola- mento e a autonomia em que viviam. GABARITO ONLINE 1. Faça o download do aplicativo SAE Questões ou qualquer aplicativo de leitura QR Code. 2. Abra o aplicativo e aponte para o QR Code ao lado. 3. O gabarito deste módulo será exibido em sua tela. 23FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 23PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 23 29/07/2022 11:36:5129/07/2022 11:36:51 Observe as imagens e responda às questões. Pe te r G ud ell a/ Sh ut te rst oc k 1. De onde vem toda a diversidade de seres que existe no mundo? 2. Que fator teria provocado o surgimento da vida? 3. Qual o elemento primordial que originou todo o universo? 4. Que fatores motivaram o surgimento da Filosofia? Explorar as questões pro- postas na seção Start numa breve roda de conversa. São questões introdutórias para explicar o surgimento da Filosofia e deve-se estimular o conhecimento prévio dos alunos, mesmo que as hipóteses individuais sejam ainda mal-estruturadas ou ingênuas. Professor, pergunte se os alunos já tiveram essas dúvidas, se buscaram respostas para elas e, em caso afirmativo, quais seriam elas. Procure trazer também explicações populares características do local em que vivem (uma lenda, uma crença, um mito) como forma de relacionar as questões ao contexto atual. FIL Filosofia EM 23 _1 _F IL _0 2 02 24 LP PL L PL PP LP PP PL PP PP PPP PPPP PP mód. 02/08 EM 23_1_FIL_02 S T A R T Os pré-socráticos: surge a filosofia Passagem do mythos ao logos: o surgimento da filosofia • Pré-socráticos: explicando a natureza e seus fenômenos Os filósofos pré-socráticos PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 24PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 24 29/07/2022 11:36:5229/07/2022 11:36:52 Passagem do mythos ao logos: o surgimento da filosofia A filosofia surgiu na Grécia Antiga por volta do século VI a.C. devido à transição do pensa- mento mitológico para o cosmológico, iniciada pelos pré-socráticos. Vista da cidade de Atenas. Re m zi/ Sh ut te rst oc k O poeta Hesíodo, na Teogonia, lança as pri- meiras sementes que mais tarde originariam a filosofia. Essa obra é diferente dos demais mitos, porque ela não busca apenas apre- sentar relatos que serviriam de fundamentos epistemológicos ou morais para a cultura gre- ga, mas, sobretudo, relatar uma história que explique como surgiu o mundo, os deuses e os homens, ainda que baseada em princípios divinos. Hesíodo tentou mostrar a origem das coisas, o princípio de tudo, enfim, as causas que depois geraram todas as demais coisas. A busca por causas e princípios que expliquem todas as coisas será justamente a tônica dos pré-socráticos. O estudioso Nicola Abbagnano apresenta a inovação que foi a filosofia grega em contra- posição aos relatos religiosos e míticos. Para ele esse é o ponto fundamental que define a filosofia como criação grega. Cosmológico: período em que a explicação das coisas passa a ser buscada no próprio mundo, mais espe- cificamente na natureza, e não mais em algo divino, sobrenatural. Em grego, cosmos quer dizer ordem e logos significa razão, estudo. Pré-socrático: é o termo empregado para se referir aos filósofos do período cosmológico, o que não significa que todos viveram necessariamente antes de Sócrates. Epistemológico: referente à epistemologia (estudo do conhecimento, seu processo de aquisição, seu alcance e seus limites, e das relações entre o objeto do conhecimento e aquele que o busca). GlossárioGlossário A filosofia grega, ao invés, é pesquisa. Esta nasce de um ato fundamental de liberdade frente à tradição, ao costume e a toda a cren- ça aceita como tal. O seu fundamento é que o homem não possui a sabedoria, mas deve procurá-la: não é sofia mas filosofia, amor da sabedoria, perseguição direta no encalço da verdade para lá dos costumes, das tradições e das aparências. (ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. 4. ed. Tradução de: JARDIM, Conceição; LUCIO, Eduardo; VALADAS, Nuno. Lisboa: Presença, 2001.) A transição do pensamento mítico ao fi- losófico exigiu ainda um contexto histórico específico, que envolve as condições sociais, culturais, políticas e econômicas vivenciadas naquele período na Grécia. Contexto histórico A Grécia Antiga passava por um período de transição de uma sociedade rural para ur- bana. Vários fatores contribuíram para isso: na política, a instituição de governos democráti- cos, concedendo mais direitos e voz ao povo; no direito, o início do registro das leis por es- crito, garantindo que cada indivíduo pudesse debater publicamente sobre estas; na econo- mia, a criação da moeda, acelerando o desen- volvimento do comércio;e, por fim, a própria religião grega, por ser uma “religião pública” e naturalista. Moeda utilizada em Atenas , exibindo a cabeça da deusa Atena e um coruja. Wi kim ed ia Co m m on s/ P HG CO M. Outro fator importante foram as viagens marítimas. A mitologia retratava apenas o ter- ritório conhecido pelos gregos, de modo que as terras mais distantes, inalcançáveis até en- tão, eram pintadas como repletas de mons- tros e seres fantásticos. As viagens marítimas permitiram aos gregos chegar a esses lugares, descobrindo que lá não haviam os monstros que contavam os velhos mitos. Reconstituição computadorizada de uma trirreme grega. A trirreme era uma embarcação da antiguidade que possuía três compartimentos para remos e remadores. Considerada um grande avanço tecnológico, ela possibilitou aos gregos conhecerem povos e culturas distantes, fato que contribuiu para o surgimento da Filosofia. Mi ch ae l R os sk ot he n/ Sh ut te rst oc k Sintetizando o período grego do século VI a.C.: era um novo momento, que permitia certa liberdade ao cidadão grego. Havia gran- de identificação entre o Estado e os cidadãos, os indivíduos realmente sentiam-se parte da cidade (pólis). A liberdade de expressão e de pensamento na pólis foi certamente elemento determinante para o desenvolvimento da filo- sofia, uma vez que exige dos indivíduos maior reflexão e raciocínio crítico. Os pré-socráticos não descartam a presença do divino. O que eles refutam é a explicação das coisas com base em alegorias e testemunhos religiosos ou mitológicos. Para esses filósofos, se o ser humano é dotado de razão, deve uti- lizá-la para descobrir por si próprio a verdade que, neste contexto, está no mundo, na natureza. Os cidadãos se sentiam de tal forma parte da pólis que os conceitos de pessoa ou de propriedade individual eram quase inexistentes. Na pólis os anseios da cidade eram os desejos do ser humano. A ideia de propriedade individual e do emprego do vocábulo “pessoa” para designar o indivíduo só se dará com o surgimento do Império Romano. ObserveObserve 25FIL EM 23 _1 _F IL _0 2 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 25PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 25 29/07/2022 11:36:5429/07/2022 11:36:54 Esse cenário foi estimulante para o intelecto do povo grego, como afirma o importante estu- dioso francês Jean-Pierre Vernant: Jean-Pierre Vernant (1914- 2007) foi um antropólogo francês que se especializou nos estudos da Grécia Anti- ga, mais especificamente na organização social, mitologia e tragédias gregas. Publicou mais de quinze livros, como As origens do pensamento grego e a trilogia Mito e pen- samento entre os gregos, Mito e sociedade na Grécia antiga e Mito e religião na Grécia antiga. BiografiaBiografia No espaço de poucos séculos, a Grécia Antiga conheceu, em sua vida social e intelectual, mutações tão pro- fundas que foi possível ver nelas o nascimento do homem moderno, o advento do espírito como poder de re- flexão crítica ou, em outras palavras, foi naquele momento que se teria produzido a passagem do mito à razão. (VERNANT, Jean-Pierre. Entre Mito e Política. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. p. 55.) Pré-socráticos: explicando a natureza e seus fenômenos Os pré-socráticos são divididos em várias escolas de pensamento, sendo que cada escola mantém uma unidade, certa linha de raciocínio que todos os seus integrantes seguem, ainda que discordem em determinados pontos. Porém, para além de todas as escolas, há alguns conceitos que estão presentes em toda manifestação da filosofia dos pré-socráticos, pois são conceitos que podem muito bem ser considerados o ponto de partida e o de chegada das investigações desses ilustres pensadores: phýsis, arché, cosmos e logos. Phýsis O termo phýsis significa natureza. Para os pensadores pré-socráticos, a phýsis correspon- de a tudo o que não foi criado, ou seja, a tudo aquilo que possui uma potência autônoma ca- paz de conter, comunicar e organizar a vida. A natureza, portanto, era entendida como a po- tência material que rege a ordem de um todo harmônico. De forma geral, os pré-socráticos acredi- tavam que as respostas para suas dúvidas só poderiam estar na natureza, ou seja, na phýsis. Para eles, tornou-se urgente, então, investigar o mundo físico em busca de respostas para suas dúvidas. Arkhé Literalmente, o termo arkhé significa “pri- meiro princípio”. No pensamento dos filósofos pré-socráticos, significa dizer que o mundo e a realidade possuem um princípio material, en- contrado na natureza (phýsis), que teria dado a origem a tudo o que existe. Cada filósofo des- se período encontrou um elemento primordial, que corresponde à arkhé, como energia gera- dora do universo: o fogo, a terra, a água, o ar, os átomos, o infinito, os números, e assim por diante. A arché é a unidade originária que se mantém sempre idêntica, independente das mudanças das coisas. Devido ao nível de abstração do conceito de phýsis, sugira que alguns alunos voluntários mencionem algo da natureza que seja considerado “incriado”, ou seja, que já existe há tanto tempo que é impossível que um indivíduo finito possa determinar sua origem (mui- tas dessas explicações, na atualidade, são oferecidas pelas ciências naturais). Por exemplo: as pedras, as plantas, os seres vivos, os quatro elementos, os astros etc. Pode ser que haja rela- tos associados a conceitos religiosos, como “foi Deus quem criou”. Se houver algu- ma colocação nesse sentido, explique que os pré-socrá- ticos buscaram justamente desvincular a ideia de um princípio divino para tudo o que existe, porque, segundo esses pensadores, essas res- postas só poderiam estar no mundo, na natureza, naquilo que é e se manifesta aos seres humanos. Mundo físico: engloba tudo aquilo que tem matéria e forma e ocupa um lugar no espaço. Devido às carac- terísticas do pensamento dos primeiros filósofos, eles também são chamados de “físicos”. GlossárioGlossário Kósmos O terceiro conceito é kósmos, ou ordem. É a ideia do “todo”, mas não de um “todo” qualquer: é a ideia de um “todo” perfeitamente harmônico. Cosmos, então, é a ordem, é a harmonia na- tural que existe no mundo. E é pelo fato de o mundo ser harmônico e ordenado que os pré- -socráticos acreditavam que tudo pode ser ex- plicado a partir de princípios (arkhé) e da pró- pria natureza (phýsis) deste mundo. Observa- se que é da procura dessa ordem natural que o período dos pré-socráticos na filosofia ficou conhecido como período cosmológico. Lógos Por fim, o último conceito importante é o lógos, que não possui uma tradução próxima em português, pois possui diversos significa- dos, como discurso, razão, estudo. Em sínte- se, o lógos seria o próprio discurso racional, a tentativa de explicar as coisas a partir da pró- pria racionalidade humana, e não mediante a autoridade religiosa de um sacerdote ou livro sagrado. É a partir de nossa própria racionali- dade que devemos tentar entender o mundo, as coisas e nós mesmos. A grande passagem do pensamento mito- lógico para o filosófico pode ser sintetizada na passagem do mythos ao logos. O primeiro é um discurso narrativo e alegórico; o segundo é um discurso racional que busca no próprio mundo a explicação de como este mundo existe. A conjunção de todos esses fatores foi determinante para o surgimento dos primeiros filóso- fos. Esses são justamente os pensadores que se maravilham diante das dúvidas provocadas pela observação da natureza, como “qual o princípio da vida?”, e a partir daí não se contentam com as respostas oferecidas pelos mitos. Esses filósofos são os pré-socráticos, que decidiram investigar por si próprios a natureza e o mundo. 26 FIL EM 23 _1 _F IL _0 2 EM 23 _1 _F IL _0 2 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 26PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 26 29/07/2022 11:36:5529/07/2022 11:36:55 Escolas pré-socráticasA Grécia antiga (aproximadamente séculos VI e V a.C.) era um conjunto de cidades- Estados autôno- mas, que se espalhavam por várias regiões dos continentes europeu e asiático. Cada região reunia as cidades-Estados que possuíam características semelhantes, como o processo de povoamento, confor- me mostra o mapa a seguir. Mu lti m ag es Proceda a leitura do mapa, indicando a localização geográfica das escolas pré-socráticas. É importante que os alunos compreen- dam que o território da Gré- cia antiga era fragmentado geográfica e culturalmente, devido ao processo de povoamento pelo qual passou. Nos aspectos geo- gráficos, enfatize o território recortado por muitas ilhas e arquipélagos e, também, por um relevo igualmente irregular, composto por montanhas e solo mais árido. Quanto aos aspectos culturais, enfatize a diver- sidade de povos presentes na formação da Grécia, bem como a autonomia política das cidades-Estado, que, não raro, vivam guerreando entre si. Ou seja, não havia uma unidade econômica, política, cultural e geográfica de “país” ou nação como entendemos hoje. Os filóso- fos antigos eram chamados pelo primeiro nome, seguido do nome da cidade em que ele nasceu, como Tales de Mileto, que nasceu em Mileto, e assim por diante. Outros pré-socráticos que não se enquadram nas escolas mencionadas são Empédocles de Agrigento e Anaxágoras de Clazômena. Por meio da análise do mapa, é possível ve- rificar o quão fragmentado é o território grego. Na verdade, não havia a noção de “país” como é entendida hoje. Os fatores que permitiam identificar a origem grega dos cidadãos das diversas cidades-Estados eram a língua grega (mesmo com os diversos dialetos) e a religião. Um dos primeiros filósofos da história é Tales de Mileto; ele vivia em Mileto na Ásia menor, território que hoje compreende a atual Turquia. Naquela época, essa região era conhe- cida como Jônica, pois foi fundada pelo povo jônio. Por esse motivo, Tales é considerado o fundador da Escola Jônica. Depois, outros pensadores surgiram na região da atual Itália (no sul e na Sicília), fundando as Escolas Eleata e Pitagórica e em Abdera, na Trácia (onde hoje estão a Grécia, a Bulgária e a Turquia), a Escola Atomista. Alguns filósofos pré-socráticos são estuda- dos isolados das escolas, por possuírem carac- terísticas muito específicas. Esse é o caso de Heráclito de Éfeso. Alguns filósofos são exce- ção, como Heráclito de Éfe- so, que nunca fundou nem participou de uma escola filosófica, tendo construído sozinho a sua filosofia, sem ter nem mesmo um mestre. Escola Jônica Tales de Mileto, fundador da Escola Jônica, é considerado o primeiro filósofo do Ocidente, pois é o primeiro pensador a buscar na phýsis a explicação para a origem das coisas. Tales afirmou que a água é o princípio de tudo. Ao recorrer a algo físico (a água) para ex- plicar a origem das coisas, rompe com as expli- cações de cunho mágico e mitológico. Segundo Tales, tudo vem da água, tudo se sustenta na água e tudo termi- na na água, por isso todos os alimen- tos são úmidos, até mesmo o calor é úmido. Um dos caminhos que utilizou para chegar a essa conclusão foi ob- servar um rio inundando a terra nas encostas. Notou a partir desse acon- tecimento que a terra ficava mais fér- til, permitindo que nascesse mais vida. Outro dado relevante foi a obser- vação de que todas as sementes pos- suíam natureza úmida. Tales de Mileto (final do século VII a.C. e início do século VI a.C.) nasceu em Mileto. Além de filósofo, foi considerado um dos Sete Sábios da Grécia Antiga. BiografiaBiografia Tales de Mileto Er ns t W all is/ W. Co m m on s 27FIL EM 23 _1 _F IL _0 2 EM 23 _1 _F IL _0 2 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 27PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 27 29/07/2022 11:36:5629/07/2022 11:36:56 A água, que para Tales era o princípio de todas as coisas. ch ap ho /S hu tte rst oc k Para Tales, a água era o princípio da vida e do movimento, por isso estava ligada à ideia de alma. Para os gregos, portanto, a alma é aquilo que “anima” a coisa, anima-a a mover-se por si própria. Tales percebeu que a água estava pre- sente em tudo que se movia, então concluiu que a água é o que movimenta a vida. Depois de Tales, a Escola Jônica continuaria com o seu discípulo Anaximandro de Mileto, e depois com Anaxímenes de Mileto. Para Anaximandro, a arkhé de todas as coisas seria o apeíron, que pode ser traduzido por indeter- minado. O apeíron é o indeterminado, indivisí- vel e infinito que está presente em toda a na- tureza. O apeíron funcionaria como uma força da própria natureza que age gerando e modifi- cando as coisas. Por fim, Anaxímenes de Mileto discordaria de ambos os predecessores ao afirmar que o princípio de todas as coisas é o ar, que inunda todo o espaço sustentando o mundo. O ar in- clusive se transformaria em terra e água por condensação, e em fogo por rarefação. Escola Pitagórica: a divindade dos números Pitágoras em detalhe no quadro Escola de Atenas. PN C/ W. Co m m on s A Escola Pitagórica é a escola fundada por Pitágoras de Samos, uma ilustre figura que se tornou quase mística. Como Pitágoras não es- creveu nada ou pelo menos nenhum de seus es- critos chegou até nós, muitas histórias fantásti- cas passaram a ser registradas em torno dele, transformando-o em filósofo, líder religioso e grande sábio. O filósofo sempre esteve rodea- do de vários discípulos, chamados pitagóricos. A escola pitagórica origi- na-se como um tipo de ordem religiosa, organizada sob regras precisas de comportamento e convivên- cia. Ela tinha por objetivo concretizar um modo de vida por meio do qual a filosofia e a matemática eram consideradas um meio de purificar a alma. As doutrinas pitagóricas eram consideradas secretas, de modo que somente seus adeptos poderiam conhe- cê-las. Entre as concepções abrangidas por Pitágoras encontram-se as de imor- talidade e transmigração (metempsicose) da alma. BRONNIKOV, Fyodor. Pitagóricos celebrando o nascer do Sol. 4t/ W. Co m m on s Saiba maisSaiba mais É preciso ter um cuidado ao estudar os pitagóricos: para nós, os números são ope- rações mentais, símbolos que utilizamos para realizar cálculos, contagens etc. Já para os pitagóricos, os números eram componentes da própria realidade, pois todas as coisas são unida- des e o mundo se organiza numa ordem harmônica e que pode ser estudada matematicamente. É com os pitagóricos que se consolida o entendimento de que o universo é cosmos, é ordem. E esse cosmos era estudado por meio da arché que, para os pitagóricos, é o número. ObservaçãoObservação Diferente da Escola Jônica, os pitagóricos não tentaram identificar o princípio de todas as coisas em elementos como a água ou o ar, mas fizeram algo realmente surpreendente: tentar traduzir a realidade (phýsis) inteira em números! Veja o que Aristóteles pensou sobre os pitagóricos: Os pitagóricos foram os primeiros que se dedicaram às matemáticas e as fizeram progre- dir. Nutridos pelas mesmas, acreditaram que os princípios delas fossem os mesmos prin- cípios de todas as coisas que existem. E, uma vez que na matemática os números são, por sua natureza, os princípios primeiros, precisa- mente nos números eles acreditaram ver, mais que no fogo, na terra e na água, muitas seme- lhanças com as coisas que existem e se geram [...] e, além disso, como viam que as notas e os acordes musicais consistiam em números; e, por fim, como todas as outras coisas, em toda a realidade, pareciam-lhes serem feitas à imagem dos números e que os números fossem aquilo que é primeiro em toda a realidade, pensaram que os elementos dos números fossem elemen- tos de todas as coisas, e que todo universo fosse harmonia e número. (ARISTÓTELES. Metafísica: texto grego com tradução e comentários de Giovanni Reale. Tradução de: PERINE, Marcelo. v.2. São Paulo: Loyola, 2002. p. 27.) Alémda música, os pitagóricos identifica- ram leis matemáticas na meteorologia, pois a passagem dos dias, estações e anos pode ser prevista e estudada matematicamente; tam- bém na astronomia e na biologia, pois a incu- bação do feto segue uma regra matemática de dias. Enfim, os pitagóricos viam uma ordem matemática em qualquer dimensão da vida que pudessem observar. Os números, para Pitágoras, eram a origem de todas as coisas. SA E D igi ta l S .A O universo para os pitagóricos é um cos- mos perfeito, harmônico como uma música perfeita, a tal ponto que para eles o universo é ritmo, é proporção rítmica. Essa ideia retrata a intensidade de veneração que os pitagóricos possuíam pela música. Para eles, a música era uma forma de purificação da alma, pois sendo ela a manifestação da harmonia do universo, levaria as pessoas a entrar em contato com a natureza das coisas. Demonstre a presença da matemática no mundo. As dimensões de uma construção civil podem ser traduzidas em números, o tamanho de nossas roupas é um conjunto de medida e proporções matemáticas. A página que o aluno olha neste momento é regida por regras matemáticas a fim de causar um efeito estético e que facilite o estudo. As células de nosso corpo mudam e se regeneram de tempos em tempos de acordo com uma lógica que pode ser traduzida em nú- meros. O professor poderá também utilizar exemplo da Proporção Áurea ou Número de Ouro. 28 FIL EM 23 _1 _F IL _0 2 EM 23 _1 _F IL _0 2 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 28PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 28 29/07/2022 11:36:5729/07/2022 11:36:57 Escola Eleata: Parmênides Acredita-se que Parmênides tenha vivido entre a segunda metade do século VI a.C. e a metade do século V a.C., em Eleia, na Grécia. Foi fundador da escola chamada eleata, res- ponsável por ter uma grande influência em todo o pensamento grego, pois, para muitos, ele é um dos precursores da ontologia. Parmênides dizia que toda a sua men- sagem filosófica lhe era passada por meio de uma deusa, da qual ele era um profeta e mensageiro. Essa mensagem consistia em uma reveladora filosofia que distinguia três vias do conhecimento: a da verdade pura, a da falsida- de absoluta e a da opinião plausível. Ou seja, quando o ser humano tenta conhecer a verda- de, ele pode encontrar a verdade pura, pode cair na completa falsidade ou pode situar-se na opinião plausível. O objetivo é distinguir o conhecimento, a falsidade e a opinião. E essa distinção ocorre diante do grande princípio parmenidiano: “o ser é e o não-ser não é”. Parmênides, detalhe do quadro Escola de Atenas. CH Up ts/ W. Co m m on s Ontologia: do grego onto, que significa ser, e logos, estudo. É o estudo do ser, daquilo que é essencial em cada fenômeno. É a parte da filosofia que estuda a natureza dos seres, o ser enquanto ser. GlossárioGlossário “O ser é e o não-ser não é”. Em um primei- ro contato, essa sentença de Parmênides pa- rece difícil de ser compreendida! O que seria o ser e o não-ser? Como ser podemos identificar a arché de Parmênides. O ser é tudo que existe, tudo que é. Tudo que existe no mundo é algo. Tudo que fa- lamos, expressamos, ou mesmo pensamos, tam- bém é algo. O ser é o dado mínimo a qual todas as coisas se resumem. Para Parmênides, o ser e o pensar coincidem, pois o pensar já é algo. Mas então tudo é ser? Tudo que existe, sim. O não-ser não existe, e não pode ser pensado, porque se existisse seria ser. Eis o princípio: nada pode ser e não-ser ao mesmo tempo. Algumas conclusões importantes: se o ser é, ele deve ser eterno e incriado, pois, se não for assim, significa que um dia ele não foi, logo o não-ser existiria, o que não faria sentido para Parmênides. Também significa que o ser é imóvel, pois caso se movimentasse teria que sair do seu ser para outro, logo aquele ser se tornaria não- -ser, o que também é contraditório. Diante disto, Parmênides afirma que a natureza é imóvel (tese imobilista). Parmênides certamente ofereceu uma contri- buição enorme à racionalidade ocidental, pois por meio do uso da razão ele demonstrou que é possível encontrar a verdade. A nossa própria es- trutura de pensamento nos permite distinguir o real do falso, o ser do não-ser. Escola atomista O principal representante da Escola atomista é Demócrito de Abdera (c.460 a.C. – 370 a.C.). Demócrito concordava com Parmênides, sobre o ser e o não-ser, e acreditava que o universo é eterno e regido pelo acaso. Para Demócrito, o ser corresponde ao átomo e o não-ser, ao vazio. Isso significa dizer que o vazio é o espaço entre os cor- pos que possibilita a existência da multiplicidade, do movimento e das mudanças (geração e cor- rupção dos seres). Já o átomo corresponde à me- nor partícula formadora dos corpos, sendo invisí- vel, indivisível e esférica. Atualmente, o conceito de átomo é diferente daquele pos- tulado por Demócrito, principal- mente no que diz respeito à sua indivisibilidade. Hoje já sabe-se que existem partículas menores que os átomos (elétrons e nêu- trons) e também que os átomos podem ser quebrados, dividi- dos. Mesmo assim, a hipótese de Demócrito merece reconhe- cimento, uma vez que ela foi postulada apenas teoricamente, sem os procedimentos de ob- servação e experiências, nem com uso de ferramentas, como é o caso das Ciências atuais. BRUEGGHEN, Hendrick. Demócrito. 1628. Óleo sobre tela. Ev er et t - A rt/ Sh ut te rst oc k 29FIL EM 23 _1 _F IL _0 2 EM 23 _1 _F IL _0 2 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 29PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 29 29/07/2022 11:36:5829/07/2022 11:36:58 Heráclito: a realidade é movimento Heráclito de Éfeso não se enquadra em nenhuma das escolas pré-socráticas, não par- ticipava da vida pública. Viveu uma vida solitá- ria, não teve mestres diretos, orgulhando-se por ter adquirido sozinho seu conhecimento. Ficou conhecido como “O Obscuro” devido à complexidade de seus textos. Apresentou uma ideia diferente, que ficou conhecida como tese mobilista. Heráclito chamou a atenção para a mobili- dade de todas as coisas, afirmando que nada é estável e imóvel, mas tudo se move, muda e se renova constantemente. É uma posição oposta àquela de Parmênides, que defendia a imobilidade. Heráclito, de Johannes Moreelse (1602-1634). Jo ha nn es _M or ee lse /W .Co m m on s Esse constante movimento é marcado pelo conflito dos contrários. As coisas frias se aque- cem, as coisas quentes se esfriam, as coisas úmidas secam, as coisas secas umedecem, o jovem envelhece, o vivo morre, e assim por diante. É na luta dos contrários, no vir a ser, que Heráclito busca explicar o princípio de toda a realidade. Tudo muda, tudo flui, tudo está em constante movimento. A vida é constante mudança, é um eterno devir (vir a ser). A síntese perfeita dessa ideia está em sua célebre frase: “é impossível que uma pessoa entre no mesmo rio duas vezes, porque da segunda vez, nem o rio nem a pes- soa serão mais os mesmos”. Eis o vir a ser: eu sou e não sou ao mes- mo tempo. Para ser agora, preciso deixar de ser o que era antes, ou seja, aquilo passa a ser o não-ser. Logo, estamos sempre em processo de entrar em não-ser para ser no- vamente. E é nesse senti- do que Heráclito chega à conclusão de que o fogo é o princípio de todas as coisas. E ele compreende Heráclito, detalhe do quadro Escola de Atenas. Bt g/ W. Co m m on s “Um dos aspectos funda- mentais do saber que se constitui nessas primeiras escolas de pensamento, sobretudo na escola jônica, é seu caráter crítico. Isto é, as teorias aí formuladas não o eram de forma dogmática, não eram apresentadas como verdades absolutas e definitivas, mas como pas- síveis de serem discutidas, de suscitarem divergências e discordâncias, de permi- tirem formulações e pro- postas alternativas. Como se trata de construções do pensamento humano, de ideias de um filósofo – e não de verdades reveladas,de caráter divino ou sobrenatu- ral –, estão sempre abertas à discussão, à reformulação, a correções. O que pode ser ilustrado pelo fato de que, na escola de Mileto, os dois principais seguidores de Tales, Anaxímenes e Anaximandro, não aceitaram a ideia do mestre de que a água seria o elemento pri- mordial, postulando outros elementos, respectivamente o ar e o apeiron, como ten- do essa função. Isso pode ser tomado como sinal de que nessa escola filosófica o debate, a divergência e a formulação de novas hipóte- ses eram estimulados.” (MARCONDES, Danilo. Iniciação à his- tória da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 27.) Saiba maisSaiba mais Heráclito utiliza o fogo porque este está sempre mudando de posição – não podemos capturá-lo com as mãos ou lhe conferir uma forma estática. O ser humano também é assim: se viajarmos para um país, e anos depois quisermos repetir a viagem, por mais que façamos as mesmas coisas, a viagem não será a mesma, pois nós mudamos como pessoa (temos mais memórias, conhecimentos, experiências), e os lugares também mudaram. Mesmo em um intervalo de tempo menor isso se verifica. Se ao final do texto deste capítulo quisermos lê-lo de novo, ainda assim não será a mesma coisa, pois já não somos a mesma pessoa que leu a primeira vez. ObserveObserve O fogo, princípio de todas as coisas, segundo Heráclito. hi de to 99 9/ Sh ut te rst od ck assim pelo fato de o fogo ser o exemplo claro do constante movimento. O fogo para ele não é apenas o fogo em seu sentido físico, mas a própria ideia que o fogo representa: a do vir a ser constante. Observe as diferenças fundamentais entre Parmênides e Heráclito. PARMÊNIDES X HERÁCLITO O princípio das coisas era o ser. Simbolizava no fogo o princípio das coisas. O ser é imutável. O ser está em constante mudança. A verdade está no ser, para além dos fenômenos. A verdade está no vir a ser, no movimento. A linguagem exprime o ser. Dessa forma o logos pode captar a verdade. A linguagem jamais pode captar o que é a coisa, de forma que o logos não exprime o ser. O ser não pode ser e não-ser ao mesmo tempo. O ser é e não é ao mesmo tempo, pois tudo flui conforme a luta dos contrários. Neste capítulo, vimos alguns dos principais filósofos pré-socráticos, aqueles pensadores que realizaram a essencial passagem do pe- ríodo mitológico para o cosmológico na Grécia Antiga. A filosofia grega, porém, não se encer- ra neles. Depois de investigar a natureza e ali encontrar tantas explicações contrárias, ora a água, ora o fogo, ora os números, a filosofia vai passar a perguntar-se se não seria mais pru- dente, antes de investigar o mundo externo, conhecer a si mesmo: eis o período antropológi- co, iniciado pela sofística e depois aprofundado por Sócrates. 30 FIL EM 23 _1 _F IL _0 2 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 30PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 30 29/07/2022 11:36:5929/07/2022 11:36:59 1. O surgimento da Filosofia na Grécia antiga foi um dos frutos de um contexto histórico específico. Cite três fatores que contribuíram para o nascimento da Filosofia. 2. Os filósofos pré-socráticos buscaram o princípio originário de tudo o que existe e, cada um ao seu modo, encontrou um elemento da natureza que teria dado origem à diversidade de seres. Pesquise a importância dos seguintes elementos para a existência de vida no planeta Terra. a) Água: b) Ar: c) Terra: d) Fogo: 3. Complete o quadro a seguir com as informações solicitadas. Escolas pré-socráticas Principal representante Arkhé Principais ideias Jônica Pitagórica Eleata Atomista 4. Parmênides e Heráclito travaram um dos mais acalorados debates entre suas ideias. Explique que ideias são essas. 5. Com qual dos filósofos pré-socráticos você concorda: Parmênides ou Heráclito? Escreva um texto argumen- tativo explicando o seu posicionamento, defendendo-o com argumentos e exemplos. O aluno deve citar três dos seguintes fatores: revisão dos códigos de lei, surgimento da moeda, retomada da escrita alfabética, florescimento urbano. Lin so n Fil m Na natureza selvagem Ano: 2007 Diretor: Sean Penn Um jovem estudante tem um futuro promissor nos Estados Unidos. Mas decide abandonar tudo que tem para realizar uma grande aventura rumo à liberdade. Com apenas uma mochila nas costas, esse jovem rapaz irá buscar na natureza a explicação das coisas. O espírito do protagonista desse filme pode ser compa- rado ao dos pré-socráticos: não busca a verdade nas instituições ou nas pessoas, mas na própria natureza. FilmeFilme Esta atividade pode ser feita de forma interdisciplinar com as disciplinas de Biologia (água, ar e terra) e de História (fogo, especialmente no que concerne ao desenvolvimento das sociedades humanas). É imprescindível que os alunos percebam que os quatro elementos são essenciais à vida na Terra. Tales de Mileto Água A água é a origem do movimento que move todas as coisas. Pitágoras de Samos Números A realidade pode ser explicada matematicamente por meio dos números. A música é um exemplo de organização harmônica dos números. Parmênides de Eleia O ser Tudo o que existe é ser. O não-ser não existe e não pode ser pensado. Demócrito de Abdera Os átomos e o vazio O vazio (não-ser) é o espaço entre os corpos, e estes são com- postos de minúsculas partículas chamadas átomos. Enquanto Parmênides defende a tese imobilista, em que o movimento e as mudanças são considerados ilusórios, Heráclito defende a tese contrária, do mobilismo, ou seja, o movimento, a mudança, a geração e a corrupção dos seres é o eterno devir (vir a ser) que possibilita a existência de tudo. A produção textual deve ser entregue em folha avulsa, em data previamente agen- dada. Considere no texto dos alunos a consistência dos argumentos e exemplos utilizados para reforçar o posicionamento pessoal. Na data da entrega, você pode promover uma troca de ideias entre alunos que concordam com Parmênides e os que concordam com Heráclito. É possível separar a turma em dois grupos, considerando também a possibilidade de haver ou- tros posicionamentos (como, por exemplo, não concordar com nenhum dos dois), de forma que os grupos apre- sentem seus argumentos e exemplos, para defender o seu posicionamento. Fica a seu critério solicitar um registro escrito que sintetize as ideias debatidas, em que o aluno pode comentar se ele mantém o ponto de vista inicial, se mudou alguma coisa ou resolveu mudar de ideia. 31FIL FILOSOFIA E CULTURA EM 23 _1 _F IL _0 2 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 31PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 31 29/07/2022 11:37:0029/07/2022 11:37:00 Resolvidos 1. (UFSJ-2012) Sobre o princípio básico da filosofia pré-socrática, é correto afirmar que: a) Tales de Mileto, ao buscar um princípio unificador de todos os seres, concluiu que a água era a substância primordial, a origem única de todas as coisas. b) Anaximandro, após observar sistematicamente o mundo na- tural, propôs que não apenas a água poderia ser considerada arché desse mundo em si e, por isso mesmo, incluiu mais um elemento: o fogo. c) Anaxímenes fez a união entre os pensamentos que o antecede- ram e concluiu que o princípio de todas as coisas não pode ser afirmado, já que tal princípio não está ao alcance dos sentidos. d) Heráclito de Éfeso afirmou o movimento e negou terminante- mente a luta dos contrários como gênese e unidade do mundo, como o quis Catão, o antigo. 9 Resposta: A A alternativa A é a correta, pois Tales foi o primeiro filósofo da história e, para ele, a origem de tudo é a água. A alternativa B é incorreta porque Anaximandro defendia que a origem de tudo era o apeiron, ou seja, um elemento indeterminado. A alternativa C é incorreta pois, apesar de Anaxímenes negar o pensamento de seus predecessores, representados nos itens A e B, ele atribuiu a arkhéao ar. A alternativa D é incorreta pois, apesar de Heráclito afirmar que o movimento é a origem de tudo, ele afirmou também que a luta dos contrários origi- nava o movimento e a mudança. 2. (UEL) Tales foi o iniciador da filosofia da physis, pois foi o primeiro a afirmar a existência de um princípio originário único, causa de todas as coisas que existem, sustentando que esse princípio é a água. Essa proposta é importantíssima... podendo com boa dose de razão ser qualificada como a primeira proposta filosófica daquilo que se costuma chamar civilização ocidental. (REALE, Giovanni. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990. p. 29.) A filosofia surgiu na Grécia, no século VI a.C. Seus primeiros filó- sofos foram os chamados pré-socráticos. De acordo com o texto, assinale a alternativa que expressa o principal problema por eles investigado. a) A ética, enquanto investigação racional do agir humano. b) A estética, enquanto estudo sobre o belo na arte. c) A epistemologia, como avaliação dos procedimentos cien- tíficos. d) A cosmologia, como investigação acerca da origem e da ordem do mundo. e) A filosofia política, enquanto análise do Estado e sua legislação. 