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1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI METODOLOGIA E PRATICA NO ENSINO DA SOCIOLOGIA GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 AS FUNÇÕES DA SOCIOLOGIA .................................................................................. 6 1.1 As funções da Sociologia ........................................................................................... 6 1.2 Os pensadores da Sociologia e suas ideias ............................................................... 8 1.3 Metodologias na pesquisa sociológica ..................................................................... 12 2 SOCIOLOGIA DA CULTURA E SUA APLICAÇÃO NA EDUCAÇÃO .......................... 14 2.1 Cultura material, cultura imaterial e educação .......................................................... 14 2.1.1 Patrimônios culturais brasileiros: dispositivos de salvaguarda .............................. 18 2.2 Cultura, educação e formação sócio-histórica do sujeito .......................................... 19 2.3 A escola como um espaço sociocultural ................................................................... 20 3 TEORIAS SOCIOLÓGICAS MODERNAS E SEUS REFLEXOS NOS CONTEXTOS PRÁTICOS DA EDUCAÇÃO .......................................................................................... 23 3.1 Teoria sociológica positivista/funcionalista ............................................................... 23 3.2 Teorias histórico-críticas ........................................................................................... 26 3.3 As teorias sociológicas e a educação ....................................................................... 28 3.3.1 Karl Marx e a educação ......................................................................................... 28 3.3.2 Durkheim e a educação ......................................................................................... 30 3.3.3 Max Weber e a educação ...................................................................................... 31 4 SOCIOLOGIA COMO DISCIPLINA ............................................................................. 31 5 O ENSINO DE SOCIOLOGIA ...................................................................................... 34 6 ENSINO DA SOCIOLOGIA E SUAS ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS ................. 40 6.1 Por que ensinar sociologia? ..................................................................................... 43 6.2 Para quem ensinar sociologia? ................................................................................ 47 6.3 Como ensinar sociologia? ........................................................................................ 50 3 7 DIRETRIZES CURRICULARES PARA O ENSINO DA SOCIOLOGIA........................ 57 7.1 Por que estudar sociologia? quando utilizarei esses conteúdos na minha vida? mais teorias, professor? - as questões dos jovens e os direcionamentos da legislação educacional brasileira ..................................................................................................... 58 7.2 Breve história da sociologia no ensino médio ........................................................... 59 7.3 A apresentação do pensamento sociológico no ensino médio ................................. 60 7.4 A pesquisa sociológica no Ensino Médio .................................................................. 66 7.5 Práticas de ensino e recursos didáticos ................................................................... 68 8 O PLANO DE AULA .................................................................................................... 72 8.1 Modelos de plano de aula ......................................................................................... 74 9 TÉCNICAS E INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO ...................................................... 78 9.1 A técnica de observação .......................................................................................... 79 9.2 A técnica de autoavaliação ....................................................................................... 80 9.3 A técnica de elaboração de portfólios ....................................................................... 81 9.3.1 Cuidados necessários para se trabalhar com portfólios ........................................ 82 9.3.2 Vantagens e desvantagens da utilização do portfólio ........................................... 83 9.4 A técnica de aplicação de provas ............................................................................. 85 9.4.1 Prova oral .............................................................................................................. 85 9.4.2 Prova escrita dissertativa ...................................................................................... 85 9.4.3 Prova escrita de questões objetivas ...................................................................... 88 10 SUJEITOS E PROCESSOS EDUCACIONAIS NA MODERNIDADE ........................ 88 10.1 O declínio do homem público ................................................................................. 88 10.2 O papel da escola em um projeto institucional moderno ........................................ 91 10.3 Modernização à brasileira e educação escolar ....................................................... 93 11 EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA: CURRÍCULO, DIDÁTICA E PLANEJAMENTO A PARTIR DE UM OLHAR SOCIOLÓGICO ...................................................................... 95 4 11.1 A escola, o currículo e a docência .......................................................................... 95 11.1.1 Primeira fase: leituras tradicionais ....................................................................... 97 11.1.2 Segunda fase: leituras críticas ............................................................................ 97 11.1.3. Terceira fase: leituras pós-críticas ...................................................................... 99 11.2 As técnicas educacionais, os saberes e o poder .................................................... 99 11.3 Possibilidades para o trabalho docente ................................................................ 101 12 O MODELO CONSTRUTIVISTA ............................................................................. 103 13 CONEXÃO ENTRE APRENDIZADO E GESTÃO DO CONHECIMENTO........ ....... 111 13.1 A gestão do conhecimento e seus objetivos ......................................................... 111 13.2 Convertendo conhecimento em aprendizagem .................................................... 114 13.3 Práticas e ferramentas de apoio para a gestão do conhecimento ........................ 116 13.3.1 Modelo de Nonaka e Takeuchi .......................................................................... 116 13.3.2 Modelo de Davenport e Prusak ......................................................................... 118 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................ 120 5 Prezado aluno! O grupo educacional Faveni, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é quepoderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos 6 1 AS FUNÇÕES DA SOCIOLOGIA O homem, desde a Antiguidade, preocupou-se em estudar as formas pelas quais os grupos sociais se organizam e se constituem, atendendo às mais diversas finalidades, seja para a manutenção de seus territórios, para combater epidemias, controlar a natalidade, dentre tantas outras possibilidades. Para que se obtenham análises eficientes, com a utilização de métodos precisos dentro das Ciências Humanas, surgem as Ciências Sociais, que se encarregam de tais olhares (BES, 2021). 1.1 As funções da Sociologia A Sociologia surge como ciência no século XIX, com o intuito realizar análises sobre a sociedade em suas inúmeras relações, procurando mapear as causas e aspectos que contribuíam para a organização social, classificando os fenômenos e inspirando hipóteses explicativas sobre os objetos pesquisados que, por sua vez, originam-se na própria sociedade, atendendo ao conceito de fato social cunhado por Durkheim (1996, p. 12), que afirma: É fato social toda maneira de agir, fixa ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, que é geral na extensão de uma sociedade dada, apresentando uma existência própria, independente das manifestações individuais que possa ter. Partindo da conceituação dos fatos sociais feita pelo autor, percebemos que o mesmo pensa a organização da sociedade realizada pelos efeitos de normalização e padronização sociais estabelecidos nas regras de conduta, nas ideias e pensamentos que compõem tais fatos. Estes fatos serão sempre exteriores ao indivíduo, ou seja, não dependem dos aspectos internos destes, e sim do esforço coletivo e social no estabelecimento destas normas de convivência criadas e impostas desde o nosso nascimento (BES, 2021). 7 Os fatos sociais irão apresentar três características: exterioridade, generalidade e coercitividade. A generalidade diz respeito ao que comentamos anteriormente, o caráter coletivo que se faz presente e determina, para todos, como agir neste grupo social. A exterioridade traduz a condição desse ser exercido sendo o mesmo estabelecido fora da consciência individual, externo às questões pessoais intrínsecas ao sujeito. A coercitividade, por fim, remete ao dever, à obrigação em acatar e seguir as determinações que foram estabelecidas na sociedade em que vivemos. Lakatos e Marconi (1990, p. 65) comentam que: A coerção não necessita ser drástica; igualmente são eficazes o riso, a zombaria, o afastamento dos amigos, quando nosso comportamento não constitui transgressões às leis, mas às convenções da sociedade. Exemplo: não se portar corretamente à mesa, vestir-se inadequadamente, falar de modo impróprio. Partindo da definição do fato social, tido como o objeto de estudo da Sociologia, cabe ao sociólogo a problematização do mesmo, procurando percebê-lo por diversas maneiras e buscando a sua contextualização mais exata, suas origens, as causas de seu estabelecimento como regras de conduta, os fatores que contribuíram para que estes fossem instituídos (BES, 2021). Barros (2008, p. 152) traz o seguinte comentário sobre o que seria a problematização: Problematizar é lançar indagações, propor articulações diversas, conectar, construir, desconstruir, tentar enxergar de uma nova maneira, e uma série de operações que se fazem incidir sobre o material coletado e os dados apurados. Problematizar, nas suas formulações mais irredutíveis, é levantar uma questão sobre algo que se constatou empiricamente ou sobre uma realidade que se impôs ao pesquisador. Nossa vida em sociedade apresenta muitas facetas e dimensões diversas que nem sempre são facilmente observáveis, pois o convívio humano acaba disfarçando-as através das inúmeras práticas culturais (com seus símbolos, valores e normas) dos grupos envolvidos em suas interações. Baseado nestas questões, Vila Nova (2013, p. 218) comenta que “[...] à Sociologia cumpre precisamente ir além das aparências físicas 8 da vida social e penetrar nas camadas mais profundas da sociedade para compreender a “logica” oculta da sua organização [...]” (BES, 2021). Esta lógica oculta citada pelo autor muitas vezes poderá ser percebida pelo sociólogo através das problematizações, dos levantamentos e das inserções no campo social, no qual serão mapeados os detalhes que envolvem as relações e interações entre as pessoas (BES, 2021). Outra função interessante que pode ser atribuída à Sociologia relaciona-se com a sua possibilidade de vir a transformar-se em instrumento de intervenção social, utilizando-se, para isso, do chamado planejamento social. Porém, convém observar que: [...] o planejamento social não é, entretanto, a aplicação apenas da Sociologia à intervenção na sociedade, mas, de modo conjugado, das demais ciências sociais, embora se verifique, sobretudo no Brasil, uma tendência à supervalorização da Economia na condução dessa atividade (VILA NOVA, 2013, p. 30). Dentro da lógica das atribuições do sociólogo que contribuem diretamente para o planejamento social estão as atividades de avaliação e monitoramento sobre os projetos públicos que estão sendo colocados em prática pelas esferas governamentais, por exemplo (BES, 2021). 1.2 Os pensadores da Sociologia e suas ideias Quando estudamos a Sociologia a partir de seu contexto histórico, como viemos fazendo, três grandes autores se destacam, formando uma tríade de ideias de base para as análises sociológicas posteriores a seu tempo; são eles: Durkheim, Weber e Marx. Vamos conhecer um pouco as ideias destes três autores e o modo como entendiam a educação na sociedade (BES, 2021). Émile Durkheim, sociólogo francês nascido em 1858 e que viveu até 1917, entendia a sociedade como algo que iria sempre prevalecer ao indivíduo. Ou seja, a sociedade é o conjunto das normas, regras e procedimentos, sentimentos, ideias e pensamentos que conduzem os indivíduos e que foram construídos coletivamente, o que vinha a ser a definição de fato social segundo Durkheim (BES, 2021). 9 Fonte: abdet.com.br Podemos entender mais facilmente esta ideia ao percebermos que a criança, quando nasce, já se encontra num grupo social, de modo que a sua infância e a forma como irá crescer e se desenvolver já foram previamente estabelecidas pelos demais membros adultos desta sociedade (BES, 2021). Podemos visualizar muito bem o conceito de fato social proposto por Durkheim na educação, uma vez que ela irá se encarregar de ensinar as regras e condutas e educar os membros para viver em sociedade. Podemos nos questionar, seguindo este viés, sobre o que se aprende na escola. Qual a função desta instituição em nossas vidas? Durkheim diria que sua principal função é preparar o indivíduo para a vida em sociedade (BES, 2021). Segundo Tomazi (2000, p. 18), o próprio conceito de instituição, para Durkheim, leva a estar resposta, uma vez que “para ele, uma instituição é um conjunto de normas e regras de vida que se consolidam fora dos indivíduos e que as gerações transmitem umas às outras. Há ainda muitos outros exemplos de instituições: a Igreja, o Exército, a família, etc.” (BES, 2021). Max Weber, sociólogo alemão nascido em 1864 e falecido em 1920, entendia que as análises da Sociologia deveriam recair sobre os atores sociais e suas ações. O 10 principal de suas ideias, em contraposição a Durkheim, é que Weber não via a sociedade como algo superior e exterior aos indivíduos, e sim como o resultado de um conjunto de ações recíprocas destes indivíduos. Baseado nesta ideia, estabeleceu o conceito de ação social (BES, 2021). Fonte: comunhao.com.br Nas palavras de Weber (1991,p. 3), a ação social “[...] significa uma ação que, quanto ao sentido visado pelo agente ou os agentes, se refere ao comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso [...]”. Um exemplo bem simples e frequentemente adotado na escola que ilustra uma ação social, segundo as ideias de Weber, seria a fila. Os alunos vão posicionando-se em coluna, um após o outro, seguindo uma ordem naturalizada de agir socialmente que já faz parte do sujeito, ou seja, sua subjetividade já internalizou a fila como algo a ser feito. Esta é a principal diferença entre Weber e Durkheim, pois Weber entendia que internamente o indivíduo ia significando, dando sentido às coisas e, assim, ia mudando e condicionando seu comportamento (BES, 2021). Outro conceito muito utilizado por Weber diz respeito à noção de poder, porém um poder não localizado num lugar específico, como o Estado, por exemplo, mas que perpassa todos os aspectos sociais e que não se relaciona somente com a questão 11 econômica. Entendia a sociedade como um sistema de poder que se manifesta em todas as esferas: [...] não apenas nas relações entre classes, ou entre governantes e governados, mas igualmente nas relações da família, na empresa, por exemplo, os indivíduos se deparam a todo momento com o fato de que indivíduos ou conjunto de indivíduos têm maior ou menor possibilidade de impor a sua vontade a outros. (VILA NOVA, 2013, p. 86). Podemos depreender do conceito do autor que este sistema de poder também poderá ser percebido no interior da escola. Poder representado na figura do professor, dos gestores escolares, dos grupos sociais com suas culturas específicas representados por pais e alunos, etc. Assim, o espaço da escola está sempre em negociação destas relações de poder dos grupos que ali convivem (BES, 2021). Karl Marx, pensador alemão que nasceu em 1818 e viveu até 1883, também apresentou sua contribuição para os entendimentos das relações entre os indivíduos e a sociedade empreendidos pela Sociologia (BES, 2021). O que difere radicalmente as ideias de Marx em relação a Durkheim e Weber é que, para ele, as relações em sociedade não poderiam ser pensadas separadamente das condições materiais em que essas relações se apoiam. Ou seja, para viver em sociedade, o homem precisa, num primeiro momento, valer-se da natureza, transformá-la, erguer suas moradias, fabricar os itens que farão parte de sua vida cotidiana e que irão garantir sua sobrevivência. Isto era o que o autor chamava de produção social da própria vida e que irá embasar seus escritos, procurando explicar a sociedade dividida em classes, e, posteriormente, sua discussão contrária às ideias do capitalismo (BES, 2021). Segundo as palavras de Marx (1978, p. 129): O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de fio condutor aos meus estudos pode ser formulado em poucas palavras: na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. [...] não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. 12 Por ter este entendimento de como as questões materiais interferem e condicionam os indivíduos é que Marx irá desenvolver suas análises sobre as classes sociais existentes, entendendo que os indivíduos agem de acordo com o que é regulado no interior da classe a que pertencem. Fica nítido em suas obras o estudo dos embates, sobretudo, entre a classe capitalista e a trabalhadora. Destas ideias resumidas aqui, irá despontar o materialismo histórico proposto por Marx e Engels, no qual emerge o caráter revolucionário na figura do cientista social como aquele que deveria propor mudanças radicais na organização social (BES, 2021). 1.3 Metodologias na pesquisa sociológica As primeiras pesquisas em Sociologia remontam ao início do século XX, na chamada Escola de Chicago (Departamento de Antropologia e Sociologia da Universidade de Chicago). É neste período que irão surgir marcadores importantes para a pesquisa científica sociológica, estabelecendo os aspectos também qualitativos como importantes de serem analisados, e não somente os quantitativos que vinham sempre sendo enfatizados e reforçados pelas Ciências Exatas como mais confiáveis e como os que levariam com maior exatidão ao conhecimento da verdade e ao estabelecimento do senso crítico científico (BES, 2021). Este é um aspecto importante a ser destacado: as questões qualitativas que compõem os indivíduos, que constituem suas subjetividades, que fazem com que a sociedade também se organize, normalize e estabeleça condutas de vida devem fazer parte das pesquisas sociológicas para que estas consigam realizar suas análises com maior eficácia (BES, 2021). Segundo Minayo (1996), as pesquisas qualitativas na Sociologia trabalham com significados, motivações, valores e crenças e estes não podem ser simplesmente reduzidos às questões quantitativas, já que respondem a noções muito particulares. Entretanto, os dados quantitativos e os qualitativos acabam se complementando dentro de uma pesquisa (BES, 2021). 13 A escolha do objeto a ser pesquisado pelo sociólogo estará relacionada ao rol de questões possíveis dentro do grande universo das interações humanas que ocorrem na sociedade. Sobre este objeto a ser analisado, será aplicada, num primeiro momento, uma pesquisa bibliográfica minuciosa, seguida, então, da aplicação dos instrumentos de coleta de dados e das metodologias típicas da ciência, como os questionários, as entrevistas, observações e pesquisas de campo (BES, 2021). Segundo Becker (1994), por mais ingênuo ou simples nas suas pretensões, qualquer estudo objetivo da realidade social, além de ser norteado por um arcabouço teórico, conforme mencionamos, deverá informar a escolha do objeto pelo pesquisador e também todos os passos e resultados teóricos e práticos obtidos com a pesquisa. Acompanhe o esquema na Figura abaixo com os passos mais utilizados numa pesquisa sociológica: Fonte: Etapas da pesquisa em Sociologia. As quatro etapas sugeridas pelo esquema anterior são importantes na condução de um processo sério de pesquisa sociológica e garantem o respaldo científico dos resultados conquistados com a mesma. Segundo Boni e Quaresma (2005, p. 72), “[...] as formas de entrevistas mais utilizadas em Ciências Sociais são: a entrevista estruturada, semiestruturada, aberta, entrevistas com grupos focais, história de vida e também a entrevista projetiva [...]”. Dependendo do tipo de objeto a ser investigado, do acesso ao 14 público que se requer e da disponibilidade do pesquisador, um destes tipos específicos poderá ser escolhido (BES, 2021). 2 SOCIOLOGIA DA CULTURA E SUA APLICAÇÃO NA EDUCAÇÃO Na modernidade, as escolas deixaram de ter o papel de reproduzir conhecimentos estabelecidos. Hoje, elas assumem a função de ferramentas civilizatórias. Por outro lado, como produtos de uma administração normalmente centralizada, as escolas podem se tornar instrumentos de interesses políticos. Nesse caso, elas tendem a fomentar uma educação que limita as possibilidades de produção de conhecimento e anula expressões culturais diferentes daquelas produzidas pelas elites. Assim, as políticas de salvaguarda de patrimônios culturais surgem para que a sociedade reconheça grupos e comunidades, suas expressões e identidades (AUGUSTINHO, 2021). 2.1 Cultura material, cultura imaterial e educação Os patrimônios culturais são expressões de saberes, práticas, técnicas, símbolos, crenças, sentimentos e relações de grupos sociais. Eles podem ser restritos a uma comunidade dentro de um território nacional, ou fazer parte da cultura de todo um país.São expressões também da identidade do grupo, ou seja, de como ele se constitui socialmente, de como se relaciona ou de como deseja se mostrar para outros grupos sociais (AUGUSTINHO, 2021). O que distingue um patrimônio cultural de um patrimônio comum é o fato de que o primeiro tem influência preponderante no processo civilizador da comunidade que o elabora ou expressa. Por exemplo, se arqueólogos descobrirem as fundações de uma cidade inteiramente desconhecida, será possível identificar traços de sua cultura por meio de expressões materiais. Seria possível analisar, por exemplo, a formação da cidade, que pode ser fortificada, indicando uma sociedade militarizada ou um período de guerra. 15 Também seria possível verificar se há quadras e praças nos acessos principais, que indicariam o trânsito intenso de pessoas. Nesse caso, a cidade provavelmente teria importância comercial ou religiosa, já que sua formação indicaria a recepção de muitas pessoas (AUGUSTINHO, 2021). Entre as expressões culturais consideradas patrimônios, há as materiais e as imateriais. A seguir, você pode ver ambas as definições (AUGUSTINHO, 2021). Patrimônio material: formado por objetos tangíveis, físicos, como edificações, estruturas, esculturas, pinturas em estruturas fixas (em paredes, cavernas, rochas) ou transportáveis (telas, quadros, madeira, cerâmica), artefatos de guerra, artefatos de uso cotidiano, vestimentas, livros, escrituras em papel, tecido, madeira ou pedra, joias, acessórios e ferramentas. Patrimônio imaterial: formado por elementos intangíveis, não físicos, normalmente transmitidos oralmente de geração para geração, como cantigas, rezas, orações, celebrações, rituais religiosos, pinturas corporais, técnicas de composição de vestuário (como as amarrações de turbantes para as religiões afro-brasileiras ou a composição ordenada das vestes de uma gueixa), danças, jogos, brincadeiras, esportes. Inclui ainda formas especiais de comunicação, como dialetos e tipos de linguagem. Humanos expressam-se por meio de elementos tangíveis e intangíveis desde que deixaram de ser nômades e estabeleceram-se em lugares físicos. Pinturas em cavernas, por exemplo, costumam mostrar o cotidiano dos grupos, os animais que caçavam, as lutas travadas, além de elementos do mundo que conheciam, como plantas, animais, estrelas e fogo (AUGUSTINHO, 2021). As expressões intangíveis ou imateriais também podem ser uma forma de regular as atividades internas à comunidade, ou de dar sentido à vida. Por isso, as expressões culturais são elementos que projetam e ao mesmo tempo moldam identidades. Assim, 16 são importantes e precisam estar presentes nas práticas educacionais (AUGUSTINHO, 2021). Os patrimônios culturais presentes no contexto educativo favorecem o conhecimento de padrões e estruturas socioculturais importantes para a própria cultura ou para outras sociedades. Além disso, estimulam o conhecimento das formas de relacionamento entre sociedades, dos contextos e movimentos históricos que formaram as civilizações (AUGUSTINHO, 2021). Esses patrimônios também incentivam o respeito às formas culturais e sociais distintas, uma vez que mostram a importância e o espaço de todas as expressões no processo civilizatório. Além disso, fortalecem as noções de cidadania e de participação. Afinal, há um constante processo de identificação desses bens para salvaguarda. Por sua vez, os estudantes podem auxiliar grupos que buscam a proteção de instituições para bens culturais, ou ainda elaborar movimentos para a promoção e o cuidado de suas culturas de origem (UNESCO, 2003). Os patrimônios culturais também podem ser definidos como: patrimônios culturais nacionais (materiais e imateriais) — de importância especial para a constituição da identidade, dos saberes e das práticas nacionais, definidos por entidades nacionais; patrimônios culturais da humanidade (materiais e imateriais) — de importância para o processo civilizatório da humanidade, eleitos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) Durante a constituição dos Estados nacionais, entre o fim do século XIX e o início do século XX, houve uma corrida das nações modernas para a salvaguarda das expressões populares. A ideia era estabelecer elementos que pudessem fortalecer o conceito de identidade nacional. De lá para cá, dispositivos foram criados e alterados conforme a mudança dos contextos históricos e sociais. Tais dispositivos incluem leis, 17 projetos e instituições para a identificação e a salvaguarda dos patrimônios (AUGUSTINHO, 2021). Cada país tem seu próprio conjunto de dispositivos sobre os patrimônios culturais, mas a definição do patrimônios culturais da humanidade é feita pela UNESCO. Suas ações se baseiam no texto Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, elaborado na Conferência Geral da UNESCO realizada em Paris de 17 de outubro a 21 de novembro de 1972. No documento, a secretaria especial define o patrimônio cultural a partir do artigo 102 da Carta das Nações Unidas (UNESCO, 2018, documento on-line). Veja: Para fins da presente Convenção serão considerados como patrimônio cultural: Os monumentos — Obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos de estruturas de caráter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; Os conjuntos — Grupos de construções isoladas ou reunidas que, em virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem, têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; Os locais de interesse — Obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza, e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. As práticas de salvaguarda são dispositivos que combinam a proteção e a divulgação do patrimônio. Se um patrimônio corre risco de destruição ou desaparecimento, a UNESCO destaca medidas urgentes para a sua salvaguarda. Tais medidas devem ser seguidas pelo Estado partícipe. O texto assinado em 1972 serve de base para as práticas contemporâneas. Contudo, já houve inúmeros desdobramentos de seus artigos fundamentais, como a Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial, assinada por mais de cem países (CASTRO; FONSECA 2008). Esse documento procura desenvolver políticas públicas, alinhando os panoramas de preservação e promoção da UNESCO com os panoramas nacionais. Além disso, procura promover o diálogo internacional e a aceitação da diversidade cultural, também baseada na criatividade humana, que produz inúmeros símbolos (AUGUSTINHO, 2021). 