Text Material Preview
1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI CIÊNCIA POLÍTICA GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 4 2 O QUE É CIÊNCIA POLÍTICA? ..................................................................................... 5 2.1 Ciência política e teoria geral do Estado .................................................................... 7 2.2 Conceitos fundamentais ............................................................................................. 9 2.2.1 Ciência política ........................................................................................................ 9 2.2.2 Teoria geral do Estado .......................................................................................... 10 2.2.3 Diferenças e semelhanças .................................................................................... 11 2.3 Importância ada Disciplina ....................................................................................... 11 3 ORIGEM DO PENSAMENTO POLÍTICO NA ANTIGUIDADE .................................... 12 3.1 Sócrates (470 – 399 a.C.) ........................................................................................ 14 4 PLATÃO (427 – 347 a.C.) ........................................................................................... 17 5 ARISTÓTELES (384 – 322 a.C.) ................................................................................. 22 6 A INFLUÊNCIA DE PLATÃO E ARISTÓTELES NO CONHECIMENTO CIENTÍFICO ATUAL.......... .................................................................................................................. 28 6.1 O pensamento de Platão e Aristóteles ..................................................................... 31 6.2 Áreas do conhecimento iniciadas por Platão e Aristóteles ....................................... 32 7 ÉTICA, MORAL E POLÍTICA ...................................................................................... 34 8 RELIGIÃO E POLÍTICA NA HISTÓRIA ....................................................................... 44 8.1 Os Estados teológicos ao longo da história.............................................................. 44 8.2 Movimentos religiosos da atualidade e sua relação com o Estado .......................... 49 8.3 A bancada evangélica e a sua relação com o Estado laico...................................... 53 9 RELIGIÃO NA PÓS-MODERNIDADE ......................................................................... 58 9.1 Importância da religião em tempos de ceticismo e imediatismo ............................... 58 3 9.2 Sistemas políticos e religião: manipulação e politização .......................................... 61 9.3 Consumo de bens simbólicos e pregação da fé nos tempos do espetáculo religioso............... ........................................................................................................... 63 10 A CONTRIBUIÇÃO DO PENSAMENTO MEDIEVAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA POLÍTICA ................................................................................................. 65 10.1 Santo Agostinho ..................................................................................................... 68 10.2 São Tomás de Aquino ............................................................................................ 69 10.3 Guilherme de Ockham............................................................................................ 72 10.4 Marsílio de Pádua .................................................................................................. 73 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 76 4 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 O QUE É CIÊNCIA POLÍTICA? Com muita frequência, usamos a palavra política para designar principalmente a atuação dos gestores públicos ou qualquer situação que cruze os conceitos de Estado, de gestão pública e as relações de poder neles envolvidos. Mas como os pesquisadores definem a política? Concordam com essa definição do senso comum? E onde nasceu esse termo? A política tem suas origens na Grécia Antiga, a partir do surgimento e crescimento da Pólis (cidade-estado) — como Atenas e Esparta — e da necessidade de administrar as divergências que surgiam nesse espaço. Tratava-se do estudo das práticas na Pólis e da conduta dos indivíduos nela inseridos. Na dinâmica da Pólis, abria- se espaço para o confronto de ideias e para a construção de normas que proporcionassem a boa convivência. O posicionamento e as decisões geradas nesse debate público chegavam a se mostrar, por vezes, superiores às leis vigentes (BONAVIDES, 2000). Na visão de Aristóteles, filósofo grego, a política se apresentava como algo inerente ao indivíduo, sendo impossível de ser dissociada da participação popular e do diálogo entre opiniões divergentes. Para ele, o ser humano seria um animal político que não nasce para viver sozinho, mas, sim, para viver na companhia de outros. Nasce, assim, a concepção de política relacionada à vida na coletividade e à organização que emerge dessas relações. Essa relação vigora até hoje (BONAVIDES, 2000). O marxismo e o liberalismo são duas correntes teóricas relevantes e reconhecidas no mundo todo que também focam no estudo da política, mas por um viés mais contemporâneo. Ambas as teorias carregam traços semelhantes e distintos, mas focam na reestruturação da política e na busca por formas mais justas e livres de vida em sociedade. A corrente marxista nasce a partir de uma crítica à sociedade burguesa e capitalista vigente no século XIX e possui como base os pensamentos dos filósofos Karl Marx e Friedrich Engels. Esses pensadores focam suas análises especialmente nas questões que emergem dos conflitos de classe e da organização da produção. O marxismo divide a sociedade entre aqueles que possuem e não possuem os meios de produção (tudo aquilo necessário para produção como maquinário, ferramentas) e 6 defende uma reestruturação radical da ordem socioeconômica e do sistema socialista (FUKUYAMA, 2013). Já o liberalismo nasce sustentado pelos princípios dos filósofos ingleses e franceses (séculos XVII e XVIII) em oposição ao poder absoluto das monarquias vigentes na época, na Europa. Sua defesa é pela propriedade privada, pelos direitos individuais e pela liberdade política e econômica. Sua origem remonta ao século XVII, a partir da obra de John Locke, segundo Fukuyama (2013). Ambas as correntes — liberalismo e marxismo —, até hoje, mantêm-se vivas, orientando as ações dos grupos políticos atuais.Entre as finalidades da política e procurando definir melhor o termo, Azambuja (1973, p. 8) diz que “[...] consiste em organizar a sociedade de tal modo que nela seja possível a cada cidadão viver uma vida virtuosa e feliz, e não apenas materialmente confortável”. Ou seja, a política teria como essência a busca e a manutenção do bem comum. Complementando a definição, Azambuja (1973, p. 20) afirma, ainda, que “[...] a política é a convivência pública dos cidadãos entre si”. A política não pode ser encarada de modo isolado da concepção de poder — expressa na vida política propriamente dita na figura dos governantes, por exemplo, mas também na vida cotidiana e nas manifestações da sociedade. Esse segundo olhar, embora mais distante daquilo que comumente chamamos de política, é extremamente relevante para a compreensão da dinâmica e da totalidade da vida em sociedade. Na verdade, a política pode expressar- se em diversas esferas da vida quando associadas à concepção de poder. Partindo, assim, da premissa de que o conceito de política envolve poder, os estudiosos do tema se dedicaram a definir a ciência política como o campo que estuda a formação, a divisão e o fenômeno de poder. Podemos dizer que o campo da ciência política representa o estudo dos sistemas e processos políticos envolvendo a manutenção da segurança, da justiça e dos direitos civis e das relações de poder aí envolvidas. Busca entender o funcionamento dos sistemas políticos utilizando, para tanto, o método científico. O campo de estudo da ciência política é muito vasto e se relaciona diretamente com os demais campos do saber, em especial com a sociologia, a antropologia, a comunicação e a filosofia. Não nos referimos a uma relação competitiva entre as disciplinas, mas, sim, complementar, em que as partes se unem para dar conta da complexidade da ciência política. Para Bonavides (2000, p. 38), “[...] a ciência política tem 7 por objeto o estudo dos acontecimentos, das instituições, das ideias políticas, tanto em sentido teórico (doutrina) como em sentido prático (arte), referido ao passado, ao presente e às possibilidades futuras”. O termo ciência política, no entanto, somente foi cunhado em 1880. A ciência política reflete sobre o poder e a tomada de decisão nas diversas esferas da vida em sociedade e nas instituições. É o campo do saber que analisa o Estado, os regimes políticos, a hegemonia, e é a partir dessa reflexão sobre o presente que projeções para o futuro são feitas e as políticas, planejadas. Os cientistas políticos focam sua atuação no estudo de instituições e organizações como sindicatos, igrejas, empresas e, frequentemente, suas reflexões servem de orientação e consulta para outros profissionais, como jornalistas, gestores políticos. A ciência política foca especificamente na questão do poder político, entendendo o seu detentor como aquela figura que possui, em última instância, o direito ao uso da força física sobre certo território — mais especificamente, o Estado. Logo, nesse sentido, a ciência política trata da teoria e das práticas do Estado. 2.1 Ciência política e teoria geral do Estado Não é nova a ideia segundo a qual o homem somente pode ser compreendido a partir da sua inserção na vida em sociedade. De fato, o ser humano é agregador e depende, pela sua própria essência, da aproximação com o outro. Conforme Aristóteles, o homem é um ser político. Em paralelo, a condição humana também traz uma constante autorreflexão: o homem busca conhecimento e aprofundamento das estruturas que lhe são apresentadas. É nessa linha de raciocínio que se verifica a presença, desde priscas eras, de um pensamento científico. A ciência surge justamente como um fenômeno de análise das relações de causa e efeito, na tentativa de sistematizar e organizar o conhecimento adquirido. Com a vida em sociedade, não é diferente. O estudo da organização política e dos comportamentos políticos da sociedade é destinado à ciência política enquanto disciplina do saber. Já o estudo do Estado, enquanto organização jurídica da sociedade, é destinado à teoria geral do Estado (DALLARI, 2013). Sob a perspectiva da ciência política, relevantes aspectos da vida em sociedade são objeto de reflexão e compreendem as definições básicas das instituições sociais e o 8 seu próprio funcionamento. Não é por outra razão que o estudo da ciência política envolve temas delicados, como poder político, direitos políticos, democracia, legitimidade do poder, Estado e governo (MORAIS; STRECK, 2010). Sob o enfoque da teoria geral do Estado, tantos outros importantes temas são pontos de questionamento e abrangem não apenas a definição de Estado, mas também as suas origens, os seus fundamentos e as suas finalidades. Por essa razão, o estudo da teoria geral do Estado não desconsidera algumas categorias essenciais, como as formas de Estado, as formas de governo, os sistemas de governo e as funções do Estado. Além disso, consideramos a possibilidade de diferentes enfoques para o estudo. Surgem, assim, as perspectivas filosófica, sociológica e jurídica. Sob o prisma filosófico, buscamos os fundamentos do Estado e da sociedade, isto é, a sua justificativa teórica. Sob o prisma sociológico, identificamos os fatos concretos que revelam a prática social na indissociável relação existente entre o Estado e as condicionantes sociais existentes. Por fim, na perspectiva jurídica, pretendemos evidenciar a organização e personificação do Estado por meio do corpo normativo que o compõe (DALLARI, 2013). No ápice dessa última formulação, devemos citar Hans Kelsen, para quem o Estado se situa no plano do dever–ser (sollen) (DALLARI, 2013). A esse respeito, confira a posição de Max Weber (apud BONAVIDES, 2009, p. 42): Com efeito, na sociologia política de Max Weber, abre-se o capítulo de fecundos estudos pertinentes à política científica, à racionalização do poder, à legitimação das bases sociais em que o poder repousa, inquire-se ali da influência e da natureza do aparelho burocrático; investiga-se o regime político, a essência dos partidos, sua organização, sua técnica de combate e proselitismo, sua liderança, seus programas; interrogam-se as formas legítimas de autoridade, como autoridade legal, tradicional e carismática; indaga-se da administração pública, como nela influem os atos legislativos, ou com a força dos parlamentos, sob a égide de grupos socioeconômicos poderosíssimos, empresta à democracia algumas de suas peculiaridades mais flagrantes. O aspecto temporal também influencia sobremaneira o estudo da disciplina. Assim, algumas categorias conceituadas de determinada forma hoje poderão não mais ter a mesma definição amanhã. Essa, aliás, é considerada uma das grandes dificuldades do pensamento científico. Confira, a propósito, o pensamento de Paulo Bonavides (2009, p. 39): 9 Mas se o oxigênio, enxofre e o hidrogênio “se comportam da mesma maneira na Europa, na Austrália ou em Sírius”, se qualquer mudança na composição do elemento químico encontra no cientista condições fáceis e seguras de exame e esclarecimento, o mesmo não se dá com o fenômeno social e político. Fica este sujeito a imperceptíveis variações, de um para outro país, até mesmo na prática do mesmo regime; ou de um a outro século, de uma a outra geração. Por tais razões, compreender a ciência política e a teoria geral do Estado na atualidade é também considerar os movimentos atuais de crítica e reorganização da estrutural estatal, notadamente em razão da reavaliação da posição do Estado frente à sociedade e da dinâmica da globalização (CHEVALLIER, 2009). Não se pode desconsiderar, também, a chamada crise do Estado contemporâneo, que coloca em cheque a definição tradicional e o papel do ente estatal. Basta considerar, como exemplo dessa crise, a questão do espaço geográfico do Estado: As fronteiras, físicase simbólicas, que delimitavam a esfera de influência, o espaço de dominação do Estado, tornaram-se porosas: os Estados são atravessados por fluxos de todas as ordens, que eles são incapazes de controlar, de canalizar e, se necessário, conter; já não tendo controle sob as variantes essenciais que comandam o desenvolvimento econômico e social, a sua capacidade de regulação tornou-se, concomitantemente, aleatória (CHEVALLIER, 2009, p. 32). 2.2 Conceitos fundamentais 2.2.1 Ciência política A política, enquanto prática humana relacionada com a noção de poder, é objeto de debate e reflexão desde o passado longínquo. Dessa forma, muitas obras clássicas são referência até hoje, com relevância para Platão, Aristóteles, Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, John Locke, Alexis de Tocqueville, Rousseau, Karl Marx, George Burdeau, entre tantos outros. A palavra remonta à noção grega de Pólis. Sobre o conceito de ciência política, Dalmo Dallari (2013, p. 17) destaca que ela “faz o estudo da organização política e dos comportamentos políticos, tratando dessa temática à luz da Teoria Política, sem levar em conta os elementos jurídicos”. Essa definição considera que o elemento central do estudo é a política e, por essa razão, deságua na noção de poder. Com efeito, a ciência política é centrada no estudo do poder e, portanto, da autoridade 10 (DUVERGER apud DIAS, 2013, p. 9). Em síntese, o objeto da ciência política é o poder. Para melhor estudar o seu objeto, é possível identificar quatro campos de atuação da ciência política (DIAS, 2013): • as instituições em que atuam os sujeitos, como o Estado e o governo; • os recursos utilizados, como a influência e a autoridade; • os meios para a formulação de decisões políticas (decision-making); • as funções desempenhadas, como a solução consensual de conflitos e a imposição de decisões pelos atores dotadas de autoridade. 2.2.2 Teoria geral do Estado O Estado, enquanto organização política da sociedade (em determinada base territorial e qualificada pelo poder político), também é objeto de intenso debate. Aliás, apesar dessa definição inicial, o conceito de Estado é polêmico e multifacetado, sempre dependente da perspectiva de exame (DALLARI, 2013). Sob o enfoque jurídico, seguramente haverá definição diferente da perspectiva meramente sociológica de Estado. A teoria geral do Estado se dedica “ao estudo do Estado sob todos os aspectos, incluindo a origem, a organização, o funcionamento e as finalidades, compreendendo-se no seu âmbito tudo o que se considere existindo no Estado e influindo sobre ele” (DALLARI, 2013, p. 18). É evidente, com isso, que o estudo do Estado também diz respeito às condições de possibilidade de sua compreensão (MORAIS, 2010). Em termos práticos, as questões abordadas na teoria geral do Estado já eram tratadas pelos autores clássicos da ciência política. A sistematização, como disciplina autônoma, deveu-se principalmente à doutrina alemã do final do século XIX e início do século XX, notadamente com Georg Jellinek e a sua teoria geral do Estado (Allgemeine Staatslehre, 1911). 11 2.2.3 Diferenças e semelhanças Apresentadas as definições de ciência política e teoria geral do Estado, verificamos, com clareza, que as disciplinas não se confundem. Enquanto a primeira diz respeito às relações de poder, a segunda diz respeito às relações com o Estado. É certo, por outro lado, que “não há possibilidade de desenvolver qualquer estudo ou pesquisa de Ciência Política sem considerar o Estado” (DALLARI, 2013, p. 17). A ciência política, com efeito, é disciplina mais ampla e da qual a teoria geral do Estado faz parte. Essa, aliás, é a concepção de Herman Heller (apud DIAS, 2013), que já apontava a dificuldade em diferenciar ambos os fenômenos. De todo modo, para ele, há uma dependência recíproca entre ambas: a teoria geral do Estado é também pressuposto da ciência política. Há, por outro, uma inevitável aproximação entre ambas. É que as duas se debruçam sobre a convivência humana, o Estado e a política: [...] não somente para saber como se constituem, nem somente no sentido de uma obra de arte ou de uma teoria da constituição, mas, em última instância, no sentido de que constituem uma ciência da ordem. Têm uma tarefa comum, pois têm que responder à velha questão de como nós, seres humanos, podemos chegar a ter uma vida racional e boa (DIAS, 2013, p. 14). 2.3 Importância da Disciplina Variadas razões justificam o estudo da ciência política. Com efeito, a disciplina tem relevo jurídico e, na pena de Dalmo de Abreu Dallari, podem ser identificadas três razões para se considerar a matéria importante (DALLARI, 2013). A primeira razão é de consciência: quem vive em sociedade precisa saber a sua organização e o papel que deve cumprir, sob pena de se tornar um autômato despido de intelectualidade e sem vontade própria. A segunda razão é de ordem crítica. Assim, devem ser conhecidas as formas e os métodos pelos quais os problemas sociais serão conhecidos e as soluções propostas para que se “evite o erro de pretender o transplante, puro e simples, de fórmulas importadas, ou a aplicação simplista de ideias consagradas, sem a necessária adequação às exigências e possibilidades da realidade social” (DALLARI, 2013, p. 13). 12 A terceira razão é de ordem prática. Isso porque a ciência política e da teoria geral do Estado colaboram, de forma incisiva, para a elaboração da ordem jurídica. São, portanto, passos necessários para a compreensão do Direito de determinada sociedade. Essa perspectiva prática revela ainda o enfrentamento que deve existir entre as construções teóricas e o cotidiano daqueles inseridos em determinada comunidade jurídica. De fato, não há qualquer utilidade em uma reflexão sobre o papel da autoridade e do Estado que não considere as peculiaridades da sociedade na qual está inserida. Por isso, deve ser acrescentada uma última boa razão para o estudo da disciplina. A quarta razão proposta é reativa. De fato, compreender os institutos é, também, encontrar as suas qualidades e os seus defeitos, suas virtudes e seus vícios, de modo a buscar o aprimoramento das instituições. Assim, por exemplo, no que concerne à teoria geral do Estado, não basta apenas identificar a existência de propostas decorrentes do programa estatal, mas cumpre perquirir sobre a efetividade da sua atuação. Se o Estado brasileiro tem uma agenda, cumpre verificar se ela vem sendo cumprida. E, no âmbito da ciência política, se há um debate sobre a democracia, cumpre refletir sobre a real possibilidade de participação da comunidade na tomada de decisão. De igual modo, mudanças nas regras do jogo político podem receber uma reflexão mais tenaz em razão das posturas adotadas. 