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LIXO ELETRÔNICO E LOGÍSTICA REVERSA: UM ESTUDO DE CASO EM UMA ASSOCIAÇÃO DE CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS Afonso Cesar Guedes (UNIFEI) afonso@itacabo.com.br raquel Lopes de Oliveira (UNIFEI) quelsj2004@yahoo.com.br Renato da Silva Lima (UNIFEI) rslima@unifei.edu.br O processo de coleta e destinação final dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) é uma dos desafios a ser enfrentado pela sociedade moderna quando se fala em Gestão Ambiental. Grande destaque vem sendo dado nos últimos anos à parcela dos RSU compposta pelo chamado lixo eletrônico, constituído por eletrodomésticos e eletroeletrônicos de uso doméstico, industrial, comercial que estejam em desuso e sujeitos à disposição final, aspectos abordados no contexto da Logística Reversa (LR). Assim, o objetivo do trabalho é analisar o processo de coleta, beneficiamento e comercialização do lixo eletrônico descartado pela população via Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), por meio de um estudo de caso em uma associação de catadores de materiais recicláveis, localizada na cidade de Itajubá/MG. A análise dos dados coletados possibilitou identificar, entre outros resultados, que os materiais tóxicos presentes no lixo eletrônico trazem riscos à saúde dos catadores e ao meio ambiente, devido a forma como estão sendo conduzidos os trabalhos dentro da associação. De modo mais amplo, ficou evidente que os atores municipais responsáveis pela da gestão deveriam buscar e privilegiar uma atuação conjunta, coordenada com as empresas privadas, buscando a minimização dos impactos ambientais e o desenvolvimento sustentável na esfera urbana. Palavras-chaves: Lixo eletrônico; Logística Reversa; Recicláveis; Catadores XXX ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUÇÃO Maturidade e desafios da Engenharia de Produção: competitividade das empresas, condições de trabalho, meio ambiente. São Carlos, SP, Brasil, 12 a15 de outubro de 2010. 2 1. Introdução Os constantes avanços tecnológicos proporcionam uma série de facilidades e comodidade à população. Com o decorrer dos anos, muitos instrumentos tecnológicos foram aprimorados, diversificados e adaptados para diversos tipos de aplicações e nos mais variados segmentos. Diante de tantas novidades que explodem na mídia e até mesmo pelo barateamento da tecnologia, as pessoas são levadas a adquirir sempre novos aparelhos com funções mais sofisticadas e abrangentes, sejam celulares, televisões, computadores, entre outros, trocando um determinado produto, considerado obsoleto, por outro moderno. Contudo, esses avanços tecnológicos e as constantes substituições dos bens eletroeletrônicos ocasionam um descarte de grandes proporções desses produtos resultando no acúmulo do chamado lixo eletrônico no meio ambiente. O lixo eletrônico quando descartado gera problemas ambientais sérios, não só pelo volume de entulhos, mas também pelo fato de que esses produtos contêm materiais que demoram tempo para se decomporem, como plástico, metal e vidro, e, principalmente, pela existência de metais pesados em sua composição que são prejudiciais à saúde humana. Desta forma, os procedimentos de coleta e destinação final desses materiais é um dos desafios a ser enfrentado pela sociedade moderna. Felizmente, nos últimos anos, nota-se uma tendência mundial em reaproveitar cada vez mais os produtos descartados para fabricação de novos objetos, por meio de processos como a reciclagem, o que representa economia de matéria prima e de energia fornecidas pela natureza (RODRIGUES & GRAVINATTO, 2003). Dentro dessa cadeia da reciclagem, tem-se uma crescente participação de pessoas no processo de catação desses materiais, pois à medida que os problemas sociais vão avolumando-se, a citar o desemprego, a comercialização desses materiais recicláveis tornou-se uma alternativa de renda para famílias inteiras que necessitam gerar ganhos para seu sustento. Nos últimos anos, a crescente busca por ações ambientalmente e socialmente corretas, culminou, por parte tanto de organizações não-governamental