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LICENCIATURA EM GEOGRAFIA MODALIDADE A DISTÂNCIA pró LICENCIATURA GEOGRAFIA ECONÔMICA I LUIZ ALEXANDRE GONÇALVES CUNHA PONTA GROSSA 2008 CRÉDITOS REITOR UEPG João Carlos Gomes VICE-REITOR Carlos Luciano Sant’Ana Vargas PRÓ-REITORIA DE ASSUNTOS ADMINISTRATIVOS Candida Leonor Miranda – Pró-Reitor PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO Graciete Tozetto Góes – Pró-Reitor DIVISÃO DE PROGRAMAS ESPECIAIS Maria Etelvina Madalozzo Ramos - Chefe NÚCLEO DE TECNOLOGIA DE EDUCAÇÃO ABERTA E A DISTÂNCIA Leide Mara Schmidt – Coordenadora Geral Cleide Aparecida Faria Rodrigues – Coordenadora Pedagógica PROGRAMA PRÓ-LICENCIATURA Gina Maria Bachmann – Coordenadora Geral Curso de Geografia – Modalidade a Distância Paulo Rogério Moro – Coordenador Curso de História – Modalidade a Distância Edson Armando Silva – Coordenador Curso de Letras – Língua Portuguesa e Espanhola – Modalidade a Distância Mirian Martins Sozim – Coordenadora COLABORADOR FINANCEIRO Luiz Antonio Martins Wosiak COLABORADORES DE PLANEJAMENTO Carlos Roberto Ferreira Silviane Buss Tupich COLABORADORES EM INFORMÁTICA Carlos Alberto Volpi Carmen Silvia Simão Carneiro Adilson de Oliveira Pimenta Júnior Juscelino I. de Oliveira Júnior - Estagiário Osvaldo Reis Júnior – Estagiário Kin Henrique Kurek - Estagiário COLABORADORES EM EAD Dênia Falcão de Bittencourt Jucimara Roesler COLABORADORES DE PUBLICAÇÃO Álvaro Franco da Fonseca - Ilustração Anselmo R.de Andrade Júnior - Ilustração Ceslau Tomaczyk Neto – Ilustração Eloise Guenther - Diagramação Gideão Silveira Cravo - Revisão Márcia Zan Vieira - Revisão Rosecler Pistum Pasqualini – Revisão Vera Marilha Florenzano - Revisão COLABORADORES OPERACIONAIS Edson Luis Marchinski Joanice Küster de Azevedo João Márcio Duran Inglêz Maria Clareth Siqueira APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL É com grande satisfação que a Universidade Estadual de Ponta Grossa inicia seus cursos de licenciatura na modalidade a distância, dando continuidade a uma política de expansão e disseminação dessa modalidade, que vem se desenvolvendo com sucesso principalmente por meio de programas e cursos de formação inicial e continuada de professores. Os cursos de Licenciatura (EaD) em História, Geografia e Letras Português/ Espanhol representam mais uma contribuição da Universidade Estadual de Ponta Grossa, de seus Setores e Departamentos e do seu Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância (NUTEAD), para a formação dos professores em exercício. Eles se tornaram possíveis graças à parceria estabelecida entre o Ministério da Educação e Cultura (MEC), o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e as universidades brasileiras que se dispuseram a atuar intensivamente na qualificação de professores. São parceiras da UEPG na execução desse projeto a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá (FAFIPAR) e a Universidade do Contestado (UNC). Nossa instituição detém uma longa e rica tradição de ensino, pesquisa e extensão em diversos cursos e particularmente nas licenciaturas, que sempre mereceram o melhor dos nossos esforços. Acumula também significativa experiência em educação a distância, iniciada no ano de 2000, sendo credenciada pelo MEC, conforme Portaria nº 652, de 16 de março de 2004, para ministrar cursos de graduação, seqüenciais, extensão e pós-graduação (lato sensu) na modalidade a distância (EaD). Tudo isso nos permite avançar com segurança na oferta dos atuais Cursos de Licenciatura a distância, que constituem hoje uma alternativa ideal para alunos trabalhadores, que necessitam de horários diferenciados de estudo e pesquisa, de modo a cumprir tanto os seus compromissos profissionais como seus compromisso acadêmicos. Nossos cursos e produtos são elaborados pensando no professor, nos seus saberes e experiências e na importância da interação entre eles e os conhecimentos produzidos e acumulados nas instituições universitárias, de modo a incentivá-lo a repensar sua prática e o suporte teórico que a embasa. Esse curso não será diferente dos demais, pois a qualidade é um compromisso dessa Instituição. A diferença se encontra na utilização de materiais e mídias próprias da educação a distância que, além de facilitarem o seu aprendizado, vão garantir constante interação entre alunos, tutores, professores, coordenação e demais membros da equipe responsável pelo curso. Você, acadêmico, não está sozinho nessa jornada, pois poderá se comunicar conosco, esclarecer dúvidas e apresentar críticas e sugestões acessando nosso e-mail prolicen@uepg.br ou utilizando as demais mídias disponíveis para os alunos desses cursos. Desejamos que você tenha excelentes resultados de aprendizagem, bem como que utilize o que aprender para tornar ainda mais dinâmica, consistente e atraente a sua prática pedagógica. EQUIPE DO PRÓ-LICENCIATURA UEPG SUMÁRIO PALAVRAS DO PROFESSOR __________________________________ p. 07 OBJETIVOS E EMENTA ______________________________________ p. 09 UNIDADE I – Formação de uma nova geografia econômica no Continente Europeu na Idade Moderna ____________________________p. 11 Seção 1 – A agonia de uma sociedade abalada - a crise feudal _________ p. 13 Seção 2 – Anos de mudanças e transformações: a transição feudal- capitalista e o espaço rural europeu ____________________________ p. 17 Seção 3 – Anos de mudanças e transformações: a transição feudal- capitalista no espaço urbano da Europa _________________________ p. 22 UNIDADE II – Geografia econômica capitalista-monopolista: uma nova globalização na Idade Contemporânea _______________________ p. 33 Seção 1 – O capitalismo monopolista e a construção de um novo espaço econômico mundial __________________________________ p. 34 Seção 2 – A geografia econômica do imperialismo ________________ p. 37 Seção 3 – A organização do espaço econômico capitalista- monopolista: teorias burguesas de localização _____________________ p. 40 PALAVRAS FINAIS ___________________________________________ p. 49 REFERÊNCIAS ______________________________________________ p. 51 QUEM SOMOS ______________________________________________ p. 53 PALAVRAS DO PROFESSOR O conteúdo do Curso de Licenciatura em Geografia a Distância da UEPG inicia- se através da disciplina Geografia Econômica I, que aborda a formação do espaço geográfico com as marcas do sistema capitalista. A geografia econômica que você estudará, começou a tomar forma na Europa, ainda no século XIV, mas se consolidou apenas no século XIX. Ela tem como uma de suas características a incorporação de novos espaços geográficos que antes abrigavam sistemas não-capitalistas. Esses espaços foram transformados de forma avassaladora pelo sistema capitalista e todo o modo de vida que o acompanha. Passaram a fazer parte de uma geografia econômica que hoje abarca todo o mundo. Assim, este livro aborda o processo inicial de formação da geografia econômica capitalista que corresponde a um longo período que vai do século XIV até meados do século XX. Alem disso, procura fornecer as bases geoeconômicas do mundo atual, marcado por uma nova reestruturação do capitalismo. O objetivo é proporcionar os pré-requisitos necessários para que você com- preenda a geografia econômica contemporânea, que corresponde ao conteúdo da disciplina Geografia Econômica II, ministrada no segundo semestre deste curso. Você está iniciando o estudo de uma das disciplinas mais importantes da Geografia, que permitirá uma compreensão ampliada do mundo em que você vive e o(a) ajudará a tornar-se um(a) profissional qualificado(a) a exercer o magistério, atuando como professor(a) de Geografia no ensino básico. É um período de muito estudo e trabalho intenso, mas que valerá a pena, pois lhe abrirá novos horizontes no estudo do conhecimento geográfico. A estrutura deste livro é formada por duas unidades. A primeira versa sobre a formação do espaço econômico capitalista. Nessa unidade, buscam-se as origens da evolução do capitalismo, pois acredita-se que para compreendero mundo atual é preciso resgatar os fundamentos histórico-geográficos que o sustentam. O mergulho que se faz na história é seletivo. Em primeiro lugar, aborda-se, em especial, o processo histórico-geográfico europeu, porque é na Europa que o sistema capitalista estrutura- se, e é a partir desse continente que ele se expande para os demais. Em segundo lugar, os eventos históricos são desconsiderados em favor de se tentar entender apenas os movimentos conjunturais e estruturais relacionados especificamente aos fatores econômico-sociais do sistema. A unidade dois aborda uma das etapas dessa evolução. Nessa unidade, busca-se compreender como o capitalismo sofreu uma reestruturação no final do século XIX e a influência que ela exerceu para consolidá-lo como um sistema mundial. Você precisa conhecer este processo histórico-geográfico para que possa entender a geografia econômica que se formou a partir dele. O importante é que você aproveite o máximo possível este curso. Todo início é difícil, mas com dedicação e entusiasmo você irá superar esta etapa inicial dos seus estudos e estará preparado(a) a seguir em frente. Espera-se que ao final do curso você possa ser um professor(a) de Geografia preparado(a) para dar continuidade à missão que escolheu ao optar pelo magistério, que é de formar jovens conscientes e capazes de exercer plenamente a cidadania. OBJETIVOS DO FASCÍCULO 1 – Identificar os elementos da crise feudal que contribuíram para o surgimento de um padrão capitalista no espaço geográfico europeu. 2 – Analisar a consolidação do capitalismo como agente fundamental na reestruturação do espaço rural da Europa. 3 – Relacionar as transformações produtivas na indústria européia como fator determinante na organização de um espaço urbano capitalista no continente europeu. 4 – Analisar a formação de uma nova geografia econômica mundial a partir da expansão do capitalismo monopolista europeu. 5 – Descrever o imperialismo como o conceito que permite entender a lógica geográfica do capitalismo monopolista. 6 – Criticar as teorias burguesas de localização como tentativa de explicar a organização do espaço econômico que resulta da consolidação de um capitalismo monopolista. EMENTA As origens do espaço econômico capitalista. O espaço econômico no capitalismo concorrencial e monopolista. O imperialismo e a geografia econômica do capitalismo monopolista. As teorias clássicas de organização econômica do espaço geográfico. pró LICENCIATURA U N ID A D E IFormação de uma nova geografia econômica no Continente Europeu na Idade Moderna ROTEIRO DE ESTUDO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM entender o surgimento de elementos do capitalismo no espaço geográfico europeu; estudar a consolidação do capitalismo no espaço rural e urbano da Europa; compreender a formação da geografia econômica do capitalismo tradicional. Seção 1: A agonia de uma sociedade abalada – a crise feudal Seção 2: Anos de mudanças e transformações: a transição feudal-capitalista e o espaço rural europeu Seção 3: Anos de mudanças e transformações: a transição feudal-capitalista e o espaço urbano europeu Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 12 Para início de conversa Para iniciar nosso trabalho, gostaria de saber se você já parou para pensar como se constituiu uma geografia econômica no continente que marca a origem da nossa sociedade contemporânea.Você já deve ter entendido que estamos nos referindo à Europa, principalmente à Europa Ocidental. Assim, a nova geografia econômica, que vai dar o padrão da organização do espaço econômico até os dias atuais em praticamente todos os continentes, começou como um fenômeno europeu. Trata-se de uma geografia econômica que incorporou os novos padrões econômicos e sociais inaugurados pela era capitalista. O que é fundamental para que você possa entender essa nova geografia é compreender o surgimento dos novos padrões econômico-sociais que se consolidam com o advento do capitalismo. GLOSSÁRIO - Capitalismo - O capitalismo é um novo modo de vida que começou a se formar na Europa, a partir do século XIV. Economicamente, esse modo de vida vai ser definido pela expansão do trabalho assalariado, pela relativa diminuição do número de trabalhadores agrícolas em relação à expansão dos trabalhadores das indústrias, pela diminuição da população que residia no campo em comparação aos novos moradores das cidades, pela expansão da burguesia industrial em detrimento da aristocracia rural. Os elementos econômicos e sociais mais diretamente relacionados com a consolidação do capitalismo no século XVIII surgiram durante a crise do feudalismo. Essa crise foi um fenômeno histórico-geográfico que se abateu sobre a Europa e provocou o início da transição entre o feudalismo e o capitalismo. Os processos histórico-geográficos correspondentes às transições entre sistemas sociais ou modos de produção que se sucedem, caracterizam-se, normalmente, por apresentarem situações bastante complexas, nas quais se podem observar “remanescentes de outras formas de produção, bem com os germes de formas futuras.” (KAUTSKY, 1986, p.13). No caso, os remanescentes são relacionados ao feudalismo; os germes, ao capitalismo. GLOSSÁRIO - Feudalismo – O feudalismo corresponde a um sistema social que predominou na Europa Ocidental no período anterior ao capitalismo. Esse sistema era de base agrária, pois a maior parte da população vivia e produzia no campo. A relação produtiva fundamental ocorria entre os servos e os senhores feudais. Os servos