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2 
 
SUMÁRIO 
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 3 
2 O QUE É ANTROPOLOGIA? ............................................................................... 4 
3 LINHAS GERAIS DA ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA DE PANNENBERG ........ 7 
3.1 Pressupostos Antropológicos ............................................................................ 8 
3.2 A Dignidade do Homem .................................................................................... 9 
3.3 Homem: Unidade Corpo e Alma ...................................................................... 14 
3.4 Abertura ao Mundo .......................................................................................... 16 
3.5 Pressupostos Teológicos ................................................................................ 20 
3.6 Releitura do Gênesis, Revendo a Concepção do Estado Original .................. 21 
3.7 O Ser Imagem de Deus Como Destino do Homem ......................................... 24 
4 A CONSTRUÇÃO DA RELIGIÃO COMO UMA CATEGORIA 
ANTROPOLÓGICA........... .................................................................................... 26 
5 A CONSTRUÇÃO DA RELIGIÃO NO INÍCIO DA MODERNIDADE 
EUROPEIA.................... ........................................................................................ 29 
6 A RELIGIÃO NA MODERNIDADE ..................................................................... 31 
7 O PLURALISMO RELIGIOSO E A PRESENÇA DA RELIGIÃO NO ESPAÇO 
PÚBLICO...... ......................................................................................................... 36 
8 RELIGIÃO CRISTÃ E TEOLOGIA: COMO A ESSÊNCIA HUMANA SE TORNOU 
A ESSÊNCIA DE DEUS ........................................................................................ 39 
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 51 
 
 
 
 
3 
 
1 INTRODUÇÃO 
Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material 
virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – 
quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao 
professor e fazer uma pergunta que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema 
tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem 
e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em 
perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que 
serão respondidas em tempo hábil. 
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da 
nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à 
execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da 
semana e a hora que lhe convier para isso. 
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser 
seguida e prazos definidos para as atividades. 
Bons estudos! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
2 O QUE É ANTROPOLOGIA? 
Ao analisarmos o significado da palavra antropologia, verificamos que tem 
origem na língua grega: antropo significa “homem” e o radical logia significa 
“estudo”. A antropologia, portanto, é uma ciência cujo objeto de estudo é o homem 
na sua totalidade, ou seja, nos seus aspectos históricos, biológicos, sociais e 
culturais (OLIVEIRA, 2018). 
Trata-se de uma ciência social recente, que surgiu entre os séculos XVIII e 
XIX. Assim, o campo de estudo e atuação da antropologia é vasto, pois inclui 
aspectos biopsicossociais e culturais da humanidade, visando analisar e 
compreender a diversidade e complexidade do ser humano (OLIVEIRA, 2018). 
O autor François Laplantine, antropólogo francês, na obra Aprender 
antropologia (1989), afirma que o conceito de homem e a fundação de uma ciência 
para estudar, não apenas especular, as questões e complexidades próprias da 
existência humana ocorreram somente a partir do século XVIII: 
Enquanto encontramos no século XVI elementos que permitem 
compreender a pré-história da antropologia, enquanto o século XVII (cujos 
discursos não nos são mais diretamente acessíveis hoje) interrompe 
nitidamente essa evolução, apenas no século XVIII é que entramos 
verdadeiramente, como mostrou Michel Foucault (1996), na modalidade. 
Apenas nessa época, e não antes, é que se pode apreender as lições 
históricas, culturais e epistemológicas de possibilidade daquilo que vai se 
tornar a antropologia (LAPLANTINE, 1989, p. 54). 
Nesse sentido, o autor coloca que o projeto de formulação de uma ciência 
antropológica supôs a construção de certo número de conceitos, começando pelo 
conceito de homem — como sujeito e objeto do saber —, bem como a constituição 
de um saber de observação, não só de reflexão, ou seja, um novo modo de acesso 
ao homem, na sua existência concreta — o que envolve as suas linguagens, 
relações e comportamentos (OLIVEIRA, 2018). 
Assim, a antropologia estuda, principalmente, costumes, crenças, hábitos e 
aspectos físicos dos diferentes povos que habitaram e habitam o planeta. Portanto, 
os antropólogos se dedicam ao estudo da diversidade humana, tanto de 
sociedades antigas quanto modernas, seus hábitos, rituais, crenças e mitos, por 
 
5 
 
exemplo. Os aspectos da evolução humana também integram os temas da 
antropologia (OLIVEIRA, 2018). 
Uma das perguntas relativas ao estudo do homem é como coletar dados 
sobre os diferentes grupos. Não basta viajar, especular ou ter curiosidade, mas 
organizar, sistematizar, processar e interpretar dados e observações. Assim, como 
fontes de pesquisa, os antropólogos podem utilizar desde livros, documentos e 
objetos até depoimentos, vivências e observação (OLIVEIRA, 2018). 
Dessa forma, os principais métodos de estudo utilizados na antropologia 
envolvem pesquisas de campo, como a etnografia e a observação participante — 
que consiste basicamente em vivenciar experiências e práticas de outras culturas, 
com imersão, para entendê-las. Essas pesquisas foram desenvolvidas por 
importantes antropólogos ao longo da história, como (OLIVEIRA, 2018): 
• o antropólogo polaco Bronislaw Malinowski, que conviveu com povos 
nativos australianos no século XX e registrou os seus estudos etnográficos no livro 
Os argonautas do Pacífico Ocidental; 
• o americano Franz Boas, que estudou povos nativos e esquimós norte-
americanos; 
• o francês Marcel Mauss, que estudou a reciprocidade entre sociedades, 
além de religiões e sociedades esquimós; 
• o francês Claude Lévi-Strauss, que escreveu sobre antropologia estrutural, 
mitos e parentesco, além de ter vivido alguns anos no Brasil, considerado fundador 
do estruturalismo na antropologia; 
• o estadunidense Clifford Geertz, da antropologia contemporânea, realizou 
estudos de campo e publicou obras como O saber local: novos ensaios em 
antropologia interpretativa 
 
No Brasil, importantes antropólogos são referências em estudos, pesquisas 
e obras, como Darcy Ribeiro, que escreveu sobre a formação do povo brasileiro e 
educação, Gilberto Freyre, Roberto DaMatta, Roberto Kant de Lima, Lilia Schwarcz, 
além de Alba Zaluar, entre outros (OLIVEIRA, 2018). 
 
6 
 
Tratando-se das principais tendências do pensamento antropológico 
contemporâneo, podemos verificar que as principais são (OLIVEIRA, 2018): 
• antropologia americana; 
• antropologia britânica; 
• antropologia francesa. 
 
Há autores que caracterizam diferentes escolas antropológicas, como 
(OLIVEIRA, 2018): 
• evolucionismo social; 
• escola antropológica (ou sociológica) francesa; 
• funcionalismo; 
• culturalismo norte-americano; 
• estruturalismo; 
• antropologia interpretativa; 
• antropologia pós-moderna. 
 
O quadro a seguir elucida as tendências gerais contemporâneas, com base 
em Laplantine(1989, p. 100). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7 
 
 
3 LINHAS GERAIS DA ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA DE PANNENBERG 
Observaremos os pressupostos que consistem nos princípios que 
conduzem a sua visão da realidade humana, os quais definem tanto a sua 
interpretação da máxima do relato sacerdotal que qualifica o homem como criado 
segundo a imagem e semelhança de Deus, como também o seu posicionamento 
perante a reflexão teológica que já foi feita sobre este assunto na história do 
pensamento cristão. Contudo antes de descrevermos os pressupostos 
antropológicos e teológicos, faz-se necessário que destaquemos como deve ser 
feita em sua visão uma ressaltante abordagem da antropologia teológica. Quais 
inter-relações ela deve conter para que seja capaz de desempenhar 
verdadeiramente sua tarefa, ou seja, qual metodologia deve ser seguida pela 
reflexão cristã ao abordar a realidade humana (SILVA, 2009). 
Para Pannenberg, para ser relevante, a reflexão da antropologia teológica 
deve levar em consideração três inter-relações que são capitais para a adequada 
compreensão da realidade humana. São elas a relação entre a antropologia 
teológica, a doutrina da criação e a cristologia, principalmente porque somente 
essas inter-relações permitem entender a criação do homem segundo a imagem 
divina, que está vinculada à sua posição dentro da criação, com as suas 
características ontológicas e com o seu destino à comunhão com Deus, que foi 
concretizado em Jesus Cristo (PANNENBERG, 1993). 
Pois só assim uma reflexão antropológica é capaz de achar as repostas 
necessárias que a fé cristã deve dar à sociedade e às ciências humanas, tal reflexão 
proporciona Pannenberg em sua obra Antropologia em Perspectiva Teológica. 
Ao partir de uma base mais vasta, pôde construir uma abordagem antropológica 
mais abrangente. Nela, sua abordagem toca a realização do destino do homem 
como parte da providência divina, à luz dos fundamentos biológicos da vida 
humana, de sua circunstância no mundo, de sua dimensão social e etc. (SILVA, 
2009). 
 
8 
 
Podemos dizer que essa postura de Pannenberg é imagem da Teologia 
Patrística, que é vista por ele como um molde que precisa ser seguido pela reflexão 
da antropologia teológica contemporânea. Isso porque a Teologia Patrística, desde 
o princípio da história cristã, ao refletir sobre o homem, percebeu que a sua natureza 
consistia em três dimensões: psíquico, corpórea e espiritual. Assim ela expôs a 
complexidade da realidade humana através de uma abordagem profunda levando 
em consideração as inter-relações necessárias (PANNENBERG, 1993). 
Por causa dessa particularidade, Pannenberg afirma que a abordagem 
patrística tornou-se um marco nas explanações bíblicas do homem como imagem 
de Deus. Essa conclusão consta tanto na obra acima mencionada, como no capítulo 
VIII do segundo volume de sua Teologia Sistemática, que é uma súmula de seu 
pensamento antropológico (SILVA, 2009). 
Procuraremos seguir esse princípio do pensamento de Pannenberg, para 
isso, inicialmente, elencaremos seus pressupostos antropológicos e teológicos, 
buscando compreender os desdobramentos ontológicos apontados pelo fato de que 
a criação do homem se deu apenas segundo a imagem de Deus. Veremos quais 
são as particularidades ontológicas que essa condição de imagem divina deu ao 
homem, e quais os pressupostos teológicos determinados pela sua criação segundo 
a imagem e semelhança divina. A partir daí faremos a relação entre as qualidades 
ontológicas do homem e seu significado teológico, buscando entender à luz da fé 
qual é a relação das características ontológicas com o seu destino de deleitar-se da 
comunhão com Deus, de forma que possamos entender porque, na visão de nosso 
autor, a concretização plena deste destino está estreitamente relacionada com a 
cristologia. Uma vez que, na sua compreensão, o destino que foi escolhido pelo 
próprio Deus na criação do homem, cumpriu-se prolepticamente na vinda e vida de 
seu filho Jesus Cristo (SILVA, 2009). 
3.1 Pressupostos Antropológicos 
Para melhorar o nosso aprofundamento na compreensão de Pannenberg 
sobre a realidade humana, devemos alçar a seguinte indagação: na sua concepção, 
 
9 
 
em que consiste o homem? Buscando responder a essa pergunta, veremos então 
quais são os pressupostos antropológicos, ou seja, em que consiste a realidade 
humana na antropologia de Pannenberg. Vale lembrar que estamos seguindo 
também aqui, a abordagem antropológica realizada em sua Teologia Sistemática 
(SILVA, 2009). 
Verificaremos que ele concebe o homem como detentor de uma dignidade 
peculiar, que fica manifestada nas suas características ontológicas e na sua 
participação no domínio, ou seja, senhorio do próprio Deus sobre a terra. 
Pannenberg também qualifica o homem como detentor de uma complexidade única, 
porque sua realidade não é apenas psíquico-corpórea, mas possui também uma 
dimensão espiritual. Assim, veremos que as mesmas características ontológicas 
que expressam seu local de destaque são os meios utilizados pela ação divina. 
Pois, através delas, a providência divina opera sobre o homem, fazendo dele um 
ser transcendental, anelante e inacabado, que está sempre em devir, dessa maneira 
podemos dizer que ela causa uma abertura que conduz o homem para além das 
coisas finitas em direção ao seu criador, tornando-o por isso um andarilho que 
peregrina a partir de sua realidade vital, da concreticidade de sua existência, de sua 
fábula individual rumo ao infinito que o atrai (SILVA, 2009). 
3.2 A Dignidade do Homem 
Pannenberg começa ressalvando a dignidade peculiar do gênero humano. 
Fato que implica diretamente na diferença e superioridade do homem diante das 
demais criaturas de Deus, essa postura adotada por ele é baseada inicialmente no 
relato sacerdotal, que afirma que a criação do homem ocorreu segundo a imagem 
e semelhança divina. Assim, Pannenberg entende que esta criação segundo a 
imagem de Deus, faz com que o homem goze de uma posição de destaque, o que 
implica dois desdobramentos. O primeiro é a superioridade humana, que é evidente 
por meio de uma simples comparação entre o homem e todo o restante da criação. 
O segundo é que essa superioridade é a base do cargo para a qual ele foi chamado 
por Deus a cumprir (SILVA, 2009). 
 
