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Psicologia Social Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Dra. Gisele de Lima Fernandes Ribeiro Profa. Ma. Nirley Dragonetti Revisão Textual: Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin O que é Psicologia Social • A psicologia e suas abordagens • Psicologia e outras ciências • Psicologia Social • Sociologia e psicologia: influências na psicologia social • Influência da Sociologia • Influência da Psicologia • A nova Psicologia Social · O que difere a Psicologia Social da Psicologia?; · Como a Psicologia se relaciona com as Ciências Sociais?; · Quais as influências da Psicologia Social? OBJETIVO DE APRENDIZADO Seja bem-vindo(a) às nossas discussões sobre Psicologia Social ! Saiba que esta Disciplina tem como propósito de estudar da Psicologia em seus aspectos gerais, bem como da Psicologia Social, além de compreender as relações entre as áreas de conhecimento relacionadas às ciências sociais na contemporaneidade e seus desafios, oferecendo-lhe contato com as discussões mais recentesdessaárea;alémdelheproporcionarmomentosdeleitu ra – textual e audiovisual – e reflexãosobreostemasqueserãoaquidiscutidos,co ntribuindo com sua formação continuada e trajetória profissional. Esta Disciplina está organizada em quatro unidades, cujo eixo principal será, ou seja,que dê conta de apresentar o conceito de Psicologia Social, as etapas do desenvolvimento humano e o entendimento do ser humano nos ambientes sociais, para que se possa entender a Psicologia Social na contemporaneidade, é o que você encontrará nas próximas unidades. ORIENTAÇÕES O que é Psicologia Social UNIDADE O que é Psicologia Social Contextualização “Ó Professora: Vou contar a história da psicologia social do ‘meu jeito’ Lucas Roberto Pedrão Paulino Marillicia Witzier Antunes Ribeiro Palmieri Venho por meio de este ensaio contar a rapsódia História da Psicologia Social, sob a perspectiva da minha ideologia. Mas espera aí: sob a perspectiva da minha ideologia? (...) Cada ser humano portador de uma (...) uma estrutura que, no decorrer de sua existência aqui na Terra, é modificada de acordo com suas experiências – muito lindo toda essa citação, não é? Palavras bonitas, mas falta objetividade. Há muitas ideologias que circulam na sociedade, sabia? Na verdade, elas não são uma criação somente minha. É sério! Vamos, acompanhe-me numa viagem ao interior de mim, leia meus pensamentos ‘digitados’: Eu não tinha parado para pensar que desde que nasci e depois com o passar do tempo eu não aprendi coisa alguma sozinho, sempre aprendi com a mamãe, depois com mamãe e papai, depois com mamãe, papai, vovô, vovó, tios, tias, primos, primas, colegas da escola, namorada, enfim aprendi muitas coisas com muita gente. Foi aí que acabei descobrindo ‘... que a sociedade (os outros) é cheia de regras: eu devia pensar antes de agir, pensar para resolver problemas, pois ‘pensar’ era ser inteligente’ (Lane, 2002, p.14) . Pensar! Eis a chave para não correr um sério risco: o de estar sendo dominado pelos ‘outros’ e, pior, de estar permitindo a dominação ‘dos outros’ em mim. ‘Para! Para tudo! Calma lá ...’ Será que passei muito tempo pensando que era ser humano, mas não passava de um papagaio? Será que passei muito tempo como um autômato só reproduzindo normas e regras sociais sem ao menos reconhecer que o meu agir e o meu pensar estavam desconectados? Sei lá!... Só sei que levou um tempo para passar de papagaio e autônomo, para alguém capaz de pensar, agir e sentir de acordo com a minha consciência, buscando construir a minha identidade.” O texto do quadro é parte do artigo “A história da Psicologia Social contada da perspectiva do aluno que não fez ‘a tarefa de sempre’”. Com uma narrativa bem humorada, o artigo, na íntegra, aborda conteúdos teóricos e históricos da Psicologia Social. Lucas Roberto Pedrão Paulino, o tal aluno que decide contar a história da Psicologia Social do seu jeito, proporciona, por meio de sua reflexão, a possibilidade de analisar como o que somos é resultado da Sociedade em que vivemos. Neste contexto, esta Unidade procura apresentar uma breve história da Psicologia Social, destacando como diferentes abordagens teóricas influenciam uma Ciência e, especialmente, como diferentes formas de compreensão de um mesmo fenômeno podem afetar a análise que dele fazemos. 6 7 A psicologia e suas abordagens A busca pela compreensão do ser humano é bastante remota. Podemos afirmar que entre os registros mais antigos das indagações do homem para compreender o comportamento humano, bem como suas relações com o ambiente que o cerca, estão aqueles que se referem ao pensamento socrático, no século IV antes da Era Cristã. Pensadores gregos como Sócrates, Platão e Aristó- teles já buscavam compreender questões relacionadas à imortalidade da alma e ao conhecimento nela con- tido, sendo assim considerados pensadores primitivos da Psicologia. Sócrates, primeiro filósofo que se ocupou em es- tudar o comportamento humano, atribuiu ao homem a razão, distinguindo-o dos demais seres da natureza. Discípulo de Sócrates, Platão também se ocupou da busca por compreender o ser humano, especialmente questões relacionadas à distinção corpo e alma, pos- tulando que a alma inteligente e imortal estaria presa ao corpo mortal. Fig. 01 – Sócrates Fonte: wikimedia/commons Já Aristóteles, o discípulo de Platão, avançou em seus estudos, buscando respostas às questões relacionadas não só à razão, mas também à percepção e às sensações, entre outras. Fig. 02 – Wilhelm Fonte: wikimedia/commons A história da Psicologia mais contemporânea, também destaca importantes pensadores. Entre eles, um dos estudiosos que merece destaque é o médico, psicólogo e filósofo Wilhelm Wundt (1832-1920). Entre as grandes contribuições de Wundt, está a criação do primeiro laboratório de Psicologia Experi- mental na Universidade de Leipzig, na Alemanha, no ano de 1879. A inauguração do primeiro Laborató- rio de Psicologia Experimental contribuiu por trazer à psicologia status de Ciência, conferindo à Wundt importante destaque. 7 UNIDADE O que é Psicologia Social Fig. 03 – Universidade de Leipzig Fonte: wikimedia/commons Sucessivo à criação do laboratório de Psicologia Experimental, a Universidade de Leipzig, oficializa, em meados da década seguinte, 1880, a criação de um Instituto de Psicologia Experimental, Instituto este que se tornou referência internacional na formação de psicólogos. E, à medida que a Psicologia passava a contar com Metodologia Científica própria e estudos em laboratórios, esta se afastava da Filosofia que havia marcado o início de sua história, passando a adquirir status de Ciência (BOCK, FURTADO & TEIXERA, 2008). “Seu status de ciência é obtido à medida que se ‘liberta’ da Filosofia, que marcou sua história até aqui, e atrai novos estudiosos e pesquisadores” (BOCK, FURTADO & TEIXERA, 2008, p. 41). No entanto, é importante considerar que, ainda que o Laboratório de Leipzig marque o surgimento da Psicologia Científica, a constituição de uma Psicologia Científica não pôs fim à Psicologia Filosófica. Ou seja, a despeito de a inauguração do Laboratório de Psicologia na Universidade de Leipzig ser um importante marco de constituição da Psicologia Científica, é certo considerar que os experimentos ali desenvolvidos não representavam todo o debate da Psicologia da época, mas sim parte dele. Se por um lado as preocupações dos pesquisadores do Instituto de Psicologia da Universidade de Leipzig, muitos deles doutorandos orientados por Wundt, era a compreensão, por meio de experimentos, de fenômenos relacionados às sensações, percepções, associações e memória; por outro lado, investigações de uma Psicologia de caráter menos experimental eram desenvolvidas por outros pensadores, em outros centros de pesquisa. Importante! Entre os objetivos a que se propôs Wundt, estava a criação de uma Psicologia Social? Para Wundt fenômenos coletivos não poderiam ser reduzidos àconsciência individual, mas sim à coletividade. Você Sabia? 8 9 A diversidade metodológica existente no passado é ainda hoje uma forte marca da Psicologia. Esta ciência tem se aventurado por diferentes formas do saber. A Psicologia atual é constituída tanto por abordagens que tendem mais ao caráter científico, como também por abordagens que tendem ao caráter mais filosófico. Ou seja, as abordagens teóricas que vigoram na Psicologia na atualidade são oriundas das diferentes formas de compreensão e de produção do conhecimento acerca do ser humano que eram desenvolvidas nos séculos passados. Psicologia Cientí�ca Psicologia Filosó�ca ≠ Fig. 04 Fonte: Adaptado de istock/getty images Entre tais abordagens podemos citar, por exemplo, a Análise do Comportamento ou a Comportamental Cognitiva, oriundas de movimentos behavioristas ligados aos laboratórios experimentais; ou, ainda, abordagens junguiana e lacaniana, que tiveram origem na Psicanálise, abordagem desenvolvida por Sigmund Freud e de caráter mais filosófico. Psicologia e outras ciências A Psicologia, como vimos, apresenta abordagens e metodologias de estudo distintas, conforme suas linhas de pensamento. Bock, Furtado e Teixeira afirmam, e entendo que não sem razão, que “provavelmente, a Psicologia jamais terá um único paradigma confiável que possa ser adotado por todos, sem questionamento”, visto que, “as diferentes formas de pensar a Psicologia representam a própria riqueza do ser humano e suas capacidades múltiplas de pensar sobre si mesmo” (2008, p. 21). “[...] as diferentes formas de pensar a Psicologia representam a própria riqueza do ser humano e sua capacidade múltiplas de pensar sobre si mesmo” (BOCK, FURTADO & TEIXERA, 2008, p. 21). No entanto, saiba que essa multiplicidade de abordagens teóricas não é exclusiva da Psicologia; tal multiplicidade ocorre, também, com as chamadas Ciências Humanas Sociais, que, tal como a Psicologia, apresentam diferentes e, porque não dizer, divergentes abordagens teóricas. 9 UNIDADE O que é Psicologia Social Além de compartilhar a multiplicidade de abordagens com as demais Ciências Humanas E Sociais, a Psicologia, ao longo de seu desenvolvimento, tem demonstrado também aplicabilidade de seu conhecimento em diversas outras áreas do saber e tem, por outro lado, buscado também a contribuição dessas outras áreas para seu próprio desenvolvimento. Entre essas diversas áreas do saber estão, por exemplo, a Sociologia, a Antropologia e as Ciências Políticas, entre outras. Bock, Furtado e Teixeira (2008) comentam que diante da complexidade da sociedade em que vivemos, a interdisciplinaridade do saber torna-se essencial para a compreensão do ser humano. A união dessas diversas formas de saber pode enriquecer umas as outras. “Operários”, 1933, de Tarsila do Amaral. Disponível em: https://goo.gl/PmGuHGEx pl or A importância da união da Psicologia com outras áreas do saber, ou seja, da interdisciplinaridade, está na possibilidade de cada uma contribuir com seus conhecimentos sobre o ser humano (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 2008). Psicologia Social Da relação com as Ciências Sociais surge um ramo da Psicologia cujo foco de estudos está na compreensão da relação do homem com a Sociedade, além das expectativas e reações provenientes de tal relação. Tal ramo da Psicologia é denominado Psicologia Social. Rodrigues, Assmar e Jablonski definem a Psicologia Social como “O estudo científico da influência recíproca entre as pessoas (interação social) e do processo cognitivo gerado por esta interação (pensamento social)” (2009, p.13). Ou seja, a Psicologia Social busca compreender, por meio de uma metodologia científica, como se dão as relações sociais e como estas relações afetam os indivíduos, gerando novas ações e reações. A Psicologia Social é a área da Psicologia que busca estudar a interação social e procura estudar cientificamente a influência recíproca entre as pessoas (interação social) e o processo cognitivo gerado por esta interação (pensamento social)” (RODRIGUES, ASSMAR & JABLONSKI, 2009, p.13). Ex pl or Mas, se a Psicologia, de forma geral, sofre influência de uma multiplicidade de abordagens, com a Psicologia Social não há diferença. Esse ramo da Psicologia que busca compreender a interação social e o pensamento social também recebe influência de distintas abordagens, ou, mais especificamente, de distintas Ciências. 10 11 O estudo dessas relações que os indivíduos mantém entre si, influenciando-se mutuamente, resulta em uma “pluralidade e multiplicidade de abordagens teóricas” (FERREIRA, 2010, p.51), que por um lado favorece a produção de conhecimento, mas de outro dificulta a delimitação do objeto de estudo desta Ciência. Sociologia e psicologia: infl uências na psicologia social Robbins (2005) é contundente ao definir a Psicologia Social como uma mistura de conceitos da Psicologia e da Sociologia. Bock, Furtado e Teixeira (2008) reiteram tal definição, confirmando a influência das duas ciências na constituição da Psicologia Social, mas ampliam a discussão ao introduzir a noção de antagonismo dessas duas ciências na forma como influenciaram a Psicologia Social. Desse modo, é correto afirmar que a Psicologia Social se desenvolve acolhendo quer a visão sociológica, quer a visão psicológica: ainda que se mostrem antagônicas. Enquanto a Sociologia defende que o comportamento dos indivíduos é determinado pela sociedade; a visão da Psicologia sustenta que o individuo autodetermina seu comportamento a partir da percepção que tem da Sociedade na qual está inserido. Importante! Sociologia: é Comportamento dos indivíduos determinado pela sociedade. Psicologia: é Comportamento dos indivíduos é autodeterminado a partir da percepção que tem da Sociedade na qual está inserido. Importante! Infl uência da Sociologia No que se refere à visão da Sociologia, temos a chamada Teoria dos Papéis Sociais, que embasa tal visão. Na concepção da Teoria dos Papéis Sociais, o indivíduo se comporta de acordo com as normas e valores sociais, desempenhando, ao longo da vida, diferentes papéis que lhes são estabelecidos. Pense em uma situação, um jovem que pertence a um determinado grupo social. Por exemplo: o grupo pode ser de colegas da escola, do trabalho, da igreja que frequenta, do bairro, enfim, qualquer grupo social. Pertencer a este grupo é importante para esse jovem? Se sim, ele seguirá as normas desse grupo, ainda que não concorde com elas, pois buscará manter- se coeso e pertencente ao grupo. Por outro lado, se não for importante para ele pertencer ao grupo, ele tenderá a não obedecer as normas. 11 UNIDADE O que é Psicologia Social De acordo com a Teoria dos Papéis Sociais, desempenhamos diversos papéis ao longo da vida e nos diversos grupos sociais aos quais pertencemos; podemos ser filho, pai, profissional, cônjuge, vizinho e tantos outros personagens na Sociedade na qual estamos inseridos. Em cada grupo, desempenhamos um determinado papel, adaptando-nos às diferentes situações sociais. Vamos a mais um exemplo? Pensemos em um determinado homem, a quem chamaremos de José. José é bastante competente e bem sucedido profissionalmente – papel profissional; mostra-se bastante apegado à família, dedicado, responsável e amoroso com os filhos – papel pai, além de ser bom companheiro para com a esposa – papel cônjuge. Contudo, José tem se mostrado relapso com os pais, a quem pouco visita. Delega aos irmãos os cuidados e o acompanhamento dos pais, não se envolvendo nesta tarefa – papel filho. José é também pouco participativo nos debates e na tomada de decisão do condomínio no qual reside ou em questões políticas – papel condômino e papel de cidadão. Fig. 05 Fonte: iStock/Getty Images José, de acordo com o que lemos, tem desempenhado vários papéis. Muitos outros papéis José pode desempenhar em sua vida, assim como nós desempenhamos vários papéis em nossas vidas também. No exemplo, vemos queJosé se dedica mais a alguns de seus papéis e menos a outros. De acordo com a visão sociológica, podemos justificar suas escolhas acerca de a quais papéis se dedicará mais ou menos e qual valorização que ele dá em pertencer ou não a determinados grupos. Quanto maior for a valorização por pertencer a um grupo, mais seguiremos suas normas e suas regras, tornando-nos mais coeso com esse grupo. 12 13 Ainda sobre o exemplo de José, podemos afirmar que os comportamentos apresentados por ele certamente receberão elogios, mas também críticas por parte dos diferentes grupos sociais e tais opiniões poderão influenciar a maneira como ele continuará se comportando. Esses elogios e críticas representarão o que se chama de pressão social ou controle social. O quanto este controle social influenciará o comportamento de José nos mostrará quanto há de controle social sobre suas ações, sobre seu comportamento. Sobre a pressão social, Durkheim (1858-1917), um dos principais estudiosos da Sociologia e da Psicologia Social, afirma que quando o homem não se submete a tais regras sociais sofre uma penalidade por não fazê-lo. Nas palavras do teórico: “Se não me submeto às convenções do mundo (...) os costumes observados em meu País (...) o riso que provoco, o afastamento em relação a mim produzem, embora de maneira mais atenuada, os mesmos efeitos que uma pena propriamente dita” (2007, p.3). Assim, o fato de sermos seres sociais nos molda à forma como nos relacionamos com o mundo que nos cerca. Não estamos alheios a isso! “A construção do ser social, feita em boa parte pela Educação, é a assimilação pelo indivíduo de uma série de normas e princípios – sejam morais, religiosos, éticos ou de comportamento – que balizam a conduta do indivíduo num grupo. O homem, mais do que formador da sociedade, é um produto dela” (Émile Durkheim). Ex pl or Em contrapartida às influências sociológicas temos as influências da Psicologia. Infl uência da Psicologia A compreensão dos diferentes papéis que o indivíduo desempenha na sociedade também é comum à visão psicológica do indivíduo. No entanto, para a Psicologia, as pressões sociais só influenciarão o indivíduo caso ele às perceba. Se não houver percepção pelo indivíduo da pressão social, ela não influenciará seu comportamento. Se, por um lado, a compreensão das normas e dos papéis grupais são fundamentais para a compreensão da visão sociológica; conceitos como percepção, formação de atitudes e processo de socialização tornam-se essenciais para a compreensão da visão psicológica acerca de como se comporta o homem na Sociedade. Para a Psicologia, o homem se comportará de acordo com a forma como percebe a si mesmo e percebe a situação que o cerca. 13 UNIDADE O que é Psicologia Social Robbins define a percepção como “O processo pelo qual os indivíduos orga- nizam e interpretam suas impressões sensoriais com a finalidade de dar sentido ao ambiente” (2005, p.104). Ou, mais especificamente, a forma como os indi- víduos organizarão e interpretarão os diversos estímulos aos quais se submetem receberá influência direta do repertório que ele possui. As crenças, valores e conhecimento de uma determinada pessoa influenciará a forma como ela julgará um determinado acontecimento. Vamos a um exemplo diferente? Você já deve ter reparado que, diante de um acidente de trânsito, algumas pessoas se ocupam em ajudar a socorrer as vítimas, auxiliando profissionais que trabalham no socorro; como também há pessoas que apenas observam; há os que passam pela situação sem se ater ao que está ocorrendo; como também há aqueles que aproveitam para registrar o momento com uma self e divulgar nas redes sociais, evidenciando que presenciaram o ocorrido: isso para pensarmos em apenas algumas das possíveis formas de reagir a uma mesma ocorrência. Não estamos aqui para julgar qual ação é melhor ou qual é pior, mas apenas para ilustrar como diferentes pessoas diante de uma mesma ocorrência (acidente) organizam e interpretam a situação (percebem) e, consequentemente, reagem a ela. Essas diferentes formas de agir e de reagir serão influenciadas, como já dito, pelo repertório que cada pessoa possui. Ou seja, o que tais pessoas vivenciaram, o que aprenderam na vida e com a vida, quais são seus grupos sociais e como reagem a eles, em qual cultura essas pessoas estão inseridas, e assim por diante. Em síntese, a visão psicológica considera que o comportamento dos indivíduos é autodeterminado a partir da percepção que tem da Sociedade na qual está inserido. O comportamento sofre, sim, influência social, mas não é predeterminado, mas sim dependerá de quem esse indivíduo é e de como ele reagirá nas diversas situações. “O mundo importante para o comportamento é o mundo na forma em que é percebido” (ROBBINS, 2005, p. 104). Para usar as palavras de Ferreira a “pluralidade e multiplicidade de abordagens teóricas” (2010, p.51) acerca da Psicologia Social não se encerram aqui. Há ainda uma visão que se opõe quer às influencias sociológicas, quer às influencias psicológicas, inaugurando o que se chama a Nova Psicologia Social. 