tinham acesso a uma parcela das terras, mas pagavam por isso, normalmente cedendo trabalho ou parte da produção. UNIDADE I pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 13SEÇÃO 1 A agonia de uma sociedade abalada - a crise feudal A crise que se abateu sobre o feudalismo europeu tem seu marco inicial no século XIV. Até esse século, o feudalismo não apresentou conjunturas que significassem condições intransponíveis para a manutenção dos padrões econômicos e sociais que caracterizavam os modos de vida europeus durante muitos séculos. Mas os processos histórico-geográficos são normais em qualquer estrutura ou sistema social e eles indicam um movimento permanente de transformações que afetam a vida de todos nós. Você já parou para pensar nisso? Pense na sua vida e procure lembrar-se de como ela mudou desde quando você “se entende por gente.” Então, você deve refletir também sobre as mudanças que aconteceram no continente europeu, para que possa compreender o mundo em você vive. Veja, a seguir, quais são os aspectos mais importantes dessas mudanças. No feudalismo, a esmagadora maioria da população vivia do cultivo da terra, o que o caracteriza como uma sociedade agrária típica, mas uma parte menor da população habitava nas pequenas vilas, as cidades da época, chamadas de burgo. De qualquer forma, os modos de vida giravam em torno dos padrões de ruralidade e de suas mentalidades. GLOSSÁRIO - Burgo - O burgo, normalmente, era um pequeno povoado, no qual, na maioria das vezes, localizavam-se instituições administrativas, religiosas e comerciais. Em alguns lugares, correspondiam a aldeias, nas quais se erguiam castelos fortificados. Você consegue perceber como seria uma sociedade agrária típica? Procure pensar nisso, pois ajudará você a entender o feudalismo. Comece procurando compreender o que eram os domínios ou feudos, pois se pode afirmar que o espaço rural do feudalismo era caracterizado pela existência desses domínios. Neles havia uma configuração territorial predominante, baseada na divisão das áreas em dois elementos territoriais: 1) A reserva senhorial era uma extensão de terra explorada diretamente pelo senhor, onde ficava a residência dele. Além disso, abrigava também oficinas, celeiros, estábulos, moinhos, pastos, bosques e terra cultivada. 2) A outra área, formada pelo conjunto de mansos, correspondia às pequenas explorações camponesas. Os mansoseram unidades fiscais, pois seus detentores pagavam aos seus senhores pela concessão, fosse em espécie, trabalho, produtos ou serviços. Eles serviam também como unidades de exploração agrícola familiar, como um lote a partir do qual uma família camponesa buscava conseguir sua subsistência. Os mansos eram constituídos de casa, horta, pomares e terra de cultivo. É muito importante você fixar que a posse dos mansos dava direito de acesso aos bosques e pastos e exploração dos mesmos, pois eram de uso comunal. Os trabalhadores rurais que habitavam nos mansos, na sua maior parte, eram servos, pois viviam sobre o UNIDADE I Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 14 regime de servidão. Eles tinham a posse da terra, mas eram terras que pertenciam aos senhores. Esse regime era fundado em obrigações e direitos. Por exemplo, o servo não podia abandonar sua parcela de terra, mas, por outro lado, não podia ser privado desse acesso. Pelo usufruto hereditário do manso, o servo devia duas obrigações principais: pagamento de rendas em produto (espécie) ou em dinheiro ao senhor e prestação de trabalho e favores na reserva senhoril ou diretamente aos senhores. Essa estrutura funcionou de forma satisfatória, pelo menos até o século XIII. É evidente que o modelo descrito apresentou-se com bastantes variações, dependendo dos diversos processos histórico-geográficos regionais. De qualquer forma, para que você atinja o objetivo relacionado à compreensão das origens do capitalismo, é um ponto de partida válido. Mas, como você já sabe, a crise dessa estrutura torna-se inevitável a partir do século XIV e é isso que você vai estudar nesta primeira seção. O século XIV é conhecido como o momento em que se iniciou a crise feudal. Na verdade, desde o século XIII já era possível identificar movimentos que indicavam certo desgaste dessa estrutura. Como estrutura econômica, ela se assentava sobre o processo de exploração do trabalho servil. Os servos trabalhavam para dispor dos recursos mínimos necessários à sobrevivência, mas parte dos seus esforços produtivos resultava em bens que eram cedidos aos senhores feudais. Além disso, os servos trabalhavam diretamente nas terras senhoriais, numa relação chamada de corvéia. Assim, para que a estrutura feudal funcionasse, os recursos vinham do trabalho dos servos, os quais também prestavam serviços diretamente às famílias da nobreza feudal. Silva (1986) destaca a corvéia como relacionada, principalmente, à forma de exploração da “senhoria territorial”, que se baseava não apenas na posse das famílias camponesas, mas também na posse da terra e do solo como meio de produção. O autor afirma que “a principal forma de extração de riquezas se dava sob a forma de corvéias (trabalho compulsório) e do pagamento de parte da produção obtida pelo camponês na terra cedida pelo senhor (pagamento feito em moeda ou em produto, dependendo de época e lugar).” (SILVA, 1986). A riqueza gerada nesta relação era usada para pagar, em grande parte, as despesas dos senhores, clérigos, reis e todos que não trabalhavam diretamente a terra. Ora, um aumento de despesa precisava, necessariamente, ser acompanhado pelo aumento das rendas auferidas por essa classe dominante. Você concorda com essa conclusão? E na nossa sociedade atual, apresenta- se esse tipo de problema? GLOSSÁRIO – Corvéia -Ttrabalho coletivo não-remunerado que os servos deviam aos senhores e que era prestado durante alguns dias do ano nas lavouras, no conserto de estradas e pontes, no transporte de produtos, entre outras atividades. Procure refletir sobre essa questão, porque nos primeiros séculos do segundo milênio d.C. ocorreu o aumento dos gastos necessários para implementar os novos projetos ligados aos segmentos dominantes. Entre esses, podem-se citar as cruzadas, a construção de grandes catedrais, a sofisticação do consumo das elites, etc. Assim, para fazer frente ao aumento de despesas, era necessário aumentar as receitas, ou seja, os recursos que se poderiam arrecadar da população em geral. Os camponeses, os grandes explorados, mostravam-se cada vez mais fragilizados economicamente, pois diminuía o excedente econômico-produtivo que poderia ficar nas mãos desses trabalhadores. Dessa forma, sem reservas e trabalhando no limite dos recursos disponíveis, os trabalhadores rurais e suas famílias tornaram-se “presa fácil” da conjuntura de crise que se instalou na Europa a partir do início do século XIV. UNIDADE I pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 15 GLOSSÁRIO – Cruzadas -Expedições militares organizadas pelos cristãos europeus a partir do século XI e que se sucederam até o século XIII. Lideradas pela igreja católica, as cruzadas aconteceram como movimentos que visavam libertar as terras santas do jugo muçulmano. Você precisa entender que a conjuntura de crise tomou todo o século XIV e deu início a uma longa transição entre o feudalismo e o capitalismo, que, no caso da Inglaterra, primeiro país a apresentar um modo de vida capitalista consolidado, durou até a segunda metade do século XVIII. Os elementos fundamentais da conjuntura da crise feudal do século XIV foram: - as intensas chuvas que se abateram sobre algumas regiões da Europa, entre 1315 e 1317; - o aparecimento de doenças epidêmicas, com destaque para a peste negra, que atingiu seu auge em 1348; - as violentas revoltas camponesas, principalmente na Inglaterra, que era o país que apresentava as maiores transformações, entre 1378 e 1381; - a guerra nacionalista entre Inglaterra e França, denominada Guerra dos Cem Anos (1337-1453). Esses elementos podem ser considerados os que se relacionam com as questões diretamente econômicas e produtivas. As chuvas, em intensidade muito acima da média, devastaram as áreas cultivadas e levaram a uma perda acentuada das colheitas. Com isso, foi interrompido um movimento de queda dos preços dos cereais, resultado de uma sucessão de anos bons, que determinou maior oferta e menores preços. Assim, instalou-se um movimento de carestia, agravado pela crise produtiva, dando origem à chamada “fome européia”, que atingiu inúmeros países, abriu as portas para as doenças epidêmicas e agravou a ocorrência das endêmicas. Nesse contexto, a grande pandemia que se destacou foi a peste negra, que atingiu seu ápice no século XIV, mas se manteve através de ondas epidêmicas por quase todo o período de transição, atingindo praticamente todas as regiões do continente europeu desse período. Com a peste negra, ocorreu uma “fratura demográfica” provocada por um número de mortos extremamente elevado, alcançando índices que podem ter variado de 30% a 40% da população total da Europa, com algumas regiões sendo mais fortemente atingidas. Comparativamente, as cidades sofreram mais diretamente que os campos, pois apresentavam a população concentrada em pequenos espaços, que não possuíam as condições mínimas de infra-estrutura sanitária. A peste não se relacionava com subnutrição, mas se alastrou com facilidade, após a sua transmissão pelo Oriente, em virtude das condições médico-sanitárias precárias. GLOSSÁRIO - Peste Negra – É a peste bubônica ou febre bubônica. Doença muito contagiosa, transmitida ao homem através de picadas de pulgas que se hospedam em ratos. No século XX, tornou-se uma doença passível de tratamento pela substância estreptomicina, um tipo de antibiótico. UNIDADE I Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 16 O impacto foi devastador. A partir de 1348, ano em que as mortes foram especialmente concentradas, a população disponível para o trabalho reduziu-se drasticamente e os salários subiram de forma significativa, em razão da grave escassez de mão-de-obra. O problema da pressão altista sobre os salários foi tão grave que gerou a primeira lei para controlar os aumentos salariais, ainda em 1349, na Inglaterra. Em 1350, na França também surgiu uma ordenação que visava regular o preço da mão-de-obra. Ao contráriodo que acontece nos dias atuais, em que é fixado um salário mínimo, aquelas leis definiam um salário máximo, proibindo, sob pena de prisão, que o empregador pagasse um salário acima do máximo, e a lei era mais rigorosa com quem aceitava receber além do máximo. Um outro elemento importante da crise constituiu-se nas revoltas camponesas. Elas foram mais violentas na Inglaterra, entre os anos de 1378 e 1381, porque era o país onde as transformações mais se intensificaram, o que ocasionou uma insatisfação muito grande entre os camponeses. Pelo menos por duas vezes, Londres foi tomada pelos revoltosos, motivando uma reação extremamente violenta do rei Ricardo II (1377- 1399), que atacou os rebeldes durante as negociações, nas quais os camponeses tentavam retomar os costumes tradicionais de usufruto das terras comunais que permitiam a utilização dos recursos disponíveis como os pastos, açudes, peixes, caça e lenha. Nesse mesmo contexto, o que agravou a situação foi o surgimento das primeiras guerras nacionalistas. A mais importante aconteceu entre dois grandes Estados que buscavam se fortalecer e começavam a valorizar o sentimento de nação que se liga a um determinado território, formando um Estado-nação. O povo que habita esse território sente-se unido através de uma identidade que é partilhada pela maioria da população. Esses dois Estados eram a Inglaterra e a França, que travaram a guerra dos Cem Anos (1337-1453). A guerra contribuiu para o processo de centralização política de ambos os países, o que significou a retomada de poderes pelos soberanos, em detrimento dos poderes locais e regionais dos senhores feudais. Mas, antes de tudo, a guerra agravou a conjuntura de crise, através dos seguintes elementos: - aumentou a mortalidade e o despovoamento de inúmeras regiões, piorando a crise de mão-de-obra; - agravou a perda de colheitas e rebanhos e, destarte, a fome; - acelerou as mudanças nas relações sociais, enfraquecendo o instituto da servidão; - favoreceu a mobilidade social, gerando o empobrecimento de muitos, mas permitindo que outros enriquecessem; - agravou a situação fiscal das monarquias, que passaram a buscar empréstimos junto aos banqueiros italianos, o que gerou inflação e desvalorização monetária. Tudo isso ajudou a formar a conjuntura da crise feudal, indicando que a estrutura social, que se reproduzia satisfatoriamente há séculos, começava a apresentar abalos que afetavam o seu dinamismo. Esses abalos indicavam que as transformações começavam a acontecer, porque os padrões normais de reprodução social da estrutura feudal já não conseguiam se manter. UNIDADE I pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 17 Neste ponto, surge uma grande questão sobre a qual você deve refletir: quais foram os novos elementos sociais que indicavam os rumos que tomaria a longa transição para uma nova estrutura social? Na próxima seção, você irá estudar os aspectos principais ligados a tal questão. SEÇÃO 2 Anos de mudanças e transformações: a transição feudal-capitalista e o espaço rural europeu Como você estudou, os elementos básicos da estrutura social, que juntos formavam o corpo sobre o qual se sustentava o feudalismo, apresentavam, cada um deles, problemas