Logo Passei Direto
Buscar

TEOLOGIA-DA-INCLUSÃO-Prof -Emilio-Figueira

User badge image
Carlos Lima

em

Ferramentas de estudo

Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

Prof. Emílio Figueira
TEOLOGIA 
DA 
INCLUSÃO 
 A TRAJETÓRIA DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA HISTÓRIA 
DO CRISTIANISMO 
 
Considerando ser uma obra de cunho e importância social 
que pode beneficiar muitas pessoas nos meios religiosos e 
na sociedade em geral, por vontade do autor, esta versão 
digital passa a ser distribuída gratuitamente para todas as 
pessoas interessadas, independente de qual seja a 
dominação religiosa. É livre o seu uso para estudos, 
preparações de materiais religiosos e estudos teológicos, 
desde que citada a fonte. 
 
1 
 
EMÍLIO FIGUEIRA 
 Doutor em Teologia Histórica pelo 
 Instituto de Ensino Teológico de São Paulo 
 
 
 
 
 
 
 
 
TEOLOGIA DA INCLUSÃO: 
A trajetória das pessoas com deficiência 
na história do Cristianismo 
 
 
 
 
 
 
FIGUEIRA DIGITAL 
SÃO PAULO 
2015 
2 
 
Edição e capa: Emilio Figueira 
 
Revisão: ANA SESSO REVISÃO LTDA. 
 www.anasessorevisao.com.br 
 
 
 
FUNDAÇÃO BIBLIOTECA NACIONAL 
AGÊNCIA BRASILEIRA DE ISBN 
 
 
© 2015– Emílio Carlos Figueira da Silva 
 
TEOLOGIA DA INCLUSÃO – A trajetória das pessoas 
com deficiência na história do Cristianismo. Emilio 
Figueira. – São Paulo : Figueira Digital, 2015. 
 
 ISBN: 978-85-911079-8-8 
 
1. Teologia. 2. Cristianismo. 3. Inclusão. 4. Pessoas com 
deficiência 
 
 
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO 
 
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, 
transcrita ou mesmo transmitida por meios eletrônicos ou 
gravações, assim como traduzida, sem permissão, por 
escrito, do autor. Os infratores serão punidos pela Lei no. 
9.610/98. 
3 
 
SOBRE O AUTOR 
 
Por causa de uma asfixia 
durante o parto, Emílio 
Figueira adquiriu 
paralisia cerebral em 
1969, ficando com 
sequelas na fala e 
movimentos. Mas nunca 
se deixou abater por sua 
deficiência motora e vive 
intensamente inúmeras 
possibilidades. 
Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção 
científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo e personal coach 
com formação em Programão Neurolinguística . 
Como escritor é dono de uma variada obra em livros 
impressos e digitais, passando de cinquenta títulos lançados. 
Ator e autor de teatro. Várias entrevistas na mídia e em 
jornais. 
Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira é 
professor e conferencista de pós-graduação, principalmente 
de temas que envolvem a Educação Inclusiva. 
Em seu site há vários artigos, crônicas, cursos e materiais 
gratuitos. acesse: www.emiliofigueira.com.br 
 
4 
 
 
 
 
 
 
 
“Deus me enviou ao mundo com uma deficiência já escalado 
para pesquisar, produzir conhecimento e ajudar na 
transformação de vidas de tantas outras pessoas com as 
mais variadas deficiências. Mas o que Deus não me contou é 
que eu iria de coadjuvante e espectador de tantas coisas 
positivas. De mudanças de mentalidades e atitudes. De ver 
crianças que hoje, mesmo com algum tipo de deficiência, 
estão começando a sua jornada neste mundo em uma 
realidade muito melhor do que aquela de quando comecei há 
quatro décadas”. 
 
 
 
 
 
A Deus, 
 
o principal motivo de ter 
nascido este trabalho! 
5 
 
AGRADECIMENTO 
 
 A Deus, pela presença maravilhosa em todos os momentos 
da minha existência, pela força que tem me concedido, 
pela inteligência para terminar esta tese de Doutorado em 
Teologia, primeiros passos de uma longa caminhada. 
 À minha família, presença sempre constante na minha 
vida. 
 À minha grande amiga, Aninha Pina, que desde o começo 
me incentivou e acompanhou o processo deste estudo. 
 Aos amigos e irmãos Helton Luiz Tavoni e Alan Rogério 
Moreli, por todos os nossos papos abertos. 
 À amiga de infância e dos nossos primeiros de reabilitação 
na AACD, Deise Tomazin Barbosa, pelo prefácio desta 
obra. 
 À amiga Ana Lúcia Sesso de Cerqueira César, pela revisão 
 Ao querido amigo Joaquim Teles, companheiro de 
psicologia e psicanálise, troca de materiais e de tantas 
ideias e conselhos profissionais. 
 Aos amigos Pr. Silas Costa e Pr. Rodnei Francisco Teixeira 
 Ao historiador Otto Marques da Silva, que foi pioneiro em 
dar uma história oficial às pessoas com deficiência. 
 À equipe da Rede Saci, em especial à amiga Ana Maria 
Barbosa e ao estagiário Felipe Salles Silva, por indicação 
de bibliografias. 
 A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram 
na realização desta obra. Os meus sinceros 
agradecimentos. 
6 
 
SUMÁRIO 
 
AGRADECIMENTO ......................................................................................... 5 
INTRODUÇÃO .............................................................................................. 15 
I – O ANTIGO TESTAMENTO: AS QUESTÕES DAS DEFICIÊNCIAS NO PRÉ-
CRISTIANISMO ............................................................................................ 23 
NOÉ: O PRIMEIRO REGISTRO BÍBLICO DE UMA PESSOA COM DEFICIÊNCIA ........... 24 
A CEGUEIRA DE ISAQUE POR 80 ANOS ........................................................... 27 
A DEFICIÊNCIA TEMPORÁRIA DE JACÓ EM DECORRÊNCIA DE UMA LUTA ESPIRITUAL
 ................................................................................................................. 31 
LIA, DESPREZADA, MAS RECOMPENSADA POR DEUS ........................................ 34 
MOISÉS: PROBLEMAS DE FALA E AUTOESTIMA ................................................ 36 
AS CAUSAS DAS DEFICIÊNCIAS ORIUNDAS DE CASTIGOS ENTRE OS HEBREUS ....... 46 
O MONTE SINAI E A QUESTÃO DA HANSENÍASE NA BÍBLIA ............................... 52 
O CÓDIGO DE HAMURÁBI E A SEVERIDADE QUE INSPIROU OS HEBREUS ............. 58 
REI ZEDEQUIAS, MAIS UM CASO DE CEGUEIRA COMO PUNIÇÃO .......................... 61 
OLHOS DIREITOS FURADOS DOS HABITANTES DE JABES ................................... 69 
ZACARIAS CASTIGADO POR NÃO TER ACREDITADO EM GABRIEL ........................ 71 
MEFIBOSETE: O PRIMEIRO CASO DE INCLUSÃO VEM DA BÍBLIA ......................... 74 
OS ESMOLANTES DA ANTIGA JUDEIA .............................................................. 79 
A BUSCA DA CURA ........................................................................................ 80 
A HANSENÍASE NO NOVO TESTAMENTO ......................................................... 86 
A BAIXA ESTRUTURA DE ZAQUEU .................................................................. 92 
III – CASTIGO E PECADO: PRINCIPAIS CONCEITOS BÍBLICOS SOBRE 
PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS E MUDANÇAS DE MENTALIDADES ......... 98 
DEFICIÊNCIA É FRUTO DO PECADO? ............................................................... 99 
JESUS E O INÍCIO DA INCLUSÃO .................................................................... 106 
O INCONSCIENTE COLETIVO E A DESCONSTRUÇÃO DOS ESTIGMAS RELIGIOSOS 112 
A HISTORIOGRAFIA DE OTTO MARQUES DA SILVA......................................... 118 
AS DEFICIÊNCIAS FÍSICAS COMO IMPEDIMENTO AO SACERDÓCIO CRISTÃO ........ 124 
SACERDOTES QUE QUEBRARAM A REGRA ...................................................... 130 
NICOLAU, AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS INTELECTUAIS E A INQUISIÇÃO ........ 133 
7 
 
RICHARD BAXTER, UM PASTOR ENTRE O MINISTÉRIO E SUAS ENFERMIDADES .. 144 
O ASSISTENCIALISMO DOS JESUÍTAS EM TERRAS BRASILEIRAS ........................ 148 
CATÓLICOS E PROTESTANTES SE UNEM CONTRA UMA “INQUISIÇÃO NAZISTA” NO 
SÉCULO XX ............................................................................................... 155 
A IGREJA CATÓLICA E SUAS POSSIBILIDADES DE INCLUSÃO ............................. 158 
V – CAMINHOS PARA A INCLUSÃO RELIGIOSA HOJE ............................. 168 
O PROTESTANTISMOPRECISA DESPERTAR PARA A QUESTÃO .......................... 168 
IGUALDADE DE OPORTUNIDADES, INCLUSIVE NA RELIGIÃO ............................. 173 
BARREIRAS ARQUITETÔNICAS ERAM MOTIVOS DE EXCLUSÃO .......................... 176 
“UMA TEOLOGIA DA DEFICIÊNCIA” .............................................................. 179 
REFLEXÕES SOBRE A CONVIVÊNCIA PLENA NA RELIGIOSIDADE........................ 181 
CONCLUSÕES ............................................................................................. 185 
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................... 189 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
PREFÁCIO 
 
 
 
Deise Tomazin Barbosa* 
 
 
 
alar de Emilio Figueira sem tecer uma rede de elogios sobre 
seu trabalho é tarefa impossível de ser realizada. Grande 
mestre, brilhante doutor, amigo e companheiro desde a 
nossa infância na AACD, faz com que pessoas que estejam ao seu 
redor sintam orgulho em tê-lo como parceiro de luta. 
Eclético e muito perspicaz, Emilio Figueira impressiona 
com sua peculiaridade. Sua sapiência se traduz em seus escritos e 
seu legado está marcado em suas obras publicadas como “O Que é 
Educação Inclusiva”, “Conversando sobre Educação Inclusiva com 
a Família”, ”Caminhando em Silêncio”, “Introdução à Psicologia e 
Pessoas com Deficiência”, e mais de cinquenta títulos. 
 
 
________________________ 
*Licenciada em Matemática e Pedagogia, Pós graduação lato sensu em 
Inteligência Multifocal e Psicanálise da Educação, Educação Especial Áreas da 
Deficiência intelectual, física, visual e auditiva (UNESP), Tecnologias da 
Informação e Comunicação Acessíveis (UFRGS), Psicopedagogia e MBA em 
Gerenciamento de Projetos (FGV). Mestre em Psicanálise e Educação Especial - 
UNESP. Aperfeiçoamento em Atendimento Educacional Especializado, Libras, 
Braille e Sorobã. Tutora em curso de Pós graduação no curso de AEE (UNESP) e 
Tecnologia Assistiva (UFRGS). Assistente de Direção e Docente em Universidades 
públicas e particulares. Assessora e Consultora Pedagógica. Atuou na AACD como 
pedagoga e na Secretaria Municipal de São Paulo como professora itinerante de 
alunos com deficiência e formadora. 
F 
9 
 
A relação íntima com Deus e sua deficiência, fez com que o 
autor mantivesse o foco de seus estudos voltado ao 
desenvolvimento de uma sociedade humanitária e cristã. Não que 
fosse diferente se a deficiência não estivesse presente em sua vida, 
mas talvez a plenitude de suas obras não seria tão lógica não fosse 
sua trajetória humana. 
Sua deficiência fez com que passasse por momentos 
preconceituosos, porém, isso só o tornou mais convicto e 
determinado a buscar soluções para o trato com as pessoas com 
deficiência. 
Dotado de inteligência e capacidades que fogem ao nosso 
entendimento, Emílio sempre demonstrou grande paixão pelos 
estudos mantendo seu foco nas investigações históricas da pessoa 
com deficiência. Participar de alguns momentos formativos ao seu 
lado me deixa a vontade para tecer algumas linhas sobre essa 
grandiosa obra. 
A pesquisa se desenvolve em cinco partes, trazendo 
questões que tratam das deficiências do antigo ao novo 
testamento. Interessante reconhecer a visão de estudo que Emílio 
traz sobre a relação de castigo e pecado e do desenvolvimento da 
pessoa com deficiência no catolicismo, percorrendo caminhos que 
chegam à inclusão religiosa nos dias de hoje. 
Tais questões intensificaram o estudo por pesquisa 
bibliográfica baseada em referencial teórico demonstrando 
práticas transformatórias da evolução do ser humano com 
registros que contextualizam as passagens bíblicas, enaltecendo e 
abominando a deficiência e o impacto que o mundo cristão 
demonstra em relação à cura, pecado e castigo quebrando a 
prepotência e arrogância da divindade sobre o homem e tudo 
10 
 
mais que seja obscuro na visão histórica da passagem do 
deficiente pelo mundo cristão. 
Encontra-se nessa excelente obra, registros bíblicos de 
sacrifício e sacerdócio, impureza e pecado, pureza e castidade, 
defeito e perfeição. 
Partindo do pressuposto de que a linguagem do evangelho 
é uma fonte de referência na pacificação entre as pessoas e entre 
os povos, é possível se pensar na espiritualidade como um fator 
que promova a inclusão e não a exclusão, abrindo uma questão 
fundamental entre as comunidades religiosas que é a permissão 
da transformação de suas neuroses em direito à existência. 
Várias são as releituras realizadas sobre as escrituras 
sagradas, porém os critérios para sua interpretação são definidos 
por duas ciências: a Hermenêutica e a Exegese. Para que tal 
interpretação se torne correta é preciso que se apliquem essas 
“ferramentas” de forma consistente, diluindo os malefícios que 
uma má interpretação bíblica pode causar: discriminação, 
exclusão, preconceito. 
O preconceito é um juízo preconcebido, um 
desconhecimento pejorativo de uma pessoa ou grupo social e a 
discriminação é um comportamento de não aceitação. O 
preconceito para com as pessoas com deficiência vai desde 
acreditar que necessitam ser dependentes dos outros, são maus 
ajustados e infelizes, são "marcados" e menos inteligentes, são 
improdutivos, merecem compaixão e piedade, até acharem que 
estes estão sendo "punidos" por algum pecado. 
Se existe um lugar onde esse comportamento não deve ser 
aceito é a igreja, pois esta não deve estar alienada da sociedade e é 
o lugar onde a real prática dos princípios bíblicos como "Amar a 
11 
 
Deus de todo coração... amar ao próximo como a si mesmo..." 
(Marcos, 12:33) deve ser exercida. 
Ora, se a palavra de Deus deve estar ao alcance a todas as 
pessoas e Jesus foi inclusivo o tempo todo, constatação escrita no 
evangelho, por que então continuar pensando que a deficiência é 
uma doença e não uma condição? Coisa rara encontrar um 
deficiente que se lamente por causa da sua condição física. A 
limitação física, o estigma, a discriminação ao longo do tempo 
torna as pessoas resilientes. Sendo assim, natural se pensar que 
todos os cristãos são pessoas inclusivas, ou pelo menos, deveriam 
ser, porém não é o que se vê na sociedade contemporânea. 
Na obra Teologia da Inclusão, é possível se encontrar o 
processo religioso das pessoas com deficiência e a evolução da 
política inclusiva. A obra traz a interpretação bíblica através da 
Hermenêutica com o método analítico sintético a partir de uma 
consciência crítica dialética demonstrando as transformações 
reais da sociedade. Em termos metodológicos, foi desenvolvida 
uma pesquisa documental das escrituras e bibliográfica de textos 
que abordam o fenômeno apontado. 
O capítulo de abertura – O Antigo Testamento: As 
Questões das Deficiências no Pré-Cristianismo mostra a saga 
histórica do percurso do deficiente pela história da humanidade, 
fazendo um estudo sobre os registros de Noé, mostrando a 
cegueira de Isaac, a luta de Jacó, o desprezo de Lia e, pasmem com 
os problemas de fala de Moisés que afetaram por tempos sua 
autoestima. Em meio atos severos, punição, maldição, encontram-
se pessoas que exercitam a justiça e a bondade de forma amorosa, 
sem se incomodar com valores e preconceitos determinados por 
seu tempo, sem se omitir de tal sentimento de nobreza. 
12 
 
No Seu Capítulo – milagres e uma nova visão da pessoa 
com deficiência no novo testamento, Emílio Figueira analisa e 
debate a visão transformadora de Paulo e a busca da cura através 
da fé. Estudiosos dos usos e costumes dos povos afirmavam que a 
medicina contida nos evangelhos e mesmo nos atos dos apóstolos 
aceitavam três tipos de causas para as doençase para as muitas 
limitações e deficiências que afligiam os homens: o castigo pelos 
pecados, a interferência dos maus espíritos e as forças más da 
natureza, contra os quais o poder divino era o único remédio. Está 
em pauta, agora, a identificação dos possíveis caminhos da cura 
dos deficientes: os milagres realizados por Jesus. 
De sua pesquisa, o autor conclui que o melhor é se tomar a 
mensagem de fundo: não estigmatizar e deixar de lado a questão 
da plausibilidade do fato. 
O autor em seu capítulo III – Castigo e Pecado: Principais 
Conceitos Bíblicos sobre Pessoas com Deficiências e 
Mudanças de Mentalidades deu destaque ao debate incansável 
sobre a deficiência como fruto do pecado. A deficiência era 
atribuída a uma magia hostil ou à violação de um tabu e era tarefa 
do sacerdote descobrir as causas e estabelecer a magia certa para 
eliminar o mal. A causa podia ser interpretada por erro ou pecado 
cometido pela pessoa contra a divindade e era exigida reparação 
adequada. A pesquisa confirma que as ações e percepções 
praticadas de maneira incorreta, desobediente, era considerada 
violação de mandamento divino, ou seja, pecado. 
O autor faz ainda realiza um estudo sobre a terminologia 
“Pecado”, nos mais diversos segmentos: Judaico, Cristã, Católico, 
Protestante (evangélico), atribuindo a deficiência, as doenças, as 
fatalidades como consequências diretas de pecados cometidos, 
como se fossem castigo. 
13 
 
Referindo-se a planejamento de estudo sobre as 
deficiências ao longo dos tempos, é preciso manter o foco sobre as 
igrejas que lutam para manter a fé cristã, o que Emílio Figueira faz 
brilhantemente em seu IV capítulo - O “Caminhar” da Pessoa 
com Deficiência dentro do Catolicismo. O “castigo de Deus” era 
decorrente de sua ira, enviando sinais ao povo como os problemas 
mentais e as malformações congênitas, o que na realidade, era 
consequência de uma sociedade sem conhecimentos científicos e 
medicinais. A falta de planejamento urbano abriu caminho para 
epidemias e doenças mais graves. Mas a visão do povo voltada à 
ira celeste entendia a deficiência como uma falta de capacidade 
para a vida, devendo ser excluído de tudo, pois não poderiam 
realizar nada com dignidade. 
Fechando a Coletânea, o capítulo V - Caminhos para a 
Inclusão Religiosa hoje - mostra a igualdade de oportunidade, 
até mesmo na religião. O autor dá conta de resultados de sua 
pesquisa sobre a passagem do deficiente nos atos religiosos 
indagando agora sobre outro problema contemporâneo: as 
barreiras arquitetônicas dos templos religiosos. 
 No espaço de inovações/resistências às mudanças 
propostas/impostas, o autor rediscute o sentido de se manter 
pessoas com deficiências em nossos círculos de amizade a fim de 
quebrar mitos e preconceitos. Mostra que, ao ressignificar os laços 
de afetividade, paradigmas são quebrados permitindo que se 
possam ver as reais habilidades e capacidades das pessoas com 
deficiência, refletindo mais sobre a (re)construção de sua 
identidade nesse espaço de múltiplas tensões, e assim, 
compreender melhor, sua vida pessoal. 
Os leitores que compartilham preocupações relacionadas 
aos grandes desafios da inclusão, encontrarão na obra Teologia 
14 
 
da Inclusão, elementos significativos para a retomada e a 
discussão dos problemas em pauta. O autor, por sua vez, 
disponibiliza sua ferramenta investigativa e sua conclusão, 
abrindo-se ao debate, reequacionando as questões e adiantando 
hipóteses fecundas, aptas a sustentar novas buscas e novos 
projetos, de modo que a produção do conhecimento, nessa área, 
possa ter a necessária continuidade em busca de uma qualificada 
consolidação. 
 
 
 
 
 
 
15 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
INTRODUÇÃO 
A TEOLOGIA DA INCLUSÃO COMO UM 
NOVO MINISTÉRIO 
 
“Persiste em ler, exortar e ensinar, até que eu vá.” 
1 Timóteo 4:13 
 
 
osso dizer que, mesmo antes de eu nascer, já tinha uma 
relação muito íntima com Deus. O primeiro grande milagre 
Dele na minha vida foi no meu nascimento. Foi um parto 
muito difícil, passaram-se muitas horas do momento de nascer, fui 
tirado à força. Mesmo assim, passei horas no balão de oxigênio 
lutando para viver. Deus me deu a vitória, mas deixou uma marca: 
paralisia cerebral, comprometendo minha fala e movimentos. 
Meus primeiros anos foram de inúmeros tratamentos e, 
por onze anos, praticamente todos eles dentro de uma instituição 
fechada. Quase ninguém acreditava em um futuro para uma 
pessoa nas minhas condições físicas. Deus decretou o contrário. 
Aos cinco anos de idade eu já estava alfabetizado. Recebi Dele o 
dom da escrita. Ainda muito novo nasceram os meus primeiros 
textos que deram origem a uma vasta e variada produção literária. 
P 
16 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Deus me dotou também de uma paixão grande pelos 
estudos. Muitos cursos, descobertas em diversas áreas, 
desenvolvimento no jornalismo, na psicologia e na psicanálise. 
Toda essa minha inquietação levou-me para o universo das 
pesquisas, atuando em instituições renomadas e escrevendo 
quase noventa trabalhos científicos publicados no mundo todo. 
Foi uma caminhada de muitos obstáculos, de gigantescas 
montanhas, as quais Deus foi eliminando uma a uma. 
O meu principal foco sempre foram as questões das 
pessoas com deficiência, melhor qualidade de vida e sociedade 
humanitária que abrace a todos. Hoje, consideram-me uma das 
principais referências em Educação Inclusiva no Brasil. Deus me 
deu a graça de ser testemunha ocular, eu, que sou de uma época 
em que pessoas com deficiência viviam isoladas em instituições, 
assisto e contribuo com o meu trabalho, pesquisas e escrita para 
tantas mudanças positivas. 
Apaixonado principalmente pelas investigações históricas, 
já há uns vinte anos eu queria pesquisar sobre as pessoas com 
deficiência no Cristianismo. Minha intenção inicial era escrever 
um artigo de nove páginas. Só que eu era membro de uma igreja 
com bases fundamentalistas que não nos permitia estudar 
quaisquer outros livros religiosos, senão a Bíblia. Eu, mesmo 
tendo vontade de estudar mais sobre religião, respeitava os 
ensinamentos da igreja. Independente de ser certo ou errado, os 
18 anos que permaneci ali foram fundamentais para o meu 
nascimento, desenvolvimento e aprendizagem espiritual. Pude 
participar de incontáveis momentos maravilhosos na presença de 
17 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Deus. Assisti obras e milagres na vida de muitos e na minha 
própria vida. 
Eu continuava a guardar anotações e materiais sobre as 
pessoas com deficiência e o Cristianismo. Sabia que um dia teria 
que escrever algo a respeito. Até que, em 2010, sofri uma grande 
discriminação por minha deficiência dentro da igreja onde eu 
estava, inclusive por pessoas do alto ministério. Não cabe narrar 
esse triste fato aqui. Só que minha permanência naquela igreja se 
tornou insustentável. Saí de lá com ainda mais certeza de que teria 
que fazer alguma coisa para que outras pessoas com as mais 
variadas deficiências não sofressem discriminações nos meios 
cristãos, como eu sofri. 
Passei meses sem congregar em qualquer igreja. Até que, 
em 10 de abril de 2011, manhã de um domingo ensolarado, entrei 
pela primeira vez em uma Igreja Batista, vindo de uma 
denominação predominantemente fechada em si mesma. Estava 
com a cabeça cheia de dúvidas, inseguranças, coração machucado 
por discriminações religiosas sofridas. Mesmo machucado, eu 
tinha certezade que era exatamente como fui concebido por Deus 
e Ele me amava, apesar da minha deficiência motora. E, ao entrar 
por aquelas portas, sabia que jamais poderia me afastar daquele 
amor! 
Na Igreja Batista percebi logo de início que tudo era 
diferente. Senti amor, vi o sorriso no rosto das pessoas. Fui 
acolhido. Com humildade. Uma semana se passou e no outro 
domingo foi muito forte a vontade de voltar. A mesma vontade 
que começou a me mover naturalmente, cada vez mais, sendo 
envolvido, acolhido e fazendo parte dessa comunidade cristã. Ali 
18 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
descobri um Deus amoroso, bondoso, Pai paciente... Um Deus 
como sempre procurei e no qual acreditei. Foi morrendo dentro 
de mim o Deus autoritário e punidor, com o qual convivi por 
muitos anos. Fui percebendo que a liberdade e expressão religiosa 
que eu procurava realmente existem. Que posso falar ou escrever 
abertamente as coisas de Deus, manifestar o meu amor por Ele. 
Crescia em mim a cada dia a vontade de estudar mais no campo 
teológico. Usar as linguagens de expressões que recebi como dom 
dos céus para escrever livros, contos, romances, teatro evangélico 
ou textos didáticos. 
Fascinou-me o modo de se pregar o evangelho em uma 
Igreja Batista tradicional. Eu, que vinha de uma igreja onde 
éramos até proibidos de ler livros religiosos, na Igreja Batista 
conheci a Bíblia empregada de forma didática, ensinada, estudada, 
discutida. Aulas aos domingos. Irmãos lendo outros autores e 
teólogos. Estudando, surpreendeu-me ver como o Novo 
Testamento fala de ensino, doutrina e exemplo. Jesus é chamado 
de mestre 42 vezes. As palavras relacionadas com ensino 
repetem-se mais de 175 vezes, quase sempre no sentido positivo. 
Só em 1 e 2 de Timóteo vemos mais de 50 referências de ensino, 
instrução, doutrina e exemplo, visando vidas mais consagradas e 
firmes no Senhor. A aprendizagem é o que orienta e motiva as 
outras três funções vitais e comunitárias da igreja local: Adoração, 
Comunhão e Evangelização. 
Enquanto na outra igreja era apenas mais um membro no 
banco, na Igreja batista eu fui incluído de imediato e, tempos 
depois, já tinha ministérios. Quis cada vez mais estudar e me 
aperfeiçoar como um Educador Cristão. Ao mesmo tempo, quis 
19 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
estar cada vez mais preparado, orando continuamente para que o 
Senhor Jesus ilumine minha mente e eu possa dar sempre o 
melhor nos Ministérios e cargos que Ele tem confiado em minhas 
mãos para o crescimento de Sua igreja, honra e glória. 
Graças a essa abertura, em 2012, bacharelei-me em 
Teologia pela Instituto de Educação Teológica de São Paulo, com a 
monografia: Entre a cruz e a clínica: Do aconselhamento pastoral 
ao atendimento psicológico nas igrejas evangélicas como uma 
nova proposta de ministério. 
Intensifiquei minhas pesquisas e análises sobre as pessoas 
com deficiência no Cristianismo. Por já ter mestrado em Educação 
Inclusiva e doutorado em Psicanálise, essa mesma instituição 
aceitou-me em seu Doutorado em Teologia e, o que era para ser 
um artigo de nove páginas, hoje se materializa em uma tese, 
apontando para uma nova caminhada e ministério nas 
comunidades cristãs. 
Hoje entendo que Deus me dotou de inteligência, inúmeras 
capacidades e permitiu aquela discriminação na minha vida para 
me libertar, me capacitar teologicamente e me usar como um 
instrumento em Sua obra. Peço a Deus que o meu amor e 
relacionamento com todos os meus irmãos cresça cada vez mais e 
que eu esteja sempre preparado para atendê-los em suas 
necessidades. Sobretudo, peço principalmente ao Senhor Jesus 
que multiplique minha saúde e capacitação para que eu possa 
trabalhar pela Sua obra até meus últimos dias, convicto de que, 
tudo o que eu fizer, ainda será muito pouco diante de todo o bem 
que Ele sempre fez e fará por mim. E posso testificar esse amor. 
20 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
*** 
 
Cabe aqui uma rápida explicação teórica e metodológica 
que foi utilizada na construção desta obra, fruto de minha tese de 
Doutorado em Teologia pela Instituto de Ensino Teológico de São 
Paulo, defendida em 27 de outubro de 2014. 
Sendo a função dos teólogos cristãos recorrer à exegese 
bíblica e à análise racional para entender, explicar, testar, criticar 
e defender o Cristianismo, testando a sua veracidade, 
comparando-o a outras tradições ou religiões, defendendo-o de 
críticos, corroborando qualquer reforma cristã, esta tese teve 
como base teórica a Teologia Histórica. Também conhecida como 
história da teologia ou história da doutrina, trata-se do ramo da 
teologia que busca investigar as circunstâncias históricas em que 
as ideias teológicas se desenvolveram ou foram especialmente 
formuladas. Uma investigação teológica que objetiva explorar o 
desenvolvimento histórico das doutrinas cristãs e identificar os 
fatores que influenciaram sua formulação, documenta as 
respostas às grandes questões do pensamento cristão e ao mesmo 
tempo procura explicar os fatores que contribuíram para a 
elaboração dessas respostas. Por um lado, é uma ferramenta 
pedagógica, tendo em vista que oferece informações sobre o 
desenvolvimento dos grandes temas teológicos, os pontos fortes e 
fracos das diferentes abordagens e os marcos mais notáveis do 
pensamento cristão, em termos de autores e documentos. Por 
outro lado, é uma ferramenta crítica, pois permite ver as falhas, as 
limitações e os condicionamentos de certas formulações 
doutrinárias, o que possibilita seu contínuo aperfeiçoamento. 
21 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Junto com a Teologia Histórica, utilizei a Hermenêutica 
Bíblica, que estuda os princípios da interpretação da Bíblia como 
uma coleção de livros sagrados e divinamente inspirados, 
abrangendo a relação dialética que visa substancializar os 
significados dos textos bíblicos. A hermenêutica bíblica não deve 
se afastar do texto bíblico, bem como não se abstém da 
problemática inicial do hermeneuta. Seu principal objetivo é o de 
descobrir a intenção original do autor bíblico. No caso dos textos 
da Bíblia, o leitor, ao menos racionalmente, não tem acesso direto 
ao autor original. Por isso é necessário aplicar princípios da 
hermenêutica (a ciência da interpretação) ao texto bíblico. 
No Cristianismo, essa interpretação é estudada e obtida 
através da Exegese, também utilizada nesta tese. A exegese tem 
práticas implícitas e intuitivas, sendo os textos sagrados os 
primeiros dos quais se ocuparam os exegetas na tarefa de 
interpretar e dar seu significado. Por isso, o termo “exegese” 
significa, como interpretação, revelar o sentido de algo ligado ao 
mundo do humano, mas a prática se orientou no sentido de 
reservar a palavra para a interpretação dos textos bíblicos. 
Como metodologia, trabalhei com a pesquisa bibliográfica, 
que permite ao investigador a cobertura de uma gama de 
fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia 
pesquisar diretamente. Sua vantagem aumenta ainda mais quando 
o problema da pesquisa requer dados muito dispersos pelo 
espaço, sendo indispensável nos estudos históricos; em muitas 
situações, não há outra maneira de conhecer os fatos passados 
senão com base em dados bibliográficos. 
22 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Esta pesquisa de caráter bibliográfico reuniu materiais 
(livros, artigos científicos, periódicos), obtidos já em um 
levantamentopreliminar em bibliotecas públicas e universitárias, 
em sítios científicos, por meio do meu acervo pessoal. Vale 
acentuar que, assim como qualquer outra modalidade de 
pesquisa, esta se desenvolveu ao longo de uma série de etapas. Na 
primeira fase, realizei a organização do material, já olhando para o 
conjunto de documentos de forma analítica, buscando averiguar 
trechos significativos dos documentos de acordo com o objetivo 
de investigação com leituras e fichamentos, ocorrendo algumas 
transcrições de trechos/dados utilizados posteriormente. 
Organizando o material e processando a leitura segundo critérios, 
utilizei o método analítico-sintético, unindo os anunciados do 
contexto principal referencial teórico (exposto no final desta 
obra) aos meus conhecimentos pessoais e observações. Na 
segunda fase, visando à compreensão do material coletado, 
trabalhei com o modo dialético, visando ser o ato de se conhecer a 
análise do processo de fenômeno um processo do conhecimento, 
realizada aquela a partir de uma consciência crítica, permitindo a 
elaboração de conceitos relativos às atividades do individuo e, 
portanto, estabelecendo previsões a respeito da transformação da 
realidade e da sociedade. 
 
 
 
23 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
 
I – O ANTIGO TESTAMENTO: AS QUESTÕES 
DAS DEFICIÊNCIAS NO PRÉ-CRISTIANISMO 
 
 Antigo Testamento é composto de 46 livros e constitui a 
primeira grande parte da Bíblia cristã e a totalidade da 
Bíblia hebraica, os primeiros cinco livros – os Livros da Lei 
(ou Torá). Entretanto, a tradição cristã divide o Antigo 
Testamento em outras partes e reordena os livros dividindo-os 
em categorias; Lei, história, poesia (ou livros de sabedoria) e 
Profecias. Muitos séculos antes de Cristo, escribas, sacerdotes, 
profetas, reis e poetas do povo hebreu mantiveram registros de 
sua história e de seu relacionamento com Deus. Esses registros 
tinham grande significado e importância em suas vidas e, por isso, 
foram copiados muitas e muitas vezes e passados de geração em 
geração. 
A Lei compreende os primeiros cinco livros. Já os Profetas 
incluem: Isaías, Jeremias, Ezequiel, os Doze Profetas Menores, 
Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis. Os escritos reúnem o 
grande livro de poesia, os Salmos, além de Provérbios, Jó, Ester, 
Cantares de Salomão, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Daniel, 
Esdras, Neemias e 1 e 2 Crônicas. 
Os livros do Antigo Testamento foram escritos em longos 
pergaminhos confeccionados em pele de cabra e copiados 
cuidadosamente pelos escribas. Geralmente, cada um desses 
O 
24 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
livros era escrito em um pergaminho separado; como a Lei 
ocupava espaço maior, foi escrita em dois grandes pergaminhos. O 
aramaico foi a língua original de algumas partes dos livros de 
Daniel e de Esdras. Hoje se tem conhecimento de que o 
pergaminho de Isaías é o mais remoto trecho do Antigo 
Testamento em hebraico. Estima-se que foi escrito durante o 
século II a.C. e, por isso, se assemelha muito ao pergaminho 
utilizado por Jesus na sinagoga, em Nazaré. Foi descoberto em 
1947, juntamente com outros documentos, em uma caverna 
próxima ao Mar Morto. 
É no Antigo Testamento que iniciaremos a nossa saga de 
contar a história das pessoas com deficiência ao longo do 
Cristianismo! 
 
