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Maria Eduarda de Alencar – Odontologia 2019.2 Antibióticos no Tratamento da Doença Periodontal Introdução - Antibióticos, são medicamentos que eliminam – bactericidas – ou bloqueiam a multiplicação de bactérias – bacteriostáticos – em concentrações que são relativamente inócuas aos tecidos do hospedeiro e podem ser usados para tratar as infecções causadas por bactérias; OBS.: Com base no efeito em concentrações que são toleradas pelo hospedeiros os antibióticos podem ser classificados em bactericidas ou bacteriostáticos. Além dessa classificação, eles podem ser de espectro estreito e amplo espectro, quando se considera a gama de bactérias que são susceptíveis a eles. - Juntamente com antivirais, antifúngicos e antiparasitários, os antibióticos compõem o grupo dos agentes antimicrobianos; - A capacidade de um medicamento chegar ao local infectado e as bactérias-alvo resistirem ou desativarem o agente determina afetividade da terapia; - No final da década de 1930 e início da década de 1940, houve o aparecimento de sulfonamidas, penicilina e estreptomicina. Isso revolucionou o tratamento das infecções bacterianas. Os excelentes resultados desses agentes no tratamento das doenças, que anteriormente levavam muitos indivíduos à morte, fizeram muitos acreditarem que as infecções bacterianas nunca mais seriam a preocupação. - Entretanto, o amplo uso desses medicamentos gerou vários problemas, que têm modificado a percepção geral da capacidade dos agentes antimicrobianos; - Muitas bactérias desenvolveram capacidade significativa de resistir aos agentes antibióticos ou repeli-los – por isso hoje se busca fazer o uso ponderado dos antibióticos. Notou-se ainda que eles comprometem o equilíbrio ecológico do organismo, permitindo a proliferação de microrganismos não bacterianos e de cepas resistentes – podendo iniciar novas infecções, piores do que as tratadas originalmente – e podem ter outras propriedades não desejáveis, como toxicidade, que também precisa ser considerada na hora de indicar esses fármacos. Uso de Antibióticos em Periodontia - Levando em consideração a etiopatogenia das doenças periodontais, vê-se que a partir do desenvolvimento do biofilme – ocorre a partir da associação bacteriana, seguida de adesão, multiplicação e formação de microcolônias, que posteriormente se juntam formam o biofilme dental, crescem e amadurecem – é que os 1° sinais e sintomas das DP vão aparecer; - Se não for removida, a placa supragengival – biofilme supragengival que não é facilmente removido – alcança um nível qualitativo e quantitativo de complexidade bacteriana, incompatível com a saúde gengival, gerando uma gengivite; - Sabe-se que a placa supragengival é o fator etiológico principal na inflamação gengival. A presença contínua dessas grandes massas de bactérias sobre as superfícies orais duras induz à inflamação nos tecidos moles adjacentes, como a gengiva ou a mucosa. Portanto, a importância da eliminação dos depósitos bacterianos para a resolução da gengivite ou da mucosite peri- implante é inquestionável; - Se não removida, a placa supragengival pode originar uma placa subgengival, que já está associada a lesões mais avançadas das doenças periodontais – com perda de inserção, perda óssea e formação de bolsas periodontais; - Por isso, o reconhecimento da periodontite como uma infecção causada ou sustentada por bactérias presentes nos locais doentes é fundamental para qualquer conceito de tratamento antimicrobiano; - O tratamento mecânico da doença periodontal é demorado, requer níveis altos de motivação e habilidade manual – do dentista e do paciente – além de poder induzir dano tecidual, por isso, é irracional acreditar que apenas a instrumentação mecânica é capaz de remover completamente os patógenos periodontais de todos os locais infectados; - As bactérias podem ser inacessíveis aos instrumentos mecânicos em concavidades, lacunas e túbulos dentinários e os tecidos moles invadidos, além disso, pode-se ter traumas substanciais