difíceis de serem superados. Com isto, esses elementos começaram a ser substituídos por outros, os quais significaram os germes de uma nova estrutura. Reunidos, os novos elementos formavam um conjunto que indicaria o “pontapé” inicial de uma transição social que só terminaria com a consolidação de uma nova estrutura social chamada capitalismo, denominação predominante até os dias atuais. Na verdade, a grande transição deve ser vista reunindo os diversos processos histórico- geográficos que deram características diferentes às transições específicas a países e regiões da Europa. Você deve refletir, a partir deste ponto, sobre os novos elementos econômicos e sociais que inauguraram uma nova conjuntura, os quais foram, basicamente, os seguintes: - os cercamentos (enclousures) das terras comunais, provocados pela reação senhorial, que impedia o acesso dos camponeses aos recursos existentes nessas áreas; - o surgimento da segunda servidão; - o crescimento do trabalho assalariado e dos arrendamentos de terras no campo; - a consolidação de uma burguesia rural formada por ex-camponeses; - a especialização produtiva voltada para o mercado. Você já deve ter percebido que, nos processos histórico-geográficos, nenhum elemento pode ser pensado isoladamente. Assim, quando aludimos à noção de UNIDADE I Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 18 conjuntura, buscamos enfatizar o caráter integrado com o qual os elementos se manifestam nesses processos. No entanto, não se pode analisá-los de forma didática, a não ser considerando-os individualmente. Você deve começar refletindo sobre os cercamentos, que, sem dúvida, constituíram-se no elemento mais importante daquela conjuntura. Procure recordar a referência feita às terras comunais no espaço rural feudal. Você viu que nos domínios ou feudos, havia uma divisão em duas grandes áreas: as terras exploradas diretamente pelos senhores feudais e um conjunto de pequenos lotes que eram explorados, cada um deles, por uma família de camponeses. Como os terrenos das famílias camponesas eram pequenos, a sobrevivência dependia também dos recursos que elas podiam conseguir nas chamadas terras comunais, nas quais se localizavam os bosques que forneciam alimentos e lenha, os pastos que alimentavam as criações e as fontes de água. É fácil perceber que o acesso a esses recursos era indispensável aos camponeses, pois eles não contavam com isso nos seus pequenos lotes, os quais eram reservados para produção agrícola tanto para o consumo familiar quanto para pagar as rendas em espécie definidas conforme os costumes locais. Os cercamentos correspondiam à apropriação privada pelos senhores das terras comunais. Em outras palavras, os senhores passaram a proibir aos servos o acesso aos recursos contidos em tais terras, porque tinham interesse em ampliar a exploração direta que já faziam em outras áreas, incorporando terras que antes dividiam com os camponeses. O que deu um caráter absolutamente devastador sobre o meio de vida dos servos foi a opção de uso principal que levava a esmagadora maioria dos senhores a assumir o papel de grandes proprietários de terras. Na Inglaterra, os senhores ampliaram as criações de ovelhas, que, como praticamente todo o tipo de criação animal, não necessitava de muita mão-de-obra, mas de uma quantidade cada vez maior de terras. Com isso, tornou-se vantajoso expulsar os camponeses e fazer a exploração produtiva direta das terras comunais. Você deve ter percebido que, neste novo contexto, os camponeses não conseguiam sobreviver da exploração dos seus pequenos lotes, como também não havia empregos nas novas fazendas; só restando, a muitos, o êxodo rural, o abandono do campo e a busca de novas formas de sobrevivência. A opção era partir para outras regiões e cidades, mas muitos engrossaram os ”exércitos” dos revoltosos ou dos bandos de salteadores que assolavam as estradas da época. Outros optaram pela mendicância ou pela prática de diversos crimes. Esse grande êxodo rural, gerado pela falta de opções produtivas para uma massa enorme de ex-servos, tornava-se cada vez mais grave nas décadas que se seguiram. O resultado foi o surgimento das chamadas Leis dos Pobres, que se sucederam desde o final do século XV até o século XIX, na Inglaterra e em outros países da Europa. Essas leis buscavam manter o controle sobre as multidões dos excluídos dos espaços produtivos rurais e que não conseguiam encontrar outras ocupações econômicas. Quando se perdia o controle, partia-se para a repressão pura e simples. GLOSSÁRIO – Êxodo Rural – Migração da população moradora das áreas rurais em direção às cidades. Esse movimento populacional tem sido, ao longo dos últimos séculos, o grande causadorda chamada urbanização, que gerou a concentração da população nas cidades. UNIDADE I pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 19 Saiba mais Para entender melhor esses fatos, sugerimos a leitura do texto “Legislação sanguinária contra os expropriados”, um dos mais famosos capítulos do livro “O Capital” (1867), a principal obra de Karl Marx. Karl Marx produziu uma obra intelectual das mais influentes, dedicada às origens e evolução do capitalismo. Denominam-se marxistas os estudiosos que se baseiam nesta obra para produzir os seus trabalhos. Para começar a conhecer as propostas marxistas, sugerimos os livros que tratam da história do pensamento econômico, em especial o de Hunt, E. & Sherman, H(1990). No capítulo citado anteriormente, Marx descreve a acumulação primitiva de capital que teria ocorrido antes da consolidação do capitalismo. Ele destaca, por exemplo, um item da lei que vigorava em 1572, na Inglaterra, no reinado de Elizabeth I: “os mendigos sem permissão e maiores de 14 anos deverão ser severamente açoitados e marcados com ferro em brasa na orelha esquerda, se ninguém quiser tomá-los a seu serviço durante dois anos. Em caso de reincidência, os maiores de dezoito anos deverão ser executados se ninguém quiser empregá-los durante dois anos. Mas na terceira vez, serão executados sem misericórdia como traidores.” (MARX, 1989, p.61-62). Mesmo após milhares de execuções todos os anos na Inglaterra, a criminalidade não arrefecia, pois, segundo um observador da época que é destacado por Marx (1989), os punidos não eram responsáveis nem pela “quinta parte dos crimes cometidos, graças à negligência dos juízes de paz e a estúpida compaixão do povo”. Na verdade, não havia, de forma efetiva, meios de se ganhar a vida honestamente que pudessem atender a toda a população desalojada dos campos naquela época, mas se cobrava mais e mais repressão. Dicas para sala de aula Professor(a), você pode trabalhar o tema do êxodo rural e suas conseqüências sociais através de uma comparação entre o que sucedeu na Inglaterra nos últimos cinco séculos e com o Brasil nas últimas cinco décadas. Assim, você pode levar os alunos a refletirem sobre a seguinte questão: quais são as semelhanças e diferenças entre o êxodo rural que aconteceu na Inglaterra e o que ocorreu no Brasil?. UNIDADE I Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 20 Enquanto isso, os campos eram povoados de ovelhas, visando à produção de lã, produto valorizado no comércio internacional e que garantia os lucros monetários indispensáveis à nova economia. O mercado capitalista que começava a ser montado dependia da moeda como um elemento indispensável para intermediar as trocas. A riqueza passa a ser algo que dependia antes de tudo da posse da moeda, pois ela materializa a realização dos lucros. Não adiantava ter terra, sem ter renda monetária. É assim que as terras, antes reservadas ao usufruto das comunidades, passaram a ser de exploração individual. Esse processo altera totalmente a organização do espaço rural, transformando as fazendas em empresas produtivas e comerciais de tipo mercantil, pois a produção era dirigida para o mercado. Tratava-se, inegavelmente, do surgimento de uma empresa capitalista no campo. Isso pressupunha uma nova definição contratual da propriedade privada de caráter individual, o que modificava completamente a forma de apropriação do solo produtivo que predominava no sistema feudal. Começava assim a apropriação produtiva do espaço rural nos moldes capitalistas, num processo histórico-geográfico que tomaria características específicas de acordo com cada país e região. A partir da Inglaterra, ele se expande pela Europa Ocidental. Através dos emigrantes europeus que vão se espalhar por diversos continentes, em especial na América do Norte, surge um padrão capitalista bem marcado na ocupação dos espaços rurais. Sem dúvida, os cercamentos foram o processo mais importante daquela conjuntura e estão na raiz do que denominamos de especialização produtiva voltada para o mercado. Isso significava uma forma de cada região ou país se especializar em algum segmento da produção agroindustrial, em que ele se mostrava mais competitivo, em virtude de vantagens comparativas que lhe eram favoráveis em relação a outros países e regiões. Por exemplo, os produtores ingleses preferiam a criação de ovelhas porque conseguiam produzir a melhor lã. Países como a Dinamarca e a Noruega também se especializaram na criação, mas voltada para a produção de carnes salgadas e laticínios, principalmente a manteiga. A Toscana (Itália) especializou-se em plantas industriais, notadamente as tintoriais. Regiões da Alemanha tornavam-se produtoras de corantes, linhos e vinhos, bebida que também marcava algumas regiões de Portugal e da França. Novos estudos indicam que, na maior parte dos casos, essa especialização produtiva foi posterior a algum tipo de cercamento que transformava o solo em mais um meio de produção capitalista. (SILVA, 1986). Para você, é importante entender que a especialização produtiva contribuiu para o surgimento de uma nova geografia econômica, pois gerou regiões econômicas diferenciadas, já que cada produto tem seu padrão produtivo, com regras territoriais próprias. Com o país ou região se especializando em poucos produtos, intensifica-se a necessidade de trocas, e as regiões buscam, no mercado internacional, aquilo que não produziam, enquanto ofereciam ao mesmo mercado, o que produziam. A esse processo, a teoria econômica marxista chamou de divisão social do trabalho ou, como preferem alguns geógrafos marxistas, divisão territorial do trabalho. Para esses teóricos, trata-se do mecanismo que gera a regionalização no capitalismo, com as regiões tomando as características que lhe são reservadas pela lógica produtiva do sistema. Uma especialização produtiva que merece um comentário especial foi a que aconteceu a leste do Rio Elba, na Europa Oriental. Nas planícies que abrangem UNIDADE I pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 21 territórios das atuais Alemanha e Polônia, e, posteriormente, da Rússia e países bálticos, expandiu-se uma agricultura voltada para a produção de cereais, principalmente o trigo, visando à exportação para os países da Europa Ocidental. Esse processo não aconteceu através da dissolução da servidão, mas, justamente, a partir do reforço dos laços feudais. Os grandes fazendeiros alemães e poloneses procuraram intensificar a exploração de suas terras recorrendo a uma relação social – servidão – que, como você já estudou, estava em dissolução na Europa Ocidental. Tal processo ficou conhecido como a segunda servidão. A servidão na Rússia, por exemplo, só vai terminar com a Revolução Socialista de 1917. No entanto, na Europa Ocidental, a servidão estava em decadência e dava lugar a outras relações de trabalho, como o assalariamento e o arrendamento que cresciam bastante no campo. Na exploração rural, os diferentes produtos requerem padrões produtivos diversos. Alguns demandam mais mão-de-obra, outros menos. Alguns precisam de mão-de-obra de forma concentrada em certos momentos da produção, outros não apresentam picos tão marcados. Assim, o produto que exige mão-de-obra de uma forma regular durante todo o ciclo produtivo pode favorecer a utilização de assalariamento. Por outro lado, produtos que demandam muita mão-de-obra, mas de forma sazonal, podem favorecer a utilização dos arrendamentos, que levam as famílias dos arrendatários a se localizarem nas próprias terras que estão sendo exploradas, gerando força de trabalho concentrada que pode ser mobilizada nos momentos de maior demanda de braços, como as fases de plantio e colheita. Na conjuntura da crise feudal, com a falta de mão-de-obra, o trabalho assalariado tornava-se mais procurado, mas passa a ser regulado por leis que vão tentar mantê-lo em níveis vantajosos para os empregadores. Inicia-se, então, uma lutaentre patrões e empregados, relacionada ao preço da mão-de-obra. Os patrões, apoiados em leis repressivas, venceram a luta até meados do século XIX, quando se transformou em direito dos trabalhadores a organização sindical e a utilização das greves como forma de lutar por melhores salários e condições de trabalho (MARX, 1989). Todo esse processo foi mais importante nas cidades do que na zona rural. No campo, os arrendamentos foram mais comuns na Europa Ocidental e geraram o aparecimento de um elemento fundamental no período de transição, que foi o burguês rural. A burguesia rural surge do sucesso econômico de muitas explorações produtivas que se voltam para atender às demandas do crescente mercado capitalista de produtos agropecuários, resultado da especialização. Entre esses bem-sucedidos capitalistas rurais, não estavam apenas os grandes fazendeiros, que expulsaram seus servos e passaram a explorar