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Tukano - Povos Indígenas no Brasil
Os índios que vivem às margens do Rio Uaupés e seus afluentes – Tiquié,
Papuri, Querari e outros menores – integram atualmente 17 etnias, muitas das
quais vivem também na Colômbia, na mesma bacia fluvial e na bacia do Rio
Apapóris (tributário do Japurá), cujo principal afluente é o Rio Pira-Paraná.
Esses grupos indígenas falam línguas da família Tukano Oriental (apenas os
Tariana têm origem Aruak) e participam de uma ampla rede de trocas, que
incluem casamentos, rituais e comércio, compondo um conjunto sócio-cultural
definido, comumente chamado de “sistema social do Uaupés/Pira-Paraná”. Este,
por sua vez, faz parte de uma área cultural mais ampla, abarcando populações
de língua Aruak e Maku.
As etnias que estão na região do Rio Uaupés são, além dos Arapaso, Bará,
Barasana, Desana, Karapanã, Kubeo, Makuna, Mirity-tapuya, Pira-
tapuya, Siriano, Tariana, Tukano, Tuyuca, Kotiria, Tatuyo, Taiwano,
Yuruti (as três últimas habitam só na Colômbia). Estão no noroeste da
Amazônia, às margens do Rio Uaupés e seus afluentes
O total populacional é de 11.130 no Brasil (em 2001) e 18.705 na Colômbia (em
2000).
Para saber mais informações sobre o Noroeste Amazônico acesse o verbete
especial sobre a região
Línguas
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tariana
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tariana
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Maku
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Maku
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Arapaso
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Arapaso
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Bar%C3%A1
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Bar%C3%A1
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Barasana
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Barasana
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Desana
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Desana
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Karapan%C3%A3
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Karapan%C3%A3
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kubeo
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kubeo
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Makuna
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Makuna
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Mirity-tapuya
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Mirity-tapuya
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Pira-tapuya
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Pira-tapuya
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Pira-tapuya
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Pira-tapuya
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Siriano
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Siriano
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kotiria
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kotiria
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Etnias_do_Rio_Negro
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Etnias_do_Rio_Negro
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Etnias_do_Rio_Negro
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Etnias_do_Rio_Negro
Crianças tuyuka. Foto: Aloisio Cabalzar, 2002.
A família lingüística Tukano Oriental engloba pelo menos 16 línguas, dentre as
quais o Tukano propriamente dito é a que possui maior número de falantes. Ela
é usada não só pelos Tukano, mas também pelos outros grupos do Uaupés
brasileiro e em seus afluentes Tiquié e Papuri. Desse modo, o Tukano passou a
ser empregado como língua franca, permitindo a comunicação entre povos com
línguas paternas bem diferenciadas e, em muitos casos, não compreensíveis
entre si.
Em alguns contextos, o Tukano passou a ser mais usado do que as próprias
línguas locais. A língua tukano também é dominada pelos Maku, já que precisam
dela em suas relações com os índios Tukano. Já as línguas classificadas como
tukano ocidentais são faladas por povos que habitam a região fronteiriça entre
Colômbia e Equador, como os Siona e os Secoya.
Considerando o significativo número de pessoas da bacia do Uaupés que estão
residindo no Rio Negro e nas cidades de São Gabriel e Santa Isabel, estima-se
que cerca de 20 mil pessoas falem o Tukano. As outras línguas desta família são
faladas por populações menores, predominando em regiões mais limitadas. É o
caso dos Kotiria e Kubeo no Alto Uaupés, acima de Iauareté; do Pira-tapuya no
Médio Papuri; do Tuyuka e Bará no Alto Tiquié; e do Desana em comunidades
localizadas no Tiquié, Papuri e afluentes.
Saiba mais
Língua Desana @ Museu do Índio
http://img.socioambiental.org/d/209266-1/uaupes_2.jpg
http://img.socioambiental.org/d/209266-1/uaupes_2.jpg
http://prodoclin.museudoindio.gov.br/index.php/etnias/desano/lingua
http://prodoclin.museudoindio.gov.br/index.php/etnias/desano/lingua
Localização
Fonte: Instituto Socioambiental.
O Rio Uaupés tem cerca de 1.375 Km de extensão. De sua foz do Rio Negro até a
desembocadura do Rio Papuri, o Uaupés está situado em território brasileiro e
percorre cerca de 342 Km. Entre este ponto e a foz do Querari, serve de
fronteira entre o Brasil e a Colômbia por mais de 188 Km. A partir daí até as
suas cabeceiras se situa em território colombiano e percorre 845 Km.
Navegando no Uaupés, H. Rice (1910) contou 30 cachoeiras maiores e 60
menores.
Depois do Rio Branco, o Rio Uaupés é o maior tributário do Rio Negro.
http://img.socioambiental.org/d/209269-1/uaupes_3.gif
http://img.socioambiental.org/d/209269-1/uaupes_3.gif
Atualmente, o nome Uaupés é o mais usado (no Brasil, já que na Colômbia fala-
se mais Vaupés), mas também é conhecido como Caiari. Em seu curso, o Uaupés
recebe as águas de outros grandes rios, como o Tiquié, o Papuri, o Querari e o
Cuduiari.
Os principais núcleos de povoamento do Rio Uaupés são a cidade de Mitu,
capital do departamento colombiano do Vaupés, e Iaraueté, que é sede de um
distrito do município de São Gabriel. Iaraueté, além de ser um centro de
ocupação tradicional dos Tariana, abriga também uma grande missão dos
salesianos e um pelotão de fronteira do exército. Existem ainda outras duas
missões salesianas na bacia do Uaupés, uma em Taracuá (na confluência desse
rio com o Tiquié) e outra no Alto Tiquié, chamada Pari-Cachoeira. Também há
um destacamento do Exército na confluência do Querari com o Uaupés e outro
em Pari-Cachoeira.
Etnias e demografia
No Rio Uaupés e em seus afluentes existem atualmente mais de 200 povoados e
sítios. Membros dessas etnias também estão presentes nas cidades da região,
sobretudo em São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel e Barcelos. As etnias
presentes na bacia do Uaupés são as seguintes:
1) Arapaso: Etnia de origem tukano oriental que atualmente fala apenas a língua
tukano. Vivem no Médio Uaupés, abaixo de Iauareté, em povoados como Loiro,
Paraná Jucá e São Francisco. Várias famílias também moram no Rio Negro e em
São Gabriel.
2 ) Bará: Autodenominam-se Waípinõmakã. Habitam principalmente as
cabeceiras do Rio Tiquié, acima do povoado de Trinidad, já na Colômbia; o Alto
Igarapé Inambú (afluente do Papuri) e o Alto Colorado e Lobo (afluentes do
Pira-Paraná). Dividem-se em cerca de oito sibs (grupos de descendentes de um
ancestral comum que não podem casar entre si). São especialistas no preparo do
aturá de turi, muito usado onde não são disponíveis os aturás de cipó maku.
Também fabricam o carajuru. São hábeis ainda na confecção de canoas.
Atualmente são os principais especialistas na fabricação dos adornos de plumas
usados nas grandes cerimônias.
3) Barasana: Autodenominam-se Hanera. Vivem nos igarapés Tatu, Komeya,
Colorado e Lobo, afluentes do Pira-Paraná, e no próprio Pira-Paraná, em
território colombiano. Também encontram-se dispersos na bacia do Uaupés, no
Brasil. Registram-se 36 subdivisões nomeadas.
4) Desana: Autodenominam-se Umukomasã. Habitam principalmente o Rio
Tiquié e seus afluentes Cucura, Umari e Castanha; o Rio Papuri (especialmente
em Piracuara e Monfort) e seus afluentes Turi e Urucu; além de trechos do Rio
Uaupés e Negro (inclusive cidades da região). Existem aproximadamente 30
divisões entre os Desana, entre chefes, mestres de cerimônia, rezadores e
ajudantes. Este número pode variar segundo a fonte. Os Desana são especialistas
em certos tipos de cestos trançados, como apás grandes (balaios com aros
internos de cipó) e cumatás.
5) Karapanã:Autodenominam-se Muteamasa, Ukopinõpõna. Vivem no caño Tí
(afluente do Alto Vaupés) e Alto Papuri, na Colômbia. No Brasil, se encontram
dispersos em alguns povoados do Tiquié e Negro. Tinham cerca de oito
subdivisões, mas provavelmente apenas quatro delas deixaram descendentes.
6) Kubeo: Autodenominam-se Kubéwa ou Pamíwa. Possuem uma língua bem
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Arapaso
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Arapaso
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Bar%C3%A1
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Bar%C3%A1
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Barasana
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Barasana
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Desana
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Desana
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Karapan%C3%A3
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Karapan%C3%A3
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kubeo
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kubeo
particular da família Tukano Oriental, sendo por isso algumas vezes classificada
como Tukano Central. Em sua grande maioria, se encontram residindo em
território colombiano, na região do Alto Uaupés, incluindo seus afluentes
Querari, Cuduiari e Pirabatón. No Brasil, ocupam três povoados no Alto Uaupés
e estão em pequeno número no Alto Aiari. Estão divididos em aproximadamente
30 sibs nomeados. Estes sibs, por sua vez, estão agrupados em três fratrias não
nomeadas que funcionam como unidades para trocas matrimoniais; em outras
palavras, ao contrário da maioria das outras etnias do Uaupés, os Kubeo
costumam casar-se entre si, pessoas que falam a mesma língua. São
especializados na fabricação das máscaras de tururi.