14 15 A nova Psicologia Social Nos anos 1970, conforme afirmam Bock, Furtado e Teixeira (2008), há uma crítica às visões da Psicologia Social que vigoravam até então, isto é, aquela influenciada quer pela visão sociológica, quer pela visão psicológica. A Psicologia Social aqui procura aprofundar o conhecimento da natureza social do fenômeno psíquico, passando a estudar o psiquismo humano, entendendo que a construção do mundo interno do ser humano se dá a partir das relações sociais vividas por ele. O que chamamos de subjetividade humana, na qual “o mundo objetivo passa a ser visto não como fator de influência para o desenvolvimento da subjetividade, mas como fator constitutivo” (BOOK, FURTADO & TEIXEIRA, 2001, p. 141). Os pesquisadores mais contemporâneos, entre eles Pichon-Riviére, defendem que o indivíduo é constituído quer pelas influências externas, quer pelas influências internas. Fig. 06 – Pichon-Riviére Fonte: kennedy.edu.ar “Desde as primeiras experiências, as necessidades do sujeito se transformam, e, em consequência, o próprio sujeito se transforma” (GAYOTTO, 1992, p.64). Ou ainda, nas palavras de Bock, Furtado e Teixeira “[...]o indivíduo age sobre o mundo, transformando-o, e, ao fazer isso, transforma a sim mesmo” (2008, p. 184). A Nova Psicologia Social irá aprofundar-se em estudos inerentes aos conceitos básicos de atividade, de consciência e de identidade. Estas são características da essência do ser humano, que demonstram e expressam a manifestação humana. Segundo Bock, Furtado e Teixeira (2001), é pela atividade que o homem se apropria do mundo em que vive. A atividade que oferece condições para a transição do que está do lado externo dele para seu interior. Por exemplo: um bebê se apropria do mundo explorando o ambiente, engatinhando e manuseando os objetos e brinquedos. É nesse movimento de exploração que o homem constrói a base do conhecimento e do pensamento. Na consciência humana, temos a forma como o homem se relaciona com o mundo externo (objeto). Ela é o resultado das relações sociais que os homens estabelecem. 15 UNIDADE O que é Psicologia Social O homem é capaz de entender o mundo por meio de imagens, símbolos e de estabelecer relações entre os objetos desse mundo. Essas relações podem estar no trabalho, na vida social e na linguagem. Esta última, podemos entender como as expressões da consciência. Assim, quando alguém diz alguma coisa ou algum tema, ele está se reportando ao mundo real e expressa sua consciência por meio de representações sociais. “A representação social é a denominação dada ao conjunto de ideias que articula os significados sociais” (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 2001, p.144). Ainda segundo o autor, a representação social também pode ser definida pelo sentido construído de forma coletiva atribuída ao objeto, com o sentido pessoal. Podemosconsiderar aqui os valores, as crenças e as imagens que os seres humanos constroem ao logo de suas vidas, em decorrência da vivência em Sociedade. Outro ponto importante para essa nova Psicologia Social é o conceito de identidade. Ela é o conceito dado às representações e sentimentos que o homem desenvolve a respeito de si próprio, a partir do universo de suas experiências. Ou seja, “A síntese pessoal sobre o si-mesmo, incluindo dados pessoais (cor, sexo, idade), biografia (trajetória pessoal), atributos que os outros lhe conferem, permitindo uma representação a respeito de si” (BOCK,FURTADO & TEIXEIRA, 2001, p.145). Ao pensarmos em como as inovações tecnológicas tem influenciado as pessoas nos grandes centros urbanos, desencadeando no ser humano a necessidade de rever regras sociais, criando, por exemplo, a netiqueta ou, ainda, criar normas jurídicas que controlem os possíveis crimes digitais, uso exacerbado da tecnologia tem feito com que as relações do ser humano com seus pares e com a Sociedade de forma geral seja modificada. Netiqueta: Neologismo que se refere a um conjunto de normas e de boas maneiras que devem ser adotadas pelos usuários da internet.Ex pl or Todavia, sabemos que, a despeito da evolução da tecnologia ocorrida no Brasil nos últimos anos, há muitas regiões do país ainda sem acesso a essas modernidades. E, em tais regiões, nas quais o avanço tecnológico ainda não chegou, certamente as relações sociais e culturais, bem como o contato com o ambiente, são muito distintas daquelas que ocorrem nas regiões com mais recursos tecnológicos. Por isso é relevante compreender que a Psicologia Social busca compreender o ser humano como um ser social, inserido em um grupo social e em um ambiente social, isto é, um ambiente humanizado. Esse ser humano afetará seu grupo social e o ambiente no qual vive, mas também será por eles afetado. Entre vários possíveis exemplos de como o ser humano interfere no modo como seu grupo age e seu ambiente social está o livro A Terceira Onda, de Alvin Toffler – fica o convite para a leitura completa da obra. 16 17 Toffler (1980) faz vários apontamentos acerca das modificações vividas pela sociedade ao longo dos tempos. Entre os apontamentos, Toffler destaca as mudanças ocorridas na família, que passa de uma estrutura estendida na Era Agrícola, vista como uma unidade econômica e formada por todos os parentes de um mesmo clã, para uma estrutura mais enxuta na Era Industrial, denominada família nuclear e formada apenas por pai, mãe e filhos, até chegar à Era Tecnológica, na qual ó conceito de família é novamente modificado dando lugar às famílias formadas por apenas um dos pais, casais sem filhos e pessoas solteiras que vivem sozinhas, entre outras. É certo que a depender do grupo social, a visão de família hoje, para muitos, ainda seja a mesma descrita na primeira onda e família seja representada por todos os parentes. A verdade é que não há certo ou errado, mas isso só evidencia como o grupo social, o ambiente social influencia o ser humano e, este, influencia os demais. E você, consegue pensar em outras questões em nossa sociedade que sofrem infl uencia direta de fatores sociais? Bom, fi ca o convite à refl exão. Ex pl or Enfim, a Psicologia Social, esse ramo da Ciência denominada Psicologia, sofre diferentes influências que regerão a forma como tal ramo procurará compreender e explicar a relação do homem com o mundo que o cerca. 17 UNIDADE O que é Psicologia Social Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Durkheim – Sociologia RODRIGUES, A. (Org.) e FERNANDES, F. (Coord.). Durkheim – Sociologia. 9.ed.11. imp. São Paulo: Ática, 2008; Vídeos A Psicologia Social e o Social na Psicologia A história da Psicologia Social no Brasil e seus ícones podem ser conhecidos em: https://youtu.be/PeOqV1zvXkE Leitura A história da psicologia social contada da perspectiva do aluno que não fez a “tarefa de sempre” A história da psicologia social contada da perspectiva do aluno que não fez “a tarefa de sempre”. Autores Lucas Roberto Pedrão Paulino e Marilicia Witzler Antunes Ribeiro Palmieri. https://goo.gl/24dNoe Psicologia Social e Serviço Social: uma relação interdisciplinar na direção da produção de conhecimento Para aprofundar o assunto sobre a interdisciplinaridade, recomendamos o artigo disponível em: https://goo.gl/xZvPCx 18 19 Referências BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. ________. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2001. ________. Psicologia Fácil. São Paulo: Saraiva,2011. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Tradução de Paulo Neves. Revisão de tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2007. FERREIRA, Maria Cristina. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 26 n. especial, p. 51-64, 2010. GAYOTTO, Maria Leonor Cunha. Socialização segundo Pichon-Rivière. In: ________. et. al. Creches: desafios e contradições da criação coletiva da criança pequena. São Paulo: Ícone, 1992. LANE, Silvia Tatiana Maurer. A dialética da subjetividade versus objetividade. In: Odair Furtado e Fernando L. González Rey (Ed.). Por uma epistemologia da subjetividade: Um debate entre a teoria sócio-histórica e a teoria das representações sociais. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002, p. 11-7. ________. O que é Psicologia Social. 22 ed. São Paulo: Brasiliense, 2001. PAULINO, L. R. P.; PALMIERI, M. W. A. R. A história da psicologia social contada da perspectiva do aluno que não fez “a tarefa de sempre”. Athenea Digital,n.17, p.163-178, mar. 2010. ROBBINS, Stephen P. Comportamento Organizacional. Tradução técnica de Reynaldo Marcondes. 11.ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2005. RODRIGUES, Aroldo; ASSMAR, Eveline Maria Leal; JABLONSKI, Bernardo. Psicologia Social. 27.ed. Petrópolis: Vozes, 2009. TOFFLER, Alvin. A terceira onda. 16.ed. Rio de Janeiro: Record, 1980. 19 Psicologia Social Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Ms. Nirley Dragonetti Revisão Textual: Profa. Dra. Selma Aparecida Cesarin Desenvolvimento Humano • Teorias do Desenvolvimento Humano • A Teoria da Aprendizagem • A Aprendizagem Social • A Teoria Cognitiva • Teoria do Desenvolvimento Humano Emergente – Sociocultural • Domínios Predominantes do Desenvolvimento Humano · Por que estudar o desenvolvimento humano?; · Quais são as teorias predominantes do desenvolvimento humano? Quais suas contribuições para as Ciências Sociais?; · Para que conhecer os aspectos de desenvolvimento humano psicossocial e sua importância para as Ciências Sociais. OBJETIVO DE APRENDIZADO Olá, aluno(a) como vai? Nesta Unidade, vamos conhecer um pouco sobre o Desenvolvimento Humano, tão importante para que norteemos qualquer ação ou trabalho voltado para pessoas. Então, procure dedicar tempo aos estudos, esteja atento a todos os conceitos para que possamos aproveitá-los integralmente. Procure ler o conteúdo disponibilizado e o material complementar. Este último é tão importante quanto o conteúdo básico. As dúvidas que por ventura tiver, anote e tire-as com o seu tutor. Além disso, na pasta de atividades, você encontrará as avaliações referentes ao conteúdo apresentado, uma atividade reflexiva e a videoaula. Esses são elementos importantes para seu entendimento e sua compreensão. Bons estudos! ORIENTAÇÕES Desenvolvimento Humano UNIDADE Desenvolvimento Humano Contextualização “O EXTENSO PERÍODO DE DEPENDÊNCIA INFANTIL O bebê humano nasce numa condição de quase completa dependência. Em comparação com as outras espécies, temos instintos extremamente rudimentares e um período de maturação muito prolongado. Erikson nota que esse fato acarreta, para os adultos, a tentação de se aproveitarem do período de dependência e de controlar e manipular as criançaspara satisfazerem suas próprias necessidades (deles, adultos). Por exemplo: podemos forçar crianças de 3 a 6 anos a agir de acordo com nossos desejos, manipulando seus sentimentos de culpa, pois é nessa idade que elas estão mais propensas a se sentirem culpadas. Façamos com que se sintam culpadas, e elas nos obedecerão. Do mesmo modo, podemos conseguir submissão de crianças de 1 ano e meio a 3 anos de idade pelo uso específico da vergonha. Por exemplo: podemos conseguir sucesso no “treinamento-de-banheiro” envergonhando-as todas as vezes que cometerem uma falha. Isto as ensinará a controlar os intestinos, mas a um terrível preço. Se nós, adultos, controlamos e manipulamos as crianças por esses meios, nós as estamos prejudicando, impedindo- lhes um crescimento saudável. Erikson diz: ‘Essa infância tão prolongada expõe os adultos à tentação de, impensada e por vezes cruelmente, aproveitarem-se da dependência da criança, fazendo-a pagar os pecados psicológicos cometidos por outros contra nós, ao submetê-las a tensões que não desejaríamos ou não ousaríamos corrigir em nós mesmos ou nos que nos rodeiam. Já aprendemos a não prejudicar o desenvolvimento físico de uma criança com trabalho corporal; temos, agora, de aprender a não perturbar seu desenvolvimento espiritual, tornando-a vítima de nossas ansiedades’”. (SPRINTHALL, R. C.; SRINTHALL, N. A. Educational psychology. Reading, Addison-Wesley, p.201, 1977). O texto apresentado nos remete à reflexão da influência dos adultos no desenvolvimento psicossocial das crianças. Da mesma forma que podemos acrescentar e contribuir para a formação de um ser humano emancipado, íntegro e equilibrado podemos, de forma cruel, transferir toda ansiedade e insatisfação com as nossas próprias vidas; como se as crianças fossem “latas de lixo” psicológicas. Nós adultos temos que ter a consciência de que somos uma ponte para o crescimento e desenvolvimento de outro ser que merece todo respeito e amor. Mais do que compreender que podemos positivamente contribuir para o desenvolvimento físico de uma criança, é zelar pelo seu desenvolvimento espiritual. Como profissionais de Ciências Humanas Sociais possuímos a missão de identificar, também, o quanto as pessoas que rodeiam são responsáveis pelos semelhantes e próximos, sejam eles crianças, adultos ou idosos. Elucidando seus papéis e educando-os para a promoção de um mundo melhor. 6 7 Introdução O esforço pela compreensão do desenvolvimento humano é contínuo. Os estudos do desenvolvimento humano parecem estar sempre incompletos diante da complexidade que é o ser humano. Para que possamos entender o desenvolvimento humano, foi necessário organizarmos os aspectos relevantes do estudo e organizá-los para atingirmos um conhecimento mais profundo do assunto. Isso caracteriza uma Teoria. A Teoria tem o objetivo de interligar fatos e aspectos observados, organizando os detalhes dessa observação e atribuindo sentido à vida humana. As Teorias sempre dão origem a novas investigações, precisam visar à aplicabilidade e um destino utilitário e prático. Novas pesquisas possibilitam visões e orientações para problemas do dia a dia, formulando hipóteses para as situações-problema e interesses do pesquisador. Em se tratando de Teorias do Desenvolvimento Humano, podemos resgatar os primórdios dos importantes estudos voltados para o entendimento humano. Na primeira metade do século XX, tínhamos duas grandes teorias dominantes, a Teoria Psicanalítica e a Teoria da Aprendizagem (Behaviorismo), que contribuíram muito para os estudos do desenvolvimento humano. Em meados do século, uma importante teoria emergia, a Teoria Cognitiva, grande germinadora de pesquisas nesse campo, superando, assim, as duas primeiras no que se referia aos estudos e princípios relacionados ao desenvolvimento humano. A Teoria Psicanalítica A Teoria Psicanalítica originou-se com um famoso médico austríaco, Sigmund Freud (1856-1939), que se preocupou em criar uma Teoria que interpretava o desenvolvimento humano por meio do entendimento dos impulsos e motivos interiores, o que chamamos de intrínsecos, muitos deles irracionais e de origem inconsciente. Essa teoria entende que o ser humano possui fases universais (estágios) de desenvolvimento. Para essa teoria, o desenvolvimento nos seis primeiros anos acontece em três fases, respectivamente, pelo interesse e pelos prazeres sexuais concentrados em uma parte do corpo. Figura 1: Sigmund Freud Fonte: Wikimedia Commons 7 UNIDADE Desenvolvimento Humano Freud nomeou a primeira infância de fase oral, na qual o foco está na boca; a segunda de fase anal, na qual o foco de interesse está no ânus, coincidindo com os anos pré-escolares, e a terceira nomeada de fase fálica, cujo interesse está no órgão genital masculino (pênis). Freud afirmava que “em cada uma dessas fases, a satisfação sensual proveniente da estimulação da boca, ânus ou do pênis está ligada às principais necessidades e desafios do desenvolvimento associados a cada fase” (BERGER, 2001, p. 25). Vamos dar um exemplo prático para entendermos melhor o que Freud está nos falando: Quando um bebê recebe alimento por meio de sucção, também experimenta prazer sensual e se torna emocionalmente ligado à mãe, porque ela lhe propicia satisfação oral. Na fase anal, os prazeres relacionados ao controle e autocontrole são os mais importantes. O fato de a criança poder controlar o esfíncter e o ato de defecar trazem imensa satisfação. Esfíncter: é uma estrutura, geralmente um músculo de fibras circulares concêntricas, dispostas em forma de anel, que controla o grau de amplitude de um determinado orifício. O sistema digestivo humano tem três esfíncteres importantes: o esfíncter cárdico, o esfíncter anal e o esfíncter pilórico, que faz comunicação entre o estômago e o duodeno” Ex pl or Já na fase fálica, as crianças ficam maravilhadas pelas diferenças físicas entre os sexos, o que leva, inclusive, à identificação sexual e à orientação sexual. Nessa fase, a criança desenvolve padrões morais. Obviamente que esse processo irá ser diferente tanto para os meninos, quanto para as meninas. Terminada a fase fálica, a criança se depara com o período de latência sexual (aproximadamente aos 5 e 6 anos), na qual as forças sexuais estarão adormecidas. Aos 12 anos, aproximadamente, o ser humano entra na fase genital. Essa fase se caracteriza por interesses sexuais mais maduros, que se estenderão até a idade adulta. As emoções possuem papel fundamental nessas fases. “As emoções relativas a cada fase permanecem como forças poderosas, mas disfarçadas na personalidade adulta, parte do legado inconsciente da infância” (BERGER, 2001, p.26). Segundo Freud, cada fase possui seus conflitos, e a forma como a criança resolve e enfrenta esses conflitos determina a personalidade, assim como os padrões de comportamento para a vida toda. Famosos teóricos foram seguidores de Sigmund Freud. Entre eles, Erik Erikson (1902-1994), que desenvolveu e transformou as ideias de Freud. Figura 2: Erik Erikson Fonte: Wikimedia Commons 8 9 Erikson considerou as fases de Freud insuficientes e muito limitadas, desenvolvendo uma Teoria que contemplou oito fases do desenvolvimento humano. Em cada fase, o ser humano se depara com um desafio. “As primeiras fases de Erikson tem estreita relação com as fases de Freud”. (BERGER, 2001, p.27). Ele entendia que os conflitos da vida adulta são reflexos de problemas mal resolvidos na infância. À primeira fase, atribui o nome de Confiança versus Desconfiança; a segunda nomeou de Autonomia versus Vergonha e Dúvida; a terceira, de Iniciativa versus Culpa; a quarta, de Diligência versus Inferioridade; a quinta, de Identidade versus Confusão de Papéis; a sexta, Intimidade versus Isolamento; à sétima, de Generatividade versus Estagnação, e oitava e última, o nome de Integridade versus Desesperança. Quando nos deparamos com adultos que têm difi culdades de estabelecere manter relacionamentos seguros e de reciprocidade com seus parceiros durante a vida, podemos pensar que provavelmente não resolveu a crise da primeira infância na fase Con� ança versus Descon� ança! Ex pl or Na primeira fase (do nascimento a 1 ano), a criança experiencia confiar em sua mãe e, por consequência, confiar nas outras pessoas, o que refletirá na sua vida adulta. Já na segunda fase (de 1 a 3 anos), Autonomia versus Dúvida, as crianças aprendem a autossuficiência em muitas atividades, duvidando de suas próprias capacidades. Na terceira fase (de 3 a 6 anos), Iniciativa versus Culpa, as crianças desenvolvem sua identidade como menino ou menina. É o momento de se identificar com o progenitor de seu próprio sexo e copiar aspectos do comportamento adulto e também querem executar muitas atividades adultas. Nessa fase, podem ultrapassar limites estabelecidos pelos pais e sentir culpa por isso. Na quarta fase (de 7 a 11 anos), Diligência versus Inferioridade, “A principal realização deste estágio é aprender habilidades, tanto na escola como fora dela” (BARROS, 2008, p. 93). Na quarta fase, a criança rapidamente assimila o que é ser competente e ativa de forma produtiva nesse controle de novas habilidades, da mesma forma como pode se sentir inferior por não conseguir desenvolver qualquer atividade. A criança precisa ser incentivada a participar de grupos sociais, nos quais exercitará o sentimento de domínio e de competência. Na quinta fase (adolescência), Intimidade versus Confusão de Papéis, como o próprio nome já diz, o jovem fica confuso sobre que papéis desempenhará, vez que tenta descobrir “Quem sou eu?”, além de “[...] estabelecer uma identidade sexual, política e de carreira” (BERGER, 2001, p.26). 