como do poder público, no aumento em incentivos ao agrupamento desses trabalhadores (catadores) em associações ou cooperativas. Na literatura acadêmica, tais associações de catadores de materiais recicláveis ao exercerem a função de recolher seletivamente os Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), investir em reciclagem, reuso/ reutilização e também atender à necessidade de deslocar resíduos entre pontos de distribuição e destino final, estão realizando o processo de Logística Reversa (LR). Desta forma, o presente trabalho tem por objetivo analisar o processo de coleta, beneficiamento e comercialização do lixo eletrônico descartado pela população nos RSU, por meio de um estudo de caso em uma associação de catadores de materiais recicláveis, localizada na cidade de Itajubá/MG. Os estudos relacionados a esse tema, em geral já se justificam pelo grande apelo ambiental e social, cruciais no mundo atual. Adicionalmente, conforme afirma Leite et al. (2009), a bibliografia acadêmica disponível sobre o referido tema ainda é escassa. O trabalho está estruturado da seguinte forma: após esta breve introdução apresenta-se nas seções 2, 3 e 4 o referencial teórico do trabalho (Resíduos Sólidos Urbanos, Lixo Eletrônico, Logística Reversa). Na seção 5 é apresentado o estudo de caso. A seção 6 traz as considerações finais do trabalho, seguidas da lista com as referências bibliográficas. 2. Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) Dias (2006) afirma que existe uma clara tendência de que a legislação ambiental evolua para 3 tornar as empresas cada vez mais responsáveis pelo descarte de seus produtos após o fim de sua utilidade ao cliente. Desta forma, por trás do conceito de LR está o ciclo de vida do produto, que, do ponto de vista logístico, não termina com sua entrega ao cliente. Beiriz (2005) também deixa clara a tendência da legislação brasileira, que apesar de ainda não contemplar um dispositivo para o controle apropriado dos descartes de resíduos sólidos, é projetado para o futuro, conseguir promover ações que darão precedência às soluções de recuperação de energia e/ou de materiais sobre as atuais formas arbitrárias de disposição final. Haja vista um problema já enfrentado por diversas cidades que diz respeito à exaustão de aterros para os depósitos dos resíduos gerados pela população. Atualmente só há normas para um componente de computador que contem metais pesados: a bateria com níquel e cádmio. Pelas resoluções 257/99 e 401/08, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), indústrias e pontos de comércio são obrigados a receber baterias e pilhas usadas e fazer a triagem para reciclagem ou aterros, mas o consumidor não tem a obrigação de encaminhá-las aos pontos de coleta. Recentemente, o Plenário da Câmara Federal aprovou o substitutivo Projeto de Lei 203/91 que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e impõe obrigações aos empresários, aos governos e aos cidadãos no gerenciamento dos RSU. Segundo o PNRS ao analisar o ciclo de vida do produto deve-se levar em conta as etapas que envolvem a produção, desde sua confecção, a matéria-prima utilizada, até seu consumo e disposição final. De acordo com o Art. 33, inciso VI, do referido documento estarão obrigados a estruturar e implementar sistemas de LR, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos eletroeletrônicos e seus componentes (BRASIL, 2010a). De acordo com Grimberg (2007), um sistema de recuperação de resíduos recicláveis que pre- tenda avançar na direção da sustentabilidade socioambiental pressupõe a combinação de pelo menos dois fatores: a responsabilidade dos geradores pela produção de seus resíduose a integração dos catadores na forma de autogestão. Para isso, é importante que o Estado, no papel das prefeituras, assuma a coordenação desse processo para que o interesse público, no sentido amplo do termo, seja garantido. Deve-se tomar o cuidado para que os catadores não fiquem de fora do processo de reciclagem, principalmente com a aprovação do projeto Lei PNRS. 3. Lixo Eletrônico O lixo eletrônico, muitas vezes também denominado de resíduos