7) Makuna: Autodenominam-se Yeba-masã. Vivem principalmente no território
vizinho da Colômbia, concentrando-se no Caño Komeya, afluente do Rio Pira-
Paraná, no baixo curso deste rio, e no Baixo Apapóris. No Brasil, são
encontrados no Alto Tiquié e nos seus afluentes, os igarapés Castanha e Onça.
Estão divididos em cerca de 12 sibs. São especializados em zarabatanas e curare,
são também hábeis fabricantes de canoas, além de fornecerem remos leves e
muito bem acabados aos índios do Alto Tiquié.
8) Miriti-tapuya ou Buia-tapuya: Atualmente falam apenas a língua tukano. São
habitantes tradicionais do Baixo e Médio Tiquié, destacando-se as comunidades
de Iraiti, São Tomé, Vila Nova e Micura.
9) Pira-tapuya: Autodenominam-se Waíkana. Estão situados no Médio Papuri
(nas proximidades de Teresita) e no Baixo Uaupés. Migraram e vivem também
em localidades do Rio Negro e em São Gabriel.
10) Siriano: Autodenominam-se Siria-masã. Moram no Caño Paca e Caño Viña,
afluentes do Alto Papuri, em território colombiano. No Brasil são encontrados
dispersos em rios da bacia do Uaupés e no Rio Negro. Há informações
referentes a 27 sibs siriano.
11) Taiwano, Eduria ou Erulia: Autodenominam-se Ukohinomasã. Habitam o
Caño Piedra e Tatu, afluentes do Rio Pira-Paraná, e o Rio Cananari, afluente do
Apapóris. Todas estas áreas estão situadas em território colombiano. Há
informações que dão conta de oito subdivisões internas.
12) Tariana: Autodenominam-se Taliaseri. Diferentemente das outras etnias da
bacia do Uaupés, a maioria dos Tariana adotaram o Tukano Oriental, mas
falavam outrora uma língua pertencente à família Aruak, e algumas
comunidades ainda a falam. Atualmente moram no Médio Uaupés, Baixo Papuri
e Alto Iauiari. O centro do povoamento fica entre as cachoeiras de Iauareté e
Periquito. São especializados em implementos de pesca como caiá, cacuri,
matapi.
13) Povo: Tatuyo: Autodenominam-se Umerekopinõ. Habitam uma área situada
na Colômbia: o Alto Rio Pira-Paraná, o Alto Tí e o Caño Japu. No Brasil, são
representados sobretudo por mulheres casadas com homens de outras etnias.
Existem cerca de oito subdivisões internas.
14) Tukano: Autodenominam-se Ye’pâ-masa ou Daséa. É a etnia mais numerosa
da família lingüística Tukano Oriental. Concentram-se principalmente nos rios
Tiquié, Papuri e Uaupés; mas também estão morando no Rio Negro, a jusante da
foz do Uaupés, inclusive na cidade de São Gabriel. É possível que existam mais
de 30 subdivisões entre os Tukano, cada qual com um nome e, idealmente,
compondo um conjunto hierarquizado. Atualmente, com todas as dispersões
ocorridas nos últimos séculos, as posições hierárquicas são razão de polêmicas e
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Makuna
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Makuna
https://pib.socioambiental.org/pt/index.php?title=Povo:Miriti-tapuya&action=edit&redlink=1
https://pib.socioambiental.org/pt/index.php?title=Povo:Miriti-tapuya&action=edit&redlink=1
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Pira-tapuya
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Pira-tapuya
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Siriano
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Siriano
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tariana
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tariana
https://pib.socioambiental.org/pt/index.php?title=Povo:Tatuyo&action=edit&redlink=1
https://pib.socioambiental.org/pt/index.php?title=Povo:Tatuyo&action=edit&redlink=1
versões variadas. Os Tukano são fabricantes tradicionais do banco ritual, feito de
madeira (sorva) e pintado, na parte do assento, com motivos geométricos
semelhantes àqueles dos trançados. É um objeto muito valorizado, obrigatório
nas cerimônias e rituais, onde se sentam os líderes, kumua (benzedores) e bayá
(chefes de cerimônia).
15) Tuyuka: Autodenominam-se Dokapuara ou Utapinõmakãphõná. Estão
concentrados principalmente no Alto Rio Tiquié, entre a Cachoeira Caruru e o
povoado colombiano de Trinidad, incluindo os igarapés Onça, Cabari e Abiyú.
Estão presentes também no trecho do Rio Papuri próximo à fronteira
Brasil/Colômbia e em seu afluente Inambú. Possuem cerca de 15 sibs nomeados.
São exímios construtores de canoas e, antigamente, eram especialistas na
confecção de redes feitas de fibras de buriti. Também são especializados na
confecção do cesto urupema, trançado de finíssimas talas de arumã, usado para
coar sumo de frutos.
16) Kotiria: Autodenominam-se Kótiria. Predominam no Médio Uaupés, entre a
cachoeira de Arara e Mitú. Entre Arara e Taracuá (do Alto Uaupés), os Kotiria
são hegemônicos; acima daí, convivem em território onde a maioria é Kubeo. Há
informações de que existem 25 divisões entre os Kotiria. Sua especialidade no
âmbito das relações de troca interétnica é o preparo do carajuru, um pó corante
feito com as folhas de um cipó, muito usado na confecção de artefatos rituais e
na pintura do banco tukano, bem como para a pintura corporal. Também são
hábeis cesteiros e produtores de objetos de tururi.
17) Yuruti: Autodenominam-se Yutabopinõ. Etnia de língua tukano oriental,
ocupa o Alto Paca (afluente do Alto Papuri) e os caños Yi e Tui e áreas vizinhas
do Vaupés onde estes igarapés desaguam (em território colombiano). Há
informações que possuem nove sibs.
A seguir, é apresentada uma tabela com a estimativa populacional de cada etnia:
Etnia População no Brasil
Arapaso 328
Bará 39
Barasana 61
Desana 1.531
Karapanã 42
Kotiria 447
Kubeo 287
Makuna 168
Mirity-tapuya 95
Pira-tapuya 1.004
Siriano 17
Taiwano 0
Tariana 1914
Tatuyo 0
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tuyuka
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tuyuka
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kotiria
https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kotiria
https://pib.socioambiental.org/pt/index.php?title=Povo:Yuruti&action=edit&redlink=1
https://pib.socioambiental.org/pt/index.php?title=Povo:Yuruti&action=edit&redlink=1
Tukano 4.604
Tuyuca 593
Yuruti 0
TOTAL 11.130
Identidade e diferença
Maloca na região do Uaupés. Foto: Acervo Museu do Índio, 1931.
Junto com seus vizinhos aruak, os Tukano - que serão tratados nesta seção como
povos tukano, de modo que o grupo Tukano será diferenciado com letra inicial
maiúscula- compõem um sistema sócio-político flexível, cuja integração se dá
através de redes de intercâmbio recíproco envolvendo visitas, trocas,
casamentos e rituais. A dinâmica desse sistema regional implica a articulação
entre semelhança e diferença,entre um repertório comum que confere aos
grupos que o compõem alguma medida de identidade e aquilo que os
diferenciam uns dos outros, possibilitando a interdependência entre eles.
Comecemos com as semelhanças.
http://img.socioambiental.org/d/209272-1/uaupes_4.jpg
http://img.socioambiental.org/d/209272-1/uaupes_4.jpg
Índio Bara com seu filho no Alto Papuri. Foto: Jean Jackson, 1969.
Os Tukano compartilham uma área geográfica contínua e um mesmo modo de
vida básico, que inclui a caça e coleta, mas no qual predomina a pesca e a
agricultura de coivara, sendo a "mandioca brava" o principal produto. No
passado, todos moravam em casas comunais (ou malocas) de estilo
relativamente uniforme: uma grande construção retangular com teto maciço de
forma triangular e portas em cada ponta. Falam línguas muito próximas no que
diz respeito à gramática e ao vocabulário. Também compartilham convenções
sobre o uso dessas línguas: a maioria fala pelo menos duas línguas e
freqüentemente compreende outras, privilegiando a língua paterna nas
conversas cotidianas. Esses povos têm ainda estilos de ornamentação corporal
semelhantes e, embora as palavras e melodias possam ser diferentes, usam os
mesmos instrumentos musicais e a sua música, danças e cantos têm uma base
comum. Tais convenções relativas ao modo-de-vida, organização espacial,
língua, fala, adornos, música e dança integram o sistema comum de
comunicação verbal e não-verbal dos povos do Uaupés, que se expressa mais
plenamente nos rituais inter-comunitários.
http://img.socioambiental.org/d/209275-1/uaupes_5.jpg
http://img.socioambiental.org/d/209275-1/uaupes_5.jpg
Pedro Garcia, da etnia Tariano. Foto: Miguel Chaves, 1998.
Cada grupo tem as suas próprias histórias, mas também compartilham um
corpus mitológico comum. Os mitos explicam as origens do cosmos,
descrevendo um mundo perigoso e indiferenciado, sem limites precisos de
tempo e espaço, sem diferença entre gente e animal. As narrativas míticas
explicam como os feitos dos primeiros seres geraram as feições da paisagem e
como o mundo se tornou paulatinamente seguro para a emergência dos
verdadeiros seres humanos. Há um mito de origem chave nesse repertório que
explica como uma Anaconda-ancestral penetrou o universo/casa através da
"porta da água" no leste e subiu os rios Negro e Uaupés com os ancestrais de
toda humanidade dentro de seu corpo. Inicialmente, esses ancestrais-espíritos
tiveram a forma de ornamentos de pena, mas foram transformados em seres
humanos no curso da sua viagem. Quando alcançaram a cachoeira de Ipanoré, o
centro do universo, eles emergiram de um buraco nas rochas e se deslocaram
para os seus respectivos territórios. Essas narrativas compartilhadas entre os
povos do Uaupés expressam uma compreensão comum do cosmos, do lugar dos
seres humanos nele e das relações que deveriam existir entre diferentes povos,
bem como entre eles e outros seres.