9 UNIDADE Desenvolvimento Humano Na sexta fase (idade adulta), Intimidade versus Isolamento, o adulto estará pronto para relacionamento mais afetivo e duradouro. Nessa fase, tende a encarar o casamento e uniões mais estáveis, mesmo com amigos e grupos sociais. Segundo Barros (2008), para que possa estabelecer uma união estável, o jovem deve conhecer-se profundamente (identidade pessoal); caso contrário, poderá ter experiências de autoabandono, de temor por perder sua identidade pessoal e, consequentemente, uma sensação de distanciamento e isolamento. Na sétima fase (adultos de meia-idade), Generatividade versus Estagnação, os adultos contribuem para a próxima geração por meio de atividades significativas, como o trabalho, por exemplo, a criação e a manutenção de uma família. Podemos dizer que nessa fase o adulto busca estabilidade, por isso a palavra Estagnação. Segundo Barros (2008), na oitava e última fase para Erikson (após 60 anos), o adulto mais velho busca sentido para a vida. O adulto que superou todos os conflitos e crises das fases anteriores adquire senso de solidariedade em relação aos outros, tendo integridade pessoal para enfrentar a crise final relacionada à sua desintegração e morte. Caso o adulto, nessa fase, não tenha estabelecido sentido à sua vida, poderá desenvolver sentimento de desesperança diante dos objetivos que por ventura não tenha alcançado. Como já vimos, cada fase de Erikson é caracterizada por um desafio ou crise do desenvolvimento, e “a solução de cada crise do desenvolvimento depende da interação entre as características do indivíduo e qualquer que seja o suporte oferecido pelo ambiente social” (BERGER, 2001, p.27). A Teoria da Aprendizagem A Teoria da Aprendizagem surge de uma das mais antigas abordagens da Psicologia, o Associacionismo, cujo principal pensador foi Edward L. Thorndike (1874-1949). Thorndike formulou a primeira teoria da aprendizagem da Psicologia. Denominada a Lei do Efeito, a teoria define que todo organismo vivo tenderá a repetir um comportamento se ele for seguido por algo agradável (reforço), e deixará de emiti-lo caso ele seja seguido por algo desagradável (punição). Figura 3: Edward L. Thorndike Fonte: Wikimedia Commons 10 11 Thorndike, citado por Goodwin (2005, p. 244), afirma que [...] a Lei do Efeito é das várias reações apresentadas na mesma situação, as que são acompanhadas ou seguidas de perto pela satisfação do animal serão, sendo os outros fatores iguais, mais estreitamente conectadas à situação, de modo que, quando essa situação voltar a ocorrer; as que são acompanhadas ou seguidas de perto pelo desconforto do animal terão, sendo os outros fatores iguais, suas conexões aquela situação enfraquecidas, de modo que, quando essa situação voltar a se apresentar, elas terão menos probabilidade de voltar a ocorrer. Quanto maior a satisfação ou o desconforto, maior o fortalecimento ou enfraquecimento do vínculo. O trabalho de Thorndike, especialmente a formulação da Lei do Efeito, influenciou Burrhus Frederic Skinner (1904-1990), principal teórico da Análise do Comportamento e teórico do comportamento operante. O comportamento operante inclui todas as reações – ou respostas – do organismo – ou indivíduo – que têm algum efeito sobre o ambiente. A partir da teorização do conceito de comportamento operante, Skinner desenvolve toda a sua teoria, grande parte dedicada à Educação. Figura 3: Burrhus Frederic Skinner Fonte: Wikimedia Commons Entre os desdobramentos do conceito de comportamento operante está o condicionamento operante que, nas palavras de Bolton e Warwink, “é o processo pelo qual a resposta de um indivíduo é seguida por uma consequência (positiva ou negativa), e essa consequência nos ensina a repetir a resposta ou diminuir sua consequência” (2005, p. 115). Imagine a seguinte situação: uma professora faz, ao longo da aula, diversas perguntas aos alunos que participam, respondendo a cada novo questionamento. Ainda que as respostas não sejam completas, a professora, os auxilia a completarem a resposta e os incentiva, parabenizando prontamente a cada aluno pela participação. Esses alunos, muito provavelmente tenderão a voltar a participar da aula dessa professora outras vezes, pois a participação dos alunos (resposta) frente às questões da professora (estímulo) são consequenciadas com elogios (reforço positivo). Temos a sequência S (estímulo) ⇒ R (resposta) ⇒ S (estímulo reforçador = elogio), ou seja, S ⇒ R ⇒ S. De acordo com a teoria skinneriana, toda a resposta de um organismo (homem ou animal) que for seguida de um reforço, tenderá a se repetir. Vale, no entanto, destacar que temos duas formas de reforço, o reforço positivo, como o exemplo anteriormente citado, e o reforço negativo. Em qualquer uma das formas de reforço é certo afirmar que todo reforço aumenta a probabilidade de resposta de um indivíduo, quer o reforço seja positivo, quer o reforço seja negativo. 11 UNIDADE Desenvolvimento Humano Então, qual a diferença entre os dois tipos de reforço? O reforço positivo aumenta a probabilidade de resposta que provocou tal estímulo. Já o reforço negativo, aumenta a probabilidade de resposta que eliminou ou atenuou uma situação desagradável ou aversiva. Vamos a alguns exemplos? Na família de uma determinada criança, as manifestações de afeto são comuns e valorizadas. Cada vez que essa criança diz aos pais que os ama, ela recebe em troca algum tipo de demonstração de afeto por parte deles. Temos aqui um exemplo de reforço positivo. Essa criança tenderá a repetir tal resposta (dizer aos pais que os ama), pois ela é seguida de algo favorável (demonstração de afeto). Figura 5 Fonte: iStock/Getty Images Já na família de outra criança, os pais costumam discutir na frente do filho. Quando isso acontece, a criança aumenta o volume da TV ou vai para o seu quarto (resposta) de forma a evitar ouvir os pais brigando. Temos aqui um exemplo de reforço negativo, pois também há aumento da probabilidade da resposta, mas não da resposta que resulta em algo positivo, como um elogio ou demonstração de afeto, mas que elimina ou atenua algo desagradável ou aversivo, como ver os pais brigando. Figura 6Fonte: iStock/Getty Images 12 13 Compreenderam a diferença entre reforço positivo e reforço negativo? O reforço sempre aumentará a probabilidade de uma resposta se repetir. Todavia, será reforço positivo o que resultar em uma consequência favorável e reforço negativo aquilo que livrará o indivíduo de algo desfavorável. Mais um conceito deve ser abordado quando se trata da Análise do Comportamento: o conceito de Punição. Todo comportamento seguido de uma punição tenderá a ser extinto. Se determinada pessoa age de modo incorreto, ela deverá ser punida, e a continuidade da punição tenderá a diminuir a probabilidade de repetição de tal ação (ao contrário do reforço que aumenta a probabilidade, a punição diminui a probabilidade de uma resposta). Todavia, vale ressaltar que diversos autores da Análise do Comportamento, incluindo Skinner, comentam sobre a pouca eficácia da punição e que o ideal sempre será utilizar reforço positivo quando o indivíduo agir corretamente em vez de punição quando ele agir de forma incorreta. A discussão acerca dos motivos que tornam o uso da punição tão frágil é bastante ampla e não caberia nesta Unidade. Mas para ter uma ideia, vamos a um exemplo. Imagine você dirigindo sozinho em um local desconhecido, deserto e com fama de perigoso em plena madrugada. De repente, o semáforo fica vermelho para você, que deve parar e esperar que abra novamente para liberar sua passagem. Naquele exato momento, no que você pensará? a) “Não vem vindo nenhum carro. Não vou ficar parado aqui essa hora da madrugada”. E segue seu caminho. Figura 7 Fonte: iStock/Getty Images 13 UNIDADE Desenvolvimento Humano b) “Se não parar, posso receber uma multa e pontos na carteira de motorista”. Figura 8 Fonte: iStock/Getty Images Muito provavelmente, a opção (a), que é uma forma de reforço negativo, pois sair daquele local será sair de uma situação aversiva, controlará sua reação naquele momento. E, pouco provavelmente, a multa, que é uma punição a um comportamento incorreto, ultrapassar o farol vermelho, não controlará o comportamento ali. E, talvez, quando e, se a multa de fato chegar, você já não se lembrará exatamente da situação vivida. Por esses motivos, Skinner afirma que na Educação as contingências devem ser programadas de forma a aumentar a frequência de reforçadores e evitar ao máximo o uso de punições. A Aprendizagem Social Os estudiosos do comportamento humano evidenciaram que os seres humanos podem aprender novos comportamentos pela simples observação de como os outros se comportam, mesmo sem vivenciar qualquer condicionamento. Esses teóricos chamaram a extensão da teoria da aprendizagem de aprendizagem social. Sendo uma parte dela a modelagem, na qual as pessoas observam um comportamento e depois moldam seu próprio comportamento segundo ele. A aprendizagem social também é influenciada pelo autoconhecimento. “Os padrões que estabelecemos para nós mesmos e a confiança que temos na nossa capacidade de cumpri-los afetam nossa disposição para aprender com outras pessoas” (BERGER, 2001, p.29). A teoria da aprendizagem abarca visões da Teoria Cognitiva, no esforço de entender o conhecimento e do autoconhecimento social. 14 15 A Teoria Cognitiva A Teoria Cognitiva enfatiza a estrutura e o desenvolvimento dos processos de pensamento e do conhecimento humano. A grande preocupação é compreender como o ser humano pensava. Seu grande ícone é Jean Piaget (1896-1980). O grande desafio de Piaget foi conhecer e entender como as crianças pensavam e concluiu que como as pessoas pensam revela como elas interpretam suas vivências e experiências num processo de construção de seus valores e suas premissas. Figura 9: Piaget Fonte: Wikimedia Commons Piaget considerava quatro períodos de desenvolvimento cognitivo (aquisição do conhecimento). Esses períodos correspondem às idades do ser humano. Para ele, o ser humano necessita de equilíbrio cognitivo, ou seja, um estado de equilíbrio mental, no qual cada ser humano concilia as novas experiências àquelas que já fazem sentido em sua vida e foram aprendidas. Segundo Piletti, N.; Rossato, S. M. & Rossato, G. (2014, p. 43), Piaget: [...] compreende o desenvolvimento cognitivo como algo que contém uma dinamicidade, posto que a inteligência existe na ação, modificando- se numa sucessão de estágios que compreendem: uma gênese, uma estrutura e a mudança das mesmas. Nessa perspectiva, o ser humano se ajusta às novas experiências em uma adaptação cognitiva que ocorre de duas formas: a primeira reinterpreta as novas experiências num processo de ajustamento às ideias antigas (assimiladas); a segunda modifica as ideias antigas acomodando-as às novas ideias. Para Piaget, o desenvolvimento humano se dá por meio de estágios cognitivos: o primeiro deles (do nascimento aos 2 anos) o Sensoriomotor, segundo Berger (2001, p.29), “A criança aprende que um objeto continua existindo mesmo quando não está à vista (permanência do objeto) e começa a pensar por meio de ações mentais além de ações físicas”. No segundo (dos 2 anos aos 6 anos), Pré-operacional, a criança utiliza a imaginação e a linguagem para se expressar a respeito de si, recebendo e percebendo a influência dos outros. Ela se torna menos egocêntrica e já é capaz de coordenar pontos de vista variados. No terceiro estágio (dos 7 aos 11 anos), Operacional concreto, “A criança conhece e aplica operações, ou princípios lógicos como recurso para interpretar as experiências de maneira objetiva e racional, em vez de intuitiva” (BERGER, 2001, p. 29). 15 UNIDADE Desenvolvimento Humano O último estágio (12 anos à idade adulta), Operacional formal, diz respeito à capacidade do adolescente ou adulto de ter pensamentos abstratos e criar situações hipotéticas para problemas do dia a dia vivenciados por eles. Temas como ética, política e questões sociais fazem parte do repertório desse estágio. Teoria do Desenvolvimento Humano Emergente – Sociocultural O maior representante dessa teoria foi o psicólogo Lev Vygotsky (1896-1934), da antiga União Soviética. Ele foi um discípulo de A. R. Luria, que atraiu muitos pesquisadores para essa nova abordagem da Psicologia do Desenvolvimento Humano. “Vygotsky estava especialmente interessado nas qualificações cognitivas que se desenvolviam entre as pessoas culturalmente diversas da então recém-criada União Soviética” (BERGER, 2001, p.33). Seu interesse se concentrava no estudo das habilidades das pessoas com a utilização de maquinários e ferramentas de uma comunidade agrícola e a utilização adequada das palavras abstratas por pessoas analfabetas. Esse fenômeno foi chamado de aprendizado do pensamento, vez que essas habilidades são desenvolvidas a partir da interação entre pessoas mais novas dessa sociedade e os veteranos. Os veteranos atuam como orientadores/mentores desse processo, que proporciona a educação e o suporte para os mais novos que precisam obter todo o conhecimento e as qualificações valorizados pela sua Cultura. Esse fenômeno é chamado de participação dirigida, na qual o mentor se preocupa em envolver o novato em atividades coletivas/conjuntas. Os mentores proporcionam situações favoráveis à aprendizagem, por meio da instrução cuidadosa de cada passo nessa aprendizagem. Vygotsky dá ênfase às origens sociais do pensamento. Este, para ele, evolui e aprimora-se com o contato social (interações grupais). Segundo Cória- Sabini (2010), os processos de interações sociais contam com sistemas de signos, neles consideramos a linguagem, a escrita, o sistema numérico e os instrumentos para a transformação da natureza. Diante disso, podemos dizer que “A internalização dos sistemas de signos provoca transformações comportamentais e estabelece o elo entre as formas iniciais e avançadas do desenvolvimento cognitivo” (CÓRIA-SABINI, 2010, p.151). Figura 10: Vygotsky Fonte: Wikimedia Commons 16 17 O mais interessante é que todo esse processo de aprendizagem estávinculado à interação social; assim, o novato e o veterano, em conjunto, moldam o conhecimento da cultura local. “Os adultos aprendem com as crianças e vice-versa, e todos aprendem tanto com seus iguais como com indivíduos mais velhos ou mais novos” (BERGER, 2001, p. 33). A grande diferença entre as teorias anteriores apresentadas e a sociocultural é o fato de o adulto aprender em conjunto com a criança, e a grande mola propulsora é a interação social. Figura 11 Fonte: iStock/Getty Images Os estudiosos da abordagem sociocultural, ao estudar o desenvolvimento humano, enfatizam a Cultura, principalmente no processo de reconhecimento das habilidades, desafios e das oportunidades proporcionadas por esse desenvolvimento. Quando falamos em cultura, damos destaque aos valores, crenças e estruturas da sociedade estudada. Para conhecer o processo do desenvolvimento de uma determinada cultura, os pesquisadores primeiro estudam como os valores afetam os indivíduos. Depois estudam como os indivíduos moldam o contexto cultural específico de maneira sistemática, cada componente afetando o todo. (BERGER, 2001, p.34) Como será que uma pessoa com idade avançada se comporta diante das exigências das modernas sociedades multiculturais, na qual os recursos, as habilidades, os costumes e os valores por meio dos quais a cultura atua pressiona para mudanças constantes? Ex pl or Para responder a essa pergunta, é necessário entender os paradigmas dessas novas sociedades relacionadas ao progresso tecnológico. As gerações mais antigas podem ter aprendido com seus pais que um conhecimento vale para uma vida toda e se deparam com as novas sociedades na qual as constantes mudanças é o grande lema. 17 UNIDADE Desenvolvimento Humano Vamos dar um exemplo: do telefone convencional (de fio) para o telefone celular dos dias atuais. Eles são verdadeiros computadores, e nos dão a condição de conversarmos com pessoas do mundo inteiro em segundos, sem que usemos a voz. Elas podem não entender a necessidade constante de trocas de aparelhos por parte dos jovens para que possam ter equipamentos que comportem um número maior de aplicativos para atender às suas necessidades. Para os mais antigos, pelo fato de os aparelhos estarem em condições de conservação externa, não há necessidade de trocá-los; é difícil compreender que apesar da conservação aparente, eles possuem um limite tecnológico. Obviamente que a Teoria Sociocultural não dá conta de explicar o desenvolvimento humano integralmente, assim como as demais teorias apresentadas aqui. O conhecimento está se construindo e certamente todas elas são alvo de críticas. Mas, o que realmente importa nesse momento para nós é que conheçamos o que cada uma delas tem de positivo a oferecer para o entendimento humano e seu desenvolvimento. Para recapitular, vimos aqui três grandes teorias de desenvolvimento humano. Além dessas, temos a Teoria Bioecológica sob uma perspectiva contextual, na qual o psicólogo Urie Bronfenbrenner (1917-2005) descreve que o ser humano é influenciado por cinco níveis de influência ambiental: microssistema, mesossistema, exossistema, macrossitema e cronossitema. Segundo Papalia e Feldman (2013, p. 67), “para entender a complexidade das influências sobre o desenvolvimento, devemos ver a pessoa dentro do contexto desses múltiplos ambientes”. Por mesossistema entendemos o ambiente do dia a dia mais íntimo do ser humano; por mesossistema compreendemos a interligação entre vários microssistemas, por exemplo, o lar e a escola. ”Envolvendo os microssistemas está o exossistema, que inclui todas as redes externas, tal como as estruturas comunitárias e os sistemas educacionais [...]”, entre outros (BERGER, 2001,p. 5) que influenciam os microssistemas. O macrosssistema pode ser entendido como o grupo de valores culturais e crenças, incluindo padrões econômicos e condições sociais. E, por último, o cronossistema que se refere à dimensão do tempo, a constância da pessoa nos espaços que frequenta e ambientes. Segundo Papalia e Feldman (2013, p. 68), “ ao observar os sistemas que afetam os indivíduos na família e além dela, essa abordagem bioecológica nos ajuda a ver a variedade de influências sobre o desenvolvimento”. 18 19 Outra perspectiva de desenvolvimento é a Evolucionista/Sociobiológica, que se debruça nas bases evolucionistas e biológicas do comportamento humano. Ela sofreu influências da Teoria da Evolução de Darwin, que enfatiza a evolução das espécies no que se refere à adaptação e seletividade natural dos indivíduos. Os psicólogos dessa abordagem, por exemplo, estudam “...tópicos como estratégias de parentalidade, diferenças de gênero no brincar e relações entre colegas, além de identificar comportamentos que sejam adaptativos em diferentes idades” (PAPALIA & FELDMAN, 2013, p. 69).1 Importante! Segundo Papalia e Feldman (2013, p.69): “Nenhuma teoria do desenvolvimento humano é universalmente aceita, e nenhuma perspectiva teórica explica todas as facetas do desenvolvimento”. Ao estudarmos o desenvolvimento humano, para que possamos aproveitar os conceitos na prática profi ssional do dia a dia, é necessário entendermos que o ser humano é uma totalidade e inserido nos contextos histórico, socioeconômico e cultural. E isso cabe em todas as áreas de conhecimento, principalmente naquelas relacionadas às Ciências Humanas Sociais1. Importante! Domínios Predominantes do Desenvolvimento Humano Para que possamos entender e estudar o desenvolvimento humano, é necessário dividirmos o desenvolvimento em três domínios. O domínio biossocial, o domínio cognitivo e o domínio psicossocial. Os três domínios são fundamentais para todas as idades. O que também é importante saber em relação aos domínios predominantes é que poucos fatores pertencem exclusivamente a um domínio ou a outro. Lembrando que cada um deles se inter-relaciona com os outros dois. No domínio biossocial, incluímos o cérebro, o corpo e as alterações que neles ocorrem e as interferências sociais que as direcionam. “O domínio cognitivo inclui os processos de pensamento, as aptidões de percepção e o domínio da linguagem, além das instituições de ensino que os estimulam” (BERGER, 2001, p.3). O domínio psicossocial compreende a personalidade do indivíduo, as emoções e as relações interpessoais mais íntimas, de amizade e com a comunidade em geral. 