10 
 
Já no início de sua arguição Pannenberg mostra que a dignidade peculiar 
do homem foi entendida desde a época pré-cristã em diversas sociedades. Citando 
um exemplo disso na antiguidade, Pannenberg cita Cícero (in De Oficiis I, 30, 106), 
que a explicou na razão, ou seja, na capacidade racional do homem que lhe dá 
condição de se portar de forma distinta dos animais (PANNENBERG, 1993). 
Além dele, outros pensadores dentro da história antiga e contemporânea 
também defenderam uma posição de destaque do homem baseada apenas na 
razão. No entanto não podemos diminuir a superioridade do homem à sua razão, 
porque fazendo uma análise comparativa com as outras criaturas, vemos que a 
razão do homem não está desligada das outras características ontológicas e 
corporais que tem. Dessa forma, podemos afirmar que ela consiste na força 
orgânica que diante da influência social, e sobretudo, da providência divina, 
funciona como um motor, estimulando todas as capacidades humanas a entrarem 
em ação (SILVA, 2009). 
Ao falar de uma análise comparativa entre o homem e o remanescente da 
criação, e assim descrever a ampla superioridade do homem, Pannenberg cita o 
grande erudito Johann Gottfried von Herder, que a seu ver exerceu uma importante 
influência no pensamento antropológico, de maneira que pode ser considerado o 
pai da antropologia contemporânea. Herder parte da comprovação que o homem 
tem uma característica ontológica que o distingue do restante da criação, 
característica que consiste na sua abertura ao mundo. Fundamentado então nas 
conclusões de Herder, Pannenberg destaca a dignidadedo homem em contraste 
com a vinculação que liga os animais ao ambiente em que vivem (PANNENBERG, 
1993). 
Desse modo, o conceito de abertura ao mundo desempenha uma função 
importantíssima nas conclusões teológicas de nosso autor, pois a 
transcendentalidade marca o diferencial do homem, ou seja, sua dignidade e o 
alicerce de sua postura no mundo (SILVA, 2009). 
Pannenberg em parte baseia seu posicionamento em Herder, que assegura 
que os animais estão presos por uma necessidade comum a um ambiente exterior 
predeterminado. Nesse caso, não podemos deixar de dizer que Pannenberg apela 
 
11 
 
também às conclusões das ciências zoológicas, que garantem ainda que os animais 
não percebem o mundo ambiente na sua completa riqueza, pois a sua percepção 
do mundo está limitada apenas ao que é significativo para os seus instintos. Essa 
questão é tão importante para Pannenberg que, segundo ele, ela decide tanto a 
estrutura biológica do homem como a dos animais (SILVA, 2009). 
Nos animais, o que tem uma influência decisiva são os instintos, pois são 
eles que mediam e definem a sua percepção do mundo. Assim, perante os sinais 
perceptíveis pelos seus instintos, eles apresentam sempre uma reação prevista, ou 
seja, programada biologicamente. Vale lembrar que a influência de seus instintos é 
tão intensa, que eles só vivem o que já conhecem antecipadamente do mundo numa 
forma de percepção e comportamento herdados. Aprofundando ainda mais essa 
distinção entre os homens e os animais, Pannenberg cita o behaviorismo, uma 
corrente científica que decifrou o homem a partir de sua corporalidade. E devido a 
essa metodologia, atribuiu sobre ele a mesma limitação vivida pelos animais e 
plantas. Pannenberg critica o behaviorismo, articulando que para fazer suas 
afirmações, ele necessitou ignorar a noção de consciência e a capacidade cognitiva 
do homem (SILVA, 2009). 
Pois somente ignorando a noção de consciência, o behaviorismo pôde 
tomar uma postura tão negativa, ou seja, retirar o homem de um lugar de destaque 
na natureza, igualando-o aos outros seres, e afirmando que ele está subordinado 
aos estímulos da mesma maneira que os demais seres vivos, estando assim 
enquadrado no mesmo horizonte de possibilidade de reação. Ao avaliar o princípio 
científico que consiste em interpretar o homem a partir da sua corporalidade e, 
especialmente, a partir de sua conduta observável, Pannenberg assegura que os 
limites do condutismo, em contrapeso, servem como argumentos a favor da posição 
única e independente do homem na natureza (SILVA, 2009). 
Isto porque o que é mais fácil acolher a partir das descobertas científicas é 
o oposto das afirmações embasadas numa interpretação do homem a partir de sua 
corporalidade. Pois o homem não está na sua experiência do mundo sujeito a um 
meio determinado e nem reage apenas dentro de uma limitação de conduta ligada 
ao ambiente que o rodeia. Ele defende que apenas o homem tem a faculdade de 
 
12 
 
experimentar objetos no verdadeiro sentido da palavra, porque faz parte do espírito 
humano abrir-se, e colocar-se curiosamente perante algo, deixando-se adentrar 
pelo desejo de entender suas particularidades (SILVA, 2009). 
Então, para Pannenberg, o mundo ambiente aplicado ao homem não se 
compõe na verdade em fronteiras biológicas, mas sim de instituições culturais de 
sua própria criação. Dessa maneira, ao rejeitar as limitações biológicas 
estabelecidas pelo behaviorismo, Pannenberg ressalta que em toda a sua vida o 
homem segue acessível às possibilidades da existência humana. E que apenas 
animais e plantas se limitam a reconhecer o que está determinado pela pertença a 
sua espécie, porque no homem os impulsos não são orientados por nascimento, 
sendo o único ser capaz de gozar de independência em relação aos 
condicionamentos atribuídos por ambientes e instintos (SILVA, 2009). 
Podemos citar aqui a realidade da liberdade, que apenas o homem entre 
toda a criação desfruta, assim ela também pode ser vista conexa ao seu diferencial 
dos animais. Porque liberdade e abertura ao mundo estão ligadas fortemente, de 
forma que não estando predeterminado pelos instintos como os animais, o homem 
cumpre a sua condição de decidir como vai procurar saciar sua indigência de Deus. 
Daí a sua posição de destaque na criação, devido sua abertura ao mundo e também 
por causa da liberdade desfrutada, fato confirmado na própria estrutura do seu 
corpo, visto que ela lhe fornece uma imensurável vantagem em relação aos animais. 
Por ter os órgãos humanos uma ampla variedade de funções, como é o caso da 
mão, podemos entender como a estrutura corpórea do homem lhe consente sempre 
ter a capacidade de executar novas e distintas experiências com uma vasta gama 
de variantes, como possibilidade para sua reação. Então, é diante da intervenção 
de excitantes externos que terá na vida do homem a polarização (SILVA, 2009). 
Os fatores que influenciam de maneira drástica as formas vitais de existir, 
são para Pannenberg construções humanas, de forma que o modo como o homem 
vivenciará sua abertura é influenciado pela educação obtida, pelos valores culturais 
e pelos costumes passados. Pois ele é capaz de afastar-se e libertar-se vivendo a 
auteridade, vislumbrando como pode lidar com tais construções. Devido sua 
liberdade intrínseca, nenhuma ocorrência externa que lhe sobrevenha, opressão, 
 
13 
 
calamidade ou maus tratos pode extinguir a dignidade com a qual foi dotado na 
criação. Apenas ele mesmo pode sacrificar essa imagem, desobedecendo a sua 
condição ao levar uma vida adversa ao seu destino divino. Sua dignidade perde-se 
quando peca, ou seja, ao portar-se indignamente, pois assim deprava sua imagem 
divina e desvia-se do destino predeterminado pelo seu Criador. Para nosso autor, 
esta atitude de fechamento em relação ao seu destino que se conforma em pecado 
é a raiz da verdadeira desgraça do homem, visto que ela o aliena de seu destino, 
como também da razão e da finalidade de sua criação (SILVA, 2009). 
Sua abertura transcendental, sinal de sua criação à imagem e semelhança 
divina, faz o homem gozar de uma posição de destaque na criação, a tal ponto que 
é convocado para representar Deus, participando do senhorio divino sobre ela. Essa 
função dada por Deus é vista pelo relato sacerdotal como sinal de sua proximidade 
com Ele. Pannenberg também abre mão desse argumento para expressar o local 
de destaque do homem perante a criação. Mesmo num olhar leviano, pode-se 
perceber a magnitude de sua superioridade comparado às demais criaturas. Expõe 
ainda outra evidência que confirma essa interpretação da diferenciação do homem 
perante aos demais animais a partir de sua posição de destaque, diante do seu 
privilégio de dar nome as outras criaturas, função que comprova as faculdades da 
linguagem e da inteligência (SILVA, 2009). 
Dessa maneira, sua posição de domínio mostra a sua proximidade com 
Deus que se acha também vinculada à sua razão. Devido a sua racionalidade e 
suas propriedades corporais, o homem tem condição de reagir positivamente às 
diferentes situações e adaptar-se a elas com inteligência, aptidão esta que o 
caracteriza como a coroa da criação, o ente mais evoluído e o dono de uma 
condição insuperável. No entanto, para o relato sacerdotal, o que distingue o 
homem das outras criaturas é a sua posição frente às demais criaturas, 
demonstrada na função de participar do senhorio divino e na incumbência de 
dominar a terra (SILVA, 2009). 
 
14 
 
3.3 Homem: Unidade Corpo e Alma 
Ao pensarmos na unidade que há entre o corpo e a alma humana no 
pensamento de Pannenberg, a primeira ressalva que devemos fazer é, que para 
ele, o homem não deve de forma alguma ser reduzido a apenas uma das duas 
dimensões, o corpo ou a alma. Ainda, não se pode compreender o corpo e a alma 
como duas realidades desconexas, como muitas vezes ocorreu na história e no 
pensamento cristão.Ou até mesmo conceber o corpo como o cárcere que só 
termina com a morte, como postulava o platonismo que diversas vezes influenciou 
a filosofia e a fé cristã. Perante essa influência platônica, que defende uma 
autonomia da alma frente o corpo, Pannenberg nota que essa postura vai muito 
além do que consentem os modernos conhecimentos científicos, pois hoje as 
conclusões científicas não nos deixam aceitar e nem sustentar o corpo como a 
prisão da alma, nem a autonomia de uma das dimensões ou as duas dimensões 
humanas desvinculadas uma da outra (SILVA, 2009). 
A influência do platonismo acarretou para o cristianismo o dualismo 
antropológico, influência que apareceu desde as primeiras reflexões. Ela pode ser 
entendida em Tertuliano, que falava do corpo e da alma como duas importâncias 
distintas, ainda que vinculadas entre si. No entanto, Pannenberg lembra ainda que, 
mesmo tendo o platonismo desempenhado uma forte influência no cristianismo, a 
fé cristã não cedeu totalmente a ele, pois a compreensão moderna da inter-relação 
corpo e alma já estava presente na antropologia cristã primitiva, desde a primeira 
Patrística. De tal modo, diante do platonismo que havia se transformado a filosofia 
dominante, a fé cristã teve condição de assegurar que a alma e a consciência estão 
fortemente enraizadas na corporeidade do homem (SILVA, 2009). 
A reflexão cristã também foi capaz de destacar uma visão positiva do corpo, 
afirmando que ele, bem como a alma, foi criado bom por Deus, ao amparar a visão 
de que a união dos dois incidia no cumprimento da vontade criadora divina, e 
possibilitar ainda a arriscada afirmação cristã de que o corpo humano não é um 
corpo sem vida, sendo animado em todas as suas amostras de vida. Pannenberg 
em sua crítica da compreensão cristã dessa questão, aponta que a profundidade da 
 
15 
 
visão bíblica da união da alma e do corpo no homem não foi adquirida plenamente 
na antropologia patrística. Este acontecimento se deveu para ele por causa da 
limitação atribuída pelo modelo da união das duas substâncias, e também foi devido 
à ampla influência da doutrina agostiniana, que partia de um fundamento 
antropológico platônico, que fez com que se trabalhasse só com a ideia de 
iluminação, advogando assim uma dependência da razão com analogia à luz da 
verdade divina. Desta maneira, considerou-se mais uma vez a razão, como uma 
amplitude autônoma apontada para Deus, contendo por conta disso um fim 
sobrenatural (SILVA, 2009). 
Fazendo também um retorno histórico precedente ao período do 
cristianismo primitivo, Pannenberg nota que essa concepção dos processos vitais 
como funções das partes essenciais constitutivas do homem e de sua alma, só 
adentrou no pensamento judeu através do helenismo, que identificou o pneuma 
com a sabedoria, ou seja, com o noûs humano, ligação esta que também conduziu 
a uma interpretação helenizante. Porque ela concebeu a razão do homem como 
esse pneuma divino que lhe foi soprado na criação, identificando o espírito humano 
com a razão que derivou numa aceitação de que há uma parte superior da alma, a 
alma espiritual do homem (SILVA, 2009). 
No entanto, cabe ressaltar que a teologia cristã se afastou da ideia corrente 
da divindade da alma espiritual. De acordo com Pannenberg, podemos afirmar isso 
porque perante a divinização da alma, essa teologia garantiu que todas as 
manifestações da vida humana, até mesmo a razão, se remetem à constante 
atuação do Espírito divino. Sendo assim, exigiu que a atuação do Espírito vivificante 
no homem não pode se identificar apenas com a razão, visto que todas as funções 
vitais precisam ser atualizadas pelo Espírito criador de Deus. Para alcançar tal 
conclusão, a primitiva reflexão cristã baseou-se no fato de que as escrituras 
rabínicas e as paulinas não dão base para afiançar que a alma é algo divino no 
homem. Essa compreensão paulina é especificada em I Co 2,10 onde o apóstolo 
Paulo contesta o Espírito de Deus ao espírito do homem, entendendo que a vida 
animada não vive por si mesma, mas pelo Espírito de Deus que a vigora com seu 
hálito. Pois o Espírito no significado bíblico não significa o entendimento, e sim a 
 