eletrônicos, lixo tecnológico, lixo digital ou e-waste, são constituídos por aparelhos eletrodomésticos e por equipamentos e componentes eletroeletrônicos de uso doméstico, industrial, comercial ou no setor de serviços que estejam em desuso e sujeitos à disposição final, tais como: I - componentes e periféricos de computadores; II - monitores e televisores; III - acumuladores de energia (baterias e pilhas); IV - produtos magnetizados (BRASIL, 2010b). No lixo eletrônico encontrados elementos como chumbo, mercúrio, cádmio, arsênio e berílio, os quais podem causar danos ao sistema nervoso, cerebral, sangüíneo, fígado, ossos, rins, pulmões, doenças de pele, câncer de pulmão, desordens hormonais e reprodutivas e ainda problemas respiratórios (MOREIRA, 2007). A maioria desses elementos é desperdiçada em coletas insuficientes, reciclagens inapropriadas e também com a exportação ilegal do lixo. Nesse processo, grandes emissões de substâncias http://www.observatorioeco.com.br/wp-content/uploads/up/2010/03/pl-203-de-91-aprovado-em-2010-resaduos-salidos.pdf 4 perigosas são liberadas. Isso pode afetar a sociedade diretamente, pois o descarte inadequado pode contaminar o solo, os esgotos e o lençol freático, o que acaba contaminando a água potável, a água de irrigação de plantações e os alimentos cultivados nesse solo. As estimativas da ONU é que são despejadas 40 milhões de toneladas de lixo eletrônico por ano em todo o mundo. Sem o tratamento adequado, essa enorme quantidade de sucata tóxica pode causar inúmeros danos ao meio ambiente. Aos poucos, a maior parte dos fabricantes tem adotado medidas para que os consumidores possam fazer o descarte correto desses produtos (MORAES, 2009). No Chile, de acordo com Estrada (2005), o problema do lixo eletrônico é preocupante, pois grandes quantidades de equipamentos obsoletos se acumulam no país, mas poucos parecem se dar conta dos problemas ambientais que acarretam. Segundo a autora, um telefone celular tem vida útil média de 18 meses, um computador é considerado ultrapassado dentro de três anos e apenas 11% do lixo eletrônico produzido no mundo é reciclado. Rosa (2007) cita um estudo coordenado pelo professor Ruediger Kuehr (Universidade das Nações Unidas), onde se descobriu que 1,8 tonelada de materiais dos mais diversos tipos são utilizados para se construir um único computador. O cálculo foi feito tomando-se como base um computador de mesa com um monitor CRT de 17 polegadas. Somente em combustíveis fósseis, o processo de fabricação de um computador consome mais de 10 vezes o seu próprio peso. São, por exemplo, 240 quilos de combustíveis fósseis, 22 quilos de produtos químicos e, talvez o dado mais impressionante, 1.500 quilos de água. O problema é que a fabricação dos processadores consome uma quantidade muito grande de água. Cada etapa da produção de um circuito integrado, da pastilha de silício até o microprocessador propriamente dito, exige lavagens seguidas em água extremamente pura, que posteriormente não sai pura do processo. O estudo mostra que a fabricação de um computador é muito mais difícil em termos de peso do que a fabricação de eletrodomésticos da linha branca, como refrigeradores e fogões, e até mesmo do que a fabricação de automóveis. Esses produtos exigem apenas de 1 a 2 vezes o seu próprio peso em combustíveis fósseis. Outras estatísticas afirmam que o Brasil produz meio kg de lixo eletrônico per capita; são gerados no país 96,8 mil toneladas de lixo oriundos de PCs e monitores; 17,2 mil toneladas de sucatas de impressoras; 2.200,0 toneladas de descarte de celulares; 115,1 mil toneladas de refrigeradores e 137,0 mil toneladas de televisores (DEMETRIO & ROMANI, 2010). Tais dados evidenciam o quanto é importante e necessário à redução e reaproveitamento desses produtos quando forem destinados ao descarte, tanto para o meio ambiente, já que o lixo eletrônico quando não descartado de maneira correta pode contaminar o meio ambiente, quanto em temos econômicos, proporcionando revalorização de matéria prima e gerando emprego e renda para as pessoas envolvidas nessa cadeia. A União Européia possui