Noé: o primeiro registro bíblico de uma pessoa com 
deficiência 
 
Os primeiros cinco livros do Antigo Testamento estão 
repletos de regras e histórias. Inicia-se a Bíblia por Gênesis (nome 
que significa começo, origem ou criação), formando cinco 
pensamentos principais: 1 – O começo do mundo criado por Deus; 
2 – O começo do homem como criatura de Deus; 3 – O começo do 
pecado, que entrou no mundo através da desobediência do 
homem; 4 – O começo da redenção, vista nas promessas e tipos do 
livro e da família escolhida; e 5 – O começo da condenação, vista 
na destruição e punição de indivíduos, cidades e mundos. 
25 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
No contexto do livro de Gênesis encontraremos o nosso 
primeiro personagem: Noé ou Noach (do hebraico, “descanso, 
alívio, conforto”). De acordo com Moisés, autor desses primeiros 
cinco livros, Noé era filho de Lameque, que era filho de 
Matusalém, que era filho de Enoque, que era filho de Jarede, que 
era filho de Malalel, que era filho de Cainã ou Quenã, que era filho 
de Enos, que era filho de Sete, que era filho de Adão, que era filho 
de Deus. Era casado Noéma (ou Namá – Na’amah – cheia de 
beleza) com uma mulher cananita e seus três filhos mais 
conhecidos foram Sem, Cam (ou Cã) e Jafé. Noé é mencionado pela 
primeira vez no capítulo 5, versículo 29, encerrando com sua 
morte, capítulo 9, versículo 29, com 950 anos. O relato conta que 
Noé viveu em uma época em que as outras linhagens humanas (a 
partir dos descendentes de Caim e dos próprios parentes de Noé, 
provavelmente) mostraram-se corrompidas. 
O nascimento de Noé é descrito pela Bíblia em palavras 
muito breves. Seu pai Lameque já sentia que Noé veio ao mundo 
com uma missão especial dada por Deus, pois, por ocasião do 
nascimento do filho, declarou: “29A quem chamou Noé, dizendo: 
Este nos consolará acerca de nossas obras e do trabalho de nossas 
mãos, por causa da terra que o Senhor amaldiçoou.” (Gn 5:29). 
A Bíblia não oferece mais detalhes sobre o nascimento e 
características físicas de Noé. No entanto, recorrendo a um 
documento escrito em linguagem “apocalíptica” (repleta de sinais) 
conhecido como “Livro de Enoque, O Profeta”, um trecho da obra 
diz: “Depois de algum tempo meu filho Matusalém escolheu uma 
esposa para seu filho Lameque. Ela engravidou e deu à luz uma 
criança cuja pele era branca como a neve e vermelha como rosa; 
26 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
cujo cabelo era comprido e alvo como a lã e cujos olhos eram lindos. 
Quando os abriu iluminou toda a casa, como o sol; a casa ficou cheia 
de luz”. 
Enoque diz que Lameque, pai de Noé, ficou intrigado com a 
aparência do recém-nascido. Talvez até tenha duvidado da 
fidelidade de sua esposa. Foi procurar seu pai, Matusalém, a quem 
descreveu o menino, informando dentre outras coisas: “Parece o 
fruto dos anjos do céu; é de natureza diferente da nossa, sendo no 
todo diferente de nós”. (...) “Ele parece não ser meu, mas dos anjos”. 
Pelos relatos históricos, hoje podemos dizer que essas são 
características básicas de um albino. Noé devia realmente ser 
muito diferente dos primos, tios, avós e demais parentes, todos 
morenos e de olhos escuros. Foi uma diferença considerada 
problemática o suficiente para levar o avô Matusalém, já com 369 
anos de idade, a empreender uma viagem longa e cansativa para 
procurar seu pai, o patriarca Enoque, bisavô do recém-nascido, 
retirado do mundo “nas extremidades da terra”. 
Enoque diz em seu livro que analisou a questão com a 
sabedoria de seus muitos anos de vidas. Possuidor de um 
misticismo nato e informado por seus alegados contatos diretos 
com Deus, tranquilizou Matusalém, que voltou sabendo que o 
bebê era, de fato, filho de Lameque, que ele deveria ser chamado 
de Noé (consolo da Terra) e, com isso, ser preparado para eventos 
que culminaram com o dilúvio, 600 anos após. 
27 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
A obra Livro de Enoque, O Profeta1 comenta ainda que 
Lameque e sua esposa eram primos em primeiro grau, sendo “o 
tipo comum de consanguinidade em albinismo”.A cegueira de Isaque por 80 anos 
 
O grande patriarca hebreu Isaque talvez seja o homem que 
mais tempo viveu nessa deficiência. Seu nome é de origem 
hebraica e significa “ele sorri” ou “ele ri”. Descendente de Abraão e 
Sara, Isaque foi um dos três patriarcas do povo de Israel, junto 
com seu pai Abraão e seu filho Jacó. 
A história de Isaque começa a ser contada no capítulo 15 
de Gênesis, quando, mesmo em idade avançada, o Senhor promete 
 
1 Embora considerados uma obra apócrifa (do grego Apokryphos, significando oculto 
ou não autêntico), os escritos deste livro foram encontrados na primavera de 1947, 
quando um pastor árabe deixou cair um objeto perto das ruínas de Qumrán. Ao tentar 
recuperar o artefato, o religioso ficou surpreso ao se deparar com 20 grandes vasos 
dentro de uma espécie de câmara. Logo ele notou que seu objeto tinha quebrado um 
desses vasos, descobrindo que dentro deles havia vários rolos de pergaminho que 
traziam o conteúdo deste livro; assim eram descobertos os Manuscritos do Mar 
Morto. Eles apresentavam escrituras muito bem conservadas que, além de registrar 
todos os rituais e informações a respeito de um povo até então desconhecido, os 
essênios, traziam também vários evangelhos escritos por apóstolos que não tinham 
sido incluídos na Bíblia. Um desses pergaminhos guardava um texto incrivelmente 
interessante e revelador: O Livro de Enoque, o Profeta. Essa obra é de grande 
importância não somente em virtude da sua menção aos versículos 14 e 15 da epístola 
de Judas, mas também por ter sido citada por vários padres da Igreja Católica 
primitiva. Sabe-se que mais de 70 textos do livro de Enoque influenciaram não 
somente os diversos escritos do Novo Testamento como também as obras de 
Clemente de Alexandria, Tertuliano e Jerônimo. 
28 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
um filho a Abrão. Sarai, sua esposa, não lhe dera filhos e, por isso, 
pediu que Abrão possuísse sua serva egípcia Agar, a fim de terem 
filhos por esse meio, nascendo uma criança de nome Ismael. A 
convivência entre eles não era agradável, o que ocasionou a 
partida de Agar e Ismael para outras terras. Ismael, embora filho 
de Abrão, não era o filho da promessa do Senhor. Quando Abrão 
atingiu 99 anos, apareceu o Senhor e mudou seu nome para 
Abraão e o de Sarai para Sara. Quando o Senhor disse que dentro 
de um ano lhe daria um filho, Abraão riu. O mesmo ocorreu com 
Sara quando recebeu a notícia, por estarem em idade avançada. O 
nascimento de Isaque está ligado ao riso e não apenas faz alusão 
ao sorriso de Abraão e de Sara, mas também pode ser uma oração 
implícita de que Deus sorrirá para o filho deles e será generoso 
com ele. 
Isaque protagonizou momentos marcantes do Antigo 
Testamento. Seu pai Abraão foi provado pelo Senhor quando 
Isaque ainda era criança, pedindo-lhe a sua vida como sacrifício: 
“E disse: Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem 
amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre 
uma das montanhas, que eu te direi.” (Gn 22:2). Tendo feito de 
acordo com o que o Senhor ordenou, pouco antes de sacrificar seu 
filho, um anjo bradou do céu e lhe disse: “Então disse: Não 
estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada; porquanto 
agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o teu 
único filho.” (Gn 22:12). 
Mais tarde, casou-se com uma linda jovem mesopotâmia, 
Rebeca, que lhe gerou dois filhos do sexo masculino somente 20 
anos depois do casamento: Esaú e Jacó. Eram gêmeos, sendo Esaú 
o primogênito. Um homem rude, cheio de pelos no corpo e nas 
29 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
mãos, tornou-se caçador, dedicado às atividades do campo e da 
guerra, enquanto Jacó era um homem simples e, como diz Gênesis, 
“habitante de tendas”. O pai preferia seu primogênito pelo que era 
e pelo que trazia das caçadas; Rebeca dedicava sua atenção e 
carinho a Jacó, protegendo-o sempre e mal imaginando que ele se 
transformaria no maior patriarca hebreu e que um dia receberia 
de Deus o nome de Israel (“o que luta com Deus”). 
Ao envelhecer e ficar cego, certamente isso foi peça 
fundamental para outra passagem bíblica. Sem enxergar, idoso, 
com suas faculdades debilitadas e preocupado com a 
possibilidade de morte iminente, Isaque chamou seu filho Esaú 
para ele apanhar alguma caça, a fim de receber sua bênção. 
 
“E aconteceu que, como Isaque envelheceu, e os seus olhos se 
escureceram, de maneira que não podia ver, chamou a Esaú, 
seu filho mais velho, e disse-lhe: Meu filho. E ele lhe disse: 
Eis-me aqui. 
E ele disse: Eis que já agora estou velho, e não sei o dia da 
minha morte; 
Agora, pois, toma as tuas armas, a tua aljava e o teu arco, e 
sai ao campo, e apanha para mim alguma caça. 
E faze-me um guisado saboroso, como eu gosto, e traze-mo, 
para que eu coma; para que minha alma te abençoe, antes 
que morra.” (Gn 27:1-4) 
 
30 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Para entender a densidade desse fato é preciso entender 
que essa bênção paterna não era um mero palavrório, mas um ato 
de peso que conferia a herança de um clã ao abençoado pelo pai. E 
os envolvidos sabiam muito bem que, uma vez dada, essa bênção 
não poderia ser retirada nem transferida a outrem, pois vinha de 
Deus! 
Enquanto Esaú estava caçando, Jacó, depois de ouvir o 
conselho de sua mãe, enganou seu pai cego propositadamente, 
passando-se por Esaú, obtendo assim, a bênção de seu pai, de tal 
forma que Jacó tornou-se herdeiro principal de Isaque e Esaú foi 
deixado numa posição inferior. Isaque enviou Jacó à Mesopotâmia 
para escolher uma mulher de sua própria família. Depois de 20 
anos trabalhando para Labão, Jacó voltou para casa e reconciliou-
se com seu irmão gêmeo. 
Mais tarde Isaque explicaria a Esaú o engano e daria o 
veredito final: “Então respondeu Isaque a Esaú dizendo: Eis que o 
tenho posto por senhor sobre ti, e todos os seus irmãos lhe tenho 
dado por servos; e de trigo e de mosto o tenho fortalecido; que te 
farei, pois, agora, meu filho?” (Gn 27:37). Nem o fato de ser cego e 
de ter-se enganado devido à deficiência visual levou Isaque a 
mudar sua posição anteriormente assumida. 
Isaque viveu até os 180 anos de idade e dessa vida toda 
passou 80 anos na dependência de Rebeca e de seus criados. Ele 
foi o único patriarca bíblico que não deixou Canaã, o único que 
não teve o nome mudado e o patriarca de vida mais longa. 
 
31 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
A deficiência temporária de Jacó em decorrência de uma luta 
espiritual 
 
Já vimos que Jacó, ao se passar pelo irmão para obter a 
bênção do pai, Isaque, entrou em pé de guerra com Esaú. Sua mãe 
o aconselhou a sair de casa, prometendo chamá-lo de volta 
quando o irmão se acalmasse. Jacó, com idade entre 76 e 78 anos 
aproximadamente, foi para Padã-Arã, região da atual Síria. Como 
um homem muito errado na fé, traiu seu irmão (Gênesis, 25:33), 
enganou o pai (Gênesis, 27:23), fugiu da ira do seu irmão (Gênesis, 
27:41-44) e não teve boas relações com o sogro (Gênesis, 31). Mas 
Jacó tinha só um pensamento: vencer a qualquer custo, conseguir 
tudo que desejava. 
Morando em Padã-Arã, casou-se com duas jovens, Lia e 
Raquel. Após trabalhar 14 anos pelas esposas e mais seis anos 
pela família, Deus diz para retornar à sua terra. Ele parte com suas 
duas esposas, duas criadas, onze filhos, seus criados e respectivos 
rebanhos. Após fazer um pacto com Deus,que o ajudaria a voltar 
para a Terra Prometida são e salvo, já em viagem e rumando sul 
ao longo de uma rota que ficaria a leste do rio Jordão, a caravana 
chegou ao vale de Jaboque, um afluente do rio maior. Jacó tomou 
ciência de que o irmão estaria a caminho com um exército de 400 
homens e resolveu então mandar a família atravessar o rio para 
ali ficar em comunhão com Deus e passar a noite à margem norte 
do afluente. 
Mais tarde, naquela mesma noite, sozinho na margem 
meridional do Jaboque, em meio a essa crise aparentemente 
32 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
grave, Jacó demonstrou coragem em um dos episódios mais 
enigmáticos da Bíblia. Sozinho e na escuridão, viu-se lutando com 
um estranho misterioso (Gn 32:22-32): 
 
“E levantou-se aquela mesma noite, e tomou as suas duas 
mulheres, e as suas duas servas, e os seus onze filhos, e 
passou o vau de Jaboque. 
E tomou-os e fê-los passar o ribeiro; e fez passar tudo o que 
tinha. 
Jacó, porém, ficou só; e lutou com ele um homem, até que a 
alva subiu. 
E vendo este que não prevalecia contra ele, tocou a juntura 
de sua coxa, e se deslocou a juntura da coxa de Jacó, lutando 
com ele. 
E disse: Deixa-me ir, porque já a alva subiu. Porém ele disse: 
Não te deixarei ir, se não me abençoares. 
E disse-lhe: Qual é o teu nome? E ele disse: Jacó. 
Então disse: Não te chamarás mais Jacó, mas Israel; pois 
como príncipe lutaste com Deus e com os homens, e 
prevaleceste. 
E Jacó lhe perguntou, e disse: Dá-me, peço-te, a saber o teu 
nome. E disse: Por que perguntas pelo meu nome? E 
abençoou-o ali. 
E chamou Jacó o nome daquele lugar Peniel, porque dizia: 
Tenho visto a Deus face a face, e a minha alma foi salva. 
33 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
E saiu-lhe o sol, quando passou a Peniel; e manquejava da 
sua coxa. 
Por isso os filhos de Israel não comem o nervo encolhido, que 
está sobre a juntura da coxa, até o dia de hoje; porquanto 
tocara a juntura da coxa de Jacó no nervo encolhido.” (Gn 
32:22-32) 
 
Enquanto, no versículo 24, Jacó identifica a criatura como 
“um homem”, no versículo 28 fica claro que ele lutou com o 
próprio Deus. Jacó precisava dessa experiência marcante com 
Deus que o fizesse mudar radicalmente, para demovê-lo de seu 
orgulho e quebrar sua prepotência e hipocrisia. Podemos deduzir 
que o objetivo da luta era quebrantar Jacó, mostrando-lhe ser uma 
criatura sem forças em si mesma. Jacó tinha um “eu” muito forte 
que demandou de uma luta de uma noite inteira, quando ele se 
recusava a ceder. 
Essa experiência com Deus, Ranauro e Limeira da Sá 
(1999) assim analisam: “Isto é muito sério, pois muitos entendem 
que Deus não pode servir-se de coisas dessa natureza no trato com 
as pessoas. Mas Deus usou uma ‘deficiência’ para marcar Jacó, para 
mudar sua história, para lembrá-lo constantemente de que ele não 
deveria sentir-se autossuficiente. Pode Jacó sentir vitória e derrota 
numa única situação. Dessa vez a bênção era dele mesmo, não 
precisou ser roubada nem tramada, mas houve um preço: a luta e 
um sinal, a deficiência na coxa. Quando se agarrou desamparado, 
recebeu o direito que havia tentado comprar (Gn 27:23) e a bênção 
que havia tentado (Gn 27:23). De fato sua vida mudou a partir daí e 
34 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
veio ele a constituir uma grande nação. Seu novo nome – Israel – 
significa “príncipe”. Príncipe não por sua força, mas por sua 
fraqueza, como também por sua perseverança. Parece que, tocando 
em sua aparência, em sua força física, Deus conseguiu tocar em seu 
‘eu’ mais profundo. Crer na existência de um Deus-Pessoa, em um 
Deus pessoal, não implica crer que Ele pode, ainda hoje, agir assim 
com determinadas pessoas?” (pp. 72-73). 
Essa história fascinou gerações de judeus e cristãos. 
Matreiro, dúbio e às vezes amedrontado, o segundo filho de 
Isaque parecia um candidato improvável para incorporar e 
realização da promessa de Deus à nação de Israel. Notaremos, no 
Antigo Testamento e na tradição rabínica, que sua falibilidade 
humana foi, precisamente, o que ajudou a provar que a vontade de 
Deus, e não a iniciativa humana ou o mérito individual, foi a 
responsável por estabelecer os israelitas na Terra Prometida e 
moldar o destino da nação. 
Jacó retornou à terra de seus pais com 98 anos e ainda viu 
seu pai durante mais 22 anos, que morreu com 180 anos de idade, 
dez anos antes de Jacó ir ao Egito encontrar seu filho José. Jacó 
viveu 17 anos no Egito (Gn 47:28) e morreu com 147 anos. 
 
Lia, desprezada, mas recompensada por Deus 
 
Lia fora a primeira esposa de Jacó. A mais velha das duas 
filhas de Labão, ela não tinha a mesma beleza que sua irmã 
35 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Raquel. Por isso, fora uma mulher que sentiu o desprezo do pai ao 
ser usada em benefício dele. Esse foi só o início do seu sofrimento. 
Lia era desprovida de beleza. Em versões mais recentes da 
Bíblia, ela é descrita como tendo um “olhar terno” e nenhum outro 
detalhe sobre sua aparência física, quando é apresentada em 
Gênesis 29:16-17. Entre teóricos e historiadores é debatido se o 
adjetivo “terno” foi usado para significar “delicado e suave” ou 
“fraco”. Algumas traduções indicam que “olhar terno” pode 
significar que Lia possuía olhos azuis ou claros. Na Bíblia vulgata 
essa dúvida se acentua ainda mais em Gênesis 29:17: “Lia tinha os 
olhos defeituosos e Raquel era bela de talhe e rosto”. Olhos 
defeituosos? 
A história dela é marcada pela falta de consideração, de 
amor, de apreço. Seu pai a usou para ter mais dinheiro. Lia se 
tornou esposa de Jacó através de uma artimanha de Labão, que a 
colocou no lugar de Raquel na noite de núpcias. Ao se casar, tinha 
um marido que não a amava. Depois, sua irmã casou-se com seu 
esposo, cujo amor era maior por essa (Gn 29:30). O desprezo era 
tanto que Deus teve compaixão de Lia e a fez mãe antes de Raquel. 
Gerou seis filhos e uma filha para Jacó, enquanto sua criada Zilpa 
deu-lhe mais dois filhos, que também eram contados como de Lia, 
antes que Raquel fosso capaz de ter seus próprios filhos. 
Essa é a prova de que Deus sabia do sofrimento de Lia e a 
colocou em posição de vantagem em relação a Raquel. O Senhor se 
mostrou no controle de todas as coisas ao conceder filhos a Lia, 
deixou claro que, mesmo que Jacó não a amasse, Ele a amava, 
cuidava e ajudava a passar pelos sofrimentos. 
36 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
 
Moisés: problemas de fala e autoestima 
 
O segundo livro da Bíblia, Êxodo, significando saída, ou 
partida, tem como palavra-chave a redenção demonstrada pela 
libertação do um povo escolhido, liberto de uma situação 
angustiante, a escravidão egípcia. O interessante é que o autor e 
personagem principal de Êxodo era Moisés, vítima de um sério e 
perturbador distúrbio da comunicação, que alguns estudos 
históricos apontam como uma acentuada gagueira, que afetou 
profundamente sua autoestima. No começo de sua história, 
Moisés, personagem predominante do Antigo Testamento, era 
tímido, humilde, buscando ficar na obscuridade. Mas foi 
justamente uma pessoa com essas características que Deus 
escolheu para uma grande obra. 
O problema de sua fala deve ter-se agravado em um 
momento de forte tensão em que ele, morando no deserto por 
muitos anos, decidiu levar seu rebanho ao monte Horeb para 
pastar. No meio da noite calma viu uma grande touceira de sarçapegando fogo, mas sem queimar. Aproximando-se com cautela, 
ouviu uma voz. Era o próprio Deus, chamando-o para a grande 
missão de vida: tirar os hebreus do Egito e conduzi-los à Terra 
Prometida. Parte desse diálogo, em Êxodo 4, acentua bem a sua 
deficiência e como Deus começou a instruir Moisés em sua futura 
missão: 
 
37 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
“Então disse Moisés ao Senhor: Ah, meu Senhor! eu não sou 
homem eloquente, nem de ontem nem de anteontem, nem 
ainda desde que tens falado ao teu servo; porque sou pesado 
de boca e pesado de língua. 
E disse-lhe o Senhor: Quem fez a boca do homem? ou quem 
fez o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o 
Senhor? 
Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca e te ensinarei o 
que hás de falar. 
Ele, porém, disse: Ah, meu Senhor! Envia pela mão daquele a 
quem tu hás de enviar. 
Então se acendeu a ira do Senhor contra Moisés, e disse: Não 
é Arão, o levita, teu irmão? Eu sei que ele falará muito bem; 
e eis que ele também sai ao teu encontro; e, vendo-te, se 
alegrará em seu coração. 
E tu lhe falarás, e porás as palavras na sua boca; e eu serei 
com a tua boca, e com a dele, ensinando-vos o que haveis de 
fazer. 
E ele falará por ti ao povo; e acontecerá que ele te será por 
boca, e tu lhe serás por Deus. 
Toma, pois, esta vara na tua mão, com que farás os sinais.” 
(Ex 4:10-17) 
 
A reação de Moisés, naquele momento, foi no mínimo 
cuidadosa ao dizer: “Ele, porém, disse: Ah, meu Senhor! Envia pela 
38 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
mão daquele a quem tu hás de enviar.” (Ex 4:13), sendo o 
verdadeiro sentido dessa frase no hebraico “envia outra pessoa”. 
Ele preferiu enfatizar a sua deficiência, não se atentando ao poder 
de Deus. Quando o Senhor disse em “ser a sua boca”, poderia livrá-
lo da sua dificuldade de dicção ou mesmo usá-lo, a despeito dela. 
As desculpas de Moisés nos demonstram, a princípio, sua falta de 
autoconfiança e uma fé momentânea. 
Ranauro e Lima de Sá (1999) acentuam que, “quando Deus 
comprometeu-se a ser com sua boca, não estava assumindo a 
responsabilidade de livrá-lo da dificuldade. Apesar dela, 
ressaltaríamos, Deus o havia escolhido. Na perspectiva de Deus, essa 
deficiência poderia até mesmo ter um propósito, ou simplesmente 
não interferiria naquilo a que Ele o destinara. Na narrativa bíblica, 
encontramos Deus tentando fazer com que Moisés levantasse seus 
olhos para ver a amplitude do significado de existência de pessoas 
com dificuldades semelhantes, e até maiores, o que está dentro da 
administração do Deus-Criador” (pp. 75-76). 
Deus contra-argumentou com o seguinte e forte 
questionamento: “E disse-lhe o Senhor: Quem fez a boca do homem? 
ou quem fez o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, 
o Senhor?” (Ex 4:11). O Senhor procurou encorajá-lo também por 
outros meios para enfrentar os desafios que se punham à sua 
frente, ou seja, os líderes hebreus e a corte do faraó, chegando a 
demonstrar que Ele estaria efetivamente ao seu lado. 
Moisés, cônscio de suas limitações quanto à desenvoltura 
em falar, levou Deus a indicar uma solução: o irmão de Moisés, 
Arão, seria seu companheiro de todas as horas, tanto para 
convencer os líderes hebreus quanto para falar ao faraó nas horas 
39 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
aprazadas. Arão foi vital para o sucesso de todo o ambicioso 
projeto, uma vez que os planos, os comentários, as novas ações e 
providências, e mesmo os novos argumentos diferentes eram 
transmitidos por Deus a Moisés e este os repassava a Arão. Por 
sua vez, este não dispensava nunca a carismática presença de 
Moisés e tudo transmitia ao faraó e sua corte, aos líderes hebreus 
e ao povo, tendo desempenhado essa missão por muitos anos. 
Foram várias as tentativas frustradas de tirar o povo de 
uma escravidão cada vez mais opressora, levando Moisés a se 
queixar com Deus: “Moisés, porém, falou perante o Senhor, dizendo: 
Eis que os filhos de Israel não me têm ouvido; como, pois, Faraó me 
ouvirá? Também eu sou incircunciso de lábios.” (Ex 6:12). Deus 
continuou com a mesma orientação operacional até então 
adotada, indicando Arão mais uma vez como o seu porta-voz. 
Tudo o que se sabe a seu respeito está na Torá, ou 
Pentateuco (os primeiros cinco livros da Bíblia), e em algumas 
referências espalhadas pelo Antigo Testamento, sem nenhum 
registro primário fora das escrituras. Foi a personalidade de 
Moisés que uniu Israel através de sua história, exercendo uma 
variedade única de papéis: legislador, chefe militar e político, 
profeta e fundador de uma religião de estado. Ele é o profeta mais 
importante do Judaísmo, igualmente reconhecido pelo 
Cristianismo e Islamismo, assim como em outras religiões, sendo 
considerado um grande profeta pelos muçulmanos. É o grande 
libertador dos hebreus, tido por eles como seu principal legislador 
e mais importante líder religioso. A Bíblia também o destaca: “E 
era o homem Moisés mui manso, mais do que todos os homens que 
havia sobre a terra.” (Nm 12:3). 
40 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Mesmo com sua deficiência funcional de ordem bastante 
grave, Moisés assumiu o papel que foi a ele indicado e conseguiu 
sair-se bem da missão, com a ajuda permanente de seu irmão 
Arão e foi, sem dúvida, uma das mais fortes figuras de toda a 
história dos hebreus. 
 
Pessoas excluídas dos sacrifícios ou sacerdócio 
 
Os antigos hebreus (etnônimo possivelmente oriundo do 
termo hebraico Éber, significando “descendentes do patriarca 
bíblico Éber”) foram um povo semítico da região do antigo 
corredor sírio-palestino, localizado no Oriente Médio. O etnônimo 
também foi utilizado a partir do período romano para se referir 
aos judeus, um grupo étnico e religioso de ascendência hebraica. 
Acredita-se que, originalmente, os hebreus chamavam a si 
mesmos de israelitas, embora esse termo tenha caído em desuso 
após a segunda metade do século X a.C. Os hebreus falavam uma 
língua semítica da família cananeia, à qual se referiam pelo nome 
de “língua de Canaã” (Isaías 19:18). Esse povo, apagado pela 
grandeza de estados muito maiores, tecnologicamente avançados 
e mais importantes politicamente, foi responsável, contudo, pela 
composição de alguns dos livros que compõem a Bíblia, obra 
considerada sagrada por religiões ocidentais e orientais. 
Será no contexto desse povo antigo que descobriremos os 
primeiros registros de um olhar diferenciado no qual tanto a 
doença crônica quanto a deficiência física ou intelectual, e mesmo 
qualquer deformação, por menor que fosse, indicavam um grau de 
41 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
impureza ou de pecado. Início de uma visão cultural que ainda 
ressoa nos dias atuais. 
Em Levítico, terceiro livro da Bíblia, parte do Pentateuco, 
sua autoria, tradicionalmente atribuída a Moisés, contém a Lei dos 
sacerdotes da Tribo de Levi, a tribo de Israel que foi escolhida 
para exercer a função sacerdotal no meio do seu povo. Nesse 
conjunto de normas e orientações para os sacerdotes, chegou a 
ser determinado por Moisés, capítulo 21: 
 
“Falou mais o Senhor a Moisés, dizendo: 
Fala a Arão, dizendo: Ninguém da tua descendência, nas 
suas gerações, em que houver algum defeito, se chegará a 
oferecer o pão do seu Deus. 
Pois nenhum homem em quem houver alguma deformidade 
se chegará; como homem cego, ou coxo, ou de nariz chato, 
ou de membrosdemasiadamente compridos, 
Ou homem que tiver quebrado o pé, ou a mão quebrada, 
Ou corcunda, ou anão, ou que tiver defeito no olho, ou sarna, 
ou impigem, ou que tiver testículo mutilado. 
Nenhum homem da descendência de Arão, o sacerdote, em 
quem houver alguma deformidade, se chegará para oferecer 
as ofertas queimadas do Senhor; defeito nele há; não se 
chegará para oferecer o pão do seu Deus. 
Ele comerá do pão do seu Deus, tanto do santíssimo como do 
santo. 
42 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Porém até ao véu não entrará, nem se chegará ao altar, 
porquanto defeito há nele, para que não profane os meus 
santuários; porque eu sou o Senhor que os santifico.” (Lv 
21:16-23) 
 
Imediatamente após o êxodo do Egito, foi dada essa ordem 
a Moisés: “Santifica-me todo o primogênito, o que abrir toda a 
madre entre os filhos de Israel, de homens e de animais; porque meu 
é.” (Ex 13:2). Endossando isso, no tratado de Bechorot – a terceira 
mais longa das seis Ordens da Mishná, que aborda na sua maioria 
o serviço religioso no Templo de Jerusalém, os Korbanot ou 
“oferendas sacrificiais” e outros assuntos considerados ou 
relacionados a essas “Coisas Sagradas” –, são citados oito tipos de 
defeitos, inclusive a falta de orelhas, seu tamanho ou formato 
defeituoso, como impedimento para os serviços do templo. 
Uma importante obra paralela à Bíblia, História dos 
Hebreus2, do historiador Flávio Josefo, confirma essa 
 
2 A obra História dos Hebreus é outra fonte segura de pesquisa que temos paralela à 
Bíblia. Tendo atravessado séculos até os nossos dias, a história do povo judeu 
permanece como um fiel relato dos acontecimentos contidos nas escrituras. Esse livro 
traz a história de personagens dos evangelhos e de Atos dos Apóstolos, tais como 
Pilatos, os Agripas e os Herodes, e inúmeros pormenores do mundo greco-romano. 
Seu autor, Flávio Josefo, foi um historiador e apologista judaico-romano, descendente 
de uma linhagem de importantes sacerdotes e reis, que registrou in loco a destruição 
de Jerusalém, pelas tropas do imperador romano Vespasiano, comandadas por seu 
filho Tito, futuro imperador. As obras de Josefo fornecem um importante panorama, 
abordando a história judaica, principalmente o período que marcou a segunda maior 
tragédia dos filhos de Abraão – a destruição do santo templo no ano 70 de nossa era. 
Uma confirmação das promessas de Deus para o seu povo e o cumprimento de sua 
palavra em todos os fatos registrados em suas páginas. 
 
43 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
determinação. No capítulo 10, sobre a lei que se refere aos 
sacrifícios, aos sacerdotes, às festas e outras solenidades, tanto 
civis quanto políticas, ele destaca: “Se entre os sacerdotes houvesse 
algum defeito corporal, ser-lhe-ia permitido estar com os demais, 
mas não poderia subir ao altar ou entrar no Templo. Eram 
obrigados a ser puros e castos não somente quando celebravam o 
serviço divino, mas em todo o resto de sua vida” (2004, p. 140). 
Mais adiante, capítulo 15, sobre as diversas outras 
observações legais do sumo sacerdote, Josefo revela como 
deveriam ser tratados aqueles que não podiam exercer tais cargos 
por terem deficiência: “Os que eram de família sacerdotal e não 
podiam exercer o sacerdócio, porque eram cegos, ficavam com os 
que estavam puros e não tinham nenhum defeito corporal. 
Recebiam a mesma porção que os levitas, que serviam no altar, mas 
estavam vestidos como os leigos, porque só aos que exerciam o 
serviço divino era permitido usar o hábito sacerdotal” (2004, p. 
1.340). 
Muitas vezes era até providencial uma deformidade para 
que a pessoa não viesse a ter um sacerdócio no futuro, conforme 
se encontra no livro décimo quarto, capítulos 23, 24, 25 e 26, 
Antiguidades judaicas, Parte I: “Esses bárbaros não se contentaram 
de saquear a cidade, devastaram também os campos, destruíram 
Marissa e não somente fizeram Antígono rei, mas entregaram-lhe 
Hircano e Fazael, acorrentados. Ele mandou cortar as orelhas ao 
primeiro, a fim de que, sobrevindo alguma mudança, ele fosse tido 
como incapaz de exercer o sumo sacerdócio, porque nossas leis 
proíbem conceder-se essa honra aos que têm algum defeito 
corporal” (JOSEFO, 2004, p. 1044). 
44 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Vemos na Bíblia que existem doze defeitos físicos 
aparentes, qualquer um dos quais desqualifica um sacerdote para 
o desempenho de suas funções (Lev. 21:16-23). Só que a 
“Halachá” (nome do conjunto de leis da religião judaica, incluindo 
os 613 mandamentos que constam na Torá e os posteriores 
mandamentos rabínicos e talmúdicos relacionados aos costumes e 
tradições, servindo como guia do modo de viver judaico) aumenta 
essa lista para 142, o que achamos desnecessário reproduzir aqui. 
Os defeitos físicos que desqualificam um animal para o sacrifício 
também são enumerados em Levítico, 22: 
 
“Nenhuma coisa em que haja defeito oferecereis, porque não 
seria aceita em vosso favor. 
E, quando alguém oferecer sacrifício pacífico ao Senhor, 
separando dos bois ou das ovelhas um voto, ou oferta 
voluntária, sem defeito será, para que seja aceito; nenhum 
defeito haverá nele. 
O cego, ou quebrado, ou aleijado, o verrugoso, ou sarnoso, 
ou cheio de impigens, estes não oferecereis ao Senhor, e 
deles não poreis oferta queimada ao Senhor sobre o altar. 
Porém boi, ou gado miúdo, comprido ou curto de membros, 
poderás oferecer por oferta voluntária, mas por voto não 
será aceito. 
O machucado, ou moído, ou despedaçado, ou cortado, não 
oferecereis ao Senhor; não fareis isto na vossa terra. 
45 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Também da mão do estrangeiro nenhum alimento 
oferecereis ao vosso Deus, de todas estas coisas, pois a sua 
corrupção está nelas; defeito nelas há; não serão aceitas em 
vosso favor.” (Lv 22:20-25) 
 
Tais defeitos são aumentados para 73 na Lei Rabínica, 
escritos rabínicos ao longo da história do Judaísmo, literatura da 
era talmúdica, em oposição à literatura rabínica medieval e 
moderna. Um defeito temporário desqualifica um sacerdote para 
sua função e um animal, para o sacrifício, apenas pelo tempo que 
durar. Consultando o verbete “defeito” da Enciclopédia Judaica 
(Jewish Encyclopedia, publicada entre 1901 e 1906 por Funk e 
Wagnalls, contendo cerca de 15.000 artigos em 12 volumes sobre 
a história dos judeus e do Judaísmo, hoje de domínio público), 
lemos o seguinte: “Defeito (Heb. mum) – Termo bíblico referente a 
um defeito físico ou ritual, que excluía uma pessoa do serviço do 
templo e tornava um animal impróprio para ser sacrificado”. 
Segundo a Lei Rabínica, por exemplo, um defeito físico do 
marido ou da mulher pode, em certas circunstâncias, até invalidar 
um contrato de casamento. De volta à Bíblia, o livro Levítico é 
contundente quanto aos homens com deficiências físicas, 
afirmando isso taxativamente, conforme destaque do capítulo 21: 
 
“Nenhum homem da descendência de Arão, o sacerdote, em 
quem houver alguma deformidade, se chegará para oferecer 
as ofertas queimadas do Senhor; defeito nele há; não se 
chegará para oferecer o pão do seu Deus. 
46 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Ele comerá do pão do seu Deus, tanto do santíssimo como do 
santo. 
Porém até ao véu não entrará, nem se chegará ao altar, 
porquanto defeito há nele, para que não profane os meus 
santuários; porqueeu sou o Senhor que os santifico.” (Lv 
21:21-23) 
 
 
As causas das deficiências oriundas de castigos entre os 
hebreus 
 
No contexto da história do povo hebreu, além das 
deficiências ou das deformações consideradas como 
consequências diretas de pecados ou de crimes, tais como a 
cegueira, a surdez, a paralisia, por exemplo, havia aquelas 
provenientes de acidentes, de agressões, de participação em lutas 
armadas contra inimigos do povo e as punições previstas em lei. 
Outras eram provenientes de marcas da própria escravidão: 
orelha ou nariz cortado, dedos ou a mão, olhos vazados. 
No quinto livro da Bíblia, Deuteronômio (palavra grega 
que significa “segunda lei” ou “lei repetida”), Moisés escreve as 
últimas palavras semelhantemente entregues durante os últimos 
sete dias de sua vida, não uma repetição da lei, mas sim uma 
aplicação dela em vista das novas condições que Israel 
encontraria em Canaã e devido à sua desobediência anterior. 
Moisés tinha nesses escritos o objetivo de levar Israel à 
47 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
obediência, encorajamento e advertência. Deuteronômio é uma 
espécie de testamento do velho Moisés às bordas da Terra 
Prometida. Nele, capítulo 25, encontramos um castigo severo 
(amputação da mão) para um procedimento considerado 
altamente pecaminoso por parte da mulher: 
 
“Quando pelejarem dois homens, um contra o outro, e a 
mulher de um chegar para livrar a seu marido da mão do 
que o fere, e ela estender a sua mão, e lhe pegar pelas suas 
vergonhas, 
Então cortar-lhe-ás a mão; não a poupará o teu olho.” (Dt 
25:11-12) 
 
Os castigos ou penas por faltas contra as leis de Deus e 
mesmo de Israel eram por vezes muito cruéis e de caráter 
extremo. Eles correspondiam a alguma necessidade da época em 
que foram estabelecidos. O próprio Moisés elaborou muitos deles; 
no capítulo 13 do livro que disserta sobre os adoradores de outros 
deuses, “Para que todo o Israel o ouça e o tema, e não torne a fazer 
semelhante maldade no meio de ti.” (Dt 13:11). 
Dureza que também é repetida nas palavras de Moisés 
com relação à criação de filhos em Deuteronômio, 21: 
 
“Quando alguém tiver um filho contumaz e rebelde, que não 
obedecer à voz de seu pai e à voz de sua mãe, e, castigando-
o eles, lhes não der ouvidos, 
48 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Então seu pai e sua mãe pegarão nele, e o levarão aos 
anciãos da sua cidade, e à porta do seu lugar; 
E dirão aos anciãos da cidade: Este nosso filho é rebelde e 
contumaz, não dá ouvidos à nossa voz; é um comilão e um 
beberrão. 
Então todos os homens da sua cidade o apedrejarão, até que 
morra; e tirarás o mal do meio de ti, e todo o Israel ouvirá e 
temerá.” (Dt 21:18-21) 
 
Maldições sem fim são indicadas para os que não seguiam 
os preceitos e uma delas está em Deuteronômio, 28: 
 
“Será, porém, que, se não deres ouvidos à voz do Senhor 
teu Deus, para não cuidares em cumprir todos os seus 
mandamentos e os seus estatutos, que hoje te ordeno, 
então virão sobre ti todas estas maldições, e te alcançarão: 
(Dt 28:15) 
(...) 
O Senhor te ferirá com loucura, e com cegueira, e com 
pasmo de coração; 
E apalparás ao meio-dia, como o cego apalpa na escuridão, 
e não prosperarás nos teus caminhos; porém somente 
serás oprimido e roubado todos os dias, e não haverá 
quem te salve.” (Dt 28:28-29). 
 