18 2.1.1 Patrimônios culturais brasileiros: dispositivos de salvaguarda O patrimônio cultural brasileiro, material e imaterial, é identificado e protegido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), criado por Getúlio Vargas em 1937. A criação do Instituto foi muito influenciada pelo escritor Mário de Andrade, que defendia a ideia de que a cultura brasileira era complexa e múltipla, portanto deveria ser compreendida a partir de seu viés antropológico (CASTRO; FONSECA, 2008). A identificação dos patrimônios culturais como componentes dos processos civilizatórios nacionais e como elementos formadores de identidades é algo tão importante que está presente no texto da Constituição Federal de 1988, citado por Castro e Fonseca (2008, p. 14): Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formasde expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. Parágrafo 1º. O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro por meio de registros, vigilâncias, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. O texto diz ainda que o Estado protegerá as manifestações culturais brasileiras que são componentes do processo civilizatório, o que inclui as manifestações e as culturas populares, indígenas e afro-brasileiras (AUGUSTINHO, 2021). Na perspectiva educacional, a socialização também pode ser uma forma de aprendizado, e o aprendizado, uma forma de socialização. Por isso, trajetórias biográficas e contextos socioculturais devem ser levados em conta nos processos educacionais. A ideia é que não haja a homogenização do grupo de educandos, uma vez que são todos diferentes e suas potencialidades e individualidades precisam ser observadas uma a uma (AUGUSTINHO, 2021). 19 Nesse sentido, a formação cultural do educando é parte importante de seu processo socializador. Parcela dos signos que o estudante carrega quando vai para a escola passa a construir relações sociais nesse ambiente. Essa bagagem sociocultural também tem impacto importante na forma como o aluno absorve os conteúdos e dialoga com eles, fomentando suas maneiras de transitar e interpretar as esferas culturais, sociais e políticas (AUGUSTINHO, 2021). 2.2 Cultura, educação e formação sócio histórica do sujeito Você pode encarar a cultura como um espelho da ação humana ao longo dos tempos. Ela se diferencia da natureza por carregar símbolos e significados criados pelos humanos. A criação de símbolos e a definição de significados são as maneiras como a humanidade atribui sentido à vida. A humanidade tende a buscar conexões para além das relações homem-homem e homem-natureza. Ela projeta divindades por meio das quais pode dar significado à vida. Essas construções tendem a acontecer em grupos sociais e podem se expandir à medida que o grupo cresce, recebe novos membros ou conquista novos territórios. Por outro lado, elas podem se extinguir quando os componentes sociais desaparecem ou são sobrepostos por outras culturas (AUGUSTINHO, 2021). O trânsito cultural, no entanto, é uma constante na história da humanidade. Ele acontecia muito antes de antropólogos, sociólogos e historiadores designarem ferramentas para estudá-lo. Alguns pensadores entendem que esse é o curso natural da humanidade. Dessa forma, no estabelecimento de relações sociais, comerciais, culturais ou políticas com outros grupos, alguns traços culturais originais tendem a desaparecer ou ser reformulados. Mas, para outros pensadores, não existe tal naturalidade, e as conexões entre os grupos sociais podem ser feitas preservando a cultura original da alteração e do desaparecimento (AUGUSTINHO, 2021). Na contemporaneidade, essa dualidade pode ser compreendida como um posicionamento político ou como um projeto civilizador. Afinal, há dispositivos que podem proteger culturas do desaparecimento, e outros que fomentam a absorção de culturas 20 externas para facilitar trânsitos ou relações, ou pela existência de uma relação de dominação. Nessa perspectiva, a escola e a educação, como ferramentas dos processos civilizatórios, podem atuar das duas formas: na preservação e na promoção da interação ou na absorção de culturas (AUGUSTINHO, 2021). Por isso, a atuação da escola e da educação nas perspectivas culturais depende também do plano político do momento. Você deve considerar que existe ainda um tipo de produção e exercício da socialização específico da escola, o que pode ser chamado de cultura escolar. Seja qual for o direcionamento político para os elementos culturais nacionais e humanos, ele chega aos sujeitos em boa parte pela atuação da escola. Por isso, quaisquer práticas desenvolvidas nesse sentido precisam observar as especificidades dessa instituição (AUGUSTINHO, 2021). 2.3 A escola como um espaço sociocultural As análises sobre a importância do contexto escolar na formação cultural de educandos passam pela construção da cultura escolar. Além disso, consideram como essa cultura está conectada com a cultura produzida pelos meios sociais nos quais a escola se insere. Existem três perspectivas essenciais na compreensão da cultura escolar, como você pode ver a seguir (BARROSO, 2012). Funcionalista: defende que a escola é um meio que transmite a cultura do entorno social, definida pelo contexto social, político e econômico, mas não possui uma cultura própria, apenas práticas específicas para a transmissão da cultura preexistente. Nessa perspectiva, a escola funciona como um canal de comunicação, que imprime em seu contexto o que já existe no contexto exterior. Estruturalista: entende que a cultura escolar é produzida pelas formas e técnicas utilizadas pela escola para transmitir a cultura do meio social aos educandos. Nessa perspectiva, todas as formas de organização escolar 21 — como o currículo, os professores e a organização administrativa — imprimem um significado à cultura presente no meio social, modelando a cultura preexistente em uma forma particular de cultura escolar. Nesse caso, a cultura escolar não é a reprodução total da cultura do meio social, como na perspectiva funcionalista, mas não produz uma cultura inteiramente nova. Os canais de comunicação e as formas de estruturação das práticas educativas é que modelam uma perspectiva diferenciada de cultura escolar. Interacionista: vê a escola como uma produtora de características culturais específicas que, em alguns pontos, pode ser diferente da cultura do meio social no qual se insere. Essa perspectiva indica que a organização escolar de cada unidade imprime uma forma de o sujeito relacionar-se e compreender os conteúdos, as práticas, os espaços e os papéis sociais. Por isso, a cultura escolar não seria global, presente em todas as escolas como produto de práticas homogêneas, mas cada escola produziria um contexto único e, portanto, uma cultura escolar única. Essa perspectiva indica que a interação entre os saberes e trajetórias de cada sujeito e o universo exterior produziria um impacto interno. Por isso, os contextos sociais, políticos, geográficos e as vivências e saberes de cada sujeito e daqueles com os quais mantêm laços na comunidade implicariam a produção de uma cultura escolar única. As três perspectivas indicam a inclinação política das instituições em relação à função da escola como agente do processo civilizatório. A perspectiva funcionalista valoriza a ideia de reprodução de valores, ideias e comportamentos. Uma instituição educacional religiosa, por exemplo, tende a imprimir seus valores na cultura educacional, certificando-se de que comportamentos externos ao princípio religioso estejam bloqueados na construção da cultura escolar. O foco é mantido na reprodução da cultura religiosa. Se, porém, a reprodução cultural parte de uma inclinação política, pode indicar 22 que o Estado deseja apenas reproduzir comportamentos compreendidos como aceitáveis, utilizando a escola para uma socialização não contestatória (AUGUSTINHO, 2021). As organizações escolares estruturalistas oferecem mais autonomia na socialização e na formação sociopolítica do que a funcionalista. A escolha dos métodos e a forma de organização podem estar abertas à perspectivas inovadoras e integrativas. Mesmo que o currículo seja elaborado de forma centralizada, a aplicação das práticas educacionais formaráum contexto cultural singular (AUGUSTINHO, 2021). As formas mais integradas e que permitem os maiores trânsitos socioculturais são as interacionistas. Elas possibilitam que a comunidade e seus contextos tenham presença importante nas práticas educacionais. No entanto, embora permita a troca de saberes e a formação cultural pautada na diversidade, o modelo interacionista pode gerar desigualdade entre as unidades escolares. Isso pode ocorrer, por exemplo, em uma sociedade com desequilíbrios sociais intensos em que não haja uma centralização forte do currículo e dos materiais utilizados (AUGUSTINHO, 2021). A escola é sempre um espaço de formação cultural. Esse espaço pode reproduzir o contexto mais amplo e permitir remodelações a partir das técnicas. Por outro lado, pode formar culturas inteiramente novas a partir da integração com outras perspectivas culturais. De qualquer forma, será sempre parte importante do processo de socialização e de construção/afirmação identitária (AUGUSTINHO, 2021). Por isso, é parte essencial da formação e do equilíbrio sociopolítico de uma nação, podendo ser utilizada como ferramenta para o desenvolvimento social, cultural, político, econômico e científico. Ou, por outro lado, como forma de controle social. Sociedades democráticas privilegiam os modelos estruturalista e interacionista, havendo aí uma questão também econômica. A centralização na abordagem estruturalista permite um investimento menor e mais controlado do que o que ocorre na interacionista (AUGUSTINHO, 2021). Do ponto de vista da criação de uma comunidade vinculada às ancestralidades e diversidades e pautada na equidade, o modelo interacionista é o mais conveniente. Por outro lado, é preciso atentar às abordagens funcionalistas. As escolas religiosas são produto do direito inalienável de cada indivíduo de participar de comunidades religiosas 23 em sociedades democráticas. Contudo, escolas que reproduzam inteiramente um modelo cultural pautado pela estrutura política podem cercear as possibilidades de expansão dos olhares e de enriquecimento cultural. Além disso, podem gerar aniquilamento da diversidade, o que caracteriza governos ditatoriais, totalitários ou autoritários (AUGUSTINHO, 2021). 3 TEORIAS SOCIOLÓGICAS MODERNAS E SEUS REFLEXOS NOS CONTEXTOS PRÁTICOS DA EDUCAÇÃO A busca do homem pelo estabelecimento das verdades que pudessem explicar os fenômenos à sua volta é antiga. Movida pela sua curiosidade epistemológica, a humanidade se volta para inúmeras pesquisas e teorias em busca de desvendar os mistérios da natureza, num primeiro momento, e das relações humanas, a partir da Idade Moderna. É nesta era moderna que surge a ciência, criam-se seus métodos, delineiam- se como as verdades científicas iriam se estabelecer como rumo, eixo norteador das ações humanas. É também nesta época que emergem teorias potentes e que irão balizar as condutas humanas da época e que ainda incidem na contemporaneidade (ISOPPO,2018). No universo da sociologia também ocorre dessa maneira, sendo que algumas das teorias sociológicas invadem nosso cotidiano ainda hoje e se apresentam, sobretudo, na área da educação, no interior das escolas e influenciando nossa maneira de pensar e ser docente (ISOPPO,2018). 3.1 Teoria sociológica positivista/funcionalista A teoria sociológica positivista/funcionalista é uma das principais teorias da sociologia e também é conhecida como Positivismo. Vamos recordar que o Positivismo surge no início da segunda metade do século XIX, principalmente a partir das ideias dos autores Auguste Comte e John Stuart Mill, na Europa. É inspirando-se fortemente nas 24 ideias de Comte que Durkheim irá propor o surgimento da sociologia como uma ciência (ISOPPO,2018). A ideia central do Positivismo é que, através do esforço de busca racional proposto pelo método científico de pesquisa e investigação, estabelece-se a verdade sobre as coisas. Ou seja, fortemente inspirada nas ideias da racionalidade de Descartes, a ciência propõe o que é considerado como exato e verdadeiro (ISOPPO,2018). O Positivismo apresenta como princípios a organização, a ordem, a sistematização do conhecimento através da utilização das técnicas e do método científico. Propõe a total separação do pesquisador em relação ao objeto de pesquisa; ao realizar a pesquisa, o cientista deve manter-se afastado, imparcial, neutro em relação ao que vem sendo pesquisado, visando a não “contaminar” os resultados da pesquisa com a sua subjetividade (ISOPPO,2018). Os positivistas acreditavam que o progresso da sociedade se daria única e exclusivamente através das descobertas científicas. Dessa forma, a ciência era sempre superior às demais crenças e a todo e qualquer fato proveniente de outras áreas do conhecimento, como o senso comum (empírico e cultural) ou teológico (de fé) (ISOPPO,2018). É importante destacar que, atualmente, muitas ciências ainda enxergam estes traços positivistas implicados nas suas propostas metodológicas. Percebemos estes cuidados rigorosos, sobretudo, nas pesquisas de caráter experimental (de laboratório), nas quais se evidenciam os aspectos quantitativos e os cuidados com a estrutura e com o delineamento minucioso das etapas. Durkheim, importante sociólogo que criou o conceito de fato social, apresenta em seus escritos um posicionamento positivista (ISOPPO,2018). Assim, Durkheim admite uma apreensão imediata dos fatos como eles se apresentam objetivamente, fora do observador, sem a interferência de imagens e conceitos previamente presentes na mente do pesquisador. Sua perspectiva, portanto, é rigorosamente positivista. Segundo o positivismo, como se vê, existe uma distinção clara entre o sujeito que observa e a realidade observada (VILA NOVA, 2013, p. 106). 25 Cabe lembrar que, ao propor a ideia das ciências sociais, Durkheim procurava estabelecê-la com os mesmos cuidados e rigores das ciências naturais em relação aos métodos e técnicas de pesquisa científicas, o que lhe daria a credibilidade e o verdadeiro caráter racional e, logo, científico para os padrões positivistas da época (ISOPPO,2018). Outra ideia muito presente no Positivismo são os aspectos do funcionalismo proposto pelo antropólogo Bronislav Malinowski, que entendia que, no interior de uma sociedade, todas as partes têm uma razão de existir e uma função. Nem sempre os indivíduos percebem estas funções nas instituições e em suas ações, porém elas existem e tudo se justificaria através delas. Dessa forma, valendo-nos das ideias funcionalistas, poderíamos admitir que a pobreza, a desigualdade social, entre outras mazelas sociais existem porque têm funções específicas na regulação e manutenção desta sociedade (ISOPPO,2018). O problema que podemos destacar em relação ao pensamento funcionalista é o de que, ao “naturalizar” todos os fatos como decorrentes de uma estrutura funcional social, temos implícita a ideia de que não temos que intervir e de que não é necessário que se busque melhorias nos aspectos deficitários desta sociedade, pois, afinal, tudo tem sua função, não é mesmo? (ISOPPO,2018). Segundo Vila Nova (2013): O método funcionalista consiste na identificação das funções das atividades e instituições em relação ao todo de uma sociedade. A análise funcional têm sido objeto de crítica frequente por parte dos adeptos da corrente do conflito, notadamente os marxistas. Para estes, os pressupostos da visão funcionalista da sociedade não seriam mais do que pura ideologia, no sentido de visão distorcida da sociedade em razão de interesses de classe disfarçados em teoria científica (VILA NOVA, 2013, p. 103). Como podemos perceber, as ideias em torno do funcionalismo, bem como do positivismo, são complexas e contraditórias. Cabe a nós, como educadores, conhecer estas teorias e exercitar a reflexão sobre elas, bem como propor a nossos alunos queo façam, de modo que percebam que existem, na contemporaneidade, outras maneiras de análise da sociedade que não se façam unicamente por um viés teórico (ISOPPO,2018). 26 3.2 Teorias histórico-críticas Outra teoria muito particular da sociologia é a histórico-crítica. Esta teoria procura entender que o ser humano é um ser histórico, que acaba construindo sua individualidade através das vivências e experiências às quais se coloca no seu percurso em sociedade. Ao contrário do que buscavam os positivistas- -funcionalistas, o estabelecimento de generalizações que fossem aplicáveis e explicassem todos os fenômenos sociais, os historicistas críticos entendem que cada situação é contingente e particular, devendo ser analisada individualmente para que este caráter histórico possa ser evidenciado como deveria (ISOPPO,2018). Vamos analisar as ideias de três autores principais da sociologia que se baseiam nas noções histórico-críticas como fundamento de suas proposições científicas: Max Weber, Karl Marx e Friederich Engels (ISOPPO,2018). Max Weber, através da construção do seu conceito de ação social, já evidenciava a sua perspectiva histórica sobre o homem, uma vez que propõe o caráter da participação do homem na construção de sua própria história. Ou seja, o homem não somente vive de acordo com as regras e leis sociais previamente estabelecidas, mas também as produz, faz escolhas, participa das atividades culturais que lhe interessam e, dessa forma, acaba tendo experiências particulares (ainda que em coletividade). Por este motivo, Weber desenvolveu suas análises sem procurar o estabelecimento de uma lei universal que explicasse a sociedade como um todo, pois entendia que existiam, sim, formas de dominação que acabavam por estratificar a sociedade, porém estas agiam de forma diferente em relação aos indivíduos (ISOPPO,2018). Weber propôs, através deste entendimento histórico, as bases de sua sociologia compreensiva. Segundo Thomaz (2009): O método compreensivo, defendido por Weber, consiste em entender o sentido que as ações de um indivíduo contêm e não apenas o aspecto exterior dessas mesmas ações. Se, por exemplo, uma pessoa dá a outra um pedaço de papel, esse fato, em si mesmo, é irrelevante para o cientista social. Somente quando se sabe que a primeira pessoa deu o papel para a outra como forma de saldar uma dívida (o pedaço de papel é um cheque) é que se está diante de um fato propriamente humano, ou seja, de uma ação carregada de sentido. O fato em questão não se esgota em si mesmo e aponta para todo um complexo de significações sociais, na medida em que as duas pessoas envolvidas atribuem 27 ao pedaço de papel a função do servir como meio de troca ou pagamento; além disso, essa função é reconhecida por uma comunidade maior de pessoas. Pela conceituação e pelo exemplo citado pelo autor, podemos entender um pouco mais como o processo histórico vê materializado no indivíduo o seu desenvolvimento. Ou seja, ao estabelecer que existe uma intersubjetividade, que o indivíduo dá sentido, significa a sua ação, fica mais claro ainda que não seria possível o estabelecimento de leis universais que dessem conta de explicar cientificamente os mais variados aspectos da sociedade. Essas análises em busca de respostas devem levar em conta, dentro da visão histórico-crítica, as individualidades com suas representações e significações mentais específicas (ISOPPO,2018). Já os autores Marx e Engels apresentam o aspecto histórico relacionado a suas proposições sobre o materialismo histórico. Nesse, os indivíduos vivem em busca da produção da materialidade de sua sobrevivência em sociedade. Ou seja, sua vida é pautada pelas experiências (que são históricas) em busca de recursos que os façam viver. Dessa forma, a materialidade desses recursos é o que move as pessoas, faz com que procurem seus empregos, em busca de um salário com o qual poderiam satisfazer as suas necessidades para a vida social. As análises dos autores focaram na dominação e opressão exercida pelo capitalista ao trabalhador, entendendo que este se encontra sempre em desvantagem enquanto o detentor do capital o explora (ISOPPO,2018). O que diferencia as visões de Marx e Engels em relação à de Weber é o fato de que aqueles entendiam que o poder se encontrava no capitalista, que, ao posicionar-se de forma superior na estratificação social (o que os autores definiram como classe social), impunha a sua vontade aos trabalhadores. Já Weber analisou as formas de dominação e controle social através de três formas básicas: legal, tradicional e carismática. Este autor entendia que o poder pode ser exercido por todos da esfera social, nem sempre sendo imposto, coercitivo, mas exercido através de outras maneiras (ISOPPO,2018). Vila Nova (2013, p. 107) traz o seguinte comentário ao referir-se ao materialismo histórico de Marx e Engels: Quanto à abordagem marxista, ela se afasta radicalmente do positivismo a partir do postulado básico do materialismo histórico de que a consciência é determinada pela existência concreta dos indivíduos, pelas situações sociais nas quais estes estão inseridos, e não o contrário. Assim, segundo essa corrente, não 28 pode existir um conhecimento puro do mundo objetivo. Ao contrário, todo conhecimento é necessariamente contaminado pela situação social objetiva, notadamente a de classe, dos indivíduos. Como podemos entender no texto citado, as abordagens de cunho marxista trazem o entendimento de que os indivíduos são também constituídos historicamente através de suas vivências e das experiências concretas que ele vive (ISOPPO,2018). 3.3 As teorias sociológicas e a educação Vamos agora procurar entender como estas principais correntes sociológicas e seus autores que são referência, Durkheim, Weber e Marx, relacionam-se com os campos da educação. É importante destacar, num primeiro momento, que tanto Weber quanto Marx não tiveram um trabalho destacado focando especialmente a área da educação, tratando do tema de forma abrangente. Já Durkheim, por sua vez, produziu muitos escritos visando os aspectos educacionais (ISOPPO,2018). 3.3.1 Karl Marx e a educação Como vimos anteriormente, Marx entendia a vida como uma busca pelas materialidades que iriam fornecer condições de viver em sociedade. Considerava, ainda, que as sociedades se dividiam em classes, nas quais alguns eram opressores (capitalistas) e outros, oprimidos (trabalhadores). Logo, dentro desta visão, Marx entendia que a educação fazia parte desta busca histórica do ser humano e que, através dela, os indivíduos poderiam resistir à dominação da elite. A escola, na concepção marxista, cumpre tanto a função de socialização quanto a de manter as hierarquias sociais existentes e permitir que o controle das classes dominantes se efetive sobre as dominadas, ou, utilizando as palavras do contexto da época, a dominação da burguesia pelo proletariado (ISOPPO,2018). 29 Fonte: www.dmtemdebate.com.br Uma das questões colocadas pelo autor que reforça a ideia de que a educação poderia, no seu entendimento, permitir que os indivíduos se libertassem desse caráter de dominação manifestado pelo poder do burguês capitalista é demonstrado na obra “O Manifesto do Partido Comunista”, na qual, ao mencionar uma lista de medidas a serem tomadas pelas nações, cita: “Educação pública e gratuita para todas as crianças. Eliminação do trabalho infantil em fábricas na sua forma atual. Unificação da educação com a produção material etc.” (MARX; ENGELS, 1998). Segundo Aron (1991, p. 169), “o trabalho é em Marx um princípio educativo. O homem total constitui-se a partir da articulação ensino-trabalho desde a infância, a partir de uma preparação politécnica para desenvolver o maior número possível de ocupações”. De certa maneira,ainda hoje percebemos este caráter de politecnia na educação, com o qual preparamos o aluno para o exercício da vida profissional. A educação na contemporaneidade acaba instrumentalizando o homem para ocupar vagas num mercado de trabalho cada vez mais exigente (ISOPPO,2018). 30 3.3.2 Durkheim e a educação Durkheim foi o primeiro autor a entender a educação como um processo social ou, em suas palavras, como “coisa eminentemente social” (DURKHEIM, 1975, p. 94). Seus escritos na área da educação são inúmeros, tanto que é considerado o pai da sociologia da educação. O autor entendia que cada momento da história do homem apresentava um modelo de educação que se adequasse às necessidades daquele espaço de tempo. A sociedade, ao fixar um modelo de homem ideal para sua época, irá utilizar-se da educação para configurar, ajustar a sociedade a este modelo. Nas palavras de Durkheim (1975, p. 51): Chegamos, portanto, à seguinte fórmula. A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que não estão ainda maduras para a vida social. Tem por objeto suscitar e desenvolver na criança um certo número de estados físicos, intelectuais e morais, que requerem dela tanto a sociedade política em seu conjunto quanto o meio especial ao qual ela é particularmente destinada... Resulta da definição acima que a educação consiste em uma socialização metódica da jovem geração. Como percebemos na citação do autor, existe um esforço em busca da sistematização de como os valores morais, normas de convivência social e as condutas de modo geral serão ensinadas às crianças e aos jovens e, para esta finalidade, a escola é vista como o ponto central no qual isso poderá ocorrer. Filloux (2010, p. 16) comenta que, para Durkheim: essa socialização metódica, que é a educação, corresponde à necessidade para toda a sociedade de assegurar as bases de suas condições de existência e sua perenidade. Ela se opera, não resta dúvida, desde o nascimento, no seio da família, porém é na escola que ela é sistematizada, de modo que a escola se torna o lugar central da continuidade social, quando se trata da transmissão dos valores, das normas e dos saberes. Daí o interesse quase exclusivo de Durkheim pela escola, nela incluída a universidade. Esta educação proposta por Durkheim vai ao encontro da ideia central do autor para a análise sociológica sobre o conceito de fato social que vimos anteriormente. Cabe à educação, em todos os níveis, proporcionar, ensinar a respeito das normativas, regulamentos e condutas sociais que deverão ser seguidas (ISOPPO,2018). 31 3.3.3 Max Weber e a educação Max Weber traz o seu entendimento sobre a sociedade através do caráter compreensivo, ou seja, compreender significa que as pessoas, ao agirem, são tomadas pelos fatores simbólicos e pelo significado que dão às coisas, e não somente pelo caráter coercitivo que já se encontra imposto na sociedade, como pensava Durkheim e o próprio Marx (ISOPPO,2018). As ideias de Weber sobre educação estão relacionadas com a forma com a qual o autor desenvolveu seu conceito sobre os tipos de dominação existentes na sociedade, classificadas pelo autor em tradicional, burocrática e carismática. Segundo Weber (1971, p. 482): Historicamente, os dois polos opostos nos campos das finalidades educacionais são: despertar o carisma, isto é, qualidades heroicas ou dons mágicos; e transmitir o conhecimento especializado. O primeiro corresponde à estrutura carismática do domínio; o segundo corresponde à estrutura (moderna) de domínio, racional e burocrático. Os dois tipos não se opõem, sem ter conexões ou transições entre si. Historicamente, os dois polos opostos nos campos das finalidades educacionais são: despertar o carisma, isto é, qualidades heroicas ou dons mágicos; e transmitir o conhecimento especializado. O primeiro corresponde à estrutura carismática do domínio; o segundo corresponde à estrutura (moderna) de domínio, racional e burocrático. Os dois tipos não se opõem, sem ter conexões ou transições entre si. Pela citação, o autor deixa claro que a educação tem o objetivo de preparar para exercer/aceitar o tipo de dominação que recai sobre o indivíduo durante a sua vida em sociedade (ISOPPO,2018). 