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AVALIAÇÃO E CURRÍCULO
CAPÍTULO 1 - O QUE É CURRÍCULO?
Vanessa Regina Eleutério Miranda
INICIAR
Introdução
Antes de iniciar seus estudos, reflita: o que você entende por currículo? Documento, artefato, guia, roteiro, plano? Definir e entender o
currículo escolar não é tarefa simples, se considerarmos as diferentes abordagens e referenciais que apoiam o pensamento educacional.
Longe de possuir uma definição única, o currículo é considerado um elemento importante do processo de educação formal, uma vez que
nele são apresentadas escolhas quanto ao conhecimento sistematizado a ser disponibilizado às gerações futuras, seja qual for o projeto
de sociedade a subsidiar tais escolhas.
O campo educacional tem se voltado para as questões ligadas ao currículo e às questões de produção e distribuição do conhecimento
com bastante atenção, sobretudo, a partir do final do século XIX e início do século XX. Diferentes concepções e correntes travam embates
em torno do currículo, e acabam por definir percursos de formação de crianças e jovens, atribuindo sentidos aos currículos escolares. O
século XXI apresenta novos desafios nessas definições, agregando múltiplas necessidades e debates emergentes, em meio às mudanças
da sociedade e do mundo do trabalho.
Nesse capítulo, buscaremos compreender um pouco mais sobre as definições e os sentidos atribuídos ao termo currículo. Nosso
objetivo é conhecer sentidos de currículo consolidados a partir dos diferentes pensamentos teóricos e procurar responder às seguintes
questões: o que é um currículo? Como são definidos os currículos escolares e quem os definem? Por que são feitas certas escolhas, e
outras alternativas não são priorizadas?
Bom estudo!
1.1 Definições e sentidos de currículo
Nos estudos sobre o currículo encontramos diferentes conceituações, que nem sempre concordam entre si. Isso acontece devido às
concepções e aos sentidos que os diferentes teóricos atribuem ao currículo. Se perguntarmos a professores, alunos e gestores da
educação sobre o assunto, quase sempre o entendimento é de que o currículo se refere ao conjunto de conhecimentos a serem
ensinados. Junto a esse repertório de conhecimentos, mais comumente organizados em disciplinas escolares, incluem-se os guias
curriculares propostos pelo Ministério da Educação (MEC) e por secretarias estaduais e municipais. Em todos os casos citados, a ideia é
de que há um planejamento e uma organização prévia, uma definição de percursos a serem seguidos.
Essa aparente definição consensual oculta uma série de questões e debates. Podemos dizer que o currículo como planejamento e
organização de conhecimentos é um consenso possível, que permite o funcionamento de um ordenamento da educação escolar. Assim,
o currículo como planejamento é um acordo sobre os sentidos desse termo, que favorece a operacionalização da educação escolar, mas
que lhe atribui um sentido parcial e localizado historicamente.
Etimologicamente, a palavra currículo deriva do latim curriculum e significa pista de corrida (SILVA, 2015). Esse significado nos faz
entender o currículo como um caminho, a ação de percorrer, uma trajetória.  Embora a palavra currículo apareça em registros escritos do
século XVII, foi a partir do século XIX que surgiram as práticas curriculares mais conhecidas entre todas as pessoas que conhecem ou
passaram pela escola, visando estabelecer uma organização sistemática das escolas. O currículo tem, nessa perspectiva, um início
preestabelecido, uma trajetória a ser percorrida pelos alunos, um elenco de conteúdos estipulado, uma definição de formas mais
adequadas para cumprir a trajetória predeterminada, além de prever a chegada ou a finalização do processo, quase sempre associada à
certificação dos estudantes. Mas por que esse modelo de currículo foi pensado e implementado? Como essa ideia surgiu?
Conhecer a história do currículo é muito importante para compreender mais sobre suas funções sociais, bem como para entender a estruturação do conhecimento em
disciplinas escolares. Você pode ler sobre a história do currículo e das disciplinas escolares nos textos de Ivor Goodson, professor na Universidade de Brighton, Inglaterra.
Particularmente, recomendamos o livro “Currículo: teoria e história”, da Editora Vozes (2013). Um dos artigos do autor, que também aborda o tema é “Currículo, narrativa e
o futuro social” (GOODSON, 2007), disponível em: .
Foi nos Estados Unidos (EUA), no início do século XX, que o currículo se tornou uma preocupação central na institucionalização da
educação. Nesse período, surgiram dois movimentos educacionais que seguiram direções distintas na construção curricular: o
Eficientismo Social e o Progressivismo (LOPES; MACEDO, 2011).
As mudanças sociais e econômicas alavancadas pela Revolução Industrial (século XIX) trouxeram grandes desafios aos governos de
países industrializados. No caso específico dos EUA, o contexto era de urbanização e industrialização acelerada, com grande fluxo de
pessoas em direção aos centros urbanos e com a chegada maciça de imigrantes. A organização e o controle social se tornaram uma
necessidade, e a ampliação das demandas de escolarização se materializaram na medida das novas exigências de trabalhadores do setor
produtivo. A escola passou a ser vista como uma instituição com a função de socializar crianças e jovens a partir dos parâmetros de uma
sociedade industrial em formação, e a ideia de eficiência da escola aparece como solução ou alternativa viável a tornar a escola e o
currículo instrumentos de controle social, mantendo a unidade cultural americana e formando pessoas para o trabalho (LOPES;
MACEDO, 2011; SILVA, 2015).
Figura 1 - O termo em latim curriculum significa pista de corrida.
Fonte: sirtravelalot, Shutterstock, 2018.
VOCÊ QUER LER?
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n35/a05v1235.pdf
O contexto de fins do século XIX e início do século XX, nos Estados Unidos, foi retratado pelo diretor Martin Scorsese no filme Gangues de Nova York (2002). Scorsese
demonstra, a partir da população comum, um cenário de conflitos culturais e étnicos, de lutas por poder e por domínio de território, por definições de valores e o papel
pouco eficaz do Estado na mediação desses conflitos. O cenário favorece a compreensão e a reflexão acerca das razões pelas quais a escola foi transformada em um
importante instrumento de controle por parte do Estado.