49 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
O livro de Juízes, que trata da história dos israelitas entre a 
conquista da terra de Canaã no final da vida de Josué até o 
estabelecimento do primeiro reinado, em seu contexto procurava 
levar o povo hebreu a melhor conhecer seus grandes heróis, tais 
como Otoniel, Aod, Baraque, Débora, Gideão, Jefté e Sansão, 
personagens que libertaram o povo da opressão constante dos 
inimigos e tentaram fazer com que esse mesmo povo observasse 
as leis estabelecidas. Juízes nos relata fatos que demonstram 
claramente que, na luta pela segurança do povo hebreu, às vezes 
era indispensável “passar a fio de espada” todos os homens 
aprisionados. No entanto, em Juízes 1, existe o relato de um caso 
de evidente “desencorajamento” permanente aos ataques aos 
hebreus, num severo castigo aplicado a um líder cananeu por uma 
das tribos de Judá: 
 
“E sucedeu, depois da morte de Josué, que os filhos de Israel 
perguntaram ao Senhor, dizendo: Quem dentre nós primeiro 
subirá aos cananeus, para pelejar contra eles? 
E disse o Senhor: Judá subirá; eis que entreguei esta terra na 
sua mão. 
Então disse Judá a Simeão, seu irmão: Sobe comigo à minha 
herança. E pelejemos contra os cananeus, e também eu 
contigo subirei à tua herança. E Simeão partiu com ele. 
E subiu Judá, e o Senhor lhe entregou na sua mão os 
cananeus e os perizeus; e feriram deles, em Bezeque, a dez 
mil homens. 
50 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
E acharam Adoni-Bezeque em Bezeque, e pelejaram contra 
ele; e feriram aos cananeus e aos perizeus. 
Porém Adoni-Bezeque fugiu, mas o seguiram, e prenderam-
no e cortaram-lhe os dedos polegares das mãos e dos pés. 
Então disse Adoni-Bezeque: Setenta reis, com os dedos 
polegares das mãos e dos pés cortados, apanhavam as 
migalhas debaixo da minha mesa; assim como eu fiz, assim 
Deus me pagou. E levaram-no a Jerusalém, e morreu ali. 
E os filhos de Judá pelejaram contra Jerusalém, e tomando-
a, feriram-na ao fio da espada; e puseram fogo na cidade.” 
(Jz 1:1-8) 
Castigo violento também ocorreu com Sansão. Sua 
descrição na Bíblia hebraica corresponde a um homem nazireu, 
filho de Manoá, nascido de mãe estéril (Juízes 13:2) e que liderou 
os israelitas contra os filisteus. Ele era da tribo de Dã e foi o 
décimo terceiro juiz de Israel, sucedendo a Abdon. Sansão foi juiz 
do povo de Israel por vinte anos, aproximadamente de 1177 a.C. a 
1157 a.C. Distinguia-se por ter uma força sobre-humana que, 
segundo a Bíblia, era-lhe fornecida pelo Espírito do Senhor 
enquanto se mantivesse obediente ao senhor dos Exércitos. 
Subjugava facilmente seus inimigos e produzia feitos 
inalcançáveis por homens comuns, como rasgar um leão novo ao 
meio, enfrentar um exército inteiro e matar uma multidão de 
filisteus (depois de descobrir que foi enganado) para pegar suas 
roupas, pagando uma aposta. De acordo com Juízes 16, Sansão 
apaixonou-se por Dalila, uma mulher do povo filisteu, a qual o 
traiu entregando-o aos chefes de sua nação: 
51 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
 
“E descobriu-lhe todo o seu coração, e disse-lhe: Nunca 
passou navalha pela minha cabeça, porque sou nazireu de 
Deus desde o ventre de minha mãe; se viesse a ser rapado, ir-
se-ia de mim a minha força, e me enfraqueceria, e seria 
como qualquer outro homem. 
Vendo, pois, Dalila que já lhe descobrira todo o seu coração, 
mandou chamar os príncipes dos filisteus, dizendo: Subi esta 
vez, porque agora me descobriu ele todo o seu coração. E os 
príncipes dos filisteus subiram a ter com ela, trazendo com 
eles o dinheiro. 
Então ela o fez dormir sobre os seus joelhos, e chamou a um 
homem, e rapou-lhe as sete tranças do cabelo de sua cabeça; 
e começou a afligi-lo, e retirou-se dele a sua força. 
E disse ela: Os filisteus vêm sobre ti, Sansão. E despertou ele 
do seu sono, e disse: Sairei ainda esta vez como dantes, e me 
sacudirei. 
Porque ele não sabia que já o Senhor se tinha retirado dele. 
Então os filisteus pegaram nele, e arrancaram-lheos olhos, e 
fizeram-no descer a Gaza, e amarraram-no com duas 
cadeias de bronze, e girava ele um moinho no cárcere.” (Jz 
16:17-21) 
 
Após ser cegado pelos filisteus, Sansão passou à condição 
de escravo. Morreu sacrificando-se para se vingar de seus 
52 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
inimigos, após ter clamado a Deus pela restituição de sua força 
para um último e definitivo ato. 
 O vazamento dos olhos era um castigo severo, um tanto 
em moda naquelas regiões. Existe um baixo relevo da cultura 
assíria, muito conhecido, que nos mostra um soberano vazando os 
olhos de três prisioneiros, um deles ajoelhado e os outros dois em 
pé, puxados pelo próprio rei para perto de si por meio de um fio 
preso aos lábios dos infelizes por argolas. Esse castigo 
desencorajava as fugas, sem causar maiores limitações ou 
dificuldades para trabalhos pesados. 
 
O Monte Sinai e a questão da hanseníase na Bíblia 
 
No livro de Êxodo, durante a épica migração de todo o 
povo hebreu do Egito para a Terra Prometida, que ficou 
estacionado por anos a fio na base do monte Sinai, Moisés 
elaborou não apenas o Decálogo (ou Os Dez Mandamentos), mas 
muitas outras determinações, regulamentos adicionais e códigos 
de conduta ao seu povo que ele estava guiando: leis e normas a 
respeito de escravos, de conflitos e suas soluções, de homicídios e 
seus castigos, de roubos, de seduções, de magia, a respeito de 
diversos assuntos de medicina, muitos cuidados e preceitos 
relacionados à higiene e à saúde de seu povo, no cenário 
grandioso do deserto, lembrando várias daquelas normas que ele 
conhecia muito bem no Egito, onde havia sido educado bem 
próximo à nobreza e aos sacerdotes. Não é, portanto, de espantar 
que apenas sobre a hanseníase haja capítulos inteiros e extensos 
53 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
no livro de Levítico. E exatamente como no Egito e outros países 
da Mesopotâmia, Moisés deixou a responsabilidade da medicina 
sob os cuidados dos sacerdotes, que eram os levitas. 
A Bíblia, especialmente no Antigo Testamento, fala muitas 
vezes sobre o problema da hanseníase. A antiga e condenada 
expressão “pessoas leprosas” referia-se a uma doença da pele, 
abrangendo tipos diferentes de doenças. Uma pessoa com 
hanseníase era considerada imunda, conforme vemos nestes dois 
versos de Levítico 13, embora todo o capítulo só trate desse 
assunto: 
 
“Falou mais o Senhor a Moisés e a Arão, dizendo: 
Quando um homem tiver na pele da sua carne, inchação, ou 
pústula, ou mancha lustrosa, na pele de sua carne como 
praga da lepra, então será levado a Arão, o sacerdote, ou a 
um de seus filhos, os sacerdotes. 
E o sacerdote examinará a praga na pele da carne; se o pelo 
na praga se tornou branco, e a praga parecer mais 
profunda do que a pele da sua carne, é praga de lepra; o 
sacerdote o examinará, e o declarará por imundo.” (Lv 
13:1-3) 
 
A doença era vista tal qual uma praga, descrita como 
enviada por Deus para repreender o povo desobediente: “Quando 
tiverdes entrado na terra de Canaã que vos hei de dar por 
54 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
possessão, e eu enviar a praga da lepra em alguma casa da terra da 
vossa possessão,” (Lv 14:34). 
Os extensos capítulos com as instruções sobre a 
hanseníase, obviamente, serviam para conter uma doença 
considerada maligna, mesmo séculos antes de cientistas 
compreenderem como doenças se propagam. Sobretudo, 
concluímos hoje que o motivo para falar tanto sobre a hanseníase 
no Antigo Testamento trazia duas lições espirituais: 
 
1. A importância da obediência. Entre as últimas 
orientações dadas por Moisés ao povo de Israel 
encontram-se estas palavras: “Guarda-te da praga da 
lepra, e tenhas grande cuidado de fazer conforme a tudo o 
que te ensinarem os sacerdotes levitas; como lhes tenho 
ordenado, terás cuidado de o fazer.” (Dt 24:8). 
2. A necessidade de distinguir entre o limpo e o imundo. A 
chave ao entendimento desse significado da lepra aparece 
em Levítico 14:54-57: “54Esta é a lei de toda a praga da 
lepra, e da tinha, E da lepra das roupas, e das casas, E da 
inchação, e das pústulas, e das manchas lustrosas; Para 
ensinar quando alguma coisa será imunda, e quando será 
limpa. Esta é a lei da lepra.” 
 
Muitos estudos teológicos apontam que Deus usou coisas 
físicas – sejam doenças, questões de higiene, sejam diferenças 
entre animais – para ensinar princípios espirituais. Ao ser 
55 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
descoberta a “imundícia da lepra”, não mediam esforço para se 
livrarem dela. Pessoas leprosas foram publicamente identificadas 
e afastadas da congregação para não contaminarem outros. 
Quando as tentativas de purificar as casas não foram bem-
sucedidas, foi necessário derrubar casas inteiras para não deixar a 
praga se espalhar, como lemos nestes versos de Levítico 14: 
“Porém, se a praga tornar a brotar na casa, depois de arrancadas as 
pedras e raspada a casa, e de novo rebocada, Então o sacerdote 
entrará e examinará, se a praga na casa se tem estendido, lepra 
roedora há na casa; imunda está. Portanto se derribará a casa, as 
suas pedras, e a sua madeira, como também todo o barro da casa; e 
se levará para fora da cidade a um lugar imundo.” 
Nesse contexto também há o caso de Naamã, um 
comandante dos exércitos de Ben-Hadade II, no tempo de Jorão, 
rei de Israel. Ele é mencionado em Tanakh (um acrônimo utilizado 
dentro do Judaísmo para denominar seu conjunto principal de 
livros sagrados, cujo conteúdo é equivalente ao Antigo 
Testamento, porém com outra divisão, consistindo em 24 livros). 
Em nossa Bíblia sua história é narrada em 2 Reis 5: 
 
“E Naamã, capitão do exército do rei da Síria, era um 
grande homem diante do seu Senhor, e de muito respeito; 
porque por ele o Senhor dera livramento aos sírios; e era 
este homem herói valoroso, porém leproso. E saíram tropas 
da Síria, da terra de Israel, e levaram presa uma menina que 
ficou ao serviço da mulher de Naamã. E disse esta à sua 
senhora: Antes o meu senhor estivesse diante do profeta que 
está em Samaria; ele o restauraria da sua lepra. Então foi 
56 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Naamã e notificou ao seu senhor, dizendo: Assim e assim 
falou a menina que é da terra de Israel. Então disse o rei da 
Síria: Vai, anda, e enviarei uma carta ao rei de Israel. E foi, e 
tomou na sua mão dez talentos de prata, seis mil siclos de 
ouro e dez mudas de roupas. E levou a carta ao rei de Israel, 
dizendo: Logo, em chegando a ti esta carta, saibas que eu te 
enviei Naamã, meu servo, para que o cures da sua lepra. 
E sucedeu que, lendo o rei de Israel a carta, rasgou as suas 
vestes, e disse: Sou eu Deus, para matar e para vivificar, 
para que este envie a mim um homem, para que eu o cure da 
sua lepra? Pelo que deveras notai, peço-vos, e vede que 
busca ocasião contra mim. 
Sucedeu, porém, que, ouvindo Eliseu, homem de Deus, que o 
rei de Israel rasgara as suas vestes, mandou dizer ao rei: Por 
que rasgaste as tuas vestes? Deixa-o vir a mim, e saberá que 
há profeta em Israel. Veio, pois, Naamã com os seus cavalos, 
e com o seu carro, e parou à porta da casa de Eliseu. Então 
Eliseu lhe mandou um mensageiro, dizendo: Vai, e lava-te 
sete vezes no Jordão, e a tua carne será curada e ficarás 
purificado. 
Porém, Naamã muito se indignou, e se foi, dizendo: Eis que 
eu dizia comigo: Certamente ele sairá, pôr-se-áem pé, 
invocará o nome do Senhor seu Deus, e passará a sua mão 
sobre o lugar, e restaurará o leproso. Não são porventura 
Abana e Farpar, rios de Damasco, melhores do que todas as 
águas de Israel? Não me poderia eu lavar neles, e ficar 
purificado? E voltou-se, e se foi com indignação. Então 
chegaram-se a ele os seus servos, e lhe falaram, e disseram: 
57 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Meu pai, se o profeta te dissesse alguma grande coisa, 
porventura não a farias? Quanto mais, dizendo-te ele: Lava-
te, e ficarás purificado. 
Então desceu, e mergulhou no Jordão sete vezes, conforme a 
palavra do homem de Deus; e a sua carne tornou-se como a 
carne de um menino, e ficou purificado. Então voltou ao 
homem de Deus, ele e toda a sua comitiva, e chegando, pôs-
se diante dele, e disse: Eis que agora sei que em toda a terra 
não há Deus senão em Israel; agora, pois, peço-te que 
aceites uma bênção do teu servo.” (2 Reis 5:1-15). 
 
Dois pontos de destaques. Naamã volta a Eliseu com 
presentes caros, e Eliseu se recusa a aceitar. Naamã também 
renuncia ao seu ex-deus Rimom depois de ser curado por Eliseu e 
aceitar o Deus de Israel. 
Posteriormente, Naamã é mencionado em Lucas 4:27, no 
Novo Testamento, como um exemplo da vontade de Deus para 
salvar as pessoas que são consideradas pelos homens como 
menos piedosas e indignas da salvação. Como a Septuaginta (a 
Bíblia hebraica para o grego koiné, traduzida em etapas entre o III 
e o I século a.C. em Alexandria), o Antigo Testamento em grego 
usa a palavra baptizein para a imersão que cura o pagão Naamã, o 
que também ocorre no rio Jordão, onde Jesus Cristo foi batizado 
vários séculos depois. Os cristãos muitas vezes interpretam a 
história de Naamã como uma prefiguração do batismo cristão das 
nações pagãs. 
58 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Voltando a Moisés e ao Monte Sinai, a legislação dos 
hebreus da época era violenta, visando manter o povo unido, 
disciplinado, com argumentos relacionados à vontade expressa de 
Deus com expressões como “...temerás o Senhor o teu Deus, porque 
sou o Senhor”. Mas muitas dessas leis e ordens não surtiram os 
efeitos esperados. A lei de talião, reinante em alguns países então, 
foi também introduzida pelo líder maior, Moisés, que certamente 
já conhecia o Código de Hamurábi. Algumas dessas severas 
normas lavradas em pedra muitos anos antes de Moisés existir 
passaram para o código dos hebreus quase com as mesmas 
palavras. 
 
O Código de Hamurábi e a severidade que inspirou os 
hebreus 
 
O Código de Hamurábi representa o conjunto de leis 
escritas, sendo um dos exemplos mais bem preservados desse tipo 
de texto oriundo da Mesopotâmia. Acredita-se que tenha sido 
escrito pelo rei Hamurábi, aproximadamente em 1700 a.C. Foi 
encontrado por uma expedição francesa em 1901 na região da 
antiga Mesopotâmia, correspondente à cidade de Susa, atual Irã. É 
um monumento monolítico talhado em rocha de diorito, sobre o 
qual se dispõem 46 colunas de escrita cuneiforme acádica, com 
282 leis em 3.600 linhas. A numeração vai até 282, mas a cláusula 
13 foi excluída por superstições da época. A peça tem 2,25 m de 
altura, 1,50 m de circunferência na parte superior e 1,90 m na 
59 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
base. Hoje ele encontra-se preservado no Museu do Louve, em 
Paris. 
A sociedade era dividida em três classes, que também 
pesavam na aplicação do código: Awilum, homens livres, 
proprietários de terras, que não dependiam do palácio nem do 
templo; Muskênum, camada intermediária, funcionários públicos, 
que tinham certas regalias no uso de terras; Wardum, escravos, 
que podiam ser comprados e vendidos até que conseguissem 
comprar sua liberdade. 
Os pontos principais do código de Hamurábi eram: lei de 
talião (olho por olho, dente por dente), falso testemunho, roubo e 
receptação, estupro, família, escravos, ajuda de fugitivos. O 
objetivo desse código era homogeneizar juridicamente o reino e 
garantir uma cultura comum. No seu epílogo, Hamurábi afirma 
que elaborou o conjunto de leis “para que o forte não prejudique o 
mais fraco, a fim de proteger as viúvas e os órfãos” e “para resolver 
todas as disputas e sanar quaisquer ofensas”. 
É a coleção mais antiga de leis que se conhece, bem mais 
antiga que o Decálogo de Moisés e que as normas por ele traçadas 
no livro de Levítico, com o qual existem pontos de similaridade 
eventual. Há semelhanças também no Deuteronômio. Vejamos 
alguns pontos que indicam, como punição, amputações: 
 
Eu, Hamurábi, chefe designado pelos deuses, Rei dos Reis, 
que conquistei as cidades do Eufrates, introduzi a verdade e 
a equidade por todo o país e dei prosperidade ao povo. De 
hoje em diante: 
60 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
“Se alguém apagar a marca de ferro em brasa de um 
escravo, terá seus dedos cortados” 
“Se um médico operar um patrício com faca de bronze e 
causou-lhe a morte, ou abriu-lhe a órbita do olho e causou-
lhe a destruição, terá sua mão cortada” 
“Se um escravo disser ao seu dono: ‘Tu não és meu Senhor’, 
seu senhor provará que o é e cortará sua orelha” 
“Se um homem bater em seu pai, terá as mãos cortadas”... 
“Um olho por um olho, um dente por um dente. Trata-se de 
justiça sem piedade. Se um homem tira um olho de um 
patrício, também seu olho será tirado; se ele quebrou o osso 
de um patrício, seu braço será quebrado. As classes 
inferiores da sociedade também merecem compensações. Se 
ele tirou o olho ou quebrou o osso de um plebeu, ele deverá 
pagar uma mina de prata; se foi de um escravo, pagará 
metade de seu preço”... 
 
Nos cinco livros bíblicos escritos por Moisés há textos e 
palavras tão semelhantes que parecem pura cópia do Código de 
Hamurábi. Eis um deles em uma livre citação: “Se alguém ferir o 
olho de seu escravo ou de sua escrava e os deixar cegos de um olho, 
deixá-los-á ir livres pelo olho que lhes tirou”. “O que ferir qualquer 
de seus compatriotas, assim como fez, assim se lhe fará a ele; 
quebradura por quebradura, olho por olho, dente por dente; qual 
for o mal que tiver feito, tal será o que há de sofrer”. A mesma linha 
de pensamentos encontramos no Êxodo 21:24: “Olho por olho, 
dente por dente, mão por mão, pé por pé,". 
61 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Vemos que tanto entre os babilônios como entre os 
antigos hebreus sempre houve muitas pessoas marcadas por 
crimes cometidos. No entanto, nem sempre a deficiência ou 
deformação física ou sensorial correspondiam a uma 
demonstração de castigo por feitos delituosos ou à “troca” por 
males cometidos a outrem. Reis, generais, líderes, soldados eram 
por vezes castigados por combaterem os grandes poderosos e 
levavam consigo pelo resto de seus dias as marcas impostas pelos 
vencedores, como aconteceu com Zedequias. 
 
Rei Zedequias, mais um caso de cegueira como punição 
 
Os livros Primeiro e Segundo de Reis relatam de forma 
contínua relatos de reis, a história de Israel, a morte de Davi, o 
reinado de Salomão, os reinos divididos e o cativeiro. Narram 
muitas histórias políticas e religiosas, incidentes que são 
evidenciados, mas pelo modo com que julgam os vários reis como 
maus e bons. Um deles é Zedequias (ou Sedecias), vigésimo e 
último rei de Judá, terceiro filho de Josias, cuja mãe era Hamutal. 
Quando foi constituído em rei vassalo, o rei babilônio 
Nabucodonosor mudou-lhe o nome deMatanias para Zedequias, 
tendo 11 anos o seu reinado, substituto ao destronado Joaquim, 
refém mantido na capital do reino babilônico. Além de 
mencionado na Bíblia (2 Reis, Crônicas e Jeremias), Zedequias é 
também citado em diversos documentos e crônicas da Babilônia 
que relatam os principais acontecimentos políticos, religiosos e 
guerreiros dos séculos VII e VI a.C. sob o ponto de vista babilônio. 
62 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Mesmo sendo indicado e empossado por Nabucodonosor, 
porém, Zedequias, tempos depois, começou a conspirar contra o 
poderoso rei, fazendo contatos pessoais com diversos monarcas 
dos minúsculos países e também com o faraó egípcio. Após ter 
governado nove anos quebrou o juramento e, contrário à palavra 
de Deus por meio do profeta Jeremias, rebelou-se contra 
Nabucodonosor, encorajado pelo novo faraó egípcio Apries, que 
organizava uma expedição militar contra a Babilônia. Em 2 
Crônicas 36 também dá destaque a isso: 
 
“Tinha Zedequias a idade de vinte e um anos, quando 
começou a reinar; e onze anos reinou em Jerusalém. 
E fez o que era mau aos olhos do Senhor seu Deus; nem se 
humilhou perante o profeta Jeremias, que falava da parte do 
Senhor. 
Além disto, também se rebelou contra o rei Nabucodonosor, 
que o tinha ajuramentado por Deus. Mas endureceu a sua 
cerviz, e tanto se obstinou no seu coração, que não se 
converteu ao Senhor Deus de Israel. 
Também todos os chefes dos sacerdotes e o povo 
aumentavam de mais em mais as transgressões, segundo 
todas as abominações dos gentios; e contaminaram a casa 
do Senhor, que ele tinha santificado em Jerusalém.” (2 Cr 
36:11-14). 
 
63 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
O rei Nabuconosor, bem informado das pequenas 
conspirações e traições, tomou providências enérgicas. Mandou 
todo o seu exército cercar Jerusalém e lá se plantou durante dois 
anos. Ocorrido em 586 a.C., está relatado em 2 Reis: 
 
“E sucedeu que, no nono ano do seu reinado, no mês décimo, 
aos dez do mês, Nabucodonosor, rei de babilônia, veio 
contra Jerusalém, ele e todo o seu exército, e se acampou 
contra ela, e levantaram contra ela trincheiras em redor. 
E a cidade foi sitiada até ao undécimo ano do rei Zedequias. 
Aos nove do mês quarto, quando a cidade se via apertada 
pela fome, nem havia pão para o povo da terra, 
Então a cidade foi invadida, e todos os homens de guerra 
fugiram de noite pelo caminho da porta, entre os dois muros 
que estavam junto ao jardim do rei (porque os caldeus 
estavam contra a cidade em redor), e o rei se foi pelo 
caminho da campina. 
Porém o exército dos caldeus perseguiu o rei, e o alcançou 
nas campinas de Jericó; e todo o seu exército se dispersou. 
E tomaram o rei, e o fizeram subir ao rei de babilônia, a 
Ribla; e foi-lhe pronunciada a sentença. 
E aos filhos de Zedequias mataram diante dos seus olhos; e 
vazaram os olhos de Zedequias, e o ataram com duas 
cadeias de bronze, e o levaram a babilônia.” (2 Reis 25:1-7). 
 
64 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
A cidade fora toda destruída. Zedequias, ciente do perigo, 
fugiu pelos jardins dos palácios, mas foi preso e levado à presença 
do temido rei da Babilônia, em Ribla, ao lado de Jerusalém. Seus 
filhos ainda novos foram mortos em sua presença. Segundo todos 
os documentos, Zedequias teve seus olhos vazados ali mesmo. E 
quando o enorme exército movimentou-se de volta à Babilônia, 
levando as últimas levas de prisioneiros de Judá, Zedequias, 
carregado de ferros, cego e amargurado, empreendeu a mesma 
caminhada. O livro de Jeremias, 52, assim relata o fim de 
Zedequias: 
 
“E o rei de babilônia degolou os filhos de Zedequias à sua 
vista, e também degolou a todos os príncipes de Judá em 
Ribla. 
E cegou os olhos a Zedequias, e o atou com cadeias; e o rei 
de babilônia o levou para babilônia, e o conservou na prisão 
até o dia da sua morte.” (Jr 52:10-11). 
 
 
 
A medicina dos hebreus 
 
Pouco nos é relatado pelos diversos livros da Bíblia a 
respeito da medicina. Sabemos, sim, que a cirurgia ocorria 
basicamente para a circunstância da circuncisão, com uma lâmina 
65 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
de sílex. Entre os hebreus, problemas ortopédicos sempre 
receberam tratamentos caseiros com bons resultados. Há uma 
citação em Ezequiel, capítulo 30, mostrando na cultura hebreia 
antiga plenos conhecimentos dos tratamentos indispensáveis para 
pernas ou braços quebrados: “Filho do homem, eu quebrei o braço 
de Faraó, rei do Egito, e eis que não foi atado para se lhe aplicar 
remédios, nem lhe colocarão ligaduras para o atar, a fim de torná-lo 
forte, para pegar na espada.” (Ez 30:21). 
Um dos juízes da tribo de Neftali, Tobias viveu no século 
VII a.C. Sua história nos é narrada pelo livro da Bíblia que leva o 
seu próprio nome, embora esse volume só se encontre hoje nas 
versões católicas – a Vulgata. Ele era um dos muitos hebreus 
desterrados em Nínive e procurava dedicar todos os seus dias à 
misericórdia, a fim de minorar os sofrimentos dos seus 
compatriotas; “alimentava os famintos, vestia os nus, e, com uma 
solicitude toda particular, sepultava os mortos e os que tinham 
perecido pela espada” (Tobias, 1:20). Fora denunciado ao rei, que 
o condenou à morte por causa desse ato. Tobias fugiu da cidade 
com sua família, mas após 45 dias da morte do rei, pôde retornar. 
Certa noite resolveu oferecer um banquete em sua casa aos 
homens piedosos de sua tribo. No meio do jantar, ao ficar sabendo 
de um hebreu morto à espada, correu e recolheu-o, para sepultá-
lo secretamente na madrugada. Voltou a cear, mas com pranto e 
temor, lembrando-se de um oráculo que o Senhor tinha 
pronunciado pela boca do profeta Amós: “E tornarei as vossas 
festas em luto, e todos os vossos cânticos em lamentações; e porei 
pano de saco sobre todos os lombos, e calva sobre toda cabeça; e 
farei que isso seja como luto por um filho único, e o seu fim como dia 
de amarguras.” (Am 8:10) 
66 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Criticado por seus vizinhos por manter aquela prática 
mesmo depois de condenado à morte, Tobias, temendo mais a 
Deus que ao rei, continuava a levar para sua casa os corpos 
daqueles que eram assassinados, que escondia e sepultava 
durante a noite. Assim está narrado em Tobias 2: 
 
10. Ora, aconteceu que um dia, cansado desse trabalho, 
voltou para a sua casa e deitou-se ao pé do muro onde 
adormeceu. 
11. Enquanto dormia, caiu-lhe dum ninho de andorinhas 
esterco quente nos olhos, e ele tornou-se cego. 
12. Deus permitiu que lhe acontecesse essa prova, para que 
a sua paciência, como a do santo homem Jó, servisse de 
exemplo à posteridade. 
13. Como havia sempre temido a Deus, desde a sua infância, 
e guardado seus mandamentos, ele não se afligiu (nem 
murmurou) contra Deus por ter sido atingido pela cegueira. 
14. Mas perseverou firme no temor de Deus e continuou a 
dar-lhe graças em todos os dias de sua vida. 
Temendo estar próxima sua morte, mandou seu filho, que 
também se chamava Tobias, resgatar o pagamento de uma dívida 
na cidade de Ragés, no reino dos medos. Em sua viagem, ao lado 
de Azarias, que na verdade era o anjo Rafael disfarçado, Tobias 
67 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
aprendeu dele que o fel de peixe poderia ser usado com sucesso 
como ingrediente para remédios – Tobias 11: 
 
13.Tobias tomou então o fel do peixe e pô-lo nos olhos de 
seu pai. 
14. Depois de ter esperado cerca de meia hora, começou a 
sair-lhe dos olhos uma belida branca como a membrana de 
um ovo. 
15. Tobias tomou-a e a arrancou dos olhos de seu pai, o qual 
recobrou instantaneamente a vista. 
16. E louvaram a Deus, ele, sua mulher e todos os que o 
conheciam. 
17. “Bendigo-vos, Senhor Deus de Israel, dizia ele, porque 
depois de me terdes provado, me curastes: – eis que vejo o 
meu filho Tobias!” 
 
Cientificamente, Tobias pode ter sofrido de glaucoma, uma 
doença ocular causada principalmente pela elevação da pressão 
intraocular que provoca lesões no nervo ótico e, como 
consequência, comprometimento visual, podendo levar à cegueira. 
Mas fato é que o velho Tobias viveu até a idade de 102 anos sem 
maiores problemas com a vista. 
68 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Em contrapartida, a cultura hebreia antiga, principalmente 
no livro de Levítico, com suas normas e leis relativas à santidade, 
à caridade e à justiça, recomendava a todo o povo hebreu não 
apenas respeitar os pais, guardar o sábado, evitar a idolatria, a 
vingança, o ódio, o furto, mas também que fossem respeitados os 
surdos e os cegos. Moisés, em suas orientações, recomenda no 
capítulo 19 desse livro: “Não amaldiçoarás ao surdo, nem porás 
tropeço diante do cego; mas temerás o teu Deus. Eu sou o Senhor.” 
(Lv 19:14) 
Recomendação repetida também no livro de 
Deuteronômio, dirigida aos hebreus, que garantissem a proteção e 
o bom tratamento aos cegos, colocando essas atitudes positivas 
diretamente ao lado e em pé de igualdade com o amor aos pais, a 
certeza da justiça, a condenação da idolatria, a garantia da 
propriedade e algumas outras práticas relacionadas a sexo e 
também a traições. Diz: “Maldito aquele que fizer que o cego erre 
de caminho. E todo o povo dirá: Amém.” (Dt 27:18). 
Apesar dessa forte ênfase nas várias normas de conduta 
do povo hebreu, o cego viveu praticamente por muitos séculos em 
absoluta degradação social, que só começou a ser combatida sob o 
reinado do príncipe Judah-ha-Nasin (135 a 217 d.C.), rabino 
redator e editor da Mishná, líder chave da comunidade judia 
durante a ocupação romana da Judeia. De acordo com o Talmude – 
um registro central das discussões rabínicas que pertencem à lei, 
ética, costumes e história do judaísmo –, Judah-ha-Nasin era da 
linhagem de Davi, daí o título nasi, o que significa príncipe. 
Confirmando a Bíblia, o Talmude narra a sabedoria de 
alguns mestres e mesmo de alguns juízes cegos, aos quais, dentre 
69 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
as limitações de atuação a eles impostas, não era permitido ler o 
Torá (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), nem 
oficiar serviços religiosos públicos. Não tinham também nenhuma 
obrigação de ir até Jerusalém para suas orações, nem de cumprir 
obrigações religiosas que demandassem o uso da visão. O 
Talmude referia-se a esses sábios mestres e juízes cegos por meio 
de um apelido afetuoso, ou seja, de “sagui Nehor” (ricos em luz, ou 
videntes). 
 
Olhos direitos furados dos habitantes de Jabes 
 
Os hebreus compunham as tribos de Israel e as tribos de 
Judá. Israel especificamente controlava os amonitas, povo 
habitante a leste do rio Jordão, constantes inimigos em épocas 
bem anteriores aos anos de problemas com o cativeiro da 
Babilônia, ou seja, em épocas que beiram um milênio antes da Era 
Cristã. Naás (que na língua original significa “serpente”), rei de 
Amom, da antiga nação de Israel, entrou em batalha contra os 
israelitas no território de Jabes, ao sitiar a vila de Jabes-Gileade, e 
enviou pelos anciãos da vila uma séria proposta para que a 
população sitiada não fosse dizimada. 
Vejamos primeiro o que narra a Bíblia sobre esse fato. 
Sobretudo, recorremos à versão Vulgata, I Samuel, 11: 
 
70 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
“1. Naás, o amonita, pôs-se em campanha e combateu 
contra Jabes, em Galaad. Os habitantes de Jabes disseram-
lhe: Façamos aliança, e nós te serviremos. 
2. Mas Naás, o amonita, respondeu-lhes: Só farei aliança 
convosco com a condição de vos furar a todos o olho direito, 
para impor assim um opróbrio a todo o Israel. 
3. Concede-nos sete dias, disseram-lhe os anciãos de Jabes, 
para que enviemos mensageiros por toda a terra de Israel; 
se não houver quem nos ajude, entregar-nos-emos a ti. 
4. Foram os mensageiros a Gabaa, cidade de Saul, e 
contaram isso ao povo, e todo o povo pôs-se a chorar em 
alta voz.” 
 
Os anciãos da vila sitiada conseguiram, no entanto, o apoio 
de um famoso herói da Bíblia, Saul, que conseguiu juntar, com 
base em violentas ameaças àqueles que não aderissem, um 
exército com 300 mil homens das tribos próximas de Israel e mais 
30 mil das tribos de Judá. Com esse impressionante contingente 
bateu decisivamente o exército inimigo que apavorava aquele 
pacato povo. Tendo sido anteriormente ungido por Samuel como 
primeiro rei de Israel, foi nessa oportunidade que Saul foi 
confirmado como tal. 
A Bíblia não deixa claro se a ameaça de furar o olho direito 
das pessoas chegou a ser cumprida. Mas duas respeitadas fontes 
paralelas afirmam que sim. 
71 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Em um dos Manuscritos do Mar Morto, que se acredita ser 
do século I a.C., há uma inserção logo antes de I Samuel 11:1: 
“Naás, rei dos filhos de Amom, oprimiu severamente os filhos de 
Gades e os filhos de Rubem, e ele furou todos os seus olhos direitos e 
lançou terror e pavor em Israel. Não sobrou nenhum dos filhos de 
Israel além do Jordão cujo olho direito não fosse furado por Naás, 
rei dos filhos de Amom; exceto que sete mil homens fugiram dos 
filhos de Amom e entraram em Jabes-Gileade”. (Bíblia Revista, 
1985, volume 1, nº 3, p. 28). 
Essa mesma informação é validada na obra História dos 
Hebreus, de Flávio Josefo: 
“Um mês após Saul ser elevado ao trono, a guerra em que se 
encontrou empenhado, contra Naás, rei dos amonitas, conquistou-
lhe grande fama. Esse príncipe, que havia muito causava grandes 
males aos israelitas que moravam além do Jordão, entrou no país 
deles com um poderoso exército, atacando várias cidades. Para 
tirar-lhes de vez a esperança de uma revolta, mandou vazar o olho 
direito de cada um, tanto os que fizera prisioneiros quanto os que se 
haviam entregado a ele voluntariamente. Fez isso porque os escudos 
cobriam a visão do olho esquerdo, e assim, nesse estado, não podiam 
mais servir-se das armas e tornavam-se incapazes de guerrear” 
(2004, pp. 249-250). 
 