1 O conceito contextual está ligado “ à visão do desenvolvimento humano que vê o indivíduo como inseparável do contexto social” (PAPALIA e FELDMAN, 2013, p. 67) 19 UNIDADE Desenvolvimento Humano No domínio biossocial do desenvolvimento, incluímos também os fatores genéticos e de saúde que impactam o crescimento da pessoa. As habilidades motoras e a busca de um corpo ideal também se inserem nesse domínio. No domínio cognitivo podemos incluir os processos mentais para a obtenção de conhecimento e a consciência do ambiente em que estamos inseridos no momento. Aqui também consideramos a percepção, a imaginação, o discernimento, a memória e, como falamos anteriormente, a linguagem. Podemos englobar aqui o processo de tomada de decisões e a educação formal das escolas e a informal propiciada pela família e pelas pessoas que rodeiam o indivíduo. O resultado da curiosidade e da criatividade que as pessoas apresentam também fazem parte desse domínio. No domínio psicossocial, podemos considerar o campo das emoções, do temperamento de uma pessoa e das habilidades sociais. Todas as influências que o indivíduo tem da família, dos amigos, da comunidade, da cultura e da sociedade em que está inserido. “As diferenças culturais relativas ao valor das crianças, ou relativas a ideias sobre os papéis ‘apropriados’ a cada sexo, ou ainda quanto ao que é considerada a estrutura familiar ideal” (BERGER, 2001, p.4) fazem parte desse domínio. Quando estudamos desenvolvimento humano, temos de lembrar que o desenvolvimento deve ser visto sempre sob um olhar holístico. Ou seja, cadaindivíduo cresce de forma integral e o fato de dividirmos em domínio é meramente uma forma organizada e didática de facilitar aos cientistas seus estudos acadêmicos sobre o tema em questão. Desenvolvimento Humano Psicossocial dos dois Primeiros Anos até a Idade Adulta Avançada É de suma importância estudarmos o desenvolvimento humano psicossocial para que possamos entender melhor como as coisas acontecem ao longo da vida do ser humano. Trabalhamos direta ou indiretamente com pessoas, esse é o nosso “negócio”. Compreender o ser humano nos habilita para sermos mais empáticos e assertivos quando temos de tomar decisões para favorecer o crescimento das pessoas. Desde os primeiros anos até a vida adulta avançada, o ser humano sofre inúmeras modificações. Veja os bebê, por exemplo, eles já apresentam personalidades diferentes. São diferentes, vez que possuem históricos de vida distintos, que provocam emoções diferentes e únicas, assim como temperamentos, pensamentos e comportamentos também diferentes. Uma pessoa se torna única pelo conjunto de todos esses aspectos. Empatia: é a capacidade do ser humano de ser colocar no lugar do outro. Ex pl or 20 21 Ou seja, o modo peculiar de cada pessoa de sentir, pensar e agir é influenciado tanto pelas características inatas quanto ambientais. Isso denota como as crianças irão responder às outras pessoas e como se adaptam aos seus mundos. Na tentativa de compreender o desenvolvimento psicossocial, é necessário conhecermos os aspectos mais importantes desse desenvolvimento do nascimento aos dois anos de vida. Segundo Papalia & Feldman (2013), é importante sabermos que durante a gestação o feto identifica a voz da mãe e tem sua preferência. Do zero aos três meses, os bebês são abertos à estimulação. Eles iniciam a demonstração de interesse e curiosidade em relação ao mundo externo, além de sorrirem para as pessoas prontamente. Dos três meses aos seis meses, eles sorriem e riem com bastante frequência, além de se apresentarem zangados quando se decepcionam com algo, em um movimento de antecipação de fatos. Os bebês se despertam socialmente e estabelecem trocas recíprocas com os cuidadores. Aos nove meses são capazes de “jogos sociais” e buscam respostas das pessoas quando tentam “conversar”. Agradam e tocam outras crianças para obter respostas delas. Demonstram e expressam emoções como medo, raiva e alegria, por exemplo. Dos nove meses a um ano, os bebês preocupam-se com o principal cuidador, apresentando medo de estranhos e podem agir de forma submissa em situações novas e inesperadas. Com um ano conseguem comunicar suas emoções claramente, apresentando oscilações de humor. Após um ano até um ano e meio exploram bastante o ambiente por meio de pessoas que apresentam segurança e que estão mais ligadas. Tendem a apresentar ansiedade para se autoafirmarem, a partir do momento em que dominam o ambiente. Dos dezoito meses até os 3 anos, inicia-se a fase de identificação com os adultos pela brincadeira e são capazes de perceber o quanto estão se separando do cuidador. Na fantasia e também na brincadeira, eles estabelecem a consciência de suas limitações. Nessa fase, os vínculos afetivos com os pais e com outras pessoas são estabelecidos. Essa fase caracteriza-se pela busca da independência e da autonomia, e se percebe um relativo aumento pelo interesse por outras crianças 21 UNIDADE Desenvolvimento Humano Figura 12 Fonte: iStock/Getty Images Dos três aos seis anos, a criança já tem o autoconceito e a compreensão das suas emoções, tornando-se mais complexa. Além de aumentar a independência, o autocontrole e desenvolver a identidade de gênero. O significado do brincar se aprimora e “torna-se mais imaginativo, mais elaborado e, geralmente, mais social” (PAPALIA & FELDMAN, 2013, p. 41) As crianças nessa faixa etária consideram que a família ainda é o foco da vida social, e atribuem importância considerável às outras crianças. O autoconceito torna-se ainda mais complexo influenciando na autoestima. Nessa fase, tendem a controlar mais as situações. Na adolescência (11 a aproximadamente 20 anos), a busca central é pela identidade e identidade sexual. Os amigos podem influenciar positiva ou negativamente. Geralmente, o relacionamento com os pais tende a ser bom. Se formos recorrer a Erik Erikson (apud PAPALIA & FELDMAN, 2013, p. 422) “A principal tarefa da adolescência é confrontar a crise de identidade versus confusão de papel, de modo a se tornar um adulto singular com uma percepção coerente do self e um papel valorizado pela sociedade”. Para Erikson, a identidade se concretiza quando os adolescentes conseguem resolver três aspectos: quando escolhem uma ocupação, quando adotam valores referentes a como viver e o desenvolvimento de uma satisfatória identidade sexual. Durante a terceira infância, as crianças adquirem as habilidades necessárias para obter sucesso em suas respectivas culturas. Quando adolescentes, elas precisam encontrar maneiras para usar essas habilidades. Quando jovens têm problemas para fixar-se em uma identidade ocupacional – ou quando suas oportunidades são artificialmente limitadas, eles correm risco de apresentar comportamento com consequências negativas sérias, tal como atividades criminosas (PAPALIA & FELDMAN, 2013, p.422). No início da vida adulta (20 a 40 anos), existe uma estabilidade dos traços e estilos de personalidade. Nessa fase, o ser humano toma decisões em relação a relacionamentos mais íntimos e estilos de vida, que tendem a ser mais duradouros, ou seja, casa-se e tem filhos, por exemplo. 22 23 Na fase posterior (40 a 65 anos), pode acontecer de o adulto necessitar cuidar de seus pais idosos e de seus filhos, o que pode trazer muitas situações de stress para ele. Outra possibilidade é a saída dos filhos para uma vida mais externa, muitos deles ingressando para o mercado de trabalho, ocorrendo possivelmente uma transição para a meia idade e o senso de identidade continua em desenvolvimento. Aqui é constante a avaliação e a reavaliação que um adulto faz em relação à própria vida; nessa revisão ou avaliação de prioridades e valores. Algumas pessoas podem experienciar crises nessa fase, outras se veem no auge de suas capacidades e habilidades. Outras, ainda, podem se encontrar em uma posição intermediária, na qual crises e tumultos tenham sido enfrentados em outra fase, por exemplo (PAPALIA & FELDMAN, 2013). Nessa fase, as pessoas iniciam o processo de envelhecimento que está ligado a mudanças físicas, mentais e emocionais; nesse momento, também se deparam com outras vivências associadas aos desafios do esquema de identidade. Esquema de Identidade são percepções que as pessoas tem de si mesmas que provêm de relacionamentos mais íntimos, de situações de trabalho, de atividades ligadas a comunidades e de outras experiências (PAPALIA & FELDMAN, 2013). Na fase seguinte, caracterizada como vida adulta tardia (65 anos em diante) a procura é de significado para a vida, essa de fundamental importância nessa etapa. A pessoa com idade mais avançada cria estratégias flexíveis para encarar perdas pessoais e/ou a morte iminente. Com a aposentadoria, o idoso pode pensar melhor sobre aproveitar o tempo e canalizar suas energias. Tempo inclusive destinado à família e aos amigos íntimos, já que estes podem ser um ponto de apoio em diversas situações. Ainda segundo Kinsella e Phillips (2005, apud Papalia e Feldman 2013), é comum que pais com idade avançada continuem ajudando financeiramente seus filhos e, em países em desenvolvimento, eles participam da dinâmica familiar com tarefas domésticas, cuidando dos filhos e netos, podendo, inclusive, assumir a total educação desses netos, caracterizando uma “paternidade ativa” inesperada, na qual poderão estar despreparados para esse papel. Como você se imagina chegando à velhice? Ex pl or Erik Erikson (apud PAPALIA & FELDMAN, 2013) ressalta que é necessário que as pessoas estejam envolvidasde forma vital na sociedade para um envelhecer saudável. Ainda segundo ele, a fase final da vida nos remete à sabedoria. Podemos acrescentar que a interação social garante esse bem-estar e saúde, vez que promove a satisfação com a vida. É de extrema importância que os profissionais de Ciências Humanas Sociais compreendam as fases de desenvolvimento humano e suas principais características, para uma atuação mais assertiva e produtiva; contribuindo, assim, com a sociedade e, consequentemente, com um mundo melhor. 23 UNIDADE Desenvolvimento Humano Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites A Epistemologia Genética de Piaget e o construtivismo Para aprofundar os conhecimentos sobre as fases de desenvolvimento humano segundo Jean Piaget leia o artigo científico. https://goo.gl/5nuLUB Livros Psicologia e Desenvolvimento Humano ESCORSIN, A. P. Psicologia e Desenvolvimento Humano. Curitiba: Intersaberes, 2016. p.153-72. E-book. Filmes Shaolin - Trailer Legendado Como exemplo de processo de interação social na abordagem sócio-histórica, assista ao trailer Shaolin. https://youtu.be/KhS2C5jQrfw 24 25 Referências BARROS, C. S. G. Pontos de Psicologia do Desenvolvimento. 12.ed. São Paulo: Ática, 2008. BERGER, K. S. O Desenvolvimento da Pessoa – da infância à terceira idade. Tradução de Dalton de Alencar. 5.ed. Rio de Janeiro: LTC, 2001. CÓRIA-SABINI, M.A. Psicologia do Desenvolvimento.2.ed.8.imp. São Paulo: Ática, 2010. ESCORSIN, A. P. Psicologia e Desenvolvimento Humano. Curitiba: Intersaberes, 2016. PAPALIA, D.; FELDMAN. R. D. Desenvolvimento Humano. Tradução de Cristina Monteiro e Mauro de Campos Silva.12.ed. Porto Alegre: AMGH, 2013. PILETTI, N.; ROSSATO, S. M.; ROSSATO, G. Psicologia do Desenvolvimento. São Paulo: Contexto, 2014. 25 Psicologia Social Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Ms. Nirley Dragonetti Revisão Textual: Prof. Dra. Selma Aparecida Cesarin O Ser Humano nos Ambientes Sociais • Introdução • A Significação da Interação Social • Atitudes e Comportamento • As Pessoas em Ambientes de Grupos · Esta Unidade tem por objetivo fazer com que entendamos a significação da Interação Social para o ser humano, assim como compreender as formas pelas quais os processos psicológicos acontecem e estão interligados com as experiências vividas em um contexto grupal e cultural. OBJETIVO DE APRENDIZADO Nesta Unidade, vamos aprender um pouco mais sobre o importante tema “O ser humano nos ambientes sociais”. Então, procure ler o conteúdo disponibilizado e o material complementar; eles ajudarão você na compreensão da Unidade. Lembre-se! A leitura é um momento oportuno e feliz para registrar suas dúvidas; por isso, registre-as e as transmita ao professor-tutor. Além disso, para que a sua aprendizagem ocorra no ambiente mais interativo possível, na pasta de atividades, você também encontrará as atividades de Avaliação, uma Atividade Reflexiva e a videoaula. Cada material disponibilizado é mais um elemento para seu aprendizado; por favor, estude todos com atenção! ORIENTAÇÕES O Ser Humano nos Ambientes Sociais UNIDADE O Ser Humano nos Ambientes Sociais Contextualização “Fernando é um estudante universitário muito preocupado com problemas sociais. Pertence ao Diretório Acadêmico, é filiado a um partido político de esquerda, participa ativamente de movimentos políticos, tanto no ambiente restrito da Universidade, como no da comunidade em que vive, e não se furta a dar sua colaboração quando seu partido necessita dele para participar de atividades de âmbito estadual ou nacional. Embora não seja estudante de Psicologia, Fernando decide matricular-se no Curso de Psicologia Social I, oferecido pelo departamento de Psicologia de sua universidade. Seu objetivo, ao fazê-lo, não era outro senão o de preparar- se melhor para o desempenho de sua atividade política em geral e, mais especificamente, aprender a lidar com as massas e habilitar-se melhor para resolver os graves problemas sociais dos países do Terceiro Mundo. Fernando é um aluno assíduo e interessado. Entretanto, após dois meses e meio de curso, ele decide trancar a matrícula na disciplina e diz para si mesmo: “Que vim eu fazer aqui? Nunca pensei que num curso de psicologia social se pudesse passar quase três meses sem uma referência sequer aos problemas da miséria, da injustiça social, da violência urbana, da iníqua distribuição de renda, do menor abandonado, enfim, dos graves ´problemas sociais´ que estão a exigir solução urgente. Não estou aqui para saber como se formam as atrações interpessoais, nem como uma unanimidade errada influencia o julgamento de outrem, nem por que minhas atribuições suscitam determinadas emoções e comportamentos, e muito menos para entender por que procuro justificar um comportamento contrário a minhas convicções íntimas. Vou deixar este curso já, pois isto de social não tem nada!” O texto apresentado foi extraído de RODRIGUES, A. Psicologia Social para principiantes – Estudo da Interação Humana. 10.ed.atual.acresc. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. Ele nos fala sobre a inquietação de um estudante de Psicologia que ao ingressar na Disciplina esperava participar de discussões acaloradas ou ´receitas prontas´ para os grandes problemas sociais. Mas, a Psicologia Social contribuirá sensivelmente para o entendimento de muitos problemas sociais e até mesmo ofertará subsídios e bases para a solução de alguns deles, de acordo com a natureza dos problemas enfrentados. Pelo fato de os seres humanos não estarem isolados e vivermos constantemente em interação com os nossos pares e demais integrantes do nosso meio social, ela nos faz pensar também sobre as nossas contribuições particulares à Sociedade; principalmente porque à medida que nos propomos a estudar e entender essa realidade, nós nos tornamos atores de uma transformação social. Assim, ao estudarmos a Psicologia Social, no que se refere ao convívio social e como ele se processa, ela nos dá a oportunidade de entender a interação social (com todos os elementos culturais), bem como de agirmos respaldados em conhecimento e argumentos sólidos em prol dessa sociedade. Afinal, o trancamento da matrícula de Fernando pode ser caracterizado como um ato precipitado, vez que, por menor que pareça, o conhecimento ainda é a chave para o agir no mundo e modifica-lo. Ampliaria seu spectro de como ver esse mundo, já que é também composto por um fazer cotidiano e inevitavelmente grupal. 6 7 Introdução A Psicologia Social Contemporânea tem particular preocupação com o entendimento do ser humano e sua interação social. O ponto de partida para essa compreensão é processo perceptivo humano que abarca “uma série de variáveis que se interpõem entre o momento da estimulação sensorial e a tomada de consciência daquilo que foi responsável pela estimulação sensorial” (RODRIGUES, 1973, p.223-4). O que isso efetivamente quer dizer? Quer dizer que a partir do momento em que o ser humano entra em contato com o ambiente social, ele é capaz de perceber os outros e fazer interferências, inclusive julgamentos a partir da informação obtida por meio desse ambiente. A Signifi cação da Interação Social No contato com o ambiente social que nos cerca, fazemos uma imagem de nós mesmos, o que chamamos de autoconceito, e tendemos a criar categorias do nosso ambiente de forma a facilitar o relacionamento com ele. O termo mais adequado para todo esse processo é Cognição Social. Ao interagirmos com as pessoas e ambientes, podemos estabelecer rótulos, antes mesmo de conhecê-los, fazendo com que as primeiras impressões determinem a forma como vamos nos relacionar, formando “uma teoria acerca da personalidade de uma pessoa”. Assim, “os psicólogos sociais têm estudado esse processo pelo qual formamos impressões sobre nós mesmos em relação ao mundo social em que vivemos e sobre o próprio contexto social no qualestamos imersos” (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M .L. & JABLONSKI, B., 2000, p.67-8). Então, por que a Psicologia Social se interessa tanto pelo tema Autoconceito? A resposta é que grande parte do autoconceito é formado da comparação com os outros seres humanos, assim como o nosso autoconceito é de suma importância e relevante em uma variedade de situações sociais. É através da percepção de nós mesmos (nosso sexo, as características de nossa família, nossas preferências etc.) e da percepção de como nos relacionamos com outros e de como nos comparamos com outras pessoas que nosso autoconhecimento se forma. Consequentemente, podemos dizer que formamos uma imagem de nós mesmos basicamente da mesma maneira que formamos uma impressão acerca de outras pessoas. (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E .M. L. & JABLONSKI, B., 2000, p. 68). 7 UNIDADE O Ser Humano nos Ambientes Sociais A teoria da comparação social tem seus estudos voltados para o que falamos anteriormente, e sua hipótese básica refere-se à tendência que temos de nos avaliar constantemente quanto a nossas opiniões e capacidades. Essa comparação se dá por meio de comparação com uma realidade objetiva e/ou por meio de comparação com outros seres humanos, inclusive na mesma situação em que elas se encontram. Mesmo sendo estranho, essa teoria diz que para que se possa “saber quem somos nós ´por dentro´, é preciso que dirijamos nosso olhar para ´fora´ de nós” (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L. & JABLONSKI, B., 2000, p.69). O autoconceito diz respeito à ideia que temos de nosso eu, este que apresenta- se complexo e multifacetado. O ser humano acumula crenças sobre quem é e influenciado por fatores diversos resultantes da interação social. Por isso a Psicologia Social procura estudar as influências do ambiente na vida das pessoas, ou seja, “[...] como os pensamentos, sentimentos e ações dos outros modificam ou refletem no funcionamento da pessoa” (LORENA, 2014, p. 61). Nos estudos sobre o ser humano e sua relação com o ambiente social, também é necessário entender os fatores que influenciam o processo seletivo desse ser humano. Esses fatores dizem respeito à seletividade perceptiva, experiência prévia e consequente disposição para responder, fatores contemporâneos ao fenômeno perceptivo, defesa perceptiva e acentuação perceptiva. Na seletividade perceptiva, os órgãos sensoriais de uma pessoa são atingidos por muitos estímulos de forma simultânea, e a concentração limitada de estimulação sensorial caracteriza essa seletividade, ou seja, quando estamos conversando, nós nos concentramos no que o outro está falando e nos esquecemos de tudo o que está em volta. O mesmo acontece no âmbito social, quando se tem um comportamento preconceituoso de determinados grupos como os homofóbicos por exemplo: “Pessoas com preconceitos contra determinados grupos neles só veem manifestações que se coadunam com sua visão preconceituosa e passam por cima de tudo aquilo que contradiz tal visão” (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L. & JABLONSKI, B., 2000, p.70). Na experiência prévia e consequente disposição para responder, podemos relacionar as experiências passadas que ajudam na percepção dos estímulos com os quais já entramos em contato. Quando previamente já conhecemos os estímulos, fica mais fácil de serem comunicados e, obviamente, será também mais facilitada a resposta e a comunicação persuasiva. Quando falamos de fatores contemporâneos ao fenômeno perceptivo, estamos nos referindo ao estado específico do percebedor em um determinado momento, vivido por ele. Podemos dar exemplo de quando alguém está com fome, sede ou deprimido; esses fatores podem influenciar sensivelmente na percepção de estímulos. Assim como a experiência passada pode impactar o processo perceptivo, fatores presentes, vividos por uma situação, e até uma época da vida de um ser humano o predispõe a certas percepções. 8 9 Fonte: istock/getty images Por defesa perceptiva, podemos entender como se dá o bloqueio na conscientização de estímulos perturbadores sob o ponto de vista emocional. Em experimentos, pesquisadores puderam chegar à conclusão de que estímulos aversivos são, no início, potencializadores ao suscitar maior acuidade perceptiva, que a percepção se dá em estágios múltiplos de processamento e que o fenômeno da acentuação perceptiva (distorções de percepção) nos faz perceber a influência acentuada de fatores vividos pelos homens no processo de percepção. Outro fator fundamental para a Interação Social é a linguagem. O ser humano pensa e produz um conjunto de símbolos que favorecem a transmissão de ideias e sentimentos. A linguagem humana fica responsável por transformar essas ideias e sentimentos em expressão por meio de fonemas, sons e símbolos. Nessa combinação, as palavras são agrupadas e formam os pensamentos mais complexos; assim, quando criamos pensamentos a respeito de uma pessoa e situações, fazemos uso de linguagem, imagens e conceitos para expressá-los. Os conceitos são aplicados na classificação de objetos, acontecimentos ou seres humanos. Ou seja, assim como as palavras, os conceitos favorecem a criação desses pensamentos. Quando falamos anteriormente sobre cognição, nós nos referimos à aplicação das “[...] palavras, as imagens e os conceitos, com a finalidade de modelar uma representação do mundo, resolver problemas e tomar decisões” (LORENA, 2014, p.60). Um conceito importante para a Psicologia Social é o Estereótipo, que consiste na atribuição de traços a membros de um determinado grupo. Trata-se da generalização de observações individuais para todo o grupo a que pertence o indivíduo em que recaiu a observação. Dessa forma, quando passamos por uma experiência desagradável com uma pessoa pertencente a um grupo, tendemos erroneamente a dizer que todos daquele grupo agem do mesmo modo que a pessoa da qual estamos falando inicialmente. 