legislação específica que trata do assunto em questão: Diretiva RoHS (Restriction of Certain Hazardous Substances ou Restrição de Certas Substâncias Perigosas) que proíbe que substâncias específicas consideradas nocivas ao meio ambiente e ao homem sejam usadas no processo de fabricação de produtos, e WEEE (Waste from Eletrical and Eletronic Equipament ou Resíduos de Equipamentos Eletro-eletrônicos) que restringe o uso de substâncias tóxicas na fabricação de equipamentos eletroeletrônicos e impões obrigações em relação a reciclagem. Em 2003, a Coréia do Sul iniciou leis tornando obrigatório para os fabricantes de eletroeletrônicos a assumir a responsabilidade de reciclar seus produtos após sua vida útil. Os fabricantes são obrigados a pagar uma multa quando não conseguem cumprir as suas quotas de reciclagem (KIM et al., 2009). 5 Como se vê, em vários países, legislações ecológicas estão entrando em vigor, englobando diferentes aspectos do ciclo de vida útil de um produto, partindo da sua fabricação e o uso adequado da matéria-prima, até sua disposição final. Estas legislações impõem o uso de selos verdes para identificar produtos ambientalmente corretos, que podem identificar quais produtos que após o consumo podem ou não ser descartados nos aterros sanitários e quais os produtos que devam sofrer restrições (LEITE, 2003). 4. Logística Reversa Tan & Kumar (2006) afirmam que a crescente preocupação com o ambiente, juntamente com o rápido aumento da introdução e da utilização de novas tecnologias no mercado, levou a um aumento interesse e foco em logística reversa. As pressões de diversas ONGs e grupos de defesa do consumidor estão mudando a visão de empresas e consumidores em relação ao lixo eletrônico e diversas ações estão sendo tomadas. Para minorar o problema, diversas organizações já adotaram a postura proativa em relação aos problemas ambientais, ou seja, se anteciparam as regulamentações e recebem, por exemplo, doações de computadores e providenciam o descarte ou reciclagem de seus produtos após o descarte pelos consumidores. Neste cenário pode-se constatar a relevância que a logística reversa assume, entendida como o processo de planejamento, implementação e controle da eficiência, do custo efetivo do fluxo de matérias-primas, estoques em processo, produtos acabados e informações relacionadas do ponto de consumo ao ponto de origem com objetivo de reagregar valor ou efetuar o descarte adequadamente (ROGERS & TIBBEN-LEMBKE, 1999). No Art. 3º, inciso XII, do substitutivo Projeto de Lei 203/91 a LR é entendida como o instrumento de desenvolvimento econômico e social, caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada (BRASIL, 2010a). Leis e normas surgem constantemente para regular o descarte de materiais nocivos ao meio ambiente, como no estado de São Paulo, foi sancionada em julho de 2009 uma lei sobre o descarte (Lei 13.576/09) instituindo normas e procedimentos para a reciclagem, gerenciamento e destinação final de lixo tecnológico, mas não estão previstas multaspara quem não cumpriu as medidas. A lei obriga quem produz ou importa produtos eletroeletrônicos, como computadores e televisores, a reciclar ou reutilizar, ao menos parcialmente, o material descartado. O material que não pode ser reutilizado, a empresa fica responsável por neutralizá-lo. De Brito e Dekker (2002), vêem a logística reversa como uma forma de obtenção de lucro direta e indiretamente. Efetivas estratégias e programas de LR podem resultar no aumento das receitas, custos mais baixos, maiores rentabilidade para as organizações e aumentar os níveis de serviço ao cliente (STOCK et al., 2006). Já um professor de operações logisticas da Universidade de São Paulo, afirma que a LR passou a constar na pauta da gestão empresarial no fim da década de 80. Mas por enquanto salvo raras exceções, é uma operação que ainda dá prejuízo ou no maximo se paga. O processo costuma ser até 30% mais caro que o lucro gerado pelo aproveitamento de materiais e pela venda de matéria prima a outras indústrias. (NEIVA, 2009). No entanto, a preocupação das indústrias deve estar voltada para responsabilidade ambiental, que afeta sua imagem corporativa perante seus clientes e sociedade, e é decisivo para os índices de poluição e degradaçao ambiental causada por seus produtos. 