16 
 
força criadora de vida, elucidando o fato que as criaturas sempre estão dependentes 
do espírito-vento ou do hálito divino. Pois só com Ele, elas podem permanecer vivas, 
o que não significa que o Espírito divino seja um componente constitutivo da criatura 
(SILVA, 2009). 
Na Alta Escolástica da Idade Média, aprofundou-se esse assunto a partir da 
concepção de Tomás de Aquino que originou um grande avanço na antropologia 
cristã ao perceber a alma como forma substancial do corpo. A sua posição foi 
corroborada pela Igreja em 1312 no Concílio de Viena, que ponderou que a alma 
não é somente um dos componentes constitutivos do homem, sendo sim o que 
constitui o homem enquanto homem na sua realidade corporal (SILVA, 2009). 
3.4 Abertura ao Mundo 
Agora aprofundaremos em que incide a abertura do homem ao mundo, base 
da sua posição de destaque e marca da sua superioridade. Esta abertura do homem 
no pensamento de Pannenberg consente afirmar que dentre toda a criação, pode-
se demandar do homem coisas que não se pode das demais criaturas, vejamos 
quais exigências Pannenberg elenca: Que ele tenha em conta o mundo em sua 
plenitude mesmo diante de seu caráter incompleto; que ele desenvolva uma relação 
com a procedência do universo; que ele alcance o destino para o qual foi cunhado, 
de modo que nele se resuma e consuma o sentido de toda existência finita (SILVA, 
2009). 
O próprio Pannenberg elucida estas questões, articulando que a primeira 
se cumpre no reconhecimento de Deus como o criador do mundo. A segunda e a 
terceira estão intensamente ligadas por causa da sua disposição frente à criação 
que serve de alicerce para sua realização definitiva, que se dá a partir de uma 
relação apropriada entre a criatura e o criador. Pannenberg fala ainda que Herder 
exibiu a diferença entre o homem e o animal da mesma maneira como vem fazendo 
a antropologia atual. Por isso a dinâmica da moderna antropologia leva até a 
teologia cristã e o seu pensamento basal sobre Deus. Assim ele resumiu seus 
resultados (SILVA, 2009): 
 
17 
 
 
1. A abertura ao mundo real no homem conota uma relação com Deus, 
porque o homem tem a Deus como escopo por estar sempre projetado para além 
do mundo. 
2. A abertura da vida humana não se exaure em seu significado reduzida 
apenas à cultura. 
A ligação ambiental e vital que individualiza o animal corresponde ao 
substrato que permite ao homem uma relação que vai além do mundo natural, além 
da cultura, provocando uma dependência indigente de Deus e dando-nos condição 
de assegurar analogamente com os outros seres que a dependência que o mundo 
ambiente provoca para o animal, Deus provoca para o homem. Pois assim como os 
animais são dependentes do meio em que vivem, meio que desperta suas 
necessidades e as satisfazem, o homem em compensação é dependente de Deus, 
pois não conhece limites para o seu ambicionar e necessitar (SILVA, 2009). 
Vinculando a dignidade intrínseca do homem e sua categoria em relação às 
demais criaturas, já que foi criado segundo a imagem de Deus, ressalta-se que tudo 
isso tende ao destino para qual ele foi criado, que tem sua realização decisiva, no 
encontro do homem com Deus. Destino este que, foi levado a termo de forma 
soberana e insuperável na vida concreta de Jesus de Nazaré, que em sua 
encarnação, manifestou o destino do homem como indivíduo e como espécie, 
assegura Pannenberg (SILVA, 2009). 
Nosso autor vai adentrar ainda mais o sentido religioso da abertura ao 
mundo, ao basear-se no conto javista da criação, chega a dizer que a abertura é 
algo inerente do ser humano. Demonstrada essa verdade ao classificar a realidade 
total do homem como alma vivente “nephesh haya”, assegurando que a alma não é 
apenaso princípio vital do corpo, mas consiste no corpo animado, o ser enquanto 
tal. Então, ao ver o homem por esse prisma, o determina como o ser do desejo, um 
ser que está para sempre na busca de suprir uma deficiência interna, que é 
fundamento de sua abertura ao mundo. Nessa questão, Pannenberg menciona 
Arnold Gehlen, que deu uma grande ajuda para o seu entendimento ao articular que 
o homem tem uma “obrigação indeterminada”, que o faz exceder qualquer nível de 
 
18 
 
vida verificada. Sendo essa “obrigação indeterminada” identificada como o impulso 
da atitude religiosa, asseverando que ela exprime a tendência infinita do homem, 
sua necessidade que não encontra satisfação dentro dos limites acessíveis (SILVA, 
2009). 
A sua abertura incondicional a um objeto desconhecido fora de si, que foi 
percebida pela antropologia moderna como abertura ao mundo 
(transcendentalidade), pode ser vista também como a religiosidade assentada na 
essência do homem em sua criação, pois é essa abertura que está direcionada para 
um campo que a atrai, e que dilata continuamente o desejo do homem. Desejo este 
que chamamos Deus, pois Ele é o objeto de inquietude e da infinita indigência 
humana. Então, ante a argumentação que vimos acima, podemos compreender 
porque a criação do homem segundo a imagem de seu criador está intensamente 
ligada ao seu destino em desenvolver uma relação viva e comunhão plena com Ele 
(SILVA, 2009). 
Ao receber um destino distinguido das outras criaturas, o homem também 
ganhou uma posição de destaque em relação a elas. Posição que o tornou um ser 
diferenciado, tanto ontologicamente como em sua estrutura corporal, sendo 
cunhado como um ser relacional, podendo, além de desenvolver relação com o 
infinito, desenvolver relação com o finito. Porque ao ganhar capacidade para 
desenvolver relações em múltiplos níveis, e interagir com a realidade que o cerca, 
o homem foi habilitado para relacionar-se consigo mesmo enquanto pessoa e 
espécie, e com as outras criaturas e com Deus, sendo capaz de cumprir a missão 
que lhe foi passada, que é representar no mundo o senhorio do próprio Deus 
(SILVA, 2009). 
Queremos, ainda nessa questão, mencionar a contribuição de Agostinho e 
outros pensadores da Igreja citados por Pannenberg. Eles expuseram o caminho 
percorrido pela razão humana para reconhecer a realidade que a circunda 
(epistemologia). Essas contribuições nos ajudam a compreender como se dá a 
abertura do homem ao mundo, auxiliando-nos a entender que a razão humana por 
estar aberta ao conhecer, faz proposições (o conhecer especulativo). E esse 
fantasiar da razão humana na verdade está baseado numa forma superior de 
 
19 
 
receptividade, que vai além do ganhar as informações que os sentidos apreendem. 
Assim tais pensadores compreenderam que o fundamento da razão humana está 
no infinito que a seduz, em algo além dos dados finitos da consciência, e então é a 
atitude especulativa (a vida da fantasia) que agrega a receptividade e a liberdade, 
sendo imprescindível à atividade da razão. Isso também nos auxilia a compreender 
a afirmação que a razão é dependente da atuação do Espírito divino para poder ser 
o alicerce da liberdade e subjetividade do homem, ou seja, o embasamento que 
viabiliza a diferenciação do eu e do mundo (SILVA, 2009). 
Para Pannenberg, só no campo da intersubjetividade e da relativização do 
eu e do mundo é que se pode diferenciar o corpo da alma, pois apenas frente a 
alma como o mundo interior da consciência, se acha o corpo. Esse impulso causado 
pelo Espírito divino promove a diferença entre o sujeito e o objeto, transcendendo-
os e dando por conta disso à consciência humana a condição de compreender as 
mais variadas informações e realidades, viabilizando então a intersubjetividade. 
Mais uma vez vale citar o contraste da condição do homem em relação à situação 
dos animais e plantas. Eles não têm em si esta abertura, estando diminuídos a 
reagir da forma antevista pelos seus instintos, estando vinculados inteiramente ao 
ambiente que os rodeia. O homem, por causa de sua abertura, pode ser encarado 
como um ser religioso, que com detenção de sua liberdade relativiza todo o finito, e 
vai além dele na direção do infinito, alcançando assim o seu destino (SILVA, 2009). 
De acordo com nosso autor, também não se pode discorrer da realização 
deste destino fora de Jesus Cristo, nele toda clara relação do homem com Deus é 
possibilitada e inaugurada pela relação de filiação. Pois nenhuma outra 
configuração de relação do homem com Deus é capaz de superá-la, visto que foi a 
encarnação de Jesus que fez possível a todo homem participar da filiação de Deus. 
Assim como diz o Evangelho: “...deu-lhes a prerrogativa de se tornarem filhos de 
Deus (Jo 1,12)”, ou seja, abrangendo o homem como espécie acima do mundo 
natural e inserindo-o na dinâmica do amor divino. Dinâmica esta que conduz o 
homem a desenvolver o amor em dois sentidos, o vertical (Deus) e horizontal 
(espécie e a natureza). Por isso a dignidade inerente do homem está vinculada ao 
seu destino de estar em comunhão com Deus. Porque a comunhão com Ele o 
 
20 
 
coloca na dinâmica do amor “comunidade de amor”, e tirando-o da situação de 
inimizade em relação a Deus e da situação de violência do homem como espécie 
(SILVA, 2009). 
3.5 Pressupostos Teológicos 
Na primeira parte vimos em que incide a realidade humana (pressupostos 
antropológicos), e de algum modo tocamos um pouco de seu significado teológico. 
Mas devido à importância de penetrarmos no significado teológico das propriedades 
ontológicas do homem e alguns postulados bíblicos sobre a realidade humana, 
dedicaremos esta etapa designadamente à visão teológica do autor. Primeiramente 
veremos a sua reinterpretação de Gênesis à luz das afirmações neotestamentárias, 
que ponderam Jesus Cristo como a verdadeira imagem de Deus. Deixando 
irreversivelmente de lado a compreensão tradicional, que advoga um início da 
história humana em que o homem existia num estado de perfeição e de justiça 
original ou graça original (SILVA, 2009). 
Verificaremos que Pannenberg chega à conclusão que o homem nunca foi 
verdadeiramente a imagem divina, mas criado segundo ela, baseando-se na 
contribuição de Irineu. Irineu estabeleceu as seguintes categorias: imagem-cópia e 
imagem-modelo. Ao partir desta compreensão ele pôde assegurar que na verdade 
a verdadeira imagem de Deus é Jesus Cristo, sendo o homem apenas imagem-
cópia deste, ou seja, sendo criado para atingir este destino que significa converter-
se na imagem-modelo que é Jesus Cristo. Por isso não poderíamos deixar de 
aprofundar nesta etapa a abrangência de Pannenberg sobre o fato que a criação do 
homem segundo a imagem de Deus está densamente relacionada com o seu 
destino de viver em comunhão com Ele, destino que foi obstruído por causa do 
pecado que tem provocado o fechamento do homem em relação a Deus. Assim em 
sua abordagem, o pecado é tido essencialmente como algo que gera a alienação 
do homem em relação ao destino para o qual foi cunhado, fazendo com que o 
homem viva na miséria, por estar afastado da intenção original de Deus quando o 
criou (SILVA, 2009). 
 
21 
 
Veremos ainda, que o nosso autor considera o homem sempre adaptado 
pela sua história, o que significa que o homem está sempre em devir, ou seja, é um 
ser incompleto. Além disso, é na história individual que a providência divina opera 
atraindo-o para Deus, porque ele não é capaz de por si só elevar-se e colocar-se 
de acordo com o seu destino. Deste modo, a antropologia teológica percebe a 
realização do destino humano, como objeto da atuação divina, atuação redentora 
que está completamente vinculada à sua consumação futura, escatológica. Por isso 
Pannenberg defende que as afirmações antropológicas fundamentais da 
antropologia cristã sobre a criação do homem à imagem divina e sobre o pecado, 
adotadas em conjunto,constituem o pressuposto da mensagem de que Deus 
redime o homem por Jesus Cristo, a qual incide em como veremos na realização do 
destino do homem, destino que se dá prolepticamente em Cristo, dentro da história 
concreta da humanidade, possuindo então uma relevância universal (SILVA, 2009). 
3.6 Releitura do Gênesis, Revendo a Concepção do Estado Original 
Para Pannenberg, a doutrina da Imago Dei não pode de maneira alguma 
ignorar que Cristo é a verdadeira imagem de Deus, imagem em que todos os 
homens deverão tornar-se. Desta forma, Jesus de Nazaré deve ser visto como a 
realização do destino do homem, como paradigma de relação com Deus que todos 
os homens devem adotar. Vale lembrar que este posicionamento de nosso teólogo 
está intimamente calcado na sua compreensão de que a criação do homem se deu 
segundo a imagem de Deus, visando primeiramente à comunhão com o Criador 
como defendeu Irineu, o primeiro pensador cristão a perceber que em Gênesis 
capítulo um; verso vinte e seis; e também no capítulo cinco; verso um e capítulo 
nove; verso seis, não se classificava o homem como feito a imagem de Deus, mas 
segundo a imagem d’Ele (SILVA, 2009). 
Por causa desta compreensão, Irineu fez uma diferenciação categorial, 
advogando a realidade de uma imagem de Deus molde que é Cristo e classificando 
a imagem divina presente no homem, como uma imagem fundamentada não 
diretamente na de Deus, mas, na de Cristo. Concluindo então que o homem é uma 
 
22 
 
imagem-cópia dele, a teologia de Irineu além de fazer uma distinção categorial entre 
imagem-modelo e imagem-cópia, fala de uma relação em graus distintos. Desta 
maneira, pôde enxergar em Adão a possibilidade de um certo grau de semelhança 
com Deus e também a plenificação dessa semelhança somente em Cristo, ou seja, 
maior e absoluta representação do reproduzido (SILVA, 2009). 
Pannenberg aplica o conceito de imagem na representação de Deus pelo 
homem, percebendo que isso significa que ele foi criado segundo a imagem de 
Deus, mas nem sempre em igual grau ele a representa. Foi partindo deste princípio 
argumenta que a antropologia cristã pôde conceber no começo da humanidade uma 
semelhança do homem imperfeita que está apalavrada à perfeição. Ainda mais 
levando em consideração o efeito do pecado, que deformou a sua imagem, o que 
confirma a posição de que a plena representação da imagem de Deus só se 
alcançou concretamente na encarnação de Jesus Cristo. O pensamento de 
Pannenberg ao seguir este pensamento, deixa muito claro o conceito de devir, 
entendendo que a imagem de Deus no homem está em processo. Ela é plasmada 
na história da humanidade, num processo ligado à manifestação de sua plenitude 
no Filho. Acontecimento que transformará os homens da humanidade toda na 
imagem de Cristo, a verdadeira imagem de Deus (SILVA, 2009). 
Não é preciso ir muito longe para perceber que as afirmações que vimos 
acima colidem-se fortemente com os posicionamentos da dogmática clássica, tanto 
protestante como católica, que mesmo com suas diferenças, são influenciadas 
densamente por Agostinho, mostrando que a complexidade deste tema tem 
provocado uma compreensão muito diversificada, tanto da imago Dei como do 
estado de justiça original. O embate dá-se pelo fato de que a dogmática clássica 
protestante, idealiza o estado original do homem como um estado de perfeição que 
foi totalmente abalado pelo pecado (SILVA, 2009). 
Desde Lutero, toda a linha majoritária da teologia reformada rechaçou 
qualquer diferença entre os termos imagem e semelhança, que em contraste com 
a posição católica os compreendia como sinônimos. Então identificaram a criação 
do homem à imagem de Deus, com a doutrina do estado de graça original de 
Agostinho. Nisso, seguiam uma tradição que se afastava cada vez mais da 
 