O Eficientismo na educação defendia um currículo científico, claramente ancorado na lógica da administração taylorista e centrado em
conceitos como eficiência, eficácia e economia. O sistema de organização do trabalho proposto por Frederick Taylor visava obter o
máximo de produção e rendimento com um mínimo de esforço e com baixo custo. Tal como nas fábricas, a educação deveria se basear
em padrões de desempenho preestabelecidos, visando à criação de produtos educacionais. John Franklin Bobbit (1876-1956), educador
e teórico do currículo, defendia que o currículo tinha por objetivo preparar os alunos para a vida adulta e economicamente ativa, ou seja,
para o seu papel futuro na sociedade industrial (LOPES; MACEDO, 2011).
Bobbit foi um grande influenciador do currículo implantado nas escolas americanas, que substituíram as disciplinas clássicas por
disciplinas que correspondessem às necessidades de formação daquela época (PINAR, 1995; SILVA, 2015). Para ele, a formulação de
currículos deveria visar às atividades humanas encontradas na sociedade, e não o desenvolvimento de pensamentos abstratos e
descontextualizados da vida real. Para o pensamento eficienticista, os objetivos educacionais são mais importantes que os
conhecimentos em si. A seleção de conteúdos a comporem um currículo é, desse modo, definida pelo valor funcional do conhecimento a
ser ensinado. Como destaca Pinar (1995), para ele e outros críticos a esse modelo, a educação ficaria reduzida a um mero treinamento, e
o currículo a um programa que propõe a resolução de problemaspráticos da vida produtiva, com forte sentido de controle social.
O movimento do Progressivismo se contrapunha ao Eficientismo e contava com uma proposta de elaboração de currículos considerada
menos coercitiva. Embora também defendesse a necessidade de existir uma organização estrutural do currículo, o Progressivismo
defendia uma educação que pudesse diminuir as desigualdades sociais impostas pela sociedade urbano-industrial. Encarando a
aprendizagem como um processo contínuo de formação, que se inicia na infância, o Progressivismo rompia com a ideia de uma
preparação para a vida adulta e centrava a elaboração curricular em princípios que se voltassem para o desenvolvimento e o
aprimoramento de uma inteligência social, que pudesse contribuir para a mudança da sociedade (LOPES; MACEDO, 2011).
O principal representante do Progressivismo americano foi o filósofo e educador escola-novista John Dewey (1859-1952), pensador que
teve grande influência no desenvolvimento da educação no Brasil. Segundo Silva (2015), para Dewey, a educação escolar e o currículo
deveriam ser organizados de modo a favorecer o pensamento criativo, levando os estudantes a se depararem com os problemas
VOCÊ QUER VER?
Figura 2 - Características do pensamento eficienticista.
Fonte: docstockmedia, Shutterstock, 2018.
presentes na sociedade e a desenvolver habilidades voltadas para a resolução desses problemas, com foco em uma ação democrática e
cooperativa. Assim, na perspectiva progressivista, o currículo deveria conter conhecimentos e temas que se relacionassem à vida cidadã,
contemplando aspectos mais abrangentes da vida social.
1.2 Teorias de currículo
O campo de estudos do currículo nasce atrelado à existência de teorias sobre o currículo, à criação de disciplinas e de departamentos
universitários especializados, à criação de setores estatais especializados na organização e sistematização de currículos e,
principalmente, à existência de teóricos e estudos especializados. Longe de ser um campo monolítico, o Campo do Currículo emergiu no
início do século XX tentando encontrar respostas para os problemas educacionais da época.
A partir desse tópico, trataremos da emergência e do desenvolvimento do campo curricular, contemplando as principais características
das chamadas Teorias de Currículo, com vistas a compreender suas diferenças e nuances.
1.2.1 Teorias tradicionais
As teorias tradicionais de currículo reúnem produções que tratam especificamente sobre o tema. Tanto a vertente eficientista quanto a
vertente progressivista faziam críticas ao currículo clássico humanista, uma forma de educação vinculada às elites. O currículo humanista
era baseado nas chamadas “artes liberais”, originado na Europa da Idade Média. Como aponta Silva (2015), basicamente, esse currículo
era centrado em sete áreas de estudo, divididas em dois grupos: Trivium (gramática, retórica e dialética) e Quadrivium (astronomia,
geometria, música e aritmética).
O Campo do Currículo tem como marco inicial a publicação do livro de Bobbit, em 1918, intitulado “The Curriculum” (“O Currículo”), como
tratado por Pinar (1995). No contexto da época, os desafios e conflitos impostos pelas diferentes forças (econômicas, políticas, culturais e
sociais) da sociedade necessitavam ser mediados, visando uma unidade cultural e a qualificação de mão de obra para a indústria
nascente. O que estava em jogo era definir como se daria a escolarização das massas, seus principais objetivos e finalidades. A proposta
de Bobbit centrava-se em um modelo educacional voltado para o desenvolvimento de habilidades básicas, como ler, escrever e contar, e
de habilidades que favorecessem a inserção no mercado de trabalho (LOPES; MACEDO, 2011; SILVA, 2015).
Conforme destacado por Silva (2015), Bobbit queria que o sistema educacional fosse tão eficiente quanto uma empresa privada, e definia
que seu funcionamento fosse baseado em objetivos claros, criando-se métodos para colocá-los em prática e estabelecendo-se
parâmetros de mensuração dos resultados. Padronizar métodos e desempenhos era um ponto importante de sua proposta curricular. O
modelo curricular de Bobbit, claramente conservador, foi a vertente educacional mais influente nos EUA, no século XX.