Zacarias castigado por não ter acreditado em Gabriel 
 
Ainda no Antigo Testamento, mas já relacionado com o 
Novo, a primeira testemunha do Messias foi Zacarias, sacerdote 
72 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
casado com Isabel, prima de Maria, mãe de Jesus. Eram os dois 
considerados justos e harmoniosos em seu modo de viver e não 
tinham filhos, pois Isabel era estéril. Lucas 1 conta-nos: 
 
“E aconteceu que, exercendo ele o sacerdócio diante de Deus, 
na ordem da sua turma, 
Segundo o costume sacerdotal, coube-lhe em sorte entrar no 
templo do Senhor para oferecer o incenso. 
E toda a multidão do povo estava fora, orando, à hora do 
incenso. 
E um anjo do Senhor lhe apareceu, posto em pé, à direita do 
altar do incenso. 
E Zacarias, vendo-o, turbou-se, e caiu temor sobre ele. 
Mas o anjo lhe disse: Zacarias,não temas, porque a tua 
oração foi ouvida, e Isabel, tua mulher, dará à luz um filho, e 
lhe porás o nome de João. 
E terás prazer e alegria, e muitos se alegrarão no seu 
nascimento, 
Porque será grande diante do Senhor, e não beberá vinho, 
nem bebida forte, e será cheio do Espírito Santo, já desde o 
ventre de sua mãe. 
E converterá muitos dos filhos de Israel ao Senhor seu Deus, 
E irá adiante dele no espírito e virtude de Elias, para 
converter os corações dos pais aos filhos, e os rebeldes à 
73 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
prudência dos justos, com o fim de preparar ao Senhor u)m 
povo bem disposto. 
Disse então Zacarias ao anjo: Como saberei isto? pois eu já 
sou velho, e minha mulher avançada em idade. 
E, respondendo o anjo, disse-lhe: Eu sou Gabriel, que assisto 
diante de Deus, e fui enviado a falar-te e dar-te estas alegres 
novas. 
E eis que ficarás mudo, e não poderás falar até ao dia em 
que estas coisas aconteçam; porquanto não creste nas 
minhas palavras, que a seu tempo se hão de cumprir. 
E o povo estava esperando a Zacarias, e maravilhava-se de 
que tanto se demorasse no templo. 
E, saindo ele, não lhes podia falar; e entenderam que tinha 
tido uma visão no templo. E falava por acenos, e ficou 
mudo.” (Lc 1:8-22) 
 
Por ter duvidado do anjo Gabriel, Zacarias ficou mudo até 
o dia que tudo se cumprisse. Ele, um parente de Jesus, foi vítima 
de uma deficiência passageira. Segundo o evangelista Lucas, na 
verdade foi por castigo, corroborando a ideia de que as doenças e 
as deficiências estavam fortemente relacionadas a castigos ou 
penitências para pagamento de faltas ou pecados. 
Nove meses depois, nasceu João Batista, primo de Jesus e 
um dos personagens principais do Novo Testamento. Zacarias 
indicou numa tabuinha o nome que o menino deveria ter, tendo 
74 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
suas primeiras palavras ouvidas novamente na circuncisão da 
criança, oito dias após o nascimento. 
 
Mefibosete: O primeiro caso de inclusão vem da Bíblia 
 
Optamos por encerrar este capítulo com a história de 
Mefibosete, filho de Jônatas e neto do rei Saul, que foi levado, pela 
babá, a uma cidade chamada Lo Debar (sem pasto), onde havia 
sequidão e miséria, e cujos habitantes eram todos mendigos ou 
doentes. Isso ocorreu após o atentado contra o reino de Saul, por 
parte dos filisteus, na sangrenta batalha no monte Gilboa, o que 
resultou na morte de Saul e seus três filhos. Sua história está 
registrada no livro bíblico 2 Samuel 9: 
 
“E disse Davi: Há ainda alguém que tenha ficado da casa de 
Saul, para que lhe faça benevolência por amor de Jônatas? 
E havia um servo na casa de Saul cujo nome era Ziba; e o 
chamaram à presença de Davi. Disse-lhe o rei: És tu Ziba? E 
ele disse: Servo teu. 
E disse o rei: Não há ainda alguém da casa de Saul para que 
eu use com ele da benevolência de Deus? Então disse Ziba ao 
rei: Ainda há um filho de Jônatas, aleijado de ambos os pés. 
E disse-lhe o rei: Onde está? E disse Ziba ao rei: Eis que está 
em casa de Maquir, filho de Amiel, em Lo-Debar. 
75 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Então mandou o rei Davi, e o tomou da casa de Maquir, filho 
de Amiel, de Lo-Debar. 
E Mefibosete, filho de Jônatas, o filho de Saul, veio a Davi, e 
se prostrou com o rosto por terra e inclinou-se; e disse Davi: 
Mefibosete! E ele disse: Eis aqui teu servo. 
E disse-lhe Davi: Não temas, porque decerto usarei contigo 
de benevolência por amor de Jônatas, teu pai, e te restituirei 
todas as terras de Saul, teu pai, e tu sempre comerás pão à 
minha mesa. 
Então se inclinou, e disse: Quem é teu servo, para teres 
olhado para um cão morto tal como eu? 
Então chamou Davi a Ziba, moço de Saul, e disse-lhe: Tudo o 
que pertencia a Saul, e a toda a sua casa, tenho dado ao 
filho de teu senhor. 
Trabalhar-lhe-ás, pois, a terra, tu e teus filhos, e teus servos, 
e recolherás os frutos, para que o filho de teu senhor tenha 
pão para comer; mas Mefibosete, filho de teu senhor, sempre 
comerá pão à minha mesa. E tinha Ziba quinze filhos e vinte 
servos. 
E disse Ziba ao rei: Conforme a tudo quanto meu senhor, o 
rei, manda a seu servo, assim fará teu servo. Quanto a 
Mefibosete, disse o rei, comerá à minha mesa como um dos 
filhos do rei. 
E tinha Mefibosete um filho pequeno, cujo nome era Mica; e 
todos quantos moravam em casa de Ziba eram servos de 
Mefibosete. 
76 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Morava, pois, Mefibosete em Jerusalém, porquanto sempre 
comia à mesa do rei, e era coxo de ambos os pés.” (2 Sm 9:1-
13) 
 
Sua história também está detalhadamente registrada no 
livro História dos Hebreus. No capítulo 6, Flávio Josefo, após contar 
que Davi derrotou Hadadezer, rei de Damasco e da Síria, em 
grande batalha, o rei dos bamatenianos procura a sua aliança e 
Davi subjuga os idumeus. Josefo descreve: 
 
“Depois de ajustar todas as coisas, Davi lembrou-se da 
aliança que fizera com Jônatas e das muitas provas que 
recebera de sua amizade, pois dentre outras excelentes 
qualidades tinha extrema gratidão. Indagou então se não 
restava algum filho de Jônatas, para com o qual pudesse 
mostrar a gratidão de que era devedor. Levaram-lhe um dos 
libertos de Saul, de nome Ziba, que sabia existir ainda um 
dos filhos desse príncipe, de nome Mefibosete, que era coxo 
porque a sua ama, ao saber da derrota na batalha e da 
morte de Saul e de Jônatas, ficara tão assustada que o 
deixara cair. 
Davi mandou procurá-lo com todo empenho. Pouco tempo 
depois, informaram-lhe que Maquir o educava na cidade de 
Labate, e mandou buscá-lo imediatamente. Quando 
Mefibosete chegou, prostrou-se diante do rei. Davi disse-lhe 
que nada temesse e esperasse dele um tratamento muito 
favorável: dar-lhe-ia de novo a posse de todos os bens que 
77 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
pertenciam ao seu pai e ao rei Saul, seu avô, e queria que 
viesse sempre tomar as suas refeições com ele. 
Mefibosete, fora de si diante de tantas gentilezas, prostrou-
se outra vez diante do rei, para humildemente agradecer-
lhe. Davi ordenou a Ziba que fizesse chegar às mãos de 
Mefibosete os bens que lhe restituíra, que lhe trouxesse 
todos os anos a renda a Jerusalém e que o servisse com os 
quinze filhos e os vinte servidores que possuía. Assim, Davi 
tratou o filho de Jônatas como se fosse seu próprio filho, deu 
o nome de Mica a um dos filhos desse príncipe e tomou 
cuidado particular de todos os outros parentes de Saul e de 
Jônatas” (2004, pp. 304-305). 
 
Davi deu-lhe os pertences que um dia foram de Saul; 
apesar de neto de seu inimigo (Saul), era o filho de seu amigo 
(Jônatas) e Davi o tinha por comensal – que frequentava 
assiduamente sua casa e ali tomava suas refeições. Mefibosete foi 
o único a não ser enforcado, junto com outros sete descendentes 
de Saul (entre os quais estava seu tio, também chamado 
Mefibosete) por causa da promessa que Davi fez a Jônatas, seu 
amigo, de que suas sementes cresceriam juntas. 
78 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
II – MILAGRES E UMA NOVA VISÃO 
DA PESSOA COM DEFICÊNCIA NO 
NOVO TESTAMENTO 
 
 
 Novo Testamento é coleção de livros que compõem a 
segunda parte da Bíblia cristã, cujo conteúdo foi escrito 
após a morte de Jesus Cristo. Dirigido explicitamente aos 
cristãos, embora dentro da religião cristãtanto o Antigo 
Testamento (a primeira parte) quanto o Novo Testamento são 
considerados, em conjunto, Escrituras Sagradas. Os livros que 
compõem essa segunda parte da Bíblia foram escritos à medida 
que o Cristianismo era difundido no mundo antigo, refletindo e 
servindo como fonte para a teologia cristã. 
Essa coleção de 27 livros influenciou não apenas a religião, 
a política e a filosofia, mas também deixou sua marca permanente 
na literatura, na arte e na música. Entre eles estão os Evangelhos, 
um gênero de literatura do Cristianismo primitivo que conta a 
vida de Jesus, a fim de preservar seus ensinamentos ou revelar 
aspectos da natureza de Deus. O desenvolvimento do cânon do 
Novo Testamento deixou quatro evangelhos canônicos. 
Literalmente, Evangelho significa “boa mensagem”, “boa notícia” 
ou “boas novas”, derivando da palavra grega euangelion (eu, bom, 
angelion, mensagem), que também deu origem ao termo 
“evangelista” para a língua portuguesa. 
O 
79 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Os livros de Mateus, Marcos, Lucas e João são os 
Evangelhos canônicos por serem os únicos que o Cristianismo 
primitivo admitiu como legítimos e hoje integram o Novo 
Testamento da Bíblia, sendo também os únicos aceitos pelos 
grupos que sucederam, como os evangélicos. As igrejas cristãs só 
aceitam esses quatro evangelhos como tendo sido inspirados e 
fazendo parte do Cânon. As igrejas cristãs, católica, ortodoxa e 
protestantes têm na Bíblia, incluindo os evangelhos, a base de sua 
fé e de sua prática. 
 
Os esmolantes da antiga Judeia 
 
Contextualizando geográfica e historicamente, a cidade da 
Judeia era a parte montanhosa do sul da Palestina, entre a 
margem oeste do mar Morto e o mar Mediterrâneo. Estende-se, ao 
norte, até as colinas de Golan e, ao sul, até a Faixa de Gaza, 
correspondendo aproximadamente à parte sul da Cisjordânia. 
Atualmente, os termos Judeia e Samaria são usados pelo governo 
israelense para designar a Cisjordânia, excluindo Jerusalém 
Oriental. A Organização das Nações Unidas utilizou-os em 1948 
para se referir à parte sul da atual Cisjordânia. 
O Novo Testamento retrata uma Judeia muito viva, muito 
real, com seus costumes, atitudes, onde encontramos diversas 
considerações sobre pessoas com deficiências ou doenças muito 
sérias. Ainda eram fortes e enraizadas as crenças populares de 
que a maioria dos males era consequência da interferência de 
80 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
maus espíritos ou como um castigo para pagamento de pecados 
antigos. Silva (1987) diz que “na Judeia Antiga, inclusive no tempo 
de Jesus Cristo, o destino dos deficientes era esmolar para conseguir 
sobreviver. Os cegos, os amputados, os paralíticos pelas mais 
variadas causas ficavam expostos nos caminhos, ruas e praças. E 
pelo que se lê, deviam ser apenas tolerados. Depreendemos isso das 
parábolas de Jesus, ou mesmo das atitudes do próprio Jesus para 
com eles, demonstrando que estava errada a forma como eram 
tratados, mesmo sem expressar esse modo de pensar” (p. 112). 
O Evangelho de Mateus, escrito para convencer os judeus 
de que Jesus era mesmo o Messias que estava por vir, enfatizando 
o Antigo Testamento e as profecias a respeito desse ungido, no 
capítulo 20, versículo 30, descreve a existência de dois desses 
pedintes: “E eis que dois cegos, assentados junto do caminho, 
ouvindo que Jesus passava, clamaram, dizendo: Senhor, Filho de 
Davi, tem misericórdia de nós!”. O Evangelho de Lucas, escrito para 
os gentios (não judeus), enfatizando a misericórdia de Deus 
através da salvação por Jesus Cristo, principalmente para os 
pobres e humildes de coração, também no capítulo 14, versículo 
21, fica comprovado que o ambiente de exposição da pessoa para 
esmolar era um fato concreto: “E, voltando aquele servo, anunciou 
estas coisas ao seu senhor. Então o pai de família, indignado, disse 
ao seu servo: Sai depressa pelas ruas e bairros da cidade, e traze 
aqui os pobres, e aleijados, e mancos e cegos.” (Lc 14:21). 
 
A busca da cura 
 
81 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Naquela época remota, sem o avanço da medicina ou 
ciência, os poucos recursos de cura eram a fé. Tudo era 
dramaticamente mais difícil. Podemos imaginar a aflição de 
parentes e amigos desses doentes ou de pessoas com deficiência 
que, ao saberem da existência ou da presença de um rabino, um 
sacerdote, um profeta com dom de cura nos arredores, 
procuravam alcançá-los por todos os meios. O Evangelho de 
Marcos (discípulo de Pedro) foi escrito para evangelizar 
principalmente os romanos e relata somente quatro das parábolas 
de Jesus, enfatizando principalmente suas ações. Nele, temos um 
registro no capítulo 2 quanto a isso: 
 
“E alguns dias depois entrou outra vez em Cafarnaum, e 
soube-se que estava em casa. 
E logo se ajuntaram tantos, que nem ainda nos lugares 
junto à porta cabiam; e anunciava-lhes a palavra. 
E vieram ter com ele conduzindo um paralítico, trazido por 
quatro. 
E, não podendo aproximar-se dele, por causa da multidão, 
descobriram o telhado onde estava, e, fazendo um buraco, 
baixaram o leito em que jazia o paralítico. 
E Jesus, vendo a fé deles, disse ao paralítico: Filho, 
perdoados estão os teus pecados. 
E estavam ali assentados alguns dos escribas, que 
arrazoavam em seus corações, dizendo: 
82 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Por que diz este assim blasfêmias? Quem pode perdoar 
pecados, senão Deus? 
E Jesus, conhecendo logo em seu espírito que assim 
arrazoavam entre si, lhes disse: Por que arrazoais sobre 
estas coisas em vossos corações? 
Qual é mais fácil? dizer ao paralítico: Estão perdoados os 
teus pecados; ou dizer-lhe: Levanta-te, e toma o teu leito, e 
anda? 
Ora, para que saibais que o Filho do homem tem na terra 
poder para perdoar pecados (disse ao paralítico), 
A ti te digo: Levanta-te, toma o teu leito, e vai para tua casa. 
E levantou-se e, tomando logo o leito, saiu em presença de 
todos, de sorte que todos se admiraram e glorificaram a 
Deus, dizendo: Nunca tal vimos. 
 E tornou a sair para o mar, e toda a multidão ia ter com ele, 
e ele os ensinava. 
E, passando, viu Levi, filho de Alfeu, sentado na alfândega, e 
disse-lhe: Segue-me. E, levantando-se, o seguiu.” (Mc 2:1-
14). 
 
Outro exemplo da busca de cura e sua realização por meio 
de um milagre de Jesus ocorreu em Jerusalém, onde havia bem ao 
lado do templo uma piscina ou tanque destinado à purificação de 
animais que eram sacrificados e que era por esse motivo 
conhecida como “piscina probática” (do grego probatikón, ou seja, 
83 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
carneiro ou relativo a ovinos em geral). O Evangelho de João 5 
narra: 
 
“Depois disto havia uma festa entre os judeus, e Jesus subiu a 
Jerusalém. 
Ora, em Jerusalém há, próximo à porta das ovelhas, um 
tanque, chamado em hebreu Betesda, o qual tem cinco 
alpendres. 
Nestes jazia grande multidão de enfermos, cegos, mancos e 
ressicados, esperando o movimento da água. 
Porquanto um anjo descia em certo tempo ao tanque, e 
agitava a água; e o primeiro que ali descia, depois do 
movimento da água, sarava de qualquer enfermidade que 
tivesse. 
E estava ali um homem que, havia trinta e oito anos, se 
achava enfermo. 
E Jesus, vendo este deitado, e sabendo que estava neste 
estado havia muito tempo, disse-lhe: Queres ficar são? 
O enfermo respondeu-lhe: Senhor,não tenho homem algum 
que, quando a água é agitada, me ponha no tanque; mas, 
enquanto eu vou, desce outro antes de mim. 
Jesus disse-lhe: Levanta-te, toma o teu leito, e anda. 
Logo aquele homem ficou são; e tomou o seu leito, e andava. 
E aquele dia era sábado.” (Jo 5:1-9). 
 
84 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Elgood (1951), estudioso dos usos e costumes dos povos 
do Oriente Médio, afirma que a medicina contida nos Evangelhos e 
mesmo nos Atos dos Apóstolos aceitava basicamente três tipos de 
causas para as doenças e para as muitas limitações e deficiências 
que afligiam os homens: 
 
 o castigo pelos pecados; 
 a interferência dos maus espíritos; 
 as forças más da natureza, contra as quais o poder divino 
era o único remédio – ou pelo menos era assim 
considerado. 
 
Eis alguns pontos destacados dos Evangelhos que ilustram 
isso: João 5:14: “Depois Jesus encontrou-o no templo, e disse-lhe: Eis 
que já estás são; não peques mais, para que não te suceda alguma 
coisa pior.” João 9:2-3: “E os seus discípulos lhe perguntaram, 
dizendo: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse 
cego? Jesus respondeu: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim 
para que se manifestem nele as obras de Deus.” Lucas 9:38-39: “E 
eis que um homem da multidão clamou, dizendo: Mestre, peço-te 
que olhes para meu filho, porque é o único que eu tenho. 
Eis que um espírito o toma e de repente clama, e o despedaça até 
espumar; e só o larga depois de o ter quebrantado.” 
A Bíblia é a fonte documental que mais revela a existência 
e como viviam as pessoas com deficiência naquela época. Por meio 
dos Evangelhos vemos “que o povo hebreu – e com ele quase todos 
os povos ao seu redor – estava acostumado não apenas à existência 
85 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
das doenças e das deficiências que levavam o homem a uma vida de 
quase certa indigência ou total dependência, mas também à busca 
de soluções naturais e sobrenaturais, quando possível, para sua 
eliminação” (SILVA, 1987, p. 140). 
Os escritos dos evangelistas registram que Jesus fez mais 
de 40 milagres notórios, sendo pelo menos 21 deles relacionados 
a pessoas com deficiências físicas ou sensoriais. Optamos por não 
reproduzir todos aqui, mas si destacá-los como uma forma de 
registro: cego de nascimento (João 9:1-7), cego em Betsada 
(Marcos 8:22-26), cego Bartimeu de Jericó (Marcos 10:46 e Lucas 
8:35-43), dois cegos de Jericó (Mateus 20:29-34), dois cegos de 
Cafarnaum (Mateus 9:27-31), cegos na Galileia (Mateus 15:29-31), 
cego e mudo (Mateus 12:22), mudo de Cafarnaum (Mateus 9:32-
34), mudos na Galileia, (Mateus 15:29-31), surdo-mudo na 
Decápole (Marcos 7:31-37), surdo-mudo de Cesareia, (Marcos 
9:16-26 e Lucas 9:37-43), coxos na Galileia (Mateus 15:29-31), 
leprosos de Cafarnaum (Mateus 8:1-4, Marcos 1:40-45 e Lucas 
5:12-14), dez leprosos (Lucas 17:13-19), hidrópico (Lucas 14:1-
6), mulher com espinha curvada (Lucas 13:11-13), homem de 
“mão seca” (Mateus 12:9-13, Marcos 3:1-6 e Lucas 6:6-11), 
paralítico servo do centurião (Mateus 8:5-13), paralítico em 
Betsaida (João 5:5-9), paralítico de Cafarnaum (Mateus 9:1-8, 
Marcos 2:1-12 e Lucas 5:17-26). 
Não é possível ter os registros estatísticos de quantas 
pessoas com deficiência existiam naquele período. Mas sabemos 
que eram muitas. Na região da Galileia, o lar de Jesus durante pelo 
menos 30 anos de sua vida, o Evangelho de Mateus, capítulo 15, 
86 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
traz um relato que confirma essa grande quantidade de pessoas e 
os milagres de Jesus: 
 
“Partindo Jesus dali, chegou ao pé do mar da Galileia, e, 
subindo a um monte, assentou-se lá. 
E veio ter com ele grandes multidões, que traziam coxos, 
cegos, mudos, aleijados, e outros muitos, e os puseram aos 
pés de Jesus, e ele os sarou, 
De tal sorte, que a multidão se maravilhou vendo os mudos a 
falar, os aleijados sãos, os coxos a andar, e os cegos a ver; e 
glorificava o Deus de Israel. 
E Jesus, chamando os seus discípulos, disse: Tenho 
compaixão da multidão, porque já está comigo há três dias, 
e não tem o que comer; e não quero despedi-la em jejum, 
para que não desfaleça no caminho.” (Mt 15:29-32). 
 
A hanseníase no Novo Testamento 
 
Nas Escrituras, “lepra” não se restringe à doença 
conhecida hoje por esse nome, pois ela podia atingir não só os 
humanos, mas também roupas e casas (Le 14:55). No Antigo 
Testamento, principalmente em Levítico, há uma ampla descrição 
da lepra que, à medida que progride para seu estágio avançado, as 
lesões que inicialmente se desenvolveram soltavam pus, faziam 
cair os cabelos e as sobrancelhas, as unhas soltavam-se, 
87 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
decompunham-se e caíam. Daí, os dedos, os membros, o nariz ou 
os olhos da vítima iam lentamente se consumindo. Por fim, nos 
casos mais graves, seguiam-se de morte. Que a “lepra” bíblica 
certamente incluía tal doença grave é evidente na referência feita 
por Arão a ela como sendo um mal em que a carne é “metade 
consumida” (Nm, 12:12). 
Nos dias de Eliseu, Naamã, o sírio, era “capitão do exército 
do rei da Síria, era um grande homem diante do seu SENHOR, e de 
muito respeito; porque por ele o SENHOR dera livramento aos 
sírios; e era este homem herói valoroso, porém leproso.” (2 Rs 5:1). 
Seu orgulho quase o fez perder a oportunidade de ser curado, 
mas, por fim, ele fez conforme Eliseu o instruíra, mergulhando no 
Jordão sete vezes, e “mergulhou no Jordão sete vezes, conforme a 
palavra do homem de Deus; e a sua carne tornou-se como a carne 
de um menino, e ficou purificado.” (2 Rs 5:14). Como resultado 
disso, tornou-se adorador de Deus. Não obstante, Geazi, ajudante 
de Eliseu, obteve gananciosamente um presente de Naamã em 
nome do profeta, representando assim mal a seu amo, 
transformando, na verdade, a benignidade imerecida de Deus em 
meio de ganho material. Por esse erro, Geazi foi afligido de lepra 
por Deus e tornou-se “leproso tão branco como a neve” (2 Rs 5:20-
27). 
Havia vários leprosos em Israel nos dias de Eliseu, 
registrados por quatro leprosos israelitas do lado de fora dos 
portões de Samaria, enquanto Eliseu estava na cidade. Nesse 
registro fica claro que Deus utilizou-se deles para fazer um 
milagre e expulsar o exército inimigo da cidade (2 Reis, 7): 
 
88 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
“Então disse Eliseu: Ouvi a palavra do SENHOR; assim diz o 
SENHOR: Amanhã, quase a este tempo, haverá uma medida 
de farinha por um siclo, e duas medidas de cevada por um 
siclo, à porta de Samaria. 
Porém um senhor, em cuja mão o rei se encostava, 
respondeu ao homem de Deus e disse: Eis que ainda que o 
SENHOR fizesse janelas no céu, poder-se-ia fazer isso? E ele 
disse: Eis que o verás com os teus olhos, porém disso não 
comerás. 
E quatro homens leprosos estavam à entrada da porta, os 
quais disseram uns aos outros: Para que estaremos nós aqui 
até morrermos? 
Se dissermos: Entremos na cidade, há fome na cidade, e 
morreremos aí; e se ficarmos aqui, também morreremos. 
Vamos nós, pois, agora, e passemos para o arraial dos sírios; 
se nos deixarem viver, viveremos, e se nos matarem, tão-
somente morreremos. 
E levantaram-se ao crepúsculo, para irem ao arraial dos 
sírios; e, chegando à entrada do arraial dos sírios, eis que 
não havia ali ninguém. 
Porque o Senhor fizera ouvir no arraial dos sírios ruído de 
carrose ruído de cavalos, como o ruído de um grande 
exército; de maneira que disseram uns aos outros: Eis que o 
rei de Israel alugou contra nós os reis dos heteus e os reis 
dos egípcios, para virem contra nós. 
Por isso se levantaram, e fugiram no crepúsculo, e deixaram 
as suas tendas, os seus cavalos, os seus jumentos e o arraial 
89 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
como estava; e fugiram para salvarem a sua vida.” (2 Rs 
7:1-7) 
 
Nesse episódio, havia da parte dos israelitas uma 
generalizada falta de fé nesse homem do verdadeiro Deus, assim 
como os judeus no território de Jesus não o queriam aceitar. Por 
isso, Cristo disse, em Lucas, 4:27: “E muitos leprosos havia em 
Israel no tempo do profeta Eliseu, e nenhum deles foi purificado, 
senão Naamã, o siro.”. 
No Novo Testamento, muitos leprosos foram curados por 
Jesus e seus discípulos. Jesus, durante seu ministério galileu, 
curou um leproso, descrito em Lucas 5: 
 
“E aconteceu que, quando estava numa daquelas cidades, eis 
que um homem cheio de lepra, vendo a Jesus, prostrou-se 
sobre o rosto, e rogou-lhe, dizendo: Senhor, se quiseres, bem 
podes limpar-me. 
E ele, estendendo a mão, tocou-lhe, dizendo: Quero, sê limpo. 
E logo a lepra desapareceu dele. 
E ordenou-lhe que a ninguém o dissesse. Mas vai, disse, 
mostra-te ao sacerdote, e oferece pela tua purificação, o que 
Moisés determinou para que lhes sirva de testemunho. 
A sua fama, porém, se propagava ainda mais, e ajuntava-se 
muita gente para o ouvir e para ser por ele curada das suas 
enfermidades. 
90 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Ele, porém, retirava-se para os desertos, e ali orava.” (Lc 
5:12-16) 
 
Essa mesma passagem é descrita em Mateus 8:2-4 e em 
Marcos 1:40-45. Quando Jesus enviou os 12 apóstolos, Ele lhes 
disse, entre outras coisas: “Curai os enfermos, limpai os leprosos, 
ressuscitai os mortos, expulsai os demônios; de graça recebestes, de 
graça dai.” (Mt 10:8). Mais tarde, quando percorria a Samaria e a 
Galileia, Jesus realizou outra grande cura registrada em Lucas 17: 
 
“E aconteceu que, indo ele a Jerusalém, passou pelo meio de 
Samaria e da Galileia; 
E, entrando numa certa aldeia, saíram-lhe ao encontro dez 
homens leprosos, os quais pararam de longe; 
E levantaram a voz, dizendo: Jesus, Mestre, tem misericórdia 
de nós. 
E ele, vendo-os, disse-lhes: Ide, e mostrai-vos aos sacerdotes. 
E aconteceu que, indo eles, ficaram limpos. 
E um deles, vendo que estava são, voltou glorificando a Deus 
em alta voz; 
E caiu aos seus pés, com o rosto em terra, dando-lhe graças; 
e este era samaritano. 
E, respondendo Jesus, disse: Não foram dez os limpos? E 
onde estão os nove? 
91 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Não houve quem voltasse para dar glória a Deus senão este 
estrangeiro? 
E disse-lhe: Levanta-te, e vai; a tua fé te salvou.” (Lc 17:11-
19). 
 
Vimos que, dos dez, apenas um deles, um samaritano, 
“voltou, glorificando a Deus com voz alta”, e se lançou ao solo 
diante dos pés de Jesus, agradecendo o que Ele tinha feito em seu 
favor. 
Vale lembrar que Cristo estava em Betânia, na casa de 
Simão, o leproso (Mt 26:6-13; Mr 14:3-9; Jo 12:1-8), quando Maria 
ungiu Jesus com o custoso óleo perfumado. Esse Simão era pai de 
três amigos próximos do Mestre, Lázaro, Marta e Maria. Não nos 
fica claro, mas certamente Simão fora curado por Jesus, pois os 
leprosos eram proibidos de se aproximar das pessoas saudáveis. 
Era a última Páscoa de Cristo aqui na terra, poucos dias antes de 
Sua morte. 
A ação de Jesus é demonstração exata de que um doente 
não deve ser estigmatizado pela sociedade, apesar dos costumes 
da época. Jesus fez várias demonstrações contrárias às leis 
judaicas, e essa foi uma das razões pelas quais os líderes judeus 
fizeram tanta questão que ele fosse condenado. Como muitas 
outras coisas na Bíblia, o melhor é tomarmos a mensagem de 
fundo – a de não estigmatizar – e deixarmos de lado a questão da 
plausibilidade do fato. 
 
92 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
A baixa estrutura de Zaqueu 
 
Conhecido apenas por um episódio narrado no Evangelho 
de Lucas, Zaqueu era o responsável pela coleta de impostos em 
Jericó durante o jugo romano. Os coletores de impostos eram 
odiados pelos seus compatriotas judeus, que os viam como 
traidores trabalhando para o império romano. Em função de a 
lucrativa produção e exportação do bálsamo estar centralizada em 
Jericó, a posição de Zaqueu era muito cobiçada pelas riquezas que 
prometia. Essa é sua história, registrada em Lucas, 19: 
 
“E, tendo Jesus entrado em Jericó, ia passando. 
E eis que havia ali um homem chamado Zaqueu; e era este 
um chefe dos publicanos, e era rico. 
E procurava ver quem era Jesus, e não podia, por causa da 
multidão, pois era de pequena estatura, correndo adiante, 
subiu a uma figueira brava para o ver; porque havia de 
passar por ali. 
E quando Jesus chegou àquele lugar, olhando para cima, 
viu-o e disse-lhe: Zaqueu, desce depressa, porque hoje me 
convém pousar em tua casa. 
E, apressando-se, desceu, e recebeu-o alegremente. 
E, vendo todos isto, murmuravam, dizendo que entrara para 
ser hóspede de um homem pecador. 
93 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
E, levantando-se Zaqueu, disse ao Senhor: Senhor, eis que eu 
dou aos pobres metade dos meus bens; e, se nalguma coisa 
tenho defraudado alguém, o restituo quadruplicado. 
E disse-lhe Jesus: Hoje veio a salvação a esta casa, pois 
também este é filho de Abraão. 
Porque o Filho do homem veio buscar e salvar o que se havia 
perdido.” (Lc 19:1-10). 
 
Nos versículos iniciais, vê-se que Zaqueu chegou antes da 
multidão que estava ali para se encontrar com Jesus, o qual 
passava por Jericó a caminho de Jerusalém. Descrito como um 
homem de baixa estatura, o que costuma ser considerado 
“deficiência”, quando bastante fora da média, isso nos leva a 
acreditar que era tão evidente que chegou a ser registrado na 
Bíblia. Zaqueu então subiu num sicômoro para que pudesse ver 
Jesus. Quando Ele chegou ao lugar, olhou para os ramos e chamou 
Zaqueu pelo nome, pedindo-lhe que descesse, pois pretendia 
visitar a sua casa. “Dentre as possíveis coisas que se pode 
depreender dessa passagem bíblica está a de se considerar que foi 
graças à sua pequena estrutura que Zaqueu pôde vir a chamar a 
atenção de Jesus, posto que, ao subir num sicômoro (espécie de 
figueira, de oito a quinze metros de altura), veio ele a destacar-se 
dos demais. O fato de buscar superar uma ‘desvantagem’, digamos 
assim, uma ‘deficiência’, poderão dizer alguns, fez com que ele se 
destacasse e chegasse mais próximo até do que ousou almejar: até 
Jesus” (RANAURO e LIMA DE SÁ, 1999, p. 70). 
 
94 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Paulo: Uma visão transformadora 
 
Por volta de 35 a.C., aproximadamente cinco anos após a 
crucificação de Jesus Cristo, Saulo, talvez com 30 anos, estava 
caminhando rumo a Damasco, levando as cartas do sumo 
sacerdote. Deus escolheu aquele momento para promover grande 
mudança em sua vida. Anos mais tarde, Saulo descreveria o 
acontecimento calmamente, dizendo apenas que Deus “Revelar 
seu Filho em mim, para que o pregasse entre os gentios, não 
consultei a carne nem o sangue,” (Gl 1:16). Nos Atos dos Apóstolos, 
o episódio é contado no mínimo três vezes em detalhes. 
Saulo estavase aproximando de Damasco quando uma luz 
brilhante vinda dos céus o envolveu e uma voz se dirigiu a ele, 
usando seu nome hebraico. Vejamos a narrativa bíblica em Atos 9: 
 
“E Saulo, respirando ainda ameaças e mortes contra os 
discípulos do Senhor, dirigiu-se ao sumo sacerdote. 
E pediu-lhe cartas para Damasco, para as sinagogas, a fim 
de que, se encontrasse alguns deste Caminho, quer homens 
quer mulheres, os conduzisse presos a Jerusalém. 
E, indo no caminho, aconteceu que, chegando perto de 
Damasco, subitamente o cercou um resplendor de luz do 
céu. 
E, caindo em terra, ouviu uma voz que lhe dizia: Saulo, 
Saulo, por que me persegues? 
95 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
E ele disse: Quem és, Senhor? E disse o Senhor: Eu sou Jesus, 
a quem tu persegues. Duro é para ti recalcitrar contra os 
aguilhões. 
E ele, tremendo e atônito, disse: Senhor, que queres que eu 
faça? E disse-lhe o Senhor: Levanta-te, e entra na cidade, e 
lá te será dito o que te convém fazer. 
E os homens, que iam com ele, pararam espantados, ouvindo 
a voz, mas não vendo ninguém. 
E Saulo levantou-se da terra, e, abrindo os olhos, não via a 
ninguém. E, guiando-o pela mão, o conduziram a Damasco. 
E esteve três dias sem ver, e não comeu nem bebeu. 
E havia em Damasco um certo discípulo chamado Ananias; e 
disse-lhe o Senhor em visão: Ananias! E ele respondeu: Eis-
me aqui, Senhor. 
E disse-lhe o Senhor: Levanta-te, e vai à rua chamada 
Direita, e pergunta em casa de Judas por um homem de 
Tarso chamado Saulo; pois eis que ele está orando; 
E numa visão ele viu que entrava um homem chamado 
Ananias, e punha sobre ele a mão, para que tornasse a ver. 
E respondeu Ananias: Senhor, a muitos ouvi acerca deste 
homem, quantos males tem feito aos teus santos em 
Jerusalém; 
E aqui tem poder dos principais dos sacerdotes para 
prender a todos os que invocam o teu nome. 
96 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Disse-lhe, porém, o Senhor: Vai, porque este é para mim um 
vaso escolhido, para levar o meu nome diante dos gentios, e 
dos reis e dos filhos de Israel. 
E eu lhe mostrarei quanto deve padecer pelo meu nome. 
E Ananias foi, e entrou na casa e, impondo-lhe as mãos, 
disse: Irmão Saulo, o Senhor Jesus, que te apareceu no 
caminho por onde vinhas, me enviou, para que tornes a ver e 
sejas cheio do Espírito Santo. 
E logo lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e 
recuperou a vista; e, levantando-se, foi batizado. 
E, tendo comido, ficou confortado. E esteve Saulo alguns dias 
com os discípulos que estavam em Damasco. 
E logo nas sinagogas pregava a Cristo, que este é o Filho de 
Deus.” (At 9:1-20) 
 
Em um primeiro momento, aquela voz parecia impossível. 
Jesus fora crucificado, amaldiçoado, não podia ser o Messias, e 
muito menos lhe falar em uma visão dos céus. No entanto, como 
ele mesmo estava tendo aquela visão, Saulo não tinha como negá-
la. Fora uma experiência tão impactante que ele teve a absoluta 
certeza de que era uma “visão celeste” (Atos, 26:19) do verdadeiro 
Deus que ele vinha servindo, mas o qual tinha entendido de forma 
totalmente equivocada. Para Saulo, o impossível tornara-se 
realidade. 
A luz ofuscante tinha cegado Saulo, talvez para lhe mostrar 
a cegueira da violenta perseguição que ele tinha instigado. Mas, ao 
97 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
lado de seus companheiros, Saulo seguiu viagem para Damasco, 
onde passou três dias orando naquela estranha escuridão – 
jejuando, separado de seu passado, sem saber o que o futuro lhe 
reservava. Finalmente, aproximou-se o cristão Ananias, um judeu 
devoto que também tinha aderido à nova fé, impôs as mãos sobre 
ele e escamas caíram de seus olhos, curando milagrosamente a 
sua cegueira. Saulo foi batizado e teve o seu nome trocado para 
Paulo, experimentando o poder do Espírito Santo que tinha 
encorajado Estêvão – o primeiro mártir cristão, cuja história fora 
ponto crucial de desenvolvimento dos primórdios da Igreja, cuja 
morte marcou o início de uma violenta perseguição, 
principalmente contra os fiéis helenistas, uma rebelião 
encabeçada por Paulo que fora consciente da execução de Estêvão. 
Agora chamado por Deus este mesmo Saulo se torna um apóstolo 
da nova fé para continuar e concluir o trabalho iniciado por 
Estêvão. 
Paulo de Tarso foi um dos mais influentes escritores do 
Cristianismo primitivo, cujas obras compõem parte significativa 
do Novo Testamento. A influência que exerceu no pensamento 
cristão, chamada de “paulinismo”, foi fundamental por causa do 
seu papel como proeminente apóstolo do Cristianismo durante a 
propagação inicial do Evangelho pelo império romano. A principal 
fonte para informações históricas sobre a vida de Paulo são as 
pistas encontradas em suas epístolas e nos Atos dos Apóstolos. Os 
Atos recontam a carreira de Paulo, mas deixam de fora diversas 
partes de sua vida, como a sua alegada execução em Roma. 
 