23 
 
interpretação que Irineu fazia da afirmação do código sacerdotal em Gênesis 1,26; 
como também da afirmação neotestamentária da Carta de Paulo aos Colossenses 
3,10, que fala da renovação do crente no conhecimento de Deus, segundo a 
imagem de Cristo. Notemos que os reformadores concebiam a imagem de Deus no 
homem, contendo um estado de justiça original (perfeição), que causava comunhão 
com o Criador. Então segundo o pensamento de Lutero, tal estado foi 
completamente perdido por causa do pecado. Calvino teve uma postura um pouco 
menos radical, ao discorrer não de uma perda, mas de uma tremenda deformação 
ocasionada pelo pecado. Tais posicionamentos tornam necessária para todos os 
reformadores uma restauração através de Cristo, que obra a renovação do ser 
humano e o restabelecimento da comunhão, ou seja, daquele estado ou relação 
original anterior a queda (SILVA, 2009). 
Na diferença de postura entre Pannenberg e os posicionamentos dos 
reformadores podemos notar a influência da concepção evolutiva do ser humano, 
uma influência do pensamento antropológico herderiano. Em sua obra: 
Antropologia en Perspectiva Teologica, menciona Herder como o ponto de 
partida da antropologia contemporânea, afirmando que ele já no ano de 1772 com 
seu escrito premiado intitulado: Der Ursprung der Sprache, afastou-se da 
concepção teológica tradicional de sua época. É importante observarmos que 
Pannenberg em sua obra acima tem um tópico apenas para falar da diferença entre 
o pensamento de Herder e a dogmática tradicional (SILVA, 2009). 
Com a sua concepção da imago Dei em devir, descarta a viabilidade de se 
amparar a historicidade de um estado original de perfeição antes do pecado. Pois 
na sua visão a concepção tradicional era problemática devido ao fato da 
impossibilidade de se coadunar com a compreensão evolucionista. No entanto não 
foi Herder, diz Pannenberg, o primeiro a entender a natureza do ponto de vista 
evolutivo. Antes dele já Marcílio Ficino, que foi o fundador do platonismo florentino, 
rejeitou o estado inicial de perfeição ao interpretar a encarnação como a execução 
perfeita do destino religioso do homem. Esse pensamento teve continuação pelo 
seu discípulo Pico de La Mirandola, que assegurava que na conduta ética de Jesus 
Cristo a imago Dei alcançou a sua realização completa. De modo que ela viabiliza 
 
24 
 
a humanização do ser humano à medida que ocorre sua assimilação a Deus 
(SILVA, 2009). 
3.7 O Ser Imagem de Deus Como Destino do Homem 
Ao vermos que a afirmação de um estado de perfeição original é para 
Pannenberg insustentável, faz-se necessário que percebamos porque a perfeição 
deve ser vista como destino. Buscando então penetrar o conteúdo deste destino, 
logo de início devemos reafirmar que o destino do homem está estreitamente ligado 
à sua criação. Esta criação se baseia numa dotação original para uma comunhão 
com Deus. Partindo deste alicerce teológico, Pannenberg afirma que tanto as 
particularidades ontológicas como a personalidade e as particularidades corporais 
do homem concreto se baseiam nesse destino. Destino que a seu ver não está 
explícito nos escritos veterotestamentários, pelo fato deles não aprofundarem nada 
além da condição de domínio dos homens perante as demais criaturas (SILVA, 
2009). 
Então ele nota que é preciso que se conceba a imago Dei como destino 
ligado à encarnação de Cristo, e Ele sendo visto como a verdadeira imagem de 
Deus. Assim é dada a Jesus uma função maior do que apenas retirar da 
humanidade o castigo do pecado, porque ao se ver Jesus Cristo como a verdadeira 
imagem de Deus, condiciona-se todo o gênero humano a ter que renovar a sua 
relação com Deus a partir d´Ele. Pannenberg adiciona que a imago Dei deve ser 
pensada em parte como dom original e em parte como destino. Pois a dissolução 
da doutrina do estado original fez com que se encare o homem como imbuído de 
um dinamismo que não é ainda a sua semelhança atual com Deus, mas é sua 
possibilidade (SILVA, 2009). 
Esta compreensão tem a vantagem de dirigir ao aprofundamento do 
significado e da intuição da afirmaçãodo relato sacerdotal, e também do sentido 
das afirmações neotestametárias, que qualificam Jesus Cristo como a verdadeira 
imagem de Deus, em consonância com as palavras do apóstolo Paulo (I Co 15,44- 
49). Porque a abordagem bíblica panorâmica, clarifica a mensagem de Jesus Cristo 
 
25 
 
no Novo Testamento e conecta a manifestação do Filho de Deus na carne para 
vencer o pecado e a morte. Permitindo a compreensão da manifestação de Cristo 
como a realização em si mesmo do destino do homem, que é gozar da comunhão 
com Deus, a partir da condição de filiação trazida por Jesus (SILVA, 2009). 
Pannenberg menciona que também Tomás de Aquino relaciona a imagem 
de Deus no homem com seu destino, porque em sua compreensão o motivo para o 
qual ele foi criado é a comunhão com Deus, ao afirmar que a imagem de Deus no 
estado original de Adão deve ser alcançada como realização inicial desta imagem 
que seria inteiramente realizada em Cristo. Assim, mediante o que vimos sobre a 
argumentação de Pannenberg e de suas menções até aqui, podemos inferir que o 
destino do homem a ser imagem de Deus foi admitido por Jesus em sua 
encarnação. Isso porque nela tal destino é levado a termo, através do ser criado 
como distinto de Deus que entra em comunhão com Ele (SILVA, 2009). 
Para Pannenberg, de fato o código sacerdotal deixou em aberto no que 
incide a semelhança que conecta a imagem-modelo à imagem-cópia, fazendo-se 
necessário vincular o destino do homem com sua criação à imagem de Deus, para 
fazer possível o aprofundamento do sentido desta criação. Assim se impede a sua 
redução do destino humano na delegação de dominar a terra, o que para ele é uma 
leitura superficial de Gênesis. Então, assegurando antes de tudo que a comunhão 
com Deus é a razão da criação a sua imagem, rompe as barreiras impostas pelo 
código sacerdotal, que condicionou a comunhão de Deus com o homem à aliança 
feita com Abraão destinada apenas para sua descendência (SILVA, 2009). 
Então nosso autor defende que um discurso sobre o homem à imagem de 
Deus deve fundar-se na semelhança da essência eterna de Deus. Para isso ele 
fundamenta sua argumentação na literatura sapiencial de Israel, visto que ela 
aprofundou o sentido da imagem de Deus no homem, determinando-a como 
participação em sua glória e em sua incorruptibilidade. Pois ser imagem de Deus 
para a literatura sapiencial quer dizer a participação na sabedoria e na justiça divina 
e também a comunhão com sua essência imperecível (SILVA, 2009). 
Assim, se por um lado a interpretação judia relacionava as afirmações 
acima ao estado de magnificência da Adão antes do pecado e da morte no mundo, 
 
26 
 
por outro lado, o apóstolo Paulo encara as afirmações acima como a manifestação 
da imagem de Deus que ocorreu somente em Cristo, porque a partir de sua 
ressurreição Jesus Cristo inaugurou a realidade da vida nova imperecível (SILVA, 
2009). 
4 A CONSTRUÇÃO DA RELIGIÃO COMO UMA CATEGORIA 
ANTROPOLÓGICA 
Em muito do pensamento evolucionário do século XIX, a religião era 
avaliada como uma condição humana primeira a partir da qual o direito, a ciência e 
a política contemporâneos emergiram e se separaram. Neste século, grande parte 
dos antropólogos abandonou as ideias evolucionárias Vitorianas, e muitos reptaram 
a noção racionalista de que a religião é apenas uma forma primitiva e, 
assim, ultrapassada das instituições que atualmente nós encontramos em sua 
figura verdadeira na vida moderna (direito, política, ciência). Para esses 
antropólogos do século XX, a religião não é um jeito arcaico do pensamento 
científico, nem de qualquer outra campanha secular que nós valorizamos hoje em 
dia: ela é, ao contrário, um espaço característico da prática e da crença humanas 
que não pode ser amortizado a nenhum outro. Disso parece acompanhar que a 
essência da religião não deve ser embaraçada com, digamos, a essência da política 
– mesmo que em muitas sociedades as duas possam se acrescentar e se entrelaçar 
(ASAD, 2010). 
Com a sutileza que lhe é predicado, Louis Dumont nos conta que a 
cristandade medieval constituiu em uma sociedade compósita desse tipo: 
Eu tomo como dado que uma mudança nas relações implica uma 
mudança naquilo que está relacionado. Se ao longo de nossa história a 
religião impulsionou (em grande medida, havendo algumas outras 
influências em jogo) uma revolução nos valores sociais e deu à luz, como 
por cissiparidade, a um mundo autônomo de instituições e especulações 
políticas, então, certamente, a própria religião terá se transformado nesse 
processo. Da existência de algumas mudanças importantes e visíveis, 
todos temos consciência, mas acredito que não estejamos conscientes das 
mudanças que afetaram a própria natureza da religião como ela é vivida 
por um indivíduo qualquer, digamos, por um católico. Todos sabem que a 
religião era, anteriormente, uma questão coletiva e que se tornou uma 
 
27 
 
questão individual (em princípio, e também na prática, ao menos em vários 
ambientes e situações). Mas se concluirmos que esta mudança está 
correlacionada com o nascimento do Estado moderno, não estamos mais 
no lugar- -comum da proposição anterior. Avancemos um pouco mais: a 
religião medieval foi um grande manto – penso aqui no manto de Nossa 
Senhora das Mercês. Uma vez que ela se tornou uma questão individual, 
perdeu sua capacidade totalizante e se tornou apenas um dentre outros 
fatores em aparente pé de igualdade, entre os quais o político foi o primeiro 
a nascer. Cada indivíduo pode, é claro, e talvez o faça, reconhecer na 
religião (ou na filosofia) a mesma capacidade totalizante com que antes ela 
era dotada socialmente. No entanto, no nível do consenso social ou da 
ideologia, a mesma pessoa migrará para uma configuração de valores 
distinta, na qual valores autônomos (religiosos, políticos, etc.) são 
aparentemente justapostos, assim como os indivíduos estão justapostos 
na sociedade. (Dumont, 1971, p. 32; ênfase no original). 
De acordo com essa visão, a religião medieval, mesmo influindo ou 
englobando outras categorias, ainda seria identificável analiticamente. É este fato 
que torna plausível dizer que a religião teria atualmente a mesma essência que tinha 
na Idade Média, ainda que sua extensão e função sociais fossem distintas nas duas 
épocas. A insistência na tese de que a religião teria uma essência independente – 
que não poderia ser misturada com a essência da ciência, da política ou do senso 
comum – convida-nos, entretanto, a definir a religião como um fenômeno trans-
histórico e transcultural. Talvez seja uma afortunada coincidência que esse esforço 
de significação da religião seja convergente com a exigência liberal de nossa época: 
que ela seja sustentada bem separada da política, do direito e da ciência – espaços 
nos quais múltiplos poderes e razões articulam nossa vida distintamente moderna. 
Essa definição é, igualmente, parte de uma tática de confinamento (para os liberais 
seculares), e de defesa (para os cristãos liberais) da religião (ASAD, 2010). 
No entanto, essa separação entre religião e poder é um princípio Ocidental 
moderno, fruto de uma singular história pós-Reforma. A tentativa de entender as 
tradições muçulmanas perseverando em que nelas, religião e política estão 
conectadas. Em sua forma mais ambígua, essas tentativas nos instigam a assumir 
uma posição a priori na qual os discursos religiosos no campo político são vistos 
como uma camuflagem para o poder político (ASAD, 2010). 
No que se segue, gostaria de analisar as maneiras como a procura teórica 
por uma essência da religião nos convida a dividi-la conceitualmente do domínio do 
poder. Ao explorar a definição universalista de religião ofertada por um eminente 
 
28 
 
antropólogo: “Religião como sistema cultural”, de Clifford Geertz. Vale enfatizar que 
não se trata aqui prioritariamente de uma revisão crítica das ideias de Geertz sobre 
religião, mas sim identificaralgumas das alterações históricas intrincadas no 
processo de produção de nosso conceito de religião como o conceito de uma 
essência trans-histórica (ASAD, 2010). 
Partindo do argumento básico que as formas, as pré-condições e os efeitos 
socialmente calháveis daquilo que era avaliado religião durante a época cristã 
medieval eram muito distintos dos [efeitos, pré-condições e formas] que são tidos 
como religião na sociedade moderna, chegando a este fato amplamente 
reconhecido sem incidir em mero nominalismo. Aquilo a que titulamos de poder 
religioso era distribuído de outra maneira e tinha um ímpeto distinto. Eram diferentes 
as formas pelas quais esse poder criava e irrompia instituições jurídicas; eram 
diferentes as subjetividades [selves] que ele compunha e às quais se reportava; 
eram diferentes as classes de conhecimento que ele autorizava e fazia disponível. 
Entretanto, uma consequência é que aquilo com que o antropólogo se afronta não 
é apenas uma coleção arbitrária de elementos e métodos que por acaso chamamos 
de “religião”. Pois o fenômeno todo deve ser visto, em grande medida, no contexto 
das tentativas cristãs de conseguir uma coerência em doutrinas e práticas, regras e 
regulamentos, ainda que esta situação nunca tenha sido inteiramente alcançada. O 
argumento é que não pode existir uma definição universal de religião, não somente 
porque seus elementos constituintes e suas relações são historicamente peculiares, 
mas porque esta definição é ela mesma o fruto histórico de processos discursivos 
(ASAD, 2010). 
Uma definição universal (i.e., antropológica) é, no entanto, precisamente 
aquilo que Geertz pretende: uma religião, ele propõe, é: 
(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer 
poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos 
homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem de 
existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de fatalidade 
que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas 
(Geertz, 1989, p. 67). 
 