9 Resposta: D A alternativa A está incorreta, pois a ética passou a ser uma preocu- pação a partir dos sofistas e de Sócrates, ou seja, posteriormente ao período cosmológico. A alternativa B está incorreta, pois a estética surge a partir de Platão e Aristóteles, ou seja, posteriormente aos pré-socráticos. A alternativa C está incorreta, pois os procedimentos científicos, tal qual os conhecemos hoje, surgiu apenas na Idade Mo- derna, ou seja, muitos séculos depois. A alternativa D está correta, pois os primeiros filósofos buscaram explicações racionais para a origem de tudo o que existe no universo (kósmos, em grego). A alternativa D está incorreta, porque a filosofia política também surgiu posteriormente, com Platão e Aristóteles. Praticando 1. (UEL) Entre os ‘físicos’ da Jônia, o caráter positivo invadiu de chofre a totalidade do ser. Nada existe que não seja natureza, physis. Os homens, a divindade e o mundo formam um universo unificado, homogêneo, todo ele no mesmo plano: são as partes ou os aspectos de uma só e mesma physis que põem em jogo, por toda parte, as mesmas forças, manifestam a mesma potência de vida. As vias pelas quais essa physis nasceu, diversificou-se e organizou-se são perfei- tamente acessíveis à inteligência humana: a natureza não operou ‘no começo’ de maneira diferente de como o faz ainda, cada dia, quando o fogo seca uma vestimenta molhada ou quando, num cri- vo agitado pela mão, as partes mais grossas se isolam e se reúnem. (VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 12. ed. Tradução de: FONSECA, de Ísis Borges B. Rio de Janeiro: Difel, 2002. p. 110.) Com base no texto, assinale a alternativa correta. a) Para explicar o que acontece no presente é preciso compreen- der como a natureza agia “no começo”, ou seja, no momento original. b) A explicação para os fenômenos naturais pressupõe a aceitação de elementos sobrenaturais. c) O nascimento, a diversidade e a organização dos seres naturais têm uma explicação natural e esta pode ser compreendida racionalmente. d) A razão é capaz de compreender parte dos fenômenos natu- rais, mas a explicação da totalidade dos mesmos está além da capacidade humana. 9 Anotações: 2. (UFU) Parmênides de Eleia, filósofo pré-socrático, sustentava que: I. o ser é. II. o não-ser não é. III. o ser e o não-ser existem ao mesmo tempo. IV. o ser é pensável e o não-ser é impensável. Assinale: a) se apenas I, III e IV estiverem corretas. b) se apenas I, II e III estiverem corretas. c) se apenas II, III e IV estiverem corretas. d) se apenas I, II e IV estiverem corretas. 9 Anotações: Os pré-socráticos passaram a indagar além das explicações mitológicas, buscando principlamente na natureza o fundamento racional da existência da vida. Parmênides é o filósofo da imobilidade. Defende que o ser é e o não-ser não é e não pode ser pensado. 32 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 32PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 32 29/07/2022 11:37:0029/07/2022 11:37:00 Desenvolvendo Habilidades 1. C1:H2 (Enem-2017) A representação de Demócrito é semelhante à de Anaxágoras, na medida em que um infinitamente múltiplo é a origem; mas nele a determi- nação dos princípios fundamentais aparece de maneira tal que contém aquilo que para o que foi formado não é, absolu- tamente, o aspecto simples em si. Por exemplo, partículas de carne e de ouro seriam princípios que, através de sua concentração, formam aquilo que aparece como figura. HEGEL, G. W. F. Crítica moderna. In: SOUZA, J. C. (Org). Os pré- socráticos: vida e obra. São Paulo: Nova Cultural, 2000 (adaptado). O texto faz uma apresentação crítica acerca do pensamento de Demócrito, segundo o qual o “princípio constitutivo das coisas” estava representado pelo (a) a) número, que fundamenta a criação dos deuses. b) devir, que simboliza o constante movimento dos objetos. c) água, que expressa a causa material da origem do universo. d) imobilidade, que sustenta a existência do ser atemporal. e) átomo, que explica o surgimento dos entes. 2. C1:H2 (Enem-2015) A filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos nela e leva-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque nela, embora apenas em es- tado de crisálida, está contido o pensamento: Tudo é um. NIETZSCHE, Friedrich. Crítica moderna. In: Os pré- socráticos. São Paulo: Nova Cultural: 1999. O que, de acordo com Nietzsche, caracteriza o surgimento da filosofia entre os gregos? a) O impulso para transformar, mediante justificativas, os elemen- tos sensíveis em verdades racionais. b) O desejo de explicar, usando metáforas, a origem dos seres e das coisas. c) A necessidade de buscar, de forma racional, a causa primeira das coisas existentes. d) A ambição de expor, de maneira metódica, as diferenças entre as coisas. e) A tentativa de justificar, a partir de elementos empíricos, o que existe no real. 3. C1:H1 (UFU-2015) Em nós, manifesta-se sempre uma e a mesma coisa, vida e morte, vigília e sono, juventude e velhice. Pois a mu- dança de um dá o outro e reciprocamente. Heráclito, fragmento 88. In: BORNHEIM, G. A. (Org.). Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Editora Cultrix, 1998. p. 41. Assinale a alternativa que explica o fragmento de Heráclito. a) A oposição é a afirmação da força irracional que sustenta o mundo e explica a constante mudança de tudo que existe. b) A oposição dos contrários nada mais é que o equilíbrio das forças, pois no mundo tudo é uno e constante, tudo mais é apenas ilusão. c) A mudança permite afirmar que a constância do mundo das ideias é a única realidade, na qual as essências determinam tudo. d) A oposição é a confirmação de que a realidade é o eterno fluxo de mudanças, e da tensão dos contrários nasce a harmonia e a unidade do mundo. 4. C1:H3 (UEM-2015) “O nascimento da filosofia pode ser entendido como o surgimento de uma nova ordem do pensamento, comple- mentar ao mito, que era a forma de pensar dos gregos. Uma visão de mundo que se formou de um conjunto de narrativas contadas de geração a geração [...]. Os mitos apresentavam uma religião politeísta, sem doutrina revelada, sem teoria escrita, isto é, um sistema religioso, sem corpo sacerdotal e sem livro sagrado, apenas concentrada na tradição oral, é isso que se entende por teogonia”. (Filosofia / vários autores. Curitiba: SEED-PR, 2006. p. 18.) Sobre o surgimento da filosofia, assinale o que for correto. (1) Na Grécia Antiga, o conhecimento dos mitos era transmitido pelos padres da Igreja. (2) O livro do Gênesis repete o primeiro capítulo da Teogonia de Hesíodo,que trata da criação do mundo. (3) A teogonia visa explicar a genealogia dos deuses e sua rela- ção com os fenômenos do mundo. (4) A oralidade constitui a forma privilegiada de transmissão do pensamento mítico. (5) O mito representa uma forma de pensamento religioso contrário à racionalidade filosófica de Platão e dos filósofos pré-socráticos. Soma ( ) Complementares 1. (UEG) A cultura grega marca a origem da civilização ocidental e ainda hoje podemos observar sua influência nas ciências, nas artes, na política e na ética. Dentre os legados da cultura grega para o Ocidente, destaca-se a ideia de que a) a natureza opera obedecendo a leis e princípios necessários e universais que podem ser plenamente conhecidos pelo nosso pensamento. b) nosso pensamento também opera obedecendo a emoções e sentimentos alheios à razão, mas que nos ajudam a distinguir o verdadeiro do falso. c) as práticas humanas, a ação moral, política, as técnicas e as artes dependem do destino, o que negaria a existência de uma vontade livre. d) as ações humanas escapam ao controle da razão, uma vez que agimos obedecendo aos instintos como mostra hoje a psicanálise. 2. (UnB) No início do século XX, estudiosos esforçaram-se em mostrar a continuidade, na Grécia Antiga, entre mito e filosofia, opondo-se a teses anteriores, que advogavam a descontinuidade entre ambos. A continuidade entre mito e filosofia, no entanto, não foi enten- dida univocamente. Alguns estudiosos, como Cornford e Jaeger, consideraram que as perguntas acerca da origem do mundo e das coisas haviam sido respondidas pelos mitos e pela filosofia nascente, dado que os primeiros filósofos haviam suprimido os aspectos antropomórficos e fantásticos dos mitos. Ainda no século XX, Vernant, mesmo aceitando certa continuidade entre mito e filosofia, criticou seus predecessores, ao rejeitar a ideia de que a filosofia apenas afirmava, de outra maneira, o mesmo que o mito. Assim, a discussão sobre a especificidade da filosofia em relação ao mito foi retomada. Considerando o breve histórico acima, concernente à relação entre o mito e a filosofia nascente, assinale a opção que expressa, de forma mais adequada, essa relação na Grécia Antiga. a) O mito é a expressão mais acabada da religiosidade arcaica, e a fi- losofia corresponde ao advento da razão liberada da religiosidade. b) O mito é uma narrativa em que a origem do mundo é apre- sentada imaginativamente, e a filosofia caracteriza-se como explicação racional que retoma questões presentes no mito. c) O mito fundamenta-se no rito, é infantil, pré-lógico e irracional, e a filosofia, também fundamentada no rito, corresponde ao surgimento da razão na Grécia Antiga. d) O mito descreve nascimentos sucessivos, incluída a origem do ser, e a filosofia descreve a origem do ser a partir do dilema insuperável entre caos e medida. 33FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 33PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 33 29/07/2022 11:37:0029/07/2022 11:37:00 3. (Unicentro) A passagem do Mito ao Logos na Grécia antiga foi fruto de um amadurecimento lento e processual. Por muito tempo, essas duas maneiras de explicação do real conviveram sem que se tra- çasse um corte temporal mais preciso. Com base nessa afirmativa, é correto afirmar: a) O modo de vida fechado do povo grego facilitou a passagem do Mito ao Logos. b) A passagem do Mito ao Logos, na Grécia, foi responsabilidade dos tiranos de Siracusa. c) A economia grega estava baseada na industrialização, e isso facilitou a passagem do Mito ao Logos. d) O povo grego antigo, nas viagens, se encontrava com outros povos com as mesmas preocupações e culturas, o que contri- buiu para a passagem do Mito ao Logos. e) A atividade comercial e as constantes viagens oportunizaram a troca de informações/conhecimentos, a observação/assi- milação dos modos de vida de outros povos, contribuindo, assim, de modo decisivo, para a construção da passagem do Mito ao Logos. 4. (Unioeste) O que há em comum entre Tales, Anaximandro e Anaxímenes de Mileto, entre Xenófanes de Colofão e Pitágoras de Samos? “Todos esses pensadores propõem uma explicação racional do mundo, e isso é uma reviravolta decisiva na história do pensamento”. (Pierre Hadot) Com base no texto e nos conhecimentos sobre as relações entre mito e filosofia, seguem as seguintes proposições: I. Os filósofos pré-socráticos são conhecidos como filósofos da physis porque as explicações racionais do mundo por eles produzidas apresentam não apenas o início, o princípio, mas também o desenvolvimento e o resultado do processo pelo qual uma coisa se constitui. II. Os filósofos pré-socráticos não foram os primeiros a tratarem da origem e do desenvolvimento do universo, antes deles já existiam cosmogonias, mas estas eram de tipo mítico, des- creviam a história do mundo como uma luta entre entidades personificadas. III. As explicações racionais do mundo elaboradas pelos pré-so- cráticos seguem o mesmo esquema ternário que estruturava as cosmogonias míticas na medida em que também propõem uma teoria da origem do mundo, do homem e da cidade. IV. O nascimento das explicações racionais do mundo são também o surgimento de uma nova ordem do pensamento, comple- mentar ao mito; em certos momentos decisivos da história da filosofia as duas ordens de pensamento chegam a coexistir, exemplo disso pode ser encontrado no diálogo platônico Timeu quando, na apresentação do “mito mais verossímil”, a figura mítica do Demiurgo é introduzida para explicar a produção do mundo. V. Tales de Mileto, um dos Sete Sábios, além de matemático e físico é considerado filósofo – o fundador da filosofia, segundo Aristóteles – porque em sua proposição “A água é a origem e a matriz de todas as coisas” está contida a proposição “Tudo é um”, ou seja, a representação de unidade. Assinale a alternativa correta. a) As proposições III e IV estão incorretas. b) Somente as proposições I e II estão corretas. c) Apenas a proposição IV está incorreta. d) Todas as proposições estão incorretas. e) Todas as proposições estão corretas. 5. (UFPE) As reflexões sobre o mundo e as relações sociais fazem parte da construção da Filosofia, desde os seus primórdios. Na Grécia, o pensamento filosófico foi muito importante para a organização da sua sociedade e o estabelecimento de uma visão crítica de suas manifestações culturais. Uma das figuras marcantes da Filosofia Grega foi Parmênides, que: a) defendia a concepção de um universo composto pelos quatro elementos fundamentais da natureza (a água, o fogo, a terra, o ar) em constantes movimentos circulares. b) seguiu as teorias de Heráclito sobre a permanência do sagrado e dos mitos, como princípios básicos da realização religiosa da sociedade, em todos os tempos. c) se posicionou contra as teorias políticas dos mais democratas, pois achava a escravidão necessária para se explorar as riquezas e facilitar a organização da economia. d) influenciou em muito o pensamento idealista da filosofia oci- dental, dando destaque à ideia de permanência e considerando o movimento como uma ilusão dos sentidos. e) estabeleceu orientações fundamentais para o pensamento de Aristóteles, de quem foi mestre, articulando as bases de uma ló- gica dualista com a concepção de governo monárquico vitalício. GABARITO ONLINE 1. Faça o download de qualquer aplicativo de leitura de QR Code. 2. Abra o aplicativo e aponte a câmera para o QR Code ao lado. 3. O gabarito deste módulo será exibido em sua tela. 34 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 34PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 34 29/07/2022 11:37:0029/07/2022 11:37:00 VVVVVVVVVVVVVVVVVVVV FIL Filosofia 03 35 mód. 03/08 EE EE EE EE EEE EE S T A R T Sofistas e Sócrates Do cosmos ao anthropós • Sofistas • Sócrates 1. Leia a tirinha a seguir. BV VV VV a) O personagem da tirinha fica frente a frente consigo mesmo, mas uma parte dele não reconhece a outra. Vocêacha que uma situação como essa pode acontecer no processo de autoconhecimento? Justifique sua resposta. b) Na sua opinião, o que é necessário para iniciar o processo de autoconhecimento? 2. O que é mais importante: a verdade ou a validade de um argumento? 3. Como convencer um público a aceitar determinados argumentos? Resposta pessoal. O aluno deve considerar a possibilidade de haver um estranhamento de si no processo de autoconhecimento. A atividade pode ser feita em casa ou em sala de aula, conforme a necessida- de. Você pode solicitar que alguns voluntários apresentem suas respostas e promover uma troca de ideias sobre o processo de autoconhecimento como Sócrates defendia. Resposta pessoal. O aluno pode mencionar alguns critérios necessários para o autoconhecimento, como buscar entender os próprios sentimentos e pensamentos, desenvolver autoestima, estar ciente de seus desejos e das possibilidades de realizá-los etc. Para o desenvolvimento dos itens 2 e 3 organize um debate em sala, questio- nando o que é importante e quais aspectos devem ser abordados em um debate. Além de discutir quais téc- nicas podem ser utilizadas para que seja realizado um bom debate. Filosofia grega clássica: Sócrates e os sofistas EM23_1_FIL_03.indd 35EM23_1_FIL_03.indd 35 30/07/2022 10:42:1730/07/2022 10:42:17 36 FIL EM 23 _1 _F IL _0 3 No início, a Filosofia surgiu com a busca in- cessante por respostas sobre a origem do mun- do e os pré-socráticos, os primeiros filósofos da Antiguidade, propuse- ram que essas respostas poderiam ser encontra- das na própria natureza. Assim, eles inauguraram o período que ficou co- nhecido como período cosmológico. Com o desenvolvi- mento urbano crescente e o aumento da complexi- dade das relações sociais, outras questões passa- ram a interessar os filó- sofos: como viver bem? Qual o papel do cidadão na pólis? Qual a melhor forma de governo? Como elaborar um discurso apaixonado para convencer os outros sobre a importância de determinado assunto? Onde está a verdade? Quais as virtudes do bom cidadão e do bom governante? Com estas e outras questões, inaugurou-se um novo período na Filosofia Antiga: o período antropológico, em que o foco de estudo não é apenas a natureza, mas o próprio ser humano em suas complexas formas de ser e existir; assim, nesse período, prevaleceram as discussões sobre ética, política, direito etc. Os principais representantes deste período são os sofistas e Sócrates. Os sofistas eram um grupo heterogêneo de pensadores que viajam de cidade em cidade en- sinando aos cidadãos a arte da retórica. Foram muito criticados por toda a tradição filosófica, mas, atualmente, são vistos como parte importante no processo educativo da Grécia antiga e, também, para a Filosofia, por meio dos inúmeros embates de ideias que travaram. Sócrates, cidadão ateniense, figura enigmática, amado e odiado na Atenas de seu tempo, nun- ca deixou nada escrito. Tudo o que sabemos sobre ele, atualmente, se deve aos registros de seus alunos Platão e Xenofonte e, também, de alguns de seus críticos, como o comediante Aristófanes. Sócrates ficou conhecido por seu método dialógico, em que levava seus interlocutores a descobri- rem-se na ignorância e a ansiarem pelo saber. Um dos fatores que in- fluenciou essa mudança do objeto de estudo da filosofia foi justamente o crescimen- to das cidades-Estado. Com o aumento populacional, começam a surgir mais problemas referentes à organização social, política e econômica, e assim a filoso- fia passa a ser uma maneira de resolver tais conflitos. ObserveObserve Fre sc ts/ W. Co m m on s Deuses reunidos no Olimpo. A existência de conselhos entre os deuses demonstra como a questão dos debates e das discussões públicas é um elemento importante para a cultura grega. Do cosmos ao anthropós Sofistas Os fundamentos da Sofística podem ser assim resumidos: 1. O interesse filosófico concentra-se no homem e em seus problemas, o que os sofistas tiveram em comum com Sócrates. 2. O conhecimento reduz-se à opinião e o bem, à utilidade. Consequente- mente, reconhece-se da relatividade da verdade e dos valores morais, que mudariam segundo o lugar e o tempo. 3. Erística: habilidade em refutar e sustentar ao mesmo tempo teses contraditórias. 4. Oposição entre natureza e lei; na natureza, prevalece o direito do mais forte. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 918.) ObserveObserve Com a sofística, o essencial não é investigar os princípios que explicam a origem de todas as coisas, mas as dimensões que envolvem a vida humana em sociedade, como a retórica, a ética, a política, o direito, a religião, a educação, a oratória, entre outras. Mas como se operou essa mu- dança? Quem foram os sofistas? O termo sofista deriva de sophos, que significa sábio, ou ainda especialista do saber. Os sofistas tornaram-se célebres por percorrerem as cidades educando membros da aristocracia e cobrando por seus ensinamentos, que em geral abordavam questões técnicas e práticas, úteis para a vida em sociedade, abordando temas como artes, retórica e política. A sofística surge em um período de conflitos sociais que tem como origem a crise da aristocra- cia, a inserção de novos valores e costumes decorrentes do crescimento das cidades e do comér- cio, e da ampliação da comunicação entre as cidades. Retórica: é a arte do discurso convincente, em que o interlocutor deve convencer a plateia de suas ideias, mesmo que elas sejam falsas. O importante é usar bons argumentos para provocar a persuasão. GlossárioGlossário PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 36PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 36 29/07/2022 11:37:0429/07/2022 11:37:04 37FIL EM 23 _1 _F IL _0 3 Os sofistas faziam do seu saber uma profissão. Desse modo eles inovaram a abordagem dos problemas educati- vos, utilizando seus ensinamentos como uma possibilida- de de ganho financeiro. Eles, como educadores, ensinavam aos que estivessem dispostos a pagar, independentemen- te de classe social, proporcionando uma maior liberdade de propagação do conhecimento. Na atualidade não há registros escritos completos dos sofistas, portanto a maioria das informações que possuí- mos são as que foram transmitidas justamente por seus adversários, como Sócrates e Platão. Sendo assim, torna- -se mais difícil compreender os verdadeiros propósitos dos sofistas. Os sofistas são responsáveis pela relativização das ver- dades propostas pelos pré-socráticos, demonstrando que o ser humano não pode alcançar toda a verdade pelo lo- gos. Porém, o que significava, afinal, dizer que a verdade é relativa? Se não há qualquer verdade, tudo não passa de opinião e visão particular desta ou daquela pessoa? Ou a verdade é relativa somente a algo específico? E o que seria esse algo? A resposta é difícil, porque nem os principais so- fistas entraram em consenso sobre isso. Os sofistas mais importantes foram: ● Protágoras de Abdera (490 a.C. - 415 a.C.), cuja con- tribuição para o conhecimento foi a relativização da verdade. ● Górgias (485 a.C. - 380 a.C.), proveniente de Leonti- nos (atual Sicília, na Itália), contribuiu para inovações na arte da retórica. Protágoras de Abdera Protágoras é considerado o maior dos sofistas pelos estudiosos, e ele dedicou-se a enfrentar o problema que se instalara na filosofia. Enquanto Parmênides defendeu que o logos, o pensar, é a própria verdade; Heráclito negou a possibilidade de o logos poder captar o ser, pois a lingua- gem jamais conseguiria dizer o que uma coisa é. Criou-se, assim, um dilema: afinal, é possível conhecer a verdade? O sofista Protágoras nasceu em Abdera, viajou para várias cidades gregas e alcançou grande prestígio em Atenas. Qa m nj k/ W. Co m m on s A sofística demonstrou que o ser humano só pode ma- nifestar seus pensamentos por meio da linguagem. Dessa forma, o pensamento e alinguagem, ou seja, o próprio lo- gos, não são critérios para a verdade, pois são limitados ao ponto de vista de cada um. Assim, Protágoras apresenta sua grande inovação: se o pensamento se expressa por meio da linguagem, então ambos (pensamento e lingua- gem) só podem ser relativos àquele que pensa e fala. Ou seja, a verdade é sempre relativa às experiências de cada um. Esse é o sentido da célebre frase de Protágoras: “O homem é a medida de todas as coi- sas, daquelas que são porque são e daque- las que não são porque não são.” Com Protágoras, a verdade deixa de ser entendida como significado do saber absoluto e passa a ser percebi- da como proveniente das experiências de cada um, de seu modo particular de ver, interpretar e conhecer o mundo. Reprodução em alto relevo dos sofistas. Mt re sk /W .Co m m on s Ora, se não há verdade absoluta, e tudo é relativo ao ser humano, o cidadão grego entenderá que é mais impor- tante buscar a utilidade das coisas do que suas essências. Essa busca pela utilidade será revelada na própria pala- vra. A palavra pode não exprimir verdade, mas certamente pode se tornar um elemento fundamental na vida política: o discurso bem fundamentado será o critério para definir a verdade. Os sofistas defendem que em uma discussão será considerada verdadeira aquela opinião que vencer o debate de ideias, independente de ela ser verdadeira ou falsa. Dessa forma, o indivíduo que desenvolver a melhor argumentação acabará por estabelecer a verdade. Essa elevação da arte retórica contribuiu com o desen- volvimento da democracia na Grécia Antiga. A preocupa- ção com o discurso e com as técnicas de argumentação, aliada ao espírito crítico propagado por esses filósofos, repercutiu na vida social e política da pólis (cada vez mais urbana), e com o povo cada vez mais buscando conquistar e realizar sua autonomia. A retórica sofística seduziu so- bretudo os jovens, pois foi elemento importantíssimo para todos aqueles que desejavam seguir uma carreira política, nas assembleias e nos tribunais, onde a defesa da própria PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 37PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 37 29/07/2022 11:37:0429/07/2022 11:37:04 38 FIL EM 23 _1 _F IL _0 3 EM 23 _1 _F IL _0 3 opinião contra os argumentos alheios valia tanto ou mais do que uma busca por princípios verdadeiros. O relativismo da verdade, por consequên- cia, conduzirá ao relativismo moral. Os sofistas partem da ideia de que a verda- de é relativa. Sendo a verdade relativa, a moral também o será, afinal se não existe uma ver- dade absoluta, não é possível que exista um critério que determine totalmente a moral; a partir desse pensamento, os sofistas afirmam que o critério que define o que é certo e o que é errado deriva de convenções estabelecidas pelo ser humano. Para alguns sofistas, como Protágoras, existe uma verdade natural, e assim também uma moral natural. Porém, as leis e os costu- mes seguidos, em geral, não se baseavam nes- sa verdade natural, mas apenas em criações humanas, convenções sociais que os seres hu- manos julgavam necessárias. Apesar de serem convenções, poderiam ser mudadas a qual- quer momento. O relativismo dos sofistas foi amplamente criticado por Sócrates, o maior expoente do período antropológico. Górgias Outro sofista de destaque foi Górgias, con- siderado o maior orador da Grécia, conhecido por trazer a arte retórica da Sicília para Atenas. Escreveu diversas obras, que chegaram até os dias de hoje, como Encômio e Defesa. Em seus ensinamentos, Górgias enfatizava o uso da persuasão absurda, ou seja, para ele, as palavras tinham a força dos deuses e cau- savam impactos físicos na plateia, na medida em que provocavam fortes emoções. Por isso, ensinava técnicas de oratória que beiravam a teatralidade. Concordou com o relativismo de Protágoras ao afirmar “as coisas que são para mim, são para mim, as coisas que são para ti, são para ti”. Outra característica importante de Górgias é o niilismo de suas ideias. Ele negava a pos- sibilidade de conhecer o ser, afirmando: “O ser não existe; se existisse, não pode ser reconheci- do; mesmo que fosse conhecido, não poderia ser comunicado a ninguém”. Costumava defender ideias absurdas e impopulares e ficou conheci- do como um mestre dos paradoxos. Foi imortalizado pelo diálogo platônico que leva o seu nome, em que ele discute com Sócrates a função e a importância da retórica. Niilismo: ponto de vista que considera que as crenças e os valores tradicionais são infundados e que não há qualquer sentido ou utilidade na existência. Paradoxo: pensamento, proposição ou argumento que contraria os princípios básicos e gerais que costu- mam orientar o pensamento humano, ou desafia a opinião compartilhada pela maioria. GlossárioGlossário Nascido em 469 a.C. na cidade de Atenas, Sócrates foi emblemático para a história do pensamento ocidental. Como Cícero diria mais tarde, ele é o homem que trouxe a filosofia do céu para a terra. A afirmação de Cícero tem uma razão: antes do ateniense, os filósofos investigavam a natureza, em busca dos princí- pios que explicassem todas as coisas. Sócrates, por sua vez, dedicou-se a entender como a vida humana funcionava em sociedade: quais eram os princípios que norteavam as ações hu- manas, quais eram as virtudes e os vícios das pessoas, a participação política do cidadão na pólis, bem como questões relacionadas com o conhecimento. Ele divulgou a famosa inscrição do portal do Oráculo de Delfos: “conhece-te a ti mesmo”, e a transforma no norte de sua filosofia: filosofar é ajudar o ser humano no processo de autoconhecimento. Tendo em vista essa necessi- dade, a ética passa a ocupar lugar central em seu pensamento. A ética é a disciplina da Fi- losofia que estuda as ações humanas. Por que o ser hu- mano faz determinadas coi- sas? Por que o ser humano vive em sociedade? O que devemos fazer para viver bem com outras pessoas? O que motiva o ser humano a realizar qualquer ação? A ética é prática – busca en- tender o ser humano como ser vivente em sociedade. ObserveObserve Sócrates Ruínas do templo de Delfos, aonde as pessoas se dirigiam para consultar o Oráculo. An to n_ Iva no v/ Sh ut te rst oc k Cícero (106 - 43 a.C.) foi um importante filósofo, linguista, tradutor e político romano. Estudioso da filo- sofia grega, entre outros tra- balhos foi responsável pela criação de um vocabulário filosófico em latim. BiografiaBiografia [...] Sócrates teria sido um homem de caráter e inteligência singulares, imbuído de paixão pela honesti- dade intelectual e de rara integridade moral, em sua época ou em qualquer outra. Com insistência, buscava respostas para perguntas que jamais haviam sido feitas, procurava derrubar pressupostos e crenças conven- cionais para provocar uma reflexão mais cuidadosa sobre as questões éticas; incansavelmente, forçava a si próprio e a seus interlocutores a buscar um entendimento mais profundo sobre o que constituísse uma vida boa. Suas palavras e feitos incorporavam a permanente convicção de que a autocritica libertaria a mente humana das cadeias da falsa opinião. (TARNAS, Richard. A epopeia do pensamento ocidental: para compreender as ideias que moldaram nossa visão de mundo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. p. 47.) PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 38PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 38 29/07/2022 11:37:0429/07/2022 11:37:04 39FIL EM 23 _1 _F IL _0 3 EM 23 _1 _F IL _0 3 Antes de construir sua própria filosofia, re- gistros mostram que Sócrates estudou a filo- sofia da natureza até os seus 30 anos, e a par- tir dessa idade começou a se sentir insatisfeito com a respostas trazidas por ela. Platão usa Sócrates como protagonista na maioria de seus diálogos. Porém, o Sócrates que aparece nos primeiros diálogos escritos por Platão não é o mesmo Sócrates dos diálo- gos posteriores. O Sócrates dos primeirosdiálogos é “real”, pois tratam-se de relatos verdadeiros de episó- dios envolvendo Sócrates que o jovem Platão anotou e transformou em livro, para difundir a filosofia do seu mestre. Contudo, posterior- mente, Platão amadureceu intelectualmente, passando a conceber suas próprias ideias. Nesses diálogos não está o Sócrates “real”, mas o “personagem” Sócrates, que Platão utiliza para apresentar sua própria filosofia. Sócrates era conhecido por participar de discussões em praça pública, abordando ques- tões morais, políticas e epistemológicas. Seu gosto pelos questionamentos tinha por obje- tivo não só chegar à verdade, mas também au- xiliar o interlocutor a mudar sua forma de pen- sar e ver o mundo com outros olhos. Para isto utilizava-se do método dialético, que por sua vez consistia na utilização de duas técnicas: a ironia e a maiêutica. A ironia é utilizada por Sócrates por meio de um jogo de perguntas pelo qual ele leva o interlocutor a se contradizer, a compreender que na verdade ignora aquilo que pensa saber e, desse modo, aceitar que não possui o co- nhecimento sobre o assunto. Sócrates sempre inicia o diálogo fingindo não conhecer profun- damente o tema que quer analisar e engrande- cendo a capacidade do interlocutor (por isso a ironia). Ao fingir não saber, Sócrates exige que o interlocutor exponha sua opinião sobre de- terminado tema. O reconhecimento de não saber profunda- mente o assunto tratado é o primeiro passo iniciar a busca pelo conhecimento. Daí surge a célebre expressão socrática “só sei que nada sei”, pois saber que não conhece é a primeira coisa que se deve compreender. A maiêutica é o processo de questionamen- tos pelo qual Sócrates conduz o interlocutor a extrair de si mesmo o conhecimento, e encon- trar a verdade. Por meio da maiêutica, Sócrates procura levar as pessoas a descobrirem os co- nhecimentos que já possuem dentro de si, os quais precisam apenas ser “despertos”, trazi- dos a luz. A maiêutica também ficou conhecida como “parto das ideias”, visto que esse método faz os indivíduos trazerem à tona as verdades presentes em seu interior por meio de inces- santes interrogações. A figura de Sócrates logo se tornou muito popular. Método dialético: é o método utilizado por Sócrates para provocar o autoconhecimento do interlocutor. O objetivo é interrogar o outro com várias perguntas até que o interlocutor consiga extrair de si o conhecimento. GlossárioGlossárioA natureza de seus questionamentos en- cantou os jovens atenienses. Questões como: o conceito de justiça, o valor da religião, a virtude e a verdade, eram debatidas em seus diálogos. No entanto, Sócrates despertou inveja e raiva as autoridades políticas, o que acarretou a abertura de um processo judicial contra o fi- lósofo, concluído com a sua condenação à morte em 399 a.C. O processo contra Sócrates foi eterniza- do ao ser registrado numa sequência de qua- tro diálogos escritos por Platão: Eutífron, que traz uma discussão sobre o valor da religião e o sentido da religiosidade, pois Sócrates era acusado de não acreditar nos deuses gregos e introduzir divindades novas; Apologia de Sócrates, que apresenta a sua defesa perante o Tribunal Ateniense diante das acusações que lhe foram feitas; Críton, que se desenrola entre o julgamento e sua condenação, quando um amigo lhe procura dizendo que possui meios para tirá-lo clandestinamente de lá e assim sal- vá-lo da morte (proposta veementemente re- cusada pelo filósofo); e Fédon, que traz o último diálogo antes de sua morte. Alma e autoconhecimento em Sócrates Com Sócrates, surge uma nova visão e um novo conceito para uma palavra que já era uti- lizada por vários poetas e escritores, a psyché, termo grego que traduzimos por “alma”. Desde Homero, passando pelos órficos, pelos físicos e poetas, tem-se um significado para a palavra “alma”, porém sempre era um elemento inde- finido. Para Sócrates, a alma é a melhor parte do ser humano, ou seja, é o que o diferencia de todos os outros seres. A Morte de Sócrates, de Hernandéz (1872). Sócrates foi condenado à morte por ingestão de cicuta, uma planta muito venenosa. Um de seus discípulos armou um plano para que o mestre pudesse escapar, mas este recusou a proposta. Sócrates acreditava que se fugisse e desrespeitasse a lei, estaria indo contra tudo o que havia defendido na sua filosofia, e sua vida teria sido em vão. De rtm on d/ W. Co m m on s Sócrates afasta Alcebíades do vício, de Américo (1861). Pe dr o Am er ico /W .Co m m on s Órfico: relativo a Orfeu. GlossárioGlossário PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 39PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 39 29/07/2022 11:37:0529/07/2022 11:37:05 40 FIL EM 23 _1 _F IL _0 3 EM 23 _1 _F IL _0 3 Para o filósofo, “a alma coincide com a nossa consciência pensante e operante, com a nossa razão e com a sede da nossa atividade pensante e eticamente operante. [...] a alma é o eu cons- ciente, é a personalidade intelectual e moral.” Ftr es ou /W .Co m m on s Mosaico romano que retrata animais ouvindo o personagem mitológico Orfeu. Existe a lenda de que Orfeu retornou do Hades e depois teria fundado um movimento chamado orfismo. É do orfismo que vem uma das principais concepções gregas sobre a alma, o que influenciaria o pensamento filosófico posterior, sobretudo em Sócrates. A obra se passa no encontro entre Eutífron, que estava prestes a acusar seu pai por homi- cídio, e Sócrates, acusado de impiedade. Sócrates surpreende-se com Eutífron, por este ter movido uma ação contra alguém da própria família. Eutífron iria acusar seu pai de ter assassinado um estrangeiro, devido a este ter matado um dos criados da família. O jovem Eutífron afirma que fez isso por ser piedoso com os deuses, já que para os deuses não há diferença entre matar um estranho ou alguém da família. Ambos são atos injustos e que de- vem ser punidos. Eutífron complementa que ser piedoso é aquilo que agrada aos deuses e aos homens, e ímpio é o contrário. Sócrates discorda, utilizando como exem- plo a Ilíada, em que uma mesma ação pode agradar a um deus e desagradar a outro. Prova disso é que alguns deuses apoiavam os gregos e outros os troianos. Logo, como podemos di- zer que podemos agradar aos deuses se nem eles são unânimes naquilo que lhes agrada? Cena de Ilíada, em que Aquiles carrega o corpo de Heitor. Sócrates utiliza essa obra homérica para demonstrar que os deuses não têm a mesma opinião sobre o valor das coisas. Desse modo, o que é piedade para um pode não ser para outro. 