4 SOCIOLOGIA COMO DISCIPLINA Se o caminho para a consolidação da Sociologia como ciência foi longo, não foi diferente para sua consolidação como disciplina escolar. Enquanto as primeiras aulas oficiais de Sociologia na Universidade remetem ao curso de Sociologia de Émile Durkheim, na França em 1887, aqui no Brasil a disciplina passa a integrar a grade 32 curricular em meados da década de 1920, porém nos anos 1960 o ensino passa a ser facultativo e se torna obrigatório em 2006 (MARTINS, 2019). Esse processo marca características importantes da disciplina, como sua forte presença nos currículos do Ensino Superior. Seu caráter interdisciplinar faz da disciplina elemento importante para a formação nas diferentes áreas de conhecimento. Conceitos e métodos sociológicos, usualmente associados também à Filosofia, são considerados essenciais para a formação ética e humanística nas diferentes profissões. Além disso, nesses cenários fica a cargo da disciplina ambientar o estudante em relação ao universo acadêmico, ou seja, apresentar ao sujeito os primeiros passos da iniciação científica (GUIMARÃES NETO; ASSIS; GUIMARÃES, 2012). Porém, não podemos afirmar o mesmo sobre os currículos da Educação Básica. Nesse sentido, o ensino de Sociologia representa um desafio para professores. As constantes idas e vindas da presença da disciplina no Ensino Médio não contribuíram para formar uma tradição no ensino de Sociologia nas escolas brasileiras. A incerteza marca a presença da disciplina nos currículos, podemos destacar tanto seu banimento ao tempo da ditadura militar, quanto seu retorno facultativo, para compreender as incertezas (MARTINS, 2019). Devido ao cenário da disciplina, deparamo-nos com situações como o fato de os materiais didáticos e metodologias serem recentes. Quando comparamos os materiais disponíveis para Sociologia com aqueles de disciplinas como Ciências e Matemática, vamos nos deparar com anos de tradição em pesquisa no ensino e didática dessas disciplinas e experiências muito mais recentes no caso da Sociologia (MARTINS, 2019). A formação profissional na área representa um campo de pesquisa ainda em construção nos cursos de Sociologia e Ciências Sociais. Bem como, faltam professores com formação na área e, por esta razão, é comum encontrar professores de outras áreas do conhecimento como responsáveis pela disciplina (MARTINS, 2019). Além disso, a carga horária da disciplina, usualmente, com uma ou duas aulas semanais, representa um desafio para o planejamento das aulas. É realmente desafiador desenvolver o pensamento sociológico com tempo tão limitado. Como também para a adequação dos professores de Sociologias no quadro de profissionais das escolas, 33 facilitando para que professores de outras disciplinas assumam essas aulas (MARTINS, 2019). Outra dimensão a ser considerada como desafio para a Sociologia como disciplina diz respeito ao papel da escola na atualidade. Não apenas a função de ensinar teorias e conceitos sociológicos exige reflexão, mas também a função da escola como um todo (MARTINS, 2019). As transformações sociais decorrentes dos avanços científicos e tecnológicos, especialmente no que tange ao acesso à informação e às novas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), representam um desafio para a educação. Atrair a atenção de jovens e atribuir sentido ao estudo das teorias exige de professores reflexão das práticas tradicionais de ensino (MARTINS, 2019). Diante da quantidade de informações disponíveis no mundo de hoje, vertentes pedagógicas vêm apontando que a escola precisa reorientar a sua função precípua e promover mudanças.É preciso ir além de simples transmissora de informação. A escola deve levar o indivíduo a compreender o mundo em que vive, ajudando-o a saber e a ter acesso à informação, analisando-a e interpretando-a. (GUIMARÃES NETO; ASSIS; GUIMARÃES, 2012, p. 78). O ponto aqui não é recusar a tradição, mas sim compreender as mudanças que o amplo acesso à informação implica para a sociedade, e suas influências nas relações sociais (MARTINS, 2019). A avalanche de informações – uma das características do mundo atual – levou algumas correntes de pensamento a defenderem que estaríamos vivendo a era do conhecimento e a preverem o fim da escola. No entanto, torna-se premente considerar o tipo de informação circulante e o fato de as informações serem controladas por poucos e pequenos grupos, no Brasil e no mundo. A análise das informações em que a maioria das pessoas tem acesso permite dizer que elas são fragmentadas, tendendo a manipular mais do que informar a sociedade. As informações proporcionam visões de mundo estereotipadas e legitimadoras das causas das classes dominantes, imprimem certa “naturalização” a fenômenos que são de ordem eminentemente social e contribuem para manter as desigualdades na sociedade (GUIMARÃES NETO; ASSIS; GUIMARÃES, 2012, p. 78). Na complexidade desse contexto é que buscaremos compreender os desafios da Sociologia na escola. Caro acadêmico, é essencial para sua formação e futuro sucesso profissional desenvolver uma prática reflexiva no que diz respeito a sua atuação como professor. Não nos basta apenas o domínio das teorias e conceitos para garantir que 34 nossos alunos desenvolvam a capacidade de analisar a realidade de forma crítica a partir da Sociologia. É fundamental levar em conta o breve histórico e desafios aqui apresentados para desenvolver uma atividade docente capaz de refletir na prática o teor crítico que permeará nossos discursos (MARTINS, 2019). 5 O ENSINO DE SOCIOLOGIA A consolidação da Sociologia como ciência está atrelada ao ensino de Sociologia. Afinal, o conhecimento e a análise das estruturas, mudanças e transformações sociais contemplam parcela significativa dos conhecimentos e habilidades considerados fundamentais para a formação da cidadania e autonomia do sujeito, seja na Educação Básica, seja no Ensino Superior (MARTINS, 2019). Esse pressuposto que coloca a Sociologia – juntamente com as demais Ciências Humanas – como essencial para a formação do sujeito parece suficiente para eximir os questionamentos em relação ao papel do ensino da Sociologia na Educação Básica (MARTINS, 2019). É comum observar-se entre gestores, professores e alunos, certa desconfiança em relação ao ensino de Sociologia. Os motivos são diversos, desde a reflexão dos profissionais da área em relação à seleção de conteúdos e metodologias para ensinar Sociologia para adolescentes e jovens, até questionamentos no sentido de uma necessidade de neutralidade do conhecimento e o receio da doutrinação das futuras gerações. Diante desse cenário, é essencial desenvolver como hábito a reflexão e pesquisa sobre o ensino da disciplina (MARTINS, 2019). Destacamos aqui o papel da proposta político-pedagógica que permeia a seleção de conteúdos e metodologias no ensino de Sociologia. Vamos acompanhar o argumento de Bridi, Araújo e Motim (2009, p. 50): A cidadania (grifo das autoras) é o eixo principal da educação, conforme os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e os princípios presentes na Constituição, que supõem a dignidade da pessoa humana, a igualdade de direitos, a participação e a corresponsabilidade social. 35 Veja bem, caro acadêmico, temos aqui elementos importantes para pensar o ensino de Sociologia e buscar caminhos para responder – ainda que levando a outras perguntas – alguns dos questionamentos em relação à disciplina (MARTINS, 2019). A cidadania como eixo da educação merece destaque. A formação integral do sujeito exige a construção da cidadania. Por essa razão, ao apontar a cidadania como norte, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) se baseiam nos princípios apresentados na Constituição: dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação e corresponsabilidade social. Logo, a Sociologia, ao propor o desenvolvimento do pensamento crítico, da autonomia e da análise crítica da realidade social, contempla conhecimentos e habilidades essenciais ao exercício da cidadania. Esse fato coloca em perspectiva os questionamentos a respeito da relevância do contato dos jovens com a disciplina. A formação integral do sujeito requer consolidação da cidadania, que, por sua vez, necessita de uma compreensão da realidade social construída através do conhecimento sociológico (MARTINS, 2019). Contudo, apenas tomar consciência da importância da Sociologia não nos livra por completo dos questionamentos, pois, como selecionar conteúdos e escolher metodologias que nos levem a atingir nossos objetivos? O conjunto das disciplinas desenvolvidas nas escolas orienta-se por esse eixo, porém, na maioria das vezes, dada a visão da ciência e de ciência dos professores e dos objetos particulares de cada um – ainda centrados nos paradigmas clássicos –, os temas referentes à formação da cidadania plena tendem a ser tratados como periféricos ou se constituem em objeto de reflexão apenas em alguns poucos momentos no decorrer do ano. A urgência de trabalhar conteúdos programáticos demandados tem levado escolas a deixarem em segundo plano temas que visam à compreensão e à inserção na realidade local, nacional e global (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 50). Aqui nos deparamos com um obstáculo importante: a seleção de conteúdos essenciais à formação cidadã versus a seleção de conteúdos para os exames de seleção (vestibular, ENEM). Esses pontos podem convergir, afinal, muitos dos conteúdos presentes nesses exames são essenciais para a cidadania. Entretanto, a necessidade de atender às expectativas de sucesso no acesso ao Ensino Superior não privilegia o uso de metodologias que promovam a reflexão crítica e a autonomia (MARTINS, 2019). 36 Em outras palavras, não basta selecionar conteúdos que os alunos apenas “decorem” para as provas, é fundamental que o contato com esses conteúdos seja capaz de promover o desenvolvimento da capacidade de analisar criticamente a realidade social e de agir a partir desse ponto de vista (MARTINS, 2019). E agora? Quais caminhos podemos percorrer para buscar a superação desses desafios? [...] é o da abordagem via temas transversais, além do cuidado com a seleção dos conteúdos e textos e a forma como abordamos e os desenvolvemos no âmbito das disciplinas. Apesar das críticas e controvérsias quanto aos temas transversais, é importante que a escola como um todo continue nessa empreitada, pois se reconhece as limitações de cada uma das ciências. É evidente que nenhuma área pode por si só dar conta da problemática social; dessa forma, transdisciplinaridade, interdisciplinaridade e pluridisciplinaridade são princípios metodológicos fecundos no fazer educacional (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 50-51). O planejamento pedagógico a partir dos temas transversais oportuniza possibilidades para selecionar conteúdos e metodologias para além das expectativas dos exames, permitem a conexão com outras áreas do saber, inclusive para além das Ciências Humanas, e provocam professores e alunos a refletir sobre a realidade social de forma ampla. Essas ações podem nos levar a caminhos mais próximos da formação integral do que aqueles trilhados com foco na transmissão de conceitos e teorias e em sua repetição nas atividades de avaliação (MARTINS, 2019). Vale aqui recordar o contexto do surgimento da Sociologia. No contexto social anterior ao capitalismo, o lugar do social estava no âmbito normativo. As transformações sociais resultantes do desenvolvimento capitalista lançaram a necessidade de uma ciênciapara explicar a complexidade social (MARTINS, 2019). Com a emergência da sociedade industrial capitalista, quando se institucionalizam normas, leis e princípios universais para os cidadãos – assegurando direitos iguais, livre acesso ao mercado, ao processo político, à igualdade, mas que não se concretizaram de todo, – criam-se condições para o aparecimento de uma ciência propícia a contrastar os princípios de igualdade anunciados com a realidade social (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 51). A Sociologia se consolida na necessidade de compreender as transformações sociais, especialmente as consequências dessas transformações. A contradição entre os pressupostos de igualdade e possibilidades do capitalismo contradizem as desigualdades 37 da realidade social. Nesse sentido, é fundamental considerar o papel crítico da Sociologia enquanto ciência ao ensinar Sociologia. Essas reflexões são essenciais para a cidadania. Como poderíamos definir o papel do ensino de Sociologia para os jovens? Considerando seus objetivos. Seguimos acompanhando as reflexões de Bridi, Araújo e Motim (2009, p. 51): Nesse sentido, constam entre os objetivos da Sociologia: a realização da crítica empírica da igualdade institucionalizada, da cidadania universal e da participação no mercado, além de formular uma compreensão teórica de como essa igualdade foi distorcida em verdadeira desigualdade social. Além disso, deve-se atentar sempre para que a prática não represente uma contradição das teorias compartilhadas. Professores compartilhando e construindo saberes pautados na criticidade enquanto adotam metodologias autoritárias representam um obstáculo para o ensino e aprendizagem de disciplinas como a Sociologia (MARTINS, 2019). Por esta razão, é tão importante compreender a escolha de metodologias que incentivem a postura crítica e a autonomia como parte estruturante do planejamento pedagógico (MARTINS, 2019). Ensinar uma metodologia de estudo não se faz de modo neutro. Os jovens são especialmente sensíveis às contradições sociais (grifo das autoras), políticas, econômicas, mas também pedagógicas. Ao desenvolver a disciplina de Sociologia é preciso que se resguarde uma relação não autoritária com os conteúdos e com os procedimentos metodológicos e avaliativos adotados (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 51). Em outras palavras, para alcançar o sucesso no processo de ensino e aprendizagem em Sociologia é fundamental que teoria e prática caminhem juntas, evitando assim uma postura contraditória entre o discurso e a ação do professor (MARTINS, 2019). A promoção do desenvolvimento cognitivo também é importante para a atuação do professor, pois o aprendizado não se restringe a um conjunto de regras aplicáveis a qualquer conhecimento ou situação, mas sim à construção de um conjunto de informações que representem significados capazes de levar o sujeito à compreensão da realidade (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009). 38 Falamos aqui da postura do professor em relação ao ensino de Sociologia, e quanto à expectativa em relação aos alunos? O que esperar de um aluno que cursou a disciplina na Educação Básica? Pois bem, o ensino de Sociologia deve ser capaz de incentivar o sujeito a resolver tarefas e construir conhecimentos que permitam a ele analisar e, quiçá, intervir na realidade social (MARTINS, 2019). Ressaltamos o papel da educação como essencial para o desenvolvimento do ser humano, levando-o a amadurecer e a respeitar valores e referências centrais para uma sociedade que precisa ser reconstruída de modo permanente. Ao aluno, devemos propiciar a aquisição de estratégias a serem utilizadas por ele para a solução de tarefas, levando-o a desenvolver habilidades necessárias ao conhecimento, ou seja, deve aprender como proceder para aprender, conhecer as regras de como chegar a certo conhecimento, realizar tarefas que o capacitem a apreender as condições dos acontecimentos, dos fenômenos, enfim, da realidade que se apresenta (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 60). Em termos práticos, como é possível desenvolver tais competências e habilidades? Um caminho é a aprendizagem do raciocínio dialético (MARTINS, 2019). É sabido que quando o aluno aprende a raciocinar dialeticamente e domina uma teoria para a interpretação do mundo com seus conceitos fundamentais que permitem a compreensão histórica e sociológica de fenômenos sociais contemporâneos, ele desenvolve uma inteligência do presente. Essa capacidade possibilita-lhe um maior controle sobre sua própria aprendizagem, mas isso não ocorre a partir de fórmulas ou técnicas, conceitos prontos e descontextualizados. O conhecer dialético vale-se da capacidade de relacionar, organizar e sistematizar as informações, além de perceber como as relações apreendidas estruturam a realidade dos acontecimentos sociais (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 60). Em suma, raciocinar dialeticamente representa um conjunto de competências e habilidades que possibilitam fazer uso das teorias contextualizadas social e historicamente para compreender os desafios do presente (MARTINS, 2019). Prezado acadêmico, atente para a relevância do controle do aluno sobre sua aprendizagem, pois ter acesso a teorias e conceitos não garante ao sujeito ferramentas suficientes para fazer uso adequado desses elementos para analisar a realidade. Todo o processo de ensino-aprendizagem deve ser planejado e executado tendo em vista o desenvolvimento da capacidade de relacionar, organizar e sistematizar as informações obtidas em sala de aula, bem como o uso desses saberes para compreender os fenômenos sociais (MARTINS, 2019). 39 Logo, é preciso atenção especial para evitar que o conhecimento compartilhado nas aulas de Sociologia acabe fragmentado e com foco apenas no conhecimento acadêmico. Assim, as atividades de aprendizagem e os objetivos das aulas não podem se resumir à produção do conhecimento de forma acadêmica, e sim caminhar para a redescoberta. Nesse sentido, é fundamental assegurar um trabalho de ensino- aprendizagem que seja coerente, bem estruturado e que não fragmente conteúdos, para que sua lógica interna estimule o prazer da descoberta, o estabelecer relações, perceber o todo social e as inúmeras manifestações particulares (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 63-64). A contextualização é elemento central para o raciocínio dialético. Devese atentar para trabalhar uma teoria ou conceito fazendo referência ao contexto histórico e cultural no qual foram produzidos e, paralelamente, associar esse conteúdo à realidade na qual o aluno está inserido considerando as dimensões sociais, culturais, políticas e econômicas. Além de destacar que os conceitos não são construídos de forma isolada, mas sim resultam da inter-relação com diversos fatos e áreas do conhecimento (MARTINS, 2019). É por meio do contato com outras sociedades, em diferentes tempos e espaços e distintas formas de organização do poder, que o aluno elabora o conceito de política, por exemplo. Mediante descrições e narrações, num primeiro momento, seguidas de outras estratégias tipicamente escolares, como o estabelecimento de relações de semelhanças e diferenças, de causalidade, de espacialidade e de temporalidade, ocorre um aprendizado que direciona o aluno a analisar, compreender e adquirir a noção de processo. Assim, fazer generalizações e sínteses e posicionar-se crítica e criativamente diante das múltiplas realidades sobre as quais se debruça o estudante passam a ser o resultado de um ensino- aprendizagem dialético (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009, p. 65-66). Em outros termos, faz parte dos objetivos da Sociologia como disciplina levar ao conhecimento do aluno teorias e conceitos sociológicos produzidos ao longo da história. Contudo, apenas ter acesso a esse conhecimento não será suficiente para formar um cidadão. É essencial que o conteúdo trabalhado em sala de aula faça sentido para o aluno (MARTINS,2019). Aqui reside um dos maiores desafios para os professores: instigar e manter o interesse dos alunos nas aulas. É comum nos depararmos com discursos que aliam o interesse do aluno ao uso de tecnologias ou a incorporação do lúdico no processo de ensino e aprendizagem. Tais ferramentas são elementos importantes para pensar o 40 ensino de Sociologia, porém, enquanto o conhecimento sociológico não fizer sentido para o aluno, dificilmente outros recursos serão capazes de garantir o interesse (MARTINS, 2019). A elaboração de significados diz respeito também à capacidade de aprender. Quando o aluno é capaz de produzir um significado para o conteúdo trabalhado em sala de aula, podemos afirmar que ele foi capaz de estabelecer relações com conhecimentos prévios e/ou com diferentes partes desse conteúdo. Esse processo marcado pela relação dialética é responsável por desenvolver, através das atividades escolares, a construção de conteúdos que são criações culturais (BRIDI; ARAÚJO; MOTIM, 2009). 6 ENSINO DA SOCIOLOGIA E SUAS ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS A conjuntura social da contemporaneidade, marcada pelas consequências da globalização, constitui um desafio epistemológico para as Ciências Sociais. Octavio Ianni (1994) elaborou ainda na década de 90 uma reflexão a respeito do desafio epistemológico das ciências sociais. Inicialmente, nos deparamos com a necessidade de pensar uma sociedade global, uma vez que a construção do pensamento científico elaborado até então partiu das reflexões sobre a sociedade nacional, criando lacunas nas interpretações da realidade (MARTINS, 2019). Os estudos e as interpretações da sociedade global apresentam algumas características que merecem ser registradas. Cada uma de per si, e todas em conjunto, permitem visualizar um pouco melhor tanto a originalidade do novo objeto das ciências sociais, como as dificuldades epistemológicas que suscita. Primeiro, baseiam-se principalmente nos ensinamentos das seguintes teorias, muito correntes nas ciências sociais: evolucionismo, funcionalismo, sistêmica, estruturalista, weberiana e marxista. Essas são as que predominam, às vezes em termos bastante sistemáticos, outras vezes utilizadas de modo fragmentário. Também há tentativas de combinar elementos de várias teorias, em formulações ecléticas. Em vários casos, no entanto, fica evidente a dificuldade que alguns autores enfrentam para libertar-se dos quadros de referência 41 representados pela sociedade nacional, como emblema do paradigma clássico, e pensar a sociedade global em toda a sua originalidade (MARTINS, 2019). Segundo, priorizam determinados aspectos da sociedade global: econômicos, financeiros, tecnológicos, informáticos, culturais, religiosos, políticos, geopolíticos, ecológicos, sociais, históricos, geográficos e outros. São poucos os que formulam abordagens gerais, abrangentes, integrativas. Também são poucos os que reconhecem que o conjunto das relações, processos e estruturas que descrevem e interpretam diz respeito a um objeto novo constituído pela sociedade global (MARTINS, 2019). Terceiro, a maioria situa-se em perspectiva que se pode denominar de convencional. Focaliza este ou aquele aspecto da sociedade global, priorizando antecipadamente uma perspectiva: a superpotência mundial; uma ou várias das nações dominantes ou centrais no cenário mundial; uma ou várias nações do ex-Terceiro Mundo, do sul ou da periferia, tais como as asiáticas, africanas, latino-americanas e inclusive remanescentes do ex-bloco soviético do leste europeu; a comunidade europeia; a classe ou as classes dominantes; as classes subalternas, compreendendo trabalhadores assalariados em geral, proletariado e campesinato; as etnias minoritárias; a luta pela soberania nacional, com base em projeto capitalista, socialista ou terceira via; a rede intra e intercorporações, conglomerados ou empresas, compreendendo muitas vezes alianças estratégicas entre elas; a nova divisão internacional do trabalho e da produção; a mídia internacional; um ou outro fundamentalismo religioso, incluindo-se o islamismo, catolicismo, protestantismo e outros; a luta pela hegemonia mundial por parte desta ou daquela nação (MARTINS, 2019). Quarto, o método comparativo evidentemente está na base de praticamente todos os estudos e interpretações. Comparam-se nações e continentes, tecnologias e mercadorias, regimes políticos e políticas governamentais, indicadores econômicos, financeiros, políticos, sociais e culturais, economias estatizadas mistas e de empresa privada, mercado e planejamento. Há casos em que a comparação elege relações, processos e estruturas, procurando combinar configurações sincrônicas e diacrônicas. Em outros casos, comparam-se índices, indicadores, variáveis. E claro que o recurso ao método comparativo apoia-se, em última instância, em uma das teorias mobilizadas para a pesquisa: evolucionismo, funcionalismo, sistêmica, estruturalista, weberiana ou 42 marxista. Em geral, a comparação toma como referência aberta ou implícita este ou aquele país moderno, desenvolvido, industrializado, pós-industrial. Quinto, são poucos, muito poucos, os que se posicionam nos horizontes da desterritorialização, uma perspectiva que pode passar pelas convencionais, mas não se fixa em nenhuma, como a que seria prioritária, privilegiada ou mais avançada. Dado ao fato de que esse novo objeto das ciências sociais não só é novo, mas também muito problemático, seria apressado estabelecer precipitadamente uma perspectiva como prioritária ou exclusiva. A fecundidade possível da reflexão sobre a sociedade global, em suas configurações e seus movimentos, pode ampliar-se bastante se o sujeito do conhecimento não permanece no mesmo lugar, deixando que o seu olhar flutue livre e atento por muitos lugares, próximos e remotos, presentes e pretéritos, reais e imaginários. Sim, a sociedade global é o novo objeto das ciências sociais. Ao lado da sociedade nacional, vista como um todo e também em suas partes, as ciências sociais começam a debruçar-se sobre a sociedade global, vista como um todo e também em suas partes. São dois objetos presentes: um dos quais bastante conhecido, codificado, interpretado, ao passo que o outro ainda por se conhecer, se explicar (MARTINS, 2019). A sociedade nacional pode ser vista como o emblema do paradigma clássico das ciências sociais, com o qual elas nascem, amadurecem e continuam a se desenvolver. Enquanto que a sociedade global pode ser vista como o emblema de um paradigma emergente. Envolve um novo paradigma, tanto porque a sociedade global encontra-se em constituição, em seus primórdios, como porque carece de conceitos, categorias, interpretações (MARTINS, 2019). Com o objetivo de apresentar reflexões e estratégias para o ensino nesse contexto, esse tópico foi dividido em três seções: Por que ensinar Sociologia? Para quem ensinar Sociologia? E como ensinar Sociologia? O objetivo é elaborar um conjunto de reflexões que sejam capazes de nortear sua prática profissional como professor de Sociologia na Educação Básica (MARTINS, 2019). 43 6.1 Por que ensinar sociologia? Para atingirmos o objetivo de formar cidadãos na autonomia e criticidade, é essencial desenvolver o olhar sociológico para a realidade. Inicialmente é preciso sensibilizar os alunos sobre a diferença entre o senso comum sobre a realidade e as explicações científicas sobre ela. A Sociologia aborda temas do cotidiano das pessoas, temas sobre os quais as pessoas têm opiniões, preferências e julgamentos (MARTINS, 2019). Quando pensamos em cientistas, usualmente nos remetemos a figuras distantes trabalhando com questões que vão além da nossa capacidade de entendimento, por exemplo, nas teorias da física ou nos cálculos matemáticos. Porém, com os cientistas sociais o objeto de estudo não está distante e o local de trabalhonão é um laboratório equipado com aparatos tecnológicos. Nesse contexto, todos parecem ter uma teoria social, política ou antropológica para justificar fenômenos sociais (MARTINS, 2019). Inicialmente é preciso destacar o olhar sociológico para a realidade, apresentando aos alunos conceitos, teorias e métodos sociológicos como ferramentas para interpretar a realidade e as relações sociais que nos cercam, transformando nossa forma de ver o mundo (MARTINS, 2019). Prezado acadêmico, as teorias sociais podem ser comparadas a lentes que nos mostram relações, hierarquias e processos, desvelando novos elementos presentes na sociedade e contribuindo para a compreensão do mundo social (MARTINS, 2019). 44 Fonte: . Acesso em: 13 out. 2018. Como sensibilizar os alunos para a compreensão da Sociologia como ciência? Bom, Nóbrega (2015), ao refletir sobre os elementos da didática em Sociologia, destaca três objetivos da disciplina que podem auxiliar nesse caminho: o estranhamento e a desnaturalização, a percepção da diversidade dos discursos e a formação do cidadão crítico. Assim, na chave do estranhamento e da desnaturalização, poderíamos dizer que esta compreensão do mundo social é, antes, histórica porque as nossas relações mudam, assim como mudam as instituições, as normas etc. Elas se diferenciam também de acordo com o conjunto de relações que se estabelecem em cada sociedade [...]. O segundo objetivo da Sociologia no Ensino Médio é possibilitar a percepção dos diversos discursos que justificam e explicam o mundo social [...]. O terceiro objetivo da Sociologia no Ensino Médio tem relação com o mantra “formar o cidadão crítico” (NÓBREGA, 2015, p. 109-110). Prezado acadêmico, você já observou como a formação para a cidadania é fala recorrente dos professores de Sociologia e das demais ciências humanas? É comum para os profissionais da área atribuir essa finalidade para suas aulas. Contudo, é preciso 45 analisar com atenção essa questão, visto que a prática acaba por contrariar o discurso (MARTINS, 2019). Fonte: Acesso em: 13 out. 2018. Cabe aqui refletirmos sobre esse conceito, a formação cidadã é algo que podemos transmitir aos alunos através das teorias ou exige construir uma prática pedagógica voltada para o exercício da cidadania no cotidiano escolar? Em primeiro lugar é a visão de cidadania. O conceito de cidadania representa relações, práticas e comportamentos que vão além do recorte jurídico de direito e dever (MARTINS, 2019). Envolve a reflexão sobre os processos sociais que deram origem aos direitos, deveres e também originaram as formas de participação social e de atuação política. Como será empobrecedor falar, por exemplo, do direito de votar que exercemos no Brasil mencionando apenas o dispositivo constitucional sem considerar as lutas sociais que garantiram a sua existência e sem problematizar a forma como ele é exercido atualmente (NÓBREGA, 2015, p. 111). Em outras palavras, na educação a formação cidadã confere ao aluno a possibilidade de compreensão dos processos sociais que levam à constituição de direitos e deveres por sujeitos e instituições. Cidadania não se restringe a uma descrição da realidade, mas sim à compreensão de “processos, mudanças e correlações de forças que, no campo das lutas sociais, acabam influenciando a organização social, a 46 composição dos governos, a estruturação do sistema político-partidário etc.” (NÓBREGA, 2015, p. 111). A escola se configura como espaço para aprender e exercer a cidadania. A formação integral indica esse movimento ao colocar o aluno como sujeito do processo de ensino e aprendizagem. Aprender deixa de ser um processo de acúmulo de informações repassadas do professor para os alunos e passa a representar protagonismo e participação por parte dos jovens (MARTINS, 2019). Nesse contexto, o ensino de Sociologia propõe a formação não só para o futuro, mas também a construção da cidadania no presente. Tornar o aluno um sujeito crítico e cidadão ao longo de sua formação na educação básica. Para tanto, cabe a nós refletir sobre os seguintes aspectos: Qual é o espaço que o aluno tem para apresentar suas necessidades ao professor e à direção? Como o aluno apresenta essa reivindicação? Por outro lado, quais são as reponsabilidades daquele ambiente social escolar que são exigidas dos alunos? São cumpridas essas exigências? Quais as formas de participação do aluno nas decisões que influenciam a vida escolar no geral? Enfim, como os diversos grupos sociais que vivem nesse sistema chamado escola tornam possível a sua coexistência? O aprendizado sobre cidadania nos parece ser, diante do que expusemos, muito mais resultado de uma prática social cotidianamente vivida na escola do que, propriamente, uma abstração de determinadas noções que foram lidas a partir do livro didático (NÓBREGA, 2015, p. 111). Como fazer uso de estratégias para atingir os objetivos e seguir elaborando as questões apresentadas acima? Primeiramente, ressaltar o elemento histórico no ensino dos conteúdos selecionados, enfatizando a possibilidade de mudanças dos fenômenos e relações sociais. Em segundo lugar, demonstrar a participação humana nos fatos, atentando para a desnaturalização das questões sociais. Ao trabalhar os conteúdos com os alunos problematizando as explicações de caráter determinista em situações que decorrem de ações humanas. Em suma, abordar os conteúdos a partir de uma perspectiva em que a participação humana influenciou as estruturas que hoje condicionam as relações sociais (NÓBREGA, 2015). 