6 Com o objetivo analisar a implantação da LR referente ao lixo tecnológico na gestão ambiental das empresas, Vieira et al. (2009), realizaram um estudo de caso em uma indústria que atua com resinas termoplásticas e confirmaram a hipótese de que as empresas possuem instrumentos e procedimentos para implantar a LR do lixo tecnológico nos seus processos de gestão ambiental. Porém, essa implantação requer projetos específicos com alto custo e que, por isso, a LR do lixo tecnológico ainda é incipiente nas empresas. A Umicore (Empresa Internacional de Tecnologia de Materiais), em parceria com empresas que produzem baterias, constatou que “a cada bateria recarregável reciclada poupa-se a emissão de 70% de CO 2 na atmosfera e gera economia de 70% no consumo de energia nos processos [...] A reciclagem acontece sem produzir impactos ao solo, ao ar e à água, aproveitando todos os componentes” (BECHIOLLI, 2005, p. 5). Dentro da cadeia da LR um dos atores envolvidos são os catadores, que agrupados em associações realizam o trabalho de coletar, triar, beneficar e comcercializar os materiais advindos dos RSU, as associações de catadores de materiais recicláveis. Segundo Lima e Oliveira (2008), as dificuldades técnicas que as mesmas enfrentam (montante de faturamento, dificuldades para investimentos, melhoria contínua e crescimento do negócio) não são resultados somente das características organizacionais e pessoais de seus membros: fazem parte das características inerentes ao processo produtivo da catação e ao setor de reciclagem como um todo, que necessita a prori ser compreendido para posteriormente se buscar as alternativas de melhorias. Os autores afirmam que inicialmente deve-se procurar compreender a racionalidade do processo produtivo de catação, e qual o tipo de processo de trabalho adotado, evidenciando as dificuldades para obter ganhos de produtividade e que permitiriam aumentar a criação de valor. Nesta pesquisa o objetivo é analisar como se encontra estruturado o processo de coleta e comercialização do lixo eletrônico em uma associação de catadores, localizada na cidade de Itajubá/MG, que realizam uma das primeiras etapas do processo de LR de tais materiais que são descartados pela população. 5. Estudo de caso 5.1 Procedimentos metodológicos Esta pesquisa foi desenvolvida na Associação de Catadores Itajubenses de Materiais Recicláveis (ACIMAR), localizada na cidade de Itajubá/MG, que realizam a coleta seletiva de materiais recicláveis. O lixo eletrônico está presente dentre os materiais coletados e comercializados pela associação. O método utilizado é o estudo de caso único e descritivo, que segundo Yin (2005) é um método de pesquisa de natureza empírica que investiga um fenômeno, geralmente contemporâneo, dentro de um contexto real, quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto em que ele se insere não são claramente definidas. Quanto aos seus objetivos, a pesquisa pode ser classificada em pesquisa exploratória, pois visa proporcionar ao pesquisador uma maior familiaridade com o problema em estudo. Este esforço tem como meta tornar um problema complexo mais explícito ou mesmo construir hipóteses mais adequadas. Para Malhotra (2001), o objetivo principal é possibilitar a compreensão do problema enfrentado pelo pesquisador. A pesquisa exploratória é usada em casos nos quais é necessário definir o problema com maior precisão e identificar cursos relevantes de ação ou obter dados adicionais antes que se possa desenvolver uma abordagem. Como o nome sugere, a pesquisa exploratória procura explorar um problema ou uma situação para prover critérios e compreensão. Segundo Boone & Kurtz (1998) ela simplesmente é 7 utilizada para descobrir a causa de um problema. 