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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CIÊNCIA POLÍTICA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GUARULHOS – SP 
 
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SUMÁRIO 
1 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 4 
2 O QUE É CIÊNCIA POLÍTICA? ..................................................................................... 5 
2.1 Ciência política e teoria geral do Estado .................................................................... 7 
2.2 Conceitos fundamentais ............................................................................................. 9 
2.2.1 Ciência política ........................................................................................................ 9 
2.2.2 Teoria geral do Estado .......................................................................................... 10 
2.2.3 Diferenças e semelhanças .................................................................................... 11 
2.3 Importância ada Disciplina ....................................................................................... 11 
3 ORIGEM DO PENSAMENTO POLÍTICO NA ANTIGUIDADE .................................... 12 
3.1 Sócrates (470 – 399 a.C.) ........................................................................................ 14 
4 PLATÃO (427 – 347 a.C.) ........................................................................................... 17 
5 ARISTÓTELES (384 – 322 a.C.) ................................................................................. 22 
6 A INFLUÊNCIA DE PLATÃO E ARISTÓTELES NO CONHECIMENTO CIENTÍFICO 
ATUAL.......... .................................................................................................................. 28 
6.1 O pensamento de Platão e Aristóteles ..................................................................... 31 
6.2 Áreas do conhecimento iniciadas por Platão e Aristóteles ....................................... 32 
7 ÉTICA, MORAL E POLÍTICA ...................................................................................... 34 
8 RELIGIÃO E POLÍTICA NA HISTÓRIA ....................................................................... 44 
8.1 Os Estados teológicos ao longo da história.............................................................. 44 
8.2 Movimentos religiosos da atualidade e sua relação com o Estado .......................... 49 
8.3 A bancada evangélica e a sua relação com o Estado laico...................................... 53 
9 RELIGIÃO NA PÓS-MODERNIDADE ......................................................................... 58 
9.1 Importância da religião em tempos de ceticismo e imediatismo ............................... 58 
 
3 
 
 
9.2 Sistemas políticos e religião: manipulação e politização .......................................... 61 
9.3 Consumo de bens simbólicos e pregação da fé nos tempos do espetáculo 
religioso............... ........................................................................................................... 63 
10 A CONTRIBUIÇÃO DO PENSAMENTO MEDIEVAL PARA O DESENVOLVIMENTO 
DA CIÊNCIA POLÍTICA ................................................................................................. 65 
10.1 Santo Agostinho ..................................................................................................... 68 
10.2 São Tomás de Aquino ............................................................................................ 69 
10.3 Guilherme de Ockham............................................................................................ 72 
10.4 Marsílio de Pádua .................................................................................................. 73 
11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 76 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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1 INTRODUÇÃO 
Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material é 
semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase 
improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer 
uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é 
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a 
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas 
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo 
hábil. 
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa 
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das 
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que 
lhe convier para isso. 
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida 
e prazos definidos para as atividades. 
 
Bons estudos! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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2 O QUE É CIÊNCIA POLÍTICA? 
Com muita frequência, usamos a palavra política para designar principalmente a 
atuação dos gestores públicos ou qualquer situação que cruze os conceitos de Estado, 
de gestão pública e as relações de poder neles envolvidos. Mas como os pesquisadores 
definem a política? Concordam com essa definição do senso comum? E onde nasceu 
esse termo? A política tem suas origens na Grécia Antiga, a partir do surgimento e 
crescimento da Pólis (cidade-estado) — como Atenas e Esparta — e da necessidade de 
administrar as divergências que surgiam nesse espaço. Tratava-se do estudo das 
práticas na Pólis e da conduta dos indivíduos nela inseridos. Na dinâmica da Pólis, abria-
se espaço para o confronto de ideias e para a construção de normas que 
proporcionassem a boa convivência. O posicionamento e as decisões geradas nesse 
debate público chegavam a se mostrar, por vezes, superiores às leis vigentes 
(BONAVIDES, 2000). 
Na visão de Aristóteles, filósofo grego, a política se apresentava como algo 
inerente ao indivíduo, sendo impossível de ser dissociada da participação popular e do 
diálogo entre opiniões divergentes. Para ele, o ser humano seria um animal político que 
não nasce para viver sozinho, mas, sim, para viver na companhia de outros. Nasce, 
assim, a concepção de política relacionada à vida na coletividade e à organização que 
emerge dessas relações. Essa relação vigora até hoje (BONAVIDES, 2000). 
O marxismo e o liberalismo são duas correntes teóricas relevantes e reconhecidas 
no mundo todo que também focam no estudo da política, mas por um viés mais 
contemporâneo. Ambas as teorias carregam traços semelhantes e distintos, mas focam 
na reestruturação da política e na busca por formas mais justas e livres de vida em 
sociedade. A corrente marxista nasce a partir de uma crítica à sociedade burguesa e 
capitalista vigente no século XIX e possui como base os pensamentos dos filósofos Karl 
Marx e Friedrich Engels. Esses pensadores focam suas análises especialmente nas 
questões que emergem dos conflitos de classe e da organização da produção. O 
marxismo divide a sociedade entre aqueles que possuem e não possuem os meios de 
produção (tudo aquilo necessário para produção como maquinário, ferramentas) e 
 
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defende uma reestruturação radical da ordem socioeconômica e do sistema socialista 
(FUKUYAMA, 2013). 
Já o liberalismo nasce sustentado pelos princípios dos filósofos ingleses e 
franceses (séculos XVII e XVIII) em oposição ao poder absoluto das monarquias vigentes 
na época, na Europa. Sua defesa é pela propriedade privada, pelos direitos individuais e 
pela liberdade política e econômica. Sua origem remonta ao século XVII, a partir da obra 
de John Locke, segundo Fukuyama (2013). Ambas as correntes — liberalismo e 
marxismo —, até hoje, mantêm-se vivas, orientando as ações dos grupos políticos atuais.Entre as finalidades da política e procurando definir melhor o termo, Azambuja 
(1973, p. 8) diz que “[...] consiste em organizar a sociedade de tal modo que nela seja 
possível a cada cidadão viver uma vida virtuosa e feliz, e não apenas materialmente 
confortável”. Ou seja, a política teria como essência a busca e a manutenção do bem 
comum. Complementando a definição, Azambuja (1973, p. 20) afirma, ainda, que “[...] a 
política é a convivência pública dos cidadãos entre si”. A política não pode ser encarada 
de modo isolado da concepção de poder — expressa na vida política propriamente dita 
na figura dos governantes, por exemplo, mas também na vida cotidiana e nas 
manifestações da sociedade. Esse segundo olhar, embora mais distante daquilo que 
comumente chamamos de política, é extremamente relevante para a compreensão da 
dinâmica e da totalidade da vida em sociedade. Na verdade, a política pode expressar-
se em diversas esferas da vida quando associadas à concepção de poder. Partindo, 
assim, da premissa de que o conceito de política envolve poder, os estudiosos do tema 
se dedicaram a definir a ciência política como o campo que estuda a formação, a divisão 
e o fenômeno de poder. Podemos dizer que o campo da ciência política representa o 
estudo dos sistemas e processos políticos envolvendo a manutenção da segurança, da 
justiça e dos direitos civis e das relações de poder aí envolvidas. Busca entender o 
funcionamento dos sistemas políticos utilizando, para tanto, o método científico. 
O campo de estudo da ciência política é muito vasto e se relaciona diretamente 
com os demais campos do saber, em especial com a sociologia, a antropologia, a 
comunicação e a filosofia. Não nos referimos a uma relação competitiva entre as 
disciplinas, mas, sim, complementar, em que as partes se unem para dar conta da 
complexidade da ciência política. Para Bonavides (2000, p. 38), “[...] a ciência política tem 
 
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por objeto o estudo dos acontecimentos, das instituições, das ideias políticas, tanto em 
sentido teórico (doutrina) como em sentido prático (arte), referido ao passado, ao 
presente e às possibilidades futuras”. O termo ciência política, no entanto, somente foi 
cunhado em 1880. A ciência política reflete sobre o poder e a tomada de decisão nas 
diversas esferas da vida em sociedade e nas instituições. É o campo do saber que analisa 
o Estado, os regimes políticos, a hegemonia, e é a partir dessa reflexão sobre o presente 
que projeções para o futuro são feitas e as políticas, planejadas. Os cientistas políticos 
focam sua atuação no estudo de instituições e organizações como sindicatos, igrejas, 
empresas e, frequentemente, suas reflexões servem de orientação e consulta para outros 
profissionais, como jornalistas, gestores políticos. 
A ciência política foca especificamente na questão do poder político, entendendo 
o seu detentor como aquela figura que possui, em última instância, o direito ao uso da 
força física sobre certo território — mais especificamente, o Estado. Logo, nesse sentido, 
a ciência política trata da teoria e das práticas do Estado. 
2.1 Ciência política e teoria geral do Estado 
Não é nova a ideia segundo a qual o homem somente pode ser compreendido a 
partir da sua inserção na vida em sociedade. De fato, o ser humano é agregador e 
depende, pela sua própria essência, da aproximação com o outro. Conforme Aristóteles, 
o homem é um ser político. Em paralelo, a condição humana também traz uma constante 
autorreflexão: o homem busca conhecimento e aprofundamento das estruturas que lhe 
são apresentadas. É nessa linha de raciocínio que se verifica a presença, desde priscas 
eras, de um pensamento científico. A ciência surge justamente como um fenômeno de 
análise das relações de causa e efeito, na tentativa de sistematizar e organizar o 
conhecimento adquirido. Com a vida em sociedade, não é diferente. O estudo da 
organização política e dos comportamentos políticos da sociedade é destinado à ciência 
política enquanto disciplina do saber. Já o estudo do Estado, enquanto organização 
jurídica da sociedade, é destinado à teoria geral do Estado (DALLARI, 2013). 
Sob a perspectiva da ciência política, relevantes aspectos da vida em sociedade 
são objeto de reflexão e compreendem as definições básicas das instituições sociais e o 
 
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seu próprio funcionamento. Não é por outra razão que o estudo da ciência política envolve 
temas delicados, como poder político, direitos políticos, democracia, legitimidade do 
poder, Estado e governo (MORAIS; STRECK, 2010). Sob o enfoque da teoria geral do 
Estado, tantos outros importantes temas são pontos de questionamento e abrangem não 
apenas a definição de Estado, mas também as suas origens, os seus fundamentos e as 
suas finalidades. Por essa razão, o estudo da teoria geral do Estado não desconsidera 
algumas categorias essenciais, como as formas de Estado, as formas de governo, os 
sistemas de governo e as funções do Estado. 
Além disso, consideramos a possibilidade de diferentes enfoques para o estudo. 
Surgem, assim, as perspectivas filosófica, sociológica e jurídica. Sob o prisma filosófico, 
buscamos os fundamentos do Estado e da sociedade, isto é, a sua justificativa teórica. 
Sob o prisma sociológico, identificamos os fatos concretos que revelam a prática social 
na indissociável relação existente entre o Estado e as condicionantes sociais existentes. 
Por fim, na perspectiva jurídica, pretendemos evidenciar a organização e personificação 
do Estado por meio do corpo normativo que o compõe (DALLARI, 2013). No ápice dessa 
última formulação, devemos citar Hans Kelsen, para quem o Estado se situa no plano do 
dever–ser (sollen) (DALLARI, 2013). 
A esse respeito, confira a posição de Max Weber (apud BONAVIDES, 2009, p. 42): 
Com efeito, na sociologia política de Max Weber, abre-se o capítulo de fecundos 
estudos pertinentes à política científica, à racionalização do poder, à legitimação 
das bases sociais em que o poder repousa, inquire-se ali da influência e da 
natureza do aparelho burocrático; investiga-se o regime político, a essência dos 
partidos, sua organização, sua técnica de combate e proselitismo, sua liderança, 
seus programas; interrogam-se as formas legítimas de autoridade, como 
autoridade legal, tradicional e carismática; indaga-se da administração pública, 
como nela influem os atos legislativos, ou com a força dos parlamentos, sob a 
égide de grupos socioeconômicos poderosíssimos, empresta à democracia 
algumas de suas peculiaridades mais flagrantes. 
O aspecto temporal também influencia sobremaneira o estudo da disciplina. 
Assim, algumas categorias conceituadas de determinada forma hoje poderão não mais 
ter a mesma definição amanhã. Essa, aliás, é considerada uma das grandes dificuldades 
do pensamento científico. Confira, a propósito, o pensamento de Paulo Bonavides (2009, 
p. 39): 
 
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Mas se o oxigênio, enxofre e o hidrogênio “se comportam da mesma maneira na 
Europa, na Austrália ou em Sírius”, se qualquer mudança na composição do 
elemento químico encontra no cientista condições fáceis e seguras de exame e 
esclarecimento, o mesmo não se dá com o fenômeno social e político. Fica este 
sujeito a imperceptíveis variações, de um para outro país, até mesmo na prática 
do mesmo regime; ou de um a outro século, de uma a outra geração. 
Por tais razões, compreender a ciência política e a teoria geral do Estado na 
atualidade é também considerar os movimentos atuais de crítica e reorganização da 
estrutural estatal, notadamente em razão da reavaliação da posição do Estado frente à 
sociedade e da dinâmica da globalização (CHEVALLIER, 2009). Não se pode 
desconsiderar, também, a chamada crise do Estado contemporâneo, que coloca em 
cheque a definição tradicional e o papel do ente estatal. Basta considerar, como exemplo 
dessa crise, a questão do espaço geográfico do Estado: 
As fronteiras, físicase simbólicas, que delimitavam a esfera de influência, o 
espaço de dominação do Estado, tornaram-se porosas: os Estados são 
atravessados por fluxos de todas as ordens, que eles são incapazes de controlar, 
de canalizar e, se necessário, conter; já não tendo controle sob as variantes 
essenciais que comandam o desenvolvimento econômico e social, a sua 
capacidade de regulação tornou-se, concomitantemente, aleatória 
(CHEVALLIER, 2009, p. 32). 
2.2 Conceitos fundamentais 
2.2.1 Ciência política 
A política, enquanto prática humana relacionada com a noção de poder, é objeto 
de debate e reflexão desde o passado longínquo. Dessa forma, muitas obras clássicas 
são referência até hoje, com relevância para Platão, Aristóteles, Nicolau Maquiavel, 
Thomas Hobbes, John Locke, Alexis de Tocqueville, Rousseau, Karl Marx, George 
Burdeau, entre tantos outros. A palavra remonta à noção grega de Pólis. Sobre o conceito 
de ciência política, Dalmo Dallari (2013, p. 17) destaca que ela “faz o estudo da 
organização política e dos comportamentos políticos, tratando dessa temática à luz da 
Teoria Política, sem levar em conta os elementos jurídicos”. Essa definição considera que 
o elemento central do estudo é a política e, por essa razão, deságua na noção de poder. 
Com efeito, a ciência política é centrada no estudo do poder e, portanto, da autoridade 
 
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(DUVERGER apud DIAS, 2013, p. 9). Em síntese, o objeto da ciência política é o poder. 
Para melhor estudar o seu objeto, é possível identificar quatro campos de atuação da 
ciência política (DIAS, 2013): 
 
• as instituições em que atuam os sujeitos, como o Estado e o governo; 
• os recursos utilizados, como a influência e a autoridade; 
• os meios para a formulação de decisões políticas (decision-making); 
• as funções desempenhadas, como a solução consensual de conflitos e a 
imposição de decisões pelos atores dotadas de autoridade. 
2.2.2 Teoria geral do Estado 
O Estado, enquanto organização política da sociedade (em determinada base 
territorial e qualificada pelo poder político), também é objeto de intenso debate. Aliás, 
apesar dessa definição inicial, o conceito de Estado é polêmico e multifacetado, sempre 
dependente da perspectiva de exame (DALLARI, 2013). Sob o enfoque jurídico, 
seguramente haverá definição diferente da perspectiva meramente sociológica de 
Estado. A teoria geral do Estado se dedica “ao estudo do Estado sob todos os aspectos, 
incluindo a origem, a organização, o funcionamento e as finalidades, compreendendo-se 
no seu âmbito tudo o que se considere existindo no Estado e influindo sobre ele” 
(DALLARI, 2013, p. 18). É evidente, com isso, que o estudo do Estado também diz 
respeito às condições de possibilidade de sua compreensão (MORAIS, 2010). Em termos 
práticos, as questões abordadas na teoria geral do Estado já eram tratadas pelos autores 
clássicos da ciência política. A sistematização, como disciplina autônoma, deveu-se 
principalmente à doutrina alemã do final do século XIX e início do século XX, 
notadamente com Georg Jellinek e a sua teoria geral do Estado (Allgemeine Staatslehre, 
1911). 
 
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2.2.3 Diferenças e semelhanças 
Apresentadas as definições de ciência política e teoria geral do Estado, 
verificamos, com clareza, que as disciplinas não se confundem. Enquanto a primeira diz 
respeito às relações de poder, a segunda diz respeito às relações com o Estado. É certo, 
por outro lado, que “não há possibilidade de desenvolver qualquer estudo ou pesquisa 
de Ciência Política sem considerar o Estado” (DALLARI, 2013, p. 17). A ciência política, 
com efeito, é disciplina mais ampla e da qual a teoria geral do Estado faz parte. Essa, 
aliás, é a concepção de Herman Heller (apud DIAS, 2013), que já apontava a dificuldade 
em diferenciar ambos os fenômenos. De todo modo, para ele, há uma dependência 
recíproca entre ambas: a teoria geral do Estado é também pressuposto da ciência 
política. 
Há, por outro, uma inevitável aproximação entre ambas. É que as duas se 
debruçam sobre a convivência humana, o Estado e a política: 
[...] não somente para saber como se constituem, nem somente no sentido de 
uma obra de arte ou de uma teoria da constituição, mas, em última instância, no 
sentido de que constituem uma ciência da ordem. Têm uma tarefa comum, pois 
têm que responder à velha questão de como nós, seres humanos, podemos 
chegar a ter uma vida racional e boa (DIAS, 2013, p. 14). 
2.3 Importância da Disciplina 
Variadas razões justificam o estudo da ciência política. Com efeito, a disciplina tem 
relevo jurídico e, na pena de Dalmo de Abreu Dallari, podem ser identificadas três razões 
para se considerar a matéria importante (DALLARI, 2013). A primeira razão é de 
consciência: quem vive em sociedade precisa saber a sua organização e o papel que 
deve cumprir, sob pena de se tornar um autômato despido de intelectualidade e sem 
vontade própria. A segunda razão é de ordem crítica. Assim, devem ser conhecidas as 
formas e os métodos pelos quais os problemas sociais serão conhecidos e as soluções 
propostas para que se “evite o erro de pretender o transplante, puro e simples, de 
fórmulas importadas, ou a aplicação simplista de ideias consagradas, sem a necessária 
adequação às exigências e possibilidades da realidade social” (DALLARI, 2013, p. 13). 
 