no tecido duro a partir de tentativa de instrumentação repetida em locais que não respondem ou com doença recorrente, locais esses que mesmo tratados com sucesso podem ser recolonizados por patógenos persistentes das áreas não dentárias; - É então que entram os antibióticos, que podem eliminar ou suprimir as bactérias residentes, sendo um adjuvante na terapia – eles não são capazes de remover o cálculo e os resíduos bacterianos, o que é crucial na terapia periodontal. Características Específicas da Infecção Periodontal - Embora exista a confirmação de penetração bacteriana em condições altamente ativas, como os abscessos periodontais, a invasão e a multiplicação das bactérias nos tecidos periodontais não são indispensáveis para o desenvolvimento da doença. Evidentemente, os microrganismos nos depósitos subgengivais podem causar danos a esses tecidos também sem penetrá-los; - Isso significa que, para serem efetivos, os agentes antimicrobianos usados na terapia periodontal precisam estar disponíveis em concentração alta suficientemente não apenas dentro, mas no ambiente subgengival fora dos tecidos periodontais afetados. Isso representa um desafio, impactando até mesmo na escolha da via de administração; - O biofilme dentário tem a maioria das características de outros biofilmes atualmente conhecidos, com a resistência antimicrobiana sendo de especial relevância. A partir do momento que as bactérias se organizam, a forma de tratar isso é muito diferente do tratamento feito quando elas estão na sua forma planctônica – fora do biofilme – unidas elas têm uma maior resistência. Patógenos periodontais, como a Aggregatibacter actinomycetemcomitans (Aa) e a Porphyromonas gingivalis, tem níveis mais altos de tolerância a vários agentes quando incorporados pelos biofilmes do que como células planctônicas. Além disso, nos biofilmes, os microrganismos resistentes de baixa virulência intrínseca conseguem proteger os patógenos sensíveis a antibiótico; - Em reconhecimento a esses fenômenos, existe consenso geral de que as doenças periodontais não devem ser tratadas apenas com agentes antimicrobianos. O desbridamento mecânico completo precisa sempre ser realizado para desfazer os agregados estruturados que protegem as bactérias unidas no biofilme e reduzir acentuadamente a massa microbiana que pode inibir ou degradar o agente antimicrobiano. Vias de Administração - Na terapia das doenças periodontais existem duas vias principais: a via sistêmica – via oral – e a via local, tópica, por inserção direta na bolsa periodontal. Cada método de administração tem vantagens e desvantagens específicas; - A via oral é a mais usada no tratamento de infecções bacterianas. A administração por outros meios que não envolvam o trato alimentar – via intramuscular ou intravenosa – geralmente é reservada para as condições clínicas sérias em que a VO não se mostrou efetiva; - A via local possibilita a aplicação dos agentes antimicrobianos em níveis que não podem ser alcançados pela via sistêmica e pode ser adequada para os agentes, como antissépticos muito tóxicos para ser fornecidos por via sistêmica, géis antimicrobiano e chips/pastilhas de clorexidina aplicados em bolsas residuais. Essa forma de aplicação parece ser especialmente promissora se os microrganismos-alvo estiverem confinados em lesões clinicamente visíveis; Antibióticos Sistêmicos - Um número limitado de agentes antimicrobianos foi testado completamente para uso na terapia periodontal. Dentre os medicamentos que foram mais investigados para o uso sistêmico tem-se: 1° Clindamicina, ampicilina, amoxicilina – com ou sem a adição do ácido clavulânico – tetraciclina, minociclina, doxiciclina; 2° Macrolídeos – eritromicina, espiramicina, azitromicina e claritromicina; 3° Metronidazol e ornidazol – compostos do nitroimidazol;- Os primeiros antibióticos usados na terapia periodontal foram as penicilinas administradas sistemicamente; - Assim como as cefalosporinas, as penicilinas agem inibindo a síntese da parede celular. Elas têm espectro