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Tramas das Linguagens Dança (49)

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O PROFESSOR DE DANÇA, A PESQUISA 
E O CONCEITO DE EXPERIÊNCIA
Constrói infinitas espirais de metal, que sejam muito maleáveis, que apenas 
com teu sopro se faça movimento, e há de ver que o de cima vai para baixo 
e o de baixo volta à superfície, e entenderá tudo se entender isso. Ando ten-
tando. Entender nunca. Ando tentando fazê-las muito bonitas, e quando a 
lua está limpa, os cordeiros da nuvem no outro extremo, entro nas casas para 
roubar o ouro, depois derreto tudo no meu forno, mais de cem espirais tão 
delicadas que até o meu passo de fada faz vibrar, entro na casa o pé acol-
choado, não respiro, mesmo assim estremecem. E detendo-me, vejo que o 
que era base aos meus olhos, fica vértice.
HILST, Hilda. Kadosh. São Paulo: Globo, 2001. p. 35.
O trabalho docente na chave do professor-pesquisador faz com que este-
jamos sempre abertos a modificar pontos de vista, de modo a permitir ser 
continuamente estimulado por novas maneiras de pensar e agir no mundo, 
sempre buscando uma relação aproximada com os contextos do momento 
presente. Desse modo, o saber torna-se maleável, podendo surpreender e 
encantar com novas possibilidades de relação e interação com o mundo. 
Por essa razão, esse texto foi iniciado com os dizeres da poetisa paulista Hil-
da Hilst (1930-2004), que, de maneira metafórica, nos ajuda a compreender 
que o saber tem a forma da espiral, que está sempre em movimento.
Atuar na chave do professor-pesquisador em Dança pode proporcionar 
um contínuo estado de ampliação dos campos de saber desta linguagem 
e das inter-relações dela com as outras linguagens da Arte e com outros 
campos do conhecimento humano. Trata-se de uma busca constante 
por um estado de atenção, sensibilidade, reflexão e criatividade e por 
significados. O estado de pesquisa contempla os saberes imprevisíveis 
e invisíveis aos olhos, porém, presentes na memória e encarnados no 
corpo. É um olhar para o conhecimento de modo a acolher a densidade, 
a permeabilidade e a capacidade de mutação dos saberes.
O trabalho na chave do professor-pes-
quisador em Dança pode ser compara-
do a um estado, um modo de ser, que 
dialoga com o conceito de experiência. 
Conceito este abordado por muitos 
pesquisadores ao redor do mundo e 
que tem na atualidade o pesquisador 
Jorge Larrosa como um dos principais 
interlocutores.
Durante o Seminário Internacional Edu-
cação, Arte e Política: Experiência e 
Grupo dançando frevo 
em Olinda (PE), 2019.
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Educação, promovido pela Fundação Bienal de 
São Paulo em 20101, Larrosa disse algo que auxi-
lia a refletir sobre as relações entre o conceito de 
experiência e do professor-pesquisador: o sujei-
to da experiência é um ser “exposto”, com tudo 
que isso tem de vulnerabilidade e risco. Desse 
modo, o artista-pesquisador também flerta com 
o risco, na medida em que o estado de pesquisa 
não presume a previsibilidade, já que os resulta-
dos não são conhecidos de antemão.
Para os professores-pesquisadores de Dança, os 
processos de construção de conhecimentos em 
sala de aula se dão como fruto do diálogo entre 
as proposições de pesquisa e o modo como os 
estudantes se relacionam com elas. Não há um 
sistema de códigos que vislumbra que todos os 
estudantes chegarão às mesmas aprendizagens, 
da mesma forma. Promover o ensino-aprendiza-
gem na chave da pesquisa permite espaço para 
que cada educando desenvolva seus saberes de 
maneira condizente com o modo pessoal de ser 
e os contextos em que vivem.
Há saberes da Dança que possibilitam a am-
pliação das capacidades cognitivas, outros que 
atuam na saúde dos corpos e ainda aqueles 
que são mobilizados para que os estudantes 
desenvolvam a habilidade de compartilhar o 
que pensam e sentem. Tais aprendizagens es-
tão relacionadas a uma compressão das formas 
de ocupação do espaço e do tempo, ao apri-
moramento de capacidades como equilíbrio, 
força e alongamento, além da investigação de 
formas de materialização de pensamentos, sen-
timentos, críticas e reflexões por meio da dança. 
Desse modo, o professor-pesquisador, ancora-
do na pesquisa e atento ao tempo, ao espaço e 
a todos os sujeitos envolvidos no percurso de 
ensino-aprendizagem em Arte, pode fomentar 
processos que respeitem os saberes e interes-
ses de todos os estudantes.
Desse modo, compreende-se que os professo-
res-pesquisadores podem provocar nos estu-
1 SEMINÁRIO Internacional Educação, Arte e Política: Experiência e Educação. Fórum Permanente [São Paulo, 2010]. Disponível em: http://
www.forumpermanente.org/event_pres/simp_sem/educacao-arte-politica/videos/seminario-internacional-educacao-arte-e-politica-
experiencia-e-educacao. Acesso em: 13 dez. 2020.
dantes um estado de experiência que expande 
a maneira de eles se relacionarem com si mes-
mos e com a própria expressividade, aumentan-
do a capacidade de olhar para si, para o outro e 
para o espaço habitado. Trata-se de uma manei-
ra que torna positiva a experiência dos estudan-
tes, que acolhe seus desejos, que valoriza suas 
conquistas. Isso acontece de modo a estabele-
cer um ambiente de acolhimento entre todos, 
com respeito aos direitos humanos e com obje-
tivo de alcançar o bem comum.
Sob a ótica da experiência, como aqui se propõe, 
um processo de ensino-aprendizagem em Dança 
não é algo alheio ao corpo do estudante, mas 
inerente a esse corpo, escrito e encarnado nele; 
é algo que acontece com o ser humano, que o 
toca e, com isso, pode mobilizar nele novas ma-
neiras de se relacionar consigo, com os outros, 
com as situações da vida. De acordo com John 
Dewey, no livro Arte como experiência:
A experiência na medida em que é experiência, 
consiste na acentuação da vitalidade. Em vez 
de significar um encerrar-se em sentimentos e 
sensações privados, significa uma troca ativa e 
alerta com o mundo; em seu auge, significa uma 
interpenetração completa entre o eu e o mundo 
dos objetos e acontecimentos.
DEWEY, John. Arte como experiência. São 
Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 83.
Assim, ao passo que os professores-pesquisa-
dores de dança instigam a observação, a escuta 
e o desejo de criação nos estudantes, surge a 
possibilidade de promover a ampliação de re-
pertórios de movimentos dos jovens, bem como 
chamar a atenção deles para a permeabilidade 
de seus corpos em relação ao mundo, aos ou-
tros e às sensações que os atravessam. Assim, 
os professores podem mostrar aos estudantes 
que a dança pode ser uma maneira sensível de 
habitar o mundo e uma forma de comunicação 
incomum, que é capaz de materializar senti-
mentos, pensamentos e reflexões.
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