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A terceira razão é de ordem prática. Isso porque a ciência política e da teoria 
geral do Estado colaboram, de forma incisiva, para a elaboração da ordem jurídica. São, 
portanto, passos necessários para a compreensão do Direito de determinada sociedade. 
Essa perspectiva prática revela ainda o enfrentamento que deve existir entre as 
construções teóricas e o cotidiano daqueles inseridos em determinada comunidade 
jurídica. De fato, não há qualquer utilidade em uma reflexão sobre o papel da autoridade 
e do Estado que não considere as peculiaridades da sociedade na qual está inserida. Por 
isso, deve ser acrescentada uma última boa razão para o estudo da disciplina. A quarta 
razão proposta é reativa. De fato, compreender os institutos é, também, encontrar as 
suas qualidades e os seus defeitos, suas virtudes e seus vícios, de modo a buscar o 
aprimoramento das instituições. Assim, por exemplo, no que concerne à teoria geral do 
Estado, não basta apenas identificar a existência de propostas decorrentes do programa 
estatal, mas cumpre perquirir sobre a efetividade da sua atuação. Se o Estado brasileiro 
tem uma agenda, cumpre verificar se ela vem sendo cumprida. E, no âmbito da ciência 
política, se há um debate sobre a democracia, cumpre refletir sobre a real possibilidade 
de participação da comunidade na tomada de decisão. De igual modo, mudanças nas 
regras do jogo político podem receber uma reflexão mais tenaz em razão das posturas 
adotadas. 
3 ORIGEM DO PENSAMENTO POLÍTICO NA ANTIGUIDADE 
Entre os séculos VI e VII a.C., diversas reformas foram operadas por Drácon, 
Sólon e Clístenes, que criaram uma nova forma de governo, guiadas pela isonomia (todos 
os cidadãos têm o mesmo direito diante das leis). Entretanto, somente com Péricles, no 
século V a.C., que estas reformas atingem seu auge e a democracia se torna o regime 
de governo da Pólis. Atenas transformava-se no centro cultural da época. Nesse período, 
as cidades gregas desenvolveram seu comércio, o artesanato e a organização militar. 
Outra característica foi o desenvolvimento da democracia, que significava igualdade de 
todos os cidadãos, ou seja, dos homens adultos e livres, perante a lei, com participação 
direta no governo da Pólis (cidade-Estado da Grécia) (CHAUÍ, 2013). A Pólis, ou cidade-
Estado, foi uma organização social que veio substituir a monarquia micênica. “A principal 
 
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novidade da Pólis é que se trata de uma forma republicana e, portanto, colegiada de 
governo, e não mais uma forma monárquica” (TRABULSI, 1992, p. 140). Para Vernant 
(2002), o surgimentoda Pólis constituiu na história do pensamento grego um 
acontecimento decisivo. “O que implica o sistema da Pólis é primeiramente uma 
extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder” 
(VERNANT, 2002, p. 53). A palavra deve ser entendida não como ordem vinda do rei, 
mas, no viés da discussão, como instrumento de uso entre os cidadãos a fim de 
estabelecer a melhor forma de agir, ou de agir de forma correta. Contudo, a palavra 
defende o ponto de vista sobre determinado assunto, debate o contraditório, gera a 
discussão e a argumentação. Esse viés direcionava o fazer político e as discussões nas 
praças públicas. 
É sobre a Pólis que pensamento e palavra atuam, portanto, a característica da 
filosofia clássica é o pensamento sobre a vida na Pólis, na cidade-Estado. “Sobre ela 
[Pólis] o Pensamento incide primeiro; os primeiros Diálogos [platônicos] debatem as suas 
formas e instâncias, valores e figuras” (SOUZA NETO, 1982, p. 37). Nesse contexto 
surgem os sofistas como educadores mestres da retórica e da oratória, aspectos 
fundamentais para jovens ricos que desejam ser os governantes da Pólis. É nesse 
contexto que aparece seu principal opositor, Sócrates. Do ponto de vista da história da 
filosofia, esse período pode ser caracterizado como: 
Período antropológico ou humanista: esse período representa o esquecimento 
da preocupação e investigação acerca da origem das coisas e do Cosmos, e 
passa a preocupar-se com as questões referentes ao homem. É o período 
relativo aos Sofistas e a Sócrates (HOBUSS, 2014, p. 23). 
Chauí (2013) diz que o que resta dos filósofos sofistas são fragmentos escritos por 
seus adversários: Platão, Xenofonte, Aristóteles. Esses fragmentos dizem que os sofistas 
se destacavam pela arte da persuasão. Os sofistas ensinavam técnicas de persuasão 
aos jovens, que aprendiam a defender a posição A, depois a posição ou opinião contrária, 
não A, de modo que, numa assembleia, pudessem ter fortes argumentos a favor ou contra 
uma opinião e ganhassem a discussão (CHAUÍ, 2013, p. 43). 
Para Reale e Antiseri (1990, p. 73), “[...] os sofistas operaram uma verdadeira 
revolução espiritual, deslocando o eixo da reflexão filosófica da physis e do cosmos para 
 
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o homem e aquilo que concerne a vida do homem como membro de uma sociedade”. 
Entre os principais sofistas estão: Protágoras de Abdera, Górgias de Leontini, Hípias e 
Isócrates de Atenas. A característica dos sofistas era o pragmatismo baseado na utilidade 
e o relativismo, que se traduziam para o âmbito da moral, da política e da esfera do 
conhecimento, em que contestavam a verdade. Reale e Antiseri (1990) sugerem que a 
filosofia, criação grega, possui o objetivo de conhecer e contemplar a verdade, portanto, 
os sofistas, ao ensinar aos jovens ricos sobre a relatividade da verdade, colocavam sob 
suspeita as tradições e valores que o mundo aristocrático grego sustentava. Nesse 
contexto, a filosofia clássica não é um pensamento especulativo, e sim uma construção 
cultural do homem grego que se preocupa com questões ético-políticas, ou seja, o 
homem que pensa qual melhor forma de agir, de acordo com a razão, a fim de melhor 
estar relacionado à Pólis. Em síntese, é alguém que se preocupa em estar numa 
realidade fundamentada pelo viés da razão, do logos, que ordena o todo. 
3.1 Sócrates (470 – 399 a.C.) 
Nasceu em um bairro suburbano de Atenas no ano 470 a.C. Não provém de uma 
família aristocrata, mas de uma família pobre, sendo filho de um escultor e de uma 
parteira. Enquanto jovem grego, cumpriu com suas obrigações militares participando de 
muitas batalhas. Teve modestos recursos de sua família, mas que lhe permitiram ter 
acesso à cultura tradicional dos jovens atenienses (MONDOLFO, 1972). É o filósofo que 
se opõe aos sofistas pois, enquanto eles cobravam dos jovens ricos para ensinar a arte 
da retórica, Sócrates ensinava a seus concidadãos nas praças de forma gratuita. Para 
ele, o saber dos sofistas era aparente e visava nada além de lucro (REALE; ANTISERI, 
1990). Platão, também alertara, em sua crítica aos sofistas, sobre os perigos de uma 
relatividade moral (REALE; ANTISERI, 1990). Em seus diálogos, ele aborda os 
enfrentamentos entre Sócrates e vários filósofos sofistas. 
Sócrates, nada escreveu, as fontes que falam deste pensador grego são Platão, 
Xenofonte, Aristófanes e Aristóteles. Sócrates foi condenado à pena de morte por 
não cultuar os deuses oficiais; por introduzir novas divindades; e por ser 
considerado um corruptor da juventude, por incutir novos valores, contrários à 
tradição (HOBBUS, 2014, p. 84). 
 
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Na obra intitulada “Apologia de Sócrates”, Platão descreve o discurso que 
Sócrates proferiu em sua defesa frente aos acusadores. Nela, o pensador helênico 
sustenta que sua filosofia parte da necessidade de o indivíduo cuidar de sua alma. 
Sócrates, ao abordar um cidadão helênico nos espaços públicos, estimulava-os a 
cuidarem de si mesmos. O cuidado da alma era uma preocupação que Sócrates operava 
em sua filosofia em relação a si mesmo e provocando os cidadãos da Pólis. O cuidado 
da alma “[...] é indubitavelmente mais importante do que bens materiais ou preocupações 
com a honra ou coisas semelhantes, pois é através de um processo de melhoria da alma, 
do conhecimento, que poderemos atingir a virtude” (PLATÃO apud HOBUSS, 2014, p. 
84-85). Em um dos primeiros diálogos platônicos em que aparece a figura de Sócrates, 
denominado Alcibíades, o filósofo exorta-o a cuidar de si. Alcibíades indaga o que deveria 
fazer para ser governador da cidade e, como resposta, Sócrates diz que deveria cuidar 
de si, o que significa cuidar da alma. “É por tal razão que a alma, se quiser conhecer a si 
mesma, deve observar uma alma, especialmente onde pode ser encontrada a excelência 
da mesma, o saber” (ALCIBÍADES apud HOBUSS, 2014, p. 85). 
Logo, a questão do conhecimento de si, inscrita no pórtico do templo de Delfos, 
“Conhece-te a ti mesmo”, é tão cara a Sócrates que ele recebe esta missão dos deuses 
para levar as pessoas a cuidarem da alma. A essência do homem é a alma, cuidar de si 
mesmo é cuidar da alma, mais do que do corpo (REALE; ANTISERI, 1990). Por alma 
Sócrates compreendia “[...] a razão e a sede de nossa atividade pensante eticamente 
operante” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 87). Os gregos compreendiam como valoroso 
aquilo que estava ligado a algo exterior como a riqueza ou o poder, neste caso, valores 
que conferem com a vida da aristocracia grega. Sócrates reverte esse paradigma ao 
defender que os verdadeiros valores deveriam estar de acordo com a alma e não ligados 
a fatores exteriores. O saber e o conhecimento eram virtudes, enquanto a ignorância era 
um vício. Assim, para que haja uma distinção entre o que é o bom e o que é mau, o que 
é o justo e o que é injusto é preciso ter conhecimento, defende Hobuss (2014). “Em outras 
palavras, o aperfeiçoamento da alma leva a que o indivíduo adquira a virtude” (HOBUSS, 
2014, p. 85). Outro filósofo que é considerado uma fonte sobre Sócrates é Xenofonte. Em 
seu escrito denominado Memoráveis, assinala que Sócrates considerava sábia a pessoa 
que conhecia o bem e que agia conforme o bem. 
 
16 
 
 
Assim, os homens sábios praticam ações belas e boas, e os que não são sábios 
não só não o fazem, como, mesmo que o tentassem, não conseguiriam. De modo 
que, se todas as ações justas e também as belas e as boas se praticam por causa 
da virtude, é óbvio que quer a justiça quer qualquer outra dessas qualidades 
[virtudes] é sabedoria (XENOFONTE apud HOBUSS, 2014, p. 86). 
No entendimento de Hobuss (2014, p. 86), “[...] só podemos saber que tipo de 
ações são virtuosas, isto é, justas ou moderadas, por exemplo, se podemos conhecer, 
definir racionalmente o que cada uma das virtudes é, conhecê-las”. A partir disso se 
entende o diálogo que Sócrates estabelecia com as pessoas através de meu método dadialética em que aplicava a maiêutica, isto é, o ato de fazer nascer as ideias. Para se 
chegar aos conceitos, às definições, era preciso no diálogo estabelecido entre Sócrates 
e o cidadão, em uma dinâmica de perguntas e respostas, refutar as concepções errôneas 
ou superficiais a fim de estabelecer argumentos sólidos. Conhecendo as verdades, o 
indivíduo agiria conforme o conhecido. Para alcançar a verdade de algo, era preciso partir 
da indução, ou seja, questionar a pessoa sobre o que entendia a respeito de algo. Após 
questionar o argumento e descobrir sua superficialidade, partia-se para a etapa da 
construção de uma nova ideia sobre o pensado. Hobuss (2014, p. 86) descreve o método 
de Sócrates nas seguintes palavras: 
[Sócrates] buscava o que era comum às diversas definições sobre x, tentando 
determinar a essência de x — por indução —, o que define x em si mesmo, pois 
é o único modo de realçar a verdadeira natureza de x, de conhecê-la, deixando 
de lado as propriedades acidentais que não o definem verdadeiramente. 
Conhecer a essência e a natureza de algo construía a virtude. Logo, Sócrates 
inseria um argumento contrário ao do sofista Protágoras, que defendia que a virtude 
estava na “[...] habilidade de saber prevalecer qualquer ponto de vista sobre opinião 
oposta” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 77). Protágoras alegava que o homem é a medida 
de todas as coisas, dessa forma, é ele quem determina as virtudes, que não 
necessariamente devem embasar-se na razão e na essência, já que são relativas. 
Enquanto que, para Sócrates, conclui Hobuss (2014, p. 87), “[...] a virtude é 
conhecimento, proporciona a felicidade, e não pode ser ensinada”. Portanto, Sócrates 
busca resgatar, de certa forma, um espírito grego que, de acordo com ele, estava sendo 
perdido pelos jovens aristocratas que buscavam governar a Pólis. Estes, guiados pelos 
 
17 
 
 
sofistas, apenas preocupavam-se em conquistar posições de governo e dirigir os 
assuntos políticos relativos a Pólis pelo viés da retórica. 
Após esse período, há a fase das grandes sínteses, “[...] em que há a preocupação 
essencial com os fundamentos do conhecimento e da moralidade, e de vários outros 
problemas filosóficos” (HOBUSS, 2014, p. 23). Nessa época, aparecerão os dois grandes 
filósofos da antiguidade: Platão e Aristóteles. 
4 PLATÃO (427 – 347 A.C.) 
Uma de suas principais obras se chama A República. Nela, o pensador descreve 
uma espécie de projeto político, um exemplo de como deveria ser a cidade. O diálogo em 
A República tem como fio condutor de suas discussões a definição sobre justiça, é em 
busca do conceito de justiça que se dá todo o diálogo platônico. A República narra um 
diálogo na casa de Polemarco, irmão de Lísias e Eutidemos, filho do velho Céfalo. Entre 
os principais personagens do diálogo, além da figura central, Sócrates, estão: Platão; 
seus dois irmãos, Glauco e Adimanto; Nicerato, general e político de Atenas; Polemarco, 
filho de Céfalo; Lísias, que era um orador grego; Céfalo, um ancião de Atenas e 
Trasímaco, que era um advogado sofista. A questão inicial que instiga o debate é: o que 
é uma vida justa? Nesse sentido, justiça é entendida como a finalidade da vida. Ter uma 
vida vivida de forma justa é a verdadeira virtude de um cidadão. Portanto, a justiça é 
apresentada como uma espécie de resumo de todas as virtudes. “Justiça é uma virtude 
da alma” dirá Sócrates (A República, 354e). 
Na obra A República, Platão irá chegar à conclusão de que a justiça tem por 
objetivo fazer com que cada classe da cidade ou parte da alma exerça adequadamente 
sua função (HOBUSS, 2014). A cidade imaginada em A República possui três classes 
sociais: a classe dos agricultores, artesãos e comerciantes, a classe dos guardiões (poder 
militar) e a classe dos governantes. Por sua vez, a alma também possui três partes, que 
são: a parte apetitiva, a parte irascível e a parte racional (HOBUSS, 2014). De acordo 
com Costa (2008), em A República, Platão considera que a alma possui três partes. A 
parte Racional ou Cognitiva, 
 
18 
 
 
[...] na qual há o prazer pela contemplação do Ser. Nela se raciocina, se aprende. 
É ao mesmo tempo responsável pela vida intelectual e serve de freio das outras 
duas partes. A Irascível onde há prazer pelo poder e a captação das 
sensibilidades. É o centro da ira. E a Apetitiva onde há o prazer dos desejos 
fisiológicos. É a responsável pelas necessidades vegetativas, como fome, sede 
e outros desejos e paixões (PLATÃO apud COSTA, 2008, p. 4). 
As virtudes também são divididas conforma a classe. A classe dos agricultores, 
artesão e comerciantes, não possui virtudes que lhe são próprias; a classe dos guardiões 
possui como virtude característica a coragem; a classe dos governantes possui por 
característica a virtude da sabedoria. A única virtude que é compartilhada pelas três 
classes é a da temperança (HOBUSS, 2014). É de se notar que, na antiguidade, época 
em que A República foi escrita, não havia a separação entre ética e poder político, ou 
seja, ética e governo compreendem um mesmo movimento para os gregos antigos. 
Nesse sentido, A República é uma proposta de como deve ser a política numa cidade. 
Para Platão, pensar a política não significa pensar o poder ou como se manter no poder, 
como acontece com Maquiavel, quando escreve O Príncipe em 1513. Em Maquiavel, o 
bom governo depende de uma racionalidade própria governamental e utiliza estratégias 
para se manter no poder. 
Tanto para Platão quanto para Sócrates é preciso, para o bom funcionamento da 
Pólis, que as pessoas cuidem da alma, pois dela depende a felicidade do homem e 
consequentemente a felicidade da Pólis. Conforme pode ser visto, Platão, neste 
momento de seu pensamento, está de acordo com a filosofia socrática. Ambas as 
filosofias defendem a Pólis, o homem virtuoso, valores como o bem, o belo, a felicidade, 
ou seja, valores que eram criticados pelos sofistas. Reale e Antiseri (1990, p. 128-129) 
argumentam que o pensamento de Platão se desenvolveu da seguinte maneira: “De 
início, ele abordou uma problemática acentuadamente ética (ético-política), partindo 
exatamente da posição que posição à qual chegara Sócrates. Posteriormente deu-se a 
necessidade de recuperar os temas centrais da filosofia da Physis”. 
Há, por parte de Platão, uma recuperação onto-cosmológica dos filósofos pré-
socráticos, ou seja, no momento da síntese platônica sobre os filósofos pré-socráticos, 
Platão realiza as pesquisas que o levam à descoberta do suprafísico, do suprassensível 
(REALE; ANTISERI, 1990). Por sua vez, Hobuss (2014, p. 95) sugere que o pensamento 
filosófico de Platão pode ser descrito em três momentos: “[...] os diálogos socráticos, ou 
 
19 
 
 
da juventude; os diálogos da maturidade; e os diálogos tardios”. Os diálogos do primeiro 
momento apresentam Sócrates como o principal personagem. Eles tratam de buscar 
definições, conceitos e se preocupam com a ética. São nos diálogos da maturidade de 
Platão que surge a teoria das ideias, e há um deslocamento de direção em sua filosofia 
para o plano da metafísica. O terceiro período compreende os diálogos tardios, em que 
há uma utilização de mitos e alegorias. E neles, Platão mostra seu potencial literário 
(HOBUSS, 2014). Aristóteles relata que, inicialmente, Platão foi discípulo de Crátilo, 
seguidor de Heráclito, e que só depois disso, ainda durante sua juventude, é que Platão 
tornou-se discípulo de Sócrates. (REALE; ANTISERI, 1990). 
É certo, porém, que Platão frequentou o círculo de Sócrates com o mesmo 
objetivo da maior parte dos outros jovens, ou seja, não para fazer da filosofia a 
finalidade de sua própria vida, mas para melhor se preparar, pela filosofia, para 
a vida política. Entretanto, os acontecimentos orientam a vida de Platão em outra 
direção (REALE; ANTISERI, 2014, p. 125). 
O primeiro contato de Platão com a política se deu quando dois parentes seus, 
Cármidese Crítias, participaram do governo oligárquico em Atenas. Essa experiência 
não foi boa para Platão, gerando uma frustração em consequência dos métodos 
facciosos violentos aplicados pelos governantes, culminando com a condenação de 
Sócrates à morte (REALE; ANTISERI, 1990). Após esse período, ele viajou para outras 
localidades, como Itália, Cirene e Egito. Durante uma viagem até a Itália foi convidado 
por Dionísio I para ir até Siracusa, Cicília. “Certamente, Platão esperava poder inculcar 
no tirano o ideal rei-filósofo, ideal esse já substancialmente proposto no Górgias, obra 
que precede a viagem” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 126). Entretanto, Platão não se 
entendeu com o tirano Dionísio e teve que voltar a Atenas. 
Em Atenas, Platão fundou sua academia, onde discutia com seus discípulos 
acerca de temas filosóficos. Reale e Antiseri (1990) apontam que, na academia, Platão 
ministrava cursos sobre o Bem, cujo teor o filosofo não quis escrever. Para Platão, as 
realidades últimas e supremas não podiam ser transmitidas pela escrita, mas apenas no 
diálogo vivo. “Em tais cursos, discorria sobre realidades últimas e supremas, ou seja, 
sobre os primeiros princípios, adestrando os discípulos para a compreensão desses 
princípios através de um raciocínio metódico e dialético” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 
129). Sócrates e os sofistas filosofaram sobre o homem, sobre a moral e a Pólis. Outros 
 
20 
 
 
aspectos como a physis ou o princípio constituidor dos entes não foi um problema para 
estes filósofos. Essa questão da explicação dos fenômenos, do princípio constituidor das 
coisas passa a ter importância para Platão e, depois, para Aristóteles. Para Platão, a 
realidade leva ao reconhecimento de dois planos do ser: “[...] um fenomênico e visível, 
outro metafenomênico, captável apenas com a mente, e puramente inteligível” (REALE; 
ANTISERI, 1990, p. 136). Reale e Antiseri (1990) citam um texto onde o filósofo grego 
assinala o que significa os dois planos do ser: 
- E não é verdade, talvez que, enquanto podes ver, tocar e perceber com os 
outros sentidos corpóreos essas coisas mutáveis, já aquelas que permanecem 
sempre idênticas, ao contrário, por nenhum outro meio podem ser captadas 
senão através do raciocínio puro e da mente, porquanto são coisas invisíveis que 
não podem ser colhidas pela vista? 
– O que dizes é absolutamente verdade, respondi. 
- Admitamos, portanto, se quiseres duas espécies de seres: uma visível e outra 
invisível, acrescentou ele. 
- Admitamos, respondi. 
- E que o invisível permaneça sempre na mesma condição e que o visível não 
permaneça jamais na mesma condição. 
- Admitamos isso também, disse (PLATÃO apud REALE; ANTISERI, 1990, p. 
136). 
A Teoria das Ideias é um dos aspectos centrais da filosofia platônica. Com ela, 
tem-se o início da metafísica. No diálogo intitulado Fédon, Platão apresenta a teoria das 
ideias com a distinção entre mundo sensível e mundo inteligível. Neste diálogo, acentua 
Hobuss (2014), a filosofia é vista por Platão como a preparação para a morte. A alma 
precisa ser libertada do corpo, portanto, o corpo é uma prisão para a alma. Após a 
purificação da alma, ela pode atingir a verdade que significa contemplar as ideias em si. 
O ápice [da teoria platônica] representa o reconhecimento da existência de outra 
realidade, diferente, por natureza, da realidade que observamos no mundo 
sensível, apenas imagem e cópia do mundo inteligível, onde está a verdadeira 
natureza, a verdadeira realidade, ou seja, as ideias, as verdadeiras essências 
(HOBUSS, 2014, p. 97). 
No mundo das ideias, a alma pode contemplar o ser em si, como por exemplo, o 
belo em si, o justo em si, e essas realidades só podem ser percebidas pelo pensamento. 
Em contrapartida, no mundo sensível, o que se tem são apenas cópias das ideias. De 
acordo com Reale e Antiseri (1990), ideia para Platão não é uma representação ou um 
conceito, mas, realidades inteligíveis. Ideia (eidos) significa forma. As ideias em suma, 
 
21 
 
 
não são simplesmente pensamentos, mas aquilo que o pensamento pensa quando liberto 
do sensível: constituem o “verdadeiro ser”, o “ser por excelência” (REALE; ANTISERI, 
1990, p. 137). Portanto, as ideias representam o modelo de como cada coisa deve ser. 
Reale e Antiseri (1990) também comentam que Platão se utilizava de outras expressões 
para indicar as Ideias. Os termos “em si” e “por si” também servem para representar o 
que são as ideias. Dizer que o bem existe “por si”, equivale a dizer que ele não muda sob 
qualquer hipótese, ou seja, Platão descarta qualquer relativismo e acentua um conceito 
que possui valor universal. Ao dizer que o bem existe “em si”, Platão acerca-se de 
Parménides e de sua ideia sobre o ser que diz que o ser é e que o não ser, não é. Ao 
mesmo tempo distancia-se de Heráclito, para o qual as coisas mudam, não permanecem 
as mesmas. E, sobretudo, Platão argumenta contra os Sofistas, para quem as coisas 
podem ser em sua particularidade, ou seja, não existem verdades absolutas, mas 
relativas. Contudo, Platão, aproxima-se de Heráclito quando afirma que as coisas 
sensíveis são cópias imperfeitas das ideias. Nesse sentido, as coisas mudam no mundo 
sensível. “Em resumo: as verdadeiras causas de todas as coisas sensíveis, por natureza 
sujeitas à mudança, não podem elas mesmas sofrer mudança, caso contrário não seriam 
as ‘verdadeiras causas’, não seriam as razões últimas e supremas” (REALE; ANTISERI, 
1990, p. 137). 
Portanto, para Platão, os seres são formados de duas dimensões: física e 
essenciais. As coisas materiais e sensíveis são mutáveis e a essência ou ideia é aquilo 
que é imutável, que só pode ser compreendido pela razão, pelo pensamento. Enquanto 
Sócrates preocupa-se com a essência da ação, os valores e virtudes, Platão busca uma 
teoria do ser, de certa forma, resgatando a preocupação dos primeiros filósofos em 
buscar um princípio constituidor das coisas. E ele chama de ideia a natureza essencial 
das coisas, que existem num plano inteligível, no plano sensível, em que apenas temos 
recordações, memórias sobre o que são essas ideias. Compreender o ser no âmbito 
socrático significa fazer, por meio do diálogo, em que há perguntas e respostas, uma 
busca pelo conceito do verdadeiro, ou seja, definir o conceito de algo após a refutação 
de valores errôneos. Já no âmbito platônico, pensar o ser, pensar a verdade, significa 
rememorar, pois a alma já conheceu o ser e já conheceu a verdade sobre tal ideia e, 
devido a isso, no mundo sensível, ela, por intermédio da memória, pode chegar a 
 
