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O PROFESSOR DE DANÇA, A PESQUISA E O CONCEITO DE EXPERIÊNCIA Constrói infinitas espirais de metal, que sejam muito maleáveis, que apenas com teu sopro se faça movimento, e há de ver que o de cima vai para baixo e o de baixo volta à superfície, e entenderá tudo se entender isso. Ando ten- tando. Entender nunca. Ando tentando fazê-las muito bonitas, e quando a lua está limpa, os cordeiros da nuvem no outro extremo, entro nas casas para roubar o ouro, depois derreto tudo no meu forno, mais de cem espirais tão delicadas que até o meu passo de fada faz vibrar, entro na casa o pé acol- choado, não respiro, mesmo assim estremecem. E detendo-me, vejo que o que era base aos meus olhos, fica vértice. HILST, Hilda. Kadosh. São Paulo: Globo, 2001. p. 35. O trabalho docente na chave do professor-pesquisador faz com que este- jamos sempre abertos a modificar pontos de vista, de modo a permitir ser continuamente estimulado por novas maneiras de pensar e agir no mundo, sempre buscando uma relação aproximada com os contextos do momento presente. Desse modo, o saber torna-se maleável, podendo surpreender e encantar com novas possibilidades de relação e interação com o mundo. Por essa razão, esse texto foi iniciado com os dizeres da poetisa paulista Hil- da Hilst (1930-2004), que, de maneira metafórica, nos ajuda a compreender que o saber tem a forma da espiral, que está sempre em movimento. Atuar na chave do professor-pesquisador em Dança pode proporcionar um contínuo estado de ampliação dos campos de saber desta linguagem e das inter-relações dela com as outras linguagens da Arte e com outros campos do conhecimento humano. Trata-se de uma busca constante por um estado de atenção, sensibilidade, reflexão e criatividade e por significados. O estado de pesquisa contempla os saberes imprevisíveis e invisíveis aos olhos, porém, presentes na memória e encarnados no corpo. É um olhar para o conhecimento de modo a acolher a densidade, a permeabilidade e a capacidade de mutação dos saberes. O trabalho na chave do professor-pes- quisador em Dança pode ser compara- do a um estado, um modo de ser, que dialoga com o conceito de experiência. Conceito este abordado por muitos pesquisadores ao redor do mundo e que tem na atualidade o pesquisador Jorge Larrosa como um dos principais interlocutores. Durante o Seminário Internacional Edu- cação, Arte e Política: Experiência e Grupo dançando frevo em Olinda (PE), 2019. MesquitaFM S/E+/Getty Im ages M a rc o v e c to r/ F re e p ik 95 FC_DANCA_g21At_094a104_U2_C6.indd 95FC_DANCA_g21At_094a104_U2_C6.indd 95 1/12/21 10:38 AM1/12/21 10:38 AM Educação, promovido pela Fundação Bienal de São Paulo em 20101, Larrosa disse algo que auxi- lia a refletir sobre as relações entre o conceito de experiência e do professor-pesquisador: o sujei- to da experiência é um ser “exposto”, com tudo que isso tem de vulnerabilidade e risco. Desse modo, o artista-pesquisador também flerta com o risco, na medida em que o estado de pesquisa não presume a previsibilidade, já que os resulta- dos não são conhecidos de antemão. Para os professores-pesquisadores de Dança, os processos de construção de conhecimentos em sala de aula se dão como fruto do diálogo entre as proposições de pesquisa e o modo como os estudantes se relacionam com elas. Não há um sistema de códigos que vislumbra que todos os estudantes chegarão às mesmas aprendizagens, da mesma forma. Promover o ensino-aprendiza- gem na chave da pesquisa permite espaço para que cada educando desenvolva seus saberes de maneira condizente com o modo pessoal de ser e os contextos em que vivem. Há saberes da Dança que possibilitam a am- pliação das capacidades cognitivas, outros que atuam na saúde dos corpos e ainda aqueles que são mobilizados para que os estudantes desenvolvam a habilidade de compartilhar o que pensam e sentem. Tais aprendizagens es- tão relacionadas a uma compressão das formas de ocupação do espaço e do tempo, ao apri- moramento de capacidades como equilíbrio, força e alongamento, além da investigação de formas de materialização de pensamentos, sen- timentos, críticas e reflexões por meio da dança. Desse modo, o professor-pesquisador, ancora- do na pesquisa e atento ao tempo, ao espaço e a todos os sujeitos envolvidos no percurso de ensino-aprendizagem em Arte, pode fomentar processos que respeitem os saberes e interes- ses de todos os estudantes. Desse modo, compreende-se que os professo- res-pesquisadores podem provocar nos estu- 1 SEMINÁRIO Internacional Educação, Arte e Política: Experiência e Educação. Fórum Permanente [São Paulo, 2010]. Disponível em: http:// www.forumpermanente.org/event_pres/simp_sem/educacao-arte-politica/videos/seminario-internacional-educacao-arte-e-politica- experiencia-e-educacao. Acesso em: 13 dez. 2020. dantes um estado de experiência que expande a maneira de eles se relacionarem com si mes- mos e com a própria expressividade, aumentan- do a capacidade de olhar para si, para o outro e para o espaço habitado. Trata-se de uma manei- ra que torna positiva a experiência dos estudan- tes, que acolhe seus desejos, que valoriza suas conquistas. Isso acontece de modo a estabele- cer um ambiente de acolhimento entre todos, com respeito aos direitos humanos e com obje- tivo de alcançar o bem comum. Sob a ótica da experiência, como aqui se propõe, um processo de ensino-aprendizagem em Dança não é algo alheio ao corpo do estudante, mas inerente a esse corpo, escrito e encarnado nele; é algo que acontece com o ser humano, que o toca e, com isso, pode mobilizar nele novas ma- neiras de se relacionar consigo, com os outros, com as situações da vida. De acordo com John Dewey, no livro Arte como experiência: A experiência na medida em que é experiência, consiste na acentuação da vitalidade. Em vez de significar um encerrar-se em sentimentos e sensações privados, significa uma troca ativa e alerta com o mundo; em seu auge, significa uma interpenetração completa entre o eu e o mundo dos objetos e acontecimentos. DEWEY, John. Arte como experiência. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 83. Assim, ao passo que os professores-pesquisa- dores de dança instigam a observação, a escuta e o desejo de criação nos estudantes, surge a possibilidade de promover a ampliação de re- pertórios de movimentos dos jovens, bem como chamar a atenção deles para a permeabilidade de seus corpos em relação ao mundo, aos ou- tros e às sensações que os atravessam. Assim, os professores podem mostrar aos estudantes que a dança pode ser uma maneira sensível de habitar o mundo e uma forma de comunicação incomum, que é capaz de materializar senti- mentos, pensamentos e reflexões. 96 FC_DANCA_g21At_094a104_U2_C6.indd 96FC_DANCA_g21At_094a104_U2_C6.indd 96 1/12/21 10:38 AM1/12/21 10:38 AM