3 ORIGEM DO PENSAMENTO POLÍTICO NA ANTIGUIDADE Entre os séculos VI e VII a.C., diversas reformas foram operadas por Drácon, Sólon e Clístenes, que criaram uma nova forma de governo, guiadas pela isonomia (todos os cidadãos têm o mesmo direito diante das leis). Entretanto, somente com Péricles, no século V a.C., que estas reformas atingem seu auge e a democracia se torna o regime de governo da Pólis. Atenas transformava-se no centro cultural da época. Nesse período, as cidades gregas desenvolveram seu comércio, o artesanato e a organização militar. Outra característica foi o desenvolvimento da democracia, que significava igualdade de todos os cidadãos, ou seja, dos homens adultos e livres, perante a lei, com participação direta no governo da Pólis (cidade-Estado da Grécia) (CHAUÍ, 2013). A Pólis, ou cidade- Estado, foi uma organização social que veio substituir a monarquia micênica. “A principal 13 novidade da Pólis é que se trata de uma forma republicana e, portanto, colegiada de governo, e não mais uma forma monárquica” (TRABULSI, 1992, p. 140). Para Vernant (2002), o surgimentoda Pólis constituiu na história do pensamento grego um acontecimento decisivo. “O que implica o sistema da Pólis é primeiramente uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder” (VERNANT, 2002, p. 53). A palavra deve ser entendida não como ordem vinda do rei, mas, no viés da discussão, como instrumento de uso entre os cidadãos a fim de estabelecer a melhor forma de agir, ou de agir de forma correta. Contudo, a palavra defende o ponto de vista sobre determinado assunto, debate o contraditório, gera a discussão e a argumentação. Esse viés direcionava o fazer político e as discussões nas praças públicas. É sobre a Pólis que pensamento e palavra atuam, portanto, a característica da filosofia clássica é o pensamento sobre a vida na Pólis, na cidade-Estado. “Sobre ela [Pólis] o Pensamento incide primeiro; os primeiros Diálogos [platônicos] debatem as suas formas e instâncias, valores e figuras” (SOUZA NETO, 1982, p. 37). Nesse contexto surgem os sofistas como educadores mestres da retórica e da oratória, aspectos fundamentais para jovens ricos que desejam ser os governantes da Pólis. É nesse contexto que aparece seu principal opositor, Sócrates. Do ponto de vista da história da filosofia, esse período pode ser caracterizado como: Período antropológico ou humanista: esse período representa o esquecimento da preocupação e investigação acerca da origem das coisas e do Cosmos, e passa a preocupar-se com as questões referentes ao homem. É o período relativo aos Sofistas e a Sócrates (HOBUSS, 2014, p. 23). Chauí (2013) diz que o que resta dos filósofos sofistas são fragmentos escritos por seus adversários: Platão, Xenofonte, Aristóteles. Esses fragmentos dizem que os sofistas se destacavam pela arte da persuasão. Os sofistas ensinavam técnicas de persuasão aos jovens, que aprendiam a defender a posição A, depois a posição ou opinião contrária, não A, de modo que, numa assembleia, pudessem ter fortes argumentos a favor ou contra uma opinião e ganhassem a discussão (CHAUÍ, 2013, p. 43). Para Reale e Antiseri (1990, p. 73), “[...] os sofistas operaram uma verdadeira revolução espiritual, deslocando o eixo da reflexão filosófica da physis e do cosmos para 14 o homem e aquilo que concerne a vida do homem como membro de uma sociedade”. Entre os principais sofistas estão: Protágoras de Abdera, Górgias de Leontini, Hípias e Isócrates de Atenas. A característica dos sofistas era o pragmatismo baseado na utilidade e o relativismo, que se traduziam para o âmbito da moral, da política e da esfera do conhecimento, em que contestavam a verdade. Reale e Antiseri (1990) sugerem que a filosofia, criação grega, possui o objetivo de conhecer e contemplar a verdade, portanto, os sofistas, ao ensinar aos jovens ricos sobre a relatividade da verdade, colocavam sob suspeita as tradições e valores que o mundo aristocrático grego sustentava. Nesse contexto, a filosofia clássica não é um pensamento especulativo, e sim uma construção cultural do homem grego que se preocupa com questões ético-políticas, ou seja, o homem que pensa qual melhor forma de agir, de acordo com a razão, a fim de melhor estar relacionado à Pólis. Em síntese, é alguém que se preocupa em estar numa realidade fundamentada pelo viés da razão, do logos, que ordena o todo. 3.1 Sócrates (470 – 399 a.C.) Nasceu em um bairro suburbano de Atenas no ano 470 a.C. Não provém de uma família aristocrata, mas de uma família pobre, sendo filho de um escultor e de uma parteira. Enquanto jovem grego, cumpriu com suas obrigações militares participando de muitas batalhas. Teve modestos recursos de sua família, mas que lhe permitiram ter acesso à cultura tradicional dos jovens atenienses (MONDOLFO, 1972). É o filósofo que se opõe aos sofistas pois, enquanto eles cobravam dos jovens ricos para ensinar a arte da retórica, Sócrates ensinava a seus concidadãos nas praças de forma gratuita. Para ele, o saber dos sofistas era aparente e visava nada além de lucro (REALE; ANTISERI, 1990). Platão, também alertara, em sua crítica aos sofistas, sobre os perigos de uma relatividade moral (REALE; ANTISERI, 1990). Em seus diálogos, ele aborda os enfrentamentos entre Sócrates e vários filósofos sofistas. Sócrates, nada escreveu, as fontes que falam deste pensador grego são Platão, Xenofonte, Aristófanes e Aristóteles. Sócrates foi condenado à pena de morte por não cultuar os deuses oficiais; por introduzir novas divindades; e por ser considerado um corruptor da juventude, por incutir novos valores, contrários à tradição (HOBBUS, 2014, p. 84). 15 Na obra intitulada “Apologia de Sócrates”, Platão descreve o discurso que Sócrates proferiu em sua defesa frente aos acusadores. Nela, o pensador helênico sustenta que sua filosofia parte da necessidade de o indivíduo cuidar de sua alma. Sócrates, ao abordar um cidadão helênico nos espaços públicos, estimulava-os a cuidarem de si mesmos. O cuidado da alma era uma preocupação que Sócrates operava em sua filosofia em relação a si mesmo e provocando os cidadãos da Pólis. O cuidado da alma “[...] é indubitavelmente mais importante do que bens materiais ou preocupações com a honra ou coisas semelhantes, pois é através de um processo de melhoria da alma, do conhecimento, que poderemos atingir a virtude” (PLATÃO apud HOBUSS, 2014, p. 84-85). Em um dos primeiros diálogos platônicos em que aparece a figura de Sócrates, denominado Alcibíades, o filósofo exorta-o a cuidar de si. Alcibíades indaga o que deveria fazer para ser governador da cidade e, como resposta, Sócrates diz que deveria cuidar de si, o que significa cuidar da alma. “É por tal razão que a alma, se quiser conhecer a si mesma, deve observar uma alma, especialmente onde pode ser encontrada a excelência da mesma, o saber” (ALCIBÍADES apud HOBUSS, 2014, p. 85). Logo, a questão do conhecimento de si, inscrita no pórtico do templo de Delfos, “Conhece-te a ti mesmo”, é tão cara a Sócrates que ele recebe esta missão dos deuses para levar as pessoas a cuidarem da alma. A essência do homem é a alma, cuidar de si mesmo é cuidar da alma, mais do que do corpo (REALE; ANTISERI, 1990). Por alma Sócrates compreendia “[...] a razão e a sede de nossa atividade pensante eticamente operante” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 87). Os gregos compreendiam como valoroso aquilo que estava ligado a algo exterior como a riqueza ou o poder, neste caso, valores que conferem com a vida da aristocracia grega. Sócrates reverte esse paradigma ao defender que os verdadeiros valores deveriam estar de acordo com a alma e não ligados a fatores exteriores. O saber e o conhecimento eram virtudes, enquanto a ignorância era um vício. Assim, para que haja uma distinção entre o que é o bom e o que é mau, o que é o justo e o que é injusto é preciso ter conhecimento, defende Hobuss (2014). “Em outras palavras, o aperfeiçoamento da alma leva a que o indivíduo adquira a virtude” (HOBUSS, 2014, p. 85). Outro filósofo que é considerado uma fonte sobre Sócrates é Xenofonte. Em seu escrito denominado Memoráveis, assinala que Sócrates considerava sábia a pessoa que conhecia o bem e que agia conforme o bem. 16 Assim, os homens sábios praticam ações belas e boas, e os que não são sábios não só não o fazem, como, mesmo que o tentassem, não conseguiriam. De modo que, se todas as ações justas e também as belas e as boas se praticam por causa da virtude, é óbvio que quer a justiça quer qualquer outra dessas qualidades [virtudes] é sabedoria (XENOFONTE apud HOBUSS, 2014, p. 86). No entendimento de Hobuss (2014, p. 86), “[...] só podemos saber que tipo de ações são virtuosas, isto é, justas ou moderadas, por exemplo, se podemos conhecer, definir racionalmente o que cada uma das virtudes é, conhecê-las”. A partir disso se entende o diálogo que Sócrates estabelecia com as pessoas através de meu método dadialética em que aplicava a maiêutica, isto é, o ato de fazer nascer as ideias. Para se chegar aos conceitos, às definições, era preciso no diálogo estabelecido entre Sócrates e o cidadão, em uma dinâmica de perguntas e respostas, refutar as concepções errôneas ou superficiais a fim de estabelecer argumentos sólidos. Conhecendo as verdades, o indivíduo agiria conforme o conhecido. Para alcançar a verdade de algo, era preciso partir da indução, ou seja, questionar a pessoa sobre o que entendia a respeito de algo. Após questionar o argumento e descobrir sua superficialidade, partia-se para a etapa da construção de uma nova ideia sobre o pensado. Hobuss (2014, p. 86) descreve o método de Sócrates nas seguintes palavras: [Sócrates] buscava o que era comum às diversas definições sobre x, tentando determinar a essência de x — por indução —, o que define x em si mesmo, pois é o único modo de realçar a verdadeira natureza de x, de conhecê-la, deixando de lado as propriedades acidentais que não o definem verdadeiramente. Conhecer a essência e a natureza de algo construía a virtude. Logo, Sócrates inseria um argumento contrário ao do sofista Protágoras, que defendia que a virtude estava na “[...] habilidade de saber prevalecer qualquer ponto de vista sobre opinião oposta” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 77). Protágoras alegava que o homem é a medida de todas as coisas, dessa forma, é ele quem determina as virtudes, que não necessariamente devem embasar-se na razão e na essência, já que são relativas. Enquanto que, para Sócrates, conclui Hobuss (2014, p. 87), “[...] a virtude é conhecimento, proporciona a felicidade, e não pode ser ensinada”. Portanto, Sócrates busca resgatar, de certa forma, um espírito grego que, de acordo com ele, estava sendo perdido pelos jovens aristocratas que buscavam governar a Pólis. Estes, guiados pelos 17 sofistas, apenas preocupavam-se em conquistar posições de governo e dirigir os assuntos políticos relativos a Pólis pelo viés da retórica. Após esse período, há a fase das grandes sínteses, “[...] em que há a preocupação essencial com os fundamentos do conhecimento e da moralidade, e de vários outros problemas filosóficos” (HOBUSS, 2014, p. 23). Nessa época, aparecerão os dois grandes filósofos da antiguidade: Platão e Aristóteles. 4 PLATÃO (427 – 347 A.C.) Uma de suas principais obras se chama A República. Nela, o pensador descreve uma espécie de projeto político, um exemplo de como deveria ser a cidade. O diálogo em A República tem como fio condutor de suas discussões a definição sobre justiça, é em busca do conceito de justiça que se dá todo o diálogo platônico. A República narra um diálogo na casa de Polemarco, irmão de Lísias e Eutidemos, filho do velho Céfalo. Entre os principais personagens do diálogo, além da figura central, Sócrates, estão: Platão; seus dois irmãos, Glauco e Adimanto; Nicerato, general e político de Atenas; Polemarco, filho de Céfalo; Lísias, que era um orador grego; Céfalo, um ancião de Atenas e Trasímaco, que era um advogado sofista. A questão inicial que instiga o debate é: o que é uma vida justa? Nesse sentido, justiça é entendida como a finalidade da vida. Ter uma vida vivida de forma justa é a verdadeira virtude de um cidadão. Portanto, a justiça é apresentada como uma espécie de resumo de todas as virtudes. “Justiça é uma virtude da alma” dirá Sócrates (A República, 354e). Na obra A República, Platão irá chegar à conclusão de que a justiça tem por objetivo fazer com que cada classe da cidade ou parte da alma exerça adequadamente sua função (HOBUSS, 2014). A cidade imaginada em A República possui três classes sociais: a classe dos agricultores, artesãos e comerciantes, a classe dos guardiões (poder militar) e a classe dos governantes. Por sua vez, a alma também possui três partes, que são: a parte apetitiva, a parte irascível e a parte racional (HOBUSS, 2014). De acordo com Costa (2008), em A República, Platão considera que a alma possui três partes. A parte Racional ou Cognitiva, 18 [...] na qual há o prazer pela contemplação do Ser. Nela se raciocina, se aprende. É ao mesmo tempo responsável pela vida intelectual e serve de freio das outras duas partes. A Irascível onde há prazer pelo poder e a captação das sensibilidades. É o centro da ira. E a Apetitiva onde há o prazer dos desejos fisiológicos. É a responsável pelas necessidades vegetativas, como fome, sede e outros desejos e paixões (PLATÃO apud COSTA, 2008, p. 4). As virtudes também são divididas conforma a classe. A classe dos agricultores, artesão e comerciantes, não possui virtudes que lhe são próprias; a classe dos guardiões possui como virtude característica a coragem; a classe dos governantes possui por característica a virtude da sabedoria. A única virtude que é compartilhada pelas três classes é a da temperança (HOBUSS, 2014). É de se notar que, na antiguidade, época em que A República foi escrita, não havia a separação entre ética e poder político, ou seja, ética e governo compreendem um mesmo movimento para os gregos antigos. Nesse sentido, A República é uma proposta de como deve ser a política numa cidade. Para Platão, pensar a política não significa pensar o poder ou como se manter no poder, como acontece com Maquiavel, quando escreve O Príncipe em 1513. Em Maquiavel, o bom governo depende de uma racionalidade própria governamental e utiliza estratégias para se manter no poder. Tanto para Platão quanto para Sócrates é preciso, para o bom funcionamento da Pólis, que as pessoas cuidem da alma, pois dela depende a felicidade do homem e consequentemente a felicidade da Pólis. Conforme pode ser visto, Platão, neste momento de seu pensamento, está de acordo com a filosofia socrática. Ambas as filosofias defendem a Pólis, o homem virtuoso, valores como o bem, o belo, a felicidade, ou seja, valores que eram criticados pelos sofistas. Reale e Antiseri (1990, p. 128-129) argumentam que o pensamento de Platão se desenvolveu da seguinte maneira: “De início, ele abordou uma problemática acentuadamente ética (ético-política), partindo exatamente da posição que posição à qual chegara Sócrates. Posteriormente deu-se a necessidade de recuperar os temas centrais da filosofia da Physis”. Há, por parte de Platão, uma recuperação onto-cosmológica dos filósofos pré- socráticos, ou seja, no momento da síntese platônica sobre os filósofos pré-socráticos, Platão realiza as pesquisas que o levam à descoberta do suprafísico, do suprassensível (REALE; ANTISERI, 1990). Por sua vez, Hobuss (2014, p. 95) sugere que o pensamento filosófico de Platão pode ser descrito em três momentos: “[...] os diálogos socráticos, ou 19 da juventude; os diálogos da maturidade; e os diálogos tardios”. Os diálogos do primeiro momento apresentam Sócrates como o principal personagem. Eles tratam de buscar definições, conceitos e se preocupam com a ética. São nos diálogos da maturidade de Platão que surge a teoria das ideias, e há um deslocamento de direção em sua filosofia para o plano da metafísica. O terceiro período compreende os diálogos tardios, em que há uma utilização de mitos e alegorias. E neles, Platão mostra seu potencial literário (HOBUSS, 2014). Aristóteles relata que, inicialmente, Platão foi discípulo de Crátilo, seguidor de Heráclito, e que só depois disso, ainda durante sua juventude, é que Platão tornou-se discípulo de Sócrates. (REALE; ANTISERI, 1990). É certo, porém, que Platão frequentou o círculo de Sócrates com o mesmo objetivo da maior parte dos outros jovens, ou seja, não para fazer da filosofia a finalidade de sua própria vida, mas para melhor se preparar, pela filosofia, para a vida política. Entretanto, os acontecimentos orientam a vida de Platão em outra direção (REALE; ANTISERI, 2014, p. 125). O primeiro contato de Platão com a política se deu quando dois parentes seus, Cármidese Crítias, participaram do governo oligárquico em Atenas. Essa experiência não foi boa para Platão, gerando uma frustração em consequência dos métodos facciosos violentos aplicados pelos governantes, culminando com a condenação de Sócrates à morte (REALE; ANTISERI, 1990). Após esse período, ele viajou para outras localidades, como Itália, Cirene e Egito. Durante uma viagem até a Itália foi convidado por Dionísio I para ir até Siracusa, Cicília. “Certamente, Platão esperava poder inculcar no tirano o ideal rei-filósofo, ideal esse já substancialmente proposto no Górgias, obra que precede a viagem” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 126). Entretanto, Platão não se entendeu com o tirano Dionísio e teve que voltar a Atenas. Em Atenas, Platão fundou sua academia, onde discutia com seus discípulos acerca de temas filosóficos. Reale e Antiseri (1990) apontam que, na academia, Platão ministrava cursos sobre o Bem, cujo teor o filosofo não quis escrever. Para Platão, as realidades últimas e supremas não podiam ser transmitidas pela escrita, mas apenas no diálogo vivo. “Em tais cursos, discorria sobre realidades últimas e supremas, ou seja, sobre os primeiros princípios, adestrando os discípulos para a compreensão desses princípios através de um raciocínio metódico e dialético” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 129). Sócrates e os sofistas filosofaram sobre o homem, sobre a moral e a Pólis. Outros 20 aspectos como a physis ou o princípio constituidor dos entes não foi um problema para estes filósofos. Essa questão da explicação dos fenômenos, do princípio constituidor das coisas passa a ter importância para Platão e, depois, para Aristóteles. Para Platão, a realidade leva ao reconhecimento de dois planos do ser: “[...] um fenomênico e visível, outro metafenomênico, captável apenas com a mente, e puramente inteligível” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 136). Reale e Antiseri (1990) citam um texto onde o filósofo grego assinala o que significa os dois planos do ser: - E não é verdade, talvez que, enquanto podes ver, tocar e perceber com os outros sentidos corpóreos essas coisas mutáveis, já aquelas que permanecem sempre idênticas, ao contrário, por nenhum outro meio podem ser captadas senão através do raciocínio puro e da mente, porquanto são coisas invisíveis que não podem ser colhidas pela vista? – O que dizes é absolutamente verdade, respondi. - Admitamos, portanto, se quiseres duas espécies de seres: uma visível e outra invisível, acrescentou ele. - Admitamos, respondi. - E que o invisível permaneça sempre na mesma condição e que o visível não permaneça jamais na mesma condição. - Admitamos isso também, disse (PLATÃO apud REALE; ANTISERI, 1990, p. 136). A Teoria das Ideias é um dos aspectos centrais da filosofia platônica. Com ela, tem-se o início da metafísica. No diálogo intitulado Fédon, Platão apresenta a teoria das ideias com a distinção entre mundo sensível e mundo inteligível. Neste diálogo, acentua Hobuss (2014), a filosofia é vista por Platão como a preparação para a morte. A alma precisa ser libertada do corpo, portanto, o corpo é uma prisão para a alma. Após a purificação da alma, ela pode atingir a verdade que significa contemplar as ideias em si. O ápice [da teoria platônica] representa o reconhecimento da existência de outra realidade, diferente, por natureza, da realidade que observamos no mundo sensível, apenas imagem e cópia do mundo inteligível, onde está a verdadeira natureza, a verdadeira realidade, ou seja, as ideias, as verdadeiras essências (HOBUSS, 2014, p. 97). No mundo das ideias, a alma pode contemplar o ser em si, como por exemplo, o belo em si, o justo em si, e essas realidades só podem ser percebidas pelo pensamento. Em contrapartida, no mundo sensível, o que se tem são apenas cópias das ideias. De acordo com Reale e Antiseri (1990), ideia para Platão não é uma representação ou um conceito, mas, realidades inteligíveis. Ideia (eidos) significa forma. As ideias em suma, 21 não são simplesmente pensamentos, mas aquilo que o pensamento pensa quando liberto do sensível: constituem o “verdadeiro ser”, o “ser por excelência” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 137). Portanto, as ideias representam o modelo de como cada coisa deve ser. Reale e Antiseri (1990) também comentam que Platão se utilizava de outras expressões para indicar as Ideias. Os termos “em si” e “por si” também servem para representar o que são as ideias. Dizer que o bem existe “por si”, equivale a dizer que ele não muda sob qualquer hipótese, ou seja, Platão descarta qualquer relativismo e acentua um conceito que possui valor universal. Ao dizer que o bem existe “em si”, Platão acerca-se de Parménides e de sua ideia sobre o ser que diz que o ser é e que o não ser, não é. Ao mesmo tempo distancia-se de Heráclito, para o qual as coisas mudam, não permanecem as mesmas. E, sobretudo, Platão argumenta contra os Sofistas, para quem as coisas podem ser em sua particularidade, ou seja, não existem verdades absolutas, mas relativas. Contudo, Platão, aproxima-se de Heráclito quando afirma que as coisas sensíveis são cópias imperfeitas das ideias. Nesse sentido, as coisas mudam no mundo sensível. “Em resumo: as verdadeiras causas de todas as coisas sensíveis, por natureza sujeitas à mudança, não podem elas mesmas sofrer mudança, caso contrário não seriam as ‘verdadeiras causas’, não seriam as razões últimas e supremas” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 137). Portanto, para Platão, os seres são formados de duas dimensões: física e essenciais. As coisas materiais e sensíveis são mutáveis e a essência ou ideia é aquilo que é imutável, que só pode ser compreendido pela razão, pelo pensamento. Enquanto Sócrates preocupa-se com a essência da ação, os valores e virtudes, Platão busca uma teoria do ser, de certa forma, resgatando a preocupação dos primeiros filósofos em buscar um princípio constituidor das coisas. E ele chama de ideia a natureza essencial das coisas, que existem num plano inteligível, no plano sensível, em que apenas temos recordações, memórias sobre o que são essas ideias. Compreender o ser no âmbito socrático significa fazer, por meio do diálogo, em que há perguntas e respostas, uma busca pelo conceito do verdadeiro, ou seja, definir o conceito de algo após a refutação de valores errôneos. Já no âmbito platônico, pensar o ser, pensar a verdade, significa rememorar, pois a alma já conheceu o ser e já conheceu a verdade sobre tal ideia e, devido a isso, no mundo sensível, ela, por intermédio da memória, pode chegar a 22 aproximar-se da definição do ser. Sócrates estava interessado na forma como o homem devia agir na Pólis, sua moral, sua alma deveria ser cuidada. Enquanto que, para Platão, a filosofia se dá em um plano teórico alcançável apenas pelo pensamento. Você se perguntará: é possível conhecer as ideias tais como Platão as defende? No plano epistemológico, Platão considera a dialética como o método para se chegar até as essências. É pela dialética que se chega até a essência de algo, defende Hobuss (2014). Ela é o instrumento para conhecer as ideias. Devido a tal condição, a dialética é o cume de todo o estudo que pode ser realizado pelo homem, pois vai nos permitir ascender até a Ideia do Bem, através da razão, buscando sempre expressar a essência das coisas, ou seja, entendendo que somente é possível atingir a essência das coisas pela inteligência (PLATÃO apud HOBUSS, 2014, p.105). 