Em contrapartida, cada grupo tem uma identidade singular e um lugar
específico dentro do sistema. A população divide-se em aproximadamente 17
grupos exogâmicos, cada qual com direitos sobre um território específico ou
trecho de rio com características e potenciais diferentes. Somado a esses fatores
ecológicos de diferenciação, cada grupo é tradicionalmente associado à
produção de artefatos específicos; assim, os Tukano fabricam banquinhos, os
Desana cestos, os Tuyuka canoas etc. Essa produção especializada constitui um
aspecto da identidade grupal e mobiliza os cerimoniais de troca (ou dabukuris)
http://img.socioambiental.org/d/209278-1/uaupes_6.jpg
http://img.socioambiental.org/d/209278-1/uaupes_6.jpg
que são um dos principais componentes das atividades rituais características da
região. Em tais festas, os diferentes grupos se reúnem para dançar, beber caxiri,
exibir os seus ornamentos de penas, recitar as linhagens de seus antepassados e
trocar os seus produtos (banquinhos por canoas, peixe por carne de caça etc.).
Cada grupo tem a sua própria língua, o seu conjunto particular de nomes
pessoais, os seus específicos cantos de dança e as suas próprias genealogias e
narrativas de origem. Cada um tem um ancestral originário da Anaconda que
trouxe o povo para o seu território particular. O corpo dessa Anaconda é
replicado no trecho do rio onde esse grupo mora, nas malocas em que habitam e
na composição dos grupos. A língua, os nomes próprios, os cantos, as histórias e
outras formas de discurso operam como emblemas de identidade, afirmam
direitos territoriais e privilégios rituais, assim como manifestam aspectos da
vida, alma e espírito do grupo.
Cada grupo também possui um ou mais conjuntos de Yurupari - flautas e
trombetes sagrados feitos do tronco da palmeira paxiúba -, que são os ossos de
seu ancestral e que incorporam o seu sopro e canto. Junto com as festas e trocas
cerimoniais, os rituais envolvendo esses instrumentos musicais - símbolos
condensados da identidade, espírito e poder grupal - formam o outro grande
componente da vida ritual dos Tukano. Enquanto a troca cerimonial enfatiza a
equivalência e interdependência mútua entre grupos diferentes, os rituais de
Yurupari realçam a identidade singular de cada um.
[fevereiro de 2003]
Piutr Jaxa, antigo habitante de Pari-Cachoeira, no Uaupés, e que
atualmente vive na Terra Indígena Balaio. Foto: Piort Jaxa, 1993.
Os grupos Tukano são patrilineares e exogâmicos, isto é, os indivíduos
pertencem ao grupo de seu pai e falam a sua língua, mas devem se casar com
membros de outros grupos, idealmente falantes de outras línguas.
Externamente, os grupos são equivalentes mas distintos; internamente, cada um
consiste em um número de clãs hierarquicamente ordenados. Os ancestrais
desses clãs eram os filhos do primeiro ancestral Anaconda e a sua ordem de
nascimento, que corresponde à ordem de emergência do corpo de seu pai,
determina a sua classificação: os clãs de posição mais alta são coletivamente
considerados "irmãos maiores" para aqueles de posição mais baixa. A posição do
clã é associada a uma hierarquia, sendo ainda frouxamente correlacionada a
residência: os clãs de mais alto grau tendem a viver em lugares mais favoráveis
nas partes mais baixas dos rios, enquanto os clãs de menor grau freqüentemente
vivem nas áreas de cabeceiras ou as partes mais altas dos rios. A classificação do
clã também tem os seus correlatos rituais: os clãs de posição mais alta, as
"cabeças da Anaconda", são "chefes" que patrocinam os principais rituais e
controlam os ornamentos de dança do grupo e os Yurupari; os clãs de posição
mediana são especialistas de danças e cânticos; abaixo deles são os xamãs; e o
grau mais baixo é ocupado pelos clãs servos, a "cauda da Anaconda", que por
vezes são identificados com os semi-nômades Maku que vivem nas zonas
interfluviais.
http://img.socioambiental.org/d/209281-1/uaupes_7.jpg
http://img.socioambiental.org/d/209281-1/uaupes_7.jpg
Índios Wanana. Foto: Curt Nimuendaju, década de 1930.
Essa hierarquia de papéis especializados e privilégios rituais fica muito evidente
durante os rituais coletivos em que se recitam as genealogias e enfatizam-se as
relações hierárquicas e de respeito. De modo mais sutil, essa hierarquia reflete-
se também na vida cotidiana. Os habitantes de uma maloca comumente
correspondem a um grupo de homens estreitamente aparentados, como os
filhos do mesmo pai ou de dois ou mais irmãos, que vivem juntos com as suas
esposas e filhos. Quando uma mulher se casa, ela deixa a sua maloca natal e vai
morar junto com seu marido.
Simbolicamente, a maloca reproduz em miniatura o universo e seus habitantes
constituem tanto uma réplica quanto um precursor do ideal de organização
clânica acima descrita. Assim, o pai da comunidade que habita a maloca seria o
ancestral-Anaconda do grupo inteiro e seus filhos seriam os ancestrais dos clãs
que dela se originaram. Seguindo essa lógica, o filho mais velho e irmão maior é
geralmente o chefe da maloca, e não raro os seus irmãos menores são
dançarinos, cantadores ou xamãs, cujos papéis costumam corresponder à ordem
de nascimento.Mas poder e posição social dependem de energia e iniciativas
pessoais, que não se baseiam apenas em organização formal, parentesco ou
ordem de nascimento.
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Confecção de banco tukano. Foto: Rosa Gauditano, 2002
A maioria dos rituais e da vida religiosa tukano está centrada em objetos (como
ornamentos plumários e as flautas Yurupari) e substâncias sagradas - como a
pintura vermelha carayuru, cera de abelha, cera de breu (resina vegetal), epadu
(feito com variedades de coca), tabaco e ayahuasca -, assim como em bens
menos tangíveis, na forma de nomes, cerimoniais, encantações e cantos. Tais
itens são propriedade do grupo e constituem expressões de seus poderes
espirituais. Em um nível coletivo e estrutural, os rituais que envolvem tais itens
podem ser vistos como expressões formais da identidade do grupo e das
relações inter-grupais. Ao mesmo tempo, esses rituais constituem expressões
das relações políticas em dada conjuntura. Assim, malocas vizinhas são
interligadas por intermédio de líderes carismáticos, que comandam a
organização de festas e coordenam o trabalho coletivo para a construção de
casas maiores que funcionam como centros cerimoniais. Esses líderes são
indivíduos que possuem um grande conhecimento esotérico e se mobilizam para
manter e aumentar os bens sagrados de sua maloca, podendo disponibilizar os
recursos necessários para patrocinar os rituais. Tais capacidades rituais
prestam-se a fortalecer sua posição política.
Os Tukano e os Maku
Os povos das famílias lingüísticas Tukano Oriental e Maku convivem mais
intensamente na região de interflúvio entre os rios Tiquié e Papuri e, em menor
escala, entre o Papuri e o Médio Uaupés (trecho entre Iauareté e a foz do
Querari). Nesta área, desenvolveram uma estratégia de complementaridade,
uma vez que tradicionalmente ocupam espaços distintos e adotam práticas de
manejo do meio ambiente específicas. Distintamente dos Tukano, que vivem nos
rios maiores, os Maku preferem os igarapés menores, mais no centro da floresta.
São bons caçadores, coletores de frutas silvestres e conhecem muito bem os
caminhos na mata. Os Tukano, por sua vez, são agricultores dedicados e
pescadores; mesmo quando caçam, preferem fazê-lo de canoa, surpreendendo
pacas e antas que vão até a beira do rio beber água.
Do ponto de vista dos Tukano, os Maku formam uma categoria sui generis, na
medida em que se diferenciam tanto dos afins quanto dos parentes de mesma
descendência, pois não são casáveis e não são assimilados a eles através da
terminologia de parentesco. Os Maku representam uma referência central no
sistema conceitual tukano, estando associados às categorias hierárquicas mais
baixas.
Os Maku mantêm com os Tukano relações de troca e colaboração intermitentes.
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Em geral, grupos domésticos maku tomam a iniciativa de se associar a grupos
domésticos tukano, sendo também eles que decidem quando devem ir embora
para seus sítios ou mudar de "patrão" tukano. Eles podem permanecer apenas
uma semana ou vários meses com os Tukano, mas existem casos em que a
relação é mais estável e certos Maku se acostumam a prestar serviços para
grupos domésticos tukano específicos, mantendo a colaboração através de
gerações. Mesmo nestes casos, a convivência é interrompida quando os Maku
resolvem cuidar de suas próprias casas e roças ou viajar.