98 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
III – CASTIGO E PECADO: PRINCIPAIS 
CONCEITOS BÍBLICOS SOBRE PESSOAS 
COM DEFICIÊNCIAS E MUDANÇAS DE 
MENTALIDADES 
 
 
 
os relatos dos capítulos anteriores vimos que a 
discriminação contra pessoas com qualquer deficiência 
era aberta e manifesta nas próprias leis. Certos livros 
bíblicos, principalmente do Antigo Testamento, dão-nos algumas 
indicações de costumes ou de ambientes, além de apresentarem 
relatos – às vezes elaborados na própria época – sobre os 
preconceitos contra pessoas e mesmo contra animais defeituosos. 
Queremos fazer alguns questionamentos. Será que tais 
determinações vieram realmente da parte de Deus, pois, se tudo 
que há na face da terra é criação/permissão Dele, iria se 
contradizer, criando pessoas com deficiência para depois 
discriminá-las? Ou tais restrições partiram da própria mente 
humana? Ou seja, pautadas por costumes culturais e a falta de 
conhecimentos, principalmente científicos e teológicos, sobre as 
pessoas com deficiência? 
 
N 
99 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Deficiência é fruto do pecado? 
 
Vimos ao longo do Antigo Testamento que por inúmeras 
vezes a deficiência está associada ao pecado. Deixando o contexto 
bíblico e mergulhando ainda mais na história, descobriremos que 
essa tendência de interpretação tem suas raízes nas religiões de 
Israel, quando nas sociedades primitivas era comum uma doença 
ou deficiência ser atribuída ou a uma magia hostil ou à violação de 
um tabu. Era tarefa do homem de Deus ou do sacerdote (também 
o médico da tribo) descobrir as causas (diagnose) e estabelecer o 
encaminhamento ou a magia certa para eliminar o mal 
(prognose). A diagnose podia ser interpretada por erro ou pecado 
cometido pela pessoa contra as normas sociais ou divindades e 
exigia uma reparação adequada. 
Essa visão se manteve no Antigo Testamento, além de uma 
segunda raiz da tendência teológica de atribuir a doença a um 
pecado humano, assim explicada por Kilpp (1990): “É a conhecida 
visão assim chamada Sabedoria israelita que vê uma intrínseca 
relação entre agir (causa) e acontecer (‘destino’; consequência), ou 
seja: os justos terão sucesso enquanto os ímpios, desgosto e 
infelicidade. Essa Sabedoria israelita, que, sem dúvida, está baseada 
em observações do povo, quer dar lições de vida. Ela tem, pois, 
função didática. Essa é, parece-me também a intenção de maldição 
condicional de Deuteronômio 28, quando anuncia quea 
desobediência aos mandamentos de Deus acarretará, entre outros 
males, também ‘loucura, cegueira e demência’. Nesses textos não se 
inverte, no entanto, a perspectiva, ou seja, não se afirma (ainda) que 
qualquer cego ou demente é um amaldiçoado por Deus ou, então, 
100 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
um ímpio. Há reservas, nesses textos, em tirar essa conclusão – e 
com razão. Todo o livro de Jó (em parte também Eclesiastes) nos 
ensina que não é possível julgar doença e sofrimento como castigo 
de Deus por pecado cometido” (p. 43). 
Mesmo assim, no Antigo Testamento o conceito de puro e 
impuro tinha uma importância extraordinária na vida do fiel e 
chegava a ser causa de grande sofrimento por parte do povo 
simples, que não conhecia a Lei e devia seguir os rígidos 
ensinamentos e interpretações dos escribas e fariseus da cultura 
judaica. O conceito de impureza estava ligado a tudo que pertencia 
ao mundo dos falsos deuses e dos demônios, em oposição radical 
ao Deus verdadeiro, o único santo, contaminando pessoas e coisas, 
tornando-as inadequadas para o culto e mesmo para a vida social 
com o povo santo de Deus. Vendrame (2001) lembra que o livro 
de Levítico “consagra diversos capítulos para declarar o que é puro 
ou o que é impuro e ditar normas de purificação. As doenças (de 
modo todo particular as doenças de pele), os defeitos físicos, tudo o 
que se relaciona com a vida sexual (menstruação, esperma, 
nascimento), com o sangue e com a morte, contamina as pessoas; e, 
por sua vez, as pessoas, os animais e objetos contaminados 
contaminam tudo o que tocam. Quem se contamina, não importa se 
por sua culpa ou não, entra na área das potências maléficas, dos 
espíritos imundos, e não pode entrar em contato com Deus santo 
sem antes se purificar com abluções, banhos e mesmo com 
sacrifícios, conforme a gravidade da contaminação. Daí não haver 
muita diferença entre pecador, doente ou endemoninhado. Todos os 
impuros eram excluídos sem misericórdia do culto e da convivência 
na sociedade, o que equivalia a serem condenados à morte social e 
por vezes à morte física” (p. 112). 
101 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
A lei do puro ou do impuro afastava o povo das práticas do 
ambiente pagão circundante, enquanto os profetas pregavam a 
pureza interior, afirmando que a beleza exterior não tinha valor. 
“Mas com o tempo as normas foram crescendo e as autoridades 
religiosas foram se tornando mais rígidas em sua aplicação. 
Precisou vir o Cristo para acabar com toda essa carga de normas e 
prescrições que infernizavam a vida, excluíam pessoas e desviavam 
a atenção dos verdadeiros valores e justiça de misericórdia. A 
palavra libertadora e sanante do Cristo purifica todas as coisas, 
restituindo ao ser humano a possibilidade de vê-las com o olhar de 
Deus Criador. Cristo disse que não é o que toca ou entra no homem, 
vindo de fora, que contamina, mas as intenções perversas que 
nascem em seu interior, que saem do coração do homem” 
(VENDRAME, 2001, pp. 112-113). 
Faremos uma contextualização geral do pecado, termo 
comumente utilizado em contexto religioso, descrevendo 
qualquer desobediência à vontade de Deus, às Leis Divinas. No 
hebraico e no grego comum, as formas verbais significam “errar”, 
no sentido de errar ou não atingir um alvo, ideal ou padrão. Em 
latim, o termo é vertido por peccátu. 
A perspectiva judaica considera a violação de um 
mandamento divino como um pecado, destacando-o como um ato 
e não um estado do ser. A humanidade encontra-se num estado de 
inclinação para fazer o mal (Gênesis 8:21) e de incapacidade para 
escolher o Bem em vez do Mal (Salmo 37:17). O Judaísmo usa o 
termo “pecado” para incluir violações à lei judaica que não são 
necessariamente uma falta moral. Por isso, Deus na sua 
misericórdia permitiu ao homem arrepender-se e ser perdoado. O 
102 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Judaísmo defende que todo homem nasce sem pecado, pois a 
culpa de Adão não recai sobre os outros homens. 
Na visão católica, o pecado é uma palavra, um ato ou um 
desejo contrários à Lei eterna, causando por isso ofensa a Deus e 
ao seu amor. Essa Lei eterna, ou Lei de Deus, é expressa na lei 
natural, nos Dez Mandamentos, nos mandamentos de amor, entre 
outros. Logo, o pecado é um ato mal e “abuso da liberdade”, 
ferindo assim a natureza humana. Cristo, na sua morte na cruz, 
revela plenamente a gravidade do pecado e vence-o com a sua 
misericórdia. Há uma grande variedade de pecados e a repetição 
gera vícios, que são hábitos perversos que obscurecem a 
consciência e inclinam para o mal. Os vícios podem estar ligados 
aos chamados sete pecados capitais: soberba, avareza, inveja, ira, 
luxúria, gula e preguiça. A doutrina católica ensina também que 
temos responsabilidade “nos pecados cometidos por outros, 
quando culpavelmente neles cooperamos”, distinguindo o pecado 
em três categorias: o pecado original, que é transmitido a todos os 
homens, sem culpa própria, devido à sua unidade de origem, que é 
Adão e Eva; o pecado mortal, que é cometido quando, ao mesmo 
tempo, há matéria grave, plena consciência e deliberado 
consentimento; além de destruir a caridade, priva-nos da graça 
santificante e conduz-nos à morte eterna do inferno, se dele não 
nos arrependermos sinceramente; o pecado venial, que, diferente 
em essência do pecado mortal, se comete quando se trata de 
matéria leve, ou mesmo grave, mas sem pleno conhecimento ou 
sem total consentimento, não quebrando a aliança com Deus, mas 
enfraquece a caridade, manifesta um afeto desordenado pelos 
bens criados, impede o progresso da alma no exercício das 
103 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
virtudes e na prática do bem moral, merecendo penas 
purificatórias temporais no purgatório. 
O segmento protestante (ou evangélico) não crê em 
purgatório nem classifica os pecados como venial, mortal ou 
capital. Seguindo os preceitos bíblicos, o pecado está em todos os 
homens, pois “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória 
de Deus;” (Rm 3:23). A separação está entre o pecado cometido 
contra a carne (pode ser perdoado) e contra o Espírito Santo de 
Deus (o qual não pode ser perdoado – Lc 12:10). O pecado nada 
mais é do que a transgressão aos mandamentos de Deus. Pecado é 
um ato, pois “cada um é tentado, quando atraído e engodado pela 
sua própria concupiscência. Depois, havendo a concupiscência 
concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, sendo consumado, gera a 
morte.” (Tiago 1:14-15). Para que tenhamos salvação e 
desfrutemos da vida eterna, devemos tão somente crer e 
confessar Jesus Cristo como único e suficiente Salvador e Senhor, 
sendo necessário arrependimento, e não remorso (que nos leva a 
cometer novamente os mesmos erros). 
Vimos que nas três visões – judaica, católica e evangélica – 
nenhuma cita que uma deficiência é causa ou castigo por algum 
pecado. Também no próprio Antigo Testamento há em 
Deuteronômio 24:16 um versículo que desmistifica isso: “Os pais 
não morrerão pelos filhos, nem os filhos pelos pais; cada um 
morrerá pelo seu pecado.”. 
Flávio Josefo, em seu conceituado livro História dos 
Hebreus (2007), reforça isso: “As crianças não devem ser 
castigadas pelos pecados dos pais porque, sendo elas virtuosas, são 
dignas de serem lamentadas por terem nascido de pessoas viciadas 
104 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
e não devem ser odiadas em razão das faltas cometidaspor seus 
genitores. Não se deve, do mesmo modo, imputar aos pais os defeitos 
dos filhos, e sim atribuí-los à má natureza destes, que os fez 
desprezar as boas lições que lhes deram aqueles e os impediu de 
aproveitá-las” (p. 187). 
Vendrame (2001) reforça o conceito de que pecado não 
tem relação com deficiência como uma forma de castigo ou 
punição: “O caso do rei Ezequias, mais vezes reportado e proposto à 
reflexão no AT, parece contradizer a convicção comum a respeito da 
relação entre pecado e doença, pois não se diz que ele tenha pecado 
para merecer aquela doença tão grave que o levara à morte, nem 
que ele se tenha reconhecido culpado. Aliás, a cura não veio pela 
oração ou pela palavra do profeta, mas pela aplicação de um 
emplastro de figos (Is 38:21). O mesmo se diga do pequeno Merib-
baal, que ficou aleijado por uma queda (2 Sm 4:4), e do justo Tobias, 
que ficou cego apesar de toda a sua bondade (Tb 2:10). Mas 
também nesses casos se reconhece que tudo vem de Deus, bom e 
justo, que tem suas razões para permitir o mal e depois o curar, 
quer diretamente, quer pelos meios que ele mesmo criou e ensina 
como usar, para recuperar a saúde” (pp. 28-29). 
No Novo Testamento, em João 9, Jesus dá a palavra final, 
atestando que as deficiências não são fruto do pecado. 
 
“E, passando Jesus, viu um homem cego de nascença. 
E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem 
pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? 
105 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Jesus respondeu: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim 
para que se manifestem nele as obras de Deus. 
Convém que eu faça as obras daquele que me enviou, 
enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode 
trabalhar. 
Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo. 
Tendo dito isto, cuspiu na terra, e com a saliva fez lodo, e 
untou com o lodo os olhos do cego. 
E disse-lhe: Vai, lava-te no tanque de Siloé (que significa o 
Enviado). Foi, pois, e lavou-se, e voltou vendo.” (Jo 9:1-7). 
 
Como a pessoa poderia ter pecado para originar uma 
cegueira se já nasceu com ela? Seria a cegueira, em si mesma, um 
castigo por pecados cometidos por seus pais ou pela própria 
pessoa em vidas passadas? A ideia de várias vidas, de várias 
encarnações era a crença de alguns de muitos daqueles povos 
primitivos que começavam a conhecer o Cristianismo. 
Só que, ainda hoje, muita gente, até mesmo cristãos, 
atribuem deficiências, doenças, fatalidades, mazelas a 
consequências de pecados dos antepassados, pautados por 
algumas passagens do Antigo Testamento, consequências diretas 
de pecados cometidos, como se fosse castigo. Conforme observam 
Ranauro e Lima de Sá (1999), “é bastante divulgada entre nós a 
visão de diversas religiões de influência oriental que sofrimentos, 
fatalidades são castigos, punições, ou situações a que se estaria 
exposto para purgação de culpas, da própria pessoa ou dos que a 
106 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
cercam. As deficiências são encaradas, muitas das vezes, como uma 
cruz a ser carregada pelos que ‘as merecem’. O discurso bíblico, 
porém, não dá base para que se o afirme. É importante que se deixe 
claro que, com base na narrativa bíblica, existem deficiências e 
doenças que nenhuma relação têm com pecados cometidos” (p. 54). 
 
Jesus e o início da inclusão 
 
A vinda de Jesus foi o início de uma mudança geral de 
mentalidade pautada pela inclusão dos menos favorecidos ao 
Cristianismo. Logo de início, Jesus não aceitou pacificamente as 
leis do Antigo Testamento como a vontade de Deus, questionando-
as por servirem para organizar a vida em sociedade, sendo 
também a Constituição do país. Jesus rejeitou as leis orais dos 
escribas, bem como as leis sobre pureza e impureza. Rejeitou-as 
porque elas estavam sendo usadas pelas elites dominantes 
(escribas, fariseus, sacerdotes) para explorar a população. Isso 
Jesus mostrou claramente em sua visita ao templo de Jerusalém, 
como vemos em Marcos 11: 
 
“E vieram a Jerusalém; e Jesus, entrando no templo, 
começou a expulsar os que vendiam e compravam no 
templo; e derrubou as mesas dos cambiadores e as cadeiras 
dos que vendiam pombas. 
E não consentia que alguém levasse algum vaso pelo templo. 
107 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
E os ensinava, dizendo: Não está escrito: A minha casa será 
chamada, por todas as nações, casa de oração? Mas vós a 
tendes feito covil de ladrões. 
E os escribas e príncipes dos sacerdotes, tendo ouvido isto, 
buscavam ocasião para o matar; pois eles o temiam, porque 
toda a multidão estava admirada acerca da sua doutrina. 
E, sendo já tarde, saiu para fora da cidade.” (Mc 11:15-19). 
 
Segundo as leis da época, era por ali que pecadores e 
impuros teriam que passar se quisessem encontrar novamente 
Deus, pois a reconciliação com Deus só seria alcançada com a 
oferta regular de sacrifícios, dízimos e taxa ao templo, cujo 
montante chagava a quase um quarto da população. Mesmo que 
os sacerdotes jamais admitissem isso (já que se sentiam 
amparados pela lei, pela constituição), a verdade é que o perdão e 
a reconciliação com Deus estavam sendo usados como fonte de 
exploração. Jesus protesta contra isso, porque entende que a lei, 
se quer ser expressão da vontade de Deus, deve ajudar a 
promover uma vida plena para todos, e não servir como fonte 
legitimadora de exploração. Hofelmann (1990) observa que “Jesus 
denuncia o uso ideológico da lei. Os considerados justos e puros 
diante de Deus não raramente coincidiam com os representantes da 
elite dominante da sociedade. Os pobres e doentes, em 
compensação, faziam parte da categoria dos pecadores e impuros, 
ou seja, daquelas pessoas que estariam em situação irregular 
perante Deus. Mera coincidência? Certamente não! Dessa maneira a 
elite dominante procurava justificar a sociedade dividida entre 
108 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
empobrecidos e privilegiados. Acompanharemos sua argumentação: 
os pobres seriam culpados de sua própria pobreza porque 
desobedecem às leis, ou seja, à vontade de Deus. Quanto às elites 
dominantes, elas estariam em situação privilegiada porque viviam 
numa relação correta da lei, ou seja, com a vontade de Deus. Jesus 
desarma esse raciocínio. Ao questionar a lei e escolher em nome de 
Deus os que viviam à margem, ele coloca o relacionamento das 
pessoas com Deus sobre outras bases e tira da elite dominante a 
possibilidade de legitimar a sociedade dividida em nome de Deus. 
Assim a divisão da sociedade pode ser percebida em suas 
verdadeiras causas, que são a exploração econômica e a opressão de 
alguns sobre os outros” (p. 61). 
Na Bíblia, as duas doenças mais frequentemente 
lembradas, a ponto de merecerem o nome de doenças bíblicas, 
com sentido próprio de males físicos, e terem uma conotação 
religiosa e simbólica, são a lepra, que era considerada o castigo de 
Deus por excelência, e a cegueira, que significava, muitas vezes, a 
incapacidade de perceber as maravilhas de Deus. 
Em especial a questão da cegueira, para entendermos 
melhor, Kilpp (1990) traz um bom esclarecimento histórico: “A 
velhice e a guerra, no entanto, não eram as causas principais de 
cegueira. Geralmente esta era consequência de oftalmias. Comum, 
na época, era uma espécie de conjuntivite grave, transmitida por 
moscas e agravada pela poeira e pela luz solar, que geralmente 
levava à perda da visão. Bastante frequente parece ter sido também 
o tracoma. A cegueirade recém-nascidos (cegos de nascenças) era 
comumente provocada por infecção gonocócica da mãe. Apesar de 
termos notícias de que, já no segundo milênio a.C., se fizessem na 
109 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Mesopotâmia e no Egito operações na vista (talvez de cataratas) e 
se usassem substâncias antissépticas e adstringentes nos olhos para 
evitar cegueiras, verdade é que esta era considerada incurável. Uma 
eventual cura era tida por milagre, intervenção divina” (p. 40). 
É precisamente em favor dos leprosos e dos cegos que 
Jesus realiza o maior número de curas, logo no início de seu 
ministério, conforme narrado em Lucas 7: 
 
“E de todos se apoderou o temor, e glorificavam a Deus, 
dizendo: Um grande profeta se levantou entre nós, e Deus 
visitou o seu povo. 
E correu dele esta fama por toda a Judéia e por toda a terra 
circunvizinha. 
E os discípulos de João anunciaram-lhe todas estas coisas. 
E João, chamando dois dos seus discípulos, enviou-os a Jesus, 
dizendo: És tu aquele que havia de vir, ou esperamos outro? 
E, quando aqueles homens chegaram junto dele, disseram: 
João o Batista enviou-nos a perguntar-te: És tu aquele que 
havia de vir, ou esperamos outro? 
E, na mesma hora, curou muitos de enfermidades, e males, e 
espíritos maus, e deu vista a muitos cegos. 
Respondendo, então, Jesus, disse-lhes: Ide, e anunciai a João 
o que tendes visto e ouvido: que os cegos veem, os coxos 
andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os 
mortos ressuscitam e aos pobres anuncia-se o evangelho. 
110 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
E bem-aventurado é aquele que em mim se não 
escandalizar.” (Lc 7:16-23). 
 
Nos três anos de ministério, Jesus teve uma atenção toda 
particular para com aqueles que, seja pelo tipo de doença ou 
deficiência, seja por sua condição social, eram os mais 
abandonados, excluídos do convívio social e da participação no 
culto. Ele mesmo foi um excluído desde o primeiro dia de sua vida, 
quando seus pais não puderam encontrar lugar decente para seu 
nascimento (Lucas 2:7): “E deu à luz a seu filho primogênito, e 
envolveu-o em panos, e deitou-o numa manjedoura, porque não 
havia lugar para eles na estalagem.” (Lc 2:7). Em seguida teve de 
refugiar-se no Egito: “E, levantando-se, o expulsaram da cidade, e o 
levaram até ao cume do monte em que a cidade deles estava 
edificada, para dali o precipitarem.” (Lucas 4:29). Considerado 
perigoso e vigiado pelos responsáveis da ortodoxia, era excluído 
da sinagoga até por quem o defendesse. Caminhando para 
cumprir sua missão, Jesus não tinha onde reclinar a cabeça. 
Perseguido por ameaças de autoridades locais, foi expedida 
ordem de captura contra ele, que teve que se refugiar nas 
proximidades de Jerusalém e em Jericó. Ao ser preso e condenado 
pelas autoridades religiosas e civis, Jesus foi crucificado como um 
criminoso, junto com dois marginais, como indigno de viver, ele, 
autor da vida e que veio proclamar as boas novas, morreu na cruz 
sem ter quem o defendesse. 
Em seus 33 anos de vida em um corpo humano, Jesus se 
fez pobre, teve um amor todo especial pelos empobrecidos e 
excluídos, proclamando a bem-aventurança deles, não por serem 
111 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
pobres e miseráveis, mas porque – com a vinda do reino de Deus, 
reino de justiça e solidariedade, onde todos possam sentir-se 
filhos de Deus, cidadãos livres e responsáveis – chegou para eles a 
hora da libertação: “E, levantando ele os olhos para os seus 
discípulos, dizia: Bem-aventurados vós, os pobres, porque vosso é o 
reino de Deus.” (Lc 6:20). 
Jesus já promovia a inclusão, ensinando pela palavra e 
pelo exemplo que não basta torcer pelos excluídos, é preciso ser 
solidário com eles. 
Temos aqui o primeiro grande rompimento 
histórico/religioso. Com a vinda de Jesus houve uma mudança 
profunda no conceito de Deus e do homem e do mútuo 
relacionamento entre eles. Se no Antigo Testamento eram 
intuições de místicos e profetas, muitas vezes consideradas 
utopia, concretizaram-se com a vinda de Jesus Cristo. Nele, Deus 
se manifestou não só como o Criador e soberano, mas, 
principalmente, como Pai misericordioso, chamando-nos para 
viver em comunhão com Ele e, entre nós, no amor e a 
solidariedade. 
Vendrame (2001) diz que “por isso não é de estranhar que 
os doentes ocupam um espaço privilegiado nos Evangelhos e nos 
Atos dos Apóstolos. Cerca de uma quinta parte dos Evangelhos e 
dedicada à atividade de Jesus em favor deles e às discussões que se 
originavam a partir das curas que ele realizava. Dos 3.779 
versículos dos quatros Evangelhos, 727 referem-se especificamente 
à cura de doenças físicas ou mentais e à ressurreição dos mortos. 
Além disso, há 165 versículos que tratam em geral a vida eterna e 
31 referências gerais a milagres que incluem cura” (pp. 45-46). 
112 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
 
O inconsciente coletivo e a desconstrução dos estigmas 
religiosos 
 
Voltando àquela época, no Antigo Oriente Médio e no 
Israel onde viveram os povos narrados no Antigo Testamento, as 
doenças e deficiências físicas eram bem mais frequentes do que 
imaginamos. Precárias condições higiênicas, sanitárias e 
medicinais eram causas de pestes, que reduziam drasticamente a 
população, e de doenças, que levavam a lesões físicas 
permanentes. As constantes guerras por conquista e retaliação 
por parte dos impérios mutilavam milhares de soldados e 
inocentes. Uma crônica alimentação pobre e deficiente que 
minava a resistência de grande parte da população. Quando, pois, 
se fala de doentes e pessoas com deficiência no contexto bíblico, 
não estamos lidando com casos isolados, mas com um problema 
social geral daqueles tempos difíceis. E, pelas condições de uma 
vida praticamente miserável, pessoas naquele estado estavam 
sempre destinadas à pobreza e à mendicância. 
Conceitos de que pessoas com deficiência são frutos de 
castigos, de pecados, de pessoas que precisam viver à base de 
caridade viajaram ao longo do tempo e dos séculos e chegaram até 
nós quase intocados. Como observam Ranauro e Lima de Sá, 
“muitas vezes, doenças ou deficiências são tratadas como advindas 
de uma ou outra procedência, considerando-se os espectadores 
capazes de julgar, ou pré-julgar, as situações como se fossem de 
todo o conhecimento sobre os casos. Muita confusão ou tristeza é 
113 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
gerada na vida de pessoas deficientes ou doentes, cujas dificuldades 
têm outras origens que não são as ‘interpretadas’ por pessoas não 
conhecedoras de toda a situação” (p. 83). 
Esses pré-julgamentos que temos com relação às pessoas 
com deficiência viajam pelo nosso inconsciente coletivo, conceito 
criado pelo psicólogo suíço Carl Gustav Jung, que colaborou com 
Freud, escrevendo diversos artigos e livros de psicanálise, vindo, 
posteriormente, a discordar de algumas ideias de Freud e a criar 
sua própria abordagem, chamada Psicologia Analítica ou 
Psicologia Profunda ou Arquetípica. 
Inconsciente coletivo é o nível mais profundo da psique, 
que contém o acúmulo de experiências herdadas de espécies 
humanas e pré-humanas. Todas as experiências são universais – 
aquelas que são repetidas relativamente inalteradas por todas as 
gerações –, tornam-se parte da nossa personalidade. O nosso 
passado primitivo é a base da psique humana, dirigindo e 
influenciando o comportamento presente.Para Jung, o 
inconsciente coletivo era o repositório de experiências ancestrais 
poderosas e controladoras. Consequentemente, Jung ligava a 
personalidade de cada pessoa ao passado, não só à infância, mas 
também à história da espécie. Não herdamos essas experiências 
coletivas diretamente. Pegando um exemplo bíblico, não 
herdamos o medo de cobras, mas sim o potencial para temê-las. 
Estamos predispostos a nos comportar e a sentir como as pessoas 
sempre se comportaram e sentiram. Essa predisposição pode se 
tornar ou não uma realidade, dependendo das experiências 
específicas com as quais cada um de nós se depara na vida. 
114 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Vale ressaltar que as experiências antigas contidas no 
inconsciente coletivo manifestam-se por temas ou padrões 
recorrentes que Jung chamou de arquétipos. Ele também utilizou o 
termo imagens primordiais. Existem muitas dessas imagens de 
experiências universais, tantas experiências humanas que são 
comuns a todos. Repetindo-se na vida de várias gerações 
subsequentes, os arquétipos são gravados na nossa psique e 
expressos nos nossos sonhos e fantasias. 
Trazendo isso para o nosso estudo, não podemos fugir da 
questão do preconceito que algumas vezes se instala como fruto 
de interpretações do discurso religioso, que também são raízes de 
nosso inconsciente coletivo, que apontaram para tempos remotos 
de origens do nosso imaginário cultural-religioso, o que, muitas 
vezes, influencia nossos conceitos e preconceitos com relação à 
doença e às pessoas com deficiência, estabelecendo ligações 
inconscientes com o castigo e com o pecado divinamente punido. 
Cabe a nós hoje, como seres capazes de refletir, com muito mais 
conhecimentos científicos, humanitários e religiosos acumulados, 
compreender a influência dessas construções históricas em nosso 
imaginário religioso, discernir seu reflexo nos nossos julgamentos 
e em nossas atitudes com relação a essas pessoas. 
Ranauro e Lima de Sá (1999) observam que “há, em 
determinadas comunidades cristãs, muita ênfase na divulgação de 
episódios em que as pessoas conseguiram alterar circunstâncias 
negativas, difíceis, pelo tanto que exerceram ou exercem sua fé. A 
ocorrência dessas possibilidades não implica que todas as 
circunstâncias negativas ou difíceis devam ou possam ser alteradas, 
pois, a ser assim, deixariam de existir” (p. 86). 
115 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Muitas vezes, ao vermos uma pessoa com deficiência em 
nossas comunidades cristãs, já vamos “profetizando” que Deus 
pode fazer uma grande obra na vida dela, como se a exigência da 
cura ou milagre em relação a determinadas deficiências ou 
doenças, no fundo, pudesse esconder uma discriminação e a nossa 
dificuldade em aceitar o outro como ele é. Mas esquecemos que 
cada um é exatamente como Deus criou. Que, como cristãos, 
temos que receber, acolher e integrar nossos irmãos como eles 
são. Não podemos esquecer que qualquer pessoa, tendo uma 
doença, uma deficiência, ou seja, o problema que for, é uma pessoa 
possuidora de uma alma a alcançar a Salvação em Cristo Jesus! 
O primeiro passo para termos uma Teologia da Inclusão 
será rever nossos próprios conceitos. Rever a visão que temos das 
pessoas com deficiência, abandonando conceitos de coitadinhos, 
vítimas, a deficiência como consequência de castigos ou pecados. 
Abandonar a posição que nós cristãos sempre tivemos de 
assistencialistas ou piedade para com essas pessoas, apoiados em 
nossas caridades, trazendo-as para serem parte de nossas 
comunidades cristãs em total igualdade. Sobretudo, temos que 
cada vez mais identificar e eliminar do nosso meio os estigmas 
religiosos! 
116 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
IV – O “CAMINHAR” DA PESSOA COM 
DEFICIÊNCIA DENTRO DO CATOLICISMO 
 
 
uando planejamos realizar um estudo sobre as pessoas com 
deficiência ao longo do Cristianismo, entendemos que, para 
um trabalho histórico perto do completo, precisaríamos 
focar em todas as igrejas que mantêm a fé cristã, ou seja, o 
protestantismo e o catolicismo, que abordaremos neste capítulo. 
A história da Igreja católica remonta ao início do 
Cristianismo, cerca de dois mil anos atrás. Depois da morte de 
Jesus, o Cristianismo se disseminou pelo Oriente Médio e pela 
Europa. Naquela época, o império romano dominava aquelas 
regiões. Inicialmente os romanos tinham a sua própria religião e 
com frequência perseguiam os cristãos, que usavam as 
catacumbas como ponto de encontro para seus rituais. 
Com sua expansão, no século IV o Cristianismo já tinha 
conquistado tantos adeptos que passou a ser a principal religião 
romana. A parte ocidental do império romano se desintegrou no 
século V, mas o Cristianismo permaneceu forte ali. Os bispos 
(dirigentes da Igreja) de Roma adquiriram poder cada vez maior e 
se tornaram conhecidos como papas. Contudo, os bispos da parte 
oriental do império (chamada império bizantino) discordaram 
desses papas. As metades oriental e ocidental da Igreja cristã 
acabaram por se separar em 1054. A metade oriental tornou-se a 
Q 
117 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Igreja ortodoxa e a metade ocidental tornou-se a Igreja católica 
apostólica romana. 
Comandada por Roma, a Igreja católica foi a mais poderosa 
organização da Europa ocidental durante séculos. No século XVI, 
no entanto, diversas pessoas começaram a se afastar dela para 
formar novas Igrejas cristãs. Esse movimento, chamado Reforma, 
gerou o protestantismo. Os países do norte da Europa tornaram-
se predominantemente protestantes, mas o sul do continente 
continuou católico na maior parte. Para evitar que o 
protestantismo se espalhasse, surgiu o movimento da 
Contrarreforma, ou Reforma católica. 
Enquanto isso, os colonizadores europeus, principalmente 
espanhóis e portugueses, levaram o catolicismo para a América. 
Os missionários (pessoas que trabalham para disseminar sua 
religião) também ajudaram a espalhar o catolicismo pelo mundo. 
O catolicismo é o ramo mais antigo e maior do 
Cristianismo. Existem mais de um bilhão de católicos no mundo 
inteiro. A Igreja católica apostólica romana é representada pelo 
papa, que a dirige a partir do Vaticano, um país que fica dentro da 
cidade de Roma, na Itália. Essa Igreja tem uma grande estrutura 
espalhada pelo mundo, organizada com cardeais, patriarcas, 
arcebispos, bispos, presbíteros ou padres e diáconos, que formam 
o clero. Os praticantes da religião são chamados fiéis. 
Como todos os cristãos, os católicos baseiam suas crenças 
na Bíblia, um livro sagrado que engloba a Torá dos judeus e 
começa com a história da criação do mundo por Deus. A Bíblia 
cristã tem uma segunda parte, chamada Novo Testamento, escrita 
118 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
por cristãos. Os católicos acreditam que Jesus é o Filho de Deus e 
também atribuem grande importância à virgem Maria, mãe de 
Jesus. Ao contrário dos protestantes, os católicos rezam para 
Maria e também para vários santos — homens e mulheres que 
eles consideram ter proximidade especial com Deus. 
 