5 ARISTÓTELES (384 – 322 A.C.) Nasceu em Estagira, em 384 a.C. Foi discípulo de Platão e explorou diversos âmbitos do saber como a física, a zoologia, a psicologia, a biologia, a lógica, a retórica, a ética, a política, a metafísica, etc. Permaneceu na academia platônica até a morte de Platão, em 347 a.C. Após esse acontecimento, Aristóteles sai de Atenas e viaja a diversos lugares até chegar a Mitilene (na Ilha de Lesbos) quando recebe um convitede Filipe da Macedônia no ano de 343 a.C. O rei da Macedônia chama Aristóteles para ser o educador de seu filho, Alexandre. Aristóteles regressa a Atenas em 335 a.C. e funda uma escola chamada Liceu. É nesse período que o filósofo escreveu suas grandes obras. Os escritos do filósofo estão divididos em dois grupos: os exotéricos, destinados ao grande público e eram compostos de forma dialógica, porém, restaram poucos fragmentos das obras que compõe este grupo. Do outro lado, os esotéricos também eram constituídos da atividade didática do filósofo. As obras mais propriamente filosóficas fazem parte desse grupo, como os tratados de moral e política, os escritos de metafísica, os livros de retórica e poesia (REALE; ANTISERI, 1990). Reale e Antiseri (1990) defendem que uma das diferenças entre Platão e Aristóteles está na produção filosófica. Platão, não tinha interesse pelas ciências empíricas, já Aristóteles demonstrou enorme interesse pelas ciências empíricas e 23 também pelos fenômenos empíricos. De acordo com Reale e Antiseri (1990), Aristóteles é o primeiro a sistematizar o saber filosófico. Conforme o filósofo de Estagira, “[...] os quadros que assinalariam os caminhos pelos quais andaria toda a posterior problemática do saber filosófico é: metafísica, física, psicologia, ética, política, estética e lógica” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 178). Nessa perspectiva, Aristóteles distinguiu as ciências em três grandes grupos: A) ciências teoréticas, isto é, ciências que buscam saber em si mesmo; B) ciências práticas, isto é, ciências que buscam saber para, através dele, alcançar a perfeição moral; C) ciências poiéticas ou produtivas, vale dizer, ciências que buscam o saber em função do fazer, isto é, com o objetivo de produzir determinados objetos (REALE; ANTISERI, 1990, p. 178). Entre as ciências que Aristóteles considerava como a mais elevada está a metafísica, e é em função dela que as outras ciências adquirem significado. O termo “metafísica” não foi cunhado pelo próprio Aristóteles e sim, provavelmente, por seus discípulos peripatéticos. A palavra significa o que está além da física e, para se referir às coisas que estão além da física, Aristóteles utilizava os termos teologia ou filosofia primeira, como oposição a filosofia segunda (a física). Pode-se concluir que a investigação sobre a metafísica busca as causas primeiras, que devem explicar toda a realidade (REALE; ANTISERI, 2014). Sobre os estudos sobre a física, Hobuss (2014, p. 110) comenta que Aristóteles possuiu como intenção central “[...] apresentar os princípios que vão fundamentar sua concepção de natureza”. No livro II, cap.3 da obra intitulada Física, Aristóteles apresenta a doutrina das quatro causas, por meio dessa doutrina, o filósofo busca “conhecer o porquê de algo”. Já em seu livro Metafísica, o filósofo retoma esses conceitos para explicar as realidades que está além da física, que sustentam e fundamentam a realidade de todos os entes, ou seja, de tudo aquilo que existe. Aristóteles apresenta quatro causas que estão envolvidas no mundo e sob as quais todas as coisas se constituem. A causa material, ou seja, aquilo que o ser é feito, aquilo que é imanente de algo; a causa formal mostra aquilo que o ser é, sua forma; a causa eficiente, que mostra de onde provém o começo da mudança ou do repouso, mostra quem fez e a causa final, que aponta o fim, a finalidade da coisa (HOBUSS, 2014). Na filosofia de Aristóteles, a questão sobre a metafísica vem depois que o filósofo pensa as coisas físicas, os entes materiais. De acordo com Aristóteles, defendem Reale e 24 Antiseri (1990), a metafísica “[...] é a ciência mais elevada porque não está ligada as necessidades materiais. A metafísica não é uma ciência voltada para objetivos práticos ou empíricos” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 180). Como pode ser constatado, assim como Platão, Aristóteles também se contesta sobre o ser, ambos questionam o ser como fundamental para o estabelecimento da episteme (ciência), um conhecimento verdadeiro ou como fundamento da sabedoria (sophia). No entanto, Aristóteles faz seu raciocínio de maneira diferente que Platão. De acordo com o comentário de Duclós (2001), Aristóteles defende que a investigação de Platão sobre o ser foi influenciada por três filósofos antigos: Pitágoras, Heráclito e Parmênides. De Heráclito, Platão teria tirado a noção de que as coisas sensíveis estão em perpétuo estado de fluxo, sendo impossível conhecê-las. De Parmênides, a imutabilidade e unidade do Ser, resolvendo o impasse entre os dois conhecimentos ao colocar o Ser na esfera do inteligível e não no sensível. De Pitágoras, Platão teria tirado [...] a importância dos números como estando na esfera do inteligível, algo intermediário entre o mundo sensível (lar da contradição, da aparência e da mimese) e as Formas imutáveis (DUCLÓS, 2001, documento on-line). Seguindo a história da filosofia, pode-se dizer também que, para os sofistas, a realidade está na existência, contrariamente, Sócrates e Platão afirmavam que é na essência que se pode buscar um fundamento para a realidade. Sócrates preocupou-se com a vida dos homens na Pólis, dessa forma, sua preocupação buscou criar definições para que o agir do homem fosse correto. Sabendo o que é o bem, o homem age bem. Já Platão está mais preocupado com a forma, por isso, a essência das coisas para ele é racional e dada aprioristicamente. Platão chegará até o mundo das ideias afirmando que a realidade essencial é inteligível apenas. Ela está no mundo das ideias, portanto, não atingível pela empiria, pelo mundo sensível. Os sentidos enganam, não atingem a verdade da coisa. Portanto, Platão cria um dualismo entre o sensível e o inteligível, e o desafio que se coloca Aristóteles é de superar esse dualismo. Aristóteles, ao contrário de Platão, preocupou-se com o conhecimento sobre a física, sobre as coisas empíricas. A realidade do mundo existente para Aristóteles não é uma sombra, uma ilusão, como afirmara Platão. Para o filósofo de Estagira, é possível encontrar uma essência na realidade. Entretanto, essa essência não está em uma realidade suprassensível, não está na ideia, mas nas coisas em si. Tudo é feito de matéria e forma, ou seja, todos os entes 25 existem em matéria (que são os elementos de que as coisas da natureza, os animais, os homens e os artefatos são feitos) e na forma (que é aquilo que individualiza e determina uma matéria) (CHAUÍ, 2013). À estas duas categorias, Aristóteles soma os conceitos de ato e potência, com a qual busca realizar sua metafísica. Para Aristóteles o ser se diz de vários modos. “O primeiro modo é por meio das dez categorias (a substância e os nove acidentes); o segundo é a potência e o ato; o terceiro, a verdade e a falsidade; e o quarto modo, pelas quatro causas” (SANTOS, 2013, p. 113). Um destes modos de dizer o ser é pela explicação ser em potência e ser em ato. “O movimento é definido por Aristóteles como a realização do que está em potência” (SANTOS, 2013, p. 113). Com a teoria do ato e potência, Aristóteles explica sobre os entes que mudam e os que permanecem iguais. Dessa forma, ele supera Heráclito e Parménides, dando outra resposta par explicar o movimento. “Se o ser é não apenas ato, mas também potência, as coisas podem sofrer modificações sem deixar de ser, pois se tornar outro será o mesmo que a passagem de um modo de ser a outro” (SANTOS, 2013, p. 113). Para Aristóteles, tanto os seres animados quanto os inanimados possuem potência. Ao contrário de Platão, Aristóteles valoriza os sentidos. Para ele, o conhecimento começa com os sentidos. Conhecer não é lembrar, como afirmava Platão em sua teria da reminiscência, e sim tirar da coisa sua substância, ou seja, aquilo que ela é, aquilo que faz com que ela seja. O conhecimento é um processo, segundo Aristóteles, que começa com ossentidos; segue pela memória (que diferencia o homem dos animais inferiores); pela experiência (onde estão agrupadas várias recordações); pela arte (que provém de um complexo de noções experimentadas) e, por fim, a ciência (conhecimento verdadeiro, superior a qualquer outro) (HOBUSS, 2014). Comentando Aristóteles, Hobuss (2014) afirma que conhecer é compreender as causas, é a busca do conhecimento pelo conhecimento. Na obra Metafísica, Aristóteles afirma que para cada ser há uma ciência e, nesse sentido, para os seres físicos, existe a biologia, a física; para os seres matemáticos, existem as formas; para os seres celestes, há a astrologia; para o motor imóvel, a teologia. Cada ciência trata de cada ser, portanto, deve haver uma ciência que trata do ser em geral, que estude o ser enquanto ser, que é a metafísica. 26 Reale e Antiseri (1990, p. 186) afirmam que “[...] as substâncias são as realidades primeiras, no sentido de que todos os outros modos dependem da substância”. Contudo, se todas as substâncias fossem corruptíveis, não existiria nada de incorruptível. Para Aristóteles, tempo e movimento são incorruptíveis. “O tempo não foi gerado nem se corromperá: com efeito, antes da geração do tempo, deveria ter havido um antes e, depois da destruição do tempo deveria haver um depois. Ora, antes e depois outra coisa não são do que tempo” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 186). O mesmo raciocínio serve também para o movimento, complementam os autores. O tempo é para Aristóteles uma determinação do movimento. “Sendo assim, a eternidade do primeiro postula também a eternidade do segundo” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 186). Nesse raciocínio, Aristóteles chegará a um princípio gerador do movimento, o motor imóvel, a causa de tudo. Explicando como deve ser esse princípio gerador que fala Aristóteles, Reale e Antiseri (1990) argumentam: o princípio deve ser eterno, deve ser imóvel, causa absoluta do móvel; em terceiro lugar, esse princípio é ato puro, privado de potencialidade. “Esse é o ‘Motor imóvel’, que outra coisa não é do que a substância suprassensível que buscávamos” (REALE; ANTISERI, 2014, p. 187). Com Sócrates, dá-se o início da filosofia moral, mas é com Aristóteles que se dá a diferenciação ente saber teorético (contemplativo) e saber prático. “O saber teorético é o conhecimento dos seres e fatos que existem e agem independentemente de nós e sem nossa interferência, isto é, de seres e fatos naturais e divinos” (CHAUÍ, 2013, p. 264). Por saber prático deve ser entendido, o conhecimento daquilo que só existe como consequência da ação humana. Portanto ética e política são saberes práticos e podem ser de dois tipos: práxis ou técnica (CHAUÍ, 2013). A Pólis significa para Aristóteles a comunidade política e existe por natureza, e a finalidade da cidade-estado da Grécia antiga é desenvolver sua natureza (HOBUSS, 2014). Sendo a polis algo que se dá por natureza, podemos atribuir ao homem também uma natureza política pela necessidade de viver em comunidade: por isso, Aristóteles afirma que o homem é, por natureza, um politikon zôon, animal político, requerendo a polis para viver (HOBUSS, 2014, p. 118). O homem possui uma inclinação natural de viver em comunidade e, para viver em comunidade, ele precisa de boas leis que fundem uma boa constituição (HOBUSS, 2014). 27 Em sua obra A Política, Aristóteles distingue o homem bom do bom cidadão. A excelência do homem de bem é a posse da virtude perfeita, uma excelência única, mas, pode-se ser um bom cidadão sem possuir a virtude que é própria do homem de bem (HOBUSS, 2014). A ética é outro campo em que Aristóteles desenvolveu seus estudos. São atribuídas a Aristóteles três obras que tratam do problema da ética: Ética à Nicômaco, Ética à Eudemo e Grande Ética. A primeira obra é considerada o pensamento definitivo sobre ética na óptica de Aristóteles (HOBUSS, 2014). A finalidade da ética em Aristóteles é a realização da felicidade da Pólis, que é também do indivíduo. Em segundo lugar, é uma ética baseada nas virtudes, condição na qual a felicidade pode ser atingida, defende Hobuss (2014). Para Aristóteles, a virtude é uma excelência da alma e a alma por sua vez está dividida em duas partes: uma parte racional e outra irracional. A parte irracional é dupla: [...] uma parte é comum a todos seres vivos, isto é, a nutrição, o crescimento; e outra parte participa de um certo modo da razão, no sentido de que ela participa do princípio racional, escutando-o, obedecendo-o, como se escuta e se obedece ao pai e aos amigos. A primeira parte da alma irracional é a alma vegetativa, a qual não possui nada em comum com o princípio racional, com a razão, e a segunda, já mencionada é a parte aperitiva ou desejante que participa do princípio racional, na medida em que sofre uma influência da alma racional por meio das admoestações, censuras e exortações (ARISTÓTELES apud HOBUSS, 2014, p. 123). Da parte racional da alma originam-se as virtudes intelectuais (a sabedoria, a prudência, a inteligência, a ciência e a arte), que podem ser adquiridas mediante a educação; “[...] enquanto que da parte que obedece a razão surgem as virtudes morais (são virtudes morais, dentre outras a justiça, a temperança, a coragem, a liberalidade, a magnificência, a indulgência)” (HOBUSS, 2014, p. 123), que só podem ser adquiridas pelo hábito. Após distinguir a alma em duas partes, Aristóteles trata na Ética a Nicômaco sobre aquilo que definirá a virtude moral. O agir humano na Pólis deve buscar a felicidade, e só dessa forma ele estará agindo eticamente. Todavia, o que é a felicidade? Na Ética a Nicômaco, Aristóteles define felicidades da seguinte forma: “O bem para o homem consiste numa atividade da alma conforme a virtude, e no caso de uma pluralidade de virtudes, com a melhor e mais perfeita dentre elas” (ARISTOTELES apud HOBUSS, 2014, p. 126). Para Aristóteles o homem é um animal racional, político. Nessa 28 perspectiva, sua filosofia buscou pensar o homem que vive na Pólis. Além disso, buscou também pensar o ser enquanto fundamento último dos entes. 6 A INFLUÊNCIA DE PLATÃO E ARISTÓTELES NO CONHECIMENTO CIENTÍFICO ATUAL Apesar de os filósofos Platão (428/427–348/347 a.C.) e Aristóteles (384–322 a.C.) terem vivido e escrito suas obras na Antiguidade, suas teorias embasam o conhecimento atual e ainda se mostram uma fonte infindável de reflexões. Aqui, você vai ver a relação entre os pensamentos de ambos os filósofos, as suas contribuições para a teoria do conhecimento atual e a sua implicação científica. Como você vai perceber, o conhecimento científico contemporâneo evolui, também, graças às reflexões e métodos desenvolvidos por Platão e Aristóteles na Grécia Antiga. Platão (2000), nas teorias apresentadas na sua obra A República, especificamente no livro V, defende a importância do conhecimento. Mas de que forma essa importância estaria ligada ao conhecimento científico? Pois bem, por meio da figura de Sócrates, é apresentada uma idealização ou, ainda, uma interpretação de como a Pólis (cidade) deveria ser dividida, organizada. Segundo Platão (2000), a Pólis deveria seguir uma estrutura hierárquica que se relaciona à tripartição da alma, como você vai ver a seguir. Para que isso fique mais claro, é necessário conhecer um pouco da ontologia platônica (teorização do ser das coisas e dos seres). Para Platão, tudo o que existe no mundo real, que ele chama de “sensível”, é mutável. Platão compreende tal mutabilidade como imperfeição; assim, as coisas mudam, os seres morrem e tudo se modifica em razão da imperfeição que é própria ao mundo. Em contrapartida, há um mundo perfeito, que é o mundo das ideias. Assim, tudo o que existe no mundo sensível é uma projeção imperfeita de uma ideia. Por exemplo, se você pensa na ideia de um cavalo, tal ideia é perfeita, não muda, não acaba. Já o cavalodo mundo sensível está sujeito a variações, a uma série de mutações; portanto, é imperfeito. A partir dessa duplicidade de mundos — mundo das ideias e mundo sensível —, para Platão (2000), seria possível organizar a Pólis de acordo com uma estrutura baseada nas ideias. Ou seja, Platão compreende que o conhecimento, a veracidade das 29 ideias, se dá por meio do pensamento, da reflexão. Nesse sentido, a sociedade ideal deve obedecer às ideias, que se originam de tudo que há no mundo sensível, e ser dividida de acordo com as aptidões dos indivíduos que a compõem. Nesse contexto, a alma é entendida como um elemento perfeito, pertencente ao mundo das ideias. Antes de estar presa ao corpo, ela já foi livre, porém se esqueceu desse momento anterior. É somente pelo conhecimento que a alma pode lembrar-se das ideias que um dia vislumbrou. Assim, a alma está intrinsecamente ligada à estruturação e à organização da Pólis. Segundo Platão (2000), a alma é composta de três partes: a parte racional, a parte irascível e a parte da concupiscência. De acordo com a teoria platônica (PLATÃO, 2000), a parte racional é responsável pelas duas outras partes. A irascível, que é a parte abaixo da cabeça, é responsável pelas emoções; por fim, a parte mais inferior, chamada de concupiscível, é responsável pelo apetite e pelo desejo. Com isso, Platão aponta para a relação entre as ideias e a sua transposição no mundo sensível. Do mesmo modo, ele pensa a organização social: “[s]e os filósofos não forem reis nas cidades ou se os que hoje são chamados reis e soberanos não forem filósofos genuínos e capazes [...] não é possível [...] que haja para as cidades uma trégua de males e, penso, nem para o gênero humano [...]” (PLATÃO, 2000, p. 211–212). Ou seja, Platão defende que a alma sirva como exemplo para a estruturação não só do corpo, mas da sociedade. Assim, o filósofo, sendo a parte mais reflexiva e racional da sociedade, é que deveria ser rei. Os soldados vêm logo abaixo, uma vez que a parte irascível é correspondente à coragem. Por fim, haveria os camponeses e artesãos, que se ocupam de tarefas mais elementares. Apesar de parecer uma concepção tanto política quanto metafísica, a teoria do conhecimento platônica se dá por meio da filosofia. Ao delegar ao filósofo o reinado da cidade, mais do que fazer um auto reconhecimento, Platão demonstra que só é possível conhecer por meio da reflexão filosófica em busca de uma verdade, e não por meio de crenças. O mesmo se dá em diversas metáforas, tal como a metáfora sobre o sol e a iluminação, que faz alusão à iluminação intelectual (PLATÃO, 2000). Já na obra de Aristóteles, pode-se encontrar um rompimento com a concepção platônica da teoria do conhecimento. Apesar de ter sido aluno de Platão, Aristóteles destoa de certas concepções platônicas, como o dualismo — o mundo das ideias e o mundo sensível. Para Aristóteles, não se conhece por meio das ideias, ou em 30 busca delas, e sim pelo mundo sensível. Ou seja, primeiro têm-se a experiência empírica, que posteriormente é formulada pelo intelecto. Aristóteles buscou trazer um caráter mais material e realista à filosofia. Nesse sentido, a sua filosofia se fundamenta em dois pontos centrais: a valorização do sujeito e a compreensão das formas. Segundo Aristóteles, a essência das coisas está em sua forma. Assim, um homem é um homem em razão de sua forma, e o mesmo vale para os animais. Ou seja, o que algo é pode ser reconhecido pela sua finalidade. Por exemplo: um cavalo é um cavalo pelas suas propriedades e características que o definem como cavalo. Dito de outro modo: um animal pode se distinguir de outro animal da mesma espécie em cores e em algumas características que não lhe retirem sua característica central, ou seja, sua forma. A tais distinções menores, Aristóteles dá o nome de “acidentes”. Os acidentes se opõem à essência: as propriedades acidentais trazem variações entre os objetos, apesar de não incidirem nas propriedades necessárias. Com isso, Aristóteles busca demonstrar que é na articulação das coisas e indivíduos que as formas/essências são reconhecidas. Portanto, o mundo é reconhecido tal como é e não de acordo com um ponto de vista. Em sua obra Metafísica, Aristóteles ressalta que existem maneiras, modos de ser, que são organizados em categorias. Tais categorias, listadas a seguir, servem para designar o modo como as coisas são (CHAUÍ, 2000). • Substância: tudo aquilo que não precisa de algo para existir, como o homem e os animais. • Quantidade: definição a partir de números, metragem. • Qualidade: adjetivos próprios ao sujeito ou à coisa. • Relação: consideração resultante da comparação — “isto é maior do que aquilo”, por exemplo. • Lugar: localização. • Tempo: momento. • Posição: situação espacial em que algo se encontra. • Posse: propriedade sobre algo. • Ação: verbos, como “odiar”, “amar”, etc. • Paixão: o que é passível de sofrer uma ação. 31 Tais categorias designam, segundo Aristóteles, o modo de ser de cada coisa. Ou seja, não é possível a cor amarela existir como uma substância, visto que essa cor depende de outro ser para existir — o sol é amarelo. Com as suas reflexões, Aristóteles contribuiu para o desenvolvimento da episteme, pois a sua investigação em relação à verdade, ao conhecimento, à ciência natural e à biologia trouxe as descrições dos corpos, do seu modo de ser e das maneiras como são definidos. 6.1 O pensamento de Platão e Aristóteles Pode-se encontrar nas obras de Platão e Aristóteles várias distinções em relação a diversas áreas do comportamento humano e da organização da sociedade. Além disso, eles discorreram sobre pensamentos metafísicos: o que é o bem, o que é o amor, o que são as virtudes, etc. Uma das distinções mais assertivas entre ambos consiste em suas teorias do conhecimento: enquanto Platão (2000) defende um dualismo entre o mundo sensível e o mundo das ideias, Aristóteles acredita que o conhecimento se dá de modo inverso. Ou seja, se para Platão a verdade advém das ideias, para Aristóteles é possível conhecê-la pela causa, pelos sentidos. As compreensões distintas dos dois filósofos aparecem em várias das suas teorias, como a teoria política. Segundo Platão (2000), os conceitos de justiça e bem-estar só podem ser conhecidos por meio do método dialético. Ou seja, só a possibilidade de conhecer tais conceitos já é um acesso ao mundo das ideias. Por isso, sendo os filósofos que buscam o conhecimento das ideias, deveriam ser os responsáveis por governar a pólis. Já para Aristóteles, a justiça é o que deve reger as relações sociais. Em Ética a Nicômaco, Aristóteles defende que as virtudes são responsáveis por equilibrar as ações de cada sujeito, visto que a finalidade de toda ação é o bem. Ou seja, todo indivíduo deve buscar o bem, pois é no bem que se dá a felicidade; isso faz com que o sujeito seja virtuoso. Aristóteles nomeou tal concepção de justo-meio, que é esse equilíbrio entre os sujeitos, reconhecido como justiça. Dessa forma, não há, para Aristóteles, como separar ética (a vida virtuosa) de justiça (justo-termo). Outro ponto de divergência teórica é a visão sobre a poesia. Platão sempre demonstrou em sua obra uma grande preocupação com o que é verdadeiro. Quando aborda a formação de um Estado ideal, Platão (2000) defende que os poetas não 32 deveriam ter lugar na Pólis, pois a poesia não aproxima o homem da verdade, ou seja, a dissimula e ensina os jovens a falar do que as coisas não são, a mentir. Em geral, Platão acredita que a arte é mentirosa, enganadora, uma vez que as coisas que existem no mundo são uma cópia do mundo ideal. A arte, ao “imitar” as coisas do mundo sensível, distancia o homem mais ainda da verdade das ideias. Em contraposição, Aristóteles (1993) dá um tratamento diferente às artes. Para ele, as artessão uma ciência, a ciência poética, pois produzem coisas no mundo. Entretanto, não se trata de mera produção. Nesse sentido, cabe uma distinção entre produção artística e produção técnica: a técnica consiste na mera reprodutibilidade das coisas; já a produção artística leva ao conhecimento do porquê das coisas, bem como ao questionamento sobre o mundo, que recai novamente sobre o conhecimento. Em sua obra Poética, Aristóteles defende que a poesia, a despeito da concepção platônica, em vez de reproduzir meramente as coisas do mundo sensível, vai além, as recria de diversos modos. A isso ele nomeou mimésis: “[o] historiador e o poeta não se distinguem por escrever em verso ou prosa; [...] a diferença é que um relata os acontecimentos que de fato sucederam, enquanto o outro fala das coisas que poderiam suceder [...]” (ARISTÓTELES, 1993, p. 47). 