individualmente suas terras, mas também antigos camponeses, que arrendaram terras de senhores feudais arruinados e conseguiram acumular capital, favorecidos pelas qualidades de alguns solos, pela localização privilegiada de algumas terras ou por contratos de arrendamentos com pagamentos corroídos por uma inflação crescente que atingiu alguns países e regiões. Essa burguesia rural, formada por grandes, médios e pequenos produtores, contribuiu para consolidar a apropriação privada das terras, mudando a organização do espaço rural europeu de um modelo feudal, onde a propriedade era mitigada pela posse e o usufruto coletivo das terras, para um modelo capitalista, no qual se aboliu qualquer uso comunal das terras em favor da exploração individual. UNIDADE I Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 22 GLOSSÁRIO – Burguesia – Denominação dada ao conjunto dos proprietários dos meios de produção, no capitalismo. Esses proprietários são os empresários ou capitalistas, os quais, para os marxistas, dominam as relações econômicas e sociais do sistema, o que os transformam em classe social dominante, em detrimento da classe social dominada, formada pelos não-proprietários dos meios de produção, também chamada de proletários. Você constatou que, com todos esses novos elementos, estão lançadas as bases de um espaço rural de tipo capitalista, no qual se tornam fundamentais a existência de empresas rurais especializadas, administradas em moldes capitalistas, e formas não- servis de relações sociais, como o assalariamento e os arrendamentos. Esses novos elementos surgiram através da apropriação privada das terras comunais e tiveram como principal conseqüência, na Europa Ocidental, a decadência da aristocracia feudal, substituída pela burguesia rural. Na Europa Oriental, o processo foi diferente: a exploração mais intensa das terras dependeu do reforço dos laços feudais, através da intensificação da servidão (segunda servidão). Mas as transformações que acometeram a Europa não foram exclusivas do espaço rural, pois atingiram também as cidades ou os espaços urbanos. Você poderá analisar essas transformações urbanas na próxima seção. SEÇÃO 3 Anos de mudanças e transformações: a transição feudal-capitalista no espaço urbano da Europa Até agora, você conheceu as transformações que afetaram o espaço geográfico feudal, no seu espaço rural e entendeu como ele foi assumindo as características capitalistas. A partir desta seção, você verificará as transformações econômicas ocorridas no espaço urbano. Você concorda que ao estudar a estruturação da geografia econômica do mundo capitalista, abordando os elementos internos das transformações ocorridas no primeiro continente no qual essa estruturação se consolidou, constata-se que as mudanças nasceram, em grande parte, de contradições internas das diversas sociedades européias? Você concorda também que essas sociedades podem ser vistas como diferentes nações, regionalmente caracterizadas, que desenvolveram vários processos histórico- geográficos, mas todos eles inseridos no contexto de transformação que envolveu o continente europeu? Não se preocupe em responder ainda. Antes reflita bastante e acompanhe o que será abordado a seguir, em que estas questões gerais são enfocadas a partir de questionamentos específicos. QUAIS SÃO AS TRANSFORMAÇÕES QUE ATINGIRAM O MUNDO DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL? UNIDADE I pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 23 Você que vive numa civilização mercantil e trabalha de uma forma especializada, normalmente permanece muito distante do processo produtivo efetivo das mercadorias que consome e não pensa muito nesse processo. É certo que você não está sozinho, pois a maioria das pessoas nunca se preocupou com isso. Mas, de qualquer forma, você deve tentar refletir um pouco sobre o processo de produção de mercadorias. Pense sobre isto: o que acontece, efetivamente, quando se produz uma mercadoria? Ao se analisar a produção de uma tábua, pode-se afirmar que primeiro uma árvore foi derrubada e depois o seu tronco foi serrado para produzir várias tábuas. Assim, uma matéria-prima inicial (a árvore) sofreu a ação humana, potencializada pela ajuda de máquinas e ferramentas, permitindo a criação de um produto final, no caso, a tábua. Esse produto pode ser a matéria-prima básica para uma série de outros produtos, cuja matéria-prima inicial é a madeira. Podemos citar como produtos derivados da madeira: os móveis, os pregadores de roupas, os cabos de vassouras, as urnas funerárias (caixões), entre outros. Há alguns produtos que muitos desconhecem e que podem ter as árvores como matéria-prima inicial. É o caso do papel e papelão. É isso mesmo, o papel deriva da madeira. Por isso afirma-se que reciclar papel usado para produzir papel novo, evita a derrubada de árvores. Nesse ponto, você deve pensar sobre mais uma questão: desde quando o homem é capaz de transformar uma matéria-prima em um bem ou produto que possa ser utilizado por ele mesmo? Os estudos e pesquisas indicam que faz bastante tempo. Os homens primitivos lascavam rochas, pegavam pedaços dessas rochas que apresentassem uma forma de “machadinha”, amarravam esses pedaços de rochas em galhos de árvores e acabavam criando um bem que poderia servir para caçar ou atacar seus inimigos. Da mesma forma, começaram a produzir vestimentas a partir da pele de animais. Como também canoas, utilizando troncos de árvores. Assim, parece estar confirmado que, realmente, faz muito tempo que existe atividade artesanal, manufatureira ou industrial nas comunidades humanas. Mas é evidente que a produção de bens evoluiu muito desde a época das cavernas. Deve-se destacar que a produção de bens, durante muitos séculos, foi feita, predominantemente como uma atividade doméstica, pois era realizada como um trabalho ligado à vida das famílias, que produziam bens para serem consumidos diretamente pelos seus membros ou para serem utilizados também pelos trabalhadores familiares na produção de outros bens. É evidente que em alguns lugares e em determinados momentos, escravos e servos também trabalhavam para outros e não propriamente para suas famílias. Mas o importante aqui é que a maior parte da produção era para o autoconsumo: o bem produzido não era uma mercadoria, não havia alguém lucrando com aquela produção. De qualquer forma, sempre houve produtores especializados que viviam dos bens que fabricavam e vendiam. Assim viviam os ferreiros, os carpinteiros e os artesãos. Nos campos, os camponeses, na sua grande maioria, produziam quase tudo que consumiam, nos moldes do que se denominou de indústria doméstica, porque fabricavam nas suas residências suas roupas, móveis, calçados e ferramentas e pode-se afirmar também que conseguiram avançar muito na produção de bens que estão na base da atual indústria alimentícia. Isso porque, em muitas regiões da Europa, o inverno é muito longo e rigoroso. São mais de seis meses por ano nos quais o solo permanece coberto por neve. Não há como cultivar muitos tipos de alimentosnesse período. Com isso, houve necessidade de produzir alimentos que pudessem ser conservados para que fossem consumidos no inverno. Assim, surgiram os salames, presuntos, carnes UNIDADE I Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 24 salgadas, conservas de legumes e verduras e as compotas de frutas. Os descendentes de alemães, italianos, poloneses, entre outros, que vieram para o Brasil, trouxeram essa tradicional indústria doméstica e a desenvolveram nas colônias rurais que aqui implantaram. Dicas para sala de aula Professor(a), procure levar seus alunos a pesquisar sobre a existência desse tipo de produção nas colônias agropecuárias dos municípios que são tipicamente rurais. Os alunos poderão entender a origem de atividades que são muito comuns entre os colonos do sul do Brasil. E A PRODUÇÃO ARTESANAL? COMO EVOLUIU? A produção manufaturada com objetivo comercial, como um sistema corporativo, começou ainda na Idade Média ou, como se prefere denominar, no feudalismo. Esse sistema, também chamado de indústria artesanal corporativa ou sistema artesanal tradicional, era totalmente controlado por mestres artesãos e suas famílias, os quais detinham a direção de todas as etapas do processo produtivo, desde a compra da matéria-prima, passando pela produção em si, até chegar à comercialização, que também era reservada ao próprio artesão. Esse sistema perdurou de forma equilibrada durante muitos séculos, nos quais a demanda manteve-se em padrão regular. Até porque uma boa parte do que se produzia era voltado para o mercado de luxo e atendia a uma demanda restrita às elites. GLOSSÁRIO – Sistema Corporativo – A base desse sistema eram as corporações de ofício, que correspondiam a associações profissionais de artesãos, como sapateiros, alfaiates, ferreiros, etc. Essas associações tinham normas rígidas para controlar o exercício profissional. O sistema, embora de origem medieval, progrediu muito no período de transição do feudalismo ao capitalismo, quando dominou o intervencionismo estatal mercantilista, típico do Estado absolutista. Saiba mais Você deve procurar pesquisar em livros de História os termos Mercantilismo e Absolutismo. Isso é necessário porque, no período de transição do feudalismo para o capitalismo, esses fenômenos histórico-geográficos foram muito importantes. Para os UNIDADE I pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 25 interessados na geografia econômica européia, o que importa é o significado econômico desses elementos no período de transição feudal-capitalista, o que é possível perceber na seguinte citação: “Em suma, o Estado Moderno Absolutista, para manter o equilíbrio social sobre o qual se fundava, precisava sustentar a nobreza decadente, necessitando para tanto de recursos, daí o mercantilismo; dessa maneira, porém, provocava a ruptura do equilíbrio e comprometia sua própria existência. O mercantilismo foi, assim, a força e a fraqueza do Estado Moderno.” FRANCO JR; PAN CHACON, 1986). Mas essa realidade mudou após a crise dos séculos XIV e XV. Como você já estudou, a crise gerou o êxodo rural, levando uma boa parte da população das áreas rurais a se deslocar em direção às cidades. A população que deixou os campos não tinha mais condições de produzir para seu autoconsumo uma infinidade de produtos ligados à indústria doméstica. Assim, intensificava-se a procura por produtos manufaturados, resultando na expansão de um mercado capitalista que começava a se formar. Você já deve ter compreendido que os momentos de pressão sobre estruturas que se mostram superadas são os grandes momentos de mudanças. E no que se refere à produção de mercadorias não foi diferente. Surgiram novos sistemas de produção manufatureira, como você poderá estudar a seguir. COMO SE PASSOU DO SISTEMA MANUFATUREIRO DOMÉSTICO AO SISTEMA FABRIL? O sistema manufatureiro doméstico é a tradução para o português da denominação inglesa “putting out system” ou “domestic system”. Esse sistema surge do interesse de alguns comerciantes em atenderem à demanda crescente por produtos manufaturados. Os comerciantes lutaram contra o controle da produção artesanal que era exercido pelo sistema corporativo e pelo Estado, o qual também passou a interferir cada vez mais neste sistema, como era próprio das políticas econômicas mercantilistas que dominavam a administração da economia ligada ao absolutismo europeu predominante no período de transição feudal – capitalista. No sistema doméstico, o produtor permanecia trabalhando nas suas oficinas ou ateliês residenciais, mas trabalhava para atender às encomendas recebidas dos comerciantes, os quais lhe forneciam as matérias-primas e faziam a comercialização da produção. Esse sistema permitiu furar o bloqueio mantido pelo sistema corporativo, mas não possibilitou o controle efetivo do processo pelo comerciante, que, no caso, era uma espécie de protótipo do burguês ou capitalista industrial. Mas você deve refletir sobre a seguinte questão: como o comerciante poderia controlar todo o processo produtivo, impedindo que o produtor, que trabalhava na sua residência, pudesse desviar matéria-prima ou não se dedicar integralmente ao trabalho? A solução veio com as fábricas. As fábricas permitiram concentrar os trabalhadores num ponto, propiciando que o comerciante, transformado com as fábricas em industrial, pudesse controlar completamente todo o processo produtivo. Reunindo UNIDADE I Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 26 os trabalhadores sob sua autoridade, o capitalista pôde dirigir o processo produtivo de acordo com seus interesses: determinando a carga horária que o produtor tinha que cumprir; controlando a dedicação do trabalhador ao trabalho; regulando o padrão tecnológico utilizado na produção; controlando fraudes ou sabotagens; criando um padrão disciplinar e hierárquico na administração da fábrica. (DE DECCA, 1993). Com isso, o capitalista industrial aumentou a produção e a produtividade até o limite da exaustão e da resistência dos trabalhadores, os quais, no sistema fabril, tornaram-se, de forma definitiva operários, ou, como preferem os marxistas, proletários. Para os marxistas, os proletários são trabalhadores não-proprietários dos meios de produção, que se transformam em mera força de trabalho, permitindo a consolidação do capitalismo como sistema produtivo e social. O sistema fabril, que surgiu na Inglaterra em meados do século XVIII, criou uma relação de trabalho entre os capitalistas e proletários, que se transformou em uma