A historiografia de Otto Marques da Silva 
 
Quem quer ingressar ou já atua com pessoas com 
deficiência (ou é uma delas!), tem de, obrigatoriamente, ler A 
Epopeia Ignorada – A pessoa deficiente na história do mundo de 
ontem e de hoje, de autoria de Otto Marques da Silva. Impressa em 
1986, publicada pelo Centro São Camilo de Desenvolvimentoem 
Administração de Saúde – CEDAS, é uma leitura obrigatória, mas, 
infelizmente, o livro não teve novas edições. 
O interessado precisará procurá-lo em bibliotecas ou com 
amigos que disponham da obra. Com 470 páginas, cinco anexos, 
dezessete ilustrações, o livro está dividido em duas partes. A 
primeira foca a visão, conceitos das deficiências e das pessoas com 
deficiência ao longo da Pré-História, História Antiga (egípcios, 
hebreus, gregos e romanos), advento do Cristianismo, Império 
Bizantino, Idade Média, História Moderna e História 
Contemporânea, chegando a 1981 – Ano Internacional das 
Pessoas Deficientes. Na segunda parte, Silva escreve sobre as 
causas de marginalizações das pessoas com deficiência, o 
significado da integração social (política em voga na época!), a 
questão da adequação pessoal como objetivo último da 
119 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
reabilitação, o preparo para a vida de trabalho, as equipes de 
reabilitação, a avaliação e o controle das atividades dos centros e 
programas de reabilitação. E tudo isso ele escreve com muita 
propriedade, pois, há mais de cinco décadas, Otto é especialista 
em inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. 
Já foi diretor e/ou membro de várias instituições e entidades 
nacionais e internacionais. 
Dessa obra queremos destacar o terceiro capítulo, “O 
Cristianismo, o Império Bizantino e a Idade Média em face das 
pessoas deficientes”. Em 80 páginas, Silva traz informações 
detalhadas das relações entre a Igreja católica e as pessoas com 
deficiência. Logo na introdução, ele observa: “Houve, com a 
implantação e solidificação do Cristianismo, um novo e mais justo 
posicionamento quanto ao ser humano em geral, ressaltando a 
importância devida a cada criatura como um ser individual e criado 
por Deus, com um destino imortal – o que, sem dúvida, muito 
beneficiou os escravos e todos os grupos de pessoas sempre 
colocadas de lado e menosprezadas na sociedade romana, tais como 
os portadores de deficiências físicas e mentais, antes considerados 
como meros pecadores ou pagadores de malefícios feitos em vidas 
passadas, inúteis, possuídos por maus espíritos, ou simplesmente 
como seres que, em muitos casos, deveriam continuar sendo 
eliminados ao nascer, segundo as leis e costumes de Roma 
recomendavam havia séculos. No entanto, a História nos conta que 
as conquistas do Cristianismo não aconteceram nem com facilidade 
nem com tranquilidade. Problemas graves e muito sérios surgiram 
desde os primeiros anos e mantiveram-se por três séculos” (p. 154). 
120 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
As pessoas com deficiência recebiam dois tipos de 
tratamento quando se observa a História Antiga e a Medieval: a 
rejeição e eliminação sumária, de um lado, e a proteção 
assistencialista e piedosa, de outro. Já no período da Idade Média, 
entre os séculos V e XV, encontramos algumas informações e 
registros sobre pessoas com deficiência. No Império Bizantino, 
uma das mais surpreendentes características da vida em 
Constantinopla foi a aplicação prática que sua população deu à 
caridade cristã, insistente e aguerridamente defendida pela Igreja 
católica. Hussey, em sua obra Cambridge Medieval History, 
descreve sobre os miseráveis no “Reino de Deus”: “Os benefícios 
espirituais da prestação da caridade naturalmente dependiam da 
existência de uma classe à qual essa caridade poderia ser dedicada. 
Os ‘’pobres’, portanto, eram uma parte integrante da sociedade. Ao 
pedirem esmolas os mendigos gritavam: ‘O paraíso bate à sua porta’ 
... e esmolas eram dadas com liberalidade. Mendigar era uma 
profissão reconhecida, da qual, como de outras profissões, os 
intrusos eram expulsos. Os pontos mais valiosos eram preservados 
ciumentamente. Cada átrio de igreja era cercado por mendigos, 
cuja inoportunidade garantiria um suprimento liberal para seu pão 
de cada dia. Mas a caridade organizada transcendia de longe os 
limites da ajuda meramente casual. A cidade era com justiça famosa 
pelos seus hospitais, seus orfanatos e seus abrigos para idosos e 
para carentes”. 
A coisa era tão bem organizada nessas instituições que a 
família imperial e a nobreza mais refinada tomavam parte ativa. 
As mulheres dedicavam-se ativamente à ajuda aos doentes, 
inclusive algumas delas chegaram mesmo a adquirir o hábito de 
visitar as prisões, que eram os ambientes mais degradantes da 
121 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
miséria humana na esplendorosa capital. Como auxiliadora cabia à 
Igreja católica a principal responsabilidade por essas 
organizações várias que, segundo Silva (1986), “ressalte-se que 
somas fabulosas, levantadas em banquetes ou por meio de doações e 
legados, eram continuamente destinadas aos cofres da Igreja para 
distribuição aos pobres e, segundo os historiadores, essa 
distribuição era sempre feita com justiça, conhecimento de causa e 
pontualidade dignos de nota” (p. 172). 
As relações históricas da Igreja católica com os pobres, os 
doentes e as pessoas com as mais variadas deficiências foram 
objeto de uma norma em pleno século VI, norma essa que 
pretendia assisti-los e ao mesmo tempo circunscrever seus 
movimentos a um determinado território. Um documento escrito 
por P. Guérin, Les Conciles Généraux et Particuliers (Savaète, Paris, 
1868), destaca que foi o concílio de Tours, realizado nos anos 566 
e 567, que decretou pelo seu cânone quinto o seguinte: “Cada 
cidade alimentará os seus pobres. Os sacerdotes da zona rural e os 
habitantes também alimentarão seus pobres, a fim de impedir os 
mendigos vagabundos de correr as cidades e as províncias”. 
Posteriormente no concílio de Lyon, no ano de 583, aprovou-se, 
em seu último cânone, a seguinte medida relacionada aos 
hansenianos: “Os leprosos de cada cidade e de seu território serão 
alimentados e abrigados às expensas da Igreja, aos cuidados do 
bispo, a fim de lhes impedir a liberdade para serem vagabundos em 
outras cidades”. 
As relações entre pecado, doenças, deficiências como 
consequência de punição vinda da parte de Deus continuaram a 
existir após o Antigo Testamento. Alguns registros entre os anos 
122 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
500 até o século XVI, durante toda a Idade Média, o mundo 
europeu perdeu muito dos cuidados básicos com a saúde e com a 
higiene na imensa maioria das cidades, um pouco em decorrência 
do seu contínuo crescimento. A explosão demográfica fez 
surgirem aglomerados urbanos, sem qualquer infraestrutura ou 
recurso voltado para a saúde de sua população. Por séculos, os 
habitantes das cidades medievais viveram sob o permanente 
receio das epidemias ou das doenças mais sérias. 
A falta de conhecimentos científicos, medicinais, 
sanitários, planejamento urbano, dentre outros motivos, abriu 
caminhos para as epidemias, as doenças mais graves, as 
incapacidades físicas, os sérios problemas mentais e as 
malformações congênitas serem considerados como verdadeiros 
sinais da ira celeste e taxados como “castigos de Deus”. Eram 
diversas epidemias de gravíssimas consequências, grandes 
incidências de males não controlados pelos médicos com quase 
nenhum recurso. Hanseníase, peste bubônica, difteria, influenza e 
outros males devastaram diversas vezes a Europa durante os 
vários séculos da Idade Média e deixaram um significativo saldo 
de pessoas que sobreviveram. Muitas delas conseguiram 
sobreviver, mas com sérias sequelas, para verem o resto de seus 
dias passaremem situações de extrema privação e quase absoluta 
marginalidade. 
Fazendo suas observações sobre os hospitais em face das 
pessoas com deficiência nos séculos XIV e XV, Silva (1986) 
considera que, apesar dos tropeços sem fim e da heterogeneidade 
das situações encontradas nos diversos países europeus que se 
formavam com o gradativo esfacelamento do sistema feudal, o 
123 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
atendimento médico de um modo geral progredia – o que 
seguramente muito significou para pessoas que sofriam as 
consequências de males limitantes. Os hospitais da Idade Média 
existiam mais para o cuidado do que para a cura das pessoas. 
Menos para alívio do corpo e de suas dores do que para 
assistência da alma e sua preparação, considerada indispensável 
pelas religiosas que dentro deles trabalhavam, para a vida futura. 
Silva (1986) conclui que, “na verdade, não havia na quase 
totalidade dos hospitais medievais qualquer conhecimento científico 
ou preparo técnico, mas outros ingredientes, tais como o amor ao 
próximo e a fé na outra vida, na vida após a morte. Parece, todavia, 
que médicos treinados em universidades, principalmente as 
inglesas, eram muito mais comuns de se encontrar nos hospitais da 
época do que se poderia supor. Dessa forma podemos também 
imaginar que, apesar dos relatos transmitidos pelos historiadores 
menos avisados, todos os pacientes internados em hospitais 
europeus de certa qualidade, seja por doença, seja por pobreza 
atroz, seja por deficiências muito graves, recebiam mais cuidado 
profissional do que o imaginado. De outra parte pode-se também 
afirmar que ao final da Idade Média as sociedades existentes na 
Europa deram seus primeiros passos no sentido do reconhecimento 
de sua responsabilidade em face dos pobres em geral. Inseridos no 
contexto estavam todos aqueles que eram, além de pobres, 
deficientes e impossibilitados de se sustentar” (SILVA, 1986, p, 
221). 
Ao final da Idade Média, século XV, os problemas 
específicos das pessoas com deficiência ainda não eram nem 
entendidos nem atendidos com propriedade, uma vez que elas 
faziam parte de um grupo bem maior e de uma problemática mais 
124 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
séria ainda, ou seja, aquela representada pelos pobres, pelos 
enfermos, pelos mendigos. Para o historiador Otto Marques da 
Silva, “na penosa história do homem com deficiência começava a 
findar uma longa e muito obscura etapa. Iniciava a humanidade 
mais esclarecida, os tempos conhecidos como ‘Renascimento’ – 
época dos primeiros direitos dos homens postos à margem da 
sociedade, dos passos decisivos da medicina na área de cirurgia 
ortopédica e outras, do estabelecimento de uma filosofia humanista 
e mais voltada para o homem, e também da sedimentação de 
atendimento mais científico ao ser humano em geral. A Igreja 
católica dos primeiros cinco séculos sempre procurou demonstrar 
pelos mais diversos meios que essas restrições ao sacerdócio davam-
se para benefício maior da Igreja e não por considerar as pessoas 
deficientes como indignas ou manchadas pelo pecado. Ressalte-se 
também que quando as deficiências ou males incapacitantes 
ocorriam "após a ordenação sacerdotal", a Igreja usava do máximo 
de benevolência e em geral não impedia o sacerdote de suas funções 
básicas” (SILVA, 1986, pg. 167). 
 
As deficiências físicas como impedimento ao sacerdócio 
cristão 
 
Existem os documentos intitulados “Cânones Apostólicos”, 
um conjunto de decretos eclesiásticos antigos relativos ao 
governo e à disciplina da Igreja Cristã Primitiva, encontrados pela 
primeira vez como último capítulo do oitavo livro das 
Constituições Apostólicas e pertencentes ao gênero das Ordens da 
125 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Igreja Católica. Elaborados no correr dos três primeiros séculos da 
Era Cristã, existem restrições claras ao sacerdócio para aqueles 
candidatos que tinham certas mutilações. Para a Igreja surgiam 
problemas sérios, durante esses três ou quatro primeiros séculos, 
principalmente com mutilações de ordem sexual. Na verdade, 
mutilações sexuais eram muito comuns, seja como pretexto para 
“fuga do pecado”, seja por castigos impostos pelos tiranos 
daqueles distantes séculos. Recorrendo novamente ao documento 
Les Conciles Généraux et Particuliers (Savaète, Paris, 1868), seu 
autor, P. Guérin, diz que, tentando disciplinar a questão e 
esclarecer os bispos quanto à seriedade do problema, o cânone 
21º ao 24º indica: “Que não se coloque dificuldade em sagrar como 
bispo, se o candidato for considerado capaz, aquele que for eunuco 
por natureza, ou que se tornou eunuco por malícia dos homens ou 
por crueldade dos tiranos”. 
Segundo Silva (1986), logo a seguir o cânone 22º declara 
como “irregulares” os casos de sacerdotes que se automutilavam, 
porque “eles são homicidas de si mesmos”. Para casos de 
sacerdotes que tomavam essas medidas, o cânone 23º castiga com 
sua deposição, seu afastamento das funções sacerdotais. 
Finalmente o cânone 24º “priva da comunhão pelo período de três 
anos o leigo que fez a automutilação sexual” (p. 166). 
Outro historiador católico destacado na obra de Otto 
Marques da Silva é o padre Louis Thomassin (1619 a 1695), que 
em sua obra Ancienne et Nouvelle Discipline de l'Église analisa em 
muitos pormenores diversas situações relacionadas aos bloqueios 
que as deficiências físicas ou sensoriais significavam para um 
homem ser aceito como sacerdote da Igreja católica desde o início 
126 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
de sua criação até o final do século V. Segundo Thomassin, um dos 
primeiros papas a se manifestar abertamente a esse respeito foi 
Hilário, que reinou entre 461 e 468. De acordo com as próprias 
palavras do papa, na Igreja católica não deveria haver dois tipos 
de sacerdotes: nem o analfabeto nem o que não tivesse alguma 
parte de seus membros. 
No século V houve posicionamentos de dois concílios, 
confirmando inclusive a posição do papa Hilário, citada no 
documento de Guérin: o concílio realizado em Angers, em 453, 
estabeleceu em seu cânone terceiro uma forte medida contra 
sacerdotes que adotavam procedimentos cruéis, muito 
generalizados no seio da população, acostumada com barbáries 
sem conta: “São proibidas as violências e as mutilações de 
membros”. O concílio realizado em Roma no ano 465, reunido sob 
a autoridade do papa Hilário, aprovou por aclamação cinco 
cânones. Um deles, o de número três, diz com clareza: “Deve-se 
também excluir das ordens aqueles que não sabem ler, ou que 
deceparam algum membro”. 
Voltando à obra de Thomassin, veremos que Gelásio I, 
papa que reinou de 492 a 496, reafirmou a mesma orientação de 
Hilário e do Concílio de Roma contra a aceitação de sacerdotes 
com deficiências, afirmando em uma carta ao bispo de Lucânia 
que candidatos ao sacerdócio não poderiam ser nem analfabetos 
nem “ter alguma parte do corpo incompleta”. Esse mesmo papa 
afirmava ainda, muito convicto dessas justificativas para essa 
atitude de bloqueio a pessoas com defeitos ou problemas físicos, 
que “se trata de uma antiga tradição e um costume observado 
127 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
desde muito tempo em Roma; mais do que isso, que se trata de um 
desses louváveis costumes que a Igreja emprestou da Sinagoga”. 
Em suas observações, Silva (1986) diz que “existem 
histórias até de automutilação, destinada a caracterizar umairregularidade, como no caso de Amônio, um santo eremita que, ao 
se perceber praticamente ‘ameaçado’ pelo povo de ser elevado à 
dignidade do bispado, tomou uma providência extrema: cortou uma 
de suas orelhas. Todavia, as pessoas que o haviam procurado na 
tentativa de fazê-lo bispo ficaram sabendo posteriormente que 
aquela mutilação seria apenas válida dentro da religião judaica e 
não para os cristãos. Assim sendo, voltaram a insistir com o mesmo 
propósito. Tiveram, todavia, uma surpreendente decepção, pois o 
eremita, muito resoluto em sua posição de humildade, de faca em 
punho ameaçou cortar a própria língua na frente deles, 
conseguindo dessa forma dissuadi-los. Caso tivesse efetivado sua 
ameaça, Amônio estaria incapacitado inclusive para ser sacerdote” 
(pp. 167-168). 
Avançando na história, veremos que os bloqueios 
interpostos pela Igreja católica para pessoas com deficiência se 
tornarem sacerdotes continuavam inabaláveis durante o século 
XVIII. Exemplos práticos nos são relatados por M. André, doutor 
em direito canônico e membro de diversas sociedades de sábios 
do final do século XIX, em adição à obra de Thomassin (Ancienne & 
Nouvelle Discipline de l'Église) que fora escrita ao final do século 
XVII. Silva (1986, p. 259) destaca alguns dos mais significativos, 
citados ao final do capítulo sobre as irregularidades relacionadas 
aos defeitos de nascimento, mostrando a posição quase inalterada 
128 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
da Igreja católica na aceitação de pessoas com deficiência para o 
exercício do sacerdócio até o século XVIII: 
 
 no dia 20 de janeiro de 1789 a Sagrada Congregação 
recusou concordar com a ascensão às santas ordens de um 
clérigo “manco” da diocese de Albenga, na Ligúria; 
 o padre François Pujol, da diocese de Vincennes, na 
França, tendo sofrido um acidente vascular cerebral, 
perdeu o uso do braço e da mão esquerdos; solicitou ao 
bispo a dispensa da irregularidade para exercício das 
funções sacerdotais e para celebrar a missa numa capela 
privada. Embora seu bispo tenha apoiado sua consulta, a 
Sagrada Congregação recusou o pedido no dia 19 de 
agosto de 1797; 
 o seminarista Ambroise Lamberti, da diocese de Albenga, 
tinha um problema de movimentação da perna esquerda, 
de tal forma que precisava andar com o apoio contínuo de 
uma bengala. O bispo da Diocese foi consultado a respeito 
e opinou que haveria graves inconvenientes em promovê-
lo às sagradas ordens, no que foi apoiado pela Sagrada 
Congregação no dia 20 de janeiro de 1798; 
 o sacerdote Philippe Maggiorani, da diocese de Borgo San-
Sepolcro, na Toscana, teve sua mão esquerda de tal forma 
mutilada pela acidental explosão de espingarda 
excessivamente carregada, durante uma caçada, que foi 
necessário amputar parte do braço para evitar sua morte. 
Solicitou dispensa da irregularidade para prosseguimento 
de seus trabalhos como sacerdote e esta lhe foi negada em 
129 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
18 de junho de 1785. No ano de 1787 apresentou uma 
nova e humilde solicitação, acompanhada do parecer 
favorável de seu bispo e do total apoio de seus 
paroquianos. No entanto, a Sagrada Congregação, depois 
de haver submetido o assunto à consideração pessoal do 
papa, manteve a recusa à dispensa de irregularidade por 
um decreto de 7 de julho de 1787. 
 
Essa é uma questão permanentemente discutida por 
autoridades eclesiásticas, tendo já merecido o posicionamento de 
papas e concílios e um lugar permanente no Código de Direito 
Canônico; o problema das deficiências físicas e sensoriais nos 
sacerdotes ou nos bispos ao longo da história da Igreja católica 
chega ao século XX, quando esse Código continuou impedindo 
candidatos ao sacerdócio católico que apresentassem defeitos. Nos 
chamados “defeitos corporais”, segundo a disciplina da Igreja 
católica, a irregularidade não é um castigo, mas um dos meios 
encontrados através dos séculos para preservar a dignidade do 
estado sacerdotal e para a exclusão daqueles que não têm 
capacidade para essas funções. Ou seja, como irregulares, são 
“corporalmente defeituosos que por fraqueza não podem exercer as 
funções do altar com segurança ou que por deformidade não o 
puderem fazer com dignidade. Quem se torna defeituoso depois de 
legitimamente ordenado, só pode ser impedido no exercício de suas 
funções se o defeito for notável. Não se proíbem, porém, atos que, 
apesar dos defeitos, puderem ser exercidos convenientemente”, 
explica Jone-Fox no texto Compêndio de Moral Católica. 
130 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Se a deficiência ocorresse após a ordenação, as normas 
eram bastante condescendentes: quem estivesse quase cego, 
poderia obter do papa dispensa para celebrar a chamada missa 
“de beata”, ou a missa cotidiana dos defuntos; se um sacerdote 
ficasse completamente cego, só poderia rezar a missa com a 
assistência de outro sacerdote. O sacerdote que não conseguisse 
ficar em pé junto ao altar, ou que pudesse assim permanecer 
apenas com o uso de muletas ou apoio especial, só poderia 
celebrar missa privadamente e nunca em público. Isso também 
era verdadeiro para o sacerdote que sofresse de hanseníase ou 
doença grave. Nos casos de epilepsia e de psicopatias ocorria 
também a irregularidade, dependendo do bispo local ou das 
autoridades eclesiásticas constituídas a permissão do exercício de 
suas funções sacerdotais, depois de curados ou de terem o mal sob 
controle. 
Conforme observa Silva (1986), “é evidente que existe 
nesses regulamentos da Igreja católica grande preocupação pela 
aparência física de seus ministros, mas, muito mais do que isso, o 
firme propósito de não levar os fiéis a se distrair ou a desconsiderar 
seus serviços, sua palavra e os atos litúrgicos. Em diversas 
cerimônias litúrgicas da Igreja católica é fundamental ao sacerdote 
poder ajoelhar-se e levantar-se diversas vezes, em atos de adoração; 
é básico também que tenha a mão direita para distribuir a 
comunhão ou para dar a bênção” (p. 307). 
 
Sacerdotes que quebraram a regra 
 
131 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Mesmo com restrições não permitindo a pessoas com 
deficiência exercer o sacerdócio, sempre houve casos que 
quebraram as regras, até mesmo em outras denominações cristãs. 
É o caso de Dídimo, o Cego (ca. 313 d.C.-ca. 398 d.C.), um 
teólogo da Igreja Copta de Alexandria, cuja famosa escola 
catequética dirigiu por meio século. Diversas Igrejas ortodoxas se 
referem a ele como “São Dídimo, o Cego”. Mesmo perdendo a visão 
aos quatro ou cinco anos de idade, quando iniciava seus estudos, 
graças a sua grande vontade de aprender, gravou o alfabeto em 
madeira e depois aprendeu pelo tato as letras, as sílabas, as 
palavras e depois frases inteiras. Ouvia professores célebres, 
quando já era moço. Pessoas se prontificavam a ler para ele, a fim 
de tomar conhecimento dos melhores livros. Quando seus leitores, 
cansados, adormeciam, ele meditava muito sobre o que acabara 
de ouvir e assim gravava o assunto em sua memória, acumulando 
conhecimentos em regras de linguagem e da gramática, belos 
trechos dos poetas e dos oradores, bem como noções de retórica. 
Tornou-se um ótimo conhecedor de assuntos humanos, das 
Sagradas Escrituras, do Antigo e do Novo Testamento. Dídimo 
começou a explicar a Bíblia, trecho por trecho, das mais variadas 
maneiras. Dominava a dogmática da Igreja católica, discutindo-a 
com precisão e muita propriedade. Conheciaa filosofia de Platão e 
de Aristóteles, a geometria, a música, a astronomia e as diferentes 
opiniões dos filósofos. 
Quando chegou à Alexandria, atraiu muito a atenção e 
recebia várias visitas de pessoas que queriam ouvi-lo. Ao 
ingressar no serviço para a Igreja, foi colocado como líder da 
132 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Escola Catequética de Alexandria, onde vivia e trabalhou do ano 
345 até 395. 
Dídimo pregava a salvação universal, escrevendo que, “na 
liberação de todos, ninguém permanece cativo” e acreditando que 
o castigo divino tem natureza corretiva e educativa. Jerônimo, que 
se referia a Dídimo não como “cego”, mas como “vidente”, 
escreveu que ele “ultrapassava todos de seu tempo em 
conhecimento das escrituras”; Sócrates Escolástico depois o 
chamou de “o grande bastião da verdadeira fé”. Dídimo era visto 
como um professor cristão ortodoxo, sendo muito admirado e 
respeitado até o fatídico ano de 553 d.C., pelo menos. 
Certa vez, Dídimo recebeu a visita de Santo Antão – santo 
cristão do Egito, líder de destaque entre os padres do deserto, 
cultuado em muitas igrejas –, que lhe perguntou se a cegueira o 
incomodava. Dídimo teve vergonha de responder e de confessar 
sua fraqueza. Mas Santo Antão repetiu a pergunta uma segunda 
vez, e à falta da resposta perguntou uma terceira. Dídimo 
confessou que sim, a cegueira o afligia, o bloqueava. Santo Antão 
lhe disse naquela oportunidade: “Admiro-me muito que um homem 
sábio como você se aflija de haver perdido aquilo que as formigas e 
as moscas possuem, em vez de se alegrar de ter o que os santos e os 
apóstolos tinham. É mais importante preocupar-se com a alma do 
que com esses olhos dos quais um só olhar poderá perder o homem 
eternamente”. 
De acordo com Paládio, bispo e historiador do século V 
d.C., Dídimo continuou leigo toda sua vida e se tornou um dos 
mais cultos ascetas de seu tempo. 
133 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Dentro da Igreja católica também houve um bonito 
registro, referente ao padre Lejeune, considerado o maior 
pregador do século XVII. Nascido em Poligny (França), Lejeune 
perdeu a visão aos 43 anos de idade, quando pregava durante a 
quaresma na cidade de Rouen. A cegueira não diminuiu sua 
competência de grande orador nem sua alegria sempre muito 
natural. 
Há muito poucos dados biográficos sobre esse padre. Mas 
sabemos que ele morreu aos 80 anos de idade, muito ativo e vivaz. 
A solidez de suas ideias e o seu estilo levaram o prelado e ao 
mesmo tempo grande pregador das cortes de Luís XIV e Luís XV, 
Massillon, a recomendar a muitos seminaristas e jovens 
sacerdotes o estudo de seus maravilhosos sermões publicados em 
dez volumes sob o título de Le Missionaire de l'Oratoire, entre 
1662 e 1676. 
 
Nicolau, as pessoas com deficiências intelectuais e a 
Inquisição 
 
São raras as fontes documentais sobre pessoas com 
deficiencias físicas ou intelectuais em épocas anteriores à Idade 
Média. Sabemos que elas eram consideradas subumanas, o que 
legitimava sua eliminação ou abandono, prática perfeitamente 
coerente com os ideais atléticos e clássicos, além de classistas, que 
serviam de base à organização sociocultural de Esparta e Grécia. 
Com o Cristianismo, quando Jesus Cristo pregou o amor e a 
134 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
necessidade de se cuidar dos excluídos, na Europa, as pessoas com 
deficiência, inclusive as deficiências intelectuais, ganharam status 
de pessoa, no plano civil, e alma, no plano teológico, após a difusão 
europeia da ética cristã. 
Exemplo da influência dos ideais cristãos de vida sobre a 
sorte das pessoas com deficiência foi a de Nicolau, bispo de Myra, 
nascido na segunda metade do século III e falecido no dia 6 de 
dezembro de 342. Tido como acolhedor dos pobres e 
principalmente das crianças carentes, preocupava-se com a 
educação e a moral tanto das crianças como de suas mães. 
Conhecido por inspirar a figura do “Papai Noel” e considerado 
como o primeiro santo da igreja, já no século IV da era cristã se 
notabilizou por acolher e alimentar crianças com deficiência 
abandonadas. 
Com a iniciativa de Sao Nicolau e com o advento do 
Cristianismo, pessoas com deficiência “ganham almas” que, 
segundo Pessotti (1984), “graças à doutrina cristã os deficientes 
começam a escapar do abandono ou da ‘exposição’, uma vez que, 
donos de uma alma, tornam-se pessoas e filhos de Deus, como os 
demais seres humanos. É assim que passam a ser, ao longo da Idade 
Média, les enfants du bon Dieu, numa expressão que tanto implica 
a tolerância e a aceitação caritativa quanto encobre a omissão e o 
desencanto de quem delega à divindade a responsabilidade de 
prover e manter suas criaturas deficitárias” (p. 8). 
Essa igualdade de status moral ou teológico não 
corresponderá, até a época do iluminismo, a uma igualdade civil, 
de direitos. Dotado de alma e beneficiado pela redenção de Cristo, 
o deficiente mental passa a ser acolhido caritativamente em 
135 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
conventos ou igrejas, onde ganha a sobrevivência, possivelmente 
em troca de pequenos serviços à instituição ou à pessoa 
“benemérita” que o abriga. 
Isso porque as pessoas com deficiência e os pobres 
passaram ao longo dos séculos por assistência suscitando atitudes 
que vão desde a piedade até o desprezo. Mas, segundo Walber e 
Silva (2004), muitas vezes, pela própria condição de pobreza, ou 
pelas condições físicas de deficiência e doença, recebiam 
comiseração, já que eram “alvo” da boa ação de outras pessoas, 
“nos modos específicos da ‘gestão da pobreza’, na economia da 
salvação: mesmo desprezado, o pobre pode, aceitando sua condição 
de pobreza, auxiliar os ricos para que esses pratiquem a caridade – 
a ‘suprema virtude cristã’ – e obtenham assim a salvação. Dessa 
forma, os pobres também obteriam a sua própria salvação. A 
pobreza torna-se, portanto, um valor de troca na economia da 
salvação, assim como a doença e o sofrimento, prova inconteste da 
pobreza não só econômica, mas física. Doença e deficiência tornam-
se também um valor de troca nessa economia de salvação e na 
possibilidade de obter auxílio da comunidade. Observa-se assim que 
pessoas doentes e com deficiência devem permanecer na condição 
de pessoas de segunda classe para continuar recebendo auxílio. Por 
outro lado, a prática assistencialista que valoriza esse tipo de 
relação mantém e fixa as pessoas na posição de subalternas”. 
Só que surgem as variações da noção teológica de cristão 
implicando uma doutrina do pecado e da expiação, 
correspondendo a condutas clericais diversas, diante das pessoas 
com deficiências intelectuais, segundo a teologia da culpa que 
cada corrente do Cristianismo, ortodoxa ou herética, adotará. Se, 
136 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
de um lado, como enfant du bon Dieu essas pessoas ganham 
abrigo, alimentação e conforto em conventos ou asilos, de outro, 
como cristão, é passível de alguma exigência ética ou de alguma 
responsabilidade moral e a ter exigências éticas e religiosas. Ou 
seja, era como se, enquanto o teto protege o cristão, as paredes 
escondessem e isolassem o incômodo ou inútil. Surge o capítulo 
sombrio da Inquisição. 
Em nossas revisões históricas não temos como não 
abordar o assunto da Inquisição, referente às várias instituições 
dedicadas à supressão da heresia no seio da Igreja católica. A 
Inquisição medieval,da qual derivam todas as demais, foi fundada 
durante os séculos XII e XIII para preservar a disciplina 
eclesiástica internamente. Visava inicialmente combater o 
sincretismo entre alguns grupos religiosos, que praticavam a 
adoração de plantas e animais e utilizavam mantras. No século XIX 
os tribunais da Inquisição foram suprimidos pelos Estados 
europeus, mas foram mantidos pelo Estado pontifício. Em 1908, 
sob o papa Pio X, a instituição foi renomeada “Sacra Congregação 
do Santo Ofício”. Em 1965, durante o pontificado de Paulo VI e em 
clima de grandes transformações na Igreja após o papado de João 
XXIII, por ocasião do Concílio Vaticano II, assumiu seu nome atual 
– “Congregação para a doutrina da Fé”. 
No século XV, a Inquisição mandou para a fogueira os 
hereges, que eram considerados loucos, feiticeiras, adivinhos, 
criaturas bizarras ou de hábitos estranhos ou pessoas com algum 
tipo de deficiência, principalmente intelectuais, por serem vistas 
como possuídas por espíritos malignos ou loucas. Em cartas 
papais daquele período podem ser encontradas orientações de 
137 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
como identificar e tratar tais pessoas: “A estes, se recomendava 
uma ardilosa inquisição, para obtenção de confissão de ‘heresia’, 
torturas, açoites, outras punições severas, até a fogueira”. 
Até o século XVI, crianças com deficiência intelectual grave 
eram consideradas como possuídas por seres demoníacos. Mesmo 
renomados intelectuais, até fora da Igreja católica, acreditavam 
que era o demônio que estava ali presente. Importantes figuras da 
Reforma protestante também a perfilharam, como Lutero, 
Melanchthon e, notoriamente, Calvino, que comandou 
pessoalmente a caça às bruxas em Genebra, no ano de 1545, da 
qual resultou a execução de 31 pessoas, o que é um total até 
reduzido à vista dos milhões ou do meio milhão de pessoas 
queimadas, na Europa, entre os séculos XIV e XVII, por acusação 
de intercâmbio com demônios ou forças do mal. 
A rigidez luterana, que encontra em Calvino seu “cruzado”, 
não permite que se trate sem castigo quem é objeto eletivo da 
cólera justiceira e justa de Deus ou, pior ainda, presa de Satanás. 
Não é difícil inferir o tratamento dado a idiotas, imbecis e loucos 
durante a Reforma. A rigidez ética carregada da noção de culpa e 
responsabilidade pessoal conduziu a uma marcada intolerância 
cuja explicação última reside na visão pessimista do homem, 
entendido como uma besta demoníaca quando lhe venham a faltar 
a razão ou a ajuda divina. É o que Pintner (1933) chamou de 
“época dos açoites e das algemas” na história da deficiência 
mental. O homem é o próprio mal quando lhe faleça a razão ou lhe 
falte a graça celeste a iluminar-lhe o intelecto; assim, dementes e 
amentes são, em essência, seres diabólicos. 
138 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Martinho Lutero, um monge agostiniano germânico e 
professor de teologia que se tornou uma das figuras centrais da 
Reforma Protestante, em um de seus escritos, negou a própria 
natureza humana de uma criança com retardo mental de alguma 
seriedade: “Há oito anos vivia em Dessau um ser que eu, Martinho 
Lutero, vi e contra o qual lutei. Há doze anos, possuía vista e todos 
os outros sentidos, de forma que se podia tomar por uma criança 
normal. Mas ele não fazia outra coisa senão comer, tanto como 
quatro camponeses na ceifa. Comia e defecava, babava-se, e quando 
se lhe tocava, gritava. Quando as coisas não corriam como queria, 
chorava. Então, eu disse ao príncipe de Anhalt: se eu fosse o 
príncipe, levaria essa criança ao Moldau que corre perto de Dessau 
e a afogaria. Mas o príncipe de Anhalt e o príncipe de Saxe, que se 
achava presente, recusaram seguir o meu conselho. Então eu disse: 
pois bem, os cristãos farão orações divinas na igreja, a fim de que 
Nosso Senhor expulse o demônio. Isso se fez diariamente em Dessau, 
e o ser sobrenatural morreu nesse mesmo ano...” (apud PESSOTTI, 
1984, p. 11). 
Para Martinho Lutero, essa criança de doze anos era 
apenas uma massa de carne sem alma, que “o demônio possui esses 
retardados e fica onde suas almas deveriam estar”. A confusão 
entre ser humano tomado pelo demônio e ao mesmo tempo 
“sobrenatural”, que “morre”, por efeito de preces que se 
destinavam a salvá-lo pela “expulsão do demônio”, revela a 
curiosa natureza do deficiente mental na teologia de Lutero. Em 
verdade, trata-se de uma concepção primária e tendenciosa, a 
misturar a fúria depuradora à oração caritativa, um purismo 
mórbido a uma concepção mitológica e fanática do deficiente 
139 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
mental: afogá-lo ou orar por ele são práticas igualmente eficazes e 
igualmente morais. 
A caracterização do conceito luterano de deficiência 
intelectual nos serve mais que tudo, aqui, como o modelo inteiro e 
definitivo de visão medieval do problema. 
A identidade sobrenatural dos amentes (e também dos 
dementes, em alguns aspectos) é a marca da superstição, a 
caracterizar toda a “teoria” e prática medieval em relação ao 
deficiente mental de qualquer tipo ou nível. Não fogem a essa 
marca os promotores da contrarreforma católica, como não lhe 
escapava a hierarquia eclesiástica pré-reforma. 
A reação contra a crueldade católica e luterana no trato 
dos dementes e amentes começou a mudar, mesmo ainda pautada 
por superstição, pela obra de duas figuras típicas da cultura do 
início do século XVI: os alquimistas Paracelso Philipus Aureolus 
(1493-1541) e Jerônimo Cardano (1501-1576). 
Paracelso rejeitava as obras ditas diabólicas, embora 
acreditasse na magia, na astrologia e na alquimia como recursos 
para conhecer desígnios extranaturais ou, de todo modo, sobre-
humanos, e para utilizar propriedades ocultas das substâncias e 
dos astros. Mesmo sendo um alquimista, como médico, Paracelso 
não podia ignorar que demência e amência podiam também 
resultar de traumatismos e doença. Ao escrever a obra Sobre as 
doenças que privam os homens da razão, em 1526, ele também foi 
vítima da intolerância eclesiástica, na reformulação da visão 
medieval da deficiência mental. Essa obra foi publicada em edição 
póstuma em 1567, mostrando pela primeira vez uma autoridade 
140 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
da medicina, reconhecida por numerosas universidades, em uma 
visão ainda supersticiosa, mas não teológica. As pessoas com 
deficiência ou doenças mentais deixaram de serem consideradas 
perversas, criaturas tomadas pelo diabo e dignas de tortura e 
fogueira por sua impiedade ou obscenidade, passando a ser 
consideradas doentes ou vítimas de forças sobre-humanas, 
cósmicas ou não, e dignas de tratamento e complacência. 
Não é muito diversa a contribuição de Jerônimo Cardano, 
unindo ao misticismo neoplatônico a magia, a astrologia e a 
cabala, professando também sua crença em poderes especiais e 
em forças cósmicas que podem ser responsáveis por 
comportamentos inadequados. Para ele loucos e deficientes eram 
vítimas de tais poderes e, por vezes, até dotados de poderes 
mágicos desordenados, o que os tornava merecedores de atenção 
médica. 
Além dessa postura enriquecida pela preocupação 
pedagógica com a instrução das pessoas com deficiências mentais, 
graças a Paracelso Cardano a insensatez começa a ceder terreno 
ao bom senso. 
 
Os leprosários da Idade Média e o novo destino de pessoas 
com deficiências intelectuais 
 
A hanseníase no pós-Bíblia continuou causando muitas 
mutilações, outrostipos de deficiências e, consequentemente, 
muito estigma, devido à periculosidade que apresentava e ao 
pavor de suas consequências. Popularmente conhecida como 
141 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
“lepra”, já existia no Egito e na Índia muitos séculos antes da Era 
Cristã e foi diagnosticada por gregos e árabes. Levada para toda a 
Europa pelos soldados romanos, espalhou-se mais ainda durante 
a época das Cruzadas. Desde os tempos mais remotos existiu uma 
variedade de males dermatológicos considerados como 
contagiosos. Dentre eles destacava-se evidentemente a 
hanseníase, mas com ela confundiam-se a psoríase, a escabiose e o 
ergotismo. 
Na Idade Média, quando um homem era declarado 
“leproso” tinha apenas um destino: banimento da sociedade e do 
convívio de seus familiares pelo resto da vida. Para tal fim a 
sociedade armava-se de certas cautelas, sendo uma delas o 
estabelecimento de uma comissão responsável pelo 
reconhecimento do mal. Nessa comissão estavam 
obrigatoriamente incluídos um médico e um hanseniano. Silva 
(1986) observa que em “muitos casos foram vítimas de 
diagnósticos mal formulados. Os casos de ergotismo, por exemplo, 
apresentavam mutilações seríssimas nos dedos devido à gangrena. 
Era um mal causado pelo uso continuado de farinha de centeio com 
fungos venenosos e que em sua forma gangrenosa levava a 
amputações muito sérias dos dedos. Se o resultado do exame do 
doente suspeito de ‘lepra’ fosse positivo, rezava-se uma missa de 
Réquiem sobre o doente, o que correspondia a um sepultamento 
simbólico. Era então conduzido para fora da cidade e no caminho o 
sacerdote, acompanhado de um acólito que tocava uma matraca, 
dava orientações básicas ao doente, repassando as proibições que 
iriam marcar sua vida futura” (p. 211). 
142 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Para essas pessoas eram impostas tais proibições: entrar 
em igrejas, mercados, moinhos, padarias ou qualquer lugar 
público; lavar as mãos ou o corpo em qualquer riacho ou fonte 
(devia saciar sua sede usando uma caneca de sua propriedade 
exclusiva); sair às ruas sem as vestes identificadoras do leproso e 
sem calçados; tocar em objetos que desejava comprar (devia 
apontar com um bastão); tocar os beirais das pontes ou batentes 
de portas (devia ter as mãos cobertas); tocar ou ter relações 
sexuais com qualquer pessoa, inclusive sua própria esposa; comer 
ou beber na companhia de qualquer pessoa que não fosse leprosa. 
Existiam os “lazaretos” ou “leprosários”, onde alguns 
conseguiam vaga. Outros passariam o resto de seus dias 
“espalhando o terror da doença, mendigando por comida e por 
bebida. Muitas vezes identificado por roucos gritos de ‘impuro, 
impuro’, o temido ‘leproso’ era também reconhecido por sinetas, 
matracas ou pequenas cornetas. A esmola a eles destinada era 
colocada às carreiras no meio das vielas ou dos campos. Foram por 
séculos marcados e a marca mais forte e evidente ficava nas roupas 
que eram obrigados a usar, nas cores cinza ou preta. Deviam usar 
chapéus ou capuzes e às vezes faixas vermelhas. Épocas houve na 
Europa durante as quais eles eram obrigados a levar ao peito um 
tecido vermelho com desenhos característicos” (SILVA, 1986, p. 
211). 
Só na França dos séculos XII e XIII havia em torno de dois 
mil “lazaretos” que se destinavam apenas à segregação e nunca ao 
tratamento dos doentes, enquanto na Europa inteira, devido à 
extensão do problema, havia aproximadamente 19 mil desses 
143 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
abrigos, todos separando duramente seus doentes da sociedade e 
deixando que morressem sem qualquer assistência. 
Muitos desses locais abrigavam não só os ditos “leprosos”, 
mas também outras pessoas indesejadas da sociedade. Entre elas 
estavam pessoas com deficiências intelectuais que, mesmo livres 
da sanha inquisitorial e da intolerância religiosa, continuavam 
sem atendimento educacional. Consideradas inútis para a lavoura 
e o artesanato e consumidoras improdutivas da renda familiar, 
essas pessoas não tinham outro destino senão o asilo, onde eram 
protegidas dos raios e das chuvas, ganhavam alguma alimentação 
e deixavam em santa paz a família e a sociedade. Era o caminho 
mais cômodo para se livrar do “problema”, mesmo com as 
afirmações de homens como Paracelso, Cardano e John Locke 
(1632-1704), dizendo que as pessoas com deficiências 
intelectuais poderiam ser treinadas ou educadas para várias 
atividades. 
Após a abolição da Inquisição, a opção intermediária foi a 
segregação, não punindo nem abandonando essas crianças e 
pessoas, mas também não se sobrecarregava o governo e a família 
com sua incômoda presença. Pessotti (1984) observa que “o 
apego residual do século XVIII a uma noção fatalista da deficiência 
parece uma desesperada tentativa de isentar a família e o poder 
público do dever de educar os amentes e criar instituições 
adequadas para isso. Já não se pode, justificadamente, delegar à 
divindade o cuidado de suas criaturas deficitárias, nem se pode, em 
nome da fé e da moral, levá-las à fogueira ou às galés. Não há mais 
lugar para a irresponsabilidade social e política diante da 
deficiência mental, mas, ao mesmo tempo, não há vantagens, para o 
144 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
poder político e para o comodismo da família, em assumir a tarefa 
ingrata e dispendiosa de educá-lo” (p. 26). 
A Europa na Idade Média enfrentou devastadoras 
epidemias de lepra. Inúmeros hospitais ou leprosários, também 
chamados hospícios, foram construídos pela nobreza, às vezes 
com uma suntuosidade que pareceria irônica. Obras-primas da 
arquitetura ou meros casarões, sua função era abrigar e alimentar 
o cristão enfermo e, ao mesmo tempo, afastá-lo do convívio social. 
Era preciso, mesmo com esse dilema social, respeitar e 
socorrer o cristão marginal ou aberrante e, em contrapartida, 
livrar-se do inútil, incômodo ou antissocial. Surgiram grandes 
hospitais, como o de Bicêtre e a Salpêtrière em Paris, Bethleheni 
na Inglaterra, e muitos outros no resto da Europa se abriram para 
acolher piedosa e cinicamente, em total promiscuidade, 
prostitutas, idiotas, loucos, "libertinos", delinquentes, mutilados e 
"possessos" que só na Salpêtríêre perfaziam, em 1778, um total de 
oito mil pessoas. 
 