O principal representante das vertentes mais progressistas de currículo, Dewey, que também havia lançado um livro, em 1902, intitulado
“The Childand The Curriculum” (A criança e o currículo), abordava questões relativas à elaboração curricular, porém, tendo como
preocupação central a construção da democracia (SILVA, 2015). Para ele, a escola deveria ser um local de vivência prática dos valores
democráticos. Em um contexto de urbanização e industrialização crescente, os valores apregoados por Dewey tiveram bem menos
repercussões que as ideias de Bobbit (PINAR, 1995).
Na lógica adultocêntrica (centrada na vida adulta), a ideia de uma escola como espaço de experimentação e vivência era bem menos
atraente do que a ideia de uma escola que preparasse para a vida adulta. Além disso, a formação para os princípios democráticos e
republicanos eram considerados mais característicos de uma educação elitizada do que de uma escolarização das massas (SILVA, 2015).
John Dewey (1859-1952), filósofo norte-americano que influenciou educadores de várias partes do mundo, foi um dos grandes expoentes da chamada Escola Progressiva,
também conhecida como Escola Ativa ou Escola Nova. Defendia a educação integral (dimensões física, emocional e intelectual) das crianças e jovens, principalmente
realizada por meio de atividades práticas e criativas, de modo a facilitar o aprendizado dos conteúdos curriculares. Seu trabalho e suas propostas são fortemente
ancorados na noção de democracia (DEWEY, 2010).
Outro teórico considerado tradicional no campo foi Ralph Tyler (1902-1994). Tyler, também norte-americano, foi responsável por
consolidar o modelo de currículo proposto por Bobbit. De acordo com Pinar (1995), o livro “Basic Principles of Curriculum and Instruction”
(Princípios básicos de currículo e ensino), escrito por Tyler em 1949, foi uma influência em vários países do mundo. O trabalho de Tyler
está situado nos EUA do período pós-guerra, quando o sistema produtivo precisava ser retomado, favorecendo o crescimento econômico
e fortalecendo a unidade cultural americana. Novamente, uma escola e um currículo voltados para a eficiência e a eficácia seriam
fundamentais. O momento histórico, porém, era outro e muitas mudanças na sociedade haviam acontecido.
Conforme indicam Lopes e Macedo (2011), Tyler fez uma tentativa de mesclar as propostas do Eficientismo e do Progressivismo. Seu
modelo de currículo, no entanto, era essencialmente uma questão técnica.
Figura 3 - Selo comemorativo da série “Americanos Proeminentes”, estampado em 1968.
Fonte: Le"eris Papaulakis, Shutterstock, 2018.
VOCÊ O CONHECE?
Segundo Silva (2015), quatro questões básicas subsidiavam a formulação de um currículo a partir do pensamento de Tyler, que as
organizou em uma sequência a ser seguida passo a passo:
1. Que objetivos educacionais deve a escola procurar atingir?
2. Que experiências educacionais podem ser oferecidas que tenham probabilidade de alcançar esses propósitos?
3. Como organizar essas experiências educacionais?
4. Como podemos ter certeza de que esses objetivos estão sendo alcançados?
Para Tyler o aspecto mais importante da formulação curricular são os objetivos educacionais. Todavia, Tyler propôs que se fosse além
dos conhecimentos sobre a vida contemporânea e a formação para o trabalho, incorporando no currículo conhecimentos relativos aos
estudantes, com base na psicologia, e conhecimentos das diferentes disciplinas, orientados por especialistas e acadêmicos dos
diferentes ramos do conhecimento (SILVA, 2015).
 A orientação comportamentalista (behaviorismo), vinda da psicologia, auxiliou a recortar os objetivos, para que não ficassem muito
extensos. Na orientação behaviorista as ações e experiências são controladas e dirigidas, visando à mudança de comportamento dossujeitos ou, no caso da educação, visando o resultado do aprendizado. Críticos desse modelo eficientista chamaram sua teoria de
tecnicista, por se centrar mais nos aspectos técnicos que nos aspectos do conhecimento em si.
1.2.2 Teorias críticas: a Nova Sociologia da Educação (NSE) e o Movimento de Reconceptualização do
Currículo
Os anos de 1960 são um período de efervescência e de ebulição no mundo ocidental, sendo assinalados por agitações sociais e por
mudanças e transformações. Nessa década, surgiram os movimentos de contracultura; os movimentos feminista e de liberação sexual;
os protestos estudantis e de trabalhadores na França (Maio de 1968) e em outras partes do mundo; as lutas contra a Ditadura Militar no
Brasil e os protestos contra a Guerra do Vietnã, além do crescimento dos movimentos de luta pela independência nas antigas colônias
europeias (como na Guerra da Argélia) e do movimento de luta pelos direitos civis nos EUA (Movimento Negro).
VOCÊ SABIA?
Os movimentos de contracultura são, muitas vezes, chamados de cultura underground, ou de cultura alternativa. Um dos mais importantes foi o Movimento Hippie,
surgido nos EUA e promovido por jovens que contestavam os valores e os comportamentos conservadores da sociedade americana e das famílias de classe média.
Defendiam o amor livre e a liberdade de escolha, a vida natural e coletiva, criticando o capitalismo, o patriarcado, o militarismo e a massificação cultural, levada a
cabo, principalmente, pelos meios de comunicação de massa, como a televisão. Seu principal slogan era o “Peace and Love” ou “Paz e Amor”, em português. Para saber
mais sobre este e outros movimentos de contracultura, acesse os endereços: ;;.
É nesse período de contestação e rupturas que surgiram as Teorias Críticas de Currículo. Conforme apontam Pinar (1995), Lopes e
Macedo (2011) e Silva (2015), estudiosos da teoria curricular crítica realizaram um contínuo esforço de identificar e analisar como se
constituem e se estruturam as relações de poder na educação, no currículo e nas práticas escolares, sobretudo, nas questões referentes à
dimensão cultural, à seleção, organização e distribuição de conhecimentos. A partir do pensamento crítico, podemos dizer que o
currículo é um campo cultural de construção e produção de significações e de significados, sendo, portanto, um terreno fértil para a luta
pela transformação ou pela manutenção das relações de poder. Neste sentido, tornou-se relevante a realização de análises sobre os
efeitos produzidos pelos currículos no sistema educacional.