9 UNIDADE O Ser Humano nos Ambientes Sociais E, quando o estereótipo está vinculado a aspectos genuinamente negativos, estamos diante do Preconceito. Esse processo é vivido pelas pessoas em seu dia a dia, vez que resulta em rotulação de pessoas e grupos sociais, nos quais podemos incluir as funções desempenhadas por certos grupos de trabalhadores. Assim, podemos dizer que o preconceito é uma atitude negativa em relação a indivíduos de um grupo, tendo como base cognitiva o estereótipo. Nesse processo, podemos considerar que “[...] o preconceito deriva da tendência que temos a categorizar as pessoas e a diferenciar ´nós´ dos ´outros´. Tudo que pertence ao ´nós´ é bom e elogiável e tudo que pertence à categoria ´outros´ é mau e reprovável” (RODRIGUES, 2005, p.24). Pesquisadores dessa área de conhecimento dizem que o preconceito poder ser amenizado ou definitivamente eliminado quando há a oportunidade de termos contato estreito entre os grupos, favorecendo maior conhecimento mútuo para que possa existir mudança nos estereótipos que sustentam o preconceito. Quando um grupo é estimulado a ser cooperativo, ele também tende a ser menos preconceituoso. Além de uma situação de exija união entre grupos preconceituosos frente a uma ameaça, pode ocorrer consequente diminuição da atitude negativa entre eles. O ser humano tem sobre si mesmo um conjunto de crenças acerca de como ele é e essas crenças podem ser verdadeiras ou não. Na luta de compreendermos o outro e suas intenções, poderemos nos basear em expressões faciais e gestos corporais que parecem muitas vezes equivocados. Isso quer dizer que a linguagem do corpo exerce função nos processos de interação social, apesar de que “[...] nossas impressões sobre os outros se formam através de processos bem mais complexos do que o mero registro de significados associados a certas expressões corporais” (RODRIGUES, 2005, p.26). O processo de percepção social (percepção de outrem) envolve várias etapas. Primeiramente é necessário que o comportamento do outro atinja os nossos sentidos. Para isso é necessário nãosó que nossos sentidos (visão, audição etc.) estejam em bom estado de funcionamento, como também é importante que as condições ambientais (luminosidade, relativo silêncio etc.) sejam boas. Depois que nossos sentidos registram o comportamento de outra pessoa, inicia-se então a ação de nossos interesses, preconceitos, estereótipos, valores, atitudes, e ainda a ação de outros esquemas sociais, tudo conduzindo à formação de um conceito onde se harmonizem as características do estímulo (o comportamento de outra pessoa) e toda essa bagagem psicológica que filtra este estímulo antes que ele se torne um conceito em nossa atividade perceptiva” (RODRIGUES, 2005, p.26-7). 10 11 Importante! O processo de percepção de outrem recebe infl uências das nossas atitudes, interesses, estereótipos, preconceitos e esquemas sociais. Muito longe de registrarmos o nosso ambiente com uma fi lmadora ou máquina fotográfi ca; porém, nós o vemos por meio da distorção decorrente de nossas idiossincrasias pessoais. O preconceito pode ser defi nido como uma atitude negativa dirigida aos componentes de um grupo e tem nos estereótipos sua base cognitiva. Ele pode ser dirimido ou totalmente eliminado quando os estereótipos são modifi cados devido ao contato direto, quando os grupos são modifi cados a atitudes cooperativas e quando se apresenta uma ameaça externa que impacta os grupos preconceituosos. Em Síntese Idiossincrasia diz respeito a uma característica comportamental ou estrutural peculiar a um indivíduo ou grupo. Ex pl or Outro estudo importante que vem sendo alvo de atenções dos pesquisadores é o de como o ser humano faz atribuições. Esses estudos do processo atribuicio- nal constituem um dos tópicos mais importantes da Psicologia Social científica na contemporaneidade. Tendemos a formar uma série de atribuições, que estão interligadas, ao conhecermos uma pessoa. Além disso, também atribuímos nossas ações e a dos outros a fatores internos e a fatores externos. Quando falamos em fatores internos estamos nos referindo às disposições e intenções próprias e fatores externos que podem ser entendidos com as pressões sociais que vivemos, às características das situações e circunstâncias. Dessa forma, quando entramos em contato com as pessoas, temos a tendência de julgar as suas ações e descartar os possíveis fatores externos capazes de fazer com que tenhamos um “[...] comportamento observado e focalizamos apenas as disposições internas da pessoa” (RODRIGUES, 2005, p.28). Assim, quando somos apresentados a uma pessoa, ativamos os esquemas rela- tivos a esses aspectos, formados pela vivência humana particular, e somos influen- ciados por eles ao emitirmos julgamento. Tudo isso dá base à primeira impressão dessa pessoa, assimilando de forma fácil suas características, que são congruentes com a primeira impressão que fizemos dela, rejeitando as características que não condizem com essa primeira impressão. Nós tendemos, também, a atribuir um julgamento a partir dos fatores internos quando julgamos alguém, e a fatores externos quando estamos julgando as nossas próprias ações. Vamos dar um exemplo: quando uma pessoa erra, falamos que isso aconteceu porque que ela é desatenta; porém, quando nós cometemos o mesmo erro, atribuímos a fatores externos, como às condições desfavoráveis e às circunstâncias situacionais do ambiente. 11 UNIDADE O Ser Humano nos Ambientes Sociais Somos influenciados, inclusive, por algo que chamamos de tendenciosidade autosservidora, na qual tendemos a fazer atribuições que nos preservem e protejam, que atendam às nossas expectativas e ao nosso ego, que façam com que nos percebamos bem, inclusive aos olhos dos outros. Dessa forma, atribuímos a razão de um sucesso às nossas características e qualidades quando temos êxito em situações e a razão do fracasso aos fatores externos ou a alguém. Quantas vezes nos vitimizamos em situações que nós mesmos criamos e atribuímos aos outros a culpa de algo que deu errado? Ou quando nós responsabilizamos os outros a nossa volta, por exemplo, da nossa infelicidade? Ex pl or O teórico Harold H. Kelley, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, mostrou critérios essenciais para as atribuições de causalidades internas ou externas. Lembre-se de que quando falamos em atribuições internas, estamos nos referindo aos motivos e intenções de uma pessoa e externas às influências de fatores do ambiente exterior. O primeiro critério é o consenso, o segundo a consistência e o terceiro a especificidade. Por consenso entendemos a reação de uma pessoa igual àquela cujo comportamento está sendo considerado por nós diante do mesmo estímulo ou situação. Consistência é quando “[...] a pessoa reage da mesma forma ao mesmo estímulo ou evento em outras ocasiões; e especificidade, ou seja, na medida em que a pessoa reage da mesma forma ou não a outros estímulos diferentes” (RODRIGUES, 2005, p.31). Quando nós procuramos compreender como percebemos os outros seres humanos e os nossos comportamentos em direção a uma pessoa e como nossos pensamentos processam as informações derivadas do processo de interação social, denominamos heurística e tendenciosidade. Fonte: istock/getty images 12 13 Heurística é o nome dado a regras simples e rápidas, isto é, a verdadeiros ´atalhos´ por nós utilizados para fazermos inferências (nem sempre corretas...) Tendenciosidade é o nome usado para significarmos os erros e as distorções que cometemos em nosso processo de percepção e de cognição social. O erro fundamental de atribuição e a tendenciosidade autosservidora, já mencionadas anteriormente, são exemplos de tendenciosidades cognitivas (RODRIGUES, 2005, p. 32). Outro atalho é o “falso consenso”, que diz respeito à tendência de acharmos que a nossa ideia a respeito de algo é considerada também por um número alto de pessoas, ou seja, “todo mundo pensa assim” e nem sempre é verdadeiro. Temos de considerar que a causa de um comportamento de uma pessoa pode estar relacionada ao processo de atribuição de causalidade, no que se refere à internalidade e à externalidade, estabilidade ou instabilidade e controlabilidade ou incontrolabilidade. Assim, dizemos que: As características das causas (internalidade / externalidade, estabilidade / instabilidade e controlabilidade / incontrolabilidade) influem nos afetos que se seguem à atribuição causal, bem como nos comportamentos que suscitam” (RODRIGUES, 2005, p.35). Um estudioso desse assunto foi Bernard Weiner que, baseado nas pesquisas de F. Heider, um dos maiores psicólogos sociais, efetuou pesquisas sobre o tema atribuição de causalidade. Os estudos de Weiner se originaram e desembocaram na “[...] proposta de uma taxonomia de dimensões causais (locus, estabilidade e controlabilidade) e no estabelecimento das ligações existentes entre tais dimensões e determinadas emoções e comportamentos” (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L. & JABLONSKI, B., 2000, p.92). Para o autor, quando ocorre uma situação positiva ou negativa, as emoções sempre a acompanham. Compartilhamos, por exemplo, alegria e prazer quando a situação é positiva e tristeza e frustração quando for negativa, principalmente, queremos saber o porquê de os fatos acontecerem se inesperados. Nesse momento, atribuímos a causa e se ela é de ordem interna ou externa, se é estável ou instável. E, por último, se é controlável ou incontrolável. Segundo Weiner a dimensão locus está ligada às emoções, como orgulho e autoestima. Já a dimensão estabilidade impacta a expectativa de que a situação aconteça de forma idêntica à outra no futuro. A dimensão controlabilidade está relacionada às emoções de vergonha, culpa em relação a si e à outra pessoa, às de raiva, gratidão e pena. Durante os anos de pesquisa, de aproximadamente 30 anos, Weiner e todos os envolvidos com suas pesquisas sobre a utilização do pensamento atribuicional, foi possível criar uma teoria, denominada Teoria da Conduta Social. 13 UNIDADEO Ser Humano nos Ambientes Sociais Por essa teoria, chega-se a um ponto interessante, de que “o mundo é um tribunal”, onde o ser humano constantemente está julgando aos outros e a si próprio. Nesse julgamento “procuramos determinar a responsabilidade pelo ato cometido e, na determinação de responsabilidade, o fator fundamental é a atribuição do ato a uma causa interna e controlável” (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L. & JABLONSKI, B., 2000, p.94). Segundo Lorena (2005), esse processo de atribuição é flexível e variável, vez que as informações podem ser fáceis de obter, demandando pouco esforço para compreender o comportamento do outro; em outras vezes, necessitamos analisar as “pistas” para descobrir por que uma pessoa agiu ou reagiu de determinada forma. Se não tomarmos cuidado, podemos cometer um erro ao interpretarmos de maneira equivocada os traços de uma pessoa. O que podemos afirmar é que o processo de atribuição é “contínuo e dinâmico durante toda a vida”, já que as explicações sobre os fatos e fenômenos do nosso cotidiano podem mudar constantemente, podendo se tornar mais vorazes à medida que observamos esses fatos de forma mais detalhada e minuciosa. Atitudes e Comportamento Já vimos que as pessoas, ao entrarem em contato com seu ambiente social, formam impressões sobre as outras pessoas e procuram meios mais fáceis de interarem e conhecerem esse ambiente. As pessoas se utilizam de esquemas sociais, heurísticas e atribuição diferencial de causalidade. Elas tomam atitudes, e estas podem ser definidas como sentimentos pró ou contra perante outras pessoas e coisas com as quais interagimos, sendo “uma consequência direta do processo de tomada de conhecimento do ambiente social que nos circunda” e “se formam durante nosso processo de socialização” (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L. & JABLONSKI, B., 2000, p.97). As atitudes são decorrentes de um processo de aprendizagem e podem aparecer em atendimento a certas funções, além de serem consequências de características de personalidade (individuais) ou de determinantes sociais. Assim como podem se formar em decorrência de processos cognitivos, como busca de equilíbrio e busca de consonância. Podemos definir atitudes como sendo “[...] uma organização duradoura de crenças e cognições em geral”; “[...] uma carga afetiva pró ou contra”; “[...] uma predisposição à ação”; “[...] uma direção a um objeto social” (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L. & JABLONSKI, B., 2000, p. 97-8). As atitudes são integradas por três componentes: o componente cognitivo, o componente afetivo e o componente comportamental. 14 15 O componente cognitivo da atitude diz respeito ao pensamento pró ou contra a representação cognitiva em relação a um objeto, sendo essas atitudes constituídas também pelas crenças e demais componentes cognitivos, como o conhecimento sobre o objeto e a maneira como o encaramos; isso vale também para as situações que vivenciamos. Por componente afetivo, entendemos os sentimentos pró e contra referentes ao objeto social. O componente afetivo é o componente mais notoriamente característico das atitudes. As atitudes se diferenciam das crenças e das opiniões, vez que não são necessariamente impregnadas de conotação afetiva. Após estudos sobre o assunto, podemos concluir que os componentes cognitivo e afetivo das atitudes tem a tendência de serem congruentes. O outro componente importante para ser estudado por nós é o comportamental, que diz respeito às atitudes que são uma mola propulsora do estado de prontidão, e se fomentado por uma motivação específica desembocará em um determinado comportamento. Ou seja, as atitudes sociais propiciam um estado de predisposição à ação que, quando misturado com uma situação específica desencadeante, desemboca em comportamento. Assim, podemos concluir que: [...] as atitudes sociais contém em si um elemento cognitivo (o objeto tal como conhecido), e um elemento afetivo (o objeto como alvo de sentimento pró ou contra), e um elemento comportamental (a combinação de cognição e afeto como instigadora de comportamentos, dadas determinadas situações” (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L. & JABLONSKI, B., 2000, p.101). Estudos e teorias psicossociais, reconhecidas como teorias de consistência, di- zem que os três componentes das atitudes necessitam ser internamente consisten- tes: “De fato, causaria surpresa verificar-se que alguém é atraído por um objeto que ele considera cognitivamente como possuidor de características mais negativas, ou vice-versa” (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L. & JABLONSKI, B., 2000, p.101). Apesar de que não é raro identificarmos inconsistências entre as atitudes e os comportamentos manifestos pelos seres humanos. Segundo Triandis (1971) apud Rodrigues, A.; Assmar, E. M. L. & Jablonski, B. ( 2000), nós seríamos ingênuos demais se considerássemos que não existe relação entre atitude e comportamento. Pode-se definir que atitudes abarcam o que as pessoas pensam, sentem e como elas desejam se comportar em relação a um “objeto atitudinal”. Assim, o comportamento não é somente determinado pelo que as pessoas desejam ou gostam de fazer, mas sim pelo que elas “pensam que devem fazer” (normas sociais), pelo que elas têm feito (hábitos) e pelos resultados e consequências previstas de seu comportamento. Podemos acrescentar dizendo que “é maior a correspondência entre atitude e comportamento quanto maior o interesse pessoal envolvido no assunto sobre o qual versa a atitude” (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L. & JABLONSKI, B., 2000, p.103). 15 UNIDADE O Ser Humano nos Ambientes Sociais Importante! Procuramos manter coerência entre o que pensamos, sentimos e agimos. Os compo- nentes cognitivo, afetivo e comportamental das atitudes sociais influenciam-se mutua- mente buscando coerência entre eles. Quando essa coerência não existe, procuramos atingi-la e, se não logramos êxito, experimentamos desconforto (RODRIGUES, 2005, p.61). Importante! Segundo os Behavioristas, as atitudes podem ser decorrentes dos processos tradicionais de aprendizagem, por exemplo decorrentes de condicionamento clássico ou operante. Para outras correntes da Psicologia, as atitudes são resultados da busca de coerência entre afetos, cognições e comportamentos ou “decorrentes da identificação com certos grupos de referência positiva” ou, ainda, “decorrentes do tipo de personalidade”. Por último, podemos entender, também, que as atitudes são: [...] decorrentes de um exame racional da relação custo-benefício feita pela pessoa no exame dos prós e dos contras dos argumentos a sua disposição e relativos a um determinado objeto social (por ex.: gosto de estudar porque estudando terei mais chances de levar uma vida melhor, enquanto se não gostar de estudar não vou ser nada na vida) (RODRIGUES, 2005, p.63). Outros estudos podem ser considerados quando falamos de atitudes e comportamento e sua relação. Citamos, aqui, as contribuições de Fishbein (1966) e Ajzen & Fishbein (1980) apud Rodrigues, A.; Assmar, E. M. L. & Jablonski, B. (2000) que, ao contrário da teoria que apresentamos anteriormente, consideram que o que caracteriza as atitudes são os aspectos afetivo e a determinação do seu papel na constituição de uma “intenção de comportamento que, por sua vez, constitui-se em bom preditor do comportamento da pessoa” (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L. & JABLONSKI, B., 2000, p.104). Para esses estudiosos, existem dois componentes principais que são capazes de “predizer intenções” que, em decorrência, predizem os comportamentos, são eles: as atitudes das pessoas e a percepção do que outras pessoas esperam que ela faça e sua motivação a se confirmar esta expectativa, o que podemos chamar de norma subjetiva. Esses estudiosos também procuraram explicar os precursores da formação das atitudes e da norma subjetiva. E, concluem que as nossas atitudes são impactadas pelas “[...] nossas crenças relativas a certos resultados ou consequências de determinadoscomportamentos; a norma subjetiva é consequência de nossas crenças sobre os julgamentos de outras pessoas em relação ao nosso comportamento” (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L. & JABLONSKI, B., 2000, p.104). 