Richard Baxter, um pastor entre o ministério e suas 
enfermidades 
 
Richard Baxter nasceu no dia 12 de novembro de 1615, na 
casa do avô materno, no vilarejo rural de Rowton, e logo foi 
batizado na paróquia Saint Michael. Os primeiros dez anos da sua 
vida foram gastos nesse campo inglês, na casa dos avós, pois seu 
pai era viciado tanto em bebida quanto em jogos de azar e vivia 
145 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
acompanhado de dívidas. Onze anos após o nascimento do jovem 
Baxter, seu pai se converteu através da leitura particular da 
Palavra de Deus e o chamou para morar com ele. Mais tarde, 
Baxter lembrava que as conversas sérias, sobre Deus e a 
eternidade, direcionadas a ele pelo pai, foram os primeiros 
instrumentos que Deus usou para despertar nele a convicção. 
Ao se iniciar no ensino formal, dos quatro instrutores que 
tivera em seis anos, dois levavam vidas imorais, outro era 
beberrão e todos eram ignorantes. Mesmo assim Baxter tinha uma 
mente ágil e, através da leitura e estudo próprio, avançou em sua 
educação autodidata. Durante uma longa doença, pela influência 
de vários livros, ele se sentiu chamadoao ministério. Pouco 
depois, com quinze anos de idade, foi profundamente influenciado 
pelas obras de Richard Sibbes, que o fez entender como era 
precioso a Jesus Cristo. 
Aos 16 anos de idade, ele se transferiu para a escola em 
Wroxeter e estudou ali por três anos. Foi então que o pregador 
erudito Francis Garbet realmente tomou interesse no seu jovem 
aluno e ajudou-o grandemente a avançar em sua educação. Ao sair 
de Wroxeter, teve a oportunidade de estudar em Oxford, mas não 
o fez, pois o diretor da escola em que estudava o persuadiu a 
continuar a educação com um amigo, o capelão Richard 
Wickstead. Wickstead o ensinou com muita má vontade por 18 
meses. Até o seu último dia, Richard Baxter se arrependia dessa 
decisão de deixar Oxford a favor do Wickstead. 
Em 1633 se deslocou para Londres com o pretexto de 
iniciar estudos, a fim de se tornar um advogado, permanecendo 
apenas quatro semanas. Tanto a vida frívola em Londres como o 
146 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
enfraquecimento da sua mãe o levaram de volta à cidade em que 
morava com os pais, inteiramente certo de que um dia seria 
pastor. A doença da mãe continuou por pouco tempo; ela faleceu, 
menos de um ano depois da volta de Richard. Os próximos quatro 
anos foram dedicados ao estudo particular de teologia. 
Aos 23 anos de idade, Richard Baxter foi consagrado. Por 
nove meses, trabalhou como diretor da escola em Dudley e depois 
se tornou pastor assistente em Bridgenorth, não muito longe da 
casa dos avós maternos. Aos 25 anos, teve início seu ministério 
mais famoso, que duraria 20 anos, em Kidderminster. Foi ali 
também que começou a produzir livros. Certa vez ele comentou: 
“Meus escritos são a minha maior obra diária”. Ele trabalhou 
arduamente, mesmo com as dores crônicas que o acompanharam 
desde os 21 anos. 
Duas vezes por semana, ele ensinava o catecismo e ia de 
casa em casa visitando os membros da sua igreja, uma hora por 
semana. Essas visitas domiciliares deram frutos e foram raros os 
membros que não foram comovidos a serem mais fiéis através do 
aconselhamento pastoral do Richard Baxter. Ao sair de 
Kidderminster, comentou que, dos 600 membros da igreja, tinha 
dúvidas acerca da salvação de apenas 12. A sua carreira em 
Kidderminster findou-se abruptamente em 1661, quando foi 
expulso da Igreja da Inglaterra por não se conformar às regras. Foi 
nesse período, depois de sua expulsão, que se casou com Margaret 
Charlton, uma jovem de 20 e poucos anos. Com quase 30 anos de 
diferença, Richard Baxter descobriu que não havia outra igual a 
ela em questão da santidade. Ele relatava todos os casos que 
pesavam no seu coração e consciência, e ela o confortava. O 
147 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
casamento durou 20 anos e chegou ao fim com a morte de 
Margaret. 
Nos 10 anos anteriores a sua morte, Richard Baxter 
pregava e escrevia muito, mas nunca mais assumiu uma 
congregação. Três vezes foi preso por pregar e enfrentava 
perseguição constante do Supremo Magistrado Jeffreys – o mesmo 
que cerrou Bunyan na prisão durante 16 anos por dissensão. 
Durante os anos de perseguição e doenças crônicas, Baxter 
produziu a maior parte dos 168 impressos religiosos de sua vida, 
dos quais 141 são livros. 
Dizem seus biógrafos que, como muitos outros gigantes 
espirituais, Baxter foi marcado pela doença. Desde a mocidade até 
o fim de seus dias ele foi afligido por constantes e variadas 
enfermidades, um homem literalmente enfermo da cabeça aos 
pés. Padeceu com dores reumáticas, tinha problemas estomacais, 
frequentes hemorragias no nariz, dentre outras manifestações. 
Baxter foi tratado por mais de 35 médicos, sem muito resultado, o 
que o levou a evitá-los. Suas muitas enfermidades, entretanto, não 
o impediram de ser um servo reconhecidamente mais útil e 
produtivo do que milhares que desfrutam de perfeita saúde. 
Em 1689, o Ato de Tolerância permitiu que Baxter 
pregasse e escrevesse com liberdade. Naquela ocasião, ele se 
deslocou para Charterhouse Square e logo após faleceu, no dia 8 
de dezembro de 1691. 
 
 
148 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
O assistencialismo dos jesuítas em terras brasileiras 
 
A Companhia de Jesus, em linhas gerais, era uma 
sociedade missionária fundada em 1534 por Santo Inácio de 
Loyola (1491-1556) com o objetivo de defender o catolicismo 
contra a Reforma Protestante na Europa e difundi-lo nas novas 
terras do Ocidente e do Oriente. Obteve um rápido crescimento, 
alcançando grande prestígio e poder, tornando-se a instituição 
religiosa mais influente em Portugal e nas colônias portuguesas. 
Os primeiros jesuítas chegaram ao Brasil em 1549, comandados 
pelo padre Manuel da Nóbrega (1517-1570), e dedicaram-se à 
catequese indígena e à educação dos colonos. Entre os séculos 
XVII e XVIII, construíram igrejas e fundaram colégios, 
organizaram a estrutura de ensino, baseada em currículos e graus 
acadêmicos, e estabeleceram as primeiras “reduções” ou 
“missões” - aldeamentos onde os nativos eram aculturados, 
cristianizados e preservados da escravização colonial. A maioria 
dessas missões foram criadas na região Sul, próximo aos rios 
Paraná e Uruguai, onde se reuniam dezenas de milhares de índios, 
sendo grande também o número de missões instaladas pelos 
jesuítas na região amazônica. 
Naquele período, tivemos a chamada medicina jesuítica, a 
partir da segunda metade do século XVI, onde padres e irmãos da 
Companhia de Jesus foram de fato os médicos, os enfermeiros e os 
boticários dos indígenas, dos povoadores, dos colonizadores. 
Surgiam os primeiros hospitais das irmandades de misericórdia 
que, com poucos recursos, não supriam as necessidades da época. 
Locais onde pobres e obscuros habitantes, brancos, mestiços e 
149 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
negros, buscaram o socorro, transformando enfermarias e as 
boticas dos estabelecimentos da Companhia em hospitais da 
população e farmácias dos doentes necessitados. 
Embora não tendo registros oficiais da época, pelas 
descrições das doenças, podemos presumir a existência de 
pessoas com deficiências congênitas ou adquiridas entre os 
assistidos pelos jesuítas. Feridas nas pernas, na cabeça; 
mortalidade infantil; doenças de pele; males venéreos, como a 
sífilis; verminoses variadas; problemas oculares; anemia; febres; 
chagas; tumores; dores de cabeça; paralisias; cólicas; males do 
estômago, do coração e dos ossos; mordidas de cobra; insônias; 
sem contar, é claro, as enfermidades epidêmicas, como varíola e 
outras. O Brasil foi muitas vezes fustigado por grandes pestes, 
epidemias, doenças gerais, bexigas, priorizes, tabardilho, câmaras 
de sangue, tosse e catarro. De todas as epidemias, a que causou 
maior estrago, e cuja existência é assinalada várias vezes, foi a 
varíola. Agravou-se de forma violenta em 1563. Morreram 30.000 
no período de dois ou três meses. 
Através desses trabalhos dos jesuítas dirigidos aos 
doentes, seja o clínico, o cirúrgico, o obstétrico, seja o 
farmacêutico, é que foram escritos os primeiros capítulos da 
Medicina brasileira. Eles assistiram, examinaram, operaram, 
sangraram e medicaram, em um período em que predominou 
realmente a medicina jesuítica. A Companhia de Jesus teve uma 
grande importância para o desenvolvimento da medicina 
brasileira, pois se pode afirmar que a medicina predominante no 
Brasil no século XVI foi a dos jesuítas. Rareando, então, os físicos, 
os cirurgiões e os hospitais,os filhos de Santo Inácio supriram a 
150 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
alta e assistiram ao índio e ao provedor como médicos, 
enfermeiros e boticários. Deve-se-lhes, além de tudo, o 
conhecimento da patologia e da terapêutica indígenas. 
Dentre esses primeiros “médicos” a atuarem em terras 
brasileiras, destaca-se o trabalho de José de Anchieta (1534-
1597), jesuíta e escritor espanhol que nasceu nas ilhas Canárias e 
estudou em Coimbra, Portugal. Entrou para a Companhia de Jesus 
em 1551, emigrando dois anos depois para o Brasil na comitiva de 
Duarte da Costa, com o intuito de catequizar os índios. Anchieta 
destacou-se, dentre outros feitos, por sua assistência a enfermos, 
doentes crônicos e enjeitados. Foi um grande escritor de cartas 
que, como as dos demais jesuítas da época, hoje são uma 
importante fonte documental do desvendamento da patologia no 
Brasil colonial. Nelas, esse jesuíta revela-se um médico dedicado, 
um piedoso enfermeiro, conquistando a estima de todos, índios e 
colonos, aos quais procurou servir sem esmorecer. 
Em uma de suas correspondências, publicada em Cartas 
inéditas: centenário da descoberta do Brasil, Anchieta relatou: 
“Quão raras são entre os indígenas as deformidades e os monstros. 
Em último lugar tratarei destes Brasis, porque ninguém encontrará 
entre eles qualquer pessoa afetada de alguma deformidade natural, 
raramente aparece um cego, surdo, mudo, ou coxo, nenhum 
monstruosamente nascido. (...) Rarissimamente se acha entre eles 
torto, cego, aleijado, surdo, mudo, corcovado, outro gênero de 
monstruosidade: coisa tão comum em outras partes do mundo. Têm 
os olhos pretos, narizes compressos, boca grande, cabelos corredios, 
barba nenhuma, ou mui rara, são vividouros e passam muitos de 
151 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
cem anos, e cento e vinte, nem entram em cãs, senão depois de 
decrépita idade” (apud LOBO, 2008, p. 32). 
Diante de tais afirmações, Anchieta leva-nos a pressupor 
que, talvez como consequência cultural da política de exclusão dos 
índios, a sociedade colonial continuasse a segregar, a esconder 
essas pessoas. Até mesmo por motivos de vergonha ou de um 
completo desconhecimento, não saber lidar com elas. 
Outro motivo para que pessoas com deficiência fossem 
excluídas da sociedade pode ser encontrado no campo da 
superstição. Naqueles tempos de geral ignorância, apontava-se a 
doença como castigo da divindade. Os males sexuais eram devidos 
aos hábitos pecaminosos, impulsionados pelo demônio. Os loucos 
eram possessos. A lepra, então incurável e de origem não sabida, 
causava horror e excluía os seus portadores do convívio social. 
Tais conceitos, em verdade, chegam a ser compreensíveis, pois 
datam de época anterior às investigações sobre os seres 
microscópios e aos estudos sobre as reais causas das doenças. 
Como sucedia no resto do mundo, enxotava-se o leproso para fora 
das povoações, ou então era preso e internado o infeliz nos 
lazaretos ou gafarias, pequenas casas-hospitais situadas nos 
arredores das principais cidades. Havendo poucos lazaretos, os 
leprosos tiveram mesmo que vagar pelas estradas, esmolando o 
alimento e esperando a morte. 
Surgiam as “Casas de Muchachos” e as “Rodas dos 
Expostos”. Havia as crianças indígenas, os curumins e os 
chamados “órphãos da terra”, crianças oriundas das ligações entre 
os brancos ou negros e mulheres índias, que normalmente eram 
abandonadas por suas mães, pois os índios acreditavam que o 
152 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
parentesco verdadeiro só vinha pela parte dos pais; por isso, não 
faziam parte do seu povo, uma vez que não foram gerados por um 
homem da tribo. Esses órfãos passaram a ser recolhidos em 
lugares denominados “Casas de Muchachos”, com o objetivo de 
educá-los dentro dos preceitos da Igreja. Nascia assim a primeira 
medida de afastamento da criança de seu convívio sociofamiliar 
praticada no Brasil. Em 1585 já existiam no país cinco “casas” de 
acolhimento, situadas em Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, São 
Vicente e São Paulo. 
Outro capítulo marcante e triste de nossa história foram as 
chamadas “Rodas dos Expostos”, que no Brasil funcionaram de 
1726 a 1950. Tiveram origem na Itália durante a Idade Média a 
partir do trabalho de uma irmandade de caridade e da 
preocupação com o grande número de bebês encontrados mortos. 
Tal irmandade organizou em um hospital em Roma um sistema de 
proteção à criança exposta ou abandonada. O nome da roda 
provém do dispositivo onde se colocavam os bebês que se queria 
abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida ao meio por uma 
divisória, era fixada no muro ou na janela da instituição. No 
tabuleiro inferior e em sua abertura externa, o expositor 
depositava a criancinha que enjeitava. A seguir, ele girava a roda e 
a criança já estava do outro lado do muro. Puxava-se uma 
cordinha com uma sineta, para avisar a vigilante ou rodeira que 
um bebê acabava de ser abandonado e o expositor furtivamente 
retirava-se do local, sem ser identificado. 
Podemos dizer que dessas duas ações nasceu a ideia de 
tutela no Brasil pelas mãos dos jesuítas. Essa opção – que mais 
tarde se refletiria também no assistencialismo às pessoas com 
153 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
deficiência –, perdurou ao longo de cinco séculos da nossa história 
e ainda perdura como forma de ação de atendimento à infância 
em nosso país. 
Com o nascimento dos primeiros hospitais brasileiros, as 
santas casas de misericórdia surgiram a partir das duas grandes 
instituições operantes ligadas à Igreja católica, que quase sempre 
nasciam como instituições destinadas a apoiar uma ampla 
variedade de excluídos: órfãos, mães solteiras, velhos, pobres e, 
claro, doentes, já estabelecendo uma cultura assistencialista. E o 
que não faltaram foram doenças, epidemias e males 
incapacitantes no Brasil Colônia. 
Era o estreitamento da cultura deficiência como doença! 
Se a associação de deficiência correspondia à doença veio 
sendo construída ao longo de nossa história como uma questão 
sempre tratada em ambientes hospitalares e assistenciais, outros 
fatores também reforçaram essa cultura. Em terras brasileiras, 
principalmente no final do século XIX e nas primeiras décadas do 
século XX, foi bem considerável o número de médicos que 
pesquisaram, escreveram e publicaram trabalhos científicos sobre 
pessoas com deficiências, sobretudo as mentais, preocupados com 
a aprendizagem dessas crianças. “O despertar dos médicos nesse 
campo educacional pode ser interpretado como procura de 
respostas ao desafio apresentado pelos casos mais graves, 
resistentes ao tratamento exclusivamente terapêutico, quer no 
atendimento clínico particular, quer no, muitas vezes, encontro 
doloroso de crianças misturadas às diversas anomalias nos locais 
que abrigavam todo tipo de doença, inclusive os loucos” (JANNUZZI, 
2006, p. 31). 
154 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
A medicina passou a influenciar as propostas educacionais 
para essas pessoas, principalmente por ser, na área do ensino 
superior, uma das mais antigas no Brasil, junto com o ensino 
militar, tendo, desde o começo, formado profissionais. Temos 
como exemplo a criação das escolas de cirurgia e academia em 
1808 na Bahia e Rio de Janeiro, a Faculdade de Medicina da Bahia, 
em 1832, a primeira do País, a Faculdade de Medicina do Rio de 
Janeiro, dentre outras. Além de vários médicosque tiveram 
atuação direta como diretores ou professores das primeiras 
instituições brasileiras voltadas para esse público. 
Foi na segunda metade do século XIX, em paralelo à 
implantação de hospitais públicos, que o Estado passou a intervir 
também na área de doenças mentais – tratadas então em rigoroso 
isolamento. Surgiu o Hospício D. Pedro II em 1852, no Rio de 
Janeiro. Em 1898 era aberto o Hospital Psiquiátrico do Juquery, no 
atual município de Franco da Rocha (Grande S. Paulo), nome do 
médico que organizou a instituição, enquanto Porto Alegre 
ganhava o Hospital S. Pedro. O importante Instituto Philippe Pinel, 
do Rio de Janeiro, nasceria em 1937 com o nome de Instituto de 
Neurossífilis. Um número muito considerável de pessoas com 
deficiências mentais, até mesmo por falta de exames e diagnósticos 
mais precisos na época, era confundido com doentes mentais e 
internados injustamente nessas instituições. Juliano Moreira, 
médico e nome importante da história da psiquiatria brasileira, 
chegou a ser fundador de uma instituição para pessoas com 
deficiências mentais. Franco da Rocha, no ano de 1921, em São 
Paulo, construiu um pavilhão para crianças no Hospital de 
Juquery. Mas já eram iniciativas que visavam ao lado pedagógico 
dessas crianças, que, segundo Jannuzzi (2006), já apontavam algo 
155 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
positivo: “Percebo que esses pavilhões anexos aos hospitais 
psiquiátricos, nascidos sob a preocupação médico-pedagógica, 
mantêm a segregação desses deficientes, continuando pois a 
patentear, a institucionalizar a segregação social, mas não apenas 
isso. Há a apresentação de algo esperançoso, de algo diferente, 
alguma tentativa de não limitar o auxílio a essas crianças apenas 
ao campo médico, à aplicação de fórmulas químicas ou outros 
tratamentos mais dramáticos. Já era a percepção da importância de 
educação; era já o desafio trazido ao campo pedagógico, em 
sistematizar conhecimentos que fizessem dessas crianças 
participantes de alguma forma da vida de grupo social de então. 
Daí as viabilizações possíveis, desde a formação dos hábitos de 
higiene, de alimentação, de tentar se vestir etc. necessários ao 
convívio social. Elas colocam de forma dramática o que se vai 
estabelecendo na educação do deficiente: segregação versus 
integração na prática social mais ampla” (p. 38). 
Entre os primeiros médicos que se dedicaram à questão, 
havia uma preocupação de estabelecer uma catalogação de 
anormalidade. Pessoas com dificuldades pedagógicas seriam os 
dotados de inteligência e instrução em grau inferior à sua idade. E, 
visando completar os exames precários das chamadas “crianças 
com defeitos pedagógicos”, acrescentava-se como modelo do 
exame médico uma ficha contendo itens em relação a observações 
do físico do aluno. 
 
Católicos e protestantes se unem contra uma “Inquisição 
Nazista” no século XX 
156 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
 
Ao longo da história humana temos inúmeros relatos de 
discriminações e execução de pessoas com algum tipo de 
deficiência. Mas nesse percurso não precisamos ir muitos séculos 
atrás, a exemplo da Inquisição. Há pouco mais de 70 anos, durante 
a Segunda Guerra Mundial, Hitler foi denunciado por programa de 
extermínio de pessoas com deficiências físicas e intelectuais. Essas 
mortes representavam uma antecipação das câmaras de gás de 
Auschwitz. Alegando os altos gastos com essas pessoas, uma 
propaganda nazista em favor do extermínio dizia: “60.000 marcos 
é o que essas pessoas com defeitos hereditários custam ao povo 
durante sua vida. Companheiro, o seu dinheiro também”. 
No dia 3 de agosto de 1941, um domingo, algumas 
semanas após Alemanha e União Soviética entrarem em guerra, o 
bispo de Münster, na Renânia, denunciou publicamente esses atos 
praticados pelos nazistas. O monsenhor Clemens-August von 
Galen exclamava: “É uma doutrina tenebrosa aquela que busca 
justificar a morte de inocentes, que autoriza o extermínio daqueles 
que não são mais capazes de trabalhar, dos enfermos, daqueles que 
soçobraram na senilidade… Será que temos o direito de viver só 
enquanto pudermos ser produtivos?”. 
Percebemos que, no começo do século XX, parecia legítimo 
que os seres humanos mais frágeis desaparecessem e abrissem 
espaço a seres mais bem preparados para sobreviver, em nome da 
seleção natural pregada pelos nazistas. É desse modo que foram 
editadas em determinados Estados leis que permitiam esterilizar 
pessoas dadas como fracas de espírito ou com deficiências. Em 14 
de julho de 1933, Hitler publicou uma lei sobre a esterilização de 
157 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
pessoas com deficiências intelectuais. Protestos houve somente do 
clero. Um decreto datado de 1º de setembro de 1939, exatamente 
no dia da deflagração da Segunda Guerra Mundial, prescrevia não 
mais somente esterilizar, mas também levar à morte os 
deficientes, os marginais e os que apresentavam tendência 
permanente para a depressão. O pretexto era de liberar os leitos 
hospitalares para os futuros feridos de guerra. 
Esse “decreto da eutanásia” com a data retroativa a 1º de 
setembro de 1939, que autorizava a missão do programa, dizia: “O 
líder do Reich Philipp Bouhler e Dr. Brandt estão encarregados da 
responsabilidade de ampliar a competência de certos médicos, 
designados pelo nome, de modo que os pacientes, baseando-se no 
julgamento humano, que forem considerados incuráveis, pode ser-
lhes concedida a morte de misericórdia após exigente diagnóstico”. 
Hitler confiou toda a operação a Karl Brandt, seu médico 
pessoal, e a Philip Bouhler, médico-chefe da chancelaria. Eles se 
instalaram sob o nome codificado “Aktion T4”. Os funcionários do 
T4 experimentaram diferentes meios de extermínio, começando 
com o veneno e depois descobrindo o gás. Num primeiro 
momento, encerravam suas vítimas num local fechado, injetando 
o gás do escapamento de um caminhão. Muito rapidamente, os 
procedimentos foram aperfeiçoados. Em janeiro de 1940, quinze 
dessas pessoas foram conduzidas para uma falsa ducha de 
chuveiro e asfixiados com o monóxido de carbono. Seus cadáveres 
foram em seguida incinerados. Seus familiares avisados por carta 
da morte acidental do parente e convidados a recuperar as cinzas. 
Era uma antecipação das câmaras de gás de Auschwitz. 
158 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Em torno de 70 mil a 100 mil pessoas com deficiência 
seriam assassinadas em menos de dois anos. Porém, malgrado 
todos os esforços da administração, o segredo foi descoberto e a 
inquietação crescendo. Até dentro do próprio exército cresceu a 
preocupação quanto ao destino dos feridos de guerra. Pastores 
protestantes começaram a reagir. 
O papa Pio XII interveio na questão em 15 de dezembro de 
1940, condenando firmemente a eutanásia. Por fim, em 9 de 
março de 1941, o bispo católico de Berlim, von Preysing, 
denunciou “mortes batizadas de eutanásia”. Joseph Goebbels, 
chefe da propaganda, convenceu Hitler de não determinar a 
execução do bispo para evitar um conflito aberto com os cristãos 
de Münster. Finalmente, três semanas após o golpe de efeito do 
monsenhor von Galen, em 24 de agosto de 1941, Hitler decidiu 
suspender a “Aktion T4”. Os mais de cem funcionários do T4, 
contudo, não ficaram sem funções. Algumas semanas mais tarde, 
Heinrich Himmler, ministro do Interior e chefe supremo da SS, 
usou de sua expertise para colocar de pé o plano de eliminação 
física dos judeus.A Igreja católica e suas possibilidades de inclusão 
 
A Igreja católica, em 1995, colocou nas ruas a sua 
tradicional Campanha da Fraternidade, uma prática anual desde 
1964, sempre abordando assuntos de interesse social. O tema 
daquele ano foi “A Fraternidade dos Excluídos”, trazendo em seu 
contexto a lembrança de milhares de pessoas marginalizadas, 
159 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
compondo uma enorme lista de segregados, sendo prostitutas, 
aidéticos, moradores de ruas, idosos, pessoas com deficiência, 
desempregados, drogados, presidiários e outras realidades 
vítimas de um apartheid social invisível que prevalece sobre a 
nossa pátria. Todas vítimas de um capitalismo selvagem, pois, 
segundo a revista Família Cristã (fevereiro, 1995), “é simples 
demonstrar o grau de iniquidade e hipocrisia de uma sociedade. 
Basta verificar quantas e quais as categorias de seres humanos 
marcadas pela brecha da exclusão”. 
Diante desse quadro poderíamos abordar outros inúmeros 
aspectos referentes aos “excluídos”; mas vamos nos limitar a uma 
classe do nosso estudo: as pessoas com deficiência! Podemos 
pegar como ponto de partida para a nossa reflexão o “Programa 
de Ação Mundial para as Pessoas com Deficiência”, o PAM, 
parágrafos 72 e 73, onde se destaca que, “com frequência, as 
atitudes e os hábitos levam à exclusão das pessoas com deficiência 
da vida social e cultural. As pessoas tendem a evitar o contato e o 
relacionamento pessoal com elas. Para um número significativo de 
pessoas com deficiência, os preconceitos e a discriminação de que 
geralmente são vítimas e a consciência de que em grande parte são 
excluídas das relações sociais normais causam problemas 
psicológicos”. Isto, de certa forma, é o retrato de mão dupla da 
deficiência, pois, segundo o PAM, “é muito frequente que o pessoal, 
profissional ou não, que atende as pessoas com deficiência não se dê 
conta de que elas podem participar da vida social normal e, por 
conseguinte, não facilita a sua integração em outros grupos 
sociais”. Mas é possível reverter essa situação? Quais os caminhos 
e qual a colaboração que a Igreja católica, baseada em suas 
160 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
campanhas da fraternidade e suas pastorais, poderá continuar 
dando à inclusão social e religiosa dessas pessoas? 
Sobre a “Campanha da Fraternidade dos Excluídos” de 
1996, um trecho de seu texto-base dizia: “No Brasil temos 7 
milhões de portadores de doenças físicas e mentais. No modelo de 
desenvolvimento competitivo não há espaço para os que têm algum 
tipo de limitação física ou mental. Cultua-se o corpo humano que se 
apresenta como uma máquina saudável, produtiva, dentro dos 
padrões convencionais de estética e eficiência. Nessa situação, os 
deficientes, além de terem que lidar com a própria deficiência, 
sofrem um processo de rejeição por serem ‘diferentes’. Isso tem 
reflexos na vida emocional, afetiva e na formação da autoimagem”. 
Todavia, pedimos licença à Igreja católica, para fazermos 
algumas reflexões referentes ao seu parágrafo. No que diz respeito 
à inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho 
competitivo, isso ainda se constitui em um grande desafio, mas 
muita coisa já mudou. Muitas dessas pessoas estão conquistando o 
seu emprego e, segundo registros, os empregadores estão 
satisfeitos com elas. A contratação de mão de obra das pessoas 
especiais só não é mais bem aproveitada por falta de informações 
e esclarecimentos nos meios empresariais. Achamos também que 
é de certa forma errado usar o termo “doenças físicas ou mentais”; 
temos que ter bem definida em mente a diferença entre 
deficiência e doença, pois muitas vezes, não esclarecidas, podem 
reforçar preconceitos. Concordamos plenamente que, ao serem 
rejeitadas, muitas pessoas apresentam prejuízos emocionais, 
afetivos e na formação de sua autoimagem, mas esse processo de 
rejeição analisaremos mais adiante. 
161 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Além dos problemas sociais e emocionais (as “barreiras 
invisíveis”) enfrentados pela classe, existe a questão dos 
obstáculos materiais, as chamadas “barreiras arquitetônicas”; 
portas estreitas impedindo o tráfego de cadeiras de rodas; escadas 
e degraus inacessíveis em edifícios, ônibus coletivos, trens, aviões; 
telefones públicos, interruptores de luz e botões de elevadores 
colocados fora de seu alcance e sanitários que não podem utilizar, 
dentre outros pontos menos comuns. Também há a exclusão 
quando não se leva a sério a adoção de linguagem de sinais para 
quem tem deficiências auditivas e leitura em braile para pessoas 
com deficiências visuais. 
Mas como mudar tudo isso? Infelizmente, essas barreiras 
existem alicerçadas na ignorância e indiferença dos povos devido 
à falta de informações corretas. Em nosso ponto de vista, muitos 
desses problemas poderão ser evitados, com poucos gastos, 
mediante um planejamento cuidadoso. 
Acreditamos como sempre, que o problema da deficiência 
é muito mais social do que psicológico, e a solução muito mais 
simples que possa parecer. Todo encargo e dificuldades que se 
despejam sobre essas pessoas estão diretamente ligados à 
imagem negativa que essas pessoas têm perante a sociedade, 
como serem inferiores, coitadinhos, eternos dependentes e outros 
conceitos errôneos dessa natureza, que também foram 
alimentados pelos estigmas religiosos ao longo dos séculos e hoje 
repousam em nossos inconscientes coletivos. Quem tem uma 
deficiência não é um rejeitado; é, sim, um desconhecido. O lado 
positivo da deficiência, ou seja, o verdadeiro, do que são capazes, 
suas potencialidades e os benefícios que, se incluídos, poderão 
162 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
trazer para o contexto social, estão quase todos ocultos da 
sociedade e das comunidades cristãs, o que impede a construção 
de uma real cidadania. 
Assim, se for explorado esse ponto, a divulgação do lado 
positivo, grande parte dos problemas dessa classe estará com os 
dias contatos. A Igreja, no tocante às pessoas com deficiência, 
poderá explorar esse ponto, mostrando sempre aos seus fiéis do 
que essas pessoas são capazes; focalizar aqueles que estão 
atuando no mercado de trabalho e outros tantos exemplos 
positivos, abordando-os sempre de maneira natural e tentando 
retirar toda a carga de piedade e/ou sensacionalismo que o tema 
suscita. Muitas vezes a sociedade impede ou dificulta o exercício 
pleno da cidadania, não por maldade, mas sim por desconhecer o 
que realmente é alguém com deficiência e suas potencialidades. 
Aliás, que sejam incentivados a participar mais nas atividades da 
Igreja, dando sempre voz aos menos, pois assim a inter-relação e a 
quebra de mitos e receios entre eles e os demais fiéis ocorrerão 
naturalmente. As pessoas com deficiência não precisam de 
piedade; precisam de oportunidade! 
A Igreja poderá incentivar o nascimento de novas 
associações, como a já existente “Fraternidade Cristã de Doentes e 
Deficientes – FDC”, organizada e fundada por um grupo com 
deficiência e que está aberta a todos, tendo como lema “nossas 
capacidades superam as nossas deficiências”. A proposta da FCD é 
lutar e defender os direitos da classe. É importante que os 
próprios interessados se reúnam para discutir seus problemas e 
brigar pelos seus direitos, desde que estejam apoiados em leis 
especiais existentes no país. É preciso que a pessoa com 
163 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.brdeficiência tenha a sua consciência despertada a respeito de seus 
direitos e obrigações, pois acreditamos que toda mudança precisa 
vir de dentro para fora e de baixo para cima. 
Sobretudo, propostas e soluções existem. Só é preciso que 
não fiquem no papel e em discussões de grupos limitados, mas 
partam para a prática, para as ruas, nas realizações de campanhas 
de educação do público, visando à eliminação de tais barreiras e à 
inclusão concreta dessas pessoas no contexto social. 
O padre Luiz Carlos Dutra, em sua obra Pastoral da 
Inclusão – Pessoas com deficiência na comunidade cristã (Loyola, 
2005), aponta que são três as áreas em que a Igreja católica 
poderá trabalhar a inclusão das pessoas com deficiência, 
constituindo praticamente sua integridade: 
 
 NA CATEQUESE – No passado usávamos a expressão 
“catecismo” para indicar em aulas que, com perguntas e 
respostas fixas, decoradas, introduziam-se as crianças às 
verdades da fé católica. Hoje o termo em uso é “catequese”, 
que cobre todas as faixas etárias com suas questões e 
problemas específicos. Catequese é a jornada espiritual de 
cada pessoa inteirando-se da vontade e doutrina de Deus a 
nosso respeito. Os assuntos são tratados em encontros 
periódicos liderados por pessoas formadas na doutrina da 
Igreja, segundo as fontes da Escritura, Tradição e dentro 
da vivência dos nossos tempos modernos. 
 NA LITURGIA – Nossa comunidade cristã precisa se 
acostumar a ver pessoas que, do púlpito, leem a Bíblia em 
164 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
braile, pessoas que comunicam a mensagem evangélica em 
língua de sinais, pessoas que na condição de leitores têm a 
autonomia de chegar em sua cadeira de rodas até o 
microfone (adaptável à sua altura) graças a alguma 
solução para os tradicionais degraus do presbitério. Essas 
pessoas são ministros do altar, na hora mais solene de 
nossa fé, a Eucaristia. Têm eles tal amor a Cristo que 
desafiam a deficiência a ponto de quererem participar 
ativamente da liturgia. São jovens com deficiência 
intelectual, por exemplo, que, orientados, podem tirar a 
coleta, levar as ofertas do pão e vinho em procissão e 
ofertório. Nada de medo. Nada de idiossincrasias ou temor 
irracional. São pessoas com deficiência de algum tipo, mas 
com voz boa ou que tocam bem algum instrumento e que 
querem fazer parte do coral, da música. Liturgia é a família 
de Deus toda em prece, cada um fazendo oferta de seus 
dons, sem discriminação. 
 NA VIDA DA COMUNIDADE – Conforme a Sagrada 
Escritura, desde os primórdios do Cristianismo, a força da 
fé se expressou na união e amor entre os cristãos. 
Trabalhando cada um na própria santificação, todos 
trabalhavam também para formar uma comunidade que 
atendia às necessidades e aos interesses espirituais e 
materiais. (...) A comunidade cristã hoje, pelo amor e 
exemplo de Cristo, e a sociedade em geral, pela obrigação 
de promover o bem comum e defender os direitos de cada 
um, devem ambas abraçar o ideal da inclusão das pessoas 
com deficiência (pp. 29-31). 
165 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
 
Segundo o padre, “escolas, centros de trabalhos, programas 
biopsicossociais e profissionais surgiram e agora adotam a filosofia 
e prática da inclusão. A Igreja tem razões bem mais profundas para 
viver o ideal e a prática da inclusão. O chamado para promover 
inclusão não é somente das autoridades eclesiásticas. O chamado é 
do próprio Deus, que revelou o mandamento do amor, e do próprio 
Cristo, que deu o exemplo em palavras e obras. E Deus chama a 
todos” (DUTRA, 2005, p. 22). 
Façamos nossas as palavras de Elizabete Cristina Costa-
Rendens, as quais cabem não só à Igreja católica, como também às 
demais comunidades cristãs: “Se no decorrer da história, 
especialmente até a Idade Média, elas atuaram junto às pessoas 
com deficiência em perspectiva assistencialista e segregacionista, 
em tempos contemporâneos, o tema inclusão desafia essas mesmas 
Igrejas cristãs a novas práticas pastorais e ao regaste de discursos 
teológicos inclusivos – na perspectiva do Evangelho de Jesus Cristo. 
Evangelho este que não faz acepção de pessoas e que propõe a 
diaconia como uma forma de convivência social pautada pelo 
reconhecimento recíproco. Nessa perspectiva, foi possível 
aproximarmos o paradigma educacional da inclusão com a 
espiritualidade cristã. A Teologia, pelo papel crítico-profético que 
lhe é conferido, tem a tarefa de construir uma antropologia que 
diminua (ou hierarquize) o ser humano em função de suas 
deficiências, mas que o acolha em sua dignidade humana. A 
educação pode beber das águas teológicas, especialmente no que 
diz respeito ao reconhecimento da dignidade humana como um bem 
166 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
inviolável e, por conseguinte, da demanda ética que se coloca em 
termos de justiça social” (2009, pp. 149-150). 
 