Os Maku procuram trabalho quando estão passando por momentos de maior
privação (suas roças são em geral insuficientes e há períodos pouco propícios
para a caça). Nestas situações, oferecem seus serviços aos Tukano: as mulheres
trabalham nas roças e no processamento da mandioca e os homens caçam,
fazem ipadu ou pegam alguma empreitada (troca da cobertura de uma casa,
derrubada da mata para roça etc.). Em troca, os Tukano pagam com parte da
produção da cozinha (farinha, beiju etc.), os homens recebem ipadu e fumo e
ainda roupas usadas, ferramentas, redes, entre outros.
Quando a família maku é muito grande e o custo, em termos de exploração da
roça, é alto para a grupo doméstico tukano que os recebeu, este pode expulsá-
los. Mais freqüente, porém, é que os próprios Maku se sintam fartos e
desfavorecidos, retirando-se para seu assentamento por conta própria e levando
consigo um suprimento de farinha e tapioca. Nesses casos, os Tukano reclamam
de que eles saem sem dizer nada, de uma hora para outra.
O que mais marca a relação entre estes dois grupos é a grande autonomia dos
Maku, que os Tukano não podem violar. Os Maku procuram os Tukano visando
suprir necessidades imediatas de alimentos; os Tukano aceitam os Maku e lhes
encarregam de vários serviços. Algumas vezes os Maku também participam dos
multirões para derrubar ou plantar roça promovidos pelos Tukano, quando é
oferecido caxiri. Mas nessas ocasiões as relações são distantes e frias, não
envolvendo intimidade. De modo geral, os Maku quase nunca comem junto com
os Tukano ou se sentam próximos, a não ser nas manhãs em que há refeição
comunitária e alguns Maku estão presentes.
A distância social é marcada pelas atitudes. Quando um Tukano conversa com
um Maku, este se posiciona a certa distância, olhando para outro lado. Em outro
exemplo, ao devolver um cigarro que um Tukano pediu para “rezar” (para cortar
alguma dor que um filho ou a própria pessoa está sentido), o homem Maku, ao
invés de entregá-lo na mão, agacha-se próximo e joga o cigarro no chão, perto
daquele que o solicitou.
A relação entre os Tukano e os Maku é celebrada em grandes dabucuris (rituais
de oferecimento), realizados na época de coleta de certas frutas do mato (como
ingá, cunuri, buriti e açaí silvestre). Nestas ocasiões, os Tukano preparam muito
caxiri e ipadu para receber os Maku, que chegam ainda de madrugada, antes do
alvorecer, tocando trompetes, pequenos tambores e fazendo muito barulho.
Trazem grandes quantidades de frutas que, inicialmente, deixam na beira do rio,
para depois conduzi-las para dentro da casa de festa, no momento propício do
ritual (quando há um diálogo cerimonial entre um par de homens Tukano e
outro Maku). Conjuntos de tocadores de flautas pã maku se revezam ao longo da
festa com conjuntos formados por homens e rapazes tukano. Eles formam pares
de dança com as mulheres, sejam elas tukano ou maku, indistintamente. A
mesma cerimônia também pode ser feita com o oferecimento de carne de caça
moqueada; os papéis também podem ser invertidos, passando os Tukano a
oferecer beiju e farinha aos Maku. Em geral a festa ocorre no povoado tukano.
O distanciamento que caracteriza a relação entre os Tukano e os Maku é
derivado da forma como os Maku são concebidos. Os Tukano os descrevem
como diferentes, estranhos e, em certo sentido, inferiores. Alguns aspectos para
os quais os Tukano chamam a atenção:
• moram em pequenos tapiris improvisados, como os que se faz em viagens
na floresta e na roça;
• nunca se acomodam em um lugar, estando sempre indo e vindo, inquietos;
• são agricultores displicentes e, além disto, não sabem manejar o cultivo,
não esperam o tempo mais produtivo da mandioca, arrancando logo tudo
para fazer caxiri; os homens fazem o mesmo com os pés de coca,
desfolham sem controle e acabam tendo que apelar para os Tukano para
conseguir ipadu (que é uma necessidade diária);
• são vistos com desconfiança, não raro acusados de saquearem as roças
tukano e ainda disfarçarem o roubo fincando a haste da maniva no solo
depois de arrancar o tubérculo; também lhes são atribuídos o sumiço de
ferramentas, roupas e outros;
• a endogamia local e a constante transformação na constituição dos grupos
locais são mau vistos pelos Tukano, que ainda enfatizam certos casamentos
incestuosos, como se não houvesse regras definidas de casamento;
• os Tukano também dizem que eles não têm higiene, não se limpam nem
penteiam o cabelo e andam maltrapilhos, com roupas velhas e encardidas.
Esta visão dos Makutem alguns desdobramentos práticos, por exemplo, o
casamento com eles é expressamente proibido e uma pessoa que tenha alguma
ascendência maku (seja por parte do pai ou da mãe) é estigmatizada. Contudo, o
casamento de um homem tukano com uma mulher maku é mais aceitável do
que o casamento de um homem maku com uma tukano, que é impraticável. Com
o contato, representado pela intensificação do comércio, da catequização e da
educação escolar, ocorreram mudanças na relação entre esses povos.
Os Tukano passaram a intermediar a entrada e troca de mercadorias
industrializadas. Ao passo que os Tukano aderiram à prática, hoje muito
valorizada e difundida, de mandar seus filhos para a escola até o final do ensino
fundamental e, menos freqüentemente, para o ensino médio na cidade, os Maku
jamais se adaptaram ao sistema escolar e as tentativas promovidas pelos
missionários foram todas fracassadas. Mesmo as escolas criadas nos povoados
Maku, com professores tukano, raramente dão bons resultados.
Atualmente, a intensa migração dos Tukano para os centros missionários ou
urbanos, como as cidades de São Gabriel da Cachoeira e Santa Isabel, tem levado
a um processo de esvaziamento de algumas áreas. Isto tem propiciado o
estabelecimento de povoados maku no curso principal dos rios, como é o caso
do Tiquié.
Aspectos cosmológicos
Índios Tukano. Foto: Márcio Meira, 1990.
Como princípio básico, a cosmologia tukano combina perspectiva móvel,
replicação da organização social em diferentes escalas da existência - corpo,
communidade, casa e cosmos, e organização análoga entre níveis diferentes da
experiência. O universo é feito de três camadas básicas: céu, terra e "mundo
inferior". Cada camada é um mundo em si, com seus seres específicos e podendo
ser entendidos tanto em termos abstratos como concretos. Em contextos
diferentes, o "céu" pode ser o mundo do sol, da lua e das estrelas, ou o mundo
dos pássaros que voam alto, ou os topos achatados dos tepuis (topos achatados
das montanhas) dos quais descem as águas ou o mundo dos topos das árvores da
floresta, ou mesmo uma cabeça enfeitada com um cocar de penas vermelhas e
amarelas de arara, que são as cores do sol. Do mesmo modo, o "mundo inferior"
pode ser o Rio dos Mortos debaixo da terra, o barro amarelo debaixo da camada
do solo onde enterram-se os mortos, ou o mundo aquático dos rios subterrâneos.
De toda forma, o que define o "céu" ou o "mundo inferior" depende não
somente da escala e do contexto, mas também da perspectiva: à noite o sol, o
céu e o dia ficam debaixo da terra e o escuro mundo inferior fica acima. Há uma
história sobre um homem que encontra o cadáver de uma mulher-estrela que
caiu na terra quando fora enterrada por sua família no céu: para seus parentes
ela está morta no mundo inferior; para o homem, ela está viva na terra. O
homem casa com a mulher-estrela e vai com ela visitar sua família no céu. Para
o homem, as estrelas são os espíritos dos mortos que vivem à noite; para as
estrelas, ele que é um espírito, e o dia para ele corresponde à noite para elas.
Os diferentes grupos tukano também participam desse esquema. Assim, por
exemplo, os Bará são Povo de Peixe (ou da Água), os Barasana são Povo da
Terra e os Tatuyo estão na categoria de Povo do Céu. Cada um desses grupos
tem um ancestral-Anaconda, mas anacondas na água são outra versão de
jaguares na terra ou de harpias no céu (harpy-eagles?) - em um mundo
transformacional e perspectivista, os maiores predadores do céu, da terra e da
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água são equivalentes e complementares. Assim como pessoas que estão na
mesma "camada" são do mesmo tipo (from the same level are of the same kind)
e não podem casar entre si, os casamentos entre diferentes grupos exogâmicos
possuem dimensões cósmicas. Os Barasana, por exemplo, tendem a casar-se
com os Bará, e estes também costumam casar-se com os Tatuyo. É possível
vislumbrar esse sistema em um mito barasana que tematiza sua origem. Yeba, ou
"Terra", o ancestral Barasana em forma de jaguar, casa-se com Yawira, uma
mulher -peixe guaracu, filha da Anaconda Peixe, o ancestral dos Bará. Yawira
então abandona seu marido Yeba e foge com Yuka, o urubu-rei que é uma
manifestação do ancestral Tatuyo, que é também a Anaconda do Céu e Jaguar
(Eagle-Jaguar). Outros grupos tukano têm diferentes versões para esse mito, nas
quais os nomes dos personagens podem mudar, mas a lógica é a mesma.
Em termos simbólicos, a maloca é o universo e o universo é uma maloca. O teto
de palha é o céu, os esteios de suporte são as montanhas, as paredes são as
cadeias de serras que parecem cercar a paisagem visível na beira do mundo, e
sob o chão corre o Rio dos Mortos. A maloca tem duas portas: uma no leste que
é a dos homens, ou a "porta da água"; outra das mulheres a oeste, com uma
longa cumeeira que corre ao longo do teto da casa entre as duas portas, que é "o
caminho do Sol". Nessa região equatorial, os rios subterrâneos correm do oeste
para o leste, ou da porta das mulheres para a porta dos homens; completando
um circuito fechado da água, o Rio dos Mortos corre do leste para o oeste.