No bojo das Teorias Críticas se encontram dois movimentos importantes. A Nova Sociologia da Educação (NSE), surgida na Inglaterra, e o
Movimento de Reconceptualização do Currículo, nos Estados Unidos, muitas vezes chamado de Sociologia Crítica do Currículo. Como
descrito por Silva (2015), a publicação do livro organizado por Michael Young, “Knowledge and Control” (Conhecimento e Controle), em
1971, marca o início da NSE. Uma pergunta mobilizava esse grupo: por que os filhos das classes trabalhadoras possuem um pior
desempenho escolar? Se a sociologia tradicional trabalhava com uma lógica aritmética, de mensuração e estatística, destacando as
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/04/23/cultura/1524504798_329892.html
http://www.dw.com/pt-br/1968-martin-luther-king-%C3%A9-assassinado/a-784010
https://historiadomundo.uol.com.br/idade-contemporanea/as-lutas-do-movimento-hippie.htm
condições de entrada (classe social, renda, situação familiar) e de saída (resultados dos testes escolares, sucesso ou fracasso escolar), a
NSE se preocupou em compreender o que acontecia entre um ponto e outro. Diferentemente da sociologia tradicional, a NSE passou a
questionar a natureza do conhecimento escolar e o papel do currículo na produção do fracasso (LOPES; MACEDO, 2011).
A NSE procurou demonstrar como a construção e a distribuição do conhecimento seguiam a lógica das estruturas sociais e econômicas,
demonstrando como as escolas reproduziam formas de exclusão presentes em outras instituições sociais, como no mundo do trabalho.
Essa sociologia do currículo buscou desnaturalizar as práticas escolares, demonstrando seu caráter arbitrário, contextual e ideológico
(SILVA, 2015). O currículo passou a ser entendido como uma construção social, que materializa lutas e conflitos em torno dos
conhecimentos considerados adequados a serem ensinados.
O início do Movimento de Reconceptualização do Currículo é marcado pela realização da I Conferência sobre Currículo, na Universidade
de Rochester, Nova York, em 1973. Os trabalhos do grupo apontavam para a relação direta existente entre ideologia e a
construção/distribuição do conhecimento. O movimento tinha como principais referências a filosofia marxista, a teoria crítica da Escola
de Frankfurt, a fenomenologia e a hermenêutica, tomadas como ferramentas para o questionamento da escola capitalista (SILVA, 2015).
VOCÊ SABIA?
A Escola de Frankfurt reunia um grupo de pensadores que se preocupavam em desenvolver uma teoria social e uma filosofia ancoradas no pensamento crítico e na
crítica à sociedade. O termo Escola de Frankfurt, na verdade, agregava um conjunto de estudiosos afiliados ao Instituto para Pesquisa Social, situado em Frankfurt,
Alemanha. Entre os teóricos que mais se destacaram estão Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Walter Benjamin (MATOS, 1995). Suas produções
ainda são importantes referências para as pesquisas nos campos das Ciências Sociais e Políticas, bem como para a Filosofia e as Ciências Humanas, como a Educação.
Assim como na NSE, o Movimento de Reconceptualização enfatizava o papel das estruturas políticas e econômicas na reprodução
cultural e social, tendo como instrumentos ideológicos a educação e o currículo, usados para colocar em ação a reprodução. De acordo
com Lopes e Macedo (2011), entre as produções mais influentes dos reconceptualistas estão as de ancoragem neomarxista, como nos
estudos de Michael Apple. Apple busca demonstrar como a forma de organização das estruturas econômicas estão conectadas com as
formas de organização do currículo, apontando os vínculos entre conhecimento e poder. Em seu livro, “Ideologia e Currículo”, Apple
aponta que essa conexão não se dá mecânica e automaticamente, mas, sim, por meio de uma ação humana (SILVA, 2015). Utilizando o
conceito de hegemonia, demonstra como os grupos dominantes recorrem a um esforço permanente de convencimento ideológico, para
Figura 4 - A ideologia é o conceito central no pensamento crítico.
Fonte: Sinart Creative, Shutterstock, 2018.
garantir que a dominação aconteça. Valores, práticas, comportamentos e, principalmente, conhecimentos recebem um juízo de valor
(bom ou ruim) que os tornam passíveis de serem considerados hegemônicos, ou seja, considerados melhores para um currículo. O que
estaria em questão são os nexos entre ideologia e poder.
Outro teórico importante na Sociologia Crítica do Currículo é Henry Giroux. Segundo Silva (2015), as contribuições de Giroux ao
pensamento crítico estão localizadas mais na esfera da política cultural. Para o autor, as perspectivas dominantes sobre currículo, “[...] ao
se concentrarem em critérios de eficiência e racionalidade burocrática, deixavam de levar em consideração o caráter histórico, ético e
político das ações humanas e sociais” (SILVA, 2015, p. 51), bem como o caráter histórico, ético e político do conhecimento.
Desconsideradas essas dimensões, a educação e o currículo contribuiriam para a reprodução das desigualdades e injustiçassociais.
Como abordado por Silva (2015), Giroux se preocupou, especialmente, em apontar como a cultura popular é menosprezada e
sistematicamente excluída do currículo. Seu pensamento foi influenciado tanto pelos Estudos Culturais quanto por Paulo Freire, sendo
um defensor da educação emancipadora ou libertadora. Nessa concepção, existem três conceitos muito importantes: esfera pública,
intelectual transformador e voz. Para Giroux, o currículo e a pedagogia são instrumentos de uma política cultural, na qual se produzem
e se criam significados (SILVA, 2015).