23 48 89 /W .Co m m on s Disso decorre uma crítica importantíssima de Sócrates à religião grega, que era retratar os deuses como antropomorfos, ou seja, em for- mas humanas. Para Sócrates, isso significava rebaixar uma divindade à imperfeição huma- na. Por esse motivo, ele recebeu a acusação de impiedade, conforme ele mesmo apresenta: (REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. São Paulo: Loyola, 2002. p. 258.) Percebe-se que a alma para Sócrates está muito mais ligada à consciência, do que a uma concep- ção religiosa, como a que usamos para “espírito”. A ideia de Sócrates é de que a alma é a parte divina no ser hu- mano, devendo ser cultivada a par- tir do conhecimento e da verdade. Segundo o autor Werner Jaeger, corpo e alma devem ser entendi- dos “como dois aspectos distin- tos da mesma natureza humana”. Nesses “aspectos distintos” surge a ordem de valores apresentada por Sócrates, na qual a alma aparece no grau mais elevado e esta deve domi- nar o corpo. Portanto, a alma liga-se ao corpo, mas é superior a ele. A filosofia de Sócrates é a filosofia do au- toconhecimento, que é o mesmo que dizer “conhecimento da alma”. Por isso, afirma-se que Sócrates trouxe definitivamente a filoso- fia para dentro do ser humano. Ainda que os sofistas tenham inaugurado o período antro- pológico na filosofia, não buscaram entender o ser humano individual, a alma, mas apenasos seres humanos em geral, em suas relações so- ciais, políticas etc. Para Sócrates, não há como discutir justiça, virtude, política, sem antes co- nhecer a si mesmo. Julgamento e condenação de Sócrates Platão escreveu diálogos que abordavam o julgamento, a condenação e a morte de Sócrates, três deles serão abordados a seguir. Eutífron A obra Eutífron permite entender o porquê de Sócrates ter sido processado e condenado, pois tudo gira em torno da acusação de impie- dade, já que para alguns o filósofo era ateu e corrompia os jovens a não venerar os deuses do panteão grego. Esse novo sentido dado por Sócrates para o vocábulo “alma” fará com que o termo seja amplamente usado pelas religiões e se popularize. Impiedade: descrença, irreligiosidade. GlossárioGlossário Não será essa, Eutífron, a razão pela qual eu sou acusado: por que, sempre que alguém diz tais coisas sobre os deuses, eu as aceito com dificuldade? (PLATÃO. Eutífron, apologia de Sócrates, Críton. 4. ed. Tradução de: SANTOS, José Trindade. Lisboa: Imprensa nacional – casa da moeda, 1983.) PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 40PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 40 29/07/2022 11:37:0629/07/2022 11:37:06 41FIL EM 23 _1 _F IL _0 3 EM 23 _1 _F IL _0 3 De certa forma, Eutífron representa a opi- nião geral dos gregos da época, que seria viver conforme aquilo que mandam fazer os deuses por meio dos velhos mitos e histórias. Durante o diálogo, Sócrates rebate as opi- niões de Eutífron, que ao final sente que fra- cassa e se despede, deixando a questão ina- cabada e o filósofo frustrado. Sócrates levanta a hipótese de que as pessoas sentem-se ame- drontadas a pôr à prova a própria concepção do que pensam estar correto: mundo, dos seres humanos, dos deuses, da vida. Assim, aquele que sabe que não sabe é certamente mais sábio que aqueles que nada sabem e ignoram que não sabem nada. Essa é a explicação da célebre frase: “Só sei que nada sei”. Para Sócrates, essa sua sabedoria é o que despertava ódio em tantos ilustres de seu tempo. Cena do filme Sócrates, que mostra o julgamento do filósofo perante a cidade de Atenas. Sócrates aparece no canto inferior esquerdo. Ve rsá til H om e Vid eo Que fazes, companheiro? Vais-te embora, derrubando-me da minha grande esperança? Como aprenderei contigo o que são e o que não são as coisas piedosas? Como me irei livrar de Meleto? Como mostrarei àquele que, junto de Eutífron, me tornei sábio nas coisas divinas e que, nem por ignorância improviso, nem ino- vo acerca das divindades, mas que viverei uma outra vida melhor? (PLATÃO. Eutífron, apologia de Sócrates, Críton. 4. ed. Tradução de: SANTOS, José Trindade. Lisboa: Imprensa nacional – casa da moeda, 1983.) Essa frase é emblemática, pois o poeta Meleto é justamente um dos acusadores de Sócrates. A fuga de Eutífron pode muito bem simbolizar a fuga da população em geral em refletir acerca daquilo que Sócrates trouxe so- bre os deuses. Em geral, as pessoas temem a novidade e preferem permanecer nos hábitos e costumes de sempre. Sócrates carregava uma ideia profunda acerca de Deus, uma ideia que ainda não havia surgido no mundo grego, a de um Deus puro, perfeito e que se encontra no íntimo de cada um, em uma parte divina: a alma. Porém, tal concepção de Deus não era corroborada pela opinião geral dos gregos de seu tempo, e por isso Sócrates acabou condenado. Apologia de Sócrates A obra Apologia de Sócrates (escrita por Platão) traz o embate entre a sua defesa e a acusação de seus adversários. O centro da obra é a acusação de Sócrates não acreditar nos deuses e, assim, corromper os jovens a fa- zer o mesmo. Sócrates inicia sua defesa lembrando uma frase do Oráculo de Delfos. O Oráculo havia afirmado que Sócrates era o homem mais sábio de todos. Para Sócrates, a sentença do Oráculo possui relação com o fato de ele re- conhecer que não sabe, enquanto os outros pensam que sabem alguma coisa. Ora, pen- sam, mas na verdade nada sabem acerca do É já tempo de partir – eu para morrer e vós para viver – qual de nós terá a melhor sorte, só o deus pode vê-lo com clareza. (PLATÃO. Eutífron, apologia de Sócrates, Críton. 4. ed. Tradução de: SANTOS, José Trindade. Lisboa: Imprensa nacional – casa da moeda, 1983.) A impressão que permanece é que Sócrates entendeu ser inútil continuar lutando, pois as pessoas estavam resolvidas a condená-lo, as- sim poderia calar as verdades que vinha tra- zendo ao público. Em seguida, inicia-se a defesa sobre a prin- cipal acusação, a de que Sócrates seria injusto por corromper os jovens ao negar a existência dos deuses e de tentar criar novas divindades. Sócrates fez Meleto se contradizer, pois se alguém acredita em deuses, ainda que sejam outros, não pode ser ateu. Porém, Sócrates percebeu que não con- seguia dissuadir os juízes da sua condenação, o que de fato aconteceu, com um total de 280 votos por sua condenação e 230 por sua absolvição. Sócrates deixou o tribunal, com as seguin- tes palavras: Célebre: conhecido ou comentado por muitos; que tem grande fama (caso célebre; artista célebre); afa- mado; famigerado; famosos. Distinto por suas qualidades louváveis; ilustre. GlossárioGlossário PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 41PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 41 29/07/2022 11:37:0629/07/2022 11:37:06 42 FIL EM 23 _1 _F IL _0 3 Essa postura de resignação de Sócrates pode ser melhor entendida em outro diálogo, Críton, que ocorre na prisão enquanto o filósofo espera o seu dia final. Morte de Sócrates, ilustração publicada na Revista Pittoresque em 1840, Paris. Ge or gio s K ol lid as /S hu tte rst oc k Críton Críton é um amigo de Sócrates que o visitou na prisão para explicar que elaborou um plano que permitiria ao filósofo fugir daquele local. Críton procurou convencer Sócrates de que não era justo o filósofo continuar preso enquanto poderia se salvar. Ele preocupava-se com o que a sociedade ateniense pensaria do caso, afirman- do que os atenienses julgariam a questão de Sócrates como algo conduzido com falta de coragem. Para Críton, a condenação de Sócrates era injusta, logo não seria injusta a fuga da condenação. Sócrates trouxe a ideia de que não importa apenas viver, mas viver bem, o que seria igual a viver com honra e justiça, coisa que não aconteceria com o filósofo se este fugisse da sua conde- nação. Iniciou-se, assim, uma discussão se o fato de tentar a escapatória seria justo ou injusto, falando sobre as leis e o Estado. Deixando Críton sem falas, Sócrates terminou o diálogo descre- vendo que a voz em sua mente, a voz da lei lembrava-lhe que: LU CE Sócrates Ano: 1971 Diretor: Roberto Rossellini Retrata os grandes momen- tos da vida de Sócrates, desde os seus ensinamentos nas ruas de Atenas até a sua condenação à morte por ingestão da cicuta. O consagrado diretor Roberto Rossellini capta de maneira envolvente o cenário de Atenas da época e reproduz com maestria a maiêutica e a ironia de Sócrates. Ex- celente para se familiarizar com o autor. Un ite d Ar tis ts Doze homens e uma sentença Ano: 1957 Diretor: Sidney Lumet Um homem está sendo julgado pelo suposto as- sassinato de seu pai. Quase todos os jurados estão inclinados a condená-lo, exceto um, que acha que o réu é inocente. Este então empreenderá uma batalha, valendo-se da retórica e dos instrumentos linguísticos para tentar provar a verdade em que ele acredita. Assim como Sócrates, que pro- curou fazer com que seus ouvintes encontrassem a verdade dos fatos por meio da contradição, o persona- gem principal deste filme tem a tarefa semelhante de convencer 11 jurados de que eles estão errados. FilmesFilmes Esse diálogo é dos mais enigmáticos, pois Sócrates argumenta que não se deve retribuir a injustiça da sua condenação com uma injustiça que seria a sua fuga. Se Sócrates traísse suas próprias palavras, toda a sua filosofia seria desvalorizada.Fugindo, até conseguiria viver, mas o esforço de sua vida inteira teria sido desfeito por apenas um ato. Se aceitasse a condenação, em algum momento toda essa história seria revisada, e Sócrates parecia saber que suas palavras influenciariam muitas pessoas no futuro. A morte de Sócrates, de Jacques- -Louis David (1787). Se fugires, retribuindo assim o mal com o mal, e fazendo-o por tua vez, violando acordos e tratados que fizeste conosco, fazendo mal a esses a quem menos devia fazer, a ti próprio e aos amigos, à pátria e a nós, nós te tornaremos a vida dura, e além, as nossas irmãs, no Hades, não te receberão bem, vendo que, por ti, intentaste destruir-nos. (PLATÃO. Eutífron, apologia de Sócrates, Críton. 4. ed. Tradução de: SANTOS, José Trindade. Lisboa: Imprensa nacional – casa da moeda, 1983.) PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 42PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 42 29/07/2022 11:37:0729/07/2022 11:37:07 43FIL FILOSOFIA E SOCIEDADE EM 23 _1 _F IL _0 3 Os sofistas surgem exatamente nesse momento de passagem da tirania e da oligarquia para a democracia. São mestres da retórica e da oratória, muitas vezes mestres itinerantes, que percorrem as cidades-Estado fornecendo seus ensinamentos, sua técnica, suas habilidades aos governantes e aos políticos em geral. Em- bora sem formar uma escola ou grupo homogêneo, o que os caracteriza é muito mais uma prática ou uma atitude comuns do que uma doutrina única. Há portanto uma paideia, um ensinamento, uma formação pela qual os sofistas foram responsáveis, consistindo basicamente numa determinada forma de preparação do cidadão para a participação na vida política. Sua função nesse contexto foi importantíssima e sua influência muito grande, o que se reflete na forte oposição que sofreram por parte de Sócrates, Platão e Aristóteles. Os sofistas foram portanto filósofos e educadores, além de mestres de retórica e oratória, embora esse papel lhes seja negado, p.ex. por Platão. Leia o texto e realize a atividade. 1. Os sofistas foram muito criticados pelos filósofos porque cobravam pagamento em troca de suas aulas e, também, porque eles não se preocupavam em buscar a verdade e o conhecimento, mas sim em estabelecer um discurso convincente e persuasivo, conhecido como arte retórica. Na retórica, não havia o compromisso com a verdade do que é dito, mas com a validade do argumento. Na atualidade, temos contato com diversos discursos persuasivos, cuja finalidade é convencer o interlocutor de uma ideia. Um grande exemplo disso é a propaganda, cuja finalidade é convencer o consumidor de que o produto anunciado é o melhor do mercado, oferecendo várias razões interessantes para comprovar essa ideia. Siga o roteiro para realizar uma pesquisa. a) Escolha, em revistas, jornais ou internet, uma propaganda de um produto que você tem interesse em adquirir. Recorte ou imprima o anúncio e cole-o no caderno. b) Responda às questões a seguir. • Qual produto anunciado na propaganda você escolheu? • Quais argumentos utilizados tornam a propaganda atraente? • O que mais chamou sua atenção na propaganda? c) Escreva um texto argumentativo de 10 linhas complementando a propaganda com outros atributos interessantes do produto anunciado e por que ele é o melhor do mercado em sua categoria. Lem- bre-se: utilize-se das estratégias da retórica para construir seus argumentos. Essa atividade deve ser realizada em casa, com um prazo estabelecido para a entrega. Orientar os alunos a escolherem as propagan- das que sejam do interesse deles para realizar a análise. As questões propostas no item b servem para orientar a análise do aluno, podendo ser ampliada a seu critério. O importante é que os alu- nos observem os recursos gráficos, visuais e textuais em busca dos argumentos utilizados na propaganda. Às vezes, o texto não é explíci- to, mas elementos gráficos, como imagens, desenhos e efeitos visuais deixam implícitos vários elemen- tos persuasivos. Havendo possibilidade, essa atividade pode ser complementada com uma segunda parte voltada ao consumo e con- sumismo, trazendo questões sobre o modo de vida da atualidade. O texto argu- mentativo não precisa ter compromisso com a verdade (mas deve ser verossímil), mas com a validade do argumento, como na arte retórica. Os alunos devem oferecer outras razões para aquele ser o melhor produto do mercado. A produção escrita deve ser entregue na data estipulada e pode fazer parte da avaliação do aluno. Bo gu sla w Ma zu r/S hu tte rst oc k (MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. p. 42.) PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 43PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 43 29/07/2022 11:37:0729/07/2022 11:37:07 44 FIL Resolvidos 1. (UFF-2011) A Apologia de Sócrates é o relato da defesa de Sócrates, escrito pelo seu discípulo, Platão, diante do tribunal de Atenas. Um dos assuntos abordados nessa obra é a relação entre ignorância e conhecimento. Sócrates sentiu-se constrangido quando o oráculo de Delfos o proclamou como o “mais sábio de todos os homens”, já que ele se achava, ao contrário, muito pouco sábio. Mas, ao con- versar com pessoas que atribuíam a si mesmas muita sabedoria, e ao constatar que elas eram tão ou mais ignorantes que ele, con- cluiu que devia ser mesmo o mais sábio, pois, ao menos, ele tinha consciência de sua própria ignorância. Comente a declaração de Sócrates de que a pior ignorância é não ter consciência dela e de que o primeiro passo no caminho do conhecimento é reconhecer a própria ignorância. 9 Resolução: O enunciado desta questão, com base na Apologia de Sócrates, de Platão, está concentrado no tema da busca pelo conhecimento propriamente dito. Assim, há diversas alternativas de respostas: o estudante poderá fazer o relato da narrativa e exposição de Sócrates, poderá apontar suas consequências para a concepção de conheci- mento associada a Sócrates e/ou a Platão, como poderá desenvolver reflexões sobre o tema em geral, sem estar preso ao contexto doutri- nário e histórico da filosofia grega, cabendo perfeitamente aplicar esta reflexão ao mundo contemporâneo. 2. (UEM) Sócrates representa um marco importante da história da filosofia; enquanto a filosofia pré-socrática se preocupava com o conhecimento da natureza (physis), Sócrates procura o conheci- mento indagando o homem. Assinale o que for correto. (1) Sócrates, para não ser condenado à morte, negou, diante dos seus juízes, os princípios éticos da sua filosofia. (2) Discípulo de Sócrates, Platão utilizou, como protagonista da maior parte de seus diálogos, o seu mestre. (3) O método socrático compõe-se de duas partes: a maiêutica e a ironia. (4) Tal como os sofistas, Sócrates costumava cobrar dinheiro pelos seus ensinamentos. (5) Sócrates, ao afirmar que só sabia que nada sabia, queria, com isso, sinalizar a necessidade de adotar uma nova atitu- de diante do conhecimento. Soma ( ) 9 Resolução: (22) 02 + 04 + 16. (01) Incorreta. Sócrates morreu justamente por defender os seus princí- pios, pois, para ele, era preferível “sofrer uma injustiça do que praticá-la”. (02) Correta. Platão é o discípulo de Sócrates mais famoso, por causa de seus diálogos. Outro discípulo de Sócrates que registrou por escrito a vivência com o mestre foi Xenofonte. (04) Correto. O método dialético, na concepção socrática, possui duas etapas: a maiêutica, que consiste em levar os interlocutores a dar à luz as ideias (parto de ideias); e a ironia, que leva o interlocutor a reconhecer a própria ignorância, conduzindo-o ao conhecimento. (08) Incorreto. A maior crítica dirigida aos sofistas é justamente a acusação de serem interesseiros por cobrarem de seus alunos. Sócrates, ao contrário, dialogava com as pessoas no espaço público da pólis ateniense, sem cobrar nada. (16) Correta . Reconhecer a própria ignorância, para Sócrates, significa o início do aprendizado.Praticando 1. (UFU) O diálogo socrático de Platão é obra baseada em um sucesso histórico: no fato de Sócrates ministrar os seus ensinamentos sob a forma de perguntas e respostas. Sócrates considerava o diálogo como a forma por excelência do exercício filosófico e o único caminho para chegarmos a alguma verdade legítima. De acordo com a doutrina socrática, a) a busca pela essência do bem está vinculada a uma visão antropocêntrica da filosofia. b) é a natureza, o cosmos, a base firme da especulação filosófica. c) o exame antropológico deriva da impossibilidade do autoco- nhecimento e é, portanto, de natureza sofística. d) a impossibilidade de responder (aporia) aos dilemas humanos é sanada pelo homem, medida de todas as coisas. 9 Anotações: 2. (UFU-MG) Leia o trecho abaixo, que se encontra na Apologia de Sócrates de Platão e traz algumas das concepções filosóficas de- fendidas pelo seu mestre. Com efeito, senhores, temer a morte é o mesmo que se supor sábio quem não o é, porque é supor que sabe o que não sabe. Ninguém sabe o que é a morte, nem se, porventura, será para o homem o maior dos bens; todos a temem, como se soubessem ser ela o maior dos males. A ignorância mais condenável não é essa de supor saber o que não se sabe? Platão, A Apologia de Sócrates, 29 a-b, In. HADOT, P. O que é a Filosofia Antiga? São Paulo: Ed. Loyola, 1999, p. 61. Com base no trecho acima e na filosofia de Sócrates, assinale a alternativa incorreta. a) Sócrates prefere a morte a ter que renunciar a sua missão, qual seja: buscar, por meio da filosofia, a verdade, para além da mera aparência do saber. b) Sócrates leva o seu interlocutor a examinar-se, fazendo-o tomar consciência das contradições que traz consigo. c) Para Sócrates, pior do que a morte é admitir aos outros que nada se sabe. Deve-se evitar a ignorância a todo custo, ainda que defendendo uma opinião não devidamente examinada. d) Para Sócrates, o verdadeiro sábio é aquele que, colocado diante da própria ignorância, admite que nada sabe. Admitir o não-saber, quando não se sabe, define o sábio, segundo a concepção socrática. 9 Anotações: 3. (Unicamp) A sabedoria de Sócrates, filósofo ateniense que viveu no século V a.C., encontra o seu ponto de partida na afirmação “sei que nada sei”, registrada na obra Apologia de Sócrates. A frase foi uma resposta aos que afirmavam que ele era o mais sábio dos homens. Após interrogar artesãos, políticos e poetas, Sócrates chegou à conclusão de que ele se diferenciava dos demais por reconhecer a sua própria ignorância. O “sei que nada sei” é um ponto de partida para a Filosofia, pois a) aquele que se reconhece como ignorante torna-se mais sábio por querer adquirir conhecimentos. b) é um exercício de humildade diante da cultura dos sábios do passado, uma vez que a função da Filosofia era reproduzir os ensinamentos dos filósofos gregos. A importância da figura de Sócrates para a filosofia é justamente por ter sido aquele que fez com que o pensamento se direcionasse a ele mesmo. Para Sócrates, a morte não é o maior dos males. O que prejudica uma vida feliz e saudável é viver na ignorância, sem buscar o verdadeiro saber. PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 44PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 44 29/07/2022 11:37:0729/07/2022 11:37:07 45FIL c) a dúvida é uma condição para o aprendizado e a Filosofia é o saber que estabelece verdades dogmáticas a partir de métodos rigorosos. d) é uma forma de declarar ignorância e permanecer distante dos problemas concretos, preocupando-se apenas com causas abstratas. 9 Anotações: 4. (UFU) Há um abismo imenso que separa esta escala de valores que Sócrates proclama com tanta evidência e a escala popular vigente entre os gregos e expressa na famosa canção báquica antiga: O bem supremo do mortal é a saúde; O segundo, a formosura do corpo; O terceiro, uma fortuna adquirida sem mácula; O quarto, desfrutar entre amigos o esplendor da juventude. JAEGER, W. Paideia. São Paulo: Martins Fontes, 1995, pp. 528-529. Responda: a) O que é o homem para Sócrates? b) Qual é a relação entre o que define o homem e a máxima délfica “Conhece-te a ti mesmo”? Desenvolvendo Habilidades 1. C5:H24 (PUC-Campinas) Na Grécia Antiga, um dos mais importantes representantes dos sofistas foi Protágoras de Abdera, que afirmava que “o homem é a medida de todas as coisas”. No contexto histórico que marcou o século V a.C., os sofistas: a) forneceram elementos fundamentais para o desenvolvimento da democracia, por terem valorizado sobretudo o espírito crítico, a palavra e as técnicas de argumentação. b) desempenharam um papel importante na difusão das obras de Homero, ao reforçarem a importância da mitologia e dos deuses como elementos unificadores do povo grego. A busca pelo conhecimento é primordial na filosofia. Sócrates defendeu a ideia de que reconhecer que nada sabe é o primeiro passo para prosseguir nessa busca. O homem não deve ser caracterizado por seus atributos exteriores (saúde, corpo, riqueza ou vigor), mas sim pela sua parte interna, a saber, sua alma (psyqué), na medida em que é precisamente sua alma que o distingue especificamente de qualquer outra coisa. O homem vivo é a sua alma, o corpo é somente o conjunto de instrumentos ou ferramen- tas das quais a alma se serve na vida. A vida só pode ser bem vivida se a alma estiver no controle do corpo. Isso significa pura e simplesmente que em uma vida perfeitamente ordenada a alma ou inteligência tem o completo controle dos sentidos e das emoções. Sócrates consegue que Alcibíades esteja de acordo em que para ter êxito na vida seja necessário cuidar de si mesmo para melhorar-se ou exer- citar-se, e chega a demonstrar que não se pode melhorar e cuidar de uma coisa a menos que se conheça a sua natureza Nesse sentido, uma vida sem reflexão não vale a pena ser vivida. Mas essa reflexão deve ser uma aplicação do logos – exercício racional – sobre as próprias virtudes que definem o ser humano em sua conduta e em sua relação dialógica com as outras pessoas. O conhecimento do “eu” possibilita e instaura o conhecimento do “outro”. Assim, na vida, não podemos conseguir uma melhora de nós mesmos, a menos que primeiro possamos compreen- der o que somos. Nosso primeiro dever é obedecer à ordem délfica “conhece-te a ti mesmo”, “pois uma vez que nos conheçamos, podemos aprender a cuidar de nós” (Alcibíades, 128b-129a). c) contribuíram para o fortalecimento do sistema monárquico, visto que idealizaram um sistema de leis que beneficiou am- plamente a aristocracia rural, principalmente nas cidades de Tebas e Atenas. d) foram perseguidos e condenados à morte, uma vez que prega- vam o monoteísmo e questionavam qualquer tipo de Estado, de lei e de autoridade sobre os homens. e) exerceram grande influência sobre os legisladores gregos, que adotaram medidas drásticas para a unificação do poder político e para o desaparecimento das cidades-estado. 2. C1:H1(Enem-2017) Uma conversação de tal natureza transforma o ouvinte; o contato de Sócrates paralisa e embaraça; leva a refletir sobre si mesmo, a imprimir à atenção uma direção incomum: os temperamentais, como Alcibíades, sabem que encontrarão junto dele todo o bem de que são capazes, mas fogem porque receiam essa influência poderosa, que os leva a se censurarem. É sobretudo a esses jovens, muitos quase crianças, que ele tenta imprimir sua orientação. (BRÉHIER, E. História da filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1977.) O texto evidencia as características do modo de vida socrático, que se baseava na a) contemplação da tradição mítica. b) sustentação do método dialético. c) relativização do saber verdadeiro. d) valorização da argumentação retórica. e) investigação dos fundamentos da natureza. 3. C1:H1 (UNCISAL) Na Grécia Antiga, o filósofo Sócrates ficou fa- moso por interpelar os transeuntes e fazer perguntas aos que se achavam conhecedores de determinado assunto. Mas durante o diálogo, Sócratescolocava o interlocutor em situação delicada, levando-o a reconhecer sua própria ignorância. Em virtude de sua atuação, Sócrates acabou sendo condenado à morte sob a acusação de corromper a juventude, desobedecer às leis da cidade e desrespeitar certos valores religiosos. Considerando essas informações sobre a vida de Sócrates, assim como a forma pela qual seu pensamento foi transmitido, pode-se afirmar que sua filosofia a) transmitia conhecimentos de natureza científica. b) baseava-se em uma contemplação passiva da realidade. c) transmitia conhecimentos exclusivamente sob a forma escrita entre a população ateniense. d) ficou consagrada sob a forma de diálogos, posteriormente redigidos pelo filósofo Platão. e) procurava transmitir às pessoas conhecimentos de natureza mitológica. 4. C1:H1 (UEA) O sofista é um diálogo de Platão do qual participam Sócrates, um estrangeiro e outros personagens. Logo no início do diálogo, Sócrates pergunta ao estrangeiro, a que método ele gostaria de recorrer para definir o que é um sofista. Sócrates: — Mas dize-nos [se] preferes desenvolver toda a tese que queres demonstrar, numa longa exposição ou empregar o método interrogativo? Estrangeiro: — Com um parceiro assim agradável e dócil, Sócra- tes, o método mais fácil é esse mesmo; com um interlocutor. Do contrário, valeria mais a pena argumentar apenas para si mesmo. (Platão. O sofista, 1970. Adaptado.) PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 45PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 45 29/07/2022 11:37:0829/07/2022 11:37:08 46 FIL É correto afirmar que o interlocutor de Sócrates escolheu, do ponto de vista metodológico, adotar a) a maiêutica, que pressupõe a contraposição dos argumentos. b) a dialética, que une numa síntese final as teses dos contendores. c) o empirismo, que acredita ser possível chegar ao saber por meio dos sentidos. d) o apriorismo, que funda a eficácia da razão humana na prova de existência de Deus. e) o dualismo, que resulta no ceticismo sobre a possibilidade do saber humano. Complementares 1. (UEG) No século V a.C., Atenas vivia o auge de sua democracia. Nesse mesmo período, os teatros estavam lotados, afinal, as tragédias chamavam cada vez mais a atenção. Outro aspecto importante da civilização grega da época eram os discursos proferidos na ágora. Para obter a aprovação da maioria, esses pronunciamentos deve- riam conter argumentos sólidos e persuasivos. Nesse caso, alguns cidadãos procuravam aperfeiçoar sua habilidade de discursar. Isso favoreceu o surgimento de um grupo de filósofos que dominavam a arte da oratória. Esses filósofos vinham de diferentes cidades e ensinavam sua arte em troca de pagamento. Eles foram duramente criticados por Sócrates e são conhecidos como a) maniqueístas (bem ou mal) b) hedonistas (busca pelo prazer) c) epicuristas d) sofistas 2. (Unimontes) Lembremos a figura de Sócrates. Dizem que era um homem feio, mas, quando falava, exercia estranho fascínio. Podemos atribuir a Sócrates duas maneiras de se chegar ao conhe- cimento. Essas duas maneiras são denominadas de a) doxa e ironia. b) ironia e maiêutica. c) maiêutica e doxa. d) maiêutica e episteme. 3. (UFU) Em um importante trecho da sua obra Metafísica, Aristóteles se refere a Sócrates nos seguintes termos: Sócrates ocupava-se de questões éticas e não da natureza em sua totalidade, mas buscava o universal no âmbito daquelas questões, tendo sido o primeiro a fixar a atenção nas definições. Aristóteles. Metafísica, A6, 987b 1-3. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 2002. Com base na filosofia de Sócrates e no trecho supracitado, assinale a alternativa correta. a) O método utilizado por Sócrates consistia em um exercício dialético, cujo objetivo era livrar o seu interlocutor do erro e do preconceito − com o prévio reconhecimento da própria ignorância −, e levá-lo a formular conceitos de validade uni- versal (definições). b) Sócrates era, na verdade, um filósofo da natureza. Para ele, a investigação filosófica é a busca pela “Arché”, pelo princípio su- premo do Cosmos. Por isso, o método socrático era idêntico aos utilizados pelos filósofos que o antecederam (Pré-socráticos). c) O método socrático era empregado simplesmente para ridicu- larizar os homens, colocando-os diante da própria ignorância. Para Sócrates, conceitos universais são inatingíveis para o homem; por isso, para ele, as definições são sempre relativas e subjetivas, algo que ele confirmou com a máxima “o Homem é a medida de todas as coisas”. d) Sócrates desejava melhorar os seus concidadãos por meio da investigação filosófica. Para ele, isso implica não buscar “o que é”, mas aperfeiçoar “o que parece ser”. Por isso, diz o filósofo, o fundamento da vida moral é, em última instância, o egoísmo, ou seja, o que é o bem para o indivíduo num dado momento de sua existência. 4. (Unicentro) Sobre o pensamento socrático, analise as afirmativas e marque com V, as verdadeiras e com F, as falsas. ( ) Sócrates é autor da obra Ética a Nicômaco. ( ) O pensamento socrático está escrito em hebraico. ( ) A ironia e a maiêutica são as bases de sua filosofia. ( ) Sócrates não criticou o saber dogmático, sendo, por isso, con- selheiro dos governantes de Atenas. ( ) Os diálogos platônicos são importantes textos filosóficos que relatam, na maioria, o pensamento de Sócrates. A partir da análise dessas afirmativas, a alternativa que indica a sequência correta, de cima para baixo, é a a) F V F V V b) V F V V F c) F F V F V d) V F F F V e) F V V V F GABARITO ONLINE 1. Faça o download de qualquer aplicativo de leitura de QR Code. 2. Abra o aplicativo e aponte a câmera para o QR Code ao lado. 3. O gabarito deste módulo será exibido em sua tela. PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 46PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 46 29/07/2022 11:37:0829/07/2022 11:37:08 Pe sh ko va /S hu tte rst oc k Platão distingue quatro formas ou graus de conhecimento, que vão do grau inferior ao superior: crença, opi- nião, raciocínio e intuição intelectual. Os dois primeiros formam o que ele chama conhecimento sensível; os dois últimos, conhecimento inteligível. A crença é nossa confiança no conhecimento sensorial: cremos que as coisas são tal como as percebemos. A opinião é nossa aceitação do que nos ensinaram sobre as coisas ou o que delas pensamos conforme nossas sensa- ções e lembranças. Esses dois primeiros graus nos oferecem apenas a aparência das coisas ou suas imagens e cor- respondem à situação dos prisioneiros do Mito da Caverna. Por serem ilusórios, devem ser afastados por quem busca o conhecimento verdadeiro; portanto, somente os dois últimos graus devem ser considerados válidos. O raciocínio exercita nosso pensamento, purifica-o das sensações e opiniões e o prepara para a intuição in- telectual, que conhece a essência das coisas, o que Platão denomina ideia. As ideias são a realidade verdadeira e conhece-las é ter o conhecimento verdadeiro. (CHAUI, Marilena. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Ática, 2013. p. 136.) 1. Tudo o que existe é real? 2. Tudo o que é real tem matéria? 3. Devemos confiar no conhecimento adquirido pelos cinco sentidos? 