A maloca tanto é o universo, como também é um corpo, ao mesmo tempo o
"corpo canoa" do ancestral-Anaconda e os corpos de seus filhos nele contidos.
Esses filhos são os habitantes da casa, réplicas do ancestral original, receptáculos
de futuras gerações e, eles mesmos, futuros ancestrais. Mas, se a maloca é um
corpo humano, sua feição também é uma questão de perspectiva. Do ponto de
vista masculino, a frente pintada da maloca é um rosto de homem, a "porta dos
homens" é sua boca, a viga mestra e as laterais são a sua coluna e costelas, o
centro da casa é seu coração, e a porta das mulheres o seu ânus. Do ponto de
vista das mulheres, a coluna, as costelas e o coração permanecem os mesmos,
mas o resto do corpo é invertido: a porta das mulheres é a sua boca, a porta dos
homens a sua vagina e o interior da casa o seu ventre.
De tais princípios de replicação e transformação dão-se uma série
desdobramentos. Se os rios correm através da casa-universo e o corpo é uma
espécie de casa, segue-se que as tripas e os genitais humanos são "rios"; e, ainda,
que os vermes parasitas são "anacondas". Há uma história divertida que
descreve o universo do ponto de vista de um verme: quando o seu hospedeiro
humano bebe caxiri (cerveja de mandioca), a chuva fica grossa e pegajosa;
quando ele ingere farinha, chove pedras; e quando ele come beiju, chove
grandes rochas. Essa narrativa ilustra um ponto importante: por vezes os mitos
explicitam a cosmologia, mas com mais freqüência a cosmologia simplesmente
está subentendida ou implícita e as pessoas devem pô-las em prática por conta
própria. Especialistas religiosos são aqueles que possuem maior habilidade para
"ler" o que está por trás das narrativas sagradas.
Saiba mais
''Antes o mundo não existia: Mitologia dos antigos Desana-Kêhíripõrã'',
coletânea de narrativas míticas desana, por Tõrãmũ Kêhíri e Umusí Pãrõkumu
O ciclo da vida
http://books.google.com.br/books?id=7Kh-BgAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false
http://books.google.com.br/books?id=7Kh-BgAAQBAJ&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false
Índia Tuyuka com seu filho em um evento cultural em São Paulo.
Foto: Miguel Chaves, 1998.
Tendo em mente os princípios cosmológicos sintetizados no item anterior,
podemos começar a perceber como alguns processos vitais são elaborados em
termos cosmológicos e como se relacionam a práticas rituais associadas ao ciclo
de vida.
A digestão, evacuação, decomposição e morte envolvem um fluxo passivo do alto
para o baixo, de rio acima para rio abaixo, do Oeste para o Leste. A vida em si é
um movimento, às vezes uma luta, de acordo com esse fluxo: as plantas crescem
em direção ao sol e as pessoas devem crescer para cima enquanto amadurecem.
O Sol, ou Yeba Hakü (na língua barasana), o "Pai do Universo",fonte de luz e da
vida, move-se constantemente contra a corrente, subindo os rios da terra do
Leste para o Oeste durante o dia e subindo o rio do "mundo inferior" durante a
noite, para aparecer de novo no Leste. O ancestral-Anaconda que trouxe a
humanidade para o mundo também viajou como o Sol, no sentido Leste para o
Oeste, parando quando alcançou o meio do universo. Esse mesmo movimento
de Leste a Oeste foi também uma ascensão da água para a terra.
O ancestal-Anaconda, um ser aquático, é o próprio rio no qual ele viajou, e os
seres em seu interior somente assumiram a forma humana quando emergiram
na terra firme; antes disso, eram "gente peixe", espíritos na forma de
ornamentos de penas. Os animais são chamados wai-bükürã, "peixes maduros";
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e, logicamente, entre eles estão os seres humanos, seres que estão a meio-
caminho entre os "peixes-espíritos" que eram antes e os "espíritos-pássaros" que
se tornarão.
A história do ancestral-Anaconda é uma narrativa sagrada sobre os primórdios
e, provavelmente, uma versão das migrações históricas dos povos Tukano.
Também pode ser entendida como uma história sobre a ecologia, sobre as
migrações anuais rio acima de peixes amazônicos que vêm desovar nas
cabeceiras; e uma história sobre a reprodução humana, que também envolve
uma penetração ascendente, no sentido "Leste-Oeste", rumo a uma "porta da
água", num fluxo ascendente de sêmen, e uma passagem do mundo aquático do
ventre para o mundo seco da existência humana na terra. Não é de se admirar
então que "nascer" é hoe-hea (em barasana), que significa "atravessar rumo a
um nível mais alto". Mas o nascimento também envolve um movimento de
descida pelo canal do corpo feminino - cosmologicamente um movimento do
Oeste para o Leste e, em termos sociais, um movimento da mãe para o pai ou
das mulheres para os homens.
Para entender esses movimentos, porém, é preciso começar pela morte. Alguns
índios do Uaupés, os Kubeo em particular, encenam rituais elaborados de luto
em que dançarinos com máscaras pintadas e feitas de casca de árvore se tornam
peixes, animais, e outros seres da floresta para dar boas-vindas à alma do morto
no mundo dos espíritos. Mas o enterro tukano em si é um evento simples: a cova
é o chão da maloca e o caixão uma canoa cortada ao meio. Esse sepultamento
simples é o prelúdio para um futuro nascimento.
Os tukano compartilham uma noção de reencarnação segundo a qual, quando
uma pessoa morre, um aspecto de sua alma volta para a "casa de
transformação", local de origem do grupo. Depois, a alma volta ao mundo dos
vivos encarnada em um recém-nascido que recebe o seu nome. As pessoas
recebem o nome de um parente recentemente falecido do lado paterno, o avô
paterno para um menino ou a avó paterna para uma menina. Cada grupo possui
um conjunto limitado de nomes pessoais que vão sendo retransmitidos a cada
geração. O aspecto visível dessas "almas-nomes" são os cocares de penas usados
pelos dançarinos, que também são enterrados com os mortos. O rio do "mundo
inferior" é descrito como repleto de ornamentos, assim como na história de
origem os espíritos dentro da canoa-Anaconda tiveram a forma de ornamentos
de dança.
Sepultadas em canoas, as almas dos mortos caem para o rio do "mundo
inferior". De lá, são levadas pela correnteza do rio subterrâneo para o Oeste e às
regiões rio acima deste mundo. As mulheres não dão à luz na maloca, mas numa
roça no interior da floresta, rio acima e atrás da casa - também ao Oeste. O
recém-nascido é primeiramente lavado no rio e depois levado para dentro da
maloca pela porta traseira, a "porta das mulheres". Confinado dentro da casa
por cerca de uma semana com seu pai e mãe, ele é então banhado de novo no rio
e recebe um nome. Assim, em termos cosmológicos, os bebês de fato vêm das
mulheres, da água, do Oeste.
Pessoas, animais e objetos
Um componente crucial das idéias religiosas tukano são as relações entre os
seres humanos, os animais e a floresta.
Índio Tukano no Rio Uaupés. Foto: Acervo Museu do ìndio, 1928.
Masa (em barasana), a palavra para "gente", é um conceito relativo. Pode se
referir a um grupo em contraposição a outro, a todos os tukano em contraste a
seus vizinhos, a índios versus brancos, a seres humanos versus animais e,
finalmente, a coisas vivas, inclusive árvores, versus objetos inanimados. Em
discursos míticos e xamânicos, os animais são gente e habitam mundos
aparentemente semelhantes ao mundo dos seres humanos: vivem em
comunidades organizadas em malocas, plantam roças, caçam e pescam, bebem
caxiri, usam ornamentos, participam de festas inter-comunitárias e tocam seus
próprios Yurupari (flautas sagradas que representam os primeiros ancestrais).
Todas as criaturas que podem ver e ouvir, que se comunicam com os do seu
grupo e que agem intencionalmente são "gente" - mas gente de espécies
diferentes. São diferentes porque têm corpos, costumes e comportamentos
diferentes e vêem as coisas de perspectivas corporais distintas. Assim como as
estrelas vêem os humanos como espíritos mortos, os animais vêem themselves
as humans and see os humanos como animais. Aos olhos do urubu, quando os
humanos vão pescar, eles pescam cadáveres apodrecendo e fisgam tapuru
(conhecido como "bicho de pau"); aos olhos do jaguar, os humanos são
predadores perigosos que bebem sangue como se fosse caxiri; para os peixes,
para quem a água é seu "ar", é impressionante que os humanos não saibam
respirar "debaixo da água". Os humanos, por sua vez, logicamente vêem as
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coisas de outra perspectiva.
Índios Bara no Alto Papuri. Foto: Jean Jackson, 1969.
Se o denominador comum de todas essas "gentes" é a sua subjetividade e para
elas, na condição de sujeitos, seu próprio modo de vida é aquele da cultura
humana, as diferenças entre tais "gentes" repousam em seus diferentes corpos:
em sua forma, cor, sons, hábitos corporais e dieta.