167 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
 
168 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
V – CAMINHOS PARA A INCLUSÃO 
RELIGIOSA HOJE 
 
 
O Protestantismo precisa despertar para a questão 
 
ssim como no capítulo anterior falamos sobre a atuação 
histórica da Igreja católica junto às pessoas com 
deficiência, gostaríamos de ter escrito também um longo 
capítulo sobre a atuação do Protestantismo. Só que, em nossa 
investigação história, não encontramos nenhum registro. Nem na 
vasta historiografia de Otto Marques da Silva há sequer pistas 
sobre isso. A não ser a condenação feita pelos principais nomes da 
Reforma, considerando as pessoas com deficiência 
(principalmente as deficiências intelectuais) como demoníacas, 
apoiando as eliminações delas pela Inquisição. Historiadores 
apontam que essas pessoas sempre passaram despercebidas pelas 
correntes protestantes. Acreditamos que possa até ter ocorrido 
ações deles nesse sentido, mas por terem se dividido em várias 
vertentes ou seitas, onde cada uma defende seus pontos 
teológicos/ideológicos, tais registros não ficaram para a história, 
não chegando até nós. 
O mesmo não aconteceu com a Igreja católica, que, talvez 
por ser uma unidade, foi capaz de preservar os seus registros 
históricos. Alguns estudiosos dizem que as ações da Igreja foram 
A 
169 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
puramente assistencialistas e colaboram para a segregação de 
pessoas com deficiência ao longo dos séculos. Só que preferimos 
focar em outro aspecto. Mesmo sendo assistencialismo, ou 
pautados pela cultura da caridade, o importante foi que a Igreja 
reconheceu a existência e as necessidades dessas pessoas 
naqueles momentos históricos, abrigando-as com a visão e 
conceitos que tinham na época. Pela falta de mais conhecimentos 
médicos/científicos e de uma filosofia humanista, era o que 
tinham a oferecer. Do mesmo jeito que não podemos condenar os 
protestantes que apoiaram a eliminação das pessoas com 
deficiência na Inquisição, pois também faltavam-lhes 
conhecimento cientifico e uma teologia mais humanitária com 
relação a elas. No Protestantismo tudo ainda era muito novo e a 
noção do bem (Deus) e do mal (diabo) ainda era muito acentuada, 
não dando margem para outras análises teológicas e/ou 
humanitárias. 
Não é nossa intenção ficar fazendo julgamento das ações 
passadas, seja dos católicos, seja dos protestantes. Mas, sim, trazer 
por meio deste estudo dados históricos paraque, a partir deles, 
possamos rever nossas ações e conceitos referentes às pessoas 
com deficiência e ter base para a construção de uma real 
TEOLOGIA DA INCLUSÃO. 
Uma Teologia da Inclusão que contemple um novo 
momento histórico, onde tanto os católicos como os protestantes 
reavaliem e reconstruam seus conceitos e ações no sentido da 
inclusão das pessoas com deficiência. Se, por um lado, a Igreja 
católica continua intensificando suas ações em prol da inclusão 
social e religiosa das pessoas com deficiência, sabemos que várias 
170 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
igrejas protestantes estão também realizando ações nesse sentido, 
mas de forma simples e isolada, não havendo união, planejamento 
nem trabalhos entre elas. 
Segundo Costa-Renders (2009), “faz-se necessária, 
portanto, a construção de uma Teologia onde também caibam as 
pessoas com deficiência. Ou seja, uma Teologia que inclua e dê 
visibilidade às expectativas e desafios vividos por essas pessoas, tais 
como: as imposições de uma antropologia hegemônica, os desafios 
da cura (seja pela religião, seja pela ciência), a percepção da 
vulnerabilidade humana e da inegociável dignidade de todos os 
seres humanos. Entendemos que, a partir das pessoas com 
deficiência, brotam perguntas importantes para a espiritualidade: 
sobre a existência, sobre a condição humana, sobre as concepções a 
respeito da deficiência e dos limites humanos, etc. são perguntas 
provocativas, não tivemos (ou não temos) a intenção, nem a 
possibilidade, de responder a elas categoricamente” (p. 149). 
 
Uma sociedade inclusiva 
 
Como nas religiões, na sociedade em geral, as pessoas com 
deficiência ficaram por muito tempo escondidas do convívio social 
muitas vezes dentro de instituições especializadas. Nos anos 1970 
e 1980, vivemos o conceito de integração social. Surgiram, por 
exemplo, entidades, centros de reabilitação, clubes sociais 
especiais, associações desportivas, todas dedicadas a essas 
pessoas com deficiências. A intenção principal era preparar essas 
pessoas para ingressar e conviver em sociedade com todos nós. 
171 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Só que, nos últimos vinte anos, um novo conceito surgiu: a 
inclusão social, tomando forma e espaço na sociedade, focando a 
equiparação de igualdades como tema do milênio. Antes pessoas 
com deficiências eram habilitadas ou reabilitadas para fazer todas 
as coisas que as demais e, através da integração social, passavam a 
conviver em sociedade. Agora, na inclusão social, as iniciativas são 
da sociedade, que passou a se preparar, criando caminhos e 
permitindo que eles venham conviver com todos. Por esse motivo, 
cada vez mais estamos vendo crianças e pessoas com 
necessidades especiais em nossas escolas, no lazer e em todos os 
lugares da vida diária. E devemos estar preparados para essa 
convivência, aceitando as diferenças e a individualidade de cada 
pessoa, uma vez que o conceito de inclusão mantém este lema: 
Todas as pessoas têm o mesmo valor. 
Inclusão Social, um tema explorado em várias partes do 
mundo, tendo ampla preocupação internacional, foi explicitado 
pela primeira vez em 1990 pela Resolução 45/91, da Assembleia 
Geral das Nações Unidas e, cerca de cinco anos depois, começou a 
chamar a atenção aqui no Brasil. 
Formada de uma resolução e regras bem definidas de uma 
sociedade para todos, consiste da diversidade da raça humana, 
estando estruturada para atender às necessidades de cada 
cidadão, das maiorias às minorias, dos privilegiados aos 
marginalizados. Nesse contexto estão incluídos crianças, jovens e 
adultos com deficiência, os quais serão naturalmente 
incorporados à sociedade inclusiva, e onde todos trabalharão 
juntos, com papéis diferenciados, dividindo iguais 
172 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
responsabilidades por mudanças desejadas para atingir o bem 
comum. 
Tudo consiste no processo ao qual a sociedade se adapta 
para poder incluir em seu contexto as pessoas com deficiência. 
Mas, por outro lado, essas mesmas pessoas precisam ser 
preparadas para assumir seus papéis na sociedade. Será uma 
forma de parceria entre ambas – sociedade e pessoas especiais –, 
visando equacionar problemas, decidindo sobre soluções, 
efetuando equiparações para todos. Na prática, a inclusão social 
tem como princípios básicos incomuns: 
 
 a aceitação das diferenças individuais; 
 a valorização de cada pessoa; 
 a convivência dentro da diversidade humana; 
 a aprendizagem através da cooperação. 
 
O que talvez possa parecer uma utopia, poderá ser na 
realidade a construção de um novo tipo de sociedade, mediante 
transformações, pequenas ou grandes, dos meios físicos (através 
de adaptações), ou das mentalidades (através de conscientização 
da população). 
Em várias partes do mundo, relata Sassaki (1997), “o 
processo de inclusão vem sendo aplicado em cada sistema social. 
Assim, existe a inclusão na educação, na saúde, na assistência, no 
lazer, no transporte, etc. Quando isso acontece, podemos falar em 
173 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
educação inclusiva, na saúde inclusiva, na assistência inclusiva, no 
lazer inclusivo, no transporte inclusivo e assim por diante. Uma 
outra forma de referência consiste em dizermos, por exemplo, 
educação para todos, lazer para todos, transporte para todos" (p. 
22). 
 
Igualdade de oportunidades, inclusive na religião 
 
Essa tendência de Inclusão iniciada no campo educacional, 
refletindo na sociedade como um todo, também deve ser realizada 
nas comunidades cristãs, independente de denominação. É direito 
das pessoas com deficiência o livre exercício de sua religiosidade. 
Está no “Programa de Ação Mundial Para as Pessoas com 
Deficiência“, o PAM (ONU, 1992), parágrafo 136: “Devem-se adotar 
medidas para que as pessoas com deficiência tenham a 
oportunidade de se beneficiar plenamente das atividades religiosas 
que estejam à disposição da comunidade. Para tal, deve-se tornar 
possível a participação das pessoas com deficiência nas referidas 
atividades!”. 
Podemos tirar do próprio PAM noções de Igualdade de 
Oportunidades na sociedade em geral que devam refletir nas 
comunidades cristãs. Estes parágrafos selecionados dão uma visão 
geral dessas mudanças: 
 
174 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
21. Para se alcançar os objetivos de “igualdade” e 
“participação plena”, não bastam medidas de reabilitação 
voltadas para o indivíduo com deficiência. A experiência tem 
demonstrado que, em grande medida, é o meio que 
determina o efeito de uma deficiência ou de uma 
incapacidade sobre a vida cotidiana da pessoa. A pessoa vê-
se relegada à invalidez quando lhe são negadas as 
oportunidades de que dispõe, em geral, a comunidade, e que 
são necessárias aos aspectos fundamentais da vida, inclusive 
a vida familiar, a educação, o trabalho, a habitação, a 
segurança econômica e pessoal, a participação em grupos 
sociais e políticos, as atividades religiosas, os 
relacionamentos afetivos e sexuais, o acesso às instalações 
públicas, a liberdade de movimentação e o estilo geral da 
vida diária. 
25. O princípio da igualdade de direitos entre pessoas com e 
sem deficiência significa que as necessidades de todo 
indivíduo são de igual importância, e que estas necessidades 
devem constituir a base do planejamento social, e todos os 
recursos devem ser empregados de forma agarantir uma 
oportunidade igual de participação a cada indivíduo. Todas 
as políticas referentes à deficiência devem assegurar o 
acesso das pessoas com deficiência a todos os serviços da 
comunidade. 
27. Das pessoas com deficiência, deve-se esperar que 
desempenhem o seu papel na sociedade e cumpram as suas 
obrigações como adultos. A imagem das pessoas com 
deficiência depende de atitudes sociais baseadas em 
175 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
diversos fatores, que podem constituir a maior barreira 
para a participação e a igualdade. É costume ver a 
deficiência como a bengala branca, as muletas, os aparelhos 
auditivos e as cadeiras de rodas, sem se ver a pessoa. É 
necessário focalizar a capacidade da pessoa deficiência, e 
não as suas limitações. 
Transportando essa visão e apontamentos do PAM para o 
nível espiritual, podemos dizer que o conceito e a prática de 
inclusão encontram eco favorável em verdades básicas de nossa 
fé; segundo Dutra (2005, p. 18), a inclusão, espiritualmente, é: 
 
 colocar em prática, em relação à pessoa com deficiência, o 
amor ensinado por Deus; 
 viver na prática a universidade da Igreja, sem distinção ou 
discriminação; 
 ver Cristo na pessoa com deficiência. 
 
Em uma comunidade cristã, por meio da fé e batismo 
comum, estamos todos inseridos como ramos de videira, ramos 
vivos e produtivos, graças a essa inserção na fonte da vida que é 
Jesus Cristo. “Assim, a inclusão passa a ser o fato de viver a fé e o 
amor que nos fazem um no Senhor, sem exceção, a grande família 
de Deus. As aparências contam, mas não decidem nossas 
preferências e aberturas de coração” (DUTRA, 2005, p. 19). 
Com ou sem deficiência, somos todos possuidores de 
dignidade humana e filhos do Deus, o primeiro a não fazer 
176 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
acepção de pessoa, como está em I Samuel 16:7: “Porém o Senhor 
disse a Samuel: Não atentes para a sua aparência, nem para a 
grandeza da sua estatura, porque o tenho rejeitado; porque o 
Senhor não vê como vê o homem, pois o homem vê o que está diante 
dos olhos, porém o Senhor olha para o coração.”. 
Como uma missão cristã, as comunidades religiosas 
precisam convidar as pessoas com deficiência a expressar seus 
sonhos e realidades, facilitando sua participação de forma 
irrestrita. Como as demais, elas procuram independência e 
autonomia, o que significa participar do processo, das soluções e 
implementações e usufruir os resultados. Incluir essas pessoas na 
vida da comunidade cristã será como trazer Cristo a elas e levá-las 
a Cristo de maneira condizente com as necessidades pessoais e em 
comunhão com todos e com tudo o que Deus criou e reuniu. 
 
Barreiras arquitetônicas eram motivos de exclusão 
 
Parece que não, mas, por muitos séculos, um dos 
principais motivos que impediram pessoas com deficiência de ter 
acesso às religiões foram as barreiras arquitetônicas. Em 1999, 
Ranauro e Lima de Sá já questionavam esse fato: “As igrejas 
costumam primar pela importância dos templos e escadarias. O 
templo suntuoso, no alto, se destaca. Mas quantos sequer podem se 
beneficiar deles pelas dificuldades de acesso impostas às pessoas. 
Não se atenta, sequer, no mais das vezes, para a largura e altura 
dos degraus. E o corrimão nos degraus e escadarias, quem se lembra 
deles?” (p. 105). 
177 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Somavam-se as grandes escadarias na entrada de igrejas, 
além de barreiras físicas no interior de suas instalações, as 
atitudes paternalistas e piedosas em relação à deficiência. 
Essas barreiras são todas as limitações com que as pessoas 
com deficiência se deparam no seu dia a dia e que as impedem de 
realizar o mais básico direito de qualquer cidadão: IR e VIR. 
Existem diversos tipos de barreiras arquitetônicas, como as 
escadas, os elevadores e portas muito estreitos, buracos no 
passeio, casas de banho mal equipadas, transportes públicos mal 
preparados, as edificações, os espaços urbanos, os equipamentos 
urbanos, o mobiliário, os aparelhos assistivos, os utensílios. 
Só que é um quadro que começa a mudar, conforme 
observa Sassaki (1997): “Hoje, é comum vermos igrejas e sinagogas 
dotadas de acessibilidade arquitetônica, o que permite aos seus fiéis 
com deficiência frequentarem-nas com autonomia e, mais do que 
isso, tomarem parte na administração dos ministérios. São 
conhecidas as atividades desempenhadas por pessoas com 
deficiência intelectual ou física auxiliando os celebrantes de missa 
ou culto. Intérpretes de línguas de sinais fazem parte do pessoal que 
acompanham os eclesianos com deficiência auditiva. Os próprios 
sacerdotes acabam aprendendo a usar os sinais durante a 
celebração de missas. Tudo isso, além de ser um direito das pessoas 
com deficiência, acaba funcionando como recurso de 
conscientização dos frequentadores sem deficiência, o que é muito 
educativo para toda a comunidade que se reúne em torno da 
religião” (p. 108). 
Em tempos de Inclusão Social – e também por que não 
dizer Religiosa! –, uma questão que merece uma profunda 
178 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
reavaliação de conceito é com relação às pessoas com deficiência 
que se utilizam de cadeiras de rodas para a sua locomoção. Aqui 
encontraremos um dos maiores erros de visão cometidos pela 
sociedade. E também a falta de atenção dos profissionais de 
comunicação colabora para uma visão errônea, quando 
reproduzem exaustivamente a imagem da pessoa em cadeira de 
rodas, usando um “cobertor xadrez” sobre as pernas. 
Essa imagem é transmitida historicamente, tendo como 
base as primeiras imagens vindas da fria Europa, onde, no pós-
guerra, alguns militares combatentes adquiriram deficiências e 
consequentemente passaram a utilizar cadeiras de rodas para sua 
locomoção. Nos países europeus o clima gelado é constante na 
maior parte do ano e, uma vez que a pessoa na cadeira de rodas 
tem pouca circulação sanguínea nas pernas, tendo uma 
sensibilidade ainda maior ao frio, justifica-se o uso desses 
cobertores. 
Mas no Brasil, um país tropical e praticamente quente 
durante todo o ano, nada justifica que perdure a utilização do 
“cobertor xadrez” sobre as pernas dessas pessoas, o que também 
pode significar uma conotação negativa da intenção de esconder a 
parte paralisada do corpo. Essa imagem, reproduzida sem 
qualquer critério ou avaliação, é constante na mídia, nas 
telenovelas, em peças de teatro, nos cinemas e em campanhas de 
utilidade pública, sem uma percepção crítica em relação a esse 
estereótipo que reforça, principalmente em países quentes como o 
Brasil, a ideia de vergonha do corpo, deformação, feiura e 
depressão. 
179 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Outro erro que também cometemos e precisamos corrigir 
é com relação às expressões que usamos ao nos referirmos a essas 
pessoas. Expressões como “condenados”, “confinados”, “presos” a 
uma cadeira de rodas refletem totalmente o contrário do 
verdadeiro significado de uma cadeira de rodas, sendo um 
instrumento para suprir a dificuldade de locomoção de seu 
usuário, tornando-se um instrumento para a sua independência, 
para sua libertação, para a vida! Por isso, além de acabarmos com 
a estereotipada imagem do “cobertor xadrez”, troquemos essas 
ultrapassadas expressões por “pessoas que se utilizam de cadeiras 
de rodas para sua locomoção”, “usuários de cadeiras de rodas”, ou 
simplesmente“cadeirantes”. 
O que deve ser feito está previsto no Decreto Federal 
5296/2004, conhecido como Lei de Acessibilidade, e em muitas 
outras normas. Mas a lei nem sempre é cumprida; na realidade 
uma parte significativa da população ainda vive à margem. 
 
“Uma teologia da deficiência” 
 
Esse subtítulo acima é de um artigo escrito por John 
Swinton, diretor de Teologia Prática da Universidade de 
Aberdeen, Escócia. Traduzido e publicado pelo O Jornal Batista em 
29 de fevereiro de /2012, Swinton faz algumas observações – 
citando Gênesis 1:27: “E criou Deus o homem à sua imagem; à 
imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” –, como ser 
criado por Deus é refletir a Sua glória e ser amado pelo Criador. 
180 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
De todo o artigo, queremos reproduzir este trecho final, por ele 
ser rico em reflexões: 
 
Ser humano é um ato poderoso e misterioso. Não existe 
nenhum ser “normal”. Claramente todos os seres humanos 
são anormais, já que “todos pecaram e destituídos estão da 
glória de Deus (Romanos 3:23). Todos nós nos distanciamos 
de Deus, e assim somos profundamente deficientes. Devemos 
tomar cuidado quando chamamos outros de deficientes e 
tratamos como se o rótulo realmente explicasse qualquer 
coisa. 
Deficiência é apenas uma das maneiras de ser humano 
diante de Deus. Não há nada na deficiência que nos separe 
do outro. Não é o nosso corpo, nem o nosso intelecto, nem as 
nossas capacidades que nos fazem aceitáveis a Deus. 
Nenhuma dessas coisas nos torna humanos. O amor 
interminável de Deus por cada ser humano é o que cria e 
sustenta-nos em nossa humanidade. Deficiência é 
simplesmente uma variação sobre um tema comum. 
De acordo com essa compreensão da questão, a igreja (o 
Corpo de Cristo) é chamada a ser um lugar onde a 
discriminação e o preconceito são abandonados e o amor 
incondicional é abraçado. Somente se cumprimos esse 
chamado teremos o tipo de comunidade que Paulo previu, 
onde não há “nem judeu, nem grego, nem escravo livre, nem 
homem, nem mulher” ...nem preto, nem branco, nem pessoas 
181 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
“normais”, nem pessoas “deficientes” (Gálatas 3:28). Em 
meio à deficiência é que percebemos essas verdades, e ao 
percebê-las aprendemos a viver de forma diferente. 
 
Somos, acima de tudo, conhecidos e lembrados por Deus, 
tenhamos uma deficiência ou não, desde mesmo antes do nosso 
nascimento, como diz o Salmo 139. Deus não nos vê com 
distinção. Mas nós, sim, olhamos os nossos semelhantes com 
distinção. Infelizmente o preconceito e estigmas religiosos ainda 
existem, conforme esse caso narrado por Pauli (2010): “Em certa 
igreja, um homem tentou entrar no templo para o culto de domingo. 
Ele não podia andar, era muito pobre e não tinha cadeira de rodas; 
por isso, se arrastava pelo chão. Quando ele finalmente chegou à 
porta da igreja, depois de uma dolorosa e desgastante jornada 
partindo de seu pequeno quarto, os porteiros da igreja negaram sua 
entrada sob o argumento de que ele não era digno de entrar 
daquele jeito. Ele voltou para casa com o coração triste e nunca 
mais tentou entrar numa igreja novamente. Ele morreu pouco 
tempo depois. Talvez nunca saberemos a diferença que faria se ele 
tivesse sido bem recebido na igreja naquele dia, em vez de ser 
rejeitado. Porém quando a igreja age de forma indiferente e não faz 
nenhum esforço para receber essas pessoas de braços abertos, 
também está agindo com discriminação” (p. 76). 
 
Reflexões sobre a convivência plena na religiosidade 
 
182 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
Uma grande forma de inclusão social, religiosa e 
conhecimento da realidade, é termos e mantermos pessoas com 
deficiências em nossos círculos de irmandade e amizade. Será 
uma forma de ambos se conheceram como de fato são, quebrando, 
assim, muitos mitos e os tradicionais preconceitos. Viver em 
grupo é uma necessidade de nós, seres humanos. E nada expressa 
melhor isso do que a amizade. Durante todos os períodos de 
nossas vidas, temos amigos: infância, adolescência, idade adulta e 
velhice. Poderá haver uma ciranda, principalmente em cidades 
grandes, onde conhecemos inúmeras pessoas que entram e saem 
de nossas vidas de maneira mágica, se assim se pode dizer; alguns 
até por interesses profissionais. Embora nem sempre sejam os 
mesmos, mas sempre é importante a figura dos amigos. Todavia, 
há aqueles amigos, geralmente constituídos nas duas primeiras 
fases de nossas vidas, que, entra ano e sai ano, estão sempre 
presentes em todos os momentos de nossas vidas. E como é boa 
essa presença! Pois, para uma pessoa com deficiência, esse círculo 
de amizade torna-se ainda mais valioso, uma ajuda inevitável... 
Duas reflexões podem ser feitas nesse sentido. Há aquelas 
pessoas que nascem ou adquirem uma deficiência no início de 
suas vidas e há aquelas que adquirem ao longo do percurso, 
principalmente por acidentes. No primeiro caso, a pessoa já cresce 
consciente de sua limitação, desafiando seus próprios limites; 
realiza tudo com naturalidade, escola, brincadeiras, crescendo 
entre a sua turma e participando normalmente de todas as 
atividades de acordo com sua condição. Já aquele que adquiriu 
uma deficiência terá que passar por um longo processo, 
começando pela aceitação de sua nova condição, como lidar com 
isso, “reaprendendo” a viver com sua nova realidade e dentro de 
183 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
suas possibilidades. Esse notará naturalmente o afastamento de 
seus amigos comuns, não por maldade, mas por estarem dando 
prosseguimento em suas vidas rotineiras. Sobrarão, sim, alguns 
poucos e sinceros amigos, que o acompanharão em seu processo 
de reabilitação e, mesmo sem saberem, terão uma participação 
praticamente invisível, porém fundamental. Serão eles os 
principais responsáveis na reintegração social dessa pessoa, a 
partir do momento que passarem a aceitá-lo e incentivá-lo a 
participar em suas atividades, mesmo as mais simples, como 
passeios, por exemplo. 
Pode parecer fácil ter e manter laços de amizade com 
alguém com deficiência, mas acredito que não é tão simples assim. 
Geralmente, uma pessoa que tem alguma limitação, dependendo o 
grau e tipo, ao sair em público torna-se o centro das atenções, 
motivo de curiosidade natural de todos. Dessa maneira, aquele 
que o acompanha também será o centro de muitos olhares. Em 
alguns casos, a pessoa poderá precisar de auxílio para realizar 
algo, ao entrar em algum lugar, e certamente os irmãos e amigos 
não medirão esforços, tendo boa vontade para tal. Importante 
também respeitar as suas limitações, como, por exemplo, numa 
caminhada, andar dentro do seu ritmo. Para ser amigo de alguém 
com deficiência, deve-se ter muito discernimento, livre de 
preconceitos, além de ser algo de enriquecimento e conhecimento 
à convivência e a alma humana, exatamente o que se espera de um 
comportamento cristão! 
Nessas convivências dentro e fora da igreja, 
descobriremos inúmeras qualidades e potencialidades; com isso 
desaparecerão as diferenças provocadas pelas limitações, pois 
184 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
você aprenderá a respeitá-las. Será um mundo completando 
outro. Assim a inclusão e a aceitação ocorrerão naturalmente. 
Tudo depende de cada um e da união coletiva, e, sobretudo, que a 
sociedade respeite e ajude na concretização dessa INCLUSÃO 
SOCIAL eRELIGIOSA, para que ocorra, enfim, a CONVIVÊNCIA 
PLENA. 
185 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
 
CONCLUSÕES 
 
 
 sociedade como um todo se uniu nos mais diversos 
segmentos para promover a inclusão das pessoas com 
deficiência. Infelizmente, as comunidades cristãs – sejam 
católicas, sejam protestantes – estão muito atrasadas para esse 
despertar, ou promovendo ações tímidas. Como observa Costa-
Renders (2009), “a Teologia tem fundamental importância na 
construção de uma estrutura inclusiva em nossa sociedade. Como 
um instrumental de reflexão sobre a condição humana e de 
promoção da dignidade de todas as pessoas, a espiritualidade cristã 
forma opinião – a começar, de forma assistemática, em nossas 
comunidades, até chegar, de forma sistemática, às instituições 
educacionais. A espiritualidade é um dos modos de produção de 
sentido para o caminho da existência humana; portanto, uma 
teologia inclusiva pode ser educativa – formar pessoas. Nesse 
sentido, uma teologia inclusiva pode ser elucidativa no caminho de 
construção de uma sociedade e uma educação para todos!” (p. 145). 
Na verdade, este estudo teve por objetivo uma revisão 
histórica e reflexiva sobre o assunto, como uma forma de 
introdução a essa questão. Muita coisa ainda há por se pesquisar e 
se escrever como uma forma de orientação para fortalecer essa 
TEOLOGIA DA INCLUSÃO, focalizando vários outros aspectos que 
envolvem as pessoas com deficiências, sobretudo apontando para 
A 
186 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
as possibilidades de inclusão social e religiosa. Tanto para os 
católicos em suas pastorais quanto para os protestantes em 
missões, evangelizações, nas escolas bíblicas dominicais, 
aconselhamentos, dentre outras ações. 
Como já enfatizado, o primeiro passo para termos uma 
Teologia da Inclusão será rever nossos próprios conceitos. Rever a 
visão que temos das pessoas com deficiência, abandonando 
conceitos de coitadinhos, vítimas, a deficiência como 
consequência de castigos ou pecados. Abandonar a posição que 
nós, cristãos, sempre tivemos de assistencialistas e piedade para 
com essas pessoas, apoiados em nossas caridades, trazendo-as 
para serem parte de nossas comunidades cristãs em total 
igualdade. Sobretudo, temos que cada vez mais identificar e 
eliminar do nosso meio os estigmas religiosos. 
Isso constitui um grande desafio, uma vez em que vivemos 
em um mundo praticamente “moldado”, que quase nunca aceita o 
que sai do convencional, inclusive nas comunidades cristãs, pois 
Deus, segundo I Timóteo, 2:4, “Que quer que todos os homens se 
salvem, e venham ao conhecimento da verdade.”. 
Geralmente, associa-se a imagem de uma pessoa com 
deficiência como um ser “totalmente diferente”, “estranho” ou até 
mesmo “alvo de gozação”. É normal muitos referirem-se a eles – 
ou essas próprias pessoas sentirem-se – como seres “rejeitados”. 
Mas preferimos não enfocá-los dessa forma, apontando-os como 
seres “desconhecidos”. O que falta, na realidade, é um processo de 
convivência para que todos – sociedade, comunidades cristãs e 
pessoa com deficiência – se conheçam. Nasce aqui a verdadeira 
187 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
importância de uma boa inclusão nas comunidades cristãs. Mesmo 
com algum tipo de limitação, essas pessoas devem participar do 
processo de inclusão, no seu sentido mais amplo, tendo acesso a 
oportunidades e condições adequadas ao desenvolvimento de 
suas potencialidades, não apenas como membros de comunidades 
cristãs, mas também de todas as atividades, incluindo todos os 
ministérios dentro da Igreja. 
É importante ainda que essas pessoas não se autolimitem, 
lembrando-se sempre de que não são doentes, mas apenas 
pessoas com algumas limitações, e que mesmo com elas, ou apesar 
delas, podem conviver na sociedade e em comunhão com os 
irmãos em Cristo, desde que haja adaptação necessária a essa 
convivência. Não podem ficar à mercê dos acontecimentos, 
precisam fazer com que as coisas aconteçam. Ao longo dos anos, 
muitos dos direitos das pessoas com deficiência foram 
reconhecidos pelos poderes governamentais e pela sociedade em 
geral. É preciso agora que os envolvidos – principalmente quem 
tem deficiência – usem a força de suas vozes para reivindicá-los e 
lutar por sonhos e desejos, não esquecendo jamais do que são 
capazes. E incluir na Igreja também é incentivar as pessoas com 
deficiência a descobrir, desenvolver-se e fortalecer na fé em JESUS 
CRISTO! 
Na própria história do Antigo Testamento vimos que 
muitos dos grandes personagens bíblicos usados por Deus de 
alguma forma estavam ligados com algum tipo de deficiência. Já o 
Novo Testamento, com a vinda de Jesus ao mundo e sua opção 
pelos excluídos, faz com que as pessoas com deficiência “ganhem” 
almas, respeito, por meio das quais Ele realiza muitas obras. Isso 
188 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
nos faz acreditar com segurança que as pessoas com deficiência 
sempre foram canais de bênçãos entre Deus e a humanidade, 
como o próprio Jesus Cristo testificou em João 9:3: “Jesus 
respondeu: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se 
manifestem nele as obras de Deus.”. 
Este estudo histórico, que lançou luz a tantos personagens 
e fatos bíblicos e pós-bíblicos, prova como pessoas com 
deficiência e/ou circunstâncias que as envolvem são amadas e 
usadas por Deus. Não existem deficiências diante dos olhos de 
Deus, como diz I Samuel 16:7: “Porém o Senhor disse a Samuel: 
Não atentes para a sua aparência, nem para a grandeza da sua 
estatura, porque o tenho rejeitado; porque o Senhor não vê como vê 
o homem, pois o homem vê o que está diante dos olhos, porém o 
Senhor olha para o coração.”. 
Uma doença ou uma deficiência apontam para a finitude 
do homem e podem conduzi-lo à sensibilidade necessária para a 
comunhão com Deus e com o próximo. Incluir não é ser bom ou 
um ato de caridade. Incluir é ser realmente cristão!!! 
 
 
 
189 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
BÍBLIA SAGRADA – Traduzida por João Ferreira de Almeida. 
Edição revista e corrigida. Rio de Janeiro; Sociedade Bíblica do 
Brasil, 1969. 
______________ – Vulgata, traduzida do hebraico, aramaico e grego, 
mediante a versão dos Monges Beneditinos de Maredsous, Bélgica. 
São Paulo; Centro Bíblico Católico de São Paulo, 1959. 
COSTA-RENDERS, E.C. Educação e espiritualidade: Pessoas com 
deficiência, sua invisibilidade e emergência. São Paulo; Paulus, 
2009. 
DUTRA, L.C. Pastoral da inclusão: Pessoas com deficiência na 
comunidade cristã. Loyola, São Paulo, 2005. 
ELGOOD, C. A Medical History of Persia and the Eastern 
Caliphate. University Press; Cambridge, 1951. 
FIGUEIRA, E. Caminhando em silêncio: A trajetória da pessoa 
com deficiência na história do Brasil. São Paulo; Giz, 2009. 
GLENISSON, J. Iniciação aos estudos históricos. 6. ed., Rio de 
Janeiro: Bertrand, 1991. 
HOEFELMANN, V. A critica de Jesus à Lei como opção pelos 
marginalizados. In: Estudos Bíblicos, 27, Os marginalizados. 
Petrópolis: Vozes, pp.54-63, 1990. 
190 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
IGREJA CATÓLICA. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica. 
Coimbra: Gráfica de Coimbra, 2000. 
JUNNUUZZI, G.S. de M. A educação do deficiente no Brasil: dos 
primórdios ao início do século XXI. Campinas; Autores Associados, 
2004. 
KILPP, N. Deficientes físicos no AntigoTestamento. In: Estudos 
Bíblicos, 27, Os marginalizados. Petrópolis: Vozes, p.38-46, 
1990. 
LAGO, Lorenzo. Doenças e processos de cura nas tradições da 
Bíblia hebraica – as marcas da revolta: lepra e exclusão em LV 13-
14. Fragmentos de Cultura, Goiânia, v.13, n. 5, p. 989-1007, set / 
out, 2003. 
LOBO, L.F. Os infantes da história: Pobres, escravos e deficientes 
no Brasil. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008. 
MATOS, A. Fundamentos da Teologia Histórica. São Paulo: 
Mundo Cristão, 2008. 
McGRATH, A. Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica. São 
Paulo: Shedd. 2005. 
ONU. Programa de ação mundial para pessoas com deficiência. 
Nações Unidas, 1992. 
PAULI, H de. Deficiência E Religiosidade. Revista Ethnic - Nº 13 – 
Ano 07 – Junho 2010. 
PESSOTTI, I. Deficiência mental: da superstição à ciência. São 
Paulo: Edusp, 1984. 
191 
 
 TEOLOGIA DA INCLUSÃO – Emílio Figueira 
www.emiliofigueira.com.br 
 
 
QUEM É QUEM NA BÍBLIA – Enciclopédia bibliográfica ilustrada 
da Bíblia. Rio de Janeiro; Seleções/A Reader´s Digest, 2005. 
RANAURO, H. & LIMEIRA DE SÁ, N.R. O discurso bíblico sobre a 
deficiência. Niterói: Muiraquiã, 1999. 
SASSAKI, R.K. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. 
Rio de Janeiro; WVA, 1997. 
SILVA, O.M. de. A Epopeia Ignorada: A pessoa Deficiente na 
História do Mundo de Ontem e de Hoje. São Paulo: CEDAS, 1987. 
SWINTON, J. Uma teologia da deficiência. O Jornal Batista, página 
14, 02/09/2012. 
THIESSEN, H. C. Palestras em Teologia Sistemática. São Paulo: 
Batista Regular, 2001. 
VENDRAME, C. A cura dos doentes na Bíblia. São Paulo: Centro 
Universitário São Camilo: Loyola, 2001. 
WALBER, V.B. e SILVA, R.N. A deficiência e a questão do 
assistencialismo. Artigo elaborado a partir da dissertação “As 
práticas de cuidado com pessoas com deficiência na Igreja 
Evangélica de Confissão Luterana no Brasil”. Programa de Pós-
Graduação em Psicologia Social e Institucional, Universidade 
Federal do Rio Grande do Sul, 2004.

Mais conteúdos dessa disciplina