22 
 
 
aproximar-se da definição do ser. Sócrates estava interessado na forma como o homem 
devia agir na Pólis, sua moral, sua alma deveria ser cuidada. Enquanto que, para Platão, 
a filosofia se dá em um plano teórico alcançável apenas pelo pensamento. 
Você se perguntará: é possível conhecer as ideias tais como Platão as defende? 
No plano epistemológico, Platão considera a dialética como o método para se chegar até 
as essências. É pela dialética que se chega até a essência de algo, defende Hobuss 
(2014). Ela é o instrumento para conhecer as ideias. 
Devido a tal condição, a dialética é o cume de todo o estudo que pode ser 
realizado pelo homem, pois vai nos permitir ascender até a Ideia do Bem, através 
da razão, buscando sempre expressar a essência das coisas, ou seja, 
entendendo que somente é possível atingir a essência das coisas pela 
inteligência (PLATÃO apud HOBUSS, 2014, p.105). 
5 ARISTÓTELES (384 – 322 A.C.) 
Nasceu em Estagira, em 384 a.C. Foi discípulo de Platão e explorou diversos 
âmbitos do saber como a física, a zoologia, a psicologia, a biologia, a lógica, a retórica, a 
ética, a política, a metafísica, etc. Permaneceu na academia platônica até a morte de 
Platão, em 347 a.C. Após esse acontecimento, Aristóteles sai de Atenas e viaja a diversos 
lugares até chegar a Mitilene (na Ilha de Lesbos) quando recebe um convitede Filipe da 
Macedônia no ano de 343 a.C. O rei da Macedônia chama Aristóteles para ser o educador 
de seu filho, Alexandre. Aristóteles regressa a Atenas em 335 a.C. e funda uma escola 
chamada Liceu. É nesse período que o filósofo escreveu suas grandes obras. Os escritos 
do filósofo estão divididos em dois grupos: os exotéricos, destinados ao grande público e 
eram compostos de forma dialógica, porém, restaram poucos fragmentos das obras que 
compõe este grupo. Do outro lado, os esotéricos também eram constituídos da atividade 
didática do filósofo. As obras mais propriamente filosóficas fazem parte desse grupo, 
como os tratados de moral e política, os escritos de metafísica, os livros de retórica e 
poesia (REALE; ANTISERI, 1990). 
Reale e Antiseri (1990) defendem que uma das diferenças entre Platão e 
Aristóteles está na produção filosófica. Platão, não tinha interesse pelas ciências 
empíricas, já Aristóteles demonstrou enorme interesse pelas ciências empíricas e 
 
23 
 
 
também pelos fenômenos empíricos. De acordo com Reale e Antiseri (1990), Aristóteles 
é o primeiro a sistematizar o saber filosófico. Conforme o filósofo de Estagira, “[...] os 
quadros que assinalariam os caminhos pelos quais andaria toda a posterior problemática 
do saber filosófico é: metafísica, física, psicologia, ética, política, estética e lógica” 
(REALE; ANTISERI, 1990, p. 178). Nessa perspectiva, Aristóteles distinguiu as ciências 
em três grandes grupos: 
A) ciências teoréticas, isto é, ciências que buscam saber em si mesmo; B) 
ciências práticas, isto é, ciências que buscam saber para, através dele, alcançar 
a perfeição moral; C) ciências poiéticas ou produtivas, vale dizer, ciências que 
buscam o saber em função do fazer, isto é, com o objetivo de produzir 
determinados objetos (REALE; ANTISERI, 1990, p. 178). 
Entre as ciências que Aristóteles considerava como a mais elevada está a 
metafísica, e é em função dela que as outras ciências adquirem significado. O termo 
“metafísica” não foi cunhado pelo próprio Aristóteles e sim, provavelmente, por seus 
discípulos peripatéticos. A palavra significa o que está além da física e, para se referir às 
coisas que estão além da física, Aristóteles utilizava os termos teologia ou filosofia 
primeira, como oposição a filosofia segunda (a física). Pode-se concluir que a 
investigação sobre a metafísica busca as causas primeiras, que devem explicar toda a 
realidade (REALE; ANTISERI, 2014). Sobre os estudos sobre a física, Hobuss (2014, p. 
110) comenta que Aristóteles possuiu como intenção central “[...] apresentar os princípios 
que vão fundamentar sua concepção de natureza”. No livro II, cap.3 da obra intitulada 
Física, Aristóteles apresenta a doutrina das quatro causas, por meio dessa doutrina, o 
filósofo busca “conhecer o porquê de algo”. Já em seu livro Metafísica, o filósofo retoma 
esses conceitos para explicar as realidades que está além da física, que sustentam e 
fundamentam a realidade de todos os entes, ou seja, de tudo aquilo que existe. 
Aristóteles apresenta quatro causas que estão envolvidas no mundo e sob as 
quais todas as coisas se constituem. A causa material, ou seja, aquilo que o ser é feito, 
aquilo que é imanente de algo; a causa formal mostra aquilo que o ser é, sua forma; a 
causa eficiente, que mostra de onde provém o começo da mudança ou do repouso, 
mostra quem fez e a causa final, que aponta o fim, a finalidade da coisa (HOBUSS, 2014). 
Na filosofia de Aristóteles, a questão sobre a metafísica vem depois que o filósofo pensa 
as coisas físicas, os entes materiais. De acordo com Aristóteles, defendem Reale e 
 
24 
 
 
Antiseri (1990), a metafísica “[...] é a ciência mais elevada porque não está ligada as 
necessidades materiais. A metafísica não é uma ciência voltada para objetivos práticos 
ou empíricos” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 180). Como pode ser constatado, assim como 
Platão, Aristóteles também se contesta sobre o ser, ambos questionam o ser como 
fundamental para o estabelecimento da episteme (ciência), um conhecimento verdadeiro 
ou como fundamento da sabedoria (sophia). No entanto, Aristóteles faz seu raciocínio de 
maneira diferente que Platão. De acordo com o comentário de Duclós (2001), Aristóteles 
defende que a investigação de Platão sobre o ser foi influenciada por três filósofos 
antigos: Pitágoras, Heráclito e Parmênides. 
De Heráclito, Platão teria tirado a noção de que as coisas sensíveis estão em 
perpétuo estado de fluxo, sendo impossível conhecê-las. De Parmênides, a 
imutabilidade e unidade do Ser, resolvendo o impasse entre os dois 
conhecimentos ao colocar o Ser na esfera do inteligível e não no sensível. De 
Pitágoras, Platão teria tirado [...] a importância dos números como estando na 
esfera do inteligível, algo intermediário entre o mundo sensível (lar da 
contradição, da aparência e da mimese) e as Formas imutáveis (DUCLÓS, 2001, 
documento on-line). 
Seguindo a história da filosofia, pode-se dizer também que, para os sofistas, a 
realidade está na existência, contrariamente, Sócrates e Platão afirmavam que é na 
essência que se pode buscar um fundamento para a realidade. Sócrates preocupou-se 
com a vida dos homens na Pólis, dessa forma, sua preocupação buscou criar definições 
para que o agir do homem fosse correto. Sabendo o que é o bem, o homem age bem. Já 
Platão está mais preocupado com a forma, por isso, a essência das coisas para ele é 
racional e dada aprioristicamente. Platão chegará até o mundo das ideias afirmando que 
a realidade essencial é inteligível apenas. Ela está no mundo das ideias, portanto, não 
atingível pela empiria, pelo mundo sensível. Os sentidos enganam, não atingem a 
verdade da coisa. Portanto, Platão cria um dualismo entre o sensível e o inteligível, e o 
desafio que se coloca Aristóteles é de superar esse dualismo. Aristóteles, ao contrário de 
Platão, preocupou-se com o conhecimento sobre a física, sobre as coisas empíricas. A 
realidade do mundo existente para Aristóteles não é uma sombra, uma ilusão, como 
afirmara Platão. Para o filósofo de Estagira, é possível encontrar uma essência na 
realidade. Entretanto, essa essência não está em uma realidade suprassensível, não está 
na ideia, mas nas coisas em si. Tudo é feito de matéria e forma, ou seja, todos os entes 
 
25 
 
 
existem em matéria (que são os elementos de que as coisas da natureza, os animais, os 
homens e os artefatos são feitos) e na forma (que é aquilo que individualiza e determina 
uma matéria) (CHAUÍ, 2013). À estas duas categorias, Aristóteles soma os conceitos de 
ato e potência, com a qual busca realizar sua metafísica. 
Para Aristóteles o ser se diz de vários modos. “O primeiro modo é por meio das 
dez categorias (a substância e os nove acidentes); o segundo é a potência e o ato; o 
terceiro, a verdade e a falsidade; e o quarto modo, pelas quatro causas” (SANTOS, 2013, 
p. 113). Um destes modos de dizer o ser é pela explicação ser em potência e ser em ato. 
“O movimento é definido por Aristóteles como a realização do que está em potência” 
(SANTOS, 2013, p. 113). Com a teoria do ato e potência, Aristóteles explica sobre os 
entes que mudam e os que permanecem iguais. Dessa forma, ele supera Heráclito e 
Parménides, dando outra resposta par explicar o movimento. “Se o ser é não apenas ato, 
mas também potência, as coisas podem sofrer modificações sem deixar de ser, pois se 
tornar outro será o mesmo que a passagem de um modo de ser a outro” (SANTOS, 2013, 
p. 113). Para Aristóteles, tanto os seres animados quanto os inanimados possuem 
potência. Ao contrário de Platão, Aristóteles valoriza os sentidos. Para ele, o 
conhecimento começa com os sentidos. Conhecer não é lembrar, como afirmava Platão 
em sua teria da reminiscência, e sim tirar da coisa sua substância, ou seja, aquilo que ela 
é, aquilo que faz com que ela seja. 
O conhecimento é um processo, segundo Aristóteles, que começa com ossentidos; segue pela memória (que diferencia o homem dos animais inferiores); pela 
experiência (onde estão agrupadas várias recordações); pela arte (que provém de um 
complexo de noções experimentadas) e, por fim, a ciência (conhecimento verdadeiro, 
superior a qualquer outro) (HOBUSS, 2014). Comentando Aristóteles, Hobuss (2014) 
afirma que conhecer é compreender as causas, é a busca do conhecimento pelo 
conhecimento. Na obra Metafísica, Aristóteles afirma que para cada ser há uma ciência 
e, nesse sentido, para os seres físicos, existe a biologia, a física; para os seres 
matemáticos, existem as formas; para os seres celestes, há a astrologia; para o motor 
imóvel, a teologia. Cada ciência trata de cada ser, portanto, deve haver uma ciência que 
trata do ser em geral, que estude o ser enquanto ser, que é a metafísica. 
 
26 
 
 
Reale e Antiseri (1990, p. 186) afirmam que “[...] as substâncias são as realidades 
primeiras, no sentido de que todos os outros modos dependem da substância”. Contudo, 
se todas as substâncias fossem corruptíveis, não existiria nada de incorruptível. Para 
Aristóteles, tempo e movimento são incorruptíveis. “O tempo não foi gerado nem se 
corromperá: com efeito, antes da geração do tempo, deveria ter havido um antes e, 
depois da destruição do tempo deveria haver um depois. Ora, antes e depois outra coisa 
não são do que tempo” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 186). O mesmo raciocínio serve 
também para o movimento, complementam os autores. O tempo é para Aristóteles uma 
determinação do movimento. “Sendo assim, a eternidade do primeiro postula também a 
eternidade do segundo” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 186). Nesse raciocínio, Aristóteles 
chegará a um princípio gerador do movimento, o motor imóvel, a causa de tudo. 
Explicando como deve ser esse princípio gerador que fala Aristóteles, Reale e Antiseri 
(1990) argumentam: o princípio deve ser eterno, deve ser imóvel, causa absoluta do 
móvel; em terceiro lugar, esse princípio é ato puro, privado de potencialidade. “Esse é o 
‘Motor imóvel’, que outra coisa não é do que a substância suprassensível que 
buscávamos” (REALE; ANTISERI, 2014, p. 187). Com Sócrates, dá-se o início da filosofia 
moral, mas é com Aristóteles que se dá a diferenciação ente saber teorético 
(contemplativo) e saber prático. “O saber teorético é o conhecimento dos seres e fatos 
que existem e agem independentemente de nós e sem nossa interferência, isto é, de 
seres e fatos naturais e divinos” (CHAUÍ, 2013, p. 264). 
Por saber prático deve ser entendido, o conhecimento daquilo que só existe como 
consequência da ação humana. Portanto ética e política são saberes práticos e podem 
ser de dois tipos: práxis ou técnica (CHAUÍ, 2013). A Pólis significa para Aristóteles a 
comunidade política e existe por natureza, e a finalidade da cidade-estado da Grécia 
antiga é desenvolver sua natureza (HOBUSS, 2014). 
Sendo a polis algo que se dá por natureza, podemos atribuir ao homem também 
uma natureza política pela necessidade de viver em comunidade: por isso, 
Aristóteles afirma que o homem é, por natureza, um politikon zôon, animal 
político, requerendo a polis para viver (HOBUSS, 2014, p. 118). 
O homem possui uma inclinação natural de viver em comunidade e, para viver em 
comunidade, ele precisa de boas leis que fundem uma boa constituição (HOBUSS, 2014). 
 
27 
 
 
Em sua obra A Política, Aristóteles distingue o homem bom do bom cidadão. A excelência 
do homem de bem é a posse da virtude perfeita, uma excelência única, mas, pode-se ser 
um bom cidadão sem possuir a virtude que é própria do homem de bem (HOBUSS, 2014). 
A ética é outro campo em que Aristóteles desenvolveu seus estudos. São atribuídas a 
Aristóteles três obras que tratam do problema da ética: Ética à Nicômaco, Ética à Eudemo 
e Grande Ética. A primeira obra é considerada o pensamento definitivo sobre ética na 
óptica de Aristóteles (HOBUSS, 2014). A finalidade da ética em Aristóteles é a realização 
da felicidade da Pólis, que é também do indivíduo. Em segundo lugar, é uma ética 
baseada nas virtudes, condição na qual a felicidade pode ser atingida, defende Hobuss 
(2014). 
Para Aristóteles, a virtude é uma excelência da alma e a alma por sua vez está 
dividida em duas partes: uma parte racional e outra irracional. A parte irracional é dupla: 
[...] uma parte é comum a todos seres vivos, isto é, a nutrição, o crescimento; e 
outra parte participa de um certo modo da razão, no sentido de que ela participa 
do princípio racional, escutando-o, obedecendo-o, como se escuta e se obedece 
ao pai e aos amigos. A primeira parte da alma irracional é a alma vegetativa, a 
qual não possui nada em comum com o princípio racional, com a razão, e a 
segunda, já mencionada é a parte aperitiva ou desejante que participa do 
princípio racional, na medida em que sofre uma influência da alma racional por 
meio das admoestações, censuras e exortações (ARISTÓTELES apud HOBUSS, 
2014, p. 123). 
Da parte racional da alma originam-se as virtudes intelectuais (a sabedoria, a 
prudência, a inteligência, a ciência e a arte), que podem ser adquiridas mediante a 
educação; “[...] enquanto que da parte que obedece a razão surgem as virtudes morais 
(são virtudes morais, dentre outras a justiça, a temperança, a coragem, a liberalidade, a 
magnificência, a indulgência)” (HOBUSS, 2014, p. 123), que só podem ser adquiridas 
pelo hábito. Após distinguir a alma em duas partes, Aristóteles trata na Ética a Nicômaco 
sobre aquilo que definirá a virtude moral. O agir humano na Pólis deve buscar a felicidade, 
e só dessa forma ele estará agindo eticamente. Todavia, o que é a felicidade? Na Ética 
a Nicômaco, Aristóteles define felicidades da seguinte forma: “O bem para o homem 
consiste numa atividade da alma conforme a virtude, e no caso de uma pluralidade de 
virtudes, com a melhor e mais perfeita dentre elas” (ARISTOTELES apud HOBUSS, 
2014, p. 126). Para Aristóteles o homem é um animal racional, político. Nessa 
 
28 
 
 
perspectiva, sua filosofia buscou pensar o homem que vive na Pólis. Além disso, buscou 
também pensar o ser enquanto fundamento último dos entes. 
6 A INFLUÊNCIA DE PLATÃO E ARISTÓTELES NO CONHECIMENTO CIENTÍFICO 
ATUAL 
Apesar de os filósofos Platão (428/427–348/347 a.C.) e Aristóteles (384–322 a.C.) 
terem vivido e escrito suas obras na Antiguidade, suas teorias embasam o conhecimento 
atual e ainda se mostram uma fonte infindável de reflexões. Aqui, você vai ver a relação 
entre os pensamentos de ambos os filósofos, as suas contribuições para a teoria do 
conhecimento atual e a sua implicação científica. Como você vai perceber, o 
conhecimento científico contemporâneo evolui, também, graças às reflexões e métodos 
desenvolvidos por Platão e Aristóteles na Grécia Antiga. Platão (2000), nas teorias 
apresentadas na sua obra A República, especificamente no livro V, defende a importância 
do conhecimento. Mas de que forma essa importância estaria ligada ao conhecimento 
científico? Pois bem, por meio da figura de Sócrates, é apresentada uma idealização ou, 
ainda, uma interpretação de como a Pólis (cidade) deveria ser dividida, organizada. 
Segundo Platão (2000), a Pólis deveria seguir uma estrutura hierárquica que se relaciona 
à tripartição da alma, como você vai ver a seguir. Para que isso fique mais claro, é 
necessário conhecer um pouco da ontologia platônica (teorização do ser das coisas e 
dos seres). Para Platão, tudo o que existe no mundo real, que ele chama de “sensível”, 
é mutável. Platão compreende tal mutabilidade como imperfeição; assim, as coisas 
mudam, os seres morrem e tudo se modifica em razão da imperfeição que é própria ao 
mundo. Em contrapartida, há um mundo perfeito, que é o mundo das ideias. Assim, tudo 
o que existe no mundo sensível é uma projeção imperfeita de uma ideia. Por exemplo, 
se você pensa na ideia de um cavalo, tal ideia é perfeita, não muda, não acaba. Já o 
cavalodo mundo sensível está sujeito a variações, a uma série de mutações; portanto, é 
imperfeito. 
A partir dessa duplicidade de mundos — mundo das ideias e mundo sensível —, 
para Platão (2000), seria possível organizar a Pólis de acordo com uma estrutura 
baseada nas ideias. Ou seja, Platão compreende que o conhecimento, a veracidade das 
 
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ideias, se dá por meio do pensamento, da reflexão. Nesse sentido, a sociedade ideal 
deve obedecer às ideias, que se originam de tudo que há no mundo sensível, e ser 
dividida de acordo com as aptidões dos indivíduos que a compõem. Nesse contexto, a 
alma é entendida como um elemento perfeito, pertencente ao mundo das ideias. Antes 
de estar presa ao corpo, ela já foi livre, porém se esqueceu desse momento anterior. É 
somente pelo conhecimento que a alma pode lembrar-se das ideias que um dia 
vislumbrou. Assim, a alma está intrinsecamente ligada à estruturação e à organização da 
Pólis. Segundo Platão (2000), a alma é composta de três partes: a parte racional, a parte 
irascível e a parte da concupiscência. De acordo com a teoria platônica (PLATÃO, 2000), 
a parte racional é responsável pelas duas outras partes. A irascível, que é a parte abaixo 
da cabeça, é responsável pelas emoções; por fim, a parte mais inferior, chamada de 
concupiscível, é responsável pelo apetite e pelo desejo. Com isso, Platão aponta para a 
relação entre as ideias e a sua transposição no mundo sensível. Do mesmo modo, ele 
pensa a organização social: “[s]e os filósofos não forem reis nas cidades ou se os que 
hoje são chamados reis e soberanos não forem filósofos genuínos e capazes [...] não é 
possível [...] que haja para as cidades uma trégua de males e, penso, nem para o gênero 
humano [...]” (PLATÃO, 2000, p. 211–212). 
Ou seja, Platão defende que a alma sirva como exemplo para a estruturação não 
só do corpo, mas da sociedade. Assim, o filósofo, sendo a parte mais reflexiva e racional 
da sociedade, é que deveria ser rei. Os soldados vêm logo abaixo, uma vez que a parte 
irascível é correspondente à coragem. Por fim, haveria os camponeses e artesãos, que 
se ocupam de tarefas mais elementares. Apesar de parecer uma concepção tanto política 
quanto metafísica, a teoria do conhecimento platônica se dá por meio da filosofia. Ao 
delegar ao filósofo o reinado da cidade, mais do que fazer um auto reconhecimento, 
Platão demonstra que só é possível conhecer por meio da reflexão filosófica em busca 
de uma verdade, e não por meio de crenças. O mesmo se dá em diversas metáforas, tal 
como a metáfora sobre o sol e a iluminação, que faz alusão à iluminação intelectual 
(PLATÃO, 2000). Já na obra de Aristóteles, pode-se encontrar um rompimento com a 
concepção platônica da teoria do conhecimento. Apesar de ter sido aluno de Platão, 
Aristóteles destoa de certas concepções platônicas, como o dualismo — o mundo das 
ideias e o mundo sensível. Para Aristóteles, não se conhece por meio das ideias, ou em 
 
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busca delas, e sim pelo mundo sensível. Ou seja, primeiro têm-se a experiência empírica, 
que posteriormente é formulada pelo intelecto. Aristóteles buscou trazer um caráter mais 
material e realista à filosofia. Nesse sentido, a sua filosofia se fundamenta em dois pontos 
centrais: a valorização do sujeito e a compreensão das formas. 
Segundo Aristóteles, a essência das coisas está em sua forma. Assim, um homem 
é um homem em razão de sua forma, e o mesmo vale para os animais. Ou seja, o que 
algo é pode ser reconhecido pela sua finalidade. Por exemplo: um cavalo é um cavalo 
pelas suas propriedades e características que o definem como cavalo. Dito de outro 
modo: um animal pode se distinguir de outro animal da mesma espécie em cores e em 
algumas características que não lhe retirem sua característica central, ou seja, sua forma. 
A tais distinções menores, Aristóteles dá o nome de “acidentes”. Os acidentes se opõem 
à essência: as propriedades acidentais trazem variações entre os objetos, apesar de não 
incidirem nas propriedades necessárias. Com isso, Aristóteles busca demonstrar que é 
na articulação das coisas e indivíduos que as formas/essências são reconhecidas. 
Portanto, o mundo é reconhecido tal como é e não de acordo com um ponto de vista. Em 
sua obra Metafísica, Aristóteles ressalta que existem maneiras, modos de ser, que são 
organizados em categorias. Tais categorias, listadas a seguir, servem para designar o 
modo como as coisas são (CHAUÍ, 2000). 
 