16 17 Apesar de bastante coerentes, os estudos desses autores não se encontram esgotados. Outros autores como Gorsuch e Ortberg (1983) apud RODRIGUES, A.; Assmar, E. M. L. & Jablonski, B. (2000), por exemplo, consideram que quando estamos diante de comportamentos em situações que envolvem aspectos morais, outro componente precisa ser acrescido, a obrigação moral. E, mais recentemente, com Ajzen e Madden (1986) apud RODRIGUES, A.; Assmar, E. M. L. & Jablonski, B. (2000), afirmam que quando estamos falando de situações que envolvam controle e para que se forme uma intenção de se comportar de determinada maneira, faz-se necessário que a pessoa se perceba capaz de controlar o comportamento. Ou seja, uma pessoa não pode ter a intenção de se comportar de uma determinada forma que escape totalmente de seu controle. Os valores também são extremamente importantes para entendermos as atitudes e os comportamentos de uma pessoa. Eles podem ser defi nidos por “[...] categorias gerais dotadas também de componentes cognitivos, afetivos e predisponentes de comportamento, diferindo das atitudes por sua generalidade. Uns poucos valores podem encerrar uma infi nidade de atitude” (RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L. & JABLONSKI, B., 2000, p.106). Ex pl or Outro aspecto importante dentro de nossos estudos a ser considerado é a mudança de atitude, ou seja, a alteração da postura interna de uma pessoa. Para entendermos melhor, estamos nos referindo à modificação do afeto pró ou contra um objeto social que se tornará duradoura se de fato a mudança de atitude aconteceu. Existem fatores que são extremamente importantes nesse processo de mudança de atitude, são eles: a credibilidade de quem está comunicando algo para alguém, a natureza da comunicação, a natureza da audiência e a combinação desses fatores (RODRIGUES, 2005, p.66). Podemos considerar que, segundo Festinger apud Rodrigues (2005), para que aconteça uma mudança de atitude eficaz e duradoura, é preciso que a própria pessoa na qual se dá a mudança crie razões próprias coerentes com a mudança de posição. Um exemplo do que estamos falando é o de uma pessoa que fuma indiscrimi- nadamente e geramos um estado de dissonância nela. Nós podemos confrontá-la com provas indiscutíveis dos malefícios do fumo à saúde e conseguirmos fazer com que ela concorde com a veracidade das provas; ela se deparará com um estado muito desconfortável de dissonância cognitiva, que fará com que mobilize forças interiores conducentes à resolução da dissonância. Dissonância signifi ca a reunião de sons desagradáveis ao ouvido, desacordo de sons. P.ext. Ausência de harmonia; característica daquilo que, numa comparação, não combina com outra(s) coisa(s). Ex pl or 17 UNIDADE O Ser Humano nos Ambientes Sociais Se ela efetivamente resolver essa dissonância decidindo não mais fumar, essa mudança de atitude tem muito mais chances de ser duradoura do que uma obtida por uma comunicação persuasiva de uma autoridade médica ao mostrar a radiografia de um pulmão lesado pelo fumo. Isso quer dizer que as razões internas, próprias, para a mudança de atitude são muito mais eficazes do que as externas. Assim, diante do exposto, podemos dizer que “[...] quando conseguimos provocar dissonância nas pessoas de forma tal que a busca das razões próprias mencionadas no parágrafo anterior é desencadeada, o resultado desta atividade é a autopersuasão” (RODRIGUES, 2005, p. 68). Agora podemos entender por que um conselho ou recomendação tem mais poder de persuasão do que variadas propagandas publicitárias. É por isso que a mídia se utiliza de pessoas conhecidas e formadoras de opinião para vincular a uma marca ou a um produto ao público consumidor. Ex pl or Diante de tudo o que foi estudado aqui, podemos concluir que: A autopersuasão é a maneira mais eficaz de provocar mudança de atitude. Quando razões próprias (internas à própria pessoa) são responsáveis pela mudança (e não pressões externas à pessoa), a mudança de atitude obtida é mais duradoura. Autopersuasão é também mais eficaz do que pressões externas em termos da quantidade de pessoas que logramos persuadir” (RODRIGUES, 2005, p.69). As Pessoas em Ambientes de Grupos O Homem é um ser que jamais poderá ser compreendido de forma isolada. Podemos entender que o ser humano vive e participa de grupos. Esses grupos são influenciados e influenciadores dos indivíduos. Existe toda uma influência complexa do meio social e cultural sobre as pessoas em sua totalidade. “O grupo social e cultural amolda o indivíduo aos seus padrões totais” (RAMOS, 2003, p.225). Como vimos, o ser humano é moldado também pelos grupos sociais dos quais faz parte. Assim, necessita viver em grupo. Para isso, também escolherá de forma natural a qual grupo irá pertencer, já que toda pessoa tem a tendência de procurar algo ou alguém com quem se identifique. Então, a partir do momento em que um ser humano se identifica com outro e nasce um vínculo social, acontece o que se chama de associação. Dessa forma, podemos pensar que não existe “[...] interação social sem a criação de algum tipo de grupo, e não há grupo social se não houver interação social” (LORENA, 2014, p.46). As influências que o ser humano tem do meio social e da cultura merecem ser estudadas e entendidas como “totalidades” e certamente também as pessoas membros desses grupos, mesmo não havendo um critério uniforme para a 18 19 classificação e caracterização dos grupos sociais; podemos considerar que desde os tempos mais primitivos as sociedades foram organizadas em categorias. Spencer apud Ramos (2003) defende a ideia de que a sociedade organizada comporta cinco categorias. São elas: “os órgãos de sustento econômico”, “os órgãos de perpetuação”, “os sistemas de comunicações”, “os grupos culturais” e “os sistemas protetores”. Por órgãos de sustento econômico, entendemos os órgãos ligados às funções de produção, de extração, de transformação e de transportes, entre outros. Já os órgãos de perpetuação, podemos considerar a família, os grupos médicos e sanitaristas; os sistemas de comunicações podem ser identificados como a imprensa, a aviação e a telefonia, por exemplo. Os grupos culturais podem ser entendidos como os grupos de igrejas, de instituições de educação, de clubes, grupos recreativos e até mesmo os grupos científicos. Os sistemas protetores compreendem o Estado, as Instituições, as Associações Voluntárias e os Partidos em geral. Fonte: istock/ getty images O que temos de considerar é que um grupo social é composto de pessoas que são vistas como um todo, em um agrupamento de seres humanos com tradições, normas e morais comuns; com a ideia de coletividade. O grupo ainda permanecerá mesmo se alguém resolver não mais pertencer a ele, ou seja, continua sendo um grupo na sua formação. A palavra nós é a prioridade do coletivo; “existindo uma consciência coletiva com valores, princípios e objetivos comuns” (LORENA, 2014, p. 46). A partir do nascimento, o ser humano se insere na cultura por meio dos grupos sociais de forma natural e ao longo de toda a existência interagirá e se associará a vários grupos sociais. 19 UNIDADE O Ser Humano nos Ambientes Sociais Assim, o primeiro grupo de que fazemos parte é a família, que tem papel fundamental de nos apresentar e transmitir a língua, os valores e também a cultura da sociedade em que vivemos. Segundo Lorena (2014), na medida em que a pessoa vai crescendo e se desenvolvendo, frequenta outros grupos e, é claro, modificando-se e se transformando em um ser social. Todo esse processo tornará a pessoa um ser único e integrado na sociedade, vez que iniciou sua inserção em grupos como a família e, por exemplo, a classe social. Com o seu crescimento, por si só irácompor outros grupos, já que passará a constituir seus valores e os procurará de acordo com suas preferências. É importante considerar que cada grupo social possui suas características particulares e seus membros pertencentes têm condutas parecidas, além de conterem objetivos comuns. E as normas, símbolos e valores são seguidos por esses membros. Faz-se necessário diferenciar o grupo social da categoria, termo usado anteriormente por nós. Assim, “categoria é um conjunto de pessoas que partilham de características comuns, mas que não propriamente interagem entre si. Por exemplo, uma fila de pessoas na entrada do cinema não é um grupo social, afinal, não estão interagindo” (LORENA, 2014, p.47), da mesma forma como pessoas do mesmo sexo, da mesma faixa etária e do mesmo tipo de trabalho ou profissão também formam categorias, que em um determinado momento podem se transformar em grupos sociais. Como vimos, “os grupos sociais possuem características próprias, independente da soma das partes que os integram” (RODRIGUES, 2005, p.156), tendo-se a necessidade de estudar e entender a dinâmica que surge da interação entre os membros que os compõem, já que, segundo Lorena (2005), cada grupo exerce objetivos, oferece tarefas e possui uma função social e uma forma própria também de interagir e de se comunicar. Os grupos sociais influenciam direta ou indiretamente no desenvolvimento comportamental e da personalidade da pessoa. Esses grupos podem ser chamados de grupos psicológicos, que se diferenciam pela intensidade da coesão existente entre os membros que o compõem. Por coesão grupal podemos entender “[...] a quantidade de pressão exercida sobre os membros do grupo para que nele permaneçam. É a resultante das forças que agem sobre um membro para que ele permaneça no grupo” (RODRIGUES, 2005, p.157). Existem inúmeras razões para uma pessoa pertencer a um determinado grupo e não a outro. Podemos citar a atração pelo grupo ou pelos componentes dele, assim como a facilidade propiciada pelo grupo para que atinja alguns objetivos. Os comportamentos dos integrantes do grupo são semelhantes, vez que esses membros propiciam que a pessoa se sinta bem e fique à vontade em pertencer e interagir nesse espaço. Obviamente, isso se deve ao grau de coesão desse grupo. 20 21 Segundo Rodrigues (2005), em decorrências de estudos sobre o assunto, em relação à coesão grupal, podemos dizer que: quanto maior for a coesão do grupo, maior será a satisfação experenciada pelos seus integrantes; quanto maior a coesão do grupo, maior a quantidade de comunicação entre as pessoas que a ele pertencem, quanto maior a coesão do grupo, maior a quantidade de influência exercida pelo grupo em seus integrantes e quanto maior a coesão do grupo, maior a sua produtividade. Assim, grupos que possuem coesão alta são mais favoráveis e agradáveis de se pertencer, além de suscitar maior comunicação entre seus integrantes. Em decorrência disso, são muito mais produtivos do que grupos com baixa coesão. Esses últimos, quando precisam tomar decisões, necessitam ter mais cautela em relação a possíveis distorções da realidade decorrentes do desejo de seus integrantes de se esquivarem de discordâncias. Infelizmente, esse desejo impacta a capacidade de crítica construtiva entre seus integrantes. Para que um grupo funcione adequadamente, é necessário o estabelecimento de normas a serem seguidas. O que facilita definirmos como normas sociais: [...] os padrões ou expectativas de comportamento partilhados pelos membros de um grupo. Estes membros utilizam estes padrões para julgar a propriedade ou adequação de suas percepções, sentimentos e comportamentos. Normas existem em grupos de qualquer tamanho e até mesmo numa relação entre duas pessoas que interagem constantemente” (RODRIGUES, 2005, p.158). Ao se estabelecer as normas grupais, podemos substituir o uso do poder no grupo. Isso provoca no grupo uma tensão, desgaste e prejuízo para os integrantes. O uso habitual de normas favorece principalmente o líder do grupo, vez que poderá investir no seu tempo para busca de atualização e melhorias para o grupo como um todo, não havendo necessidade de demonstrar poder para que as coisas caminhem, além de favorecer a convivência entre seus membros, inclusive para os novatos, vez que ao ingressarem nesse grupo entenderam como “funciona a regra do jogo”. Diferentemente de grupos com baixa coesão, devido a dificuldades no estabelecimento de normas. Isso se deve à multiplicidade de interesses e de pontos de vista. Diante de tudo o que expusemos, o papel do líder no grupo é de fundamental importância, já que “[...] uma boa liderança pode transformar totalmente a atmosfera prevalente num grupo e, com isso, o comportamento de seus membros”. Assim, podemos também dizer que “uma característica essencial ao exercício de uma boa liderança é o reconhecimento de sua legitimidade pelos liderados” (RODRIGUES, 2005, p.160-1). Dessa forma, a imposição de força de um líder a um grupo traz resultados desastrosos e, por consequência, a perda da coesão grupal. 21 UNIDADE O Ser Humano nos Ambientes Sociais Os estudos referentes à liderança vêm aumentando sensivelmente, principal- mente porque é sabido que as atitudes dele impactam demasiadamente o desem- penho e a harmonia do grupo. A liderança é um processo de interação do grupo; porém, é muito difícil identificar qual seria a melhor pessoa para ser o líder de determinado grupo: “O líder terá de emergir do grupo durante o processo de in- teração com seus membros” (RODRIGUES, 2005, p.162). Caso ele surja em de- corrência do status do grupo, sua perspicácia está ligada à capacidade de adaptar sua liderança às necessidades e anseios dos integrantes do grupo, de forma real. Como nos grupos temos líderes, esses só existem se tivermos liderados e/ou integrantes. É fácil estabelecermos qual o status de cada membro do grupo, assim como o papel de cada integrante dele. Para a Sociologia, o status diz respeito à posição que alguém ocupa no sistema social. Estamos nos prendendo aqui apenas ao status como sentido de posição e prestígio de uma pessoa dentro desse grupo. Quando falamos de prestígio, estamos nos referindo ao status subjetivo (como a pessoa o percebe) e status social (consenso do grupo a respeito dessa pessoa). Algo a ser pensado é que nem sempre o status subjetivo corresponde ao status social e, dependendo da natureza do grupo, certos atributos pessoais terão ou não significância no momento de se conferir o status social. Em relação à congruência no grupo social, podemos dizer que “[...] quando não há congruência entre estas expectativas e o que ocorre na realidade, surgem necessariamente problemas de adaptação da pessoa ao grupo” (RODRIGUES, 2005, p.163). A discrepância entre expectativas e resultados é um tema interessante e por vezes polêmico para a Psicologia Social, vez que “a percepção dessa discrepância leva a pessoa que a percebe a sentir-se injustiçada” (RODRIGUES, 2005, p.164). Segundo Stacy Adams apud Rodrigues (2005), o ser humano experimenta sensações de mal-estar quando participa de situações sociais caracterizadas por inequidade. Assim, podemos dizer que: A congruência entre expectativas e resultados obtidos numa relação grupal é fundamental para a harmonia e a coesão entre seus membros. Esta congruência é importante não só em relações grupais, mas em qualquer situação social. A não existência de tal congruência gera sentimentos de insatisfação e injustiça e conduz ao término da relação social” (RODRIGUES, 2005, p. 165). Quando falamos de equidade nos grupos sociais sob o ponto de vista da coesão, podemos considerar que ao se detectar uma situação de injustiça nesses grupos, eles tenderão a se desfazer de forma rápida. Assim, os grupos sociais podem viver em conflito ou em harmonia, e o mais interessante nessa história pode ser a forma que restabeleceram suas positividades entre os seus membros.22 23 Os conflitos poderão ser saudáveis para um grupo crescer e pensar em alternativas para soluções de problemas, propiciando um ambiente cooperativo, ou destrutivo, quando prevalece a postura de competição exacerbada, tão desfavorável e aniquiladora para o ser humano. Um aspecto relevante a ser considerado, também, quando falamos de grupos sociais, e mais uma vez enfatizado por nós aqui, é a Cultura. A influência da Cultura é notória nas nossas atitudes e nos nossos comportamen- tos, vez que as soluções de problemas e conflitos podem ser dirimidos à luz dela. Dessa forma, conseguimos compreendê-la como um “conjunto de pessoas com valores, hábitos e ideias em comum” (LORENA, 2015, p.61), em que juntos interagimos e seguimos exemplos. Exemplos esses de grandes líderes, que por meio da cultura passam valores, normas, padrões e costumes que são compartilhados pelos integrantes desses grupos sociais. Entender e compreender a cultura de um grupo social nos ajudará na atuação como profissionais das Ciências Sociais Humanas, principalmente ao respondermos à pergunta de qual a relação entre os processos socioculturais e os processos sociopsicológicos ? E, teremos várias respostas para ela. Uma delas, bastante interessante para nós é o fato de que “[...] grandes acontecimentos socioculturais podem ser mais amplamente compreendidos se forem considerados como um macrocosmo dos processos sociopsicológicos” (LAMBERT & LAMBERT, 1981, p.199). Isso quer dizer que temos sempre de lembrar que os acontecimentos socioculturais são constituídos de acontecimentos sociopsicológicos, que mudanças sociais dependem de mudanças de hábitos e valores das pessoas. Dessa forma, quando os profissionais das Ciências Sociais Humanas conseguem aplicar os conhecimentos adquiridos ao longo de suas vidas e de seus estudos sobre os acontecimentos pequenos e esses repercutem nos acontecimentos maiores, verificam o valor da Psicologia Social para a Sociedade e para os problemas sociais. Da mesma maneira, considerando a relação entre o sociocultural e o sociop- sicológico, em que os processos psicológicos são habitualmente acompanhados ou causados por processos socioculturais, reconhecemos que os processos ou acontecimentos sociopsicológicos podem mediar ou integrar aspectos do mundo social mais abrangente, favorecendo mudança mais ampla e futura da sociedade em que vivemos. Encerramos aqui nossas discussões a respeito do ser humano e seus ambientes sociais, e esperamos que você tenha adquirido muitos conhecimentos e ensinamentos que poderão ser aplicados de forma consciente e ética na sua atuação profissional. 23 UNIDADE O Ser Humano nos Ambientes Sociais Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos ilha das flores - filme curta metragem Para ilustrar as situações sociais que envolvem o convívio social, que é palco para a instalação de estereótipos e preconceitos, recomendamos o curta metragem Ilha das Flores https://youtu.be/KAzhAXjUG28 Ilha das Flores: depois que a sessão acabou Para complementar assista também ao curta metragem a Ilha das Flores: depois que a sessão acabou para compreender a visão dos moradores e envolvidos com a população que participou do curta Ilha das Flores https://youtu.be/Ch-LIsnG9Wc Leitura Psicologia Social e Processo Grupal Para aprofundar os conhecimentos a respeito da Psicologia Social e processo grupal indicamos o artigo científico Psicologia Social e processo grupal: coerência entre fazer, pensar sentir em Silvia Lane. https://goo.gl/0HnpDH 24 25 Referências LAMBERT, W. W.; LAMBERT, W. E. Psicologia Social. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. LORENA, A. B. (org.). Psicologia Geral e Social. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2014. RAMOS, A. Introdução à Psicologia Social. 4.ed. São Paulo: Casa do Psicólogo/ UFSC, 2003. RODRIGUES, A. Psicologia Social para Principiantes - Estudo da Interação Humana. 10.ed.atual.acresc. Rio de Janeiro: Vozes, 2005. RODRIGUES, A.; ASSMAR, E. M. L. & JABLONSKI, B. Psicologia Social. 19.ed. reform, RJ: Vozes, 2000. Sites Visitados http://cruzeirodosul.bv3.digitalpages.com.br/users/publications/9788543005195 <http//www.dicio.com.br/dissonância/>. Acesso em: 8 out. 2016. <https//pt.wikipedia.org/wiki/idiossincrasia>. Acesso em: 8 out. 2016 25 Psicologia Social Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Nirleu Dragonetti Profa. Dra. Gisele de Lima Fernandes Ribeiro Revisão Textual: Prof. Dra. Selma Aparecida Psicologia Social e Contemporaneidade • Psicologia Social no Brasil e seus Aspectos Relevantes nos Países Afora • A Psicologia Social na América do Norte • A Psicologia Social na Europa • A Psicologia Social na América Latina • A Psicologia Social no Brasil • Ética, Paradigmas, Tendências e Atualidades · Por que estudar a Psicologia Social em outros países?; · Por que conhecer seus aspectos evolutivos?; · Quais suas contribuições para a sociedade?; · Quais suas contribuições para a Psicologia?; · Como está a ética, os paradigmas, as tendências e as atualidades na Contemporaneidade? OBJETIVO DE APRENDIZADO Nesta Unidade, vamos conhecer um pouco sobre a Psicologia Social no Brasil e seus aspectos relevantes nos países afora, como se deu o processo evolutivo, as influências, as transformações e as conquistas, tão importantes para que norteemos qualquer ação ou trabalho voltado para o indivíduo. Então, procure dedicar tempo aos estudos e esteja atento(a) a todos os conceitos para que possamos aproveitá-los integralmente. Procure ler o conteúdo disponibilizado e o material complementar, esse último é tão importante quanto o conteúdo básico. As dúvidas que por ventura tiver, anote e tire-as com seu tutor. Além disso, na pasta de atividades, você encontrará as avaliações referentes ao conteúdo apresentado, uma atividade reflexiva e a videoaula. Esses são elementos importantes para o entendimento e compreensão do conteúdo. ORIENTAÇÕES Psicologia Social e Contemporaneidade UNIDADE Psicologia Social e Contemporaneidade Contextualização Mudamos o Meio e por Ele Somos Mudados As conquistas que o nosso país e o mundo alcançaram, podemos dizer que estão implicadas diretamente nos dias atuais, no que vivenciamos hoje. É importante que tenhamos consciência de que houve um processo histórico por trás do que vivemos hoje, sendo este, segundo Lane (1995), de lutas, derrotas e vitórias, que possibilitaram os avanços alcançados e dos quais desfrutamos hoje. Atrelado a isto, para termos conhecimento do quanto custaram avanços à época, veremos brevemente como ocorreu o desenvolvimento da Psicologia Social no Brasil e em alguns países. O conhecimento do desenvolvimento da Psicologia Social nos servirá como base para que tenhamos conduta ética e produtiva, assertiva e humanizada. A Psicologia Social, ao estudar o indivíduo e sua relação na sociedade, ou seja, seu processo de socialização desde o âmbito familiar até suas relações Institucionais, segundo Torres e Neiva (2011), contribui para a compreensão ao enxergarmos o ser humano como multideterminado, vez que a constituição do homem se dá pela subjetividade humana, pois as relações humanas de um indivíduo para com o outro acabam influenciando o comportamento dos demais indivíduos. Desse modo, é importante falarmos sobre isso nesta Unidade, pois as interações, segundo Torres e Neiva (2011), fazem parte do nosso dia a dia, do cotidiano e da vida em geral, na qual sofremos influências por meio dessas relações e também influenciamos nosso meio social, sendo essa a maneira de construção da nossa identidade social. A relação que construímos em nosso meio de convivência, seja com família, seja com amigos, trabalho etc., conforme abordado pelos mesmos autores, é compreendida como interação indissociável, pois não viemos ao mundo de maneira isolada. Para melhor clarificar o que tratamos acima no que diz respeito ao comportamento e suasinfluências, podemos usar como exemplo o comportamento que apresentamos em casa, pois em nosso local de trabalho ele tende a ser diferente dos comportamentos que habitualmente temos no seio familiar, ou então tendemos a apresentar comportamentos diferentes quando estamos na presença de estranhos. Outro exemplo que podemos utilizar para ilustrar melhor é o comportamento agressivo dos soldados em Guerra. Ao estarem em seu ambiente familiar, o comportamento dos soldados muda, deixando de exercer toda aquela agressividade, apresentando atitudes afetivas e dóceis. 