estreito de atividade e são bactericidas. Entre as penicilinas, a amoxicilina foi a escolhida para o tratamento da doença periodontal, por causa de sua considerável atividade contra os vários patógenos periodontais e da sua capacidade de chegar no flúido crevicular em níveis necessários para combater os patógenos; - A estrutura molecular das penicilinas inclui um anel betalactâmico que pode ser clivado por enzimas bacterianas, as betalactamases. Elas têm alta afinidade pelo ácido clavulânico – age inibindo a atividade da betalactamase bacteriana – por isso, o ele foi adicionado à amoxicilina, tendo muito sucesso na terapia; - As tetraciclinas, a clindamicina e os macrolídeos são inibidores da síntese de proteína, têm ainda uma atividade de amplo espectro e são bacteriostáticas; - No caso das tetraciclinas, além do efeito antimicrobiano, elas são capazes de inibir a colagenase, isso pode interferir na degradação tecidual na doença periodontal, e se unir às superfícies dentárias, a partir de onde elas podem ser liberadas lentamente com o tempo; OBS.: Por causa da sua capacidade de adesão tecidual, as tetraciclinas já foram muito testadas em antimicrobianos locais. - O metronidazol é convertido em vários intermediários de vida curta depois de difusão em um microrganismo anaeróbico. Esses produtos reagem com o DNA – todos os participantes do grupo dos nitroimidazóis e as quinolonas, como o ciprofloxacino – e outras macromoléculas bacterianas, resultando na morte celular. O processo envolve vias redutivas características das bactérias anaeróbicas, por isso o metronidazol é ativo somente contra a parte obrigatoriamente anaeróbica da microbiota oral, como a P. gingivalis e outros microrganismos gram-negativos pigmentados de negro, mas não A. actinomycetemcomitans (AA), que é anaeróbica facultativa; OBS.: Por ser uma questão polimicrobiana, fica nítido que não há como tratar as DP apenas com um antimicrobiano. Associação de Antimicrobianos - A combinação de agentes antimicrobianos com uma atividade de espectro mais amplo do que um agente único pode ser útil – principalmente no ambiente subgengival, que abriga várias espécies; - As superposições nos espectros antimicrobianos dos diferentes agentes podem reduzir o possível desenvolvimento de resistência bacteriana. Essas combinações podem ter dois tipo de ação: → Ação Sinérgica - Mesma ação, isso permite doses mais baixas de agentes a serem usados. Ex.: Metronidazol e seu hidroximetabólito, e entre esses dois compostos e a amoxicilina; → Ação Antagônica - Por exemplo, agentes bacteriostáticos, como as tetraciclinas, que suprimem a divisão celular, podem diminuir o efeito antimicrobiano dos antibióticos bactericidas como é o caso dos betalactâmicos ou o metronidazol, que agem durante a divisão celular bacteriana. Reações Adversas - É importante enfatizar que embora muito boa, a combinação de terapia medicamentosa também leva a aumento das reações adversas – mas podem ocorrer na administração de agente único também; - Por isso, é muito importante se conversar com o paciente, pedir que ele avise caso tenha alguma reação, explicar que algumas delas não tem como evitar, podendo ser normais até certo nível, e até mesmo receitar outro tipo de medicamento para reduzir essas reações. SEGUNDO A LITERATURA 1° Antibióticos têm efeito maior nos locais com bolsas profundas – podendo seu uso sistêmico reduzir a necessidade de uma terapia cirúrgica adicional – nas médias e rasas não fazia tanta diferença o uso desses fármacos com a terapia mecânica; 2° Nas bolsas profundas, existe um benefício específico em termos de mudança do nível de inserção clínica periodontal para a combinação de amoxicilina + metronidazol; 3° Antibióticos sistêmicos podem ser úteis como adjuvantes no retratamento dos casos com resposta insatisfatória à terapia mecânica. Cronologia da Terapia Antibiótica - A maioria dos estudos já feitos testaram os antibióticos como adjuntos do debridamento não cirúrgico; - Com base nos achados desses estudos e no fato de que o