relação social, vista como claramente capitalista, pois opõe, de um lado, proprietários dos meios de produção (empresários) e de outro, a força de trabalho (proletários). POR QUE O ESPAÇO PRODUTIVO DO CAPITALISMO CONCORRENCIAL É O RESULTADO DE LENTAS TRANSFOR- MAÇÕES? Você percebeu que se atingiu um ponto importante que precisa ser bem analisado. Pode-se resumir esse ponto na seguinte questão: como essa evolução produtiva que resultou na consolidação do sistema fabril nos países mais adiantados da Europa Ocidental influenciou na estruturação de uma geografia econômica capitalista? As primeiras fábricas empregavam muitos trabalhadores e a concentração destas fábricas gerou grandes aglomerações de trabalhadores fabris e de suas famílias. Isso aconteceu em algumas cidades, que passaram a ser conhecidas como cidades industriais. A atração que essas cidades passaram a exercer sobre a população que buscava trabalho foi muito grande, determinando um crescimento populacional explosivo. Inicialmente, isso foi muito marcante na Inglaterra, mas, a partir da segunda metade do século XVIII, gerou a eclosão de uma Revolução Demográfica, que causou preocupação ao pastor e economista Thomas Robert Malthus. Com a expansão da Revolução Industrial, o mesmo processo de crescimento da população das cidades (urbanização) alastrou-se por outros países. Saiba mais Malthus, Thomas Robert (1766-1834). Economista inglês. No seutrabalho Essay on the Principle of Population (1798), chama a atenção para o fato de que o aumento da população ocorre, se não é controlado, em uma progressão geométrica, enquanto os meios UNIDADE I pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 27 de subsistência crescerão apenas em progressão aritmética. Uma vez que a população humana tende a crescer mais rapidamente que a produção de alimento, precisa ser eventualmente reduzida pela guerra, doenças e fome. Malthus pedia a urgente proibição dos casamentos ou seu adiamento como uma política social responsável, no seu Principles of Political Economy (1820) http://www.cobra.pages. nom.br/fm-malthus.html. Dicas para sala de aula Professor(a), procure levar seus alunos a relacionar esse fenômeno histórico-geográfico com a realidade atual das nossas médias e grandes cidades. Destaque o crescimento das grandes cidades, enquanto as áreas rurais e as pequenas cidades têm suas populações cada vez mais reduzidas. Algumas fábricas da primeira fase do sistema fabril eram imensas e abrigavam uma população operária que, em muitos casos, chegava a milhares de operários. A entrada e a saída dos operários geravam um movimento intenso de pessoas e uma efervescência humana em todas as cercanias do prédio. Muitas cidades brasileiras ainda têm fábricas como essas: imensas e de construção sólida, mas a maior parte delas encontra-se desativada. Na sua cidade existem ainda essas antigas fábricas? Caso não existam, você conhece algum local em que elas ainda permanecem? Dicas para sala de aula Professor(a), leve seus alunos a verificarem se existem fábricas antigas ou prédios nos quais elas estavam instaladas, solicitando aos alunos que pesquisem sobre elas e sobre antigos ou atuais operários que podem ter trabalhado nessas fábricas. As cidades industriais, altamente concentradoras de população, aparecem no espaço geográfico de padrão capitalista, tornando-se um elemento fundamental na geografia econômica capitalista. A convergência da população gerava grande aumento do consumo, abrindo oportunidades na área comercial e de prestação de serviço. UNIDADE I Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 28 Assim, concentravam-se também nestas cidades inúmeros estabelecimentos comerciais, financeiros e administrativos, os quais davam um dinamismo produtivo e econômico significativo às cidades industriais. É evidente que essas cidades passaram a atrair e concentrar uma numerosa população que não conseguia se inserir no mercado de trabalho e vivia em condições econômicas precárias. Mas a pobreza e a miséria não acompanhavam apenas os não- integrados ao mercado de trabalho, porque mesmo os que tinham emprego nas fábricas não estavam em muito melhor situação, já que os salários eram extremamente baixos, a carga de trabalho elevadíssima e não havia nenhum tipo de proteção social à população em geral e aos trabalhadores em particular. As precárias condições de vida da população trabalhadora da primeira fase da revolução industrial foram, sem dúvida, um dos marcos do início da era industrial. Longa e violenta foi a luta empreendida pelos trabalhadores para conseguir melhorias nas suas condições de trabalho. O espaço produtivo do capitalismo consolida-se a partir da expansão do sistema fabril. O resultado é uma espacialidade que se torna característica desse capitalismo e que foi descrita por Cunha (1998, p. 100): “A espacialidade tradicional do capitalismo é aquela das concentrações espaciais do capital e do trabalho, dos desequilíbrios regionais, das migrações desterritorializantes, da degradação sócioambiental das periferias das cidades, do urbanismo segregador, da involução das pequenas cidades, da modernização predatória do campo, e é assentada nela que se reproduz o sistema”. Inicialmente, as concentrações de capital e trabalho materializaram-se nas cidades industriais, nas quais se localizavam as fábricas. Essas concentrações geravam a acumulação de riqueza, através dos lucros da produção, nas mãos dos empresários. Da mesma forma, ocorria a aglomeração da população trabalhadora, submetida aos baixos salários e às ondas de desemprego determinadas pelas crises cíclicas do capitalismo. Como as alternativas no campo não eram melhores, os trabalhadores engrossavam os grandes contingentes populacionais que transformaram a geografia da população da Europa, através de um êxodo rural significativo, surgindo cidades cada vez mais populosas, o que foi classificado como o grande movimento de urbanização relacionado às sociedades industriais contemporâneas. Nesse contexto, essas cidades tornaram-se pontos de concentração de riqueza e miséria, como as duas faces distintas da mesma moeda. Benko (1996, p. 59) resumiu essa condição do capitalismo, ao afirmar que “a aglomeração (...) foi e continua sendo a primeira condição do mercado capitalista.” É importante que se destaque esse aspecto do sistema, porque ele é decisivo para entender a geografia econômica do capitalismo: O resultado foi o surgimento de aglomerações populacionais em pontos e áreas bem específicas do espaço. A lógica concentracionista manifesta-se também nos pontos de aglomeração, basicamente as cidades onde as empresas industriais, comerciais e de serviços têm seus territórios e vias. Toda essa espacialidade resulta de uma poderosa força centrípeta, desencadeada por um padrão científico, tecnológico, produtivo e organizacional, que, num primeiro momento era europeu, mas internacionaliza-se de forma decisiva, a partir do século XIX, em bases monopolistas que predominam até os dias atuais. (CUNHA, 1998, p. 101). Nessa citação, o autor desloca o fenômeno da concentração econômico- populacional do espaço geográfico para os espaços específicos das cidades e dos campos. Nas cidades capitalistas, o espaço é hierarquizado de acordo com a própria racionalidade UNIDADE I pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 29 econômico-social do capitalismo, que produz as zonas industriais, as vilas operárias, os “jardins” das classes médias e das elites, os centros comerciais e financeiros e os espaços de exclusão das grandes, médias e pequenas cidades, os quais são as “periferias” centrais ou distantes, que a espacialidade capitalista reserva aos excluídos. Esses espaços, segundo Cunha (1998, p. 103), transformam-se, cada vez mais, de cinturões verdes em “cinturões vermelhos” (de sangue mesmo), “territórios da pobreza, da criminalidade e da degradação socioambiental em geral”. Mas há outra questão importante que se deve analisar na última citação destacada. Você deve refletir sobre o que o autor quer dizer ao se referir ao padrão socioespacial dominante no capitalismo concorrencial, “que, num primeiro momento era europeu, mas internacionaliza-se de forma decisiva, a partir do século XIX, em bases monopolistas que predominam até os dias atuais”. Essa afirmação refere-se ao processo de evolução da geografia econômica capitalista. Pode-se dizer que a primeira fase do capitalismo foi a concorrencial e gerou a geografia econômica que se analisou até aqui, em suas linhas gerais. No entanto, nas últimas décadas do século XIX, a geografia econômica capitalista começou a se alterar. As mudanças aconteceram impulsionadas por uma nova lógica geoeconômica que se impôs ao sistema. Trata-se do padrão monopolista, que começa a se manifestar também na Inglaterra em meados do século XIX. Aos poucos, alastra-se para os outros países europeus de capitalismo mais avançado, mas só vai tomar a sua forma característica nos Estados Unidos da América, no final do século XIX e início do século XX, quando começa a se configurar a hegemonia americana frente ao domínio inglês. São essas transformações que resultam num novo padrão estrutural do sistema que você irá estudar na próxima unidade. Você está preparado(a) para avançar nos seus estudos, porque, na unidade I, abordou-se inicialmente a crise do sistema feudal, quandose buscou identificar os elementos econômico-sociais que surgiram e que indicavam as transformações que ocorriam nesse sistema, mas, principalmente, anunciavam o surgimento de outro, que passou a ser denominado de capitalismo. Na seção 2, você estudou as transformações no espaço rural da Europa e, na seção 3, as mudanças localizadas no espaço urbano. UNIDADE I Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 30 Atividades Atividades de auto-avaliação: Seção 1 Você conseguiu verificar que foram diversos os elementos histórico-geográficos que contribuíram para formar a conjuntura de crise e agravá-la cada vez mais. Procure enriquecer seus conhecimentos, através de leituras, vídeos e pesquisas na internet. Seção 2 Você deve procurar refletir sobre as transformações que atingiram o espaço rural europeu, elaborando um texto sobre o que julgou mais interessante no que foi abordado até este ponto. O texto deve ter no máximo trinta linhas. Seção 3 Você deve procurar refletir sobre as transformações econômicas que ocorreram no espaço urbano da Europa, no período de transição entre o feudalismo e capitalismo, elaborando um texto sobre o que considerou mais interessante. O texto deve ter no máximo trinta linhas. UNIDADE I pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 31 Anotações __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ UNIDADE I pró LICENCIATURA U N ID A D E II Geografia econômica capitalista monopolista: uma nova globalização na Idade Contemporânea Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 34 Para início de conversa O capitalismo, consolidado como um novo modo de vida na Europa em meados do século XIX, mantém sua dinâmica de transformação. As mudanças indicam um novo padrão espacial da economia, no qual as linhas gerais da geografia econômica estruturada na Europa vão se expandir pelos diversos continentes, reorganizando o espaço geográfico dos territórios nacionais e coloniais abrigados nos grandes espaços continentais. O sistema mundial daí resultante terá uma nova lógica fundada numa divisão internacional do trabalho, encaminhando a organização dos territórios para uma estrutura consolidada em espaços centrais e periféricos. Os territórios nacionais centrais são os países detentores de importantes parques industriais e amplos setores comerciais e financeiros, exportadores de bens industriais, capitais e competências tecnológicas e organizacionais, adaptados às novas condições capitalistas. Os territórios nacionais e coloniais que recebem essas exportações têm os seus espaços geográficos reestruturados pelos capitais e pelas novas competências que se abatem sobre diversos tipos de padrões econômicos regionais, variando do tipo primário-exportador até os autárquicos, sem vínculo significativo com mercados mundiais. Para os marxistas, as transformações refletem a dinâmica econômico-social provocada pelo capitalismo monopolista, que representa uma nova fase do sistema que se sucede à etapa concorrencial. Você deve, então, procurar conhecer quais são os elementos fundamentais desta nova etapa do capitalismo, denominada monopolista. SEÇÃO 1 O capitalismo monopolista e a construção de um novo espaço econômico mundial O que você acredita que é importante entender para compreender o momento de mudanças que se começa a abordar? Em primeiro lugar, há uma oposição entre uma fase que se denomina concorrencial, e outra, que a sucede, chamada monopolista. Dessa forma, opõe-se a concorrência ao monopólio, como conceitos que estão na raiz da proposta teórica marxista da análise da evolução do capitalismo. Surgem, destarte, as primeiras indagações. O que é concorrência? E o que é monopólio? Você não deve esquecer que o objetivo é compreender a nova geografia econômica que surgia naquele momento. Para tal, busca-se responder a estas questões iniciais pelo prisma da dinâmica econômica. UNIDADE II pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 35 Na economia de mercado capitalista, a concorrência é a disputa que acontece entre as empresas para terem os seus produtos e serviços aceitos e comprados pelos consumidores, em detrimento dos produtos e serviços oferecidos por outras empresas do mesmo ramo