1.3 Teorias de currículo
As Teorias Críticas de Currículo não estão limitadas aos movimentos da NSE e dos Reconceptualistas, e não são um bloco de
pensamento. Há uma diversidade de produções que compõem esse conjunto. As tendências expressam formas diferentes de se
posicionar e de criticar os modelos tradicionais de educação e de currículo. Cada corrente ou teórico enfatiza mais um ou outro aspecto
e, em alguns casos, as ideias defendidas podem ser consideradas opostas, mesmo que constituam o pensamento crítico.
Nesse tópico, trataremos de algumas dessas correntes, dando destaque para as tendências do pensamento educacional brasileiro.
Assim, iniciaremos por dois movimentos ocorridos no Brasil para, em seguida, avançarmos rumo a outras variações da crítica, que são
categorizadas como Teorias Pós-Críticas de Currículo. As Teorias Pós-Críticas estão localizadas em um tempo mais recente e incorporam
discursos, lutas e reivindicações de diferentes grupos, historicamente marginalizados na sociedade.
1.3.1 Teorias críticas: Pedagogia do Oprimido e Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos
“A Pedagogia do Oprimido”, livro escrito no final da década de 1960, por Paulo Freire – educador brasileiro criador de um famoso método
de alfabetização de adultos –, representa um movimento de mudança no cenário educacional, conhecido como Educação Popular.  Em
seus trabalhos, Freire não se concentrou em analisar o currículo especificamente, mas refletiu sobre as consequências do processo de
dominação econômica na educação e sobre as relações de força entre grupos opressores e oprimidos. Voltou-se, mais enfaticamente,
para os problemas do analfabetismo de pessoas adultas, alijadas dos processos de escolarização por conta de suas condições sociais,
cujo “destino” seria o trabalho, quase sempre braçal e desqualificado. Freire desejava desenvolver a educação em países
subdesenvolvidos, favorecendo a revolução por meio de processos de conscientização, de emancipação e de libertação (FREIRE, 2013).
Um dos conceitos mais conhecidos de Paulo Freire é o de educação bancária. A educação bancária expressa uma concepção que
entende que o conhecimento e o currículo são compostos por fatos e informações a serem mecanicamente transmitidos pelos
professores. O estudante é entendido como receptor passivo “não pensante” de um conhecimento desconectado do mundo e dos
sujeitos (visão de tábula rasa), limitando qualquer ação problematizadora da produção ou da distribuição desse conhecimento. Freire
foi um forte crítico dessa educação e propôs outra na qual os alunos fossem agentes ativos do processo. O teórico defendia que
estudantes, sobretudo adultos, possuem conhecimentos, experiências e saberes que devem ser considerados na relação de ensino e
aprendizagem. Para ele, o ato pedagógico é uma relação dialógica e horizontal, na qual a intercomunicação entre educadores e
educandos cria um conhecimento do mundo e não um conhecimento sobre o mundo.
O cerne dessa filosofia está na valorização da cultura popular ou, mais apropriadamente, das diversas culturas, uma vez que não há
apenas uma cultura que possa ser traduzida em referência para toda a diversidade de pessoas. De acordo com Silva (2015), a teoria de
Freire apregoa uma educação que descortine as relações de poder promovidas por forças hegemônicas e torne o estudante consciente
de seu lugar nessa arena de luta, fazendo-o capaz de promover uma resistência ativa e crítica, de modo a efetivar uma ruptura, uma
revolução.
Outra corrente de pensamento crítico surgiria no Brasil, a partir da década de 1980. A Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos ou
Pedagogia Histórico-Crítica foi desenvolvida pelos trabalhos de Dermeval Saviani e de José Carlos Libâneo. Lopes e Macedo (2011, p. 87)
argumentam que, sob a ótica de Saviani, “[...] uma teoria crítica de educação é obrigatoriamente uma teoria desenvolvida a partir do
ponto de vista dos dominados [...]”, e a escola deve contribuir para modificar as relações sociais de produção. A educação crítica deveria
ser feita a partir do diálogo entre professores e estudantes, valorizando-se os interesses de alunos, sem deixar de contemplar o
conhecimento e a cultura historicamente acumulados.
A defesa de que haja a valorização da cultura acumulada é, talvez, o principal ponto de divergência com a Educação Popular e o
pensamento de Paulo Freire. Como destacam Lopes e Macedo (2011), no pensamento de Paulo Freire valorizar saberes historicamente
acumulados, ainda que considerando os interesses dos estudantes, leva à hierarquização e à assimetria de saberes, uma vez que os
conhecimentos acumulados são historicamente hegemônicos, e os saberes populares são historicamente vistos como desorganizados.
Na visão histórico-crítica, os problemas sociais não devem ser desconsiderados pela escola, mas se centrar neles pode ser pouco
produtivo, na medida em que, por si, eles não propõem uma mudança. Entende-se que somente a partir da apropriação dos
conhecimentos sistematizados é que os alunos teriam possibilidades e instrumentos para intervir e modificar a realidade social. Silva
(2015) argumenta que, na perspectiva de Saviani, sem o conhecimento historicamente acumulado, problematizado por meio do
pensamento crítico e da reflexão sobre a realidade social, não há possibilidade de superação das desigualdades e injustiças sociais. A
partir dessa lógica, como relatado por Silva (2015), foi que Libâneo desenvolveu a chamada Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos.
Figura 5 - Podemos ser desiguais e possuir relações dialógicas e horizontais em circunstâncias específicas.
Fonte: Cora Max, Shutterstock, 2018.
Para Lopes e Macedo (2011), Libâneo atribuiu centralidade aos conteúdos escolares e ao desenvolvimento de habilidades acadêmicas,
como os hábitos de estudo e de pesquisa. Sua proposta afirma que há a necessidade de se transmitir a cultura mais ampla, presente na
sociedade. Mesmo não alegando que essa seleção cultural no currículo seja neutra, afirma que desconsiderá-la é gerar outras formas de
exclusão social, por meio da ausência de conhecimentos sistematizados.
A Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos e a Educação Popular têm um embate histórico na definição curricular, uma vez que a primeira
acusa a segunda de negligenciar os conhecimentos sistematizados, em nome de um processo de conscientização, e a segunda acusa a
primeira de hipervalorizar os conhecimentos acadêmicos (SILVA, 2015), criando uma assimetria entre os diferentes saberes (acadêmico
versus popular). A controvérsia entre currículo acadêmico versus não acadêmico é um dos maiores dilemas nas definições curriculares e
favorece o debate em torno de outro dilema: a relação entre universalismo e relativismo. Enquanto o universalismo acredita na
existência de conhecimentos superiores aos demais, por terem um valor de verdade (caso dos conhecimentos acadêmicos), o relativismo
anuncia a aceitação dos múltiplos saberes existentes no mundo. 
1.3.2 Teorias pós-críticas: Pós-Modernismo e Pós-Estruturalismo
O Pós-Modernismo é um movimento intelectual que questiona os valores, princípios e pressupostos do pensamento social e político
fundados a partir do Iluminismo, na Europa do século XVII. O Iluminismo se caracteriza por ser um período em que filósofos e intelectuais
europeus se centraram em desenvolver uma lógica racional das ideias, enfatizando o método científico como caminho para se obter
respostas às perguntas e questões sobre diferentes aspectosda vida humana. Os pensadores iluministas eram defensores dos chamados
valores republicanos, de ideias como a separação entre o Estado e a Igreja e a criação de governos constitucionais, bem como dos ideais
de liberdade, igualdade, fraternidade, progresso e tolerância. O pensamento iluminista é identificado com o que chamamos de
Modernidade (SILVA, 2015).
Reivindicando que estamos em um momento histórico muito diferente do anterior (Modernidade), o Pós-Modernismo critica os cânones
e regras do pensamento clássico, especialmente nas artes e na literatura. A Pós-Modernidade, surgida a partir do século XX, se caracteriza
por sua desconfiança da suposta racionalidade do pensamento científico e afirma que existem outras possibilidades de compreensão do
Figura 6 - Conteúdos acadêmicos separados em disciplinas escolares.
Fonte: gvictoria, Shutterstock, 2018.
mundo, dos sujeitos e de suas relações. O Pós-Modernismo também ataca a noção estética de pureza, abstração e funcionalidade,
presente no pensamento artístico desenvolvido na Modernidade (SILVA 2015, p. 111).
Ao lançar novas ideias e propor rupturas epistemológicas, o Pós-Modernismo tem importantes implicações no currículo. Enquanto a
Modernidade pensa a escola e o currículo como um local de transmissão do conhecimento científico e defende a formação de seres
humanos racionais e autônomos, capazes de atuar como cidadãos ativos na vida democrática, a Pós-Modernidade desconfia da noção
de progresso, presente no pensamento moderno, e questiona o privilégio conferido ao humanismo, como forma de interpretação do
mundo. Em se tratando do currículo, o Pós-Modernismo radicaliza o pensamento crítico, em relação ao tratamento dado ao
conhecimento hegemônico (SILVA, 2015). Ressalta que a realidade, assim como o conhecimento, é fragmentada, híbrida, parcial e
arbitrária, e o cenário é de incerteza, de dúvida e de indeterminação.
A contemporaneidade é marcadamente descentrada e dispersa, as identidades são transitórias e múltiplas, e o currículo pós-moderno é
incompatível com o modelo curricular existente, seja na vertente crítico-social ou na vertente popular. De acordo com Silva (2015, p. 116):
“[...] o Pós-Modernismo assinala o fim da pedagogia crítica e o começo da pedagogia pós-crítica.”
Nesse pensamento de ruptura e mudança, encontra-se também o Pós-Estruturalismo, que frequentemente é confundido com o Pós-
Modernismo. Embora seja uma categoria bastante ambígua, no que se refere a correntes de pensamento, Pós-Estruturalismo e Pós-
Modernismo pertencem a campos distintos do conhecimento (SILVA, 2015). O Pós-Modernismo se define a partir da ideia de mudança de
uma época, enquanto o Pós-Estruturalismo teoriza sobre as chamadas estruturas de linguagem e o processo de significação. Os
principais campos de atuação do Pós-Estruturalismo são a Linguística, a Teoria Literária, a Filosofia, a Antropologia e a Psicanálise.
Entre os principais questionamentos dos Pós-Estruturalismo está a noção de fixidez e rigidez proposta pelo estruturalismo à ideia de
significado. Mantendo a ideia de significado existente no estruturalismo, o Pós-Estruturalismo advoga pela existência de uma fluidez,
uma incerteza e uma indeterminação, o que geraria um indeterminismo nos processos de significação. O Pós-Estruturalismo rompe com
a noção filosófica de existência de um sujeito do humanismo e da filosofia da consciência estruturalista. Para ele, o sujeito é uma
invenção cultural, social e história, não existindo nenhuma noção originária e essencial pré-existente. Considera que saber e poder não
são instâncias isoladas. Nesse sentido, não haveria poder sem um saber que o constrói, nem um saber que não seja uma expressão de
uma vontade de poder (SILVA, 2015, p. 120).
Apesar de os autores do currículo afirmarem que não se pode falar na existência de uma teoria pós-estruturalista de currículo, o Pós-
Estruturalismo tem implicações no campo (LOPES e MACEDO, 2011; SILVA, 2015). Elaborar uma proposição curricular seria incoerente
com o pensamento pós-estruturalista, e isso nos leva a questionar como seria um currículo nessa perspectiva. A resposta está nas
contribuições que esse pensamento pode nos trazer, ao planejarmos um currículo. As grandes narrativas (noção de verdade) serão mais
fortemente interrogadas, assim como os binarismos ou dicotomias (científico/não científico; masculino/feminino; branco/negro;
heterossexual/ homossexual) serão colocados em xeque no currículo.