4. Onde reside a verdade? Resposta pessoal. Resposta pessoal. Resposta pessoal. Resposta pessoal. O objetivo da atividade é apresentar as ideias de Platão acerca do conhecimento e instigar os alunos a transpor essas ideias à rea- lidade deles; propondo, assim, uma investigação sobre o que é possível conhecer, como é possível o conhecimento, de que forma ele se manifesta no dia a dia, entre outras questões. Leia o texto, reflita e responda às questões. FIL Filosofia 04 47 mód. 04/08 EM 23 _1 _F IL_ 04 S T A R T Platão: o homem e a cidade ideais Platão • Diálogos platônicos • Dimensões da justiça social em Platão Papel da educação na construção da cidade ideal • Justiça e bem: o rei filósofo de Platão Filosofia grega clássica: a filosofia de Platão PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb47PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 47 29/07/2022 11:37:1029/07/2022 11:37:10 EM 23 _1 _F IL _0 4 EM 23 _1 _F IL _0 4 Platão nasceu em 427 a.C. e faleceu em 347 a.C. Foi um filósofo ateniense do período clássi- co da Grécia Antiga, sendo discípulo de Sócrates e poste- riormente mestre de Aristóteles. Platão fundou a “Academia” em Atenas, uma escola com o propósito de ensinar e desenvol- ver a filosofia socráti- ca e, posteriormente, a do próprio Platão. Além de continuar os ensinamentos de seu mestre, Platão criou suas próprias teorias, re- lacionadas ao conhecimento, à ética, à estéti- ca, à política, deixando um importante legado para a filosofia , fundamentando o pensamen- to ocidental. O nome Platão faz alusão a uma característica corpórea do filósofo, que possuía os ombros largos. Assim, utili- zou-se a palavra platys, que significa espaço largo. ObserveObserve Platão destaca-se pela vasta quantidade de obras que deixou e por ser um dos poucos filósofos dessa época de que se tem tantos escritos preservados até a atualidade. Em ge- ral, as obras de Platão foram escritas na forma de diálogos entre vários personagens, tendo Sócrates como figura principal. Platão Busto de Platão. Cr ea tiv e Co m m on s/ Ric ar do A nd ré Fr an tz. Diálogos platônicos Conhecer a si mesmo para Platão, tal como para Sócrates, era conhecer a própria alma. A alma é o instrumento capaz de acessar a Ideia, a verdade. Por isso, em vez de se lançar a investigar desordenada- mente as coisas externas, e aí encontrar apenas cópias imperfeitas captadas pelos sentidos, o homem deve primeiro conhecer a sua parte perfeita; depois será capaz de investigar a essência das outras coisas. A argumentação socrática é esta: se o homem é ignoran- te em relação a si mesmo, como poderia conhecer outras coisas? Isso pode ser exemplificado na expressão que se tornou célebre: “só sei que nada sei”. ObserveObserve Há várias propostas de classificações das obras de Platão, e entre elas uma que as divide em quatro fases, conforme os períodos da vida do filósofo. Segundo essa classificação, há os diálogos da juventude, de transição, da maturi- dade e da velhice. Os diálogos da juventude, ou socráticos, são conhecidos por narrarem acontecimentos reais da vida de Sócrates. Os diálogos desse período se caracterizam por não apresenta- rem conclusões a respeito dos temas aborda- dos. Em geral, encerram-se com o protagonis- ta Sócrates refutando os argumentos de seus interlocutores, mas confessando que ele tam- bém não consegue oferecer uma explicação para o tema estudado. A confissão de ignorân- cia por parte de Sócrates, nesses diálogos, pre- tende indicar que, antes de se partir em busca da verdade em coisas e situações externas, é indispensável conhecer a si mesmo. Os diálogos de transição caracterizam-se pelo início da filosofia verdadeiramente platô- nica, isto é, deixa de apenas registrar vivências de seu mestre e passa a desenvolver alguns de seus próprios argumentos. Nos diálogos da maturidade, Platão con- quista sua autonomia intelectual, passando a desenvolver sua própria filosofia. É nesse período que são apresentadas obras como A República. Os diálogos da velhice caracterizam-se por uma revisão crítica de seu pensamento. A obra A República é um dos livros mais estudados e utilizados de Platão, pois apresenta a construção de uma cidade ideal, desde os princípios que nortearam essa construção, passando pelas ideias de justiça e organização que essa cidade deveria ter, até as formas de governo adequadas. ObserveObserve O filósofo analisa novamente as principais te- máticas abordadas em obras anteriores e, por vezes, inclusive, muda de concepção sobre al- guns assuntos. Teoria das ideias Desde o surgimento da Filosofia, no pe- ríodo arcaico, com os pré-socráticos, havia a preocupação em compreender a realidade, considerando as constantes mudanças pelas quais ela passava, surgindo a questão, pos- ta pelo embate de ideias entre Heráclito e Parmênides: o que muda e o que permanece na realidade que permite aos seres humanos construir um conhecimento seguro acerca de tudo? A maçã, como todo ser sensível, nasce, cresce, se desenvolve e perece porque está condicionada às leis materiais. Então, como saber que uma maçã é uma maçã, se ela muda a todo instante? A questão entre o mobilismo de Heráclito (tudo muda) e o imobilismo de Parmênides (nada muda), levou Platão a elaborar a teoria das ideias, que propõe uma resposta à essa questão. Eg gH ea dP ho to /S hu tte rst oc k Dessa reflexão, surgiram novas perguntas que levaram os pensadores, especialmente Platão, a considerarem que existe uma realida- de sensível, captada pelos cinco sentidos, que [...] é natural nascer no espírito dos filósofos autênticos certa convicção que os leva a discor- rer entre eles mais ou menos nos seguintes ter- mos: há de haver para nós outros algum atalho direto, quando o raciocínio nos acompanha na pesquisa; porque enquanto tivermos cor- po e nossa alma se encontrar atolada em sua corrupção, jamais poderemos alcançar o que almejamos. E o que queremos, declaremo-lo de uma vez por todas, é a verdade. (PLATÃO, Fédon, 66b- 67b) 48 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 48PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 48 29/07/2022 11:37:1129/07/2022 11:37:11 EM 23 _1 _F IL _0 4 EM 23 _1 _F IL _0 4 é inconstante, instável e fonte de enganos e ilusões. Em contrapartida, existe também uma realidade suprassensível, ou seja, que está além daquilo que captamos pelos sentidos, que é constante, eterna, imutável. Essa reali- dade só poderia ser alcançada pelo intelecto. A partir desse ponto, Platão elaborou a fa- mosa teoria das ideias para explicar como é possível passar do conhecimento sensível, fon- te de enganos e ilusões, para o conhecimento inteligível ou das ideias, em que reside a ver- dade (alétheia). Influenciado por seu mestre, Sócrates, Platão defendia que a dialética era o caminho para atingir a ascensão do sensível para o inteligível. No diálogo Timeu, escrito no período da velhice, Platão utiliza-se de um mito para ex- plicar como surgiu o mundo sensível. Segundo essa alegoria usada por Platão, no início dos tempos, existiam apenas as ideias e um artí- fice sumamente bom e inteligente, chamado Demiurgo, criou todas as coisas que existem a partir das ideias iniciais. No entanto, a criação do Demiurgo não era perfeita como as ideias que deram origem a tudo, pois eram apenas có- pias imperfeitas delas. Assim, segundo Platão, surgiram dois mundos: o inteligível (perfeito) e o sensível (imperfeito). Mundo sensível O mundo sensível, captado pelos cinco sentidos, é o mundo em que vivemos, o mun- do dos fenômenos, no qual existe uma infini- dade de seres, crenças e opiniões. Para Platão, o mundo sensível está relacionado ao corpo e à sua incompletude, pois as paixões e os ape- tites que regem o funcionamento corporal im- pedem o acesso às ideias puras, que só podem ser contempladas pela alma, ou seja, pelo inte- lecto. Além disso, o corpo é corruptível porque está condicionado às leis da matéria e passa por diversas mudanças, do nascimento até sua morte e desintegração. A alma, ao contrário, é eterna, imutável, indivisível e imaterial, por- tanto, apenas por meio dela seria possível co- nhecer as formas puras do mundo inteligível. Suprassensível: aquilo que não pode ser percebido pelos sentidos; que não é acessível aos sentidos. GlossárioGlossário Esta grande questão, sobre o que muda e o que permanece sempre igual, foi a pedra de toque da teoria do conhecimento platônico, afinal, se tudo muda o tempo todo, como seria possível conhecer aquilo que existe, se no instante seguinte não será mais o mesmo? Deveria haver algo essencial que permitisse reconhecer um ser ou um objeto em quaisquer circunstâncias. Surge, então, a ideia de que existealgo para além das aparências (do que é percebido) que corresponderia à essência das coisas materiais. Essa dicotomia entre mundo ma- terial –, ligado ao corpo, aos sentidos, às paixões e aos apetites – e mundo imaterial ligado às ideias e, portanto, à alma – é de fundamental importância para o entendi- mento da teoria das ideias de Platão. ReflitaReflita no mundo sensível, é impossível ver um “gato em geral”, mas sim gatos singulares. Assim, o conhecimento sensível, para Platão, não era uma fonte confiável para bus- car o conhecimento, apesar de ser o ponto de partida para tal propósito. Mundo inteligível O mundo inteligível, para Platão, é o mun- do das essências e não pode ser captado pelos sentidos, porque ele é: ● imaterial, ou seja, não tem matéria; ● imutável, pois será eternamente idênti- co a si mesmo, já que não muda com o tempo; ● indivisível, pois cada ideia é única, e não múltipla, como os objetos sensíveis; ● e eterno, porque não é gerado nem cor- rompido, assim como a alma humana. No mundo inteligível, residem as ideias ou as formas puras (essências), ou seja, a ideia ge- ral que caracteriza um ser. Por exemplo, quan- do falamos “gato”, muitos gatos particulares vêm à cabeça (branco, malhado, dócil, arisco, Gato de Botas etc.). Mas quais são as carac- terísticas em comum entre todos os gatos do mundo (real ou imaginado), que nos permitem reconhecê-los como “gato”? Essa ideia geral de “gato” seria a essência do “ser gato”. Todos os outros gatos do mundo sensível seriam indi- víduos gatos, com características e atributos particulares, como nome, cor, forma, tamanho, temperamento, tempo de vida etc. A esses atri- butos do mundo sensível Platão chamou de predicados do sujeito gato, pois são as carac- terísticas específicas de um gato em particular e variam de gato para gato. MUNDO SENSÍVEL Gatos particulares, cópias imperfeitas da ideia de “gato”, cujas características são pre- dicados de um gato em particular MUNDO INTELIGÍVEL Ideia ou essência de gato (gato em geral) St ud io Ba rce lo na /S hu tte rst oc k Ra lf Ju er ge n Kr aft /S hu tte rst oc k Ka se fo to /S hu tte rst oc k Dessa forma, o mundo sensível é uma cópia imperfeita do mundo inteligível. Para facilitar o entendimento, faça esta ati- vidade: imagine um gato. No mundo, existem milhares de gatos: preto, branco, malhado, aris- co, manso, personagens como Gato de Botas, Garfield etc. Mas, quais são as características comuns a todos os gatos que existem (no mun- do real e imaginário), que nos permitem reco- nhecê-los como tal? Essas características ge- rais são o que Platão chamava de essência do “gato”, ou o “gato em geral”. A questão é que, A ideia geral de gato, representada por uma silhueta, representa os atributos essenciais que nos permitem identificar um gato qualquer do mundo sensível (real ou imagina- do), em contraste com a multiplicidade de gatos do mundo sensível, inclusive de um gato imaginado. Quanto à figura do Gato de Botas, ele é cópia da cópia da ideia de gato, sendo, portanto, um simulacro. Para Platão, as artes se enquadram nessa categoria do simulacro (cópia da cópia, portanto, muito menos perfeita que a ideia original) e, por isso mesmo, foram tão criticadas por ele. ObserveObserve 49FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 49PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 49 29/07/2022 11:37:1229/07/2022 11:37:12 EM 23 _1 _F IL _0 4 EM 23 _1 _F IL _0 4 Para se chegar ao mundo inteligível, é necessário superar os enganos sensíveis, provenientes dos sentidos, das opiniões e das crenças, em busca do raciocínio, até chegar ao inteligível, por meio da contemplação. Do sensível ao inteligível Se no mundo sensível existe uma multiplicidade de seres particulares, então como seria pos- sível conhecer as ideias puras ou essências de todos esses seres? Platão, então, propõe duas respostas a essa questão: na primeira, ele estabelece um cami- nho, um método, para essa ascensão do sensível ao inteligível: a dialética; na segunda, as ideias puras residem na alma de cada pessoa e são relembradas no processo de conhecimento, fato que ele chamou de reminiscência. Dialética Como visto anteriormente, Sócrates praticava a dialética nos diálogos que travava com seus interlocutores, levando-os ao conhecimento de algo por meio da ironia e da maiêutica. Platão trouxe a dialética socrática para a sua teoria das ideias, propondo que, para ascender ao conhe- cimento inteligível seria necessário o diálogo, em que os interlocutores apresentam suas ideias, em geral contrárias, para se formar um novo conhecimento. Assim, a cada par de ideias opostas, surgia um novo conhecimento em direção ascendente às ideias puras. O esquema a seguir apresenta as etapas da ascensão dialética do sensível ao inteligível, por meio da análise de um triângulo. Ele deve ser lido de baixo para cima. M un do se ns ív el M un do in te lig ív el DI AL ÉT IC A Imagem das coisas sensíveis, cópias das ideias Imagem: visão Crenças e opiniões; coisas sensíveis Nome: triângulo Raciocínio, ou pensamento discursivo Conceito: triângulo é um polígono formado por três lados. Intuição intelectual ou ideia Ideia: junção de todos os critérios anteriores em forma de intuição.a lm a Reminiscência Ao contrário do corpo, a alma é eterna e imutável para Platão. Isso significa que ela não foi criada e nem será destruída. Sendo eterna, ela viverá para sempre, encarnando em diferentes corpos materiais, mas permanecendo sempre idêntica a si mesma. Nela, estão contidas as ideias puras, que deverão ser relembradas (anamnesis) a cada reen- carnação. Assim, Platão, na obra A República, recorreu a outra alegoria para explicar esse processo: a alegoria de Er. Conta-se que o pastor Er foi para o Hades, como fazem os adivinhos e poetas. Chegando lá, ele encontrou as almas dos mortos contemplando as ideias. Como as al- mas devem reencarnar, elas são livres para escolher a forma de vida que querem viver e, antes de voltar ao mundo sensível, elas passam por uma planície onde existem dois Explique o processo dialé- tico ascendente do sensível ao inteligível, representado no esquema, mostrando aos alunos que da imagem de algo triangular – pois, no mundo sensível, nunca vemos um triângulo em si, apenas seres triangu- lares – chega-se ao nome que pertence à esfera das crenças e opiniões. Portanto, pode variar de acordo com a língua, por exemplo, até o conceito, que, apesar de pertencer ao mundo inteli- gível, é inferior à ideia pura, pois o raciocínio é a ligação entre sensível e inteligível. A essência do triângulo não mudará jamais, indepen- dentemente da época, do lugar e das opiniões. Reforce também a imaterialidade da ideia, pois ela só pode ser pensada, intuída, jamais vista ou tocada. BM DC /W .Co m m on s 50 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 50PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 50 29/07/2022 11:37:1229/07/2022 11:37:12 EM 23 _1 _F IL _0 4 EM 23 _1 _F IL _0 4 Na obra A República, Platão entrela- ça a teoria da reminiscência, a dualidade sensível e inte- ligível, a oposi- ção entre mun- do sensível e mundo das ideias, a defesa da imortalida- de da alma, a formação pelas virtudes e as análises das questões políticas, tais como das formas de governo. Nessa obra, Platão expõe o modelo de cidade ideal, que deveria ser governada por um rei filósofo. A cidade se forma com os cidadãos e sua prosperidade depende da ação destes, sendo necessário para seu progresso que as pessoas se guiem por suas almas, ou seja, pela faculda- de intelectiva que possibilita o acesso às ideias rios, dos quais deve-se escolher um para beber de suas águas: o rio Léthe, responsável pelo es- quecimento e o rio Alétheia, responsável pelo não esquecimento, ou seja, pela lembrança das ideias contempladas pela alma. Quem beber a água do primeiro,não se lembrará das ideias puras, mas quem beber da água do segundo, lembrará em vida dessas ideias por meio da educação e do aprendizado. Assim, a alétheia, que significa verdade, está presente na alma dos seres humanos desde sempre, como ideias inatas, mas preci- sa ser relembrada pelo processo de educação (dialética). A alegoria da caverna nos permite muitas interpretações. Primeiro se apresentará uma abordagem existencial, para depois se relacio- nar às dualidades doxa (opinião) e epísteme (conhecimento), respectivamente mundo sen- sível e mundo das ideias. Quem seriam aque- las pessoas aprisionadas em uma realidade obscura, as quais apenas conseguem enxergar sombras e ainda imaginam que essas sombras são a realidade? Uma premissa importante: Platão é discípulo de Sócrates e, tal como o mestre, nunca perde o horizonte da busca pelo autoconhecimento. Sim, as pessoas aprisionadas na caverna representam todos nós! Será que aquilo que conhecemos e vivemos é de fato a realidade, ou não passa de sombra? Mas, afinal, o que significa a tal sombra nas cavernas? A sombra, para aqueles habitantes da caverna, era a única coisa que conheciam, O termo alétheia (verdade) é o negativo de léthe (que significa esquecimento). Sendo assim, a verdade é o não esquecimento, ou a lembrança das ideias puras. Para Platão, as ideias puras eram inatas. Será que já nascemos com as ideias prontas, precisando relembrá-las? Ou todas as nossas ideias advêm das experiências sensíveis? Observe a obra de arte e o título dela, de autoria de René Magritte. MAGRITTE, René. Isto não é uma maçã. Óleo sobre tela. 141 cm x 100,8cm. Galeria Bruxelas (Bélgica). Qual a relação da obra de arte e do título com a teoria das ideias de Platão? Essa questão pode ser de- batida em sala de aula, para os alunos poderem expor seus pensamentos acerca da relação solicitada. A seu critério, a conclusão do de- bate pode ser registrada em forma de texto argumenta- tivo e apresentado em data previamente estipulada. ReflitaReflitasendo que existe uma infinidade de outras coi- sas fora da caverna. E quanto a nós, qual é a nossa sombra? Ver apenas sombras é ver ape- nas uma perspectiva da realidade. Todos nós, na infância, fomos educados a gostar de algumas coisas, não gostar de ou- tras, buscar algumas preferências e detestar outras. Ou seja, fomos ensinados a ver apenas uma parcela da realidade, e não a realidade completa. Assim, durante o restante da vida, sempre seguimos procurando as mesmas coisas e fu- gindo de outras. Na verdade, em grande parte do tempo nos guiamos apenas pela memória. Isso é bastante complexo – pode-se citar um exemplo envolvendo padrões culturais. A questão não é discutir quem tem razão, mas que emitimos opinião, agimos e vivemos sempre limitados à nossa formação cultural e às experiências passadas – vivemos pela me- mória. Por que um jardineiro consegue ver tantas belezas nas flores enquanto outras pes- soas que nunca tiveram contato com o jardim simplesmente não veem beleza alguma? Esse mesmo jardineiro talvez não consiga ver bele- za na construção de uma casa, enquanto um arquiteto ficará maravilhado. E a questão não é que vemos a casa e pensamos “ela não é bo- nita” ou “ela é bonita”, mas que nós simples- mente não postulamos tal reflexão! Nós vemos a casa e nada pensamos sobre ela! O indivíduo é condicionado e limitado a pensar e agir de acordo com as opiniões que constrói ou repro- duz dos outros. puras, tornando a cidade reflexo da alma de seus cidadãos. A construção da cidade ideal tem como ponto de partida os Livros I e II de A República, dedicados à discussão sobre o que é a justiça. Isso porque a cidade ideal precisaria ser, acima de tudo, uma cidade justa. Mas como seria pos- sível construir uma cidade justa sem antes sa- ber o que é justiça? Quando há escândalos de corrupção envolvendo políticos, quando não estamos satisfeitos com uma decisão proferi- da pelo juiz em um processo judicial, sempre exclamamos: “Não foi justo!”. Parece que, de algum modo, as pessoas concordam que a jus- tiça é a base da organização social e do Estado, que sem ela as coisas não podem ir bem. Justiça e o corpo social O Livro I de A República traz Sócrates, o personagem principal, dialogando com alguns sofistas, Céfalo, Polemarco e Trasímaco, acerca daquilo que estes entendiam por justiça. Platão tomou seu mestre Sócrates como personagem da maioria de seus escritos e, portanto, sempre resta a dúvida: o que Sócrates dizia era proveniente do verdadeiro Sócrates ou do personagem criado por Platão? Podemos responder a essa dúvida observando a cronologia das obras de Platão. As obras de sua juventude trazem com maior ênfase as ideias de Sócrates, como a necessidade de au- toconhecimento. Já as obras da maturidade e da velhice trazem em sua maioria as ideias do próprio Platão, que nesse caso usa Sócrates mais como um personagem para a reprodução de seus pensamentos. Em A Repúbli- ca, os estudiosos entendem que Sócrates é o persona- gem e não o Sócrates real. Saiba maisSaiba mais Dimensões da justiça social em Platão Mu se um B er lin /C re at ive Co m m on s Pintura em vaso grego representando um jovem escrevendo em sua tábua. A educa- ção é ponto fundamental para a construção do Estado ideal. 51FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 51PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 51 29/07/2022 11:37:1329/07/2022 11:37:13 EM 23 _1 _F IL _0 4 EM 23 _1 _F IL _0 4 An na R as sa dn iko va /S hu tte rst oc k Cabeça Corresponde à alma racional Classe social: governantes Função: administrar e governar a cidade Virtude: sabedoria Peito Corresponde à alma irascível Classe social: guerreiros Função: proteger a cidade Virtude: coragem Baixo ventre Corresponde à alma apetitiva Classe social: artesãos e comerciantes Função: suprir as necessidades da cidade e dos cidadãos Virtude: temperança Temperança, coragem e sabedoria são três das quatro virtudes que, juntas, possibilitam a construção do Estado ideal. A quarta virtude é a justiça. Cada uma das três corresponde a uma classe (uma parte do corpo que é a cida- de). A justiça corresponde ao exercício correto da virtude da classe à qual a pessoa pertence, ou seja, se for artesão ou comerciante, deverá ser temperante; se for guerreiro, corajoso; se for governante, sábio. O corpo humano só está em perfeita con- dição quando todas as partes estão saudáveis. Da mesma forma, para a cidade ser justa, cada classe deve realizar aquilo que lhe cabe. Com isso, entende-se a justiça como a mais impor- tante das quatro virtudes. A justiça representa o domínio da parte racional da alma perante as partes irascível e apetitiva. Por isso, uma cidade justa repre- sentaria também uma cidade em que a alma racional prevalece sobre as demais. Isso não significa que as outras partes não sejam im- portantes, mas que, para serem utilizadas ade- quadamente, precisam estar ordenadas pela alma racional. De nada adiantaria o governante ser sábio se os guerreiros não fossem corajosos ou os comercian- tes e artesãos temperantes, pois em algum momento a cidade seria derrotada militarmente por outro povo, ou haveria problemas na economia (citando um exemplo para o caso dos comerciantes). A parte racio- nal da alma é a mais nobre entre as três, bem como o governante ocupa a função de maior responsabilidade perante o bem comum entre todas as classes. Por isso, é necessário que a alma racional e o governante dominem as demais. Ca rd af/ Sh ut te rst oc k Visão panorâmica da Acrópolis de Atenas, Grécia. Céfalo afirma que a justiça consiste em “proferir a verdade e devolver o que se tomou de alguém”. C4 th B .C., S ta te H er m ita ge M us eu m Themis, deusa da Justiça, sentada em uma pedra, aconselha Zeus no trono. A pedra é provavelmente o centro de Delfos, lugar onde o oráculo profetizava. A justiçapara os gregos era tão importante que até mesmo Zeus, o maior dos deuses, ouvia os aconselhamentos de Themis. Em seguida, Polemarco segue a discussão definindo que a justiça consiste em “fazer bem aos amigos, e mal aos inimigos”, conceito re- futado por Sócrates, ao afirmar que em ne- nhum caso é justo fazer mal a alguém, pois, não é possível saber realmente quem é amigo e quem é inimigo. Os amigos são aqueles que nos ajudam, e os inimigos aqueles que nos pre- judicam? Conhecemos realmente as pessoas a ponto de podermos fazer essa divisão? Já Trasímaco afirma que a justiça “é sim- plesmente o interesse do mais forte”, concep- ção que possibilita a identificação de alguém ser considerado justo apenas pelo fato de es- tar no poder, como é o caso dos governantes. O problema desse argumento é que ele jus- tifica a violência de um tirano contra o povo. Sócrates contesta demonstrando que toda ciência é produzida para servir a quem está em posição inferior, como é o exemplo da me- dicina, que serve ao doente e não ao médico. Assim, a política deve servir aos governados e não aos governantes. Após refutar os conceitos propostos, os in- terlocutores interpelam Sócrates, exigindo-lhe que dê, então, um conceito apropriado para justiça. É aqui que o filósofo afirma que, para descobrir o que é a justiça, seria necessário primeiro entender o que é a cidade, o Estado, bem como seus cidadãos, pois a justiça certa- mente serve a eles. Sem limitar-se a estudar esta ou aquela cidade, pois elas não necessa- riamente são justas! É preciso, então, desco- brir o que é a verdadeira justiça, a qual só será encontrada em uma cidade perfeita, pois esta necessariamente seria formada por cidadãos perfeitos. Para comprovar sua tese, Platão propõe um desafio: planejar racionalmente a cidade perfeita, desde a sua origem. Surge então o primeiro problema: por que os homens cons- troem as cidades? Se deseja-se descobrir a ci- dade perfeita, é preciso saber com que escopo os homens decidem conviver em cidades. A primeira resposta é: para atender a ne- cessidades básicas. Ninguém é capaz de dar conta de todas as atividades que a vida exige. Assim, não há como alguém fazer sapatos, rou- pas, bem como plantar, criar animais, e ainda fabricar tantas outras coisas. Mas vivendo em coletividade, todas essas necessidades podem ser supridas facilmente. Dessa forma, cada pessoa se dedica a uma função, e, por meio de trocas e negócios, todos atendem aos interes- ses e necessidades de todos. Ora, essa conclu- são já levanta uma premissa fundamental: se a cidade se faz por meio da relação entre as pes- soas, então a formação da cidade se faz não somente na esfera individual, mas no aspecto das relações sociais. É a partir da cooperação entre os cidadãos que podemos aprimorar a cidade. Ji tlo ac /S hu tte rst oc k fen gh ui/ Sh ut te rst oc k pr 2is /S hu tte rst oc k Nas imagens, podemos observar o trabalho de um ferreiro, um ce- ramista e uma artesão. Todos têm sua importância, pois vivendo em comunidade cada um pode se beneficiar do produto dos outros. É preciso pensar a cidade como um corpo só, onde cada cidadão é parte desse corpo. Logo, o sucesso desse corpo único depende do sucesso daqueles que a compõem. Se uma parte não está bem, o corpo nunca estará, em sua totalidade, bem. Platão comparou a ciência política com a medicina, pois para ele há mui- tas semelhanças entre a saúde social e a saúde biológica. O corpo nunca estará completamen- te saudável se um órgão estiver doente. Essa relação da totalidade com as partes que a compõem é de tal forma importante para Platão que nos leva à discussão sobre a Alma, pois, para o filósofo, os cidadãos podem muito bem ser identificados como a “alma” da cidade. Agora é importante relacionar essa questão com a construção do Estado ideal. 52 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 52PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 52 29/07/2022 11:37:1529/07/2022 11:37:15 EM 23 _1 _F IL _0 4 EM 23 _1 _F IL _0 4 Lo pis /W .Co m m on s Platão idealizava a cidade perfeita, com os comerciantes e artesãos agindo com temperança, os soldados com coragem e os governantes com sabedoria. Em A República, Platão afirma que a alma é dividida em três partes: racional, irascível e apetitiva. Cada uma corresponde a uma das classes de pessoas que compõem a comunida- de. Veja, no esquema a seguir, a relação entre as virtudes da alma e a divisão de classes da cidade ideal de Platão. A parte racional da alma, por ser a par- te que representa as atividades intelectuais puras, situa-se na parte superior do corpo, a cabeça. Essa parte corresponde à primeira das classes: aos governantes (ou guardiões). O governante é o indivíduo que cultiva uma formação diferenciada, tornando-se apto a ad- ministrar a cidade. Por isso, a virtude da alma racional é a sabedoria. A parte irascível situa-se na parte mediana do corpo humano (peito) e, por isso, se rela- ciona às paixões e emoções. A parte irascível corresponde à classe dos guerreiros, os “guar- diões da cidade”. A virtude da parte irascível é a coragem. Os militares, por serem responsá- veis pela proteção da cidade, precisam superar seus medos e agir sempre com coragem. A parte apetitiva vincula-se à parte inferior (baixo-ventre), e está ligada aos apetites (tais como os instintos), correspondendo aos co- merciantes, artesãos e ao povo em geral. A vir- tude dessa parte é a temperança, pois, para se utilizar adequadamente os instintos, é preciso dominá-los interiormente. Dessa forma, se os artesãos e comercian- tes dominarem seus apetites, a cidade será temperante; se os guerreiros enfrentarem os perigos e medos, a cidade será corajosa; e se o governante administrar tendo em vista a ra- zão, a verdade e o bem, a cidade será sábia. An na R as sa dn iko va /S hu tte rst oc k Cabeça Corresponde à alma racional Classe social: governantes Função: administrar e governar a cidade Virtude: sabedoria Peito Corresponde à alma irascível Classe social: guerreiros Função: proteger a cidade Virtude: coragem Baixo ventre Corresponde à alma apetitiva Classe social: artesãos e comerciantes Função: suprir as necessidades da cidade e dos cidadãos Virtude: temperança Temperança, coragem e sabedoria são três das quatro virtudes que, juntas, possibilitam a construção do Estado ideal. A quarta virtude é a justiça. Cada uma das três corresponde a uma classe (uma parte do corpo que é a cida- de). A justiça corresponde ao exercício correto da virtude da classe à qual a pessoa pertence, ou seja, se for artesão ou comerciante, deverá ser temperante; se for guerreiro, corajoso; se for governante, sábio. O corpo humano só está em perfeita con- dição quando todas as partes estão saudáveis. Da mesma forma, para a cidade ser justa, cada classe deve realizar aquilo que lhe cabe. Com isso, entende-se a justiça como a mais impor- tante das quatro virtudes. A justiça representa o domínio da parte racional da alma perante as partes irascível e apetitiva. Por isso, uma cidade justa repre- sentaria também uma cidade em que a alma racional prevalece sobre as demais. Isso não significa que as outras partes não sejam im- portantes, mas que, para serem utilizadas ade- quadamente, precisam estar ordenadas pela alma racional. De nada adiantaria o governante ser sábio se os guerreiros não fossem corajosos ou os comercian- tes e artesãos temperantes, pois em algum momento a cidade seria derrotada militarmente por outro povo, ou haveria problemas na economia (citando um exemplo para o caso dos comerciantes). A parte racio- nal da alma é a mais nobre entre as três, bem como o governante ocupa a função de maior responsabilidade perante o bem comum entre todas as classes. Por isso, é necessário que a alma racional e o governante dominem as demais. Ca rd af/ Sh ut te rst oc k Visão panorâmica da Acrópolis de Atenas, Grécia. 53FILPG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 53PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 53 29/07/2022 11:37:1729/07/2022 11:37:17 EM 23 _1 _F IL _0 4 EM 23 _1 _F IL _0 4 Papel da educação na construção da cidade ideal O Estado ideal para Platão seria formado por três classes: os artesãos, que são aqueles res- ponsáveis pelas tarefas referentes às primeiras necessidades da vida, tais como o suprimento da alimentação e vestuário; os militares, que devem zelar pela segurança da cidade dos perigos externos; e os governantes, que devem administrar e conduzir a cidade segundo a alma racional, de modo a torná-la o mais virtuosa possível. Cada indivíduo deve praticar a sua função dentro da classe que integra, sem interferir no tra- balho dos outros. Este é um dos pilares da construção da cidade ideal, pois responsabiliza cada cidadão a realizar o melhor que lhe cabe, sem prejudicar atividades alheias. Para que o coletivo se realize com excelência, é preciso antes fazer a própria atividade individual com excelência. Para Hesíodo, o trabalho era, sobretudo, uma questão de formação moral, que buscava evitar que o indivíduo escolhesse o caminho dos vícios. Platão não exclui essa dimensão, mas também demonstra que o trabalho integra o valor do indivíduo em contribuir com o bem comum. Contudo, para que cada indivíduo cumpra bem a sua tarefa, é necessária uma educação con- sistente. Assim, todos deveriam passar por uma educação geral, sendo formados nas variadas virtudes, tornando-se aptos a servirem a cidade de modo adequado. A justiça só pode ser alcançada a partir de um processo educativo em que a parte racional da alma prevaleça sobre as partes irascível e apetitiva. O desenvolvimento da alma racional é atribuído, especificamente, aos governantes, que, para Platão, precisam ser filósofos. O filósofo é o indivíduo mais preparado para governar, pois, em seu processo de formação, é obrigado a educar-se na matemática, na ginástica, na música, na dialética, aprender a técnica dos artesãos e inclusive defender a cidade por um determinado tempo como militar. O filósofo, portanto, é o único capaz de ver a cidade como um todo e em suas várias dimensões. A formação pelas virtudes exigiria uma vida de aprimoramento, a qual envolveria o aprendi- zado por meio da ginástica e da música. Esses elementos eram importantes porque a ginástica preparava o corpo, de modo a auxiliar a pessoa em relação à conservação da saúde orgânica e a ter disciplina; e a música, envolvendo literatura e poesia, era importante para o preparo da alma, trazendo uma formação regida pela ideia de estética. Alunos em uma competição esportiva e na biblioteca. Por meio do ensino, o cidadão grego poderia aprender as quatro virtudes para a construção da cidade perfeita. DG Lim ag es /S hu tte rst oc k Ra wp ixe l.c om /S hu tte rst oc k Chegamos, afinal, através de inúmeros obstáculos penosamente superados, a estabelecer que existem, na cidade e na alma do indivíduo, princípios correspondentes e iguais em número. [...] E que a cidade seja corajosa pelo mesmo princípio e do mesmo modo que o indivíduo? [...] Enfim, que tudo o que diz respeito à virtude se encontre igualmente numa e noutro? [...]. Então, amigo Glauco, afirmaremos que a justiça tem no indivíduo o mesmo caráter que na cidade. (PLATÃO. A República. Tradução de: PEREIRA, Maria Helena da Rocha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997.) A alma deve ser bem-educada, pois o corpo (irascível e apetitivo) é insaciável, e sobressai-se diante da parte racional. Com uma educação disciplinada com base no estudo da música e da ginástica, a alma conseguiria desviar dos desejos e prazeres do corpo. 54 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 54PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 54 29/07/2022 11:37:1829/07/2022 11:37:18 EM 23 _1 _F IL _0 4 EM 23 _1 _F IL _0 4 Concluindo, o Estado ideal de Platão abrange uma estrutura que permite aos cidadãos se educarem tanto no sentido cívico quanto no estabelecimento de um contato com a própria alma, de modo a buscar a sabedoria. Quando a sabedoria, que representa a parte racional, governar as demais partes, torna-se possível construir uma cidade justa. Formas de governo Depois de estruturar em classes e apresentar a formação necessária para a cidade ideal, é importante apresentar a crítica platônica às formas de governo. O intuito é evidenciar a distinção entre a cidade ideal e as cidades existentes. Platão não se limita a dar conselhos ao Estado a partir da premissa de uma determinada forma de governo ou, como os sofistas, a estabelecer polêmica sobre o valor das diferentes formas de Estado, mas aborda o assunto de forma radical, tomando como ponto de partida o problema genérico da justiça. (JAEGER, Werner. Paideia: a formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 2001.) Platão, ao analisar as cidades de sua época, apresenta quatro formas de governo: a timocra- cia, a oligarquia, a democracia e a tirania. Cada uma representa um estágio da imperfeição do Estado ideal; sendo assim, a timocracia é a mais próxima da cidade perfeita, enquanto a tirania é a mais distante. Cada passagem para uma forma de governo inferior se dá em um tipo de pertur- bação na harmonia entre as partes da alma (racional, irascível e apetitiva). A crítica platônica re- velará o ponto fraco de cada uma dessas formas de governo, demonstrando que o seu Estado ideal as superaria. ● Timocracia (do grego timés, que significa honra, e kratos, poder) é inspirada no mo- delo da cidade de Esparta, voltada prin- cipalmente à formação do cidadão guer- reiro, que cultiva a virtude da coragem e anseio por honra e glória. O governo timocrático possui traços importantes, como o respeito à autoridade, o cuidado com a virtude guerreira por meio da gi- nástica e a abstenção de toda atividade lucrativa por parte da classe dominante. O que abala a timocracia é a avareza, in- citando os indivíduos a fingirem se preo- cupar com o bem comum, quando na verdade apenas guardam o luxo de forma privada. Além disso, a ausência de uma formação pela música também não contribui com a harmonia da alma; ● Oligarquia é a forma de governo em que há pessoas com grande número de riquezas (as quais controlam o poder), porém outras na completa miséria. A separação entre ricos e pobres facilita a prática de crimes, como o roubo, pois na ânsia pela riqueza pode-se recor- rer a delitos. Na oligarquia, o vício, induzido pelas más ações, é a cobiça. Sem harmonia na alma, a parte apetitiva não será controlada, abrindo espaço à busca desenfreada por tentar satisfazer os mais variados impulsos. Além disso, o acúmulo de dinheiro facilita a satisfação dos instintos; ● Democracia é o governo do povo, em que os cidadãos participavam das decisões políticas. Como Platão se decepcionou com a democracia ateniense depois da condenação de Sócra- tes, tornou-se o maior crítico desse sistema de governo. Para ele, a liberdade extremada e desregrada levará o homem democrático a ora dedicar-se à política, ora ao esporte, ora às artes, e assim por diante. Não há ordem e benefício nessas decisões, apenas uma vida apa- rentemente livre, mas que no fundo não traz realização; ● Tirania decorrente da democracia, pois, para Platão, em algum momento, o povo colocará no poder um representante seu, que, por ser despreparado em relação às virtudes, fingirá governar para o povo, quando na verdade pensa apenas em si próprio. Com o tempo, virá resistência contra ele, que então se verá forçado a recorrer ao uso da violência física, dando início ao governo tirano. O tirano nasce dos apetites contrários à lei, que não são dominados pela parte racional da alma. Un kn ow n/ W. Co m m on s Ilustração da Guerra do Peloponeso, que envolveu Atenas e Esparta na disputa pela hegemonia do poder grego. Antes da guerra, Atenas era uma sólida democracia. Durante a guerra, tornou-se uma Oligarquia por meio da tomadade poder do governo dos Trinta Tiranos (muitos dos quais eram parentes e amigos de Platão). A alternância de formas de governo evidenciada por Platão pode ser percebida na história de várias cidades e Estados, como é o caso da Grécia. Quanto maior a riqueza, mais fácil é satisfazer os prazeres do corpo. 55FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 55PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 55 29/07/2022 11:37:1829/07/2022 11:37:18 EM 23 _1 _F IL _0 4 Justiça e bem: o rei filósofo de Platão Provavelmente não encontraremos nenhum exemplar do rei filósofo proposto por Platão em nossa história. Porém, muitos tentaram unir o preparo filosófico com a capacidade política, como é o caso do imperador romano Marco Aurélio (121-180). No quadro, de Vien, Marco Aurélio aparece distribuindo pão à população. Jo se ph -M ar ie Vie n/ W. Co m m on s A apresentação das formas de governo, que denunciam o fato de todos os Estados se- rem governos imperfeitos, nos conduz a uma reflexão final: Como deve ser o governo? Quem deve governar? A resposta de Platão é emble- mática e polêmica: o filósofo. Mas como o filósofo pode ser o governan- te? Ora, se a parte mais nobre da alma é a parte racional, e se aquele que cultiva a alma racional de modo mais profundo é o filósofo, e se o filó- sofo é aquele que se dedica a procurar o bem e a verdade acima de tudo, tal definição já não deveria causar tanto espanto. Para Platão, os filósofos precisam se tornar governantes ou os governantes se tornarem filósofos. Em outras palavras, aquele que está no poder deve se portar como filósofo. O filósofo contempla a cidade em sua tota- lidade. Ele teve uma formação que o obrigou a aprender as variadas artes e ciências, a ter um cultivo estético, a dominar a arte militar e a combater como um verdadeiro soldado, se fosse necessário. O filósofo teve muitos anos da vida dedicados à oportunidade de se tornar governante. O rei filósofo é o indivíduo que se aprimorou tendo em vista a verdade e o bem. A cidade ideal é dialética com as cidades reais. Sendo assim, nenhum indivíduo é capaz de entender tão adequadamente a cidade perfeita como o filósofo, de forma que ele pode fazer a transformação da realidade existente para o modelo de Estado ideal. Para facilitar o entendi- mento desses parágrafos: o homem democrático é o antigo cidadão pobre que lutou contra os ricos no governo oligárquico. Depois que alcança o poder e ins- titui a democracia, tentará satisfazer os seus impulsos. Assim, o cidadão se lançará a uma vida apenas na busca por paixões. Como esse cidadão não é preparado de modo virtuoso, fará tudo de modo desordenado e nunca será feliz. E o fato de não ser preparado facilitará que alguém que se aprimorou o domine. Estátuas de Platão e Sócrates em frente ao edifício da Academia de Artes de Atenas, na Grécia. B rig ida S or ian o/ Sh ut te rst oc k 56 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 56PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 56 29/07/2022 11:37:1929/07/2022 11:37:19 EM 23 _1 _F IL _0 4 No Livro VII da obra A República, Platão narra a famosa alegoria da caverna, em que descreve a ascensão do mundo sensível para o inteligível. É possível estabelecer uma relação entre a alegoria da caverna e o filme Matrix de 1999. A alegoria da caverna pode ser relacionada com o filme Matrix (1999). Em Matrix, temos as pes- soas que vivem em um ambiente virtual, acreditando que este é o verdadeiro mundo. Na realida- de, essas pessoas estão dormindo e a energia de seus corpos serve para alimentar as máquinas, que dominam o mundo real e projetam esse ambiente virtual na mente das pessoas. O mundo virtual pode ser comparado ao mundo das sombras. O que se vê no mundo virtual são apenas projeções das verdadeiras pessoas, mesma ideia das sombras na parede da caverna de Platão. O personagem principal, Neo, encontra dificuldades em se adaptar ao mundo real quando seu corpo é “acordado”. É a mesma relação na alegoria da caverna quando o homem se depara com a luz solar. Outro personagem, Morpheus, alerta Neo de que muitas pessoas não estão preparadas para sair do mundo virtual, e que a maioria delas inclusive defende aquele mundo. É a mesma relação entre o prisioneiro liberto, mas que encontrou o mundo real e tenta convencer os outros aprisionados de que eles veem apenas uma ilusão. Wa rn er B ro th er s Matrix Ano: 1999 Diretor: Irmãs Wachowski Sinopse: no mundo de Matrix, todas as pessoas permanecem adormecidas e servem de bateria para dar energia ao mundo das máquinas, que escravizou a raça humana. Para se assegurar que ninguém acorde, as máquinas criaram um mundo virtual, a matrix, em que as pessoas vivem normalmente, acreditando estarem na realidade, quando na verdade sua consciência permanece em estado de sono profundo. Alguns homens descobriram essa situação, e lutam para se livrar da hegemonia das máquinas. Esse filme serve para ilustrar a situação des- crita por Platão no mito da caverna, em que o homem vive um estado de profunda ignorância sobre si mesmo. Wa rn er B ro s. A origem Ano: 2010 Diretor: Christopher Nolan Sinopse: Don Cobb, o prota- gonista do filme, tem uma profissão inusitada: rouba informações de outras pes- soas invadindo seus sonhos. É possível sonhar dentro do sonho inúmeras vezes, e quanto mais isso se repete, mais a pessoa fica vulnerá- vel a não mais distinguir a realidade do sonho. O filme nos provoca a pensar: o que é verdade e o que é ilusão? O que é o verdadeiro e como o classificamos? Assim como em Matrix, pode-se fazer uma relação com as ideias da alegoria da caverna, em que buscamos sair do mundo das sombras para o mundo das ideias. FilmesFilmes Alegoria da caverna Tanto a alegoria de Platão como [o filme] Matrix levantam a questão da felicidade, com a estrutura mais ampla da relação entre nossa experiência ou estado de espírito subjetivo e a realidade. É uma tese platônica que a verdadeira liberdade e a felicidade dependem do conhecimento do que é real; segundo essa visão, uma pessoa pode ter a ilusão de ser livre e feliz, mas ser de fato um escravo e infeliz. Essa mesma pessoa pode estar completamente enganada ao atribuir a si própria a felicidade, usando a frase: “Sou feliz”. A felicidade deve ser semelhante ao conceito de saudável; também pode estar enganado quem diz “sou saudável”, ainda que se sinta, pelo menos no momento, extremamente saudável, e não tem consciência [...] de um câncer detectado. A tese é que a felicidade, a reflexão sobre o “eu” próprio e o mundo objetivo são inseparáveis. De modo semelhante, Matrix obviamente tem muito a ver com a questão do relacionamento entre nosso senso subjetivo do “eu” (eu sou livre, sou feliz) e a “realidade” das experiências que estamos vivendo. 1. Assista ao filme Matrix e estabeleça relações com os seguintes elementos da alegoria da caverna: • interior da caverna: • prisioneiros acorrentados: • sombras dos objetos na parede da caverna: • prisioneiro liberto: • subida da caverna para o mundo exterior: • Sol: • O mundo fora da caverna: 2. Na atualidade, o que significa “viver na caverna”? Escreva um texto explicando essa situação aplicada a um acontecimento rotineiro. mundo sensível pessoas ignorantes, sem conhecimento objetos do mundo sensível filósofo educação e aprendizado pela dialética verdade mundo inteligível A produção escrita deve apresentar alguma situação da atualidade que remeta à alegoria da caverna. A seu critério, o texto pode ser entregue em data previamente estipulada e compor a avaliação processual do aluno. (GRISWOLD JR., Charles L. Felicidade e escolha de Cypher: a ignorância é felicidade? In: IRWIN, William (Org.). Matrix: bem-vindo ao deserto do real. São Paulo: Madras, 2002. p. 158-159.) 57FIL FILOSOFIA E CULTURA PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 57PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 57 29/07/2022 11:37:2029/07/202211:37:20 Resolvidos 1. (Enem) No centro da imagem, o filósofo Platão é retratado apontando para o alto. Esse gesto significa que o conhecimento se encontra em uma instância na qual o homem descobre a: a) suspensão do juízo como reveladora da verdade. b) realidade inteligível por meio do método dialético. c) salvação da condição mortal pelo poder de Deus. d) essência das coisas sensíveis do intelecto divino. e) ordem intrínseca ao mundo por meio da sensibilidade. 9 Resposta: B a) Incorreto. Não há suspensão do juízo para se chegar à verdade. b) Correto. O método dialético promove a ascensão do sensível ao inteligível. c) Incorreto. Para Platão, não é possível aos humanos tornarem-se imortais por causa do corpo corruptível. Apenas a alma é eterna. d) Incorreto. As essências estão na alma de cada um, sendo neces- sário praticar a dialética para ascender a elas. e) Incorreto. Para Platão, o mundo sensível era uma cópia imper- feita do inteligível, logo essa ordem intrínseca reside no mundo inteligível. 2. (UEL) Você está acompanhando, Sofia? E agora vem Platão. Ele se interessava tanto pelo que é eterno e imutável na natureza quanto pelo que é eterno e imutável na moral e na sociedade. Sim... para Platão tratava-se, em ambos os casos, de uma mesma coisa. Ele tentava entender uma “realidade” que fosse eterna e imutável. E, para ser franco, é para isto que os filósofos existem. Eles não estão preocupados em eleger a mulher mais bonita do ano, ou os toma- tes mais baratos da feira. (E exatamente por isso nem sempre são vistos com bons olhos). Os filósofos não se interessam muito por essas coisas efêmeras e cotidianas. Eles tentam mostrar o que é “eternamente verdadeiro”, “eternamente belo” e “eternamente bom”. (GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. Tradução de: AZENHA JÚNIOR, João. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 98.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria das ideias de Platão, assinale a alternativa correta. a) Para Platão, o mundo das ideias é o mundo do “eternamente verdadeiro”, “eternamente belo” e “eternamente bom” e é dis- tinto do mundo sensível no qual vivemos. b) Platão considerava que tudo aquilo que pode ser percebido diretamente pelos sentidos constitui a própria realidade das coisas. c) Platão considerava impossível que o homem pudesse ter ideias verdadeiras sobre qualquer coisa, seja sobre a natureza, a moral ou a sociedade, porque tudo é sonho e ilusão. d) Para Platão, as ideias sobre a natureza, a moral e a sociedade po- dem ser explicadas a partir das diferentes opiniões das pessoas. e) De acordo com Platão, o filósofo deve preocupar-se com as coisas efêmeras e cotidianas do mundo, tidas por ele como as mais importantes. 9 Resposta: A a) Correto. No mundo das ideias estão as essências de tudo o que existe. b) Incorreto. O conhecimento sensível, captado pelos sentidos, é considerado por Platão a fonte dos enganos e das ilusões. c) Incorreto. Apesar de o conhecimento sensível não ser confiável, ainda assim é possível aos humanos conhecerem as essências ou ideias. d) Incorreto. Não basta expor ideias diferentes, é necessário cons- truir novas ideias que mesclem as ideias opostas originais. e) Incorreto. Os filósofos devem viver em conformidade com as ações virtuosas e não para os prazeres do mundo sensível. Praticando 1. (Unesp) O que é terrível na escrita é sua semelhança com a pintura. As produções da pintura apresentam-se como seres vivos, mas se lhes perguntarmos algo, mantêm o mais solene silêncio. O mesmo ocorre com os escritos: poderíamos imaginar que falam como se pensassem, mas se os interrogarmos sobre o que dizem [...] dão a entender somente uma coisa, sempre a mesma [...]. E quando são maltratados e insultados, injustamente, têm sempre a necessidade do auxílio de seu autor porque são incapazes de se defenderem, de assistirem a si mesmos. (Platão, Fedro ou Da Beleza.) Nesse fragmento, Platão compara o texto escrito com a pintura, contrapondo-os à sua concepção de filosofia. Assinale a alternativa que permite concluir, com apoio do fragmento apresentado, uma das principais características do platonismo. a) Platão constrói o conhecimento filosófico por meio de peque- nas sentenças com sentido completo, as quais, no seu entender, esgotam o conhecimento acerca do mundo. b) A forma de exposição da filosofia platônica é o diálogo, e o conhecimento funda-se no rigor interno das argumentações, produzido e comprovado pela confrontação dos discursos. c) O platonismo se vale da oratória política, sem compromisso filosófico com a busca da verdade, mas dirigida ao convenci- mento dos governantes das cidades. d) A poesia rimada é o veículo de difusão das ideias platônicas, sendo a filosofia uma sabedoria alcançada na velhice e ensi- nada pelos mestres aos discípulos. e) O discurso platônico tem a mesma natureza do discurso reli- gioso, pois o conhecimento filosófico modifica-se segundo as habilidades e a argúcia dos filósofos. 9 Anotações 2. (UEL) Leia o texto, de Platão, a seguir: “Logo, desde o nascimento, tanto os homens como os animais têm o poder de captar as impressões que atingem a alma por intermédio do corpo. Porém relacioná-las com a essência e considerar a sua utilidade, é o que só com tempo, trabalho e estudo conseguem os raros a quem é dada semelhante faculdade. Naquelas impressões, por conseguinte, não é que reside o conhecimento, mas no racio- cínio a seu respeito; é o único caminho, ao que parece, para atingir a essência e a verdade; de outra forma é impossível.” (PLATÃO. Teeteto. Tradução de: NUNES, Carlos Alberto. Belém: Universidade Federal do Pará, 1973. p. 80.) A filosofia de Platão desenvolveu-se influenciada pelo método de seu mestre Sócrates, por isso propõe sempre a discussão das ideias. 58 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 58PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 58 29/07/2022 11:37:2029/07/2022 11:37:20 Com base no texto e nos conhecimentos sobre a teoria do conhe- cimento de Platão, considere as afirmativas a seguir. I. Homens e animais podem confiar nas impressões que recebem do mundo sensível, e assim atingem a verdade. II. As impressões são comuns a homens e animais, mas apenas os homens têm a capacidade de formar, a partir delas, o co- nhecimento. III. As impressões não constituem o conhecimento sensível, mas são consideradas como núcleo do conhecimento inteligível. IV. O raciocínio a respeito das impressões constitui a base para se chegar ao conhecimento verdadeiro. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas II e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas I, III e IV são corretas. 9 Anotações Desenvolvendo Habilidades 1. C1:H1 (UEM) Sócrates: Imaginemos que existam pessoas morando numa caverna. Pela entrada dessa caverna entra a luz vinda de uma fogueira situada sobre uma pequena elevação que existe na frente dela. Os seus habitantes estão lá dentro desde a infância, algemados por correntes nas pernas e no pescoço, de modo que não conseguem mover-se nem olhar para trás, e só podem ver o que ocorre à sua frente. [...] Naquela situação, você acha que os habitantes da caverna, a respeito de si mesmos e dos outros, consigam ver outra coisa além das sombras que o fogo projeta na parede ao fundo da caverna? (PLATÃO. A República [adaptação de Marcelo Perine]. São Paulo: Scipione, 2002. p. 83.) Em relação ao célebre mito da caverna e às doutrinas que ele representa, assinale o que for correto. (1) No mito da caverna, Platão pretende descrever os primór- dios da existência humana, relatando como eram a vida e a organização social dos homens no princípio de seu proces- so evolutivo, quando habitavam em cavernas. (2) O mito da caverna faz referência ao contraste ser e parecer, isto é, realidade e aparência, que marca o pensamentofilo- sófico desde sua origem, e que é assumido por Platão em sua famosa teoria das Ideias. (3) O mito da caverna simboliza o processo de emancipação espiritual que o exercício da filosofia é capaz de promover, libertando o indivíduo das sombras da ignorância e dos preconceitos. (4) É uma característica essencial da filosofia de Platão a distin- ção entre mundo inteligível e mundo sensível; o primeiro ocupado pelas Ideias perfeitas, o segundo pelos objetos físicos, que participam daquelas Ideias ou são suas cópias imperfeitas. (5) No mito da caverna, o prisioneiro que se liberta e contempla a realidade fora da caverna, devendo voltar à caverna para libertar seus companheiros, representa o filósofo que, na concepção platônica, conhecedor do Bem e da Verdade, é o mais apto a governar a cidade. Soma ( ) Para Platão, o conhecimento verdadeiro está posto no mundo das ideias. Porém, para alcançá-lo é preciso pensar racionalmente sobre as impressões e o mundo. 2. C1:H1 (UEL) — Mas a cidade pareceu-nos justa, quando existiam dentro dela três espécies de naturezas, que executavam cada uma a tarefa de que lhe era própria; e, por sua vez, temperante, corajosa e sábia, devido a outras disposições e qualidades dessas mesmas espécies. — É verdade. — Logo, meu amigo, entenderemos que o indivíduo, que tiver na sua alma estas mesmas espécies, merece bem, devido a essas mesmas qualidades, ser tratado pelos mesmos nomes que cidade. (PLATÃO. A República. Trad. de Maria Helena da Rocha Pereira. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993. p.190.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre a justiça em Platão é correto afirmar: a) As pessoas justas agem movidas por interesses ou por bene- fícios pessoais, havendo a possibilidade de ficarem invisíveis aos olhos dos outros. b) A justiça consiste em dar a cada indivíduo aquilo que lhe é de direito, conforme o princípio universal de igualdade entre todos os seres humanos, homens e mulheres. c) A verdadeira justiça corresponde ao poder do mais forte, o qual, quando ocupa cargos políticos, faz as leis de acordo com seus interesses e pune aquele que lhe desobedece. d) A justiça deve ser vista como uma virtude que tem sua origem na alma, isto é, deve habitar o interior do homem, sendo inde- pendente das circunstâncias externas. e) Ser justo equivale a pagar dívidas contraídas e restituir aos de- mais aquilo que se tomou emprestado, atitudes que garantem uma velhice feliz. 3. C1:H1 (Enem) Suponha homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, cuja entrada, aberta à luz, se estende sobre todo o comprimento da fachada; eles estão lá desde a infância, as pernas e o pescoço presos por correntes, de tal sorte que não podem trocar de lugar e só podem olhar para frente, pois os gri- lhões os impedem de voltar a cabeça; a luz de uma fogueira acesa ao longe, numa elevada do terreno, brilha por detrás deles; entre a fogueira e os prisioneiros, há um caminho ascendente; ao longo do caminho, imagine um pequeno muro, semelhante aos tapumes que os manipuladores de marionetes armam entre eles e o público e sobre os quais exibem seus prestígios. (PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.) Essa narrativa de Platão é uma importante manifestação cultural do pensamento grego antigo, cuja ideia central, do ponto de vista filosófico, evidendia o(a) a) caráter antropológico, descrevendo as origens do homem primitivo. b) sistema penal da época, criticando o sistema carcerário da sociedade ateniense. c) vida cultural e artística, expressa por dramaturgos trágicos e cômicos gregos. d) sistema político elitista, provindo do surgimento da pólis e da democracia ateniense. e) teoria do conhecimento, expondo a passagem do mundo ilusório para o mundo das ideias. 4. C1:H1 (Enem) Trasímaco estava impaciente porque Sócrates e os seus amigos presumiam que a justiça era algo real e importante. Trasímaco negava isso. Em seu entender, as pessoas acreditavam no certo e no errado apenas por terem sido ensinadas a obedecer às regras da sua sociedade. No entanto, essas regras não passavam de invenções humanas. (RACHELS, J. O problema da filosofia. Lisboa: Gradiva, 2009.) 59FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 59PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 59 29/07/2022 11:37:2029/07/2022 11:37:20 O sofista, Trasímaco, personagem imortalizado no diálogo A República, de Platão, sustentava que a correlação entre justiça e ética é resultado de a) determinações biológicas impregnadas na natureza humana. b) verdades objetivas com fundamento anterior aos interesses sociais. c) mandamentos divinos inquestionáveis legados das tradições antigas. d) convenções sociais resultantes de interesses humanos con- tingentes. e) sentimentos experimentados diante de determinadas atitudes humanas. Complementares 1. (UEM) — Logo, a arte de imitar está muito afastada da verdade, sendo que por isso mesmo dá a impressão de poder fazer tudo, por só atingir parte mínima de cada coisa, simples simulacro. O pintor, digamos, é capaz de pintar um sapateiro, um carpinteiro ou qualquer outro artesão, sem conhecer absolutamente nada das respectivas profissões. No entanto, se for bom pintor, com o retrato de um carpinteiro, mostrado de longe, conseguirá enganar pelo menos crianças ou pessoas simples e levá-las a imaginar que se trata de um carpinteiro de verdade. — Como não? — Mas a meu ver, amigo, o que devemos pensar dessa gente é o seguinte: quando alguém nos anuncia que encontrou um indiví- duo conhecedor de todas as profissões e de tudo o que se pode saber, e isso com a proficiência dos maiores especialistas, seremos levados a suspeitar que falamos com um tipo ingênuo e vítima, sem dúvida, de algum charlatão e imitador, e que se o tomou por sábio universal foi apenas pelo fato de ser incapaz de fazer a distinção entre o conhecimento, a ignorância e a imitação. (PLATÃO. A República, Livro X. In: MARÇAL, J. Antologia de textos filosóficos. Curitiba: SEED, 2009. p. 557-558.) A partir do trecho citado e dos conhecimentos sobre a filosofia de Platão, assinale o que for correto. (1) Para Platão, a reprodução de algo não comporta a Verdade desse algo, sua essência verdadeira. (2) Para Platão, conhecer um objeto sensível implica tomar con- tato apenas com o simulacro dele. (3) Para Platão, a reprodução de algo espelha uma parte do ser e não o que ele é verdadeiramente. (4) Para Platão, a verdade de algo está para além de sua mani- festação sensível. (5) Para Platão, é impossível haver conhecimento de qualquer coisa. Soma ( ) 2. (UFMG) A educação, disse eu, seria uma arte da reviravolta, uma arte que sabe como fazer o olho mudar de orientação do modo mais fácil e mais eficaz possível; não a arte de produzir nele o poder de ver, pois ele já o possui, sem ser corretamente orientado e sem olhar na direção que deveria, mas a arte de encontrar o meio para reorientá-lo. (Platão. A República, Livro VIII. 518 D.) Na imagem proposta por Platão, sair da caverna representa a educação como uma reviravolta. Com base na leitura desse trecho e em outras informações presentes nessa obra, explique o que significa essa reviravolta. 3. (Unesp) Do lado oposto da caverna, Platão situa uma fogueira – fonte da luz de onde projetam as sombras – e alguns homens que carregam objetos por cima de um muro, como num teatro de fantoches, e são desses objetos as sombras que se projetam no fundo da caverna e as vozes desses homens que os prisioneiros atribuem às sombras. Temos um efeito como num cinema em que olhamos para a tela e não prestamos atenção ao projetor nem às caixas de som, mas percebemos o som como proveniente das figuras na tela. (MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia, 2001.) Explique o significado filosófico da Alegoria da Caverna de Platão, comentando sua importância para a distinção entre aparência e essência. 4. (UFF) Em seu diálogo A República, Platãodescreve na célebre Alegoria da Caverna a situação de homens aprisionados desde a infância no fundo de uma caverna e de tal forma que só podem olhar para uma parede em frente sobre a qual se projetam as sombras de bonecos colocados atrás destes homens. Um destes homens se liberta, sai da caverna e aos poucos se acostuma com a luminosidade externa, começa a distinguir as coisas e por fim descobre o Sol como a fonte da luz. Ele se dá conta, então, da ilusão representada pelas sombras que ele e os outros tomavam como realidade. Exultante com sua descoberta, ele retorna à caverna para relatar sua experiência, que é assim narrada por Sócrates: “Suponha que esse homem volte à caverna e retome o seu anti- go lugar. Desta vez, não seria pelas trevas que ele teria os olhos ofuscados, ao vir diretamente do Sol? E se ele tivesse que emitir de novo um juízo sobre as sombras e entrar em competição com os prisioneiros que continuaram acorrentados, enquanto sua vista ainda está confusa, seus olhos ainda não se recompuseram, enquanto lhe deram um tempo curto demais para acostumar-se com a escuridão, ele não ficaria ridículo? Os prisioneiros não diriam que, depois de ter ido até o alto, voltou com a vista perdida, que não vale mesmo a pena subir até lá? E se alguém tentasse retirar os seus laços, fazê-los subir, você acredita que, se pudessem agarrá-lo e executá-lo, não o matariam?”. Platão parece estar descrevendo a situação do “filósofo” quando este pretende esclarecer os demais seres humanos sobre o que ele pensa ser a verdade. A partir desta narrativa de Platão, discorra sobre qual o papel do “filósofo” no mundo contemporâneo. GABARITO ONLINE 1. Faça o download de qualquer aplicativo de leitura de QR Code. 2. Abra o aplicativo e aponte a câmera para o QR Code ao lado. 3. O gabarito deste módulo será exibido em sua tela. 60 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 60PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 60 29/07/2022 11:37:2129/07/2022 11:37:21 Todos os homens por natureza desejam saber. O prazer causado pelas sensações é a prova disto, pois, mesmo fora de qualquer utilidade, elas nos agradam por elas mesmas, e, mais do que todas as outras, as sensações vi- suais. De fato, não só para agir, mas mesmo quando não nos propomos nenhuma ação, a vista é, por assim dizer, o que preferimos a todo o resto. A causa disto é que a vista é, de todos os sentidos, o que nos faz adquirir mais conhecimentos e nos mostra o maior número de diferenças. Ma x4 e Ph ot o/ Sh ut te rst oc k Leia o trecho de abertura da obra Metafísica e abra espaço para interpretações. Em seguida, aborde as ques- tões propostas, desafiando os alunos a pensarem sobre algumas das questões que intrigaram Aristóteles. Essas questões envolvem o conhecimento sensível que, para Aristóteles, eram imprescindíveis para chegar ao conhecimento inteligível. 1. O conhecimento sensível é importante para saber sobre o mundo? 2. A visão é a sensação mais prazerosa? Por quê? 3. Somos naturalmente sociáveis ou devemos aprender a ser sociáveis? Leia o trecho a seguir da obra de Aristóteles e responda às questões. (ARISTÓTELES. Metafísica, Livro 1.) FIL Filosofia 05 61 mLPmmLmPPPPPPPPPPPPP mód. 05/08 EM 23 _1 _F IL_ 05 S T A R T Filosofia de Aristóteles Aristóteles: vida e obra • Divisão das ciências • Lógica aristotélica • Ética aristotélica • Política Filosofia de Aristóteles PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 61PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 61 29/07/2022 11:37:2829/07/2022 11:37:28 EM 23 _1 _F IL _0 5 EM 23 _1 _F IL _0 5 Aristóteles: vida e obra Busto de Aristóteles Gu nn ar B ac h Pe de rse n/ W. Co m m on sAristóteles foi um dos maiores pensadores da história da filosofia. Ele inaugurou uma nova forma de filosofar. Se Sócrates e Platão foram os mestres que auxiliavam o discípulo a despertar dentro de si a verdade por meio do diálogo, Aristóteles foi o professor incansável, observador da natureza, catalogador dos fenômenos, sistematizador das observações. A sistematização e organização do conhecimento com objetivo cientí- fico é um dos grandes diferenciais do filósofo, em relação aos pensado- res que o antecederam. Aristóteles nasceu em Estagira (384/383 a.C. - 322 a.C.), na Macedônia. Sua trajetória como filósofo pode ser dividida em três fases: ● Primeira fase: período que vai dos 18 aos 36 anos, quando ele in- gressa na Academia de Platão, em Atenas, tornando-se seu discí- pulo; ● Segunda fase: inicia-se com a morte do mestre, Platão, em 347 a.C., quando Aristóteles reti- ra-se da Academia e passa a viajar para outras localidades, conhecendo outros pensadores e observando sistematicamente vários fenômenos naturais, políticos etc. Em 342 a.C., o rei da Macedônia convida o filósofo para ser o responsável pela educação de seu filho Alexandre, que viria a ser um dos maiores conquistadores e políticos de todos os tempos; ● Terceira fase: a partir de 334-335 a.C., quando o filósofo retorna a Atenas para fundar sua escola filosófica, chamada Liceu. As obras aristotélicas podem ser divididas entre “exotéricas” e “esotéricas”. ● Obras exotéricas: em geral, compostas na forma de diálogo, e escritas visando ao público geral, aos não iniciados na Filosofia, ou seja, quem não era aluno do Liceu. Concentram-se os escritos sobre retórica, política e literatura; ● Obras esotéricas: são tratados filosóficos abordando as mais variadas temáticas, caracte- rizando-se como resultados de estudos sistemáticos. Essas obras eram dirigidas aos alunos do Liceu, portanto, eram mais profundas e complexas. Concentram-se os escritos sobre ló- gica, física e metafísica. A classificação e sistematização das obras aristotélicas esotéricas é ainda alvo de grandes discussões entre os estudiosos. A seguir, tem-se um resumo da organização mais comum. O conjunto das obras esotéricas ficou conhecido como Corpus aristotelicus, que era composto pelo conjunto de obras: ● Órganon: são os tratados de lógica, Categorias, De Interpretatione, Analíticos primeiros, Analíticos segundos, Tópicos e refutações sofísticas. Aqui são estudadas questões como as características do raciocínio verdadeiro e falso, a forma de se pensar corretamente etc; ● Obras de física e filosofia natural: Física, Do céu, Da geração e da corrupção e Meteoro- logia, História dos animais, Das partes dos animais, Do movimento dos animais e Da geração dos animais; ● Obras de psicologia: De anima e vários textos menores sobre a alma; ● Metafísica: obra mais importante, que reúne 14 livros sobre as causas e princípios pri- meiros de toda a realidade e, por isso, podemos considerá-la o trabalho mais importante de Aristóteles; ● Obras de ética e política: Ética a Nicômaco, Grande ética, Ética a Eudemo e Política; ● Obras sobre artes e história: Arte Retórica e Arte Poética. O Liceu possuía a maior biblioteca do mundo antigo, que serviu de modelo para a construção da maior biblioteca da história: a Biblioteca de Alexandria. Além da compilação de muitas obras antigas, a biblioteca do Liceu possuía os mais variados objetos para os estudos de ciências naturais, como protóti- pos de plantas e animais exóticos, trazidos para ele por Alexandre, o Grande, dos locais por onde ele passava em suas conquistas. Depois da derrubada do império macedônico, Aristóteles foi visto como traidor em Atenas e foi processado por impiedade (mesma conde- nação de Sócrates). Mas, ao contrário de Sócrates, Aristóteles optou por fugir, pois acreditava que sua condenação era tão injusta quanto a de Sócrates. Ele foi para a ilha de Eubeia, onde morreu um ano depois e o Liceu ficou sob responsabi- lidade de Teofrasto (até o ano de 287 a.C., quando veio a falecer). Até aproxima- damente 143 a.C., o Liceu passou por vários dirigentes e foi saqueado diversas vezes até que, no ano de 529 da nossa era, deixou de existir por ordem de Justi- niano, imperadorbizantino que instaurou o cristianismo como religião oficial do império romano. Em 146 a.C., o império Romano invadiu a Grécia. Os romanos, então, se apropriaram das obras e as levaram para Roma e de lá, para a Biblioteca de Alexandria. Aristóteles quase caiu no esquecimento na Europa fragmentada do início da era cristã e foi vee- mentemente recusado pela Igreja Católica no Período Medieval por dois motivos: o primeiro é que os pensa- dores da Antiguidade grega eram vistos como pagãos e, consequentemente, hereges; e segundo, porque as obras de Aristóteles que retorna- vam à Europa eram advindas dos estudos, comentários e das traduções para o árabe, o que não era aceito pela Igreja. Foi só com Tomás de Aquino (século XIII d.C.) que Aristóteles finalmente retornou ao cenário do conhecimento, mas, ainda assim, “cristianizado” pela Escolástica. Saiba maisSaiba mais Divisão das ciências Aristóteles buscou uma forma de organizar todo o conhecimento possível em três grandes grupos. ● Ciências teoréticas: estudam tudo aquilo que existe independentemente da vontade e das ações humanas, como os fenômenos naturais, a geração e corrupção dos seres, o ser em ge- ral. São elas: a metafísica, a física e a matemática. Elas são consideradas ciências superiores, por não estarem limitadas a um escopo específico, sendo a metafísica a mais importante de todas as ciências, pois é a investigação das causas e dos princípios primeiros; ● Ciências práticas: investigam as ações humanas, consideradas individual e coletivamente. São elas: a ética (na esfera individual) e a política (na esfera coletiva); 62 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 62PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 62 29/07/2022 11:37:2929/07/2022 11:37:29 EM 23 _1 _F IL _0 5 EM 23 _1 _F IL _0 5 ● Ciências poiéticas ou produtivas: visam à ação fabricadora, ou seja, orientam as ações hu- manas no sentido de produzir uma obra. São consideradas ciências produtivas a navegação, a economia, a medicina, a poesia, a tecelagem, a metalurgia, ou seja, os inúmeros ofícios. Para os gregos, “ciência” era considerada o conhecimen- to teórico das coisas por meio do raciocínio. Para Aristóteles, ciência é o co- nhecimento pelo raciocínio, investigação científica. A palavra grega usada nessa acepção é epistéme. ObserveObserve Metafísica A obra Metafísica é formada por 14 livros, escritos em diferentes períodos da vida de Aristóteles. Pelo fato de não ser pensada como um bloco de textos encadeados, pode apre- sentar dificuldades de compreensão. A reu- nião desses escritos em uma mesma obra não foi realizada por Aristóteles, mas por estudio- sos posteriores de sua obra. Eles perceberam que os 14 livros possuíam em comum o estudo da realidade que “está para além da física”, da matéria, ou seja, a realidade metafísica. Pode-se sintetizar a investigação metafísi- ca com as seguintes perguntas: quais são as causas e os princípios primeiros que geraram toda a multiplicidade de seres que existem? O que é e como estudar o “ser enquanto ser”? Qual a substância primeira do ser? A obra Metafísica inicia-se com a frase: Todos os homens por natureza desejam conhecer. Mas Aristóteles afirma que não basta dese- jar o conhecimento; é necessário delimitá-lo, discriminá-lo, diferenciá-lo e reuni-lo. Ou seja, é necessário adotar uma atitude filosófica ca- paz de ordenar os objetos do conhecimento segundo critérios determinados. O ponto de partida desta investigação é a definição do es- copo da metafísica: “o estudo do ser enquan- to ser”, ou, em outras palavras, a investigação daquilo que torna um ser aquilo que ele é. Aristóteles afirmou que esse estudo é o estudo da substância ou essência como princípio da multiplicidade, da mudança, da unidade e de sua inteligibilidade. Substância, para Aristóteles, é o suporte que recebe atributos, ou seja, o sujeito que re- cebe predicados. Os quatro princípios buscados por Aristóteles para empreender a investigação metafísica são: conhecer os primeiros princí- pios (arkhé), as causas primeiras (aitía), o su- jeito (substrato, em grego hypokeímenon) e a essência (ousía). Primeiros princípios (arkhé) Assim como os pré-socráticos, Aristóteles também buscou o princípio de tudo o que existe (arkhé), mas diferentemente daqueles, propôs que esse princípio primordial seria a substância porque ela possui os seguintes princípios: A palavra “metafísica” foi empregada pela primeira vez por Andrônico de Rodes. “Metafísica” vem do grego metà tà physiká, que significa “aquilo que está para além da física”. A ciência metafísica estuda aquilo que está para além do mundo material. ObserveObserve A metafísica caracteriza- -se pelos aspectos lógico (estrutura da realidade e do pensamento, conside- rando o ser como verbo de ligação), ontológico (a substância como princípio do ser enquanto ser) e epistemológico (por meio da investigação da substância, é possível desenvolver o co- nhecimento científico, pois só há ciência do universal). Saiba maisSaiba mais ● Princípio ontológico: é a partir da subs- tância que se pode ser alguma coisa; ● Princípio lógico: a substância é a condi- ção lógica para se falar sobre o ser; ● Princípio epistemológico: a substância é fundamento da realidade e do conhe- cimento. Causas primeiras (aitíta) Como a metafísica é a ciência que investiga as causas primeiras, Aristóteles concluiu que existem quatro causas necessárias que dão origem à realidade e à possibilidade de conhe- cê-la. São elas: Causa aristotélica Definição Exemplo Causa formal É a forma, isto é, a essência do objeto. Resposta à pergunta “o que é?”. Cadeira. Causa material É o material do qual o objeto é feito. Resposta à pergunta “do que é feito?”. Madeira. Causa eficiente É o que deu origem ao objeto. Resposta à pergunta “quem?”. Marceneiro. Causa final É a finalidade daquele objeto. Resposta à pergunta “para quê?”