produtivo. Quando se tem um número muito grande de empresas disputando um mesmo mercado, ocorre uma situação de forte concorrência, conhecida como concorrência perfeita. Nesse tipo de estrutura de mercado, cada ramo produtivo apresenta um número grande de empresas, normalmente pequenas e médias, que disputam o consumidor de forma bastante agressiva. Em tal contexto, as leis econômicas de mercado permitem entender as dinâmicas geradas pela forte concorrência entre as empresas. Por exemplo, a mais importante destas leis – a lei da oferta e procura - ajustava o mercado, porém, como procuraram mostrar os críticos do capitalismo do século XIX, em especial os marxistas, não conseguia sustar as sucessivas crises econômicas, mas, ao contrário, era fator de desequilíbrio do sistema. A conjuntura de uma dessas crises, iniciada na década de 1870, foi um momento decisivo, que no lugar mais apropriado naqueles tempos - os Estados Unidos da América – apontou os rumos do grande movimento de transformação que se avolumava. Assim, o processo histórico-geográfico que desencadeou a mudança da fase concorrencial do capitalismo é principalmente americano. Na Europa Ocidental, e mais aindanos Estados Unidos da América, alguns setores econômicos apresentavam uma concorrência entre as empresas que se tornava cada vez mais significativa, o que gerava diversos tipos de fenômenos mercadológicos, organizacionais e tecnológicos, fazendo surgir grandes grupos econômicos que passavam a dominar os mercados nos quais atuavam, em alguns casos, como monopólio (uma empresa apenas domina um setor) ou, mais freqüentemente, integrando um oligopólio (poucas empresas dominam um setor). Dean destaca o desencadear desse processo histórico-geográfico, em especial como um fenômeno americano. Explica-o como relacionado à conjuntura de crise do último cartel do século XIX, afirmando que: A depressão da década de 1870, bastante severa em todos os países em industrialização, foi marcada por um constante declínio de preços, estagnação de lucros e ondas de falências bancárias. Uma das principais respostas dos proprietários de fábricas a essa situação foi a tentativa de organizar cartéis. (DEAN, 1983, p. 47). Dean explica o cartel como “um acordo entre empresas com o fim de limitar a produção e os territórios de vendas além de elevar os preços.” (1983, p. 47). Todas essas iniciativas significam uma restrição à competição entre as empresas no setor em que existia o cartel e dificultava a sobrevivência das empresas que não faziam parte do acordo, mas, naturalmente, beneficiava, e muito, aquelas que se acordavam. Muitas vezes, só restavam às empresas que não conseguiam concorrer com as firmas cartelizadas, poucas opções: esperar a falência ou buscar a associação com empresas maiores. Com isso, diminuía o número de empresas em alguns dos principais setores econômicos e surgiam empresas gigantes que eram monopólios ou integravam oligopólios. A associação de empresas como cartéis foram combatidas nos EUA e grandes empresas buscaram a reunião sob a forma de truste (sociedade de empresas). Esse sistema de formação de um grupo empresarial a partir da associação de inúmeras empresas evoluiu para uma forma jurídica denominada de holding company. Recorre-se mais uma vez a Dean que explica como essa forma foi importante naquela conjuntura americana: UNIDADE II Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 36 As holding companies eram constituídas para possuir (hold) ações de outras companhias. Era uma forma semelhante ao truste, porém mais segura. Uma holding company poderia exercer controle sobre outra companhia, por meio da posse de apenas uma pequena quantidade de ações, se a propriedade do restante estivesse bastante dispersa. Assim, uma vantagem adicional tinha sido conquistada: era possível criar grandes impérios industriais com uma pequena base de apoio. A concentração industrial poderia, agora, continuar indefinidamente. (DEAN, 1983, p. 48). E, como previsto, a concentração econômica continuou. No setor petrolífero americano surgiu o grande truste liderado pela Standard Oil, empresa do patriarca dos Rockefeller, durante muito tempo a família mais rica do mundo, que chegou a deter mais de 80% de todo o mercado petrolífero americano. Dean refere-se a esse grupo corporativo como o “mais infame dos trustes” por ter sido formado por práticas irregulares de concorrência e ilustra o processo de formação de monopólios e oligopólios nos EUA, destacando a intensidade do processo: Entre os anos de 1895 e 1905, 4000 empresas americanas fundiram-se em apenas 400. Só no ano de 1899, desapareceram 1028 empresas. A maior fusão foi a da United States Steel, produto da associação de 171 empresas. (...) Controlava 80 por cento de mercado nacional. No final desse período, apenas 318 empresas eram proprietárias de 40 por cento de todos os bens industriais nos Estados Unidos. (1983, p. 49). Os padrões de concorrência modificaram-se completamente. Surgiu a concorrência imperfeita, gerada pela atuação dos monopólios e oligopólios, os quais, ao controlarem os mercados, desregularam os padrões de formação de preços, impondo os preços e as formas de comercialização que interessavam às grandes corporações, o que levava a dificuldades freqüentes e intransponíveis as empresas menores e menos poderosas. Os monopólios geraram tal nível de sufocamento da concorrência que o maior prejuízo recaiu sobre os consumidores, os quais, nos EUA, reagiram e, como eleitores, forçaram os políticos a aprovarem leis de combate aos monopólios. Muitos monopólios foram divididos, mas se transformaram em oligopólios e, com isso, poucas empresas continuaram “dando as cartas”. O que era o poder de um, transforma-se no “poder de poucos.” (DEAN, 1983, p. 51). Assim, é a força das grandes empresas corporativas que vai definir os padrões de um novo capitalismo: o monopolista. A nova fase do capitalismo dominada por esse fenômeno apresentava também uma nova geografia econômica, mas, antes de analisá-la, você ainda precisa entender um pouco melhor essa fase. Muitos autores marxistas tentaram abordar tais transformações e criaram propostas teóricas que se tornaram bastante úteis para os pesquisadores do fenômeno. Uma dessas propostas vai balizar a reflexão que você vai acompanhar a partir daqui. Trata-se da proposta de um dos maiores teóricos e militantes do marxismo: Vladimir Ilich Lênin. Saiba mais Lênin (1870-1924) nasceu na Rússia e é considerado um dos maiores teóricos marxistas. Liderou os revolucionários que UNIDADE II pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 37 promoveram a Revolução Socialista de 1917, na Rússia. Consolidou o processo revolucionário, mas não conseguiu definir os rumos do novo regime porque veio a falecer Você estudou como a mudança organizacional e econômica do capitalismo concorrencial gerou, na verdade, um novo capitalismo, denominado monopolista, que mudou o espaço econômico do sistema. Mas você precisa conhecer melhor esse novo capitalismo e é isso que será estudado na próxima seção. SEÇÃO 2 A geografia econômica do imperialismo Em 1917, Lênin expôs sua teoria num livro sobre o capitalismo monopolista, que ele denominava Imperialismo. Tanto assim é que o livro foi intitulado “Imperialismo, fase superior do capitalismo”. Para ele, o imperialismo era a fase suprema, superior ou última do capitalismo, porque acreditava na substituição do capitalismo pelo socialismo como o início de uma nova etapa na história da humanidade. Os elementos fundamentais da teoria do imperialismo de Lênin (1987 ) foram bem resumidos por Franco Jr e Pan Chacon (1986, p. 170), em cinco grandes itens: 1. concentração de produção e do capital (...) o que cria os monopólios; 2. fusão do capital bancário e do capital industrial e criação, à base desse capital financeiro, de uma oligarquia financeira; 3. a exportação de capitais, diversa da exportação de mercadorias, assume importância particular; 4. a formação de uniões internacionais capitalistas monopolistas, partilhando o mundo; 5. acabamento da partilha territorial do mundo pelas grandes potências capitalistas. O primeiro elemento é o responsável pela criação de empresas gigantes, conhecidas por multinacionais ou transnacionais, em virtude da atuação mundial UNIDADE II Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 38 que implementaram. As análises marxistas as vêem como resultado dos processos de concentração e centralização de capitais. Na concentração, capitalistas individuais ampliam cada vez mais seus capitais atuando isoladamente. Na centralização, capitais individuais são reunidos em um controle único. Mas outra teoria muito influente nos dias atuais, embora não seja tão recente, explica o surgimento dessas empresas como resultado de um processo de desequilíbrio no ciclo econômico, em razão da aplicação de descobertas científicas que se transformam em inovações tecnológicas ao serem incorporadas à produção econômica por um empresário empreendedor. Normalmente, tais empresas superam seus concorrentes ou mesmo iniciam um novo ramo de atuação, tornando-se uma empresadominante. Essa é, em linhas gerais, a teoria schumpeteriana, proposta ainda no início do século XX, mas reconsiderada cada vez mais por correntes atuais do pensamento econômico, como os neo-institucionalistas e evolucionistas, a ponto de se fazer referência a uma corrente neo-schumpeteriana.(SCHUMPETER, 1982). O segundo elemento resultou na ampliação do fenômeno denominado de financeirização do sistema econômico, com as empresas financeiras elevando seus lucros e possibilitando ganhos a aplicadores individuais ou empresariais, em número cada vez mais significativo e em volumes vultosos. Os ganhos financeiros ultrapassam os ganhos produtivos, gerando uma especulação que adquira contornos mundiais, com a globalização dos mercados permitida pelos avanços tecnológicos nas áreas de comunicação e de informática. Os donos dos grandes bancos passam a ser os capitalistas mais poderosos, influenciando agências internacionais, empresas de análise de riscos, governos dos países ricos e mais ainda dos países pobres. Os bancos diversificam os seus investimentos, passando a atuar nos mais diversos setores industriais e de serviços, o que os torna o centro de grandes grupos corporativos integrados de forma horizontal. Os três últimos elementos do Imperialismo, segundo Lênin, são os mais importantes no sentido de captar o caráter espacial contido na teoria do imperialismo e que fornecem os elementos fundamentais para a compreensão da geografia econômica do capitalismo monopolista. O primeiro é a exportação de capitais. No modelo colonial, a divisão internacional do trabalho organizava-se entre as colônias e metrópoles: as colônias especializavam- se na produção e exportação de produtos e matérias-primas extrativas, agrícolas e minerais; as metrópoles, na produção e exportação de produtos manufaturados. Dessa forma, as metrópoles vendiam para as colônias bens produzidos por suas manufaturas e compravam matérias-primas e produtos primários das colônias. Mas havia também outro tipo de comércio, que também esteve presente naquela estrutura: foi o comércio de seres humanos escravizados, na maior parte africanos, conseguidos na própria África e vendidos, em sua grande maioria, nas colônias e países americanos. As empresas metropolitanas, que exerciam o monopólio comercial entre a metrópole e suas colônias, é que realizavam os intercâmbios, a mando dos governos metropolitanos. Essa divisão do trabalho permitiu a expansão da industrialização nos países metropolitanos, e, ao mesmo tempo, mantinha as colônias presas à produção primária. Essa estrutura econômico-territorial começou a mudar quando, no século XIX, os capitais acumulados nas metrópoles eram de tal amplitude que começaram a faltar oportunidades de investimentos que permitissem uma reprodução ampliada desses capitais nos níveis que fossem compatíveis com os lucros almejados pelos capitalistas. UNIDADE II pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 39 Tal fenômeno foi mais significativo na Inglaterra. Nesse país, na primeira metade do século XIX, os grandes capitalistas ainda conseguiram investir lucrativamente de forma significativa em estradas de ferro, criando uma grande malha ferroviária nas Ilhas Britânicas. Mas, a partir do início da segunda metade do século XIX, empresas européias, principalmente inglesas, investiram pelo mundo afora, em estradas de ferro, mineração, cabos telegráficos, usinas hidrelétricas, entre outros segmentos. Começaram a produzir um espaço geográfico apto a receber investimentos produtivos de caráter industrial, pois ajudavam a criar uma infra-estrutura básica necessária aos processos de industrialização. Concretizavam-se as exportações de capitais, surgindo um elemento próprio da fase imperialista do capitalismo. Às empresas capitalistas não interessava mais apenas a venda de mercadorias às colônias e países periféricos, mas, em boa parte dos casos, os interesses incorporavam também as necessidades de exportação de capitais, como a realização de investimentos capazes de ampliar os lucros das grandes empresas. Ao lado disso, gerava-se a ampliação da necessidade de matérias-primas, muitas delas só encontradas nos países pobres. Os países industrializados e centrais passam a buscar, cada vez mais, mercados para exportação de capitais, como também para garantir fontes de fornecimento de matérias-primas. Essa necessidade crescente gerava atritos e disputas geopolíticas entre os países