• Substância: tudo aquilo que não precisa de algo para existir, como o homem e os 
animais. 
• Quantidade: definição a partir de números, metragem. 
• Qualidade: adjetivos próprios ao sujeito ou à coisa. 
• Relação: consideração resultante da comparação — “isto é maior do que aquilo”, por 
exemplo. 
• Lugar: localização. 
• Tempo: momento. 
• Posição: situação espacial em que algo se encontra. 
• Posse: propriedade sobre algo. 
• Ação: verbos, como “odiar”, “amar”, etc. 
• Paixão: o que é passível de sofrer uma ação. 
 
31 
 
 
Tais categorias designam, segundo Aristóteles, o modo de ser de cada coisa. Ou 
seja, não é possível a cor amarela existir como uma substância, visto que essa cor 
depende de outro ser para existir — o sol é amarelo. Com as suas reflexões, Aristóteles 
contribuiu para o desenvolvimento da episteme, pois a sua investigação em relação à 
verdade, ao conhecimento, à ciência natural e à biologia trouxe as descrições dos corpos, 
do seu modo de ser e das maneiras como são definidos. 
6.1 O pensamento de Platão e Aristóteles 
Pode-se encontrar nas obras de Platão e Aristóteles várias distinções em relação 
a diversas áreas do comportamento humano e da organização da sociedade. Além disso, 
eles discorreram sobre pensamentos metafísicos: o que é o bem, o que é o amor, o que 
são as virtudes, etc. Uma das distinções mais assertivas entre ambos consiste em suas 
teorias do conhecimento: enquanto Platão (2000) defende um dualismo entre o mundo 
sensível e o mundo das ideias, Aristóteles acredita que o conhecimento se dá de modo 
inverso. Ou seja, se para Platão a verdade advém das ideias, para Aristóteles é possível 
conhecê-la pela causa, pelos sentidos. As compreensões distintas dos dois filósofos 
aparecem em várias das suas teorias, como a teoria política. Segundo Platão (2000), 
os conceitos de justiça e bem-estar só podem ser conhecidos por meio do método 
dialético. Ou seja, só a possibilidade de conhecer tais conceitos já é um acesso ao mundo 
das ideias. Por isso, sendo os filósofos que buscam o conhecimento das ideias, deveriam 
ser os responsáveis por governar a pólis. Já para Aristóteles, a justiça é o que deve reger 
as relações sociais. Em Ética a Nicômaco, Aristóteles defende que as virtudes são 
responsáveis por equilibrar as ações de cada sujeito, visto que a finalidade de toda ação 
é o bem. Ou seja, todo indivíduo deve buscar o bem, pois é no bem que se dá a felicidade; 
isso faz com que o sujeito seja virtuoso. Aristóteles nomeou tal concepção de justo-meio, 
que é esse equilíbrio entre os sujeitos, reconhecido como justiça. Dessa forma, não há, 
para Aristóteles, como separar ética (a vida virtuosa) de justiça (justo-termo). 
Outro ponto de divergência teórica é a visão sobre a poesia. Platão sempre 
demonstrou em sua obra uma grande preocupação com o que é verdadeiro. Quando 
aborda a formação de um Estado ideal, Platão (2000) defende que os poetas não 
 
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deveriam ter lugar na Pólis, pois a poesia não aproxima o homem da verdade, ou seja, a 
dissimula e ensina os jovens a falar do que as coisas não são, a mentir. Em geral, Platão 
acredita que a arte é mentirosa, enganadora, uma vez que as coisas que existem no 
mundo são uma cópia do mundo ideal. A arte, ao “imitar” as coisas do mundo sensível, 
distancia o homem mais ainda da verdade das ideias. Em contraposição, Aristóteles 
(1993) dá um tratamento diferente às artes. Para ele, as artessão uma ciência, a ciência 
poética, pois produzem coisas no mundo. Entretanto, não se trata de mera produção. 
Nesse sentido, cabe uma distinção entre produção artística e produção técnica: a técnica 
consiste na mera reprodutibilidade das coisas; já a produção artística leva ao 
conhecimento do porquê das coisas, bem como ao questionamento sobre o mundo, que 
recai novamente sobre o conhecimento. Em sua obra Poética, Aristóteles defende que a 
poesia, a despeito da concepção platônica, em vez de reproduzir meramente as coisas 
do mundo sensível, vai além, as recria de diversos modos. A isso ele nomeou mimésis: 
“[o] historiador e o poeta não se distinguem por escrever em verso ou prosa; [...] a 
diferença é que um relata os acontecimentos que de fato sucederam, enquanto o outro 
fala das coisas que poderiam suceder [...]” (ARISTÓTELES, 1993, p. 47). 
6.2 Áreas do conhecimento iniciadas por Platão e Aristóteles 
Atualmente, muito se questiona a função ou a aplicabilidade da filosofia. 
Entretanto, tal questionamento se mostra inócuo se você pensar na criação e na 
produção de conhecimento de áreas que hoje são essenciais. Considere, por exemplo, a 
bioética, os estudos sobre os efeitos do uso da tecnologia e das mídias sociais, a atual 
conjuntura política global, a ética em relação ao desenvolvimento científico, as mudanças 
na reflexão estética na contemporaneidade, etc. Para a constituição de todas elas, a obra 
de Platão e Aristóteles foi essencial e ainda oferece uma contribuição significativa. Pense, 
por exemplo, na reflexão sobre a justiça, tema fundamental no mundo contemporâneo: 
ambos os filósofos escreveram sobre ela. Para eles, a justiça está atrelada tanto ao 
cidadão comum quanto ao governante da cidade. Contudo, se para Platão o sábio deve 
governar a cidade, porque tem acesso e conhece o que é a justiça ideal, para Aristóteles, 
a justiça se associa às virtudes e ao respeito entre os cidadãos de uma sociedade. 
 
33 
 
 
No contexto da biologia (CHAUÍ, 2000), Aristóteles, em sua compreensão 
indutiva, foi um dos primeiros a classificar as espécies. Não por acaso, a palavra para 
forma/espécie é eidos, termo grego que significa “imagem”. Tal termo é mais um dos 
pontos de discordância entre Platão e Aristóteles. Segundo a teoria platônica, a ideia 
provém do mundo inteligível (Platão reconhece no mundo o saber adquirido na 
inteligibilidade). Já para Aristóteles, a ideia é formulada a partir da experiência sensível, 
ou seja, é o saber do humano que assimila o que é interpretado pelos sentidos. Aristóteles 
investigou o que constitui e distingue os seres, realizando uma pesquisa científica 
empírica sobre os animais. Além desse trabalho investigativo, realizou um trabalho de 
catalogação de espécies, o que lhe confere o título de primeiro ictiólogo, por sua devoção 
ao estudo dos peixes e das espécies marinhas. 
Ainda nesse contexto, em Sobre a alma, Aristóteles discorre a respeito do 
intelecto. Para o filósofo, a razão é uma função cognitiva que tem como finalidade operar 
a faculdade de descriminação em relação às coisas existentes no mundo. Ou seja, o 
intelecto, juntamente à sensação, realiza uma descriminação geral sobre tudo que existe. 
Aristóteles argumenta que o pensamento funciona reconhecendo o que é captado, 
apreendido nas sensações e assimilado pela imaginação. Já em relação aos animais, a 
sua apreensão do mundo se daria de forma sensitiva. Assim, a alma dos animais — 
diferentemente da do homem, que tem em sua base a complexidade e o entrecruzamento 
da razão e do intelecto — é a sensação. É por isso que os animais são motivados apenas 
pelo desejo. 
Em relação à astronomia, não há grandes distinções entre as teorias aristotélica 
e platônica. Ambos os filósofos acreditavam que a astronomia era uma ciência 
matemática e que tratava de algo não observável a olho nu. Eles defendiam que o 
universo era finito, apesar de enorme, e que as estrelas orbitavam em torno da Terra. 
Como destaca Chauí (2000, p. 29), “[...] os gregos fizeram nascer duas ciências: a 
aritmética e a geometria; da astrologia, fizeram surgir também duas ciências: a 
astronomia e a meteorologia [...]”. 
Por fim, é na ética que se encontra o centro da reflexão que permeia a obra de 
tais pensadores, que dedicaram as suas vidas ao incessante trabalho de buscar uma 
forma de viver bem em sociedade (CHAUÍ, 2000). Tanto Platão, que foi aluno de 
 
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Sócrates, quanto Aristóteles, que foi aluno de Platão, centralizam as suas teorias na 
reflexão sobre a educação do cidadão e a formação para uma sabedoria justa, política e 
prática, que beneficie a todos. Assim, o pensamento platônico e o aristotélico são 
indissociáveis de categorias políticas, religiosas, artísticas, científicas, éticas e 
psicológicas. As teorias desses filósofos sustentam, ainda hoje, tudo o que se conhece 
como pensamento ocidental. 
7 ÉTICA, MORAL E POLÍTICA 
Se admitirmos que a ética pode ser entendida como a forma do ser humano em 
sua universalidade, ou seja, a forma como o homem vive em seu mundo e ao mesmo 
tempo constitui o mundo, veremos que a palavra ethos não pode ser apenas a origem de 
termos e conceitos éticos explicados como os hábitos e costumes dos animais humanos, 
eles devem ser punidos enquanto reduzem a pobreza. O significado do comportamento, 
no sentido mais amplo e profundo, será a forma substantiva de todos os comportamentos 
que constituem a realidade que devemos viver. Podemos compreender que, no nível 
ontológico da existência, o comportamento que existe no mundo se manifesta como o 
comportamento que corresponde às escolhas que um indivíduo pode ou deve fazer 
sujeito de sua liberdade e levar à realização de projetos que sejam compatíveis com o 
valor a que todos pertencem a existência de história (ARENDT, 2004). 
Se insistirmos na etimologia das palavras com demasiada precisão, o significado 
moral também trará o risco de pobreza. Na verdade, a banalização da palavra hábito 
pode induzir a conexão entre moralidade e comportamentos repetidos, através de 
exemplos e normativos de diferentes ordens que levaram à introdução de regras pelo 
indivíduo, forçando-o a cumprir o que costuma ser chamado de dever. Na verdade, mais 
importante ainda, se considerarmos um determinado campo da experiência histórica 
chamado romance, descobriremos que esse termo traz consigo a árdua tarefa de 
estabelecer a singularidade em termos de valor e estilo de vida, e dá ao indivíduo 
singularidade. Seu poder, como a " têmpera" de um cidadão, permite-lhe viver uma vida 
moralmente notável como virtude de um cidadão. 
 
35 
 
 
Seja na metrópole grega ou na Roma republicana, a existência poderosa da vida 
política na vida moral é óbvia, de modo que a relação entre ética, moral e política é um 
problema para nós, porque os antigos experimentaram essas conexões como pertinência 
intrínseca com a vida comunitária. Nossas dificuldades podem ser explicadas pela 
mudança e perda do significado original. Historicamente, essa mudança e perda de 
significado é uma abstração gradual, que se tornou uma característica de nossa 
compreensão do estilo de vida, da comunidade e dos indivíduos. O desaparecimento do 
conteúdo específico dessas formas de existência é paralelo à consolidação da estrutura 
funcional social e ao desenvolvimento do conceito formal de agente social, este último 
não sendo acidentalmente designado como um “ator” que deve “atuar” num determinado 
“cenário”. 
Esse conceito incentiva a extensão da noção de "papel social" ao domínio ético, 
pois, na perspectiva do positivismo, a obrigação moral é determinada socialmente, e seu 
poder para os indivíduos decorre de sua objetividade inerente, como uma espécie de 
condição. A sistemática e a objetividade das organizações sociais são atribuídas ao 
significado moral de impor a moralidade aos indivíduos. Isso não é apenas uma obrigação 
de obedecer às regras,mas também um sentimento de pertencimento dos indivíduos ao 
sujeito coletivo, que é semelhante ao que Bergson chama moralidade fechada. No 
campo, a internalização do "papel social" corresponderá à externalização do 
comportamento adequado, que é proporcional à eficiência esperada da internalização da 
"obrigação social" (ARENDT, 2004). 
Mas o próprio Bergson sabe que essa série de decisões constitui um circuito 
restrito da moralidade social, que não é igual a todos os aspectos da experiência da ação 
humana. Também é necessário considerar e até certo ponto, ao contrário, se 
considerarmos a possibilidade de o comportamento pessoal romper o cativeiro com o 
indivíduo, então a singularidade do indivíduo pode estabelecer seu próprio status de 
forma fortemente questionada e até destrutiva e subversiva diante dessas regras 
objetivas. O caráter moral do comportamento decorre do fato de que, embora incrível, 
esta é a razão do nascimento da ação e as consequências resultantes. Na verdade, não 
há como medir a liberdade que existe na ação, assim como não há sentido em tentar 
estabelecer uma relação causal entre liberdade e ação. A ação ocorre no mundo e o 
 
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mundo é estabelecido - isso é muito diferente de fazer ou fabricar objetos, em cujo caso 
os princípios e propósitos podem ser medidos e esclarecidos. 
Podemos ainda protestar, para reforçar esta diferença, à conexão entre ação e 
liberdade, vista na filosofia de Sartre. Não sendo a liberdade uma capacidade ou atributo 
do indivíduo, mas sendo a subjetividade igual à liberdade, o sujeito sempre atua 
livremente, mesmo quando deliberadamente rejeita ao exercício de sua liberdade. Somos 
fatalmente livres e não temos como mudar isto; assim sendo, a ação não vem do sujeito 
pela mediação de conexão causal, mas dele emana noticiando a subjetividade com a 
mesma imediatez com que os gestos revelam o corpo. 
Portanto, assim como não se pode distinguir o que, em mim, seria motivação das 
minhas ações, também não se poderia atrelar ações do sujeito a instâncias extrínsecas 
e decisivas senão com a condição de não mais ponderar tais ações como pertencentes 
àquele sujeito. A heteronomia e a alienação aparecem quando já não reconhecemos o 
indivíduo como razão e realidade satisfatórias de suas ações – e quando ele mesmo já 
não se enxerga assim (ARENDT, 2004). Podemos perguntar, no entanto, por que não é 
clara a relação de ligação entre a ação e o sujeito que age? Porventura não seria “natural” 
supor que aquele que age seja o sujeito de suas ações? 
A dificuldade vem justamente de que a relação entre o sujeito e suas ações não é 
“natural” e sim moral. Não se trata de compreender como alguém faz alguma coisa, ou 
seja, por quais meios, exteriores a si mesmo, ele teria conseguido produzir ou fabricar 
alguma coisa que cumprisse certos propósitos; de que ferramentas se teria servido e 
como teria manuseado tais instrumentos com o escopo a atingir, precisamente fazer o 
que queria fazer. A ação tem com o sujeito uma conexão interna e intrínseca que elimina 
a mediação instrumental e o diagnóstico dos meios e dos fins em termos de separação e 
articulação, tanto dos meios utilizados quanto da eficácia concernente a alcançar uma 
finalidade. O sujeito é, na visão de Sartre, uma totalidade sintética e a conexão que ele 
mantém com sua ação é do mesmo tipo. E é este tipo de relação que denominamos 
moral: “o homem é o sujeito de suas ações” que significa: todo homem é ou será aquilo 
que se tornar a partir de quais forem suas ações e do modo como agir. 
Daí o caráter peculiar da ação e a impossibilidade de assumir que, em tudo que 
faz, um homem age. Se faço o que me comandam, não ajo; se o resultado de minha 
 
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interferência no mundo decorre de algo que me foi ordenado, que eu fui obrigado a 
executar, ou mesmo levado a executar, então não agi; simplesmente me fiz ferramenta 
para exercer a vontade de outro, seus objetivos e propósitos. Configurei o que ele 
desejava, como alguém que fabrica um objeto a partir do projeto de quem o encomendou. 
Este resultado não mantém conexão interna com o sujeito, o qual, desta forma, não agiu 
neste caso como sujeito no sentido ativo do termo, mas apenas fez algo se sujeitando a 
outro. 
E qual seria a condição para esta relação sintética ou esta conexão interna entre 
o sujeito e sua ação? Ou, mais simplesmente, o que é e como ocorre uma ação? Pelo 
menos desde Agostinho, temos ciência de que o que nos mantém na existência temporal 
é o movimento da consciência. Lembrar é possuir consciência do passado; aguardar é 
ter consciência do futuro; perceber é possuir consciência do presente. Esta vista de nós 
a nós mesmos, que é também a vista de Deus em nós, nos faz saber quem somos, de 
modo anterior e mais intenso do que as definições formais, como animal racional e outras. 
E, no cogito cartesiano, ficará mais evidente esta consciência de si que é a certeza 
fundamental (ARENDT, 2004). Mas, se lembrarmos o que dizia Sócrates sobre a 
presença íntima de um daimon que tinha, especialmente, poder de dissuadir, vemos, 
nesta época anterior à afirmação do si, e do que percebemos por consciência na acepção 
que nos é mais comum, algo que ajuda o discernimento sem afetar a liberdade. O daimon 
dissuade de algo que se poderia realizar, mas não determina a agir. Como compreender, 
no contexto agostiniano, a presença simultânea da alma (si-mesmo) e de Deus na 
interioridade? 
Como entender a certeza que Sócrates depositava no seu daimon? Como 
compreender a identidade cartesiana como a presença imediata de si a si ou a auto 
revelação da essência do homem? À primeira vista, diríamos que são revelações da alma 
recolhida a si mesma, desprovida de tudo que pudesse levar a confundi-la com o que ela 
não é: ocorrências de encontro da identidade. Mas este si-mesmo jamais está 
absolutamente só, pois a presença do daimon é a presença de outro. A presença de Deus 
na alma é a presença do Outro, é a presença da ideia de infinito (reprodução de Deus na 
alma) é o que determina a minha finitude. E isto que me acompanha, tão profundamente 
que se torna difícil diferenciar de mim mesmo, é o que permite a Sócrates, a Agostinho e 
 
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a Descartes o encontro da Verdade e do Bem. O que nos faz reparar que a consciência 
(com-ciência), a ciência que tenho de mim próprio enquanto presença imediata, já é uma 
relação, ainda que seja do indivíduo com ele mesmo. O que nos traz este característico 
estado de espírito em que estar só é estar consigo próprio? 
“A moralidade diz respeito ao indivíduo na sua singularidade. O critério do certo 
e do errado, a resposta à pergunta ‘o que devo fazer’, não depende, em última 
análise, nem dos hábitos e costumes que partilho com aqueles ao meu redor, 
nem de uma ordem de origem divina e humana, mas do que decido com respeito 
a mim mesma. (...) O estar só significa que, apesar de estar sozinha, estou junto 
de alguém (isto é, eu mesma). Significa que sou duas-em-uma, enquanto a 
solidão e o isolamento não conhecem este tipo de cisma, esta dicotomia interior 
em que posso fazer perguntas a mim mesma e receber respostas. O estar só e 
sua atividade correspondente que é o pensar podem ser interrompidos(...)” 
(ARENDT, p. 162-163, 2004.). 
Alguns detalhes que devemos destacar neste trecho. Primeiramente, existe um 
modo de estar com os outros que satisfaz ao que Bergson titulava de camada superficial 
do Eu, ou a consciência no seu contato pragmático com o mundo: “hábitos e costumes 
que partilho com aqueles ao meu redor”. Se isto for juízo crítico de minhas decisões, 
jamais sairei do circuito fechado da moral social, ou das regras sociológicas da moral. 
Também não, se depender de uma instância metafísica com poderes sobre “o que devo 
fazer”, seja esta instância explicada como divina ou como autoridade humana. A decisão 
é minha; o sujeito está sozinho. 
Em segundo lugar, esta solitude(que Arendt difere de solidão), quer dizer estar 
sozinho com sua consciência, num duplo sentido: estou sozinho e (porque) estou 
“somente” com minha consciência – comigo próprio. O peso desta situação singular de 
solitude é enorme: apenas quando estou comigo próprio é que estou com alguém cuja 
“companhia” não posso escusar. Duas pessoas em uma: mesmo que não exista 
intencionalmente qualquer referência teológica, pode-se dizer que estamos perante do 
mistério da pessoa: duas, distintas e a própria. Mais ainda: uma “cisma”, quer dizer uma 
separação em que cada uma das partes avulsas reivindicará que ela é autenticamente 
“una”. Porém, neste caso, a cisma é reconhecida como possibilidade de diálogo: “posso 
fazer perguntas a mim mesma e receber respostas”. A “dicotomia interior” permite 
descortinar um amplo campo de reflexão que advém como uma interrogação de si próprio 
– nos passos do exame socrático da alma. 
 