47 6.2 Para quem ensinar sociologia? Atualmente a disciplina é ofertada obrigatoriamente na Educação Básica na etapa do Ensino Médio. Em virtude dessa característica, o público-alvo da disciplina é formado por jovens nessa etapa de sua formação escolar, o que não representa necessariamente um grupo homogêneo, pelo contrário, observamos uma diversidade de realidades sociais, históricas, políticas e econômicas refletidas na escola. Dessa forma, é fundamental dedicar tempo à compreensão de quem são os sujeitos que estão em nossas salas de aula e buscar entender suas expectativas (MARTINS, 2019). Prezado acadêmico, a pluralidade de expectativas e desafios presentes no espaço escolar merece nossa atenção. Ao realizar os estudos dessa disciplina, você percebeu mudanças na sua visão de escola quando aluno do Ensino Médio e de sua visão atual? Já parou para pensar nas expectativas e na realidade com a qual irá se deparar como professor de Sociologia? Observe na imagem a seguir alguns desafios comuns no contexto escolar: Fonte: Acesso em: 13 out. 2018. Diariamente estamos em contato com os jovens em nossas aulas no Ensino Médio, porém o tempo curto das aulas, a quantidade de temas a trabalhar, aliados ao 48 número de alunos em sala, tornam desafiadora a proposta de conhecer a realidade desses jovens. Além disso, o público que forma esses alunos é diverso e passa longe das expectativas da maioria dos professores (MARTINS, 2019). Um público cada vez mais heterogêneo, marcado por uma sociedade desigual, traz para o interior da instituição escolar contradições de uma estrutura social excludente, que interfere nas trajetórias escolares dos jovens. […] Na escola tradicional, constitui-se um tipo ideal de aluno do Ensino Médio tendo-se como referência os liceus - as escolas secundárias das elites. Esse estudante é o jovem que vai à escola no intuito de aprender; que presta atenção às explicações dos professores; que permanece em silêncio durante as exposições de docentes e colegas; que questiona e já desenvolveu uma visão crítica sobre os fatos e situações sociais […] A escola espera que o jovem estudante do Ensino Médio se mobilize para aprender e tenha tempo fora da escola para se dedicar ao ofício de aluno: fazer tarefas, cumprir prazos, disponibilizar-sea ser orientado e avaliado. Esse tipo ideal de estudante nem sempre coincide com o aluno que se encontra nas salas de aula do Ensino Médio de hoje em dia (PAULA; DAYRELL, 2013, p. 29-30). Percebe-se que há uma distância entre o tipo ideal de jovem aluno traçado pelos professores, orientadores e gestores, e os jovens que estão no Ensino Médio, pois é preciso considerar que a expansão do acesso a essa fase de ensino reconfigurou seu público-alvo tanto no que diz respeito às classes sociais, quanto a outras referências, como cor e raça. Outro ponto são as características típicas, como a busca pela autonomia na qual o jovem “[…] adquire novas responsabilidades, desenvolve sua capacidade de julgamento e constrói novas formas de pensar relações familiares, com os grupos de pares (composto pelos colegas) e com a própria sociedade” (PAULA; DAYRELL, 2013, p. 31). O Ensino Médio é um período de constantes transformações e questionamentos para os jovens e também desafiador para os professores, na tentativa de alcançá-los em nossas aulas. A educação e o trabalho são processos sociais que estão sujeitos à convergência ou a transformações por conflitos de interesse. No que diz respeito ao contexto social, são processos determinados pelas exigências de reprodução das elites dominantes (MARTINS, 2019). Assim, a educação se insere como um conjunto de ações que visam atividades que desenvolvam aspectos mentais e a capacidade de trabalho. No mundo globalizado, 49 a educação vem com o intuito de qualificar os indivíduos para participar da vida social e do mundo do trabalho. E, no caso brasileiro, o acesso à educação desde o início se deu de forma desigual, favorecendo a elite econômica, contribuindo para a manutenção das desigualdades sociais e econômicas (CATTANI, 1996). É importante salientar que o mundo do trabalho no qual os jovens serão inseridos é um espaço de constantes transformações e que vem sofrendo com a crise estrutural do capital, que leva à flexibilização do trabalho a partir de um padrão tecnologicamente avançado e da terceirização (ANTUNES, 2009). Para compreender a relação entre os jovens e o mercado de trabalho, é necessário reconhecer o contexto social apresentado acima, mas também reconhecer o imaginário sobre o trabalho criado pelos jovens. Nessa fase, a escolha da profissão e a inserção no mercado ganham espaço na vida desses jovens. É preciso que a escola tenha um olhar que vá além dos desafios negativos do mundo do trabalho e o perceba como princípio educativo - assim como menciona nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNEM), reconhecendo que as experiências relacionadas ao trabalho produzem culturas, identidades e saberes (BRASIL, 2013a). A formação humana integral é um tema que acompanha o debate sobre a formação dos professores do Ensino Médio e representa a "articulação entre os direitos à aprendizagem e ao desenvolvimento humano e a organização do trabalho pedagógico” (BRASIL, 2014, p. 11). Na reflexão das possibilidades dessa articulação, criar espaços de diálogo, apareceu um ponto de partida para novas formas de pensar o processo educativo a partir de Pensar o território educativo onde estudantes, professores, funcionários e gestores constroem o processo de socialização e de formação com base na valorização da pluralidade cultural e respeito às diferenças de gênero, raça, etnia, orientação sexual; além de propiciar o diálogo com os diferentes conhecimentos dos campos científico, filosófico, político, artístico, tecnológico, cultural e económico […] (BRASIL, 2014, p. 17). Os conhecimentos não podem se restringir aos conceitos de cada área, mas sim ser resultado de uma construção que reconheça a importância do trabalho como princípio educativo e que dialogue com diferentes aspectos da realidade social: 50 Nessa linha de pensamento, é preciso incorporar ao currículo conhecimentos que contribuam para a compreensão do trabalho como princípio educativo. Esse princípio permite a compreensão do significado econômico, social, histórico, político e cultural das ciências, das letras e das artes (BRASIL, 2013b, p. 36). A busca pela formação humana integral nos coloca diante de um desafio que faz questionar a prática pedagógica na metodologia e no currículo. Já nos dizia Freire (1996) que entre as exigências para uma pedagogia da autonomia estão a criticidade, o respeito aos saberes dos educandos, a aceitação do novo e a rejeição de qualquer forma de discriminação, a liberdade e a autoridade e a liberdade para o diálogo (MARTINS, 2019). Uma formação em que os aspectos científicos, tecnológicos, humanísticos e culturais estejam incorporados e integrados. Assim, os conhecimentos das ciências denominadas duras e os das ciências sociais e humanas serão contemplados de forma equânime, em nível de importância e de conteúdo, visando a uma formação integral de sujeitos autônomos e emancipados (BRASIL, 2013b, p. 34-35 apud MOURA, 2013). Em complemento a essa construção autônoma do sujeito está a busca pela reconstrução do Ensino Médio pautada na junção do conhecimento científico a outros aspectos que compõem a compreensão do aluno como sujeito, como jovem e como cidadão (MARTINS, 2019). 6.3 Como ensinar sociologia? Nesse momento nos dedicaremos à reflexão das formas e estratégias para o ensino de Sociologia na Educação Básica. Como vimos até aqui, a formação para a cidadania figura como norte para a disciplina e, para tanto, propõe-se o desenvolvimento da imaginação sociológica. Como atingir tais objetivos? As noções de curiosidade epistemológica apontadas por Paulo Freire e a imaginação sociológica construída por Wright Mills demonstram as razões pelas quais o ensino de Sociologia na Educação Básica contribui para a formação integral do sujeito em um movimento no qual a curiosidade sobre o mundo se transforme em pensamento crítico (FREIRE, 2008; MILLS, 1975; GUIMARÃES NETO; ASSIS; GUIMARÃES, 2012). 51 Em termos didáticos, podemos pensar o exercício da imaginação sociológica como movimento em que antecede o contato com a teoria social clássica. Antes de aprender teorias e conceitos, o aluno ganha ao conquistar o distanciamento na análise dos fenômenos sociais. A Sociologia se dedica à compreensão de fenômenos que integram nossas vidas e o distanciamento intelectual promove o pensamento crítico. Como se constitui esse novo olhar? [...] ao experimentar o distanciamento, o indivíduo aprende a compreender valores que sua cultura não pratica, a admirar hábitos que ele não cultiva e a respeitar culturas que não agem como a sua. Aprende a avaliar, de maneira questionadora, sua própria cultura. Livra-se de preconceitos e ganha autocrítica (GUIMARÃES NETO; ASSIS; GUIMARÃES, 2012), p. 31). Quando consideramos o desenvolvimento da curiosidade sobre o mundo e da imaginação sociológica, construímos bases para que os jovens desenvolvam um olhar particular sobre a realidade que os cerca. Quando entregamos ferramentas para pensar o cotidiano para além da repetição de informações, padrões e comportamentos, permitimos que conhecimentos e habilidades sejam formados em um contexto de autonomia, diversidade e respeito (MARTINS, 2019). Outro ponto importante é a compreensão da dialética elementar que vivenciamos nos diversos espaços sociais (a família, a escola, a Igreja, o trabalho, o Estado): Em qualquer um desses ambientes vale uma dialética elementar: somos condicionados pelos pilares da vida social e, ao mesmo tempo, somos construtores desse edifício cujos pilares nos condicionam. Aprendemos a viver em grupos enquanto nos tornamos membros ativos desses grupos. Somos educados por instituições, adquirimos hábitos e valores da cultura que nos cria e, enquanto isso, vamos construindo as condições pelas quais essa cultura pode, mesmo que minimamente, ser modificada por nós (GUIMARÃES NETO; ASSIS; GUIMARÃES, 2012,p. 31). A dialética permite dar sentido ao conhecimento sociológico. Esse sentido é importante especialmente ao pensar que nosso público é formado por jovens que nem sempre estarão empolgados – ou até dispostos – a atividades que propomos em sala de aula. Atribuir sentido aos temas e conceitos e destacar o protagonismo do sujeito na vida em sociedade são caminhos para ir além da mera transmissão de saberes (MARTINS, 2019). 52 Vale lembrar que o esforço para atribuir caráter científico para a imaginação sociológica data de mais de dois séculos de produção científica. Como resultado desses esforços entendemos que a Sociologia nos mostra como vivemos e nos ajuda a viver. É nesse contexto que destacamos que, em sala de aula, formamos cidadãos, não sociólogos (MARTINS, 2019). Por essa razão é fundamental buscar o equilíbrio entre o rigor teórico e a leveza necessária para o aprendizado nessa etapa da vida. Como nos aproximar ao máximo desse equilíbrio? Em um exercício de distanciamento e aproximação, segundo Guimarães Neto, Assis e Guimarães (2012, p. 33): Nesse sentido, a posição do professor de Sociologia se situa num lócus intermediário, tendo, de um lado, tradição altamente técnica e erudita e, de outro, a cultura praticada na espontaneidade da vida cotidiana, com todas as peculiaridades do ambiente em que seu trabalho se realiza. Da primeira ele deve colher a base conceitual que permitirá fluência da imaginação sociológica; da segunda, o complexo de significados que dará sentido ao uso dessa imaginação. Da primeira o distanciamento; da segunda a aproximação. Amalgamar esses polos é uma das suas atribuições. Nesse movimento de distanciamento e aproximação, podemos pensar em estratégias metodológicas que nos permitam compartilhar os saberes específicos de nossa área (conceitos e teorias sociais) e lançar luz sobre temas e questões que envolvem os alunos em níveis pessoais, favorecendo assim o pensamento crítico e a possibilidade de desenvolver competências e habilidades que os alunos levarão não só para suas formações acadêmicas futuras ou para o mercado de trabalho, mas para suas vidas (MARTINS, 2019). As estratégias metodológicas para incentivar a construção de um pensamento a partir da imaginação sociológica devem considerar três dimensões: o contexto, a estrutura e o cotidiano. Esses elementos presentes no planejamento do ensino dos conteúdos da disciplina propõem criar uma espécie de parâmetro para as análises sociais (MARTINS, 2019). O conhecimento do processo histórico nos permite compreender que o tempo presente não é resultado do acaso, mas sim de uma combinação de ações e decisões tomadas ao longo da história de cada sociedade. 53 Na medida em que encaramos a sociedade dentro de um processo inconstante de transformações e permanência de valores, estruturas, modelos e significados, num terreno em que operam forças contínuas e descontínuas de manutenção de ordens preestabelecidas, é importante destacar o papel do indivíduo como sujeito ativo, não ativo apenas representante de um recorte específico no momento histórico, mas também agente que colabora para criar a história (GUIMARÃES NETO; ASSIS; GUIMARÃES, 2012, p. 37). Compreender esse emaranhado de forças e ações que configuram a sociedade leva ao questionamento dos processos de naturalização das práticas e hierarquias sociais, bem como promove a compreensão dos processos de mudança e transformação social como resultantes de ações sociais (MARTINS, 2019). Ao lado da compreensão da dimensão histórica figura a compreensão das estruturas que moldam os sistemas sociais através da reprodução de normas, regras e valores. É preciso analisar as regularidades nas ações sociais e cada sujeito como um ator social com diferentes papéis (pais, filhos, alunos, professores, trabalhadores etc.). Mediante o contato com as estruturas, os seres humanos se formam, se relacionam, compartilham significados e lidam com as normas que lhes são impostas [...] As estruturas garantem a manutenção de sentidos elementares para nossas ações sociais, sentidos circularmente reproduzidos nas relações humanas (GUIMARÃES NETO; ASSIS; GUIMARÃES, 2012, p. 39). Analisar as estruturas abre caminho para observar como se criam as regras do jogo, como são desempenhados papéis nesse jogo e, principalmente, como é fundamental que os sentidos atribuídos socialmente às regras e aos papéis sociais sejam compartilhados pelo grupo. Esses sentidos nos levam a compreender que existem sociedades e culturas diferentes (MARTINS, 2019). E, trazendo para a esfera local, deparamo-nos com as posições delimitadas pelo cotidiano: [...] temos posições socialmente delimitadas, somos sujeitos de um determinado cotidiano, assumimos tarefas e responsabilidades nas quais toda uma rede de relações está envolvida. Na esfera do cotidiano, nos imbricamos nas engrenagens da ordem social e econômica através de atos localizados e mínimos, porém são esses atos que configuram a verdadeira história: não aquela que será contada pelos historiadores, mas aquela que faz ser único presente. Nas trocas dinâmicas do dia a dia, na comunicação face a face, nas negociações instersubjetivas, passa-se o que há de mais concreto e significativo na vida em sociedade (GUIMARÃES NETO; ASSIS; GUIMARÃES, 2012, p. 40). 54 Vale lembrar que as teorias clássicas se debruçaram sobre fenômenos de ordem macrossociais, buscando compreender como se constituem sistemas sociais, como se configuram normas e instituições. Enquanto os estudos dedicados a buscar inter-relações em elementos do cotidiano ganharam espaço em medos do século XX (MARTINS, 2019). Estratégias didático-metodológicas pautadas no uso de conceitos para análise e interpretação da sociedade são comuns no planejamento das aulas de Sociologia na Educação Básica. Essa ação busca promover o estranhamento na observação da sociedade, conduzindo a reflexões sobre a configuração das relações e hierarquias sociais. Quais seriam então os conceitos mais utilizados pelos professores de Sociologia? Vamos a eles, iniciando pelo conceito fundamental da Sociologia: o social (MARTINS, 2019). Como podemos definir o social? Para Barbosa (2012, p. 53): “O que podemos chamar de social? Para a sociologia, o social é o conjunto das formas de agir e pensar que são comuns aos indivíduos que vivem numa mesma sociedade”. Ou seja: é o conjunto de regras ou princípios que orientam as percepções, as ações, os valores, as formas de convivência e de poder em uma determinada sociedade. O conceito de social é considerado como um conceito fundamental para a compreensão da Sociologia e, por essa razão, deve ser desenvolvido com os alunos ao apresentar a disciplina. Dado o nível de abstração necessário para a compreensão desse conceito, precisamos considerar que essa não é uma noção simples para os alunos. Nesse sentido, requer de nós, professores, atenção para que esse momento inicial da disciplina desperte o aluno para a imaginação sociológica (BARBOSA, 2012). Essa afirmação nos mostra o desafio da Sociologia na construção da legitimidade científica em suas abordagens. Por tratar de fenômenos presentes no cotidiano, é comum a crença de que qualquer um pode explicar a sociedade. Nesse contexto, o ensino de Sociologia deve apresentá-la como a ciência do social. Esse caráter científico do olhar sociológico sobre as relações sociais deve ser reforçado sempre que possível, para evitar que a ciência e/ou a disciplina sejam compreendidas pelos alunos como um conjunto de opiniões e interpretações individuais. Como realizar tal tarefa? Em primeiro lugar, entender a Sociologia como ciência. Demonstrando que o conhecimento sociológico é um “tipo de pensamento que exige 55 regras metodológicas e definições conceituais, que tem princípios explicativos e regras de inferência” (BARBOSA, 2012, p. 51). Ditode outro modo, é essencial demonstrar que existe um método científico através do qual as abordagens são elaboradas. Em segundo lugar, distinguir a percepção do indivíduo sobre o mundo, da perspectiva científica sobre o mundo: O cidadão comum vê o mundo a partir de sua socialização e de sua posição no mundo, tanto quanto o sociólogo. O que vai diferenciar os dois é que o sociólogo tem sua perspectiva formada pelo conhecimento científico, desenvolvendo um olhar que permite ir além das observações impressionistas sobre o mundo para estabelecer quais são os princípios e as regras sociais que organizam um determinado fato (BARBOSA, 2012, p. 51). Em quarto lugar, refletir sobre os obstáculos de legitimidade da Sociologia como ciência. Afinal de contas, outras áreas, como a economia, por exemplo, também se dedicam a temas que todos os cidadãos são capazes de emitir uma opinião sobre eles (MARTINS, 2019). Sobre a definição de social, inicialmente, deve-se diferenciar o trabalho de análise social do sociólogo do trabalho destinado à superação das consequências da questão social e luta pela garantia dos direitos exercido pelos assistentes sociais (MARTINS, 2019). O social no contexto sociológico representa a consciência coletiva e o conjunto das representações sociais. Essa definição foi elaborada por Émile Durkheim, ao definir os padrões científicos da Sociologia. Porém, essa definição é ampla e abstrata. De forma mais clara: Uma representação coletiva é um fato social. Isso quer dizer que ela é um fato que existe fora das consciências coletivas individuais e – esse item é muito importante – tem um caráter moralmente coercitivo sobre essas consciências individuais. A linguagem que nós falamos é um bom exemplo de um fato social ou representação coletiva. A linguagem já existia quando cada um de nós nasceu e vai continuar existindo depois de nós. Existe, portanto, fora da nossa consciência individual. O caráter coercitivo aparece claramente quando pensamos na dificuldade ou mesmo impossibilidade de nos comunicarmos sem dominar a linguagem da sociedade em que vivemos (BARBOSA, 2012, p. 52). Em terceiro lugar está a regularidade que caracteriza a linguagem. Esse ponto é importante, pois para que exista um sentido atribuído a uma palavra ou ação social é 56 necessária a repetição regular desse sentido no grupo social. Os usos da linguagem demonstram tanto o caráter coercitivo da linguagem como a compreensão das diversas dimensões do social que possuem caráter abstrato, geral e regular (BARBOSA, 2012). Vamos acompanhar um exemplo da expressão das abstrações sociais através da linguagem: O abstrato é imaterial, mas sua existência em nossas consciências tem efeitos na medida em que pode ser, por exemplo, um princípio de ação. Assim, a Revolução Francesa proclamou os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade como sendo os princípios que deveriam reger as relações entre os seres humanos nas sociedades modernas. Nenhum dos três existe materialmente, mas muitas pessoas lutam por esses princípios, alguns mesmo morreram em razão dessa luta. Da mesma forma, os mapas são abstrações que representam o espaço físico, através dos quais nos orientamos em nossa movimentação e busca. Assim também a linguagem não existe materialmente, mas ela oferece vocabulário, regras gramaticais, sons e expressões que orientam nossa comunicação com os demais indivíduos em nossa sociedade. Os mapas que encontramos nos atlas e livros são expressões materiais de abstrações que fazemos para representar o espaço físico, contar nossas experiências, registrar nossos conhecimentos e orientar a nós mesmos e a outros (BARBOSA, 2012, p. 52). Em outras palavras, a elaboração das abstrações sociais a partir da linguagem permite a construção de estruturas que exercem influência nos fenômenos sociais sem a necessidade de uma estrutura material. Essas abstrações usualmente levam a uma certa confusão por parte dos alunos, por esse motivo, é importante exercitar a compreensão social a partir desses aspectos, demonstrando como a linguagem é central para as relações sociais (MARTINS, 2019). Um exemplo de como a teoria sociológica se debruçou sobre o social são os estudos de Émile Durkheim que demonstram a importância da compreensão do papel do indivíduo na vida social e também dos condicionantes sociais do comportamento humano. Em relação às metodologias, deparamo-nos com desafios relativos ao papel do professor no processo de ensino e aprendizagem. Podemos considerar dois grupos de expectativas que representam esses desafios: a crença no papel do Estado como responsável pelas mudanças na educação e as questões relativas à identidade socioprofissional (MARTINS, 2019). 57 No primeiro grupo, fazemos referência ao discurso construído socialmente em torno do Estado como promotor de políticas públicas universais para qualificar o sistema educacional. Caberia ao Estado, nas esferas nacional, estadual e municipal, elaborar, regulamentar e executar ações visando melhorar as condições da educação. Esse processo seria resultado de amplos acordos políticos produzidos nos espaços de participação e deliberação política (ZORZI, 2012). No segundo, está a identidade socioprofissional. A ação dos professores é uma ação específica que ocorre em instituições específicas visando o compartilhamento de um padrão de conhecimentos em diferentes campos do saber (conhecimentos científicos, lógico-matemáticos, linguísticos, históricos, geográficos, sociológicos, filosóficos) e, ao mesmo tempo, construir novos saberes a partir das noções adquiridas. Nesse processo constante se dá a produção ativa do conhecimento por alunos e professores (ZORZI, 2012). 7 DIRETRIZES CURRICULARES PARA O ENSINO DA SOCIOLOGIA Prezado acadêmico, um primeiro ponto importante é relembrar o papel das Ciências Sociais em nossa sociedade. Ao longo de sua formação é provável que você já tenha se deparado com materiais que apresentam a seguinte reflexão: a Sociologia se consolidou como reflexo das transformações decorrentes da modernidade, faz parte de um dos últimos grupos de disciplinas a ganhar status de oficial nos currículos e, além disso, propõe o questionamento da ordem social dominante (MARTINS, 2019). Em outras palavras, o pensamento social é, simultaneamente, fruto das reflexões necessárias para a compreensão de nosso tempo e um tipo de pensamento que desafia a ordem e as hierarquias que conformaram nosso espaço social. Não é à toa que sua presença na educação, com destaque para a educação básica no Brasil, não é linear e até os dias atuais levanta polêmicas e questionamentos constantes, seja por parte de colegas de outras áreas que buscam “mais espaço" na grade curricular para suas disciplinas, seja no contexto das políticas públicas e embates políticos (MARTINS, 2019). 58 7.1 Por que estudar sociologia? Quando utilizarei esses conteúdos na minha vida? Mais teorias, professor? - As questões dos jovens e os direcionamentos da legislação educacional brasileira Quando consideramos esses questionamentos e os elementos apresentados na introdução, fica evidente que o esperado para o ensino da Sociologia contemple o esforço para a compreensão das transformações promovidas pelas revoluções industriais, sociais e políticas dos últimos séculos, bem como promova o pensamento crítico e análise crítica do próprio campo do saber (MARTINS, 2019). Pois bem, como a legislação nos direciona para cumprir tal tarefa? Inicialmente, destacamos como ponto de partida para nossas reflexões nesse tópico a obrigatoriedade da presença da Sociologia e Filosofia como disciplinas na grade curricular do Ensino Médio. A inclusão das disciplinas foi determinada pelo Parecer 38/2006, que alterou as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (MARTINS, 2019). O parecer efetivou mudanças previstas na Lei de Diretrizese Bases da Educação que previam como objetivos do Ensino Médio a promoção do pensamento autônomo para a construção da cidadania, atrelados à compreensão do mundo do trabalho e das práticas sociais (MARTINS, 2019). As orientações previstas nas Diretrizes Curriculares Nacionais apontavam como objetivos da disciplina o desenvolvimento de um aprendizado voltado à investigação, descrição e interpretação dos fatos ligados à vida social. Em uma primeira leitura, tal tarefa, natural ao nosso campo do saber, pode parecer fácil, porém é preciso lembrar de alguns desafios (MARTINS, 2019). Como até então a disciplina não era obrigatória na grade curricular, observamos elementos desafiadores, como a concentração da produção científica nos centros econômicos do país (onde está concentrada de modo geral a produção científica brasileira), a escassez na formação de licenciados na área e de produção acadêmica voltada ao ensino de Sociologia no Brasil. Ou seja, em um primeiro momento, boa parte dos alunos que cursaram a disciplina receberam um conteúdo ministrado por professores de outras áreas e sem acesso a material didático preparado especialmente para esse fim (MARTINS, 2019). 59 7.2 Breve história da sociologia no ensino médio Antes de seguirmos com nossas análises da legislação, vamos destinar um momento para relembrar o histórico da disciplina nas grades curriculares brasileiras. Aproveite esse momento para refletir sobre a formação e desenvolvimento da sociedade brasileira e suas implicações no pensamento social e, consequentemente, no ensino de Sociologia (MARTINS, 2019). 