5.2 Coleta de dados Os dados primários foram obtidos através de pesquisa documental, efetuada nos arquivos e documentos existentes na Incubadora tecnológica de Cooperativas Populares (INTECOOP) da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI), pois a associação encontra-se incubada na mesma. Posteriormente foram realizadas pesquisas nos arquivos existentes na própria ACIMAR, além de entrevistas com os catadores e com um funcionário da associação observações diretas no galpão onde se localiza a ACIMAR. Foram realizadas perguntas referentes às políticas e sistemas de limpeza pública municipal, condições de trabalho, sistema de coleta, obstáculos e dificuldades para aumentar a produtividade, campanhas educativas, tipo e quantidade de material coleta, triagem, comercialização dos materiais oriundos do lixo eletrônico, clientes e destino dos materiais. 5.3 Caracterização da associação A ACIMAR localiza-se no sul de Minas Gerais (MG), na cidade de Itajubá. Foi fundada em 2007, e possui atualmente 20 catadores associados. Desde sua fundação recebe assessoria da INTECOOP/UNIFEI e também é apoiada e auxiliada pela Prefeitura. Esta última fornece equipamentos para o desenvolvimento das atividades de coleta seletiva, tais como, o depósito (galpão), equipamentos (prensa, empilhadeira, telefone etc.), um funcionário técnico- administrativo, um caminhão (carroceria de madeira, adaptado com gaiola, com capacidade de 12.000 quilos), um motorista e um ajudante. A Limpeza Pública (LP) da cidade é de responsabilidade de uma empresa terceirizada, dessa forma, tanto o caminhão, o motorista e seu ajudante são contratados dessa empresa. Os associados são divididos em dois grupos de trabalho: os que ficam dentro do galpão para realizar as atividades pertinentes (triagem, pesagem, venda etc.) e os que fazem a coleta nos bairros. Algumas empresas colaboram com a coleta seletiva e com as atividades da ACIMAR, separando o lixo reciclável para posterior coleta pelos catadores associados. De acordo com os dados do ano de 2009, em média a ACIMAR coletou mensalmente 27.237 quilos de materiais recicláveis. No entanto, não há dados específicos sobre a quantidade coletada de lixo eletrônico. A cidade de Itajubá, incluído os resíduos domiciliares e industriais (sem a porção reciclável já citada) produz em média 1.516.000 quilos por mês de RSU. As rotas de coleta realizadas pelo caminhão são diferentes de acordo com os dias da semana, se repetindo na segunda, quarta e sexta-feira (Roteiro A), terça e quinta-feira (Roteiro B). Em todos os dias, no período noturno, a ACIMAR realiza a coleta no centro comercial da cidade (Roteiro C). A coleta diária nos bairros acontece da seguinte forma: o caminhão realiza duas viagens. Na primeira viagem ele parte do galpão, transportando os bag’s (sacos utilizados nacoleta) e os catadores, e segue até os pontos pré-determinados. Nestes pontos os catadores descem seguem a pé portando seu bag para a realização da coleta dos materiais recicláveis. Após deixar todos os catadores nos pontos o caminhão vai ao aterro da cidade, onde fará a pesagem do caminhão descarregado (requisito da empresa terceirizada que presta o serviço de LP, pois a mesma recebe por quilo de matérias coletados) e seguirá novamente para o galpão onde ficará em média 1:30h aguardando o horário para a segunda viagem em que buscará os catadores e os materiais coletados. Na segunda viagem o caminhão sai do galpão e passa pelos pontos já estabelecidos, efetuando a coleta e o transporte dos catadores e dos materiais. Então, após passar em todos os pontos segue novamente para o aterro onde é pesado carregado e calcula- 8 se a quantidade, em quilos, da coleta realizada. Posteriormente o caminhão retorna ao galpão onde acontece a descarga dos recicláveis e as subseqüentes atividades operacionais presentes no processo. A única exceção na forma de realizar a coleta acontece no período da noite (Roteiro C), no centro comercial da cidade, em que o caminhão não retorna ao galpão no meio do processo, realizando uma única viagem. No entanto, em todos os roteiros descritos não há separação interna da parte reciclável coletada, ou seja, o lixo eletrônico contido nos RSU é coletado conjuntamente com outros materiais recicláveis. 