6 7 Nó, como profissionais de Ciências Humanas Sociais, devemos obter conheci- mentos sobre o surgimento e o processo evolutivo da Psicologia Social em suas divisões, tais como, Psicologia Social Psicológica, Psicologia Social Sociológica e Psicologia Social Crítica. Além de interagirmos com os temas voltados à ética, aos paradigmas e às suas tendências e atualidades, vez que estas fazem parte da área do saber psicológico. Portanto, objetivamos, aqui, compreender os paradigmas em Psicologia Social para que, por meio da reflexão e da obtenção de novos conhecimentos, seja possível uma atuação interdisciplinar assertiva e conscientizada. 7 UNIDADE Psicologia Social e Contemporaneidade Psicologia Social no Brasil e seus Aspectos Relevantes nos Países Afora Na presente Unidade, iremos estudar a Psicologia Social em seu processo de desenvolvimento, ou seja, seu estudo evolutivo ao longo dos anos, levando em consideração os aspectos relevantes da América do Norte, Europa, América Latina e Brasil; sua ética e paradigmas, tendências e atualidades na contemporaneidade. Para dar andamento aos nossos estudos, vale ressaltar o que Lane (1984) apud Strey (2003) diz a respeito da Psicologia Social: que ela nada mais é do que o estudo do indivíduo em seu meio social, tanto no que é específico de sua espécie, quanto no que é apresentado/manifesto em suas relações grupais e sociais. Ao longo da história do desenvolvimento da Psicologia Social, podemos observar, segundo Ferreira (2010), que seu modelo de estudo passou por diversas alterações, visto que anteriormente suas análises eram voltadas para os processos socioculturais, ou seja, da relação homem e sociedade, e que, com o passar dos anos, suas análises passaram a ser fechadas e direcionadas ao individualismo. A presente mudança ambivalente fez com que alguns Psicólogos Sociais à época fizessem a separação entre as duas possibilidades de Psicologia Social, quando ela começou a ser vista como uma nova Disciplina independente: Psicologia Social Psicológica e Psicologia Social Sociológica. A primeira, segundo G. Allport (1954) apud Ferreira (2010), refere-se às explicações do comportamento do homem em seu meio social, isto é, apenas o indivíduo é levado em consideração no momento da análise, o que Bernardes (2003) chama de individualização da Psicologia Social. Nessa mesma perspectiva, Allport (1924) apud Bernardes (2003) afirma não ser possível levar em consideração o pensamento originário e construído em grupos, pois, segundo sua teoria, os pensamentos são individuais e peculiares a cada pessoa. A segunda, a Psicologia Social Sociológica, é o oposto da Psicologia Social Psicológica, a qual, para Stephan e Stephan (1985) apud Ferreira (2010), se refere ao conhecimento adquirido pelo homem por meio de sua participação em diversos e diferentes grupos, ou seja, por meio de sua interação social. É por meio dessas e de outras vertentes da Psicologia Social que surgiram, com o passar dos tempos, e ainda é predominante nos dias atuais, o estudo da Psicologia Social voltada para a Psicologia Social Crítica, sendo esta, segundo Ferreira (2010), o estudo crítico da postura social, grupal, organizacional e institucional, na busca de combater a opressão social e possibilitar que o indivíduo alcance a qualidade de vida e o bem-estar social. Desse modo, objetivamos, de forma breve, fazer um aparato dos principais aspectos evolutivos da Psicologia Social e da repercussão que esses aspectos tiveram, não somente no Brasil, mas também fora dele. 8 9 De antemão, podemos notar que esse processo evolutivo é baseado nas mudanças que foram surgindo ao longo dos tempos, mediante as novas análises, questionamentos e necessidades, que assim possibilitaram e possibilitam alcançar novos avanços. Segundo Ferreira (2010), o processo evolutivo da Psicologia Social ocorreu no mundo inteiro, sendo acompanhado por suas diferentes modalidades. Destaca-se que uma modalidade poderá ser mais relevante o que outra quando comparadas entre países, como, por exemplo, no caso da Psicologia Social Psicológica, que apresenta ser mais predominante na América do Norte, enquanto na Europa, o que predomina é a Psicologia Social Sociológica, e no caso da América Latina e do Brasil, o predomínio é a Psicologia Social Crítica. Ao recapitular o que já foi abordado nas Unidades anteriores, será que você é capaz de responder a essas perguntas: É possível pensar no homem isoladamente? Será que existe a possibilidade de uma Psicologia que não seja Psicologia Social? Ex pl or Para facilitar e responder a essas perguntas, podemos pensar e indagar o seguinte: É possível o homem ser ele sem ser no meio social? Sem suas relações acadêmicas, trabalho, amigos, hospitais e sem sua família? Ou seja, é possível pensar no homem e em sua atuação de maneira isolada? Já no que diz respeito à segunda pergunta, podemos pensar o seguinte: Será que toda Psicologia é social, levando em consideração que análises partem do princípio de que o indivíduo, em seu processo evolutivo, constrói seu histórico e sua identidade social? Para que possamos entender hoje o modelo da Psicologia Social no Brasil, faz- se necessário tomar conhecimento dos aspectos históricos que repercutiram em outros países e o quanto o nosso país foi influenciado por eles. É importante saber quando ocorreram e começaram tais mudanças, como e porque elas ocorreram, quais foram as influências para isso e quais consequências essas mudanças acarretaram, ou seja, quais suas contribuições nos dias de hoje, quais foram os avanços e as conquistas nesse período. A Psicologia Social na América do Norte Ao aprofundarmos e resgatarmos a história evolutiva do surgimento da Psicologia Social na América do Norte, notamos que tudo começou por meio de duas publicações marcantes, que ocorreram em meados de 1908. Segundo Pepitone (1981) apud Ferreira (2010), o estopim para a efetiva fundação da Psicologia Social foi a publicação do livro: Uma introdução à Psicologia Social, pelo Psicólogo Wiliam Mc Dougall, e o livro: Psicologia Social, uma resenha e um livro texto, do Sociólogo Edward Ross. 9 UNIDADE Psicologia Social e Contemporaneidade Devido aos autores aqui explicitados seguirem à época linhas de atuações distintas, cada obra publicada foi direcionada para um campo específico da Psicologia Social, que passou a ser dividida em duas partes: um para Sociologia e outro para Psicologia, sendo esse o momento no qual houve a separação entre Psicologia Social Psicológica e Psicologia Social Sociológica. Fonte: Wikimedia/Commons Em meados do século XX, Ferreira (2010) aborda que a Psicologia Social Psicológica ganhou forças como tendência na América do Norte por meio do behaviorismo: “[...] a Psicologia Social Psicológica estrutura-se progressivamente como uma ciência natural e empírica, que desconsidera o papel que as estruturas sociais e os sistemas culturais exercem sobre os indivíduos” (APFELBAUM, 1992 apud FERREIRA, 2010, p. 53). Farr (1991-1996) apud Bernardes (2003) enfatiza que a Psicologia Social Psicológica tinha como base explicar os fenômenos sociais como algo natural por meio da análise experimental, sendo esta uma análise de individualização. Em outras palavras, Mc Garty & Haslam (1997) apud Ferreira, M.(2011), dizem que a Psicologia, como campo científico, explicava o comportamento humano somentepela observação, sem levar em consideração sua subjetividade. A Psicologia Social Psicológica, que ganhou forças na América do Norte, segundo Gordon Allport (1954) apud Ferreira, M. (2011), visou a estudar o seguinte tripé: o sentir, pensar e as atitudes do indivíduo humano, quando existe ou não a presença real de uma pessoa. O autor Apfelbaum (1992) apud Ferreira (2010) trata que no ano de 1970 a América do Norte enfrentou uma grande crise frente ao exagero de sua individualização da Psicologia Social Psicológica e dos movimentos sociais, 10 11 crise esta que foi denominada crise da Psicologia Social, que teve início mediante as indagações de seus conceitos e metodologias, inclusive no que diz respeito à sua neutralidade, pois os psicólogos da época afirmavam que tal conduta era favorável ao distanciamento das demandas sociais reais. A crise referenciada nesse contexto está “associada às ideias de transição, decisão e mudança. A crise por que passa a Psicologia Social não pode ser considerada como distante desses signifi cados e tampouco alheia à lógica do pensamento cientifi co e do pensamento social” (FONSECA, 2003, p.35). Ex pl or Jones (1995) apud Ferreira, M. (2011) ressalta que, além desses, a Psicologia Social Psicológica era criticada pela falta de seu comprometimento ético e pelo excessivo trabalho voltado para o modelo teórico: [...] Com o passar do tempo, porém, as investigações nessa área tenderam a se concentrar em níveis cada vez mais micros de análise, que se focalizavam sobremaneira nas qualidades, características e ações dos membros individuais, quando na presença de um grupo. (FORSYTH & BURNETTE, 2010 apud FERREIRA, 2010, p.56). Mediante o cenário que nos foi apresentado, Ferreira (2010) ressalta que foi por meio da presente crise que houve uma movimentação da internacionalização da Psicologia Social que, consequentemente, foi a responsável pelo crescimento da Psicologia Social Europeia (esta se preocupando com o âmbito social), e responsável pelo crescimento da Psicologia Social Latino Americana (voltada às demandas sociais). Embora os psicólogos sociais da América do Norte, nos dias atuais, exerçam trabalhos com novas temáticas, segundo Ferreira (2010), eles ainda continuam trabalhando com os temas tradicionais. A Psicologia Social na Europa Como vimos mencionado no texto acima, a Psicologia Social Sociológica na Europa teve início em 1970, sob influências da crise da Psicologia Social na América do Norte. Foi a partir daí que, segundo Ferreira (2010), a Europa começou a desenvolver sua identidade social: Apoiando-se em tal perspectiva, desenvolveu a teoria da identidade social, por meio da qual defende que as relações intergrupais estão intimamente relacionadas a processos de identificação grupal e de comparação social (TAJFEL, 1981 apud FERREIRA, M., 2011, p.25). Segundo Stepan e Stepan (1995) apud Ferreira, M. (2011), a Psicologia Social Sociológica, que ganhou força na Europa, visou ao estudo do aprendizado social 11 UNIDADE Psicologia Social e Contemporaneidade que o indivíduo obtém por meio de suas vivências em diversos grupos sociais, sendo voltada sempre para o contexto social; em outras palavras, voltada para as interações simbólicas. Fonte: Wikimedia/Commons A identidade social é uma das temáticas mais discutidas na Europa. Segundo Ferreira (2010), seu surgimento se deu por meio de Henri Tajfel, na Inglaterra, quando se buscava dar ênfase ao comportamento individual e grupal na afirmativa de que o indivíduo adquire suas formas mediante sua relação no meio cultural e social. Ferreira (2010, p.57) diz que: “[...] Nesse sentido, defendem que as relações intergrupais estão intimamente relacionadas a processos de identificação grupal e de comparação social”. A identidade social aqui explicitada possui como base três princípios, que, segundo Ferreira (2010), são: o autoconhecimento, que diz respeito ao reconhecimento que determinado indivíduo tem de ser pertencente a um grupo, aos indivíduos serem estimulados a possuírem alto-astral e ao indivíduo possuir identidade social positiva, ao comparar seu grupo com outros grupos. Quando a presente comparação é negativa, o grupo realiza uma movimentação na busca de sempre favorecer seu grupo pertencente, sendo esta a identidade social grupal construída. Por meio de análises, Ferreira (2010) nos traz que Tajfel, em 1981, iniciou experimentos para validação da identidade social e favoritismo ao próprio grupo e, ao serem comprovados, notou que a energia do grupo, ao ser reconhecida, e o anseio de preservar a autoestima positiva do grupo tornam-se o alicerce das relações intergrupais, quando o grupo busca o favorecimento de seu próprio grupo pertencente. 12 13 Importante! Para melhor elucidar, vamos pensar em um grupo de pessoas no qual todos ali se identifi cam uns com os outros e estão em sintonia no que diz respeito à autoestima. Esse grupo tende sempre a favorecer seu grupo pertencente quando comparado com outros grupos, como, por exemplo, um grupo no qual todos os membros dele pertencentes apresentam a autoestima rebaixada; esse grupo tenderá a apresentar estereótipos. Trocando ideias... Segundo Brown (2000) apud Ferreira (2010), a identidade social ganhou visibilidade e se expandiu não somente na categoria das relações intergrupais, mas também em outros tipos de grupos, como, por exemplo, dentro das empresas, ao estudar e analisar a relação existente entre liderança e funcionários. Mediante esse pensamento grupal apresentado, Turner et al (1987) apud Ferreira (2010) nos apresentam uma nova teoria, a da autocategorização, que diz respeito aos impulsos que levam e determinam o comportamento coletivo. “A teoria de autocategorização de Turner, Hogg, Oakes, Reicher e Wetherell (1987) refere-se aos fatores que levam os indivíduos a realizarem determinadas categorizações, bem como suas consequências para o comportamento coletivo” (FERREIRA, 2010, p.58). Segundo esses mesmos autores, o comportamento coletivo parte da situação em que o indivíduo é exposto a uma pressão social, na qual possivelmente sua percepção pessoal passará a se tornar inferior à identidade social, o que, consequentemente, irá conduzi-lo a atitudes e ao consenso grupal. Portanto, podemos notar que a identidade social é construída por meio de categorias, que são desenvolvidas/expostas no meio social/grupal. Ao falarmos em identidade social, não podemos deixar de considerar as representações sociais que, segundo Moscovici (1981) apud Ferreira (2010), referem-se ao conjunto de ideias, percepções e esclarecimentos que nascem do senso comum, no meio social, por meio das relações e que por elas são estabelecidas. Esse conjunto de ideias, percepções e esclarecimentos estão em constantes transformações e na medida em que vão sendo ressignificadas, mudam o presente/ futuro do indivíduo. “Ressignifi car – v.t.d. Uso restrito. Atribuir uma nova signifi cação a; dar um novo signifi cado, um novo sentido a alguma coisa: Precisava ressignifi car experiências.Ex pl or Dicionário Online de Português – https://www.dicio.com.br/ressignificar/. Acesso em: 27 set. 2016. Segundo Ferreira (2010), em 1984, Moscovici afirma que a representação social nada mais é do que o ato de dar significado ao que é desconhecido, ou seja, de tornar semelhante o que não lhe é semelhante. A presente teoria ganhou 13 UNIDADE Psicologia Social e Contemporaneidade grande visibilidade na época e ainda nos dias de hoje, pois é vista como tendência da Psicologia Social na Europa. Ferreira (2010, p.58) diz que: Nesse sentido, a análise das teorias mantidas pelo homem comum tem contribuído para a compreensão de fenômenos tão diversificados quanto a saúde/doença, a doença mental, a violência, a justiça, o desemprego, a amizade, os sistemas tecnológicos, os sistemas econômicos etc. A Psicologia Social na América Latina Ao nos debruçarmos no processo evolutivo histórico da PsicologiaSocial na América Latina, percebemos que sua atuação em Psicologia Social Psicológica se perpetuou até 1970, frente às influências que sofreu, segundo Ferreira (2010), do paradigma da Psicologia Social Psicológica, no que diz respeito a suas pesquisas, teorias e metodologias utilizadas. Segundo Bernardes (2003), em 1960, surge uma nova possibilidade de se fazer Psicologia Social. Possibilidade esta com poder de transformação, que contou com a movimentação de alguns Psicólogos Sociais experimentais da época, tal como Aroldo Rodrigues, para o surgimento da Associação Latino-americana de Psicologia Social. A presente associação, ao longo dos anos, serviu como referência para o surgimento de outras associações que nela se espelhavam, como, por exemplo, a Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), no Brasil. Com o passar dos anos, aproximadamente no final da década de 1970, o autor Ferreira (2010) enfatiza que alguns Psicólogos Sociais latino-americanos começaram a indagar a Psicologia Social Psicológica, no sentido do quanto ela era individualista. Lane (1995) aborda que a crise da Psicologia Social, que se iniciou na América do Norte, possibilitou um novo pensar frente aos traços políticos, pois a ditadura militar da época assumia uma postura repressora, na qual a desigualdade era um fator forte na sociedade, que levou a questionar o posicionamento da Psicologia Social e o papel dos pesquisadores frente a essa crise. Foi a partir de então que se iniciou uma movimentação para uma visão que não fosse mais individualista, mas sim ampliada ao invés de reducionista, que possibilitasse levar em consideração não somente o indivíduo, mas as demandas que a sociedade lhe apresentava, e que desse importância à Psicologia Social no sentido de se aproximar dos problemas sociais. 14 15 Segundo Lane (1995), foi por meio desse novo pensar que foi fundado o Núcleo de Psicologia Comunitária, fazendo parte dele pesquisadores sociais de diversos países da América Latina, com o intuito de desenvolverem ações autônomas e de conscientizar grupos que sofriam com a opressão e a descriminalização. Esse núcleo, além de favorecer a troca de experiências, permitia o pensamento crítico frente à Psicologia e a busca de novos horizontes que norteassem um fazer psicológico voltado para a demanda social. Lane (1995, p.69) diz: Partindo das teorias e técnicas sobre a dinâmica de grupos, a revisão crítica nos permitiu constatar quanto os estudos reproduziam, como ciência, a ideologia embutida nos papéis sociais, principalmente o de líder, e também em conceito como o de coesão social e na procura através das técnicas de uma harmonia que tornasse o grupo mais produtivo. Além do que é colocado pela autora acima, ela traz que, mediante as revisões críticas, foi possível notar, por meio de observações, que os grupos apresentam variações ao invés de estabilidade, como era afirmado na época. Sendo assim, Lane (1995) diz que a revisão crítica impulsionava o desenvolvi- mento de uma nova metodologia, que favorecesse um olhar do indivíduo como um ser multideterminado. Multideterminada “[...] é aquela pessoa que tem a capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo e com efi ciência, com facilidade e habilidade”. Ex pl or Dicionário Informal – http://www.dicionarioinformal.com.br/multideterminado/. Acesso em: 2 out. 2016. Strey (2003) afirma que as críticas na época giravam em torno da não concordância existente entre Psicologia Social Tradicional e os problemas emergentes na América Latina. Com a ajuda de alguns Psicólogos Sociais latinos americanos da época, segundo Ferreira (2011), foi implantado um comitê local, no qual, alguns Psicólogos que participavam, inauguraram, em 1973, a Associação Latino- americana de Psicologia Social (ALAPSO). Sendo assim, mediante as injustiças sociais vivenciada na época na América Latina, Ferreira (2010) nos afirma que esses mesmos Psicólogos aboliram a Psicologia Social Tradicional, da qual, por meio dos questionamentos, surgiu a Psicologia Social Crítica na América Latina por meio desses Psicólogos que não se reduziam ao modelo tradicional individual, sendo o representante legal desse movimento o Psicólogo Martin-Baró, padre jesuíta espanhol, que era a favor e apoiava uma Psicologia Social que assumisse responsabilidades com a realidade social. 