. Peça de mobília que serve para as pessoas se sentarem. Sujeito (hypokeímenon) Sujeito ou substrato é a tradução do termo grego hypokeímenon que, na metafísica, significa o suporte que recebe as propriedades essen- ciais do ser. Simplificando, é o sujeito que rece- be predicados, mas que não é um predicado em si. Qualquer coisa que exista como sujeito está condicionada à dez categorias de predicação: Ye am ak e/ Sh ut te rst oc k Ku tla ye v D m itr y/ Sh ut te rst oc k Fe rg us Co yle /S hu tte rst oc k Ku tla ye v D m itr y/ Sh ut te rst oc k 63FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 63PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 63 29/07/2022 11:37:3329/07/2022 11:37:33 EM 23 _1 _F IL _0 5 EM 23 _1 _F IL _0 5 ● substância: nome ou substantivo, sobre o qual recai o verbo (homem, cavalo); ● quantidade: quantos (três bolas, dois metros); ● qualidade: adjetivos (azul, inteligente, sonolento) ou modos verbais (indicativo, subjuntivo etc.); ● relação: comparação (maior que, mais perto de); ● lugar: onde (na praça, em casa, no mer- cado); ● tempo: quando (ontem, pela manhã, agora); ● estado: situação (sentado, correndo, doente, saudável); ● hábito: características que costuma apresentar (usa sapatos, penteado, rou- pas coloridas); ● ação: ato do sujeito (amar, cortar, criar); ● paixão: o que sofre a ação (amado, cor- tado, criado). Essência (ousía) Nesse estudo, Aristóteles afasta-se da teo- ria das ideias de seu mestre, Platão, afirmando que a essência de cada coisa reside na própria coisa, e não em um mundo separado, imaterial e perfeito, como o mundo das ideias platôni- co. Logo, Aristóteles propõe a investigação das coisas como elas são, enquanto substância, ou seja, compostas de matéria e forma. Exemplo: a substância “escultura” é composta de matéria (mármore, madei- ra, barro etc.) e de forma (projeto do es- cultor – que pode ser um corpo humano, um animal, um objetoetc.). rte m /S hu tte rst oc k = ra wf 8/ Sh ut te rst oc k + Ce lia fo to /S hu tte rst oc k Substância (estátua) Matéria (mármore) Forma (definida pelo escultor, no exemplo, forma de cavalo) Para Aristóteles, a matéria não sofre mu- danças, ao contrário da forma, que pode mu- dar de acordo com as circunstâncias. Uma vela é feita de cera (matéria) moldada na forma de “vela”, mas quando ela derrete com o calor do O sentido de “paixão” para os filósofos gregos é diferente do sentido atual: não se trata de amor como é entendido hoje, mas trata-se daquele que sofre uma ação, que é passivo, paciente. ObserveObserve fogo, perde sua forma e preserva sua matéria (a cera derretida ainda é cera, mas não é mais uma vela). St oc k i m ag e/ Sh ut te rst oc k A substância “vela” é o resultado da junção entre matéria (cera) e forma (formato de vela). A matéria não sofre mudança, pois continua sendo cera, mesmo que derretida, mas a forma é mutável (a cera derretida não é mais uma vela). Ve cto rp oc ke t/ Sh ut te rst oc k Potência e ato Até agora, Aristóteles definiu a causa mate- rial dos seres (matéria) e a causa formal deles (forma). Ainda falta definir a causa eficiente (como a forma se imprime na matéria?) e a cau- sa final (para que serve cada coisa que existe?). Sabe-se que a forma muda com o tempo, ou seja, se transforma: a semente vira árvore, a árvore vira madeira, a madeira vira casa, o botão vira flor, a noite vira dia. Ou seja, tudo está em constante movimento (devir) e, segun- do Aristóteles, os seres compostos de matéria e forma estão sujeitos a esse ciclo constante de mudanças, que podem ser de dois tipos: ● Mudança radical: quando a matéria per- de a forma ou recebe outra diferente. Exemplo: quando a vela derrete, deixa de ser vela e passa a ser cera derretida; ● Mudança de desenvolvimento: quando ocorre um desdobramento da forma contida na matéria. Exemplo: uma se- mente que vira árvore, um embrião que vira uma pessoa. Aristóteles se preocupou em compreender a relação entre o ser e o movimento – o devir ou vir a ser. Pois bem, para Aristóteles, existe uma condição necessária para que a causa eficiente imprima a forma na matéria, e essa condição é que todo o ser muda porque tende a realizar plenamente a sua essência. Ou seja, os seres buscam encontrar a finalidade, ou a causa final, de sua existência. Pode-se impri- mir a forma de mesa na madeira, mas não no fogo ou na água, porque a madeira contém em si o potencial de ser mesa; uma semente pode vir a ser uma árvore, mas nunca um peixe ou um gato. Logo, cada coisa que existe possui em si mesmo a tendência a se realizar plenamente, ou seja, a buscar sua finalidade última. Outro aspecto importante postulado por Aristóteles é que a forma corresponde ao que Ao afirmar que todos os seres tendem a realizar sua causa final, ou seja, tendem a atingir sua plenitude e perfeição, Aristóteles está afirmando que os seres possuem uma finalidade (thélos) específica. Esse pen- samento é chamado, pelos estudiosos, de teleologia (thélos – fim, finalidade; logos – estudo do fim ou da finalidade, ou seja, estudo da finalidade dos seres). CuriosidadeCuriosidade 64 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 64PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 64 29/07/2022 11:37:4029/07/2022 11:37:40 EM 23 _1 _F IL _0 5 EM 23 _1 _F IL _0 5 o ser é, em ato – ao que ele é na atualidade; a matéria corresponde ao que ele pode vir a ser, ou o que ele é em potência. Acompanhe o exemplo a seguir: Semente: em ato é a própria semente; em potência, a semente poderá vir a ser uma árvore. Árvore: em ato é a própria árvore; em potência, a árvore poderá vir a ser mesa, cadeira, casa... Rv ec to r, d um ay ne , IM iss isH op e, Ka za ko va M ar yia /S hu tte rst oc k DEVIR Teologia Foi visto anteriormente, que a substância é a forma, que é suprassensível e informa o sen- sível. Porém, de onde vem a forma? Isto é, a forma modela a matéria, mas quem modela a forma? E esse algo que modela a forma apenas pode ser suprassensível, pois a matéria não pode definir a forma. Nisso surge o argumen- to aristotélico para provar a existência de uma causa primeira para todas as coisas. Ora, tudo Para retomar as quatro causas, podemos aplicá-las ao exemplo da semente e da árvore e dos artefatos pro- duzidos pelo agente. Para que seja possível a potência se atualizar, depende de inúmeros fatos acidentais, por exemplo, a semente poderá não atualizar seu potencial “árvore” se cair num solo infértil ou se não receber água, luz e nutrien- tes suficientes para se de- senvolver. Da mesma forma, a madeira da árvore pode ou não atualizar sua potên- cia “mesa”, “cadeira”, “casa” dependendo da maneira que será apropriada por um agente. Nesse exemplo, estamos falando da causa eficiente, que pode ou não atualizar a potência da se- mente e da madeira. A causa eficiente da semente são as condições propícias para ela germinar; a causa eficiente da madeira é o lenhador ou carpinteiro ou marceneiro que vai beneficiar a matéria- -prima “madeira”. RelembrandoRelembrando que existe é efeito de uma causa, ou seja, se existe é porque foi gerado ou transformado por outro. E esse outro foi gerado por outro. Mas não podemos ir até o infinito, porque seria necessária uma nova causa para explicar um efeito. Então, deve haver uma primeira causa que não é causada, que seria o primeiro prin- cípio, que depois geraria vários efeitos que se tornariam causas de outros efeitos. Esse primeiro princípio é Deus. Deus é o primeiro motor imóvel, que gera e move todos os ou- tros seres, mas ele mesmo é imóvel, eterno e imutável. A metafísica é também uma ciência que en- caminha o ser humano a Deus, pois o permite conhecer as verdades mais elevadas. Por isso, encerra-se esse estudo sobre a metafísica aris- totélica citando este trecho: Essa passagem influenciará decisivamente a construção da filosofia medieval, pois se tra- ta da fundamentação lógica mais avançada até então para explicar a necessidade da existên- cia de Deus. Sem Deus, não haveria princípio primeiro, e sem o princípio primeiro não tería- mos uma primeira causa, logo tudo nos levaria apenas a um efeito. Além da metafísica, outro estudo de Aristóteles influenciaria de modo in- tenso a história do pensamento ocidental: a ló- gica, disciplina que se encontra distribuída nas várias obras do Órganon. Lógica aristotélica Quais são as regras que definem a forma correta de se elaborar um raciocínio? A disci- plina que trabalha com essa e outras questões referentes à maneira correta de raciocinar é a lógica, e Aristóteles foi seu fundador. O objeti- vo é oferecer uma base sólida para a própria possibilidade do conhecimento. Como pensar corretamente? Nos Analíticos Primeiros, o filósofo aborda o que ele entende por proposição, os enun- ciados compostos de sujeito e predicado, que afirmam ou negam algo, ou seja, dizem se algo é verdadeiro ou falso. Aristóteles lança as ba- ses da lógica ocidental, criando inclusive o uso de letras nas formulações de enunciados. Toda proposição precisa enunciar um pre- dicado referente a um sujeito, por exemplo, “todos os pássaros são animais”. Nisso, elas se dividem em: ● proposições universais: referem à tota- lidade de sujeitos, como “todos os pássa- ros são animais”; ● proposições particulares: ocorrem quando se referem a apenas uma parte dos sujeitos. Exemplo: “alguns animais são pássaros”. Nisso está implícito que há animais que não são pássaros, en- quanto nas afirmações universais não há como dizer que existem pássaros que não sejam animais. Outra importante parte da lógica aristoté- lica é o estudo dos silogismos, que seriam in- ferências dedutivas, que depois pressupõem outras inferências. Exemplo: Todos os homens são mortais. ← Primeira premissa Sócrates é homem. ← Segunda premissa Logo,Sócrates é mortal. ← Conclusão Duas premissas verdadeiras levam a uma conclusão verdadeira. Depois, Aristóteles articulará ainda a lógica dos axiomas nos Analíticos Segundos. Os axio- mas são os princípios que devem ser adquiri- dos por aqueles que querem aprender alguma coisa. Portanto, essa parte da lógica é direcio- nada ao estudo da natureza do conhecimento. Para Aristóteles, conhecer um objeto é desco- brir sua causa, e também que não é possível que determinada coisa seja de outra maneira. Essas duas condições são fundamentais. 65FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 65PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 65 29/07/2022 11:37:4129/07/2022 11:37:41 EM 23 _1 _F IL _0 5 EM 23 _1 _F IL _0 5 O cientista, por exemplo, precisa saber por que o ser humano é bípede e por que não pode- ria ser de outra forma. Contudo, isso apresenta novos problemas. Quando conheço a causa de um fenômeno, precisaria saber a causa dessa causa, e depois dessa, e assim por diante, mas dessa forma iríamos ao infinito. Nunca encon- traríamos, então, a causa primeira de um fato? Aristóteles afirma que existem causas que se justificariam por si mesmas, sem necessidade de outras causas. Essas seriam as definições, enunciados que alcançam a essência do fenô- meno, a natureza do objeto. Para concluir, poderiam ser trazidos outros estudos aristotélicos, como a física, a biologia e a meteorologia. São todos estudos pioneiros, em parte foram superados por estudiosos pos- teriores, por outro lado são a semente da pró- pria ciência ocidental. A metafísica e a lógica lançaram inúmeras bases para o conhecimento que se solidifica- ria nos séculos seguintes. As raízes do saber científico ocidental são: causa e efeito, sendo que conhecer é conhecer a causa; ato e potên- cia; essência e acidente; entender os princípios do fenômeno; entender por que isto é deste modo e não de outro. São conceitos que se tor- nariam atemporais e universais, de tal forma que os filósofos posteriores continuam a falar de causas, de efeitos, de ato e potência, de es- sência, de acidente. Aristóteles, portanto, mais do que o último dos grandes filósofos gregos, é o fundador da ciência ocidental como entendemos hoje. E essa influência não se resume à busca pelo co- nhecimento, mas também à vida prática. Ética aristotélica A influência da filosofia aristotélica no pen- samento ocidental não se resume às investi- gações sobre a teoria do conhecimento, mas também sobre a filosofia prática, que não bus- ca postular como o ser humano pode conhecer ou pensar, mas como deve agir, como alcançar a própria realização na existência. A filosofia prática aristotélica divide-se em ética e política, sendo que cada uma é trabalha- da em obra própria, diferentemente do mestre Platão, que articulava ambas simultaneamente em várias obras. Assim, A República abordava tanto questões éticas (o conceito de justiça e a formação pelas virtudes) como assuntos polí- ticos, tais como a crítica às formas de governo existentes. A ética de Aristóteles é desenvolvi- da em três obras: Ética Eudêmia, Grande Ética e Ética a Nicômaco. A mais importante é a última, ficando célebre como a ética aristotélica. Ética a Nicômaco A ética aristotélica busca compreender como o ser humano pode viver melhor e isso significa, para Aristóteles, realizar a causa final da existência humana. Mas qual é a causa final, ou a finalidade, da existência humana? A reali- zação do máximo bem, ou seja, alcançar a coi- sa mais importante da vida humana. E qual é esse máximo bem? Ou, ainda, o que é um bem? O bem é aquilo para o qual tendem as ações humanas. Toda ação humana é realizada tendo em vista vários bens que, em última ins- tância, resultam na felicidade, pois tudo que se faça é para buscar aquilo que se imagina ser uma vida melhor. Surge, então, a necessidade de definir o que é a felicidade. Aristóteles parte de opiniões gerais de seu tempo sobre o que seria a felicidade e encontra três sentidos dife- rentes para defini-la: ● vida prazerosa: quando a felicidade é entendida como a satisfação de praze- res. No entanto, para Aristóteles, viver em busca da realização dos prazeres iguala a existência humana à existência animal, pois estes também vivem para satisfazer os prazeres do corpo. Sendo o ser humano um animal racional, mais elevado que os demais, não pode redu- zir a felicidade a uma vida prazerosa; ● vida política: felicidade está na vida po- lítica e consiste na conquista da honra e do reconhecimento. O problema é que a honra é algo sempre conferido por ou- tros, tratando-se, portanto, de um bem externo; ● vida contemplativa: seria viver confor- me o que é característico do ser huma- no: a razão e a atividade da alma confor- me a razão. Para ser feliz, o ser humano deve realizar a obra à qual tende, qual seja, viver a vida conforme a virtude. Descartando as duas primeiras opiniões sobre o que é a felicidade, Aristóteles defen- de a terceira, que afirma que a realização da vida feliz está na prática habitual das virtudes racionais. O ser humano que vive pelas virtu- des obtém o prazer em si mesmo, pela própria construção da vida, e não prazeres específicos ligados a determinadas atividades. E também o ser humano virtuoso se sente feliz por aquilo que ele mesmo faz, e não por uma gratificação externa, como seria na vida política. Contudo, Aristóteles afirma que as virtudes apenas não são suficientes para uma vida feliz, mas tam- bém os bens exteriores, pois parece difícil rea- lizar grandes ações sem a ajuda de riqueza, amigos, objetos, poder político etc. 66 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 66PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 66 29/07/2022 11:37:4129/07/2022 11:37:41 EM 23 _1 _F IL _0 5 EM 23 _1 _F IL _0 5 Aristóteles divide as virtudes em dois grupos: ● virtudes éticas: ligadas ao controle das paixões e aos impulsos do corpo. São numerosas e devem ser aprendidas pelo hábito. É na repetição constante de um ato virtuoso que a virtude se internali- za no ser humano. Aquele que pratica habitualmente atos corajosos, torna-se corajoso; ● virtudes intelectuais: são puramente racionais. Também chamadas de “dia- noéticas”, são ligadas à parte mais eleva- da da alma, a alma racional. Porém esta, por sua vez, possui duas partes, a razão prática e a razão teorética. A virtude da primeira é a sabedoria (phrónesis) e a da segunda é a sapiência (sophia). A sabe- doria é a correta condução da vida pelo ser humano, que aprende a distinguir o bem do mal, o certo do errado, e assim descobre os melhores caminhos para al- cançar os escopos pretendidos. A virtude, para Aristóteles, é a jus- ta medida (mediania) de uma ação, sem falta nem excesso. As virtudes, para Aristóteles, são a justa medida, a exata proporção ou o meio-termo entre os impulsos da paixão e a atividade racional do ser humano. ha ryi git /S hu tte rst oc k Aristóteles enfatiza que a virtude nunca existe na falta ou no excesso dos impulsos, mas sim na justa medida que equilibra a falta e o excesso deles, pois toda atitude extrema, seja pela falta, seja pelo excesso, é considerada um vício. Observe a classificação das virtudes na ta- bela a seguir. MEIO-TERMO VÍCIO POR FALTA VIRTUDE VÍCIO PELO EXCESSO Covardia Coragem Temeridade Insensibilidade Temperança Intemperança Avareza Prodigalidade Esbanjamento Modéstia Respeito próprio Vaidade Descrédito próprio Veracidade Orgulho Moleza Prudência Ambição Enfado Amizade Condescendência Malevolência Justa indignação Inveja Por meio da virtude ética, o ser humano sabe o que é correto fazer, e por meio da sabe- doria, sabe como alcançar esse fim. A outra vir- tude intelectual é a sapiência, que consiste não em deliberar sobre ações do cotidiano, mas em conhecer as coisas mais elevadas do universo, que estão acima do ser humano. A máxima felicidade situa-se justamente no exercício da sapiênciaque, por conhecer verdades maiores que o ser humano, o aproxima de Deus e das verdades eternas. A forma de vida mais eleva- da, para Aristóteles, é a vida contemplativa. Contudo, para alcançar essa máxima felici- dade, a vida dedicada apenas à contemplação não é suficiente. É preciso realizar também os atos virtuosos conforme a perfeição. Embora o cume esteja na vida contemplativa, é ne- cessário passar pela vida ativa. Esta, porém, apresenta outras dificuldades, pois está con- dicionada ao agir. A ação moral começa com a distinção entre dois tipos de ação: ● ações voluntárias: são aquelas em que o princípio da ação está no próprio agen- te e este conhece as circunstâncias em que a ação se desenvolve. Em outras pa- lavras, as ações voluntárias são aquelas que estão condicionadas a uma escolha, a uma decisão no momento de agir; ● ações involuntárias: são aquelas em que o indivíduo é coagido a agir de de- terminada forma ou age ignorando as circunstâncias que envolvem a ação. 67FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 67PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 67 29/07/2022 11:37:4829/07/2022 11:37:48 EM 23 _1 _F IL _0 5 EM 23 _1 _F IL _0 5 A justiça é outra virtude estudada por Aristóteles, que a divide em: ● justiça distributiva: a exata proporção na divisão dos bens da pólis; ● justiça corretiva: busca a justa repar- tição pelo mérito individual. A justiça corretiva deve se valer do mérito de cada pessoa, pois parte do fato de que as pessoas não são iguais. A justiça se- ria então a distribuição de coisas iguais às pessoas iguais. Não se trata de uma desigualdade forçada às pessoas, como se uns naturalmente fossem melhores que os outros, mas de uma questão de mérito pessoal. A ligação entre justiça e meio-termo é esta- belecida também na fixação da lei, que acaba por ser uma proporcionalidade que define o que é justo e o que é injusto em determinada cidade, o que é certo e o que é errado. Bem diferente é a justiça natural, que não está res- trita àquilo que está escrito em leis, e que, portanto, só pode ser aplicada a determinado povo. A justiça legal é mutável, pois, para ser alterada, basta modificar a lei. A justiça natural é imutável, pois vem desde sempre. A justiça natural consistiria em um conjunto de princí- pios ditados pelos deuses, pela própria nature- za e pela razão humana, e por isso devem ser obedecidos por todos os povos. Ch od yra M ike /S hu tte rst oc k A justiça é até hoje representada por uma figura feminina de olhos vendados que segura uma balança. A venda nos olhos significa que a justiça é cega, ou seja, não julga pelas aparências, e a balança repre- senta a justa medida ou a mediania na hora de tomar decisões. O elemento fundamental para a adequada aplicação da justiça legal é a equidade. A pro- blemática da lei está em sua aplicação de modo justo a cada caso particular, pois ela não pode prever todas as possibilidades que as relações humanas venham a produzir. A equidade apa- rece como uma forma de justiça superior à justiça legal, pois visa a dar a melhor solução aos conflitos que a lei escrita se vê incapaz de resolver. Para concluir a exposição sobre a Ética a Nicômaco, os livros VIII e IX tratam da amiza- de, e o livro X dos prazeres, ambas condições fundamentais para o ser humano alcançar a felicidade. A amizade é tão importante para a vida que, segundo Aristóteles, quando ela é verda- deira, não é necessária a justiça, pois esta se- ria, em certo modo, uma disposição amistosa. Há três espécies de amizade: ● pelo prazer: quando as pessoas se apro- ximam para obter prazer juntas, como aqueles amigos que só vemos quando vamos às festas; Le re m y/ Sh ut te rst oc k ● pela utilidade: quando as pessoas se aproximam para realizar uma tarefa, como os colegas de trabalho. Le re m y/ Sh ut te rst oc k ● perfeita: quando as pessoas se unem pelo amor fraternal, importando-se real- mente pelo que o outro pensa, fala, sen- te e faz. Ta La No Va /S hu tte rst oc k Política A obra Política é um dos primeiros tratados sistemáticos sobre as relações políticas, de po- der etc. Se a ética aristotélica visa a levar o indi- víduo à felicidade individual, a política tem por finalidade alcançar o bem comum, isto é, gerar felicidade e desenvolvimento a todos. A origem do Estado está na necessidade na- tural do ser humano em se associar com seus semelhantes. A comunidade mais primitiva é a família, na qual alguns indivíduos se unem para facilitar as atividades básicas de sobrevivên- cia. Quando várias famílias se unem, forma-se uma aldeia e a união de várias aldeias conduz à criação do Estado. Com isso, Aristóteles afirma que é errado entender o Estado como criação artificial do ser humano, mas sim como uma necessidade natural, pois somente no Estado o ser humano pode ser realmente feliz, somente 68 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 68PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 68 29/07/2022 11:37:5029/07/2022 11:37:50 EM 23 _1 _F IL _0 5 EM 23 _1 _F IL _0 5 ali pode desenvolver todas as suas potencia- lidades. Isso é de tal forma importante que, para o filósofo, o ser humano é um “animal po- lítico” – além de animal racional –, e o indivíduo que não vive em comunidade ou é uma besta ou um deus, pois ou está muito abaixo das po- tencialidades humanas ou muito acima delas. Aristóteles também critica Platão e sua no- ção de Estado ideal. Para o estagirita, o Estado ideal, ainda que fosse possível de ser alcan- çado, não era em sua totalidade desenhado como previra Platão. Entre as várias críticas é possível citar a rejeição de Platão à proprie- dade privada. Para Aristóteles, elas são fontes de prazeres, pois são obtidas com o labor e a dedicação do cidadão. De qualquer forma, con- corda que deve haver uma educação a incenti- var os indivíduos a não procurarem de modo excessivo a riqueza. Assim, a política de Aristóteles reveste-se do mesmo realismo que se revela no restan- te da filosofia aristotélica. Diferentemente de Platão, Aristóteles está sempre mais preocu- pado não em realizar o ideal, a perfeição, mas o melhor possível, aquilo que está acessível ao ser humano aqui e agora. Mais válido que arquitetar um Estado ideal é analisar os vários Estados reais existentes e, a partir daí, pensar formas de aprimorá-los. Co m sto ck Co m pl et e. A ágora de Atenas, local onde havia os debates políticos sobre o destino da cidade. Os livros VII e VIII da Ética a Nicômaco apre- sentam a exposição de Aristóteles sobre como deveria ser o Estado. O Estado precisa ser po- puloso o suficiente para garantir que todos possam satisfazer suas necessidades, mas não tão populoso a ponto de ameaçar a ordem e o bom governo. Em dimensões territoriais, o Estado não pode ser tão pequeno nem tão grande. Se muito pequeno, haveria poucas possibilida- des de os cidadãos desfrutarem de cultura e outras artes, pois existiria pouca disponibili- dade; se muito grande, incentivaria a busca pelo luxo excessivo. A educação seria elemento fundamental no Estado aristotélico, tal como já era no pla- tônico e também deveria ser encarregada pelo Estado. A educação se iniciaria pelo corpo, de- pois passaria pelos apetites e, por fim, culmi- naria nas atividades da razão. As faculdades do corpo e apetitivas deveriam ser guiadas a servirem a razão e, por isso, a educação aris- totélica é, sobretudo, uma educação moral. O cidadão deveria ser formado para ser primeiro guerreiro, depois magistrado ou governante. A obra Política não foi preservada em sua totali- dade, tendo sido perdidas as análises sobre a educação científica e tecnológica. Jea n Le on G er om e Fe rri s/ W. Co m m on s Pintura de Jean Leon Gerome Ferris (1895), onde Aristóteles aparece ensinando Alexandre. De qualquer forma, parece evidente que essas educações não seriam direcionadas ao preparo somente tecnicista, mas à for-mação de valores elevados para a alma. Para Aristóteles, a felicidade do cidadão e do Estado é indissociável. Não há Estado justo e feliz sem cidadãos prosperando. Os indivíduos não são preparados para fazerem funcionar a máquina do Estado, mas para aprimorarem a cidade e, assim, fazerem o mesmo com as próprias vidas. 69FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 69PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 69 29/07/2022 11:37:5229/07/2022 11:37:52 [...] Vivemos numa época que requer abertura de horizontes. A ideia não é nova. Aristóteles começa a Metafí- sica falando a respeito de sensações e memórias, e sua teoria da ciência tem isso por base. Como ele também diz, filosofa-se a partir da admiração surgida quando se presta atenção no modo de ser das coisas. Hoje, é espantoso pensar que uma porção de matéria cinzenta sinta e pense, imagine e ame, e então produza filoso- fias e obras de arte, por exemplo, ou ainda seja capaz de pensar a respeito de si própria. O homem se surpreende com a incomensurabilidade da diagonal, mas, se é preciso, como Aristóteles diz, terminar no estado oposto e melhor, para o homem que sabe Geometria nada poderia causar mais espanto do que a diagonal tornar-se comensurável. Disso, surgiam novas questões e impasses, e assim a Geometria grega foi levada adiante. Agora, diante de um órgão excepcionalmente complexo como o cérebro, certas questões não mais surpreendem, mas o caminho a percorrer é tão vasto que fará a surpresa do geômetra parecer pequena, embora ela esteja na origem da Filosofia. 1. O texto inicia-se com uma menção à obra Metafísica, de Aristóteles, comentando que a “ideia não é nova”. Que ideia é essa e como ela influencia a Neurociência, na atualidade? 2. Segundo o texto, como a Geometria grega foi levada à diante? 3. Por que, diante das descobertas sobre o cérebro humano, “a surpresa do geômetra” parecerá pequena? A ideia refere-se à abertura de novos horizontes, necessária para a construção do conhecimento. Essa ideia de Aristóteles continua válida na atualidade, pois, para conhecer, é preciso estar aberto a novas ideias. Diante de novas questões e impasses. O objetivo dessa questão é mostrar como o conhecimento é construído ao longo do tem- po, sempre dialogando com pensamentos anteriores e atuais, criando ideias e impasses que impulsionam outras descobertas. Esse é o processo dialético. ag sa nd re w/ Sh ut te rst oc k Porque o estudo do cérebro revelará muitas descobertas que ainda nem podemos imaginar, ou seja, promoverá uma verdadeira abertura de novos horizontes. Leia o texto a seguir, sobre a relação entre o pensamento de Aristóteles e a Neurociência. Pensamento de Aristóteles segue influente no mundo contemporâneo Filósofo grego pensou da biologia à lógica, passando pela metafísica Estética, ética, metafísica, astronomia, biologia e filosofia foram alguns dos temas e dos campos de interesse do pensador grego Aristóteles, ainda no século IV a.C. Muitas de suas reflexões foram pioneiras e serviram como ponto de partida para os conhecimentos atuais. Outras, porém, permanecem relevantes, seja porque são obras clássicas e merecem a leitura, seja porque ainda permanecem atuais. “A influência do pensamen- to de Aristóteles nos dias de hoje é muito maior do que imaginamos. A nossa forma de compreender o mundo é influenciada pelo pensamento de Aristóteles. A própria forma como estru- turamos o nosso raciocínio é profundamente influenciada por Aristóteles, inclusive quando consideramos que estamos tirando uma con- clusão. Isso que chamamos hoje de raciocínio lógico tem uma forte influência de Aris- tóteles”, diz a doutora em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Cíntia Martins Dias. O raciocínio lógico a que Cíntia se refere está relacio- nado ao que ficou conhecido como lógica aristotélica, por meio da qual é possível se tirar conclusões a partir de premissas verdadeiras, den- tre outras leis que permiti- riam a dedução. Aristóteles não foi apenas o pioneiro no estudo da lógica, como suas reflexões nesta área continuam válidas. (Disponível em: <http://redeglobo.glo- bo.com/globociencia/noticia/2011/10/ pensamento-de-aristoteles-segue-in- fluente-no-mundo-contemporaneo. html>. Acesso em: 29 jun. 2018.) ObserveObserve (KICKHÖFEL, Eduardo. As neurociências: questões filosóficas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2014. p. 51-52.) 70 FIL FILOSOFIA E CIÊNCIA PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 70PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 70 29/07/2022 11:37:5329/07/2022 11:37:53 1. O texto inicia-se com uma menção à obra Metafísica, de Aristóteles, comentando que a “ideia não é nova”. Que ideia é essa e como ela influencia a Neurociência, na atualidade? 2. Segundo o texto, como a Geometria grega foi levada à diante? 3. Por que, diante das descobertas sobre o cérebro humano, “a surpresa do geômetra” parecerá pequena? A ideia refere-se à abertura de novos horizontes, necessária para a construção do conhecimento. Essa ideia de Aristóteles continua válida na atualidade, pois, para conhecer, é preciso estar aberto a novas ideias. Diante de novas questões e impasses. O objetivo dessa questão é mostrar como o conhecimento é construído ao longo do tem- po, sempre dialogando com pensamentos anteriores e atuais, criando ideias e impasses que impulsionam outras descobertas. Esse é o processo dialético. ag sa nd re w/ Sh ut te rst oc k Porque o estudo do cérebro revelará muitas descobertas que ainda nem podemos imaginar, ou seja, promoverá uma verdadeira abertura de novos horizontes. Resolvidos 1. (UFU) Aristóteles rejeitou a dicotomia estabelecida por Platão entre mundo sensível e mundo inteligível. No entanto, acabou fundindo os dois conceitos em um só. Esse conceito é a) a forma, aquilo que faz com que algo seja o que é. É o princípio de inteligibilidade das coisas. b) a matéria, enquanto princípio indeterminado de que o mundo físico é composto, e aquilo de que algo é feito. c) a substância, enquanto aquilo que é em si mesmo e enquanto é suporte dos atributos. d) o Ato Puro ou Primeiro Motor Imóvel, causa incausada e causa primeira e necessária de todas as coisas. 9 Resposta: C O item A está incorreto, pois a forma, para Platão, era a ideia. O item B está incorreto, pois a matéria é um princípio determinável. O item C está correto, pois a substância, como substrato (Hypokheimenón) é o suporte dos atributos, pois ela é o composto de matéria e forma. O item D está incorreto, porque a teoria do Primeiro Motor Imóvel foi elaborada por Aristóteles. 2. (UEL) A busca da ética é a busca de um “fim”, a saber, o do homem. E o empreendimento humano como um todo envolve a busca de um “fim”: “Toda arte e todo método, assim como toda ação e escolha, parece tender para um certo bem; por isto se tem dito, com acerto, que o bem é aquilo para que todas as coisas tendem”. Nesse passo inicial de a Ética a Nicômaco está delineado o pensa- mento fundamental da Ética. Toda atividade possui seu fim, ou em si mesma, ou em outra coisa, e o valor de cada atividade deriva da sua proximidade ou distância em relação ao seu próprio fim. (PAIXÃO, Márcio Petrocelli. O problema da felicidade em Aristóteles: a passagem da ética à dianoética aristotélica no problema da felicidade. Rio de Janeiro: Pós-Moderno, 2002. p. 33-34.) Com base no texto e nos conhecimentos sobre a ética em Aristó- teles, considere as afirmativas a seguir. I. O “fim” último da ação humana consiste na felicidade alcançada mediante a aquisição de honrarias oriundas da vida política. II. A ética é o estudo relativo à excelência ou à virtude própria do homem, isto é, do “fim” da vida humana. III. Todas as coisas têm uma tendência para realizar algo, e nessa tendência encontramos seu valor, sua virtude, que é o “fim” de cada coisa. IV. Uma ação virtuosa é aquela que está em acordo com o dever, independentemente dos seus “fins”. Estãocorretas apenas as afirmativas: a) I e IV. b) II e III. c) III e IV. d) I, II e III. e) I, II e IV. 9 Resposta: B O item I está incorreto, pois as honras dependem sempre da aprovação dos outros. O item II está correto, pois a ética aristotélica estabelece a causa final da existência humana, ou seja, a felicidade. O item III está correto, pois as virtudes são o fim último das ações humanas. O item IV está incorreto, pois, para Aristóteles, a virtude não deve ser imposta de fora, mas deve partir da consciência de cada um em praticar o bem. Praticando 1. (UEM-2015) “É pois com direito que a filosofia é também chamada a ciência da verdade: o fim da [ciência] especulativa é, com efeito, a verdade, e o da [ciência] prática, a ação; porque, se os práticos consideram o como, não consideram o eterno, mas o relativo e o pre- sente. E nós não conhecemos o verdadeiro sem [conhecer] a causa.” (ARISTÓTELES. Metafísica (L. II, cap. 1). Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p. 39-40.) A partir do texto citado, assinale o que for correto. (1) Para Aristóteles, a verdade deve ser eterna e imutável. (2) Segundo Aristóteles, a filosofia é a única ciência verdadeira. (3) Conhecer a causa de uma ação é conhecer a sua verdade. (4) Para Aristóteles, a verdade de algo se conhece por meio das causas desse algo. (5) Para Aristóteles, a ciência prática volta suas atenções para como as coisas estão dispostas e não para as causas destas. Soma ( ) 9 Anotações 2. (UFU) No livro V da Metafísica, Aristóteles serviu-se das seguintes palavras para definir acidente: Acidente significa: (1) o que adere a uma coisa e dela pode ser afirmado com verdade, porém não necessariamente, nem habitual- mente; por exemplo, se alguém ao cavar um buraco para plantar uma árvore, encontra um tesouro. Esse fato – o encontro do tesou- ro – é um acidente para o homem que cavou o buraco, pois nem uma coisa provém necessariamente da outra ou vem depois dela, nem é habitual descobrir tesouros quando se planta uma árvore. (ARISTÓTELES. Metafísica [livro V, 30, 1025a 1-25] Trad. de Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1969, p. 140.) Com base na descrição de Aristóteles apresentada, explique qual é a causa responsável pelo acidente. 3. (UEM-2012) Na Metafísica, Aristóteles afirma: “O ser se diz de muitos modos, mas se diz em relação a um termo único e única natureza e não de modo equívoco. [...] uns são ditos ser porque são subs- tâncias, outros porque são afecções de substâncias, outros porque são um caminho para a substância, ou destruições, privações, qualidades, causas produtivas ou geradoras para a substância ou do que é dito relativamente da substância, ou são negações de uma delas ou da substância; por esta razão dizemos inclusive que o não ser é não ser”. (ARISTÓTELES. Metafísica, livro IV, cap. 2. In: FIGUEIREDO, V. Filósofos na sala de aula. Volume 3. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2008. p. 33-34.) A partir do trecho citado, assinale a(s) alternativa(s) correta(s). (1) Um ser pode ser a negação de uma substância. (2) Do ser pode-se gerar uma substância, sem que isso que a gerou seja necessariamente uma substância. 25 (01 + 08 + 16) Aristóteles concluiu que existem quatro causas necessárias que dão origem à realidade e à possibilidade de conhecê-la. O estudante deverá argumentar sobre o que é efêmero e transitório, sobre o inesperado que é o acidente. Mas que, em si, não afeta a essência do que se quer. O acidente é o que transcorre em um percurso e que não é esperado, mas que, ainda assim, não altera a essência da ação que se quereria praticar. 71FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 71PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 71 29/07/2022 11:37:5429/07/2022 11:37:54 (3) A substância é anterior e prioritária ao ser. (4) A substância é necessariamente um ser. (5) Uma das exigências da definição de ser é que ela seja unívoca. Soma ( ) 9 Anotações 4. (Enem) Quanto à deliberação, deliberam as pessoas sobre tudo? São todas as coisas objetos de possíveis deliberações? Ou será a deliberação impossível no que tange a algumas coisas? Ninguém delibera sobre coisas eternas e imutáveis, tais como a ordem do universo; tampouco sobre coisas mutáveis como os fenômenos dos solstícios e o nascer do sol, pois nenhuma delas pode ser produzida por nossa ação. (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Edipro, 2007. Adaptado.) O conceito de deliberação tratado por Aristóteles é importante para entender a dimensão da responsabilidade humana. A partir do texto, considera-se que é possível ao homem deliberar sobre a) coisas imagináveis, já que ele não tem controle sobre os acon- tecimentos da natureza. b) ações humanas, ciente da influência e da determinação dos astros sobre as mesmas. c) fatos atingíveis pela ação humana, desde que estejam sob seu controle. d) fatos e ações mutáveis da natureza, já que ele é parte dela. coisas eternas, já que ele é por essência um ser religioso. 