5.4 Descrição e análise dos resultados A associação não mantém contato direto com os possíveis compradores dos materiais oriundos do lixo eletrônico, pois o telefone cedido a ela pela prefeitura é programado somente para receber chamadas, dificultando em muito a oferta dos produtos por ela coletados. Também não possui computadores ligados a internet para realizar consultas a bolsa de cotações disponíveis do mercado de recicláveis. Mediante essas dificuldades a associação comercializa os seus materiais localmente, por meio de intermediários, ou seja, não vende direto para a indústria recicladora ou para empresas que necessitem de tais materiais como matéria-prima. Em parte, isso é devido à associação não atingir o volume exigido para realizar a venda diretamente. As vendas são realizadas mensalmente e o valor total da venda é calculado de acordo com o peso, em quilos dos materiais. Na coleta domiciliar, realizada nos bairros, a ACIMAR coleta alguns produtos de menor porte considerado lixo eletrônico presente nos RSU, como rádios e ventiladores. Pilhas e baterias que são entregues na associação diretamente, são armazenados por um tempo na associação e depois são entregues na agência dos correios, pois a associação neste caso cumpre somente as funções de coleta e armazenagem, pois não existe comércio para tais produtos. A população culturalmente não esta acostumada a entregar estes itens nos postos de coleta e não são vinculadas campanhas educativas nos meios de comunicação da cidade. As lâmpadas entregues na associação são armazenadas e posteriormente destinadas ao aterro sanitário, já que a ACIMAR não possui o equipamento necessário para a moagem do vidro para posterior comercialização. Desta forma a associação atua, uma vez mais, somente como um deposito. Não há contado de fabricantes de equipamentos eletrônicos com a associação para compra do seu próprio lixo eletrônico. Assim, a própria associação faz a desmontagem dos equipamentos e a triagem dos materiais que coletam, tendo dificuldades para encontrar destino para os tubos de imagem de monitores de computadores e televisores e outros tipos de vidros. Não é realizada pela associação nenhuma campanha publicitária para coleta de lixo eletrônico, somente por contato direto com a população. A prefeitura disponibiliza o serviço de coleta programada chamado CATA TRECO, serviço disponível na página da prefeitura na internet, onde a população entra em contato com a prefeitura e faz o agendamento para que a associação faça a coleta dos produtos de maior porte. Este serviço é realizado somente aos sábados. Através do CATA TRECO são recolhidos um grande número de fogões, televisores, geladeiras, computadores, celulares e outros tipos de equipamentos. Neste material coletado a associação faz a desmontagem e comercializa alguns itens procurados pela comunidade para reuso. Dentro do lixo eletrônico, os itens de maior interesse para a associação são os metais nobres e as placas de circuito impresso encontradas nos computadores, pois os valores alcançados com 9 a venda desses itens são compensadores para a associação. A carência de ferramentas e equipamentos específicos para se proceder a desmontagem e o reaproveitamento de alguns itens faz com que sejam liberados alguns gases e líquidos tóxicos, assim também como a queima a céu aberto de chicotes e cabos para obtenção do cobre e outros metais, o que acaba por contribuir para a poluição ambiental. A Figura 1 mostra como acontece o processamento logístico do lixo eletrônico na ACIMAR. A associação recebe o lixo eletrônico de doações das pessoas que se encaminham até o seu galpão e realizam a entrega, ou através do serviço disponibilizado pela prefeitura (Cata Treco), ou através da coleta seletiva domiciliar. Todo material é reunido e colocado dentro do galpão. Na triagem, o material é colocado no chão, pois a associação não dispõe de esteiras e bancadas para que os catadores procedam a separação. Não é utilizado nenhum tipo de equipamento de proteção individual pelos catadores, faltam ferramentas adequadas para a desmontagem de equipamentos, as ferramentas disponíveis na associação são inadequadas, quebradas, e que muitas vezes foram