60 Fonte: Adaptado de Brasil (2013) 7.3 A apresentação do pensamento sociológico no ensino médio Entre os temas presentes nos currículos elaborados por professores de Sociologia é comum a presença de um elemento que podemos chamar de Introdução à Sociologia ou ao pensamento social ou História da Sociologia. Com essa temática é comum que professores deem ênfase à apresentação do desenvolvimento da teoria social e do pensamento dos pensadores clássicos - Durkheim, Weber e Marx - como conteúdo central da disciplina (MARTINS, 2019). Nesse cenário, o planejamento da disciplina deve levar em consideração que as teorias sociais buscam dar conta de desafios e compreender relações sociais de um determinado contexto histórico, político e social. Assim como é preciso ter em mente as próprias contradições que determinaram o desenvolvimento desse campo do saber (MARTINS, 2019). Essas peculiaridades diferem a Sociologia de outras ciências que apresentam uma base teórica consensual e podem ser consideradas um entrave ou uma potencialidade no momento de planejar o ensino da disciplina. Um entrave no sentido do questionamento da legitimidade das teorias sociais e uma potencialidade no 61 desenvolvimento da análise e pensamento crítico da produção do conhecimento e do próprio processo de ensino e aprendizagem (MARTINS, 2019). Aqui reside um ponto que merece nossa reflexão: a apresentação da teoria apenas pela teoria não garante que nossos alunos serão capazes de desenvolver as competências e habilidades essenciais à disciplina. Visto que os objetivos do Ensino Médio incluem, além da investigação e descrição, a interpretação dos fenômenos sociais. É fundamental reconhecer as lacunas do pensamento clássico para a compreensão de determinados fenômenos, bem como compreender que é preciso considerar a realidade do Ensino Médio (MARTINS, 2019). Outro ponto diz respeito à seleção dos conteúdos e à metodologia das aulas, uma vez que muitos professores acabam reproduzindo o discurso - e métodos - comuns nos cursos superiores no Ensino Médio. A reflexão aqui vale tanto para as diferenças nos objetivos dos cursos, quanto para o público-alvo. Conhecer a realidade da escola, de sua comunidade e de seus alunos é essencial para promover os objetivos da disciplina e evitar reproduzir práticas que na teoria falam de emancipação e na prática promovem a repetição de conceitos, temas e conteúdo sem análise e compreensão da realidade (MARTINS, 2019). No que diz respeito às orientações nacionais para o ensino de Sociologia no Ensino Médio, vamos analisar alguns pontos referentes aos pressupostos metodológicos, às Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio de 2013 e ao texto inicial da Base Nacional Comum Curricular de 2018, que apontam para a construção de percursos formativos a partir de áreas do conhecimento - a Sociologia integra o grupo das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (MARTINS, 2019). As Orientações Curriculares Nacionais propõem a organização dos conteúdos em três conjuntos: conceitos, temas e teorias (MARTINS, 2019). Os conceitos são importantes para o exercício de tradução a partir do discurso científico. É importante o cuidado com o uso dos conceitos para apresentar o universo científico aos alunos, para que suas análises superem as noções do senso comum (MARTINS, 2019). Como trabalhar com conceitos? Primeiramente, é essencial o domínio desses conceitos, a compreensão de sua articulação com a teoria sociológica e sua historicidade. 62 Trabalhar com conceitos requer inicialmente que se conheça cada um deles e suas conexões com as teorias, mas que se cuide de articulá-los com casos concretos (temas). […]. Os conceitos possuem história, e é necessário que isso seja levado em conta ao se trabalhar com eles. É preciso contextualizar o conceito para que sua história e seu sentido próprio possam ser entendidos pelos alunos não como uma palavra mágica que explica tudo, mas como um elemento racional que permite melhor explicar ou compreender a realidade social (BRASIL, 2013c, p. 117-118). Quais vantagens podemos identificar no trabalho com conceitos? O uso dos conceitos desenvolve nos alunos a capacidade de abstração para interpretação dos fenômenos sociais e o desenvolvimento da linguagem científica. As vantagens de trabalhar com conceitos é que já no Ensino Médio o aluno vai desenvolver uma capacidade de abstração muito necessária para o desenvolvimento de sua análise da sociedade, e para elevar o conhecimento a um patamar além do senso comum ou das aparências. Um conceito é um elemento do discurso científico que consegue sintetizar as ações sociais para poder explicá-las como uma totalidade. Além disso, a importância de se trabalhar conceitos é que se pode desenvolver nos alunos o domínio de uma linguagem específica, a linguagem científica, no caso a sociológica, no tratamento de questões sociais (BRASIL, 2013c, p. 118). Em relação às desvantagens, podemos destacar os diferentes sentidos atribuídos para cada conceito em diferentes teorias. Contudo, ao explicar e trabalhar com os alunos essa diversidade, podemos transformar uma fragilidade em potencialidade, visto que a compreensão dessa diversidade conceitual é base do pensamento sociológico. Outra questão que devemos atentar se refere a reproduzir nas discussões conceitos que o professor realizou na universidade no Ensino Médio, pois um alto nível de abstração poderá dificultar o andamento das aulas e o estabelecimento de uma conexão entre os conceitos e a realidade dos alunos (BRASIL, 2013c). Os temas são outro caminho escolhido por professores para conduzir as aulas de Sociologia. O uso dos temas é um recurso interessante, por permitir a participação dos alunos e da escola na elaboração do planejamento das aulas, bem como trazer para o espaço das aulas questões importantes e/ou atuais para os alunos, escola e comunidade (MARTINS, 2019). 63 O uso de temas requer esforço para que não fiquem desconectados dos conceitos e teorias, é fundamental que se desenvolva o estudo dessas questões. E, para isso, pesquisa e planejamento são palavras de ordem. Quando se propõe o recorte de temas para o ensino da Sociologia, não se faz isso pensando em analisaros chamados "problemas sociais emergentes” de forma ligeira e imediatista. Muitas vezes, sem se preocupar muito com o que vai ser analisado, o professor propõe: “Hoje vamos discutir um assunto muito importante: a sexualidade”, e a partir daí vai perguntando o que eles acham disso ou daquilo. Assim, o que se tem no final é uma coleção de obviedades ou manifestações do senso comum. Ora, a Sociologia posiciona-se contra esse tipo de abordagem, e o recurso aos temas visa a articular conceitos, teorias e realidade social partindo-se de casos concretos, por isso recortes da realidade em que se vive. Não se pode tratá-los como se fossem “coelhos tirados de uma cartola” (BRASIL, 2013c, p. 121). A principal vantagem de trabalhar com temas está na possibilidade de criar conexões com os alunos. Através do uso dos temas permite-se que os conceitos e teorias que são elementos abstratos encontrem a realidade, o cotidiano e questões que são importantes e/ou sensíveis aos alunos. Por essa perspectiva, as aulas de Sociologia ganham sentido para os alunos e seu aprendizado contribui para a construção do pensamento crítico e da cidadania. A desvantagem está no nível de exigência em relação ao domínio do professor dos temas emergentes e da sua articulação com conceitos e teorias. Deve-se tomar cuidado para que as aulas não se tornem uma sucessão de temas sem contextualização ou a mera repetição de abordagens do senso comum (BRASIL, 2013c). As teorias representam o terceiro pressuposto metodológico. O uso das teorias - com ênfase para o pensamento clássico de Durkheim, Weber e Marx - é muito comum nos planejamentos da disciplina para o Ensino Médio. Inclusive nas orientações de secretarias de Educação e escolas (MARTINS, 2019). Em relação ao uso das teorias clássicas e contemporâneas, é preciso atentar para alguns pontos: compreensão do contexto histórico de seu aparecimento e desenvolvimento, incluindo a apropriação e crítica a essas teorias; entendimento das teorias como modelo explicativo e compreensão dos fatores de sua produção e desdobramentos; compreensão da formação da Sociologia como ciência; e, no caso das 64 teorias contemporâneas, conhecer a trajetória do sociólogo e como se apropriou de teorias anteriores (BRASIL, 2013c). Como é possível trabalhar com teorias seguindo essas orientações? Optando por tomar esse recorte como centro de uma proposta programática, o professor pode partir da apresentação da teoria do autor, reconstruindo-a numa linguagem acessível, mas rigorosa, tendo como referências principais alguns temas e conceitos que podem ser destacados e discutidos com os alunos para garantir a compreensão do papel de uma teoria científica, sua linguagem, seus objetos e métodos de pesquisa, e suas relações com a realidade. Não parece razoável ou exequível, ou mesmo interessante, percorrer todos os pressupostos de uma teoria, nem todos os conceitos que ela encerra ou seus desdobramentos. […]. Aqui, como nos outros recortes propostos - temas ou conceitos -, para economia do processo, teoria, temas e conceitos devem estar articulados previamente no discurso do professor, de modo que fique claro que há uma necessidade de integração entre a teoria e os temas abordados, não parecendo esses dois como arbitrários (BRASIL, 2013c, p. 124). A vantagem do trabalho a partir das teorias está na construção de uma visão geral do desenvolvimento do pensamento sociológico e das possibilidades de compreensão e interpretação dos fenômenos sociais. A partir da análise de um fenômeno social sob o olhar de diferentes teorias é possível compreender que não há uma única explicação para ele. Aqui reside uma das diferenças significativas entre as Ciências Humanas e as Ciência Naturais, visto que nas Ciências Humanas se diversificam teorias, enquanto nas Ciências Naturais se superam teorias. Em relação à desvantagem, é necessário atentar para um elemento mencionado anteriormente: evitar a reprodução dos discursos teóricos aprendidos na universidade. É essencial adaptar as teorias à realidade dos alunos no Ensino Médio (BRASIL, 2013c). O documento da Base Nacional Comum Curricular apresenta como os conhecimentos desenvolvidos no Ensino Fundamental serão ampliados e aprimorados no Ensino Médio através dos processos de simbolização e de abstração. A proposta aponta para o desenvolvimento da capacidade de estabelecer diálogos e promover a aceitação da alteridade e a construção de uma postura ética. Esse processo se dá através do domínio de conceitos e metodologias próprios dessa área do saber. Em síntese, a elaboração de hipóteses e argumentos, a construção do diálogo e da dúvida sistemática, bem como o protagonismo juvenil possuem destaque na direção apontada para o ensino dos conhecimentos desse campo (BRASIL, 2018). 65 Para tanto, a área - ou seja, os conhecimentos das disciplinas de História, Geografia, Filosofia e Sociologia - deve contemplar algumas categorias: Considerando as aprendizagens a ser garantidas aos jovens do Ensino Médio, a BNCC da área de Ciência Humanas e Sociais Aplicadas está organizada de modo a tematizar e problematizar algumas categorias da área, fundamentais à formação dos estudantes: Tempo e Espaço; Territórios e Fronteiras; Indivíduo e Natureza, Sociedade, Cultura e Ética; e Política e Trabalho. Cada uma delas pode ser desdobrada em outras ou ainda analisada à luz das especificidades de cada região brasileira, de seu território, da sua história e da sua cultura (BRASIL, 2018, p. 562). O texto da BNCC também enfatiza as competências e habilidades que devem ser desenvolvidas com o aprendizado dessa área. Vamos a elas? Fonte: BNCC. Disponível em: Acesso em: 8 jan. 2019. 66 Prezado acadêmico, as orientações apresentadas aqui são ferramentas para auxiliar a construção do seu planejamento e didática como futuro professor de Sociologia. Contudo, é essencial destacarmos que esse não deve ser seu único material de consulta, faça uso dos diversos materiais com os quais você teve contato ao longo de sua graduação, pesquise bibliografias nas diversas plataformas - físicas ou digitais -, troque ideias com seus colegas de turma e, futuramente, com seus colegas de trabalho das diferentes disciplinas. Leia, estude, pesquise, reflita e planeje suas aulas com dedicação. Não há uma fórmula para o sucesso, mas as dicas e orientações que você recebeu ao longo dessa disciplina, com certeza, serão elementos importantes para seu sucesso profissional (MARTINS, 2019). 7.4 A pesquisa sociológica no Ensino Médio Complementando os três recortes, é necessário acrescentar mais um elemento a esse processo: a pesquisa (MARTINS, 2019). A pesquisa deve estar presente nos três recortes, ou seja, ela pode ser um componente muito importante na relação dos alunos com o meio em que vivem. Assim, partindo de conceitos, de temas ou de teorias, a pesquisa pode ser um instrumento importante para o desenvolvimento da compreensão e para explicação dos fenômenos sociais (MARTINS, 2019). A pesquisa pode ser feita depois das apresentações teóricas, conceituais ou temáticas, como um elemento de verificação ou de aplicação (ou não) do que foi visto anteriormente. Mas pode ser utilizada como elemento anterior às explicações por meio dos três recortes. Pode-se encaminhar os alunos para que realizem uma pesquisa antes de discutirem qualquer teoria, conceito ou tema, e, a partir do que encontrarem, problematizar os resultados no contexto de cada um dos recortes. Aqui também deve haver certo cuidado. Há uma prática comum de mandar os alunos pesquisarem qualquer coisa e de qualquer modo, ou seja, se o tema em discussão é o desemprego, por exemplo, diz-se para os alunos procurarem desempregados e perguntarem a eles por que estão desempregados, o que acham disso e quem é o culpado por essa situação. 67 Ora, o resultado dessa “pesquisa” seránormalmente um conjunto de ideias soltas, de senso comum, explicações individualistas e, ademais, sem nenhuma perspectiva social para se entender seu resultado (MARTINS, 2019). Antes de usar esse expediente, é necessário que o professor explique o que é uma pesquisa sociológica, os padrões mínimos de procedimentos que devem ser utilizados, os cuidados que devem ser tomados, enfim, passos e procedimentos objetivos para que o resultado dela possa ser de alguma valia no entendimento do fenômeno a ser observado (MARTINS, 2019). Assim, é necessário fazer ao menos um esboço de projeto de pesquisa exploratória, ou seja, não se pretende aqui desenvolver uma pesquisa para que no final se tenha uma monografia, mas apenas alertar o aluno para a necessidade, antes de tudo, de ele se conscientizar daquilo que quer pesquisar. E isso serve também para as pesquisas bibliográficas: não adianta dizer para os alunos: vão até a biblioteca e pesquisem sobre o desemprego; ou então: para a semana que vem, quero que vocês me tragam tudo o que acharem nas revistas e nos jornais sobre desemprego. Para se fazer uma pesquisa em materiais impressos, é necessário antes saber pesquisar em livros, revistas e jornais. O professor deve explicar, por exemplo, a diferença entre livros de referência, de literatura, manuais e livros específicos sobre o tema; como ensinar a pesquisar num jornal e mostrar a diferença entre um editorial, uma reportagem, um artigo ou uma entrevista. Ou seja, uma pesquisa em materiais impressos requer um mínimo de orientação e conhecimento sobre a natureza dessas fontes. Cabe também uma orientação sobre o modo de escrever a notação bibliográfica dentro das normas padrão (MARTINS, 2019). Para uma pesquisa de campo, isto é, na qual os alunos vão levantar dados diretamente com a população-alvo, é preciso que eles tomem outros cuidados, tais como preparar a pesquisa com antecipação, o que engloba discutir o tema, definir o objeto, os instrumentos; fazer um roteiro; aplicar um pré-teste nos instrumentos; enfim, todas as precauções para que a pesquisa não seja viciada. Assim, ao utilizar a história de vida, o questionário, a entrevista, é necessário que o aluno conheça cada uma dessas técnicas, seus limites e possibilidades, para saber o que está fazendo e como fazer, o que vai encontrar em cada uma delas e por que elas são, muitas vezes, usadas 68 complementarmente. Com isso, desde o Ensino Médio, o professor deve ensinar que fazer pesquisa requer uma série de procedimentos prévios, e isso constitui, certamente, um tópico do programa da disciplina (MARTINS, 2019). 7.5 Práticas de ensino e recursos didáticos Aula expositiva – Sempre que se pensa em aula, imediatamente se pensa em aula expositiva. Na realidade, essa é a forma mais conhecida e praticada, o que recentemente tem produzido críticas, sobretudo por parte dos que defendem um “ensino ativo” e quase negam a necessidade da aula expositiva, centralizando a aula no aluno, uma vez que concebem o aprendizado como construção do sujeito – o aluno. Pois bem, a aula expositiva tem seu lugar ainda, não naquela imagem da aula discursiva como magister dixit, “o mestre disse”, da escolástica. Não há mais a preleção do mestre, ininterrupta, que ao fim recebe os comentários, as dúvidas, as questões. Mesmo a aula expositiva é um diálogo. Aliás, todo o trabalho – e a esperança – do professor é transformá-la num diálogo, não pretendendo que seja o esclarecimento absoluto do tema do dia, mas o levantamento de alguns pontos e a apresentação de algumas questões que incentivem os alunos a perguntar. Pode ser também um discurso aberto, aliás, conscientemente aberto, para provocar a necessidade de questões (MARTINS, 2019). A aula não se reduz à exposição por parte do professor. Há uma variedade fenomênica de que as pessoas pouco se dão conta, mas que é praticada por boa parte dos professores. Apenas a título de lembrança, seguem-se algumas citações: seminário, estudo dirigido de texto, apresentação de vídeos, dramatização, oficina, debate, leitura de textos, visita a museus, bibliotecas, centros culturais, parques, estudos do meio, leitura de jornais e discussão das notícias, assembleia de classe, série e escola, conselho de escola etc. Tudo isso é praticado, mas, ou há uma estreiteza conceitual ou uma rotinização das práticas, de tal modo que só se reconhece ou se pratica como aula, a expositiva. Seminários – É certo que algumas dessas variações dependem de algum cuidado, porque senão também acabam sendo deturpadas no seu uso e têm resultado muito aquém do esperado. É o caso dos seminários, que muitas vezes são entendidos 69 como uma forma de o professor descansar, pois eles são realizados de modo que o mestre define vários temas sobre um determinado assunto, divide a turma em tantos grupos quantos forem os temas e depois diz: agora vocês procurem tudo o que existe sobre este tema e apresentem segundo o calendário predeterminado. Assim, nos dias definidos, os grupos de alunos trazem o que encontraram e “apresentam” o que “pesquisaram” para o conjunto da sala. É preciso dizer que um seminário é algo completamente diferente e requer um trabalho muito grande do professor. Ele deve organizar os grupos, distribuir os temas, mas orientar cada um deles a respeito de uma bibliografia mínima, analisar o material encontrado pelos grupos, estar presente, intervir durante a apresentação e “fechar” o seminário. Dessa forma, o professor auxiliará os alunos na produção e na apresentação do seminário, complementando o que possivelmente tiver sido deixado de lado. Possibilitará aos alunos a oportunidade de pesquisarem e de exporem um determinado tema, desenvolvendo uma autonomia no processo e na exposição dos resultados da pesquisa (MARTINS, 2019). Excursões, visita a museus, parques ecológicos – É possível afirmar que essas práticas são as mais marcantes para a vida do estudante. Guardam em si a expectativa de se desviar completamente da rotina da sala de aula e de se realizar uma experiência de aprendizado que jamais será esquecida. A escola que puder propiciar a seus alunos esse tipo de experiência deve fazê-lo. Mas quando o custo da excursão é impraticável, uma simples caminhada ao redor do quarteirão ou pelas ruas do bairro da escola, se forem levados em conta aqueles procedimentos críticos de estranhamento e desnaturalização, pode guardar riquezas visuais interessantíssimas e capazes de propiciar discussões voltadas para a questão dos direitos e dos deveres do cidadão, a preservação ambiental, as políticas públicas, a cultura, enfim, um leque de possibilidades voltadas aos objetivos da Sociologia no Ensino Médio (MARTINS, 2019). Leitura e análise de textos – Os textos sociológicos (acadêmicos ou didáticos), de autores ou de comentadores, devem servir de suporte para o desenvolvimento de um tema, ou para a exposição e análise de teorias, ou, ainda, para a explicação de conceitos. Eles não “falam” por si sós, dependem de ser contextualizados e analisados no conjunto da obra do autor, precisando da mediação do professor. Ou seja, os alunos precisam 70 saber quem escreveu, quando e em vista do que foi escrito o texto, a fim de que este não seja tomado como verdade nem tenha a função mágica de dizer tudo sobre um assunto. A leitura e a interpretação do texto devem ser encaminhadas pelo professor, despertando no aluno o hábito da leitura, a percepção da historicidade e a vontade de dizer algo também sobre o autor e o tema abordado, sentindo-se convidado a participar de uma “comunidade” (MARTINS, 2019). Cinema, vídeo ou DVD, e TV – Entende-se aqui o ensino visual em dois níveis, que não podem ser separados sob pena de se perderem os frutos quando tratados parcialmente. Por um lado, quando se passa um vídeo ou DVD (filme de ficção ou documentário), tem-se a ilustração,o exemplo para a ação, o entretenimento e até o poder catártico que pode provocar a visão de um fato reconstruído pela sua representação – atualização. Por outro, tem-se o “estudo” dessa ilustração, da ressurreição, do entretenimento e da catarse, da representação do fato, isto é, a análise e a interpretação da mensagem e do meio (MARTINS, 2019). Trazer a TV ou o cinema para a sala de aula não é apenas buscar um novo recurso metodológico ou tecnologia de ensino adequados aos nossos dias, mais palatáveis para os alunos – e o público –, que são condicionados mais a ver do que a ouvir, que têm a imagem como fonte do conhecimento de quase tudo. Trazer a TV e o cinema para a sala de aula é submeter esses recursos a procedimentos escolares – estranhamento e desnaturalização (MARTINS, 2019). Não se pode entender uma “educação para a vida”, de que tantos falam, como simples reiteração dos fatos da vida na escola, isto é, repetição dos fatos da vida e vagos comentários – clichês convencionados – acerca desses. Não é porque se fala de problemas sociais e políticos na escola – corrupção, fome, favela, desemprego etc. – que se está cumprindo essa obrigação de trazer a vida para a escola e com isso “preparar para a vida”. Do mesmo modo, a TV e o cinema na escola têm essa dupla disposição: entrar e se chocar com as formas tradicionais do ensino, incorporando as imagens ao ensino predominantemente auditivo; mas entrar na escola para sair de outro modo: sair da escola para se chocar com as formas convencionais da assistência. Assim como os diversos aspectos da vida entram na escola na forma de disciplinas – Sociologia, História, Geografia, Física, Língua etc. – e sofrem aí uma releitura científica, passando a constituir 71 uma visão de mundo, uma perspectiva diante da vida, a formação do homem não pode ocorrer como se quer – crítica e cidadã – se não concorrer para uma perspectiva crítica e cidadã dos meios de comunicação. Ver TV e filmes em sala de aula é rever a forma de vê-los na sala de estar, de jantar ou nos quartos de casa e nas salas de cinema dos shopping centers. Aqui, um recurso didático favorece a discussão de um tema, os meios de comunicação de massa, e não pode ser tratado separadamente (MARTINS, 2019). O uso de filmes na escola tem sido realizado segundo a necessidade de inovação dos recursos didáticos, e o filme como objeto de análise, portanto como reflexão sobre a realidade – uma modalidade de pensamento – tem se reduzido a pesquisas acadêmicas e à crítica de jornais. Assim, não se visa apenas a reforçar, legitimando, a incorporação de uma nova tecnologia de ensino – a TV, o vídeo e o DVD, o cinema – à sala de aula. Pretendemos levar a uma reflexão sobre o uso do filme como recurso e observar seus efeitos e defeitos; pois aqui, diferentemente do que se diz sobre a TV de modo geral – que o meio é neutro e que tudo depende das intenções de quem o usa –, acredita-se que o próprio meio também “é uma mensagem”, porque os elementos de sua constituição, no caso do filme, já determinam a sua recepção (MARTINS, 2019). Fotografia – As imagens fotográficas estão presentes na vida desde cedo. Hoje muito mais com máquinas fotográficas digitais, presentes em todos os lugares. Mas as fotografias estão também no passado. Quantas vezes, ao se reunir com a família ou os amigos, surge um álbum de fotografias, onde estão registrados os primeiros momentos e passos na vida, a vida dos pais, parentes e amigos, que permitem analisar fenômenos do universo privado. Mas a fotografia pode ser utilizada também para analisar fenômenos sociais públicos, como manifestações coletivas, situações políticas e sociais importantes, presentes em revistas, jornais ou coleções fotográficas de órgãos públicos, sindicatos e associações, que podem esclarecer muito do que aconteceu no país. As fotografias não são documentos neutros: sempre expressam o olhar do fotógrafo e o que ele quis documentar. Assim, funcionam como uma espécie de testemunho de alguém que se dispôs a tornar perene momentos da vida privada ou social de uma pessoa, grupo ou classe, do ponto de vista doméstico, local, regional, nacional ou internacional. O uso da fotografia em sala de aula requer alguns cuidados para sua análise. A autoria e a data são sempre importantes. Elas informam cenários, personagens, roupas e acontecimentos 72 que permitem contextualizar a época a que se referem. Integram um sistema simbólico e os códigos culturais de um determinado momento histórico. É necessário, portanto, estar atento a esses aspectos para entender as fotografias (MARTINS, 2019). Charges, cartuns e tiras – Encontrados quase diariamente nos jornais e nas revistas, são dispositivos visuais gráficos que veiculam e discutem aspectos da realidade social, apresentando-a de forma crítica e com muito humor. Mas as charges, os cartuns e as tiras não são todos iguais. Existem alguns que apenas apresentam uma situação engraçada ou procuram fazer rir. Outros, entretanto, podem fazer rir, mas também fazem pensar sobre o tema ou a realidade que apresentam. É esse tipo de humor gráfico que interessa ao professor que quer introduzir uma determinada questão, seja conceitual ou temática. Ao projetar em sala de aula uma charge ou tira de humor, é bem possível que os alunos se sintam instigados a saber o porquê de o professor fazer aquilo. A partir dessa situação, já se cria um ambiente para colocar em pauta o que se pretendia discutir naquela aula. Aí começa a motivação, e a imagem projetada serve de estímulo. Inicia-se, então, uma segunda parte, que é analisar a imagem, seus elementos, por que provoca o riso, de que modo esse discurso se aproxima e se distancia do discurso sociológico, como a “deformação” sugerida pela imagem acerca da realidade representa uma realidade em si mesma “deformada”... 8 O PLANO DE AULA O plano de aula é um detalhamento do plano de ensino, no qual os tópicos previstos são sistematizados e especificados, tendo em vista uma situação didática real. É a descrição do que vai ser desenvolvido em um dia letivo, detalhando-se as atividades a serem desenvolvidas por alunos e professor. De acordo com Haydt (2001), ao planejar uma aula, o professor: prevê os objetivos imediatos a serem alcançados (conhecimentos, habilidades, atitudes); 73 especifica os itens e subitens do conteúdo que serão trabalhados durante a aula; define os procedimentos de ensino e organiza as atividades de ensino- aprendizagem de seus alunos; indica os recursos (cartazes, mapas, jornais, livros, slides etc.) a serem utilizados durante a aula para despertar o interesse, estimular a participação e facilitar a compreensão; estabelece procedimentos para a avaliação. Muitos são os modelos utilizados para a confecção dos planos de aula, mas acreditamos que, qualquer que seja o modelo adotado pelo professor, pelo menos quatro componentes são indispensáveis (MARTINS, 2019). CONTEÚDOS: itens ou subitens do conteúdo programático, já devidamente esboçados no plano de ensino, o qual estudamos anteriormente. OBJETIVOS: são os objetivos específicos a serem alcançados ao final da aula. PROCEDIMENTOS DE ENSINO: descrição detalhada dos “passos” a serem seguidos naquela aula e previsão do material necessário. PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO: previsão do (s) instrumento(s) de avaliação, tanto dos alunos quanto do processo como um todo. 74 8.1 Modelos de plano de aula Este primeiro modelo de plano de aula é relativo a uma aula de ciências para o Ensino Fundamental. Foi adaptado de um plano da professora Cristina Faganeli Braun Seixas, originalmente publicado no site UOL Educação (http:// educacao.uol.com.br/planos-aula/sentido-da-visao-1.jhtm) (MARTINS, 2019). CONTEÚDO Sentido da visão OBJETIVOS Perceber a importânciada visão para a nossa sobrevivência. Sensibilizar-se em relação às deficiências visuais. Despertar o senso de responsabilidade e de solidariedade. PROCEDIMENTOS DE ENSINO 1. Os alunos formam duplas: um será o condutor, enquanto o outro será conduzido. Este último será vendado, ficando desprovido da visão por alguns minutos, e percorrerá, juntamente com o condutor, um trajeto (estabelecido pelo professor) na escola. 