6.2 Áreas do conhecimento iniciadas por Platão e Aristóteles Atualmente, muito se questiona a função ou a aplicabilidade da filosofia. Entretanto, tal questionamento se mostra inócuo se você pensar na criação e na produção de conhecimento de áreas que hoje são essenciais. Considere, por exemplo, a bioética, os estudos sobre os efeitos do uso da tecnologia e das mídias sociais, a atual conjuntura política global, a ética em relação ao desenvolvimento científico, as mudanças na reflexão estética na contemporaneidade, etc. Para a constituição de todas elas, a obra de Platão e Aristóteles foi essencial e ainda oferece uma contribuição significativa. Pense, por exemplo, na reflexão sobre a justiça, tema fundamental no mundo contemporâneo: ambos os filósofos escreveram sobre ela. Para eles, a justiça está atrelada tanto ao cidadão comum quanto ao governante da cidade. Contudo, se para Platão o sábio deve governar a cidade, porque tem acesso e conhece o que é a justiça ideal, para Aristóteles, a justiça se associa às virtudes e ao respeito entre os cidadãos de uma sociedade. 33 No contexto da biologia (CHAUÍ, 2000), Aristóteles, em sua compreensão indutiva, foi um dos primeiros a classificar as espécies. Não por acaso, a palavra para forma/espécie é eidos, termo grego que significa “imagem”. Tal termo é mais um dos pontos de discordância entre Platão e Aristóteles. Segundo a teoria platônica, a ideia provém do mundo inteligível (Platão reconhece no mundo o saber adquirido na inteligibilidade). Já para Aristóteles, a ideia é formulada a partir da experiência sensível, ou seja, é o saber do humano que assimila o que é interpretado pelos sentidos. Aristóteles investigou o que constitui e distingue os seres, realizando uma pesquisa científica empírica sobre os animais. Além desse trabalho investigativo, realizou um trabalho de catalogação de espécies, o que lhe confere o título de primeiro ictiólogo, por sua devoção ao estudo dos peixes e das espécies marinhas. Ainda nesse contexto, em Sobre a alma, Aristóteles discorre a respeito do intelecto. Para o filósofo, a razão é uma função cognitiva que tem como finalidade operar a faculdade de descriminação em relação às coisas existentes no mundo. Ou seja, o intelecto, juntamente à sensação, realiza uma descriminação geral sobre tudo que existe. Aristóteles argumenta que o pensamento funciona reconhecendo o que é captado, apreendido nas sensações e assimilado pela imaginação. Já em relação aos animais, a sua apreensão do mundo se daria de forma sensitiva. Assim, a alma dos animais — diferentemente da do homem, que tem em sua base a complexidade e o entrecruzamento da razão e do intelecto — é a sensação. É por isso que os animais são motivados apenas pelo desejo. Em relação à astronomia, não há grandes distinções entre as teorias aristotélica e platônica. Ambos os filósofos acreditavam que a astronomia era uma ciência matemática e que tratava de algo não observável a olho nu. Eles defendiam que o universo era finito, apesar de enorme, e que as estrelas orbitavam em torno da Terra. Como destaca Chauí (2000, p. 29), “[...] os gregos fizeram nascer duas ciências: a aritmética e a geometria; da astrologia, fizeram surgir também duas ciências: a astronomia e a meteorologia [...]”. Por fim, é na ética que se encontra o centro da reflexão que permeia a obra de tais pensadores, que dedicaram as suas vidas ao incessante trabalho de buscar uma forma de viver bem em sociedade (CHAUÍ, 2000). Tanto Platão, que foi aluno de 34 Sócrates, quanto Aristóteles, que foi aluno de Platão, centralizam as suas teorias na reflexão sobre a educação do cidadão e a formação para uma sabedoria justa, política e prática, que beneficie a todos. Assim, o pensamento platônico e o aristotélico são indissociáveis de categorias políticas, religiosas, artísticas, científicas, éticas e psicológicas. As teorias desses filósofos sustentam, ainda hoje, tudo o que se conhece como pensamento ocidental. 7 ÉTICA, MORAL E POLÍTICA Se admitirmos que a ética pode ser entendida como a forma do ser humano em sua universalidade, ou seja, a forma como o homem vive em seu mundo e ao mesmo tempo constitui o mundo, veremos que a palavra ethos não pode ser apenas a origem de termos e conceitos éticos explicados como os hábitos e costumes dos animais humanos, eles devem ser punidos enquanto reduzem a pobreza. O significado do comportamento, no sentido mais amplo e profundo, será a forma substantiva de todos os comportamentos que constituem a realidade que devemos viver. Podemos compreender que, no nível ontológico da existência, o comportamento que existe no mundo se manifesta como o comportamento que corresponde às escolhas que um indivíduo pode ou deve fazer sujeito de sua liberdade e levar à realização de projetos que sejam compatíveis com o valor a que todos pertencem a existência de história (ARENDT, 2004). Se insistirmos na etimologia das palavras com demasiada precisão, o significado moral também trará o risco de pobreza. Na verdade, a banalização da palavra hábito pode induzir a conexão entre moralidade e comportamentos repetidos, através de exemplos e normativos de diferentes ordens que levaram à introdução de regras pelo indivíduo, forçando-o a cumprir o que costuma ser chamado de dever. Na verdade, mais importante ainda, se considerarmos um determinado campo da experiência histórica chamado romance, descobriremos que esse termo traz consigo a árdua tarefa de estabelecer a singularidade em termos de valor e estilo de vida, e dá ao indivíduo singularidade. Seu poder, como a " têmpera" de um cidadão, permite-lhe viver uma vida moralmente notável como virtude de um cidadão. 35 Seja na metrópole grega ou na Roma republicana, a existência poderosa da vida política na vida moral é óbvia, de modo que a relação entre ética, moral e política é um problema para nós, porque os antigos experimentaram essas conexões como pertinência intrínseca com a vida comunitária. Nossas dificuldades podem ser explicadas pela mudança e perda do significado original. Historicamente, essa mudança e perda de significado é uma abstração gradual, que se tornou uma característica de nossa compreensão do estilo de vida, da comunidade e dos indivíduos. O desaparecimento do conteúdo específico dessas formas de existência é paralelo à consolidação da estrutura funcional social e ao desenvolvimento do conceito formal de agente social, este último não sendo acidentalmente designado como um “ator” que deve “atuar” num determinado “cenário”. Esse conceito incentiva a extensão da noção de "papel social" ao domínio ético, pois, na perspectiva do positivismo, a obrigação moral é determinada socialmente, e seu poder para os indivíduos decorre de sua objetividade inerente, como uma espécie de condição. A sistemática e a objetividade das organizações sociais são atribuídas ao significado moral de impor a moralidade aos indivíduos. Isso não é apenas uma obrigação de obedecer às regras,mas também um sentimento de pertencimento dos indivíduos ao sujeito coletivo, que é semelhante ao que Bergson chama moralidade fechada. No campo, a internalização do "papel social" corresponderá à externalização do comportamento adequado, que é proporcional à eficiência esperada da internalização da "obrigação social" (ARENDT, 2004). Mas o próprio Bergson sabe que essa série de decisões constitui um circuito restrito da moralidade social, que não é igual a todos os aspectos da experiência da ação humana. Também é necessário considerar e até certo ponto, ao contrário, se considerarmos a possibilidade de o comportamento pessoal romper o cativeiro com o indivíduo, então a singularidade do indivíduo pode estabelecer seu próprio status de forma fortemente questionada e até destrutiva e subversiva diante dessas regras objetivas. O caráter moral do comportamento decorre do fato de que, embora incrível, esta é a razão do nascimento da ação e as consequências resultantes. Na verdade, não há como medir a liberdade que existe na ação, assim como não há sentido em tentar estabelecer uma relação causal entre liberdade e ação. A ação ocorre no mundo e o 36 mundo é estabelecido - isso é muito diferente de fazer ou fabricar objetos, em cujo caso os princípios e propósitos podem ser medidos e esclarecidos. Podemos ainda protestar, para reforçar esta diferença, à conexão entre ação e liberdade, vista na filosofia de Sartre. Não sendo a liberdade uma capacidade ou atributo do indivíduo, mas sendo a subjetividade igual à liberdade, o sujeito sempre atua livremente, mesmo quando deliberadamente rejeita ao exercício de sua liberdade. Somos fatalmente livres e não temos como mudar isto; assim sendo, a ação não vem do sujeito pela mediação de conexão causal, mas dele emana noticiando a subjetividade com a mesma imediatez com que os gestos revelam o corpo. Portanto, assim como não se pode distinguir o que, em mim, seria motivação das minhas ações, também não se poderia atrelar ações do sujeito a instâncias extrínsecas e decisivas senão com a condição de não mais ponderar tais ações como pertencentes àquele sujeito. A heteronomia e a alienação aparecem quando já não reconhecemos o indivíduo como razão e realidade satisfatórias de suas ações – e quando ele mesmo já não se enxerga assim (ARENDT, 2004). Podemos perguntar, no entanto, por que não é clara a relação de ligação entre a ação e o sujeito que age? Porventura não seria “natural” supor que aquele que age seja o sujeito de suas ações? A dificuldade vem justamente de que a relação entre o sujeito e suas ações não é “natural” e sim moral. Não se trata de compreender como alguém faz alguma coisa, ou seja, por quais meios, exteriores a si mesmo, ele teria conseguido produzir ou fabricar alguma coisa que cumprisse certos propósitos; de que ferramentas se teria servido e como teria manuseado tais instrumentos com o escopo a atingir, precisamente fazer o que queria fazer. A ação tem com o sujeito uma conexão interna e intrínseca que elimina a mediação instrumental e o diagnóstico dos meios e dos fins em termos de separação e articulação, tanto dos meios utilizados quanto da eficácia concernente a alcançar uma finalidade. O sujeito é, na visão de Sartre, uma totalidade sintética e a conexão que ele mantém com sua ação é do mesmo tipo. E é este tipo de relação que denominamos moral: “o homem é o sujeito de suas ações” que significa: todo homem é ou será aquilo que se tornar a partir de quais forem suas ações e do modo como agir. Daí o caráter peculiar da ação e a impossibilidade de assumir que, em tudo que faz, um homem age. Se faço o que me comandam, não ajo; se o resultado de minha 37 interferência no mundo decorre de algo que me foi ordenado, que eu fui obrigado a executar, ou mesmo levado a executar, então não agi; simplesmente me fiz ferramenta para exercer a vontade de outro, seus objetivos e propósitos. Configurei o que ele desejava, como alguém que fabrica um objeto a partir do projeto de quem o encomendou. Este resultado não mantém conexão interna com o sujeito, o qual, desta forma, não agiu neste caso como sujeito no sentido ativo do termo, mas apenas fez algo se sujeitando a outro. E qual seria a condição para esta relação sintética ou esta conexão interna entre o sujeito e sua ação? Ou, mais simplesmente, o que é e como ocorre uma ação? Pelo menos desde Agostinho, temos ciência de que o que nos mantém na existência temporal é o movimento da consciência. Lembrar é possuir consciência do passado; aguardar é ter consciência do futuro; perceber é possuir consciência do presente. Esta vista de nós a nós mesmos, que é também a vista de Deus em nós, nos faz saber quem somos, de modo anterior e mais intenso do que as definições formais, como animal racional e outras. E, no cogito cartesiano, ficará mais evidente esta consciência de si que é a certeza fundamental (ARENDT, 2004). Mas, se lembrarmos o que dizia Sócrates sobre a presença íntima de um daimon que tinha, especialmente, poder de dissuadir, vemos, nesta época anterior à afirmação do si, e do que percebemos por consciência na acepção que nos é mais comum, algo que ajuda o discernimento sem afetar a liberdade. O daimon dissuade de algo que se poderia realizar, mas não determina a agir. Como compreender, no contexto agostiniano, a presença simultânea da alma (si-mesmo) e de Deus na interioridade? Como entender a certeza que Sócrates depositava no seu daimon? Como compreender a identidade cartesiana como a presença imediata de si a si ou a auto revelação da essência do homem? À primeira vista, diríamos que são revelações da alma recolhida a si mesma, desprovida de tudo que pudesse levar a confundi-la com o que ela não é: ocorrências de encontro da identidade. Mas este si-mesmo jamais está absolutamente só, pois a presença do daimon é a presença de outro. A presença de Deus na alma é a presença do Outro, é a presença da ideia de infinito (reprodução de Deus na alma) é o que determina a minha finitude. E isto que me acompanha, tão profundamente que se torna difícil diferenciar de mim mesmo, é o que permite a Sócrates, a Agostinho e 38 a Descartes o encontro da Verdade e do Bem. O que nos faz reparar que a consciência (com-ciência), a ciência que tenho de mim próprio enquanto presença imediata, já é uma relação, ainda que seja do indivíduo com ele mesmo. O que nos traz este característico estado de espírito em que estar só é estar consigo próprio? “A moralidade diz respeito ao indivíduo na sua singularidade. O critério do certo e do errado, a resposta à pergunta ‘o que devo fazer’, não depende, em última análise, nem dos hábitos e costumes que partilho com aqueles ao meu redor, nem de uma ordem de origem divina e humana, mas do que decido com respeito a mim mesma. (...) O estar só significa que, apesar de estar sozinha, estou junto de alguém (isto é, eu mesma). Significa que sou duas-em-uma, enquanto a solidão e o isolamento não conhecem este tipo de cisma, esta dicotomia interior em que posso fazer perguntas a mim mesma e receber respostas. O estar só e sua atividade correspondente que é o pensar podem ser interrompidos(...)” (ARENDT, p. 162-163, 2004.). Alguns detalhes que devemos destacar neste trecho. Primeiramente, existe um modo de estar com os outros que satisfaz ao que Bergson titulava de camada superficial do Eu, ou a consciência no seu contato pragmático com o mundo: “hábitos e costumes que partilho com aqueles ao meu redor”. Se isto for juízo crítico de minhas decisões, jamais sairei do circuito fechado da moral social, ou das regras sociológicas da moral. Também não, se depender de uma instância metafísica com poderes sobre “o que devo fazer”, seja esta instância explicada como divina ou como autoridade humana. A decisão é minha; o sujeito está sozinho. Em segundo lugar, esta solitude(que Arendt difere de solidão), quer dizer estar sozinho com sua consciência, num duplo sentido: estou sozinho e (porque) estou “somente” com minha consciência – comigo próprio. O peso desta situação singular de solitude é enorme: apenas quando estou comigo próprio é que estou com alguém cuja “companhia” não posso escusar. Duas pessoas em uma: mesmo que não exista intencionalmente qualquer referência teológica, pode-se dizer que estamos perante do mistério da pessoa: duas, distintas e a própria. Mais ainda: uma “cisma”, quer dizer uma separação em que cada uma das partes avulsas reivindicará que ela é autenticamente “una”. Porém, neste caso, a cisma é reconhecida como possibilidade de diálogo: “posso fazer perguntas a mim mesma e receber respostas”. A “dicotomia interior” permite descortinar um amplo campo de reflexão que advém como uma interrogação de si próprio – nos passos do exame socrático da alma. 39 O terceiro ponto, é que o estar só é condição do pensar pois esta atividade seria o “estado correspondente” à solitude. A decisão moral é adotada pelo sujeito a sós consigo próprio, isto é, numa situação de autoexame, de interrogação de si para si. Assim, as solicitações extrínsecas são desprovidas de seu poder de pressão e o sujeito pode indagar e responder a si próprio sem interferência alheia, desde que saiba conservar o estar só. A sustentação que se trata de uma situação de diálogo e não de legítimo solipsismo está na menção que a autora faz à possibilidade de que eu possa conversar com outra pessoa numa tal coincidência de espírito (de ansiedades e inquietações) que seria como se conversasse com “outro eu”: caso que Aristóteles explica como philia, amizade. O amigo é um outro eu. Seguramente porque a amizade consiste no caminhar junto de duas consciências. Por fim, “o estar só e sua atividade correspondente que é o pensar, podem ser interrompidos”. Afirmativa ousada: o pensar pode ser interrompido. Aqui temos de nos amparar da diferença que se pode constituir entre uma definição formal e uma compreensão da realidade do pensamento. A expressão aristotélica “animal racional” como definição do homem tem sido recriminada pelo menos desde Descartes, não por estar incorreta, mas no que pertence à sua impropriedade para nos fazer entender o que seja “essencialmente” o homem. Sabemos que em Descartes tal julgamento está comprometido com o dualismo radical, que não pode aceitar a síntese entre o animal (mecanismo) e a razão, percebida como alma, ou substância espiritual. Por outro lado, já nos habituamos com a distinção entre diversos níveis ou formas do pensar, que a fenomenologia, por exemplo, nos fez constatar. Ora, se falamos de moralidade, ou do pensar como decisão moral que o sujeito adota interrogando-se a si mesmo, notamos que a capacidade de pensar de que se discute aqui diz respeito não à racionalidade em seu sentido geral e formal, mas à possibilidade de discernir moralmente o que se exibe como o melhor no plano do agir. Por isto Arendt recomenda que pensar não é o mesmo que contemplar, em que pese a assimilação muitas vezes notada na história da filosofia. Pensar é uma atividade que antecede a ação e da qual se distingue. “A principal distinção, em termos políticos, entre Pensamento e Ação, reside no fato de que, quando estou pensando, estou apenas com o meu próprio Eu ou com o Eu de outra pessoa, ao passo que estou na companhia de muitos assim que começo a agir.” (ARENDT, p.171, 2004.) 