29 
 
5 A CONSTRUÇÃO DA RELIGIÃO NO INÍCIO DA MODERNIDADE EUROPEIA 
As primeiras tentativas sistemáticas de criar uma definição universal da 
religião foram realizadas no século XVII, após a fragmentação da unidade e da 
autoridade da Igreja de Roma e os consequentes conflitos religiosos que dividiram 
os principados europeus. Um passo significativo na história dessa definição foi o De 
veritate de Herbert. “Lord Herbert”, segundo Willey, 
difere de outros homens como Baxter, Cromwell ou Jeremy 
Taylor principalmente porque, não satisfeito com a redução do credo a um 
número mínimo possível de fundamentos, ele regressa em relação ao 
Cristianismo ele mesmo, indo à busca de uma crença que deveria reger o 
consentimento universal de todos os homens enquanto homens. Deve ser 
lembrado que aquela antiga situação, simples, na qual a cristandade se 
auto representava como o mundo, apenas com os abomináveis pagãos do 
lado de fora e os judeus nos portões, já havia acabado para sempre. A 
exploração e o comércio haviam ampliado o horizonte e em muitos autores 
do século pode- -se perceber que as religiões do Oriente, ainda que 
imperfeitamente conhecidas, começavam a pressionar as consciências. 
Foi o interesse pioneiro nessas religiões, juntamente com a costumeira 
preocupação dos eruditos da Renascença com a mitologia clássica, que 
levou Lord Herbert a buscar um denominador comum para todas as 
religiões e, assim, promover (ou assim ele esperava) a muito necessária 
eirenicon para as disputas do século XVII (1934, p. 114). 
De tal modo, Herbert produziu uma definição substantiva do que 
posteriormente veio a ser formulado como Religião Natural – em questão de crenças 
(em um poder supremo), práticas (sua devoção organizada) e ética (um código de 
conduta fundamentado em recompensas e punições após esta vida) –, sobre a qual 
se dizia haver em todas as sociedades. Essa evidência na crença queria dizer que, 
daquele ponto em diante, a religião poderia ser idealizada como um conjunto de 
proposições para as quais os fiéis ofereciam seu consentimento e que poderia, por 
conseguinte, ser julgada e comparada, como uma dentre as distintas religiões e em 
contraposição às ciências naturais (Harrison, 1990). 
Segundo Asad (2010), a ideia de Escritura (um texto divinamente 
produzido/interpretado) não era essencial a esse “denominador comum” das 
religiões, em partes porque os cristãos já tinham se familiarizado mais com 
sociedades sem escrita por meio das redes comerciais e da colonização. Mas uma 
 
30 
 
razão ainda mais importante está na mudança de atenção, que aconteceu ao longo 
do século XVII, das palavras aos trabalhos de Deus. A “Natureza” tornou-se o 
verdadeiro sítio da escrita divina e, em algum momento, a autoridade incontestável 
que deve ser submeter a verdade de todos os textos sagrados, escritos com 
linguagem simplesmente humana (Velho e Novo Testamentos). Assim: 
O texto de Locke A Razoabilidade [Reasonableness] do 
Cristianismo popularizou uma nova versão do cristianismo ao reduzir sua 
doutrina ao menor denominador comum: a crença em Jesus como 
Messias, cujo advento havia sido narrado pelas profecias do Velho 
Testamento. Mesmo esse credo reduzido deveria ser medido em 
contraposição à Religião Natural e à Religião da Ciência Natural, de modo 
que a Revelação, além de ter de se justificar com base no padrão de Locke, 
também teria de se apresentar como uma reiteração da Religião Natural. 
Por algum tempo, de fato, a Palavra de Deus assumiu uma posição 
secundária em relação às suas obras, iniciadas no momento da criação do 
universo. Pois, enquanto o testemunho das últimas era universal e ubíquo, 
a evidência da Revelação se limitava a livros sagrados escritos em línguas 
mortas, cuja interpretação não gerava consenso nem mesmo entre os 
cristãos confessos, além de estar relacionada a eventos distantes, que 
haviam ocorrido em tempos remotos, apartados dos centros de 
conhecimento e civilização (Sykes, 1975, p. 195-96). 
Dessa forma, a Religião Natural não apenas se tornou um fenômeno 
universal, como passou a ser diferenciada do domínio emergente da ciência natural 
e a comprová-lo. Vale ressaltar que a ideia de Religião Natural foi um passo capital 
na formação do conceito atual de crença, experiência e prática religiosas, e que foi 
uma ideia desenvolvida em resposta a problemas característicos da teologia cristã 
numa conjunção histórica particular (ASAD, 2010). 
Em 1795, Kant foi capaz de abrolhar uma ideia de religião inteiramente 
essencializada, que poderia ser contraposta a suas maneiras fenomênicas: “Pode, 
sem dúvida, haver diferentes tipos de fé” 
que não radicam na religião, mas na história dos meios utilizados 
para o seu fomento, pertencentes ao campo da erudição; e pode 
igualmente haver diferentes livros religiosos (Zendavesta, Veda, Corão, 
etc.); mas só pode existir uma única religião válida para todos os homens 
e em todos os tempos. Por conseguinte, as crenças apenas contêm o 
veículo da religião, que é acidental e pode variar segundo os tempos e os 
lugares. (Kant, 2009). 
 
31 
 
Dali em diante, a classificação das confissões históricas no quesito de 
religiões mais ou menos elevadas tornou-se uma opção cada vez mais conhecida 
para filósofos, teólogos, missionários e antropólogos nos séculos XIX e XX. A 
existência de tribos reservadas que não tivessem desenvolvido nenhuma maneira 
de religião era repetidamente sugerida, mas como uma questão reconhecidamente 
empírica, que não comprometia a essência da religião ela mesma (ASAD, 2010). 
Assim, o que surge aos antropólogos de hoje como auto evidente, isto é, 
que a religião é fundamentalmente uma questão de significados simbólicos 
vinculados a ideias de ordem geral, que ela tem funções/características comuns, e 
que ela não deve ser confundida com nenhuma outra de suas maneiras históricas 
ou culturais particulares, éde fato uma visão que tem uma história cristã 
característica. De um conjunto sólido de regras práticas ancoradas em processos 
característicos de poder e conhecimento, a religião passou a ser abstraída e 
universalizada. Neste movimento, não há um mero acréscimo da tolerância 
religiosa, nem, seguramente, apenas uma nova descoberta científica, mas a 
alteração de um conceito e uma série de práticas sociais que é, ela mesma, parte 
de uma modificação mais ampla na paisagem contemporânea do poder e do 
conhecimento. Essa alteração compreendeu um novo tipo de Estado, um novo tipo 
de ciência e um novo tipo de sujeito jurídico e moral. Para entender essa 
modificação, é essencial sustentar claramente diferente aquilo que a teologia tende 
a obscurecer: o acontecimento de eventos (enunciados, práticas, disposições) e os 
procedimentos autoritativos que dão sentido a esses eventos e incorporam esse 
sentido em instituições concretas (ASAD, 2010). 
6 A RELIGIÃO NA MODERNIDADE 
A relação do religioso com a modernidade é qualificada pela tensão entre a 
visão religiosa do mundo, eivada de símbolos e liturgias sacrais, com as diversas 
esferas sociais, regidas por normas e princípios seculares, profanos (WEBER, 
2002). As instituições e os vários campos (científico, cultural, jurídico, etc.) que 
conformam as sociedades contemporâneas, se autonomizaram do religioso. Desta 
 
32 
 
maneira, os grupos religiosos tradicionais com suas cosmovisões “encantadas” se 
insurgem contra certos valores da modernidade, como o individualismo, o 
racionalismo e o materialismo, concebendo a sociedade moderna como 
dessacralizadora. Entretanto, tal tensão não constitui que a religião tenha se tornado 
irrelevante e sem importância no mundo contemporâneo. Ao contrário do que almeja 
a teoria da secularização, a religião permanece viva em nosso tempo. Não 
assistimos a “morte de Deus”, “o fim da religião”, “o eclipse do sagrado”. Se é 
verdade que a religião já não é mais o elemento axial em volta do qual gravitam as 
várias esferas da vida social, sua influência e poder se conserva. Segundo Renato 
Ortiz: 
[...] o advento da sociedade industrial não implica o 
desaparecimento da religião, mas o declínio de sua centralidade enquanto 
forma e instrumento hegemônicos de organização social. Ou seja, o 
processo de secularização confina a esfera de sua atuação, a limites mais 
estreitos, mas não a apaga enquanto fenômeno social. [...] Na verdade, a 
modernidade desloca, sem eliminá-lo, o lugar que ocupava nas sociedades 
passadas (2001, p.62). 
Hoje em dia o religioso se transforma, desloca-se, reconfigura-se 
(SANCHIS, 2001). A religião na modernidade não se fez “invisível”, uma realidade 
simplesmente subjetiva, privatizando-se. De acordo com Geertz (2001) as questões 
religiosas, no mundo atual, se movimentam em direção ao centro da vida social e 
política: 
Hoje em dia, a ‘luta religiosa’ refere-se quase sempre a 
ocorrências bastante externas, a processos ao ar livre que acontecem em 
praça pública – choques em vielas, audiências em tribunais superiores. 
Iugoslávia, Argélia, Índia e Irlanda. Políticas de imigração, problemas das 
minorias, currículos escolares, observância do sabá, xales para cobrir a 
cabeça e debates sobre o aborto. (...) Não há nisso nada de 
particularmente privado – encoberto, talvez, ou sub-reptício, mas 
dificilmente privado (GEERTZ, 2001, p.151). 
O aparecimento do fundamentalismo islâmico, o revigoramento do 
integrismo católico, a expansão evangélica, a explosão de novos movimentos 
religiosos de feição místico-esotérica e a inquestionável presença de atores 
religiosos nos grandes debates públicos contemporâneos, evidenciam a atualidade 
e vigência do religioso em nosso tempo (JÚNIOR, 2009). 
 
33 
 
Para Laplantine (2003), o procedimento de transformação do religioso na 
modernidade proporciona fundamentalmente duas direções, uma primeira direção 
qualificada pela afirmação das fronteiras, pela singularização e desta maneira pelo 
rechaço à modernidade, é o fato dos fundamentalismos e integrismos. Na segunda 
direção as fronteiras são ignoradas, aparecem novas religiões sincréticas que se 
contrapõem as religiões tradicionais. As crenças se subjetivam, se individualizam, 
há uma disposição cada vez maior dos crentes em “bricolar” seu sistema de crenças 
(HERVIEU-LÉGER, 1999). É a religião à la carte, onde cada crente edifica seu 
universo de crenças a partir dos bens simbólicos alocados a disposição pelo 
mercado religioso. 
Na atualidade ocidental, marcada pelo individualismo, as pertenças 
religiosas se tornam opcionais, o fato de uma pessoa nascer em certa religião não 
significa que ela professe esta religião por toda sua vida. De acordo com Pierucci: 
“Nas sociedades pós-tradicionais, et pour cause, eivam as filiações tradicionais. 
Nelas os indivíduos tendem a se desencaixar de seus antigos vínculos, por mais 
confortáveis que antes pudessem aparentar” (2004, p.19). Neste contexto de alto 
nível de autonomia individual, concordamos com a nota de Steil: “É o indivíduo, em 
sua liberdade, que opta frente a uma imensa variedade de alternativas religiosas 
que se apresentam” (2001, p.210). 
Os novos movimentos religiosos, nascidos na contemporaneidade, ao estilo 
New Age e neognósticos são altamente desinstitucionalizados, não exibindo assim 
o caráter de igreja. Não têm uma hierarquia rígida e sacerdotes especializados, 
responsáveis pela direção dos cultos e rituais. É uma forma de crença religiosa sem 
vínculos institucionais, é o crer sem pertencimento religioso (believing, without 
belonging), tendo desta maneira mais o aspecto de culto, de pequenos grupos 
(HERVIEU-LÉGER, 1999). 
Assegura-se nestes novos movimentos religiosos uma religiosidade 
centralizada no indivíduo, no self, que valoriza o corpo, o bem-estar físico e a 
realização pessoal. Desta maneira, os novos movimentos religiosos proferem 
elementos próprios da esfera religiosa com valores que são peculiares da 
modernidade, como o individualismo, a tendência a psicologização e a utilização de 
 