1.4 Teorias de currículo
O desenvolvimento do Campo do Currículo explicita as diversas noções acerca do conhecimento, presentes na esfera educacional. À
medida que as elaborações teóricas se sucedem, percebemos que as dimensões mais práticas e operacionais do currículo dão lugar às
dimensões mais filosóficas e questionadoras das experiências curriculares.
Nesse tópico, daremos continuidade à apresentação das tendências presentes nas Teorias Pós-Críticas, apresentando outros
questionamentos e reflexões que nos ajudam a problematizar esse artefato cultural: o currículo. 
1.4.1 Teorias pós-críticas: multiculturalismo
O multiculturalismo tem como eixo central a diversidade cultural, ainda que seus usos e significados sejam distintos (GONÇALVES; SILVA,
2006). Defini-lo é tarefa arriscada, sujeita ao fracasso, devido às múltiplas facetas do termo. É imprescindível especificar o sentido
atribuído ao termo. Em linhas gerais, o multiculturalismo reconhece a existência de diferenças culturais e/ou raciais, mas pode ser
utilizado com fins inclusivos ou para fins segregacionistas (separatistas).
Na dimensão política, o multiculturalismo aparece caracterizado pela necessidade de rever e ressignificar os conceitos de direitos
humanos, democracia e cidadania. A discussão multicultural tem por objetivo articularas múltiplas reivindicações identitárias, de
diferentes grupos, à afirmação de padrões culturais particulares e à garantia da existência de uma representação política. A discussão
multicultural se comprometeria a identificar a presença de ambiguidades e de tensões entre os significados de igualdade e equidade,
igualdade e diferença, liberdade e diferença, liberdade e justiça, no tratamento legal e jurídico dos direitos de grupos plurais
(GONÇALVES; SILVA, 2006).
Questionam-se injustiças provenientes do discurso universalista, presente nas políticas públicas, nas quais, em geral, não são
consideradas as singularidades e as necessidades de determinados grupos culturais. Nessa dimensão, é necessário ressaltar a existência
de ações governamentais que geram (ou geraram) formas de exclusão de indivíduos, devido às suas diferenças. Regimes e leis
segregacionistas, como o Apartheid da África do Sul e as leis de segregação dos Estados Unidos, são tão multiculturais quanto realidades
que buscam a integração de diferentes grupos. 
Estrelado por Denzel Washington, o filme Um grito de liberdade (1987) retratou a história de Steve Biko, ativista negro sul-africano que lutou contra o Apartheid e foi
assassinado na prisão. O filme exemplifica como o multiculturalismo pode ser utilizado para hierarquizar pessoas, em função de sua cor da pele e sua origem. O Apartheid
foi um regime de segregação racial adotado entre 1948 e 1994, na África do Sul, que reprimia violentamente qualquer tentativa de protesto. Sua vítima mais conhecida foi
Nelson Mandela (1918-2013).
O multiculturalismo tem sido, também, utilizado como um “corpo teórico”, com a função de orientar ou auxiliar a produção do
conhecimento. Assim, o discurso multicultural vem questionando o conhecimento transmitido pelas diversas instâncias produtoras e
transmissoras de cultura (GONÇALVES; SILVA, 2006). Nessa transmissão cultural estariam se firmando visões estereotipadas e
etnocêntricas, através de vozes hegemônicas. Seria objetivo dos estudos e práticas multiculturais buscar formas distintas de se construir
e interpretar a realidade, mostrando a necessidade da abertura para a pluralidade de vozes e de culturas presentes no mundo social.
Podemos identificar duas vertentesno multiculturalismo. A primeira, chamada de “multiculturalismo liberal” ou “humanista”, se
caracteriza por se apoiarem em uma compreensão de cultura em que as diferenças culturais são consideradas meras manifestações
superficiais de características mais profundas. Esse tipo de multiculturalismo, em nome de uma pretensa humanidade comum
(perspectiva universalista), defende ideias como respeito, tolerância e convivência pacífica entre os diferentes. Questionando essa noção,
podemos dizer que as relações de poder estariam intactas, uma vez que o discurso da “tolerância” provocaria uma certa superioridade,
de quem a pratica, enquanto a ideia de “respeito” poderia implicar em um “essencialismo cultural”, no qual as diferenças culturais são
consideradas fixas e definitivamente estabelecidas. Essa perspectiva liberal não considera as representações de “raça”, de gênero e de
classe como sendo resultantes de lutas sociais mais amplas em torno de significados (SILVA, 2015).
A segunda vertente é de perspectiva crítica e considera que as diferenças culturais não podem ser vistas isoladas das relações de poder e
dos contextos sócio-históricos dos sujeitos. Assim, tanto a diferença quanto a própria definição do que seja “humano” estão imbricadas
em relações de poder. O multiculturalismo crítico enfatiza o papel da linguagem e das representações na construção do processo de
significação e na construção de identidades.
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Considerando que os sistemas educacionais são um poderoso suporte para a “transmissão de conhecimentos”, produzindo e
trabalhando com a cultura dominante, os multiculturalistas fizeram da instituição escolar um privilegiado campo de atuação. Um
currículo multiculturalista crítico insistiria, permanentemente, em pôr em pauta a análise dos processos pelos quais as diferenças são
construídas, enfatizando a necessidade de transformação nas relações sociais, culturais e institucionais, nos quais significados são
gerados. Não há a crença na possibilidade de consenso no campo cultural. A ênfase está na necessidade de uma mobilização política, em
que a diversidade seja afirmada, em uma política cultural crítica, compromissada com a justiça social.
1.4.2 Teorias pós-críticas: Pós-Colonialismo
O histórico de colonialismo, de racismo, de escravidão, de desigualdade e de exclusão social, de negação do outro e de consolidação de
um modelo específico de sociedade orienta e norteia a crítica pós-colonial.