40 Mas o que nos importa é menos a diferença do que a relação, ou uma certa continuidade. Talvez nos auxilie a distinção entre a simples representação das ideias e o juízo. É significativo que Descartes não veja, em relação às ideias separadas, qualquer problema quanto à verdade ou falsidade, e que remeta tal ponto ao plano do juízo, em que asseguro ou nego alguma coisa das ideias que tenho capacidade de representar. E ainda é mais expressivo que Kant, na Crítica do Juízo, observe casos em que as ideias usadas no juízo não correspondem aos princípios da analítica transcendental, nos termos da objetividade dentro dos limites da experiência plausível. E desde Descartes sabemos também que o juízo está diretamente ligado com a liberdade humana. Ou seja, as possibilidades contidas no juízo só são parte de regras e normas que dizem respeito às condições e limites se o sujeito aceitar a regra cartesiana da limitação da vontade ou a regra kantiana da reflexão como oposta à determinação. Em outras palavras, como já foi mencionado, o juízo remete à liberdade. É neste sentido que se diz, desde Aristóteles, que a racionalidade prática, enquanto formulação de juízos morais, depende mais do discernimento do que do conhecimento. O que explica a afirmação de Arendt, de que a consciência fica no juízo. Pelo menos se compreendermos que a função principal da consciência não seria atestar a realidade, mas avaliar possibilidades e opções que dizem respeito à ação (ARENDT, 2004). E assim conseguimos explicitar melhor por que a solitude é a condição do pensar e porque a decisão moral não pode considerar hábitos, costumes, autoridade, crenças, mas deve ser obra única da consciência. Quando penso na definição de ter que viver comigo, posso lançar mão de uma comparação. Será que seria afável viver em estreita companhia com alguém que seja delinquente, corrupto, mentiroso, etc.? Ora, sempre posso me separar dessas pessoas; mas se eu mesmo tiver cometido algo neste sentido, ainda que ninguém mais saiba, eu saberei e nunca poderei abdicar a mim mesmo, por mais que me pratique no esquecimento. Percebe-se que isto não significa somente que o sujeito está sempre diante de si e que é deveras difícil calar a consciência. O mais importante, neste caso, é o diálogo consigo próprio, a decisão tomada em regime de solitude, as interrogações e as respostas que devo a mim próprio. Devo fazer? Posso fazer? Essas perguntas são limites e originam decisões em situações-limites. Elas são respondidas por discernimento, ou 41 seja, ao mesmo tempo são terrivelmente complexas e extraordinariamente simples. Arendt cita o caso daqueles que, na Alemanha, não condescenderam com o nazismo. A própria vida e a dos seus familiares em risco iminente: situação-limite. Contudo, ao mesmo tempo, uma resposta simples, desonerada de razões e explicações; não posso. “Em outras palavras, não sentiam uma obrigação, mas agiam de acordo com algo que lhes era evidente por si mesmo, mesmo que não fosse evidente para aqueles ao seu redor. Assim a sua consciência, se é disso que se tratava, sem caráter obrigatório, dizia: ‘isso não posso fazer’. ” (ARENDT, p. 142, 2004.). Houve, neste caso, não uma obrigação moral, regras, princípios ou imperativos, mas uma consciência evidente: não se pode assassinar pessoas inocentes. Sem arguição e sem justificativa. Quase falaríamos: “naturalmente” se não se mostrasse nesta atitude algo muito diferente da natureza: a capacidade humana de pensar no sentido de formar juízo. E é tamanha a força deste juízo que excede a evidência formal: é mais evidente que uma conjectura lógica ou matemática. É algo que provém do indivíduo tão diretamente que ele meramente não vê possibilidades de agir de outra maneira. Como quando Sócrates diz: é melhor sofrer o mal do que causar o mal. Um juízo moral; uma evidência, não um heroísmo. Mas uma evidência que nunca se mostrará como fruto de uma manifestação, porque nunca será possível comprovar a adequação entre um juízo moral e a realidade. Jamais se poderá concluir que a proposição “é melhor sofrer o mal do que causar o mal” possui determinada correspondência com a “realidade”. Recordemos das razões pelas quais Trasímaco e Cálicles defendem a força como critério de justiça: por serem argumentos conformes à natureza. É preciso, perante o que foi dito, tirar uma consequência. A existênciado mal, inegável a despeito dos esforços lógicos das teodiceias, acha uma explicação na incapacidade de pensar por si próprio, isto é, de formular juízo moral. É preciso constatar que existem indivíduos, em quem a subjetividade se encontra de tal forma esvaziada, que a racionalidade se exerce como uma maneira indiferente, assim como o instinto do animal se exerce de forma cega, sem reflexão. Trata-se de um deslocamento básico da questão, com profundas implicações éticas e políticas. As explicações metafísicas e onto- teológicas se mostraram formais diante da experiência histórica do mal. Numa “segunda navegação” o mal será tratado de forma antropológica: histórica e ética, o que quer dizer, 42 também, política. O homem está na raiz do mal como de tudo que se fez e se desfez em termos de civilização. O mal é fruto histórico, e a sua explicação depende de uma articulação cautelosa entre as condições objetivas da história e as disposições dos indivíduos. O indivíduo pensa por si e age com os outros. Nesta conexão está a verdade da História em comum e das histórias pessoais. E na distinção, que é também uma continuidade, entre pensar, ajuizar e agir situa-se a relação necessária entre liberdade e responsabilidade. O que faz com que liberdade e responsabilidade fiquem sem dúvida no plano da ação, mas constituam também atos de pensar. O juízo deve engendrar a ação e a responsabilidade, derivada de uma decisão autônoma. O mal histórico, tal como ocorreu na Alemanha na época do nazismo, pode ser explicado por esta incapacidade de pensar/ajuizar, que é característica de uma situação cujo princípio de compreensão está na menoridade de que fala Kant no texto Resposta à Pergunta: o que é o Iluminismo?. Mas não se trata apenas de uma menoridade intelectual ou de um uso ainda carente da razão. Na verdade, o que se encontra diminuído, ou por acaso anulado, é a humanidade. O que difere o ser humano é o pensamento, mas não no sentido da racionalidade formal, e sim no sentido do julgamento, ou seja, discernimento entre o certo e o errado, e não a partir de regras e fórmulas, mas a partir da liberdade (ARENDT, 2004). Como num estado totalitário todos são forçados a seguir uma única ideia, é claro que não há condições para que o indivíduo pratique a interrogação a si mesmo acerca do que deve e pode realizar. Temos então o fenômeno adverso do descrito acima: ausência de pensamento; incapacidade para formar juízo; renúncia da liberdade e não assunção da responsabilidade. Ainda assim, as condições objetivas, a aclamação da força, a sedução e até a unanimidade podem ser afrontadas, como foram, embora por poucos, por via do pensamento: pensar o mal pode preveni-lo e, talvez, evitá-lo. Isto nos leva a crer que toda imposição, mesmo por meios não violentos, é de índole totalitária. Sócrates é exemplar neste sentido: não sou eu que devo persuadir o outro; é ele que deve se satisfazer, aceitando aquilo que foi determinado pelo próprio pensamento. Neste caso, o ponto de partida em todo procedimento de formação de juízo, é sempre a diversidade. Há, portanto, relação entre juízo e democracia, desde que 43 possamos supor que numa democracia cada pessoa pensa por si mesmo e age com os outros. A pluralidade seria momento de esclarecimento e de conhecimento do outro. Pensar por si próprio e agir com os outros é algo perfeitamente compatível com o espaço público, pois a dimensão coletiva, se for compreendida como diversidade, busca justamente o equilíbrio entre a singularidade dos juízos e a harmonia deliberada a partir do pensamento e da palavra partilhados. Desde que penso por mim próprio e ajo com os outros sou levado a achar um equilíbrio tenso entre a subjetividade e a intersubjetividade, pois a experiência da ação, que não elimina a experiência do pensamento, é plural. Simultaneamente a este pluralismo, que não é multidão no sentido de massa, remete firmemente às diferenças entre os sujeitos. Assim, pode-se dizer que já em Sócrates pensar é um treinamento político. Os seus juízes bem o entenderam, bem como o potencial subversivo deste comportamento (ARENDT, 2004). Contudo, se podemos dizer que com Sócrates isto já ocorria, não podemos afirmar que acontece desde Sócrates, porque o desenvolvimento histórico da filosofia e da política acabou por desvincular pensamento e esfera pública. Por isso temos hoje em dia dificuldades para julgar as ações políticas, e se trata de um obstáculo radical, porque a causa primária desta situação é a própria dissipação da política, substituída pela gestão das necessidades dentro do contexto de uma racionalidade instrumental. O esvaziamento do espaço público enseja não somente a confusão entre o público e o privado – e a consequente apropriação do público pelo privado - mas também a tendência a julgar condutas públicos com critérios de moralidade privada. Esta dificuldade de formular um juízo moral sólido se prolonga ou se desdobra na impossibilidade de formular juízo político. Quando já não nos embravecemos com a banalização da política, com a corrupção em seus múltiplos aspectos, com o assalto constante à coisa pública, com a exclusão da divergência, com a ausência total de ideias e princípios, isto constitui a falência de critérios, seja de moralidade pública, seja de moralidade privada, que são intercambiadas segundo as conveniências. Torna-se então, franca, a ausência de pensamento, de juízo e de responsabilidade, o que nos deixa claro como é atual o pensamento de Hanna Arendt quando o aplicamos à relação desordenada que se observa entre ética, moral e política nas democracias formais. 44 8 RELIGIÃO E POLÍTICA NA HISTÓRIA A influência ou participação da religião na política é um fato histórico que acompanhou as sociedades, em maior ou menor medida, desde o surgimento das primeiras organizações sociais complexas. O secularismo de Estado, isto é, a separação entre as instituições políticas e as religiosas, é debatido há muito tempo. Essa ideia ganha força a partir do Iluminismo (século XVIII), sendo efetivada pela primeira vez pela Revolução Francesa (1789–1799). 8.1 Os Estados teológicos ao longo da história As religiões são expressões humanas presentes em todas as culturas. Para além de expressar uma conexão com o que é entendido como divino, carregam em si um forte aspecto político e ético, na medida em que expressam valores e modos de comportamento que se tornam regras, dogmas e modos de ação. O Pentateuco, que compõe a Torá e os cinco primeiros livros da Bíblia, traz, por exemplo, diversas normas de higiene: determina-se que os que soldados façam suas necessidades fisiológicas fora do acampamento e as enterrem (Deuteronômio, 23: 12–13). Estabelecem-se, de forma semelhante, as obrigações de se banhar e de se lavar as roupas após as relações sexuais (Levítico, 15: 4–27). As religiões, desde o surgimento dos primeiros Estados, exerceram grande influência sobre a cultura e as normas de conduta das pessoas. As sociedades antigas ergueram monumentos relacionados à religiosidade que eram, certamente, atrelados ao poder político. Exemplo disso são as pirâmides egípcias, que nada mais são do que as grandes tumbas dos faraós. Podemos mencionar, do mesmo modo, as pirâmides ritualísticas da América Central, que serviam, entre outros propósitos, para sacrifícios humanos. Templos, monumentos e escritos são outros exemplos das diversas formas de expressão da religiosidade ao longo dos séculos (GIUMBELLI, 2004). A relação entre Estado e religião é notória na história da humanidade, o que permite observar a formação de Estados teológicos. Nesses Estados, os regimentos religiosos estão intimamente ligados às instituições políticas, em oposição aos Estados 45 laicos ou seculares, onde há imparcialidade em matéria religiosa, de modo que não seja apoiada ou reprimidaa prática de nenhuma religião. O debate sobre a laicidade de Estado não é simples. No Ocidente, ao menos desde o fim do século XVIII, anunciou-se o “fim da religião”, em um movimento relacionado ao Iluminismo, que culminou na separação entre Estado e Igreja (GIUMBELLI, 2004). A conexão entre Estado e religião é comumente relacionada aos Estados medievais, intimamente ligados à Igreja Católica. Tal conexão é, porém, muito anterior: o poder político das civilizações antigas estava profundamente ligado às respectivas religiosidades. Exemplos disso são as figuras dos faraós do Egito e dos imperadores romanos, que concentravam as funções de chefes de Estado e de líderes religiosos, conforme Doberstein (2010). A conexão entre poder político e poder religioso não é aleatória, pois o primeiro se fundamenta e encontra estabilidade a partir da regulamentação do comportamento dos cidadãos. Essa regulamentação passa tanto pelo campo político, de exercício de poder, quanto pelo campo ético, com a criação de normas a serem seguidas de maneira ampla por aqueles que habitam sob o poder de determinado Estado ou governante. A religião é fonte de normas de comportamento e de valores de um povo; por isso, facilmente encontra confluência com a necessidade de governar dos chefes estatais, seja como fonte normativa ou de justificação do exercício do poder. A consolidação do poder político passa, historicamente, por uma justificação religiosa. Afinal, afirmar o poder político com base na religião é um modo bastante simples de justificar o exercício desse poder. Trata- se de “governar por vontade divina”, por vezes divinizando a própria figura do governante (DOBERSTEIN, 2010; PIAZZA, 2005). A ligação entre Estado e religião permite justificar valores ou realidades sociais como sistemas de classes. O mais notório desses é o sistema de castas das sociedades hindus, que têm como principal represente a Índia. O sistema de castas é a divisão de grupos sociais baseada na ascendência, sendo expressão de um modo de justificação religiosa que garante um ordenamento das classes sociais, com praticamente nenhuma mobilidade, de acordo com Hofbauer (2015). Apesar de abolido na Índia como prática governamental desde 1947, esse sistema segue, em grande medida, sendo praticado. Divisões desse tipo não são exclusividade do Oriente: o sistema medieval ocidental de nobres e servos, que conta com a existência de um rei absolutista que exerce o poder 46 “por vontade divina”, também foi fundamentado, em maior ou menor medida, por intermédio religioso. Além de sua dimensão política, a influência do poder religioso sobre os costumes e sobre a ética não deve ser descartada. Diversos valores são justificados pela religião, tornando-a uma importante fonte de normas de conduta, que podem ser absorvidas pelos Estados como leis às quais os cidadãos devem se submeter. Outro aspecto da importância da religião para os Estados, ao menos no que diz respeito aos Estados teológicos da história, é a propriedade religiosa de criar ou promover uma identidade entre as pessoas. Os povos geralmente se reúnem por identidades étnicas e culturais, e a expansão de uma religião cria uma identidade entre pares que deve ser particularmente forte quando se deseja criar um Estado. Isso não significa que o poder político de um Estado deva se fundamentar exclusivamente na identidade religiosa entre o povo e o poder governante. Entretanto, esse elemento foi e é utilizado como instrumento para garantir essa identificação. Um exemplo dessa capacidade de criação de identidade foi promovido por Maomé, fundador do islamismo, antes do qual o mundo árabe era bastante diverso, inclusive em relação às suas fronteiras. Maomé, além de líder religioso, foi um importante líder político — o Islã lhe permitiu a conversão de diversos povos árabes segundo Lewis (2012). Assim, criou-se, fosse frente ao judaísmo e ao cristianismo, fosse frente às religiões e tradições tribais, uma identidade muçulmana com base na nova religião. Essa conversão de povos permitiu a Maomé a conquista definitiva de Meca em 629. Promoveu-se, com isso, a reunião do povo islâmico em torno da identidade religiosa em substituição à identidade familiar ou étnica. Desse modo, podemos afirmar que a religião islâmica foi essencial para a substituição da identidade promovida por clãs em favor de uma identidade religiosa. Isso não significa que não há conflitos no mundo árabe, mas torna possível notar que, em diversos momentos históricos, a religião serve para a constituição da identidade. As Cruzadas, movimentos militares de inspiração cristã, também podem ser apontadas como um fato histórico em que diversos povos europeus se reuniram em torno de uma identidade religiosa promovida pela Igreja Católica. A religião funcionou como fundamento e substrato para as lutas religiosas de cristãos contra não cristãos. Nesse caso, a religião permitiu criar uma unidade do “nós” contra “eles”, ou seja, do povo cristão contra os povos não cristãos, como os muçulmanos e os judeus. Acerca da influência 47 das religiões nos Estados, devemos traçar uma distinção entre teocracias e Estados confessionais. No Estado teocrático, o poder político e as ações políticas e jurídicas se fundamentam, justificam-se e submetem-se às normas de alguma religião de acordo Corsini Neto e Berbicz (2015). O poder, no Estado teocrático, pode ser exercido de modo direto, por líderes religiosos, ou de modo indireto, por pessoas que não fazem, efetivamente, parte do clero, mas cujas ações políticas estão submetidas às normas religiosas. O Egito antigo, em que o faraó era considerado um descente divino, e o Vaticano, em que o papa é o governante, são exemplos de Estados teocráticos. Um exemplo atual de tentativa de instauração de um Estado teocrático foi promovido pelo Estado Islâmico, criado em 2003, após a invasão do Iraque pelos Estados Unidos, tendo sofrido uma forte e rápida expansão após o início da guerra civil na Síria e chegado a dominar grandes territórios, principalmente no Iraque e na Síria. O Estado Islâmico pretendia aplicar a lei islâmica (sharia), um conjunto de normas que têm por base o Alcorão e é aplicada por diversos Estados que adotam o Islã como religião oficial, sendo empregada de modo total, parcial ou como inspiração para legislações próprias. O Estado Islâmico pretendia uma aplicação radical da sharia, impondo um regime de terrorismo e massacre a diversas populações locais opositoras e minorias étnicas e religiosas (G1, 2011; G1, 2014). O Estado confessional, por outro lado, é aquele que reconhece oficialmente uma ou mais religiões como religiões de Estado, de acordo com Corsini Neto e Berbicz (2015). Como exemplos de Estados confessionais, podemos citar a Argentina, que adota o catolicismo como religião oficial, a Inglaterra, que adota o cristianismo anglicano, e a Dinamarca, que adota o protestantismo luterano. A diferença entre Estado confessional e Estado teocrático nem sempre é evidente. Alguns países de maioria islâmica do Oriente Médio, como o Irã e a Arábia Saudita, são classificados, por alguns analistas, como teocracias e, por outros, como Estados confessionais. O nível de influência das religiões em políticas de Estado pode ser bastante distinto, mesmo entre Estados considerados confessionais. Por exemplo, apesar de o catolicismo ser a religião oficial da Argentina, a Igreja Católica não possui influência direta sobre as políticas de Estado, conforme Corsini Neto e Berbicz (2015). Por outro lado, em Estados como a Arábia Saudita e o Egito, a influência religiosa sobre o Estado é muito mais marcante. 48 Por um grande período da história, não havia oposição frente à íntima relação entre Estado e religião. O Estado laico é aquele em que existe a divisão entre Estado e religião, inclusive em termos institucionais.Nele, as questões e os dogmas religiosos não devem intervir nas ações políticas e de Estado, do mesmo modo que não deve caber ao Estado a ingerência sobre instituições religiosas: busca-se uma neutralidade mútua. Os Estados laicos, em geral, consideram a religião um assunto particular de cada cidadão; por isso, limitam-se a garantir a liberdade religiosa. A ideia de Estado laico ganhou força por influência dos pensadores do Iluminismo (século XVIII), sendo atrelada ao republicanismo. A ideia é posta em prática pela primeira vez com a Revolução Francesa (1789–1789) — desde então, a França adotou diversas medidas para garantir a laicidade do Estado (CORSINI NETO; BERBICZ, 2015). É possível afirmar que a laicidade é um fenômeno político, segundo Ranquetat Júnior (2008), pois representa a ruptura com a tradição humana de vincular o poder político ao poder religioso. Desse modo, o fato de um Estado ser laico não significa que pessoas religiosas não possam exercer cargos e funções públicas, mas que as convicções religiosas dessas pessoas não podem interferir em suas práticas como agentes de Estado. Em outras palavras, esses agentes não podem usar sua função de gestão para fazer com que o Estado atue de acordo com crenças religiosas. Não podem, do mesmo modo, favorecer ou desfavorecer religiões a partir de sua atuação estatal. Atualmente, a maioria dos Estados do mundo são considerados laicos. Além dessas classificações, fala-se, também, em Estado ateu, classificação que deve ser empregada quando determinado Estado promove oficialmente o ateísmo por meio da proibição ou da perseguição a práticas religiosas. O Estado ateu não deve ser confundido com o Estado laico: este prega a separação entre Estado e religião, ou seja, a neutralidade mútua entre assuntos religiosos e de Estado; aquele prega uma posição antirreligiosa. Os principais exemplos de Estado ateu são aqueles países que têm ou tiveram experiências de governo comunista ou socialista a partir do século XX: União Soviética, China e Coreia do Norte. 49 8.2 Movimentos religiosos da atualidade e sua relação com o Estado A maioria dos Estados nacionais do mundo são laicos, ou seja, passaram por um processo de secularização que promoveu, ao menos em tese, a separação entre poder político e poder religioso. Entretanto, o fato de um Estado ser laico não implica na proibição ou na exclusão da religião como fato cultural e político relevante. Todas as religiões possuem, em maior ou menor medida, um conteúdo ético e político. O estabelecimento de doutrinas e dogmas cria, invariavelmente, noções de bom e mau, ou seja, cria normas que determinam quais comportamentos serão aceitáveis ou não de acordo com um panorama ético, de acordo com Eliade, Couliano e Wiesner (1993). A aceitação de um comportamento ou prática ocasiona a taxação do comportamento oposto como errado ou inaceitável. Por esse motivo, a religião, enquanto norma de comportamento, possui reflexos políticos. Os poderes políticos são exercidos por um ser humano em relação a outro; dessa forma, as práticas e os valores religiosos, do mesmo modo que eventuais valores éticos e políticos distintos, estão incluídos nessa equação. Assim, o fato de o Estado ser laico não significa que as crenças religiosas não possuem influência política. As culturas e religiões das sociedades humanas não são estáticas: modificam-se e adaptam-se ao longo da história. Desse modo, surgem e desaparecem diferentes movimentos sociais que produzem efeitos significativos em relação ao Estado, seja na esfera de criação e aplicação de leis, seja na esfera dos modos de governo. Dentre os movimentos sociais, os movimentos religiosos exercem, certamente, grandes influências na sociedade, gerando, inexoravelmente, consequências políticas. Ao longo da história, à medida que as sociedades se modificam, os movimentos religiosos e as religiões passam por transformações. Nenhuma das grandes religiões possui doutrinas ou movimentos estanques segundo Eliade, Couliano e Wiesner (1993). Exemplo disso é a divisão do cristianismo em diversas religiões: o catolicismo apostólico romano, o cristianismo ortodoxo e as diversas formas de protestantismo. O mesmo pode ser observado em relação ao islamismo, dividido entre xiitas e sunitas. É importante notar que, mesmo no interior dessas divisões, há correntes e movimentos variados (ELIADE; COULIANO; WIESNER, 1993). 50 Os Estados atuais possuem complexos sistemas jurídicos, normas que regulamentam a vida e as ações sociais de modo amplo. Existem tanto leis regulatórias de atividades quanto leis relacionadas a costumes e fatos sociais. As religiões também regulam e tratam dos costumes e das ações dos indivíduos. Nos Estados laicos, a interferência dos movimentos religiosos tem se dado, especialmente, em relação à pauta política relacionada aos costumes, apesar de tais movimentos também se alinharem a organizações partidárias ligadas a pautas econômicas. Assim, nesse jogo político, é comum que diversos grupos, com pautas prioritárias diversas, aliem-se para promover e aprovar suas medidas de maior interesse. Os movimentos religiosos fundamentalistas são, provavelmente, os que estão se expandindo de modo mais rápido na atualidade, fenômeno que pode ser observado desde o século XX. Com base em sociólogos e historiadores da religião, Coelho e Jorge (2018, p. 13) opinam que “[...] os fundamentalismos expressam uma posição política que busca recuperar a hegemonia do poder religioso abalado pelo poder da ciência e do capitalismo”. Assim, os fundamentalistas, ao perceberem que as formas religiosas de explicação do mundo e de autoridade perderam força frente a outras espécies de discurso, expressam uma insurgência contra a ascensão dessas outras formas de saber. Segundo Coelho e Jorge (2018, p. 17), o termo “fundamentalista” se assemelha, em termos semânticos, ao termo “fanático”, que “[...] adjetiva todo aquele que se considera inspirado por uma divindade ou uma causa, que tem zelo excessivo por ela, que adere cegamente a uma doutrina ou a um partido [...]”