envolvidos, o que resultou em conflitos que vão se tornando cada vez mais graves, até desembocarem na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), considerada como uma guerra tipicamente imperialista. Assim, contempla-se a análise dos elementos que se referem à “formação de uniões internacionais capitalistas monopolistas, partilhando o mundo ” e (...) provocando o “o acabamento da partilha territorial do mundo pelas grandes potências capitalistas”. Caso exemplar é o da África, continente cujo território foi totalmente “retalhado” em países inventados pelas potências imperialistas, tendo objetivo meramente econômico- territorial, com caráter explorador, de resguardar interesses geopolíticos de cada uma das grandes potências européias envolvidas na “corrida imperialista” do final do século XIX e início do século XX. De qualquer forma, nações do Oriente Médio, das Américas, da Ásia e Oceania também sofreram com as ambições imperialistas dos países europeus. Posteriormente, aos europeus, juntaram-se outros países que se transformaram em imperialistas, principalmente Estados Unidos da América e Japão. Não é muito difícil perceber as possibilidades de reestruturação da geografia econômica mundial diante das forças produtivas e dos interesses políticos que foram movimentados com as territorializações imperialistas. No período colonial, as mercadorias capitalistas, embora tenham apresentado às sociedades tradicionais outro modo de vida, não tinham um poder transformador comparável aos investimentos de capitais que vão acontecer no período neocolonial ou imperialista. Os capitais investidos nos espaços periféricos vão implantar os germes do capitalismo, incorporando às sociedades-colônias, países independentes e nações ainda não dominadas, novas relações de trabalho e produção, que vão gerar transformações econômicas, políticas e culturais decisivas e inexoráveis. Mudam-se lentamente as estruturas de classe, poder, produção, religião, educação, etc. Em algumas sociedades essas mudanças foram mais acentuadas; em outras, mais tênues. Algumas regiões ampliaram a exploração dos seus recursos naturais através dos capitais estrangeiros, criando bases infra-estruturais e produtivas para a recepção de investimentos industriais de grande porte. É o que aconteceu na região sudeste do Brasil, envolvendo os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, que conseguiram, no século XX, criar um UNIDADE II Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 40 pólo industrial dos mais importantes, transformando a economia brasileira. Mas isso também sucedeu em outros países e regiões coloniais ou periféricas como o México, a África do Sul, a Índia, a China, a Austrália, entre outros. Assim, regiões dos diversos continentes não-europeus passam a abrigar cidades e regiões industriais, que demandam novas estruturas de serviços, capazes de reorganizar a geografia econômica mundial. Mesmo permanecendo como países fortemente agrícolas, incorporam interesses próprios de países industrializados e passam a buscar a exportação de produtos industrializados e serviços. Intensificam a concorrência capitalista e geram a necessidade de políticas de desenvolvimento que os mantenham em expansão crescente dentro dos novos padrões econômico-sociais adquiridos. Os desdobramentos recentes desse movimento são assunto para nossa próxima seção. SEÇÃO 3 A organização do espaço econômico capitalista monopolista: teorias burguesas de localização O espaço econômico capitalista sofreuuma grande reestruturação com a consolidação do capitalismo monopolista. As grandes corporações econômicas tornaram-se empresas efetivamente mundiais. Mas a atuação dessas empresas em todos os continentes dependia da construção de uma infra-estrutura na área de energia, transporte e comunicação que permitisse a incorporação de espaços não-capitalistas à dinâmica do capitalismo. Foram as próprias grandes empresas européias e americanas que investiram na construção dessa infra-estrutura, mas também investiram em mineração, agricultura, metalurgia e mesmo em alguns setores da indústria de bens de consumo. Esse novo estágio de exploração econômica dos continentes não- europeus não só deu origem às disputas imperialistas que você já estudou, mas também resultou numa nova geografia do comércio internacional por ter incorporado novas regiões produtoras, exportadoras e importadoras. Assim, o padrão espacial da economia européia e americana começa a ser repetido nos outros continentes. É evidente que esse padrão não conseguiu repetir-se com exatidão, mas gerou regiões mais ou menos industrializadas, criando ou agravando desequilíbrios regionais que se tornaram clássicos, por serem muito importantes em alguns países. O caso mais conhecido é o da Itália, que, na região norte, onde se localizam Milão e Turim, apresenta intensa industrialização. Por outro lado, a região sul desse país não é industrializada. No Brasil, também se pode destacar a oposição, até período recente, entre um núcleo industrial e dinâmico na região sudeste e as regiões que sofreram processo de desindustrialização. UNIDADE II pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 41 O padrão espacial capitalista, principalmente europeu, levou ao surgimento de algumas teorias espaciais ou locacionais que tentaram explicar essa ordem. Lipietz (1988) chamou-as de “teorias burguesas da localização”, que são a Teoria da Localização Industrial de Alfred Weber (1909); a Teoria das Localidades Centrais de Walter Christaller (1930); a Teoria do Equilíbrio Espacial Geral de August Lösch (1940); e a Teoria dos Pólos de Desenvolvimento e Crescimento de François Perroux (1955). Essas quatro primeiras teorias locacionais surgiram num contexto em que dominava a visão do espaço geográfico como constituído de um conjunto de regiões nas quais a interação sociedade-natureza foi decisiva para fornecer a especificidade de cada fração do espaço geográfico. As teorias trazem a preocupação com fluxos de bens, serviços e consumidores que ocorrem entre os centros urbanos contidos no espaço geográfico. As cidades se relacionam umas com as outras, dentro de uma lógica espacial e hierárquica, levando à organização de uma rede urbana na qual os centros maiores centralizam esses fluxos em virtude do número maior de funções que exercem na rede de cidades. Pode-se afirmar que se trata “de um modelo caracterizado não a partir de uniformidade/identidade de paisagens ou produções, mas pelas trocas e fluxos organizados pelas relações de mercado” (CUNHA; SIMÕES; PAULA, 2005, p. 10). Em outro contexto, pode-se destacar uma teoria que já havia se preocupado em explicar a forma de organização do espaço geográfico, no caso o espaço rural, tendo também as cidades como eixo de organização espacial. Trata-se da Teoria do Estado Isolado de von Thünen (1826). Saiba mais Johann Heirinch von Thünen (1783-1850), fazendeiro e economista alemão, era vinculado ao pensamento econômico clássico e foi um dos precursores do marginalismo e dos estudos sobre a dimensão espacial da economia, ajudando também a fundar a econometria. A preocupação estava na determinação dos preços e do tipo de produção agrícola. Segundo essa teoria, considerando-se como ponto de partida uma cidade, centro urbano e de consumo, a renda dos produtores dependerá da distância que seus estabelecimentos em relação ao centro considerado, caso outras variáveis que interferem também nos preços mantenham-se inalteradas, como condições naturais, padrão tecnológico, custos de produção e transporte. Além disso, o ambiente econômico tem que ser de concorrência perfeita. Preservadas essas condições modelares a partir da cidade considerada, se sucederiam círculos concêntricos (chamados de anéis de von Thünen) nos quais UNIDADE II Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 42 ocorreria o predomínio produtivo relacionado aos tipos de produtos melhor adaptados às distâncias do centro urbano: mais próximo, produtos perecíveis (leite e hortifrutigranjeiros); na área intermediária, cereais e madeira (importante para uso doméstico na época); e em espaços mais distantes, a pecuária. Mas é importante que você possa observar mais alguns elementos dessas teorias que serão abordadas na seqüência. TEORIAS BURGUESAS DA LOCALIZAÇÃO A) Teoria da Localização Industrial de Alfred Weber (1909): Para Lipietz (1988), a teoria weberiana é importante para as firmas como entes individuais que procuram calcular o seu ponto ótimo de localização. Ela cria um modelo que considera custos de transporte, as condições de disponibilidade de mão-de-obra e matérias-primas, a distância dos mercados, entre outras variáveis. Todo o modelo gira em torno da questão de onde situar uma empresa. B) Teoria das Localidades Centrais de Walter Christaller (1930): Ela foi elaborada na década de 1930, pela chamada Escola de Iena, na Alemanha. Baseia-se na idéia de que, num espaço físico homogêneo, as forças econômicas são capazes de estruturar o espaço geográfico, a partir de redes de produções específicas, que resultam num sistema de redes. Lipietz resume a teoria afirmando que “cada rede corresponde ao espaço abstrato próprio de um ramo [produtivo], e o espaço concreto seria o “sistema de redes” (LIPIETZ, 1988, p. 129). C) Teoria do Equilíbrio Espacial Geral de August Lösch(1940): Considera a hierarquia de cidades, as barreiras alfandegárias, os efeitos dos transportes e sua variação em função das distâncias. O objetivo é calcular o ponto ótimo de localização da empresa, conforme cada ramo de atuação econômica. A teoria significou, em grande parte, uma reformulação da Teoria das Localidades Centrais de Christaller, mas Lösch incorporou a seu modelo a indústria, o comércio e os serviços. D) – Teoria do Estado Isoladode Von Thünen (1826): Aborda o espaço rural, propondo que a organização desse espaço ocorre a partir de centros urbanos que são os mercados principais para produtos agrícolas, através de círculos concêntricos que se sucedem no espaço e têm esses centros como eixo. O primeiro círculo é formado por pequenas propriedades de hortifrutigranjeiros e por bacias leiteiras. Nos círculos intermediários predominam médios estabelecimentos, especializados na produção de cereais. E nos círculos mais distantes, domina a pecuária de corte, realizada de forma extensiva. UNIDADE II pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 43 E) – Teoria dos Pólos de Desenvolvimento e Crescimento de François Perroux (1955): Perroux baseia-se no argumento de que o crescimento e/ou desenvolvimento não acontece de forma equilibrada em todo espaço geográfico, mas de maneira concentrada em pontos específicos do espaço geográfico de diferentes países e regiões, cidades que passam a funcionar como pólos de crescimento locais, regionais ou nacionais, nos quais se concentram atividades relacionadas aos setores secundários e terciários. Essa teoria forneceu a base para planos e políticas voltadas para o desenvolvimento regional, entre as décadas de 1950 e 1980, tornando-se a mais influente teoria sobre essa temática. Em geral, essas teorias fundamentam-se em princípios da Escola Neoclássica ou Marginalista de pensamento econômico, quando buscam os argumentos materiais para explicar determinadas formas de organização econômica do espaço geográfico. Considerando os princípios fundamentais dessa escola de pensamento, o que mais se relaciona com as teoriasburguesas de localização é aquele que defende que as forças econômicas geralmente tendem para o equilíbrio, para a compensação de forças opostas (OSER; BLANCHFIELD, 1983, p. 208). O equilíbrio resulta, então, de um processo lógico de comportamento econômico, relacionado à força de ajuste do mercado capitalista e “sempre que distúrbios provocam deslocamentos, ocorrem novos movimentos na direção do equilíbrio.” (OSER; BLANCHFIELD, 1983, P. 208). Mas havia uma condição fundamental para que esse processo pudesse acontecer e que se relaciona a outro princípio fundamental das correntes neoclássicas, que é a “defesa do ’laissez-faire’ (deixar fazer), proveniente da Escola Clássica criada por Adam Smith, como a política mais desejável. Não deveria haver interferência nas leis econômicas naturais para se atingirem os benefícios sociais máximos.” (OSER; BLANCHFIELD, 1983, p. 208). O que há de importante para você entender, é que os formuladores das teorias que buscavam identificar a lógica econômica de organização do espaço geográfico capitalista acreditavam que a dinâmica das relações econômicas era a força fundamental que gerava a configuração locacional dos elementos formadores do espaço econômico. Forças de ajuste do mercado capitalista deixavam suas marcas espaciais relacionadas aos trajetos, às vias de comunicações e transportes, às aglomerações de empresas e trabalhadores em algumas cidades, ao predomínio de tipos diferentes de cultivos de acordo com a localização geográfica das terras cultivadas, entre outros fenômenos de caráter espacial que possam ser identificados e descritos. Como afirma Claval, a geografia que se fundamenta nas teorias de localização é centrada na variável distância, porque “o posicionamento dos grupos sociais é gerado pela dispersão dos seus membros.” (CLAVAL, 2004, p. 17). Dessa forma, esse mesmo autor defende que: O espaço geográfico não ignora as dificuldades naturais, que não permitem que se produza qualquer coisa em qualquer lugar. É um mundo de troca, tanto que os atores econômicos devem ficar de olho no mercado, ou nos preços. O estudo do espaço geográfico