15 UNIDADE Psicologia Social e Contemporaneidade Desse modo, ratificamos que a Psicologia Social Sociológica tem como objetivo centrar-se nas problemáticas políticas sociais. Mediante os pontos centrais que vimos acima, Ferreira (2010) diz que Matin-Baró (1996), na busca de minimizar a desigualdade que a sociedade vivia, pregava que os Psicólogos Sociais deveriam conscientizar a população para desenvolver um olhar mais crítico e reflexivo sobre eles mesmos e a realidade vivenciada na época. Importante! Para melhor elucidar, vamos pensar em máquinas que recebem apenas comandos para executar determinada tarefa. Martin-Baró via que as pessoas se comportavam exatamente assim frente aos problemas políticos e sociais. O que esse autor almejava era que as pessoas pudessem assumir postura diferente frente a essa problemática, que primeiramente a sociedade não assumisse papéis de robôs em seus atos de apenas aceitar e obedecer algo que lhes era imposto, mas sim que tivessem liberdade de expressão e autonomia, ao invés de pensamentos e atitudes controladas. Trocando ideias... Sendo assim, Ferreira (2010) diz que Matin-Baró (996), por meio de sua visão crítica, dizia que a população precisava sair da posição de opressão e alienação, para que assim pudesse desenvolver sua identidade pessoal, coletiva e histórica, combatendo, portanto, a classe dominante da época. Assim, “a construção teórica em Psicologia Social deve emergir dos problemas e conflitos vivenciados pelo povo latino-americano, de forma contextualizada com sua história” (MATIN-BARÓ, 1989 apud FERREIRA, 2010, p.59). FERREIRA (2010) ressalta que a Psicologia Social Crítica na América Latina não é a única corrente predominante, vez que existem outros psicólogos sociais que defendem outras linhas teóricas de trabalho. “É possível afirmar a existência de uma Psicologia Social latino-americana que reúna traços próprios de identidade?” (ÁLVARO & GARRID, 2006 apud FERREIRA, 2010, p.59).Ex pl or A Psicologia Social no Brasil Bonfim (2003) apud Ferreira (2010) nos apresenta que as primeiras publica- ções no Brasil que tratam sobre o psicossocial ocorreram no ano de 1930. Entretanto, somente em 1962, por meio do Conselho Federal de Psicologia, é que surge a institucionalização da Psicologia Social como Disciplina, e nas Universidades passa a ser exigido que o Curso de Psicologia atenda a algumas exi- gências, tais como, ensinar e aprofundar estudos voltados para a Psicologia Social. 16 17 Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons Fonte: Wikimedia/Commons Vale ressaltar que, nessa época, os estudos eram voltados para a Psicologia Social Psicológica, isto é, para a forma predominante e tradicional da América do Norte em reduzir o indivíduo, ou seja, focada somente no indivíduo, sem levar em consideração o meio externo, suas relações e cultura, que perdura até 1970. No final da década de 1970, segundo Bernardes (2003), o Brasil efetivamente também enfrenta “a crise da psicologia social” (como já referenciada acima nos outros países) devido ao país seguir traços dos Estados Unidos em sua forma de se fazer Psicologia Social. Os motivos centrais dessa crise, segundo esse mesmo autor, dizem respeito à individualização do social na Psicologia Social e sua metodologia, ao fato de não contextualizarem os temas apresentados como problemáticos, por simplificá- los, por tornarem superficiais os estudos voltados a esses temas, e também ao fato 17 UNIDADE Psicologia Social e Contemporaneidade de não visarem às problemáticas sociais do país como algo pontual. Foi a partir de então que os PsicólogosSociais começaram a pensar como sua prática contribuiria nesse contexto. Mediante viagens pelos países da América Latina, Lane (1995) aborda que os Psicólogos Sociais notaram que a crise e a crítica da Psicologia Social fomentavam o interesse de novas epistemologias e metodologias para um avanço cientifico que gerasse mudanças significativas. Além disso, a presente viagem contribuiu para a percepção do quanto já se tinha avançado na Ciência. O dicionário Português define epistemologia como “a Teoria do conhecimento; reflexão sobre a natureza, o conhecimento e suas relações entre o sujeito e o objeto. Teoria da ciência; análise das premissas teóricas e práticas relacionadas com o conhecimento científico, de acordo com seu avanço histórico no desdobramento de uma sociedade”. Por metodologia, o dicionário Português define ser “regras ou normas estabelecidas para o desenvolvimento de uma pesquisa; método: metodologia de pesquisa científica. Reunião de métodos; processo organizado de pesquisa, de investigação. Parte da ciência que se dedica aos procedimentos organizados, aos métodos, utilizados pela própria ciência. Ramo da lógica que estuda os métodos em diferentes ciências”. Ex pl or Dicionário Online de Português – https://www.dicio.com.br/epistemologia/. e https://www.dicio.com.br/metodologia/. Acesso em: 19 out. 2016. Segundo Lane (1995), foi na PUC – Pontifícia Universidade Católica, em São Paulo, que se buscou, por meio do ensino, trabalhar com os formandos, a relação entre teoria e prática, com o objetivo de levá-los a confrontar a Teoria estudada em sala de aula com a prática vivenciada por eles, com o intuito de alcançarem uma revisão crítica dos conceitos. Porém, os alunos e monitores davam prioridade à teoria, pois não se podia indagar o conhecimento científico que foi base para o desenvolvimento da teoria estudada. Lane (1995, p.68) diz: [...] tentávamos concretizar a tese da teoria e prática no ensino, levando os alunos a observações, entrevistas, enfim, a coletar dados do cotidiano e confrontá-los com os textos clássicos sobre os conceitos de atitudes, motivação e percepção social, dissonância cognitiva, socialização, dinâmica de grupos etc. Nessa época, segundo Lane (1995), a psicologia da linguagem possibilitava o entendimento das interações sociais, pois a linguagem se fazia presente em todo o processo evolutivo da história da sociedade, sendo ela essencial para o crescimento do homem e na interação do homem em seus grupos sociais. Foi por meio de estudos sobre a linguagem que, segundo Lane (1995), foi possível transcrever os significados que os grupos aplicavam às diferentes características sociais. Um ícone da Psicologia que tornou possível o conhecimento do poder da linguagem para o psiquismo humano foi o teórico Lev Vygotsky. 18 19 Ao final da década de 1970, alguns Psicólogos Sociais brasileiros, segundo Ferreira (2010), realizaram movimentações em abolição da Psicologia Social Tradicional na América Latina, por meio das quais, a partir de um pensamento crítico, surgiu a Psicologia Social Crítica, que contribuiu, na época, e contribui ainda hoje para uma das principais correntes da psicologia brasileira, na qual se busca estudar as problemáticas atuais no país, podendo-se destacar: a fome, a exclusão social, a violência, a injustiça social frente às diferentes classes sociais etc. Resumidamente, sua preocupação e atuação estão direcionadas aos problemas sociais. A partir de 1980, também começaram a surgir mudanças que foram um tanto significativas, como, por exemplo, segundo Ferreira (2010), o crescimento dos Cursos de Pós-graduação na área de Psicologia Social, que abordava diversas temáticas nessa Disciplina. Além disso, Bernardes (2003) destaca que alguns pesquisadores da época, tais como Silvia Lane, contribuíram para o surgimento da Associação Brasileira de Psicologia Social (ABRAPSO), em 1980, sendo esta associação brasileira representante da Psicologia Social, com o objetivo de reestruturar a presente Psicologia Social e desenvolver trabalhos visando à “concepção de que o ser humano constitui-se em um produto histórico-social, de que indivíduo e sociedade se implicam mutuamente” (JACQUES & COLS, 1998 apud FERREIRA, 2010, p.59). Strey (2003, p.15) diz que: [...] São qualificações que expressam a perspectiva crítica em relação à Psicologia Social hegemônica de até então e que apontam para uma concepção de ser humano como produto histórico-social e, ao mesmo tempo, como construtor da sociedade e capaz de transformar essa sociedade por ele construída. A explicitação acima chamou a atenção no sentido de que, por meio da ABRAPSO é que foi possível retomar a concepção da relação existente entre homem e sociedade, na qual, ao invés do indivíduo e da sociedade sofrerem influências, esses, por si sós, acabavam influenciando uns aos outros, ou seja, o indivíduo mudava seu meio e era por ele era modificado. Ética, Paradigmas, Tendências e Atualidades Bernardes (2003) apud Strey (2003) aborda que a Psicologia Social Moderna apresenta características norte-americanas. Entretanto, suas sementes se originaram do país europeu. Para melhor clarificar, vamos fazer um pequeno resgate do que abordamos inicialmente no decorrer dessa Unidade. 19 UNIDADE Psicologia Social e Contemporaneidade Como vimos, a América do Norte foi a protagonista no papel da Psicologia Social Psicológica e serviu como modelo de atuação em outros países. Entretanto, apesar “desses outros países” aceitarem inicialmente esse modelo, com o passar do tempo, começaram a discordar e indagar esse pensamento e modelo de atuação e países como Europa, América Latina e Brasil não eram a favor desse método redutivo de Psicologia Social. A partir de então, as práticas tradicionais começaram a ser criticadas e se tornaram alvo de um novo pensar na forma de se fazer Psicologia Social. Outro grupo de países a adotar inicialmente esse novo pensar foi da Europa, com a Psicologia Social Sociológica, onde o estudo partia não mais do indivíduo isolado, mas sim do indivíduo e sua relação grupal, em seu coletivo, partindo do pensamento de que o indivíduo não se constrói sozinho no universo, mas sim por meio de suas interações. Outros países que adotaram uma nova prática posteriormente à Europa foram os da América Latina, que começaram a levar em consideração não somente o indivíduo e suas relações grupais, mas também as problemáticas no que diz respeito à política e à desigualdade social, que eram pontuais naquele momento, pois a busca era de uma sociedade que deixasse de ser passiva e assumisse um olhar mais crítico e reflexivo sobre a realidade que estavam vivendo naquele momento. Esse novo fazer em Psicologia Social denominou-se Psicologia Social Crítica. Com o Brasil não foi diferente, pois mediante um pensamento crítico, deixou de lado o fazer tradicional e assumiu a postura da Psicologia Social Crítica, seguindo, portanto, o modelo da América Latina, que passa a visar ao indivíduo, a suas relações e aos problemas atuais vivenciados. Podemos notar, segundo a ideia de Lane (1995), que a necessidade de uma revisão crítica era uma preocupação que norteava os Psicólogos Sociais de vários países, pois a busca era por desenvolver um conhecimento científico que proporcionasse mudanças nos países. Foi por meio desse pensamento crítico que, segundo Ferreira (2010), transformações um tanto significativas surgiram na época de 1970, como foi o caso do surgimento da “crise” da Psicologia Social. A presente crise passou a ser entendida como um momento reflexivo, que teve origem por meio das discordâncias entre teoria e metodologia, mas que contribuiu para a busca de novas teorias e metodologias, ou seja, de um fazer diferente frente ao modelo já estabelecido. A crise contribuiu significantemente para o alcance de novos avanços na Psicologia Social para o surgimento de um novo olhar e fazer, passando a direcionar sua atenção paraas relevâncias sociais. Os paradigmas teóricos e metodológicos que criticaram o modelo tradicional desenvolveram-se como Psicologia pós-moderna e, com isso, houve os avanços por meio da internacionalização da Psicologia Social. 20 21 Segundo Lane (1995), ao analisarmos a linha do tempo, notamos que na década de1960 o paradigma científico que era dominante na época foi questionado. Em seguida, na década de1970, houve avanços significativos para que a ciência passasse a levar em consideração a relação entre o sujeito e o objeto. Ao observar esse contexto evolutivo da Psicologia Social nos países que aqui foram explicitados, observamos que eles não seguiram uma linearidade, mas sim um processo contínuo. Segundo Fonseca (2003), viver posteriormente a décadas e séculos que foram tanto marcantes, desperta-nos a reflexão do hoje, mediante as transformações e conquistas alcançadas, levando-se em consideração o quanto a temporalidade reaparece vigorada, pois somos expostos ao conhecimento das histórias passadas, as ressignificações e ao encontro das mudanças alcançadas. “Os objetos de estudo da psicologia estão em constante transformação, da mesma forma que os métodos para conhecê-los” (FONSECA, 2003, p.34). Lane (1995) acrescenta que na atualidade somos testemunhas das mudanças e progressos adquiridos ao longo do tempo por meio do desenvolvimento científico, do qual podemos desfrutar os avanços. A Psicologia como Ciência, segundo Fonseca (2003), sempre apresentará transformações e essas são importantes à medida que a Psicologia avança, pois as mudanças estão atreladas às novas conquistas, afinal as características da Ciência estão relacionadas à conduta de se autocriticar. O mesmo autor, explicitado acima, ratifica que a Ciência, do mesmo modo que se constrói, pode ser destruída a qualquer momento, mediante o surgimento de novas indagações, pois os fenômenos psicológicos são construídos com a evolu- ção histórica. O pensamento crítico que contribuiu para as transformações, segundo Ploner et al (2008) apud Guareschi (2008), está intimamente relacionado à Ética, enquanto o pensamento tradicional, ao reduzir o indivíduo, não pode ser visto como Ética, pois a Ética diz respeito ao direto humano e implicada a justiça e a igualdade. A revisão crítica exercida nos países que aqui foram explicitados contribuiu para que houvesse a liberdade de expressão, na qual o respeito e a justiça se faziam presentes, e isso é Ética. O indivíduo sozinho não consegue exercer sua Ética, deixando, desse modo, de ser ético (Ploner et al. 2008 apud Guareschi, 2008). Ainda no que diz respeito à Ética, notamos que a opressão, a desigualdade e o abuso de poder exercidos na América do Norte não condizem com uma conduta ética. Segundo Guareschi (2008), podemos entender como Ética o pensamento crítico, o pensar frente à determinada situação e o refletir como mudanças podem ocorrer e quais consequências acarretarão, sendo elas positivas ou negativas, levando em consideração que mudanças fazem parte de um processo. A Ética que aqui estamos abordando se fez presente a partir do momento em que o indivíduo passou a ser visto como multideterminado. Os avanços alcançados e as mudanças conquistadas visavam às justiças sociais, sendo estas nada mais do que condutas éticas. “A Ética busca a libertação pessoal e social das pessoas e das situações de injustiça” (GUARESCHI 2008, p.26). 21 UNIDADE Psicologia Social e Contemporaneidade Segundo Lane (1995), para que haja mudanças sociais significativas, é necessário que exista Ética, ou mudanças éticas que partam do indivíduo e atinjam o coletivo ao invés de lutas de classes. Desse modo, podemos pensar que a Psicologia Social assumirá uma conduta entre teoria e prática,na qual os profissionais da área possam atuar no individual ou nos grupos, contribuindo, assim, para a construção da consciência social e dos valores morais, em rumo a uma conduta ética que rejeite o individualismo e assuma postura ética e de comprometimento com os valores universais e de igualdades, em consonância com a humanização. Em suma, que seja comprometida com a realidade da sociedade. Fonseca (2003, p.35) aborda que: Se é verdade que a ciência e suas práticas necessitam ser criticadas e reconhecidas como importantes fundadoras de realidades humanas e sociais, também se torna significativo que tal produção seja dotada do mais agudo, sutil e permanente espírito ético, visto que o conhecer constitui o mundo ao nomeá-lo, muito antes do que apenas representá-lo. Se pelo conhecimento inventamos mundos, que possamos inventá-los de maneira decente! Segundo Guareschi (2008), o homem é visto com um ser racional e que se constitui por meio do diálogo existente em suas relações, que sem perder sua originalidade consegue ser único, e sua subjetividade é construída em meio de suas relações estabelecidas ao longo de seu desenvolvimento, sendo esta, a Ética, que se constrói por meio dessa relação dialógica. Já no que diz respeito aos paradigmas da época, podemos pensar na crise que percorreu vários países, pois foi por meio dela que surgiu um novo pensar. Além disso, podemos levar em consideração as movimentações que ocorreram para uma sociedade igualitária. As críticas, indagações e fundações de associações, como por exemplo, a ABRAPSO, também fizeram parte desse processo para novos paradigmas. Mediante a divisão da Psicologia Social em Psicologia Social Psicológica e Psicologia Social Sociológica, também podemos pensar na divisão dos paradigmas, na qual, segundo Guareschi (2008), os paradigmas podem ser divididos entre Paradigma Liberal Capitalista e Paradigma Comunitário-Solidário. Correlacionado à divisão da Psicologia Social e à divisão dos paradigmas, podemos entender como paradigma liberal capitalista, termo esse usado por Guareschi (2008), como a Psicologia Social Psicológica, vez que esse paradigma tende a reduzir o indivíduo sem levar em consideração suas relações, ou seja, sem levar em consideração a relação de um indivíduo para com outro. 22 23 Já por Paradigma Comunitário-Solidário, podemos entender a Psicologia Social Sociológica, vez que esse paradigma diz respeito às relações sociais, nas quais o indivíduo é visto como um ser que precisa do outro para se construir como pessoa, para a construção de sua identidade. Assim, o indivíduo precisa do outro para se constituir em sociedade. Sendo assim, já que nos construímos social e historicamente, podemos concluir que o papel da Psicologia Social está relacionado ao estudo do convívio social, de como eles são construídos e desenvolvidos, de como se dão as relações nesse contexto social, de como ocorrem as influências de comportamento e da compreensão dos problemas que afetam a sociedade, tais como problemas políticos e econômicos, visando a medidas para serem aplicadas com a finalidade de solucioná-los. Esse pensar em soluções, mudanças, igualdade, sociedade e relações/intera- ções traduzem-se na ética Psicológica, na qual o avanço das mudanças será o novo paradigma. Terminamos aqui a nossa Unidade, que abordou assuntos referentes à Psicologia Social nos países europeus, na América do Norte, na América Latina e no Brasil, assim como evidenciamos assuntos como ética, tendências e atualidades na contemporaneidade. 23 UNIDADE Psicologia Social e Contemporaneidade Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos A Psicologia, o Homem e a Sociedade Para compreender mais sobre a Psicologia Social, o homem e a sociedade, indicamos o vídeo de Silvia Lane. https://goo.gl/mLXoOL Leitura Gênese, Desenvolvimento e Redefinição da Psicologia Social: Da Separação Epistemológica ao Compromisso com a Práxis Para se aprofundar mais no processo evolutivo da Psicologia Social e suas conquistas no Brasil e em outros países, leia o artigo cientifico: “Gênese, Desenvolvimento e Redefinição da Psicologia Social: Da Separação Epistemológicaao Compromisso com a Práxis”. https://goo.gl/EzVptR A Psicologia Social Abrapsiana: Apontamentos Históricos Para entender como a “crise da Psicologia Social” se originou e percorreu em outros países, leia o artigo científico: A Psicologia Social Abrapsiana: Apontamentos Históricos. https://goo.gl/TG2l1v Ética e Paradigmas na Psicologia Social Para obter melhor compreensão sobre a ética e os paradigmas abordados nesta Uni- dade, leia o artigo cientifico: Ética e paradigmas na psicologia social. https://goo.gl/9y327K 24 25 Referências BERNARDES, J. S. História. In: STREY, M. N. et al. Psicologia Social Contemporânea: livro-texto. Rio de Janeiro: Vozes, 2013. FERREIRA, M. C. A Psicologia Social Contemporânea: Principais Tendências e Perspectivas Nacionais e Internacionais. Rio de Janeiro, v. 26, n. especial, 2010. p. 51-64. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ptp/v26nspe/a05v26ns. pdf>. Acesso em: 29 set. 2016. FERREIRA, M. C. Breve História da Moderna Psicologia Social. In: TORRES, C. V.; NEIVA, E. R. (Org.). Psicologia Social: Principais Temas e Vertentes. Porto Alegre: Artmed, 2011. FONSECA, T. M. G. Epistemologia. In: STREY, M. N. et al. Psicologia Social Contemporânea: livro-texto. Rio de Janeiro: Vozes, 2013. GUARESCHI, P. A. Ética e Paradigmas na Psicologia Social: Ética e Paradigmas. In: PLONER, K. S. et al. (Org.). Ética e paradigmas na Psicologia Social - Ebook. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas SociaIs, 2008. LANE, S. T. M.; SAWAIA, B. B. (Org.). Novas veredas da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, 1995. STREY, M. N. et al. Psicologia Social Contemporânea: livro-texto. Rio de Janeiro: Vozes, 2013. TORRES, C. V.; NEIVA, E. R. (Org.). Psicologia Social: Principais Temas e Vertentes. Porto Alegre: Artmed, 2011. 25 teorico (1) teorico (2) teorico (3) teorico (4)