. Há quem use o termo “fundamentalista” para descrever outros modos ou discursos fanáticos, como, por exemplo, os discursos ligados à política, aos partidos ou à economia. Entretanto, a principal utilização do termo está atrelada à religiosidade. É necessário destacar que isso não é imutável, na medida em que movimentos fundamentalistas podem criar movimentos políticos ou se aliar a movimentos políticos preexistentes, havendo uma troca de apoio mútua entre ambos. O apego do fundamentalista à doutrina religiosa tem reflexos políticos importantes, pois, em razão de sua inflexão em direção a outros discursos, certos grupos buscam a imposição política de seus valores. Assim, os movimentos religiosos fundamentalistas não estão adstritos apenas às práticas religiosas, mas também às práticas e influências políticas. Buscam, na maioria das vezes, 51 a submissão de todos às suas doutrinas, de acordo com Coelho e Jorge (2018). Por esse motivo, é possível afirmar que os fundamentalismos religiosos são movimentos tanto religiosos quanto políticos. O desenvolvimento da ciência moderna, a partir de movimentos e mudanças sociais decorrentes do Renascimento e do Iluminismo, deu uma falsa esperança a muitos pensadores acerca da possibilidade de explicação do mundo com base em teses exclusivamente científicas e racionais. Assim, a ciência foi inicialmente tomada como a “verdade”, e a religião, relegada a uma outra forma de expressão, incapaz de enunciar discursos de “verdade”. Com isso, criou-se, dubiamente, uma crença exagerada na ciência como um modo de conhecimento capaz de satisfazer as necessidades de conhecimento humano; ao mesmo tempo, criou-se um movimento religioso de insurgência, desejoso de um retorno ao status anterior, segundo Coelhoe Jorge (2018). Esses fatos causaram dois efeitos importantes: o primeiro é que se observou que a ciência é incapaz de explicar, de modo absoluto, todos os fenômenos; e o segundo é que o fundamentalismo religioso foi realocado nessa guerra de forças e poderes. O apelo psicológico e afetivo do fundamentalismo é grande: pressupõe uma visão única e prega a certeza em relação a ela (LIONÇO, 2017). No fundamentalismo, não há espaço para questionamentos ou dúvidas, pois, a doutrina fornece todas as repostas, não podendo ser questionada. Em um mundo de incertezas e lacunas, a doutrina fundamentalista encontra seu lugar e fornece aquilo de que carecem as pessoas. O fundamentalismo apresenta um discurso muito simplista. Em geral, expressa um discurso salvacionista, defendendo propostas e ideias claras e simples acerca do que é necessário fazer para que sejam instauradas as suas propostas. Não é incomum que os fundamentalistas expressem ideias de “restauração” de algo que existia ou de destruição de um “inimigo” que, segundo sua leitura, é causador de todos os males (LIONÇO, 2017). Os vários modos de fundamentalismo religioso procuram interferir nas questões de Estado. O ambiente político democrático é palco de debates, e esses debates pressupõem tanto a existência de visões opostas quanto um ambiente propício para a mudança de opiniões e a realização de concessões. Em razão disso, em um ambiente de debate político, não há lugar para o fundamentalismo, na medida em que essa posição não realiza concessões, apenas imposições. 52 Isso, contudo, não quer dizer que o discurso religioso deva ou possa ser excluído do debate democrático. O funcionamento dos Estados democráticos está organizado de forma a garantir o debate público, de modo que todos os discursos, inclusive a retórica religiosa, possam fazer parte dessas discussões (LIONÇO, 2017). Assim, deve ser garantido o dissenso, a possibilidade de debate e a discussão, sem que o discurso religioso se sobreponha às demais formas de expressão. Não se trata, desse modo, de conceder privilégio ao discurso científico, sociológico ou de qualquer outra natureza, mas de garantir que todos os saberes possam participar do debate democrático. O problema do discurso fundamentalista religioso é o fato de ser dogmático, ou seja, de afirmar “verdades” de modo absoluto. Entretanto, ao ser inserido no debate democrático, será mais uma retórica, mais um discurso. O rompimento com o Estado teológico deve, dentre outros objetivos, garantir que o discurso religioso não se sobreponha aos demais, possibilitando a inserção de diferentes retóricas no debate democrático. Muito se fala do fundamentalismo religioso islâmico após a ascensão de grupos terroristas e dos ataques que deram notoriedade a esses grupos. O Estado Islâmico é, atualmente, o grupo islâmico extremista mais conhecido em razão de suas práticas terroristas e da ampla utilização das mídias digitais para prover seus conteúdos. Movimentos religiosos extremistas nem sempre pregam a destruição de um Estado e a fundação de outro, tal qual faz o Estado Islâmico. Existem posições extremistas que estão inseridas nos jogos políticos internos ao próprio Estado. Muitas vezes, elas não aparecem, no debate público, como uma ideia de mudança radical, mas como apoio à aprovação de leis sensíveis aos interesses e posições de determinado grupo. O fundamentalismo não é, contudo, exclusividade do islamismo. Nos últimos anos, em várias localidades, como no Brasil e no Estados Unidos, houve rápido crescimento de seguidores de igrejas protestantes neopentecostais, que defendem pautas conservadoras e favorecem a eleição de políticos com o seu ideário. É possível citar, também, os grupos fundamentalistas budistas de Mianmar, que promoveram o genocídio do grupo étnico-religioso rohingya, majoritariamente muçulmano, em diversos episódios, que tiveram origem em 2016 e se intensificaram em 2017 e 2018. Assim, é possível afirmar que muitos movimentos religiosos, mesmo na atualidade, frequentemente buscam interferir na política. Essas investidas podem ocorrer de diversas 53 formas: por meio da tomada direta do poder, por revoluções ou levantes, ou por meio de modos mais sutis, como a eleição de políticos alinhados a grupos ou crenças religiosas específicas. O maior problema não é a participação de movimentos religiosos no debate político ou mesmo a atuação de seus representantes em cargos públicos, mas a tentativa de instauração de uma via única de discurso. Em outras palavras, o problema é pretender impor a todos, por meio da utilização do aparato estatal, uma única forma de conduta ou um único conjunto de crenças. 8.3 A bancada evangélica e a sua relação com o Estado laico O Brasil é, legalmente, um Estado laico, isto é, não possui uma religião oficial nem deve promover nenhuma atividade que favoreça qualquer credo religioso. Não há, na Constituição Federal, nenhuma expressão literal de que o Estado brasileiro seja laico, mas os artigos V, VI e XIX da Constituição, de acordo em Brasil ([2020]), estabelecem a liberdade religiosa e o livre exercício de todos os cultos, estando todos sob a proteção do Estado. Também estabelecem que nenhum dos membros da Federação possa embaraçar o funcionamento de igrejas ou de cultos religiosos, ou mesmo manter com eles relações de favorecimento. Apesar de não contarem com a expressão “laico”, esses dispositivos constitucionais deixam clara a laicidade do Estado brasileiro, ao menos no plano legal. Apesar disso, consta no preâmbulo da Constituição que ela foi promulgada “sob a proteção de Deus”, o que não retira o status de laico do Estado brasileiro, mas evidencia a grande influência religiosa presente no país. O aumento do número de evangélicos no Brasil é um fenômeno constatado pelo IBGE. O último censo que verificou a religião dos brasileiros, em 2010, apontou que, entre 2000 e 2010, o número de evangélicos aumentou 61%. O número de congressistas evangélicos também tem aumentado, seguindo a tendência de aumento do número de evangélicos no país (G1, 2012). Antes de definirmos o que é a bancada evangélica, é necessário definir quem são os evangélicos no Brasil. Trata-se de um grupo formado por diversas igrejas distintas, algumas com expressivo número de seguidores. Os evangélicos têm, em comum, o fato de serem seguidores de correntes protestantes, mas a semelhança entre eles não vai 54 muito além disso. Além disso, dividem-se em diversos grupos, sobre os quais não é possível falar em uma unidade, mas em uma grande diferença de doutrinas. O censo de 2010 do IBGE apontou, no entanto, que mais da metade dos evangélicos são pentecostais ou neopentecostais (IBGE, 2013, p. 203). A chamada “bancada evangélica” vem chamando a atenção nas últimas legislaturas por seu crescimento, organização e pelo grande alarde daqueles que a compõem, especialmente quando se trata de temas socialmente sensíveis, relacionados aos costumes. “Bancada evangélica” é, nesse contexto, o termo utilizado para designar a Frente Parlamentar Evangélica, composta na 56ª Legislatura por 95 deputados federais e 8 senadores. Ao menos desde as eleições de 2010, o número de parlamentares dessa frente vem crescendo, acompanhando o crescimento do número de evangélicos no Brasil. Os parlamentares que integram a Frente Parlamentar Evangélica são de diversos partidos, ligados ou não a instituições religiosas, e muitos deles já haviam exercido outros mandatos em outros partidos. Os partidos aos quais os parlamentares da bancada evangélica pertencem são diversos e incluem desde partidos de esquerda a partidos de extrema direita, conforme apresentado por Câmara (2019). A maioria dos parlamentares da bancada religiosa estão ligados a igrejas pentecostais ou neopentecostais. A Assembleia de Deus (pentecostal) e a Universal do Reino deDeus (neopentecostal) são as igrejas evangélicas com o maior número de representantes eleitos entre as igrejas evangélicas, fato que se repetiu nas duas últimas legislaturas (2015–2018/2019–2022) (DAMÉ, 2018; JMNOTÍCIAS, 2018; TAVARES, 2018; MARINI; CARVALHO, 2018). É necessário destacar que cada deputado ou senador pode fazer parte mais de uma frente ou bancada parlamentar. Por isso, parlamentares da bancada evangélica costumam participar também de outras frentes parlamentares, conforme divulgado por Câmara (2019), Moreira (2019) e Trutis (2019). A atuação dos parlamentares da bancada evangélica é especialmente notória em temas relacionados aos costumes. Trata-se de uma bancada conservadora, que defende a ampla criminalização das drogas, a proibição do aborto, a inclusão da “teoria da criação” na base curricular de ensino e a proibição de uniões civis homoafetivas, dentre outros temas. A bancada evangélica não é a única conhecida por suas posições conservadoras. As bancadas armamentista e ruralista também são ligadas à direita brasileira e aos 55 movimentos conservadores, de acordo com matérias de Alessi (2017), Cavalcanti (2017) e Tatemoto (2019). Em conjunto, essas bancadas são designadas pela alcunha “bancada BBB”, que faz referência às bancadas da “Bíblia” (evangélica), “da bala” (armamentista) e “do boi” (ruralista). Políticos católicos conservadores, independentemente da participação em uma dessas bancadas, votam, em geral, em conjunto com a bancada evangélica quando o assunto são pautas conservadoras. Desse modo, apesar de a bancada evangélica ser um dos grupos conservadores mais organizados do Congresso Nacional, não é possível dizer que seja o único a pôr em risco a laicidade do Estado. Alguns projetos de lei encaminhados ao Congresso pela bancada evangélica pretendem promover uma alteração legislativa conservadora, que poderia gerar a exclusão dos direitos de diversos grupos sociais ou fazer com que o Estado adotasse medidas alinhadas aos posicionamentos evangélicos. O problema é que, no Brasil, nem todos são evangélicos. De fato, nem mesmo entre os evangélicos brasileiros as pautas defendidas pelos parlamentares dessa bancada são unanimidade. Desse modo, propostas que buscam acabar ou limitar a laicidade do Estado, de autoria da bancada evangélica ou de outros grupos, tendem a excluir ou dificultar o acesso de grupos a direitos garantidos pela Constituição, conforme Salomão Neto (2017). Dentre esses, estão os direitos relacionados ao princípio da igualdade e da dignidade humana. Quando o Estado assume uma religião ou um discurso religioso, invariavelmente coloca direitos em risco, visto que o tratamento dado a seus cidadãos não será equânime. Os discursos religiosos são discursos dogmáticos e, em geral, não admitem a coexistência de retóricas conflituosas, tal qual em um jogo democrático. Como vimos, as concepções e doutrinas dogmáticas excluem umas às outras, diferentemente das retóricas políticas, que admitem a coexistência, ainda que conflituosa, de ideias. A experiência mostra que as sociedades humanas são plurais em termos de religião, de opiniões e de concepções e formas de vida, mesmo no interior de um único Estado nacional. Assim, em um cenário de limitação ou relativização da laicidade, os grupos que não fazem parte da visão religiosa adotada pelo Estado, ou que possuem formas de vida ou opiniões distintas, acabam sendo tratados de modo desigual. De fato, tornam-se impossibilitados do pleno gozo de seus direitos constitucionais. A relativização da laicidade é, portanto, um risco ao reconhecimento da pluralidade das formas de vida e, 56 por conseguinte, dos direitos individuais em uma sociedade plural (SALOMÃO NETO, 2017). Veja, a seguir, algumas dessas propostas em projetos de lei (PL), conforme Salomão Neto (2017). • PL 5.336/2016: propõe a inclusão da “teoria da criação” na base curricular do ensino fundamental e médio. • PL 6583/2013: busca aprovar o “estatuto da família”, que define, em seu art. 2º, que família é o núcleo familiar formado por um homem e uma mulher. • Projeto de decreto legislativo (PDC) 234/2011: já arquivado, propunha a revogação de artigos da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº. 1/99, de 23 de março de 1999, de modo a permitir que psicólogos pudessem atuar “em relação à questão da orientação sexual” (esse projeto foi apelidado de “cura gay”). • PL 7.382/2010: propunha a criminalização da “heterofobia”, ou seja, da discriminação contra heterossexuais (também já arquivado). As críticas a essas propostas são diversas, tanto por contrariarem a laicidade do Estado, como por promoverem a limitação ou a exclusão de direitos. O projeto que trata da “teoria da criação” ofenderia a laicidade do Estado na medida em que promoveria o ensino público de um tipo de doutrina cristã — assim, uma visão religiosa seria favorecida em relação às demais. O “estatuto da família” é criticado, entre outros motivos, por excluir da definição de família outros núcleos sociais, como famílias monoparentais e famílias homoafetivas, gerando, dessa forma, proteção privilegiada a uma modalidade familiar em detrimento das demais. Destaca-se que a mudança da definição de família poderia gerar, inclusive, reflexos em direitos sucessórios e previdenciários, negando o acesso a direitos àqueles que não fazem parte de um núcleo familiar fundado em padrões heterossexuais. A proposta da “cura gay” foi fortemente criticada por psicólogos, na medida em que permite tratar a homossexualidade como doença, o que contraria resoluções da Organização Mundial da Saúde e do Conselho Federal de Psicologia. A criminalização da “hetererofobia”, por outro lado, tinha como objetivo criar a falsa imagem de que os heterossexuais são discriminados, o que se mostra um factoide, pois os discriminados 57 em razão da orientação sexual ou da identidade gênero são, efetivamente, as pessoas LGBTQI+. Os interesses da bancada evangélica vão além de temas éticos ou de pautas moralizantes. Dantas (2011) aponta que a bancada evangélica se formou com a finalidade de garantir outros privilégios, como a manutenção e a ampliação de isenção fiscal a entidades religiosas, a obtenção de concessões de redes de televisão e rádio, a doação de terrenos e a obtenção de alvarás. Assim, além de se debruçar sobre temas éticos e sobre a pauta dos costumes, a bancada evangélica se une em prol de temas de favorecimento das igrejas, como as isenções fiscais e a possibilidade de uso do dinheiro público. A bancada evangélica possui grande destaque midiático, principalmente em razão das atitudes dos parlamentares que a compõem. Também ganhou notoriedade pelos projetos de lei controversos que defende e que ferem o respeito à laicidade do Estado. No Brasil, a questão da laicidade não é simples e também não está adstrita exclusivamente às atitudes tomadas pelos congressistas da bancada evangélica. A existência de crucifixos na Câmara Legislativa, bem como em muitas outras repartições públicas, como tribunais e prédios da administração pública, é algo questionado há bastante tempo. A discussão sobre a possibilidade de uso de símbolos religiosos em repartições públicas é, inclusive, objeto de questionamento no STF, pelo recurso extraordinário de nº 1249095. O que está em jogo nesse julgamento é analisar se essa prática está de acordo com a Constituição e se fere a laicidade do Estado (BRASIL, [2020]). Outra polêmica recente também envolve o STF, que, em 2017, ratificou a constitucionalidade do ensino religioso confessional nas escolas públicas. A Constituição Federal prevê a possibilidade do ensino religioso de matrícula facultativa nas escolas. Porém, o STF decidiu que o ensino religioso poderia ser confessional, ou seja, as escolas passaram a poder ensinar, de maneira exclusiva, uma religião. Essadecisão foi alvo muitas críticas, pois parece ofender a laicidade do Estado brasileiro. Na medida em que permite o ensino de uma religião nas escolas públicas, a decisão parece privilegiar o ensinamento de uma religião em detrimento das demais. A construção cultural brasileira sempre esteve relacionada à religiosidade, especialmente ao cristianismo. Essa ligação entre cultura, religião e Estado fica evidente em diversos fatos históricos, que colocam 58 em dúvida o alcance da laicidade do Estado brasileiro. Muitas das propostas defendidas pela bancada evangélica são também defendidas por parlamentares conservadores, mesmo por aqueles pertencentes a outros credos cristãos. Por exemplo, os parlamentares católicos e os integrantes de outras frentes parlamentares conservadoras, como a que busca a redução da maioridade penal (e da qual fazem parte parlamentares religiosos), votam em conjunto com a bancada evangélica em algumas ocasiões. Apesar de a bancada evangélica ser constantemente questionada sobre seus atos e propostas violarem o Estado laico, fato é que essa bancada não é a única a tentar violar os princípios da laicidade. Ela encontra apoio de outros parlamentares conservadores, que buscam, igualmente, que o Estado adote medidas ligadas a doutrinas religiosas. A consolidação do Estado laico é prejudicada também por atos de outras instituições, seja pela exibição de símbolos religiosos em repartições públicas, seja pela ratificação do ensino confessional em escolas públicas. Tais fatos demonstram que a laicidade, apesar de ser, idealmente, uma “qualidade”, é tida, por diversos grupos, como uma “quantidade” (no sentido de mais ou menos laico), na medida em que, no embate entre forças e poderes, parece ser constantemente relativizada. 9 RELIGIÃO NA PÓS-MODERNIDADE A pós-modernidade, atrelada às lógicas de produção capitalista, instaura novos modos de subjetivações e constitui novas cosmovisões sociais, econômicas, culturais e religiosas, um cenário de globalização e hiperconsumo no qual as pessoas passam a se relacionar com as coisas e com as outras pessoas buscando formas imediatas de obter respostas e prazeres. No lastro de uma cultura-mundo, cabe à religião encontrar modos de apaziguar as desorientações próprias desse tempo, mas em diálogo permanente com as questões advindas da conjuntura (SOARES NETO, 2012). 9.1 Importância da religião em tempos de ceticismo e imediatismo Diante das alterações que temos sofrido nas diversas áreas sociais, tendemos à abertura ou à resistência. Durante muito tempo, o jornalismo, a psicologia, a educação e 59 outras áreas tentaram, e ainda tentam resistir às transformações da sociedade com o crescimento e a evolução das tecnologias, das mídias e do capitalismo. Alvin Toffler (2005), ao discutir sobre os impactos das tecnologias na sociedade, retoma a historicidade dos sistemas de produção ao longo do tempo, subdividindo-a em três ondas: 1. agrícola, 2. industrial; 3. tecnológica digital. Para o autor, vale ressaltar, são os modos de produção de riqueza que estruturam a sociedade, e não o contrário. Nesse sentido, podemos constatar que as alterações sofridas pela sociedade contemporânea advêm das mudanças proporcionadas pelo capitalismo, que, ao criar as tecnologias, oferece o lastro fecundo para o crescimento da era tecnológica, e, ao mesmo tempo, constrói um cenário propício para que essas criações se tornem estruturadoras de novas subjetividades, relações e identidades institucionais. A produção capitalista tem criado produtos e serviço maneira tão frenética que essa lógica da novidade constante passou a estruturar as relações sociais e econômicas, construindo desejos e necessidades nos indivíduos, imbuídos pelas lógicas do individualismo e hedonismo, para os quais buscam resoluções imediatas. Soares Neto (2012) aponta que os indivíduos estão rodeados por coisas que provocam grandes encantos e fascínios, estando “[...] sempre em busca por novos produtos, novas experiências, por um consumo imediatista diante do atual panorama da sociedade e alimentados por uma economia pronta para saciá-los” (SOARES NETO, 2012, p. 113). Essa retroalimentação entre a dinâmica de produção e constituição subjetiva dos consumidores contorna o cenário da mercantilização e da sociedade do consumo, no qual tudo se torna mercadoria e tudo que é consumido torna-se imediato e fluido. Os consumidores são marcados por uma necessidade de satisfazer aos seus desejos de maneira imediata (SOARES NETO, 2012). Nesse cenário, consta-se o que Lipovetsky e Serroy (2011) chamaram de mercantilização da cultura e cultura da mercantilização, conjuntura que tem transformado 60 tanto os modos de existência quanto a vida sociopolítica. Ademais, nesse processo, novas questões individuais e coletivas são postas, já que há uma cultura-mundo que globaliza não apenas as evoluções, mas também os medos e os desnorteamentos. Assim, a contemporaneidade vem sendo marcada por lógicas que colocam ainda mais em xeque os grandes sistemas institucionais e as noções normativas gerais. Para Lipovetsky e Serroy (2011, p. 17): Com a cultura-mundo, aumentam a tomada de consciência da globalidade dos perigos, um sentimento de viver em um mundo único feito de interdependências crescentes. Na era hipermoderna, afirma-se a cosmopolitização dos medos e das imaginações, das emoções e dos modos de vida. As relações sociais são atravessadas pelos medos próprios desse cenário de globalização e incertezas, falta de referenciais que interfere em todas as esferas humanas, de trabalho, familiar e identitária. Aumentam-se as epistemologias para lidar com as análises sociais e, também, as ferramentas de comunicação. No entanto, somado a isso, elevam-se as incertezas e os medos, causando uma instabilidade psíquica (LIPOVETSKY; SERROY, 2011). Ao falar sobre a modernidade e suas consequências para as constituições subjetivas e sociais, Libanio (2002, p. 70) aponta: Fruto lídimo da modernidade é o individualismo. Repetidamente chamado de “ideologia da modernidade”. Esse individualismo provocou enjoo, desgosto, náusea de tanto ficar-se preso a si mesmo. E como ele girava em torno, sobretudo, de bens materiais, a falta de sentido foi ainda maior com o consequente vazio existencial. Fragmenta-se a identidade das pessoas que sofrem o colapso do significado das coisas, a banalização, o estreitamento ou perda total do sentido da vida. Veem-se tentadas ao narcisismo, hedonismo, relativismo moral subjetivista, permissividade. Em meio a essa desorientação e às perdas de referenciais, surge um interesse pelo fenômeno religioso. Para Peter Berger (1985), a religião aparece mais uma vez como organizadora do caos e da anomia vivida frente às perplexidades contemporâneas, reaparecendo, portanto, com a função simbólica de integrar e sustentar as referências dos indivíduos (CRESPI, 1999). No entanto, busca-se uma religião ou experiências religiosas que também correspondam aos anseios desse tempo, cujas ofertas precisam satisfazer às necessidades imediatas dos fiéis, como uma resposta ao seu individualismo e hedonismo (LIBANIO, 2002). 