aborda amplamente o estudo das localizações (entenda-se por localizações os pontos onde as empresas obtêm os seus maiores lucros aproveitando-se da distância dos recursos) e dos mercados. (CLAVAL, 2004, p. 17). UNIDADE II Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 44 O que se tem então é uma geografia econômica capitalista, sustentada em relações econômicas que funcionam como redes econômicas e sociais que “permitem estabelecer contatos, realizar transações, fazer negócios: o que supõe a existência de infra-estrutura material via de transporte e sistemas de comunicação.” (CLAVAL, 2004, p. 18). Mas a localização desses objetos e a dinâmica das ações permitidas por eles apresentam uma lógica concentracionista que você já estudou, quando foi abordado o “espaço produtivo do capitalismo concorrencial”. A concentração de população e de infra-estrutura material e imaterial ocorre em algumas cidades ou em regiões, gerando uma organização que, para algumas teorias burguesas de localização, espelhariam uma ’hierarquização dos lugares e dos espaços.’” (CLAVAL, 2004, p. 18). A lógica dessa estrutura é descrita de forma didática pelo mesmo autor, quando ele afirma que: Os lugares para onde estas vias convergem levam vantagens em relação aos outros: nesses lugares fica mais fácil organizar encontros, estabelecer relações e fechar negócios. Nesses lugares, passa-se num tempo mínimo de um parceiro comercial a outro. As cidades são comutadores sociais, formas de organizações do espaço destinadas a facilitar ao máximo todas as formas de interação. Quem nelas está instalado acessa mais rápido e por um preço menor à informação. (CLAVAL, 2004, p. 18). Mas as lições de Claval sobre como as teorias burguesas de localização abordavam o espaço econômico capitalista permitem observar que elas se fundamentavam numa abordagem funcionalista muito bem marcada, que ele destaca de imediato ao afirmar que: O espaço analisado na perspectiva funcional não se limita a ser organizado e hierarquizado. Ele não pára de se transformar. Com efeito, as cidades que se encontravam no topo das redes urbanas e as regiões que ficam no centro das zonas econômicas levam muitas vantagens: as empresas que aí se instalam se beneficiam, pelo menos no caso das aglomerações, de economias externas particularmente fortes. A todas aquelas para as quais o transporte dos produtos industrializados e a divulgação das informações constituem encargos importantes, a acessibilidade à clientela é maior: é nesses pólos urbanos, ou nessas zonas centrais, que os potenciais populacionais e de renda atingem seu nível mais elevado. Todas as atividades que não dependem obrigatoriamente, na escolha da sua localização, das matérias-primas nem da energia da qual precisam, vão, portanto, se instalar nas cidades e nas zonas mais centrais. (CLAVAL, 2004, p. 18-19). Estes processos histórico-geográficos marcaram de forma profunda o espaço econômico capitalista, gerando uma dicotomia entre “espaços de mandar e os espaços de obedecer.”(SANTOS, 1997, p. 242). Os “espaços de mandar” seriam aqueles “marcados pela ciência, pela tecnologia, pela informação, por essa mencionada carga de racionalidade”. Por outro lado, “os espaços de obedecer” são “os outros espaços.” (SANTOS, 1997, p. 242). Essa dicotomia foi consagrada pelo uso das expressões centro e periferia, e Claval expõe de forma descritiva as características de cada uma das frações do espaço geográfico a que se referem, quando se abordam casos concretos, ao explicar que: Em regiões e cidades centrais, encontram-se simultaneamente empresas que se aproveitam de recursos locais e outras que estão sendo atraídas pela acessibilidade ao mercado. Nas regiões periféricas, somente os setores primário e secundário (primeira transformação) estão presentes. Nas regiões centrais, o setor primário está sempre presente. O secundário tornou-se mais completo com as fases ulteriores de transformação. O terceiro vem se tornando cada vez mais importante. A economia das regiões ou das cidades centrais não UNIDADE II pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 45 pára de se diversificar. (...) as regiões periféricas, ao contrário, encontram dificuldades em conservar as atividades que não dependem de recursos locais. Elas adquirem o perfil de regiões especializadas. Sem um bom acesso ao mercado, e criando pouca economia externa, elas assistem a fugas das empresas mais inovadoras, aquelas cujos valores agregados são os maiores. (CLAVAL, 2004, p. 19). Dicas para sala de aula Você pode levar seus alunos a refletirem sobre a região onde eles vivem: essa região é um espaço central ou periférico? Como se explica a classificação que se pode impor a ela? Tente fazer seus alunos pensarem sobre essas questões, buscando levá-los a pesquisar sobre a situação econômico-social da região onde moram. Você percebe que ao se acreditar nessa estrutura espacial descrita pelo autor, pode-se estar diante de uma determinada racionalidade espacial? Santos analisa essa questão, ao fazer referência aos “espaços da racionalidade.” (SANTOS, 1997, p. 230). Ele defende que “o espaço racional supõe uma resposta pronta e adequada às demandas dos agentes, de modo a permitir que o encontro entre a ação pretendida e o objeto disponível se dê com o máximo de eficácia.” (SANTOS, 1997, p. 239). Ora, se se está inserido num determinado sistema econômico, os agentes agem de acordo com as demandas impostas por esse sistema, mas o autor lembra que, “essa racionalidade sistêmica, não se dá de maneira total e homogênea, pois permanecem zonas onde ela é menor e, mesmo, inexistente e onde cabem outras formas de expressão que têm sua própria lógica.” (SANTOS, 1997, p. 242). As teorias burguesas de localização não consideraram advertências como essa de Santos e se mantiveramcentradas num método funcionalista, de base positivista. Nas especificidades de caráter histórico- geográficas não se impunham as leis universais, abstratas e racionais, em nome das quais se buscava atuar. Você percebeu o que Santos procurou destacar? Ele quis ressaltar que o que é válido para os países desenvolvidos, pode não ser para os países subdesenvolvidos. Saiba mais Santos é o grande geógrafo brasileiro chamado Milton Santos (1926-2001). Um grande estudioso de Epistemologia da UNIDADE II Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 46 Geografia, Geografia Urbana, Geografia do Subdesenvolvimento e da Globalização. Em 1994, recebeu o Prêmio internacional Vautrin Lud, na França, que é considerado o “Nobel da Geografia”, quando já era o mais importante geógrafo brasileiro. Santos desenvolveu a Teoria dos Dois Circuitos do espaço urbano de países subdesenvolvidos, indicando que a lógica de organização econômica das cidades destes países é diferente daquela dos países desenvolvidos. Ele se refere aos circuitos superior e inferior, que se podem definir, em linhas gerais, da seguinte forma: - Circuito Superior – corresponde à economia moderna, ligada às grandes empresas; suas redes econômicas extrapolam os mercados locais e regionais. - Circuito Inferior – relacionado às atividades em pequena escala e ligado à economia tradicional de caráter local e regional. Santos propôs essa teoria no seu livro “O espaço dividido”, que foi publicado no Brasil, em 1978, mas, na França, a primeira edição é de 1975, com o título “L’ espace partagé”. Com esse livro, Santos elaborou uma teoria que se adaptava à realidade do subdesenvolvimento, ao contrário das “teorias burguesas de localização”, que, não obstante as tentativas de aplicá-las aos países subdesenvolvidos, foram construídas a partir de outras realidades. Estas teorias são tentativas de entender a lógica de organização do espaço econômico capitalista. Em Geografia Econômica II, você terá a oportunidade de estudar as novas formas de organização desse espaço que surgiram a partir da consolidação de um novo modelo desenvolvimento que se consolidará após a Segunda Guerra Mundial, inicialmente nos EUA e Europa Ocidental, estendendo-se posteriormente a outros países, como o Japão, Austrália, Canadá e Nova Zelândia. UNIDADE II pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 47 Seção 3 Elabore um texto sobre a importância da Teoria dos Dois Circuitos de Milton Santos, buscando relacioná-la à situação atual das cidades brasileiras. O texto deve ter no máximo trinta linhas. Atividades Atividades de auto-avaliação Seção 1 Você estudou como a mudança organizacional e econômica do capitalismo concorrencial gerou, na verdade, um novo capitalismo, denominado monopolista, que mudou o espaço econômico do sistema. Mas você precisa conhecer melhor esse novo capitalismo e é isso que será estudado na próxima seção. Seção 2 Elabore um texto, comentando como os três últimos elementos do Imperialismo influenciaram a estrutura econômica do espaço geográfico em escala global. O texto deve ter no máximo trinta linhas. UNIDADE II Li ce n ci at u ra e m G eo g ra fi a 48 Anotações __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ __________________________________________________________________ UNIDADE II pró LICENCIATURA G eo g ra fi a E co n ô m ic a I 49PALAVRAS FINAIS Você percorreu uma etapa importante, concluindo o estudo deste material e agora está apto(a) a entender os fundamentos do processo histórico-geográfico que estruturou a geografia econômica do capitalismo. Em primeiro lugar, identificou as transformações no sistema feudal geradas pela crise que se abateu sobre esse sistema, que indicaram um novo rumo no processo e que resultou na consolidação do capitalismo. Além disso, pôde acompanhar a transição entre os dois sistemas, período no qual as transformações atingiram de forma específica o espaço rural e urbano da Europa. Essas transformações deram origem ao capitalismo concorrencial. Nessa conjuntura, a geografia econômica foi marcada pela industrialização e urbanização, como processos que se ligavam à modernização do campo, através da penetração do capitalismo nesse espaço, gerando especialização produtiva, assalariamento, concentração fundiária e aplicação de técnicas mecânicas e químicas à produção agropecuária. O êxodo rural alimentou a concentração urbana, formando um crescente mercado consumidor nas cidades. Esse tipo de capitalismo sofreu transformações que resultaram na consolidação do capitalismo monopolista. Como você estudou, os EUA saíram na frente nessa nova fase capitalista, mas foram acompanhados muito de perto por alguns países da Europa Ocidental, como a Inglaterra, a Alemanha e a França. O capitalismo monopolista expandiu-se destes pólos em direção aos territórios de outros países de diversos continentes. Alguns chamaram esse processo de corrida imperialista ou neocolonial. O importante é que os espaços geográficos dos países receptores dos investimentos que materializavam esta expansão começaram a se organizar dentro da mesma lógica dos espaços de origem destes investimentos. Assistiu-se à consolidação de uma geografia econômica global marcada pelos padrões espaciais do capitalismo monopolista. Tais padrões passaram a ser objeto de estudo de teorias que tentaram decifrar a sua lógica. São as teorias burguesas de organização do espaço econômico capitalista. Você estudoutodas essas questões neste material que se encerra neste ponto, correspondendo ao conteúdo da disciplina Geografia Econômica I. Assim, está preparado(a) para estudar a disciplina Geografia Econômica II, que é ministrada no segundo semestre. Nessa próxima disciplina, o conteúdo versará sobre o modelo de desenvolvimento que se estruturará após a Segunda Guerra Mundial. Trata-se do fordismo, que se consolidará num primeiro momento nos EUA e na Europa Ocidental, mas, logo na seqüência, influenciará também países como o Japão, o Canadá, a Austrália, a Nova Zelândia, e também alguns países de outras regiões da Europa. Abordar-se-á no próximo semestre a crise desse modelo e a reestruturação socioespacial do capitalismo contemporâneo, permitindo assim o conhecimento efetivo da geografia econômica do mundo atual. Você deu o primeiro passo de uma longa caminhada, mas nunca se chegará a lugar algum a não ser através de um passo de cada vez. REFERÊNCIAS BENKO, G. Economia, espaço e globalização. São Paulo: Hucitec, 1996. CLAVAL, Paul. A revolução pós-funcionalista e as concepções atuais da geografia. In: MENDONÇA, F.; KOZEL, S. (org.) Elementos de epistemologia da Geografia contemporânea. Curitiba: UFPR, 2004. CUNHA, A.; SIMÕES, R.; PAULA, J. Regionalização e história: uma contribuição introdutória ao debate teórico-metodológico. Belo Horizonte: CEDEPALAR, 2005. (Texto para Discussão nº. 260). http:// www.cedeplar, ufmg.br/pesquisas/td/ TD%20260.pdf. CUNHA, L. Por um projeto sócio-espacial de desenvolvimento. História Regional. Ponta Grossa: UEPG, v. 3, n. 2, inverno 1998. (www.uepg.br). DE DECCA, E. O nascimento das fábricas. São Paulo: Brasiliense, 1993. (Coleção Tudo é História). DEAN, W. As multinacionais. São Paulo: Brasiliense, 1983. (Coleção Primeiros Vôos). FRANCO JR, H. e PAN CHACON, P. História econômica geral. São Paulo: Editora Atlas, 1986. HUNT, E.e SHERMAN, H. História do pensamento econômico. 8. ed. Petrópolis, Vozes, 1990. 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Sou graduado em Geografia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro-UERJ, curso que concluí em 1980. Realizei o mestrado em História Econômica do Brasil, na Universidade Federal do Paraná (1984- 1987) e o doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1999-2003).