39 
 
 
O terceiro ponto, é que o estar só é condição do pensar pois esta atividade seria 
o “estado correspondente” à solitude. A decisão moral é adotada pelo sujeito a sós 
consigo próprio, isto é, numa situação de autoexame, de interrogação de si para si. 
Assim, as solicitações extrínsecas são desprovidas de seu poder de pressão e o sujeito 
pode indagar e responder a si próprio sem interferência alheia, desde que saiba 
conservar o estar só. A sustentação que se trata de uma situação de diálogo e não de 
legítimo solipsismo está na menção que a autora faz à possibilidade de que eu possa 
conversar com outra pessoa numa tal coincidência de espírito (de ansiedades e 
inquietações) que seria como se conversasse com “outro eu”: caso que Aristóteles explica 
como philia, amizade. O amigo é um outro eu. Seguramente porque a amizade consiste 
no caminhar junto de duas consciências. 
Por fim, “o estar só e sua atividade correspondente que é o pensar, podem ser 
interrompidos”. Afirmativa ousada: o pensar pode ser interrompido. Aqui temos de nos 
amparar da diferença que se pode constituir entre uma definição formal e uma 
compreensão da realidade do pensamento. A expressão aristotélica “animal racional” 
como definição do homem tem sido recriminada pelo menos desde Descartes, não por 
estar incorreta, mas no que pertence à sua impropriedade para nos fazer entender o que 
seja “essencialmente” o homem. Sabemos que em Descartes tal julgamento está 
comprometido com o dualismo radical, que não pode aceitar a síntese entre o animal 
(mecanismo) e a razão, percebida como alma, ou substância espiritual. Por outro lado, já 
nos habituamos com a distinção entre diversos níveis ou formas do pensar, que a 
fenomenologia, por exemplo, nos fez constatar. Ora, se falamos de moralidade, ou do 
pensar como decisão moral que o sujeito adota interrogando-se a si mesmo, notamos 
que a capacidade de pensar de que se discute aqui diz respeito não à racionalidade em 
seu sentido geral e formal, mas à possibilidade de discernir moralmente o que se exibe 
como o melhor no plano do agir. Por isto Arendt recomenda que pensar não é o mesmo 
que contemplar, em que pese a assimilação muitas vezes notada na história da filosofia. 
Pensar é uma atividade que antecede a ação e da qual se distingue. 
“A principal distinção, em termos políticos, entre Pensamento e Ação, reside no 
fato de que, quando estou pensando, estou apenas com o meu próprio Eu ou 
com o Eu de outra pessoa, ao passo que estou na companhia de muitos assim 
que começo a agir.” (ARENDT, p.171, 2004.) 
 
40 
 
 
Mas o que nos importa é menos a diferença do que a relação, ou uma certa 
continuidade. Talvez nos auxilie a distinção entre a simples representação das ideias e o 
juízo. É significativo que Descartes não veja, em relação às ideias separadas, qualquer 
problema quanto à verdade ou falsidade, e que remeta tal ponto ao plano do juízo, em 
que asseguro ou nego alguma coisa das ideias que tenho capacidade de representar. E 
ainda é mais expressivo que Kant, na Crítica do Juízo, observe casos em que as ideias 
usadas no juízo não correspondem aos princípios da analítica transcendental, nos termos 
da objetividade dentro dos limites da experiência plausível. E desde Descartes sabemos 
também que o juízo está diretamente ligado com a liberdade humana. 
Ou seja, as possibilidades contidas no juízo só são parte de regras e normas que 
dizem respeito às condições e limites se o sujeito aceitar a regra cartesiana da limitação 
da vontade ou a regra kantiana da reflexão como oposta à determinação. Em outras 
palavras, como já foi mencionado, o juízo remete à liberdade. É neste sentido que se diz, 
desde Aristóteles, que a racionalidade prática, enquanto formulação de juízos morais, 
depende mais do discernimento do que do conhecimento. O que explica a afirmação de 
Arendt, de que a consciência fica no juízo. Pelo menos se compreendermos que a função 
principal da consciência não seria atestar a realidade, mas avaliar possibilidades e 
opções que dizem respeito à ação (ARENDT, 2004). 
E assim conseguimos explicitar melhor por que a solitude é a condição do pensar 
e porque a decisão moral não pode considerar hábitos, costumes, autoridade, crenças, 
mas deve ser obra única da consciência. Quando penso na definição de ter que viver 
comigo, posso lançar mão de uma comparação. Será que seria afável viver em estreita 
companhia com alguém que seja delinquente, corrupto, mentiroso, etc.? Ora, sempre 
posso me separar dessas pessoas; mas se eu mesmo tiver cometido algo neste sentido, 
ainda que ninguém mais saiba, eu saberei e nunca poderei abdicar a mim mesmo, por 
mais que me pratique no esquecimento. 
Percebe-se que isto não significa somente que o sujeito está sempre diante de si 
e que é deveras difícil calar a consciência. O mais importante, neste caso, é o diálogo 
consigo próprio, a decisão tomada em regime de solitude, as interrogações e as 
respostas que devo a mim próprio. Devo fazer? Posso fazer? Essas perguntas são limites 
e originam decisões em situações-limites. Elas são respondidas por discernimento, ou 
 
41 
 
 
seja, ao mesmo tempo são terrivelmente complexas e extraordinariamente simples. 
Arendt cita o caso daqueles que, na Alemanha, não condescenderam com o nazismo. A 
própria vida e a dos seus familiares em risco iminente: situação-limite. Contudo, ao 
mesmo tempo, uma resposta simples, desonerada de razões e explicações; não posso. 
“Em outras palavras, não sentiam uma obrigação, mas agiam de acordo com algo 
que lhes era evidente por si mesmo, mesmo que não fosse evidente para aqueles 
ao seu redor. Assim a sua consciência, se é disso que se tratava, sem caráter 
obrigatório, dizia: ‘isso não posso fazer’. ” (ARENDT, p. 142, 2004.). 
Houve, neste caso, não uma obrigação moral, regras, princípios ou imperativos, 
mas uma consciência evidente: não se pode assassinar pessoas inocentes. Sem 
arguição e sem justificativa. Quase falaríamos: “naturalmente” se não se mostrasse nesta 
atitude algo muito diferente da natureza: a capacidade humana de pensar no sentido de 
formar juízo. E é tamanha a força deste juízo que excede a evidência formal: é mais 
evidente que uma conjectura lógica ou matemática. É algo que provém do indivíduo tão 
diretamente que ele meramente não vê possibilidades de agir de outra maneira. Como 
quando Sócrates diz: é melhor sofrer o mal do que causar o mal. Um juízo moral; uma 
evidência, não um heroísmo. Mas uma evidência que nunca se mostrará como fruto de 
uma manifestação, porque nunca será possível comprovar a adequação entre um juízo 
moral e a realidade. Jamais se poderá concluir que a proposição “é melhor sofrer o mal 
do que causar o mal” possui determinada correspondência com a “realidade”. 
Recordemos das razões pelas quais Trasímaco e Cálicles defendem a força como critério 
de justiça: por serem argumentos conformes à natureza. 
É preciso, perante o que foi dito, tirar uma consequência. A existênciado mal, 
inegável a despeito dos esforços lógicos das teodiceias, acha uma explicação na 
incapacidade de pensar por si próprio, isto é, de formular juízo moral. É preciso constatar 
que existem indivíduos, em quem a subjetividade se encontra de tal forma esvaziada, 
que a racionalidade se exerce como uma maneira indiferente, assim como o instinto do 
animal se exerce de forma cega, sem reflexão. Trata-se de um deslocamento básico da 
questão, com profundas implicações éticas e políticas. As explicações metafísicas e onto-
teológicas se mostraram formais diante da experiência histórica do mal. Numa “segunda 
navegação” o mal será tratado de forma antropológica: histórica e ética, o que quer dizer, 
 
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também, política. O homem está na raiz do mal como de tudo que se fez e se desfez em 
termos de civilização. O mal é fruto histórico, e a sua explicação depende de uma 
articulação cautelosa entre as condições objetivas da história e as disposições dos 
indivíduos. 
O indivíduo pensa por si e age com os outros. Nesta conexão está a verdade da 
História em comum e das histórias pessoais. E na distinção, que é também uma 
continuidade, entre pensar, ajuizar e agir situa-se a relação necessária entre liberdade e 
responsabilidade. O que faz com que liberdade e responsabilidade fiquem sem dúvida 
no plano da ação, mas constituam também atos de pensar. O juízo deve engendrar a 
ação e a responsabilidade, derivada de uma decisão autônoma. 
O mal histórico, tal como ocorreu na Alemanha na época do nazismo, pode ser 
explicado por esta incapacidade de pensar/ajuizar, que é característica de uma situação 
cujo princípio de compreensão está na menoridade de que fala Kant no texto Resposta à 
Pergunta: o que é o Iluminismo?. Mas não se trata apenas de uma menoridade intelectual 
ou de um uso ainda carente da razão. Na verdade, o que se encontra diminuído, ou por 
acaso anulado, é a humanidade. O que difere o ser humano é o pensamento, mas não 
no sentido da racionalidade formal, e sim no sentido do julgamento, ou seja, 
discernimento entre o certo e o errado, e não a partir de regras e fórmulas, mas a partir 
da liberdade (ARENDT, 2004). Como num estado totalitário todos são forçados a seguir 
uma única ideia, é claro que não há condições para que o indivíduo pratique a 
interrogação a si mesmo acerca do que deve e pode realizar. Temos então o fenômeno 
adverso do descrito acima: ausência de pensamento; incapacidade para formar juízo; 
renúncia da liberdade e não assunção da responsabilidade. Ainda assim, as condições 
objetivas, a aclamação da força, a sedução e até a unanimidade podem ser afrontadas, 
como foram, embora por poucos, por via do pensamento: pensar o mal pode preveni-lo 
e, talvez, evitá-lo. 
Isto nos leva a crer que toda imposição, mesmo por meios não violentos, é de 
índole totalitária. Sócrates é exemplar neste sentido: não sou eu que devo persuadir o 
outro; é ele que deve se satisfazer, aceitando aquilo que foi determinado pelo próprio 
pensamento. Neste caso, o ponto de partida em todo procedimento de formação de juízo, 
é sempre a diversidade. Há, portanto, relação entre juízo e democracia, desde que 
 
43 
 
 
possamos supor que numa democracia cada pessoa pensa por si mesmo e age com os 
outros. A pluralidade seria momento de esclarecimento e de conhecimento do outro. 
Pensar por si próprio e agir com os outros é algo perfeitamente compatível com o espaço 
público, pois a dimensão coletiva, se for compreendida como diversidade, busca 
justamente o equilíbrio entre a singularidade dos juízos e a harmonia deliberada a partir 
do pensamento e da palavra partilhados. 
Desde que penso por mim próprio e ajo com os outros sou levado a achar um 
equilíbrio tenso entre a subjetividade e a intersubjetividade, pois a experiência da ação, 
que não elimina a experiência do pensamento, é plural. Simultaneamente a este 
pluralismo, que não é multidão no sentido de massa, remete firmemente às diferenças 
entre os sujeitos. Assim, pode-se dizer que já em Sócrates pensar é um treinamento 
político. Os seus juízes bem o entenderam, bem como o potencial subversivo deste 
comportamento (ARENDT, 2004). Contudo, se podemos dizer que com Sócrates isto já 
ocorria, não podemos afirmar que acontece desde Sócrates, porque o desenvolvimento 
histórico da filosofia e da política acabou por desvincular pensamento e esfera pública. 
Por isso temos hoje em dia dificuldades para julgar as ações políticas, e se trata 
de um obstáculo radical, porque a causa primária desta situação é a própria dissipação 
da política, substituída pela gestão das necessidades dentro do contexto de uma 
racionalidade instrumental. O esvaziamento do espaço público enseja não somente a 
confusão entre o público e o privado – e a consequente apropriação do público pelo 
privado - mas também a tendência a julgar condutas públicos com critérios de moralidade 
privada. Esta dificuldade de formular um juízo moral sólido se prolonga ou se desdobra 
na impossibilidade de formular juízo político. Quando já não nos embravecemos com a 
banalização da política, com a corrupção em seus múltiplos aspectos, com o assalto 
constante à coisa pública, com a exclusão da divergência, com a ausência total de ideias 
e princípios, isto constitui a falência de critérios, seja de moralidade pública, seja de 
moralidade privada, que são intercambiadas segundo as conveniências. Torna-se então, 
franca, a ausência de pensamento, de juízo e de responsabilidade, o que nos deixa claro 
como é atual o pensamento de Hanna Arendt quando o aplicamos à relação desordenada 
que se observa entre ética, moral e política nas democracias formais. 
 
44 
 
 
8 RELIGIÃO E POLÍTICA NA HISTÓRIA 
A influência ou participação da religião na política é um fato histórico que 
acompanhou as sociedades, em maior ou menor medida, desde o surgimento das 
primeiras organizações sociais complexas. O secularismo de Estado, isto é, a separação 
entre as instituições políticas e as religiosas, é debatido há muito tempo. Essa ideia ganha 
força a partir do Iluminismo (século XVIII), sendo efetivada pela primeira vez pela 
Revolução Francesa (1789–1799). 
8.1 Os Estados teológicos ao longo da história 
As religiões são expressões humanas presentes em todas as culturas. Para além 
de expressar uma conexão com o que é entendido como divino, carregam em si um forte 
aspecto político e ético, na medida em que expressam valores e modos de 
comportamento que se tornam regras, dogmas e modos de ação. O Pentateuco, que 
compõe a Torá e os cinco primeiros livros da Bíblia, traz, por exemplo, diversas normas 
de higiene: determina-se que os que soldados façam suas necessidades fisiológicas fora 
do acampamento e as enterrem (Deuteronômio, 23: 12–13). Estabelecem-se, de forma 
semelhante, as obrigações de se banhar e de se lavar as roupas após as relações 
sexuais (Levítico, 15: 4–27). 
As religiões, desde o surgimento dos primeiros Estados, exerceram grande 
influência sobre a cultura e as normas de conduta das pessoas. As sociedades antigas 
ergueram monumentos relacionados à religiosidade que eram, certamente, atrelados ao 
poder político. Exemplo disso são as pirâmides egípcias, que nada mais são do que as 
grandes tumbas dos faraós. Podemos mencionar, do mesmo modo, as pirâmides 
ritualísticas da América Central, que serviam, entre outros propósitos, para sacrifícios 
humanos. Templos, monumentos e escritos são outros exemplos das diversas formas de 
expressão da religiosidade ao longo dos séculos (GIUMBELLI, 2004). 
A relação entre Estado e religião é notória na história da humanidade, o que 
permite observar a formação de Estados teológicos. Nesses Estados, os regimentos 
religiosos estão intimamente ligados às instituições políticas, em oposição aos Estados 
 
45 
 
 
laicos ou seculares, onde há imparcialidade em matéria religiosa, de modo que não seja 
apoiada ou reprimidaa prática de nenhuma religião. O debate sobre a laicidade de Estado 
não é simples. No Ocidente, ao menos desde o fim do século XVIII, anunciou-se o “fim 
da religião”, em um movimento relacionado ao Iluminismo, que culminou na separação 
entre Estado e Igreja (GIUMBELLI, 2004). A conexão entre Estado e religião é 
comumente relacionada aos Estados medievais, intimamente ligados à Igreja Católica. 
Tal conexão é, porém, muito anterior: o poder político das civilizações antigas estava 
profundamente ligado às respectivas religiosidades. Exemplos disso são as figuras dos 
faraós do Egito e dos imperadores romanos, que concentravam as funções de chefes de 
Estado e de líderes religiosos, conforme Doberstein (2010). 
A conexão entre poder político e poder religioso não é aleatória, pois o primeiro se 
fundamenta e encontra estabilidade a partir da regulamentação do comportamento dos 
cidadãos. Essa regulamentação passa tanto pelo campo político, de exercício de poder, 
quanto pelo campo ético, com a criação de normas a serem seguidas de maneira ampla 
por aqueles que habitam sob o poder de determinado Estado ou governante. A religião é 
fonte de normas de comportamento e de valores de um povo; por isso, facilmente 
encontra confluência com a necessidade de governar dos chefes estatais, seja como 
fonte normativa ou de justificação do exercício do poder. A consolidação do poder político 
passa, historicamente, por uma justificação religiosa. Afinal, afirmar o poder político com 
base na religião é um modo bastante simples de justificar o exercício desse poder. Trata-
se de “governar por vontade divina”, por vezes divinizando a própria figura do governante 
(DOBERSTEIN, 2010; PIAZZA, 2005). 
A ligação entre Estado e religião permite justificar valores ou realidades sociais 
como sistemas de classes. O mais notório desses é o sistema de castas das sociedades 
hindus, que têm como principal represente a Índia. O sistema de castas é a divisão de 
grupos sociais baseada na ascendência, sendo expressão de um modo de justificação 
religiosa que garante um ordenamento das classes sociais, com praticamente nenhuma 
mobilidade, de acordo com Hofbauer (2015). Apesar de abolido na Índia como prática 
governamental desde 1947, esse sistema segue, em grande medida, sendo praticado. 
Divisões desse tipo não são exclusividade do Oriente: o sistema medieval ocidental de 
nobres e servos, que conta com a existência de um rei absolutista que exerce o poder 
 
46 
 
 
“por vontade divina”, também foi fundamentado, em maior ou menor medida, por 
intermédio religioso. Além de sua dimensão política, a influência do poder religioso sobre 
os costumes e sobre a ética não deve ser descartada. Diversos valores são justificados 
pela religião, tornando-a uma importante fonte de normas de conduta, que podem ser 
absorvidas pelos Estados como leis às quais os cidadãos devem se submeter. 
Outro aspecto da importância da religião para os Estados, ao menos no que diz 
respeito aos Estados teológicos da história, é a propriedade religiosa de criar ou promover 
uma identidade entre as pessoas. Os povos geralmente se reúnem por identidades 
étnicas e culturais, e a expansão de uma religião cria uma identidade entre pares que 
deve ser particularmente forte quando se deseja criar um Estado. Isso não significa que 
o poder político de um Estado deva se fundamentar exclusivamente na identidade 
religiosa entre o povo e o poder governante. Entretanto, esse elemento foi e é utilizado 
como instrumento para garantir essa identificação. Um exemplo dessa capacidade de 
criação de identidade foi promovido por Maomé, fundador do islamismo, antes do qual o 
mundo árabe era bastante diverso, inclusive em relação às suas fronteiras. Maomé, além 
de líder religioso, foi um importante líder político — o Islã lhe permitiu a conversão de 
diversos povos árabes segundo Lewis (2012). Assim, criou-se, fosse frente ao judaísmo 
e ao cristianismo, fosse frente às religiões e tradições tribais, uma identidade muçulmana 
com base na nova religião. Essa conversão de povos permitiu a Maomé a conquista 
definitiva de Meca em 629. Promoveu-se, com isso, a reunião do povo islâmico em torno 
da identidade religiosa em substituição à identidade familiar ou étnica. Desse modo, 
podemos afirmar que a religião islâmica foi essencial para a substituição da identidade 
promovida por clãs em favor de uma identidade religiosa. Isso não significa que não há 
conflitos no mundo árabe, mas torna possível notar que, em diversos momentos 
históricos, a religião serve para a constituição da identidade. 
As Cruzadas, movimentos militares de inspiração cristã, também podem ser 
apontadas como um fato histórico em que diversos povos europeus se reuniram em torno 
de uma identidade religiosa promovida pela Igreja Católica. A religião funcionou como 
fundamento e substrato para as lutas religiosas de cristãos contra não cristãos. Nesse 
caso, a religião permitiu criar uma unidade do “nós” contra “eles”, ou seja, do povo cristão 
contra os povos não cristãos, como os muçulmanos e os judeus. Acerca da influência 
 
47 
 
 
das religiões nos Estados, devemos traçar uma distinção entre teocracias e Estados 
confessionais. No Estado teocrático, o poder político e as ações políticas e jurídicas se 
fundamentam, justificam-se e submetem-se às normas de alguma religião de acordo 
Corsini Neto e Berbicz (2015). O poder, no Estado teocrático, pode ser exercido de modo 
direto, por líderes religiosos, ou de modo indireto, por pessoas que não fazem, 
efetivamente, parte do clero, mas cujas ações políticas estão submetidas às normas 
religiosas. O Egito antigo, em que o faraó era considerado um descente divino, e o 
Vaticano, em que o papa é o governante, são exemplos de Estados teocráticos. 
Um exemplo atual de tentativa de instauração de um Estado teocrático foi 
promovido pelo Estado Islâmico, criado em 2003, após a invasão do Iraque pelos Estados 
Unidos, tendo sofrido uma forte e rápida expansão após o início da guerra civil na Síria e 
chegado a dominar grandes territórios, principalmente no Iraque e na Síria. O Estado 
Islâmico pretendia aplicar a lei islâmica (sharia), um conjunto de normas que têm por 
base o Alcorão e é aplicada por diversos Estados que adotam o Islã como religião oficial, 
sendo empregada de modo total, parcial ou como inspiração para legislações próprias. 
O Estado Islâmico pretendia uma aplicação radical da sharia, impondo um regime de 
terrorismo e massacre a diversas populações locais opositoras e minorias étnicas e 
religiosas (G1, 2011; G1, 2014). 
O Estado confessional, por outro lado, é aquele que reconhece oficialmente uma 
ou mais religiões como religiões de Estado, de acordo com Corsini Neto e Berbicz (2015). 
Como exemplos de Estados confessionais, podemos citar a Argentina, que adota o 
catolicismo como religião oficial, a Inglaterra, que adota o cristianismo anglicano, e a 
Dinamarca, que adota o protestantismo luterano. A diferença entre Estado confessional 
e Estado teocrático nem sempre é evidente. Alguns países de maioria islâmica do Oriente 
Médio, como o Irã e a Arábia Saudita, são classificados, por alguns analistas, como 
teocracias e, por outros, como Estados confessionais. O nível de influência das religiões 
em políticas de Estado pode ser bastante distinto, mesmo entre Estados considerados 
confessionais. Por exemplo, apesar de o catolicismo ser a religião oficial da Argentina, a 
Igreja Católica não possui influência direta sobre as políticas de Estado, conforme Corsini 
Neto e Berbicz (2015). Por outro lado, em Estados como a Arábia Saudita e o Egito, a 
influência religiosa sobre o Estado é muito mais marcante. 
 