Essas diferenças estão culturalmente representadas em diferentes gêneros
alimentícios de uso ritual, tais como coca, tabaco e a ayahuasca, bem como tintas
corporais distintas, ornamentos e roupas, ou como diferentes armas e
equipamento ritual. Os índios se referem a todos esses itens como küni-oka,
"armas ou escudos", idéia que faz lembrar os uniformes de exército com seus
brasões - ao mesmo tempo identidade, vestimenta e arma de defesa. Nessa
lógica, as diferenças entre os grupos humanos são representadas como naturais
e inerentes. Conceitualmente, os vários grupos tukano constituem tantas
"espécies" diferentes quanto as múltiplas espécies animais são "povos"
diferentes.
Na vida cotidiana, as pessoas enfatizam sua diferença dos animais, mas no
mundo dos espíritos, ao qual se tem acesso pelos rituais, pelo xamanismo, pelos
sonhos e pelas visões de ayahuasca, as perspectivas se fundem, as diferenças são
abolidas, o passado é presente, e pessoas e animais voltam a ser um. Isto tem
importantes repercussões práticas, pois, onde os animais são pessoas, caçá-los e
ingerir sua carne é equivalente à guerra e canibalismo. Muitas doenças são assim
diagnosticadas como a vingança dos animais que os humanos matam e comem.
O risco advindo dos animais é proporcional a seu tamanho e habitat: as antas
são mais perigosas do que os macacos, os animais terrestres são mais perigosos
do que os peixes, e peixes grandes mais perigosos do que os pequenos.
O perigo também está relacionado ao contato com o domínio metafísico. Um
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nascimento neste mundo provoca ressentimento entre os espíritos-animais -
para eles, representa uma morte. Os bebês humanos, recém-migrantes do
mundo dos espíritos, não estão ainda firmemente ancorados a seus corpos e,
portanto, precisam ser protegidos das antas ciumentas que ameaçam ingeri-los
através de seus ânus - um nascimentoao avesso. Enquanto visitantes do mundo
dos espíritos, as mulheres menstruadas e os homens que tomam parte nos
rituais ganham temporariamente status de criança e devem restringir sua dieta,
evitando alimentos perigosos. Para cozinhar o peixe ou a carne com segurança,
um xamã deve primeiro soprar encantações para remover os seus "escudos de
proteção" ou "armas" (tintas, peles, dentes, espinhos, escamas e outros atributos
corporais identificados aos animais ou peixes) que podem comprometer a
identidade especificamente humana do consumidor.
As qualidades de personificação, subjetividade e intencionalidade que os índios
aplicam aos animais e os peixes também se estendem ao cosmos como um todo.
Os mitos dos povos do Uaupés também são mitos sobre a paisagem, cujos traços
distintivos - as serras e montanhas, os rios, as rochas e cachoeiras -, têm nomes
que evocam as histórias de sua criação ancestral. Viajar por terra ou canoa é
seguir essas histórias e compartilhar os atos de criação descritos por elas. Muitas
histórias contam sobre as antigas migrações, atribuindo à paisagem uma dupla
dimensão - a dos atos primordiais de criação e a dos atos mais recentes, como a
construção de casas e abertura de roças.
Os poderes de criação ancestral incutidos na paisagem se estendem às plantas,
peixes, animais e seres humanos que a habitam e também aos objetos
confeccionados a partir dos materiais que dela provêm. Nos mitos, os objetos
cotidianos tais como canoas, bancos, cestos e potes, emergem como seres
animados e autônomos - como visto, do mesmo modo que os animais podem ser
gente, as malocas podem ser os corpos dos ancestrais ou daqueles que as
construíram. Os objetos confeccionados condensam dois tipos de potência: os
poderes de sua matéria-prima e as habilidades e intenções de seus fabricantes.
Conseqüentemente, o processo de fabricação dos objetos tem uma importante
dimensão religiosa. Durante os ritos de iniciação, os homens e mulheres jovens
são sistematicamente treinados na confecção de artesanato, um treinamento que
é a um só tempo intelectual, espiritual e técnico. Fazer artesanato é
concomitantemente confeccionar a si mesmo e o mundo, numa forma de
meditação que traz à tona as interconexões entre objetos, corpos, casas, e o
universo.
Especialistas religiosos
Entre os Tukano, a religião não é concebida como um domínio discreto, mas sim
como uma dimensão de todo conhecimento, experiência e prática. Isso também
se explica porque a vida numa paisagem impregnada de poderes ancestrais e
onde a vida cotidiana tem uma dimensão extraordinária e metafísica é
potencialmente perigosa. Para sobreviver e prosperar, bem como assegurar o
bem-estar de si e de sua família, todos os adultos precisam de alguma habilidade
para manejar e controlar as forças de criação e destruição que os cercam. Os
conhecimentos técnicos e metafísicos não possuem fronteiras precisas. Os
homens adultos devem conhecer tanto os recursos naturais do território quanto
suas propriedades espirituais, combinando afazeres rotineiros com
procedimentos rituais, com competência tanto para caçar e pescar quanto para
fazer encantações para que a carne e o peixe possam ser comidos com
segurança. De modo semelhante, as mulheres, "mães da alimentação" cujos
tubérculos de mandioca são "filhos", devem controlar a esfera material e
espiritual de produção e reprodução de suas roças, cozinhas e corpos, como uma
totalidade integrada.
Índios Tukano. Foto: Renato Aguirre, 1988.
Na Amazônia, freqüentemente se referem aos especialistas rituais com poderes
especiais e acesso a conhecimentos esotéricos como "xamãs", rótulo que pode
tanto confundir como revelar. Como indicado, para agir com êxito todos os
homens adultos devem ser em alguma medida xamãs. Aqueles que são
reconhecidos publicamente como tal têm maior conhecimento ritual e uma
habilidade especial para "ler" o que está por trás das narrativas sagradas,
optando por desenvolver habilidades e conhecimento em favor dos outros,
sendo reconhecidos como especialistas. Assim, os "xamãs" são aqueles que se
destacam dos demais - mas sempre há outros esperando nos bastidores.
Um segundo aspecto está relacionado ao gênero. Com raras exceções, os
especialistas rituais são homens - mas a capacidade das mulheres de menstruar
e gerar filhos é considerada como o equivalente feminino ao poder dos homens
sobre os ornamentos de penas e os Yurupari. Assim, é possível dizer que se os
homens adquiram as suas habilidades xamânicas através da cultura, as mulheres
já são "xamãs" por natureza. Não é de se admirar então que, na mitologia
tukano, o Povo do Universo, os heróis ancestrais que abrem o caminho para a
criação da humanidade, sejam gerados por uma divindade feminina que os
Barasana chamam de Romi Kumu ou "Mulher Xamã"; conhecida como "A Velha
da Terra" (Ye'pa Büküo, Yeba Büro) em Tukano e Desana.
Finalmente, o rótulo "xamã" nubla uma distinção importante entre dois
especialistas rituais, os yai e os kumu. Os yai correspondem ao xamã típico da
Amazônia ou o pajé. Suas principais tarefas envolvem lidar com as pessoas e o
mundo dos animais e da floresta. Ele desempenha um papel importante na caça
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por soltar os espíritos dos animais das suas casas nas serras, atividade
potencialmente perigosa, que pode demandar compensações no mundo humano
como a conversão da vida em morte. O pajé é um especialista na cura de
moléstias causadas pela feitiçaria de criaturas vingativas e seres humanos
ciumentos, doenças que tipicamente se manifestam como espinhos, cabelo, e
outros objetos alojados no corpo. A cura se dá jogando água sobre o corpo do
paciente ou soprando-lhe fumaça de tabaco e depois manipulando-o com as
mãos, mas sempre envolvendo a sucção de objetos ou substâncias do corpo do
paciente.
Yai significa "jaguar", termo que dá alguma indicação do status do pajé na
sociedade tukano. O Jaguar é um animal poderoso e potencialmente perigoso,
assim como aqueles que têm poder e conhecimento para agir contra a feitiçaria
podem também praticá-la. Um pajé é considerado "bom" ou "mal" dependendo
se ele é um parente ou vizinho de confiança. O termo yai também tem conotação
de selvageria e descontrole, que alude à posição marginal de muitos pajés e ao
caráter individual e idiossincrático de seus poderes, freqüentemente associados
ao uso de alucinógenos.
Embora tanto o yai como o kumu sejam especialistas, o kumu é mais um sábio e
sacerdote do que propriamente um xamã. Seus poderes e autoridade são
baseados no conhecimento exaustivo da mitologia e dos procedimentos rituais,
resultado de anos de treinamento e prática. Conseqüentemente, aqueles que são
reconhecidos como kumu geralmente são homens mais velhos, cujos pais ou tios
paternos muitas vezes tinham o mesmo status.
Como homem experiente e sábio, o kumu comumente é também um líder
político de sua comunidade e com autoridade considerável sobre uma área mais
ampla. Comparados ao yai, figura por vezes moralmente ambígua, o kumu goza
de um status mais alto e um maior grau de confiança, fundamentada em seu
papel ritual proeminente.
O kumu desempenha um papel importante na prevenção de doenças e
infortúnio. Ele é um especialista na arte de soprar encantações sobre a carne de
peixe e animais para converter a sua substância em uma forma similar ao
vegetal. Tem papel proeminente nos ritos de passagem, realiza as principais
cerimônias por ocasião do nascimento, iniciação e morte, transições que
asseguram a socialização do indivíduo e a passagem das gerações, assim como
ordena as relações entre os ancestrais e seus descendentes vivos. É o kumu que
nomeia os bebês recém-nascidos e é ele que conduz os ritos de iniciação,
públicos e coletivos, para os jovens e os ritos mais individuais e privados
realizados quando moças atingem a idade de puberdade. Tais transições
envolvem um contato necessário e potencialmente benéfico entre os vivos, os
espíritos e os mortos. Esse contato pode serperigoso e é o kumu que assume a
responsabilidade de proteger as pessoas. Para aqueles que gozaram da proteção
de um kumu durante o seu nascimento ou iniciação, ele é seu guu ou
"tartaruga", em alusão à carapaça dura e protetora desse animal.