34 
 
uma linguagem e práticas próprias do campo científico, para Camurça: “[...] são 
‘movimentos’ que aparecem entre o secular e o sagrado, especificando em sua 
configuração a co-presença das duas dimensões constitutivas da humanidade, em 
uma polaridade enfadonha e desafiadora” (2008, p.93). 
Por sua vez, a concepção de um Deus transcendente, fora do mundo, é 
suprida por uma perspectiva imanentista, que faz do “self ”, do “eu profundo” o lugar 
de manifestação do divino. O dualismo entre criador e criatura, espírito e matéria, 
sujeito e objeto, peculiar das religiões monoteístas, é excedido por uma cosmologia 
de fundo monista. A influência de cosmologias orientais é evidente em muitas 
destas novas religiosidades. A própria natureza é observada por estes novos grupos 
religiosos como uma realidade sagrada a ser conservada e cultuada, o ecologismo 
torna-se um dos feitios centrais do cenário religioso atual. De acordo com Colin 
Campbell: 
[...] esta forma de religião (ou talvez mais propriamente, de 
espiritualidade) pode também ser vista como sendo bem mais parecida 
com o modelo oriental do que com o ocidental, por sua ênfase na natureza 
polimorfa da verdade, no sincretismo e no individualismo. Além disso, 
percebe-se que o conceito oriental de auto aperfeiçoamento ou auto 
deificação substitui a ideia ocidental de salvação; a noção de igreja é 
deslocada por aquela de um grupo de seguidores ligados a um líder 
espiritual ou guru; finalmente, a distinção entre crente e descrente é 
substituída pela ideia de que todos os seres existem em uma escala de 
espiritualidade, uma escala que pode se estender além desta vida (1997 
p.13). 
O sincretismo, o ecletismo, a mistura de assuntos e práticas é outro 
elemento desta religiosidade pós-tradicional que passa a surgir no Ocidente por 
volta das décadas de 1960 e 1970 (D’ANDREA,1996). 
Segundo Laplantine (2003), os novos movimentos religiosos têm um caráter 
fortemente emotivista e sentimentalista, com a valorização de práticas religiosas 
que abranjam fenômenos físicos como o transe, o exorcismo e a incorporação de 
espíritos. A religião torna-se assim uma maneira legítima de expressão do afeto e 
dos sentimentos. Por outro lado, o caráter intelectual, metafísico e especulativo das 
religiões baixa, a experiência pessoal, contígua e direta com o sagrado é colocada 
em primeiro plano. Para Hervieu-Léger (1997) um dos traços fundamentais da 
 
35 
 
religiosidade contemporânea é o que ela chamou de “emocionalismo comunitário”, 
acerca deste conceito afirma: 
[...] as comunidades emocionais dão um peso particular ao 
engajamento do corpo na oração, à manifestação física da proximidade 
comunitária e da intensidade afetiva das relações entre os membros 
(beijam-se, abraçam-se, tomam-se pela mão, pelo ombro, etc.) (HERVIEU-
LÉGER, 1997, p. 33). 
As religiões habituais com forte caráter moralizante e rígidos códigos de 
conduta são contrapostas. Além disso, é cada vez mais claro que o comportamento 
moral das pessoas, mesmo aquelas vinculadas à Igreja Católica e a outros grupos 
religiosos, especialmente no que se refere à moral sexual, se afasta e até mesmo 
se opõe aos preceitos morais cristãos. Pode-se apreender atualmente uma 
diversificação e pluralização dos comportamentos sociais trazidos como legítimos. 
O divórcio, a homossexualidade, o aborto, o uso de métodos contraceptivos e outros 
comportamentos morais tidos como pecaminosos e desviantes em tempos antigos, 
atualmente são vistos com certa normalidade e são aceitos socialmente, assim 
observa-se uma perda de influência da religião no campo da moral particular e 
sexual (BAUBÉROT, 2007). 
Ainda podemos evidenciar um último traço do crer na modernidade, o 
trânsito religioso, em que os atores se movimentam de uma crença para outra, 
muitas vezes cometendo ao mesmo tempo diversos tipos de religiosidade (STEIL, 
2001). Não se nota mais uma fidelidade irrestrita dos crentes a uma determinada 
confissão religiosa. 
Cabe ainda apontar aqui, que se observa na modernidade ocidental um tipo 
de sacralização do profano e do secular (RIVIÈRE, 1989). A ciência, o esporte, as 
sexualidades são divinizadas por certos segmentos. Em especial, a esfera política 
surge como uma instância onde em alguns casos, parece ter uma nova experiência 
do numinoso, transformando-se em um substituto, um equivalente funcional das 
religiões clássicas e sobrenaturais, o político é sacralizado. Múltiplos elementos, 
valores e símbolos contidos no universo religioso são transpostos para o campo 
político (SIRONNEAU, 1985). A esperança religiosa de salvação em outro mundo é 
trocada, nos mitos políticos contemporâneos, pelo desejo de uma salvação terrena 
 
36 
 
neste mundo. Isto se demonstra de forma bastante visível nas religiões políticas, 
como o comunismo e o nazismo. De acordo com Sironneau (1985), as ideologias 
políticas totalitárias exibem uma estrutura mítica fundamentada no milenarismo. 
Partem da visão mítico-religiosa de um passado majestoso, de uma Idade de Ouro, 
de um Éden, que foi perdido devido à “queda”, mas que pode ser reparado pela 
ação salvífica do partido, classe, nação ou raça que colocará na terra um reino 
milenar de paz e felicidade. 
De acordo com Voegelin (1982), algumas das mais respeitáveis ideologias 
políticas e correntes filosóficas nascidas na modernidade, possuem um fundo 
gnóstico, pois partem da hipótese de que é possível uma transfiguração radical da 
composição da realidade e uma transformação da natureza humana. O gnosticismo 
contemporâneo, baseado nas doutrinas gnósticas que apareceram nas primeiras 
eras cristãs, crê que o mundo terreno é intrinsecamente mau, não havendo outra 
saída senão o misticismo que estimula a fuga desta realidade ou a insurreição 
violenta contra este mundo visto como injusto e maléfico. 
7 O PLURALISMO RELIGIOSO E A PRESENÇA DA RELIGIÃO NO ESPAÇO 
PÚBLICO 
O pluralismo de entendimentos de mundo, valores e crenças é uma das 
características basais da sociedade moderna. Ao contrário do que acontecia nas 
sociedades arcaicas e tradicionais, onde um singular sistema de valores e de crença 
abrangia tudo e a todos, na sociedade contemporânea se presencia a coexistência 
de múltiplos sistemas simbólicos que concorrem entre si. Assim, além da 
multiplicidade de alcunhas religiosas, o indivíduo pode eleger entre viver sem 
qualquer religião ou então se segurar a uma das múltiplas e variadas ideologias 
atuais. Segundo Peter Berger: 
O indivíduo moderno existe numa pluralidade de mundos 
migrando de um lado a outro entre estruturas de plausibilidade rivais e 
muitas vezes contraditórias, cada uma sendo enfraquecida pelo simples 
fato de sua coexistência involuntária com outras estruturas de 
plausibilidade. Além dos “outros significantes” que confirmam a realidade, 
 
37 
 
há sempre e em toda parte “aqueles outros”, incômodos refutadores, 
descrentes – talvez o incômodo moderno por excelência (1997 p.78). 
Dentre as diferentes formas de pluralismo existente na sociedade ocidental 
moderna, o que aqui preocupa é o pluralismo religioso que é, sobretudo, 
consequência do fim do monopólio religioso, da consumação de uma situação em 
que uma única religião continha todas as esferas da vida social. A 
desmonopolização religiosa proporcionou a diversificação e fragmentação do 
campo religioso tentando uma competição e disputa entre os vários grupos 
religiosos no sentido de atrair fiéis e conquistar espaços no campo público 
(MARIANO, 2003). A lógica do mercado, até então limitada ao campo econômico, 
invade a esfera religiosa. 
Desta maneira, constata-se em muitos países ocidentais uma recolonização 
da esfera pública pela religião, uma desprivatização e/ou publicização do religioso 
(BLANCARTE, 2001; BURITY, 2001), Segundo Burity: 
Igrejas ou organizações representativas daquelas vão a público, 
mantêm interlocução com as autoridades civis e políticas, publicam 
manifestos, apoiam abertamente candidatos a cargos eletivos, organizam 
manifestações de rua. O Poder Executivo conclama organismos religiosos 
a atuarem diretamente, de forma subsidiária ou substitutiva, na 
implementação de programas sociais em áreas como educação, saúde, 
violência ou geração de emprego e renda (em moldes que vão das 
parcerias às políticas de desinvestimento estatal na área social, que 
transfere a organismos privados a oferta e gestão de serviços de interesse 
público) (2001, p.33). 
A religião “invade”, adentra na arena pública, desafiando o exemplo 
republicano de uma esfera estatal e pública imparcial, indiferente ao religioso. Para 
Marcel Gauchet, nos deparamos com uma “situação paradoxal: de um lado, somos 
testemunhas de uma aceleração da saída da religião; de outro lado, assistimos a 
retorno da legitimidade do discurso religioso e da preocupação espiritual no espaço 
público” (2003, p.193). 
O conhecimento do espaço público como um espaço secular, onde as 
pessoas participariam dos grandes debates desprovidos de suas identidades 
(étnicas, religiosas, de gênero) e onde aconteceria a discussão racional é uma 
criação do liberalismo contemporâneo. O ideal republicano e liberal buscou 
 
38 
 
conceber e ver o cidadão, o homem cívico e político, mas não apreendeu e levou 
em consideração as outras dimensões da pessoa humana, como a dimensão 
religiosa. Asseverou o homo-civicus, mas esqueceu o homo-religiosus. Na 
realidade, o plano liberal de teor laicista buscou sem sucesso delimitar e amortizar 
a dimensão pública, cultural e social da religião. Procurava o laicismo radical, fazer 
do religioso assunto simplesmente privado, reservado ao interior das consciências, 
sem maior projeção e influência na arena pública (JÚNIOR, 2009). 
Contudo, a religião na contemporaneidade persiste em “contaminar”a 
política. Diversos Estado-nacionais modernos, ditos seculares, tomam os 
denominados “valores judaico-cristãos” como alicerce da ordem social e reivindicam 
o caráter “sagrado” do Estado-nação e dos princípios republicanos e democráticos 
(ASAD, 2007) como se verificou no governo neoconservador de Bush nos Estados 
Unidos da América do Norte, saturado de motivações teológico-políticas. A religião 
é vista em várias nações modernas como a base da identidade nacional, como é o 
caso do catolicismo na Polônia e na Irlanda, assim como da Igreja Ortodoxa na 
Grécia. Nos casos grego e irlandês, a constituição destes países foi expressa em 
nome da Santíssima Trindade. Na Grã-Bretanha, bispos da Igreja Anglicana têm 
assento na câmara dos lordes. Em países como Espanha e Itália, têm acordos 
formais entre Estado e Igreja Católica, tidos como concordatas, que afiançam a este 
grupo religioso uma série de privilégios. Mesmo na França, onde a laicidade é um 
marco e valor da cultural nacional, existe acordos entre instâncias governamentais 
e grupos religiosos nos departamentos da Alsácia e da Mosela. 
Na América Latina podemos mencionar outros exemplos que atestam um 
ajuntamento entre a esfera religiosa e a esfera política e desta forma à presença da 
religião na esfera pública. A constituição argentina assegura que o governo federal 
deve amparar e sustentar o culto católico. Por sua vez, a constituição peruana 
determina um regime de independência e autonomia entre Estado e grupos 
religiosos, mas distingue a importância da Igreja Católica na formação cultural, 
histórica e moral da nação e acolhe sua colaboração, bem como a cooperação com 
outras religiões. A constituição política do Paraguai, assevera a independência e 
 
39 
 
autonomia entre a esfera estatal e a esfera religiosa, mas garante também a 
possibilidade de cooperação entre Estado e religião (JÚNIOR, 2009). 
No caso brasileiro atesta-se também uma intensa presença do religioso na 
arena pública e sua difícil relação com o Estado. A existência de símbolos religiosos 
em repartições públicas, de feriados religiosos oficiais, a presença do ensino 
religioso nas escolas públicas, a invocação do nome de Deus no prelúdio da 
Constituição Federal de 1988, a crescente invasão de evangélicos na política 
nacional, a participação de atores religiosos na preparação de projetos de lei, bem 
como a influência e interferência do discurso religioso em disputas relacionadas com 
questões de bioética e direitos sexuais e reprodutivos apresentam com clareza que 
a esfera pública no Brasil não é inteiramente laica. A religião parece ampliar-se para 
além das fronteiras que o molde republicano e liberal almejava lhe circunscrever 
(MONTERO, 2003). A concepção de um Estado laico, imparcial em matéria religiosa 
e de um espaço público afastado da religião jamais se concretizou em nosso país. 
Para Oro: “[...] a laicidade e a secularização não são fatos consumados nem nos 
países em que a modernidade esteve na agenda da formatação dos Estados-
Nações e, muito menos, no Brasil” (2005, p.436). 
8 RELIGIÃO CRISTÃ E TEOLOGIA: COMO A ESSÊNCIA HUMANA SE 
TORNOU A ESSÊNCIA DE DEUS 
Uma vez exibidos os elementos que constituem a essência humana, é 
possível concluir logicamente a derivação do conteúdo antropológico que, a rigor, 
compõe a essência da religião cristã e, a reboque, seus elementos doutrinários, 
como a fé, a crença em milagres ou mesmo na providência divina. 
Partindo do pressuposto de que a religião obra por meio de uma inversão 
possível pelo progresso da imaginação sobre a realidade, Feuerbach defende que 
“a religião é a consciência primeira e indireta que o homem tem de si” 
(FEUERBACH, 2012a, p. 45): “primeira e indireta” pois o homem religioso não é 
francamente consciente de si, visto que não (re)conhece que “a oposição entre 
divino e humano é somente ilusória” (FEUERBACH, 2012a, p. 45), na medida em 
 