biofilme íntegro protege as bactérias dos antibióticos, é recomendado que a terapia antimicrobiana comece imediatamente após a terapia mecânica, ou seja, “na noite após a última sessão do tratamento não cirúrgico”. Seleção dos Pacientes - É muito importante nunca esquecer que os antibióticos sistêmicos são adjuvantes a terapia mecânica – RAR. Sendo indicados para pacientes: - Com bolsas profundas; - Forma de evolução rápida da periodontite – grau C; - Com locais “ativos”; - Com perfis microbiológicos específicos; - Na hora de receitar antimicrobianos, é importante observar a gravidade da doença, o envolvimento do paciente, o diagnóstico, o perfil microbiológico e o risco de eventos adversos; → Gravidade da Doença - Bolsas profundas são mais beneficiadas pelo uso de antibióticos do que as rasas; - Os antibióticos não devem ser prescritos para compensar o tratamento mecânico incompleto. É necessário fazer o debridamento completo antes de receitar antibióticos para os pacientes; → Envolvimento do Paciente - De nada adianta se fazer um bom tratamento mecânico associada a antibioticoterapia se o paciente não faz um bom controle da placa. Por isso é muito importante conversar com o ele sobre o seu papel no tratamento; → Diagnóstico - A antibioticoterapia tem um efeito benéfico nos casos de periodontite estágios III e IV e grau C. Nesses casos, é indicada uma associação: amoxicilina + metronidazol. Além disso, é indicada a antibioticoterapia em casos com lesões que tem muita supuração ativa; → Perfil Microbiológico - Além do diagnóstico, o perfil microbiológico também influencia na escolha do tratamento; - A combinação de amoxicilina + metronidazol tem uma capacidade comprovada de suprimir AA – e outros patógenos – de lesões periodontais e outros locais orais, sendo a 1° escolha na maioria dos casos – estágios III e IV, grau C, associada com o AA, salve casos de pacientes sensíveis a um desses medicamentos. Eles ajudam na recolonização benéfica em muitos sítios; OBS.: Nos casos de periodontite com padrão incisivo-molar, tem uma grande associação com o AA, sendo a amoxicilina + metronidazol indicada nesses casos. → Risco de Eventos Adversos - Esse risco deve ser considerado, especialmente quando prescrito mais de um antibiótico. É preciso ponderar: frequência dos efeitos x consequências da não utilização do antibiótico – o que pode aumentar o tempo de tratamento, podendo ser uma inconveniência para o paciente, gerar/manter desconforto por mais tempo e até aumentar os gastos com a terapia (será que ele pode?) - Parece preferível, do ponto de vista da saúde geral, que os pacientes beneficiem precocemente dos efeitos sistêmicos positivos da terapia periodontal. Tendo amoxicilina + metronidazol, associados ao tratamento mecânico, se mostrado capazes de diminuir os sinais clínicos da inflamação e os biomarcadores inflamatórios no flúido crevicular gengival (FCG) mais profundamente do que a terapia mecânica feita de forma isolada. Redução da Resistência - Para limitar o desenvolvimento da resistência microbiana antibiótica em geral e evitar o risco dos efeitos sistêmicos indesejáveis dos antibióticos para o indivíduo tratado, é indispensável se ter uma atitude cautelar e restritiva diante do uso deles; - Várias estratégias já foram estudadas, dentre elas: a combinação entre antibióticos, o fornecimento de alta dose durante um tempo menor – o ideal é ficar entre 7 e 14 dias – e a realização da terapia antimicrobiana apenas após o debridamento mecânico; - Nos estágios I e II e graus A e B, só deveser utilizado o tratamento com antibióticos, se houver ampla evidência de que o debridamento mecânico não conseguiu resolver o problema; COMO INDICAR? OBS.: Os locais que não respondem ao tratamento mecânico e tem-se recorrência localizada podem ser tratados com antibióticos administrados localmente, ao invés do sistêmico. OBS.: Após a resolução da infecção periodontal, o paciente deve ser colocado em um programa de cuidado de manutenção adaptada individualmente para prevenir a reinfecção.