A outra importante função do kumu é presidir as festas de dança, as festas de
caxiri e intercâmbios cerimoniais, e de conduzir e supervisionar os rituais em
que se tocam os instrumentos de Yurupari, rituais que envolvem um contato
direto com os ancestrais mortos. Aqueles que participam desses rituais colocam
as suas vidas nas mãos do kumu e é somente os mais sabidos e respeitados que
são encarregados desse papel. Do mesmo modo, patrocinar tais rituais significa
reivindicar reconhecimento como kumu.
Como "gente" e parte integrante de um cosmo vivo, os seres humanos, os
animais, as plantas e os peixes participam de um mesmo sistema, que é engajado
e revitalizado durante os rituais de Yurupari. Esses rituais fomentam a
reprodução das plantas e dos animais, asseguram o ordenamento normal das
estações e a fertilidade contínua da natureza. Ao supervisionar e promover esses
rituais, os kumus mais importantes chegam a incorporar os poderes e
identidades de Yeba Hakü, o "Pai do Universo", de Romi Kumu, "Kumu Mulher"
e de Yurupari, fonte e espírito da vida vegetal. Como mestres do ritual, eles
mesmos se tornam criadores.
Ritual
O ciclo anual é pontuado por uma série de festas coletivas, cada uma com seus
cantos, danças e instrumentos musicais apropriados, que marcam eventos
importantes do mundo humano e natural - nascimentos, iniciações, casamentos
e mortes, a derrubada e o plantio de roças e a construção de casas, as migrações
dos peixes e pássaros, e a disponibilidade de frutas silvestres e outros alimentos
colhidos. Essas assembléias rituais são denominadas "casas", termo que significa
ao mesmo tempo um evento ritual, um grupo de pessoas e um mundo simbólico.
Índios Tukano. Foto: Curt Nimuendaju, década de 1930.
As festas assumem três formas básicas: caxiris (festas de cerveja), dabukuris ou
intercâmbio cerimonial, e os ritos de Yurupari envolvendo flautas e trombetes
sagrados. Os caxiris são fundamentalmente ocasiões sociais quando uma
comunidade convida os seus vizinhos a dançar e beber caxiri, às vezes como um
agradecimento pela sua ajuda na abertura de uma roça ou na construção de uma
casa nova, às vezes para marcar a nomeação de uma criança, o casamento de
uma mulher, ou a etapa final de iniciação dos meninos, e às vezes somente por
divertimento e reforço dos laços sociais. Os convidados são os principais
dançarinos, e em troca de suas danças, os anfitriões lhes oferecem grandes
quantidades de caxiri preparado pelas suas mulheres.
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Com cocares de penas e outros ornamentos, os dançarinos dançam a noite
inteira em volta do recipiente (cuja forma é semelhante a uma canoa) de caxiri,
que constitui o foco central da celebração; é uma questão de honra que todo o
caxiri seja consumido antes dos visitantes partirem pela manhã. Há dois tipos de
danças, ou relativamente lentas, no caso de danças formais em que os homens se
dispõem em uma linha entrecruzada por mulheres, ou danças mais rápidas e
menos formais em que cada dançarino dança sozinho, tocando um conjunto de
flautas de pã como parte de um coro, e competindo com os outros para atrair a
parceira de sua escolha. Entre essas sessões de dança, os anfitriões e convidados
se sentam frente a frente e trocam presentes como coca e charutos, enquanto
recitam as suas genealogias em cânticos coletivos conduzidos por um
especialista. O kumu se senta à parte, soprando encantações sobre cuias de coca,
tabaco e ayahuasca; então as oferece aos participantes para protegê-los e
permitir aos dançarinos que vejam e experimentem em suas danças as viagens
dos primeiros ancestrais e os eventos míticos que os seus cantos e cântico
relatam.
Dabukuri entre os tukano. Foto: Renato Aguirre, 1988.
Os caxiris podem envolver comunidades de irmãos e cunhados, já os dabukuris
são, sobretudo, ocasiões que celebram e reforçam os laços de matrimônio e
afinidade. As dádivas são dadas em nome de um homem para seu cunhado ou
sogro: no mito barasana da origem do dabukuri, cujos personagens são Yeba
Yamira (ver item "Aspectos cosmológicos"), a dádiva era do Yeba para seu sogro
Anaconda Peixe. O ritual começa com a chegada dos convidados ao anoitecer.
Tratados como estranhos e inimigos potenciais pelos seus anfitriões, eles não
entram na maloca, dançando e cantando por iniciativa própria do lado de fora.
De manhã, eles desfilam dentro da maloca vestidos com elegância e soprando
trombetes de cerâmica ou embaúba. Apresentam suas dádivas aos seus
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anfitriões e então iniciam uma dança que continuará o dia inteiro e a noite
também. Os anfitriões se mantém distantes, continuam lhes servindo caxiri, mas
enquanto o dia vai se passando, eles se misturam cada vez mais com os
convidados, dançando e cantando junto com eles, quebrando assim as barreiras
que foram estabelecidas, de forma dramática, no começo do ritual. Pela manhã,
quando a dança termina, convidados e anfitriões comem em uma enorme
refeição comunal, como se fossem uma comunidade única e integrada.
Esses intercâmbios têm uma dupla lógica e movimento: a curto prazo, os
convidados dançam e oferecem peixe ou carne em troca do caxiri fornecido
pelos anfitriões; a longo prazo, as comunidades trocam um tipo de produto por
outro - peixe por carne ou carne por peixe - e alternam os papéis de anfitrião e
convidado. Ambos os casos estão relacionados a matrimônio, o primeiro
refletindo a troca de carne ou peixe por produtos de mandioca (o beiju e o
caxiri) entre marido e mulher; o segundo refletindo a troca de diferentes tipos
de mulheres entre os grupos ligados por inter-casamentos. Em termos
cosmológicos, essas trocas estão intimamente ligadas aos ciclos de procriação e à
disponibilidade sazonal de espécies de peixes e animais. As danças remetem não
apenas às dramatizações e movimentos relativos a peixes e pássaros migrantes,
como garantem a fertilidade continuada da natureza e a disponibilidade de
espécies das quais dependem.
Dabukuri entre os tukano. Foto: Renato Aguirre, 1988.
Os rituais envolvendo os instrumentos musicais sagrados de Yurupari são a
expressão mais plena da vida religiosa dos índios, pois englobam e sintetizam
vários temas-chave: ancestralidade, descendência e identidade grupal, sexo e
reprodução, relações entre homens e mulheres, crescimento e amadurecimento,
morte, regeneração e integração do ciclo de vida humano com o tempo cósmico.
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Em relação de complementariedade com os dabukuris, esses rituais são
concernentes à identidade masculina e às relações intra-grupais em oposição ao
casamento e às relações inter-grupais; do mesmo modo, dizem respeito à
fertilidade das árvores e plantas em oposição aos ciclos de vida dos animais.
As flautas e os trombetes de tronco de palmeira pertencentes a cada grupo são
uma entidade ao mesmo tempo única e múltipla: o ancestral do grupo e seus
ossos aos pares, que são também seus filhos; e os ancestrais dos clãs
componentes do grupo. Quando os instrumentos estão juntos e são tocados, o
ancestral volta à vida, de modo que aqueles que os tocam assumem as
identidades dos ancestrais clânicos e entram em contato direto com seus
respectivos pais (originários). Esse processo anula a separação vigente entre
passado e presente, mortos e vivos, ancestrais e descendentes, restabelecendo a
ordem primordial dos mitos de origem. Os ritos normalmente envolvem um clã
ou o segmento de um clã, que age como um grupo isolado e assim pode
estabelecer a sua identidade enquanto unidade coletiva indiferenciada em
contraposição ao mundo defora, mas segmentada internamente por uma
hierarquia ordenada.
Os instrumentos Yurupari somente podem ser vistos e manuseados pelos
homens adultos. De acordo com os mitos, originalmente eram as mulheres quem
possuíram as flautas enquanto os homens se encarregavam do processamento da
mandioca e outras tarefas femininas. Os mitos acrescentam outro detalhe
importante: quando as mulheres tinham a posse das flautas, os homens
menstruavam e, quando tiraram as flautas delas, fizeram com que as mulheres
menstruassem. Esses mitos, e os rituais que os dramatizam, podem ser
entendidos como um discurso complexo e ambíguo sobre os respectivos poderes
e capacidades de homens e mulheres, tal como aquele que se refere aos poderes
xamânicos femininos, já mencionados. Isso implica que os órgãos reprodutivos e
as capacidades reprodutivas complementares de homens e mulheres, isto é: as
suas "flautas", são simultaneamente idênticas e opostas, iguais e desiguais,
invertidas e equivalentes.
Índios Bara no Alto Papuri. Foto: Jean Jackson, 1969.