40 
 
que a religião nada mais é que “o sonho do espírito humano” (FEUERBACH, 2012a, 
p. 24), e o sonho, a expressão onírica da fantasia. Sobre o tema, Feuerbach ainda 
diz: 
[O sonho] é a inversão da consciência em estado de vigília. No 
sonho o ativo é o passivo e o passivo é o ativo; no sonho eu apreendo as 
minhas autodeterminações como se fossem determinações vindas de fora, 
as emoções como acontecimentos, as minhas ideias e sentimentos como 
entidades fora de mim, eu sou o passivo do meu próprio ativo. O sonho 
refrata duplamente os raios da luz, daí a sua indescritível magia. É o 
mesmo Eu, o mesmo ser tanto no sonho quanto na vigília; a diferença é 
apenas que na vigília o Eu se determina a si mesmo e no sonho é 
determinado por si mesmo, mas como se o fosse por uma outra coisa. Eu 
me penso - não é afetivo, é racionalístico; eu sou pensado por Deus e só 
me penso como pensado por Deus - é afetivo, é religioso. A afetividade é 
o sonho de olhos abertos; a religião é o sonho da consciência desperta; o 
sonho é a chave para os mistérios da religião” (FEUERBACH, 2012a, p. 
154). 
A consequência da tese exposta é a de que toda religião, para se compor 
como tal, parte da admissão antecedente de divindade, seja ela singular (como no 
monoteísmo) ou múltipla (politeísmo). Assim, no caso do monoteísmo peculiar da 
religião cristã, a que Feuerbach faz referência permanentemente ao longo de “A 
Essência do Cristianismo”, não existe religião sem uma ideia de deus, uma vez que 
abdicar à essência de deus significa abrir mão da religião (cf. FEUERBACH, 2012a, 
p. 48); ainda no cristianismo, o Deus único profere dentro de si os elementos 
essenciais do ser humano: trata-se de um Deus em tudo análogo ao homem, 
portador de seus predicados, conquanto sejam pensados de modo abstrato. Os 
reais predicados humanos são, de tal modo, os predicados de Deus; os predicados 
de Deus, os predicados humanos espiritualizados. 
O que não fica elucidado naquela religião é a identidade entre Deus e o 
homem; nela, Deus e o homem, ainda que partilhem dos mesmos predicados de 
embasamento, são contraditórios entre si: a natureza imaterial de Deus não é a 
natureza material do homem; de fato, “Deus e o homem são extremos” 
(FEUERBACH, 2012a, p. 63): se o homem é palpável, Deus é abstrato; se o homem 
é ser corpóreo, Deus é espírito incorpóreo; se o homem é animal biologicamente 
apontado pela natureza, Deus é sobrenatural e isento de determinações naturais; o 
mesmo é dizer que 
 
41 
 
a cada indigência no homem se opõe uma perfeição em Deus: 
Deus é e tem precisamente o que o homem não é e nem tem. O que se 
atribui a Deus é negado ao homem e, vice-versa, o que se dá ao homem 
se retira de Deus. […] Quanto menos é Deus, tanto mais é o homem; 
quanto menos o homem, tanto mais é Deus (FEUERBACH, 2007b, p. 5 – 
tradução nossa). 
Feuerbach confirma, com base nisso, que o que abona o homem, o que faz 
do homem, homem, é exatamente a determinação que lhe conferem seus 
predicados, o que implica na aceitação da prioridade do predicado sobre o sujeito, 
pois “o predicado é o verdadeiro sujeito” (FEUERBACH, 2012a, p. 54). O ser 
humano é o conjugado de suas predicações e, devido isso, “o predicado é a verdade 
do sujeito; o sujeito somente o predicado personificado, existente” (FEUERBACH, 
2012a, p. 49). Essa parece ser a razão pela qual, nas “Teses Provisórias para a 
Reforma da Filosofia” [Vorläufige Thesen zur Reformation der Philosophie (1842)], 
no ano subsequente ao da publicação de “A Essência do Cristianismo”, Feuerbach 
argumenta que 
o método da crítica reformadora da filosofia especulativa em 
geral não se distingue do método já utilizado na filosofia da religião. Basta-
nos transformar sempre o predicado no sujeito e, do mesmo modo, o 
sujeito em objecto e princípio - basta-nos, portanto, inverter a filosofia 
especulativa e teremos então a verdade desvelada, a verdade pura e nua 
(FEUERBACH, 2005f, p. 86). 
Podemos formar aqui, pois, um silogismo hipotético:se o que origina o 
sujeito é o predicado e os predicados humanos são naturais e, por isso, concretos, 
então o homem é um sujeito natural e, logo, concreto; quanto a Deus, se seus 
predicados são abstratos, logo o indivíduo deles é igualmente abstrato (cf. 
FEUERBACH, 2012a, p. 51). Por esse motivo, independente da religião, sempre 
teremos em seu alicerce a abstração, embora possam ser diferenciados os objetos 
da abstração para as religiões (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 117). 
O Deus cristão incide, pois, na supranaturalidade dos atributos humanos: 
ele é o homem arrebatado da vida e da corporeidade, é adverso à natureza em 
função de sua infinitude. Deus é, na verdade, um tipo de “projeção” da tentação 
humana: o almejar ser imortal, ilimitado. Por isso, a conclusão de Feuerbach é 
análoga a dizer que o homem tem o Deus que quer ter para superar a corporeidade 
 
42 
 
e a natureza, a morte e a imperfeição, o que quer dizer que, ao mesmo tempo em 
que é produto da abstração, é também Deus uma precisão afetiva do coração 
humano e a satisfação de sua vontade carente. Daí que 
a unidade essencial conosco é a condição principal da divindade; 
o conceito da divindade torna-se dependente do conceito da 
personalidade, da consciência enquanto o que há de mais elevado que se 
possa pensar. Mas um Deus (significa ao mesmo tempo) que não é 
essencialmente diverso de nós não é um Deus (FEUERBACH, 2012a, p. 
217). 
Se Deus e o homem são conflitantes entre si, Deus só pode ser elevado às 
custas de um rebaixamento do homem (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 55), o que 
denota que a afirmação de Deus é, do mesmo modo, a negação do homem, uma 
vez que “o homem e a divindade não cabem [...] conjuntamente no mesmo lugar” 
(CABADA CASTRO, 1999, p. 71). Mas se a essência do homem é apontada pela 
natureza, a assunção de Deus sugere necessariamente na supressão da natureza, 
o que dá vazão à crença no milagre e na providência. 
A religião cristã, nesse significado, assume os predicados humanos ou, o 
que é o mesmo, a essência humana como uma essência diferente, separada, 
porque primeira, especial (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 45), tal como é arquitetada 
pelo misticismo que, ao entendimento de Feuerbach, não passa de uma 
“psicopatologia”, “deuteroscopia” (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 110), de “uma mina 
inesgotável de mentiras, ilusões, cegueiras, contradições e sofismas” 
(FEUERBACH, 2012a, p. 217). Por isso, a religião cristã está sujeita a alienação em 
Deus dos atributos humanos idealizados de modo absoluto, ilimitado, sobrenatural 
e, por isso, é dependente da fé, uma vez que esta, em contrassenso absoluto com 
a razão natural, “permite o que a natureza e a razão negam” (FEUERBACH, 2012a, 
p. 142), porque que é ela “[…] o olho espiritual, o olho da força da imaginação; ela 
vê o que não vê, quer dizer, o que não tem presente ante os olhos – a fé não se 
atém ao presente –, ela vê como eu vejo a um ser distante, separado de mim pela 
morte ou pelo espaço. […] [Entretanto,] quem vê o ausente, não vê o presente” 
(FEUERBACH, 2007b, p. 52), o que explica a tese de que “a diferença entre razão 
e fé [seja] um fato psicológico” (FEUERBACH, 2012a, p. 12). 
 
43 
 
Como o homem é provido de razão e a razão possui o poder da abstração, 
a fé faz de Deus o maximum da abstração, o que confere certa prioridade a Deus. 
Contudo, Deus é a expressão da própria razão abstrata do homem, ou, o que é o 
mesmo, “o ser eterno é uma existência abstrata, imóvel, não vital, privada de vida. 
Mas isto é exatamente a mesma razão abstrata” (FEUERBACH, 1982, p. 103 – 
tradução nossa). Sem aceitar isto, o crente ambiciona Deus dotado de prioridade 
ontológica: Deus é precedente, todo o resto, posterior. Não à toa a consequência 
de postular, na “vontade de Deus”, o comprovante para o mundo: este é cunhado 
pela prioridade absoluta de Deus. Assim, a prioridade de Deus recusa a prioridade 
do mundo: este é derivado, segundo, tem sua razão de ser naquele primeiro; ao 
mesmo tempo, a prioridade de Deus demanda, como ato da subjetividade absoluta, 
liberada de materialidade, a existência secundária do mundo; o mundo, a 
objetividade, aufere vida graças à subjetividade. Por isso, diz Feuerbach, a criação 
do mundo, privado da vontade ilimitada e arbitrária da subjetividade absoluta, 
compõe “o mais elevado clímax do princípio da subjetividade” (FEUERBACH, 
2012a, p. 120), do homem místico. 
A vontade assim idealizada não encontra mais qualquer resistência: ela é 
definitivamente determinada apenas por si mesma, por sua arbitrariedade. O mundo 
objetivo é produto dela: tem, portanto, sua existência graças a ela, acarreta uma 
relação de dependência essencial em relação a ela como a uma origem: “o mundo 
é transitório, mas o homem eterno” (FEUERBACH, 2012a, p. 297). Isso quer dizer 
que a existência do mundo é afiançada pela onipotência da vontade arbitrária de 
Deus que, precisamente em razão de seu descomedimento, pode escolher por sua 
dissolução. Assim, a existência do mundo é indecisa, porque este não tem seu 
embasamento em si mesmo, mas num outro, que lhe é primordial (cf. FEUERBACH, 
2012a, p. 296). Por isso, pode Deus intervir a seu “bel prazer” na ordem natural e 
dar a conhecer sua onipotência, o que o vulgo nomeia como “milagre”, cuja 
expressão maior acontece na ideia de “providência” (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 
121), excepcionalmente devotada ao homem, mas não à natureza em geral (cf. 
FEUERBACH, 2012a, p. 123): a providência é, então, a demonstração do egoísmo 
humano em relação à natureza, uma vez que ela, a natureza, 
 
44 
 
não ouve os lamentos do homem - ela é insensível com relação 
aos seus sofrimentos. Por isso o homem dá as costas à natureza, aos 
objetos visíveis em geral - volta-se para dentro, para aqui, escondido dos 
poderes insensíveis, encontrar atenção para os seus sofrimentos. Aqui 
confessa ele os segredos que o angustiam, aqui alivia ele o seu coração 
oprimido. Este alívio do coração, este segredo confessado, esta dor 
externada é Deus. Deus é uma lágrima de amor derramada pela miséria 
humana na mais profunda intimidade (FEUERBACH, 2012a, p. 138). 
Dessa forma, é possível concluir que há, para Feuerbach, uma vinculação 
estreita entre a religião cristã e a afabilidade humana: o homem é indivíduo marcado 
pela carência, pela dependência, pela necessidade (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 
140), consequentemente Deus é a representação da possibilidade de satisfação 
interior da necessidade humana. Se, apesar disso, “para o homem afetivo é a 
imaginação […] a mais elevada atividade, a que o domina” (FEUERBACH, 2012a, 
p. 147), então a posição da necessidade de Deus nada mais é que produto da 
fantasia que domina o homem afetivo, o homem místico, na medida em que 
respalda sua funcionalidade na procura pelo bem-estar, pela satisfação do ilimitado 
desejo humano. No caso do cristianismo, é ainda mais conexo, pois não se trata da 
simples assunção de um Deus distante, como entidade puramente abstrata-
racional, mas de um Deus-homem que adota na sua humanidade a dor, o 
sofrimento, a morte, mas a sobrepuja pelo poder divino que o ressuscita dos mortos. 
Cristo, o segundo indivíduo da trindade divina cristã e a encarnação do conceito 
abstrato num corpo material – como crê o homem que declara a fé cristã – nada 
mais é, para Feuerbach, que “a unidade de afetividade e fantasia” (FEUERBACH, 
2012a, p. 160), enquanto para o cristão, que o toma por Aquele que profere em si a 
dupla natureza (divina e humana) em união hipostática, a aceitação d’Ele não pode 
abstrair do elemento da fé. 
Por isso, sustenta Feuerbach, o homem religioso é um ser de fé, posto que 
a fé é a condição para o milagre, para o fantástico – inclusive para explicar a dupla 
natureza de Cristo que é, por si mesma, um milagre; simultaneamente, contudo, 
segundo pensa Feuerbach, o homem religioso é uma pessoa de fé também em 
função do medo, em consequência do apelo dafé à afetividade. Daí que 
mesmo que a minha fé devesse ser livre quanto à sua origem, o 
medo sempre se mistura com ela; a minha afetividade está sempre presa; 
 
45 
 
a dúvida, o princípio da liberdade teorética, me aparece como um delito. 
Mas o conceito mais elevado, a essência mais elevada da religião é Deus: 
o supremo delito é, portanto, a dúvida em Deus ou a dúvida, se existe um 
Deus (FEUERBACH, 2012a, p. 194). 
A fé do homem afetivo se conecta ao fantástico e até antinatural, e essa é 
a premissa imprescindível para que seja espectador de milagres. De fato, é o 
milagre a decorrência da fé (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 307); e mesmo que a fé 
contrarie frontalmente a razão natural, isto não é ressaltante para a afetividade do 
homem místico, pois tudo o que este almeja é um mundo em que suas pretensões 
podem ser inteiramente satisfeitos, sem qualquer embarreiramento objetivo 
concreto, de forma que “Deus é a existência correspondente aos meus desejos e 
sentimentos: ele é o justo, o bom, aquele que realiza os meus desejos” 
(FEUERBACH, 2012a, p. 182): por isso, relata Feuerbach, “Deus faz a vontade do 
homem” (FEUERBACH, 2012a, p. 304). O mundo objetivo, que firmemente oferece 
resistência à satisfação da ansiedade incondicional do desejo, é, então, concebido 
como um obstáculo, um problema; “a natureza, este mundo é uma existência que 
contradiz os meus desejos, os meus sentimentos” (FEUERBACH, 2012a, p. 182), 
daí a precisão de postular a inessencialidade do mundo, o alheamento da natureza. 
A consequência é que 
quanto mais o homem se afasta da natureza, quanto mais 
subjetiva, i. e., sobre e antinatural se torna a sua concepção, tanto maior é 
o seu repúdio pela natureza ou pelas coisas e processos naturais que 
desagradam a sua fantasia, que lhe impressionam negativamente. O 
homem livre, objetivo certamente encontra também na natureza muita 
coisa nojenta e repelente, mas ele entende isso como uma consequência 
natural, inevitável e dentro desta concepção supera os seus sentimentos 
como sendo apenas sentimentos subjetivos, ilegítimos. O homem 
subjetivo, que só vive na afetividade e na fantasia, ao contrário, encara 
essas coisas com uma contrariedade especial. Ele possui o olho daquele 
infeliz descobridor que até na mais bela flor só percebeu os minúsculos 
“escaravelhos negros” que nela corriam e que com esta observação 
perdeu o prazer de contemplar a flor. O homem subjetivo transforma os 
seus sentimentos num critério do que deve ser. Tudo aquilo que não lhe 
agrada, que ofende a sua sensibilidade sobre ou antinatural, não deve 
existir. Mesmo que o que lhe agrada não possa existir sem o que lhe 
desagrada (o homem subjetivo não se baseia nas leis monótonas da lógica 
e da física, mas na arbitrariedade da fantasia) abandona ele numa coisa o 
que lhe desagrada, conservando o que lhe agrada (FEUERBACH, 2012a, 
p. 151). 
 