48 
 
 
Por um grande período da história, não havia oposição frente à íntima relação 
entre Estado e religião. O Estado laico é aquele em que existe a divisão entre Estado e 
religião, inclusive em termos institucionais.Nele, as questões e os dogmas religiosos não 
devem intervir nas ações políticas e de Estado, do mesmo modo que não deve caber ao 
Estado a ingerência sobre instituições religiosas: busca-se uma neutralidade mútua. Os 
Estados laicos, em geral, consideram a religião um assunto particular de cada cidadão; 
por isso, limitam-se a garantir a liberdade religiosa. A ideia de Estado laico ganhou força 
por influência dos pensadores do Iluminismo (século XVIII), sendo atrelada ao 
republicanismo. A ideia é posta em prática pela primeira vez com a Revolução Francesa 
(1789–1789) — desde então, a França adotou diversas medidas para garantir a laicidade 
do Estado (CORSINI NETO; BERBICZ, 2015). É possível afirmar que a laicidade é um 
fenômeno político, segundo Ranquetat Júnior (2008), pois representa a ruptura com a 
tradição humana de vincular o poder político ao poder religioso. Desse modo, o fato de 
um Estado ser laico não significa que pessoas religiosas não possam exercer cargos e 
funções públicas, mas que as convicções religiosas dessas pessoas não podem interferir 
em suas práticas como agentes de Estado. Em outras palavras, esses agentes não 
podem usar sua função de gestão para fazer com que o Estado atue de acordo com 
crenças religiosas. Não podem, do mesmo modo, favorecer ou desfavorecer religiões a 
partir de sua atuação estatal. Atualmente, a maioria dos Estados do mundo são 
considerados laicos. 
Além dessas classificações, fala-se, também, em Estado ateu, classificação que 
deve ser empregada quando determinado Estado promove oficialmente o ateísmo por 
meio da proibição ou da perseguição a práticas religiosas. O Estado ateu não deve ser 
confundido com o Estado laico: este prega a separação entre Estado e religião, ou seja, 
a neutralidade mútua entre assuntos religiosos e de Estado; aquele prega uma posição 
antirreligiosa. Os principais exemplos de Estado ateu são aqueles países que têm ou 
tiveram experiências de governo comunista ou socialista a partir do século XX: União 
Soviética, China e Coreia do Norte. 
 
49 
 
 
8.2 Movimentos religiosos da atualidade e sua relação com o Estado 
A maioria dos Estados nacionais do mundo são laicos, ou seja, passaram por um 
processo de secularização que promoveu, ao menos em tese, a separação entre poder 
político e poder religioso. Entretanto, o fato de um Estado ser laico não implica na 
proibição ou na exclusão da religião como fato cultural e político relevante. Todas as 
religiões possuem, em maior ou menor medida, um conteúdo ético e político. O 
estabelecimento de doutrinas e dogmas cria, invariavelmente, noções de bom e mau, ou 
seja, cria normas que determinam quais comportamentos serão aceitáveis ou não de 
acordo com um panorama ético, de acordo com Eliade, Couliano e Wiesner (1993). A 
aceitação de um comportamento ou prática ocasiona a taxação do comportamento 
oposto como errado ou inaceitável. Por esse motivo, a religião, enquanto norma de 
comportamento, possui reflexos políticos. Os poderes políticos são exercidos por um ser 
humano em relação a outro; dessa forma, as práticas e os valores religiosos, do mesmo 
modo que eventuais valores éticos e políticos distintos, estão incluídos nessa equação. 
Assim, o fato de o Estado ser laico não significa que as crenças religiosas não possuem 
influência política. 
As culturas e religiões das sociedades humanas não são estáticas: modificam-se 
e adaptam-se ao longo da história. Desse modo, surgem e desaparecem diferentes 
movimentos sociais que produzem efeitos significativos em relação ao Estado, seja na 
esfera de criação e aplicação de leis, seja na esfera dos modos de governo. Dentre os 
movimentos sociais, os movimentos religiosos exercem, certamente, grandes influências 
na sociedade, gerando, inexoravelmente, consequências políticas. Ao longo da história, 
à medida que as sociedades se modificam, os movimentos religiosos e as religiões 
passam por transformações. Nenhuma das grandes religiões possui doutrinas ou 
movimentos estanques segundo Eliade, Couliano e Wiesner (1993). Exemplo disso é a 
divisão do cristianismo em diversas religiões: o catolicismo apostólico romano, o 
cristianismo ortodoxo e as diversas formas de protestantismo. O mesmo pode ser 
observado em relação ao islamismo, dividido entre xiitas e sunitas. É importante notar 
que, mesmo no interior dessas divisões, há correntes e movimentos variados (ELIADE; 
COULIANO; WIESNER, 1993). 
 
50 
 
 
Os Estados atuais possuem complexos sistemas jurídicos, normas que 
regulamentam a vida e as ações sociais de modo amplo. Existem tanto leis regulatórias 
de atividades quanto leis relacionadas a costumes e fatos sociais. As religiões também 
regulam e tratam dos costumes e das ações dos indivíduos. Nos Estados laicos, a 
interferência dos movimentos religiosos tem se dado, especialmente, em relação à pauta 
política relacionada aos costumes, apesar de tais movimentos também se alinharem a 
organizações partidárias ligadas a pautas econômicas. Assim, nesse jogo político, é 
comum que diversos grupos, com pautas prioritárias diversas, aliem-se para promover e 
aprovar suas medidas de maior interesse. Os movimentos religiosos fundamentalistas 
são, provavelmente, os que estão se expandindo de modo mais rápido na atualidade, 
fenômeno que pode ser observado desde o século XX. Com base em sociólogos e 
historiadores da religião, Coelho e Jorge (2018, p. 13) opinam que “[...] os 
fundamentalismos expressam uma posição política que busca recuperar a hegemonia do 
poder religioso abalado pelo poder da ciência e do capitalismo”. Assim, os 
fundamentalistas, ao perceberem que as formas religiosas de explicação do mundo e de 
autoridade perderam força frente a outras espécies de discurso, expressam uma 
insurgência contra a ascensão dessas outras formas de saber. 
Segundo Coelho e Jorge (2018, p. 17), o termo “fundamentalista” se assemelha, 
em termos semânticos, ao termo “fanático”, que “[...] adjetiva todo aquele que se 
considera inspirado por uma divindade ou uma causa, que tem zelo excessivo por ela, 
que adere cegamente a uma doutrina ou a um partido [...]”. Há quem use o termo 
“fundamentalista” para descrever outros modos ou discursos fanáticos, como, por 
exemplo, os discursos ligados à política, aos partidos ou à economia. Entretanto, a 
principal utilização do termo está atrelada à religiosidade. É necessário destacar que isso 
não é imutável, na medida em que movimentos fundamentalistas podem criar 
movimentos políticos ou se aliar a movimentos políticos preexistentes, havendo uma 
troca de apoio mútua entre ambos. O apego do fundamentalista à doutrina religiosa tem 
reflexos políticos importantes, pois, em razão de sua inflexão em direção a outros 
discursos, certos grupos buscam a imposição política de seus valores. Assim, os 
movimentos religiosos fundamentalistas não estão adstritos apenas às práticas 
religiosas, mas também às práticas e influências políticas. Buscam, na maioria das vezes, 
 
51 
 
 
a submissão de todos às suas doutrinas, de acordo com Coelho e Jorge (2018). Por esse 
motivo, é possível afirmar que os fundamentalismos religiosos são movimentos tanto 
religiosos quanto políticos. 
O desenvolvimento da ciência moderna, a partir de movimentos e mudanças 
sociais decorrentes do Renascimento e do Iluminismo, deu uma falsa esperança a muitos 
pensadores acerca da possibilidade de explicação do mundo com base em teses 
exclusivamente científicas e racionais. Assim, a ciência foi inicialmente tomada como a 
“verdade”, e a religião, relegada a uma outra forma de expressão, incapaz de enunciar 
discursos de “verdade”. Com isso, criou-se, dubiamente, uma crença exagerada na 
ciência como um modo de conhecimento capaz de satisfazer as necessidades de 
conhecimento humano; ao mesmo tempo, criou-se um movimento religioso de 
insurgência, desejoso de um retorno ao status anterior, segundo Coelhoe Jorge (2018). 
Esses fatos causaram dois efeitos importantes: o primeiro é que se observou que a 
ciência é incapaz de explicar, de modo absoluto, todos os fenômenos; e o segundo é que 
o fundamentalismo religioso foi realocado nessa guerra de forças e poderes. O apelo 
psicológico e afetivo do fundamentalismo é grande: pressupõe uma visão única e prega 
a certeza em relação a ela (LIONÇO, 2017). No fundamentalismo, não há espaço para 
questionamentos ou dúvidas, pois, a doutrina fornece todas as repostas, não podendo 
ser questionada. Em um mundo de incertezas e lacunas, a doutrina fundamentalista 
encontra seu lugar e fornece aquilo de que carecem as pessoas. 
O fundamentalismo apresenta um discurso muito simplista. Em geral, expressa um 
discurso salvacionista, defendendo propostas e ideias claras e simples acerca do que é 
necessário fazer para que sejam instauradas as suas propostas. Não é incomum que os 
fundamentalistas expressem ideias de “restauração” de algo que existia ou de destruição 
de um “inimigo” que, segundo sua leitura, é causador de todos os males (LIONÇO, 2017). 
Os vários modos de fundamentalismo religioso procuram interferir nas questões de 
Estado. O ambiente político democrático é palco de debates, e esses debates 
pressupõem tanto a existência de visões opostas quanto um ambiente propício para a 
mudança de opiniões e a realização de concessões. Em razão disso, em um ambiente 
de debate político, não há lugar para o fundamentalismo, na medida em que essa posição 
não realiza concessões, apenas imposições. 
 
52 
 
 
Isso, contudo, não quer dizer que o discurso religioso deva ou possa ser excluído 
do debate democrático. O funcionamento dos Estados democráticos está organizado de 
forma a garantir o debate público, de modo que todos os discursos, inclusive a retórica 
religiosa, possam fazer parte dessas discussões (LIONÇO, 2017). Assim, deve ser 
garantido o dissenso, a possibilidade de debate e a discussão, sem que o discurso 
religioso se sobreponha às demais formas de expressão. Não se trata, desse modo, de 
conceder privilégio ao discurso científico, sociológico ou de qualquer outra natureza, mas 
de garantir que todos os saberes possam participar do debate democrático. O problema 
do discurso fundamentalista religioso é o fato de ser dogmático, ou seja, de afirmar 
“verdades” de modo absoluto. Entretanto, ao ser inserido no debate democrático, será 
mais uma retórica, mais um discurso. O rompimento com o Estado teológico deve, dentre 
outros objetivos, garantir que o discurso religioso não se sobreponha aos demais, 
possibilitando a inserção de diferentes retóricas no debate democrático. 
Muito se fala do fundamentalismo religioso islâmico após a ascensão de grupos 
terroristas e dos ataques que deram notoriedade a esses grupos. O Estado Islâmico é, 
atualmente, o grupo islâmico extremista mais conhecido em razão de suas práticas 
terroristas e da ampla utilização das mídias digitais para prover seus conteúdos. 
Movimentos religiosos extremistas nem sempre pregam a destruição de um Estado e a 
fundação de outro, tal qual faz o Estado Islâmico. Existem posições extremistas que estão 
inseridas nos jogos políticos internos ao próprio Estado. Muitas vezes, elas não 
aparecem, no debate público, como uma ideia de mudança radical, mas como apoio à 
aprovação de leis sensíveis aos interesses e posições de determinado grupo. O 
fundamentalismo não é, contudo, exclusividade do islamismo. Nos últimos anos, em 
várias localidades, como no Brasil e no Estados Unidos, houve rápido crescimento de 
seguidores de igrejas protestantes neopentecostais, que defendem pautas 
conservadoras e favorecem a eleição de políticos com o seu ideário. É possível citar, 
também, os grupos fundamentalistas budistas de Mianmar, que promoveram o genocídio 
do grupo étnico-religioso rohingya, majoritariamente muçulmano, em diversos episódios, 
que tiveram origem em 2016 e se intensificaram em 2017 e 2018. 
Assim, é possível afirmar que muitos movimentos religiosos, mesmo na atualidade, 
frequentemente buscam interferir na política. Essas investidas podem ocorrer de diversas 
 
53 
 
 
formas: por meio da tomada direta do poder, por revoluções ou levantes, ou por meio de 
modos mais sutis, como a eleição de políticos alinhados a grupos ou crenças religiosas 
específicas. O maior problema não é a participação de movimentos religiosos no debate 
político ou mesmo a atuação de seus representantes em cargos públicos, mas a tentativa 
de instauração de uma via única de discurso. Em outras palavras, o problema é pretender 
impor a todos, por meio da utilização do aparato estatal, uma única forma de conduta ou 
um único conjunto de crenças. 
8.3 A bancada evangélica e a sua relação com o Estado laico 
O Brasil é, legalmente, um Estado laico, isto é, não possui uma religião oficial nem 
deve promover nenhuma atividade que favoreça qualquer credo religioso. Não há, na 
Constituição Federal, nenhuma expressão literal de que o Estado brasileiro seja laico, 
mas os artigos V, VI e XIX da Constituição, de acordo em Brasil ([2020]), estabelecem a 
liberdade religiosa e o livre exercício de todos os cultos, estando todos sob a proteção do 
Estado. Também estabelecem que nenhum dos membros da Federação possa 
embaraçar o funcionamento de igrejas ou de cultos religiosos, ou mesmo manter com 
eles relações de favorecimento. Apesar de não contarem com a expressão “laico”, esses 
dispositivos constitucionais deixam clara a laicidade do Estado brasileiro, ao menos no 
plano legal. Apesar disso, consta no preâmbulo da Constituição que ela foi promulgada 
“sob a proteção de Deus”, o que não retira o status de laico do Estado brasileiro, mas 
evidencia a grande influência religiosa presente no país. O aumento do número de 
evangélicos no Brasil é um fenômeno constatado pelo IBGE. O último censo que verificou 
a religião dos brasileiros, em 2010, apontou que, entre 2000 e 2010, o número de 
evangélicos aumentou 61%. O número de congressistas evangélicos também tem 
aumentado, seguindo a tendência de aumento do número de evangélicos no país (G1, 
2012). 
Antes de definirmos o que é a bancada evangélica, é necessário definir quem são 
os evangélicos no Brasil. Trata-se de um grupo formado por diversas igrejas distintas, 
algumas com expressivo número de seguidores. Os evangélicos têm, em comum, o fato 
de serem seguidores de correntes protestantes, mas a semelhança entre eles não vai 
 
54 
 
 
muito além disso. Além disso, dividem-se em diversos grupos, sobre os quais não é 
possível falar em uma unidade, mas em uma grande diferença de doutrinas. O censo de 
2010 do IBGE apontou, no entanto, que mais da metade dos evangélicos são 
pentecostais ou neopentecostais (IBGE, 2013, p. 203). A chamada “bancada evangélica” 
vem chamando a atenção nas últimas legislaturas por seu crescimento, organização e 
pelo grande alarde daqueles que a compõem, especialmente quando se trata de temas 
socialmente sensíveis, relacionados aos costumes. “Bancada evangélica” é, nesse 
contexto, o termo utilizado para designar a Frente Parlamentar Evangélica, composta na 
56ª Legislatura por 95 deputados federais e 8 senadores. Ao menos desde as eleições 
de 2010, o número de parlamentares dessa frente vem crescendo, acompanhando o 
crescimento do número de evangélicos no Brasil. 
Os parlamentares que integram a Frente Parlamentar Evangélica são de diversos 
partidos, ligados ou não a instituições religiosas, e muitos deles já haviam exercido outros 
mandatos em outros partidos. Os partidos aos quais os parlamentares da bancada 
evangélica pertencem são diversos e incluem desde partidos de esquerda a partidos de 
extrema direita, conforme apresentado por Câmara (2019). A maioria dos parlamentares 
da bancada religiosa estão ligados a igrejas pentecostais ou neopentecostais. A 
Assembleia de Deus (pentecostal) e a Universal do Reino deDeus (neopentecostal) são 
as igrejas evangélicas com o maior número de representantes eleitos entre as igrejas 
evangélicas, fato que se repetiu nas duas últimas legislaturas (2015–2018/2019–2022) 
(DAMÉ, 2018; JMNOTÍCIAS, 2018; TAVARES, 2018; MARINI; CARVALHO, 2018). É 
necessário destacar que cada deputado ou senador pode fazer parte mais de uma frente 
ou bancada parlamentar. Por isso, parlamentares da bancada evangélica costumam 
participar também de outras frentes parlamentares, conforme divulgado por Câmara 
(2019), Moreira (2019) e Trutis (2019). 
A atuação dos parlamentares da bancada evangélica é especialmente notória em 
temas relacionados aos costumes. Trata-se de uma bancada conservadora, que defende 
a ampla criminalização das drogas, a proibição do aborto, a inclusão da “teoria da criação” 
na base curricular de ensino e a proibição de uniões civis homoafetivas, dentre outros 
temas. A bancada evangélica não é a única conhecida por suas posições conservadoras. 
As bancadas armamentista e ruralista também são ligadas à direita brasileira e aos 
 
55 
 
 
movimentos conservadores, de acordo com matérias de Alessi (2017), Cavalcanti (2017) 
e Tatemoto (2019). Em conjunto, essas bancadas são designadas pela alcunha “bancada 
BBB”, que faz referência às bancadas da “Bíblia” (evangélica), “da bala” (armamentista) 
e “do boi” (ruralista). Políticos católicos conservadores, independentemente da 
participação em uma dessas bancadas, votam, em geral, em conjunto com a bancada 
evangélica quando o assunto são pautas conservadoras. Desse modo, apesar de a 
bancada evangélica ser um dos grupos conservadores mais organizados do Congresso 
Nacional, não é possível dizer que seja o único a pôr em risco a laicidade do Estado. 
Alguns projetos de lei encaminhados ao Congresso pela bancada evangélica 
pretendem promover uma alteração legislativa conservadora, que poderia gerar a 
exclusão dos direitos de diversos grupos sociais ou fazer com que o Estado adotasse 
medidas alinhadas aos posicionamentos evangélicos. O problema é que, no Brasil, nem 
todos são evangélicos. De fato, nem mesmo entre os evangélicos brasileiros as pautas 
defendidas pelos parlamentares dessa bancada são unanimidade. 
Desse modo, propostas que buscam acabar ou limitar a laicidade do Estado, de 
autoria da bancada evangélica ou de outros grupos, tendem a excluir ou dificultar o 
acesso de grupos a direitos garantidos pela Constituição, conforme Salomão Neto (2017). 
Dentre esses, estão os direitos relacionados ao princípio da igualdade e da dignidade 
humana. Quando o Estado assume uma religião ou um discurso religioso, 
invariavelmente coloca direitos em risco, visto que o tratamento dado a seus cidadãos 
não será equânime. Os discursos religiosos são discursos dogmáticos e, em geral, não 
admitem a coexistência de retóricas conflituosas, tal qual em um jogo democrático. Como 
vimos, as concepções e doutrinas dogmáticas excluem umas às outras, diferentemente 
das retóricas políticas, que admitem a coexistência, ainda que conflituosa, de ideias. A 
experiência mostra que as sociedades humanas são plurais em termos de religião, de 
opiniões e de concepções e formas de vida, mesmo no interior de um único Estado 
nacional. Assim, em um cenário de limitação ou relativização da laicidade, os grupos que 
não fazem parte da visão religiosa adotada pelo Estado, ou que possuem formas de vida 
ou opiniões distintas, acabam sendo tratados de modo desigual. De fato, tornam-se 
impossibilitados do pleno gozo de seus direitos constitucionais. A relativização da 
laicidade é, portanto, um risco ao reconhecimento da pluralidade das formas de vida e, 
 
56 
 
 
por conseguinte, dos direitos individuais em uma sociedade plural (SALOMÃO NETO, 
2017). Veja, a seguir, algumas dessas propostas em projetos de lei (PL), conforme 
Salomão Neto (2017). 
 
• PL 5.336/2016: propõe a inclusão da “teoria da criação” na base curricular do 
ensino fundamental e médio. 
• PL 6583/2013: busca aprovar o “estatuto da família”, que define, em seu art. 2º, 
que família é o núcleo familiar formado por um homem e uma mulher. 
• Projeto de decreto legislativo (PDC) 234/2011: já arquivado, propunha a 
revogação de artigos da Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº. 1/99, de 23 de 
março de 1999, de modo a permitir que psicólogos pudessem atuar “em relação à 
questão da orientação sexual” (esse projeto foi apelidado de “cura gay”). 
• PL 7.382/2010: propunha a criminalização da “heterofobia”, ou seja, da 
discriminação contra heterossexuais (também já arquivado). 
 