Os estudos pós-coloniais se caracterizam por interrogar os efeitos do colonialismo presentes nas relações sociais e nos espaços
institucionais situados nas antigas colônias. Esses estudos se propõem a criticar a modernidade ocidental, que se constituiu a partir da
lógica capitalista, patriarcal e racista. Partem da ideia de que o colonialismo europeu gerou sistemas de opressão variados, operados
eficientemente por uma noção de colonialidade presente no sistema-mundo capitalista, em benefício da manutenção de relações de
poder que favoreceram os países colonizadores (FANON, 2008).
Segundo Said (2007), tais relações de poder são alinhadas à lógica binária que localizou metrópoles e colônias em campos opostos: o
mundo civilizado e o mundo não civilizado (bárbaro). As dicotomias são um traço marcante do colonialismo, bem como da modernidade,
e as práticas sociais e culturais no interior dessa realidade colonial geraram uma disposição para entender o mundo nessa lógica binária.
Essa visão pode nos auxiliar a compreender mais sobre as motivações, disposições e tendências a se incorporar certos discursos,
legitimar certos conhecimentos e validar certos modelos curriculares, enquanto outros discursos, outros conhecimentos e outros
modelos curriculares são negligenciados ou negados pelas escolas.
Figura 7 - Pessoas com biótipos e características sociais diferentes representam a diversidade cultural.
Fonte: Daxiao Productions, Shutterstock, 2018.
De acordo com Silva (2015), a institucionalização da educação, a partir do século XIX, se sustenta em alguns pilares como a
universalização de conhecimentos, a homogeneização dos procedimentos, a generalização de processos, entre outros. Esses pilares
estão ancorados no pensamento universalista, que considera a (suposta) existência de saberes e conhecimentos “públicos”, revestidos de
neutralidade ideológica e passiveis de generalização, aos quais todos deveriam ter acesso. O princípio universalista concebe uma escola
e um currículo que são constituídos de valores comuns, independentemente do contexto ou de interesses particulares, o que resulta em
um modelo educacional que unifica a diferença e a diversidade (LOPES; MACEDO, 2011; SILVA, 2015).
Os muitos defensores desse modelo de educação e de seus pilares são credores de uma lógica de pensamento que se instituiu e se
consolidou no advento da modernidade. Forquin (2000), por exemplo, ao tratar dos debates no campo da Educação sobre a controvérsia
entre universalismo e relativismo na França, argumenta que o universalismo, intrínseco ao pensamento científico, e o relativismo,
advindo da “pluralidade dos modos de vida, dos conhecimentos especulativos do mundo e das sensibilidades culturais”, são (ou podem
ser) dois “pilares complementares” da construção curricular, não se tratando exatamente de dois opostos (FORQUIN, 2000, p. 49).
O argumento central de Forquin (2000) em defesa de um universalismo e, principalmente, de um relativismo “permitido”, desde que
restrito a campos específicos (humanidades), desconsidera três aspectos imprescindíveis ao entendimento da crítica pós-colonial. O
primeiro se refere à dimensão cultural presente em toda e qualquer produção humana. Somos orientados por nossos valores e modos de
vida, em qualquer tipo de conhecimento produzido, desse modo, não podemos afirmar que o universal não seja crivado pela marca da
cultura. O segundo aspecto é a existência de relações de poder no pensamento ocidental moderno (lógica universalista), e o terceiro, os
efeitos dessas relações de poder na criação da dicotomia universalismo versus relativismo.
1.4.3 Teorias pós-críticas: Estudos Culturais
Os Estudos Culturais são um campo de teorização e investigação de natureza interdisciplinar, que combina as chamadas Humanidades.
Têm sua origem na criação do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, na Universidade Birmingham, Inglaterra, em 1964. Na
atualidade, os Estudos Culturais possuem várias vertentes distintas. Suas perspectivas teóricas seguem a mesma lógica de diversidade,
com influências de vários campos disciplinares.
Alguns estudos se mantêm nas vertentes marxistas, enquanto outros se amparam no Pós-Estruturalismo, no Pós-Modernismo ou no Pós-
Colonialismo, o que faz com que o campo seja muito heterogêneo. Nas temáticas abordadas podemos perceber essa diversidade.
Algumas abordam questões de raça e de etnia, outras abordam questões de gênero e/ou de sexualidade, e outras, ainda, propõem
intersecções dessas temáticas.
Silva (2015) afirma que o que distingue os Estudos Culturais de outras correntes pós-críticas é a ênfase em uma análise da cultura,
entendendo cultura em um sentido amplo, “[...] como forma global de vida ou como experiência vivida de um grupo social” (SILVA, 2015,
p. 133). Cultura, nesse sentido, é entendida como um campo de luta em torno da significação social e um jogo de poder. Os Estudos
Culturais articulam cultura, significação, identidade e poder.
Nos trabalhos dos Estudos Culturais, procura-se destacar, entre outras coisas, que ênfase é dada nas propostas curriculares das escolas
sobre a questão da diversidade, o que caracteriza o trabalho docente e, principalmente, que formas de conhecimento são corporificadas
no currículo. O currículo é entendido como um artefato cultural e social, que contribui para a produção de identidades culturais e sociais.
Síntese
Concluímos este estudo, pelo qual foi possível aprender um pouco mais sobre a constituição do Campo do Currículo, compreendendo
algumas de suas nuances teóricas e analíticas. 
Neste capítulo, você tevea oportunidade de:
compreender que definir currículo é uma tarefa complexa e que essa definição envolve sentidos particulares e tendências de
pensamento;
conhecer a constituição do campo de estudos do currículo, suas correntes iniciais e o desenvolvimento do pensamento
tradicional;
conhecer os primeiros movimentos das Teorias Críticas;
identificar os movimentos brasileiros Educação Popular e a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos, e sua influência nas
práticas curriculares;
conhecer as Teorias Pós-Críticas, como o Pós-Modernismo e o Pós-Estruturalismo, o Multiculturalismo, o Pós-Colonialismo e os
Estudos Culturais.
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