46 
 
A religião tem em seu núcleo, portanto, também o envolvimento da 
afetividade, do sentimento, o que denota que guarda relação com outro elemento 
basal da essência humana, pensado como próprio de uma outra essência, diferente 
da humana. Aqui resiste, porquanto, um grande paradoxo para o homem religioso: 
ele provém sua existência de um ente abstrato, de um Deus-fantasma, cujas 
características são as suas próprias separadas das limitações naturais; por isso, a 
vida que ambiciona por viver é precisamente uma vida sem as barreiras físicas, sem 
as obstruções concretas ao seu bem-estar, aquilo que, a juízo de sua fé, lhe estaria 
disponível numa outra vida, arquitetada como verdadeira, a vida que não morre, a 
vida do além, a vida do céu. Explicando a questão no “Apêndice” de “A Essência do 
Cristianismo”, Feuerbach diz de Deus que este é, a juízo do homem de fé, 
o Actus purus, a mera atividade pura sem passividade, i. e., sem 
corpo, a atividade do olho, mas sem olhos, a atividade da cabeça, o pensar, 
mas sem cabeça. A questão: ‘Existe um Deus?’ é portanto a questão: 
existe um ver sem olhos, um pensar sem cabeça, um amor sem coração, 
uma geração sem órgão genital, um parir sem útero? ‘Eu creio em Deus’ 
significa: eu creio numa energia sem instrumento, num espírito sem 
natureza ou corpo, num abstrato sem concreto, numa essência sem ser, i. 
e., eu creio no milagre” (FEUERBACH, 2012a, p. 283); 
trata-se, portanto, da crença não somente na supra, mas especialmente na 
antinaturalidade da divindade, posto que “a natureza só ouve através do ouvido, só 
vê através do olho, só pensa através do cérebro” (FEUERBACH, 2012a, p. 285). 
Por isso, continua, o cristianismo desenvolve a ideia de um corpo sobrenatural, de 
um corpo sem corpo, um corpo espiritual como o verdadeiro corpo, este mesmo 
“[…] eterno, i. e., um corpo do qual são retirados todos os instintos objetivos, 
sensoriais, toda a carne, toda a natureza, […] é a matéria real, i. e., sensorial, carnal, 
negada, estabelecida como nula” (FEUERBACH, 2012a, p. 314). A consequência 
desta proposição não é outra senão a de que se “[…] para a teologia […] somente 
é verdadeiro o que para ela é sagrado, […] para a filosofia somente é sagrado o 
[que é] verdadeiro” (FEUERBACH, 2009, p. 23). 
No limite, a concepção da religião cristã determina que a vida, para o 
cristão, consista essencialmente na morte da materialidade, na morte do corpo (cf. 
 
47 
 
FEUERBACH, 2012a, p. 310) e, por isso mesmo, na separação do mundo (cf. 
FEUERBACH, 2012a, p. 297): assim, 
quando a vida celestial é uma verdade, é a vida terrena uma 
mentira, quando a fantasia é tudo, a realidade não é nada. Quem crê numa 
vida celestial eterna, para ele esta vida perde o seu valor. Ou antes, já 
perdeu o seu valor: a crença na vida celestial é exatamente a crença na 
nulidade e imprestabilidade desta vida (FEUERBACH, 2012a, p. 172). 
A outra vida se confere, portanto, como uma espécie de compensação 
fantasiosa ou mesmo como uma rejeição psicológica subjetiva daquilo que o sujeito 
quer, mas não pode, em função das limitações estabelecidas por sua natureza. A 
consequência substancial não pode ser diferente desta: a privação é a genitora do 
“outro mundo”, do mundo da subjetividade interminável, do paraíso supraterreno, 
sobrenatural, imaterial e incorruptível; daí que “o além é apenas a realidade de uma 
ideia conhecida, a satisfação de um anseio consciente, a realização de um desejo: 
é apenas a supressão das limitações que aqui se contrapõem à realidade da ideia” 
(FEUERBACH, 2012a, p. 185) e, por isso, “o além é o aquém contemplado em 
imagem, embelezado, purificado de qualquer matéria bruta” (FEUERBACH, 2012a, 
p. 189). 
O além representa, então, o triunfo da subjetividade sobre a natureza, a 
superação do aquém e de suas contradições e indignidades, posto que o aquém, a 
natureza, além de coisas belas, também “[…] apresenta em si imperfeições, 
anomalias, excrescências que vão sendo extintas ou corrigidas aos poucos, num 
tatear evolutivo que leva milhões de anos. […] Ela […] [também] nos mostra […] 
degeneração, degradação, decadência” (BRANDÃO, 2009, p. 10). Por isso, o 
mundo é idealizado pelo crente como o locus da dor e da miséria, que deve ser 
exilado, execrado, para que chegue o “verdadeiro mundo”, eterno e inalterável, o 
mundo perfeito e feliz. O destino do homem afetivo, reflete ele, é achegar-se ao que 
é preciso, ao antinatural, é o céu, uma vez que “tudo que é necessário para a 
afetividade é também algo real” (FEUERBACH, 2012a, p. 159). Assim o sujeito 
abandona, como má, a natureza, esquecendo-se de que 
o homem é o que é pela natureza, por mais que deva o que é 
também à sua própria atividade; mas também a sua própria atividade 
 
48 
 
encontra o seu fundamento na natureza, i. e., na sua natureza. Sede gratos 
à natureza! O homem não se deixa separar dela (FEUERBACH, 2012a, p. 
187). 
Conforme aponta Feuerbach, a consequência de tal constatação não 
poderia ser diferente: “a religião nos aliena e desvia da nossa essência” 
(FEUERBACH,2012a, p. 237), uma vez que consagra a incoerência com a razão 
natural (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 243), com a moral natural (cf. FEUERBACH, 
2012a, p. 245; 256), com a conexão comunitário entre os homens (cf. FEUERBACH, 
2012a, p. 246), com o amor humano (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 256; 258; 260), e, 
portanto, com a essência humana como um todo, na medida em que endeusa a 
razão e o sentimento como uma essência apartada do homem (cf. FEUERBACH, 
2012a, p. 280). Pela reflexão teológica, a religião cristã organiza uma teoria 
sobrenatural que, no limite, representa (i) a contraditoriedade teórica com a 
atividade da razão – que, para o crente, se compendia no conhecimento de Deus, 
cuja detenção só está disponível ao cristão, uma vez que Ele só desponta sua 
essência verdadeira e individual no cristianismo (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 288) 
–, o que a torna uma uma “fé em fantasmas” (cf. FEUERBACH, 2005f, p. 88) e (ii) 
a antinaturalidade prática (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 271), a qual deve conduzir a 
vida cristã, visto que “a meta e o objetivo prático do cristão é exclusivamente o céu” 
(FEUERBACH, 2012a, p. 288), o que corrobora a tese de que ao cristão não 
interessa o desenvolvimento da cultura , que “não tem outro objetivo a não ser 
realizar um céu terreno” (FEUERBACH, 2012a, p. 220) e se baseia na necessidade 
de contemplação de si por meio do outro e do mundo em geral (cf. FEUERBACH, 
2012a, p. 171). 
Assim, o que está camuflado “por trás” da religião cristã não é nada além 
da antropologia: na relação do homem com Deus existe uma relação do homem 
com o seu universal, com o seu gênero, não extraído de sua singularidade, o que 
concebe um aspecto absolutamente positivo. O negativo surge quando a religião, 
torna-se em teologia, teoriza o conceito de Deus e o deixa estranho ao homem, 
distinto dele : neste momento, ela trama uma antropologia paradoxalmente contrária 
àquilo que o homem é, porque “[...] o deísmo e a teologia arrancaram o homem de 
 
49 
 
sua esfera primitiva, natural e humana, e o tem isolado, como se fosse um ser 
independente da Natureza” (FEUERBACH, 1948, p. 28); a acusação de Feuerbach 
é enfática: “o cristianismo transformou o homem em um ser extramundano, 
sobrenatural” (FEUERBACH, 2012a, p. 308) e, ao fazer isso, ao tempo em que 
recusou aos seres humanos o que torna plausível a sua existência, metamorfoseou 
a relação intersubjetiva pela mudança do homem por Deus como “critério absoluto” 
(cf. FEUERBACH, 2012a, p. 48) para a ação humana. 
Devido isso, a ilusão religiosa acaba por deturpar a ética e a política 
humanas, uma vez que, amparada pelo “sentimento de conveniência” (cf. 
FEUERBACH, 2012a, p. 51) e, assim sendo, por um simples “prazer do egoísmo” 
(cf. FEUERBACH, 2012a, p. 57) que se fundamenta na consciência religiosa, 
adotada erroneamente como critério da verdade (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 100), 
torna nula a vida comunicativa, a vida relacional entre os seres humanos, a “vida 
verdadeira” (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 92). Isso acontece quando se assume o 
próprio conceito de Deus no cristianismo, visto que o monoteísmo nada mais é que 
a negação da relacionabilidade de Deus, já que “Deus é […] o Eu sem o Tu. […] 
[Por isso, é] o ser somente-para-si-mesmo [que] contradiz o conceito da verdadeira 
vida, o conceito do amor” (FEUERBACH, 2012a, p. 127). 
Por conseguinte, egoísmo e monoteísmo não são diferentes: são a 
expressão da unidade do “em-si” e do “para-si” de Deus. Por esse motivo, 
Feuerbach recomenda que 
o egoísmo é essencialmente monoteístico, porque ele só tem 
uma coisa por meta: a si mesmo. O egoísmo recolhe, concentra o homem 
sobre si mesmo; ele lhe fornece um princípio de vida sólido, denso, mas 
limita-o teoricamente, porque é indiferente a tudo que não se relacione 
imediatamente com o próprio bem-estar (FEUERBACH, 2012a, p. 131). 
É nesse sentido que compete dizer que, a rigor, o cristianismo nega a 
comunidade em função da peculiaridade, despreza o gênero humano pela 
exaltação do sujeito (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 163), pelo “excesso de 
subjetividade” (FEUERBACH, 2012a, p. 170), de forma que o relacionamento 
intersubjetivo fica obstacularizado. Mais ainda quando se traz em conta o elemento 
 
50 
 
específico da fé, justificadamente tomado como condição imprescindível para a 
religião, pois 
a fé separa Deus do homem, portanto, o homem do homem; 
porque Deus nada mais é que o conceito genérico místico da humanidade, 
a separação de Deus do homem é, portanto, a separação do homem, a 
dissolução da união comunitária. […] [Assim,] a fé separa: isto é 
verdadeiro, isto falso. E somente a si atribui a verdade. […] A fé é por 
natureza exclusiva (FEUERBACH, 2012a, p. 246). 
A fé é exigente: corrobora a verdade a ser crida e, por isso, sustenta-se em 
si e por si mesma, recomendando sua não-aceitação como reprovável. Quem crê, 
tem a detenção da verdade; o que não crê é julgado como errado e mau, pois não 
acolhe a verdade. Está no alicerce da fé a ideia de condenação, que é devida ao 
que não acredita. Ao se contrapor à fé, o incrédulo se contrapõe a Deus mesmo, ao 
Bem supremo; se se contrapõe ao bem, é porque é mau; se é mau, está execrado. 
Daí o motivo do amor no cristianismo ser ilusório: ele só se conduz aos 
crentes, pois os incrédulos estão condenados de antemão, caso não aceitem a 
verdade cristã. Por isso a fé é fundamentalmente dissociativa e intolerante: ela nega 
a conexão natural entre os homens (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 251), o amor, e 
coloca em seu lugar um vínculo especial, aquele da crença; ao fazer isso, 
contrapõe-se ao amor, é-lhe indiferente (cf. FEUERBACH, 2012a, p. 258), posto 
que, a juízo de Feuerbach, “um amor limitado pela fé é um amor ilegítimo” 
(FEUERBACH, 2012a, p. 260) porque evita o amor ao homem pelo que ele é. 
 
 
 
 
 
 
 
 
51 
 
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