As críticas a essas propostas são diversas, tanto por contrariarem a laicidade do 
Estado, como por promoverem a limitação ou a exclusão de direitos. O projeto que trata 
da “teoria da criação” ofenderia a laicidade do Estado na medida em que promoveria o 
ensino público de um tipo de doutrina cristã — assim, uma visão religiosa seria favorecida 
em relação às demais. O “estatuto da família” é criticado, entre outros motivos, por excluir 
da definição de família outros núcleos sociais, como famílias monoparentais e famílias 
homoafetivas, gerando, dessa forma, proteção privilegiada a uma modalidade familiar em 
detrimento das demais. Destaca-se que a mudança da definição de família poderia gerar, 
inclusive, reflexos em direitos sucessórios e previdenciários, negando o acesso a direitos 
àqueles que não fazem parte de um núcleo familiar fundado em padrões heterossexuais. 
A proposta da “cura gay” foi fortemente criticada por psicólogos, na medida em que 
permite tratar a homossexualidade como doença, o que contraria resoluções da 
Organização Mundial da Saúde e do Conselho Federal de Psicologia. A criminalização 
da “hetererofobia”, por outro lado, tinha como objetivo criar a falsa imagem de que os 
heterossexuais são discriminados, o que se mostra um factoide, pois os discriminados 
 
57 
 
 
em razão da orientação sexual ou da identidade gênero são, efetivamente, as pessoas 
LGBTQI+. 
Os interesses da bancada evangélica vão além de temas éticos ou de pautas 
moralizantes. Dantas (2011) aponta que a bancada evangélica se formou com a 
finalidade de garantir outros privilégios, como a manutenção e a ampliação de isenção 
fiscal a entidades religiosas, a obtenção de concessões de redes de televisão e rádio, a 
doação de terrenos e a obtenção de alvarás. Assim, além de se debruçar sobre temas 
éticos e sobre a pauta dos costumes, a bancada evangélica se une em prol de temas de 
favorecimento das igrejas, como as isenções fiscais e a possibilidade de uso do dinheiro 
público. A bancada evangélica possui grande destaque midiático, principalmente em 
razão das atitudes dos parlamentares que a compõem. Também ganhou notoriedade 
pelos projetos de lei controversos que defende e que ferem o respeito à laicidade do 
Estado. No Brasil, a questão da laicidade não é simples e também não está adstrita 
exclusivamente às atitudes tomadas pelos congressistas da bancada evangélica. A 
existência de crucifixos na Câmara Legislativa, bem como em muitas outras repartições 
públicas, como tribunais e prédios da administração pública, é algo questionado há 
bastante tempo. A discussão sobre a possibilidade de uso de símbolos religiosos em 
repartições públicas é, inclusive, objeto de questionamento no STF, pelo recurso 
extraordinário de nº 1249095. O que está em jogo nesse julgamento é analisar se essa 
prática está de acordo com a Constituição e se fere a laicidade do Estado (BRASIL, 
[2020]). 
Outra polêmica recente também envolve o STF, que, em 2017, ratificou a 
constitucionalidade do ensino religioso confessional nas escolas públicas. A Constituição 
Federal prevê a possibilidade do ensino religioso de matrícula facultativa nas escolas. 
Porém, o STF decidiu que o ensino religioso poderia ser confessional, ou seja, as escolas 
passaram a poder ensinar, de maneira exclusiva, uma religião. Essadecisão foi alvo 
muitas críticas, pois parece ofender a laicidade do Estado brasileiro. Na medida em que 
permite o ensino de uma religião nas escolas públicas, a decisão parece privilegiar o 
ensinamento de uma religião em detrimento das demais. A construção cultural brasileira 
sempre esteve relacionada à religiosidade, especialmente ao cristianismo. Essa ligação 
entre cultura, religião e Estado fica evidente em diversos fatos históricos, que colocam 
 
58 
 
 
em dúvida o alcance da laicidade do Estado brasileiro. Muitas das propostas defendidas 
pela bancada evangélica são também defendidas por parlamentares conservadores, 
mesmo por aqueles pertencentes a outros credos cristãos. Por exemplo, os 
parlamentares católicos e os integrantes de outras frentes parlamentares conservadoras, 
como a que busca a redução da maioridade penal (e da qual fazem parte parlamentares 
religiosos), votam em conjunto com a bancada evangélica em algumas ocasiões. Apesar 
de a bancada evangélica ser constantemente questionada sobre seus atos e propostas 
violarem o Estado laico, fato é que essa bancada não é a única a tentar violar os princípios 
da laicidade. Ela encontra apoio de outros parlamentares conservadores, que buscam, 
igualmente, que o Estado adote medidas ligadas a doutrinas religiosas. A consolidação 
do Estado laico é prejudicada também por atos de outras instituições, seja pela exibição 
de símbolos religiosos em repartições públicas, seja pela ratificação do ensino 
confessional em escolas públicas. Tais fatos demonstram que a laicidade, apesar de ser, 
idealmente, uma “qualidade”, é tida, por diversos grupos, como uma “quantidade” (no 
sentido de mais ou menos laico), na medida em que, no embate entre forças e poderes, 
parece ser constantemente relativizada. 
9 RELIGIÃO NA PÓS-MODERNIDADE 
A pós-modernidade, atrelada às lógicas de produção capitalista, instaura novos 
modos de subjetivações e constitui novas cosmovisões sociais, econômicas, culturais e 
religiosas, um cenário de globalização e hiperconsumo no qual as pessoas passam a se 
relacionar com as coisas e com as outras pessoas buscando formas imediatas de obter 
respostas e prazeres. No lastro de uma cultura-mundo, cabe à religião encontrar modos 
de apaziguar as desorientações próprias desse tempo, mas em diálogo permanente com 
as questões advindas da conjuntura (SOARES NETO, 2012). 
9.1 Importância da religião em tempos de ceticismo e imediatismo 
Diante das alterações que temos sofrido nas diversas áreas sociais, tendemos à 
abertura ou à resistência. Durante muito tempo, o jornalismo, a psicologia, a educação e 
 
59 
 
 
outras áreas tentaram, e ainda tentam resistir às transformações da sociedade com o 
crescimento e a evolução das tecnologias, das mídias e do capitalismo. Alvin Toffler 
(2005), ao discutir sobre os impactos das tecnologias na sociedade, retoma a 
historicidade dos sistemas de produção ao longo do tempo, subdividindo-a em três 
ondas: 
 
1. agrícola, 
2. industrial; 
3. tecnológica digital. 
 
Para o autor, vale ressaltar, são os modos de produção de riqueza que estruturam 
a sociedade, e não o contrário. Nesse sentido, podemos constatar que as alterações 
sofridas pela sociedade contemporânea advêm das mudanças proporcionadas pelo 
capitalismo, que, ao criar as tecnologias, oferece o lastro fecundo para o crescimento da 
era tecnológica, e, ao mesmo tempo, constrói um cenário propício para que essas 
criações se tornem estruturadoras de novas subjetividades, relações e identidades 
institucionais. A produção capitalista tem criado produtos e serviço maneira tão frenética 
que essa lógica da novidade constante passou a estruturar as relações sociais e 
econômicas, construindo desejos e necessidades nos indivíduos, imbuídos pelas lógicas 
do individualismo e hedonismo, para os quais buscam resoluções imediatas. Soares Neto 
(2012) aponta que os indivíduos estão rodeados por coisas que provocam grandes 
encantos e fascínios, estando “[...] sempre em busca por novos produtos, novas 
experiências, por um consumo imediatista diante do atual panorama da sociedade e 
alimentados por uma economia pronta para saciá-los” (SOARES NETO, 2012, p. 113). 
Essa retroalimentação entre a dinâmica de produção e constituição subjetiva dos 
consumidores contorna o cenário da mercantilização e da sociedade do consumo, no 
qual tudo se torna mercadoria e tudo que é consumido torna-se imediato e fluido. Os 
consumidores são marcados por uma necessidade de satisfazer aos seus desejos de 
maneira imediata (SOARES NETO, 2012). 
Nesse cenário, consta-se o que Lipovetsky e Serroy (2011) chamaram de 
mercantilização da cultura e cultura da mercantilização, conjuntura que tem transformado 
 
60 
 
 
tanto os modos de existência quanto a vida sociopolítica. Ademais, nesse processo, 
novas questões individuais e coletivas são postas, já que há uma cultura-mundo que 
globaliza não apenas as evoluções, mas também os medos e os desnorteamentos. 
Assim, a contemporaneidade vem sendo marcada por lógicas que colocam ainda mais 
em xeque os grandes sistemas institucionais e as noções normativas gerais. Para 
Lipovetsky e Serroy (2011, p. 17): 
Com a cultura-mundo, aumentam a tomada de consciência da globalidade dos 
perigos, um sentimento de viver em um mundo único feito de interdependências 
crescentes. Na era hipermoderna, afirma-se a cosmopolitização dos medos e das 
imaginações, das emoções e dos modos de vida. 
As relações sociais são atravessadas pelos medos próprios desse cenário de 
globalização e incertezas, falta de referenciais que interfere em todas as esferas 
humanas, de trabalho, familiar e identitária. Aumentam-se as epistemologias para lidar 
com as análises sociais e, também, as ferramentas de comunicação. No entanto, somado 
a isso, elevam-se as incertezas e os medos, causando uma instabilidade psíquica 
(LIPOVETSKY; SERROY, 2011). Ao falar sobre a modernidade e suas consequências 
para as constituições subjetivas e sociais, Libanio (2002, p. 70) aponta: 
Fruto lídimo da modernidade é o individualismo. Repetidamente chamado de 
“ideologia da modernidade”. Esse individualismo provocou enjoo, desgosto, 
náusea de tanto ficar-se preso a si mesmo. E como ele girava em torno, 
sobretudo, de bens materiais, a falta de sentido foi ainda maior com o 
consequente vazio existencial. Fragmenta-se a identidade das pessoas que 
sofrem o colapso do significado das coisas, a banalização, o estreitamento ou 
perda total do sentido da vida. Veem-se tentadas ao narcisismo, hedonismo, 
relativismo moral subjetivista, permissividade. 
Em meio a essa desorientação e às perdas de referenciais, surge um interesse 
pelo fenômeno religioso. Para Peter Berger (1985), a religião aparece mais uma vez como 
organizadora do caos e da anomia vivida frente às perplexidades contemporâneas, 
reaparecendo, portanto, com a função simbólica de integrar e sustentar as referências 
dos indivíduos (CRESPI, 1999). No entanto, busca-se uma religião ou experiências 
religiosas que também correspondam aos anseios desse tempo, cujas ofertas precisam 
satisfazer às necessidades imediatas dos fiéis, como uma resposta ao seu individualismo 
e hedonismo (LIBANIO, 2002). 
 
61 
 
 
9.2 Sistemas políticos e religião: manipulação e politização 
Em um horizonte judaico-cristão, do Gênesis ao Apocalipse, o fenômeno religioso 
sempre esteve entrelaçado com a história política: em alguns momentos, como 
resistência e denúncia contra os sistemas políticos, e, em outros, a partir de uma 
vinculação nítida de apoio. Se olharmos para o próprio reconhecimento do cristianismo 
como religião de estado, há uma relação política com o poder Romano representado por 
Constantino, no ano de 312. E essas relações tensionadas não ficam apenas na Idade 
Antiga, fortalecendo-se, inclusive, na Idade Média e ganhando novos contornos na Idade 
Moderna e Contemporânea. A Idade Médiafoi marcada por uma influência grandiosa da 
Igreja Católica em todos os setores, sociais, políticos e até mesmo econômicos. Ademais, 
mesmo com a ruptura ocorrida na virada moderna, a Igreja não deixou de influenciar os 
Estados e Nações. 
A história da Igreja católica e as Igrejas da Reforma indicam que o cristianismo 
estabeleceu vínculos diretos com a política, embora não tenham sido somente eles — o 
judaísmo, o islamismo e até mesmo as religiões orientais travaram guerras sangrentas 
justificadas pelo viés religioso (AMES, 2014). No Brasil, a Igreja Católica se instaurou 
desde o processo da colonização, cenário em que a religião sempre esteve associada ao 
poder político. No país, a liberdade religiosa “[...] foi estabelecida pelo Decreto nº. 119-A, 
de 7 de janeiro de 1890, sendo confirmada pela Constituição de 1891 e pela Emenda 
Constitucional de 03 de setembro de 1926” (COSTA, 2020, p. 99). Entretanto, mesmo 
após a cisão entre Igreja e Estado, a Igreja Católica busca modos alternativos de manter-
se em relação com o governo e com a população, situação em que alguns representantes 
religiosos se vinculam ao poder vigente e outros à oposição: os mais conservadores 
agrupam-se nas alas políticas mais conservadoras, enquanto os progressistas aliam-se 
às alas políticas que lutam por causas sociais, econômicas e dos grupos minoritários. 
Essas alianças são realizadas a partir da perspectiva teológica dos representantes 
religiosos. Atualmente, o representante da Igreja Católica tem uma visão política um 
pouco mais sensível às causas populares, isso pelo fato, segundo Costa (2020), de o 
pontífice, por ser latino-americano, também ser propenso às questões da colonização, 
exploração e realidade sociocultural vividas pelo povo da América Latina e do Brasil. No 
 
62 
 
 
entanto, no seio da própria Igreja Católica, há grupos mais conservadores que, no lugar 
de se preocuparem com as pautas progressistas, defendem e se vinculam a poderes 
políticos conservadores. Além de se estabelecer na Igreja Católica, essa dinâmica está 
presente nas igrejas evangélicas. Segundo Costa (2020), após a redemocratização, os 
pentecostais passaram a participar do campo político, oficialmente e, desde então, 
procuram fortalecer as relações com os poderes estabelecidos, ampliando suas 
influências e tornando-se os mais fortes aliados do governo federal, o que, em um jogo 
de espelhos, reflete suas aspirações em uma disposição de extrema direita, sob o manto 
da moralização política. 
E os neopentecostais não são diferentes, pois, baseados em uma teologia que 
prega a prosperidade, se contrapõem aos ideais dos progressistas — para eles, as 
pautas dos direitos humanos, de igualdade de gênero, desigualdades sociais, etc. são 
demoníacas e devem ser veementemente combatidas (COSTA, 2020). Um exemplo 
desse movimento conservador, aliado à relação política-religião, marcada por uma 
manipulação mútua, se deu nas eleições de 2018 no Brasil, quando as alianças religiosas 
compostas, em sua maioria, por evangélicos conservadores, mas apoiadas por muitos 
católicos conservadores, reforçaram e legitimaram o discurso do presidente eleito, que 
apresentou, desde sempre, pautas de suposta manutenção da ordem social, com um 
forte discurso moralista “[...] contra a esquerda, os comunistas, o casamento 
homossexual, o aborto, a corrupção”, etc. (COSTA, 2020, p. 107). Apesar da laicização 
do estado, o que vemos em solo brasileiro é o crescimento da ala evangélica “politizada”, 
com amplos desejos de poder político, crescendo a cada pleito das esferas municipais, 
estaduais e federais, defendendo pautas hiperconservadoras e colocando em xeque a 
democracia brasileira, além de deixar de lado as políticas para os mais pobres e 
marginalizados. E, no último pleito federal, observamos muitos católicos conservadores 
defendendo esses mesmos ideais, sendo, inclusive, contrários às diretrizes da 
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e às próprias indicações do Sumo 
Pontífice, o Papa Francisco, que se colocou diversas vezes contra governos apoiadores 
de torturas e contra as causas sociais e ambientais. 
 
63 
 
 
9.3 Consumo de bens simbólicos e pregação da fé nos tempos do espetáculo 
religioso 
O mundo vem sofrendo grandes alterações, moldado pela lógica de mercado 
capitalista, que dita os modos de relações nas esferas sociais e públicas. Tudo se tornou 
mercadoria, sejam os bens materiais, sejam os imateriais, cenário em que consumir é a 
ordem e no qual até mesmo as lógicas de um consumo consciente têm como pano de 
fundo um modo de consumir, estando em alta o mercado dos orgânicos e dos recicláveis. 
Em outras palavras, com um maior ou menor grau de destruição planetária, tudo constitui 
uma forma de consumo. E a religião não ficou à margem dessa dinâmica, passando a 
ser consumida ao bel-prazer e à necessidade do adepto: é necessário satisfazer às 
necessidades pessoais e existenciais, e que o fiel, assim como o consumidor, consiga ter 
acesso à mercadoria oferecida, a partir de um clique, um toque. Para isso, criam-se 
instrumentos, que intermediam as compras, as relações simbólicas com o consumidor, 
conectando as ofertas às demandas, a partir de dois caminhos: o da criação das 
necessidades de consumo e as respostas aos desejos criados, enveredado pelo 
capitalismo, capaz de criar o desejo, a demanda e, automaticamente, uma 
correspondência a eles. Nesse cenário, os instrumentos criados são totalmente eficazes, 
pois selecionam o conteúdo de acesso, entregam o que o cliente deseja na tela do celular 
e facilitam as relações, sobretudo pelo marketing, produzindo discursos que fazem os 
consumidores comprar. 
Esses aspectos promovem e consolidam a sociedade do espetáculo, conforme 
nomeada por Guy Debord (1997): “[...] o espetáculo é ao mesmo tempo o resultado e o 
projeto do modo de produção existente”, e “[...] constitui o modelo atual da vida dominante 
na sociedade. É a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o consumo 
que decorre dessa escolha” (DEBORD, 1997, p. 14-15). O espetáculo é um modo de 
relação entre as pessoas, fundamentado em uma imagem não real, mas construída por 
um discurso e mediada por instrumentos que a facilitam. Nessa conjuntura, as religiões, 
ao mesmo tempo, podem denunciar a irrealidade, o consumo desenfreado, as lógicas 
capitalistas, modernas, imediatistas e efêmeras, e aderir a essas lógicas, agora 
encobertas pelo discurso sacralizado. Conforme Ramos (2008, p. 148), “[...] à medida 
 
64 
 
 
que o mercado religioso se incorpora ao espírito religioso, aquele fica legitimado pela 
religião”, continuando a afirmar que a “[...] religião-mercadoria é sustentada e promovida 
por uma homilética articulada segundo os princípios e valores da sociedade espetacular” 
(RAMOS, 2008, p. 148). 
Nos valores espetaculares, o novo é algo que necessita estar eminentemente 
presente, com uma produção desenfreada de novidade de bens de consumo, visto a 
necessidade de sempre oferecer experiências novas aos consumidores, inclusive os da 
religião. Esta passa a ser a la carte, ou seja, servida a partir da necessidade do fiel 
(VELIQ, 2017), estando no cardápio a cura, a prosperidade, o consolo espiritual ou outras 
necessidades. Com isso, constatamos que os âmbitos religiosos têm sido influenciados 
pelas lógicas mercadológicas e entregado cada um ao seu modo bens simbólicos e de 
consumo aos fiéis, a partir de suas necessidades específicas. Os produtos da fé já estão 
definidos nas funções sociais da religião na contemporaneidade: organizar o caos 
existencial, dar sentido, etc. Mas quais instrumentos vêm sendo usados para fazer com 
que esses produtos cheguem aos consumidores, ou melhor, aos fiéis? Com o avanço 
tecnológico, as religiões, com o intuito de comunicar a Palavra de Deus e oferecer o que 
os consumidores necessitam, têm adentrado diversos meios, como:• TV; 
• sites; 
• redes sociais; 
• aplicativos de mensagens; 
• construção de aplicativos próprios. 
 
Soares e Cândido (2015), ao analisarem as igrejas eletrônicas, afirmam que as 
vertentes evangélicas despertaram para a evangelização mediada pelas tecnologias 
muito antes da Igreja Católica, visto que, “[…] desde meados dos anos de 1950, as igrejas 
evangélicas já fazem uso dos mass media e, atualmente, a comunidade evangélica tem 
a TV como uma das suas maiores aliadas na estratégia de propagação das crenças” 
(SOARES; CÂNDIDO, 2015, p. 147). Do rádio à TV, foram se consolidando programas 
de propagação da fé e das crenças evangélicas, como: 
 
65 
 
 
• “A voz do Brasil para Cristo” (1955); 
• “A voz da nova vida” (1962); 
• Os programas de TV de Edir Macedo e Valdomiro Santiago; 
• “Show da fé”, com Romildo Soares. 
 