recolhidas da própria coleta seletiva. São separados nesta etapa os itens que poderão ser reutilizados, itens esses que são procurados por oficinas e também pela população. O desmanche é feito de maneira rudimentar, separando os metais não ferrosos, plásticos, placas de circuito impresso, cabos elétricos, aparas metálicas. Os catadores ficam expostos a vários riscos durante o processo. Para extrair o cobre dos cabos e chicotes elétricos fazem a queima a céu aberto dentro do aterro controlado para que os resíduos da queima já tomem a destinação final. Figura 1 - Processo logístico do lixo eletrônico Não há parcerias com empresas para se obter melhorias para a associação, como doação de equipamentos e recursos, refletindo a fraca integração da associação com a comunidade. A venda dos seus produtos é feita a intermediários locais, pois a associação não dispõe de meios Entrega direta na ACIMAR Cata Treco Coleta seletiva domiciliar ACIMAR - Lixo Eletrônico Triagem Desmanche Venda de subprodutos Reuso Descarte final 10 que possam facilitar a oferta de seus produtos a outros mercados consumidores. A falta de informação de outros mercados, a dificuldade com o frete, a falta de meio de transporte para colocar o produto diretamente para o reciclador faz com que algumas oportunidades sejam perdidas. Não há dúvidas de que todo material processado pela associação tem mercado, faltando somente meios para processar com mais rapidez o volume de material coletado. Os itens não comercializados pela associação ficam amontoados na parte externa do galpão aguardando o descarte final no aterro controlado. Dentre os itens estão lâmpadas, tubos de imagem de televisores e computadores e também o isopor que é coletado de uma empresa fabricante de equipamentos eletrônicos. Este material pode favorecer a proliferação de vetores que tragam riscos à saúde pública, pois nenhum cuidado é dispensado para o seu armazenamento. 6. Considerações Finais O objetivo do trabalho foi analisar o processo de coleta, beneficiamento e comercialização do lixo eletrônico descartado pela população nos RSU,por meio de um estudo de caso em uma associação de catadores de materiais recicláveis, localizada na cidade de Itajubá/MG. Pode-se constatar que os principais problemas identificados dizem respeito ao manuseio dos materiais tóxicos presentes no lixo eletrônico. A forma atual como os catadores realizam a queima para a retirada do cobre presente no lixo eletrônico pode causar sérios problemas de saúde para os trabalhadores e para o meio ambiente. Tal questão poderia ser resolvida por meio, por exemplo, de uma campanha junto às indústrias e empresas que os catadores realizam a coleta de seus produtos e embalagens, além da intervenção do poder público local. A falta de campanhas educativas para conhecimento da população sobre os trabalhos oferecidos pela associação afeta diretamente a eficiência do processo como um todo, gerando retrabalho, haja vista que materiais como pilhas e baterias que deveriam, por exemplo, ser entregues nos correios, ficam armazenados na ACIMAR até que os catadores façam o remanejamento das mesmas. De modo mais amplo, ficou evidente que os atores municipais responsáveis pela da gestão deveriam buscar e privilegiar uma atuação conjunta, coordenada com as empresas privadas, buscando a minimização dos impactos ambientais e o desenvolvimento sustentável na esfera urbana. Agradecimentos Os autores agradecem ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e a FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais), pelo apoio financeiro concedido a diversos projetos que subsidiaram o desenvolvimento desse trabalho, à ACIMAR e à INTECOOP. Referências BECHIOLLI, C. Manual de Reciclagem do Lixo Eletrônico. São Paulo: Empresa Umicore Brasil Ltda, 2005. BEIRIZ, F. A. S. Gestão ecológica de resíduos eletrônicos - proposta de modelo conceitual de gestão - Dissertação de mestrado - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005. BOONE, C. E. & KURTZ, D. L. Marketing contemporâneo. 8. ed. Rio de Janeiro: LTC, 1998. BRASIL. 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