2. Lembrar aos alunos, antes de saírem da sala, que a pessoa sem visão deverá ser orientada, verbalmente, pelo condutor, que usará expressões como “direita” e “esquerda”, além de avisar sobre possíveis obstáculos no trajeto. 3. Terminada a experiência, todos voltam à sala, sentam em seus lugares, as vendas são retiradas e o professor pede que fechem os olhos. 75 4. A seguir, o professor coloca uma música tranquila e pede que os alunos reflitam sobre as seguintes questões: Como foi o desempenho do seu condutor? Transmitiu segurança? Orientou bem quanto aos obstáculos? Utilizou linguagem adequada? Como foi ser conduzido? Qual foi a sua sensação ao ficar sem visão por alguns minutos? Quais sensações (cheiros, barulhos, texturas etc.) percebeu durante o trajeto? 5. Depois de alguns minutos, o professor pede para que abram os olhos lentamente e, ainda num clima de tranquilidade, falem (condutores e conduzidos) sobre suas percepções. PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO Elaborar um texto no qual os alunos analisam as adaptações que seriam necessárias na escola, no bairro e na sociedade em geral para minimizar as dificuldades de um deficiente visual em sua locomoção (MARTINS, 2019). O segundo modelo de plano de aula que apresentamos é adaptado de um plano da professora Valéria Peixoto de Alencar, publicado no site UOL Educação (http://educacao.uol.com.br/planos-aula/fundamental/artes-futebol-e-arte.jhtm). É relativo a uma aula de artes, relacionando-a com o futebol, paixão nacional (MARTINS, 2019). CONTEÚDO Futebol e Arte OBJETIVOS Perceber como artistas contemporâneos brasileiros trabalham o tema “futebol” em suas obras. 76 Produzir uma obra com o tema. PROCEDIMENTOS DE ENSINO E AVALIAÇÃO 1. Leitura dos textos “Arte, o que é?” (http://educacao.uol.com.br/artes/ult1684u8. jhtm) e “Arte contemporânea” (http://educacao.uol.com.br/artes/ult1684u35. jhtm). 1. Leitura de imagens de trabalhos de arte contemporânea e arte popular que discutam o tema. (O professor pode pedir uma pesquisa de imagens aos alunos também.) O importante é que a leitura das imagens deixe clara a proposta do artista: de simples admiração, de mero registro, ou de crítica à cultura de massa. 2. A partir das leituras das imagens selecionadas/pesquisadas, os alunos deverão produzir desenhos ou esculturas sobre o tema. É importante que o professor oriente a classe e perceba a relação que os alunos têm com o futebol – de admiração ou de crítica –, sem deixar que piadas sobre times adversários ganhem a cena (MARTINS, 2019). O último modelo de plano de aula que vamos apresentar é adaptado de um plano de aula de português da professora Lílian Campos, e foi também extraído do site UOL Educação (http://educacao.uol.com.br/planos-aula/fundamental/ portugues-verbos-texto- e-contexto.jhtm). CONTEÚDO Verbos OBJETIVOS 77 Compreender o uso dos verbos conforme os critérios de adequação aos tempos, modos e flexões verbais (MARTINS, 2019). Utilizar a língua padrão, levando em conta ainda os possíveis registros informais que caracterizam o uso cotidiano da língua (MARTINS, 2019). Analisar de forma contrastiva o registro padrão e o registro informal. PROCEDIMENTOS DE ENSINO 1. Em primeiro lugar, o professor distribui para cada um dos alunos um pequeno texto, de publicação recente – extraído de um jornal, revista etc. – com espaços em branco onde deveriam estar os verbos. 2. Em seguida, pede ao grupo para que faça uma leitura global do texto, identificando seu tema em linhas gerais, onde e quando foi publicado, seu autor, se houver imagem(ns), como ela(s) pode(m) estar interligada(s) ao texto etc. 3. Feita essa leitura global, solicita ao grupo que identifique qual o elemento que falta no texto (aqui se espera que eles sejam capazes de apontar “os verbos”) 4. No momento seguinte, o professor propõe aos aprendizes reunirem-se em pequenos grupos (de três ou quatro) a fim de discutir possibilidades para completar os espaços em branco com verbos que possam dar sentido às orações e ao texto como um todo. 5. Cada grupo deve ler “seu texto” e, uma vez que todos foram apresentados, o professor orienta um debate sobre as construções realizadas, reforçando o(s) sentido(s) que o texto ganhou após a 78 intervenção dos estudantes, o porquê de suas preferências por determinados verbos e tempo(s) verbal(ais). O professor estimula o compartilhamento de opiniões, o que é fundamental para que todos no grupo tenham a oportunidade de contribuir com suas impressões, mesmo que eventualmente algumas construções não correspondam ao uso da língua padrão ou possam comprometer o entendimento do texto. 6. Realizado o debate, o professor distribui para todos o texto original, completo, e pede aos grupos para compararem sua “versão” com aquela que acabam de receber. 7. Por fim, o professor observa que os verbos exercem função determinante para a compreensão de certas informações do texto, a exemplo de quando se realizam as ações (tempo); quem as realiza (pessoa); e em que plano (hipotético, a ser ou já realizado, provável etc.) os eventos situam-se (modo). PROCEDIMENTOS DE AVALIAÇÃO Os alunos serão avaliados pela produção escrita e pela participação e interesse demonstrados durante a realização das atividades (MARTINS, 2019). 9 TÉCNICAS E INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO Diversas são as técnicas e instrumentos de avaliação do rendimento dos alunos que podem ser utilizados pelos professores. Basicamente existem três técnicas, as quais podem se desdobrar numa infinidade de instrumentos. As técnicas são as seguintes: observação, autoavaliação e aplicação de testes ou provas (MARTINS, 2019). 79 9.1 A técnica de observação Essa é, provavelmente, a técnica de avaliação mais utilizada nas escolas. Ocorre quando o professor observa os alunos realizando exercícios em sala, participando de trabalhos em grupo, realizando atividades de pesquisa, participando da aula, formulando questões, brincando etc. (MARTINS, 2019). Uma das vantagens da técnica de observação está relacionada ao ambiente de espontaneidade na qual ela ocorre, pois, tecnicamente, não transparece ser um momento de avaliação e os alunos agem sem as costumeiras pressões típicas das situações de prova. A observação é uma técnica valiosíssima, mas é necessário que o observador tome alguns cuidados para evitar conclusões precipitadas, preconceituosas ou generalizações apressadas (MARTINS, 2019). Assim como nenhum caminho serve para quem não sabe aonde quer ir, ninguém consegue observar se não sabe o que quer ver. Por isso é necessário termos clareza do que queremos observar, quando e como observaremos. Geralmente o que queremos observar é algo relacionado a ocorrências do cotidiano de nossas aulas: participação dos alunos nas atividades de ensino, evolução no processo de escrita ou de interpretação, dificuldades expressas e compartilhadas com o grupo, relações interpessoais, habilidade na resolução de situações-problema e um sem-número de outras situações. Mas é necessário delimitarmos, em cada situação observada, o que de fato queremos “ver” naquele momento, sob pena de construirmos uma “colcha de retalhos” que muito mais nos confundirá do que permitirá a visualização de um determinado quadro analítico (MARTINS, 2019). Até aí tudo bem,mas quando devemos observar? Normalmente essa forma de avaliação se dá durante uma aula, durante ou ao final da execução de uma atividade, durante ou ao final de uma unidade didática. Esses momentos podem ser muito variáveis. Mas, o que não se pode perder de vista é que aquilo a “ser visto” deve ser consonante com as metas e objetivos previstos para aquela seção didática (MARTINS, 2019). Como devemos observar? Normalmente cada professor possui um grande número de turmas e, muitas vezes, turmas com um grande número de alunos. Sendo assim, não há estratégia de observação que dê conta da totalidade das turmas ou de 80 todos os alunos das turmas de uma única vez. Por isso, devemos escalonar nossas observações, turma a turma e grupo a grupo dentro de uma mesma turma. Não é necessário que façamos anotações muito complexas, pois isso seria muito burocrático. Quanto mais simples e objetivas forem as anotações, mais fácil será fazê-las e menos complicada será a interpretação daquilo que anotamos (MARTINS, 2019). 9.2 A técnica de autoavaliação Como o próprio nome já diz, na autoavaliação o aluno expressa sua apreciação em relação ao processo pedagógico e seu resultado. Essa prática cria um ambiente mais participativo, democrático e ajuda a responsabilizar mais o educando por sua aprendizagem, pois o conscientiza de seus avanços, limites e necessidades (MARTINS, 2019). Na autoavaliação o aluno deixa de ser apenas um cumpridor de tarefas e torna- se sujeito do processo. Mas para que isso ocorra é necessário que os educandos tenham clareza das metas que devem ser atingidas, individual e coletivamente, em cada etapa do processo ensino-aprendizagem, pois, como já dissemos, é impossível qualquer processo avaliativo consequente para quem não sabe quais são os objetivos previstos para cada situação de aprendizagem (MARTINS, 2019). Para que a autoavaliação dê resultados, é necessário que os alunos saibam fazê- la, por isso é importante que a pratiquem frequentemente sob a orientação dos professores. Além disso, para que não haja muita dispersão, o professor deve oferecer aos alunos um roteiro de questões sobre as quais deverão se autoavaliar, que podem incluir desde o seu aproveitamento nos estudos até questões de cunho mais pessoal ou de relacionamento com os colegas e com o professor (MARTINS, 2019). A autoavaliação pode ocorrer em qualquer nível do ensino, desde que seja planejada de acordo com as capacidades e potencialidades da turma em questão. Quanto mais cedo os alunos se autoavaliam, mais fácil será a sua compreensão acerca da corresponsabilidade inerente às relações pedagógicas. Muitos professores têm utilizado a autoavaliação desde a Educação Infantil, muito antes que as crianças dominem a técnica da leitura/escrita, e com resultados surpreendentes. 81 9.3 A técnica de elaboração de portfólios O termo portfólio é originário do vocábulo italiano portafoglio e significa recipiente para guardar folhas soltas. Primeiramente a expressão foi utilizada nas artes plásticas e constituía uma seleção de trabalhos de um determinado artista. O portfólio foi logo incorporado à educação em geral e, mais recentemente, passou a ser uma poderosa ferramenta de avaliação (MARTINS, 2019). O portfólio constitui-se em um conjunto de trabalhos produzidos pelos alunos durante um determinado período de tempo e logicamente organizados. Consiste numa compilação sistemática de atividades significativas realizadas pelos alunos numa determinada área de conhecimento em um intervalo de tempo razoavelmente extenso. Esse período de tempo pode ser o da duração de uma disciplina, um semestre ou ano letivo ou até diversos anos letivos subsequentes. Para o professor espanhol Fernando Hernández, o portfólio é um: [...] continente de diferentes classes de documentos (notas pessoais, experiências de aula, trabalhos pontuais, controle de aprendizagem, conexões com outros temas fora da escola, representações visuais etc.) que proporciona evidências do conhecimento que foi construído, das estratégias utilizadas e da disposição de quem o elabora em continuar aprendendo (HERNÁNDEZ, 1998, p. 100) . O continente refere-se ao “lugar” onde serão armazenadas as informações que comporão o portfólio: pasta, encadernação espiral, brochura, caixa de papelão, fita magnética/DAT, CD-ROM, home page, blog, dentre tantas outras possibilidades. O conteúdo a ser armazenado vai desde relatórios ou registros de visitas, fichamentos de textos, fotos, desenhos, projetos e relatórios de pesquisa, anotações, comentários, rascunhos, até registros de heteroavaliações e autoavaliações (MARTINS, 2019). 82 9.3.1 Cuidados necessários para se trabalhar com portfólios Crockett (apud ALVARENGA; ARAÚJO, 2006) propõe algumas sugestões para quem está prestes a iniciar um programa cuja ferramenta avaliativa seja o portfólio. Segundo ele, é necessário que o professor aprenda sobre portfólio e perceba o que representa para os estudantes elaborá-lo; compreenda que existem objetivos e/ou competências a serem atingidos e que podem ser modificados ao longo do caminho; decida os tipos de evidências que podem ser usadas pelos alunos como prova ou evidência do aprendizado; prepare os materiais a serem utilizados e auxilie com informações e leituras adicionais para que compreendam e elaborem adequadamente as tarefas propostas. Além disso, esclareça quais evidências básicas são importantes e quais processos e procedimentos são necessários para documentar as realizações; encoraje os estudantes a refletir sobre suas habilidades, dificuldades, interesses e experiências, estimulando a criatividade; seja um facilitador e saiba que construir um portfólio não é tarefa fácil. Requer perseverança e paciência; ajude o aluno a refinar suas tarefas e refletir sobre elas e ainda ensine como criar portfólios especiais para projetos específicos; 83 auxilie os estudantes a entender o caminho que precisam percorrer para atingir os propósitos definidos; crie oportunidades para os estudantes desenvolverem e compartilharem seus portfólios com colegas, amigos, pais e comunidade por meio de atividades e informações verbais e não verbais. Essas dicas são muito importantes para que, na tentativa de explorarmos essa ferramenta de avaliação, não a transformemos em uma simples coleção de trabalhos ou amontoado de atividades dos alunos com pouco ou nenhum significado pedagógico (MARTINS, 2019). 9.3.2 Vantagens e desvantagens da utilização do portfólio Dentre as inúmeras vantagens da utilização dos portfólios como ferramenta didático-avaliativa, citamos algumas que julgamos mais importantes: A utilização de portfólios instiga a curiosidade dos alunos, pois se trata de uma ferramenta menos usual e, portanto, menos conhecida dos estudantes, representando uma novidade. Ajuda a melhorar a autoestima, principalmente daqueles alunos que já sofreram frustrações com as provas tradicionais, que geram, muitas vezes, ansiedade e medo. Permite ao professor uma melhor verificação da evolução do aluno tanto do ponto de vista cognitivo quanto afetivo, psicomotor etc. Possibilita uma melhor integração entre os professores e seus respectivos planejamentos, uma vez que pode envolver diversas disciplinas. 84 Melhora a interação entre alunos e professores, pois exigirá um diálogo constante, especialmente na escolha daquilo que deve ser arquivado. Dentre as poucas desvantagens da utilização dos portfólios, as quais se relacionam, acima de tudo, com os hábitos já arraigados tanto nos alunos quanto nos professores, destacamos (MARTINS, 2019). Alunos acostumados às avaliações pontuais e formais encontrarão dificuldades em se inserir nesse modelo que não tem receitas prontas. Professores que nãotenham clareza das metas a serem alcançadas e dos critérios de produção e seleção do material poderão enfrentar sérios problemas no momento de expressar sua síntese avaliativa. Como esse processo demanda mais tempo do que as avaliações tradicionais, talvez alguns professores tenham dificuldades em cumprir rigorosamente com o cronograma de fechamento das médias (notas) bimestrais ou semestrais. Corre-se o risco, como já referenciamos anteriormente, de o portfólio ser transformado numa simples “coleção de trabalhos”, sem um sentido mais claro, caso a proposta não esteja bem elaborada. Uma boa dica para não nos “descabelarmos” durante ou ao final de um projeto que envolva o portfólio é não apostarmos nele, já de início, todas as fichas. A avaliação por portfólio não deve eliminar outras formas já consagradas de avaliação, como a observação, anteriormente discutida, ou os testes (também chamados de provas). Esses podem, inclusive, compor o portfólio ou servir de elementos adicionais no processo de avaliação (MARTINS, 2019). 85 9.4 A técnica de aplicação de provas Muito já se falou sobre os testes e provas. Algumas correntes pedagógicas têm condenado esse instrumento de avaliação, mas ainda não foram encontradas estratégias de avaliação eficazes que pudessem suprimir por completo as provas. Por isso, ao invés de abolirmos as provas, talvez devêssemos ressignificá-las, fazendo delas não um simples instrumento de medida, mas uma estratégia de aprendizagem. Uma das maneiras de fazermos com que isso ocorra é tomando cuidado na elaboração e aplicação das provas. Veremos, a seguir, alguns dos tipos mais usuais de provas e alguns cuidados que devemos tomar na sua elaboração (MARTINS, 2019). 9.4.1 Prova oral A prova oral foi o recurso de avaliação mais utilizado na história da educação, mas é pouco utilizada atualmente. Ela é importante para se avaliar habilidades e conhecimentos de expressão oral, por isso recomendada no ensino da língua materna e idiomas estrangeiros, para se verificar a pronúncia, a entonação, a pontuação e a fluência (MARTINS, 2019). 9.4.2 Prova escrita dissertativa As questões dissertativas são aquelas que os alunos respondem com suas próprias palavras, sem repetir somente o que o professor disse ou o que está escrito no livro didático. “Cada questão deve ser formulada com clareza, mencionando uma habilidade mental que se deseja que o aluno demonstre. Por exemplo: compare, relacione, sintetize, descreva, resolva, apresente argumentos contra ou a favor etc.” Além disso, as questões devem estar relacionadas com os conteúdos que foram objeto do trabalho pedagógico e o objetivo da prova dissertativa deve ser a verificação de determinadas habilidades intelectuais, como: “raciocínio lógico, organização das ideias, 86 clareza de expressão, originalidade, capacidade de fazer relações entre fatos, ideias e coisas, capacidade de aplicação de conhecimentos etc.” (LIBÂNEO, 2008, p. 205). Não é demais lembrar, segundo o autor em foco, que todas as questões que comporão a prova devem fazer referência a objetivos e atividades que foram trabalhados durante as aulas. Quando durante as aulas não são empregadas metodologias adequadas para que os alunos se expressem corretamente, façam relações entre fatos, fenômenos e ideias, uma avaliação escrita dessa natureza resulta inútil (MARTINS, 2019). Libâneo propõe, ainda, algumas recomendações importantes para formular e corrigir as provas escritas dissertativas: Fazer uma lista de conhecimentos e habilidades, de acordo com os objetivos expressos nos planejamentos, e selecionar o que será pedido na prova. Tomar cuidado com o nível de preparação dos alunos e com o tempo disponível para que os alunos respondam às questões. Preparar um guia de correção com as possíveis respostas que podem ser consideradas corretas para cada questão. Atribuir a cada questão um peso, quando desejar valorizar mais uma questão do que outra. Corrigir, preferencialmente, questão por questão e não prova por prova, a fim de que as respostas possam ser comparadas entre si, tendo presente o padrão de desempenho esperado, o qual foi expresso na preparação do guia de correção. Quando a prova referir-se à dissertação de um só tema em que não há propriamente respostas certas e o aluno pode manifestar-se espontaneamente, é melhor ler todas as provas e classificá-las em três 87 grupos: boas, suficientes e insuficientes. Depois disso, atribui-se, após uma leitura mais corrida, uma nota a cada uma delas. Deve-se ter o cuidado de ter o máximo de objetividade possível na correção das provas. Haydt (2001) apresenta-nos algumas vantagens da questão dissertativa: a) Permite verificar certas habilidades intelectuais que constituem processos mentais superiores, como a capacidade reflexiva (analisar, sintetizar, aplicar conhecimentos, interpretar dados, emitir juízos de valor). b) Possibilita saber se o aluno é capaz de organizar suas ideias e opiniões e expressá-las por escrito. c) Pode ser facilmente elaborada e organizada. d) Reduz a probabilidade de acerto casual, frequente nas provas objetivas. Exemplos: 1. Compare as consequências da Primeira Revolução Industrial para os trabalhadores com os acontecimentos que vêm se dando no bojo na Terceira Revolução Técnico-Científica. 2. Relacione a implantação da ditadura militar no Brasil (1964) com o surgimento de uma série de outros regimes de exceção na América Latina no mesmo período. 3. Sintetize as principais ideias da teoria evolucionista. 88 4. Descreva as fases da meiose. 9.4.3 Prova escrita de questões objetivas Esse tipo de avaliação se preocupa com a extensão dos conhecimentos e habilidades. Possibilita a elaboração de um maior número de questões do que no caso das provas dissertativas. Há também uma maior facilidade na hora da correção; entretanto, exige maior esforço no momento da elaboração das questões (MARTINS, 2019). Vejamos algumas ideias para elaboração de questões objetivas: a) Questões de Verdadeiro e Falso b) Questões de correspondência c) Questões de múltipla escolha d) Questões de ordenação 10 SUJEITOS E PROCESSOS EDUCACIONAIS NA MODERNIDADE 10.1 O declínio do homem público Para você, o que significa um espaço público? Um espaço onde é possível permanecer gratuitamente? Um espaço feito pelas entidades governamentais para a população, como um hospital ou uma escola? Na verdade, um espaço público é todo aquele se projeta para atender a três quesitos principais: a socialização, o acesso livre e irrestrito e a mobilidade. Os espaços públicos normalmente não permitem a permanência ininterrupta, mas incentivam o movimento (MARTINS, 2019). No alvorecer da modernidade, a partir do século XVIII, o espaço público era tido como a expressão dos novos tempos. Nesse novo período, não seriam necessários laços de sangue ou titulação que comprovassem nobreza para se estabelecerem contatos e relações entre diferentes públicos. Um indivíduo poderia ser visto, aceito e reconhecido 89 em sua individualidade. Por isso, as conexões sociais e as ações empreendidas em meio público eram extremamente importantes e moldavam características das sociedades naquele período. Isso se refletiu na arquitetura e nos projetos urbanos de remodelação de cidades centenárias na Europa, como Paris, e de capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, em que os espaços públicos seriam privilegiados (MARTINS, 2019). Surge aí a ideia do homem cosmopolita, expressão cunhada no século XVIII para descrever um tipo especial de cidadão, aquele que transita entre diferentes espaços, culturas e crenças e dialoga com elas de forma positiva e na mesma intensidade. Nesse período, foram construídos grandes espaços públicos, como parques,ruas com calçadas largas e “calçadões”. Também surgiram bares, bibliotecas e espaços de entrada e circulação livre, porque o homem cosmopolita necessitava estar em público; sua configuração social se dava desse modo. Portanto, as estruturas urbanas se construíam a fim de promover a sociabilidade de forma aberta, ampla (SENNETT, 1998). Lembre-se agora de alguns filmes de época: quando um casal, amigos e familiares decidem conversar, se entreter, qual é o destino comum? As praças e os jardins públicos. Na verdade, até meados do século XX, no Brasil, esses locais eram chamados oficialmente de “passeio público”, assim como as ruas que possuem calçadas o são até hoje. O espaço era destinado à socialização, e não somente ao movimento, como ocorre atualmente (MARTINS, 2019). O século XXI vive, porém, um processo de retificação ou agudizarção da modernidade, e alguns dos antigos paradigmas são reinterpretados. A noção do homem público é um deles. A figura do homem que transita e é visto em todos os espaços de circulação, o que faz parte de sua legitimação social, dá lugar a um comportamento mais individualista e isolado. Isso se reflete nas práticas entre pessoas e grupos sociais e nas instituições, como na escola (MARTINS, 2019). A escola é uma instituição social que é também elemento de transformação social. Nunca é inerte, sempre produz um impacto intenso em sua comunidade local, o que tem a ver com modelos de acolhimento, atuação e formação de currículo. Por isso se diz que “a educação no país X” é muito boa, ou que “a educação na cidade Y” é ineficiente. O conjunto das mesmas ações replicadas modela uma realidade social. 90 Sennett (1998) produz uma leitura que associa o chamado declínio do homem público na contemporaneidade a novas dinâmicas de interação nos espaços públicos — quando tal interação existe. Para Sennett (1998), parte desse processo de apagamento da percepção da coletividade no espaço público se deve a reconfigurações da arquitetura e do urbanismo. Nesse sentido, surgem conceitos como “inércia do espaço público” e “área pública morta”. Além disso, há a busca pelos espaços internos livres de obstáculos, como paredes e janelas de materiais não transparentes, de forma que as pessoas observem sempre umas às outras, mas não tenham a necessidade de travar contato. Assim, surge um espaço em que a “[...] estética da visibilidade e o isolamento social se fundem [...]” (SENNETT, 1998, p. 27). Tal visibilidade se dá com a utilização, tanto em espaços coletivos (como empresas) quanto em espaços individuais (como residências), de transparências e vidros. Assim, o espaço externo faz parte do contexto interior, mas o oposto não se dá, de forma que não há integração entre o público e o privado. Além disso, não há ocupação dos espaços que se destinam ao público. As construções são pensadas “para si mesmas”, sem aproveitar o entorno e as possibilidades de interação oferecidas. Dessa forma, o prédio poderia ser realocado para qualquer outra cidade e manteria as mesmas funcionalidades internas, permanecendo ausente o diálogo com o espaço público (MARTINS, 2019). Suprime-se o espaço público, mas não o movimento. É preciso haver a liberdade e a rapidez, mas não o contato; este não é desejável. Sennett (1998) indica que a configuração urbana contemporânea leva a uma espécie de isolamento controlado. Moradores e trabalhadores não estabelecem relação com seu entorno, apenas passam por ele — e passam da maneira mais asséptica possível, tentando manter-se em seu carro, sem dialogar com qualquer outra pessoa, espaço ou situação que aconteça no exterior (MARTINS, 2019). Veja um exemplo: um acidente entre dois carros, leve e sem feridos, atravanca o fluxo de uma avenida normalmente movimentada e importante. Qual é a reação mais comum: que as pessoas se organizem para que haja um fluxo mais rápido, que troquem de percurso para dar mais espaço às atividades de recolhimento dos automóveis, ou que 91 buzinem e fiquem emocionalmente instáveis porque seu caminho está obstruído? Perceba a utilização do pronome: “seu” caminho (MARTINS, 2019). A ideia contemporânea é a de que aquele caminho não pertence ao público. O transeunte, o motorista, passa por aquele local não porque é um dos componentes sociais do espaço público. A noção corriqueira que leva as pessoas a ficarem ressentidas ao se atrasarem devido ao acidente é a de que o espaço público lhes pertence, enquanto indivíduos, para que possam realizar seus afazeres e resolver seus assuntos. Dessa forma, não há conexão entre o público e o privado nem mesmo quando o espaço público — no caso, uma rua ou avenida — é utilizado (MARTINS, 2019). A crítica dos teóricos que asseguram o declínio do homem público se pauta na ausência de identificação dos indivíduos contemporâneos com o coletivo. Não há mais a noção de que cada indivíduo faz parte do todo. Ainda assim, há espaços que é preciso dividir com outros, e esse compartilhamento se dá a partir de um comportamento isolacionista. Observe um transporte público, como ônibus, trem ou metrô: quantas pessoas estão conectadas a seus smartphones, lendo livros e jornais e quantas estão observando seu entorno, reconhecendo cada uma das paradas e dialogando com os outros usuários do transporte coletivo? No contexto escolar, a ideia de declínio do homem público se torna ainda mais preocupante. Afinal, as práticas em contextos públicos se traduzem muitas vezes em práticas coletivas. A diminuição sistemática das práticas coletivas tem grande influência na constituição estrutural de uma sociedade. Ela pode produzir situações de isolacionismo social, segregação e diluição das noções de participação coletiva e de deliberação social nas arenas públicas (MARTINS, 2019). 