9 Anotações Desenvolvendo Habilidades 1. C1:H4 (Enem-2012) Pode-se viver sem ciência, pode-se adotar crenças sem querer justificá-las racionalmente, pode-se desprezar as evidências empíricas. No entanto, depois de Platão e Aristóteles, nenhum homem honesto pode ignorar que uma outra atitude intelectual foi experimentada, a de adotar crenças com base em razões e evidências e questionar tudo o mais a fim de descobrir seu sentido último. (ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. São Paulo: Odysseus, 2002.) Platão e Aristóteles marcaram profundamente a formação do pensamento Ocidental. No texto, é ressaltado importante aspecto filosófico de ambos os autores que, em linhas gerais, refere-se à a) adoção da experiência do senso comum como critério de verdade. b) incapacidade de a razão confirmar o conhecimento resultante de evidências empíricas. c) pretensão de a experiência legitimar por si mesma a verdade. d) defesa de que a honestidade condiciona a possibilidade de se pensar a verdade. e) compreensão de que a verdade deve ser justificada racionalmente. 2. C1:H1 (Enem) Ao falar do caráter de um homem não dizemos que ele é sábio ou que possui entendimento, mas que é calmo ou tem- perante. No entanto, louvamos também o sábio, referindo-se ao hábito; e aos hábitos dignos de louvor chamamos virtude. (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Nova Cultural, 1973.). 27 (01 + 02 + 08+ 16) A metafísica de Aristóteles afirma a substância ou essência como princípio da multiplicidade, da mudança, da unidade e de sua inteligibilidade. Subs- tância, para Aristóteles, é o suporte que recebe atributos, ou seja, o sujeito que recebe predicados. Uma das virtudes definidas por Aristóteles é a virtude intelectual, denomina- da sapiência, que consiste não em deliberar sobre ações do cotidiano, mas em conhecer as coisas mais elevadas do universo, que estão acima do ser humano. Em Aristóteles, o conceito de virtude ética expressa a a) excelência de atividades praticadas em consonância com o bem comum. b) concretização utilitária de ações que revelam a manifestação de propósitos privados. c) concordância das ações humanas aos preceitos emanados da divindade. d) realização de ações que permitem a configuração da paz interior. e) manifestação de ações estéticas, coroadas de adorno e beleza. 3. C1:H1 (Enem-2014) TEXTO I Olhamos o homem alheio às atividades públicas não como alguém que cuida apenas de seus próprios inte- resses, mas como um inútil; nós, cidadãos atenienses, decidimos as questões públicas por nós mesmos na crença de que não é o debate que é empecilho à ação, e sim o fato de não se estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação. (TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso. Brasília: UnB, 1987. Adaptado.) TEXTO II Um cidadão integral pode ser definido por nada mais nada menos que pelo direito de administrar justiça e exercer funções públicas; algumas destas, todavia, sãolimitadas quanto ao tempo de exer- cício, de tal modo que não podem de forma alguma ser exercidas duas vezes pela mesma pessoa, ou somente podem sê-lo depois de certos intervalos de tempo prefixados. (ARISTÓTELES. Política. Brasília: UnB, 1985.) Comparando os textos I e II, tanto para Tucídides (no século V a.C.) quanto para Aristóteles (no século IV a.C.), a cidadania era definida pelo(a) a) prestígio social. b) acúmulo de riqueza. c) participação política. d) local de nascimento. e) grupo de parentesco. 4. C1:H1 (Enem-2013) A felicidade é, portanto, a melhor, a mais nobre e a mais aprazível coisa do mundo, e esses atributos não devem estar separados como na inscrição existente em Delfos “das coisas, a mais nobre é a mais justa, e a melhor é a saúde; porém a mais doce é ter o que amamos”. Todos estes atributos estão presentes nas mais excelentes ativida- des, e entre essas a melhor, nós a identificamos como felicidade. (ARISTÓTELES. A Política. São Paulo: Cia. das Letras, 2010.) Ao reconhecer na felicidade a reunião dos mais excelentes atribu- tos, Aristóteles a identifica como a) busca por bens materiais e títulos de nobreza. b) plenitude espiritual e ascese pessoal. c) finalidade das ações e condutas humanas. d) conhecimento de verdades imutáveis e perfeitas. e) expressão do sucesso individual e reconhecimento público. Complementares 1. (UEM-2012) Na Ética a Nicômaco, Aristóteles afirma: “Então, quan- do a amizade é por prazer ou por interesse mesmo, duas pessoas más podem ser amigas, ou então uma pessoa boa e outra má, ou uma pessoa que não é nem boa nem má pode ser amiga de outra 72 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 72PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 72 29/07/2022 11:37:5529/07/2022 11:37:55 qualquer espécie; mas pelo que são em si mesmas é óbvio que somente pessoas boas podem ser amigas. Na verdade, pessoas más não gostam uma da outra a não ser que obtenham algum proveito recíproco” (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In: Filosofia. Vários autores. Curitiba: SEED-PR, 2006, p. 123.) A partir do trecho citado, assinale a(s) alternativa(s) correta(s). (1) A amizade comporta uma esfera de interesses particulares. (2) A amizade, em alguns casos, é consequência de condicio- nantes pessoais dos amigos. (3) As amizades desinteressadas não existem, visto que alguém sempre tem a ganhar na relação. (4) A amizade interessada entre pessoas más também é amizade. (5) A amizade é falsa quando não há interesse ou prazer na relação. Soma ( ) 2. (UFPA) Tendemos a concordar que a distribuição isonômica do que cabe a cada um no estado de direito é o que permite, do ponto de vista formal e legal, dar estabilidade às várias modalidades de organizações instituídas no interior de uma sociedade. Isso leva Aristóteles a afirmar que a justiça é “uma virtude completa, porém não em absoluto e sim em relação ao nosso próximo” (ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 332.) De acordo com essa caracterização, é correto dizer que a função própria e universal atribuída à justiça, no estado de direito, é a) conceber e aplicar, de forma incondicional, ideias racionais com poder normativo positivo e irrestrito. b) instituir um ideal de liberdade moral que não existiria se não fossem os mecanismos contidos nos sistemas jurídicos. c) determinar, para as relações sociais, critérios legais tão univer- sais e independentes que possam valer por si mesmos. d) promover, por meio de leis gerais, a reciprocidade entre as necessidades do Estado e as de cada cidadão individualmente. e) estabelecer a regência na relação mútua entre os homens, na medida em que isso seja possível por meio de leis. 3. (Unioeste-2013) “... a função própria do homem é um certo modo de vida, e este é constituído de uma atividade ou de ações da alma que pressupõem o uso da razão, e a função própria de um homem bom é o bom e nobilitante exercício desta atividade ou a prática destas ações [...] o bem para o homem vem a ser o exercício ativo das faculdade da alma de conformidade com a excelência, e se há mais de uma excelência, em conformidade com a melhor e a mais completa entre elas. Mas devemos acrescentar que tal exercício ati- vo deve estender-se por toda a vida, pois uma andorinha só não faz verão (nem o faz um dia quente); da mesma forma um dia só, ou um curto lapso de tempo, não faz um homem bem-aventurado e feliz”. Aristóteles. Considerando o texto citado e o pensamento ético de Aristóteles, seguem as afirmativas abaixo: I. O bem mais elevado que o ser humano pode almejar é a eudaimonia (felicidade), havendo uma concordância geral que o bem supremo para o homem é a felicidade, e que bem viver e bem agir equivale a ser feliz. II. A eudaimonia (felicidade) é sempre buscada por si mesma e não em função de outra coisa, pois o ser humano escolhe o viver bem como a mais elevada finalidade e por nada além do próprio viver bem. III. Definindo a eudaimonia (felicidade) a partir da função própria da alma racional e do exercício ativo das faculdades da alma em conformidade com a excelência (virtude) conclui-se que, aos seres humanos, só é possível levar uma vida constituída por momentos de felicidade decorrentes da satisfação dos desejos e paixões que não se subordinam à atividade racional. IV. A eudaimonia (felicidade) é um certo modo de vida constituído de uma atividade ou de ações por via da razão e conforme a ela, sendo o bem melhor para o homem o exercício ativo das faculdades da alma em conformidade com a excelência (virtude) que deve estender-se por toda a vida. V. A excelência (virtude) humana, como realização excelente da tarefa humana, reside no exercício ativo da racionalidade, pois a função própria de um homem bom é o bom e nobilitante exercício desta atividade ou na prática destas ações em con- formidade com a virtude, sendo este o bem humano supremo e a última finalidade desiderativa humana. Das afirmativas feitas acima a) somente a afirmação I está incorreta. b) somente a afirmação III está incorreta. c) as afirmações III e V estão corretas. d) as afirmações I e III estão corretas. e) as afirmações II, III e IV estão corretas. GABARITO ONLINE 1. Faça o download de qualquer aplicativo de leitura de QR Code. 2. Abra o aplicativo e aponte a câmera para o QR Code ao lado. 3. O gabarito deste módulo será exibido em sua tela. 73FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 73PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 73 29/07/2022 11:37:5529/07/2022 11:37:55 EM 23 _1 _F IL _0 6 “Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo. Portanto, todo prazer constitui um bem por sua própria natureza; não obstante isso, nem todos são escolhi- dos; do mesmo modo, toda dor é um mal, mas nem todas devem ser evitadas. Convém, portanto, avaliar todos os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos. Há ocasiões em que utilizamos um bem como se fosse um mal e, ao contrário, um mal como se fosse um bem”. Epicuro foi um filósofo grego do período helenístico e desenvolveu uma corrente filosófica que tinha como premissa a bus- ca pela felicidade. Essa corrente filosófica ficou conhecida como epicurismo. Ma rie -L an N gu ye n/ W. Co mm on s A partir das ideias do texto e das suas reflexões, responda às questões. 1. Na sua vida, há prazeres dos quais você abre mão por entender que este sacrifício vale a pena? Quais? 2. Como deve se dar, segundo Epicuro, a relação entre a vida e o prazer? Resposta pessoal. O prazer, para Epicuro, é o elemento central da vida humana. Contudo, a busca pelo prazer não se dá de forma inconsequente, uma vez que o pensamentoepicurista defende que os prazeres e os sofrimentos cumprem diferentes funções em diferentes momentos, trazendo benefícios e danos, a depender do modo como são buscados. Epicuro. Carta a Meneceu. FIL Filosofia 06 74 DP DL L DP LP PP PP PP PPP PPP PPP mód. 06/08 EM 23_1_FIL_06 S T A R T Helenismo Contexto histórico Helenismo PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 74PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 74 29/07/2022 11:38:0129/07/2022 11:38:01 EM 23 _1 _F IL _0 6 O Helenismo é o período da Filosofia que se estende do ano 323 a.C., com a morte de Alexandre, o Grande, até o fim da república romana, em 27 a.C. Isso significa que a pólis antiga, a democracia ateniense, a filosofia e o ideal do homem grego passaram por profun- das transformações – a pólis e a democracia, por exemplo, deixaram de existir, embora a hegemonia cultural grega tenha assumido no- vos contornos, ganhado território e recebido influências do oriente. Alexandre, o Grande: filho e sucessor de Filipe II, rei da Macedônia, e o mais ilustre discípulo de Aristó- teles. Empreendeu a maior campanha expansionista da Antiguidade. BiografiaBiografia Segundo Marilena Chaui, novos estudos indicam que o Período Helenístico perdurou até o século V d.C., incluindo pensadores romanos (Cícero, Sêneca, Lucrécio e Marco Aurélio) e obras escritas em latim. No entanto, para o livro didá- tico, optamos por abordar as escolas mais conhecidas do período, a saber, o ceticismo, estoicismo e epicurismo. O fim do período clássico da Filosofia – o período de Sócrates, Platão e Aristóteles – deixou uma impressão negativa sobre o hele- nismo e muitos estudiosos o viam com maus olhos. Somado a essa ideia, pouquíssimo material desse período resistiu ao tempo e o que conhecemos, hoje, são raros fragmentos e doxografias sobre os autores helenísticos. Novas descobertas e pesquisas têm valoriza- do o helenismo, desfazendo muitos desses preconceitos. Doxografia: compilado de interpretações sobre as ideias de um determina- do autor. GlossárioGlossário Acompanhe a linha do tempo a seguir, para entender as profundas mudanças pelas quais a Grécia passou do final do período clássico até o início do helenismo. Guerra do Peloponeso (431 a.C. – 404 a.C.) Conflito armado entre as duas principais cidades- -Estados da Grécia antiga, que disputavam a hege- monia: Atenas, que era o centro cultural e a maior potência naval da época, e Esparta, que era uma potência militar de costu- mes mais austeros. Após 27 anos de uma guerra sangrenta, assolada pela fome e pela peste, Esparta venceu Atenas, pondo fim à democracia ateniense. Os espartanos apoiaram um golpe da oligarquia em Atenas, que ficou co- nhecido como Tirania dos Trinta. Nesse mesmo período, as colônias gre- gas da Ásia menor foram entregues aos persas por Esparta, em troca de ouro para financiar a guerra. Vo ro pa ev Va sil iy/ Sh ut te rst oc k Tirania dos Trinta: governo oligárquico que substituiu a democracia de Atenas, após a perda da Guerra do Pelo- poneso. Alguns dos tiranos eram parentes e amigos de Platão, que pertencia à mais alta aristocracia ateniense da época. GlossárioGlossário Filipe II (382 a.C. – 336 a.C.) O rei Filipe II da Macedônia vence Atenas e outras cidades-Estados gregas, passando a gover- ná-las e uni-las para lutar contra os persas e outros povos bárbaros. Inicia-se um período de expansão macedônica e Atenas vol- ta a prosperar, apesar de perder a liberdade políti- ca da qual fora exemplo em outras épocas. Filipe II empreende um ambicio- so projeto de expansão dos domínios macedôni- cos, difundindo a cultura grega pelos territórios conquistados. Gu nn ar B ac h Pe de rse n/ Sh ut te rst oc k Alexandre, o Grande (336 a.C. – 323 a.C.) Após o assassina- to de Filipe II, o seu filho Alexandre Magno assume o poder com apenas 20 anos de idade. Alexandre, o Grande, como ficou co- nhecido, dá continuidade ao expansionismo de seu pai e torna-se o maior conquistador de terras da Antiguidade, chegando até o leste asiático e o nor- deste africano. Por onde passou, fundou importan- tes cidades, sendo a mais importante Alexandria, no Egito. Além disso, Alexandre difundiu a cultu- ra grega por onde passou, assim como absorveu ele- mentos da cultura orien- tal. Morreu em batalha, invicto, na Babilônia, em 323 a.C. Após a sua morte, seu reino passou por inú- meras guerras civis até ser dissolvido em pequenos estados. Be rth ol d We rn er Contexto histórico 75FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 75PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 75 29/07/2022 11:38:1429/07/2022 11:38:14 EM 23 _1 _F IL _0 6 EM 23 _1 _F IL _0 6 Alexandre, o Grande, ao longo de suas conquistas expansionistas, promoveu uma verdadeira expansão da cultura grega e iniciou um processo de fusão com a cultura dos povos conquistados, uma vez que ele tinha uma política de tolerância, seguindo os princípios de: ● respeito à religião e às instituições políticas dos povos conquistados; ● incentivo a casamentos entre vencedores e vencidos; ● abertura à participação militar de persas em seus exércitos; ● combate à desigualdade entre os povos. Como consequência do expansionismo de Alexandre, surgiu a cultura helenística. Características gerais do Helenismo A política expansionista de Alexandre, o Grande, favoreceu a formação da chamada cultura helenística, que consiste na mescla do pensamento grego com o oriental. O território que com- preendia a Grécia antiga era chamado Hélade e, consequentemente, os gregos se autodenomina- vam helenos, por isso se fala em helenismo ou cultura helenística. Diferentemente do período clássico, que era influenciado pela vida pública e política, o pe- ríodo helenístico passou, gradativamente, a se preocupar com a vida privada e individual. Novas questões surgiram e modificaram o pensamento filosófico, que passou a investigar como ter uma vida plena e feliz, apesar das intempéries e disputas políticas. Surgiram diversas escolas, cada qual com suas próprias características, como o ceticismo, o estoicismo e o epicurismo. Em geral, as escolas helenísticas dialogavam com os clássicos da Filosofia, especialmente Platão e Aristóteles, ainda que os criticando e propondo novas ideias a partir das deles. De maneira geral, o Helenismo possui as seguintes características: ● Áreas de estudo – a filosofia helenística dividiu seus estudos de acordo com a proposta de Xenócrates, dirigente da Academia de Platão, em: lógica (estudo do raciocínio e do discurso racional), física (estudo da natureza e da ontologia) e ética (estudo da natureza humana, da vida plena e feliz). ● Naturalismo ético – ao contrário de Platão e Aristóteles, os helenistas entendiam a lógica, a física e a ética como áreas correlacionadas. Isso significa dizer que não é possível haver uma ética sem uma física nem uma física sem a lógica. Assim, surgiu o que ficou conhecido como naturalismo ético, ou seja, a ideia de que os princípios fundamentais da ação humana são determinados pela natureza. Nesse sentido, a ética era a mais importante das três áreas de estudo, pois ela conduziria à sophía (sabedoria). ● Materialismo – diferentemente do platonismo e aristotelismo, a filosofia helenística recusa a existência de entidades imateriais, como as Ideias de Platão ou o Intelecto de Aristóteles, consideradas desnecessárias para compreender as estruturas e os fenômenos da natureza. Nesse sentido, preocupavam-se muito mais com a vida prática do que com a vida contem- plativa. ● Sistemas ou doutrinas – como as três áreas de estudo dos filósofos helenísticos são corre- lacionadas, o conteúdo da sua filosofia passa a ser organizado em sistemas ou doutrinas de acordo com a orientação teórica que possuíam. ● Fundação de escolas – os pensadores helenísticos se caracterizaram pela fundação de escolas onde suas doutrinas seriam ensinadas.As escolas helenísticas se identificavam de acordo com a posição teórica que defendiam, pois entendiam esse posicionamento como uma questão de preferência por uma maneira específica de viver, ou seja, por uma questão de escolha sobre o bem viver. Sendo assim, a Filosofia Helenística se ocupou basicamente em definir regras racionais e uni- versais para a conduta humana, cujo exemplo máximo seria a figura do filósofo como sábio ou homem virtuoso, que está acima dos infortúnios da vida e em constante busca pela felicidade. Para esses filósofos, a felicidade é uma espécie de sabedoria de vida. A Filosofia, nesse contex- to, passa a ser medicina da alma, uma terapia para o bem viver. A seguir, veremos as principais escolas helenísticas e suas características, a saber: ceticismo, epicurismo e estoicismo. A escultura Grupo de Laocoonte dos escultores Agesandro, Atenodoro e Polidoro, data aproximadamente de 40 a.C. e está localizada no Museu do Vaticano. É um grande exemplo da arte helenística. Jas tro w/ W. Co m m on s 76 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 76PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 76 29/07/2022 11:38:1429/07/2022 11:38:14 EM 23 _1 _F IL _0 6 EM 23 _1 _F IL _0 6 Ceticismo Do grego skepsis, que significa exame, o ceticismo defendia a ideia de que não havia possibilidade de se formar um conhecimento seguro sobre a realidade. Pirro de Élida (365- 275 a.C.), fundador da escola cética, participou da campanha de Alexandre, o Grande, na Ásia, onde teve contato com os gimnosofistas, com os quais aprendeu a praticar ativamente a in- diferença (adiaphoría) perante os tumultos da vida humana. Por isso, o ceticismo também é conhecido como pirronismo. Assim como Sócrates, Pirro não deixou nada escrito, sendo que o que se conhece sobre ele provém dos registros de seu aluno, Tímon de Flionte (320-230 a.C.). O ceticismo rejeitava o pensamento de Platão sobre o mundo inteligível em vez disso, concebia os objetos captados pela percepção sensível como fenômenos, ou seja, como aqui- lo que aparece aos sentidos sem uma essência anterior que os definam. Rejeitou, também, a distinção que Parmênides fez entre o ser e o não-ser, deixando essa questão afastada de suas investigações (no processo conhecido como epoché, como será visto a seguir). Veja como Pirro e os céticos abordaram as áreas de estudo do helenismo: ● Física: definir a natureza das coisas. Para os céticos, as coisas não possuíam uma origem es- tável, como as ideias platônicas; ao contrário, essa origem é instável, incerta e indeterminada e, por isso mesmo, não é possível distinguir o verdadeiro do falso a respeito dela. ● Lógica: neutralização do juízo e indiferença. Devido à instabilidade e incerteza da origem das coisas, o melhor a fazer é abster-se do julgamento (epoché, que, em grego, significa suspen- são do juízo), ou seja, manter-se sem opinião (indiferente). ● Ética: silêncio, ausência de paixão e tranquilidade da alma. A aphasía (silêncio) é a recusa de definições sobre o que é ou não é, é a suspensão do juízo afirmativo e negativo. A apatheia (ausência de paixão) é o estado imperturbável, em que se abstém de classificar os aconteci- mentos como bons ou maus. Por fim, a ataraxia (tranquilidade da alma) é o estado em que se vive o momento presente, sem se preocupar com o passado ou com o futuro, alcançando o silêncio interior. Esse estado de tranquilidade da alma é a felicidade do sábio. Epicurismo Linha de pensamento fundada por Epicuro (341-270 a.C.), pensador ateniense que elevou o prazer ao nível da sabedoria – o que gerou muita polêmica ao redor dessa escola. Epicuro, assim como Pirro, dizia ser necessário buscar a felicidade, praticando a aponia (ausência de dor física) e a ataraxia (ausência de dor na alma, ou tranquilidade da alma). Para Epicuro, existem quatro males que dão origem ao so- frimento humano: o medo dos deuses, o medo da morte, o medo do sofrimento e o medo da dor – todos eles alimenta- dos por crenças infundadas, que, por sua vez, geram paixões insensatas. Então, é necessário enfrentar esses medos para evitar o sofrimento e se aproximar da felicidade, pois, para Epicuro, a arte de viver consiste numa sabedoria prática, que conduz ao sumo bem: o prazer – não o prazer sensual, mas aqueles prazeres que afastam a insatisfação e a insta- bilidade constantes. Ele dizia, ainda, que era necessário fugir dos prazeres desnecessários, como beber uma taça de vinho. Pirro de Élida, inaugurador da escola cética, defendia a impossibili- dade do conhecimento. Th om as S ta nl ey /S hu tte rst oc k Gimnosofistas: ascetas hin- dus que viviam em estado contemplativo, completa- mente nus, sobrevivendo com o que a natureza lhes oferecesse. Desprezavam os bens materiais porque acreditavam que eles prejudicavam a pureza do pensamento. GlossárioGlossário Para Epicuro, o sentido da vida é o prazer e a finalida- de do ser humano é atingir a felicidade (eudaimonia). Para isto, a Filosofia surge como instrumento prático cujo papel é assegurar a tranquilidade de alma (ataraxia) e a ausência da dor corporal (aponía), além de libertar o homem de seus maiores medos. Dessa forma, no epicurismo, a fe- licidade encontra-se dentro do próprio homem, e sua aquisição depende apenas dele. Esse estado de alma pode ser alcançado através de condutas específicas que Epicuro postulou e transmi- tiu aos seus alunos. O prazer é visto como um bem supremo e último para o qual devem estar direcionadas todas as ações de um indivíduo. Assim, este fim consiste numa forma de livrar a alma humana da dor e dos sofrimentos, por isso, deve ser mediado, e jamais descontrolado ou em excesso. Conforme Botelho menciona (2015, p. 128): “Epicuro, de fato, afirmava que o prazer é a fonte de todo bem; mas acrescentava que a busca de prazeres excessivos geralmente leva ao sofrimento. Sua doutrina pregava o autodomínio humano e a apreciação má- xima das pequenas alegrias da vida”. (Disponível em: <http://www.acervofi- losofico.com/o-prazer-na-filosofia-de- -epicuro>. Acesso em: 31 ago. 2018.) Saiba maisSaiba mais Ressaltar a abordagem tipicamente helenística das três áreas de estudo (física, lógica e ética) e da correla- ção entre elas. Enfatizar que a ética é superior às demais. Outro aspecto importante é sobre o conceito de epoché, que seria retomado no final do século XIX e início do XX, pelos fenomenologistas (especialmente Edmund Husserl). Busto de Epicuro Le fte ris Pa pa ul ak is/ Sh ut te rst oc k 77FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 77PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 77 29/07/2022 11:38:1529/07/2022 11:38:15 EM 23 _1 _F IL _0 6 “a lucidez sobre o destino e a prática da temperança proporcionam ao homem um quádruplo remédio: os deuses não devem ser temidos; a morte não nos diz respeito; o sofrimento e a dor são suportáveis (senão, perdemos a consciência); a felicidade é acessível”. Epicuro comparou os seres humanos aos animais e concluiu que ambos buscavam o prazer e afastavam a dor. Assim, as próprias sensações são a fonte do conhecimento e as interpretações que fazemos delas são a causa do engano. Afastou, também, a ideia da existência de uma causa fi- nal para tudo o que existe, como dizia Aristóteles, retomando a hipótese de Leucipo e Demócrito: tudo o que existe é feito de átomos e de vazio, o que dá origem ao movimento. O maior medo de todos, o medo da morte, é para Epicuro infundado, pois a morte não é nada em relação ao homem “ou ela existe e ele não existe, ou ele existe e ela não existe”, ou seja, não há motivos para temer a morte, porque ela é ausência de sensação. Os únicos bens imortais para os humanos são aqueles que não podem ser desvinculados deles, como a amizade. Resumindo o pensamento epicurista em seu caráter terapêutico, pode-se dizer que: Os estoicos dizem que o mundo é uma unidade que contém em si todos os seres; dizemque ele é governado por uma natureza viva, racional e inteligente, e que esse governo dos seres que possui é eterno e procede por certa sequência e ordem, já que coisas anteriores se tornam causas para as que ocorrem depois. Desse modo, tudo está ligado e não há nenhum evento no mundo do qual não se siga outro, como sua consequência; e um evento posterior não pode estar desassociado de eventos anteriores, a ponto de não ser uma consequência de um deles. Mas de tudo que acontece se segue alguma outra coisa, que dela neces- sariamente depende como de uma causa, e tudo que acontece tem algo anterior de que depende, como de uma causa. Pois nada no mundo existe e acontece sem uma causa, porque nada nele está desvinculado e separado de tudo o que aconteceu antes. Pois o mundo, eles dizem, seria desarticulado e dividi- do, e não mais permanece- ria uma unidade, governado sempre conforme uma única ordem e organização, se nele fosse introduzida uma mudança sem causa [...] Eles dizem, com efeito, que ocorrer algo sem uma causa é tão impossível quanto algo ocorrer a partir do que não existe. Sendo de tal forma, o governo da totalidade dos seres ocorre infinitamente, de modo evidente e sem cessar [...] Eles dizem que o próprio destino, a natureza e a razão de acordo com o qual o todo é governado, é deus, e que está em todos os seres e acontecimentos, assim uti- lizando a natureza própria de todos os seres para o governo do todo. (AFRODÍSIA, Alexandre de. Sobre o destino, 191, 30 – 192, 28. In: FIGUEIRE- DO, Vinicius de (org.). Filosofia: temas e percursos. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2016. p. 228-229.) Saiba maisSaiba mais Estoicismo Fundada por Zenão de Cítio (336-264 a.C.), a Escola Estoica perdurou por quase cinco séculos, até o século II d.C., com pensadores romanos, como Sêneca, Epicteto e Marco Aurélio. O nome es- toicismo provém de stoá, que em grego significa pórtico; como Zenão era estrangeiro em Atenas, não podia adquirir imóveis na cidade e, portanto, ele ensinava sob um pórtico que havia na ágora, em que qualquer pessoa podia passar. Em linhas gerais, o estoicismo buscava a sabedoria pela harmonia do homem com o divino. Zenão de Cítio, no campo da física, acredita- va que o mundo é um Todo uno, pleno e totalmente determinado, como um grande organismo animado – o que corresponderia ao divino. Por isso, o estoicismo é determinista. O cosmo, para ele, é um logos universal ou alma de deus. Tudo para ele é corpo, exceto os quatro incorpóreos: o vazio, o tempo, o lugar e o discurso, que seriam espécies de pseudorrealidades que afetam apenas a superfície dos corpos, mas não sua pro- fundidade. Em outras palavras, os quatro incorpóreos são passageiros, enquanto o mundo é eternamente o mesmo. Outra ideia importante do estoicismo é o pensamento chamado de inatismo, ou seja, não existe conhecimento antes da experiência sensível, ou seja, os conceitos deri- vam da experiência vivida – conceito que seria retomado com os empiristas, no início da Idade Moderna. Na lógica estoica, o juízo de fato toma lugar de proposições formais, pois ela é consequencialista, ou seja, as implicações são a manifestação dos acontecimentos (se é dia, há claridade por exemplo). Por fim, no campo da ética, os estoicos defendiam uma vida o mais próxima possível da natureza, por isso ficou conhecida como ética naturalista. Como o ser hu- mano é dotado de razão e de paixão, é necessário de- senvolver o autocontrole para expurgar as emoções destrutivas e, assim, compreender o logos universal ou a alma divina. Para isso, é necessário atingir a ata- raxia, ou seja, a tranquilidade da alma, aceitando os infortúnios da vida como inevitáveis e se conforman- do com o destino para alcançar a liberdade. É na von- tade de fazer o bem que cada um se torna coerente consigo mesmo. Pa ol o Mo nt i/W .Co m m on s Busto de Zenão de Cítio, fundador da Escola Estoica. Bo b Ma rle y & Th e Wa ile rs (BARAQUIN, Noëlla; LAFFITTE, Jacqueline. Dicionário universitário dos filósofos. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 95.) 78 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 78PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 78 29/07/2022 11:38:2129/07/2022 11:38:21 EM 23 _1 _F IL _0 6 Bo b Ma rle y & Th e Wa ile rs Leia um trecho da música Get up, Stand Up, de Bob Marley, um dos maiores expoentes do Reggae jamaicano. Get up, stand up: stand up for your rights! Get up, stand up: stand up for your rights! [...] You can fool some people sometimes But you can’t fool all the people all the time So now we see the light We’re gonna stand up for our rights! Levante, resista: lute pelos seus direitos! Levante, resista: lute pelos seus direitos! [...] Vocês podem enganar algumas pessoas algumas vezes Mas não podem enganar a todos o tempo todo Então agora nós vemos a luz E vamos lutar por nossos direitos! A partir da interpretação da música e do que você estudou no capítulo, responda às questões. 1. A música de Bob Marley sugere que as pessoas adotem uma determinada postura de vida com relação ao mundo e ao seu entorno. A concepção contida na música se assemelha ou se distancia da concepção da filosofia cética sobre o mundo? 2. Ao analisar os pensamentos contidos na música e aqueles propostos pelo Ceticismo, qual você acha que contribui mais para a vida em sociedade? Por quê? Bob Marley (1945-1981) é o músico de Reggae mais conhecido da história e um dos principais artistas da música do século XX. Seu engajamento com relação aos problemas sociais fez com que ele popularizasse o Reggae e o movimento rastafári, que tinham como base a busca pela paz, a igualdade social e a liberdade. Apesar de a resposta ser relativamente pessoal em virtude do caráter interpretativo, espera-se que o aluno consiga captar a grande diferença que há entre a concepção contida na música e o Ceticismo. Este está pautado na indiferença e na neutralidade frente ao caos do mundo, ao passo que há na música um chamado à ação, isto é, ao posicionamento crítico frente ao mundo. Resposta pessoal. 79FIL FILOSOFIA E CULTURA PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 79PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 79 29/07/2022 11:38:2529/07/2022 11:38:25 Resolvidos 1. (Unioeste-2011) No final do último século antes da era cristã, assistimos ao fortalecimento romano e sua política de expansão territorial, para regiões do chamado crescente fértil. Percebemos, nessas conquistas, uma forte presença da cultura grega. Isso se deve a) à colonização grega, realizada nessas regiões à semelhança do que ocorreu na Magna Grécia. b) à forte presença do helenismo, depois das conquistas realizadas por Alexandre da Macedônia. c) ao esforço romano em ampliar a cultura grega para a referida região. d) à intensa dominação persa em território grego durante os reinados de Xerxes e Dario. e) à influência das instituições políticas gregas em diversos terri- tórios tanto no Oriente quanto no Ocidente. 9 Resposta: B O item A está incorreto, porque a colonização grega na Magna Grécia ocorreu ainda no período arcaico e antigo, portanto anterior ao último século antes da era cristã. O item B está correto, o texto se refere ao expansionismo empreendido por Alexandre, o Grande, que difundiu a cultura grega em regiões da Ásia e da África. O item C está incorreto, porque os romanos incorporaram a cultura grega, oferecendo-lhe uma nova roupagem. O item D está incorreto, porque os persas Xerxes e Dario não chegaram a dominar o território grego em sua totalidade – apenas na Ásia Menor. O item E está incorreto, porque as instituições políticas gregas acabaram sendo extintas com o império macedônico. 2. (UEG-2011) Em meados do século IV a.C., Alexandre Magno assumiu o trono da Macedônia e iniciou uma série de conquistas e, a partir daí, construiu um vasto império que incluía, entre outros territó- rios, a Grécia. Essa dominação só teve fimcom o desenvolvimento de outro império, o romano. Esse período ficou conhecido como helenístico e representou uma transformação radical na cultura grega. Nessa época, um pensador nascido em Élis, chamado Pirro, defendia os fundamentos do ceticismo. Ele fundou uma escola filosófica que pregava a ideia de que: a) seria impossível conhecer a verdade. b) seria inadmissível permanecer na mera opinião. c) os princípios morais devem ser inferidos da natureza. d) os princípios morais devem basear-se na busca pelo prazer. 9 Resposta: A O item A está correto, pois os céticos acreditavam na impossibilidade do conhecimento. O item B está incorreto, apesar de os céticos busca- rem transcender as crenças e opiniões, para eles era uma questão de escolha a pessoa viver ou não na mera opinião. O item C está incorreto, pois essa postura era dos estoicos. O item D está incorreto, pois essa postura remete-se ao Epicurismo. Praticando 1. (UENP-2011) Julgue as afirmações sobre a filosofia helenista. I. É o último período da filosofia antiga, quando a polis grega desaparece em razão de invasões sucessivas, por persas e roma- nos, sendo substituída pela cosmopolis, categoria de referência que altera a percepção de mundo do grego, principalmente no tocante à dimensão política. II. É um período constituído por grandes sistemas e doutrinas que apresentam explicações totalizantes da natureza, do homem, concentrando suas especulações no campo da filosofia prática, principalmente da ética. III. Surgem nesse período a filosofia estoica, o epicurismo, o ceti- cismo e o neoplatonismo. Estão corretas as afirmativas: a) Todas elas. b) Apenas I e II. c) Apenas III. d) Apenas II e III. e) Apenas I. 9 Anotações: 2. (UFSJ-2011) Sobre o ceticismo, é correto afirmar que a) os céticos buscaram uma mediação entre “o ser” e o “poder-ser”. b) o ceticismo relativo tem no subjetivismo e no relativismo doutrinas manifestamente apoiadas em seu princípio maior: toda interatividade possível. c) Protágoras (séc. V a.C.), relativista, afirmou que “o Homem só entende a natureza porque o conhecimento emana dela e nela se instala”. d) Górgias (485-380 a.C.) e Pirro (365-275 a.C.) são apontados como possíveis fundadores do ceticismo. 