Trata-se de exemplos dos formatos que a religião tem encontrado para alcançar e 
conquistar fiéis, cuja narrativa apresenta como núcleo pregações com curas, libertações, 
exaltação da prosperidade e aquisição de bens materiais, além de uma pregação 
baseada no que as pessoas gostam e querem ouvir. É um Deus que serve às 
necessidades das pessoas e é visto como “[...] um amuleto que está sempre pronto para 
resolver os problemas” (SOARES; CÂNDIDO, 2015, p. 151). E a Igreja Católica não ficou 
de fora desse meio eletrônico, mesmo chegando um pouco depois. A rede de TV Canção 
Nova, fundada pelo Monsenhor Jonas Abib, a TV Aparecida, a Rede Vida, e os padres 
Fábio de Melo, Reginaldo Manzotti e Marcelo Rossi assumiram esse diálogo com o 
mundo moderno e representam a face da espetacularização do fenômeno religioso 
católico, destacando-se por seu lastro de alcance. Nesse contexto, shows, encontros e 
celebrações televisionadas são “[...] espetáculos religiosos e renovadas formas de 
adoração e culto devoção, êxtase, dança, choro, alegria, fé e idolatria, comungam do 
mesmo espaço e momento” (PESSOA, 2016, documento on-line). 
10 A CONTRIBUIÇÃO DO PENSAMENTO MEDIEVAL PARA O DESENVOLVIMENTO 
DA CIÊNCIA POLÍTICA 
A atividade teórica é bem mais um modo de poíesis (criação) do que de mímesis 
(imitação) da assim designada realidade. É a preparação mental da realidade através da 
qual ela se mostra como algo com sentido para o homem. No trabalho teórico, o discurso 
racional é a ferramenta imprescindível, já que é por meio dele que se anseia codificar e 
dirigir os resultados de uma inacabável investigação dos fenômenos. Sendo assim, 
podemos ver a história do pensamento político como algo mais do que uma série de 
maneiras de se entender o mundo político. Cada uma das teorias políticas, ao criar uma 
imagem daquilo que é ou supostamente seria o mundo, alcança, de fato, uma construção 
 
66 
 
 
intelectual da realidade. Mesmo assim, as confabulações da teoria política são, 
habitualmente, tidas como descrições e avaliações de contextos reais. Com isso, 
observa-se o seu caráter mimético e tem-se o risco de perder-se de vista o seu caráter 
poiético, ou seja, a sua dimensão criativa e propositiva. 
Podemos avaliar a produção teórica no campo da política como a fabricação, 
sempre em contexto polêmico, de discursos argumentativos que almejam evidenciar as 
condições reais da natureza humana e da vida em sociedade para, baseado nelas, 
prescrever formas de organização e exercício do poder político. Contudo, não podemos 
esquecer que tais discursos essencialmente partem de pressupostos. Estes atuam como 
princípios para a construção e averiguação dos discursos, não sendo, eles mesmos, 
verificáveis, posto que não são francamente inferidos da experiência, mas abalizados 
pela argumentação filosófica. Isso faz de toda teoria política uma espécie de ficção, não 
no sentido de fantasia ou abstração, mas de construção de mundos possíveis pelo 
pensamento e pelo discurso (MACIEL, 2011). 
A imensa diversidade de paradigmas na história do pensamento político é uma 
prova de que os mesmos são produto de verdadeiros “criadores” de mundos sociais 
plausíveis, e não o resultado de uma imediata e inconfundível observação do mundo. 
Cada paradigma é um molde para a criação de teorias, estas que não se aludem apenas 
àquilo que surge, mas possuem hipóteses sobre o que deveria existir. Portanto, a reflexão 
política, quando deseja reproduzir/delinear/imitar a realidade empírica, estimula a nossa 
concepção dessa realidade com hipóteses ou previsões que, uma vez agrupadas à vida 
social, passam a compor a própria realidade. Ao decorrer do tempo, a reflexão política 
tem sido geradora de modos de comportamento e organização políticas, visto que 
diversos de seus conceitos e pressupostos têm sido agregados ao mundo das 
instituições, adaptando nossa representação corriqueira e ordinária do mundo. A 
evolução da ciência política como uma ciência empírica nuca foi capaz de dispensar o 
exercício de reflexão teórica pois vários dos objetos que a ciência tem avaliado compõem, 
de fato, o resultado de um procedimento de sedimentação daquilo que a teoria, enquanto 
poíesis, colaborou para inventar. Logo, podemos crer que uma ciência política alforriada 
da filosofia política é, duramente, impossível, uma vez que a filosofia é um tipo de fonte 
da qual provêm as dimensões da realidade tidas relevantes, ou seja, importantes à 
 
67 
 
 
análise científica. Apenas por isso que seguimos lidando com os denominados “clássicos” 
do pensamento político, aqueles pensadores que nos instruíram a fazer certas perguntas 
sobre o mundo político. Os mesmos criadores de uma tradição ativa e que nos interessa, 
atualmente, tanto como objeto de uma história das ideias políticas, bem como área 
dinâmica e polêmica de criação e entendimento da realidade. 
Tradicionalmente, localiza-se o surgimento da disciplina na época clássica, sendo 
Platão e Aristóteles aqueles que constituíram suas fundações iniciais. E está correto, 
porém devemos considerar ressaltar o impacto que, de certo modo, a atividade filosófica 
de Sócrates e, de outro, o desafio que a Sofística teve. 
O reconhecimento do caráter cristão, de modo eminente, da filosofia medieval não 
deve levar a confirmar uma opinião desvirtuada e, atualmente, já felizmente 
desacreditada de que a Idade Média foi intelectualmente falando, uma era de trevas. 
Diferente disso, o incontornável diálogo entre teologia e filosofia trazido pelo pensamento 
medieval gerou uma enorme gama de teorias sobre todas as áreas da realidade, incluindo 
a política (MACIEL, 2011). Não se pode explicar o período medieval como um tipo de 
período que descontinua a tradição com origem na Antiguidade pagã, para que continue 
somente com Maquiavel no contexto do Renascimento. Falaremos do realce que os 
assuntos relativos à política tomaram nas reflexões de filósofos medievais, destacando 
suas mais importantes contribuições para uma reflexão sobre a política. Não trataremos 
unicamente de teorias políticas, pensando na definição atual do termo, mas de debates 
filosóficos acerca de temas e problemas ao decorrer da história do pensamento político 
na modernidade, por exemplo a natureza da política, o conceito do poder político, as 
formas de organização e exercício desse poder, as conexões entre poder e sociedade, 
entre Estado e indivíduo e entre lei natural e liberdade humana. É sabido que a exposição 
do pensamento político por uma visão histórica que remonta às suas procedências 
antigas e medievais contribuirá para um entendimento mais rico da disciplina, já que foi 
por meio do diálogo com este lastro filosófico que ela se formou e solidificou como 
tradição intelectual (BOBBIO, 1997). 
 
68 
 
 
10.1 Santo Agostinho 
O encontro entre a religião cristã e a filosofia grega, dentro do contexto cultural do 
helenismo, teve consequências intensas sobre o desenvolvimento do pensamento 
medieval. A procura de uma aliança entre o pensamento racional e a verdade declaradapermitiu o surgimento de uma filosofia cristã, tida por Santo Agostinho como “a verdadeira 
filosofia”. Os primórdios da era cristã ficaram marcados por esse movimento do 
cristianismo, que procurou generalizar-se não apenas como religião, mas também como 
filosofia e, para isso, foi essencial a fabricação intelectual dos Padres da Igreja (a 
Patrística). A doutrina criada nessa época constituiu os temas e problemas para os quais 
a Escolástica, a mais comum aparição do pensamento medieval, almejou dar solução. É 
provável deduzir uma filosofia política do pensamento patrístico a partir de suas reflexões 
acerca das relações entre Igreja e poder secular. Essa filosofia surge da ideia de que o 
poder terreno é uma ferramenta para o estabelecimento de uma ordem estabelecida por 
Deus. Assim, os príncipes, para quem foi acreditado tal poder, seriam pastores de Deus. 
Esta é uma concepção puramente teocrática, onde o poder temporal deve estar as ordens 
do poder espiritual, o que admite tanto a legitimação da autoridade política através de 
sua base na autoridade divina como a legitimação da dimensão política da Igreja, 
acarretando uma cultura clerical, que subjuga as leis civis às leis divinas e põe a Igreja 
sobre o Estado. Carlos Magno, coroado pelo Papa Imperador da Cristandade, desponta 
bem essa complicada conexão que se almejou constituir entre Igreja e Estado. 
Principal representante da Patrística latina, Santo Agostinho (século V) avalia a 
necessidade do poder político e, assim sendo, do Estado, uma decorrência do pecado 
original. A constituição da sociedade é um meio através do qual os homens procuram 
abrandar os efeitos da corrupção causada pela queda de seus primeiros pais. É inevitável 
que todas as sociedades possuam falhas, visto que suas leis são edificadas por homens 
decaídos. A “Cidade dos homens” contrapõe-se à “Cidade de Deus”, em sua definição, 
império de perfeição inteiramente governado pela eterna e perfeita lei de Deus. Ficaria à 
cargo da Igreja, a missão de reparar as instituições humanas e, com base no 
ensinamento de Cristo, seu Redentor, conduzir a “Cidade dos homens” e prepará-la para 
 
69 
 
 
o restabelecimento determinante da “Cidade de Deus”, que aconteceria com a segunda 
vinda de Cristo e o Juízo Final (BOBBIO, 1997). 
Renunciando a ideia aristotélica da sociabilidade natural humana, que implanta a 
existência do Estado na ordem natural (ideia que será aceita posteriormente por São 
Tomás de Aquino), Santo Agostinho não vê lógica na discussão sobre as maneiras de 
governo justas e injustas, visto que ambas estariam caracterizadas pela sombra da 
corrupção humana. Essa análise conduz à imperiosa valorização de outra instituição, a 
Igreja, esboço terrestre da “Cidade de Deus”, responsável pela mediação entre lei eterna 
e lei temporal, entretanto, para isso, precisando adotar também um caráter político. Em 
perfeita harmonia com o começo do “filosofar na fé”, onde a filosofia ajuda o homem a 
entender o seu Criador (condição sine qua non para a felicidade individual), a filosofia 
política de Santo Agostinho confere à Igreja um papel indispensável na busca da 
felicidade para a humanidade, já que este final demanda o reparo do mundo decaído 
através da adequação das leis humanas às leis divinas, o que acarreta no 
reconhecimento da autoridade da Igreja. 
O apelo às leis divinas e à superioridade do poder de Deus sobre todos os outros 
poderes humanos atribui um caráter crítico ao pensamento político de Santo Agostinho, 
visto que fornece critérios para o julgamento dos chefes seculares e das leis positivas. 
Estas são injustas e não possuem valor algum se contrariam a ordem natural 
estabelecida por Deus. Esse costume pode até tomar caráter contestador, uma vez que 
dela decorre a necessidade de opor-se à autoridade política quando esta é medida por 
importâncias simplesmente humanas e não está a cargo da vontade divina. 
10.2 São Tomás de Aquino 
Santo Agostinho, a partir da premissa da subordinação da razão à revelação e do 
poder secular ao poder divino, pôs os alicerces para uma reflexão política cristã, que foi 
adolescida ao decorrer da Idade Média, alcançando a sua configuração mais completa 
em São Tomás de Aquino, já no século XIII. Contudo, enquanto Santo Agostinho forma 
um pensamento cristão através de uma aproximação entre cristianismo e platonismo, 
São Tomás de Aquino, aproveitando-se de uma relação maior com o pensamento de 
 
70 
 
 
Aristóteles, descobre no corpus aristotelicum embasamentos mais seguros para uma 
filosofia e uma política cristãs. Fazendo uma análise cristã da metafísica aristotélica, São 
Tomás pondera Deus o motor primário. Mas este não é apenas aquele que coloca os 
seres em movimento, mas, sendo o Ser em si próprio, é o Criador de todas as outras 
criaturas, que incidem em níveis inferiores do Ser, somente podendo ser denominados 
de seres por participação no Ser divino. Ainda seguindo Aristóteles, que acredita que 
todo ser existe buscando um bem que lhe é próprio, São Tomás assegura que o Ser 
Supremo, além de Criador, também é o Legislador de todo o cosmos feito por ele, cujo 
ele governa de acordo com sua lei eterna. Esta confere a cada ser deste mundo um 
intuito, que é o seu bem (MARCONDES, 2000). 
O embasamento aristotélico da reflexão de São Tomás de Aquino é responsável 
por uma enorme diferença entre a sua filosofia política e a de Santo Agostinho. Estado e 
poder político, não são idealizados como obras aleatórias, mas sim cunhadas pelos 
homens de acordo com as necessidades de sua própria corrupção, são avaliados por 
São Tomás como abrangidos no plano perfeito de Deus. São realidades que provêm da 
agência criadora de Deus, como todo ser provém do Ser em si e, como este é 
fundamentalmente bom e perfeito, tudo criado ganha sentido uma vez que se considera 
a nobreza de toda a ordem da criação (“E Deus viu que tudo era bom”, Gênesis 1, 31). 
São Tomás de Aquino concorda com a premissa aristotélica da sociabilidade natural 
humana, tida como a força responsável pela constituição das cidades terrestres. Dessa 
forma, a necessidade do poder político ganha nova interpretação, porque ela não é um 
indicativo do pecado humano, e sim uma necessidade natural de que a satisfação 
depende da própria consumação do homem. A cidade, como toda maneira de 
associação, apenas existe, pois, almeja um bem. Este bem não é meramente a 
autopreservação, mas sim a felicidade comum, que engloba e ultrapassa as importâncias 
privadas. Deus inventou os homens para existirem em sociedade, porque somente a vida 
em sociedade é uma vida completa ou feliz, merecedora da categoria do homem na 
escala das criaturas. Assim, é preciso ter um governo terrestre, que adeque a multidão, 
levando-a a obter o bem grupal (MARCONDES, 2000). 
O cargo da autoridade política é coordenar a sociedade humana afim de que ela 
alcance a sua perfeição, ou seja, cause o bem predito pelo escopo divino. Quanto à 
 
71 
 
 
configuração que essa autoridade deve tomar, São Tomás indica a monarquia. 
Primeiramente, ela possui alicerces nas Escrituras, que exibem os reis do povo hebreu 
como indicados por Deus. Ainda, possui como molde o governo que o próprio Deus 
desempenha sobre todo o universo. O Ser Criador é também Legislador e Juiz, e submete 
tudo a uma unidade de comando. Devido isso, o poder para concretizar as tarefas 
necessárias à organização e ao funcionamento adequado da coletividade humana 
(legislar, julgar, administrar) deve encontrar-se centralizado nas mãos de um rei. Outra 
vez em acordo com Aristóteles, São Tomás de Aquino define a diferença entre um rei e 
um tirano, que não busca o bem do povo, e sim o seu próprio interesse, bem como não 
constitui leis justas e faz uso da violência para infligir sua vontade. Precisa-se resistir a 
este caráter autoritário, visto que ele distorce a sociedade humana de sua própria razão 
de ser(BOBBIO, 1997). Porém, derrubar um tirano é uma obrigação de todo o povo, e 
não de um único ser e, se realizada por ação de um ou poucos indivíduos, pode provocar 
a separação do povo e levá-lo a outro tipo de mal, que é a completa desintegração da 
sociedade, isto é, a anarquia. 
São Tomás de Aquino oferece os critérios de acordo com os quais as leis humanas 
(regras estabelecidas pela autoridade política) podem ser avaliadas justas. 
Primeiramente, elas têm de estar em concordata com a lei natural (manifestação da lei 
eterna de Deus no mundo), esta, que por sua vez, ganha o formato de princípios positivos 
nas Sagradas Escrituras e nas regras postas pela Igreja (a lei divina revelada). A 
autoridade secular, assim sendo, não deve desempenhar poder fora do domínio da 
autoridade divina, tida na terra pela Igreja na imagem de seu chefe, o Papa. O poder real 
não é ainda tido como imperante, já que se submete ao poder de Deus. O cumprimento 
dessas exigências é requisito para que as leis humanas alcancem sua finalidade, que é 
o bem da sociedade, determinado, em termos aristotélicos, como um tipo de meio-termo 
ou equilíbrio na repartição da riqueza material e nas relações constituídas entre os 
indivíduos. Dessa maneira, observa-se no pensamento político de São Tomás, o recurso 
a considerações da filosofia pagã, entretanto sem nunca abalar o valor incondicional 
atribuído à Palavra de Deus, de acordo com a qual Cristo, Deus feito homem, teria 
acreditado a Pedro o exercício de sua soberana autoridade. 
 
72 
 
 
10.3 Guilherme de Ockham 
A ideia de Guilherme de Ockham (século XIV), fundamentada numa teoria do 
conhecimento empirista e nominalista e numa rígida separação entre fé e razão, 
demonstrada, no plano político, o declínio da concepção teocrática do poder, que guiara 
toda a reflexão política medieval. Crítico ferrenho do caráter exorbitantemente secular 
que, a seu ver, a instituição religiosa teria obtido, Ockham é um dos precursores na 
defesa da autonomia do poder político quando se trata do poder espiritual, assentando 
os alicerces para o pensamento político moderno e sua exigência de um Estado laico. 
Ockham descarta totalmente a tese de que o Papa, como sucessor de Pedro, teria 
ganhado de Cristo a totalidade de poderes, assegurando que esse tipo de poder que 
subjuga a tudo, tanto na ordem espiritual quanto na temporal, é adversa ao espírito do 
Evangelho, pois estabelece uma verdadeira escravidão. O ministério capital do 
sacerdócio é servir, e o Papa, enquanto Sumo Pontífice, é o primeiro servo de Cristo. 
Seu posto não é dominar os homens e os reis, e sim cuidar para que a Igreja permaneça 
fiel aos ensinamentos de Cristo, estes que possuem como fundamento o Amor que 
liberta. De acordo com Ockham, a estrutura monocrática da Igreja, que confere a somente 
um indivíduo o poder de constituir as regras de toda a comunidade cristã, não possui 
sentido, visto que abdica a presença do Espírito Santo em todos os fiéis e, dessa maneira, 
contesta o relato bíblico do Pentecostes e o sacramento do Batismo. A apreensão 
exagerada com o poder e a riqueza estaria fazendo com que a Igreja se tornasse uma 
instituição meramente mundana, lhe afastando de sua verdadeira vocação 
(MARCONDES, 2000). 
Se a conexão entre o Papa e seus próprios fiéis cristãos não deve ser de 
submissão, a do poder político com o poder eclesiástico também não. O Estado não se 
encontra, em uma hierarquia supostamente constituída por Deus, localizado abaixo da 
Igreja, porém as autoridades das duas instituições são diferentes e autônomas. A 
jurisdição do poder temporal compete aos reis e não ao Papa. Abdicando as doutrinas 
de Santo Agostinho e de São Tomás de Aquino, que, mesmo com as diferenças, ligam a 
ordem mundana a uma ordem sagrada superior, Ockham exclui do poder político 
qualquer caráter religioso e, dessa forma, faz um avanço importante para o nascimento 
 
73 
 
 
de um pensamento político separado da teologia. Todavia, além de interessado em 
proteger a autonomia do poder real perante ao poder papal, o franciscano Guilherme de 
Ockham almeja, com sua atitude eminentemente crítica, expressar a necessidade de 
uma imprescindível e intensa reforma na estrutura da Igreja de forma a fazê-la recobrar 
o espírito fundamentalmente cristão, do qual tinha se desviado. Para tal, seria preciso 
conhecer o caráter nefasto da teocracia, a falibilidade do Papa, o Amor como único 
mandamento a conduzir a comunidade dos fiéis e a pobreza como a forma de vida mais 
puramente evangélica. 
Os pensamentos de Ockham mostram, de maneira bem eloquente, a crise da 
Escolástica, ou seja, do amplo empreendimento intelectual da Idade Média pelo qual, por 
distintas formas de argumentação, buscou-se fazer um perfeito equilíbrio entre fé e razão. 
A quebra desse equilíbrio ocasionou, na área da reflexão política, o apartamento entre a 
ordem mundana e a espiritual, entre o poder político e o eclesiástico e entre o direito civil 
e o canônico, o que gerou condições para o nascimento do pensamento renascentista, 
com sua evidência na autonomia da razão, sua valorização do indivíduo e sua crítica aos 
poderes clássicos. As obras de Ockham, ainda que censuradas, influenciaram vários 
pensadores do século XIV categoricamente (por exemplo Jean Buridan, Nicole d’Oresme, 
Nicole de Autrecourt, John Wyclif e Jan Huss), que buscaram realizar a dissolução das 
grandes sínteses filosófico-teológicas da Escolástica (LESSA, 2003). 
10.4 Marsílio de Pádua 
Marsílio de Pádua, posterior a Guilherme de Ockham, também se é a favor da 
ideia de separação entre fé e razão que simboliza o fim da Escolástica. Sua obra 
Defensor Pacis, de 1324, censurada pela Igreja e ele, avaliado herético, e excomungado 
pouco depois de sua publicação. O motivo disto está na sua teoria de que o poder 
temporal vem diretamente do povo, e não de Deus, o que confia ao Estado caráter 
fundamentalmente laico. Marsílio já não possui como fundamento o Império universal que 
envolve todo o mundo cristão, porém o Estado nacional, comunidade demarcada 
territorialmente, arquitetada com base na razão e na vontade humanas e subjugada a 
uma autoridade própria. Essa autoridade possui natureza excepcionalmente política, não 
 
74 
 
 
possuindo vínculos com a autoridade religiosa. Bem como a razão não pode estar a cargo 
da fé, o Estado não vive para a realização de uma ordem providencial, entretanto atende 
a intenções humanas e terrenas, a saber, a regulação da convivência social e o 
fornecimento da felicidade geral. Para a conseguimento de tais fins, o Estado precisa 
desempenhar um poder, que não possui nada a ver com o poder de Deus sobre o 
universo. Dessa forma, no plano social, há uma soberania, inconfundível com a 
autoridade do Criador sobre as demais criaturas, porém consiste em uma autoridade 
embasada no consentimento dos próprios homens. À soberania terrena pertence 
determinar os critérios de bússola da vida coletiva, sempre tendo em mente a justiça e a 
utilidade social e, para isso, ela deve constituir leis e utilizar ferramentas de coação para 
que as mesmas sejam seguidas (LESSA, 2003). 
Marsílio de Pádua, desvencilhando-se da visão tomista, separa a discussão sobre 
as leis civis das noções de lei eterna e lei natural. Precipitando em algumas centenas de 
anos Locke e Rousseau, Marsílio assegura que o verdadeiro legislador é o povo (ou 
aqueles denominados expressamente pelo povo), que tem poder para definir o que é 
apropriado para si próprio. As leis civis se infligem soberanamente sobre a coletividade 
dos cidadãos e tal imponência decorre justamente do fato de que elas são a 
demonstração da vontade do povo. De tal modo, podemos entender que, na teoria de 
Marsílio de Pádua, a soberania não é apenas política como popular. Além do mais, ela 
se calha com o poder da lei, o que torna esse pensador do final da Idade Média um 
irrefutável pioneiroda defesa do Estado de direito. A lei com a qual o governante está 
empenhado é mesma que é diretamente expressada pelo povo, e não um hipotético 
direito natural, que seria composto por leis eternas e universais, tidas pela razão e pelas 
Escrituras e estabelecidas pela autoridade da Igreja. Marsílio, mais incisivo que Ockham, 
inverte a ordem instituída pela teologia política medieval: na vida terrena, é a Igreja que 
deve se subjugar ao Estado, visto a Igreja não é uma instituição política, e sim meramente 
o nome que se dá ao coletivo dos cristãos. O seu chefe não possui poder superior do que 
o chefe da comunidade dos cidadãos possui, contudo ele também está sujeito às leis 
civis, como qualquer outro cidadão. Por fim, a plenitudo potestatis é identificada como 
Estado. 
 
75 
 
 
Devido a Marsílio, os conceitos de soberania e de Estado passaram por 
reformulações. Isso reflete a luta pela comprovação da autonomia da sociedade política 
contra as intervenções da Igreja e de sua filosofia política. Dessa forma, são expressões 
do intenso procedimento de secularização que simboliza o fim do pensamento medieval 
e o nascer do pensamento moderno. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
76 
 
 
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