10.2 O papel da escola em um projeto institucional moderno Você certamente já observou que em alguns eventos esportivos, atletas ou público se emocionam ao ouvir o hino nacional de seu país. Isso acontece porque essas pessoas sentem-se parte de uma nação, de forma que a conquista do atleta também é sentida e interpretada como conquista de seu país (MARTINS, 2019). 92 Mas você sabe quais conceitos levam um território geográfico a se constituir como nação? É a noção de identidade e, com ela, o sentimento de pertencimento. Esses dois elementos fazem com que um indivíduo projete em sua sociedade características particulares e nela as reconheça. Da mesma forma, levam-no a ver em si características do contexto social no qual se insere: o idioma, a cultura, as crenças (MARTINS, 2019). Sem identidade e pertencimento, as fronteiras delimitam um país, mas não uma nação. Por isso, alguns países vivem significativas instabilidades internas para manter sua soberania diante de grupos separatistas. Em muitos locais, há grupos e comunidades que permanecem dentro do território, mas não se sentem identificados à cultura e aos símbolos nacionais, por isso desejam o desligamento. Esse sentimento de não identificação cultural é tão intenso que não gera a noção de pertencimento a um país (MARTINS, 2019). A ideia de isolamento e individualização sustentadas pelas teorias sobre a queda do homem público são pertinentes ao processo recente de agudização da modernidade. Porém, antes dessa reconfiguração de expressões e leituras sociais, houve amplo incentivo aos processos de modernização. No Brasil, o ideal cosmopolita passou a fazer parte dos chamados “projetos de Brasil”, que entre 1870 e 1950 pautaram inúmeras ações e empreendimentos do Estado a fim de forjar e fortalecer a identidade nacional (MARTINS, 2019). É importante você notar que essa identidade nacional não era baseada nas características culturais preexistentes, e sim num ideal modernizador, num projeto que colocava o Brasil e a sociedade brasileira como expressões e símbolos do futuro. A escola e os processoseducacionais não apenas não ficaram de fora desse contexto, como também eram usados como ferramentas para reafirmá-lo e expandi-lo (MARTINS, 2019). À educação escolar coube a tarefa de ser uma intermediária dos recursos civilizatórios e de produzir as novas faces da cultura nacional, elementos que formariam a identidade para o novo projeto de nação. A ideia era observar quais traços, crenças, culturas e comportamentos associavam o país ao que se considerava “arcaico” ou ainda “selvagem”. Esses dois termos eram frequentemente atribuídos ao Brasil colônia pelas metrópoles e por seus próprios cidadãos, uma vez que a condição de colônia, em si, 93 atrelava ao país uma identidade de inferioridade em relação aos países centrais (MARTINS, 2019). A educação como recurso civilizatório para o ideal moderno de Brasil pós- independência, mas especialmente do Brasil da Primeira República, buscava equiparar o país ao Velho Mundo no que dizia respeito à cultura e à organização. Contudo, buscava também salientar a condição de “futuro” que se podia esperar de uma nação jovem, recém-independente e que apreciava os ideais liberais e democráticos (MARTINS, 2019). O projeto modernizador identificava a educação como definidora do sucesso nacional, justamente por condicionar a formação cultural do povo a partir das linhas de pensamento presentes nas instituições. Mas essa noção estava presente já no Império comandado por Dom Pedro II. Por isso, ainda que o conceito “modernizador” hoje remeta a uma quebra com velhos conceitos e à abertura para novas visões, ações e possibilidades, na Primeira República, tratava-se apenas da identificação da educação como recurso tanto civilizatório quanto político. E sem descartar o alinhamento religioso: até meados do século XX, a educação presente como aporte para o projeto de Brasil enquanto Estado Nacional se pautava nos valores da Igreja Católica e os difundia (MARTINS, 2019). Por isso, o processo de modernização desse período não veio com o intuito de emancipar os indivíduos. Ele tinha o objetivo de colocá-los na direção que as elites acreditavam ser a adequada para a construção de um ideário nacional pertinente ao novo Estado brasileiro (MARTINS, 2019). 10.3 Modernização à brasileira e educação escolar A sociologia da educação emerge como campo do saber científico a partir da década de 1960. Contudo, já havia reflexões acerca do papel socializador da escola — e não apenas de transmissor de conhecimentos — desde o século XIX, por uma perspectiva filosófico-sociológica (CUNHA, 2010). A alteração que se dá na década de 1960 é que o viés de interpretação científica permite que a sociologia da educação aja 94 também como propulsora das possibilidades da abordagem científica da sociedade por meio da leitura das práticas escolares (MARTINS, 2019). A modernização à brasileira na esfera da educação escolar se inicia com o chamado Projeto Rui Barbosa. Homem público e pensador social, Rui Barbosa entendia que mais do que se tornar independente política e economicamente, o Brasil desejava, enquanto nação, alinhar-se e harmonizar-se às democracias expoentes no final do século XIX e início do século XX. Essas democracias tinham uma forte ligação entre identidade nacional e pertencimento. Além disso, viam na produção científica uma forma de manter- se à frente nas disputas entre as nações, pela soberania na acumulação de capital e pela produção científica (MARTINS, 2019). Rui Barbosa via a educação como motor para o desenvolvimento nacional, mas também recebeu críticas relativas à sua intenção de implementar no Brasil técnicas e formatos educativos de nações consideradas modelo, como Estados Unidos e França, sem pensar a adequabilidade ao contexto nacional. Rui Barbosa certamente pode ser visto como um progressista. Ele promovia a ideia de trabalho livre como fomentador do desenvolvimento econômico e compreendia que a escravatura afastava o Brasil das nações mais desenvolvidas. Além disso, defendeu a transição da monarquia para a república e difundiu a ideia ainda embrionária de transição produtiva do contexto agrário- extrativista para o industrial (MARTINS, 2019). Ainda durante o Império, sugeriu uma readequação estrutural das responsabilidades educacionais no Brasil em direção à centralização, assegurando que a educação deveria ser pública e gratuita, responsabilidade do Império, não dos municípios. Sua ideia era manter a qualidade e o direcionamento para o saber científico e não só para a reprodução do conhecimento, cobrindo toda a formação dos cidadãos, ou seja, da educação primária ao ensino superior (MARTINS, 2019). O problema é que Barbosa observou que Estados Unidos, França e Austrália obtiveram muito sucesso nessa readequação das responsabilidades e na abertura ampla do processo educacional a todos os cidadãos, mas propunha uma realocação integral dos modelos que obtiveram sucesso, como um “transplante”. Como você pode imaginar, cada um desses países havia desenvolvido seu projeto educacional a partir de suas 95 próprias características sociais, culturais, geográficas e históricas. Como, então, apenas importar os modelos para o Brasil? Essa proposta de reforma foi mandada por Barbosa ao Congresso como contraponto ao Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879. Tal decreto reformava a administração municipal dos ensinos primário e secundário a partir das possibilidades e direcionamentos específicos de cada município. O elemento essencial da proposta de Rui Barbosa é a leitura de que a educação é a única via possível para se alcançar a liberdade. Portanto, seria imperativo arcar com a responsabilidade de educar o povo e, por meio dos saberes científicos, transformar a sociedade brasileira (MARTINS, 2019). O projeto tinha ainda uma característica que permanece “moderna” até hoje: o ideal de que os saberes científicos transformavam tanto o cidadão quanto o trabalhador. Barbosa acreditava que cada inovação e cada conhecimento desenvolvido nas escolas e universidades deveria ser aplicado à sociedade brasileira. Ou seja, as produções não deveriam ser herméticas e ficar dentro dos muros das universidades, mas precisavam ter real serventia e importância para a comunidade (MARTINS, 2019). 11 EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA: CURRÍCULO, DIDÁTICA E PLANEJAMENTO A PARTIR DE UM OLHAR SOCIOLÓGICO 11.1 A escola, o currículo e a docência Você se lembra do que aprendeu em seus anos iniciais de escolarização? Provavelmente, além da alfabetização e das noções básicas de matemática, você aprendeu uma série de valores e regras de comportamento. Tais noções são essenciais ao processo de socialização. Por meio delas, é possível assimilar os conteúdos transmitidos e ainda formar cidadãos do futuro (MICHELE, 2021). A escola, como você sabe, ensina conteúdos que ajudam os educandos a se comunicar e a compreender os processos físicos, químicos e biológicos da natureza e do planeta. Mas ela também auxilia no desenvolvimento da coordenação motora e no desenvolvimento físico. Além disso, oferece práticas de socialização que permitem aos 96 estudantes compreender seu entorno, estabelecendo trânsitos e diálogos com o mundo. Essas ações — compreensão, trânsito e diálogo — podem ser pautadas na reprodução total de comportamento, a partir da aceitação; na crítica e na contestação, a partir da autonomia; ou no redirecionamento comportamental e cognitivo, que procura mudar as práticas de uma sociedade reformulando a interação entre escola e estudantes (MICHELE, 2021). Isso ocorre porque a escola é um elemento importante do processo civilizador em uma sociedade. Ela reflete em suas práticas, sua organização, suas regras e suas metodologias as estruturas políticas e sociais do contexto no qual se insere. Essa influência inclui desde a organização do que será ensinado até as aplicações metodológicas.Assim, a escola constitui parte essencial da identidade dos sujeitos. Nesse contexto, a organização dos currículos escolares aparece como a síntese dos objetivos sociais para a educação (MICHELE, 2021). O currículo escolar compreende mais do que os princípios pedagógicos que orientam os conteúdos, as metodologias de ensino e os objetivos em uma escola. Ele delimita e expressa relações de poder — entre os sujeitos no ambiente escolar, entre a sociedade e o Estado e entre a escola e o Estado. Por isso, um olhar sociológico sobre a elaboração de currículos analisa as interações entre a escola e os panoramas sociais e políticos. Nesse sentido, os contextos são tão importantes quanto a formação escolarizada dos alunos (MICHELE, 2021). O olhar crítico sobre as intenções e objetivos que norteiam as construções de currículos escolares aparece na sociologia da educação como o campo analítico teorias do currículo. Esse campo possui três fases: leituras tradicionais, leituras críticas e leituras pós-críticas. Além da diferença conceitual, há uma progressão temporal nessas três fases que verificam as intenções sociopolíticas delimitadas na elaboração do currículo. A seguir, você pode conhecer cada uma das etapas (MICHELE, 2021). 97 11.1.1 Primeira fase: leituras tradicionais Essa fase ocorreu entre o final do século XIX e o início do século XX. As leituras tradicionais compreendem o currículo como elemento formador de indivíduos alinhados com o Estado. Assim, os valores e pensamentos do Estado devem ser reproduzidos pelos sujeitos por meio de seu comportamento. Essas leituras são estruturadas a partir de um viés progressista, que acredita que o desenvolvimento da educação e da ciência é essencial à sociedade moderna. Tal viéis não questiona os valores e os direcionamentos impressos na organização curricular (MICHELE, 2021). Nesse momento histórico, há a formação dos Estados nacionais e o processo de centralização das responsabilidades educacionais. Há também a busca pela formação da identidade nacional, e sabe-se que a escola é parte fundamental do processo. Por sua vez, os estudantes são orientados a aceitar as perspectivas que lhes são oferecidas, e os desencaixes ou desalinhos produzem outsiders, ou seja, sujeitos que não aceitam, reproduzem ou entendem os valores e práticas que a organização curricular lhes proporcionou (MICHELE, 2021). 11.1.2 Segunda fase: leituras críticas Essa fase começou no período entre as duas guerras mundiais e se estendeu até a década de 1970. Nesse momento, sociólogos e estudiosos das relações entre Estado e escola passam a questionar as reais intenções da elaboração do currículo, compreendendo-as como um direcionamento mais político do que pedagógico. Althusser (1980), no livro Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado, indica que as escolas são ferramentas para que o Estado reproduza suas dinâmicas de poder, para que ele não seja confrontado. De acordo com esse pensador, o Estado desenvolve dois tipos de instituições a fim de manter seu poder: os aparelhos repressivos e os aparelhos ideológicos (MICHELE, 2021). Os aparelhos repressivos seriam aqueles que usam a força para conter comportamentos desviantes no tecido social, como o exército e a polícia. Já os aparelhos 98 ideológicos seriam aqueles que moldam o comportamento dos cidadãos para que eles se alinhem às propostas ideológicas do Estado, reproduzindo-as e nunca as questionando. Como exemplos, você pode considerar a escola, a igreja, os jornais e outros meios de comunicação, os partidos políticos, etc (MICHELE, 2021). Nesse panorama, não poderia haver “diversidade” de opiniões. Por isso, não haveria diversidade nas propostas curriculares ou nas instituições. Haveria, por exemplo, apenas um tipo de religião aceita, poucos partidos permitidos, e o desenho sólido e inequívoco do tipo de comportamento que os cidadãos deveriam ter. Aparentemente, Althusser (1980) define a organização social de um Estado autoritário, mas o autoritarismo pressupõe a existência de conflito e violência, ou seja, de questionamento anterior. O autor, em sua definição, indica que há Estados também democráticos que, por meio de esferas sociais como os “aparelhos ideológicos”, induzem seus cidadãos a um tipo de comportamento e a uma visão do mundo que não questionam a realidade e não produzem ou aceitam a diversidade (MICHELE, 2021). Os sociólogos Pierre Bourdieu e Jean Claude Passeron questionaram, na década de 1960, a estruturação da escola como reprodutora do status quo da sociedade. Nesse contexto, os filhos das elites, detentoras do capital simbólico da educação formal, receberiam um tipo de educação que os manteria ocupando os espaços privilegiados. Às classes baixas seria destinada uma educação mais restrita, que possibilitaria o desenvolvimento de trabalhos que as manteriam em sua situação econômica (BOURDIEU; PASSERON, 1992). Para esses autores, mesmo em sociedades democráticas, que propõem um modelo de educação pautado na igualdade e não na equidade, há um processo de violência simbólica estrutural. Tal processo favorece as elites, uma vez que estas têm como melhorar e aprofundar a aquisição de conhecimento técnico e científico, alcançando postos e empregos que geram maior capital financeiro. Por sua vez, as classes baixas não podem arcar com aprofundamento educacional, como cursos extras, cursos de idiomas e viagens, mantendo-se em cargos e profissões de menor remuneração. Para os sociólogos franceses, portanto, a organização e as práticas pedagógicas seriam ferramentas para a violência simbólica que mantém as classes baixas sem qualquer possibilidade de mobilidade social (MICHELE, 2021). 99 11.1.3. Terceira fase: leituras pós-críticas Essa fase teve início na década de 1970 e se estende até hoje. As leituras pós- -críticas são compostas por debates que procuram promover a inserção de diferentes abordagens e linguagens pedagógicas. A ideia é possibilitar a existência da diversidade nos campos educacionais. Na perspectiva desse período, as práticas pedagógicas devem ser inclusivas, preparadas para formar sujeitos que questionem seu espaço social, político e econômico e que desenvolvam capacidade analítica, sem simplesmente reproduzir aquilo que recebem da escola (MICHELE, 2021). A pluralidade cultural é o ponto central dessas leituras, que não compreendem um tipo de cultura, pensamento ou comportamento como central, mas que valorizam a diversidade. É a partir desse momento que culturas não euro cêntricas passam a ser incluídas nos campos do saber como partes importantes do processo civilizatório, inclusive aquelas voltadas para a ancestralidade, como a cultura dos povos negros e indígenas (MICHELE, 2021). Na contemporaneidade, é a abordagem pedagógica pós-crítica que permite que pessoas com deficiência estejam em sala de aula junto com não deficientes. Além disso, é essa perspectiva que faz com que o Estado se responsabilize por tornar os elementos do currículo acessíveis para todos, seja com a presença de intérpretes de libras, de produção de material em braile, ou com a presença de cuidadores para pessoas com deficiências físicas ou doenças raras. O princípio da pluralidade nessas leituras indica uma abordagem pautada na equidade social, ou seja, na ideia de que as oportunidades devem ser as mesmas independentemente da origem social, cultural, econômica ou das possibilidades corporais dos indivíduos (MICHELE, 2021). 11.2 As técnicas educacionais, os saberes e o poder O pedagogo brasileiro Paulo Freire, na década de 1970, deu início a um olhar que transita entre as leituras críticas e pós-críticas. Em seu texto Pedagogia do Oprimido, ele compreende a educação como um elemento mais político do que pedagógico 100 (FREIRE, 1997). Afinal, ela faz com que as estruturas de dominação econômica se mantenham.Contudo, Freire (1997) indica que o mesmo sistema educacional pode ser utilizado para transformar realidades sociais a partir da abordagem feita pelos professores, questionando as direções e os fundamentos curriculares. Freire (1997) propõe a seguinte reflexão: para que aprender o que está sendo aprendido? Como se pode direcionar o aprendizado para a formação de um sujeito autocrítico, com capacidade de ler, interpretar, aceitar ou transformar seu entorno? A década de 1970 foi o ponto de virada nas leituras sobre os currículos. A ideia de que eles eram elaborados para a manutenção das estruturas de poder se direcionou para o questionamento da valoração do conhecimento. Um movimento inglês chamado nova sociologia da educação procurou entender por que alguns tipos de conhecimento eram adicionados ao currículo em detrimento de outros. Por que algumas áreas de conhecimento tinham mais espaço nos currículos do que outras? Por exemplo: por que as aulas de artes tinham um espaço menor na estrutura curricular do que as de matemática? Por que certos saberes eram mais importantes do que outros na elaboração do currículo? (MICHELE, 2021). As três fases de leituras dos currículos indicam, como toda abordagem sociológica, um reflexo do espaço-tempo em que se inseriam os pesquisadores no momento de suas análises: a construção de um Estado-nação na primeira fase, a presença de Estados autoritários na segunda e o processo de multiculturalização do mundo promovida pela globalização na terceira (MICHELE, 2021). Mas, atualmente, essas leituras podem compor sua perspectiva como estudante. Nas definições curriculares, por que algumas disciplinas, ou tópicos, são escolhidos em detrimento de outros? O desenvolvimento das leituras e das teorias do currículo pela sociologia indica que o currículo não pode ser interpretado simplesmente como uma formulação técnica, neutra. Ele é o produto de relações de poder e interesses, ou ainda um reflexo do contexto histórico. Por isso, o seu questionamento ou a sua plena aceitação pode determinar os caminhos percorridos pela sociedade (MICHELE, 2021). As leituras produzidas nas análises sobre o currículo escolar apontam para as possibilidades e responsabilidades dos sujeitos envolvidos no processo. É possível identificar, nessa relação, três diálogos: Estado e sujeito (alunos), Estado e escola 101 (professores), e escola (professores) e sujeitos (alunos). Mesmo quando a relação é entre Estado e sujeitos, ela é intermediada pela escola e pela ação dos professores. Por isso, a partir das leituras pós-críticas, surge a ideia da responsabilidade política dos professores diante do currículo. Além disso, surge a noção da responsabilidade do Estado por oferecer aos professores as possibilidades para que eles — analisando seu contexto social, seus alunos e os objetivos a serem alcançados com o currículo — definam a melhor alternativa para direcionar sua ação em sala de aula (MICHELE, 2021). Da mesma forma que o currículo não é apenas técnico e despido de vieses políticos, a ação dos professores também não seria puramente técnica. Caberia a esses profissionais a responsabilidade de transformar contextos sociais. Assim, as práticas docentes deveriam ser delineadas de forma não prescritiva (LIBÂNEO, 2002), ou seja, permitindo a inovação diante de cenários que os projetos organizadores e os currículos não são capazes de prever. Afinal, professores têm em sala de aula uma microssociedade, com sujeitos portadores de múltiplas identidades e aportes culturais (MICHELE, 2021). Seria necessária, do ponto de vista sociológico, certa permeabilidade do contexto dessa microssociedade sobre o currículo e sobre as práticas docentes, a partir do olhar crítico do professor. Essa possibilidade, no entanto, só se constrói à medida que a formação do professor o encaminha para essa percepção. Por isso, as possibilidades didáticas e de prática docente inclusiva e multicultural prescindem da formação docente (MICHELE, 2021). 11.3 Possibilidades para o trabalho docente O ensino é uma prática social que pode transformar a realidade, fomentar a mobilidade social e promover a diversidade, a participação social e a cidadania. Mas seria essa a função da escola? A função da escola de promover a compreensão ou a modificação social advém do contexto sociopolítico. A transformação pode ser fomentada pelo Estado, por exemplo, para o desenvolvimento da sociedade como um todo. Por outro lado, a transformação pode ser uma forma de contestação social, de quebra dos direcionamentos impostos pelo Estado (MICHELE, 2021). 102 Um dos elementos necessários para as práticas da educação, em sala de aula, é a didática. Ela pode ser compreendida como o conhecimento teórico com fundamentação prática (LIBÂNEO, 2002), ou seja, a disposição cotidiana dos conhecimentos aprendidos na formação do sujeito como professor, e não nas delimitações da organização escolar. Ainda que a administração de uma unidade escolar tenha direcionamentos específicos, é o professor e a sua habilidade de instrumentalizar o conhecimento que possibilitarão que os objetivos do currículo sejam plenamente alcançados. Da mesma forma, é a didática e o seu olhar sobre as dificuldades da instrumentalização do saber que indicam a necessidade de uma readequação curricular (MICHELE, 2021). No contexto escolar, as ações como o ensinar e o aprender, o planejamento e a avaliação são todas consideradas tanto técnicas como práticas sociais. Na perspectiva da sociologia contemporânea, cabe ao professor avaliar como serão direcionadas suas práticas, a partir dos objetivos estabelecidos no currículo. Você deve observar que a organização escolar é importante, e que os currículos escolares normalmente têm um desenho pedagógico que leva em conta a idade cronológica, a maturidade emocional e a coordenação motora dos estudantes. Por isso, eles não podem ser ignorados. Há profissionais competentes das áreas de pedagogia, neuropedagogia, educação, sociologia e psicologia envolvidos no processo. Além disso, a interdisciplinaridade é importante para que a criança, o adolescente ou o adulto possam ter todas as suas habilidades e possibilidades integralmente desenvolvidas (MICHELE, 2021). Nesse contexto, cabe ao professor observar o entorno e perceber quais práticas podem ser aprofundadas, quais podem ser alteradas e quais perspectivas novas podem ser inseridas para aquele grupo de alunos específico. Cada turma conta com estudantes diversos. Eles podem ser mais curiosos e independentes, ter vivências e trajetórias culturais para partilhar, ou ainda passar por problemas. Neste último caso, precisam ser apoiados no ambiente escolar a fim de que, relembrando o princípio da equidade, possam ter seu acesso à educação assegurado (MICHELE, 2021). 103 12 O MODELO CONSTRUTIVISTA Grande parte do estudo sociológico sobre a socialização inicial na infância foi influenciada pelas teorias dominantes da psicologia do desenvolvimento. As teorias que os sociólogos adotavam com maior frequência, especialmente variações do comportamentalismo, relegam a criança a um papel passivo. Essas teorias do desenvolvimento são basicamente unilaterais, com a criança sendo formada e moldada por reforços e punições dos adultos. Muitos psicólogos do desenvolvimento, no entanto, passaram a ver a criança como mais ativa do que passiva, envolvida na apropriação de informações de seu ambiente para usar na organização, e construindo sua própria interpretação do mundo (MICHELE, 2021). Teoria de Piaget sobre o desenvolvimento intelectual. Talvez o melhor representante da abordagem construtivista seja o psicólogo suíço Jean Piaget. Ele estudou a evolução do conhecimento em crianças, o que era uma forma de integrar dois de seus principais interesses: a biologia e a epistemologia (o estudo do conhecimento) (Ginsburge Opper, 1988). Os muitos estudos empíricos de Piaget sobre as crianças e seu desenvolvimento tiveram um grande impacto sobre a imagem da criança na psicologia do desenvolvimento. Piaget acreditava que as crianças, desde os primeiros dias da infância, interpretam, organizam e usam informações do ambiente, vindo a construir concepções (conhecidas como estruturas mentais) de seus mundos físicos e sociais (MICHELE, 2021). Piaget é bem conhecido por haver afirmado que o desenvolvimento intelectual não é simplesmente uma acumulação de fatos ou habilidades, mas, na verdade, uma progressão da capacidade intelectual ao longo de uma série de estágios qualitativamente distintos. A noção piagetiana de estágios é importante para a sociologia das crianças porque nos lembra que elas percebem e organizam seus mundos de maneira qualitativamente diferente dos adultos. Considere, por exemplo, o seguinte incidente, ocorrido em meu primeiro estudo etnográfico com crianças pequenas. Um menino de três anos, Krister, desenhou uma linha sinuosa sobre um quadro-negro. Perguntei-lhe o que era, e ele respondeu: “Uma cobra”. “Uma cobra!”, repeti e, em seguida, perguntei, “Você já viu uma cobra?” “Claro”, disse Krister, apontando para sua linha sinuosa, “Bem ali!” Em 104 seguida, percebi que minha perspectiva da “linha sinuosa” como representação de uma cobra era diferente da perspectiva de Krister sobre sua criação, ou seja, a linha constituía exatamente o que ele disse que ela era: uma cobra! (MICHELE, 2021). Como resultado de muitas experiências semelhantes, aprimorei a adoção de perspectivas infantis em meu trabalho de campo. Cheguei também a acreditar, em consonância com a teoria de Piaget, que qualquer teoria sociológica das crianças e da infância que tente explicar a compreensão e o uso que elas fazem das informações provenientes do mundo adulto, bem como sua participação e a organização de seus mundos com os pares, deve considerar o nível de desenvolvimento cognitivo da criança (MICHELE, 2021). Embora a concepção de Piaget sobre os estágios do desenvolvimento seja o elemento mais conhecido de sua teoria, o ponto mais importante de seus estudos é a concepção de equilíbrio. Equilíbrio é a força central que impulsiona a criança ao longo das etapas de desenvolvimento cognitivo. Infelizmente, esse conceito não é apenas muitas vezes esquecido, mas também frequentemente mal entendido. Muitos teóricos da sociologia e da psicologia (tal como Parsons) utilizam a ideia de equilíbrio para explicar a mudança social, de comportamento ou de atitude como um retorno a um estado de equilíbrio (em outras palavras, um acontecimento que cria desequilíbrio será seguido por tentativas da sociedade ou do indivíduo para recuperar o equilíbrio). Piaget, no entanto, está preocupado com o processo de equilibração, ou as atividades reais que a criança desempenha para lidar com os problemas do mundo externo. Piaget concebe equilíbrio como a “compensação resultante das atividades do indivíduo em resposta às invasões externas” (Piaget, 1968, p. 101). Tais invasões são compensadas apenas por atividades, e o equilíbrio máximo envolve não um estado de repouso, mas sim um máximo de atividade por parte da criança (MICHELE, 2021). Piaget acredita que a tendência para compensar o desequilíbrio é inata. Essa hipótese biológica ou inatista não significa, porém, que Piaget seja um determinista biológico. Os deterministas biológicos defendem que tendências, processos ou conhecimentos inatos são as causas ou os determinantes do desenvolvimento infantil. Para Piaget, a tendência inata para compensar desequilíbrios é apenas uma parte de seu modelo complexo de desenvolvimento intelectual. Embora Piaget acreditasse que as 105 crianças têm uma tendência inata para compensar as intrusões ambientais, a natureza das