9 Anotações: 3. (UEM-2013) “Acostuma-te à ideia de que a morte para nós não é nada, visto que todo bem e todo mal residem nas sensações, e a morte é justamente a privação das sensações. A consciência clara de que a morte não significa nada para nós proporciona a fruição da vida efêmera, sem querer acrescentar-lhe tempo infinito e eliminando o desejo de imortalidade. Não existe nada de terrível na vida para quem está perfeitamente convencido de que não há nada de terrível em deixar de viver. É tolo, portanto, quem diz ter medo da morte, não porque a chegada desta lhe trará sofrimento, mas porque o aflige a própria espera.” (Epicuro, Carta sobre a felicidade [a Meneceu]. São Paulo: ed. Unesp, 2002, p. 27. In: COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia. SP: Saraiva, 2006, p. 97.) A partir do trecho citado, é correto afirmar que (1) a morte, por ser um estado de ausência de sensação, não é nem boa, nem má. (2) a vida deve ser considerada em função da morte certa. (3) o tolo não espera a morte, mas vive apoiado nas suas sensa- ções e nos seus prazeres. (4) a certeza da morte torna a vida terrível. (5) a espera da morte é um sofrimento tolo para aquele que a espera. Soma ( ) 9 Anotações: A filosofia helenista compreende o último período da filosofia clássica, com as correntes: Estoicismo, Epicurismo e Ceticismo. O ceticismo defendia a ideia de que não havia possibilidade de se formar um conhecimento seguro sobre a realidade. São considerados seus fundadores: Górgias e Pirro. 17 (01 + 16) Para Epicuro, é necessário enfrentar os medos para evitar o sofrimento e se aproximar da felicidade, pois a arte de viver consiste numa sabedoria prática, que conduz ao sumo bem: o prazer. O medo da morte é infundado, pois ela é a ausência de sensação. 80 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 80PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 80 29/07/2022 11:38:2629/07/2022 11:38:26 Desenvolvendo Habilidades 1. C1:H1 (Enem-2016) Pirro afirmava que nada é nobre nem vergonhoso, justo ou injusto; e que, da mesma maneira, nada existe do ponto de vista da verdade; que os homens agem apenas segundo a lei e o costume, nada sendo mais isto do que aquilo. Ele levou uma vida de acordo com esta doutrina, nada procurando evitar e não se desviando do que quer que fosse, suportando tudo, carroças, por exemplo, pre- cipícios, cães, nada deixando ao arbítrio dos sentidos. (LAÉRCIO, D. Vidas e sentenças dos filósofos ilustres. Brasília: Editora UnB, 1988.) O ceticismo, conforme sugerido no texto, caracteriza-se por: a) Desprezar quaisquer convenções e obrigações da sociedade. b) Atingir o verdadeiro prazer como o princípio e o fim da vida feliz. c) Defender a indiferença e a impossibilidade de obter alguma certeza. d) Aceitar o determinismo e ocupar-se com a esperança trans- cendente. e) Agir de forma virtuosa e sábia a fim de enaltecer o homem bom e belo. 2. C1:H1 (Enem-2014) Alguns dos desejos são naturais e necessários; outros, naturais e não necessários; outros, nem naturais nem necessários, mas nascidos de vã opinião. Os desejos que não nos trazem dor se não sa- tisfeitos não são necessários, mas o seu impulso pode ser facilmen- te desfeito, quando é difícil obter sua satisfação ou parecem gera- dores de dano. (EPICURO DE SAMOS. Doutrinas principais. In: SANSON, V. F. Textos de Filosofia. Rio de Janeiro: Eduff, 1974.) No fragmento da obra filosófica de Epicuro, o homem tem como fim a) alcançar o prazer moderado e a felicidade. b) valorizar os deveres e as obrigações sociais. c) aceitar o sofrimento e o rigorismo da vida com resignação. d) refletir sobre os valores e as normas dadas pela divindade. e) defender a indiferença e a impossibilidade de se atingir o saber. 3. C1:H3 (UFF) Filosofia O mundo me condena, e ninguém tem pena Falando sempre mal do meu nome Deixando de saber se eu vou morrer de sede Ou se vou morrer de fome Mas a filosofia hoje me auxilia A viver indiferente assim Nesta prontidão sem fim Vou fingindo que sou rico Pra ninguém zombar de mim Não me incomodo que você me diga Que a sociedade é minha inimiga Pois cantando neste mundo Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo Quanto a você da aristocracia Que tem dinheiro, mas não compra alegria Há de viver eternamente sendo escrava dessa gente Que cultiva hipocrisia. Noel Rosa Assinale a sentença do filósofo grego Epicuro cujo significado é o mais próximo da letra da canção “Filosofia”, composta em 1933 por Noel Rosa, em parceria com André Filho. a) É verdadeiro tanto o que vemos com os olhos como aquilo que apreendemos pela intuição mental. b) Para sermos felizes, o essencial é o que se passa em nosso interior, pois é deste que nós somos donos. c) Para se explicar os fenômenos naturais, não se deve recorrer nunca à divindade, mas se deve deixá-la livre de todo encargo, em sua completa felicidade. d) As leis existem para os sábios, não para impedir que cometam injustiças, mas para impedir que as sofram. e) A natureza é a mesma para todos os seres, por isso ela não fez os seres humanos nobres ou ignóbeis, e, sim suas ações e intenções. Complementares 1. (UFSM-2013) A economia verde contém os seguintes princípios para o consumo ético de produtos: a matéria-prima dos produtos deve ser proveniente de fontes limpas e não deve haver desperdício dos produtos. O Estado, entretanto, não impõe, até o presente mo- mento, sanções àqueles cidadãos que não seguem esses princípios. Considere as seguintes afirmações: I. Esses princípios são juízos de fato. II. Esses princípios são, atualmente, uma questão de moralidade, mas não de legalidade. III. A ética epicurista, a exemplo da economia verde, propõe uma vida mais moderada. Está(ão) correta(s)a) apenas I. b) apenas I e II. c) apenas III. d) apenas II e III. e) I, II e III. 2. (UEM-2013) “O prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos com o bem primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha e toda recusa e a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor. Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo”. (EPICURO. Carta sobre a felicidade. In: ARANHA, M. Filosofar com textos: temas e história da filosofia. São Paulo: Moderna, 2012, p. 330.) A partir do trecho citado, assinale o que for correto. (1) Todos os seres humanos buscam prazer sempre e em tudo, evitando toda e qualquer dor. (2) Os prazeres imediatos anulam as dores que podem decorrer desses. (3) Dor e prazer não são contraditórios, pois de atos dolorosos podem advir situações prazerosas e vice-versa. (4) A noção de prazer não está ligada somente à sensação imediata, mas aos efeitos que uma ação pode gerar no ser humano. (5) A busca da felicidade na vida não se restringe a escolhas prazerosas, mas a ações que geram prazer, apesar de essas conterem, às vezes, algumas doses de sacrifício. Soma ( ) 81FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 81PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 81 29/07/2022 11:38:2629/07/2022 11:38:26 3. (UEM-2014) A lógica megárico-estoica distingue o válido (do ponto de vista lógico) e o verdadeiro (do ponto de vista empírico), isto é, distingue a “apresentação formal” do enunciado e a “significação material” de um argumento. Com base nessa distinção e nos co- nhecimentos sobre o silogismo, assinale o que for correto. (1) A utilização de letras do alfabeto para a formulação de pre- missas leva em conta o teor formal do enunciado. (2) A lógica formal não trata da semântica ou do significado proposicional de uma inferência. (3) Enunciados verdadeiros estão classificados como válidos. Enunciados falsos estão classificados como inválidos. (4) O silogismo leva em conta a concatenação ou o encadea- mento entre premissas que permitem inferir uma determi- nada conclusão. (5) A validade de um enunciado lógico não pode ser determi- nada, pois os estoicos defendiam o ceticismo. Soma ( ) 4. (UEM-2015) “O prazer é o início e o fim de uma vida feliz. Com efeito, nós o identificamos com o bem primeiro e inerente ao ser humano, em razão dele praticamos toda escolha e toda recusa, e a ele chegamos escolhendo todo bem de acordo com a distinção entre prazer e dor. Embora o prazer seja nosso bem primeiro e inato, nem por isso escolhemos qualquer prazer: há ocasiões em que evitamos muitos prazeres, quando deles nos advêm efeitos o mais das vezes desagradáveis; ao passo que consideramos muitos sofrimentos preferíveis aos prazeres, se um prazer maior advier depois de suportarmos essas dores por muito tempo.” (EPICURO. Carta sobre a felicidade. In ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando. São Paulo: Moderna, 2009, p. 251.) A partir desta citação de Epicuro, assinale o que for correto. (1) Felicidade e infelicidade são estabelecidas pelos efeitos do prazer e da dor. (2) O sentimento de prazer é inato à natureza humana. (3) Epicuro defende o prazer sem medidas. (4) O prazer corporal é um mal causado pelo pecado original. (5) O hedonismo de Epicuro não é imediatista, mas moderado. Soma ( ) 5. (UEM) As considerações científicas da antiguidade, com o desenvol- vimento da matemática, da geometria, da astronomia, da medicina, da física mecânica etc., representam o gênio e a capacidade humana de compreender e explicar os fenômenos da natureza. Sobre a ciência na antiguidade, assinale o que for correto. (1) No pensamento pré-socrático, ciência e Filosofia estão uni- das, pois o estudo da arché, princípio de todas as coisas, envolve a consideração de questões que, hoje, poderíamos chamar de científicas. (2) No Egito e na Grécia antiga, o desenvolvimento da mate- mática e da geometria está ligado ao conhecimento prá- tico, cujo exemplo pode ser encontrado no teorema de Pitágoras: “o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”, que representa a possibilidade de calcular a altura de uma pirâmide. (3) O “juramento hipocrático”, que homenageia o pai da medici- na, Hipócrates de Cós (século V a.C.), manifesta a prática de concepções mágicas e supersticiosas com o corpo humano, na origem da ciência médica. (4) Entre os antigos, destaca-se um período de desinteresse dos ro- manos pela ciência. Os romanos eram notáveis como civilização essencialmente prática e pouco dada a especulações teóricas. (5) Após a morte de Alexandre, o Grande, a ciência matemática de Euclides, preocupada com o tao da física e o quantum da matéria, ocupa um lugar de destaque na cidade de Alexandria. Soma ( ) 6. (UNISC-2012) Nas suas Meditações, o filósofo estoico Marco Aurélio escreveu: “Na vida de um homem, sua duração é um ponto, sua essência, um fluxo, seus sentidos, um turbilhão, todo o seu corpo, algo pronto a apodrecer, sua alma, inquietude, seu destino, obscuro, e sua fama, duvidosa. Em resumo, tudo o que é relativo ao corpo é como o fluxo de um rio, e, quanto à alma, sonhos e fluidos, a vida é uma luta, uma breve estadia numa terra estranha, e a reputação, esquecimento. O que pode, portanto, ter o poder de guiar nossos passos? Somente uma única coisa: a Filosofia. Ela consiste em abster-nos de contrariar e ofender o espírito divino que habita em nós, em transcender o prazer e a dor, não fazer nada sem propósito, evitar a falsidade e a dissimula- ção, não depender das ações dos outros, aceitar o que acontece, pois tudo provém de uma mesma fonte e, sobretudo, aguardar a morte com calma e resignação, pois ela nada mais é que a dissolução dos elementos pelos quais são formados todos os seres vivos. Se não há nada de terrível para esses elementos em sua contínua transformação, por que, então, temer as mudanças e a dissolução do todo?” Considere as seguintes afirmativas sobre esse texto: I. Marco Aurélio nos diz que a morte é um grande mal. II. Segundo Marco Aurélio, devemos buscar a fama, a riqueza e o prazer. III. Segundo Marco Aurélio, conseguindo fama, podemos trans- cender a finitude da vida humana. IV. Para Marco Aurélio, a filosofia é valiosa porque nos permite compreender que a morte é parte de um processo da natureza e assim evita que nos angustiemos por ela. V. Para Marco Aurélio, só a fé em Deus e em Cristo pode libertar o homem do temor da morte. VI. Para Marco Aurélio, o homem participa de uma realidade divina. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e V estão corretas. b) Somente as afirmativas I, II e III estão corretas. c) Somente as afirmativas IV e VI estão corretas. d) Todas as afirmativas estão corretas. e) Somente a afirmativa IV está correta. GABARITO ONLINE 1. Faça o download do aplicativo SAE Questões ou qualquer aplicativo de leitura QR Code. 2. Abra o aplicativo e aponte para o QR Code ao lado. 3. O gabarito deste módulo será exibido em sua tela. 82 FIL PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 82PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 82 29/07/2022 11:38:2629/07/2022 11:38:26 OS OR IO ar tis t/ Sh ut te rst oc k Santo Agostinho 1. Fé e razão podem contribuir para o conhecimento? 2. O conhecimento é uma construção humana ou iluminação divina? 3. É possível provar racionalmente a existência de Deus? A filosofia medieval surge da necessidade da fundamen- tação do cristianismo para seu fortalecimento diante das doutrinas pagãs. Com a Patrística e, posteriormente, com Santo Agostinho, tem- -se o início da absorção de conceitosda filosofia para o campo da teologia. O período medieval é marcado pela oposição entre fé e razão. Leia a frase de Santo Agostinho e responda às questões. “Aqueles que chegam a descobrir as verdades divinas não as conseguem senão após diuturna investigação. Tal acontece devido às profundezas das mesmas, pois somente um longo trabalho torna o intelecto apto a compreendê-las por via da razão natural.” FIL Filosofia 07 83 mód. 07/08 EM 23 _1 _F IL_ 07 S T A R T Filosofia Medieval Santo Agostinho: a Patrística • Santo Tomás de Aquino: a Escolástica • Franciscanos: a crítica à Escolástica tradicional Filosofia Medieval: Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 83PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 83 29/07/2022 11:38:3029/07/2022 11:38:30 Santo Agostinho: a Patrística A Patrística foi um movimento que perdu- rou do século I ao VII d.C. e que tinha como objetivo principal promover a filosofia cristã diante do domínio da antiga filosofia greco-ro- mana e outras filosofias de origem pagã. Os principais intelectuais deste período fi- caram conhecidos justamente como os “pais da Igreja”, pois suas ideias, conceitos e refle- xões influenciaram a construção da tradição católica que se mantém até a atualidade. Esses pensadores fizeram o trabalho de relacionar a fé e a tradição cristã com a razão e a filosofia grega, construindo o caminho para a comuni- cação entre a fé e a razão. Os pensamentos de Platão e Aristóteles foram decisivos para a construção da filosofia cristã, pois as ideias dos principais representantes da filosofia me- dieval foram fundamentadas justamente nos dois maiores nomes da filosofia grega. Santo Agostinho nasceu em 13 de novem- bro de 354 d.C., na cidade de Tagaste, província romana localizada no norte da África. Desde criança foi alegre, inquieto, travesso e não gos- tava dos estudos. Ao chegar à adolescência, decidiu entregar-se aos estudos e aprender toda a ciência da sua época. Tornou-se profes- sor de retórica em Milão, Roma e Cartago e, com o tempo, tornou-se aberto para encontrar a “graça” pelo caminho da interioridade. GOZZOLI. Batismo de Santo Agostinho por Santo Ambrósio de Milão, século XV. Santo Agostinho registrou sua autobiogra- fia em uma de suas principais obras: Confissões. Seus primeiros estudos não eram cristãos, O cristianismo deu o nome de pagãs a todas as doutri- nas de origem não cristã. O maniqueísmo foi uma doutrina dualista, pois divi- dia o mundo em bem e mal, tinha o objetivo de levar a doutrina cristã à perfeição. A junção do reino das trevas com o reino da luz teria gerado o mundo material, que por essência é mau. Caberia, então, aos homens se salvarem buscando o caminho da luz. GlossárioGlossário Retórica é a arte de persuadir valendo-se de instrumentos linguísticos. GlossárioGlossário mas maniqueístas, uma linha religiosa muito difundida na época. Agostinho não se converteu ao cristianis- mo por considerar esta religião melhor do que o maniqueísmo, mas por ser sua verda- deira experiência espiritual. Ele sentiu em sua alma que no cristianismo havia encontrado a verdade. O autor deixou cerca de 113 obras regis- tradas, entre elas tratados filosóficos e teoló- gicos, comentários sobre a Bíblia, sermões e cartas. Suas principais obras são: Confissões e A Cidade de Deus. GOZZOLI. Santo Agostinho lendo a epístola de São Paulo, século XV. Em sua obra Confissões, Agostinho traz a ideia de Deus como criador de todos os tem- pos, pois precede todo o passado e domina todo o futuro. Os anos para Deus existem si- multaneamente, todos os seus anos são como um só eterno dia, ao contrário do que ocorre para os homens, que vivem os anos apenas du- rante o tempo em que existem. Teologia Agostinho buscou apresentar a prova da existência de Deus na obra O Livre-Arbítrio. O ser humano conhece pela razão, que por ser intelectiva é capaz de investigar, pensar, analisar e refletir. Enfim, ele observa o mundo externo e com sua atividade intelectual é ca- paz de descobrir quando algo é verdadeiro ou não é. Agostinho pergunta: “O que significa di- zer que algo é verdadeiro?” 84 FIL EM 23 _1 _F IL _0 7 EM 23 _1 _F IL _0 7 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 84PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 84 29/07/2022 11:38:3029/07/2022 11:38:30 Com essa pergunta, Agostinho está admi- tindo que essa verdade já existe e que nós ape- nas a descobrimos. Isto é, o homem não cria a verdade, mas a encontra. Se essa verdade já existe, significa que al- guém a criou. Com isso Agostinho tentou pro- var que a razão humana pode, no máximo, descobrir verdades que já existem além do homem. Essa realidade além do homem e que é certamente criada por alguma entidade inte- ligente, decorrendo daí a necessidade da exis- tência de Deus. BOTTICELLI, Sandro. Santo Agostinho, 1480. Afresco, 152 x 112 cm. Para poder dizer o que seria Deus é neces- sária uma experiência espiritual e existencial, pois isso precisa ser vivenciado e não apenas raciocinado intelectualmente. Sendo assim, a graça é a salvação concedi- da por Deus aos homens, livrando-os do peca- do pela iluminação. Bastante célebre é a frase de Agostinho: “Senhor, livrai-me dos desejos da carne, mas não ainda!”. O homem é pecador e por isso precisa da graça divina para se salvar. Na frase, notamos a ideia de que mesmo a sal- vação possui um tempo para ser concretizada. O homem pecador em Agostinho também pode ser representado na frase: “fallor, ergo sum”, que traduzida ficaria: “engano-me, logo existo”. Se o homem se engana, é porque dese- ja conhecer, e se deseja conhecer, precisa estar vivo. É importante perceber que essa frase an- tecipa-se em muitos séculos à famosa frase do filósofo francês René Descartes: “cogito, ergo sum” (Penso, logo existo). Antropologia Para Agostinho o ser humano é uma uni- dade substancial de corpo e alma, tal como os animais. Mas como então diferenciar o ser humano do animal? A diferença está na René Descartes (1596-1650) foi um filósofo francês que inaugurou a filosofia moderna. BiografiaBiografia consciência de que se vive. O animal vive, mas não sabe que vive, já o homem vive e sabe que vive. O homem possui uma alma intelectiva, di- ferente do animal. A alma possui também na- tureza divina, sendo, assim, superior ao corpo. MICHELANGELO. A criação de Adão, 1511. Detalhe da obra demonstra a ligação do homem com Deus. Aqui surge outra indagação importante: se a natureza divina está presente no ser hu- mano, por que ele não vive sempre pela razão dada por Deus? Ou seja, como pode o homem errar e pecar se nele há participação de Deus? Isso se responde pela questão do livre-ar- bítrio, que é a capacidade que Deus conferiu ao ser humano de fazer aquilo que deseja. Por outro lado, o fato de ter liberdade para agir re- sulta em responsabilidade de cada indivíduo perante suas ações. Deus conferiu a todos os homens a razão divina, porém, por vontade própria, o homem pode escolher ir contra essa vontade divina. Concluímos, então, que o homem possui dentro de si uma razão divina que lhe indica o modo correto de agir, porém por opção pró- pria muitas vezes prefere agir contra a própria natureza, em desacordo com sua razão, princí- pios morais etc. Conhecimento A teoria do conhecimento de Santo Agostinho é elaborada numa forma de condu- ção do homem a Deus. O conhecimento sensível consiste na sensação provocada pelo contato de um dos sentidos com um objeto corporal. Assim a visão conhece cores, o olfato conhece odores, o tato conhece a textura de um objeto, e assim por diante. O conhecimento se faz pelos sentidos cor- póreos, mas a sensação provocada é operada pela alma. Ou seja, a impressão que temos do odor, do contato, da visão, e que se processa em nossa mente é uma atividade da alma. O estímulo ao conhecimento vem de fora, mas o verdadeiro conhecimento se faz dentro. O verdadeiroconhecimento é aquele no qual sentimos em nosso interior a evidência da verdade. Ou seja, não é que alguém externo ou alguma coisa nos ensina algo, o externo ape- nas nos estimula a descobrir a verdade. Essa é a ideia do mestre interior. Na filosofia medieval definida por Agostinho, assim como na pintura de Michelangelo, Deus é quem cria e tem as respostas. Na pintura, Adão parece entregue e quase sem vida que só será energizada ou revigorada com o toque de Deus. ObserveObserve Vil lag e Ro ad sh ow P ict ur es Cena do filme Matrix (1999) em que Morpheus oferece duas pílulas a Neo, uma vermelha, que lhe mostrará toda a verdade sobre o mundo virtual em que vive, caso ele a tome, ou a azul, que fará com que ele retor- ne a um estado de completa ignorância. Mesmo que para o espectador pareça óbvia a escolha a ser feita por Neo, essa escolha deve partir dele: a decisão de querer ir em busca da verdade. Isso significa que Neo tem o livre-arbítrio para decidir seu futuro. ObserveObserve O café tem um odor bastante particular que podemos per- ceber pelo nosso olfato. Reco- nhecer algo com esse sentido é o que podemos chamar de conhecimento sensível. no te_ yn /S hu tte rst oc k 85FIL EM 23 _1 _F IL _0 7 EM 23 _1 _F IL _0 7 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 85PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 85 29/07/2022 11:38:3329/07/2022 11:38:33 Para Agostinho, todos os seres humanos têm um mestre interior na alma, que nos acompanha sempre. Podemos sentir sua presença quando evidenciamos que algo é verdade, quando não é, qual o nosso cami- nho etc. Então, o meio que o ser humano utiliza para conhecer é a alma, que por sua partici- pação na essência divina conhece a verdade. Mas aqui cabe outra indagação: pode o ho- mem conhecer tudo? Não, porque o homem é criatura de Deus, e somente Deus conhece todas as coisas. Ora, o homem é um ser tem- poral e mutável, e a verdade é eterna e imu- tável. Como então pode o homem conhecê-la? Para Agostinho, o contato com Deus ilumina o homem e sua racionalidade possibilitando que ele conheça a verdade. Com isso chegamos à relação entre fé e razão em Agostinho. Para o filósofo ambas são importantes, porque é preciso “crer para conhecer” e “conhecer para crer”. É possível conhecer por meio da razão, mas sem a fé em Deus não se pode conhecer a verdade divina imutável, por meio da iluminação. Por outro lado, somente com a fé o homem não poderá compreender a iluminação de Deus, porque lhe faltará a razão para compreender intelec- tualmente a revelação divina. Ética: a Cidade dos Homens e a Cidade de Deus A Cidade de Deus é a obra em que Agostinho sistematiza sua célebre ideia de que existem dois mundos: a cidade dos homens e a cidade de Deus. A cidade dos homens é a civilização em que vivemos, na qual seguimos as leis temporais, feitas pelo Estado. A Cidade de Deus é o lugar ideal, ao qual devem se voltar os corações de todos os cristãos. A Cidade de Deus, de Agostinho, 354-430 d.C. A cidade dos homens existe em qualquer período histórico. Embora Agostinho analise, na obra, o Império Romano, a análise vale para qualquer sociedade, inclusive a de hoje. Na ci- dade dos homens, as leis e os valores são mu- táveis e temporários, o que é certo hoje pode ser errado amanhã. Além disso, é imperfeita, pois é completamente humana, logo está su- jeita aos mais variados vícios. Já a cidade de Deus é a cidade perfeita onde vigoram apenas os valores e virtudes procla- mados por Deus, sendo essa a verdadeira pá- tria dos cristãos. Isso significa que apenas a cidade de Deus é importante? Com toda certeza, não. Pois construir da melhor maneira possível a cidade dos homens é tarefa essencial de toda pessoa. Agostinho ensina que a história também esconde desíg- nios divinos, de forma que viver o presente e melhorar a sociedade em que se vive é tam- bém seguir as leis divinas. A cidade de Deus representa os valores di- vinos, aquelas virtudes que toda pessoa deve cultivar no dia a dia. Eis a dupla moral: viver na cidade dos homens, desenvolvendo-a, sem se esquecer que a verdade não está nas socieda- des e leis temporais, mas na cidade de Deus, que representa o ideal de valores e virtudes emanadas de Deus. A ideia de cidade dos homens e cidade de Deus possui semelhança com a teoria de Platão do mundo das ideias e do mundo das sombras. RelembrandoRelembrando “[...] a verdade é que, se o homem não serve a Deus, a alma não pode com justiça imperar com o corpo, nem a razão sobre as paixões. E, se no homem individualmente considerado não há justiça alguma, que justiça pode haver em associação de homens composta de indiví- duos semelhantes?” (AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus: contra os pagãos. Tradução de: LEME, Oscar Paes. Bragança Paulista: Universitária São Francisco, 2003.) 86 FIL EM 23 _1 _F IL _0 7 EM 23 _1 _F IL _0 7 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 86PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 86 29/07/2022 11:38:3329/07/2022 11:38:33 Santo Tomás de Aquino: a Escolástica Santo Tomás de Aquino, ou Doutor Angélico, como também ficou conhecido. Detalhe da obra de Carlo Crivelli (1476). A Escolástica ocorreu entre os séculos IX e XVI, período em que se desenvolveram os estudos e disciplinas que eram ensinados em monastérios e catedrais e, mais tarde, nas escolas medievais. O objetivo principal da filosofia escolástica era harmonizar a fé com a razão. O principal representante da Escolástica foi Santo Tomás de Aquino. Tomás de Aquino nasceu no castelo de Roccasecca, perto de Aquino, em 1225, iniciando seus estudos no Mosteiro de Monte Cassino. Continuou sua formação na Universidade de Nápoles e depois na Universidade de Paris, tornando-se profes- sor e ensinando em diversas escolas. Foi um intelectual importantíssimo por harmonizar a filosofia de Aristóteles com a fé cristã. Da vasta produção de Tomás de Aquino se so- bressaem Comentários sobre As Sentenças, Os Princípios, O Ente e A Essência, A Suma Teológica e também os comentários às principais obras de Aristóteles. Pintura de Laurentius de Voltolina que representa o ensino na Idade Média. Para Tomás de Aquino, a teologia não substitui a filosofia, ambas são modos de se alcançar uma realidade única. A razão apa- rece como uma natureza criada por Deus e a fé como a revelação de Deus. A teologia é de O triunfo de Santo Tomás de Aquino sobre Averroes. Benozzo Gozzoli. Essa pintura demonstra a superação do pensamento árabe de Averróis (embaixo) por Santo Tomás de Aquino (centro), ao seu redor encontram-se Platão (direita) e Aristóteles (esquerda). Averróis (1126-1198) foi um jurista, médico e influente filósofo árabe, grande comentador de Aristóteles, responsável por integrar o ideal islâmico com o pen- samento grego. Influenciou Tomás de Aquino, porém vários pontos de sua tese foram refutados pelo santo. GlossárioGlossário ObserveObserve grande importância para a filosofia, por haver muitas verdades que, embora acessíveis à ra- zão, necessitam primeiramente serem aceitas pela fé. Essas são as verdades elementares, como a existência de Deus. Por outro lado, a filosofia é de grande im- portância para a teologia, pois a razão asse- gura os fundamentos da fé, ao evidenciar que esta pode ser demonstrada racionalmente. Uma das verdades elementares que influencia de maneira contundente a teologia cristã é a prova da existência de Deus, demonstrada por Tomás de Aquino por meio de cinco vias: 1.ª Constata-se que no Universo existe movimento. Considerando a relação entre causa e efeito, onde tudo que é movido é por causa da ação de outro, existiria um primeiro movente que deu causa ao primeiro movi- mento e não foi movido por nenhum outro. Este primeiro motor imóvel é o que chamam de Deus. 2.ª Considera que o mundo é ligado a uma relação de causas eficientes, onde a todo efeito é atribuída uma causa. Sendoassim, faz-se necessária a existência de uma causa eficiente primeira, a qual seria Deus. 3.ª Aparentemente, todas as coisas podem não existir, assim, haveria um tempo em que nenhuma existia, mas, nesse caso, não exis- tiria nada até hoje, pois do nada, nada vem. Por isso teria de haver um primeiro ser ne- cessário que possa ser a causa dos outros. Esse ser necessário seria Deus. 4.ª Observando todas as coisas da nature- za percebemos que elas possuem diferentes graus de perfeição. Os animais são superio- res às plantas e os homens são superiores aos animais. Seguindo essa hierarquia, deve haver um ser que tenha perfeição em grau máximo. Esse ser seria Deus. 5.ª Fundamenta-se na ordem das coisas trazida pelo finalismo de Aristóteles, na qual tudo que acontece no Universo acontece por uma razão, havendo um ser inteligente res- ponsável pela ordem universal, que opera a finalidade dada às coisas existentes, esse ser responsável seria Deus. Essas cinco vias, mesmo sendo diferentes, seguem uma linha uniforme, todas elas per- tencem a uma realidade concreta, e todas em- pregam o princípio de causalidade, que consiste no fato de um ente ser causado pela ação de outro. Verifica-se que é impossível compreen- der completamente este mundo, sem admitir, acima dele, um princípio realmente existente e atuante, que lhe fundamente a existência: Deus. 87FIL EM 23 _1 _F IL _0 7 EM 23 _1 _F IL _0 7 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 87PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 87 29/07/2022 11:38:3629/07/2022 11:38:36 O que se conclui deste ponto é que tanto a fé quanto a razão levam ao mesmo ponto, à verdade, porém, por métodos diferentes. A fi- losofia extrai seus argumentos das essências das coisas, enquanto a teologia parte sempre da verdade revelada por Deus. Na filosofia tomista, Deus é também o fun- damento principal da teoria política e jurídica, como veremos a seguir com a apresentação das “quatro leis”. As quatro leis Para Tomás de Aquino, quatro leis regem o Universo: a lei divina (lex divina), a lei natural (lex naturalis), a lei humana (lex humana) e, aci- ma de todas, a lei eterna (lex aeterna). ● Lei divina é a lei revelada por Deus aos homens por meio das Sagradas Escritu- ras. ● Lei natural é a referência para a vida dos homens e dos animais. É a lei da na- tureza. ● Lei humana é toda lei criada pelo ho- mem, como as leis do Estado, por exem- plo. ● Lei eterna é a lei que provem da ra- cionalidade de Deus e poucos homens bem-aventurados podem conhecê-la, entre eles Jesus Cristo, Moisés e os pro- fetas. É a lei máxima porque tem Deus como legislador. O Direito é a lei humana, tendo como função coibir o mal por meio da força e do medo. As leis humanas são necessárias de- vido à própria natureza humana, sociável e naturalmente destinada à ordem política. Ética Para Tomás de Aquino, todo ser humano existe para um determinado fim, e além de tender a este fim, pode também conhecê-lo. Quando o ser humano realiza a sua finalidade, alcança a beatitude. O conhecimento e busca desse fim nas ações humanas é o estudo da éti- ca de Tomás de Aquino. Para se chegar à beati- tude é fundamental a prática das virtudes. A virtude é a disposição para agir confor- me a razão. A virtude é uma perfeição do ato humano. Como o homem não é puro intelecto, Aristóteles também divide as virtudes em intelectuais e morais na obra Ética a Nicômaco, porém Tomás de Aquino não as segue de maneira idêntica. ObserveObserve Beatitude é um sentimento de extremo bem-estar, de felicidade contemplativa em proximidade com o divino. GlossárioGlossário ao agir necessita tanto do pensar quanto do querer. Tomás de Aquino divide as virtudes em intelectuais: intelecto, ciência, sabedoria e prudência; e morais: justiça, temperança e fortaleza. A ciência é o hábito das conclusões dedu- tíveis dos princípios, que depende do intelec- to, que é o conhecimento dos princípios, das formas. Ambos dependem da sabedoria, que julga convenientemente todas as coisas, se- gundo as razões e princípios supremos. Já a prudência diz respeito ao domínio prático, pois não adianta saber o que é certo, é necessário saber aplicá-lo às circunstâncias concretas. A justiça regula o teor e a natureza dos atos ex- ternos, a temperança regula a conduta interna do homem e a fortaleza combate as paixões que dificultam a ação. BAYEU y SUBÍAS, Francisco. Tomás de Aquino Vencendo os Hereges. Tomás de Aquino retoma a sua influência platônica, sendo forma o mesmo conceito que ideia, como essência inteligível de cada coisa. Assim, o intelecto é a virtude que possibilita ao homem conhecer a essência do objeto. ObserveObserve “Na ciência do mestre está contido o que ele gera na alma do discípulo, o conhecimento dos princípios naturalmente evidentes é gerado em nós por Deus e estes princípios estão tam- bém contidos na soberania divina e tudo que é contrário a eles contraria a sabedoria divina e não pode estar em Deus. Logo, as verdades recebidas pela revelação divina não podem ser contrárias ao conhecimento natural.” (AQUINO, Tomás de. Suma Contra os Gentios. Tradução de: MOURA, Odilão. Porto Alegre: Sulina, 1990.) 88 FIL EM 23 _1 _F IL _0 7 EM 23 _1 _F IL _0 7 PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 88PG23LP335SDW1_MIOLO_EM23_1_FIL_LU_LP.indb 88 29/07/2022 11:38:3729/07/2022 11:38:37 Os séculos XI e XII viram despertar uma nova realidade na Idade Média. Foi um período de decadência dos costumes, inclusive dentro da Igreja. Várias pessoas criticavam as autori- dades religiosas, acusando-as de se aprovei- tarem do poder dado pelo Clero ao acumular riquezas e pouco praticar os Mandamentos do Evangelho. Diante dessa decadência, vários movi- mentos populares se rebelavam contra a au- toridade da Igreja e, entre eles, sobressai-se a figura de São Francisco de Assis, que defen- dia a vida humilde e despojada de bens parti- culares. O resultado da vida de pregações de São Francisco é fantástico: de sua obra surge uma série de seguidores, denominados fran- ciscanos, que nos séculos seguintes passaram a discutir racionalmente com a autoridade da Igreja, ameaçando antigos dogmas e abrindo portas para uma nova concepção religiosa. SASSETTA, Êxtase de São Francisco, 1437-1444. São Francisco de Assis (1182-1226) nasceu na cidade de Assis, na Itália, e teve uma juven- tude confortável, já que seu pai era um comer- ciante de tecidos. Tentou seguir a carreira do pai e serviu também ao Exército, mas foi quan- do recebeu o chamado divino, em um sonho, a partir do qual São Francisco encontrou seu caminho na religiosidade. Acreditava na vida simples e desapegada dos bens materiais, baseando-se na humildade e simplicidade que havia sido propagada por Jesus Cristo. Disseminou suas ideias de forma itinerante, destoando do costume da época, em que os religiosos comumente se organiza- vam em mosteiros. GOZZOLI, Benozzo. Pregação de São Francisco aos Animais e aos Homens, 1452. A identificação com São Francisco foi ta- manha que em pouco tempo o número de fiéis cresceu rapidamente, dando corpo ao que depois se tornaria a ordem dos francis- canos. Passados dois anos de sua morte, São Francisco foi canonizado pela Igreja Católica. A filosofia franciscana é importantíssima para entendermos a passagem da Idade Média para a Moderna, passando pelo Renascimento, pois ela é o primeiro embate racional contra os grandes dogmas da Igreja Católica, como ve- remos agora ao apresentar brevemente seus dois principais representantes: Duns Scott e Guilherme de Ockham. Van GENT, Duns Scott. Duns Scott (1265-1308), escocês, lecionou na Universidade de Paris e em Oxford. Sua obra foi amplamente utilizada pelas escolas no século XVII e sua doutrina é constantemente utilizada para confrontar as ideias de Tomás de Aquino. Scott foi beatificado em 1993 pelo Papa João Paulo II. Franciscanos: a crítica à Escolástica tradicional