61 9.2 Sistemas políticos e religião: manipulação e politização Em um horizonte judaico-cristão, do Gênesis ao Apocalipse, o fenômeno religioso sempre esteve entrelaçado com a história política: em alguns momentos, como resistência e denúncia contra os sistemas políticos, e, em outros, a partir de uma vinculação nítida de apoio. Se olharmos para o próprio reconhecimento do cristianismo como religião de estado, há uma relação política com o poder Romano representado por Constantino, no ano de 312. E essas relações tensionadas não ficam apenas na Idade Antiga, fortalecendo-se, inclusive, na Idade Média e ganhando novos contornos na Idade Moderna e Contemporânea. A Idade Médiafoi marcada por uma influência grandiosa da Igreja Católica em todos os setores, sociais, políticos e até mesmo econômicos. Ademais, mesmo com a ruptura ocorrida na virada moderna, a Igreja não deixou de influenciar os Estados e Nações. A história da Igreja católica e as Igrejas da Reforma indicam que o cristianismo estabeleceu vínculos diretos com a política, embora não tenham sido somente eles — o judaísmo, o islamismo e até mesmo as religiões orientais travaram guerras sangrentas justificadas pelo viés religioso (AMES, 2014). No Brasil, a Igreja Católica se instaurou desde o processo da colonização, cenário em que a religião sempre esteve associada ao poder político. No país, a liberdade religiosa “[...] foi estabelecida pelo Decreto nº. 119-A, de 7 de janeiro de 1890, sendo confirmada pela Constituição de 1891 e pela Emenda Constitucional de 03 de setembro de 1926” (COSTA, 2020, p. 99). Entretanto, mesmo após a cisão entre Igreja e Estado, a Igreja Católica busca modos alternativos de manter- se em relação com o governo e com a população, situação em que alguns representantes religiosos se vinculam ao poder vigente e outros à oposição: os mais conservadores agrupam-se nas alas políticas mais conservadoras, enquanto os progressistas aliam-se às alas políticas que lutam por causas sociais, econômicas e dos grupos minoritários. Essas alianças são realizadas a partir da perspectiva teológica dos representantes religiosos. Atualmente, o representante da Igreja Católica tem uma visão política um pouco mais sensível às causas populares, isso pelo fato, segundo Costa (2020), de o pontífice, por ser latino-americano, também ser propenso às questões da colonização, exploração e realidade sociocultural vividas pelo povo da América Latina e do Brasil. No 62 entanto, no seio da própria Igreja Católica, há grupos mais conservadores que, no lugar de se preocuparem com as pautas progressistas, defendem e se vinculam a poderes políticos conservadores. Além de se estabelecer na Igreja Católica, essa dinâmica está presente nas igrejas evangélicas. Segundo Costa (2020), após a redemocratização, os pentecostais passaram a participar do campo político, oficialmente e, desde então, procuram fortalecer as relações com os poderes estabelecidos, ampliando suas influências e tornando-se os mais fortes aliados do governo federal, o que, em um jogo de espelhos, reflete suas aspirações em uma disposição de extrema direita, sob o manto da moralização política. E os neopentecostais não são diferentes, pois, baseados em uma teologia que prega a prosperidade, se contrapõem aos ideais dos progressistas — para eles, as pautas dos direitos humanos, de igualdade de gênero, desigualdades sociais, etc. são demoníacas e devem ser veementemente combatidas (COSTA, 2020). Um exemplo desse movimento conservador, aliado à relação política-religião, marcada por uma manipulação mútua, se deu nas eleições de 2018 no Brasil, quando as alianças religiosas compostas, em sua maioria, por evangélicos conservadores, mas apoiadas por muitos católicos conservadores, reforçaram e legitimaram o discurso do presidente eleito, que apresentou, desde sempre, pautas de suposta manutenção da ordem social, com um forte discurso moralista “[...] contra a esquerda, os comunistas, o casamento homossexual, o aborto, a corrupção”, etc. (COSTA, 2020, p. 107). Apesar da laicização do estado, o que vemos em solo brasileiro é o crescimento da ala evangélica “politizada”, com amplos desejos de poder político, crescendo a cada pleito das esferas municipais, estaduais e federais, defendendo pautas hiperconservadoras e colocando em xeque a democracia brasileira, além de deixar de lado as políticas para os mais pobres e marginalizados. E, no último pleito federal, observamos muitos católicos conservadores defendendo esses mesmos ideais, sendo, inclusive, contrários às diretrizes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e às próprias indicações do Sumo Pontífice, o Papa Francisco, que se colocou diversas vezes contra governos apoiadores de torturas e contra as causas sociais e ambientais. 63 9.3 Consumo de bens simbólicos e pregação da fé nos tempos do espetáculo religioso O mundo vem sofrendo grandes alterações, moldado pela lógica de mercado capitalista, que dita os modos de relações nas esferas sociais e públicas. Tudo se tornou mercadoria, sejam os bens materiais, sejam os imateriais, cenário em que consumir é a ordem e no qual até mesmo as lógicas de um consumo consciente têm como pano de fundo um modo de consumir, estando em alta o mercado dos orgânicos e dos recicláveis. Em outras palavras, com um maior ou menor grau de destruição planetária, tudo constitui uma forma de consumo. E a religião não ficou à margem dessa dinâmica, passando a ser consumida ao bel-prazer e à necessidade do adepto: é necessário satisfazer às necessidades pessoais e existenciais, e que o fiel, assim como o consumidor, consiga ter acesso à mercadoria oferecida, a partir de um clique, um toque. Para isso, criam-se instrumentos, que intermediam as compras, as relações simbólicas com o consumidor, conectando as ofertas às demandas, a partir de dois caminhos: o da criação das necessidades de consumo e as respostas aos desejos criados, enveredado pelo capitalismo, capaz de criar o desejo, a demanda e, automaticamente, uma correspondência a eles. Nesse cenário, os instrumentos criados são totalmente eficazes, pois selecionam o conteúdo de acesso, entregam o que o cliente deseja na tela do celular e facilitam as relações, sobretudo pelo marketing, produzindo discursos que fazem os consumidores comprar. Esses aspectos promovem e consolidam a sociedade do espetáculo, conforme nomeada por Guy Debord (1997): “[...] o espetáculo é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente”, e “[...] constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade. É a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o consumo que decorre dessa escolha” (DEBORD, 1997, p. 14-15). O espetáculo é um modo de relação entre as pessoas, fundamentado em uma imagem não real, mas construída por um discurso e mediada por instrumentos que a facilitam. Nessa conjuntura, as religiões, ao mesmo tempo, podem denunciar a irrealidade, o consumo desenfreado, as lógicas capitalistas, modernas, imediatistas e efêmeras, e aderir a essas lógicas, agora encobertas pelo discurso sacralizado. Conforme Ramos (2008, p. 148), “[...] à medida 64 que o mercado religioso se incorpora ao espírito religioso, aquele fica legitimado pela religião”, continuando a afirmar que a “[...] religião-mercadoria é sustentada e promovida por uma homilética articulada segundo os princípios e valores da sociedade espetacular” (RAMOS, 2008, p. 148). Nos valores espetaculares, o novo é algo que necessita estar eminentemente presente, com uma produção desenfreada de novidade de bens de consumo, visto a necessidade de sempre oferecer experiências novas aos consumidores, inclusive os da religião. Esta passa a ser a la carte, ou seja, servida a partir da necessidade do fiel (VELIQ, 2017), estando no cardápio a cura, a prosperidade, o consolo espiritual ou outras necessidades. Com isso, constatamos que os âmbitos religiosos têm sido influenciados pelas lógicas mercadológicas e entregado cada um ao seu modo bens simbólicos e de consumo aos fiéis, a partir de suas necessidades específicas. Os produtos da fé já estão definidos nas funções sociais da religião na contemporaneidade: organizar o caos existencial, dar sentido, etc. Mas quais instrumentos vêm sendo usados para fazer com que esses produtos cheguem aos consumidores, ou melhor, aos fiéis? Com o avanço tecnológico, as religiões, com o intuito de comunicar a Palavra de Deus e oferecer o que os consumidores necessitam, têm adentrado diversos meios, como:• TV; • sites; • redes sociais; • aplicativos de mensagens; • construção de aplicativos próprios. Soares e Cândido (2015), ao analisarem as igrejas eletrônicas, afirmam que as vertentes evangélicas despertaram para a evangelização mediada pelas tecnologias muito antes da Igreja Católica, visto que, “[…] desde meados dos anos de 1950, as igrejas evangélicas já fazem uso dos mass media e, atualmente, a comunidade evangélica tem a TV como uma das suas maiores aliadas na estratégia de propagação das crenças” (SOARES; CÂNDIDO, 2015, p. 147). Do rádio à TV, foram se consolidando programas de propagação da fé e das crenças evangélicas, como: 65 • “A voz do Brasil para Cristo” (1955); • “A voz da nova vida” (1962); • Os programas de TV de Edir Macedo e Valdomiro Santiago; • “Show da fé”, com Romildo Soares. Trata-se de exemplos dos formatos que a religião tem encontrado para alcançar e conquistar fiéis, cuja narrativa apresenta como núcleo pregações com curas, libertações, exaltação da prosperidade e aquisição de bens materiais, além de uma pregação baseada no que as pessoas gostam e querem ouvir. É um Deus que serve às necessidades das pessoas e é visto como “[...] um amuleto que está sempre pronto para resolver os problemas” (SOARES; CÂNDIDO, 2015, p. 151). E a Igreja Católica não ficou de fora desse meio eletrônico, mesmo chegando um pouco depois. A rede de TV Canção Nova, fundada pelo Monsenhor Jonas Abib, a TV Aparecida, a Rede Vida, e os padres Fábio de Melo, Reginaldo Manzotti e Marcelo Rossi assumiram esse diálogo com o mundo moderno e representam a face da espetacularização do fenômeno religioso católico, destacando-se por seu lastro de alcance. Nesse contexto, shows, encontros e celebrações televisionadas são “[...] espetáculos religiosos e renovadas formas de adoração e culto devoção, êxtase, dança, choro, alegria, fé e idolatria, comungam do mesmo espaço e momento” (PESSOA, 2016, documento on-line). 10 A CONTRIBUIÇÃO DO PENSAMENTO MEDIEVAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA CIÊNCIA POLÍTICA A atividade teórica é bem mais um modo de poíesis (criação) do que de mímesis (imitação) da assim designada realidade. É a preparação mental da realidade através da qual ela se mostra como algo com sentido para o homem. No trabalho teórico, o discurso racional é a ferramenta imprescindível, já que é por meio dele que se anseia codificar e dirigir os resultados de uma inacabável investigação dos fenômenos. Sendo assim, podemos ver a história do pensamento político como algo mais do que uma série de maneiras de se entender o mundo político. Cada uma das teorias políticas, ao criar uma imagem daquilo que é ou supostamente seria o mundo, alcança, de fato, uma construção 66 intelectual da realidade. Mesmo assim, as confabulações da teoria política são, habitualmente, tidas como descrições e avaliações de contextos reais. Com isso, observa-se o seu caráter mimético e tem-se o risco de perder-se de vista o seu caráter poiético, ou seja, a sua dimensão criativa e propositiva. Podemos avaliar a produção teórica no campo da política como a fabricação, sempre em contexto polêmico, de discursos argumentativos que almejam evidenciar as condições reais da natureza humana e da vida em sociedade para, baseado nelas, prescrever formas de organização e exercício do poder político. Contudo, não podemos esquecer que tais discursos essencialmente partem de pressupostos. Estes atuam como princípios para a construção e averiguação dos discursos, não sendo, eles mesmos, verificáveis, posto que não são francamente inferidos da experiência, mas abalizados pela argumentação filosófica. Isso faz de toda teoria política uma espécie de ficção, não no sentido de fantasia ou abstração, mas de construção de mundos possíveis pelo pensamento e pelo discurso (MACIEL, 2011). A imensa diversidade de paradigmas na história do pensamento político é uma prova de que os mesmos são produto de verdadeiros “criadores” de mundos sociais plausíveis, e não o resultado de uma imediata e inconfundível observação do mundo. Cada paradigma é um molde para a criação de teorias, estas que não se aludem apenas àquilo que surge, mas possuem hipóteses sobre o que deveria existir. Portanto, a reflexão política, quando deseja reproduzir/delinear/imitar a realidade empírica, estimula a nossa concepção dessa realidade com hipóteses ou previsões que, uma vez agrupadas à vida social, passam a compor a própria realidade. Ao decorrer do tempo, a reflexão política tem sido geradora de modos de comportamento e organização políticas, visto que diversos de seus conceitos e pressupostos têm sido agregados ao mundo das instituições, adaptando nossa representação corriqueira e ordinária do mundo. A evolução da ciência política como uma ciência empírica nuca foi capaz de dispensar o exercício de reflexão teórica pois vários dos objetos que a ciência tem avaliado compõem, de fato, o resultado de um procedimento de sedimentação daquilo que a teoria, enquanto poíesis, colaborou para inventar. Logo, podemos crer que uma ciência política alforriada da filosofia política é, duramente, impossível, uma vez que a filosofia é um tipo de fonte da qual provêm as dimensões da realidade tidas relevantes, ou seja, importantes à 67 análise científica. Apenas por isso que seguimos lidando com os denominados “clássicos” do pensamento político, aqueles pensadores que nos instruíram a fazer certas perguntas sobre o mundo político. Os mesmos criadores de uma tradição ativa e que nos interessa, atualmente, tanto como objeto de uma história das ideias políticas, bem como área dinâmica e polêmica de criação e entendimento da realidade. Tradicionalmente, localiza-se o surgimento da disciplina na época clássica, sendo Platão e Aristóteles aqueles que constituíram suas fundações iniciais. E está correto, porém devemos considerar ressaltar o impacto que, de certo modo, a atividade filosófica de Sócrates e, de outro, o desafio que a Sofística teve. O reconhecimento do caráter cristão, de modo eminente, da filosofia medieval não deve levar a confirmar uma opinião desvirtuada e, atualmente, já felizmente desacreditada de que a Idade Média foi intelectualmente falando, uma era de trevas. Diferente disso, o incontornável diálogo entre teologia e filosofia trazido pelo pensamento medieval gerou uma enorme gama de teorias sobre todas as áreas da realidade, incluindo a política (MACIEL, 2011). Não se pode explicar o período medieval como um tipo de período que descontinua a tradição com origem na Antiguidade pagã, para que continue somente com Maquiavel no contexto do Renascimento. Falaremos do realce que os assuntos relativos à política tomaram nas reflexões de filósofos medievais, destacando suas mais importantes contribuições para uma reflexão sobre a política. Não trataremos unicamente de teorias políticas, pensando na definição atual do termo, mas de debates filosóficos acerca de temas e problemas ao decorrer da história do pensamento político na modernidade, por exemplo a natureza da política, o conceito do poder político, as formas de organização e exercício desse poder, as conexões entre poder e sociedade, entre Estado e indivíduo e entre lei natural e liberdade humana. É sabido que a exposição do pensamento político por uma visão histórica que remonta às suas procedências antigas e medievais contribuirá para um entendimento mais rico da disciplina, já que foi por meio do diálogo com este lastro filosófico que ela se formou e solidificou como tradição intelectual (BOBBIO, 1997). 68 10.1 Santo Agostinho O encontro entre a religião cristã e a filosofia grega, dentro do contexto cultural do helenismo, teve consequências intensas sobre o desenvolvimento do pensamento medieval. A procura de uma aliança entre o pensamento racional e a verdade declaradapermitiu o surgimento de uma filosofia cristã, tida por Santo Agostinho como “a verdadeira filosofia”. Os primórdios da era cristã ficaram marcados por esse movimento do cristianismo, que procurou generalizar-se não apenas como religião, mas também como filosofia e, para isso, foi essencial a fabricação intelectual dos Padres da Igreja (a Patrística). A doutrina criada nessa época constituiu os temas e problemas para os quais a Escolástica, a mais comum aparição do pensamento medieval, almejou dar solução. É provável deduzir uma filosofia política do pensamento patrístico a partir de suas reflexões acerca das relações entre Igreja e poder secular. Essa filosofia surge da ideia de que o poder terreno é uma ferramenta para o estabelecimento de uma ordem estabelecida por Deus. Assim, os príncipes, para quem foi acreditado tal poder, seriam pastores de Deus. Esta é uma concepção puramente teocrática, onde o poder temporal deve estar as ordens do poder espiritual, o que admite tanto a legitimação da autoridade política através de sua base na autoridade divina como a legitimação da dimensão política da Igreja, acarretando uma cultura clerical, que subjuga as leis civis às leis divinas e põe a Igreja sobre o Estado. Carlos Magno, coroado pelo Papa Imperador da Cristandade, desponta bem essa complicada conexão que se almejou constituir entre Igreja e Estado. Principal representante da Patrística latina, Santo Agostinho (século V) avalia a necessidade do poder político e, assim sendo, do Estado, uma decorrência do pecado original. A constituição da sociedade é um meio através do qual os homens procuram abrandar os efeitos da corrupção causada pela queda de seus primeiros pais. É inevitável que todas as sociedades possuam falhas, visto que suas leis são edificadas por homens decaídos. A “Cidade dos homens” contrapõe-se à “Cidade de Deus”, em sua definição, império de perfeição inteiramente governado pela eterna e perfeita lei de Deus. Ficaria à cargo da Igreja, a missão de reparar as instituições humanas e, com base no ensinamento de Cristo, seu Redentor, conduzir a “Cidade dos homens” e prepará-la para 69 o restabelecimento determinante da “Cidade de Deus”, que aconteceria com a segunda vinda de Cristo e o Juízo Final (BOBBIO, 1997). Renunciando a ideia aristotélica da sociabilidade natural humana, que implanta a existência do Estado na ordem natural (ideia que será aceita posteriormente por São Tomás de Aquino), Santo Agostinho não vê lógica na discussão sobre as maneiras de governo justas e injustas, visto que ambas estariam caracterizadas pela sombra da corrupção humana. Essa análise conduz à imperiosa valorização de outra instituição, a Igreja, esboço terrestre da “Cidade de Deus”, responsável pela mediação entre lei eterna e lei temporal, entretanto, para isso, precisando adotar também um caráter político. Em perfeita harmonia com o começo do “filosofar na fé”, onde a filosofia ajuda o homem a entender o seu Criador (condição sine qua non para a felicidade individual), a filosofia política de Santo Agostinho confere à Igreja um papel indispensável na busca da felicidade para a humanidade, já que este final demanda o reparo do mundo decaído através da adequação das leis humanas às leis divinas, o que acarreta no reconhecimento da autoridade da Igreja. O apelo às leis divinas e à superioridade do poder de Deus sobre todos os outros poderes humanos atribui um caráter crítico ao pensamento político de Santo Agostinho, visto que fornece critérios para o julgamento dos chefes seculares e das leis positivas. Estas são injustas e não possuem valor algum se contrariam a ordem natural estabelecida por Deus. Esse costume pode até tomar caráter contestador, uma vez que dela decorre a necessidade de opor-se à autoridade política quando esta é medida por importâncias simplesmente humanas e não está a cargo da vontade divina. 