Há dois tipos de ritual de Yurupari, um evento anual mais sacralizado e
elaborado que marca o começo do ano, e o outro realizado periodicamente
durante o ano para marcar a maturação de diferentes espécies de frutos de
árvores. No segundo, os homens de uma comunidade presenteiam os de uma
outra - geralmente os seus irmãos - com grandes quantidades de frutos
silvestres, trazendo-os para o interior da casa acompanhados dos sons berrantes
dos trombetes enquanto as mulheres e crianças permanecem atrás de telas nos
fundos. Ao anoitecer, as telas são removidas e as mulheres voltam a se juntar aos
homens. Eles dançam a noite inteira até amanhecer e então distribuem os frutos
entre os presentes.Os mais grandiosos ritos de Yurupari, quando instrumentos
diferentes e mais sacralizados são tocados, estão vinculados aos movimentos do
sol e da constelação de Plêiades, realizando-se no final do verão e começo da
estação chuvosa, que é a época em que abundam os frutos do mato. Eles
elaboram ainda mais os temas de crescimento, maturação e periodicidade, bem
como a integração entre os ciclos temporais humanos e cósmicos, mas aqui o
enfoque imediato está no crescimento e amadurecimento de jovens que passam
por um processo de iniciação que os conduz a sua integração como adultos no
grupo.
No começo do ritual, os meninos são apartados de suas mães e trazidos para a
extremidade masculina da casa, longe da vista das suas mães, que são confinadas
na parte traseira. Sob o cuidado de guardiões rituais e um kumu oficiante,
recebem ayahuasca para beber e são-lhes mostrados os instrumentos Yurupari
pela primeira vez, enquanto eles ficam sentados imóveis e agachados como fetos
no chão. À medida que os instrumentos são tocados sobre as suas cabeças,
corpos e genitais, os rapazes são chicoteados pelos kumu nos seus corpos e
pernas, ações que transmitem a vitalidade e as forças espirituais dos ancestrais e
fazem com que os meninos cresçam resistentes, fortes e viris. Os homens dão
então um banho nos meninos junto com os instrumentos no rio, despejando
água das flautas sobre as cabeças dos iniciados. Essa ação alude ao ancestral
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Anaconda vomitando as primeiras pessoas da sua boca - e também ao primeiro
banho dos bebês depois de nascer, como descrito anteriormente. Mas dessa vez
o nascimento é um renascimento orquestrado pelos homens mais velhos e, como
o ancestral Anaconda que entrou no mundo através da "porta da água" no Leste,
os iniciandos renascidos agora entram na casa pela porta dos homens. No final
do ritual, os iniciandos permanecem em reclusão por um mês em um
compartimento especial longe da vista das mulheres. Rigidamente
supervisionados pelo kumu, eles tomam banho todos os dias, observam uma
dieta rigorosa e aprendem a fazer cestos. A reclusão termina com uma grande
dança. Como sinal de que estão prontos para se tornarem maridos e pais, os
iniciandos presenteiam com os seus cestos as suas parceiras femininas, que
pintam os corpos deles com tinta vermelha em retribuição.
Como muitos ritos de iniciação, este é repleto de símbolos de morte,
renascimento e regeneração. No começo do ritual, os meninos são pintados de
preto e ritualmente "mortos" com doses de rapé de tabaco; após seu
renascimento no rio, são mantidos em reclusão como bebês recém-nascidos,
então emergem para serem pintados de vermelho. No mito associado ao ritual,
Yurupari, na forma de anaconda, engole os iniciandos, os digere dentro de sua
barriga (cujo equivalente no ritual é o período de reclusão), então os devolve a
seus pais, vomitando-os como ossos. Para puni-lo, os pais incendeiam Yurupari
para que ele morra. Mas ele não morre: sua alma sobe ao céu e de suas cinzas
nasce uma palmeira, protótipo das frutas da floresta e matéria-prima dos
instrumentos Yurupari.
Como na agricultura de coivara, na qual a fertilidade e a vida humana vêm da
queima anual da floresta, esse conjunto de mito e ritual significa que vida e
morte se sucedem como as estações, que os humanos mortais alcançam a
imortalidade através de seus filhos, que a periodicidade das mulheres é como a
das estações, que o crescimento dos homens e das árvores resultam de um único
processo, e que, no final das contas, a fertilidade dos seres humanos e do cosmos
estão interligadas em um grande sistema. Ao expandir a maloca a proporções
cósmicas, ao abolir as separações entre os seres humanos e o mundo dos
espíritos, e ao articular as capacidades reprodutivas de homens e mulheres, os
rituais de Yurupari englobam e colocam em movimento boa parte da
cosmologia acima esboçada.
Missionários, colonos e a modernidade
A história de contato dos povos do Uaupés com os não indígenas é muita antiga,
bem anterior ao grande auge da borracha na virada do século XX, remetendo às
incursões maciças dos portugueses em busca de escravos na primeira metade do
século XVIII. Embora o impacto desses raptores e o contato traumático e
duradouro com os seringalistas, esses comerciantes estavam mais interessados
nos corpos dos índios do que nas suas almas; em termos religiosos, e talvez em
termos sociais também, foram os missionários que provocaram as maiores
transformações.
A penetração efetiva dos missionários começou ao final do século XIX, com a
chegada dos Franciscanos. Estes, e os Salesianos que os seguiram, viram a
cultura dos povos do Uaupés através das lentes de suas próprias categorias
religiosas: as malocas dos índios eram consideradas "antros licenciosos e
promíscuos", as suas festas de dança ocasiões de "indecência e embriaguez", os
pajés eram "charlatões" que aliciavam o povo, e o culto de Yurupari nada mais
era do que o "culto ao Diabo" em pessoa. Sem conhecer e sem a mínima
intenção de saber o quê essas coisas realmente significavam, os missionários
começaram a destruir uma civilização em nome de outra, queimando as malocas
dos índios, destruindo os seus ornamentos de penas, quebrando seus recipientes
de caxiri, perseguindo os pajés e expondo os Yurupari às mulheres e crianças
reunidas na igreja.
Enquanto os padres atacavam os fundamentos da cultura indígena,
transformaram as suas sociedades, encurralando as pessoas em vilas com casas
rigidamente ordenadas, uma para cada família, e removendo à força seus filhos
para serem educados nas escolas ou internatos. Sob o regime estrito dos
internatos, as crianças foram ensinadas a rejeitar os valores e os modos de vida
dos seus pais, incentivadas a casar-se dentro de seus próprios grupos, e
proibidas de falar as línguas que lhes conferiam identidades múltiplas e
interligadas. Para os missionários, somente uma identidade importava, a
identidade indígena genérica, que impedia o progresso da "civilização".
Como reação inicial contra a exploração pelos comerciantes, as pressões dos
missionários e as epidemias que dizimaram a população indígena, irrompeu
uma série de movimentos milenaristas na região do Uaupés durante a segunda
metadedo século XIX. Vestindo-se de padres e identificando-se com Cristo e os
santos, os pajés-profetas conduziram o povo na "Dança da Cruz", uma fusão dos
rituais de caxiri e dabukuri tradicionais com elementos do catolicismo, que
prometiam a libertação da opressão dos brancos e o alívio dos "pecados" que
acreditavam ser a causa das epidemias.
Se os missionários foram rechaçados por seus ataques contra a cultura indígena,
também foram bem recebidos como fonte de bens manufaturados, como
defensores dos índios contra os piores abusos dos seringalistas e como
provedores da educação que as crianças indígenas precisariam para se sair bem
nas novas circunstâncias. Dos anos 1920 em diante, os Salesianos estabeleceram
uma cadeia de missões pela região no lado brasileiro da fronteira, alcançando o
alto Tiquié no começo dos anos 40 e destruindo a última maloca nos anos 60.
Hoje, a despeito do número crescente de evangélicos, a maioria dos índios do
Uaupés se considera católico. Enquanto aumenta cada vez mais o número de
pessoas que estão deixando suas aldeias para ir a São Gabriel em busca de
educação e emprego, a vida nas malocas e a rica diversidade ritual que a
acompanhava persiste agora somente na memória dos mais velhos.
Nos povoados, um centro comunitário substituiu a maloca como foco de
atividades coletivas. O centro serve ao mesmo tempo para as orações matutinas
conduzidas por um Capitão e catequista, e para as refeições comunitárias, caxiris
e dabukuris que marcam eventos importantes nas vidas dos aldeões: expedições
de pesca, trabalho coletivo em projetos comunitários, os dias de santo do
calendário católico, formaturas escolares, eventos esportivos, reuniões políticas
etc. Transformações das antigas festas, esses caxiris e dabukuris de hoje em dia
ainda incluem danças e bebidas - mas as danças não são mais acompanhadas
pela música nativa e as flautas de pã, mas sim pelo forró e, ao invés da relativa
moderação do passado, a cachaça é livremente consumida e seu freqüentemente
consumo leva a discussões e brigas. Com níveis crescentes de alcoolismo, a
embriaguez que os missionários imaginavam ver nas festas tradicionais hoje tem
se tornado uma realidade cruel da civilização que os missionários trouxeram
consigo.
No lado colombiano, sob o regime dos Monfortianos, o policiamento e a inserção
dos missionários foram muito parecidos às dos Salesianos mas, no final dos anos
50, os Monfortianos foram substituídos pelos mais liberais Javerianos. Estes
eram identificados com a nova Teologia da Libertação, que pregava a tolerância
com a cultura indígena e acomodação com seus valores e crenças; isto, junto
com o isolamento da região, explica porque os habitantes do Pira-Paraná ainda
conseguem conservar boa parte da sua religião tradicional e do seu modo de
vida. No lado brasileiro, a mudança foi mais lenta, mas, depois que a os
Salesianos foram denunciados no Tribunal Russell em 1980 pelo crime de
etnocídio, eles finalmente começaram a adotar uma linha mais liberal e
progressista.
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