compensações é dependente das atividades infantis em seus mundos socioecológicos (MICHELE, 2021). Visão sociocultural do desenvolvimento humano de Vygotsky. Outro importante teórico construtivista é o psicólogo russo Lev Vygotsky. Como Piaget, Vygotsky destacou o papel ativo da criança no desenvolvimento humano. Vygotsky, no entanto, acreditava que o desenvolvimento social da criança é sempre o resultado de suas ações coletivas e que essas ações ocorrem e estão localizadas na sociedade. Portanto, para Vygotsky, mudanças na sociedade, especialmente as alterações nas demandas sociais sobre o indivíduo, exigem mudanças nas estratégias para lidar com essas exigências. Para Vygotsky, estratégias para lidar com alterações nas demandas sociais são sempre coletivas; isto é, elas sempre envolvem interação com outras pessoas. Essas estratégias coletivas são vistas como ações práticas que levam ao desenvolvimento psicológico e social. Nesse sentido, interações e atividades práticas da criança com outras pessoas levam à aquisição de novas competências e conhecimentos, que são vistos como a transformação das habilidades e dos conhecimentos anteriores (MICHELE, 2021). Um princípio-chave da visão de Vygotsky é a internalização ou apropriação da cultura pelo indivíduo. Especialmente importante nesse processo é a linguagem, que codifica a cultura e é uma ferramenta de participação nela. Vygotsky argumenta que a linguagem e outros sistemas de significado (por exemplo, escrita, filmes e assim por diante), assim como sistemas de ferramentas (por exemplo, objetos materiais, tais como máquinas), são criados pelas sociedades ao longo da história e são alterados com o desenvolvimento cultural. Assim, Vygotsky afirma que as crianças, por meio da aquisição e utilização da linguagem, terminam por reproduzir uma cultura que contém o conhecimento das gerações (MICHELE, 2021). Vygotsky oferece uma abordagem construtivista de desenvolvimento humano bastante diferente da de Piaget. Embora ambos tenham considerado o desenvolvimento como resultante das atividades infantis, Vygotsky não fez nenhuma suposição inatista, semelhante à noção de equilíbrio de Piaget, como motivador das atividades da criança. Vygotsky observou as atividades práticas desenvolvidas nas tentativas da criança para lidar com problemas cotidianos. Além disso, ao lidar com esses problemas, a criança 106 sempre desenvolve estratégias coletivamente – isto é, na interação com outras pessoas. Assim, para Piaget, o desenvolvimento humano é basicamente individualista, enquanto para Vygotsky é essencialmente coletivo (MICHELE, 2021). Existem outras diferenças entre os dois teóricos. Piaget concentrou- -se mais sobre a natureza e as características dos processos e estruturas cognitivas, enquanto Vygotsky enfatizou os contextos de desenvolvimento e a história. Como resultado, em vez de identificar fases abstratas de desenvolvimento cognitivo, Vygotsky procurou especificar os eventos culturais e as atividades práticas que levam à apropriação, internalização e reprodução da cultura e da sociedade (MICHELE, 2021). Como, especificamente, esses processos de internalização, apropriação e reprodução ocorrem? Dois conceitos de Vygotsky são cruciais. O primeiro é a noção de internalização. De acordo com Vygotsky, “cada função no desenvolvimento da criança aparece duas vezes: primeiro no nível social e mais tarde no nível individual; em primeiro lugar, entre as pessoas (interpsicológico), e, em seguida, dentro da criança (intrapsicológico)” (1978, p. 57). Com isso, Vygotsky quer dizer que todas as nossas habilidades psicológicas e sociais (cognitivas, comunicativas e emocionais) são sempre adquiridas a partir de nossas interações com outras pessoas. Desenvolvemos e usamos essas habilidades, primeiro em nível interpessoal, antes de internalizá-las em nível individual (MICHELE, 2021). Considere as concepções de Vygotsky sobre o discurso autodirecionado e interior. Por discurso autodirecionado, Vygotsky se refere à tendênciadas crianças em falar em voz alta para si, especialmente em situações problemáticas. Piaget definiu tal discurso como egocêntrico ou emocional, não relacionado com qualquer função social. Vygotsky, por outro lado, viu o discurso autodirecionado como uma forma de comunicação interpessoal, mas, nesse caso, a criança aborda a si mesma como outra pessoa. Em certo sentido, a criança orienta e aconselha a si mesma sobre como lidar com um problema. Em seu trabalho experimental, Vygotsky concluiu que tal evento aumentava quando as crianças tinham uma tarefa, como a criação de um carro com blocos de construção, ou eram solicitadas a fazer um desenho. Vygotsky acreditava que, ao longo do tempo, o discurso autodirecionado era transformado ou internalizado do interpessoal para o intrapessoal, tornando-se um discurso interior ou uma forma de 107 pensamento. Podemos compreender suas ideias quando pensamos sobre como aprendemos a ler. A maior parte de nossa leitura inicial, quando crianças, era realizada em voz alta, ao lermos para nós mesmos ou para terceiros. Com o passar do tempo, começamos a murmurar e, em seguida, a formar com a boca as palavras à medida que eram lidas, e, finalmente, já éramos capazes de ler inteiramente em um nível mental. Em suma, a função intrapsicológica ou a habilidade de leitura tem suas origens na atividade social ou coletiva de leitura em voz alta para outros e para nós mesmos. Para Vygotsky, a internalização ocorre gradualmente durante um período prolongado de tempo (MICHELE, 2021). Em um segundo conceito importante, Vygotsky constrói sua visão da linguagem como ferramenta cultural. De acordo com ele, a atividade humana é inerentemente mediadora uma vez que é realizada por meio da linguagem e de outras ferramentas culturais. Uma parte significativa das atividades cotidianas da criança ocorre no que Vygotsky chama de zona de desenvolvimento proximal: “a distância entre o nível de desenvolvimento real, determinado pela solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado por meio da resolução de problemas, sob a orientação de adultos ou em colaboração com colegas mais capazes” (Vygotsky, 1978, p. 86). Vamos voltar a nosso exemplo do processo de aprender a ler. O nível real da capacidade de leitura de uma criança poderia ser medido por sua capacidade de ler, resumir e falar sobre uma história como Cinderela ou Branca de Neve. Seu nível potencial de desenvolvimento poderia ser estimado por sua capacidade de ler, resumir e discutir a história com a ajuda de professores, pais e colegas mais velhos. O primeiro indica o domínio integral da criança de uma capacidade ou habilidade especial, enquanto o último indica seu nível de domínio potencial. A distância entre os dois níveis é a zona de desenvolvimento proximal, conforme ilustra a Figura abaixo (MICHELE, 2021). 108 Fonte: SAGAH (2020). Como podemos ver nessa exposição, nas interações com outras pessoas, a criança está sempre um passo à frente em seu desenvolvimento do que se estivesse sozinha. Nesse sentido, as interações na zona de desenvolvimento proximal “são a prova final do desenvolvimento e da cultura, na medida em que permitem que as crianças participem de atividades que seriam impossíveis de realizar por si mesmas, usando ferramentas culturais a que elas próprias devem adaptar-se para efetuar a atividade específica em questão e, assim, passadas adiante e transformadas por novas gerações” (Rogoff, Mosier e Göncü, 1989, p. 211). Assim, o modelo de desenvolvimento é um modelo no qual as crianças apropriam-se gradualmente do mundo adulto por meio de processos conjuntos de compartilhamento e criação de cultura (Bruner, 1986). Pontos fracos do modelo construtivista. Embora a aceitação geral do construtivismo tenha movido a teoria e a pesquisa em psicologia do desenvolvimento na direção certa, seu foco principal continua a ser o desenvolvimento individual. Podemos ver isso nas repetidas referências à atividade da criança, ao desenvolvimento da criança, ao processo da criança de tornar-se um adulto. Na teoria de Piaget, o foco é o domínio do mundo por uma criança isolada em seus próprios termos. O construtivismo oferece uma visão ativa, mas solitária, das crianças. Mesmo quando os outros (pais, colegas e professores) são levados em conta, o foco permanece sobre os efeitos das diferentes experiências interpessoais no desenvolvimento individual. Há pouca, ou nenhuma, consideração sobre como as relações interpessoais são refletidas em sistemas culturais, ou como as crianças, por meio de sua participação em eventos comunicativos, tornam- 109 se parte dessas relações interpessoais e padrões culturais e como os reproduzem coletivamente (MICHELE, 2021). Outra limitação da psicologia do desenvolvimento construtivista é a preocupação exagerada com o ponto de chegada do desenvolvimento, ou o percurso da criança, da imaturidade à competência adulta. Vejamos, por exemplo, as pesquisas sobre amizade. O foco de quase todas as pesquisas é a identificação de estágios nas concepções abstratas da criança sobre a amizade. Essas concepções são obtidas por meio de entrevistas clínicas, e comparadas às do adulto competente (Damon, 1977; Selman, 1980). Além disso, alguns psicólogos estudam como é ser ou ter um amigo em mundos sociais infantis, ou como desenvolver concepções de amizade está incorporado às interações da criança na cultura de pares (MICHELE, 2021). Essa ênfase sobre o ponto de chegada do desenvolvimento é também evidente no interesse de muitos psicólogos desenvolvimentistas na noção de internalização de Vygotsky. Como vimos anteriormente, ele destacou tanto as interações coletivas infantis com outros, em nível interpessoal, quanto a internalização dessas interações, ao nível intrapessoal, em sua teoria sobre a apropriação infantil da cultura. Ainda assim, muitas pesquisas construtivistas colocam tanta ênfase na segunda fase da internalização que muitos percebem a apropriação da cultura como o deslocamento do externo para o interno. Esse equívoco empurra as ações coletivas da criança com outras pessoas para um plano de fundo e sugere que a participação do ator na sociedade ocorre somente após a internalização individual (MICHELE, 2021). Extensões de Piaget e Vygotsky. Recentes debates teóricos e pesquisas realizadas por seguidores de Piaget e teóricos socioculturais influenciados por Vygotsky ampliaram a teoria construtivista, concentrando-se mais na agência das crianças na infância e na importância da interação entre pares. Por exemplo, Tesson e Youniss (1995) argumentam que houve demasiada ênfase sobre os detalhes dos estágios na psicologia do desenvolvimento. Eles defendem que Piaget não deu muita importância aos estágios e que seu trabalho posterior investigou a inter-relação entre as qualidades sociais e lógicas do pensamento infantil. Ampliando o trabalho de Piaget sobre desenvolvimento moral, Tesson e Youniss alegam que as operações piagetianas permitem um conjunto de possibilidades de ação para que as crianças construam sentidos sobre o mundo. 110 Assim, Piaget atribuiu a agência às crianças e alegou que as relações das crianças com seus pares eram mais propícias ao desenvolvimento das operações cognitivas do que os relacionamentos autoritários com adultos. Nesse sentido, Piaget fez uma distinção entre os modos de comportamento práticos e os teóricos. “A prática ocorre no plano de ação direta, o teórico, no plano da consciência. Piaget propôs uma relação de desenvolvimento entre os dois. Primeiro, a criança trabalha a concepção de regras no decurso da interação real com pares e, em seguida, esboça na consciência uma representação simbólica desse conceito uma vez prático” (Youniss e Damon, 1994, p. 277). Como veremos mais adiante, a abordagem interpretativa à socializaçãona infância dá ênfase especial às atividades práticas da criança, em sua produção e participação na cultura de pares (MICHELE, 2021). Trabalhos recentes realizados por teóricos socioculturais desenvolvem a teoria de Vygotsky numa perspectiva semelhante, destacando também as atividades coletivas das crianças com seus pares e com outros. Rogoff, por exemplo, ampliando Vygotsky, argumenta que “o desenvolvimento humano é um processo de mudança na participação das pessoas em atividades socioculturais de suas comunidades” (2003, p. 32). Para compreender a natureza da participação de crianças em atividades socioculturais, Rogoff (1996) sugere que seja estudada em três diferentes planos de análise: a comunidade, o interpessoal e o individual. No entanto, Rogoff observa que esses processos não devem ser analisados separadamente, mas em conjunto, em atividades coletivas. Em consonância com essa visão do desenvolvimento humano, Rogoff introduz a noção de “apropriação participativa”, pela qual quer dizer que “qualquer evento no presente é uma extensão de eventos anteriores e dirige-se a metas que ainda não foram realizadas” (Rogoff, 1995, p. 155). Assim, experiências anteriores de atividades coletivamente produzidas e compartilhadas não são apenas armazenadas na memória individual e evocadas no presente; em vez disso, a participação anterior do indivíduo contribui e ativa o evento atual por tê-lo preparado (MICHELE, 2021). Novamente, nessa ampliação da abordagem construtivista, observamos nova ênfase nas ações coletivas no contexto social como essenciais para o desenvolvimento infantil e de todos os seres humanos. Para entender mais plenamente a importância da 111 ação coletiva e da construção pelas crianças de suas próprias culturas de pares, teremos agora uma discussão do conceito de reprodução interpretativa. 13 CONEXÃO ENTRE APRENDIZADO E GESTÃO DO CONHECIMENTO 13.1 A gestão do conhecimento e seus objetivos As pessoas têm tipos de conhecimento muito distintos e, por vezes, desiguais. Conhecimentos formais adquiridos já na sua escolarização inicial podem apresentar grandes diferenças em termos de quantidade de conteúdos assimilados bem como qualidade daquilo que de fato foi aprendido. Dessa maneira, os conhecimentos adquiridos se relacionarão diretamente aos locais, aos ambientes de aprendizagem que as pessoas vivenciaram. Também na sua formação profissional específica para ocupar um cargo ou trilhar uma carreira predeterminada, os níveis de conhecimento variarão muito, dependendo da área escolhida, da instituição de ensino, das suas metodologias e da motivação interna de cada um nessa busca. Logo, percebemos o quanto é necessário e ao mesmo tempo desafiador para as organizações o lidar, o gerir esses conhecimentos tão diversos, heterogêneos e desiguais (BES, 2021). Chiavenato (2009, p. 123) reforça nossas ideias ao comentar: Pela sua importância, o conhecimento está sendo considerado um ativo corporativo, e as empresas bem-sucedidas perceberam que é necessário geri-lo e cercá-lo do mesmo cuidado que dedicam a obtenção de valor baseado em outros ativos que são tangíveis. Quanto mais as empresas dominam o conhecimento, tanto maior a sua vantagem competitiva. Para conseguirem uma vantagem no universo competitivo que a maioria das organizações se encontra atuando, se faz necessário e essencial, então, gerir esses conhecimentos, organizando processos que visem ao compartilhamento de informações e de trocas mútuas de conhecimentos entre os seus membros (BES, 2021). Segundo Strauhs et al. (2012), o conceito de gestão do conhecimento começou a ser discutido no Brasil na década de 1990, visando a registrar, para futuras gerações das organizações, os conhecimentos que haviam sido gerados. Logo, porém, foi 112 percebido que deveria ser diferenciado o conhecimento da informação, que se encontra em grande quantidade. Logo, evoluiu-se para a ideia de que: Gerenciar o conhecimento organizacional aos poucos passou a ter uma conotação mais abrangente, envolvendo saber qual o conhecimento almejado, como é criado e convertido e como se prepara o ambiente organizacional para melhor usufruir dele (STRAUHS et al., 2012, p. 8). Pela citação da autora, percebemos que deve existir um empenho da organização no gerenciamento do ambiente organizacional, em que o conhecimento será então criado e convertido em ações práticas. Mas quais seriam, então, os objetivos da gestão do conhecimento? (BES, 2021). Os principais objetivos da gestão do conhecimento podem ser resumidos como se vê na Figura a seguir (BES, 2021). Fonte: Adaptada de Chiavenato (2009) e Strauhs et al. (2012). Com base no esquema anterior, percebe-se que promover a inovação e incentivar a criatividade é um dos objetivos que se almeja com o gerenciamento dos conhecimentos dos colaboradores. Isso pode ser feito por meio das interações e trocas propostas nos programas educacionais criados para tal (BES, 2021). Quando falamos em aprendizado, entendemos ser necessário criar práticas que façam com que haja a compreensão de questões específicas, como produtos, serviços, clientes e processos diversos. A aprendizagem organizacional deve ser encarada como um processo permanente e contínuo, no qual os colaboradores podem analisar como agiram, perceber o que poderia ser melhor realizado e, assim, evoluírem seus conhecimentos sobre as técnicas e ações utilizadas (BES, 2021). 113 O desenvolvimento de competências nos remete à compreensão de que as competências individuais e coletivas devem ser desenvolvidas para que se atinja o sucesso organizacional. Normalmente, as competências envolvem os conhecimentos, as habilidades e as atitudes (e suas inter-relações) ao atuar profissionalmente nas organizações. Por meio do acompanhamento diário das pessoas em seu ambiente de trabalho, pode se verificar onde existem tais lacunas a serem geridas (BES, 2021). O conhecimento gerado precisa ser mapeado para que possa ser compartilhado com todos. Isto exige empenho no seu registro para posterior análise e discussão. Aqui, envolve a memória organizacional que irá encarregar-se desses registros que darão suporte para decisões futuras e para a aprendizagem de novas competências a serem desenvolvidas (BES, 2021). O aumento do capital humano, por sua vez, refere-se ao fator do incremento individual de conhecimentos que faz com que o colaborador se torne mais valioso para a organização ao investir em si mesmo. Muitos colaboradores, ao serem desafiados em processos internos de gestão do conhecimento, acabam sendo motivados a ampliar sua formação profissional (BES, 2021). O aumento do capital intelectual da organização apresenta uma relação direta com a gestão do conhecimento dela, pois, com o investimento em ações que elevem o conhecimento e a aprendizagem dos seus colaboradores, as organizações incrementam as maneiras como trabalham e como desenvolvem seus negócios de forma geral. Dessa forma, novos produtos e novos processos podem ser materializados por meio dessas ações (BES, 2021). Como podemos perceber, os objetivos da gestão do conhecimento são muito interessantes, porém, as organizações devem ter o entendimento de como serão convertidos esses conhecimentos formais adquiridos em aprendizagem para todo os colaboradores (BES, 2021). 114 13.2 Convertendo conhecimento em aprendizagem Como já comentado, os conhecimentos são parte importante do que constitui as pessoas e as coloca em condições (ou não) de cumprir com as atribuições e tarefas de seus cargos no cotidiano das organizações. Como podem existir níveis diferentes de conhecimento entre os membros de uma organização, alguns podem possuir um know- how que seja mais apropriado ou, ainda, que possibilite maiores índices de sucesso em alguma atividade específica. Uma organização que apresente em sua culturaum olhar voltado para o gerenciamento desses conhecimentos deve articular projetos e programas que façam com que tais conhecimentos possam ser compartilhados pelos demais, passando a transformá-los, então, em aprendizagem coletiva. Afinal de contas, o conhecimento é um dos mais importantes recursos da empresa, e seu objetivo é melhorar a eficiência. Serve para alavancar processos de aprendizagem, como o aprendizado oriundo do sucesso ou das falhas (individuais ou em equipes), que advêm da interação entre pessoas, equipes multidisciplinares ou distantes geograficamente, e o aprendizado que vem de fora (dos parceiros, fornecedores, clientes e até mesmo dos concorrentes) (STRAUHS et al., 2012, p. 64). Percebemos pela citação da autora como a aprendizagem dos conhecimentos que se faz necessária no interior da organização tem relação direta com a cultura organizacional, pois alguns desses conhecimentos serão gerados pelas experiências bem-sucedidas e que acabam constituindo condutas práticas a serem seguidas pelos demais. Logo, esse caráter da conversão do conhecimento individual, ou mesmo coletivo em algo que possa ser aprendido pelos demais colaboradores, é o cerne da gestão do conhecimento e se alia ao conceito das empresas que aprendem e estimulam continuamente sua aprendizagem organizacional (BES, 2021). Para que se possa cumprir com essas ações que visam a promover a aprendizagem, o primeiro passo é mapear os conhecimentos que existem na organização e que merecem ser apreendidos por todos. Esses conhecimentos constituirão um repositório de informações que poderão ser ensinadas e irão compor um mapa que norteará as ações educacionais. Os autores Davenport e Prusak (1998) alertam que o mapa do conhecimento é um retrato daquilo que existe dentro da empresa e sua 115 localização, ou seja, quais são os conhecimentos essenciais para a organização e onde se localizam, onde são gerados. A Figura abaixo apresenta um esquema das principais funções da gestão do conhecimento (BES, 2021). Fonte: : Adaptada de Strauhs et al. (2012). É justamente na organização dos conhecimentos a serem ensinados a todos que se encaixam os mapas que comentamos anteriormente. Já as atividades de aprendizagem, que converterão os conhecimentos a todos, encontram-se na fase de disseminação destes. Para que a aprendizagem seja efetivada e alcance a todos das organizações, é necessário que sejam criados canais de compartilhamento abertos, em que todos possam ter acesso ao que foi aprendido e experiência nos mais diversos setores organizacionais, pois “ter espaços abertos para troca de experiências gera novos conhecimentos que, quando divulgados por toda a empresa, fazem surgir outros novos conhecimentos, potencializando o aprendizado organizacional” (STRAUHS et al., 2012, p. 70). Concluímos então que, ao incorporar em sua cultura organizacional os aspectos inerentes à gestão do conhecimento de seus colaboradores, as organizações precisarão, obrigatoriamente, mapear, localizar e organizar os conhecimentos importantes, relevantes e significativos que fazem parte essencial de seus afazeres. A partir daí, além do estabelecimento de programas e projetos pedagógicos para que se estimule a 116 aprendizagem de conhecimentos, precisam ser promovidos espaços de troca permanentes, nos quais as interações entre os membros a partir dessas novas aprendizagens possam se constituir em novos conhecimentos a serem utilizados. Esse processo deve funcionar de maneira cíclica e contínua para garantir a eficácia da gestão do conhecimento (BES, 2021). 13.3 Práticas e ferramentas de apoio para a gestão do conhecimento A gestão do conhecimento trata de “criação, identificação, integração, recuperação, compartilhamento e utilização do conhecimento dentro da empresa” (CHIAVENATO, 2009, p. 123). Logo, não é tarefa simples e exige que se adotem algumas práticas e ferramentas para esse gerenciamento. O primeiro item que se faz necessário citar nesse sentido é um bom sistema de informações, proporcionado pela área de tecnologia da informação (TI). Lembramos que a informação precisa ser necessariamente capturada e organizada para que então possa apresentar sentidos e signifique algo útil para ser utilizado na organização (conhecimento). Na área da gestão do conhecimento, existem alguns modelos que apresentam técnicas e servem como norteadores para que as empresas possam desenvolver seus passos nessa busca pela implementação do gerenciamento. Vamos conhecer dois deles e perceber quais os aspectos relevantes destacados pelos seus criadores: um deles foi desenvolvido por Nonaka e Takeuchi (1997) e o outro, por Davenport e Prusak (1998). 13.3.1 Modelo de Nonaka e Takeuchi Nonaka e Takeuchi (1997), especialistas renomados na área da gestão do conhecimento, costumam entendê-la como o resultado da conversão dos conhecimentos tácitos em explícitos, e vice-versa, no interior da organização (BES, 2021). O conhecimento tácito, neste caso, refere-se àquele que acumulamos a partir de nossas aprendizagens ao longo da vida, por meio de nossas vivências, experiências e 117 acúmulos educacionais formais, não formais e informais. Já o conhecimento explícito é a utilização do tácito na prática para dar conta do que se requer para que se concretize alguma ação no ambiente de trabalho, onde existe uma identificação do que será necessário em termos de competências para a realização de alguma tarefa ou serviço. O conhecimento explícito necessário normalmente pode vir, inclusive, determinado por meio de normas ou procedimentos operacionais específicos. O modelo dos autores pode ser compreendido a partir do ciclo a seguir (Figura abaixo). Fonte: Adaptada de Nonaka e Takeuchi (1997). O esquema apresentado pelos autores utiliza uma analogia com a espiral do conhecimento, reforçando como ele precisa ser contínuo e constantemente revisto e repensado a partir de suas práticas. O processo diz respeito a etapas que envolvem tanto o individual quanto o coletivo (BES, 2021). A socialização é o momento em que os conhecimentos tácitos podem ser compartilhados entre os membros da organização, sendo visto como uma relação entre esse tipo de conhecimento (BES, 2021). Já na externalização, os conhecimentos tácitos dos membros serão aprimorados a partir de propostas de analogias, modelos e comparações pelos seus membros, visando construir conhecimentos explícitos necessários e aplicáveis. 118 A combinação refere-se à troca de conhecimentos explícitos pelos seus membros, ou seja, são apontadas soluções possíveis e estruturadas para serem utilizadas nos processos analisados (BES, 2021). A internalização é quando os novos conhecimentos explícitos desenvolvidos por meio desse ciclo são de fato apreendidos pelos indivíduos, fazendo parte de seus modelos mentais e pautando suas ações futuras (BES, 2021). Como podemos ver por meio desse modelo dos autores, a interação é indispensável para que ocorram as trocas de conhecimento que se fazem necessárias. 13.3.2 Modelo de Davenport e Prusak Os autores Davenport e Prusak (1998) alertam para a perigosa tendência de se reduzirem os processos de gestão do conhecimento somente aos sistemas de informações utilizados nas organizações (BES, 2021). Temos de perceber que “os conhecimentos são encontrados na mente das pessoas, em documentos, repositórios eletrônicos e físicos, nas rotinas, nas práticas e em normas e processos” (NONAKA; TAKEUCHI, 1998 apud STRAUHS et al., 2012, p. 57). Davenport e Prusak (1998) desenvolveram algumas classificações importantes para a área da gestão do conhecimento, como: Mercado do conhecimento – é uma analogia com o mercado econômico, analisando onde existe oferta e demanda de conhecimentos no interior das organizações. Geração do conhecimento – refere-se à partilhade informações que é realizada por meio das múltiplas interações realizadas nos mais diversos ambientes organizacionais e que serão convertidas em conhecimentos a serem incorporados a partir daí. 119 Codificação do conhecimento – é o esforço em organizar, catalogar e construir mapas dos conhecimentos existentes e mantê-los disponíveis para serem acessados quando necessários para o cumprimento de alguma atividade específica. Compartilhamento do conhecimento – para que o conhecimento seja compartilhado, é necessário que se adote uma postura aberta e flexível que estimule os membros da organização a conversarem e interagirem trocando suas ideias. Como podemos perceber nos dois modelos analisados, exige-se da organização que esta tenha em sua cultura organizacional traços que evidenciem a importância a ser dada nos processos educacionais ou de aprendizagem. Uma vez que a organização determine, com seus princípios e valores institucionais, um apreço pelo aprender a ser desenvolvido de forma contínua e permanente, com certeza estará caminhando na construção de uma boa gestão do conhecimento, que poderá levá-la a resultados muito satisfatórios (BES, 2021). 120 14 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BIBLIOGRAFIA BÁSICA ADORNO E HORKHEIMER. A massa In: Temas básicos da sociologia. São Paulo, Cultrix, 1973. APPLE, M. O currículo oculto e a natureza do conflito. In: Ideologia e currículo. São Paulo: Brasiliense, 1982. AZANHA, J. M. P. Uma reflexão sobre a Didática. In: Educação: alguns escritos. São Paulo: Nacional, 1987. BATISTA NETO, J.; SANTIAGO, E. Formação de professores e prática pedagógica. Recife: Massangana, 2007. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares Nacionais: introdução aos Parâmetros nacionais, Brasília, MEC/SEF, 1997. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. 3. ed. 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