10.2 São Tomás de Aquino Santo Agostinho, a partir da premissa da subordinação da razão à revelação e do poder secular ao poder divino, pôs os alicerces para uma reflexão política cristã, que foi adolescida ao decorrer da Idade Média, alcançando a sua configuração mais completa em São Tomás de Aquino, já no século XIII. Contudo, enquanto Santo Agostinho forma um pensamento cristão através de uma aproximação entre cristianismo e platonismo, São Tomás de Aquino, aproveitando-se de uma relação maior com o pensamento de 70 Aristóteles, descobre no corpus aristotelicum embasamentos mais seguros para uma filosofia e uma política cristãs. Fazendo uma análise cristã da metafísica aristotélica, São Tomás pondera Deus o motor primário. Mas este não é apenas aquele que coloca os seres em movimento, mas, sendo o Ser em si próprio, é o Criador de todas as outras criaturas, que incidem em níveis inferiores do Ser, somente podendo ser denominados de seres por participação no Ser divino. Ainda seguindo Aristóteles, que acredita que todo ser existe buscando um bem que lhe é próprio, São Tomás assegura que o Ser Supremo, além de Criador, também é o Legislador de todo o cosmos feito por ele, cujo ele governa de acordo com sua lei eterna. Esta confere a cada ser deste mundo um intuito, que é o seu bem (MARCONDES, 2000). O embasamento aristotélico da reflexão de São Tomás de Aquino é responsável por uma enorme diferença entre a sua filosofia política e a de Santo Agostinho. Estado e poder político, não são idealizados como obras aleatórias, mas sim cunhadas pelos homens de acordo com as necessidades de sua própria corrupção, são avaliados por São Tomás como abrangidos no plano perfeito de Deus. São realidades que provêm da agência criadora de Deus, como todo ser provém do Ser em si e, como este é fundamentalmente bom e perfeito, tudo criado ganha sentido uma vez que se considera a nobreza de toda a ordem da criação (“E Deus viu que tudo era bom”, Gênesis 1, 31). São Tomás de Aquino concorda com a premissa aristotélica da sociabilidade natural humana, tida como a força responsável pela constituição das cidades terrestres. Dessa forma, a necessidade do poder político ganha nova interpretação, porque ela não é um indicativo do pecado humano, e sim uma necessidade natural de que a satisfação depende da própria consumação do homem. A cidade, como toda maneira de associação, apenas existe, pois, almeja um bem. Este bem não é meramente a autopreservação, mas sim a felicidade comum, que engloba e ultrapassa as importâncias privadas. Deus inventou os homens para existirem em sociedade, porque somente a vida em sociedade é uma vida completa ou feliz, merecedora da categoria do homem na escala das criaturas. Assim, é preciso ter um governo terrestre, que adeque a multidão, levando-a a obter o bem grupal (MARCONDES, 2000). O cargo da autoridade política é coordenar a sociedade humana afim de que ela alcance a sua perfeição, ou seja, cause o bem predito pelo escopo divino. Quanto à 71 configuração que essa autoridade deve tomar, São Tomás indica a monarquia. Primeiramente, ela possui alicerces nas Escrituras, que exibem os reis do povo hebreu como indicados por Deus. Ainda, possui como molde o governo que o próprio Deus desempenha sobre todo o universo. O Ser Criador é também Legislador e Juiz, e submete tudo a uma unidade de comando. Devido isso, o poder para concretizar as tarefas necessárias à organização e ao funcionamento adequado da coletividade humana (legislar, julgar, administrar) deve encontrar-se centralizado nas mãos de um rei. Outra vez em acordo com Aristóteles, São Tomás de Aquino define a diferença entre um rei e um tirano, que não busca o bem do povo, e sim o seu próprio interesse, bem como não constitui leis justas e faz uso da violência para infligir sua vontade. Precisa-se resistir a este caráter autoritário, visto que ele distorce a sociedade humana de sua própria razão de ser(BOBBIO, 1997). Porém, derrubar um tirano é uma obrigação de todo o povo, e não de um único ser e, se realizada por ação de um ou poucos indivíduos, pode provocar a separação do povo e levá-lo a outro tipo de mal, que é a completa desintegração da sociedade, isto é, a anarquia. São Tomás de Aquino oferece os critérios de acordo com os quais as leis humanas (regras estabelecidas pela autoridade política) podem ser avaliadas justas. Primeiramente, elas têm de estar em concordata com a lei natural (manifestação da lei eterna de Deus no mundo), esta, que por sua vez, ganha o formato de princípios positivos nas Sagradas Escrituras e nas regras postas pela Igreja (a lei divina revelada). A autoridade secular, assim sendo, não deve desempenhar poder fora do domínio da autoridade divina, tida na terra pela Igreja na imagem de seu chefe, o Papa. O poder real não é ainda tido como imperante, já que se submete ao poder de Deus. O cumprimento dessas exigências é requisito para que as leis humanas alcancem sua finalidade, que é o bem da sociedade, determinado, em termos aristotélicos, como um tipo de meio-termo ou equilíbrio na repartição da riqueza material e nas relações constituídas entre os indivíduos. Dessa maneira, observa-se no pensamento político de São Tomás, o recurso a considerações da filosofia pagã, entretanto sem nunca abalar o valor incondicional atribuído à Palavra de Deus, de acordo com a qual Cristo, Deus feito homem, teria acreditado a Pedro o exercício de sua soberana autoridade. 72 10.3 Guilherme de Ockham A ideia de Guilherme de Ockham (século XIV), fundamentada numa teoria do conhecimento empirista e nominalista e numa rígida separação entre fé e razão, demonstrada, no plano político, o declínio da concepção teocrática do poder, que guiara toda a reflexão política medieval. Crítico ferrenho do caráter exorbitantemente secular que, a seu ver, a instituição religiosa teria obtido, Ockham é um dos precursores na defesa da autonomia do poder político quando se trata do poder espiritual, assentando os alicerces para o pensamento político moderno e sua exigência de um Estado laico. Ockham descarta totalmente a tese de que o Papa, como sucessor de Pedro, teria ganhado de Cristo a totalidade de poderes, assegurando que esse tipo de poder que subjuga a tudo, tanto na ordem espiritual quanto na temporal, é adversa ao espírito do Evangelho, pois estabelece uma verdadeira escravidão. O ministério capital do sacerdócio é servir, e o Papa, enquanto Sumo Pontífice, é o primeiro servo de Cristo. Seu posto não é dominar os homens e os reis, e sim cuidar para que a Igreja permaneça fiel aos ensinamentos de Cristo, estes que possuem como fundamento o Amor que liberta. De acordo com Ockham, a estrutura monocrática da Igreja, que confere a somente um indivíduo o poder de constituir as regras de toda a comunidade cristã, não possui sentido, visto que abdica a presença do Espírito Santo em todos os fiéis e, dessa maneira, contesta o relato bíblico do Pentecostes e o sacramento do Batismo. A apreensão exagerada com o poder e a riqueza estaria fazendo com que a Igreja se tornasse uma instituição meramente mundana, lhe afastando de sua verdadeira vocação (MARCONDES, 2000). Se a conexão entre o Papa e seus próprios fiéis cristãos não deve ser de submissão, a do poder político com o poder eclesiástico também não. O Estado não se encontra, em uma hierarquia supostamente constituída por Deus, localizado abaixo da Igreja, porém as autoridades das duas instituições são diferentes e autônomas. A jurisdição do poder temporal compete aos reis e não ao Papa. Abdicando as doutrinas de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino, que, mesmo com as diferenças, ligam a ordem mundana a uma ordem sagrada superior, Ockham exclui do poder político qualquer caráter religioso e, dessa forma, faz um avanço importante para o nascimento 73 de um pensamento político separado da teologia. Todavia, além de interessado em proteger a autonomia do poder real perante ao poder papal, o franciscano Guilherme de Ockham almeja, com sua atitude eminentemente crítica, expressar a necessidade de uma imprescindível e intensa reforma na estrutura da Igreja de forma a fazê-la recobrar o espírito fundamentalmente cristão, do qual tinha se desviado. Para tal, seria preciso conhecer o caráter nefasto da teocracia, a falibilidade do Papa, o Amor como único mandamento a conduzir a comunidade dos fiéis e a pobreza como a forma de vida mais puramente evangélica. Os pensamentos de Ockham mostram, de maneira bem eloquente, a crise da Escolástica, ou seja, do amplo empreendimento intelectual da Idade Média pelo qual, por distintas formas de argumentação, buscou-se fazer um perfeito equilíbrio entre fé e razão. A quebra desse equilíbrio ocasionou, na área da reflexão política, o apartamento entre a ordem mundana e a espiritual, entre o poder político e o eclesiástico e entre o direito civil e o canônico, o que gerou condições para o nascimento do pensamento renascentista, com sua evidência na autonomia da razão, sua valorização do indivíduo e sua crítica aos poderes clássicos. As obras de Ockham, ainda que censuradas, influenciaram vários pensadores do século XIV categoricamente (por exemplo Jean Buridan, Nicole d’Oresme, Nicole de Autrecourt, John Wyclif e Jan Huss), que buscaram realizar a dissolução das grandes sínteses filosófico-teológicas da Escolástica (LESSA, 2003). 10.4 Marsílio de Pádua Marsílio de Pádua, posterior a Guilherme de Ockham, também se é a favor da ideia de separação entre fé e razão que simboliza o fim da Escolástica. Sua obra Defensor Pacis, de 1324, censurada pela Igreja e ele, avaliado herético, e excomungado pouco depois de sua publicação. O motivo disto está na sua teoria de que o poder temporal vem diretamente do povo, e não de Deus, o que confia ao Estado caráter fundamentalmente laico. Marsílio já não possui como fundamento o Império universal que envolve todo o mundo cristão, porém o Estado nacional, comunidade demarcada territorialmente, arquitetada com base na razão e na vontade humanas e subjugada a uma autoridade própria. Essa autoridade possui natureza excepcionalmente política, não 74 possuindo vínculos com a autoridade religiosa. Bem como a razão não pode estar a cargo da fé, o Estado não vive para a realização de uma ordem providencial, entretanto atende a intenções humanas e terrenas, a saber, a regulação da convivência social e o fornecimento da felicidade geral. Para a conseguimento de tais fins, o Estado precisa desempenhar um poder, que não possui nada a ver com o poder de Deus sobre o universo. Dessa forma, no plano social, há uma soberania, inconfundível com a autoridade do Criador sobre as demais criaturas, porém consiste em uma autoridade embasada no consentimento dos próprios homens. À soberania terrena pertence determinar os critérios de bússola da vida coletiva, sempre tendo em mente a justiça e a utilidade social e, para isso, ela deve constituir leis e utilizar ferramentas de coação para que as mesmas sejam seguidas (LESSA, 2003). Marsílio de Pádua, desvencilhando-se da visão tomista, separa a discussão sobre as leis civis das noções de lei eterna e lei natural. Precipitando em algumas centenas de anos Locke e Rousseau, Marsílio assegura que o verdadeiro legislador é o povo (ou aqueles denominados expressamente pelo povo), que tem poder para definir o que é apropriado para si próprio. As leis civis se infligem soberanamente sobre a coletividade dos cidadãos e tal imponência decorre justamente do fato de que elas são a demonstração da vontade do povo. De tal modo, podemos entender que, na teoria de Marsílio de Pádua, a soberania não é apenas política como popular. Além do mais, ela se calha com o poder da lei, o que torna esse pensador do final da Idade Média um irrefutável pioneiroda defesa do Estado de direito. A lei com a qual o governante está empenhado é mesma que é diretamente expressada pelo povo, e não um hipotético direito natural, que seria composto por leis eternas e universais, tidas pela razão e pelas Escrituras e estabelecidas pela autoridade da Igreja. Marsílio, mais incisivo que Ockham, inverte a ordem instituída pela teologia política medieval: na vida terrena, é a Igreja que deve se subjugar ao Estado, visto a Igreja não é uma instituição política, e sim meramente o nome que se dá ao coletivo dos cristãos. O seu chefe não possui poder superior do que o chefe da comunidade dos cidadãos possui, contudo ele também está sujeito às leis civis, como qualquer outro cidadão. Por fim, a plenitudo potestatis é identificada como Estado. 75 Devido a Marsílio, os conceitos de soberania e de Estado passaram por reformulações. Isso reflete a luta pela comprovação da autonomia da sociedade política contra as intervenções da Igreja e de sua filosofia política. Dessa forma, são expressões do intenso procedimento de secularização que simboliza o fim do pensamento medieval e o nascer do pensamento moderno. 76 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALESSI, G. Bancada da bala, boi e Bíblia impõe ano de retrocesso para mulheres e indígenas. El País: o jornal global, 2017. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/01/politica/1512148795_433241.html. Acesso em: 25 jul. 2020. AMES, J. L. Uso político da religião e uso religioso da política: uma análise a partir de duas interpretações exemplares – Marsílio e Maquiavel. Clareira, Porto Velho, v. 1, n. 2, p. 220-239, 2014 ARISTÓTELES. Poética. Tradução de Eudoro de Souza. 3. ed. São Paulo: Ars Poetica, 1993. AZAMBUJA, D. Introdução à ciência política. Rio de Janeiro: Globo Livros, 1973. BERGER, P. L. O dossel sagrado: elementos para uma sociologia da religião. São Paulo: Paulus, 1985. BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo. Brasília: Editora da UnB, 1997. BONAVIDES, P. Ciência política. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. BONAVIDES, P. Ciência política. São Paulo: Malheiros, 2000. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, [2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 8 jul. 2020. CÂMARA, S.(coord.). Frente parlamentar evangélica no Congresso Nacional. Câmara dos Deputados (Brasil). 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/deputado/ frenteDetalhe.asp?id=54010. Acesso em: 25 jul. 2020. CARNEIRO, A. Platão: a ética do Belo e do Bom. In: Netmundi: filosofia na rede. 2017. CAVALCANTI, R. P. How Brazil’s far right became a dominant political force. The Conversation: academic rigor, journalistc flair, 2017. Disponível em: https://theconversation.com/ how-brazils-far-right-became-a-dominant-political-force- 71495. Acesso em: 25 jul. 2020. CHÂTELET, François; DUHAMEL, Olivier; PISIER-KOUCHNER, Évelyne. História das Idéias Políticas. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. 77 CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000. CHAUÍ, M. Iniciação a filosofia: ensino médio. 2. ed. São Paulo: Ática, 2013. CHEVALLIER, J. O Estado pós-moderno. Belo Horizonte: Fórum, 2009. COELHO, R. S.; JORGE, M. A. C. O fundamentalismo religioso e suas vicissitudes éticas e políticas. Trivium: Estudos Interdisciplinares, v.10, n. 1, p. 11-23, 2018. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/trivium/v10n1/v10n1a03.pdf. Acesso em: 6 jul. 2020. CORSINI NETO, I; BERBICZ, R. B. A laicidade do Estado e a liberdade religiosa frente aos paradigmas modernos. Revista Jurídica Uniandrade, v. 22, n. 1, p. 561-639, 2015. Disponível em: https://www.uniandrade.br/revistauniandrade/index.php/juridica/article/ view/226/159. Acesso em: 6 jul. 2020. COSTA, M. B. A concepção platônica da alma. 2008. COSTA, M. C. C. Religião e política: o pentecostalismo, o Sínodo para a Amazônia e a política ambiental no Brasil. Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá, ano XIII, n. 37, p. 87-111, 2020. CRESPI, F. A experiência religiosa na pós-modernidade. Bauru: Edusc, 1999. DALLARI, D. de A. Elementos de teoria geral do Estado. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. DAMÉ, L. Em crescimento, bancada evangélica terá 91 parlamentares no Congresso. AgênciaBrasil, 2018. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-10/em-crescimento-bancada- evangelica-tera-91-parlamentares-no-congresso. Acesso em: 25 jul. 2020. DANTAS, B. S. A. Religião e política: ideologia e ação da “Bancada Evangélica” na Câmara Federal. 2011. Tese (Doutorado em Psicologia Social) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011. DEBORD, G. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. DIAS, R. Ciência política. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013. DOBERSTEIN, A. W. O Egito antigo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2010. Disponível em: https:// verum.pucrs.br/exlibris/aleph/a23_1/apache_media/XJL35GY53QX7N8MVNRKCKDYA VLFNSE.pdf. Acesso em: 25 jul. 2020. DUCLÓS, M. Metafísica de Aristóteles: o ser se diz de vários modos. 2001. 78 ELIADE, M.; COULIANO, J. P.; WIESNER, H. S. Dicionário das religiões. Lisboa: Dom Quixote, 1993. FUKUYAMA, F. As origens da ordem política: dos tempos pré-humanos até a Revolução Francesa. 1. ed. Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2013. G1. Brasil. Número de evangélicos aumenta 61% em 10 anos, aponta IBGE. Globo. com, 2012. Disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/numero-de- - evangelicos-aumenta-61-em-10-anos-aponta-ibge.html. Acesso em: 25 jul. 2020. G1. Mundo. Entenda o que é um califado. Globo.com, 2014. Disponível em: http:// g1.globo.com/mundo/noticia/2014/06/entenda-o-que-e-um-califado.html. Acesso em: 25 jul. 2020. G1. Revolta árabe. Entenda a sharia, lei islâmica que vai ser adotada na Líbia pós- Kadhafi. Globo.com, 2011. Disponível em: http://g1.globo.com/revolta- arabe/noticia/2011/10/ entenda-sharia-lei-islamica-que-vai-ser-adotada-na-libia-pos- kadhafi.html. Acesso em: 25 jul. 2020. GIUMBELLI, E. Religião, Estado, modernidade: notas a propósito de fatos provisórios. Estudos Avançados, v.18, n. 52, 2004. Disponível em https://www.scielo.br/pdf/ea/ v18n52/a05v1852.pdf. Acesso em: 6 jul. 2020. H. ARENDT, Algumas Questões de Filosofia Moral. IN: Responsabilidade e Julgamento. Companhia das Letras, S. Paulo, 2004. HOBUSS, J. F. N. Introdução à história da filosofia antiga. Pelotas: NEPFIL, 2014. HOFBAUER, A. Racismo na Índia?: cor, raça e casta em contexto. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 16, p. 153-191, 2015. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbcpol/ n16/0103-3352-rbcpol-16-00153.pdf. Acesso em: 6 jul. 2020. IBGE. Atlas do censo demográfico 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2013. Disponível em: https:// censo2010.ibge.gov.br/apps/atlas/. Acesso em: 25 jul. 2020. JMNOTÍCIAS. Assembleia de Deus e IURD detêm metade dos deputados federais da bancada evangélica. JMNOTÍCIAS: você bem informado, 2018. Disponível em: https:// www.jmnoticia.com.br/2018/11/19/assembleia-de-deus-e-iurd-detem-metade- dos- -deputados-federais-da-bancada-evangelica-2/. Acesso em: 25 jul. 2020. LESSA, Renato. “Por que rir da filosofia política, ou a ciência política como “téchne””. In: Agonia, aposta e ceticismo: Ensaios de Filosofia Política. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2003. 79 LEWIS, B. O Oriente Médio: do advento do cristianismo aos dias de hoje. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. LIBANIO, J. B. O paradoxo do fenômeno religioso no início do milênio. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 34, n. 92, p. 63-88, 2002. LIONÇO, T. Psicologia, democracia e laicidade em tempos de fundamentalismo religioso no Brasil. Psicologia:Ciência e Profissão, v.37, p. 208-223, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pcp/v37nspe/1414-9893-pcp-37-spe1-0208.pdf. Acesso em: 6 jul. 2020. LIPOVETSKY, G.; SERROY, J. A cultura-mundo: resposta a uma sociedade desorientada. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. MACIEL, M. da C. A contribuição do pensamento antigo e medieval para o desenvolvimento da ciência política. Curso de Direito da UCAM, Niterói – RJ, 2011. MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. MARINI, L.; CARVALHO, A. L. Renovada, bancada evangélica chega com mais força no próximo Congresso. congressoemfoco: respeitamos as diferenças, 2018. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/renovada-bancada-evangelica- chega- -com-mais-forca-no-proximo-congresso/. Acesso em: 25 jul. 2020. MONDOLFO, R. Sócrates. São Paulo: Metre Jou, 1972. MORAIS, J. L. B. de; STRECK, L. L. Ciência política e teoria do Estado. 7. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. MOREIRA, A. (coord.). Frente Parlamentar da Agropecuária – FPA. Câmara dos Deputados (Brasil), 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=53910. Acesso em: 25 jul. 2020. PESSOA, S. L. O espetáculo religioso como nova forma de rito: diversão e fé nos shows do Padre Fábio de Melo. In: CONGRESSO NORDESTINO DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO E TEOLOGIA, 3., Recife, 2016. Anais eletrônicos... Recife: Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), 2016. Disponível em: http://www.unicap.br/ocs/index.php/cncrt/cncrt/ paper/download/323/106. Acesso em: 12 jul. 2020. PIAZZA, W. O. Religiões da humanidade. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2005. PLATÃO. A república (ou: sobre a Justiça. Gênero Político). Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: UFPA, 2000. 80 RAMOS, L. C. A sociedade do espetáculo e o discurso religioso. Caminhando, São Paulo, v. 13, n. 2, p. 140-154, 2008. RANQUETAT JÚNIOR, C. A. Laicidade, laicismo e secularização: definindo e esclarecendo conceitos. Revista Sociais e Humanas, v. 21, n. 1, 2008. Disponível em https://periodicos. ufsm.br/sociaisehumanas/article/view/773/532. Acesso em: 6 jul. 2020. REALE, G.; ANTISERI, D. História da filosofia: antiguidade e idade média. São Paulo: Paulus, 1990. REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da Filosofia (Volume I: Antigüidade e Idade Média). São Paulo: Paulus, 2005. RUBY, Christian. Introdução à Filosofia Política. São Paulo: Editora da Unesp, 1998. SALOMÃO NETO, F. H. A bancada evangélica e a influência da religião no legislativo brasileiro. In Totum: Periódico de Cadernos de Resumos e Anais da Faculdade Unida de Vitória, v. 4, n. 2, p. 66-69, 2017. Disponível em: http://revista.faculdadeunida.com. br/index.php/intotum/article/view/1724. Acesso em: 6 jul. 2020. SANTOS, M. E. B. C. A relação entre ato e potência na Metafísica de Aristóteles. Revista Humus, v. 3, n. 7, 2013. SOARES NETO, R. N. A. Revolução informacional, novas tecnologias e consumo imediatista. Cadernos de Campo, Araraquara, n. 16, p. 111-124, 2012. SOARES, A.; CÂNDIDO, D. Igrejas eletrônicas, os neopentecostais e a pregação da fé nos tempos do espetáculo religioso. Ciências Humanas e Sociais, Maceió, v. 2, n. 3, p. 145-155, 2015. SOUZA NETO, F. B. de. Platão e o pensamento grego. Revista Transformação, v. 5, 1982. TATEMOTO, R. Bancada BBB se reconfigura e pode ampliar influência nos próximos quatro anos. Brasil de Fato: uma visão popular do Brasil e do Mundo, 2019. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2019/02/12/bancada-bbb-se-reconfigura- e-pode- -ampliar-influencia-nos-proximos-quatro-anos/. Acesso em: 25 jul. 2020. TAVARES, A. Bancada evangélica: Assembléia de Deus e Universal detém metade dos deputados federais. Altair Tavares, 2018. Disponível em: https://altairtavares.com.br/ bancada-evangelica-assembleia-de-deus-e-universal- detem-metade-dos-deputados- -federais/. Acesso em: 25 jul. 2020. TOFFLER, A. A terceira onda: a morte do industrialismo e o nascimento de uma nova civilização. Rio de Janeiro: Record, 2005. TOMAZI, R. A. Lógica: a arte de pensar. 2013. 81 TRABULSI, J. A. D. Religião e política na Grécia: das origens até a polis aristocrática. Revista Clássica, v. 5, 1992. TRUTIS, L. (coord.). Frente Parlamentar Armamentista – FPAR. Câmara dos Deputados (Brasil), 2019. Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=54004. Acesso em: 25 jul. 2020. VELIQ, F. Charles Taylor e Mikhail Epstein: propostas para pensar a religião na hipermodernidade. Caminhos, Goiânia, v. 15, n. 1, p. 70-79, 2017. VERNANT, P. As origens do pensamento grego. Rio de Janeiro: Difel, 2002.